habitação ecológica e econômica em papel

Transcrição

habitação ecológica e econômica em papel
III ENECS - ENCONTRO NACIONAL SOBRE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS
HABITAÇÃO ECOLÓGICA E ECONÔMICA EM PAPEL
Mirian Sayuri Vaccari ([email protected]) Arquiteta graduada em 2002 pela Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
RESUMO
É objetivo deste trabalho analisar as vantagens e limitações do emprego do papelão na construção civil, trazendo
benefícios a longo prazo através da redução do consumo de energia e desperdício de materiais, oferecerendo uma
alternativa para minimizar o custo de produção da habitação. O emprego do papelão na construção pode
substituir o uso de materiais com grande quantidade de energia agregada ou resultantes de fontes não renováveis,
reduzindo o volume final de lixo através de uma maior demanda de papelão reciclado. O ponto de partida para o
desenvolvimento do projeto foi uma análise da bibliografia existente e de exemplos construídos. Apesar da
maior parte dos projetos estudados relacionar-se a situações temporárias ou experimentais, pretendeu-se
desenvolver uma habitação durável, além de ecológica e econômica. Foram estudados os processos de fabricação
e reciclagem de produtos derivados do papel, além de aspectos como a resistência estrutural dos tubos de
papelão, resistência ao fogo e à água, isolamento térmico e acústico e custos. Este projeto, contribui para a
investigação de uma tecnologia, sobre a qual a bibliografia é escassa e o número de experiências reduzido e
pretende estimular tanto o uso do papelão como a pesquisa e o emprego de outros materiais nobres que
atualmente são descartados.
Palavras-chave: papel, estruturas de papelão, reciclagem
ECOLOGICAL AND ECONOMICAL CARDBOARD HOUSE
ABSTRACT
The intention of this paper is to study the benefits and limitations of the use of cardboard within buildings This
can bring long-term benefits through reduced energy and materials waste as well as offer an alternative to reduce
housing construction costs. The use of cardboard in civil construction can substitute energy intensive materials
or products made of non-renewable sources, increasing paper recycling and reducing final volume of waste in
our landfills.
The starting point to the structural system development was to study the existing literature and built examples.
Most of the studied references were related to buildings intended for short lifetimes but the aim of the project
was to develop a durable house, besides being economical and ecological. It was also studied the processes of
paper and cardboard production as well as recycling and other products used in this project. Aspects such as
compressive, tensile and bending stresses, fire and water resistance, thermal and acoustics were also considered.
This project helps in the investigation of a technology about which the literature is scarce and the number of
experiences is reduced and intends to stimulate not only the use of cardboard but also the research and use of
other noble waste materials.
Keywords: paper, cardboard structures, recycling
1. INTRODUÇÃO
Atualmente, no Estado de São Paulo, o déficit habitacional é de 1.000.000 de moradia e,
dentre elas, 500.000 concentram se na Região Metropolitano e 400.000 na capital, CDHU
(2000). Não se deve ignorar essa grande parte da população que não tem recursos para entrar
no mercado habitacional. A proposta deste trabalho constitui, portanto, uma alternativa para a
questão da habitação dentro do contexto sócio-econômico e das atuais formas de ocupação
urbana, limitando–se ao projeto do sistema construtivo e a exemplos de tipologias
arquitetônicas.
Na busca por um material não convencional e que viabilizasse a construção de forma rápida e
econômica e permitisse um certo grau de industrialização, escolheu-se o papelão para o
sistema construtivo. O papelão, resultante da reciclagem do papel, pode substituir o uso de
materiais como o concreto ou o aço que agregam grande quantidade de energia ou são
resultantes de fontes não renováveis.
2. OBRAS DE REFERÊNCIA
O ponto de partida para o desenvolvimento do sistema construtivo em papelão foi uma análise
da bibliografia existente e de exemplos construídos que utilizaram o papel ou papelão como o
componente principal na construção.
