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Lincoln Institute of Land Policy
Diagnóstico sobre o IPTU
Claudia M. De Cesare 1 & Martim Smolka 2
Apresentação
O desempenho do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana [IPTU] na
última década adverte sobre a incapacidade estrutural de obter níveis aceitáveis de
eficiência, equidade e efetividade na sua gestão em nível nacional. Embora existam
experiências individuais bem sucedidas, o papel destas experiências no contexto nacional é
inócuo, quer seja para a melhoria do medíocre desempenho do IPTU como fonte de receita,
quer seja para assegurar padrões mínimos de qualidade fiscal no território. O nível de
empobrecimento crescente observado nas cidades brasileiras e os inúmeros benefícios de
instituir um imposto vigoroso sobre a propriedade imobiliária alertam para a necessidade da
preparação de uma agenda com abrangência nacional que contemple a capacitação,
organização e estruturação dos municípios para a gestão do IPTU e demais instrumentos
fiscais de natureza imobiliária.
1. Caracterização do IPTU
O imposto sobre a propriedade imobiliária é a alternativa mais adotada pelos governos
municipais para financiar serviços públicos, sendo reconhecido como um tributo direto,
altamente visível, que incide sobre o principal elemento na formação do patrimônio das
famílias. No início dos anos 90, a Internacional Association of Assessing Officers (IAAO)
havia identificado que o tributo já era adotado em aproximadamente 130 países com
variada importância.
Em comparação com alternativas fiscais, há uma séríe de argumentos usualmente
empregados para justificar a instituição de um tributo com tais características. Dentre as
virtudes mais notáveis, podem ser destacados os aspectos enumerados no Quadro 1.
1
Claudia M. De Cesare. Prefeitura de Porto Alegre, Lincoln Institute of Land Policy (Teaching Faculty) e
International Institute of Property Tax (Advisory board). [email protected]
ou
[email protected]
2
Martim O. Smolka. Senior Fellow e Diretor do Programa para América Latina e Caribe do Lincoln Institute
of Land Policy. [email protected].
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Quadro 1 – Principais características do imposto sobre a propriedade imobiliária
Incidência
Possui uma ampla base tributável. Devido à universalidade do fato gerador, o
imposto atua como uma forma de promover a cidadania na medida em que
alerta para a responsabilidade de todos os cidadãos no financiamento dos gastos
públicos.
É um imposto que não destrói a sua base fiscal. Pelo contrário, investimentos
públicos em equipamentos urbanos e serviços públicos tendem a ser
capitalizados em incrementos nos preços dos imóveis, ampliando assim a base
tributável.
Praticidade
Receita
A receita arrecadada é previsível, estável e pode ser facilmente alocada em
termos geográficos. Ou seja, um imposto desta natureza não gera disputas entre
os municípios sobre a competência tributária.
No mesmo contexto, é um imposto que não é afetado pela globalização.
Boa potencialidade de produção de receita, quando administrado de forma
eficaz.
Na grande maioria dos casos, a tributação imobiliária é um conceito familiar
não apenas para os técnicos e administradores municipais, como também para
os contribuintes.
A sonegação é difícil de ocorrer, ou melhor, pode ser evitada através de um
processo efetivo de fiscalização.
Possibilita o uso da propriedade como garantia para evitar a evasão tributária.
Além do mais, a instituição de um imposto sobre a propriedade imobiliária pode corrigir
ineficiências causadas pelos impostos sobre o consumo, os quais usualmente excluem o
consumo anual do serviço da habitação da sua base de cálculo. Cabe notar que o imposto
sobre a propriedade imobiliária assume um papel quase que simbólico no processo de
descentralização fiscal, sendo freqüentemente o primeiro tributo a ser delegado aos
municípios.
