Book 30_site.indb - Cadernos Metrópole

Transcrição

Book 30_site.indb - Cadernos Metrópole
ISSN 1517-2422
cadernos
metrópole
mobilidade urbana
nas metrópoles
contemporâneas
Cadernos Metrópole
v. 15, n. 30, pp. 363-670
jul/dez 2013
Catalogação na Fonte – Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP
Cadernos Metrópole / Observatório das Metrópoles – n. 1 (1999) – São Paulo: Educ, 1999–,
Semestral
ISSN 1517-2422
A partir do segundo semestre de 2009, a revista passou a ter volume e iniciou com v. 11, n. 22
1. Regiões Metropolitanas – Aspectos sociais – Periódicos. 2. Sociologia urbana – Periódicos.
I. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências
Sociais. Observatório das Metrópoles. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Observatório das Metrópoles
CDD 300.5
Periódico indexado na Library of Congress – Washington
Cadernos Metrópole
Profa. Dra. Lucia Bógus
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais - Observatório das Metrópoles
Rua Ministro de Godói, 969 – 4° andar – sala 4E20 – Perdizes
05015-001 – São Paulo – SP – Brasil
Prof. Dr. Luiz César de Queiroz Ribeiro
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - Observatório das Metrópoles
Av. Pedro Calmon, 550 – sala 537 – Ilha do Fundão
21941-901 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Caixa Postal 60022 – CEP 05033-970
São Paulo – SP – Brasil
Telefax: (55-11) 3368.3755
[email protected]
http://web.observatoriodasmetropoles.net
Secretária
Raquel Cerqueira
mobilidade
m
o b i l i d ad
de u
urbana
rbana
nas
n a s metrópoles
metrópoles
contemporâneas
c o n t e m p o râ
âneas
PUC-SP
Reitora
Anna Maria Marques Cintra
EDUC – Editora da PUC-SP
Direção
Miguel Wady Chaia
Conselho Editorial
Anna Maria Marques Cintra (Presidente), Cibele Isaac Saad Rodrigues, Ladislau Dowbor,
Mary Jane Paris Spink, Maura Pardini Bicudo Véras, Norval Baitello Junior,
Rosa Maria B. B. de Andrade Nery, Sonia Barbosa Camargo Igliori
Coordenação Editorial
Sonia Montone
Revisão de português
Siméia de Mello Araújo
Revisão de inglês
Carolina Siqueira M. Ventura
Projeto gráfico, editoração e capa
Raquel Cerqueira
Rua Monte Alegre, 984, sala S-16
05014-901 São Paulo - SP - Brasil
Tel/Fax: (55) (11) 3670.8085
[email protected]
www.pucsp.br/educ
cadernos
metrópole
EDITORES
Lucia Bógus (PUC-SP)
Luiz César de Q. Ribeiro (UFRJ)
COMISSÃO EDITORIAL
Eustógio Wanderley Correia Dantas (UFC, Fortaleza/Ceará/Brasil) Luciana Teixeira Andrade (PUC-MG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil)
Orlando Alves dos Santos Júnior (UFRJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Sérgio de Azevedo (UENF, Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro/
Brasil) Suzana Pasternak (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil)
CONSELHO EDITORIAL
Adauto Lucio Cardoso (UFRJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Aldo Paviani (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Alfonso Xavier Iracheta
(El Colegio Mexiquense, Toluca/Estado del México/México) Ana Fani Alessandri Carlos (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Ana Lucia Nogueira
de P. Britto (UFRJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Ana Maria Fernandes (UFBa, Salvador/Bahia/Brasil) Andrea Claudia Catenazzi (UNGS,
Los Polvorines/Provincia de Buenos Aires/Argentina) Angélica Tanus Benatti Alvim (UPM, São Paulo/São Paulo/Brasil) Arlete Moyses Rodrigues
(Unicamp, Campinas/São Paulo/Brasil) Brasilmar Ferreira Nunes (UFF, Niterói/Rio de Janeiro, Brasil) Carlos Antonio de Mattos (PUC, Santiago/
Chile) Carlos José Cândido G. Fortuna (UC, Coimbra/Portugal) Cristina López Villanueva (UB, Barcelona/Espanha) Edna Maria Ramos de
Castro (UFPA, Belém/Pará/Brasil) Eleanor Gomes da Silva Palhano (UFPA, Belém/Pará/Brasil) Erminia Teresinha M. Maricato (USP, São Paulo/
São Paulo/Brasil) Félix Ramon Ruiz Sánchez (PUCSP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Fernando Nunes da Silva (UTL, Lisboa/Portugal) Frederico
Rosa Borges de Holanda (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Geraldo Magela Costa (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Gilda Collet
Bruna (UPM, São Paulo/São Paulo/Brasil) Gustavo de Oliveira Coelho de Souza (PUCSP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Heliana Comin Vargas
(USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Heloísa Soares de Moura Costa (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Jesús Leal (UCM, Madri/Espanha)
José Antônio F. Alonso (FEE, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil) José Machado Pais (UL, Lisboa/Portugal) José Marcos Pinto da Cunha
(Unicamp, Campinas/São Paulo/Brasil) José Maria Carvalho Ferreira (UTL, Lisboa/Portugal) José Tavares Correia Lira (USP, São Paulo/São Paulo/
Brasil) Leila Christina Duarte Dias (UFSC, Florianópolis/Santa Catarina/Brasil) Luciana Corrêa do Lago (UFRJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil)
Luís Antonio Machado da Silva (Iuperj, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Luis Renato Bezerra Pequeno (UFC, Fortaleza/Ceará/Brasil) Marcio
Moraes Valença (UFRN, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil) Marco Aurélio A. de F. Gomes (UFBa, Salvador/Bahia/Brasil) Maria Cristina da Silva
Leme (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Maria do Livramento M. Clementino (UFRN, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil) Marília Steinberger (UnB,
Brasília/Distrito Federal/Brasil) Marta Dominguéz Pérez (UCM, Madri/Espanha) Nadia Somekh (UPM, São Paulo/São Paulo/Brasil) Nelson Baltrusis
(UCSAL, Salvador/Bahia/Brasil) Ralfo Edmundo da Silva Matos (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Raquel Rolnik (USP, São Paulo/São
Paulo/Brasil) Ricardo Toledo Silva (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Roberto Luís de Melo Monte-Mór (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/
Brasil) Rosa Maria Moura da Silva (Ipardes, Curitiba/Paraná/Brasil) Rosana Baeninger (Unicamp, Campinas/São Paulo/Brasil) Sarah Feldman
(USP, São Carlos/São Paulo/Brasil) Tamara Benakouche (UFSC, Florianópolis/Santa Catarina/Brasil) Vera Lucia Michalany Chaia (PUCSP, São
Paulo/São Paulo/Brasil) Wrana Maria Panizzi (UFRGS, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil)
COLABORADORES AD HOC
Benny Schvasberg (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Denise Cunha Tavares Terra (UENF, Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro/
Brasil) Doralice Barros Pereira (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Dulce Bentes (UFRN, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil)
Eduardo César Leão Marques (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Eduardo Marandola Junior (Unicamp, Campinas/São Paulo/ Brasil)
Elzira Lúcia de Oliveira (UFF, Niterói/Rio de Janeiro/Brasil) Felipe Link Lazo (UDP, Santiago/Chile) Fernando Garrefa (UFU, Uberlândia/
Minas Gerais/Brasil) Francisco de Assis Comaru (UFABC, Santo André/São Paulo/Brasil) Gislene Aparecida dos Santos (UFPR, Curitiba/
Paraná/Brasil) Gustavo Henrique Naves Givisiez (UFF, Niterói/Rio de Janeiro/Brasil) Humberto Miranda do Nascimento (Unicamp,
Campinas/São Paulo/Brasil) Isabel Aparecida Pinto Alvarez (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) João Carlos Ferreira de Seixas (UL, Lisboa/
Portugal) João Farias Rovati (UFRGS, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil) João Manuel Machado Ferrão (UL, Lisboa/ Portugal)
Jorge da Silva Macaísta Malheiros (UL, Lisboa/Portugal) Jorge Manuel Gonçalves (UTL, Lisboa/Portugal) José Geraldo Simões Junior
(Mackenzie, São Paulo/São Paulo/Brasil) Laura Machado de M. Bueno (PUCCampinas, Campinas/São Paulo/Brasil) Lia de Mattos Rocha
(UERJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Lúcia Cony Faria Cidade (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Luciane Soares da Silva
(UENF, Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro/Brasil) Luciano Joel Fedozzi (UFRGS, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil) Luís António
Vicente Baptista (UNL, Lisboa/Portugal) Márcia da Silva Pereira Leite (UERJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Marcia Maria
Cabreira M. de Souza (PUC-SP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Maria Augusta Justi Pisani (Mackenzie, São Paulo/São Paulo/Brasil) Maria
Lucia Refinetti R. Martins (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Marísia Margarida Santiago Buitoni (PUC-SP, São Paulo/São Paulo/Brasil)
Marta Dora Grostein (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Milena Kanashiro (UEL, Londrina/Paraná/Brasil) Neio Lúcio de Oliveira Camps
(UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Norma Lacerda (UFPE, Recife/Pernambuco/Brasil) Olga Lucia Castreghini de F. Firkowski (UFPR,
Curitiba/Paraná/Brasil) Paulo Jorge Marques Peixoto (UC, Coimbra/Portugal) Paulo Roberto Rodrigues Soares (UFRGS, Porto Alegre/
Rio Grande do Sul/Brasil) Regina Maria Prosperi Meyer (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Renato Cymbalista (Unicamp, Campinas/São
Paulo/Brasil) Ricardo Libanez Farret (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Ricardo Ojima (Unicamp, Campinas/São Paulo/Brasil) Rosana
Denaldi (UFABC, Santo André/São Paulo/Brasil) Sérgio Manuel Merêncio Martins (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Silvana
Maria Pintaudi (Unicamp, Campinas/São Paulo/Brasil) Sonia Lúcio Rodrigues de Lima (UFF, Niterói/Rio de Janeiro/Brasil) Sylvio Carlos
Bandeira de Mello e Silva (UCSal, Salvador/Bahia/Brasil) Vitor Matias Ferreira (ISCTE-UL, Lisboa/Portugal) Weber Soares (UFMG,
Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil)
sumário
371 Apresentação
dossiê: mobilidade urbana
nas metrópoles contemporâneas
Urban mobility: the challenges of the future 377 Mobilidade urbana: os desafios do futuro
Fernando Nunes da Silva
Transport, commodity flow and urban 389 Transporte, fluxo de mercadoria
economic development in the Amazon:
e desenvolvimento econômico urbano
the case of Belém and Manaus
na Amazônia: o caso de Belém e Manaus
Wouter Jacobs
Lee Pegler
Manoel Reis
Henrique Pereira
The origin of chaos – the mobility crisis 411
in Rio de Janeiro and the threat to urban health
A origem do caos – a crise de mobilidade
no Rio de Janeiro e a ameaça à saúde urbana
Renato Gama-Rosa Costa
Claudia G. Thaumaturgo da Silva
Simone Cynamon Cohen
Commu ng in the macrometropolis of São Paulo: 433 A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista:
differen a on and socio-spa al complementariness
diferenciação e complementaridade socioespacial
José Marcos Pinto da Cunha
Sergio Stoco
Ednelson Mariano Dota
Rovena Negreiros
Zoraide Amarante Itapura de Miranda
The Jundiaí Urban Agglomera on and challenges 461 O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) e os desafios
to São Paulo’s metropolitan mobility
para a mobilidade metropolitana paulista
Adriana Fornari Del Monte Fanelli
Wilson Ribeiro dos Santos Junior
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 363-670, jul/dez 2013
369
Sustainable Urban Mobility Index 489 Índice de Mobilidade Urbana Sustentável
in Goiânia as a tool for public policies
em Goiânia como ferramenta para polí cas públicas
Ivanilde Maria de Rezende Abdala
Antônio Pasquale o
Spa al accessibility and mobility of the popula on 513 Acessibilidade e mobilidade espaciais da população
in the Metropolitan Region of Belo Horizonte:
na Região Metropolitana de Belo Horizonte:
analysis based on the 2010 demographic census
análise com base no censo demográfico de 2010
Carlos Lobo
Leandro Cardoso
David J. A. V. Magalhães
The Port Route of Salvador: mobility in the capital 535 A via portuária de Salvador: mobilidade na capital
city of the State of Bahia a er road interven ons
baiana a par r de intervenções viárias
Aliger dos Santos Pereira
Fabiano Viana Oliveira
Infrastructures in the Germany, 557 Infraestruturas nas Copas do Mundo
South Africa and Brazil World Cups
da Alemanha, África do Sul e Brasil
Regina Meyer Branski
Elisa Eroles Freire Nunes
Sérgio Adriano Loureiro
Orlando Fontes Lima Jr.
Linha Verde Urban Opera on: limits 583 Operação Urbana Consorciada da Linha Verde:
and opportuni es in light of the social
limites e oportunidades à luz da gestão social
management of land value apprecia on
da valorização da terra
Paulo Nascimento Neto
Tomás Antonio Moreira
Artigos complementares
Tensions and contradic ons in the construc on 605 Tensões e contradições na construção de futuros
urbanos sustentáveis: o caso de Lisboa
of sustainable urban futures: the case of Lisbon
Luís Carvalho
Jorge Gonçalves
Urban space produc on and spa al processes 627 Produção do espaço urbano e processos espaciais
in Natal: focusing on the Ponta Negra housing estate
em Natal: o conjunto Ponta Negra em foco
Felipe Fernandes de Araújo
Environmental restric on or an opportunity 645 Restrição ambiental ou oportunidade
for sustainable development? The Karst Aquifer
para o desenvolvimento sustentável? Aquífero
in the metropolitan region of Curi ba
Carste na Região Metropolitana de Curi ba
Harry Alberto Bollmann
Daniele Costacurta Gasparin
Fabio Duarte
667 Instruções aos autores
370
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 363-670, jul/dez 2013
Apresentação
O tema da mobilidade urbana tornou-se central no debate sobre o mal-estar das nossas
metrópoles. A deterioração do transporte coletivo – sobretudo ao longo dos últimos vinte
anos – e a precarização das condições de deslocamento nas áreas metropolitanas afetaram
a qualidade de vida da população, agravada no caso dos trabalhadores de baixa renda que
percorrem, em geral, grandes distâncias entre os locais de trabalho, em áreas centrais, e a
moradia, em regiões periféricas.
O Brasil terminou o ano de 2012 com uma frota total de 76.137.125 veículos automotores.
Desde 2001, houve um aumento da ordem de 138,6%, uma vez que a quantidade de automóveis
exatamente dobrou, passando de 24,5 milhões (2001) para os 50,2 milhões (2012). Em São
Paulo, o acréscimo foi superior a 1 milhão no período 2001/2012; no Rio de Janeiro, a frota de
motocicletas triplicou, passando de pouco mais de 98 mil para 472 mil. Por outro lado, segundo
dados do Censo 2010, para chegar até seus locais de trabalho, cerca de 24,2 milhões de pessoas
se deslocam diariamente, nas 15 metrópoles brasileiras, em tempo que se alonga na medida
em que a frota cresce e que o sistema de transportes coletivos entra em colapso. Por trás dos
indicadores, que apontam a piora das condições de deslocamento, está uma realidade ainda
mais preocupante. Trata-se do fato de que as formas precárias e insuficientes de deslocamento,
asseguradas por um sistema de mobilidade ineficiente, geraram efeitos contrários aos ganhos
de renda obtidos pelos trabalhadores na atual conjuntura de geração de emprego. Na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, por exemplo, moradores em áreas com fortes diferenças de
mobilidade urbana podem perder até 22,8% do seu potencial de renda do trabalho, considerando
o nível de escolaridade.
Este número dos Cadernos Metrópole vem contribuir para o debate desse tema, que
constitui o grande desafio para planejadores e gestores, sobretudo de municípios metropolitanos.
Os textos do dossiê abordam a mobilidade urbana sob diferentes ângulos e discutem a mudança
de paradigma, tanto em relação ao transporte individual motorizado, como às políticas para o
transporte de mercadorias em áreas urbanizadas, apontando suas consequências em termos dos
investimentos em infraestruturas e dos elevados custos ambientais.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 371-375, jul/dez 2013
371
Apresentação
No primeiro texto que compõe o dossiê, Fernando Nunes da Silva afirma que “essa
mudança de paradigma não se fez sem resistências e sem que, em certo momento, se tentassem
ainda outras soluções que não pusessem em causa de modo tão evidente o papel do automóvel
na mobilidade urbana”. De fato, conforme o autor, “para quem via no automóvel o maior
símbolo da moderna industrialização, o principal motor das economias mais desenvolvidas e com
os maiores interesses na exploração do petróleo (...), o (quase) incontestável fetiche do novo
status urbano e, sem dúvida, o instrumento da democratização da mobilidade individual, tais
constatações, mais que um alerta, constituíram um primeiro choque” (p. 380). Em seu texto,
Nunes da Silva analisa a evolução das políticas de mobilidade e aponta algumas conclusões
quanto aos caminhos a seguir, ressaltando as especificidades que existem nos diferentes países,
mas também o que se pode aproveitar dos ensinamentos de um passado recente.
O texto de Wouter Jacobs et al. afirma que os problemas gerados pelo sistema de
transporte, não apenas de pessoas, mas também de mercadorias, atingem até mesmo cidades
menos centrais do ponto de vista das cadeias metropolitanas, como é o caso de Belém do
Pará, na Amazônia brasileira. Ali, as cidades “como portais ou centros precisarão acomodar
espacialmente o movimento de mercadorias físicas propriamente dito, com todos os tipos de
efeitos externos que ocorrem” (p. 390). Alguns desses movimentos de mercadorias são voltados
ao abastecimento da região metropolitana com bens de consumo e insumos de produção que
garantem o funcionamento das empresas locais. Esse movimento de mercadorias gera, no
entanto, custos sociais negativos em relação ao congestionamento e à poluição. Ao mesmo
tempo, ainda conforme os autores, a elevação do valor da terra no núcleo urbano tende a deslocar
os meios de distribuição de menor valor para as periferias urbanas “e, como tal, aumentar ainda
mais os custos de transporte para atender a esse mesmo núcleo econômico urbano” (p. 391).
Focalizando o núcleo de uma das maiores áreas metropolitanas do país, o terceiro
texto aborda a crise da mobilidade no Rio de Janeiro e discute as consequências dos grandes
congestionamentos das vias públicas e dos ruídos excessivos para a saúde e para a qualidade
de vida da população. Os autores, Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva
e Simone Cynamon Cohen, lembram ainda que essa situação tenderá a agravar-se durante a
realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, configurando uma situação de
caos. E, retomando Le Corbusier, em seu livro Urbanismo (1925), relembram que
Descongestionar o centro das cidades para fazer frente às exigências do trânsito aumentar
a densidade do centro das cidades para realizar o contato exigido dos negócios; aumentar
os meios de circulação, ou seja, modificar completamente a concepção atual de rua, que
se acha sem efeito ante o fenômeno novo dos meios de transporte modernos: metrôs ou
carros, bondes, aviões; aumentar as superfícies arborizadas, único meio de assegurar a
higiene suficiente e a calma útil ao trabalho atento exigido pelo ritmo novo dos negócios.
(Le Corbusier, 2000, p. 91)
372
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 371-375, jul/dez 2013
Apresentação
Ampliando o debate para além da questão do transporte stricto sensu e destacando
a integração da mobilidade com outras políticas setoriais, o texto de José Marcos Pinto da
Cunha et al. analisa a mobilidade pendular da população residente em grandes aglomerados
metropolitanos, tendo em vista a avaliação dos processos de interação e complementaridade
no âmbito de tais aglomerados. O problema é discutido a partir do caso da Macrometrópole
Paulista, que reúne quatro regiões metropolitanas e três aglomerações urbanas do estado de
São Paulo, com uma população superior a 30 milhões de pessoas e que mantêm fortes relações
com o município-polo da Região Metropolitana de São Paulo. O uso de dados censitários e as
análises empíricas constituem elementos importantes para a compreensão do fenômeno presente
em outras regiões metropolitanas brasileiras e aglomerados urbanos.
Um oportuno detalhamento das análises referentes à Macrometrópole Paulista é
trazido pelo estudo de um caso representativo da região. Adriana Fornari Del Monte Fanelli
e Wilson Ribeiro dos Santos Jr. focalizam a inserção do Aglomerado Urbano de Jundiaí (AUJ)
naquele complexo metropolitano, apresentando importantes elementos para a compreensão da
mobilidade intrametropolitana, no quadro de uma “aglomeração urbana intersticial”, situada
entre as Regiões Metropolitanas de São Paulo e Campinas e com as quais mantém fortes ligações.
Com base em dados demográficos e indicadores socioeconômicos, os autores consideram a
mobilidade como um fator estruturante da forma urbana do AUJ com desdobramentos sobre o
processo de redistribuição da população no contexto regional.