As obras de referência para este trabalho compreendem as experiências já realizadas a partir
das casas pré-fabricadas desenvolvidas no pós-guerra, até obras atuais no Japão e na
Inglaterra. Estas obras mostram que a maior parte dos projetos que utilizam o papel ou
papelão estão relacionadas a exibições temporárias ou edifícios para situações emergenciais
como desastres naturais. Assim, a abrangência de questões a serem estudadas para o emprego
do papelão em habitações permanentes e o desenvolvimento de produtos para a indústria da
construção vai muito além do que será apresentado neste trabalho. Entende-se, porém, que ele
contribui para a investigação e o desenvolvimento de uma tecnologia, sobre a qual a
bibliografia é escassa e o número de experiências reduzido.
Apesar do emprego do papel/ papelão em construções não ser convencional e ter-se difundido
mundialmente pelo arquiteto Shigeru Ban, conhecido como Arquiteto do Papel, a primeira
notícia da idéia de se construir em papelão surgiu na Exposição Internacional de Paris de 1869
onde foram apresentadas casas pré-fabricadas de papelão pela firma Adt-Pont- à-Moussun.
Outras experiências ocorreram somente após a 2a Guerra Mundial, quando o Instituto de
Química do Papel dos EUA desenvolveu uma casa de baixo custo e fácil de ser transportada
para áreas onde a população estivesse desabrigada por desastres, como incêndios ou enchentes
(Figura 1).
Figura 1 – Casas pré- fabricadas (1869) e Abrigos de Emergência (1944 e 1954)
Fonte: INO (1984).
Experiências mais atuais podem ser encontradas em países como o Japão, a Inglaterra e
Alemanha. A Cabana de Papel (Figura 2), obra do arquiteto Shigeru Ban, foi desenvolvida
para as vítimas do terremoto de Kobe (1995) como uma habitação temporária e emergencial e,
por isso, os critérios de desenho consistiam em uma estrutura barata que pudesse ser
construída por qualquer pessoa além de ser termicamente confortável. O papelão foi escolhido
por ser um material barato, leve e de fácil manuseio. Esses abrigos foram construídos em
apenas 6 horas e, em virtude de manutenção constante, encontram-se atualmente em perfeito
estado.
O Edifício Escolar em Papelão da Escola Primária Westborough (Figura 2) foi desenvolvido
para demonstrar que o papelão, além de ser empregado em embalagens, também é adequado
para a construção. O protótipo, com durabilidade estimada em 20 anos, vida-útil mais longa
que a da maioria dos projetos em papelão, é constituído por 50% de materiais reciclados e
recicláveis. O objetivo era produzir um edifício ecológico em parceria com as indústrias de
papelão de modo a integrar o projeto do edifício ao desenvolvimento dos produtos a serem
utilizados na sua construção. A economia do edifício, neste exemplo, não se deveu ao custo
do material, mas à rapidez na construção, fator que pode ser decisivo para fabricantes de
edificações de baixo custo como as casas pré-fabricadas.
Figura 2 – Cabana de Papel, Kobe, Japão 1995
Escola Westborough, Essex, Inglaterra, 2001
Fontes: BUCK (1997)
COTTRELL et al (2001)
3. A HABITAÇÃO E O PAPELÃO COMO MATERIAL DE CONSTRUÇÃO
Com base nas experiências expostas, pretende-se desenvolver uma alternativa de habitação
durável, e que demonstre, assim como nas obras acima, que o o papelão pode ser utilizado em
situações mais permanentes. Com o uso do papelão, é possível viabilizar a construção de
forma rápida e econômica, com um grau de industrialização compatível com as condições
locais de desenvolvimento e de acessibilidade ao material e às técnicas. Embora o mecanismo
de autoconstrução, comum nas áreas periféricas, seja resultado de técnicas tradicionais de
construção, é um processo lento e dispendioso, com uma margem de perdas de materiais na
ordem de 15%.
O emprego de papel e papelão na construção, tanto no sistema estrutural como na cobertura e
na vedação contribuirá para uma maior demanda de papelão reciclado. Apesar de a própria
indústria de papel reabsorver uma grande quantidade do papel reciclável, a reciclagem é uma
atividade econômica como outra qualquer e, para que ela ocorra, é necessária a existência de
demanda pelo produto.
