Equações de Lagrange

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Equações de Lagrange
Equações de Lagrange
Para entender rapidamente a ideia por trás das equações de Lagrange, pense
em uma partícula de massa m movendo-se ao longo do eixo x, sob a ação de
uma força F. A segunda lei de Newton dá a equação de movimento para essa
partícula:
m
d2 x
dt2
= F.
Usando a notação em que cada derivada é indicada com um ponto sobre a função
sendo derivada, também podemos escrever essa equação como
mẍ
= F.
Se a força é conservativa, pode ser obtida de uma energia potencial V e a equação
de movimento fica
mẍ =
−
∂V
.
∂x
Como o momentum da partícula é definido como
p
=
mẋ,
a equação de movimento também pode ser expressa como
ṗ
= −
∂V
.
∂x
Note que a energia cinética da partícula é dada por
T
1
mẋ2 .
2
=
Então, veja que o momentum pode ser escrito em termos da energia cinética
assim:
p
∂T
.
∂ ẋ
=
Bem esquisito em princípio, não é mesmo? Mas que pode, pode! Então,
d ∂T
ṗ =
,
dt ∂ ẋ
não é verdade? Pois é. Agora, com essa expressão para a derivada temporal do
momentum, podemos reescrever a equação de movimento da partícula como
d ∂T
∂V
= −
.
dt ∂ ẋ
∂x
1
No presente caso, a energia cinética não depende da coordenada x da partícula.
Como a energia potencial V não depende da velocidade da partícula, pois é uma
energia potencial, segue que podemos definir uma função lagrangeana como
L = T −V
e a equação de movimento fica, em termos de L, assim:
d ∂(L + V )
∂(T − L)
= −
,
dt
∂ ẋ
∂x
(∗)
onde usei T = L + V no membro esquerdo e V = T − L no membro direito.
Assim,
d ∂L ∂V
d ∂L
d ∂(L + V )
+
=
=
,
dt
∂ ẋ
dt ∂ ẋ
∂ ẋ
dt ∂ ẋ
já que ∂V /∂ ẋ = 0 e
∂(T − L)
∂x
=
∂T
∂L
∂L
−
=−
,
∂x
∂x
∂x
já que ∂T /∂x = 0. Então, substituindo esses dois resultados em (*), segue a
equação de Lagrange para o presente caso simples:
d ∂L
∂L
−
= 0.
dt ∂ ẋ
∂x
O objetivo desta postagem é deduzir as equações de Lagrange para mais do
que uma coordenada, usando sistemas de coordenadas generalizadas. Para isso,
considere o preâmbulo abaixo sobre mudanças de coordenadas.
Mudanças de coordenadas
Na postagem sobre O pêndulo de Foucault um sistema de coordenadas girante
S ∗ foi considerado. Nessa postagem eu escrevi os versores de S ∗ em termos
dos versores de S, ou seja, dos versores que não giram por estarem fixos no
espaço. Essa relação define uma mudança de coordenadas para descrever o
mesmo sistema físico. Um vetor posição r de uma partícula de massa m pode
ser escrito em termos das coordenadas de S ou em termos das coordenadas de
S ∗ . Então, sejam x, y e z as coordenadas da partícula relativas ao sistema de
coordenadas S e sejam q1 , q2 e q3 sua coordenadas relativas a S ∗ . Assim, o vetor
posição pode ser escrito como
r
=
xx̂ + yŷ + zẑ,
(1)
relativamente a S, mas também pode ser escrito como
r
=
q1 x̂∗ + q2 ŷ∗ + q3 ẑ∗ ,
2
(2)
relativamente a S ∗ . Podemos escrever as coordenadas q1 , q2 e q3 em termos
das coordenadas x, y e z? Sim, claro! Para obter q1 em termos de x, y e z,
precisamos escrever o produto escalar de ambos os membros da Eq. (2) por x̂∗ :
x̂∗ · r
= q1 x̂∗ · x̂∗ + q2 x̂∗ · ŷ∗ + q3 x̂∗ · ẑ∗ .