O texto de Ivanilde Maria de Rezende Abdala e Antônio Pasqualetto trabalha o conceito
de mobilidade urbana sustentável em suas interações com o ambiente urbano mais amplo e com
a qualidade de vida da população. O trabalho discute o alcance do Índice de Mobilidade Urbana
(Imus), calculado de acordo com metodologia específica, para algumas cidades brasileiras, e
toma como base a aplicação desse índice na cidade de Goiânia. Ponderando que as soluções
para os problemas de trânsito e transporte não podem ser desvinculadas de outras dimensões
da política urbana, os autores destacam o Imus como importante ferramenta para a formulação,
implantação e monitoramento de políticas públicas voltadas à mobilidade urbana sustentável.
Tratando questão recorrente que tem se agravado em todas as cidades brasileiras, a
despeito de seu tamanho populacional ou de sua configuração urbana, Carlos Lobo, Leandro
Cardoso e David J. A. V. Magalhães estudam o problema da mobilidade na Região Metropolitana
de Belo Horizonte que, como as demais metrópoles nacionais, apresenta condições inadequadas
para o deslocamento de pessoas e mercadorias, com o registro de elevados índices de acidentes,
problemas de congestionamento e poluição ambiental, além da presença de outros fatores que
“impactam negativamente a vida das pessoas e as diversas atividades sociais e econômicas”
(p. 513). O texto tem por objetivo a elaboração e análise de indicadores de acessibilidade
e de mobilidade espacial nos fluxos da RMBH, a partir de dados da base amostral do censo
demográfico de 2010 e constitui uma contribuição relevante para o debate em pauta.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 371-375, jul/dez 2013
373
Apresentação
As dificuldades de enfrentamento dos problemas ligados à mobilidade urbana,
amplamente tratadas no conjunto dos textos do dossiê, são bem exemplificadas em artigo sobre
“A via portuária de Salvador: mobilidade na capital baiana a partir de intervenções viárias”.
Nesse texto, os autores analisam as contribuições do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) na obra rodoviária da Via Portuária no Bairro do Cabula, em Salvador/Bahia. Com base em
levantamentos bibliográficos e em pesquisa exploratória, para avaliar a capacidade da referida
obra de ampliar as condições de mobilidade, os autores concluíram que ela – com término
inicialmente previsto para 2010 –, uma vez finalizada, trará maior interligação entre o Porto de
Salvador, a Base Naval de Aratu e o Centro Industrial de Aratu, contribuindo também para a
melhoria de outras ligações regionais e nacionais.
O artigo de Regina Meyer Branski, Elisa Eroles Freire Nunes e Orlando Fontes Lima Jr.
discute os desafios colocados pela realização da Copa do Mundo de 2014, no Brasil, e busca avaliar
se os investimentos em infraestruturas físicas e, especificamente, em sistemas de transporte
constituirão um legado positivo após a realização do evento. Com base em metodologia utilizada
em estudos realizados nos países que sediaram as copas anteriores, notadamente Alemanha e
África do Sul, os autores apontam que os investimentos em sistemas de transporte, no caso do
Brasil, não atendem às necessidades das cidades-sede, havendo também o risco de os estádios
permanecerem subutilizados, a exemplo do ocorrido na África do Sul.
Partindo de estudos anteriores e das pautas recentes dos Planos Diretores Municipais,
Paulo Nascimento Neto e Tomás Antonio Moreira discutem o papel das operações consorciadas
como mecanismos de recuperação de mais-valias fundiárias urbanas. Ampliando o debate
já existente, analisam as possibilidades da Operação Urbana Consorciada da Linha Verde, em
Curitiba-Paraná, em fase de implantação, e seu potencial para alavancar transformações urbanas
e direcionar adequada alocação e gestão dos recursos públicos.
Os textos complementares ao dossiê reúnem trabalhos que, de algum modo, contribuem
para o conjunto das discussões, com referências, ainda que indiretas, aos problemas da
mobilidade urbana. Nesse conjunto, é dado destaque aos planos urbanísticos e ao protagonismo
das cidades num contexto de rápidas mudanças. Luís Carvalho e Jorge Gonçalves analisam o
potencial dos planos urbanísticos elaborados para a cidade de Lisboa, apontando a limitação
desses planos na medida em que não incorporaram, de maneira adequada, a incerteza e o risco
na construção de um futuro sustentável para a cidade.
O texto de Felipe Fernandes de Araújo nos conduz a outro contexto, o da cidade de Natal,
no Rio Grande do Norte, e, mais especificamente, ao Bairro de Ponta Negra. Aí, a questão da
sustentabilidade ambiental e social emerge da discussão dos processos de produção do espaço
urbano e da mudança na forma urbana, com intensa verticalização da área e consequências
perversas para a população originariamente residente.
374
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 371-375, jul/dez 2013
Apresentação
Indagando se as restrições ambientais constituem oportunidade para o desenvolvimento
sustentável, Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin e Fabio Duarte deslocam o
debate para a Região Metropolitana de Curitiba e discutem os danos da expansão desordenada
das áreas urbanas. A partir de extensa revisão da literatura, apontam a necessidade de mudanças
nas formas de gestão das cidades, de modo a “reduzir os conflitos socioambientais e a diminuir o
efeito da poluição gerada no ambiente urbano sobre o meio natural” (p. 646). O texto apresenta,
também, os resultados de estudo de caso sobre a percepção da população residente e de
representantes de instituições governamentais acerca da conservação de manancial aquífero
subterrâneo na Região Metropolitana de Curitiba.
A diversidade e, ao mesmo tempo, a convergência dos debates trazidos por esse
conjunto de textos constituem um convite à reflexão e à busca de novas estratégias para a
gestão das cidades.
Lucia Bógus
Luiz César de Q. Ribeiro
Editores científicos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 371-375, jul/dez 2013
375
Mobilidade urbana:
os desafios do futuro*
Urban mobility: the challenges of the future
Fernando Nunes da Silva
Resumo
As décadas que se seguiram à Segunda Guerra
Mundial foram dominadas pelo domínio do automóvel na mobilidade urbana, tanto no que se
refere à sua crescente importância na repartição
modal, como na definição das políticas públicas e
estratégias de acessibilidade. Com a primeira crise
dos preços do petróleo, nos anos 1970, e a posterior consciência ambiental dos impactos negativos
atribuídos ao setor dos transportes, começaram a
desenhar-se outros tipos de políticas, mais orientadas pelos conceitos de intermodalidade e de coesão social, além de mais preocupadas em reduzir os
impactos ambientais da mobilidade urbana. Num
período em que os novos países emergentes atravessam uma fase de forte crescimento econômico
e consequente aumento da motorização individual,
será útil analisar essa evolução das políticas de
mobilidade e retirar algumas conclusões quanto
aos caminhos a prosseguir, pondo em evidência
as especificidades que existem nesses países, mas
também o que podem aproveitar dos ensinamentos
do passado recente.
Abstract
The decades following the Second World War were
characterized by the predominant presence of the
automobile in urban mobility, both in terms of
its increasing importance in the modal split, and
also regarding the definition of public policies and
strategies of accessibility. With the first oil crisis
in the 1970s and the subsequent environmental
awareness of the negative impacts of the transport
sector, new policies began to be designed,
guided by concepts such as intermodality and
social cohesion, as well as more concerned about
reducing the environmental impacts of urban
mobility. In a period where the new emerging
countries present a strong economic growth and
a consequent increase in the motorization rate
of their population, it is useful to analyze the
evolution of such mobility policies and share some
conclusions about the paths to follow, highlighting
the specificities of those countries, and also the
lessons of the recent past.
Palavras-chave: mobilidade urbana; políticas de
mobilidade; países emergentes.
Keywords : urban mobility; mobility policies;
emerging countries.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013
Fernando Nunes da Silva
Do sonho à realidade,
ou de como o automóvel
passou de mito a pesadelo
automóveis, como ao nível da construção de
novas infraestruturas rodoviárias, quer ainda
no controle do aumento dos preços de combustível (sempre abaixo da inflação) e na relativa estagnação ou secundarização do investimento nas redes e sistemas de transportes co-
O processo de planejamento de transportes foi orientado para o automóvel,
basea do na ideologia da mobilidade irrestrita, mas normalmente limitando esta
mobilidade àqueles que podem pagar os
custos do transporte individual.
Eduardo A. Vasconcellos
La dépendance automobile ne trouve pas
son origine dans les villes (ni dans les
campagnes) mais dans le développement
d’un système automobile qui n’en respecte pas les limites.
Gabriel Dupuy
letivos. De fato, parece que ainda nos encontramos na época em que, nos EUA, publicava-se o que muitos consideram já o último elogio
e defesa do automóvel e da sua cultura. Aí se
afirmava que “unless there is a radical change
in our social and economic structure, people
will continue to want and use transportation
that will give them maximum freedom to move
about and to choose where they live, work, or
locate their businesses” (Rae apud Flink, 1975,
p. 212), para logo a seguir concluir que colocar
limitações artificiais ou restrições ao uso do
Enquanto na Europa a ideologia do “tudo pe-
automóvel e do transporte rodoviário, apenas
lo automóvel, nada contra o automóvel”, que
conduziria à estagnação social e econômica.
marcou as políticas de mobilidade e transpor-
Desse modo, as políticas deveriam sobretu-
tes no pós Segunda Guerra, está claramen-
do orientar-se para responder a essa procura
te posta de parte e é apenas encarada como
crescente, pois “the Road and Car together
uma curiosidade científica a estudar, nos países
have an enormous capacity for promoting
emergentes e em desenvolvimento acelerado,
economic growth, raising standards of living
a pressão das nossas classes médias e dos in-
and creating a good society. The challenge
teresses associados ao mercado do petróleo e
before us is to implement this capacity” (ibid.).
das grandes obras públicas continuam a deter-
Hoje, perante os problemas associados
minar as opções e prioridades políticas da ad-
ao aquecimento global e ao peso que o se-
ministração pública no sentido do favorecimen-
tor dos transportes tem na emissão de gases
to do transporte individual.
com efeito de estufa,1 o aumento do número
Tal como nos EUA das décadas de 1950 a
de vítimas relacionadas com os acidentes e a
1970, o automóvel (e toda a economia que gi-
poluição atmosférica atribuídos ao transporte
ra em torno dele) continua nesses países a ser
rodoviário,2 a perda de competitividade urba-
visto como um forte motor do crescimento eco-
na devido aos crescentes congestionamentos
nômico e de acesso à mobilidade. Assim sendo,
de tráfego, e agora, mais recentemente, aos
é “natural” que as políticas públicas não dei-
movimentos sociais que exigem melhores
xem de o privilegiar, quer no que se refere aos
transportes coletivos e mais baratos, talvez es-
incentivos para a indústria de montagem de
tejamos mais próximos da “mudança radical”
378
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013
Mobilidade urbana: os desafios do futuro
de que falava Rae, do que se continuarmos
e do Banco Mundial dos anos 1970 e 1980 –
a atuar segundo do modelo “predict and
onde tudo era pensado e planejado em função
provide”, que dominou os estudos e as políti-
do automóvel privado, de acordo com o mo-
cas de transportes e mobilidade nos 30 anos
delo “predict and provide” –, mas sim através
que se seguiram à Segunda Guerra Mundial.
de uma política e estratégias de promoção e
Todavia, por mais exemplos que se
favorecimento dos modos não motorizados3 e
deem de como esse caminho só pode conduzir
dos transportes coletivos, custou caro ao go-
ao desastre – tanto urbanístico como social
verno, tanto o federal como os estaduais. A
e econômico – a recusa em olhar a realida-
explosão de contestação social que essa ques-
de tal como ela se apresenta nesses países e
tão das tarifas do transporte coletivo desen-
em responder com imaginação e realismo aos
cadeou – pelo que isso implicava de limitação
problemas específicos que se colocam têm fa-
da mobilidade para milhões de pessoas – e de
lado mais forte e impedido que se avance com
como rapidamente se passou para a discussão
políticas de mobilidade mais adequadas às
da coerência e das prioridades a atribuir aos
necessidades de deslocação da esmagadora
investimentos públicos é um primeiro sinal dos
maioria da população (grande parte sem ter
tempos que hão de vir, caso as políticas públi-
sequer os meios para pagar qualquer trans-
cas de mobilidade e transportes mantenham o
porte motorizado, quanto mais um automó-
rumo seguido até aqui.
vel!), mais interligadas e articuladas com os
Daí o interesse em analisarmos a evo-
modelos de crescimento urbano e mais ami-
lução dessa problemática na Europa, onde a
gas do ambiente e não tão consumidoras de
força do movimento sindical do pós-guerra e
energia primária.
as ideias e governos social-democratas e de-
Os recentes acontecimentos no Brasil,
mocratas-cristãos, que dominaram a cena po-
provocados pelo anúncio (e várias tentativas)
lítica nas três décadas que se seguiram, con-
de aumento das tarifas dos transportes urba-
duziram ao progressivo desenvolvimento de
nos e metropolitanos, vieram mostrar, em to-
políticas públicas de transportes e mobilidade
da a sua extensão, como a questão da mobili-
que nunca deixaram de ter em conta o seu ca-
dade urbana é cada vez mais percebida como
ráter social e, portanto, de se orientarem para
um direito de cidadania e uma exigência de
satisfazer as necessidades básicas de deslo-
equidade social, com um potencial mobiliza-
cação da população. O maior peso atribuído
dor que vai muito para além das reivindicações
ao transporte coletivo ou ao individual – sem
tradicionais, promovidas e enquadradas pelas
que nunca se permitisse que o papel de um
estruturas sindicais e partidárias habituais.
anulasse o do outro (foi esse o compromisso
Não ter entendido que, com a progressiva
político possível) – dependeu primeiro da pró-
construção e consolidação de uma classe mé-
pria estrutura industrial e de rendimentos do
dia (mesmo que “baixa” para os padrões eu-
país em causa e, mais tarde, já após a entra-
ropeus), as necessidades e ambições de mobi-
da em cena do conceito de “desenvolvimento
lidade não poderiam continuar a ser satisfeitas
sustentável”4 no final da década de 1980, das
com base em um modelo importado dos EUA
preocupações ambientais e de coesão social.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013
379
Fernando Nunes da Silva
A história europeia das políticas de mo-
em Paris e da Primavera de Praga começavam
bilidade, neste período, é assim um percurso
a anunciar-se como contestação às sociedades
que começa por se maravilhar com o potencial
condicionadas (fosse pela ditadura do consu-
econômico, social e cultural associado à de-
mismo, fosse pela do Estado), quando a produ-
mocratização da posse e do uso do automóvel
ção automóvel disparava e se transformava no
(seguindo aqui as pisadas dos EUA, ainda que
principal motor da economia dos países mais
5
com uns trinta anos de atraso), para depois,
industrializados do Mundo, eis que um rigoroso
em resultado do próprio sucesso da motori-
relatório – no esteio das melhores tradições das
6
zação individual e da pressão dos movimen-
comissões independentes do Parlamento Britâ-
tos ambientalistas, passar a abraçar políticas
nico – vinha questionar de forma inequívoca e,
mais equilibradas do ponto de vista modal,
para a época, assaz surpreendentemente, que
onde o transporte coletivo urbano assume
o futuro da mobilidade urbana não poderia as-
o papel estruturante de todo o sistema de
sentar sobretudo no automóvel. Essa conclusão
transportes e no assegurar da mobilidade da
se impunha não só porque as nossas cidades
grande maioria da população, mesmo aquela
não estavam preparadas para absorver todo
que possui automóvel.
esse tráfego, como, caso isso acontecesse, sig-
Essa mudança de paradigma não se fez
nificaria uma tão profunda alteração dos nos-
contudo sem resistências e sem que, em certo
sos modos de vida, que as consequências para
momento, se tentassem ainda outras soluções
a vida urbana e a sociedade democrática – tal
que não pusessem em causa de modo tão eviden-
como a conhecemos hoje, isto é, baseada na
te o papel do automóvel na mobilidade urbana.
delegação de poderes em representantes elei-
De fato, quando em meados dos anos
1960, Colin Buchanan (mais tarde, Sir) apresen-
tos por sufrágio universal – seriam inimagináveis, mas certamente preocupantes.
tava o seu relatório ao governo de Sua Majesta-
Para quem via no automóvel o maior
de Britânica sobre o tráfego nas cidades (como
símbolo da moderna industrialização,
foi aliás batizado o próprio relatório: Traffic in
o principal motor das economias mais
7
Towns), poucos souberam antecipar que se es-
desenvolvidas e com os maiores interesses na
tava perante a constatação e demonstração de
exploração do petróleo (então a única base
uma das mais importantes condicionantes do
para o combustível dessas “maravilhosas
futuro da mobilidade urbana.
máquinas”), o (quase) incontestável fetiche
Numa época em que os fabulosos trin-
do novo status urbano e, sem dúvida, o
ta anos de crescimento econômico europeu
instrumento da democratização da mobilidade
e americano do pós-guerra estavam no auge;
individual, tais constatações, mais que um
quando outros quatro fabulosos (estes de Li-
alerta, constituíram um primeiro choque para
verpool, os famosos Beatles) revolucionavam
os que, já nos distantes anos 1930, tinham
a música popular e ditavam os padrões da
afirmado, em relação ao automóvel, que “It is
8
probable that no invention of such far reaching
quando os ventos das revoltas juvenis contra a
importance was ever diffused with such rapidity
guerra do Vietname nos EUA, de maio de 1968
or so quickly exerted influences that ramified
moda jovem e do seu modo de vida urbano;
380
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013
Mobilidade urbana: os desafios do futuro
through the national culture, transforming even
colocar na ordem do dia duas questões funda-
habits of thought and language” (Recent Social
mentais e que passaram a determinar toda a
Trends in the United States, 1933, p. 172), ou
evolução do sistema de transportes existente:
ainda que “ car ownership has created an
o tempo dos combustíveis baratos iria acabar e,
‘automobile psychology’; the automobile has
talvez ainda mais importante, quer pelas suas
become a dominant influence in the life of
implicações econômicas, quer sobretudo geo-
the individual and he, in a very real sense, has
políticas, o centro de decisão deixava de estar
become dependent on it” (ibid).
apenas nos países mais desenvolvidos e de cul-
Como é frequente na história do pensa-
tura ocidental, para incluir também quem pro-
mento humano e da evolução das sociedades
duzia e condicionava o mercado do chamado
de matriz ocidental, esse “sobressalto” come-
“ouro negro”. As guerras pelo controle dessa
ça apenas por ser partilhado por uma pequena
produção, que se sucederam com uma cadên-
9
minoria, dando antes origem a soluções de
cia cada vez maior, aí estão para o demonstrar.
acomodação do automóvel no espaço urba-
Se, por um lado, a energia que alimen-
no e por fundamentar importantes alterações
tava o funcionamento das sociedades mo-
nesta paisagem (dos viadutos à construção da
dernas e, em particular, os seus sistemas de
“cidade por níveis”- de que Hong Kong e a no-
transportes e mobilidade, deixava de ser con-
va cidade de Lovaina, primeiro, e o bairro da
siderada um bem inesgotável e acessível, por
Défense, em Paris, depois, são exemplos para-
outro lado, a constante pressão do automóvel
digmáticos – passando pela “suburbia” de tipo
nas cidades – derivada do crescimento expo-
americano) em vez de suscitar uma reflexão
nencial da taxa de motorização10 e da progres-
mais profunda e estratégica quanto ao devir da
siva transferência modal do transporte coletivo
cidade, onde a mobilidade se afirmava progres-
para o individual – conduzia ao surgimento de
sivamente como mais um dos direitos urbanos.
custos e impactos (associados ao congestiona-
No entanto, não foi preciso esperar muito
mento do tráfego, aos acidentes rodoviários e
tempo para se perceber que algo de mais eficaz
às emissões poluentes) cada vez mais incom-
e estratégico havia que fazer para além de se
portáveis e pondo em perigo o próprio funcio-
prosseguir no afã ciclópico de construir cada
namento e competitividade das cidades.
vez mais autoestradas e vias rápidas urbanas
O tempo do todo-poderoso e presente
(mais ou menos “duras” ou amenizadas segun-
automóvel começava, assim, a conhecer o seu
do o conceito de parkway) ou de providenciar
ocaso. Tal não significaria porém que as socie-
imensos espaços e edifícios dedicados aos 70%
dades (e os que as dirigiam, tanto política co-
do tempo em que o automóvel estava parado.
mo economicamente) estivessem prontas para
A primeira crise do petróleo, logo no início dos
abandonar esse importante (e quiçá insubsti-
anos 1970 (o primeiro sinal de alarme ocor-
tuível) meio de transporte. Passados oitenta
reu em 1973, verificando-se então uma brutal
anos sobre as conclusões do relatório da co-
subida dos preços do crude e a afirmação da
missão presidencial americana, a sua consta-
Opep como ator essencial no condicionamento
tação de que o ser humano se tinha tornado,
do futuro das economias industrializadas) veio
de certo modo, dependente do automóvel
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013
381
Fernando Nunes da Silva
para a sua vida quotidiana, está mais presente
num “pesadelo”, para o qual há que procurar
que nunca, constituindo, nas sociedades mais
o antídoto certo de modo a poder continuar a
abastadas, o principal obstáculo para que ou-
usufruir as suas inegáveis vantagens, sem com
tro caminho seja percorrido. Tal situação pode
isso pôr em causa o futuro coletivo das nossas
encontrar alguma explicação no fato de parte
cidades, ou mesmo do planeta que habitamos,
significativa da população ainda não apoiar
como apontam os estudos sobre as alterações
políticas demasiado restritivas ao uso do au-
climáticas e as suas causas antropogênicas. O
tomóvel ou, nos casos onde a motorização foi
tempo da mudança chegou! Pelo menos no
apesar de tudo mais recente, ser a maioria da
que diz respeito à Europa e a algumas metró-
população constituída pela primeira geração
poles do continente norte-americano.
para quem o automóvel se generalizou co-
A situação dos países emergentes e em
mo modo de transporte, sendo por isso difícil
desenvolvimento é, todavia, diferente. Nesses
aceitar, quando acabaram de aceder a este,
casos, não só a indústria automóvel é um dos
a imposição de restrições ao seu uso. Pelo
mais importantes motores da nova industriali-
contrário, nos países de economia emergen-
zação e modernização do tecido produtivo que
te, são as classes médias mais tradicionais e
conhecem, como as suas elites e classes mé-
consolidadas (ou a burocracia de Estado) que
dias consolidadas não concebem outro tipo de
dominam a opinião pública e condicionam de
mobilidade que não seja a baseada em trans-
certo modo as políticas públicas. Como pode-
porte individual. Não se trata apenas de uma
rão essas aceitar que o Estado, que suportam
questão de status e prestígio social, mas por-
financeiramente através dos seus impostos,
que o próprio sistema de transportes coletivos
não atribua a primazia ao modo de transporte
não tem capacidade e a flexibilidade suficien-
em que se deslocam habitualmente?