O Brasil recicla 37% do papel que produz, sendo que o papel a ser reciclado provém
principalmente de atividades comerciais e industriais, e uma pequena parcela provém de
residências, intituições e escolas. Neste sentido, a conscientização geral sobre a coleta seletiva
seria essencial, uma vez que 28% do lixo doméstico é composto de papel. A reciclagem é um
processo fundamental e economicamente viável, pois além dos benefícios diretos, como
economia de energia, redução do volume final de lixo e conseqüente diminuição do custo de
operação dos aterros sanitários, gera empregos para os aparistas (depósitos de sobras de
papel) e indiretamente para os catadores de rua que, muitas vezes, têm o papelão como única
fonte de renda. Os próprios catadores estão organizados em cooperativas que produzem
materiais como telhas de papelão reciclado e poderiam, por intermédio dessas organizações,
construir suas casas de papelão.
4. O SISTEMA CONSTRUTIVO EM PAPELÃO
O objetivo principal do sistema construtivo é permitir a construção de forma rápida e
econômica, aliando a montagem racional de peças pré-fabricadas a elementos de técnicas
tradicionais de construção. O sistema construtivo é leve, facilitando a montagem, o transporte
e o custo com fundações. Além disso, o desvinculamento do sistema estrutural e da vedação
permite que o usuário amplie ou modifique a sua casa, sem que haja comprometimento da
estrutura. Nesse sentido, a modulação do sistema construtivo também é importante, pois
permite uma maior combinação e repetição de seus elementos. A análise do sistema
construtivo será dividida em: módulo estrutural, fundação, cobertura, painéis de fechamento,
escada, bloco hidráulico independente e instalações elétricas. Fatores como a implantação e
terreno serão analisados juntamente com as tipologias apresentadas.
4.1 Módulo Estrutural
O módulo estrutural, definido como aquele que dá suporte ao desenvolvimento de fundações
do edifício, desenvolve-se no plano horizontal, segundo uma malha modular de 0,30m x
0,30m, formada por pilares dispostos em uma grade modular de 3,60 m x 1,50m.
Figura 3 – Módulo Estrutural
O vão maior (3,60m) é vencido por uma viga vagão. A viga vagão ou viga armada é uma
associação entre cabos e viga de alma cheia. O cabo é utilizado para sustentar a viga,
diminuindo-lhe o vão. Com isso, é possível vencer vãos maiores com menor dimensão de
viga, o que no caso do tubo de papelão é necessário. A viga vagão se comporta como viga
contínua, apoiada em montantes de tubos de papelão que se apóiam no cabo cujo empuxo é
absorvido pela própria viga. No outro sentido, uma viga de alma cheia para o travamento da
estrutura foi suficiente para vencer o vão de 1,50m. As conexões desses elementos também
são feitas de tubos de papelão (Figura 4), pois a partir de conversas com os fabricantes de
tubos e de experiências realizadas, concluiu-se que o uso do próprio papelão nos encaixes
facilitaria a montagem e a colagem da estrutura. Nas experiências realizadas, as conexões
foram construídas a partir da colagem de várias camadas de papelão ondulado. A dificuldade
de fabricação destas peças levou ao uso dos tubos como encaixe dos pilares e vigas. A partir
dessa experiência, observou-se também a importância do contraventamento da estrutura que,
no projeto, é auxiliada pelo bloco hidráulico em alvenaria e pelo próprio piso, fatores que
serão discutidos posteriormente.
Figura 4 – Detalhe de encaixe dos tubos – corte pela viga vagão
As vigas e os pilares são de tubos de papelão com diâmetros externos de 24 cm (vigas e
pilares) e 29,55 cm (viga vagão). Foram escolhidos diâmetros internos iguais aos dos eixos
das máquinas que as indústrias possuem, ou seja, tubos de espessuras de parede menores e,
conseqüentemente, de diâmetros maiores, pois esses tubos são mais facilmente encontrados
no mercado. Porém, desde que haja viabilidade de consumo, é possível a construção de eixos
com medidas que facilitem a modulação da estrutura projetada. A grande maioria das
indústrias de tubo de papelão está voltada para os setores de embalagens e têxtil e, por isso,
produz tubos de espessura de paredes menores.
Pela dificuldade em encontrar dados para o cálculo estrutural nas indústrias de tubos
consultadas, os dados utilizados no dimensionamento da estrutura foram obtidos através do
escritório de engenharia inglês Buro Happold, responsável pelo projeto da Escola
Westborough e do Pavilhão Japonês na Expo Hannover 2000, juntamente com o arquiteto
Shigeru Ban.
