senhores da luz - astrônomos no ano internacional da luz – 2015

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senhores da luz - astrônomos no ano internacional da luz – 2015
CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 13 (01): 1601.1-9, 2015
SENHORES DA LUZ - ASTRÔNOMOS NO ANO
INTERNACIONAL DA LUZ – 2015
LORDS OF LIGHT - ASTRONOMERS IN THE INTERNATIONAL YEAR OF LIGHT - 2015
Iranderly Fernandes de Fernandes(1); Milena dos Santos Pedreira(2); Felipe Santana Beliz(3)
(1)
Departamento de Física, Universidade Estadual de Feira de Santana
(1)(2)(3)
Programa de Pós-graduação em Astronomia - Mestrado Profissional
Neste artigo de divulgação científica mostramos a importância da atuação dos astrônomos no Ano internacional da
Luz, 2015. São apresentadas as diversas técnicas empregadas pelos profissionais da astronomia para obter os
resultados científicos, sendo luz a sua única ferramenta. Numa perspectiva histórica, são apresentados os principais
pesquisadores que proporcionaram o atual estado da arte da ciência. Da mesma forma, para cada técnica são
apresentados um crescente em distância e abrangência na obtenção das propriedades físicas do universo que nos
cerca.
Palavras Chave: Astronomia, Espectroscopia, Polarimetria, Fotometria
This outreach paper is focused on astronomer’s work related with 2015 UN International Year of Light. We present
several techniques and tools employed by astronomers to manipulate the light. From the historical point of view we
present the researchers who built the current state of the art in this science. The technics are presented from a spatial
perspective, from stars to cosmological analysis. This given us an analysis with a distance dependence that can be
employed to understand our universe.
Kay Words: Astronomy, Spectroscopy, Polarimetry, Photometry
INTRODUÇÃO
O ano de 2015 foi definido pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) e a Organização
para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) como o ano Internacional da Luz. A luz que significa
desenvolvimento técnico e científico e que marca a chegada da civilização atual nos pontos mais
distantes. Em termos sociais a luz está associada a inserção social e marca a chegada de saúde, educação
informação a populações humanas. A ideia central é promover o desenvolvimento de ações de
sensibilização na sociedade como um todo, e com isto, despertar a visão de importância da luz na vida e
no bem-estar. Da mesma forma, lembrar a importância das novas descobertas da área que proporcionem o
desenvolvimento da nossa civilização. A mesma resolução aponta que o ano de 2015 coincide com o
aniversário de uma série de importantes marcos na história da ciência da luz. São lembrados os trabalhos
sobre óptica por Ibn Al-Haytham em 1015, a noção de luz como uma onda proposta por Fresnel em 1815,
a teoria eletromagnética da propagação da luz proposto por Maxwell em 1865, a teoria de Einstein do
efeito fotoelétrico em 1905 e da incorporação da luz na cosmologia através relatividade geral em 1915, a
descoberta da radiação cósmica de fundo no micro ondas por Penzias e Wilson além das realizações de
Kao sobre a transmissão de luz por fibras ópticas, em 1965 (ONU, 2014).
Dos profissionais, uma categoria se destaca por depender completamente da luz para obter os
resultados do seu trabalho, os ligados à astronomia e astrofísica. Da mesma forma que a luz é símbolo de
desenvolvimento, ela trouxe para a humanidade o conhecimento necessário para o entendimento do lugar
do homem no universo. Foi por meio do conhecimento adquirido por astrônomos; desde a época de ouro
da civilização muçulmana, passando por Galileu, Newton e Fraunhofer, chegando aos dias de hoje onde
lançamos telescópios espaciais como o Hubble; que foi possível que a humanidade deixasse de acreditar
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em fantasmas e seres paternais que a vigiariam como um grande Big Brother, 24 horas por dia. As
crianças egocêntricas, os seres humanos foram deslocados do centro do sistema solar, do centro da
galáxia e por fim do centro do universo. Apesar deste golpe na nossa autoestima, ganhamos a confiança
de que somos capazes de entender o Universo e assim tentar manipular suas leis a nosso favor.