11
tes para, simultaneamente, responder a uma
Mas algo de novo é forçoso consta-
procura de massas (cuja dimensão se situa na
tar. Dos encômios a um futuro assente na
ordem dos vários milhões de viagens diárias) e
mobilidade satisfeita através do transporte
conseguir assegurar as condições de conforto
individual, passou-se para uma consciência
e de atratividade que lhe permitam competir
coletiva (aliás traduzida em vários e impor-
com o transporte individual.
tantes documentos de organizações interna12
Desse modo, tentar transpor para esses
cionais, desde as Nações Unidas à Organiza-
países as mesmas estratégias que as atual-
ção Mundial de Saúde e à Comissão Europeia,
mente em curso nos países onde as diferenças
bem como em outros tantos estudos e livros
sociais e de rendimento não são tão extrema-
13
de que o automóvel tem de ser
das, onde a motorização individual ultrapas-
“domesticado” e que a mobilidade urbana tem
sou já a fase de “deslumbramento” pelo auto-
de passar a ser assegurada com o recurso a
móvel e onde a consciência coletiva dos seus
outros modos de transporte, desde logo pelos
impactos propicia o desenvolvimento de polí-
públicos, mas também, pelos modos suaves ou
ticas de mobilidade mais equilibradas e mais
ativos (andar a pé ou de bicicleta). O “mito”
atentas aos problemas ambientais e à coesão
transformou-se, assim, progressivamente,
social, só poderá esbarrar na oposição da
científicos)
382
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013
Mobilidade urbana: os desafios do futuro
maioria dos decisores públicos (condicionados
Todavia, o futuro da mobilidade urbana
pela forte pressão da burocracia e das classes
também não pode ser perspectivado como
médias) e acabar por protelar as políticas
uma simples projeção de tendências observa-
que poderão contribuir para uma progressiva
das no passado, tal como foi usual fazer quan-
inversão das tendências de investimento pú-
do os modelos de transportes se limitavam a
blico massivo em infraestrutura rodoviária e
extrapolar a anterior evolução da procura e a
deixar ao setor privado (formal ou informal) a
considerar a mobilidade motorizada como ili-
organização e exploração da oferta do trans-
mitável, a que era forçoso dar resposta através
porte público.
de mais e melhor oferta de infraestruturas e
serviços. Nesse caso, não só o ponto de chegada dessas projeções talvez nem tivesse sequer
Uma mobilidade mais amiga
do ambiente e mais solidária
condições de existir, como a destruição dos espaços urbanos, tal como hoje os conhecemos,
e os impactos ambientais irreversíveis que tal
acarretaria seriam os resultados intrínsecos e
Não há cidade sem movimento, nem socieda-
incontornáveis dessa dinâmica, aliás mais teó-
de que prescinda das interações entre os seus
rica que realista.
membros.
Una città abbandonata dall’automobile,
una città senza traffico, è una città morta.
... Possiamo urlare qualunque proclama, o
lanciare qualunque anatema: il quotidiano
traffico privato è conditio sine qua non per
la vita delle città.
(Cetica, 2000)
Ao reacionarismo do regresso a uma
sociedade de características feudais, ao catastrofismo dos que não conseguem articular a
modernidade com o respeito pelo ambiente, ou
à inconsciência ignorante dos que consideram
que tudo se haverá de resolver por uma qualquer inovação tecnológica, há que opor novos
paradigmas para a mobilidade urbana.
O problema não está por isso no regres-
Com efeito, já em 1995, a então desig-
so a um qualquer passado, mais idealizado que
nada Conferência Europeia dos Ministros dos
real, onde tudo estaria ao pé de casa e onde as
Transportes (ECMT) definia um conjunto de
necessidades de transporte seriam diminutas
instrumentos-chave, no âmbito de uma políti-
face à autossuficiência das sociedades. Esse mi-
ca integrada de transportes e urbanismo, vi-
to esconde na prática uma ideologia reacioná-
sando a um desenvolvimento sustentável das
ria, que o progresso da humanidade desmente,
mobilidades (ECMT/OCDE, 1995, pp. 147-149):
apesar de todos os sobressaltos, falhanços e
• Planejamento do uso do solo e políticas
desastres que esse processo tem comportado.
de controle do crescimento urbano, que in-
A questão que se coloca não pode ser o retor-
fluenciem os padrões de urbanização e in-
nar às épocas onde só os poderosos tinham o
crementem a acessibilidade ao emprego, ao
privilégio e os meios para se deslocarem, onde
comércio e serviços, e a outras atividades,
as trocas econômicas eram incipientes e o tipo
sem a necessidade de recurso à deslocação
de trabalho definido pelo nascimento.
em automóvel.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013
383
Fernando Nunes da Silva
• Políticas que afetem o preço dos combus-
do ponto de vista social e economicamente
tíveis, a compra e o licenciamento dos auto-
mais eficiente, há quatro estratégias que se afi-
móveis, o estacionamento e a utilização das
guram imprescindíveis concretizar:
infraestruturas rodoviárias, que influenciem
1) Promover a intermodalidade: na socieda-
a concepção dos veículos, a localização das
de urbana atual, a complexidade e diversidade
atividades, a escolha modal e o crescimento
dos modos de vida e das necessidades de
do teletrabalho.
deslocação exigem não só que se utilizem to-
• Medidas que façam uso da telemática pa-
dos os modos de transporte disponíveis (dos
ra a gestão da circulação, do estacionamento
motorizados aos suaves, dos públicos aos pri-
e dos transportes públicos, afim de aumentar
vados, dos individuais aos coletivos), como que
a eficiência dos sistemas de deslocações urba-
a passagem de um modo para outro se proces-
nas e promover a mudança do automóvel para
se sem atritos, isto é, que os vários modos de
os outros modos de transporte.
transporte estejam articulados entre si e que
• Políticas que responsabilizem os emprega-
as mudanças entre eles não sejam penaliza-
dores pelo planejamento das deslocações pen-
doras para quem se desloca, quer em tempos
dulares, de forma a reduzir os picos de tráfego
de espera e condições físicas em que essa mu-
e potenciar uma repartição modal mais favorá-
dança se processa, quer em termos de custo.
vel ao transporte coletivo.
Tal exige uma eficiente integração funcional e
• Políticas respeitantes ao financiamento, à
tarifária entre os vários modos de transporte
privatização e ao uso dos sistemas de infor-
coletivo e sistemas que promovam e facilitem
mação e de promoção ( marketing ) que au-
a utilização combinada de transportes indivi-
mentem a eficiência e a atratividade do trans-
duais (motorizados ou não) e coletivos, públi-
porte público.
cos ou partilhados.
• Medidas de implementação de “zonas
2) Favorecer uma repartição mais amiga
livres de automóveis”, de moderação da
do ambiente : diante do presente domínio do
circula ção e de prioridade ao pedestre, que
automóvel, é forçoso reequilibrar a repartição
fomentem a caminhada e o uso da bicicleta,
modal. Desde logo favorecendo o transporte
reduzindo os riscos para a utilização desses
coletivo, não mais concebido como o modo
modos de transporte e promovendo a atrati-
de transporte dos que não têm ou não podem
vidade das cidades.
circular em automóvel, mas como o modo
• Medidas que promovam a criação de zonas
mais eficaz de movimentar maiores procuras
de intercâmbio de mercadorias e o uso de veí-
e diminuir o espaço urbano afetado às deslo-
culos de distribuição adaptados à cidade, “a fim
cações motorizadas. Mas também através da
de adequar a logística às condições urbanas”
reabilitação do andar a pé e de bicicleta, crian-
(Nunes da Silva, 2005, pp. 298-299).
do condições favoráveis e seguras para esse
Para que essa nossa forma de nos des-
tipo de deslocação e eliminando os inúmeros
locarmos se possa desenvolver e vir a se con-
obstáculos que se foram criando nas nossas ci-
substanciar numa mobilidade mais sustentável,
dades a esses meios de transporte, desde logo
isto é, mais amiga do ambiente, mais equitativa
ao nível dos passeios e percursos pedestres.
384
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013
Mobilidade urbana: os desafios do futuro
3) Melhorar as condições de segurança e
urbanidade; desenvolver projetos de transpor-
fluidez do tráfego : pensar que, diante do pe-
tes em sítio próprio, associados a políticas de
so que o automóvel tem hoje nas deslocações
reabilitação urbana e qualificação do espaço
urbanas, será suficiente atuar na promoção
público; implementar políticas de estaciona-
de alternativas ao seu uso e na introdução
mento articuladas com a oferta em transporte
de restrições do seu acesso a zonas cada vez
público, são alguns exemplos de como se pode
mais extensas da cidade, é votar essa políti-
promover a desejável simbiose entre políticas
cas ao fracasso, tanto mais rápido e dramá-
de mobilidade e urbanísticas.
tico (porque inibidor da implementação de
As principais diferenças que devem
soluções exequíveis por muito mais tempo)
existir na aplicação dessas estratégias, quan-
quanto maior for a força da sociedade civil em
do se lida com países mais desenvolvidos ou
democracia. Assim, ao mesmo tempo que se
com países emergentes, radicam mais no seu
promovem alternativas e condicionantes ao
doseamento – função sobretudo da sua com-
uso abusivo do automóvel, há que melhorar
posição social, do seu estádio sociocultural e
significativamente a gestão do tráfego urbano,
da sua estrutura econômica e organização do
para o que se dispõe já de um poderoso e efi-
espaço urbano – do que no “apagamento” de
caz conjunto de soluções e tecnologias, desde
uma área de intervenção em favor de outra.
a telemática à gestão centralizada do tráfego,
Não se nega que os desafios que o fu-
passando pela informação pública disponibili-
turo da mobilidade urbana coloca são comple-
zada em tempo real.
xos, nem que os problemas, que urge resol-
4) Articular transportes e usos do solo : as
ver nesse domínio, exigem modos de atuar e
necessidades de deslocação (tanto de pessoas
meios que nem sempre são fáceis de instituir
como de bens) resultam da dispersão das
e mobilizar. Mas o que sabemos é que o ca-
atividades no espaço urbano. Atuar no siste-
minho trilhado até agora só pode conduzir ao
ma de transportes e mobilidade sem o fazer
agravar dos problemas ambientais, urbanos e
igualmente ao nível do urbanismo e do orde-
sociais. Sabemos também que outros conse-
namento do território, é construir por um lado
guiram, senão superá-los completamente, pe-
e destruir por outro. Desenvolver políticas de
lo menos inverter a tendência e pôr em prática
habitação e criar condições para o retorno à
soluções inovadoras e socialmente aceites,
cidade-centro (onde as redes de transporte
que apontam para futuros mais promissores,
coletivo são mais densas e onde as distâncias
qualquer que seja a latitude que estivermos a
a percorrer são compatíveis com a utilização
considerar. O principal problema que tiveram
dos modos suaves); fomentar a mistura de
de enfrentar foi o dos “poderes instituídos”
usos do solo complementares e consolidar ou
e vencer a “preguiça mental” em analisar os
promover novas centralidades urbanas (no-
problemas nas suas diferentes vertentes e pen-
meadamente através da densificação urbana
sar soluções que melhor respondam aos ob-
em torno das estações de comboio e metrô,
jetivos a atingir. Isso, se bem que difícil, está
e das principais interfaces); recuperar a rua
certamente ao alcance dos conhecimentos e
como espaço de convívio, coesão social e
das tecnologias de que hoje dispomos!
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013
385
Fernando Nunes da Silva
Como sintetizou de modo sublime um
pessoas que trocam as áreas rurais por áreas
colega de profissão e atento observador dos
urbanas, em busca de melhores oportunidades,
desafios que hoje se colocam às nossas cida-
demonstra que a vida nas urbes é uma pro-
des, “embora seja comum a ideia de que as
posta de valor sem concorrência”, para depois
cidades se tornaram congestionadas, poluí-
concluir que “a única alternativa à cidade é
das, inseguras e desiguais, o fluxo contínuo de
uma cidade melhor” (Mendes, 2011).
Fernando Nunes da Silva
Professor catedrático do Instituto Superior Técnico e investigador do Centro de Sistemas Urbanos
e Regionais – Cesur, da Universidade de Lisboa. Vereador da Mobilidade na CM de Lisboa. Lisboa,
Portugal.
[email protected]
Notas
(*) Este texto reflete, sobretudo, uma prática profissional de várias décadas no domínio dos
transportes e da mobilidade urbana, a que se somaram, recentemente, quatro anos como
membro do executivo municipal de Lisboa, enquanto vereador e secretário da Mobilidade.
Para uma melhor fundamentação das ideias e reflexões aqui expressas, sugere-se a leitura dos
seguintes textos publicados pelo autor: “Polí cas Urbanas para uma Mobilidade Sustentável”
(GeoINova, n. 7, Lisboa, 2003); “Polí cas Urbanas para uma Mobilidade Sustentável” (GeoINova,
n. 10, Lisboa, 2004); “Transportes, Mobilidade e Ambiente: os usos, os costumes e os desafios
para o século XXI” (in: Soczka, Luís, org., Contextos Humanos e Psicologia Ambiental”, Lisboa,
Fundação Calouste Gulbenkian, 2005); Transportes e Ambiente. Indicadores de Integração (com
M. Beja e S. Castelo, Lisboa, Ed. Direcção Geral do Ambiente, Ministério do Ambiente, 1999).
(1) Entre 1950 e 2005, o volume mundial de emissões de dióxido de carbono, associado à queima de
combus veis fósseis (onde o setor dos transportes tem uma quota importante), passou de 1,6
para 7,2 milhões de toneladas (Sawin, 2005).
(2) De acordo com um estudo do Banco Mundial, publicado em 2000, es ma-se que o número de
mortes prematuras, associado à poluição atmosférica nas áreas urbanas, a nja um valor médio
de 1,8 milhões de pessoas por ano, até 2020, dos quais mais de 60% das mortes ocorrerão na
China, Índia e América Latina (“Air Polluyion Still a Problem”, Gary Gardner). Por sua vez, o
número de ví mas em acidentes rodoviários é hoje superior a 300 mil mortes e 8 milhões de
feridos. (“Indicadores do Desenvolvimento Mundial”, Banco Mundial).
386
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013
Mobilidade urbana: os desafios do futuro
(3) Sobretudo nas áreas centrais e nos bairros residenciais periféricos, para as deslocações de curta
distância no início e no fim de suas cadeias. Note-se ainda que, segundo estudos realizados, no
final dos anos 1980 no Brasil, a percentagem de pessoas que se deslocavam a pé para o trabalho
se situava na ordem dos 60%, para os agregados familiares com uma renda mensal inferior a
500 US$ (Vasconcellos, 2000, p. 50).
(4) O conceito de desenvolvimento sustentável encontrou a sua consagração mundial com a
publicação do livro/relatório “Our Common Future”, em 1987, pela Comissão Mundial para o
Ambiente e o Desenvolvimento (World Commission on Environment and Development), das
Nações Unidas, o qual ficaria conhecido pelo nome da sua responsável, a Sra. Gro Brundtland.
(5) O desenvolvimento do setor automóvel nos EUA teve, para além da polí ca do combus vel barato
e dos apoios ao desenvolvimento da sua indústria, um forte incen vo a par r da publicação do
“Federal Highway Act” e do “Highway Revenue Act”, ambos de 1956, que não só es pulavam
a construção de mais de 66 mil km de autoestradas e vias rápidas pelo país, como atribuía a
esse programa uma porcentagem da receita da venda de combus veis e pneus, uma vez que
o Estado Federal suportaria 90% do custo de construção dessas novas rodovias. Como refere
Vukan R. Vuchic (1999, p. 96), ao analisar os efeitos dessa legislação, “the Federal Highway Acts
of 1956 were aimed not at crea ng an op mal transporta on system that u lizes a coordinated
set of modes, but rather gave an enormous boost to one mode only – the highway (automobile
and truck), thus greatly reducing any opportunity to achieve a balanced intermodal system”.
Ora foi exatamente esse po de polí ca pública seguido nos países europeus menos desenvolvidos,
sobretudo após o alargamento da União Europeia na segunda metade da década de 1980, com
o consequente aumento das transferências de fundos comunitários de apoio para esses países.
Só para Portugal esse montante terá ascendido a € 27 mil milhões.
(6) Nos designados “trinta anos de ouro” que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, em que a
economia europeia não deixou de crescer con nuadamente e a distribuição dos rendimentos
foi a mais equita va de sempre, a taxa de motorização passou de cerca de 100 veículos por mil
habitantes, para mais de 500 no início da década de 1990 (ODCE, CEMT, 1995), tendo vindo a
estabilizar depois dessa data.
(7) Traffic in Towns, Her Majesty’s Sta oneri Office (London, 1963).
(8) Fez agora, 23 de março, 50 anos que o seu primeiro grande êxito foi editado, lançando-os numa
das mais impressionantes e proveitosas carreiras no mundo da música popular.
(9) Com efeito, até o próprio relatório Buchanan, como viria a ficar conhecido, apesar de todas as
crí cas e prognós cos nega vos quanto ao futuro da sociedade do automóvel, não deixava de
apontar medidas de minimização dos seus impactos na cidade e de formular propostas para a
sua adaptação às crescentes necessidades de espaço consagradas ao tráfego automóvel.
(10) Só para se ter uma ideia do que foi o crescimento exponencial da produção de automóveis no
mundo, atente-se ao fato de que, em 1950, o número de veículos produzidos se situava nos 8
milhões, enquanto, em 2004, a ngia os 44,1 milhões (cf. American Automobile Manufactures
Associa on). Por outro lado, a taxa de motorização dos países mais desenvolvidos do mundo
a ngia ou ultrapassava já os 500 veículos/mil habitantes no fim do século XX.
(11) “O processo de decisão em transportes, além de ser controlado por elites polí cas e econômicas,
favorece as classes médias, que têm instrumentos diretos e indiretos para exercer a sua
influência. O principal canal para esse exercício é formado pela tecnocracia e a burocracia, que
são as classes médias no poder” (Vasconcellos, 2000, p. 172).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013
387
Fernando Nunes da Silva
(12) Sobretudo após a Conferência do Rio de Janeiro sobre Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, e
a celebração do Protocolo de Quioto em 1997.
(13) Só para referir alguns dos que marcaram o pensamento nesse domínio, citem-se, a tulo de
exemplo, Transports, contraintes clima ques & pollu ons, de Giséle Escourrou (publicado em
1996 pela Editora Sedes de Paris) – cons tuindo uma das primeiras obras que sistema za as
relações e a contribuição dos transportes para as alterações climá cas –, e o que veio a tornarse a principal referência na reflexão sobre a sustentabilidade no domínio dos transportes e da
mobilidade urbana: Sustainability and Ci es. Overcoming Automobile Dependence, de Peter
Newman e Jeffrey Kenworthy (publicado em 1999 pela Island Press, em Nova York).
Referências
CETICA, P. P. (2000). Este ca del Traffico. Milão, Editori Associa .
DUPUY, G. (1999). La dépendance automobile. Symptômes, analyses, diagnos c, traitements. Paris,
Anthropos.
ECMT/OCDE (1995). Urban travel and sustainable development. Paris, CEMT/OCDE.
FLINK, J. J. (1975). The Car Culture. MIT Press.
MENDES, J. F. G. (2011). O futuro das cidades. Coimbra, Minerva.
NUNES DA SILVA, F. (2005). “Transportes, mobilidade e ambiente: os usos, os costumes e os desafios
para o século XXI”. In: SOCZKA, L. (org.). Contextos humanos e psicologia ambiental. Lisboa,
Fundação Calouste Gulbenkian.