Como os versores x̂∗ , ŷ∗ e ẑ∗ são ortonormais, segue que
x̂∗ · r
= q1 ,
isto é,
q1
x̂∗ · r = xx̂∗ · x̂ + yx̂∗ · ŷ + zx̂∗ · ẑ,
=
(3)
onde já usei a Eq. (1).
Na postagem sobre O pêndulo de Foucault os versores de S ∗ foram definidos
em termos dos versores de S como
x̂∗
ŷ∗
=
−x̂sen (ωt) + ŷ cos (ωt) ,
(4)
= −x̂ cos θ cos (ωt) − ŷ cos θsen (ωt) + ẑsenθ
(5)
e
ẑ∗
=
x̂senθ cos (ωt) + ŷsenθsen (ωt) + ẑ cos θ,
(6)
onde ω e θ são constantes reais. Substituindo as Eqs. (4), (5) e (6) na Eq. (3),
obtemos
q1
=
x̂∗ · r = −xsen (ωt) + y cos (ωt) .
(7)
Veja que q1 é uma função de x, y, z e t. Procedendo de maneira análoga, é possivel encontrarmos também as coordenadas q2 e q3 em termos das coordenadas
x, y, z e t :
q2
= ŷ∗ · r = −x cos θ cos (ωt) − y cos θsen (ωt) + zsenθ
(8)
e
q3
=
ẑ∗ · r = xsenθ cos (ωt) + ysenθsen (ωt) + z cos θ.
(9)
Também é possível escrevermos as coordenadas x, y e z em termos das coordenadas q1 , q2 e q3 . Nesse caso, para obter x, por exemplo, devemos multiplicar
escalarmente ambos os membros da Eq. (1) por x̂ :
x̂ · r
=
xx̂ · x̂ + yx̂ · ŷ + zx̂ · ẑ,
isto é,
x =
x̂ · r = q1 x̂ · x̂∗ + q2 x̂ · ŷ∗ + q3 x̂ · ẑ∗ ,
3
(10)
onde já usei a Eq. (2). Substituindo as Eqs. (4), (5) e (6) na Eq. (10), obtemos
= x̂ · r = −q1 sen (ωt) − q2 cos θ cos (ωt) + q3 senθ cos (ωt) .
x
(11)
Veja que x é uma função de q1 , q2 , q3 e t. Analogamente, também podemos
escrever
y
= ŷ · r = q1 cos (ωt) − q2 cos θsen (ωt) + q3 senθsen (ωt)
(12)
e
z
ẑ · r = q2 senθ + q3 cos θ.
=
(13)
O exemplo acima ilustra o fato de que, em geral, uma mudança de coordenadas pode depender das coordenadas cartesianas originais e do tempo. Assim,
um sistema caracterizado por N vetores posição, precisamos de 3N coordenadas
cartesianas e, também, 3N coordenadas generalizadas q1 , q2 , . . . , q3N . Em geral,
teremos
qk
= qk (x1 , y1 , z1 , . . . , xN , yN , zN , t) ,
(14)
para k = 1, 2, . . . , 3N, onde xj , yj e zj são as coordenadas do j-ésimo vetor
posição dos N vetores posição que caracterizam o sistema. Como vimos na
ilustração acima, as coordenadas cartesianas também podem ser escritas em
termos das coordenadas generalizadas e, portanto,
xj
=
xj (q1 , q2 , . . . , q3N , t) ,
(15)
yj
=
yj (q1 , q2 , . . . , q3N , t)
(16)
zj
=
zj (q1 , q2 , . . . , q3N , t) ,
(17)
e
para j = 1, 2, . . . , N.