Este avanço do pensamento humano no campo científico foi possível graças aos esforços dos
primeiros astrônomos que utilizaram informação proveniente da luz vinda de muito longe. Os mesmo não
ficaram somente na observação, mas, se dedicaram a procurar explicações sobre suas observações. Na
ciência, uma pequena pergunta pode gerar uma avalanche de outras perguntas. Desta forma, da
curiosidade nasce o conhecimento científico, sempre com mais questões a serem respondidas.
Com a liberdade poética, podemos chamar os astrônomos e astrofísicos de Senhores da Luz já que,
os mesmos manipulam a luz, torcendo-a, dividindo-a e filtrando a mesma. Para um leigo, muitas vezes,
parecem detentores de um poder especial que possibilita que de um raio de luz consigam obter
informações detalhadas de objetos a milhões de anos luz de distância sem ao menos tocá-los.
Vamos abordar neste artigo as técnicas empregadas pelos astrônomos para manipular a luz e ver
quais são as possíveis informações que podem ser obtidas. As informações aqui contidas não se esgotam,
são apenas a base das técnicas utilizadas hoje por estes pesquisadores. Tratamos a luz como espectro
eletromagnético que se estende desde os comprimentos de obras mais longos; micro ondas,
infravermelho; até comprimentos de onda mais curtos e mais energéticos; raios-X e raios gama.
Particularizamos como luz visível aquela que é detectada por nossos olhos. Graças ao processo evolutivo
temos olhos especializados para ver a luz visível proveniente do nosso Sol, e centrada no amarelo. Não
enxergamos nos demais comprimentos de onda, com exceção do calor, que é emissão no infravermelho,
para o qual temos terminações nervosas na nossa pele como se fossem olhos primordiais. No seu anseio
por entender o universo, o ser humano tenta modelar a luz por meio de um conjunto de variáveis e
vínculos que sejam o mais completo possível. Isto levou a descoberta de que a luz se desloca em pacotes.
Da mesma forma, descobrimos que a luz possui um comportamento dualístico, como veremos mais
adiante. Além disto, descobrimos que a luz pode ser produzida pela matéria por meio da fusão de dois
átomos, gerando energia excedente que viaja até nós. No âmbito astronômico, o papel de modelagem
matemática da luz de forma a reproduzir as observações cabe aos astrofísicos teóricos e cosmólogos.
FIAT LUX - CORPO NEGRO
Para que possamos iniciar a discussão sobre a luz e sobre sua utilização na astronomia, devemos
ter em mente alguns conceitos de como a mesma se comporta fisicamente. O que conhecemos como luz é
uma região muito pequena do espectro eletromagnético. Em muitas ocasiões usaremos a palavra luz para
generalizar a radiação em todo espectro eletromagnético. Iremos particularizar quando nos referirmos
sobre luz visível.
Uma boa fonte emissora de radiação eletromagnética tem a mesma capacidade de absorção. Todos
os corpos emitem em algum comprimento de onda dependendo da temperatura. O emissor perfeito é
conhecido como corpo negro, consequentemente é o absorvedor perfeito. Ele emite em todos os
comprimentos de onda porém, com intensidades diferentes. A sua emissão se distribui ao longo de um
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pico preferencial de emissão onde existe um maior número de fótons. O comprimento de onda onde se
encontra este pico de emissão está relacionado a temperatura do objeto emissor.
No nível atômico, a emissão luminosa ocorre pela recombinação de um elétron com um íon. Esta
emissão quando sobrepostas a emissão da recombinação de outros íons formam o que é chamado emissão
continua. As emissões devido à passagem de um elétron para uma orbita mais baixa respeitam as leis da
mecânica quântica e, portanto possuem quantidade de energia bem definida. Os fótons produzidos nestas
transições possuem quantidade energia bem definida, dita quantizada. Transições de níveis eletrônicos em
diferentes elementos possuem quantidades de energia diferentes. Deste fato, surge o que é chamada de
assinatura espectral de um elemento químico, emissão localizada sempre na mesma posição do espectro,
comprimento de onda. O inverso ocorre para transições de uma orbita mais baixa para uma orbita mais
alta. Neste caso uma linhas de absorção surge pois a luz foi absorvida pelo elétron, sendo armazenada no
nível mais alto até que o mesmo volte a sua orbita de maior equilíbrio.