Recent Social Trends in the United States (1933). Report of the President’s Research Commi ee on
Social Trends. Nova York e Londres, McGraw-Hill.
SAWIN, J. L. (2005). Climate Change Indicators on the Rise. Worldwatch Ins tute Vital Signs.
VASCONCELLOS, E. A. (2000). Transporte urbano nos países em desenvolvimento. Reflexões e propostas.
São Paulo, Annablume.
VUCHIC, V. R. (1999). Transporta on for Livable Ci es. New Brunswick, NJ, Rutgers.
Texto recebido em 4/nov/2010
Texto aprovado em 15/dez/2010
388
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013
Transporte, fluxo de mercadoria
e desenvolvimento econômico urbano
na Amazônia: o caso de Belém e Manaus
Transport, commodity flow and urban economic development
in the Amazon: the case of Belém and Manaus
Wouter Jacobs
Lee Pegler
Manoel Reis
Henrique Pereira
Resumo
Este trabalho aborda as carregadas relações entre
o comércio de mercadorias, o desenvolvimento
econômico urbano e o meio ambiente na maior reserva de floresta tropical do mundo, em forma de
narrativa histórica. A estrutura conceitual na qual
posicionamos esta narrativa é fornecida por Hesse
(2010) nas dimensões de “local” e “situação” da
interação entre locais ou localidades, por um lado, e o fluxo de materiais ou cadeias globais de
valor por outro. Argumenta-se que a assemblage
do local e da situação, que forma as riquezas das
cidades. O estudo de caso de Manaus e Belém
mostra como a rápida urbanização da Amazônia é
acompanhada pelo crescimento do transporte conforme “novas” mercadorias estão sendo extraídos
no interior da selva.
Abstract
This paper addresses the fraught relationships
among commodity trade, urban economic
development and the environment in the world’s
largest rainforest reserve, in a historical narrative
fashion. The conceptual framework in which we
position this narrative is provided by Hesse (2010),
in the “site” and “situation” dimensions of the
interaction between places or locales on the one
hand, and material flows or global value chains
on the other. It is argued that the assemblage
of both site and situation is what shapes the
wealth of cities. The case study of Manaus and
Belém shows how the rapid urbanization of the
Amazon rainforest is accompanied by the growth
of shipping as “new” commodities are being
extracted from the jungle interior.
Palavras-chave: desenvolvimento urbano; transporte; Amazônia; Manaus; Belém.
Keywords: urban development; shipping; Amazon;
Manaus; Belém.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
Wouter Jacobs et al.
Introdução
locais ou localidades, por um lado, e fluxo de
materiais ou cadeias de valor, por outro. Como argumenta Hesse (2010), as cidades são
Este artigo trata do impacto dos movimentos
resultados de aglomerados e prosperam devi-
de mercadorias no desenvolvimento econômi-
do a uma assemblage do local e da situação.
co urbano na Bacia Amazônica. O poderoso
Em outras palavras, é a interface relacional
Rio Amazonas tem, por longa data, servido
entre ativos de localização (incluindo não só
como a principal via expressa tanto para po-
os fatores clássicos de produção, mas tam-
vos indígenas como para o comércio colonial.
bém instituições territorializadas ou rotinas
Cidades como Belém e Manaus prosperaram,
e habilidades locais), o verdadeiro fluxo de
no final do século XIX, com base no comércio
materiais ou movimento de bens e a gestão
de mercadorias, sobretudo de borracha. Quan-
e governança desses fluxos que moldam as
do o comércio global de borracha transferiu-se
riquezas das cidades.
do Brasil para o Sudeste Asiático, na primeira
A dinâmica e a geografia da assemblage
metade do século XX, essas cidades entraram
mudou consideravelmente, desde os anos de
em declínio econômico urbano. Desde o início
1980, em consequência da integração do co-
da década de 1980, a Amazônia passou por
mércio mundial e da desintegração dos siste-
um processo de rápida urbanização. Mais re-
mas de produção (Feenstra, 1998), gerando
centemente, o transporte de mercadorias da
uma nova divisão espacial do trabalho em uma
Amazônia está novamente em ascensão, pois
escala global (Fröbel et al. ,1980). O resultado
“novas” mercadorias estão sendo extraídas do
desse processo de globalização acelerada é
interior da selva. Esses desenvolvimentos são
que o movimento de certas mercadorias e com-
acomodados por novos investimentos públicos
ponentes se tornou mais espacialmente disper-
e privados em infraestrutura portuária, assim
so e espacialmente estendido, enquanto que,
como o crescimento econômico geral do Brasil.
ao mesmo tempo, organizado de acordo com
Mas, enquanto Manaus está passando por um
princípios de logística do just-in-time, confia-
boom econômico – em grande parte devido à
bilidade e flexibilidade. Esse desenvolvimento
sua Zona de Livre Comércio (ZLC) e à sua lo-
é conceitualizado por geógrafos econômicos
calização central – a cidade costeira de Belém
como o surgimento de Redes Globais de Produ-
está correndo o risco de ser ignorada por es-
ção (Coe et al., 2004) e o que os economistas
ses novos fluxos de mercadorias o que, conse-
de transporte chamam de sistemas de cadeia
quentemente, afeta a capacidade de a cidade
de abastecimento global (Robinson, 2002).
atualizar seu perfil econômico urbano.
Ao mesmo tempo, as cidades como por-
Como tal, este artigo descreve as rique-
tais ou centros ainda precisarão acomodar
zas econômicas de duas cidades amazônicas
espacialmente o movimento de mercadorias
de uma forma narrativa histórica. A estrutura
físicas propriamente dito, com todos os tipos
conceitual na qual posicionamos a narrativa
de efeitos externos que ocorrem. Alguns dos
é fornecida por Hesse (2010) nas dimensões
movimentos de mercadorias são para abas-
de “local” e “situação” da interação entre
tecer a região metropolitana com os bens de
390
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano...
consumo e insumos de produção necessários,
incluem no fornecimento de infraestrutura (por
permitindo que as empresas locais funcio-
exemplo, um porto de águas profundas ou uma
nem, que empregos sejam preenchidos e que
rede de fibra ótica), mas também a disponibili-
impostos sejam gerados. O movimento de
dade de uma força de trabalho qualificada, de
mercadorias, no entanto, cria custos sociais
regulamentações governamentais favoráveis e
negativos em relação ao congestionamento e
de uma agência de governo igualmente equi-
à poluição, que pode resultar em resistência
pada e bem informada (Hall e Jacobs, 2010).
política local. Além disso, aumentar o valor da
Tanto em relação ao acoplamento estratégico
terra no núcleo urbano vai sistematicamente
ou assemblage depende, no entanto, do valor
deslocar meios de distribuição de valor mais
econômico e dos custos sociais gerados e da
baixo (nas proximidades do núcleo) para pe-
agenda dos atores envolvidos. Esses atores têm
riferias urbanas e, como tal, aumentar ainda
diferentes graus de poder e operam sob vários
mais os custos de transporte para atender a
contextos e em diferentes escalas espaciais: do
esse mesmo núcleo econômico urbano. Em
local ao global. Tal perspectiva implica estender
outros casos, no entanto, a maioria do movi-
a noção de “situação” além das meras cone-
mento de mercadorias na região é destinada
xões físicas de um local com o sistema urbano
para o interior distante. Nesses casos, muito
em geral, incluindo uma dimensão relacional.
das externalidades negativas residirão local-
“Situação”, de uma perspectiva relacional, por-
mente com a captação do valor que ocorre fo-
tanto, inclui conectividades existentes por meio
ra da região. Os responsáveis pelas políticas e
de redes sociais, arranjos de governança e la-
os políticos confrontam o dilema de acomodar
ços corporativos.
tais fluxos de mercadorias ou optar por fun-
Nesse contexto, o artigo levanta a trípli-
ções urbanas mais valorizadas a serem desen-
ce pergunta de como as cidades amazônicas
volvidas. Uma mudança de direção não é feita
de Belém e Manaus foram historicamente in-
facilmente, pois os poderes do governo são
seridas no fluxo global de material de merca-
limitados, enquanto os irrecuperáveis custos
dorias específicas, o que explica seus caminhos
em infraestrutura, a dependência de recursos
de desenvolvimento divergentes no final do
naturais e os interesses industriais velados
século XX, e como elas estão lidando com as
podem moldar a agenda de desenvolvimento
novas oportunidades econômicas fornecidas
em certos caminhos pelas próximas décadas
pelo atual boom de mercadorias do Brasil em
(Martin e Sunley, 2006).
termos de desenvolvimento sustentável. Nesse
Em termos de formulação de políticas,
artigo, refere-se à Amazônia como vagamente
a assemblage é, então, o objetivo ao qual Coe
definida e não formalmente estabelecida, uma
et al. (2004) se referem como acoplamento
vasta região que abrange a floresta Amazônica.
estratégico, que pode ser entendido como a
Inclui vários estados sob a estrutura federal do
capacidade dos atores locais e regionais ati-
Brasil, da qual o estado do Amazonas (capital:
vos críticos (entendidos como o “local”) para
Manaus) é o maior em termos de reserva flo-
com as demandas dos atores operando em
restal e o estado do Pará (capital: Belém), em
cadeias ou fluxos globais. Esses ativos não só
termos de produção econômica.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
391
Wouter Jacobs et al.
Este artigo está estruturado da seguinte
economia de mercado internacional (Braham e
forma. Primeiramente, na segunda seção va-
Coomes, 1994). As cidades portuárias de Belém
mos descrever e explicar a ascensão e queda
e Manaus, numa fase posterior, testemunharam
econômica das cidades de Belém e Manaus co-
um boom econômico urbano sem precedentes
mo resultado do Ciclo da Borracha do início do
com as cidades rivalizando uma com a outra
século XX. Na terceira seção, fornecemos uma
com projetos de desenvolvimento de grandeza
visão geral da urbanização da Amazônia que
urbana, como ainda é exemplificado por suas
se seguiu durante a segunda metade do século
famosas casas de ópera.
XX, descrevendo, em particular, a criação da
O Ciclo da Borracha começou com o
Zona Franca de Manaus. Na quarta seção, os
enorme aumento da procura pelo produto na
portos na Amazônia são posicionados dentro
América do Norte e na Europa durante o fim
do sistema geral de transporte brasileiro, des-
do século XIX. A Amazônia forneceu esse “no-
tacando-se como essas atividades de trans-
vo” produto em abundância, mas sua extração
porte e cadeias de mercadorias são acomo-
do remoto interior da selva estava longe de
dadas no espaço das Regiões Metropolitanas
ser sem custos. Seu local remoto e de difícil
de Manaus e Belém. Além disso, comparamos
acesso, em combinação com seu terreno inós-
as economias urbanas de Manaus e Belém em
pito e a falta de aplicação da lei, aumentou o
relação à atividade de transporte de mercado-
preço da mercadoria enormemente. Os custos
rias, utilizando dados estatísticos. Na quinta
de transbordo eram geralmente altos, em-
seção, abordamos a questão da assemblage
bora a barganha ao longo do Rio Amazonas
das duas cidades portuárias no contexto do
fornecesse algum alívio relativo. Interessan-
atual boom de mercadorias no Brasil. Nas con-
te, nesse contexto, é que o governo brasileiro
clusões, identificamos as implicações para o
conferiu concessões de longo prazo para em-
futuro do desenvolvimento sustentável e para
presas estrangeiras ampliarem e operarem as
futuras pesquisas.
instalações portuárias: British Manaus Harbour
Limited, em Manaus e a US Port of Pará, em Belém. Além do mais, o fornecimento de borracha
O ciclo da borracha
amazônica 1870-1920
da Amazônia foi do tipo “selvagem”, portanto
não racionalmente cultivado e sujeito à elasticidade de oferta nos mercados globais. Essa
elasticidade de oferta em combinação com a
A primeira e mais pronunciada fase de desen-
demanda crescente do mercado global levou a
volvimento urbano e econômico da Bacia Ama-
mais um aumento no preço e contribuiu para o
zônica foi, sem dúvida, o período do Ciclo da
boom da economia regional-fronteiriça.
Borracha, no final do século XIX. Durante esse
O Ciclo da Borracha Amazônica foi rela-
período, a renda per capita subiu em 800%, a
tivamente bem documentado, assim como os
população regional cresceu em quase 400%,
fatores que explicam o seu declínio (Coomes
e o sertão amazônico tornou-se formalmen-
e Braham, 1994). A primeira e mais impor-
te integrado ao sistema político nacional e à
tante razão é o surgimento da borracha de
392
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano...
plantação competitiva das ex-colônias britâ-
ainda mais a modernidade para a o interior da
nicas no Ceilão e na Malásia que garantiram
floresta e, muitas vezes, às custas dos povos
fontes mais confiáveis e que também era muito
indígenas e de seu estilo de vida. Como tal, o
mais fácil de transportar. Ainda, como insistem
período do Ciclo da Borracha "criou um legado
Braham e Coomes (1994), as explicações so-
de viés urbano que continua a moldar o desen-
bre a explosão dessa bolha histórica também
volvimento amazônico" (Braham e Coomes,
devem ser aterradas em uma narrativa mais
1994, p. 105).
pós-estruturalista, que também destaca as falhas endógenas da indústria de borracha da
Amazônia para combater o desafio global. Por
exemplo, as economias urbanas da Amazônia
sofreram o que os geógrafos econômicos chamariam de lock-in. Tanto o trabalhador quanto
A urbanização moderna
da Amazônia: Manaus
versus Belém
o capital se beneficiavam dos altos retornos
de extração de borracha. Da mesma forma, o
A Bacia Amazônia tem sido historicamente do-
Estado se beneficiava enormemente por meio
minada por duas cidades: Belém e Manaus. Ao
de impostos sobre importações e exportações e
passo que ambas as cidades prosperaram du-
das receitas em grande parte reinvestidas para
rante o Ciclo da Borracha (e sofreram um pos-
facilitar as atividades de extração de borracha
terior declínio semelhante), elas experimenta-
mais do interior da floresta. Contudo, enquanto
ram caminhos divergentes de desenvolvimento
as cidades de Belém e Manaus competiam uma
a partir da década de 1970. Embora as cidades
com a outra com base em notável consumo e
sejam, de longe, os maiores centros urbanos da
empreendimentos imobiliários, elas não conse-
Amazônia, as últimas décadas podem ser ca-
guiram se diversificar economicamente. Investi-
racterizadas por uma urbanização global da re-
mentos em instalações de transbordo e extra-
gião. Em 1960, apenas 37,5% da população na
ção provaram ser altamente específicos para
Amazônia vivia em cidades. Em 1991, a popu-
extração de borracha e, portanto, impróprias
lação urbana da Amazônia já tinha aumentado
para qualquer outro uso, enquanto que as re-
para 57,8% (Bowder e Godfrey, 1997). Apesar
percussões tecnológicas para outras indústrias
de Belém e Manaus terem experimentado um
foram mínimas. Após a queda dos preços da
crescimento absoluto da população nas últi-
borracha, a maioria do capital móvel foi remo-
mas décadas, a participação relativa no total
vida da região, "deixando em decomposição o
da população da região de Belém caiu conside-
esplendor urbano como um assombroso lem-
ravelmente enquanto que a de Manaus quase
brete do boom anterior" (Braham e Coomes,
duplicou. De fato, das dez maiores cidades da
1994, p. 101). Ainda assim, continuou o progra-
Amazônia, Belém experimentou o menor cres-
ma de colonização apoiado pelo governo fede-
cimento. Além disso, desde a década de 1990,
ral do interior do Amazonas, em grande parte
Manaus superou Belém como a cidade mais
de uma forma descontrolada, empurrando
populosa da bacia Amazônica (ver Tabela 1).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
393
Wouter Jacobs et al.
Tabela 1 – Os dez maiores centros urbanos (em relação à população)
na Região Norte, 1970-2010
Posição
Cidade e Estado
1970
1991
2010
Crescimento
1970-2010
1
Manaus, Amazonas
286.083
6,8%*
1.005.634
9,8%*
1.802.014
11,4%*
530%
2
Belém, Pará
611.497
14,6%*
1.309.517
12,8%*
1.393.399
8,8%*
128%
48.839
229.410
428.527
777%
55.915
153.556
398.204
612%
167.457
336.083
831%
10.257.260
15.864.454
297%
3
4
5
Porto Velho, Rondônia
Macapá, Amapá
Rio Branco, Acre
População total
Região Norte
36.095
4.188.313
* porcentagem da população total da Região Norte.
Fonte: compilado pelos autores de dados do IBGE, derivado de Bowder e Godfrey (1997).
A sorte da cidade de Manaus mudou
para a produção é importada do exterior, em
em 1967, quando o governo federal aprovou o
particular de países da Ásia (Japão, Coreia,
desenvolvimento de uma Zona Franca de Ma-
Taiwan e China). Nos últimos anos, o núme-
naus (ZFM) sob a Lei Federal n. 288 (promul-
ro das empresas dentro da ZFM flutuou de
gada em 28 de fevereiro de 1967). No início,
aproximadamente 450-550, criando 100 mil
a ZFM funcionava principalmente como uma
empregos diretos em Manaus e de aproxima-
zona franca para bens de luxo estrangeiros
damente 20 mil no resto dos 61 municípios do
importados para a elite brasileira do Sudeste.
Oeste do estado do Amazonas (Ministério das
Mais tarde, a ZFM conseguiu atrair uma ati-
Relações Exteriores, 2006).
vidade industrial mais substancial, mais nota-
Enquanto Manaus age como o principal
velmente a refinaria de petróleo e gás Reman
centro logístico na região e seu polo industrial
(de propriedade da Petrobrás) e, mais tarde,
acomoda a maioria da atividade industrial da
montadoras e instalações de embalagem com
ZFM, na realidade, estende-se muito além de
valor agregado para empresas de eletrônicos
seus limites metropolitanos. Na verdade, a
de consumo global, como a Samsung e a LG,
declaração por parte do governo federal do
para marcas globais de refrigerantes, como a
estatuto de Zona de Livre Comércio abrange
Coca-Cola e a a Pepsi Co, e para marcas au-
toda a região noroeste do Amazonas e inclui
tomotivas, como a Harley Davidson e a Hon-
os estados do Amazonas, Roraima, Rondônia,
da. A maioria dos insumos e componentes
Acre e Amapá. A ZFM fornece diversos tipos
394
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano...
de benefícios fiscais, conforme regulamentado
Assim, parece que, na década de 1960,
pela Lei Federal n. 288, de 1967. Essa lei reser-
o governo lançou esse programa da ZFM por
vou determinados incentivos fiscais até o ano
interesse geoestratégico, a fim de manter a
de 2013. Esse programa fiscal foi renovado, em
região economicamente viável e integrada à
2003, pela Lei Federal 2826, de 29 de setembro
economia nacional como meio de garantir as
de 2003, e estende a concessão fiscal para em-
reivindicações territoriais e o controle políti-
presas que operam na ZFM até 2023. Enquanto
co. De certa forma, isso pode ser considerado
o regime fiscal fornecido pelo governo federal
uma continuação da política nacional durante
primeiramente lidou em especial com impor-
a época do Ciclo da Borracha, em que os paí-
tações para a ZFM, mais tarde também foram
ses amazônicos ativamente competiram pela
incluídas disposições especiais para as expor-
supremacia sobre a área, fornecendo a con-
tações. Além desses regimes fiscais federais, a
cessão de terras aos comerciantes, criando
ZFM também se beneficia com isenções de im-
postos militares e investindo em infraestrutura
postos do governo do Estado (principalmente
(Barham e Coomes, 1994). Nessa versão mo-
para a transferência de componentes fabrica-
derna, no entanto, a ZFM lembra mais um polo
dos em outros lugares no Brasil e com destino
de crescimento, desenvolvido em muitos ou-
a ZFM) e com a isenção da própria administra-
tros países industrializados do mundo, em que
ção municipal da cidade de Manaus (isenções
os recursos e as riquezas foram transferidos do
de dez anos de impostos sobre imóveis e pro-
núcleo para a periferia (Brenner, 2004). Essa
priedades, por exemplo).
concentração do desenvolvimento econômi-
Sob essas regulamentações fiscais, Ma-
co urbano planejada pelo governo federal em
naus desfrutava de um regime favorável em
Manaus também ajudou a evitar o assenta-
relação ao seu rival direto naquela época,
mento descontrolado na mata, embora a má
Belém. Assim, a assemblage, em termos de
qualidade do solo e a precária acessibilidade
disposições regulamentares fiscais do gover-
das estradas provavelmente fez mais para evi-
no federal, favoreceu Manaus em detrimento
tar o cultivo em grande escala na floresta, em
de Belém. Em relação às razões pelas quais
comparação com o estado do Pará.