Dedução da equação de Lagrange
Agora vamos nos concentrar no caso de termos um sistema caracterizado pelos
N vetores posição de N partículas puntiformes. Como ilustrado no exemplo
do começo desta postagem, vamos escrever a energia cinética no caso de 3N
coordenadas:
N
T
=
1X
mj ẋ2j + ẏj2 + żj2 ,
2 j=1
(18)
onde mj é a massa da j-ésima partícula. Mas, das Eqs. (15), (16) e (17) seguem,
respectivamente,
ẋj
=
3N
X
∂xj
k=1
∂qk
q̇k +
4
∂xj
,
∂t
(19)
ẏj
=
3N
X
∂yj
∂yj
q̇k +
∂qk
∂t
(20)
3N
X
∂zj
∂zj
q̇k +
.
∂qk
∂t
(21)
k=1
e
żj
=
k=1
O momentum generalizado, conjugado à coordenada generalizada ql , é definido
como
∂T
.
(22)
pl =
∂ q̇l
Derivando a Eq. (18) parcialmente em relação a q̇l , obtemos
!
N
∂ ẋ2j
∂ ẏj2
∂ żj2
1X
∂T
mj
=
+
+
,
∂ q̇l
2 j=1
∂ q̇l
∂ q̇l
∂ q̇l
isto é,
∂T
∂ q̇l
=
N
X
mj
j=1
∂ ẋj
∂ ẏj
∂ żj
ẋj
+ ẏj
+ żj
∂ q̇l
∂ q̇l
∂ q̇l
.
(23)
Das Eqs. (19), (20) e (21) seguem, respectivamente,
∂ ẋj
∂ q̇l
=
∂ ẏj
∂ q̇l
=
∂ żj
∂ q̇l
=
3N
X
∂xj ∂ q̇k
∂xj
=
,
∂qk ∂ q̇l
∂ql
(24)
k=1
3N
X
∂yj ∂ q̇k
∂yj
=
∂qk ∂ q̇l
∂ql
(25)
3N
X
∂zj ∂ q̇k
∂zj
=
.
∂qk ∂ q̇l
∂ql
(26)
k=1
e
k=1
Substituindo as Eqs. (24), (25) e (26) na Eq. (23), obtemos
N
X
∂T
∂xj
∂yj
∂zj
=
mj ẋj
+ ẏj
+ żj
.
∂ q̇l
∂ql
∂ql
∂ql
j=1
(27)
Derivando com relação ao tempo a Eq. (27), obtemos
N X
∂xj
∂yj
∂zj
d ∂T
=
(mj ẍj )
+ (mj ÿj )
+ (mj z̈j )
dt ∂ q̇l
∂ql
∂ql
∂ql
j=1
+
N
X
d ∂xj
d ∂yj
d ∂zj
mj ẋj
+ ẏj
+ żj
.
dt ∂ql
dt ∂ql
dt ∂ql
j=1
5
(28)
Usando a segunda lei de Newton, a primeira soma no segundo membro da Eq.
(28) pode ser reescrita como
N X
∂xj
∂yj
∂zj
=
(Fj )x
+ (Fj )y
+ (Fj )z
,
∂ql
∂ql
∂ql
j=1
Ql
(29)
onde Fj é a força resultante sobre a partícula de massa mj e Ql é a l-ésima
componente da chamada força generalizada. Aqui estou usando a notação, por
exemplo, (Fj )x para indicar a componente x do vetor Fj .
Segue das Eqs. (15), (16) e (17) que as derivadas ∂xj /∂ql , ∂yj /∂ql e ∂zj /∂ql
também são funções das coordenadas generalizadas, q1 , q2 , . . . , q3N e do tempo
t. Sendo assim, a derivada temporal de ∂xj /∂ql , por exemplo, é dada por
!