Em qualquer material de construção, as propriedades mais importantes do ponto de vista
estrutural são o Módulo de Elasticidade (Módulo de Young - E) e as tensões de ruptura ou
tensões admissíveis de tração e compressão simples, de flexão e de cisalhamento. Segue uma
tabela (1) das propriedades dos tubos de papelão (resultados de testes do escritório Buro
Happold) e sua comparação com outros materiais.
σ
&'
3
()*++)+++
(*+)+++
1+)+++
*+)+++ *,)+++
γ
*,++
1+
/,
2,
!
-./0
(.,+
+.10
+./+
"
#
$% σ γ
*1*
02
1*
/*
Tabela 1 – Propriedades do papelão e comparação com outros materiais
Como a madeira, os tubos de papel sofrem deflexão ao longo do tempo quando submetidos a
uma quantidade fixa permanente de carga. Os testes realizados na Inglaterra indicaram como
aceitáveis cargas limitadas a 10% da tensão de compressão (fator de segurança = 10).
Um fator de segurança adicional foi considerado, levando em conta os efeitos da umidade. A
umidade relativa do ar varia significativamente ao longo do dia e ao longo do ano, portanto, a
resistência do papelão desprotegido varia de acordo com essas mudanças. Segundo os testes,
este fator de segurança não será maior que 1.2, considerando que a Inglaterra é um país de
clima bastante chuvoso. A umidade também pode causar uma modificação no Módulo de
Elasticidade (E), o que resulta em um edifício que ´respira` como as estruturas em alvenaria,
mas de um modo mais significativo. As duas principais conseqüências são deflexões na
estrutura ao longo do dia e, a longo prazo, o rompimento das pontes de hidrogênio e o colapso
da estrutura. Não existem testes que definam em quanto tempo e a que variações de umidade
isto ocorreria, mas os tratamentos nas camadas de papel dos tubos, podem reduzir bastante
esse efeito. Outro problema encontrado é a variação de temperatura que pode descolar as
camadas de papel, dependendo do tipo de cola aplicada. Portanto, é evidente que qualquer
tipo de papel ou papelão usado estruturalmente deve ser protegido de mudanças bruscas de
temperatura, assim como do fogo, por meio de isolantes que podem ser aplicados no processo
de fabricação dos tubos.
Tubos de papel ou papelão são fabricados a partir de múltiplas camadas de papel que podem
ser enroladas paralelamente ou em espiral. Na construção dos tubos são utilizados comumente
dois tipos de adesivos: na primeira e última folha, PVA (poli-vinil acetato); nas demais é
aplicado adesivo a base fécula de mandioca ou milho e 50% de água (dextrina). Porém, outros
tipos de cola podem ser utilizados, já que PVA e dextrina não devem entrar em contato com
água. Outras opções seriam silicato de sódio (atualmente utilizada em tubos especiais), colas
térmicas ou colas fenólicas que, apesar de serem ambientalmente incorretas por apresentarem
formaldeído em sua composição e dificultarem o processo de reciclagem do papel,
apresentam boa durabilidade a longo prazo. Colas fortes e duráveis, à base de soja, estão
sendo desenvolvidas nos Estados Unidos e podem, no futuro, substituir colas prejudiciais ao
meio ambiente COTTRELL et al (2001). Para a impermeabilização da camada de cobertura
do tubo, podem ser utilizados papéis siliconizados e/ou plastificados. Um filme de
polipropileno é utilizado interna e externamente em tubos utilizados como fôrmas de
concreto. Para a impermeabilização total do tubo, pode ser utilizado um processo no qual se
mergulha o tubo inteiro em parafina ou verniz. Outros produtos químicos como fungicidas,
cupinicidas, inseticidas (CCA/ CCB), vernizes com retardante de fogo e impermeabilizantes
(creozoto) utilizados para tratamento de madeira, podem ser aplicados nos tubos por meio
desse processo, já que o papel, por ser derivado da madeira, tem um comportamento similar
ao dela.