A luz tem comportamento dual, em um momento se comportando como onda quando viaja pelo
espaço e em outro momento como partícula quando interage com outro corpo. As informações que
obtemos são em grande parte da interação da energia eletromagnética, luz com a matéria. Após a
interação a energia é reprocessada pela matéria e carrega junto informações sobre a mesma. Este
processamento pode ser o desvio, a absorção e emissão, a organização em direções de emissão. Tendo em
mente que a luz tem este comportamento, podemos compreender as principais técnicas empregadas pelos
astrônomos para manipular a luz e com isto revelar o universo que nos cerca.
DIVIDINDO A LUZ - ESPECTROSCOPIA
O nascimento da espectroscopia historicamente pode ser marcado com os trabalhos de sir Isaac
Newton. Em 1665 ele reproduziu as cores do arco-íris decompondo a luz branca do sol colimada por um
orifício e passando o feixe através de um prisma de vidro. Este fenómeno de dispersão na natureza ocorre
quando a luz passa pelas gotas de água da chuva. Quase um século e meio depois, o astrônomo William
Herschel percebeu a variação da temperatura com relação às cores da luz solar decomposta. Esta
descoberta por si só já é surpreendente porém algo mais interessante ocorreu de forma acidental. O
termômetro de controle colocado a sombra logo após a faixa vermelha do espectro apresentou um
aumento de temperatura significativo, mesmo estando a sombra. Desta forma, foi descoberto o
infravermelho que é invisível ao nossos olhos mas “visível” a nossa pele por meio do que conhecemos
como calor. Isto abriu as portas para os trabalhos de Thomas Young que verificou que a luz ao se deslocar
pelo espaço apresentava diferentes espaçamentos entre dois máximos para diferentes cores, surgindo
assim o conceito de comprimento de onda da luz. Já nesta época, se compreendia que a luz era portadora
de energia. Estas descobertas culminam com a invenção do espectrógrafo por Joseph Von Fraunhofer.
Fraunhofer constatou o que Newton por algum motivo não o fez, verificou a existência de linhas escuras
no espectro de cores da luz solar que passava pelo prisma. Basicamente, ele estava interessado na
qualidade da fabricação dos vidros ópticos, tecnologia de ponta na época e mantida como segredo de
estado. Mesmo assim, seu espirito científico não permitiu que sua descoberta se limitasse apenas a
aplicação comercial. Catalogou mais de 500 linhas de absorção da luz proveniente do Sol. Estas medidas
viriam a ser a base da espectroscopia estelar. Posteriormente, em 1859 o físico alemão Gustav Robert
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Kirchhoff e, também seu conterrâneo, o químico Robert Bunsen constatam que estas linhas se tratavam
de linhas atômicas em absorção de elementos químicos, lançando as bases para a mecânica quântica.
Fraunhofer também criou a rede de difração, permitindo obter medidas dos comprimentos de onda com
precisão. Foi o primeiro a constatar que a o espectro da luz visível de outras estrelas diferiam da do Sol.
A espectroscopia passa a ser então a análise da radiação eletromagnética, inicialmente a luz
visível, proveniente de uma fonte com o objetivo de obter informações sobre as propriedades físicas e
químicas da mesma. Dentre algumas das propriedades dos objetos astronômico que podem ser obtidas
empregando esta técnica, estão a sua temperatura, a sua composição química, o seu tamanho, sua
velocidade ao longo da linha de visão do observador como também sua idade, como veremos a seguir.