Por outro lado, deve-se observar que o potencial do IPTU como um instrumento
privilegiado para promover o desenvolvimento urbano tem sido em larga medida
desprezado, tanto por técnicos em finanças públicas locais, quanto por urbanistas. Enquanto
os técnicos tendem a focalizar na geração pura de receita, ignorando em larga medida os
efeitos da política fiscal sobre o uso de solo e, conseqüentemente, seu impacto no valor dos
imóveis, ou mesmo sua influencia no funcionamento do mercado imobiliário, os urbanistas
raramente consideram na tomada de decisão os efeitos que alterações na regulação de uso
de solo podem causar sobre as finanças locais. Não obstante, sinergias importantes
proporcionadas pelo imposto incluem os seguintes aspectos:
i- Como discutido anteriormente, investimentos na provisão de equipamentos urbanos e
serviços públicos tendem a ser capitalizados no valor dos imóveis beneficiados. Nestes
termos, investimentos se auto-financiam com recursos gerados pelos impostos que
incidem sobre estes imóveis, ao mesmo tempo em que um aumento na carga tributária é
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justificado pelos benefícios gerados por estes investimentos em relação ao valor dos
imóveis afetados. Devido ao fato de que o preço de terrenos nada mais é do que
acumulação de incrementos no valor da terra ao longo do tempo, um imposto que incide
sobre o valor da terra pode atuar como um instrumento de recuperação das valorizações
imobiliárias geradas por investimentos públicos e/ou mudanças nas normas de
regulação sobre o uso do solo, tais como conversão de zona rural em urbana, alteração
de densidades ou zoneamento.
ii- Por aumentar o custo de retenção da terra ociosa, o imposto que incide sobre o valor da
terra estimula a sua disponibilização imediata e, por conseguinte, reduz o seu preço. Ou
seja, como discutido por Bahl e Linn (1992), a capitalização do imposto reduz o preço
do terreno e facilita o acesso a terra 3.
Um imposto vigoroso sobre o valor dos imóveis pode ser utilizado como instrumento de
incentivo à reabilitação ou re-desenvolvimento de áreas deterioradas na medida em que
estes investimentos poderiam ser financiados pelo imposto.
iii- O imposto contribui para o conhecimento do patrimônio imobiliário das cidades e do
perfil de ocupação do território, o qual pode ser empregado na construção de
indicadores capazes de orientar a tomada de decisão na esfera pública. Prova disto é
que os municípios que melhor arrecadam o IPTU são justamente (‘et pour cause’) os
mais habilitados a políticas urbanas por dispor de um conhecimento diferenciado da
realidade local.
2. Importância do imposto como fonte de recursos
No Brasil, o IPTU é o principal imposto que incide sobre a propriedade imobiliária. De
acordo com dados da FGV (2000)4, o IPTU estava instituído em aproximadamente 90%
dos municípios brasileiros no final dos anos 90.
3
“... los precios del suelo urbano son frecuentemente tan altos que la población de bajos ingresos no tiene
cómo comprarlo, en virtud de su renta disponible y condiciones prevalecientes en el mercado de capitales,
que les impiden acceder a financiamientos con tasas impositivas accesibles. En la medida en que la receta de
impuestos sobre el suelo tiende a ser capitalizada en menores valores del suelo (ya que tal impuesto reduce la
rentabilidad futura esperada sobre el suelo), dicha receta expropiaría parcialmente los derechos del
propietarios corriente y constituye también un préstamo a los futuros propietarios, que ahora pueden
adquirir el suelo a precios más bajos, aunque teniendo que pagar mayores impuestos prediales en el futuro.
Si la población de bajos ingresos no puede comprar tierra por falta de liquidez y acceso al mercado de
capitales, el impuesto sobre la propiedad puede representar un instrumento de política para ampliar su
acceso a la propiedad de suelo”. Bahl, Roy W. and Johannes F. Linn. Urban Public Finance in Developing
Countries. Washington DC: Published for the World Bank by Oxford University Press, 1992 p.168.
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FGV - Fundação Getúlio Vargas. 2000. Manual de Orientação para Crescimento da Receita Própria
Municipal.