4.2 Fundações
As fundações são executadas em concreto, em cota acima do solo para proteção da estrutura
de papelão e do piso. Os blocos de concreto são pontuais e recebem a estrutura por meio de
tubos metálicos que fazem a ligação com a estrutura de papelão. Este bloco de concreto
transfere as cargas da estrutura de papelão para a fundação, dimensionada de acordo com a
topografia e o tipo de solo do terreno. Esse tipo de fundação que leva à elevação do piso, além
de proteger a estrutura da umidade e das chuvas, permite a ventilação entre o solo e o piso da
edificação e pode ser implantada em situações de encosta, desde que tenha profundidade
suficiente para ser descarregada em solo resistente.
4.3 Cobertura
Com o objetivo de proteger a estrutura e as vedações de papelão, a cobertura deve ter beirais
largos. Foi utilizada a estrutura de papelão com vigas vagão sob terças de madeira, o que
permitiu um beiral de 1,40 m utilizando o balanço da viga. No outro sentido, conseguiu-se um
beiral de 1,20m. Podem ser utilizadas as telhas fibroasfálticas ou as telhas feitas de tetrapak.
Tecnologia de origem argentina, as telhas fibroasfálticas são produzidas a partir da reciclagem
de papel e papelão e submetidas a um processo de impermeabilização com betume. Já as
telhas de tetrapak utilizam-se da reciclagem das embalagens longa vida que partem da
trituração do papel, das camadas de polietileno e de alumínio que são depois prensadas com
aquecimento. As placas e telhas de tetrapak são produzidas por empresas como a Reciplac,
Ibaplac e Ecoform. As telhas fibroasfálticas e de tetrapak são leves e suas características
térmicas são pouco conhecidas, já que estes tipos de telha são fabricados em indústrias
caseiras ou em cooperativas. Recomenda-se, então, a utilização do forro de embalagens longa
vida para a diminuição da temperatura interna da casa. A partir de caixas de leite previamente
abertas e unidas umas às outras, o engenheiro Luis Otto Schmutzler (Unicamp) desenvolveu
uma manta que é colocada sob as telhas a uma distância média de dois centímetros. O
alumínio das caixas reflete até 95% da radiação infravermelha do Sol. A face de alumínio das
caixas fica voltada para baixo, por motivos estéticos, mas o mesmo resultado é obtido se ela
estiver voltada para cima. Com a técnica, é possível diminuir em até 10oC a temperatura do
interior das casas. As mesmas caixas de longa vida serão utilizadas como venezianas no
fechamento entre vigas.
Figura 5 – Telhas, placas e venezianas produzidas a partir de embalagens longa – vida
Fonte: SCHMUTZLER (2002)
4.4 Painéis de fechamento
Para os painéis de fechamento, dois sanduíches de duas camadas de papelão ondulado de 5
mm e colméia de papel kraft de 25 mm são fixados em montantes de madeira com uma
distância 30 mm formando uma camada de ar entre eles. O painel tem espessura total de 10
cm. Segundo INO (1984), o valor de isolamento térmico de uma chapa de papelão ondulado
de 1 cm de espessura equivale ao de uma parede de 10 cm de tijolo, ou seja, o isolamento
térmico do painel equivale a uma parede de 20 cm de alvenaria, pois possui 2 cm de papelão
ondulado, colméia de papel e uma camada de ar entre os sanduíches
Quando os painéis forem utilizados para vedação externa, será adicionada uma placa
impermeável de tetrapak moído, do mesmo material das telhas. Essa placa arremata também o
piso, impedindo a entrada de umidade. A placa pode receber pintura, conferindo um aspecto
melhor à habitação. Os painéis cegos, painéis-janela e painéis-porta possuem larguras de 1,20,
1,05 e 0,90. Os painéis são afixados ao piso e à parte inferior das vigas através de montantes
de madeira.
Os tubos são fechados com anéis de madeira para impedir a entrada de animais ou insetos. O
fechamento entre vigas pode ser realizado por painéis simples (um sanduíche de papelão
ondulado e colméia de papel) ou podem ser utilizadas venezianas construídas a partir de
embalagens longa vida com fechamento que pode ser regulado para permitir a ventilação no
verão.
Apesar de as chapas de papelão não estarem diretamente expostas às intempéries, são
imperativos todos os cuidados que impeçam a entrada de água nos tubos e chapas de papelão.