No início da primeira década do século XX, a astrônoma Annie Jump Cannon classificou os
espectros de 225.000 estrelas e foi uma das primeiras a se dar conta da relação existente dos espectros
com as propriedades físicas das estrelas. A classificação espectral das estrelas se baseia na presença e na
intensidade relativa das linhas em absorção dos elementos presentes. A intensidade das linhas está
associada à temperatura da estrela, portanto, é uma classificação de temperatura. As estrelas foram
agrupadas nas chamadas classes espectrais denominas de O B A F G K M ordenadas na ordem
decrescente de temperatura. Cada classe se subdivide em 10 subclasses sendo 0 a mais quente e 9 a mais
fria. Da mesma forma, a largura das linhas pode ser usada para a classificação, já que a mesma é sensível
à pressão do meio. Portanto, estrelas gigantes têm linhas estreitas enquanto estrelas anãs têm linhas mais
largas. A característica básica do espectro das estrelas é a presença de linhas em absorção, porém, existem
estrelas que apresentam linhas em emissão. O caso mais característico são as estrelas Wolf-Rayet. As
estrelas Wolf-Rayet são estrelas que evoluíram de estrelas O e B muito massivas que ejetaram o envelope
de material mais externo por meio dos ventos estelares, expondo as regiões mais interna e quentes da
estrela (Monnier, Tuthill & Danchi, 1999).
A composição química e, portanto o espectro de uma estrela é inicialmente definido pelo ambiente
onde a mesma nasceu. Esta região composta basicamente de hidrogênio e hélio, com a presença de alguns
outros elementos mais pesados, com baixa densidade são conhecidas como Regiões HII.
As estrelas formadas nestas regiões ionizam o gás ao seu redor. Os íons ao se recombinarem e
passar pelo processo de desexcitação emitem em comprimentos de onda bem específicos. Portanto, o
espectro de regiões de formação estelar difere das estrelas pela presença de linhas em emissão dos
elementos presentes no gás (Franco, Tenorio-Tagle & Bodenheimer, 1990). Da mesma forma, o espectro
de nebulosas planetárias que são os restos de estrelas nos seus estágios finais possuem linhas em emissão
no seu espectro. O que diferença espectralmente uma região de outra são os processos de trocas
energéticas no gás. Nas regiões HII as trocas são feitas por fótons num processo chamado fotoionização;
enquanto que nas nebulosas, há ainda uma componente muito grande de ionização por choque das
partículas do gás que está em expansão. Esta diferença se reflete na forma geral do espectro (Osterbrock
1983).
O estudo dos espectros de regiões HII permite obter informações sobre a temperatura do gás por
meio da razão entre linhas de íons de oxigênio ou nitrogênio. Graças a baixa densidade, estas linhas que
são formadas pela excitação por choque podem ocorrer no espectro das regiões HII. Estas emissões
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funcionam como resfriador do gás, jogando para o espaço parte da energia interna da região de formação
estelar garantindo assim o equilíbrio teórico do gás (Osterbrock e Ferland 2006).
A presença e a intensidade das linhas de elementos mais pesados que o hidrogênio permite
determinar a abundância química destes elementos na nuvem de gás. A abundância química do gás do
berçário de estrelas está relacionada com a massa das estrelas que serão formadas. A largura das linhas
permite estimar a idade do evento que deu origem as estrelas (Fernandes et al., 2004).
O estudo espectroscópico permite o mapeamento da abundância química de elementos ao longo
das galáxias, ou seja, determinar o gradiente químico. As regiões nucleares das galáxias possuem um
maior número de eventos de formação estelar em comparação as regiões mais externas. A densidade do
gás nas regiões nucleares é maior, facilitando os mecanismos gravitacionais de formação estelar. Como
consequência, ocorre um enriquecimento de elementos mais pesados mais rapidamente nesta região,
refletindo no espectro radial destes objetos. Algumas linhas se tornam mais intensas, enquanto outras que
são sensíveis a densidade são suprimidas.
Tão importante quanto a determinação de gradientes, a espectroscopia permite a identificação da
presença de um buraco negro no núcleo das galáxias. Galáxias com a forte influência deste buraco negro
central são denominadas de galáxias com núcleo ativo. A matéria que espirala e cai no buraco negro é
aquecida por fricção e choque, produzindo energia que assim como os fótons é capaz de ionizar os
átomos do gás nas galáxias hospedeiras. Os efeitos seriam os mesmos da energia proveniente de um
grupo muito grande de estrelas como fonte ionizante, porém, o espectro revela que a forma é diferente.