Manaus foi escolhida para esse esquema de
A gestão da Zona de Livre Comércio es-
investimento/subvenção do governo, um fo-
tá nas mãos da Suframa, uma agência federal
lheto de marketing feito recentemente pelo
responsável pela política da ZFM e seu modelo
Ministério das Relações Exteriores, um pouco
de negócio. Os governos dos Estados (e suas
surpreendentemente franco, mencionou que:
capitais) são representados na administração
"A ZFM foi originalmente criada com o objeti-
da Suframa e recebem apoio financeiro dela
vo de viabilizar uma base econômica no oeste
para projetos realizados em consonância com
da Amazônia, promovendo a integração pro-
seus planos de desenvolvimento estratégico
dutiva da região, servindo como apoio para
estaduais. Esses planos são concebidos para
garantir a soberania nacional da região [itálico
coordenar a política regional de desenvolvi-
enfatizado]" (Ministério das Relações Exterio-
mento iniciada pelo governo federal e os ob-
res, 2006, p. 6).
jetivos com níveis inferiores de governo. Por
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
395
Wouter Jacobs et al.
outro lado, os municípios são requeridos a
implementar localmente esses planos de desenvolvimento do Estado, principalmente por
meio de planejamento do uso da terra. Assim,
há uma hierarquia clara de competências de
planejamento e financiamento público.
Inicialmente, o sucesso da ZFM, até a
década de 1980, poderia ser considerado um
resultado das políticas comerciais nacionais
Na década de 1990, quando ocorreu a
abertura econômica, o PIM tinha uma política industrial que focava na nacionalização a qualquer custo e na alta absorção
de mão de obra. A abertura significou que
as empresas do polo tinham que enfrentar a concorrência de produtos de todo o
mundo, similar aos delas, mas a um preço
menor e com qualidade superior. Tivemos
que mudar nossa política industrial. (Ministério das Relações Exteriores, 2006, p. 8)
protecionistas do governo federal. Durante
esse tempo, o governo federal criou todos os
Essa mudança na política industrial, na
tipos de condições comerciais desfavoráveis
prática, significou a demissão de 38% da for-
para a importação, atraindo grandes empre-
ça de trabalho total durante a década de 1990,
sas internacionais para criar instalações para
especialmente nas faixas de renda mais eleva-
a produção de materiais importados e com-
das, a substituição do trabalho pelas máquinas
ponentes em uma ZLC projetada para atender
melhoradas e, sobretudo, um novo regime de
o grande mercado brasileiro. Ainda na déca-
trabalho. De fato, durante esse período, o núme-
da de 1990, o governo federal começou a se
ro de trabalhadores com menor remuneração e
abrir para o comércio internacional e removeu
menos contratualmente ligados aumentou em
vários tipos de barreiras tarifárias, permitindo
35% (Oliveira et al., 2010). Assim, enquanto a
que os investimentos estrangeiros diretos se
assemblage favorável de Manaus estava rece-
concentrassem em locais nas grandes regiões
bendo a pressão do novo regime de comércio
urbanas do sudeste, enquanto os comercian-
nacional, o sistema existente em vigor na ZFM
tes globais estavam livres para localizar suas
em combinação com seu regime de trabalho fle-
instalações de produção fora do Brasil, ser-
xível permitiu que continuasse a tirar vantagens
vindo ainda ao mesmo mercado. Na verdade,
das tendências globais da externalização, como
como informado na época pelo The New York
identificado em lugares como Tianjin (Wang e
Times (em 17 de dezembro de 1990, conteú-
Olivier, 2006) e Dubai (Jacobs e Hall, 2007). De
do on-line ), um dos maiores empregadores da
fato, enquanto a ZFM funcionou principalmen-
ZFM, a empresa de eletrônicos Sharp, decidiu
te como polo de importação para o mercado
transferir duas grandes linhas de produção
interno, até a década de 1990, sua quota de
como resultado dessas novas oportunidades
exportações atualmente ultrapassa 20%. Seus
fornecidas pelo comércio internacional. Como
principais destinos de exportação são os outros
o diretor da Suframa coloca:
países da América Latina e os Estados Unidos.
396
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano...
Portos da Amazônia
no sistema de transporte
brasileiro
econômico geral do Brasil desde a década de
1990, o baixo nível de tráfego de contêineres
no Brasil contribui para o seu sistema de logística e transporte subdesenvolvido. Estes
atuam como uma enorme restrição em relação
Com mais de 7.400 quilômetros de litoral
ao desenvolvimento econômico e comércio
Atlântico, o sistema portuário brasileiro é ex-
internacional. O Banco Mundial classifica o
tenso e caracteriza-se por uma variedade de
Brasil em 41º em sua referência internacional
especializações de mercadorias, com apenas
de Índice de Desempenho Global em Logística
um grau limitado de conteinerização. Essa va-
(Banco Mundial, 2010), principalmente devido
riedade em especialização é, em grande parte,
aos equipamentos antiquados e ao ineficiente
causada pela variação urbana industrial e eco-
planejamento do uso da terra, além da buro-
nômica do país. O sistema portuário brasileiro
cracia excessiva (para desembaraçar os contêi-
pode ser classificado em quatro faixas distintas,
neres na alfândega, por exemplo). Em relação
ou conforme Notteboom (2009), em regiões de
ao transporte em contêineres, o papel da Bacia
acesso multiportuárias. Partindo do Norte para
Amazônica ainda permanece limitado, mesmo
o Sul, são elas (ver Figura 1):
que o Porto de Manaus seja capaz de lidar com
1) Bacia Amazônica (Belém, Macapá, San-
navios Panamax, bem como transportadoras
tarém, Vila do Conde e, alcançando o interior,
transoceânicas e navios de cruzeiro. É certo
Manaus e Porto Velho);
que quaisquer declarações sobre transporte em
2) Nordeste (Itaqui, Pecém, Recife, Sua-
contêineres são restringidas por falta de dados
pe, Salvador, Aratu e, em um futuro próximo,
confiáveis, mas, de acordo com o governo do
Ilhéus);
estado do Amazonas (2009), o Porto de Ma-
3) Sudeste (servindo as megacidades Belo
naus manipulou cerca de 350 mil TUE em 2008,
Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba
o que o classificaria como um dos dez maiores.
por meio de portos primários como Santos, Se-
No entanto, isso não é verificado por dados for-
petiba, São Sebastião, Paranaguá, Vitória);
necidos pela Associação Americana de Autori-
4) O extremo Sul: Santa Catarina/Rio Grande
do Sul (Itajaí, Imbituba, São Francisco Sul, Porto
Alegre, Rio Grande).
dades Portuárias (American Association of Port
Authorities – Aapa).
Em termos de quantidade total de carga
Os maiores portos de contêineres no
(medida em milhões de toneladas), observa-
Brasil, não surpreendentemente, ficam nas re-
mos uma hierarquia diferente. Os principais
giões econômicas centrais mais urbanizadas no
portos são agora dominados por portos de
sudeste e no extremo sul. Em geral, a contei-
mineração especializados, como Itaqui, Se-
nerização ainda não está muito desenvolvida
petiba e Tubarão, propriedade da gigante de
nos portos brasileiros e é muito dominada por
mineração brasileira Vale. O Porto de Belém
Santos (37% do tráfego de contêineres total do
é o 10º porto mais movimentado do país em
Brasil em 2008), o porto da potência econômi-
termos de quantidade total de carga, em
ca do Brasil: São Paulo. Apesar do crescimento
grande parte devido ao tráfego de granéis
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
397
Wouter Jacobs et al.
Figura 1 – O sistema de acesso multiportuário do Brasil
Fonte: os autores (2011).
sólidos. No entanto, grande parte do tráfego
ao interior, está classificado em 8º lugar em
pode ser desviada para as novas instalações
relação ao tráfego de granéis líquidos (princi-
da Vale na Ponta da Madeira. Outros portos
palmente devido à localização da refinaria de
principais são do setor de granéis líquidos.
petróleo Reman) e o 10º em relação a carga
Estes incluem os portos de óleo de São Sebas-
em geral, com um total combinado de cerca
tião, Angra dos Reis e Aratu. O porto de Ma-
de 12 milhões de toneladas métricas de tráfe-
naus, embora localizado 900 milhas náuticas
go em 2008 (Aapa, 2010).
398
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano...
Devido à falta de infraestrutura rodoviá-
Manaus não tem um caminho direto que ligue
ria e ferroviária, o transporte por barcaça conti-
aos principais centros urbanos do Sudeste bra-
nua a ser o mais importante meio de transpor-
sileiro. Suas ligações rodoviárias são com Porto
te nessa região remota. Na verdade, existem
Velho (onde se conecta com as estradas para o
muitos pequenos portos fluviais na Amazônia
Sudeste), no sudoeste do Amazonas (BR-319) e
que servem comunidades remotas. Manaus, em
com a Venezuela, no norte (BR-174). A maioria
particular, serve como o principal centro e mer-
dessas estradas não é pavimentada, são estra-
cado final para produtos agrícolas regionais,
das de terra que não são confiáveis em condi-
principalmente para peixe, banana, mandioca
ções de chuva excessiva.
e madeira (Neto et al., 2007). Em Manaus (ver
As outras principais rotas de cabotagem
Figura 2), o porto consiste em cais flutuantes
são os portos brasileiros de contêineres de
onde o Rio Negro e o Rio Solimões convergem
carga geral de Pecém, Suape, Salvador, Sepe-
no Rio Amazonas. Existem três operadores de
tiba, Paranaguá, Santos e Rio Grande (Gover-
porto principais ativos. O primeiro é a Autori-
no do Estado do Amazonas, 2009). As liga-
dade Portuária pública de Manaus, que tem
ções de longa distância de Manaus são prin-
cais flutuantes a montante e possui 94.923 m2
cipalmente com o Porto de Manzanillo (Pa-
de terreno (Governo do Estado do Amazonas,
namá), que serve como centro alimentador
2009). Ela também explora o terminal de cru-
de importação dos componentes entregues
zeiros. Mais a jusante, localiza-se o operador
por serviços transoceânicos da Ásia por meio
privado dos Superterminais, que possui 9.000
do Canal do Panamá. Além disso, o Aeropor-
2
m de espaço para armazenagem. O terceiro
to Internacional Eduardo Gomes é o terceiro
é o terminal privado do Porto Chibatão, que
maior aeroporto de carga do país, com três
2
opera 17.600 m de espaço de armazenamen-
terminais de carga. Um projeto de desenvolvi-
to, além de 70.000 m2 de jardas de contêineres.
mento de um grande porto privado (Porto das
Ambos os operadores privados estão localiza-
Lajes) foi colocado em espera em 2010, devi-
dos diretamente ao sul da ZFM. Uma quarta
do a preocupações dos ambientalistas sobre o
2
empresa, a Aurora Eadi, gerencia 9.000 m de
impacto do projeto no “Encontro das Águas”
espaço de armazenagem e 23.000 m2 de jar-
(onde a água negra do Rio Negro e das águas
das de contêineres (uma área aduaneira) den-
marrons do Rio Solimões convergem), con-
tro do próprio Polo Industrial de Manaus (ver
siderada uma das atrações turísticas de Ma-
Figura 2). A maioria dos produtos manipulados
naus. Como resultado da indignação pública,
é destinada ao PIM de Manaus e dele parte por
o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
balsa para Belém, Santarém ou Porto Velho, de
Nacional (Iphan) declarou o “Encontro das
onde pode ser transportada por caminhão em
Águas” um monumento nacional, suspenden-
direção à região das megacidades, no Sudes-
do efetivamente a licença de desenvolvimento
te. Essa repartição modal específica é porque
concedido pelo estado do Amazonas.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
399
Wouter Jacobs et al.
Figura 2 – A Região Metropolitana de Manaus
e a localização de seus portos e Zona Franca
Fonte: os autores (2011).
O operador de porto privado do Porto
do Pará. O Porto público de Belém está locali-
Chibatão também opera um terminal em Porto
zado a oeste do centro da cidade, ao lado do
2
Velho e um armazém em Belém (22.600 m ).
terminal de passageiros e do mercado de ali-
Todas os portos no estado do Pará, incluin-
mentos (ver Figura 3). Mais ao norte, é onde
do Belém, são controlados pela Autoridade
está localizado o terminal Porto Miramar, dedi-
Portuária do Estado – Companhia das Docas
cado a uma refinaria petroquímica. Ao norte do
400
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano...
Figura 3 – A Região Metropolitana de Belém e a localização de seus portos
Fonte: os autores (2011).
aeroporto, há vários metros de madeira onde
(para Suape e Recife). A sudoeste de Belém, do
os troncos do interior da floresta são recolhi-
outro lado da hidrovia, localiza-se o Porto de
dos e tratados. A rota de acesso principal dos
Vila do Conde. É também o local de uma gran-
portos e da cidade é a Rodovia BR-316, que vai
de mina e fundição de alumínio de proprieda-
até São Luís e, eventualmente, se conecta com
de da Alunorte, bem como outras empresas de
a BR-230 (Rodovia Transamazônica) e a BR-232
alumínio (Alubar e Albras).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
401
Wouter Jacobs et al.
Economia urbana
do transporte de mercadorias
em Manaus e Belém
de Atividades Econômicas equivalente ao
NAICS estadunidense, North American Industry
Classification System): transporte rodoviário,
transporte de mercadorias por água, transporte
de mercadorias por ar e as atividades de supor-
A fim de comparar as economias de Manaus
te para o transporte de mercadorias. O trans-
e Belém em relação ao transporte de merca-
porte ferroviário não foi incluído, pois Belém e
dorias relacionadas com a atividade, fizemos
Manaus não são conectados a infraestruturas
uso do quociente de localização (QL). O QL um
ferroviárias. Listamos em seguida, tanto o nú-
índice que mede a concentração relativa de
mero de empresas quanto o número de em-
atividade econômica dentro de um local, em
pregados por atividade para Manaus e Belém,
comparação com a quota nacional ou regio-
bem como o total do Brasil (ver Tabela 2). In-
nal da mesma atividade na economia global.
cluímos também os totais de todos os serviços
Como tal, o QL nos permite avaliar o grau de
em geral, pois são os totais em que baseamos
especialização econômica de um local em rela-
nosso índice.
ção à média nacional. Um QL > 1 implica uma
O que fica imediatamente claro é o cres-
especialização relativa de um local (dentro de
cimento absoluto e relativo para a maioria das
uma indústria específica) em comparação com
atividades de transporte durante o período em
a participação nacional, enquanto que um QL <
questão. Para o Brasil como um todo, o número
1 implica uma sub-representação relativa. For-
de empresas que operam no transporte de mer-
malmente (QL ou LQ do inglês):
cadorias cresceu em 134%, enquanto que o nú-
Onde:
mero de pessoas empregadas cresceu em 43%.
LQ =
Eij
____
Esse crescimento é mais forte no transporte
Ej
rodoviário e nos serviços de apoio. Em compa-
Ei
____
ração com os serviços em geral, vale notar que
Etotal
o número de empresas cresceu mais (143%
para o transporte versus 77% para serviços em
Eij = emprego total no setor de transporte j na
geral) do que o número de pessoas emprega-
cidade i
das (43% versus 75%). Isso pode sugerir que
Ej = emprego total em transporte no setor j no
o tamanho médio das empresas de transporte
Brasil
diminuiu em combinação com a desova de em-
Ei = emprego total na cidade i
presas novas, provavelmente dentro dos trans-
Etotal = emprego total no Brasil
portes rodoviários.
Para esse cálculo, utilizamos dados do
No entanto, vemos algumas diferen-
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ças notáveis entre os diferentes subsetores e
(IBGE) para dois anos de referência, 1996 e
entre Manaus e Belém. Por exemplo, o maior
2006. Selecionamos as seguintes atividades
crescimento entre as atividades de transporte
organizadas em torno de códigos de indústria
é rodoviário. Em Belém, o número de pessoas
(CNAE, o sistema de Classificação Nacional
empregadas no transporte rodoviário diminuiu
402
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano...
Brasil e
municípios
Tabela 2 – Emprego e o número de empresas de transporte
para Manaus e Belém, 1996-2006
Classificação Nacional de
Atividades Econômicas
(CNAE)
Brasil
Número total
de empregos
Crescimento
(%)
2006
1996-2006
1996
2006
3.475.735
6.144.50
77
23.604.292
41.388.183
75
73.927
181.339
145
1.022.927
1.368.014
34
Frete de transporte aquaviário
1.026
1.801
76
18.993
23.705
25
Frete de transporte aéreo
1.279
1.523
19
42.276
40.444
-4
28.054
59.105
111
199.208
401.991
102
104.286
243.768
134
1.283.404
1.834.154
43
15.215
28.974
90
173.902
422.030
143
Frete de transporte terrestre
295
729
147
8.992
19.549
117
Frete de transporte aquaviário
107
176
64
1.369
2.810
105
27
54
100
727
738
2
Atividade de apoio para o transporte
212
474
124
2.497
5.702
128
Transporte Total
641
1.432
123
13.585
28.799
112
15.358
23.280
52
252.574
340.814
35
202
276
37
7.545
6.797
-10
Frete de transporte aquaviário
86
120
40
1.771
2.094
18
Frete de transporte aéreo
23
38
65
636
361
-43
Atividade de apoio para o transporte
202
319
58
1.916
2.582
35
Transporte Total
513
753
47
11.868
11.834
0
Frete de transporte terrestre
Atividade de apoio para o transporte
Transporte Total
Total geral de todos os serviços
Manaus – AM
Crescimento
(%)
1996
Total geral de todos os serviços
Frete de transporte aéreo
Total geral de todos os serviços
Frete de transporte terrestre
Belém – PA
Variável vs Ano
Número de
empresas locais
1996-2006
Fonte: compilado pelos autores a partir de dados do IBGE (2011).
em 10%. Em geral, para Belém, vemos uma
relativo e absoluto no número de empregados
estabilização da parte da atividade de trans-
e no número de empresas no setor dos trans-
porte dentro da economia urbana em geral.
portes. Quando comparamos os quocientes de
Para Manaus e para o Brasil como um todo,
localização de Belém e Manaus para o período,
por outro lado, vemos um forte crescimento
observamos um padrão distinto (ver Tabela 3).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
403
Wouter Jacobs et al.
Tabela 3 – Quocientes de localização no transporte de mercadorias
para Manaus e Belém 1996-2006
Quociente de Localização
Empresas
Emprego
1996
2006
1996
2006
Manaus
1,40
1,24
1,43
1,54
Belém
1,11
0,81
0,86
0,78
Fonte: compilado pelos autores a partir de dados do IBGE (2011).
O que fica claro é que, em 1996, tanto
Manaus quanto Belém eram relativamente
especializadas em termos de empresas de
Para uma nova
assemblage urbana?
transporte em relação à média nacional. Essa
especialização é mais forte para Manaus do
O Brasil está, no momento, enfrentando um
que para Belém. Em relação ao número de em-
novo boom de mercadorias, principalmente
presas, vemos que, em 2006, os QLs diminuí-
por meio da crescente demanda global por re-
ram tanto para Belém quanto para Manaus.
cursos como petróleo e gás, soja e novos pro-
No caso de Belém, o transporte é sub-repre-
dutos agrícolas (por exemplo, frutas de açaí).
sentado em comparação com a média nacional
Até que ponto as cidades de Manaus e Belém
de 2006. Quando analisamos os empregos em
estão passando por uma nova assemblage ur-
atividades de transporte, vemos que Belém
bana? Baseado em políticas contemporâneas
era inferior à participação nacional, em 1996,
e investimentos em infraestrutura, o caminho
e que sua participação diminuiu ainda mais
do desenvolvimento conjunto em movimento
em 2006. Em contrapartida, para Manaus, a
poderá favorecer mais Manaus do que Be-
percentagem de pessoas empregadas nas ati-
lém. Enquanto Manaus está se beneficiando
vidades de transporte, comparado-se com a
como o núcleo central para fluxos de merca-
participação nacional, aumentou no período
dorias, cruzando a Amazônia, Belém enfrenta
de 1996 a 2006. Além disso, o aumento do
a concorrência séria dos empreendimentos de
QL no emprego em comparação a um declínio
infraestrutura nas proximidades e corre o ris-
do número de empresas em Manaus poderia
co de ser ignorada por completo. Em 2006, o
sugerir que o tamanho médio da empresa
governo federal aprovou o Plano Nacional de
tem aumentado ao longo dos anos – ou seja,
Logística e Transporte (PNLT), a fim de facilitar
menos empresas empregam mais pessoas na
o crescimento econômico por meio de progra-
atividade de transporte (contrastando com as
mas de investimento em infraestrutura e refor-
tendências nacionais).
mas institucionais.
404
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano...