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Juntamente com o imposto territorial rural (ITR) e o imposto sobre a propriedade de
veículos automotores, o IPTU é um dos raros impostos que efetivamente incidem sobre a
riqueza no país, cujas raízes patrimonialistas legaram o povo brasileiro a conviver com a
situação em que a riqueza é reconhecidamente pior distribuída do que a renda. Importante
lembrar que, de acordo com dados do World Bank (2003)5, a concentração de renda do
Brasil é uma das mais altas do mundo. Nestes termos, a existência de um imposto com a
natureza do IPTU apresenta a potencialidade de contribuir para tornar o sistema tributário
nacional menos regressivo e, portanto, mais justo.
De um modo geral, a estrutura regressiva do atual sistema tributário, que utiliza o consumo
como sua principal fonte de receita, é amplamente reconhecida. Tributos sobre o consumo,
os quais tendem a absorver uma percentagem maior de renda das classes econômicas mais
desfavorecidas da população, representam aproximadamente 50% da carga tributária
nacional (Fonte: Ministério da Fazenda – Secretaria da Receita Federal. 2003).
Por outro lado, o IPTU é um imposto de fundamental importância para a autonomia dos
municípios, representando tipicamente 30% do esforço tributário próprio. Entretanto, no
caso Brasileiro, diversos estudos identificam que o IPTU é ineficientemente explorado
como fonte de receita (Veja Alonso 19916; Smolka e Furtado 19967; De Cesare 19988).
Enquanto o imposto sobre a propriedade imobiliária representa de 2,5 a 3,5% do PIB em
países como a Austrália, o Canadá, os Estados Unidos, Nova Zelândia ou Reino Unido,
sendo como atingir 1% do Produto Interno Bruto (PIB) mesmo onde o imposto foi
recentemente instituído, como no caso da Polônia, o IPTU representa menos do que 0,5%
do PIB no Brasil. De fato, os valores cobrados para fins de IPTU são simbólicos em muitas
partes do país.
Interessa notar que o imposto sobre veículos automotores (IPVA) tem sido nos últimos
anos mais importante em termos financeiros do que o IPTU. Enquanto o IPVA representou
0,53% do PIB em 2002, o IPTU representou apenas 0,43% do PIB no mesmo período. Na
realidade, é comum identificar que o IPTU custa menos do que a taxa de condomínio paga
pela grande maioria dos apartamentos. Por exemplo, empregando uma amostra de dados
referentes a apartamentos residenciais localizados na cidade Porto Alegre, foi identificado
que o IPTU representou em média 12% da quantia paga de taxa de condomínio (De Cesare
2003) 9. Ou seja, a inversão de valores é visível: a ‘taxa’ para usufruir o prédio supera o
imposto da cidade, que pode ser entendido como uma ‘taxa’ para usar os serviços de
infraestrutura urbana da cidade.
5
International Bank for Reconstruction and Development. 2003. 2003 – World Development indicators.
The World Bank. USA.
6 Alonso, J. A. F. 1991. O Papel do IPTU Face às Transformações na Economia de Porto Alegre.
Indicadores Econômicos da FEE: Análise Conjuntural 19-3: 138-145.
7
Smolka, M. O. and F. Furtado. 1996. Argumentos para a Rehabilitação do IPTU e do ITBI como
Instrumentos de Intervenção Urbana (Progressista). Espaço e Debates 39-16: 87-103
8
De Cesare, C. M. 1998. An Empirical Analysis of Equity in Property Taxation: A Case Study from
Brazil. PhD Thesis. University of Salford: Salford, UK.
9
De Cesare, C. M. 2003. IPTU 2003. Prefeitura de Porto Alegre. Secretaria Municipal da Fazenda (Texto
interno).
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Vale também notar que a classe média em geral gasta quantia superior ao pagamento de
IPTU em despesas escolares. Em países nos qual o imposto atua de forma mais vigorosa,
como, por exemplo, nos Estados Unidos, é possível financiar um sistema de ensino
qualidade somente com a arrecadação do imposto.
Por fim, estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas1 (FGV) verificou que o IPTU
representou, em média, aproximadamente R$ 9,00 por propriedade em 1998. Observa-se
aparentemente um círculo vicioso que perpetua a inércia do sistema fiscal: Na medida em
que a importância do IPTU como fonte de receita é pequena, há um desestimulo na sua
administração, consolidando ainda mais a sua pouca importância como fonte de ingressos.