Enquanto nas estrelas a forma do espectro se aproxima de um corpo negro, o continuo do espectro
oriundo de uma fonte nuclear onde existe a presença de um buraco negro apresenta a forma conhecida
como lei de potência. Além disto, a energia produzida neste processo é imensa com um número de fotos
disponíveis para ionização muito grande, fazendo a intensidade das linhas ser alterada. Neste cenário, as
velocidades internas do gás são muito altas e ondas de choque surgem, com isto, as linhas sensíveis a
densidade apresentam um alargamento em sua base (Osterbrock 2006). Os conjuntos de linhas espectrais
quando comparados diferenciam os mecanismos de ionização do gás, fotoionização ou núcleo ativo. Estes
digramas comparativos das linhas são conhecidos como digramas de diagnóstico.
Uma das primeiras grandes contribuições da espectroscopia para a cosmologia se deu com a
medida de velocidade de afastamento das galáxias. Hubble verificou que o espectro das galáxias para as
quais ele obteve medidas estava deslocado para comprimentos de ondas mais vermelhos do espectro
(Hubble, 1926). Este efeito sobre os comprimentos de ondas já era bem conhecido com o som. Por
experiência cotidiana, sabemos que sons de objetos que se afastam ficam mais graves, enquanto que sons
de objetos que se aproximam ficam mais agudos. O efeito Doppler ocorre por uma mudança na
frequência nas ondas sonoras produzidas por objetos em movimento. De forma análoga, as ondas
luminosas se deslocam para comprimentos de ondas mais vermelhas quando objetos se afastam do
observador. O deslocamento para o azul ocorre no espectro de objetos que se aproximam. Como a
velocidade da luz de 299.792.458 m/s é bem determinada podemos estimar então a distância em que o
objeto emissor se encontra e sua velocidade de afastamento. Hubble descobriu que a distância e a
velocidade de afastamento estavam relacionadas. Quanto mais distante se encontrava a galáxia maior era
sua velocidade de afastamento e mais o seu espectros se deslocava para o vermelho. O redshift, como é
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conhecido este efeito, deu origem a lei de Hubble, mostrando que nosso universo está em expansão
(Hubble 1929). Mais recentemente, as medidas das explosões de supernovas em galáxias distantes
mostraram que não só o universo está se expandindo com o está fazendo de forma acelerada. Se ele
permanece nesta condição ainda é tema de debate e depende da quantidade de massa total do universo,
que ainda não foi bem determinada. Medidas como esta, dão a impressão aos observadores localizados
em diferentes pontos do universo que os mesmos se encontram no centro, porém isto é apenas um efeito
de observação. Na realidade não é possível determinar quem se encontra no centro.
FILTRANDO A LUZ - IMAGEAMENTO E FOTOMETRIA
A técnica de medida do fluxo de energia luminosa de uma estrela, nebulosa, galáxia ou de
qualquer objeto astronômico é conhecido como fotometria. Esta medida é extremamente dependente da
estabilidade da atmosfera. As diferenças de densidade na coluna de ar que a luz atravessa ao passar por
nossa atmosfera pode produzir oscilações na imagem. Este fenómeno é conhecido como refração. A luz
ao passar por vários meios ou por meios com densidades diferentes se desvia do seu curso. Como
exemplo, temos a imagem de uma moeda jogada em uma piscina cuja imagem parece oscilar no fundo.
Desta forma, observações fotoelétricas precisam ser obtidas em noites com a maior ausência de nuvens e
humidade possível.
A distribuição da luz em intervalos de comprimentos de onda específicos é obtida fazendo a luz do
objeto observado passar por filtros com função de transmissão conhecida. Com isto, teremos a energia do
objeto fonte que chega a Terra contida dentro de uma faixa de comprimento de onda. Este intervalo é
denominado de cor e o conjunto de filtros de sistema de cores. Esta energia não e a mesma para todas as
cores do conjunto de filtro, variando de objeto para objeto. A análise da diferença de energia medida com
os diferentes filtros nos fornece estimativas da física dos objetos observados. Esta diferença é conhecida
como índice de cor.