Sob o PNLT, Belém está prevista para
também em construção por meio da ferrovia
ser conectada à ligação ferroviária Norte–Sul,
Transnordestina, ligando-os com o tronco prin-
que vai de Belém ao Porto de Rio Grande, no
cipal ferroviário Norte–Sul, bem como com as
extremo sul do Brasil. A ligação ferroviária já
minas de minério de ferro de Carajás e as plan-
está operando entre a estrada de ferro Carajás
tações de soja no sul dos estados do Piauí e
e Palmas, a capital do estado do Tocantins. Isso
Maranhão. Ademais, ambos os portos estão en-
permitirá a conexão de Belém com as minas de
volvidos com grandes atores do setor privado
minério de ferro no estado do Pará, bem como
internacional de transporte e logística. A opera-
com as principais plantações de soja, nos es-
dora líder internacional Maersk Line tem insta-
tados do Piauí e Maranhão. Apesar da ligação
lações dedicadas em Pecém, através da sua di-
ferroviária planejada, Belém atualmente deixa
visão da APM Terminals. A Autoridade Portuária
de atrair investimentos de infraestrutura do
do Porto de Roterdam (no comando do maior
setor privado. Além disso, o porto enfrenta res-
e mais movimentado porto da Europa) tem o
trições locacionais para expansão no local atu-
contrato de gestão para desenvolver ainda
al e seu terminal previsto provavelmente não
mais o complexo industrial do Porto de Suape.
será no local atual do porto, mas à sudoeste
O último porto está atualmente sendo dragado
da cidade, no Porto de Vila do Conde. Além dis-
e expandido para facilitar a entrada de navios
so, Belém está enfrentando a concorrência de
maiores. Além disso, a fabricante internacional
novos locais sendo construídos em toda a re-
de automóveis Fiat está desenvolvendo uma
gião. Na Ponta da Madeira (perto de São Luís),
fábrica de automóveis nas proximidades do
a Vale, gigante da mineração, atualmente está
Porto de Suape. Por outro lado a Vale, a gigante
modernizando as instalações dos terminais
da mineração, tem planejado desenvolver um
existentes e está planejando fazer de Ponta da
centro de conhecimento para o desenvolvimen-
Madeira seu maior centro de exportação até
to sustentável. Em outras palavras, a Vale está
2015. Sua ligação férrea atual com as minas
investindo no capital humano em Belém, e não
do estado do Pará está sendo aprimorada para
no hardware.
transportar até 330 vagões com um custo de
Em contraste com Belém, Manaus tem a
R$4,5 bilhões, ou aproximadamente US$2,8
geografia e a política ao seu lado. Sua locali-
bilhões (The Economist, 21/5/2011, pp. 53-54,
zação dominante como entreposto de comér-
2011). Assim, grande parte do crescimento das
cio interno na Amazônia protege Manaus das
exportações de minério de ferro será acomoda-
pressões vividas por Belém ao longo da costa,
da em Ponta da Madeira em vez de em Belém.
onde a concorrência é mais acirrada. Em 2010,
Outra grande ameaça para Belém vem
a gigante de petróleo e gás Petrobrás comple-
de investimentos nos portos de Suape, per-
tou o gasoduto ligando Uruçu a Manaus, ligan-
to de Recife e Pecém, perto de Fortaleza. Em
do Manaus aos principais campos de gás, 660
ambos os portos locais, a companhia nacional
km a montante, permitindo explorar a fartura
de petróleo e gás, a Petrobrás, está atualmente
atual do produto. Além disso, Manaus foi sele-
construindo grandes refinarias de óleo. Novas
cionada como uma das cidades-sede da Copa
ligações ferroviárias de ambos os portos estão
do Mundo de Futebol da Fifa de 2014, o que
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
405
Wouter Jacobs et al.
garante o apoio financeiro federal para moder-
desmatamento ilegal, queimadas, mineração e
nização de infraestrutura, incluindo o aeropor-
caça. Aproximadamente 80% da área desma-
to, o terminal de cruzeiros e a construção da
tada na Amazônia está a 30 km de estradas
primeira ponte sobre o Rio Amazonas. Manaus
e rodovias oficiais (Barreto, 2005). Portanto,
também vai, provavelmente, se beneficiar dos
enquanto Manaus e o estado do Amazonas
planos de governo para melhorar as ligações
ainda têm os níveis mais baixos de desmata-
com locais na Costa do Pacífico. Recentemen-
mento em toda a Amazônia, a modernização
te, por exemplo, o Peru concluiu a construção
da Rodovia BR-319 Manaus–Porto Velho vai
da Iniciativa para a Integração da Infraestrutu-
ligar o estado do Amazonas com o chamado
ra Regional Sul-americana (IIRSA) Estrada Sul,
“arco do desmatamento” no estado de Rondô-
chamada de Carretera Interoceánca (Bonaz e
nia (Fearnside e Graça, 2006) e, no seu rastro,
Urrunaga, 2008), ligando a cidade brasileira
ainda mais cultivo em grande escala da maior
de Assis Brasil (no estado do Acre) aos por-
floresta do planeta.
tos de Ilo e Matarani, no litoral sul do Peru.
A IIRSA é um programa de desenvolvimento
transnacional dos governos da América do
Sul para estimular a integração dos sistemas
Conclusões
de infraestrutura. Isso irá, potencialmente, aumentar o status de centro de Manaus e Porto
O Rio Amazonas tem sido, por séculos, a força
Velho (conectados por meio do Rio Madeira),
vital dessa região remota. As cidades de Ma-
devido a sua ligação com os oceanos Atlântico
naus e Belém prosperaram, como resultado
e Pacífico e o sudeste do Brasil. Outro projeto
do Ciclo da Borracha, apesar da sua localiza-
em estudo é o corredor Manta–Manaus, ligan-
ção adversa. Em referência a Hesse (2010), a
do Manaus com o Porto de Manta, no Equa-
“situação” se alterou conforme as cadeias de
dor. Curiosamente, o operador de terminal
produto de borracha foram reencaminhadas
global HPH recebeu concessão em Manta, mas
para o sudeste da Ásia, e as cidades não conse-
desistiram pela segunda vez. Até o momento
guiram se diversificar economicamente. Consi-
que finalizamos este texto, esse plano parece
derações políticas e geoestratégicas, no entan-
mais politicamente conduzido do que baseado
to, favoreceram o desenvolvendo de uma zona
em uma análise econômica sólida.
de livre comércio em Manaus desde o final dos
Em relação ao meio ambiente, no en-
anos de 1960. Assim, apesar do desfavorável
tanto, a modernização da infraestrutura na
“local” de Manaus, no interior, em comparação
Amazônia tem um grande risco de ser acom-
com a localização costeira de Belém, seu status
panhada pelo crescente desmatamento. De
como ZLC do Brasil garantiu uma “situação”
acordo com Laurence e colaboradores (2001),
superior, que, finalmente, deu suporte para o
as obras de transporte são a principal fonte
desenvolvimento econômico de Manaus. Atual-
de desmatamento na Amazônia brasileira,
mente, o Brasil vive um enorme crescimento
pois elas fragmentam ecossistemas frágeis
econômico, também em grande parte impul-
e são frequentemente acompanhados por
sionado pelos preços elevados das mercadorias
406
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano...
internacionais. O crescimento atual é acompa-
infraestrutura. Apesar de estar localizada per-
nhado por enormes investimentos (públicos e
to de importantes minas de minério de ferro e
privados) em infraestrutura, bem como pelas
plantações de soja no Pará e apesar dos planos
reformas institucionais para estimular investi-
do governo para investimento em ligações fer-
mentos estrangeiros nos portos e modelos de
roviárias, o porto de Belém não possui espaço
governança portuária mais eficientes.
para expansão e, atualmente, está perdendo
Nesse contexto contemporâneo, pa-
investimentos (estrangeiros) privados, os quais
rece que Manaus é mais bem-sucedida na
estão sendo feitos em outros locais no nordes-
assemblage do local e situação, graças, em
te. A falta de investimentos em infraestrutura
parte, à sua zona livre de impostos apoiada
industrial do porto em Belém, por outro lado,
pelo governo federal. Além disso, Manaus e o
seria uma bênção disfarçada, pois lhe permi-
estado do Amazonas aproveitam ao máximo
tirá ultrapassar a experiência de lock-in vivida
seu status como ZLC, apoiada pelo governo fe-
por muitas cidades portuária industriais. Em
deral e como capital da Floresta Amazônica em
relação a pesquisas futuras, é necessária uma
marketing internacional, a fim de atrair investi-
análise mais empiricamente informada “no
mentos estrangeiros diretos. Paradoxalmente, é
campo” em duas questões. Primeiro, a pes-
exatamente o seu “local” no interior da flores-
quisa precisará focar nas correntes e fluxos de
ta Amazônica que oferece a Manaus e ao esta-
mercadorias específicas que se movem por Be-
do do Amazonas um ponto de venda exclusivo
lém ou Manaus e de lá para o mercado global.
para negócios internacionais, garantindo-lhes
Um desses produtos, que atualmente
“cartões verdes” para operações sustentáveis.
está sendo planejado para um estudo mais
A ZFM está desfrutando de atualizações para
aprofundado dos autores (sob o projeto
novas cadeias de valor agregadas como telas
Golls – Governance of Labour and Logistics
de LCD e aparelhos de telefone celular. Por ou-
for Sustainability ) é o fruto do açaí (Pegler,
tro lado, o status de ZLC deixa Manaus bastan-
2011). Nativo da Amazônia, o açaí atualmen-
te dependente de incentivos fiscais do governo
te tem sido introduzido com êxito em sucos e
federal. O que é mais importante, apesar de o
produtos lácteos nos mercados de exportação
governo afirmar que a concentração do cresci-
(por exemplo, os produtos lácteos da gigante
mento de Manaus preservou 96% das reservas
da Holanda Friesland Campina tornou-se um
de floresta nas proximidades, ainda se pode
grande comprador da fruta do açaí no desen-
questionar se a promoção do crescimento em
volvimento de novas linhas de produtos), man-
um local tão remoto é realmente sustentável.
tendo, ainda, a produção de pequena escala e
A história ensina que a modernização da infra-
a inclusão de apenas mão de obra local. Uma
estrutura na Amazônia muitas vezes anda de
maior análise da cadeia de abastecimento glo-
mãos dadas com o desmatamento e o cultivo
bal da fruta do açaí, de seu cultivo na Amazô-
de terras em grande escala.
nia até o seu consumo, deve focar, em espe-
A assemblage em Belém parece ser
cial, em uma crítica de compreensão da sus-
mais restrita, pelo menos em relação ao de-
tentabilidade da cadeia (em termos de condi-
senvolvimento de atividades de transporte e
ções de trabalho e meio ambiente), dos locais
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
407
Wouter Jacobs et al.
de criação de valor, captura e governança den-
de uma única capital, Belém ( The Economist,
tro dessas cadeias e do papel que desempe-
12/3/2011, pp. 49-50). Uma interpretação di-
nham os processos logísticos. A segunda linha
ferente poderia ser que interesses dependen-
de investigação tem que lidar com o desenvol-
tes de recursos, de minério de ferro e de soja
vimento de uma compreensão empírica que
estão empurrando uma reforma administrativa
chamaríamos de política de assemblage, que
e territorial, exatamente para garantir suas ri-
é o acoplamento estratégico por atores par-
quezas econômicas.
ticulares dos fatores de “local” e “situação”.
Nesse contexto, a região Amazônica
Em tal perspectiva, precisamos estudar empi-
é uma região que precisa ser mais bem com-
ricamente os aspectos estratégico-relacionais
preendida, pois ela é um dos recursos naturais
da assemblage dentro dessas duas cidades e
mais preciosos do mundo. Enquanto a moderni-
como os atores que operam em várias escalas
zação da infraestrutura fornece oportunidades
protegem seus interesses. O interessante nes-
econômicas, a Amazônia também é uma área
se contexto de governança territorial é que, no
sob grande pressão de desenvolvimento insus-
estado do Pará, no momento em que escrevía-
tentável e exploração capitalista. Para nós, a
mos este trabalho, iniciativas parlamentares
melhor maneira de ajudar a sua preservação é
foram tomadas para dividir a estrutura política
constantemente avaliar o seu desenvolvimen-
e administrativa do Estado em três. Ostensiva-
to e criticamente se envolver em investigações
mente, isso decorre de problemas de controle
que apoiem o desenvolvimento verdadeira-
eficaz do governo sobre um território vasto
mente sustentável.
Wouter Jacobs
Pesquisador sênior do Institute of Transport & Maritime Management Antwerp da University of
Antwerp. Antuérpia, Bélgica
[email protected]
Lee Pegler
Docente de Organização e Direitos Laborais do International Institute of Social Studies (ISS – The
Hague) da Erasmus University. Roterdam, Países Baixos.
[email protected]
Manoel Reis
Professor de Logística e Supply Chain, coordenador do CELog – Centro de Excelência em Logística
e Supply Chain da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas. São Paulo/SP,
Brasil.
[email protected]
Henrique Pereira
Professor adjunto do Centro de Ciências do Ambiente da Universidade Federal do Amazonas.
Manaus/AM, Brasil
[email protected]
408
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano...
Referências
AMERICAN ASSOCIATION OF PORT AUTHORITIES (AAPA) (2009). Ports Sta s cs online- Brazilian Port
Traffic. Disponível em: h p://www.aapa-ports.org/Industry/content.cfm?ItemNumber=900&na
vItemNumber=551. Acesso em: maio 2010.
______ (2010). Esta s cas Portuárias online- Tráfico dos Portos Brasileiros 2009. Disponível: h p://
www.aapa-ports.org/Industry/content.cfm?ItemNumber=900&navItemNumber=551. Acesso
em: maio 2010.
BARHAM, B. L. E COOMES, O. T. (1994). Re-interpre ng the Amazon rubber boom: investment, the
State and the Dutch disease. La n American Research Review, n. 29, pp. 73-109.
BARRETO, P. (2005). Pressão humana na floresta Amazônica brasileira. Belém, WRI/Imazon.
BONIFAZ, J. L. e URRUNAGA, R. (2008). Beneficios económicos de la carretera interoceánica. Lima,
Universidad del Pacífico.
BRENNER, N. (2004). Urban governance and the produc on new state spaces in Western Europe
1960-2000. Review of Interna onal Poli cal Economy, n. 11, pp. 447-488.
BROWDER, J. D. e GODFREY, B. J. (1997). Rainforest Cities. Urbanization, Development and the
Globaliza on of the Brazilian Amazon. New York, Columbia University Press.
COE, N.; HESS, M.; YEUNG, H. W. C.; DICKEN, P. e HENDERSON, J. (2004). Globalizing regional
development: a global produc on networks perspec ve. Transac ons of the Ins tute of Bri sh
Geographers, n. 29, pp. 468-484.
COOMES, O. T. e BARHAM, B. L. (1994). The Amazon rubber boom: labor control, resistance and failed
planta on development revisited. The Hispanic American Historical Review, n. 74, pp. 231-257.
FEARNSIDE, P. M. e GRAÇA, P. M. L. A. (2006). BR-319: Brazil’s Manaus-Porto Velho highway and
the poten al impact of linking the arc of deforesta on to Central Amazonia. Environmental
Management, n. 38, pp. 705-716.
FEENSTRA, R. C. (1998). Integra on of trade and disintegra on of produc on in the global economy.
Journal of Economic Perspec ves, n. 12, pp. 31-50.
FRÖBEL, F.; HEINRICHS, J. e KREYE, O. (1980). The New Interna onal Division of Labour. Cambridge,
Cambridge University Press.
GOVERNO DO ESTADO DO AMAZONAS (2009). Riqueza Natural e Potencial Econômico. Uma
combinação perfeita para o seu ramo de atividade. Manaus, Secretaria de Planejamento e
Desenvolvimento Econômico.
HALL, P. V. e JACOBS, W. (2010). Shi ing proximi es. The mari me ports sector in an era of global
supply chains. Regional Studies, n. 44, pp. 1103-1115.
HESSE, M. (2010). Ci es, material flows and the geography of spa al interac on: urban places in the
system of chains. Global Networks, n. 10, pp. 75-91.
JACOBS, W. e HALL, P. V. (2007). What condi ons the supply chain strategies of ports? The case of
Dubai. Geojournal, n. 68, pp. 327-342.
LAURANCE, W. F.; COCHRANE, M. A.; BERGEN, S.; FEARNSIDE, P. M.; DELAMONICA, P.; BARBER, C.; D’ANGELO,
S. e FERNANDES, T. (2004). The Future of the Brazilian Amazon. Science, n. 291, pp. 438-439.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
409
Wouter Jacobs et al.
MARTIN, R. e SUNLEY, P. (2006). Path dependence and regional economic evolution. Journal of
Economic Geography, n. 6, pp. 603-618.
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (2006). Desenvolvimento econômico sustenta a preservação
da Floresta Amazônica. Brasília, Departamento de Comércio e Promoção.
MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES (2006). Plano Nacional de Logís ca e Transportes (PNLT). Brasília.
NETO, P. B.; SANCHEZ, R. J. e WILMSMEIER, G. (2007). Hacia un desarrollo sustentable e integrado
de la Amazonia, Recursos Naturales e Infrastructura Series. San ago de Chile, Naciones Unidas.
NEW YORK TIMES (1990). Free trade imperils free trade zone in Brazil, publicado em 17 de dezembro.
Disponível em: h p: <www.ny mes.com> . Acesso em: 14 maio 2011.
NOTTEBOOM, T. E. (2010). Concentration and the formation of multi-port gateway regions in the
European container port system: an update. Journal of Transport Geography, n. 18, pp. 567- 583.
OLIVEIRA, S.; ALMEIDA, C.; MAURÃO, A.; RAMOS, J. e ANICETO, K. (2010). A mobilidade dos
desempregados em Manaus. Manaus, Universidade do Amazonas.
PEGLER, L. (2011). Sustainable Value Chains and Labour; linking chain and “inner” drivers: from
concepts to prac ce. ISS Working Paper, 525, The Hague, pp. 1-41.
ROBINSON, R. (2002). Ports as elements in value-driven chain systems: the new paradigm. Mari me
Policy and Management, n. 29, pp. 241-255.
THE ECONOMIST (2011). Brazil’s north-east. Catching up in a hurry, 21 maio, pp. 53-54.
______ (2011). Fiddling while the Amazon Burns. Protec ng Brazil´s forests, 3 dez, pp. 49-50.
WANG, J. J. e OLIVIER, D. (2006). Port-FEZ bundles as spaces of global ar cula on: the case of Tianjin,
China. Environment and Planning A,n. 38, pp. 1487-1503.
WORLD BANK (2010). Connec ng to compete. Trade logis cs in the global economy. Washington DC,
World Bank.
Agradecimentos
A versão original deste artigo foi publicada como: JACOBS, W.; PEGLER L. J.; REIS, M. e PEREIRA,
H. (2013). “Amazon shipping, commodity flows and urban economic development: the case
of Belém and Manaus”. In: HESSE, M. e HALL, P. (eds.). Ci es, Regions and Flows (Routledge
Studies in Human Geography), pp. 129-149, Routledge.
É reproduzido aqui em português com a permissão de Taylor and Francis Publishers. Foi traduzido
para o português por Luciana Alves Graziuso.
Texto recebido em 1º/jul/2013
Texto aprovado em 30/ago/2013
410
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013
A origem do caos – a crise
de mobilidade no Rio de Janeiro
e a ameaça à saúde urbana
The origin of chaos – the mobility crisis
in Rio de Janeiro and the threat to urban health
Renato Gama-Rosa Costa
Claudia G. Thaumaturgo da Silva
Simone Cynamon Cohen
Resumo
Este artigo versa sobre a mobilidade urbana e suas
consequências na saúde urbana. Pretende igualmente apresentar pesquisas recentes sobre o tema
e as razões históricas que transformaram o automóvel no principal meio de transporte brasileiro,
ao menos para as classes mais favorecidas, em
detrimento dos transportes públicos, utilizados pela grande massa de trabalhadores. O uso excessivo
do automóvel compromete a qualidade do ar, que,
somado ao estresse, à vibração e ao ruído, atinge a
saúde e a qualidade de vida da população exposta
aos transtornos causados pelos longos engarrafamentos. No Rio de Janeiro, esse fenômeno atinge
uma etapa delicada, no momento em que se prepara para ser sede da Copa de Mundo de 2014 e as
Olimpíadas de 2016.
Abstract
This article approaches urban mobility and its
consequences to urban health. In addition, it
presents recent studies about the subject and
the historical reasons that have transformed
the automobile into the main Brazilian means of
transport, at least to the higher classes, to the
detriment of public transport, used by the great
mass of workers. The excessive use of automobiles
affects air quality, and this, added to stress,
vibration and noise, damages the health and the
quality of life of the population that is exposed
to the problems caused by long traffic jams. In
Rio de Janeiro, this phenomenon has reached a
delicate stage, in the moment that the metropolis
is preparing itself to receive the 2014 World Cup
and the 2016 Olympic Games.
Palavras-chave: mobilidade urbana; saúde urbana; saúde ambiental; meios de transporte; Rio de
Janeiro.