Na prática não se verifica qualquer melhoria significativa, a nível nacional, no desempenho
do imposto desde 1995. As oscilações observadas são pequenas – entre 0,43 e 0,48% do
PIB -, e pode-se observar uma tendência negativa de crescimento do imposto a partir de
1999.
O importante, contudo, é perceber que o desempenho medíocre do IPTU se deve
fundamentalmente a práticas insatisfatórias de lançamento e arrecadação do
imposto. Desta forma, vale afirmar que a proposta de qualificação deste
instrumento fiscal não pauta o aumento indiscriminado da carga fiscal, mas
corrigir as inúmeras iniqüidades, ineficiências e deficiências freqüentemente
observadas na gestão do imposto.
3. Fatores críticos para o desempenho do imposto
Empregando o modelo conceitual proposto por Kelly (2000)10 fornecido a seguir, é possível
identificar os principais fatores responsáveis pelo desempenho do imposto em termos de
receita.
Receita do imposto = Base de cálculo * TR * CVR * VR * CLR
Onde: TR é a alíquota; CVR é a taxa de cobertura do cadastro;
VR é o nível avaliatório; e CLR é a taxa de eficiência na
arrecadação do imposto.
É importante notar a autonomia relativa dos fatores que concorrem na determinação de
cada um destes componentes, os quais de forma multiplicativa determinam a receita
arrecadada com o imposto. Como resultado, a melhoria do desempenho de dois ou mais
destes componentes produzem um efeito maior do que a soma dos efeitos individuais.
10
Kelly, R. 2000. Designing Effective Property Tax Reforms in Sub-Saharan Africa: Theory and International
Experience. IPTI Third Annual Conference: Africa Property Tax Renaissance Conference. Cape Town,
South Africa.
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A base de cálculo e as alíquotas são os aspectos relacionados à política fiscal no modelo,
enquanto os demais fatores especificados no modelo são fundamentalmente relacionados
com a administração do imposto. Assumindo a base de cálculo e as alíquotas como parcelas
fixas no modelo, pode-se estimar a receita não arrecadada devido a ineficiências de caráter
administrativo (Vide o exemplo apresentado a seguir).
Figura 1 – Exemplo numérico de aplicação do modelo para cálculo da receita do IPTU
Receita do imposto= Base de cálculo * TR * CVR * VR * CLR
K
Situação 1
CVR = 30%; VR=30%, CLR=30%
Receita do imposto= 0,027* K
Na Situação 1, 2,7% da receita potencial é
arrecadada com o imposto na medida em que
apenas 30% dos imóveis estão cadastrados, o
nível de avaliação é de 30% em relação ao
valor de mercado; e 30% do imposto lançado
é arrecadado.
Situação 2
CVR = 60%; VR=60%, CLR= 60%
Receita do imposto= 0,216* K
Melhorando a administração do imposto
(Situação 2), isto é, aumentando cada um dos
fatores para 60%, a arrecadação seria de
21,60% da receita potencial.
Embora cada um dos fatores - CVR, VR e CLR – tenha aumentado em 100% (da Situação 1 para
a 2) , o efeito simultâneo da melhoria dos três fatores representa um aumento de 700% em termos
de receita.
Conforme será examinado no item a seguir, fatores determinantes do pobre desempenho do
IPTU como fonte de receitas no Brasil incluem o baixo nível das avaliações em relação ao
valor dos imóveis, elevado grau de omissões cadastrais e baixa eficiência na arrecadação do
imposto.