A proteção do papelão pode ser realizada no próprio processo de produção dos tubos e das
chapas. Para as chapas, aditivos são impregnados na polpa do papel tornando a placa
resistente à água. A inclusão de uma ou mais camadas de um material diferente também pode
ser eficiente. Sanduíches de alumínio e polietileno são possíveis exemplos. Após a construção
da edificação, tintas e vernizes podem ser aplicados, tanto para proteção contra a água da
chuva quanto para aumentar a durabilidade do edifício. A pintura posterior, porém, é uma
solução adequada quando a construção é destinada a usos temporários. A Professora Akemi
Ino, INO (1984), da Escola de Engenharia de São Carlos, estudou e analisou um protótipo
construído com chapas de papelão, realizando uma avaliação quantitativa e qualitativa da
deterioração do papelão durante 18 meses. O papelão ondulado foi pintado com látex, asfalto,
verniz, tinta a óleo, esmalte sintético e fundo sintético. Entre os materiais ensaiados, destacouse o esmalte sintético, seguido pela tinta a óleo. Os outros materiais não foram recomendados
para a impermeabilização do papel. Do ponto de vista ambiental, a maioria desses tratamentos
não são vantajosos. Existem, porém, estudos sobre a utilização de clara de ovo ou leite
(aminoácidos) para a impermeabilização do papel. Não foram encontradas considerações
sobre a durabilidade deste tipo de impermeabilização.
Os produtos químicos que podem tratar o papel e o papelão são poluentes; devem ser
removidos para que o papel possa ser reciclado novamente. Porém, a aplicação desses
materiais é essencial na utilização do papel como material de construção e isto deve ser
levado em conta durante a escolha do material
4.5 Piso
O piso será formado por placas de OSB (Oriented Strand Board) de 2,50m x 1,25m e 30 mm
de espessura, apoiadas sobre caibros de madeira a cada 1,20m. O OSB é um painel estrutural
composto a partir de tiras de madeira orientadas perpendicularmente em diversas camadas, o
que aumenta sua resistência mecânica e rigidez. Estas tiras são unidas com resinas aplicadas
sob altas temperatura e pressão. O OSB tem custo 30% menor que as placas de compensado
de madeira e pode receber revestimentos como carpetes, pisos de madeira e ladrilhos; é
esteticamente atrativo e pode ser utilizado em seu estado natural em ambientes internos. No
projeto, é revestido por manta sintética.
4.6 Escada
Uma caixa de escada externa com estrutura que aproveita os pilares do edifício foi
desenvolvida para as situações de habitações multifamiliares ou com dois pavimentos. Os
degraus em OSB são afixados a tubos de papelão encaixados em vigas também de OSB. As
vigas, por sua vez, são afixadas nos tubos de papelão e na estrutura do edifício. Para a
vedação da escada são utilizados os mesmos painéis projetados para a habitação.
4.7 Bloco hidráulico
O bloco hidráulico (sanitário e cozinha) é construído em estrutura de concreto armado e
alvenaria de bloco cerâmico. Esta solução permite a geminação de habitações, distanciando a
estrutura de papelão das casas e impedindo a propagação do fogo através de parede cortafogo. O bloco hidráulico auxilia também no contraventamento da estrutura de papelão.
4.8 Instalações elétricas
As instalações elétricas são aparentes e, pelo fato do papelão ser um material inflamável,
deve-se ter por princípio a segurança contra incêndio. É necessário o superdimensionamento
de pontos de luz, tomadas e bitolas dos fios para evitar qualquer tipo de instalação provisória
que possa comprometer a segurança da edificação. A fiação deve estar protegida por
eletrodutos metálicos (não inflamáveis) ou conduítes de plástico rígidos e auto-extinguíveis.