Keywords : urban mobility; urban health;
environmental health; means of transport; Rio de
Janeiro.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva, Simone Cynamon Cohen
Introdução
com isso isolar determinada categoria, uma vez
que os próprios atores participavam indistintamente de uma e de outra. Pode-se dizer que, in-
A cidade do Rio de Janeiro vive, hoje, uma cri-
dependentemente do grupo de atores envolvi-
se em sua mobilidade urbana, que representa
dos, os discursos para a implementação de um
uma ampla ameaça à saúde e à qualidade de
projeto nacional visando à abertura de rodovias
vida de seus habitantes. O uso excessivo de
tiveram sempre um cunho progressista, con-
automóveis e demais veículos automotores,
fiando ao automóvel o papel de integrador e
movidos, em sua maioria, a combustíveis fós-
de portador do progresso à nação, iniciado com
seis, comprometem a qualidade do ar urbano
a chegada dos primeiros veículos automotores
com emissões de gases e material particulado
ao Brasil. Ao longo do século XX, essa confian-
na atmosfera. Tais efeitos, somados aos relati-
ça nos automóveis levou a um lento e gradual
vos ao estresse, à vibração e ao ruído, atingem
desmantelamento da malha ferroviária. Hoje,
a saúde e a qualidade de vida da população,
as cidades brasileiras dependem basicamente
sobretudo da parcela mais exposta aos trans-
das rodovias como vias de transporte nacional
tornos causados pelos longos e, cada vez mais
e urbano. A cidade do Rio de Janeiro não é di-
frequentes engarrafamentos.
ferente, possuindo um sistema de trens urbanos
Este artigo coloca em debate a mobilida-
e metropolitanos muito aquém de suas necessi-
de urbana e suas consequências na saúde ur-
dades. Parece-nos, de fato, extremamente rele-
bana. Pretende igualmente apresentar pesqui-
vante entender assim as razões históricas e os
sas recentes sobre o tema e as razões históricas
grupos sociais que fizeram dos veículos sobre
que transformaram o automóvel no principal
rodas o principal meio de locomoção brasileiro.
meio de transporte brasileiro, ao menos pa-
Identificamos duas categorias profis-
ra as classes mais favorecidas, em detrimento
sionais de relevância para as questões pro-
dos transportes públicos, utilizados pela grande
postas: os políticos, aqui representados pelos
massa de trabalhadores, que vivem uma crise
administradores e a ação dos órgãos públicos,
proporcionada pela falta de recursos em con-
e os técnicos, abrangendo os engenheiros e
servação e investimentos. No Rio de Janeiro,
urbanistas. De forma similar, a identificação
esse fenômeno atinge uma etapa delicada, no
desses grupos foi objeto de textos de Dinhobl
momento em que a cidade se prepara para ser
(2003), Flonneau (2003a e 2003b), Barles e
sede da Copa de Mundo de Futebol, em 2014,
Guillerme (2003), reconhecendo, nos engenhei-
e das Olimpíadas em 2016. Quais são as im-
ros e sanitaristas, primeiramente, e depois nas
plicações do processo do crescimento urbano
autoridades públicas e nos arquitetos e urba-
sobre a saúde?
nistas, as categorias profissionais a se preo-
À luz das conquistas da nova história, a
cuparem com as questões do tráfego urbano,
identificação dos atores e instituições que par-
decorrente às vezes do processo de industriali-
ticiparam do processo de circulação dentro e
zação, mas inquestionavelmente impulsionado
fora das cidades, durante a primeira metade do
pela revolução tecnológica e industrial na Euro-
século XX, nos parece desejável. Não queremos
pa e nos Estados Unidos.
412
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
A origem do caos
Automóvel: o mal necessário
de nossas cidades
nível mundial, dos bondes elétricos. Esse período é igualmente marcado pelos constantes engarrafamentos urbanos e pelo início, já nessa
época, dos consequentes estudos sobre os efei-
Estudos sobre o automóvel e a cidade costumam identificar alguns períodos comuns sobre
a evolução desse transporte no meio urbano.
Essa periodização foi levantada por MacShane
(1984) e por Barles e Guillerme (2003). O primeiro autor separa em quatro etapas a presença do automóvel nas cidades norte-americanas,
que se inicia em 1894, ano do surgimento do
primeiro veículo com motor à explosão nos Estados Unidos, e vai até 1905-1906. Nesse primeiro momento, o automóvel aparecia como
uma curiosidade tecnológica reservada às classes mais abastadas, e o poder público, salvo
tos desastrosos do automóvel para as cidades.
Barles e Guillerme (2003) separam a periodização em quatro momentos e confirmam
alguns períodos adotados por MacShane. O
primeiro período estudado pelos pesquisadores franceses estaria relacionado à evolução do
transporte urbano como um todo, iniciando por
volta de 1820/1830 –, e que corresponderia às
primeiras ações em relação à pavimentação e
a calçamentos, ao aparecimento dos ônibus e
bondes puxados à tração animal, das bicicletas,
etc. Em Paris, os autores destacam que esse
período estaria especialmente identificado à
leis pontuais de limitação de velocidade e de
atuação dos engenheiros da École des Ponts et
algumas instruções de segurança, não demons-
Chausées, iniciada ainda no século XVIII.
trava estar muito atento a uma nova realidade
que se colocava.
O segundo período, entre esses anos e
1914, está identificado com a fabricação em
série de automóveis, desenvolvida por Henry Ford, que vai acarretar de imediato o progressivo barateamento do preço dos veículos
e ajudá-lo a se tornar mais popular, embora
ainda ligado ao lazer urbano. Em consequência, surgem os primeiros engarrafamentos nas
cidades, o que, por sua vez, desencadeia uma
série de legislações urbanas específicas para o
automóvel na cidade.
O terceiro período está delimitado pelos
anos de 1914 e 1923, quando se torna fato a
O segundo momento estaria associado
aos anos de pioneirismo do automobilismo, ao
surgimento das primeiras leis de trânsito e a
uma competição econômica entre as rodovias e
as ferrovias. Esse período inicial para a história
do automóvel moderno vai do ano do seu surgimento, que varia de país para país, mas que
se situa entre 1897 e 1900, indo até as primeiras duas décadas do século XX.
Por volta dos anos 1880, a questão das
diferenças entre os tipos de vias locais já ganhara a atenção de diferentes atores no campo técnico, seja pelas razões de circulação,
higiene e embelezamento ou pela própria diversidade crescente dos meios de transporte
presença do automóvel na cidade e este passa
e locomoção. Soria y Mata, para sua Ciudad
a ser o principal meio de transporte urbano nas
Lineal (1882/1913), previu um grande eixo,
cidades norte-americanas. Finalmente, os anos
de 1923 a 1940 delimitam o último período,
onde se tem o início da lenta desativação, em
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
com larguras de quarenta, sessenta ou cem
metros. Essa grande rua, plantada com quatro, seis, oito ou mais fileiras de árvores, teria
413
Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva, Simone Cynamon Cohen
espaços separados para automóveis, bicicle-
articulava-se com a “canalização” de todo o ti-
tas, veículos de tração animal, bondes elétri-
po de elemento associado a uma cidade sadia
cos e pedestres. Os comprimentos dessas vias
e moderna, desde o ar puro e a água potável,
não foram definidos a priori, mas, para romper
até os meios de comunicação, como o telégrafo
a uniformidade, de tempos em tempos, Soria
e o telefone. Essas associações desenvolvidas
y Mata (1882/1913, p. 12) previu que fossem
por Hénard nos levam a perceber que, nesse
[ ... ] colocadas praças espaçosas e
graciosas – circulares, elípticas ou poligonais – ornadas com fontes decorativas
e floridas, monumentos comemorativos
como esculturas, obeliscos, etc.
momento, as vias urbanas, ruas e avenidas ainda estão vinculadas a um pensamento higienista e sem uma nomenclatura definida.
A partir de uma visão cientificista e
classificatória, Hénard divide as ruas em seis
A cada trezentos metros, deveriam tam-
categorias: doméstica, profissional, econômi-
bém ser instaladas o que o engenheiro chama-
ca, mundana, ferial e popular. Os dois tipos de
va de estações de conforto, ou seja, quiosques
circulação que mais preocupavam o urbanista
com banheiros, postos de polícia, cabines tele-
francês eram a “econômica” e a “mundana”,
fônicas, painéis de avisos, um ponto de espera
por constituírem a essência da vida das cida-
do bonde, etc. (ibid.).
des e por provocarem os maiores movimentos
Uma análise da Enciclopédia de Higiene
de veículos. Hénard considerava ainda que es-
e de Medicina Pública (1897) nos assinala ou-
tes tipos de circulação seriam mais fortemente
tras pistas a serem exploradas, nesse período
transformados pelo progresso do ciclismo e do
de inovações e hesitações quanto às especi-
automobilismo e iriam, em breve, subverter a
ficidades que deveriam designar as vias, suas
disposição das vias públicas, provocando a
dimensões (largura e comprimento), seus tra-
criação de novas avenidas, associadas à velo-
çados, suas funções, em suma. No segundo
cidade dos novos meios de transporte (Hénard,
capítulo da parte dedicada à higiene urbana,
1982/1909, p. 186). Nesse sentido, o automóvel
grandes vias deveriam ser genericamente de-
aparecia em seu estudo como o único meio de
nominadas artérias, ou seja, um meio de cir-
locomoção capaz de assegurar a plena circula-
culação que precisaria ser mantido cômodo e
ção de uma grande capital.
seguro, e deveriam expressar as reservas de ar
Nos Estados Unidos, a preocupação e
saudável das cidades e a oferta aos habitan-
tematização das vias públicas locais parecem
tes de locais para passeios agradáveis e para a
ter surgido também em meados do século
prática de exercícios.
XIX, com os projetos do paisagista Frederick
No início do novo século, o francês
Law Olmsted, cuja primeira obra foi para o
Eugène Hénard (1849-1923) se preocuparia
Central Park, em 1857. Olmsted acreditava
com o tráfego da cidade de Paris, pois acredita-
na importância dos parques públicos para a
va que, em poucos anos, se nada fosse feito,
saúde e para a recreação, e buscou preservar
a questão poderia acarretar as maiores difi-
o caráter bucólico do Central Park, impedindo
culdades da vida nas grandes metrópoles. Na
a abertura de suas avenidas para o transporte
verdade, a circulação nas cidades, para Hénard,
público, favorecendo o acesso rápido e livre do
414
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
A origem do caos
transporte individual. Logo, outras vias iguais
mostram não apenas as novas preocupações
a essa seriam abertas. Nascia, assim, a ideia
do arquiteto franco-suíço, mas também como
de parkway, um tipo de via na qual as ideias
o tema havia se popularizado entre 1909, data
de recuperação de uma natureza selvagem
da divulgação das ideias de Hénard, e 1925 –
e ou da experiência de um refúgio romântico
ano da publicação de Urbanismo, isto é, em
se opunham a formas, às vezes consideradas
apenas 15 anos (Le Corbusier, 2000, p. 118).
“cruéis”, de desenvolvimento urbano (Dupuy,
1991, p. 123).
A partir de 1920, já não são apenas esportistas ou fabricantes que se sentem inte-
O terceiro período das relações en-
ressados pelo automobilismo e pelo o que o
tre o automóvel e a cidade, segundo Barles e
automóvel trazia com ele. A velocidade e a mo-
Guillerme (2003), está balizado entre a Primei-
bilidade agora resumiam o próprio progresso
ra e a Segunda Guerra Mundial, mais preci-
alcançado pela sociedade moderna. Para mui-
samente entre 1920 e 1939, e corresponderia
tos urbanistas, a partir de então, a velocidade
ao momento de consolidação das indústrias
seria um dos temas recorrentes em seus discur-
automobilísticas, sobretudo nos Estados Uni-
sos. Le Corbusier, por exemplo, sugeria que se
dos, e do desenvolvimento dos planos de re-
interditasse a circulação das viaturas a cavalo
modelação urbana encomendados pelos pode-
e de baixa velocidade nas vias principais; que
res públicos, onde aparecem em destaque as
se separasse as demais vias entre circulação rá-
questões relacionadas à circulação viária nas
pida e lenta; que se adotasse o sentido de mão
cidades. Nesse período, dar-se-ia igualmente a
única para determinadas vias; que se regulasse
vitória do automóvel e do ônibus sobre os trens
o estacionamento; e que se retirasse os bondes
e os bondes. O último período englobaria o fim
do centro de Paris. Num crescendo, ele chegaria
da Segunda Guerra até os dias de hoje, mos-
a afirmar que: “A cidade que dispõe da veloci-
trando que o automóvel particular é o meio de
dade dispõe do sucesso” (ibid., p. 180).
transporte urbano por excelência e um mal necessário para nossas cidades.
Pode-se dizer que nesses anos são
lançadas as bases do urbanismo moder-
Entre 1922 e 1925, é possível verificar
no que seguiriam quatro postulados bási-
como o tema do automóvel havia conseguido
cos, já anunciados em congresso realizado
adeptos, também em outras fontes de época.
em Estrasburgo no ano de 1923, o Congrés
De fato, nas manchetes dos jornais parisienses
International de l’Urbanisme et Higiène
do ano de 1923, separadas por Le Corbusier
e publicadas em seu livro Urbanismo, grande
parte é dedicada ao tema da circulação automobilística. Artigos de jornais, como “Aprendamos a circular”, “Os veículos no teto”, “O Urbanismo”, “Para evitar o congestionamento”,
“m cavalo para mil cavalos-vapor”, transcritas
justamente dentro do subcapítulo A Circulação,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
Municipale. Le Corbusier resumiria esses postulados em seu livro:
Descongestionar o centro das cidades para fazer frente às exigências do trânsito;
aumentar a densidade do centro das cidades para realizar o contato exigido dos
negócios; aumentar os meios de circulação, ou seja, modificar completamente
a concepção atual de rua, que se acha
415
Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva, Simone Cynamon Cohen
sem efeito ante o fenômeno novo dos
meios de transporte modernos: metrôs
ou carros, bondes, aviões; aumentar as
superfícies arborizadas, único meio de
assegurar a higiene suficiente e a calma
útil ao trabalho atento exigido pelo ritmo
novo dos negócios. (Ibid., p. 91)
Nosso estudo escolheu alguns anos
como os momentos chave do arco temporal
adotado, por entender serem eles marcos importantes para o desenvolvimento das questões propostas.
Seriam eles os anos de 1906-1907, 19261927, 1937-1939, 1945-1947 e 1954, que de-
Percebemos o quão problemático estão
nossas cidades hoje que enfrentam retenções
finem, assim, períodos de continuidade entre
momentos de ruptura.
quilométricas nos tráfegos urbanos e o quanto
O ano de 1906 marca o final da gestão
ficou distante esse ideal proposto por Corbu-
de Francisco Pereira Passos na prefeitura da
sier, há noventa anos. A velocidade de nossos
cidade do Rio de Janeiro. Sua administração e
automóveis está mais próxima da das mulas,
o decisivo conjunto de iniciativas do governo
animal tão execrado por Corbusier, por associá-
federal implementaram obras que dariam à
-lo à uma época pouco civilizada de nossas so-
capital do país diretrizes para a formação da
ciedades modernas.
infraestrutura urbana, sobretudo viária, a qual
ainda permanece até os dias de hoje. Nesse
mesmo ano, foi pensada pelo Barão do Rio
Antecedentes
do caso brasileiro
Branco a primeira viagem com o uso do automóvel entre o Rio e Petrópolis com o intuito de
hospedar autoridades em visita à capital brasileira por ocasião da exposição internacional
De forma semelhante, Benetti (1997) identi-
de 1908.
fica uma cronologia relacionada às avenidas
O ano de 1906 marca, assim, o início
brasileiras, separando os períodos de 1830
das questões em torno tanto da melhoria da
a 1906, de 1906 a 1926, de 1926 a 1940, de
circulação interna da cidade, a partir das pri-
1940 a 1969 e, finalmente, de 1969 a 1999.
meiras leis de tráfego urbano, quanto da aber-
Grosso modo, o primeiro momento, de acordo
tura de rodovias. Em 1907, o fato de a capital
com o próprio autor, estaria ligado às ques-
federal possuir 35 automóveis motivou a cria-
tões tratadas pelo higienismo em relação às
ção da instituição associada ao desenvolvi-
vias públicas; o segundo teria nas cidades de
mento do rodoviarismo brasileiro: o Automó-
Paris e Viena fontes de inspiração para a rea-
vel Club do Brasil. Ele seria o responsável pela
lização de planos urbanos; o terceiro estaria
organização dos primeiros congressos brasi-
associado às ideias e aos estudos da Société
leiros de estradas de rodagem, iniciados em
Française des Urbanistes ; o quarto, às reco-
1916, onde se discutiram, entre outras coisas,
mendações do Congresso Internacional de
a abertura de um caminho rodoviário para Pe-
Arquitetura Moderna (CIAM), aos estudos de
trópolis. Esse primeiro marco temporal nos re-
Le Corbusier e à construção de Brasília; e o úl-
vela, então, como essas questões apareceram
timo, ao contextualismo.
nos projetos dos urbanistas da época, inclusive
416
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
A origem do caos
nos de Pereira Passos. Esse engenheiro havia
do projeto de urbanização do Bairro Industrial
trabalhado na Comissão de Melhoramentos da
de Manguinhos; do Plano de Remodelação,
Cidade de Rio de Janeiro, em 1875, quando a
Extensão e Embelezamento para a cidade do
organização de um plano geral de alargamen-
Rio de Janeiro, a cargo de Agache; da criação
to e retificação de vias com fins higienistas ca-
do Club dos Bandeirantes – clube ligado às
minhava ao lado das propostas de embeleza-
questões de integração do território nacional,
mento da cidade. Essas questões, sem dúvida,
inclusive fazendo uso das rodovias; da criação
seriam retomadas nas obras por ele realizadas
da Diretoria de Estradas de Rodagem de São
entre 1903 e 1906, revelando esse compromis-
Paulo, primeiro órgão rodoviário brasileiro; e
so higienista.
da criação, pelo governo federal, da Comissão
De 1925 a 1940 é o período em que o
automóvel se revela o meio de transporte urba-
de Estradas de Rodagem Federal, cujo primeiro
trabalho foi justamente abrir a Rio-Petrópolis.
no por excelência para os norte-americanos, ao
Em 1937, tem início o Estado Novo,
mesmo tempo que as avenidas se desenvolvem
com Getúlio Vargas, que havia sido ministro
para se tornarem as primeiras autoestradas ur-
de Washington Luís. Vargas vai continuar, e
banas modernas. Coincide, assim, com a época
mesmo incrementar, os projetos rodoviaristas
das importantes vias de penetração nos cen-
iniciados por seu antecessor. Ainda em 1937,
tros das cidades, justamente o período em que
inicia-se igualmente a gestão de Henrique
se estudam, no Brasil, as novas Rio-Petrópolis
Dodsworth na prefeitura do Rio de Janeiro. Tal
e Rio-São Paulo. Até 1940, tem-se o sucesso
ano marca, ainda, o ano da criação do DNER,
das autoestradas americanas, desencadeando
órgão responsável direto pelo controle e de-
projetos específicos para essa nova rede viária
senvolvimento das obras de aberturas de es-
e os parkways, que no Rio de Janeiro daria ori-
tradas brasileiras, e, no ano de 1939, as obras
gem às vias do Parque do Flamengo e à do Rio
da variante Rio-Petrópolis, futura avenida Bra-
Faria-Timbó (não construída).
sil, têm início.
Em 1926, se inicia o governo de
Em 1945, ocorre o fim do Estado Novo
Washington Luís na presidência da República,
e o início do período da redemocratização bra-
último governo da chamada República Velha.
sileira. Nesse ano, o DNER tem sua estrutura
Sua presidência coroaria uma sólida carreira
interna reorganizada pelo Decreto-lei n. 8.463,
política baseada no rodoviarismo, iniciada
dando origem ao Fundo Rodoviário Nacional.
ainda em 1908, como secretário de Justiça e
Em 1947, tem-se a inauguração do último tre-
Segurança Pública do Estado de São Paulo.
cho da já denominada Avenida Brasil, no go-
Washington Luís desenvolveria sua ascensão
verno de Eurico Gaspar Dutra, justamente o
política assumindo mandatos sucessivos de de-
correspondente à região de Manguinhos. Três
putado estadual, prefeito e governador de São
anos depois, o mesmo Dutra inicia as obras de
Paulo, ao mesmo tempo que participava da di-
sua duplicação. O ano de 1954 é marcado pelo
retoria do Automóvel Club do Brasil. Os anos de
suicídio de Getúlio Vargas e representa o início
1926 e 1927 marcam o início dos projetos e das
de um período conturbado, onde em menos de
obras da Rio-Petrópolis, inaugurada em 1928;
um ano e três meses, três presidentes assumem
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
417
Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva, Simone Cynamon Cohen
a República brasileira, até a eleição que dá pos-
considera os períodos anteriores como intro-
se a Juscelino Kubitschek, cujo governo está
dutórios desse processo. Ele baseia suas aná-
associado à consolidação das ações rodovia-
lises em dados estatísticos, incluindo os inves-
ristas e à montagem do parque automobilístico
timentos em redes de infraestrutura urbana,
brasileiro, com a Ford e a Volkswagen, que, em
realizados no período que vai de 1938 a 1998.
1953, já haviam inaugurado fábricas em terri-
O privilégio da rede viária, no seu entender,
tório brasileiro.
dava-se por ser mais visível à população, cor-
Todos esses eventos convergentes fazem
respondendo melhor aos interesses políticos.
desses anos um momento de acirramento dos
Tais investimentos ocasionaram uma
debates sobre a forma e a expansão da cidade,
predominância do meio de transporte sobre
ocorridos par e passo com o desenvolvimento
rodas em relação aos demais. Segundo o IPEA
do rodoviarismo, culminando em uma nova
(2011), nas grandes cidades os meios de trans-
representação de cidade associada ao auto-
portes mais utilizados são o ônibus (44%), o
móvel, sem perceber o quanto essa associação
carro (23,8%), a moto (12,6%) ou mesmo a
poderia, um dia, ser tão prejudicial à saúde hu-
pé (12,3%). Os resultados são apresentados
mana e ambiental.
como média nacional e é feita a divisão entre
as cinco regiões, detalhados na Tabela 1.