4. Diagnóstico da Situação
4.1 Análise de fatores críticos para o desempenho do imposto
Cadastro – apesar de essencial, as condições atuais dos cadastros são, via de regra,
inadequadas para o desempenho não apenas das funções fiscais como, de forma mais
abrangente, para a gestão da cidade. Entre as debilidades verificadas com freqüência,
destacam-se:
i-
Reconhecimento apenas da cidade ‘legal’, em um país fortemente marcado pela
proliferação de ocupações e loteamentos irregulares ou clandestinos;
ii- Omissões de áreas construídas em imóveis cadastrados;
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iii- Falta de conexão entre as informações alfanuméricas e aquelas de natureza
cartográficas, favorecendo a ocorrência de erros nos atributos cadastrais. Há risco de
duplicação de lançamentos e, não raro, situações em que a soma das áreas dos lotes de
uma determinada quadra é inferior à área da quadra;
iv- Falta de integração direta entre cadastro e registro imobiliário;
v- Precária orientação das autoridades locais, notadamente das jurisdições menores, sobre
as alternativas tecnológicas para sistemas cadastrais acarretando com freqüência a
compra/contratação11 de produtos superdimensionados e/ou inadequados à realidade e
necessidades locais. É comum, a convivência com sistemas cadastrais incompletos
tanto técnica como operacionalmente, bem como a limitada capacidade em termos de
recursos humanos para operar tais sistemas; e,
vi- Inexistência de mecanismos que garantam atualizações contínuas.
A autonomia plena dos municípios na gestão cadastral resulta em uma acentuada
variação no nível e na qualidade de informação existente sobre o território
nacional. Investimentos pontuais e segmentados em sistemas cadastrais tendem a
resultar em maior custo operacional, reduzindo significativamente a capacidade
de uso de recursos tecnológicos avançados para a grande maioria dos municípios
Brasileiros.
Avaliação de imóveis - distorções e erros na determinação da base de cálculo do
imposto afetam diretamente a distribuição da carga tributária. A baixa qualidade das
avaliações, isto é, imperfeições de caráter essencialmente administrativo, fazem com
que a carga tributária seja equivocadamente transferida entre diferentes grupos de renda
e, mesmo internamente, entre os indivíduos que compõem cada grupo.
A instituição internacional que regulamenta o desempenho das avaliações realizadas para
fins tributários é a International Association of Assessing Officers (IAAO). Nas normas
instituídas pela Associação, é recomendado o uso da mediana e do coeficiente de dispersão
da mediana [CD] entre o valor avaliado e o preço de venda para analisar o nível e a
uniformidade das avaliações respectivamente12. Tendo em vista garantir a equidade fiscal, o
IAAO estabelece que a variabilidade máxima aceitável para as avaliações deve ser inferior
a 15%.
11
Desnecessário lembrar que nem todos os provedores privados destes serviços são devidamente escrupulosos
na oferta do produto.
12
A mediana indica o nível intermédio pelo qual um grupo de imóveis foi avaliado em relação aos valores
praticados no mercado de imóveis, demonstrando quão próximos os imóveis foram avaliados do nível legal
das avaliações. O CD é expresso em termos percentuais e indica a variabilidade das avaliações, ou melhor, o
grau de uniformidade das avaliações. Quanto mais próximo de zero o CD, mais uniformes são as avaliações.
Por analogia, quanto maior o CD, mais iniqüidade existe nas avaliações.
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No Brasil, não são exigidos padrões mínimos de desempenho para as
avaliações desenvolvidas para fins tributários. Como resultado, o nível das
avaliações é, em geral, baixo em relação aos preços praticados no mercado e
situações de falta de isonomia tributária; e é comum regressividade na
distribuição da carga tributária.
O desafio a ser enfrentado não é simplesmente aumentar o nível avaliatório, mas o de
promover uma maior uniformidade nestas avaliações. Mesmo no caso da cidade de Porto
Alegre, que pode ser considerado um município relativamente bem organizado no contexto
brasileiro, verifica-se uma dispersão dos valores venais em relação ao valor de mercado,
com variações arbitrárias no nível das avaliações entre 5 e 80% do valor de mercado dos
imóveis. Os poucos estudos disponíveis sobre o tema tendem a confirmar a hipótese de que
quanto maior o valor do imóvel maior tende a ser o hiato entre o valor de mercado e o da
estimativa fiscal.