5. COMPONENTES E MONTAGEM DO SISTEMA CONSTRUTIVO
I. Fundações
- Brocas 20 cm
- Pilaretes de concreto 40 x 40 cm
- Pilaretes de aço 20 cm
II. Estrutura
- Tubos de papelão de diâmetros 24 cm, 29,55 cm
- Cabos de aço para a viga vagão
III. Cobertura
- Telhas de tetrapak reciclado ou telhas fibroasfálticas
- Encaixe cumeeira de pilaretes metálicos
- Vigas vagão 20 cm
- Vigas 20 cm
- Forro de tetrapak
- Terças de madeira
IV. Pisos
- Painéis de OSB, 30 mm de espessura, 2,50 m x 1,50m
- Vigamento em madeira
V. Bloco hidráulico
- Unidade independente, estrutura de concreto armado e alvenaria comum
VI. Fechamento
- Papelão ondulado, 5 mm, onda A
- Colméia de papel kraft, 2,5mm
- Placas de tetrapak reciclado
VII. Escada
- Tubos de papelão diâmetro
- Placas de OSB, 3 mm
VIII. Caixilhos, portas e batentes de madeira
Figura 6 – Montagem do sistema construtivo
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
Preparação do terreno e fundações
Construção do bloco hidráulico e conexão com as redes de infra-estrutura
- Montagem da estrutura em papelão
- Fixação das terças e das telhas de cobertura
- Fixação das placas de OSB
- Fixação dos painéis externos
- Fixação dos painéis internos e do fechamento entre vigas
- Fixação de portas e janelas aos painéis
6. TIPOLOGIAS
6.1 Tipologia 1- Unifamiliar
Número de moradores: 04
Área:
44,50 m2
Projeção da cobertura:
79,60m2
Área do terreno:
8,80m x12,50m
Ambientes:
- 2 dormitórios
- 1 sala
- banheiro com ventilação independente,
- cozinha integrada à sala
= 110,00 m2
Figura 7 – Tipologia 1: Unifamiliar
A tipologia 1 é uma proposta de habitação térrea que utiliza 6 módulos estruturais de 3,60 x
1,50. A partir destes módulos, foi possível obter dois dormitórios isolados e uma sala. O
bloco de bannheiro e cozinha independente é construído em alvenaria.
Esta habitação ocupa um lote de 8,80m, incomum em áreas urbanas para a implantação de
habitações populares. Essa é, porém, uma deficiência do sistema que permite geminação
somente através das áreas em alvenaria, sendo portanto necessária distância de 5,00 m entre
as áreas em papelão.
A implantação da construção permite, além da adição de mais um pavimento, a construção de
uma edícula nos fundos, já que o recuo frontal não foi considerado necessário quando
possibilita futuras ampliações.
7.2 Tipologia 2 - Multifamiliar
Número de famílias: 03 (08 moradores)
Área:
21,60 m2(kitchennete superior e inferior)
43,20 m2(habitação 1)
64,80 m2(total)
Projeção da cobertura:
87,78m2
Área do terreno:
10,00 m x12,50m = 125,00 m2
Ambientes habitação 1:
- 1 dormitórios isolado, 2 dormitórios reversíveis para espaços de estar durante o dia
- banheiro,
- cozinha integrada à sala
Ambientes kitchennetes:
- 1 dormitórios
- banheiro,
- cozinha integrada à sala
Figura 8 – Tipologia 2 – Multifamiliar
A tipologia 2, multifamiliar formada por habitação 1e kitchennetes superior e inferior, deriva
da primeira tipologia, mas foi adaptada para terrenos com até 60% de inclinação.
A planta da habitação 1 , também utiliza 6 módulos de 3,60 x 1,50 e a área em alvenaria e
possui somente um dormitório isolado. Os outros espaços podem ser utilizados como
dormitório durante à noite e áreas de estar durante o dia.
As kitchennetes são compostas de 3 módulos estruturais e a área em alvenaria, aproveitando o
desnível do terreno.
As escadas, externas às moradias, permitem o acesso a cada “apartamento”, mas impõem um
lote maior de 10 m de frente, encerrando uma área de terreno de 125 m2.
7. CUSTOS
Os custos foram calculados para a tipologia 1, unifamiliar apresentada a seguir (dados de
agosto 2002). Esse orçamento foi calculado a partir de dados fornecidos pelo fabricante de
tubos e chapas de papelão, sendo importante ressaltar que eles representam o custo para a
construção de um protótipo. Os gastos com mão-de-obra que correspondem a pelo menos
20% do orçamento calculado podem ser menores quando se admite que o próprio morador
pode construir ou ampliar a sua casa, o que é permitido pela rapidez de montagem do sistema
construtivo.O custo final calculado foi de R$ 16.940,22 - R$ 369,77 por m2.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Figura 9 – Fotos da Maquete
Pretendeu-se com este trabalho, demonstrar a viabilidade de uso do papelão na construção
civil, chamando a atenção para o emprego de materiais reciclados e recicláveis , além de
contribuir com uma alternativa para a habitação popular.