3N
3N
X
X
∂ ẋj
∂ 2 xj
∂ 2 xj
∂
∂xj
∂xj
d ∂xj
=
=
q̇k +
=
q̇k +
,
(30)
dt ∂ql
∂qk ∂ql
∂t∂ql
∂ql
∂qk
∂t
∂ql
k=1
k=1
onde usei a Eq. (19). Analogamente, usando as Eqs. (20) e (21), podemos
escrever
!
3N
3N
X
X
∂ 2 yj
∂yj
∂ ẏj
d ∂yj
∂ 2 yj
∂
∂yj
=
=
q̇k +
=
q̇k +
(31)
dt ∂ql
∂qk ∂ql
∂t∂ql
∂ql
∂qk
∂t
∂ql
k=1
k=1
3N
X
∂ 2 zj
∂
∂ 2 zj
q̇k +
=
∂qk ∂ql
∂t∂ql
∂ql
3N
X
∂zj
∂zj
q̇k +
∂qk
∂t
e
d
dt
∂zj
∂ql
=
k=1
!
=
k=1
Substituindo as Eqs. (29), (30), (31) e (32) na Eq. (28), obtemos
d
dt
∂T
∂ q̇l
= Ql +
N
X
mj
j=1
∂ ẏj
∂ żj
∂ ẋj
+ ẏj
+ żj
ẋj
∂ql
∂ql
∂ql
,
isto é,
d
dt
d
dt
∂T
∂ q̇l
∂T
∂ q̇l
N
∂ ẏj2
∂ żj2
∂ ẋ2j
+
+
∂ql
∂ql
∂ql
!
=
1X
Ql +
mj
2 j=1
=


N
∂ 1 X
Ql +
mj ẋ2j + ẏj2 + żj2  ,
∂ql 2 j=1
,
ou seja,
ou ainda,
d
dt
∂T
∂ q̇l
−
∂T
∂ql
= Ql ,
6
(33)
∂ żj
.
∂ql
(32)
onde usei a Eq. (18). As Eqs. (33), para l = 1, 2, . . . , 3N, são as equações de
Lagrange.
Na postagem Conservação de energia para um sistema de partículas falei
sobre o caso em que a força sobre qualquer partícula de um sistema de partículas
é conservativa e, portanto, pode ser deduzida de uma energia potencial. Nesse
caso, a energia potencial pode ser escrita como
V
= V (x1 , y1 , z1 , . . . , xN , yN , zN ) .
(34)
Note que V não depende das velocidades e não depende explicitamente do
tempo. A força sobre a j-ésima partícula é dada por
Fj
= −x̂
∂V
∂V
∂V
− ŷ
− ẑ
.
∂xj
∂yj
∂zj
(35)
Quando as forças sobre as partículas do sistema são conservativas, a força generalizada, Eq. (29), pode ser reescrita como
N X
∂V ∂xj
∂V ∂yj
∂V ∂zj
+
+
,
Ql = −
∂xj ∂ql
∂yj ∂ql
∂zj ∂ql
j=1
isto é, em virtude da Eq. (34),
Ql
= −
∂V
.
∂ql
(36)
A substituição da Eq. (36) na Eq. (33) resulta em
∂T
∂V
d ∂T
−
= −
,
dt ∂ q̇l
∂ql
∂ql
isto é,
d
dt
∂T
∂ q̇l
−
∂L
∂ql
=
0,
(37)
onde definimos a função lagrangeana como
L =
T − V.
(38)
como V não depende de q̇l , para l = 1, 2, . . . , 3N, segue da Eq. (38) que
∂L
∂ q̇l
=
∂T
∂V
∂T
−
=
.
∂ q̇l
∂ q̇l
∂ q̇l
(39)
A substituição da Eq. (39) na Eq. (37) resulta em
d ∂L
∂L
−
= 0,
(40)
dt ∂ q̇l
∂ql
para l = 1, 2, . . . , 3N, que é a forma mais popular das equações de Lagrange.
Bibliografia
[1] Keith R. Symon, Mechanics, terceira edição (Addison Wesley, 1971).
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