Mais além, não há qualquer exigência legal de manutenção de intervalos curtos entre as
avaliações realizadas para fins tributárias. A ausência de avaliações freqüentes beneficia os
imóveis que mais valorizaram durante o período. A definição legal de ciclos avaliatórios
máximos é comum em diversos países, incluindo Costa Rica, Canadá, Chile, Hong Kong
ou Estados Unidos. Por outro lado, não raro podem ser observadas situações de
subavaliação dos imóveis ‘compensadas’ por aumentos indiscriminados de alíquotas. Esta
prática que trata uma questão inerentemente técnica - a avaliação dos imóveis - como
política e uma questão inerentemente política - a alíquota do imposto - como um artifício
técnico paliativo provoca uma forte deformação na distribuição da carga fiscal e contribui
para a desmoralização do IPTU.
O IPTU de forma idiossincrática e injustificada constitui o único imposto cuja
mera atualização da base de cálculo necessita de sanção do Poder Legislativo.
Conseqüentemente, é comum a forte influência política sobre a determinação
técnica do valor da base de cálculo do imposto. A despolitização das
atividades de cunho técnico é fundamental para a qualificação do sistema
fiscal.
Arrecadação - de acordo com o IBGE, a evasão do imposto é menor do que 20% em
apenas 13% dos municípios. O desempenho precário na arrecadação do IPTU pode ser
explicado pelos seguintes aspectos:
i-
Programas de educação fiscal inexistentes ou mal-concebidos/formulados;
ii- Atendimento aos contribuintes tende a ser precário. Inoperância administrativa é
freqüentemente observada no acesso à informação e nas rotinas estabelecidas ou
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impostas no cumprimento das obrigações tributárias. Não raro, o contribuinte é tratado
com desrespeito, quando não é assumido como um potencial delinqüente;
iii- Nem sempre, há transparência na prestação de contas sobre a utilização da receita
arrecadada;
iv- A morosidade na cobrança do imposto é observada não apenas na esfera judicial, como
também na administrativa, com perda de receita gerada por prescrição ou decadência;
e,
v- Falta de iniciativas inovadoras para formulação de mecanismos de resolução de
conflitos fiscais.
vi- Vícios importantes produzidos pela própria autoridade fiscal como as costumeiras
‘anistias fiscais’ contribuem para a impunidade e estimulam a delinqüência fiscal;
As deficiências discutidas, freqüentemente observadas na administração do IPTU,
facultam a algumas famílias usufruir serviços públicos sem compartilhar com as
despesas associadas à provisão e manutenção destes serviços. O mais grave é que
famílias com a mesma capacidade econômica, podem receber tratamento fiscal
distinto dependendo da forma com que se deu o acesso original a terra, o
cadastramento, a categorização ou avaliação do seu imóvel.
Apesar dos inúmeros benefícios gerados pelo imposto sobre a propriedade imobiliária, o
IPTU é, de fato, um imposto que requer esforço administrativo para apresentar um
desempenho satisfatório (Bird 199913).
No Brasil, há uma ampla margem para melhoria na arrecadação, que pode ser confirmada
através de algumas experiências bem sucedidas que comprovam a margem que se tem para
a melhoria do imposto. Por exemplo, em Porto Alegre, no início dos anos 90, o aumento da
credibilidade do governo, obtido a través do orçamento participativo, serviu de base para a
implementação de um amplo programa de reforma fiscal, abrangendo qualificação
cadastral, reavaliação dos imóveis e introdução de alíquotas progressivas. O resultado foi
um aumento da arrecadação do IPTU, em valores reais, de R$ 36 para R$ 87,9 milhões em
um período de um ano (de 1990 a 1991). De forma semelhante, um crescimento da
arrecadação da ordem de 40% foi observado no Município de Ribeirão Pires, no Estado de
São Paulo, devido à revisão de procedimentos avaliatórios, a alteração das alíquotas e a
melhoria das práticas de arrecadação. As medidas têm contribuído para melhorar a
popularidade do governo na medida em que os recursos foram investidos na cidade
(Instituto Polis 2000)14. Iniciativa semelhante foi observada na cidade de Santana do
Paraíba, também em São Paulo, na qual a atualização do cadastro gerou um crescimento da
arrecadação de aproximadamente 80%, com um crescimento de 250% no número de
13
Bird, R. Rethinking Sub national Taxes: A New Look at Tax Assignment. IMF Working Paper
(WP/99/165).