As medidas fotoelétricas das estrelas fornecem estimativas de sua temperatura superficial e
consequentemente de sua massa. Estrelas com fluxo maior nas cores vermelhas são mais frias do que as
que apresentam cores mais azuis. Associando a esta medida, o fluxo luminoso total de estrelas mais
massivas é maior do que a de estrelas com menor massa. Isto ocorre porque a energia produzida e
necessária para manter o equilíbrio das estrelas com grande massa é muito maior do que nas estrelas
menores como nosso Sol.
A luz ao viajar das estrelas até a Terra passa no seu caminho por matéria interestelar, poeira, gás e
é absorvida nos comprimentos de onda mais azuis. Comprimentos de ondas mais vermelhos por serem
maiores contornam com maior facilidade as partículas do meio interestelar sendo menos absorvidas do
que os azuis, com menor comprimento de onda. Portanto, a luz que chega até nós nestas condições tem
uma intensidade maior no vermelho. Este fenómeno é conhecido como avermelhamento da luz. Para que
se possa saber corretamente a real quantidade de energia em cada intervalo de cor, devemos corrigir deste
efeito o fluxo luminoso. A correção é feita usando padrões de objetos onde o avermelhamento é bem
conhecido. Esta medida de avermelhamento nas estrelas fornece estimativas do meio ambiente onde a
estrela nasceu, como a quantidade e a composição química das partículas pelas quais a radiação atravessa.
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Em objetos extensos como as galáxias, a utilização da técnica de filtros para obtenção de imagens
fornece o que poderíamos chamar grosso modo de uma foto em uma única cor. Desta forma, para cada
filtro teríamos uma imagem distinta da galáxia. Estas imagens nos revelam estruturas físicas dos objetos
observados. Isto ocorre, pois as regiões da galáxia apresentam propriedades físicas, como temperatura e
densidade, e químicas diferentes. Como já citado anteriormente, estas características definem a forma e as
particularidades da radiação proveniente do objeto observado. O máximo de emissão varia de acordo com
estas propriedades. Desta forma, algumas estruturas como braços espirais, bojo ou barras nas galáxias
podem ser suprimidas em um determinado filtro, ou serem intensificadas em outros. Muitas estruturas
que antes ficavam ofuscadas pela sobreposição do brilho de outras surgem, revelado características dos
objetos (Freitas-Lemes et al., 2012). Quando associadas cores primarias às diferentes imagens obtidas
com os filtros de cores, são produzidas as belas imagens astronômicas que conhecemos. Esta técnica é
conhecida como falsa cor.
TORCENDO A LUZ - POLARIMETRIA
O fluxo e a polarização de um feixe de onda eletromagnética como a luz podem ser descritos
matematicamente por vetores. Estes vetores são conhecidos como vetores de Stokes e podem variar em
comprimento de onda, espaço e tempo. Desta forma, a polarização da luz ocorre quando a distribuição
destes vetores deixa de ser aleatória. Detectamos duas formas de polarização, a linear e a circular ou
elíptica. Na polarização linear os vetores elétricos dos fótons estão alinhados de forma paralela possuindo
uma direção constante. Já na polarização circular, os vetores giram com o tempo de acordo com a
frequência da radiação associada. Desta forma, a polarização pode ser representada pelos quatro
parâmetros de Stokes: intensidade da luz não polarizada, elipticidade, direção do eixo maior da elipse e
sentido de rotação da luz polarizada. O primeiro cientista a especificar o estado de polarização da luz foi
G.G.Stokes (Mandel & Wolf, 1995).
No contexto da astronomia e astrofísica, a polarização pode ser empregada para sondar as
características físicas e geométricas do ambiente de estudo. A polarização pode ser produzida tanto na
fonte, quanto pelo meio ao longo do caminho entre a mesma e o observador. Desta forma, podemos
empregar a polarização como técnica para o estudo desde astrofísica estelar até estudos cosmológicos.
A radiação proveniente das estrelas se aproxima da radiação de um corpo negro. Este tipo de
emissão ocorre em todas as direções fazendo com que a radiação proveniente da fonte seja não
polarizada. Ao passar pelo material circundante das estrelas o espalhamento da luz da fonte por grãos e
elétrons pode resultar em radiação eletromagnética polarizada. Nas estrelas, este comportamento da luz
pode ser indício da presença de manchas na superfície, que quebrariam a simetria da emissão da fonte, ou
a existência de uma distribuição mais concentrada na região equatorial da estrela do envelope de material
circundante (Pereyra, Magalhães & de Araújo, 2009). A polarização pode também ser detectada na luz
integrada de estrelas quando existe emissão intrinsecamente polarizada (Pereyra et al., 2009).