A resolução do problema habitacional não depende somente de técnicas ou materiais
alternativos de construção, pois a carência de habitações, principalmente no Brasil, é um
problema acima de tudo, econômico. O projeto de habitação, porém, não deve considerar
fatores somente de ordem econômica; deve também considerar as particularidades do usuário,
sua relação com o edifício, o terreno e o entorno.
O projeto procurou mostrar o potencial do emprego de papel, papelão e embalagens longa
vida em edifícios e estimular, tanto o seu uso, como a pesquisa e o emprego de outros
materiais nobres reciclados e recicláveis, que atualmente são descartados.
O papelão, material reciclado e reciclável deve ser combinado a outros materiais para ser
utilizado como material de construção e tornar-se resistente à água, ao fogo e ter a sua
durabilidade aumentada. Neste sentido, a pesquisa de materiais de baixo impacto ambiental é
necessária para o melhor aproveitamento do papelão.
É importante salientar que este trabalho é apenas o início de uma pesquisa da utilização do
papelão em habitações populares. A observação e a análise de edifícios já construídos e de
protótipos, com a estrutura de tubos de papelão e vedações com chapas de papelão, são
essenciais para determinar a durabilidade de uma edificação como esta, assim como a
resistência e o comportamento do papelão sob várias condições de clima e diversos terrenos.
É um trabalho que deve ser realizado em conjunto com outros profissionais como engenheiros
e químicos, além das próprias indústrias de papel e papelão, para que o custo, a durabilidade e
o impacto ambiental destas construções justifiquem o uso do papelão na construção civil.
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUCK, D. (1997) GG Portfolio, Shigeru Ban. Barcelona. Editorial Gustavo Gilli.
CDHU (2000). Século 21 – perspectiva: maior da história, déficit chega a 400 mil moradias.
São
Paulo.
Jan,.
Disponível
em:
O
Estado
de
São
Paulo,
<http://www.estado.estadao.com.br/edicao/especial/perspe/persp.html>. Acesso em: 25 de
jan. de 2002.
COTTRELL, R. et al (2001) Constructing a prototype cardboard building: Literature
Review. Londres. Buro Happold e Cottrell & Vermeulen. Relatório Interno. Disponível em:
<http://www.cardboardschool.com.br>. Acesso em: 30 de jul. de 2002.
COTTRELL, R. et al (2001) Constructing a prototype cardboard building: Final Report.
Londres. Buro Happold e Cottrell & Vermeulen. Relatório Interno. Disponível em:
<http://www.cardboardschool.com.br>. Acesso em: 30 de jul. de 2002.
COTTRELL, R. et al (2001) Constructing a prototype cardboard building: Design Guide.
Londres. Buro Happold e Cottrell & Vermeulen. Relatório Interno. Disponível em:
<http://www.cardboardschool.com.br>. Acesso em: 30 de jul. de 2002.
INO, A. (1984) Papelão Ondulado, Viabilidade de utilização na construção.Dissertação de
Mestrado em Arquitetura, Escola de Engenharia de São Carlos. São Carlos.
MARTINO, A. (1981) Habitação: um sistema construtivo de simples montagem.
Dissertação de Mestrado em Arquitetura, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo. São Paulo.
REBELO, Y. (2000) A concepção estrutural e a arquitetura. São Paulo. Zigurate Editora.
SCHMUTZLER, L. (2002) Projeto Forro Vida Longa. Faculdade de Engenharia Mecânica
da
Universidade
Estadual
de
Campinas.
Campinas.
Disponível
em:
<http://www.fem.unicamp.br/~vidalong>. Acesso em: 30 de jul. de 2002.
SHEPPARD, R. et al (1974). Paper House. Caerfyrdinn Cymru. Unicorn Bookshop.

Documentos relacionados