14
Instituto Pólis. 2000. 125 Dicas – Idéias para a Ação Municipal. São Paulo, Brazil.
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propriedades cadastradas. Além destas, há diversas outras ações registradas pelo Instituto
Polis neste sentido.
Para os municípios mais frágeis e/ou menos capacitados tecnicamente os investimentos
necessários com cadastro, avaliações e arrecadação podem inclusive inviabilizar a cobrança
do imposto. É importante perceber que os custos de administração do IPTU poderiam ser
racionalizados através de articulações e do estabelecimento de cooperação entre
municípios.
4.2 Forte diversidade intermunicipal na capacidade de gestão
Um outro aspecto a ser percebido é relativo às desigualdades profundas entre os
municípios. Pode-se identificar grande assimetria na disponibilidade de recursos por
habitante (Vide Tabelas 2 e 3) com base na arrecadação de 4.884 municípios cujos dados
foram disponibilizados pelo Ministério da Fazenda, Secretaria da Receita Federal.
Na Tabela 2, os municípios foram agrupados segundo o número de habitantes. Foram
gerados três grupos distintos, incluindo 25%, 50% e 25% dos municípios. O primeiro grupo
inclui municípios com população entre 795 e 4.966 habitantes, totalizando 2,67%
concentrando da população brasileira; o segundo grupo inclui municípios com população
entre 4.967 e 21.057 habitantes, concentrando aproximadamente 18% da população; e o
terceiro grupo inclui os demais municípios. No terceiro grupo é observada uma
variabilidade acentuada dos municípios em termos de população, incluindo cidades de
21.072 a 10.406.166 habitantes, concentrando quase 80% da população brasileira.
A arrecadação média de IPTU por habitante foi de R$ 36,30 em 2001. Entretanto, enquanto
o grupo formado pelos municípios maiores arrecadou em média R$ 43,83 por habitante,
aquele formado pelos municípios menores arrecadaram apenas R$ 4,92 por habitante. Ou
seja, é observada uma grande disparidade entre os grupos examinados: os municípios
maiores chegam a arrecadar, em média, 500% a mais do que os municípios menores (até
4.966 habitantes).
Na Tabela 3, são apresentadas medidas estatísticas básicas para analisar o IPTU por
habitante arrecadado nos municípios, empregando os mesmos três grupos analisados. É
interessante notar que, ao trabalhar com o IPTU por habitante, embora se possa observar
que as cidades maiores apresentam, de fato, melhor desempenho, as diferenças entre os
grupos examinados não são tão acentuadas quanto aquelas observadas na arrecadação
média de IPTU por habitante (arrecadação total dividida pelo número de habitantes de cada
classe).
É importante notar a variabilidade acentuada observada do IPTU por habitante intragrupos
de municípios, verificada através do coeficiente de variação da variável que chega a 400%!
Ou seja, inequivocamente há outros fatores responsáveis pelo desempenho dos municípios
além do tamanho da população. A conclusão é confirmada mesmo considerando uma
amostra pequena (em torno de 100 casos) formada por municípios com mais de 200 mil
habitantes, cujo coeficiente de variação do IPTU por habitante é de aproximadamente 90%.