Nas nebulosas planetárias, a distribuição da matéria ao redor da estrela pode apresentar uma
complexidade muito grande. Exemplo desta complexidade espacial e geométrica é a distribuição bipolar
que o material ejetado no estágio final da estrela pode assumir. Já, em estrelas em formação o fluxo de
material para os seus polos pode dar origem a uma geometria bipolar (Rodrigues et al., 2003). Em
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supernovas é observada a polarização originada por espalhamento. As supernovas do tipo Ia apresentam
pequeno grau de polarização em comparação com as supernovas do tipo II indicando diferenças nas
simetrias destes objetos (Pereyra & Magalhães, 2005).
Já em sistemas binários, existe a transferência de material entre os objetos do sistema por meio de
campos magnéticos, provando choques nas regiões próximas a anã branca. A emissão ciclotrônica é
dominante neste tipo de objetos e a polarização é circular (Costa & Rodrigues, 2009). A luz polarizada é a
principal forma para a caracterização das propriedades físicas e geométricas destas regiões do espaço.
Em galáxias a polarização é de grande importância no estudo de Blazares. Estes objetos são
galáxias com o núcleo ativo, ou seja que possuem um buraco negro na região nuclear e apresentam
variação de brilho extremas em curtas escalas de tempo em todo o espectro eletromagnético. A
polarimetria é a única ferramenta disponível para resolver a geometria de fontes compactas, mostrando
que as variações no brilho não são provenientes de uma fonte homogênea única. Existem duas fontes de
emissão, uma emitindo entre os comprimentos de onda do infravermelho e os raios-X e outra entre os
raios-X e raios-gama. A primeira fonte resultado da radiação sincrotron, enquanto a segunda, por
espalhamento Compton dos fótons (Dominici, Abraham & Galo, 2006).
No âmbito da cosmologia, a detecção de que a radiação cosmológica de fundo observada em micro
ondas apresenta polarização provem de um parâmetro de observação que permite determinar
inhomogeneidade do universo. O grande problema a ser resolvido se encontra em separar a contribuição
para a polarização da luz devida a matéria do meio intergaláctico para as medidas cosmológicas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existem ainda diversas outras técnicas astronômicas para a manipulação da luz. Por exemplo, a
espectroscopia de campo integral que combina espectroscopia e imageamento obtidas com a passagem da
luz por fibras ópticas organizadas para cobrir toda extensão do objeto. Nesta técnica ocorre o fatiamento
da luz do objeto. Desta forma, as informações que são obtidas provem de uma região espacial particular
do objeto e não do todo. Esta técnica é muito empregada em objetos extensos como galáxias e nebulosas.
Outra técnica que pode ser citada é a de tomografia de análise da componente principal. Esta
técnica reúne espectroscopia, imageamento e polarimetria de um campo e faz uso das sucessivas
transformadas de Fourier do sinal luminoso proveniente da fonte. Isto produz um cubo de dados que torna
possível obter informações de profundidade espacial da observação. Outras observações em
comprimentos de ondas diferentes como no radio, infravermelho, óptico e ultravioleta podem ser
combinadas para produzir um cubo de dados mais abrangente.
Embora novas técnicas sempre sejam criadas pelos astrônomos, as manipulações da luz
empregadas na astronomia têm em sua grande maioria como base a espectroscopia, a
fotometria/imageamento e a polarimetria. Estas novidades técnicas só se tornam possíveis graças à
construção de telescópios mais modernos. Grandes coletores de luz, os telescópios, têm se tornado cada
vez mais iniciativas de consórcios entre varias nações. Apesar do alto custo de construção destes
equipamentos, a pluralidade no desenvolvimento cientifico faz da astronomia uma das ciências mais
democráticas, concordando com as premissas da resolução da ONU que instituiu 2015 como o ano
Internacional da Luz
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