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Tabela 2 – IPTU 2001 dos Municípios: Classificação segundo a População
Faixas de População dos
Municípios
Total de habitantes
IPTU (R$)
Por habitante (R$/hab)
de 795-4.966
%
de 4.967-21.057
%
4.064.070
2,67
26.900.113
17,68
19.993.769
0,36
191.429.611
3,60
4,92
21.072 - 10.406.166
%
Total
121.216.293
79,65
152.180.479
5.312.351.646
96,17
5.523.775.030
7,12
43,83
36,30
Fonte: Ministério da Fazenda - Secretaria da Receita Federal
Tabela 3 – IPTU 2001 por habitante 2001 dos Municípios: Classificação segundo a População
IPTU por habitante
Habitantes
IPTU
Todos
de 795 a 4.966
de 4.967 a 21.057
de 21.072 a 10.406.166
Média
9,36
5,06
7,11
18,18
COV (%)
Mínimo
322,90
376,95
413,98
209,90
-
Máximo
1.021,08
607,11
1.021,08
652,80
Fonte: Ministério da Fazenda - Secretaria da Receita Federal
Em suma, as variações no desempenho do IPTU são acentuadas, independente do tamanho
e/ou perfil socioeconômico dos municípios, denotando enormes diferenças possivelmente
na capacidade técnica para a gestão do imposto e da própria vontade política. A cultura
política de articulação de interesses ou cumplicidade pode atuar como um impeditivo
adicional para a efetiva cobrança do IPTU. De toda a forma, a forte variabilidade evidencia
que os municípios não estão condenados por fatalidades ou fatos irremovíveis a apresentar
um baixo desempenho na área fiscal.
4.3 Formação profissional: Atuação marcada pelo amadorismo
Agentes encarregados de administrar o IPTU aprendem regra geral, quase que
exclusivamente através da prática. Isto favorece a reiteração dos vícios prevalentes no
sistema vigente. Uma breve análise das instituições educacionais existentes evidencia a
falta de entidades de apoio à ação municipal em tributação imobiliária. Embora existam
algumas instituições nacionais com missão de capacitar profissionais para a atuação em
administração pública, fiscal ou tributária, nenhuma destas entidades atua com uma pauta
específica na área de tributação imobiliária ou constitui um centro de excelência nesta área.
Há claramente uma carência de programas de capacitação especificamente voltados à
melhoria da administração do IPTU.
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A inexistência de uma entidade ou programa que apóie as municipalidades em seus
esforços de melhoria na área de tributação imobiliária resulta em isolamento dos
municípios, acentuando a fragilidade técnica existente.
Vale observar que parcela não negligenciável do insatisfatório desempenho
do IPTU pode ser atribuída simplesmente à falta de informação ou
ignorância dos agentes e tomadores de decisão. Oportunidades são ignoradas
por falta de ‘cultura fiscal’. Muitas são as administrações que estariam
genuinamente dispostas a promover melhorias. Entretanto, nem sempre estão
aptas a tais iniciativas.
5. Proposta para o Fortalecimento da Capacidade Fiscal dos Municípios
Pelo exposto nos itens anteriores, conclui-se que as melhorias observadas com relação ao
desempenho do IPTU tendem a ser geradas por ações isoladas pontuais e até acidentais,
afetando um número reduzido de municípios. Ou seja, tais melhorias não resultam de um
movimento mais abrangente, de caráter nacional, capaz de produzir significativo impacto
no desempenho do imposto no Brasil tanto como fonte de receita, quanto como instrumento
regulador do uso e ocupação do solo urbano. Para promover a inadiável melhoraria na
equidade, eficiência e efetividade do imposto no país, é evidente a necessidade de um
esforço mais compreensivo e sistemático de apoio aos municípios.
Há necessidade de fortalecimento dos municípios através da revitalização de um tributo
que, por sua natureza única, é capaz de atuar não apenas como fonte de receita, mas
também como um instrumento regulador do funcionamento do mercado de terras
apresentando, entre outras vantagens, a tendência de contribuir com o desenvolvimento
urbano, com a regulação do território, com a melhoria do acesso a terra e com a
recuperação das mais valias urbanas geradas por investimentos públicos.
Por fim, cabe notar que os recursos técnicos requeridos para tanto são rigorosamente os
mesmos requeridos para a aplicação dos instrumentos previstos de recuperação de mais
valias previstos no estatuto das cidades. Como resultado, os benefícios da melhorar a gestão
do IPTU podem ser maximizados na medida em que habilitaria os municípios a aplicar
adequadamente outros instrumentos de caráter urbano.
dez’04
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