Ao aprofundar a análise por região, percebe-se que na região Nordeste, por exemplo,
A mobilidade urbana:
a situação atual
o uso de motos equivale a 19,4%, e o transporte a pé a 18,8%. Apenas 13% usam o carro
para locomoção na cidade. No Centro-Oeste, o
Da década de 1950 em diante, há uma for-
uso de carro é o maior das cinco regiões, com
te predominância do transporte sobre rodas
36,5% da população utilizando esse meio de
(automóveis e ônibus) e um lento desman-
transporte e apenas 6,5%, utilizando moto.
telamento da malha ferroviária. Kleiman
Também são apresentados dados cruzando o
(1994) reconhece o grande investimento em
tipo de transporte e o nível de escolaridade,
redes viárias, feito a partir dos anos 1950, e
conforme mostrado no Tabela 2.
Tabela 1 – Meio de transporte por região (%)
Brasil
Sul
Sudeste
Centro-Oeste
Nordeste
Norte
Transporte público (ônibus)
44,3
46,3
50,7
39,6
37,5
40,3
Carro
23,8
31,7
25,6
36,5
13,0
17,6
Moto
12,6
12,4
11,6
6,5
19,4
8,2
A pé
12,3
7,6
8,3
13,7
18,8
16,1
Bicicleta
7,0
2,0
3,8
3,7
11,3
17,9
Fonte: Ipea-Sips (2011).
418
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
A origem do caos
Tabela 2 – Tipo de transporte e nível de escolaridade (%)
Até 4ª série
do 1º grau
Transporte
5ª a 8ª série
do 1º grau
2º grau completo
ou incompleto
Superior incompleto,
completo e pósgraduação
Bicicleta
9,1
9,3
5,8
0,5
A pé
6,7
14,3
16,4
11,8
Moto
20,7
10,9
8,9
5,9
Carro
13,6
18,6
25,9
52,4
Transporte público
49,9
46,9
43,0
29,4
Fonte: Ipea-Sips (2011).
Pela Tabela 2 pode-se observar que 52,4%
da população com nível superior completo ou
público (entre 43% e 49,9%), enquanto que
apenas 13,6% utilizam o automóvel.
incompleto e com pós-graduação utilizam car-
Outro fator levantado na pesquisa do
ro e 29,4% utilizam o transporte público. Para
Ipea, e que nos interessa analisar é em relação
as pessoas com escolaridade a partir da 4ª sé-
à integração utilizada pelo cidadão no dia a
rie até o segundo grau, o uso majoritário é o
dia (Tabela 3).
Tabela 3 – Tipo de integração utilizada no dia-a-dia (%)
Brasil
Sul
Sudeste
Centro-Oeste
Nordeste
Norte
Não existe em minha cidade
26,3
33,7
19,0
21,3
23,3
55,6
Não usa, apesar de existir
27,5
14,7
37,0
17,3
24,5
22,0
Ônibus-ônibus
33,2
42,6
25,2
32,3
49,8
21,1
Ônibus-metrô
4,9
4,2
9,2
0,8
0,8
0,8
Ônibus-trem
1,1
0,5
2,4
0,0
0,0
0,0
Trem-metrô
0,9
0,0
1,9
0,8
0,0
0,0
Outro tipo
0,8
0,0
1,3
2,4
0,0
0,0
Não sabem
0,7
0,0
0,9
2,4
0,4
0,0
Não responderam
4,5
4,2
3,0
22,8
1,2
0,0
Fonte: Sips (2010).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
419
Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva, Simone Cynamon Cohen
Na Tabela 3 foi observado que 55% dos
metrô, com quase 10% dos casos. A integração
entrevistados da região Norte alegaram que
entre ônibus e trem é quase inexistente em to-
não há integração na cidade que residem. Na
das as regiões, como podemos observar, o que
região Sudeste, 37% dos entrevistados revelou
confirma a preferência pelo transporte sobre
não usar o serviço de integração, mesmo com
rodas e com motor a combustão, mais poluente.
sua existência. A região Sul aparece com o me-
O motivo do deslocamento também foi
nor percentual, 14,7%. Entre os tipos de inte-
pesquisado, conforme a Tabela 4, confirman-
gração mais utilizados, o primeiro é o ônibus-
do que o maior motivo de deslocamento para
-ônibus, com uma média nacional de 33,2%, e
72,2% das pessoas com ensino superior in-
com as regiões Nordeste e Sul como as que mais
completo, completo ou pós-graduação ainda é
utilizam – 49,8% e 42,6%, respectivamente.
o trabalho.
A região Sudeste é a que mais utiliza o ônibus
As características de um bom transporte
juntamente com outro tipo de integração, o
estão detalhadas na Tabela 5.
Tabela 4 – Razão para a maioria dos deslocamentos
dentro de sua cidade segundo a escolaridade (%)
Escolaridade/Motivo
Trabalho
Educação
Saúde
Lazer
NS/NR
Até 4ª série do primeiro Grau
51.1
1.7
23.3
20.0
4.0
de 5ª a 8ª série do primeiro Grau
67.0
2.3
8.2
17.6
4.9
Segundo Grau completo
ou incompleto
69.3
6.2
4.1
17.3
3.1
Ensino superior incompleto
ou completo ou pós-graduação
72.2
10.7
2.9
10.4
3.7
Fonte: Ipea-Sips (2011).
420
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
A origem do caos
Tabela 5 – Quais as características para um bom transporte
Motivos
Brasil
Sul
Sudeste
Centro-Oeste
Nordeste
Norte
Ter disponível mais de uma
forma de se deslocar
13.5
18.3
18.1
7.2
10.2
5.8
Ser rápido
35.1
31.2
36.9
36.8
38.5
25.5
Sair num horário adequado
à sua necessidade
9.3
11.5
8.0
7.2
10.8
9.4
Chegar no horário desejado
a seu destino
4.8
5.6
5.3
2.8
5.5
2.7
Ser saudável
1.3
0.5
0.9
1.3
2.1
1.8
Poluir pouco
2.3
0.7
2.1
1.3
3.6
3.3
Ser barato
9.9
8.5
8.6
13.4
10.7
11.2
Ser confortável
9.7
7.8
7.6
10.6
10.5
16.4
Ter menor risco de assalto
2.3
1.5
1.3
2.5
1.9
7.0
Ser fácil de usar
1.2
1.5
0.7
0.9
1.5
2.4
Ter menor risco de acidente
4.2
4.4
4.2
5.3
2.7
6.4
Cobrir uma área maior
2.6
3.9
1.1
5.9
1.0
5.2
Ser cômodo
1.4
2.0
2.1
1.6
0.3
0.9
Outra característica
1.4
1.7
2.0
0.3
0.7
1.2
NS
0.4
0.2
0.7
0.9
0.0
0.0
NR
0.7
0.7
0.5
2.2
0.0
0.0
Fonte: Ipea-Sips (2011).
O anseio pela rapidez dos transportes li-
de se deslocar com outros meios, evidenciando,
dera em nível nacional e em todas as grandes
talvez, que o sistema rodoviário apresenta sinais
regiões, com uma média de 30%. Afinal, a máxi-
de esgotamento. Outros relevantes são: o preço,
ma preconizada por Corbusier em 1925, “a cida-
por ser mais barato; a comodidade para quem o
de que dispõe da velocidade dispõe do sucesso”
utiliza; a disponibilidade em horário adequado à
(Le Corbusier, 2000, p. 167) ainda é o que se bus-
saída. Poucos entrevistados se preocupam com
ca nas grandes cidades. Em segundo lugar, de
a questão da saúde. Mas, a segurança apareceu
acordo com a tabela acima, vem a possibilidade
como item importante na Tabela 6.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
421
Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva, Simone Cynamon Cohen
Tabela 6 – Sensação de segurança no meio de transporte mais utilizado
Brasil
Sul
Sudeste
Sim, sempre
40.0
44.9
40.0
Na maioria das vezes
26.9
43.2
Raramente
13.6
Não, nunca
Centro-Oeste
Nordeste
Norte
43.9
36.3
37.3
26.8
24.0
23.1
17.6
4.6
13.8
18.1
12.4
22.4
19.0
6.8
19.1
12.5
28.0
22.1
NS
0.1
0.0
0.2
0.6
0.0
0.0
NR
0.4
0.5
0.2
0.9
0.2
0.6
Fonte: Ipea-Sips (2011).
Pelo que foi visto nas tabelas acima, segundo o estudo realizado pelo IPEA, por meio
do Sistema de Indicadores de Percepção Social,
A mobilidade
e a saúde urbana
para a identificação da percepção da população sobre mobilidade urbana, mostra-se a he-
Por décadas, os padrões do higienismo na
terogeneidade física-geográfica, socioeconômi-
produção e promoção de ambientes urbanos
ca e cultural, presentes nas regiões brasileiras.
salubres são refletidos e debatidos. No campo
Existem problemas relacionados à infraestrutu-
da saúde coletiva são debatidos os significa-
ra urbana e qualidade dos transportes públicos.
dos das políticas públicas na área da saúde,
As diferenças mais significativas são apontadas
focando no indivíduo, mas também abarcando
quando há o cruzamento de dados sobre trans-
a complexa rede externa e interna que influen-
portes e níveis de renda e escolaridade. Por fim,
cia o estado de saúde. Esse debate ocorre nos
a integração de transporte público mais utiliza-
eixos da “Promoção da Saúde”, da “Qualida-
da é o ônibus/ônibus.
de de Vida” e dos “Determinantes Sociais da
Portanto, há necessidade do governo em
Saúde”, como também por meio das noções
promover novas modalidades de transporte, em
de sustentabilidade e de vulnerabilidade. A
substituição aos automóveis e ônibus, para que
partir desse contexto, discute-se a problemáti-
possa diminuir o fluxo de veículos e a emissão
ca do urbano, tendo em vista a construção de
de gases poluentes na atmosfera, beneficiando
cidades como espaços mais saudáveis (Buss e
a saúde pública.
Pellegrini, 2007).
422
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
A origem do caos
Ressalta-se na investigação das políticas
Seguindo essa visão, o conceito de saú-
públicas na área da saúde urbana a infraestru-
de urbana pode ser sistematizado em três
tura urbana e seus serviços como indutores da
pontos: (a) a urbanização, que é esperado pro-
saúde da população. Considera-se ainda o esti-
duzir somente efeitos benéficos – conhecidos
lo de vida, o trabalho e a renda, o lazer, a habi-
como “vantagens urbanas” – pode acarretar
tação, a alimentação e nutrição, a participação
danos sociais, econômicos e ambientais de
e mobilização da população, o transporte, den-
grande impacto, difíceis de mensurar; (b) os
tre outros, como importantes vetores de saúde
atributos físicos e sociais (contexto) da cidade
e/ou da qualidade de vida.
e seus bairros e/ou vizinhanças podem afetar
Segundo a Opas (2007), a articulação
a saúde dos indivíduos; (c) a ocorrência dos
saúde-cidade envolve o aprofundamento de
eventos relacionados à saúde, associadas a
conceitos como urbano, urbanidade, urbaniza-
atributos dos indivíduos no “lugar urbano”,
ção, que são capazes de moldar os níveis de
assim como o somatório das propriedades
saúde da população e auxiliam na interpreta-
do agregrado desses indivíduos, indo além de
ção de especificidades analíticas e práticas da
seus atributos individuais.
saúde urbana. Como também, numa perspec-
A Opas (2007) destaca que a urbanidade
tiva geográfica, a definição do território, o mo-
faz nascer agravamentos devido às doenças a
do de ocupação e mobilidade urbana prescre-
ela relacionadas, como a poluição do ar, causa-
ve a dinâmica social. Assim, a urbanidade é a
da por veículos automotores e pelas indústrias,
qualidade de ser urbano. E, a urbanização é a
que resultam em altas taxas de internação hos-
transformação do espaço quanto ao tamanho,
pitalar de pacientes acometidos com doenças
densidade e heterogeneidade das cidades.
respiratórias. Para tanto, define para fins meto-
O urbano é um fenômeno social com-
dológicos e de intervenção, a saúde urbana en-
plexo que produz particularidades no modo de
tendida como o ramo da saúde pública que es-
viver e de pensar (Wirth, 1987, p. 92). E, para
tuda os fatores de riscos das cidades, seus efei-
o aprofundamento do entendimento sobre sua
tos sobre a saúde e as relações sociais urbanas.
morfologia, torna-se imprescindível a visão das
As cidades passam a ser entendidas como me-
multidimensões que o forma, sobretudo, a aná-
tabolismos complexos com redes e conexões
lise das relações sociais que se dão e que impli-
que se estendem globalmente, com relevantes
cam em demandas específicas.
implicações na saúde, como as decorrentes da
Caiaffa et al. (2008), em uma visão longi-
poluição do ar e sonora; de acidentes de trân-
tudinal, interpretam o fenômeno da urbaniza-
sito; da segurança pública; da crise da mobili-
ção como um complexo, onde a cidade cresce
dade e consequente desagregação social; da
(ou diminui), modifica e influencia a saúde da
perda de identidade cultural, dentre outras.
população. A urbanidade, em visão transversal,
A saúde urbana, como fator instrumen-
é, para esses autores, a imagem qualitativa da
tal do desenvolvimento humano sustentável,
urbanização que pode ser definida como o im-
busca intervir no espaço das políticas e práticas
pacto desse processo para a população que vi-
públicas de forma integradora, com o intuito de
ve nas cidades em determinado momento.
alcançar medidas que possibilitem a todos os
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
423
Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva, Simone Cynamon Cohen
cidadãos desenvolver em sua plenitude, suas
responsável pela emissão de gases do efeito es-
capacidades, crenças e desejos (Opas, 2007).
tufa – GEE. Segundo o Inventário e Cenário de
Emissões dos Gases do Efeito Estufa na Cidade
do Rio de Janeiro, produzido pelo Centro Clima/
A ameça à saúde
e à saúde ambiental
Coppe/UFRJ (Centro Clima, 2011), o setor de
transportes de modo geral foi responsável por
66% das emissões desses gases na cidade do
Rio de Janeiro, no ano de 2010. E, dentro desse
O consumo de combustíveis fósseis é hoje cer-
setor, os transportes rodoviários foram respon-
ca de 30 vezes maior do que em 1900, uma
sáveis por cerca de 80% dessas emissões.
vez que grande parte desse aumento se deu a
Segundo Cançado et al. (2006), os efei-
partir de 1950, com o incremento do processo
tos agudos da poluição do ar sobre doenças
de urbanização (Brandão, 2001). E hoje, cer-
respiratórias afetam principalmente crianças
ca de meio século após a implementação das
e idosos. E a exposição crônica ao material
ações rodoviaristas consolidadas por Juscelino
particulado fino, emitidos por combustíveis
Kubitschek, a questão da mobilidade urbana,
fósseis, sobretudo aqueles que contêm chum-
nos grandes centros urbanos do país, adotou ru-
bo, aumenta o risco de doenças cardíacas e
mos não previstos naquela ocasião. A abertura
respiratórias, podendo evoluir, inclusive, para
de novas vias, considerada então uma solução
o câncer de pulmão. O aumento da poluição
desenvolvimentista, contribuiu diretamente pa-
do ar em grandes centros urbanos tem sido
ra o crescimento da frota veicular e demonstra
associado ainda a todos os fatores de risco
hoje não só não ter garantido conforto para a
para doenças cardiovasculares, tais como a
população, como também ter contribuído para
arritmia cardíaca, vasoconstrição e aumento
a origem do caos atual, que é o trânsito de veí-
da pressão arterial, isquemias do miocárdio e
culos automotores nas grandes cidades do país.
cerebral, progressão da arteriosclerose, entre
A emissão de gases tóxicos por veículos
outros (Cançado et al., 2006).
automotores contribui para a deteriorização da
Em estudo realizado na Europa (Cançado
qualidade do ar nos centros urbanos e produz
et al., 2006), foram encontradas também evi-
efeitos adversos na saúde de seus habitantes.
dências de associação entre mortalidade por
Gases como o monóxido e o dióxido de carbo-
doenças respiratórias e cardiovasculares com
no, óxidos de nitrogênio e de enxofre, hidrocar-
a aproximação do local da moradia à vias de
bonetos, assim como os materiais particulados
grande fluxo de veículos. Tal evidência, se apli-
emitidos pelos combustíveis fósseis, estão as-
cada à cidade do Rio de Janeiro, pode demons-
sociados a milhões de casos de doenças respi-
trar associação indireta ao poder aquisitivo
ratórias nas grandes cidades e são responsá-
da população. Quanto maior a pobreza, mais
veis por milhares de mortes prematuras a cada
próxima a residência estará das vias de grande
ano (World Bank, 2000).
fluxo de veículos, tais como a Avenida Bra-
O setor de transportes rodoviários, além
sil e as Linhas Vermelha e Amarela. E, quanto
dos danos à saúde da população, também é
mais próximas estiverem as residências de vias
424
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
A origem do caos
Figura 1 – Emissões de GEE do setor de Energia por subsetor (Gg CO2eq)
Fonte: Centro Clima/Coppe/UFRJ.
como essas, maior será o risco de indivíduos
Banco Mundial para a gestão da qualidade do
desse segmento da população morrerem por
ar em centros urbanos, a exposição ao chum-
essas doenças.
bo contribui para problemas de comportamen-
O chumbo é também um contaminante
to e dificuldade de aprendizado em crianças
que traz prejuízos à saúde dos habitantes de
urbanas (World Bank, 2000). A absorção de
centros urbanos poluídos. A presença de chum-
chumbo pelo organismo humano depende de
bo, apesar de ter sido reduzida na gasolina nos
fatores como a rota de exposição (inalação ou
últimos anos, ainda persiste em alguns com-
ingestão), forma química, tamanho da partícula
bustíveis. Segundo documento produzido pelo
e solubilidade dos compostos desse metal
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
425
Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva, Simone Cynamon Cohen
(Moreira e Moreira, 2004). E, caso a rota de
do ar inferiores aos da Zona Sul, não só pela
exposição seja por inalação de gases de exaus-
menor influência da brisa marinha, como tam-
tão de motores, a absorção pode ser superior
bém porque essas áreas se encontram quase
a 50%, principalmente em indivíduos fumantes
totalmente edificadas, assim há menor possi-
ou que sofram de doenças das vias respirató-
bilidade de dispersão e uma tendência à maior
rias superiores.
concentração de poluentes nessas áreas.
Segundo Moreira e Moreira (2004), a
Segundo Brandão (2001), o intenso pro-
presença de chumbo no organismo atinge os
cesso de urbanização influencia diretamen-
ossos, sangue, rins, medula óssea, fígado e cé-
te para a concentração de calor nos grandes
rebro, mas os efeitos biológicos adversos são
centros urbanos, conhecida como as “ilhas de
observados principalmente no sistema nervoso,
calor”. Isso faz as áreas urbanas alcançarem
quando são considerados efeitos tóxicos críti-
temperaturas mais altas do que seus arredores.
cos. Ainda segundo esses autores, os fatores
O aumento da temperatura agrava a poluição
nutricionais contribuem para o grau de absor-
do ar e gera zonas de baixa pressão, que con-
ção desse metal pelo organismo. A alimentação
tribuem para o aumento de chuvas nas áreas
precária e a deficiência de nutrientes, como
urbanas. E a ocorrência de chuvas nessas áreas,
cálcio, ferro, fósforo e proteínas, aumentam a
por sua vez, contribui para agravar os engarra-
absorção de chumbo pelo organismo. Portanto,
famentos, que aumentam a emissão e a con-
mais uma vez é possível observar que as ca-
centração de poluentes, formando, assim, uma
madas mais pobres da população são as mais
sequência de problemas interligados.
atingidas também por essa contaminação.
Fatores climáticos, como temperatura e
umidade, também podem influenciar na qualidade do ar de uma cidade. No caso da cidade
do Rio de Janeiro, a própria configuração fisiográfica, formada pelo relevo montanhoso e as
Efeitos adversos na saúde
causados pelo ruído
e a vibração
baixadas, associados à presença da floresta e
a proximidade com o mar constituem uma si-
Outros efeitos associados ao fluxo intenso de
tuação climática singular (Brandão, 2001). Tais
veículos em áreas urbanas são o ruído e a vi-
elementos influenciam o sistema de ventos que
bração. Tais efeitos atingem a saúde da popula-
varre a cidade. Contudo, o crescimento urbano
ção, causando prejuízos à sua qualidade de vi-
e a distribuição de edificações alteram signifi-
da. O ruído causado pelo tráfego urbano pode
cativamente a direção e a intensidade desses
ocasionar problemas cardiovasculares, hormo-
ventos. Desse modo, é possível observar áreas
nais e estresse (Maciel et al., 2009). Segundo
com características climáticas diferentes no
Pimentel-Souza (1993), o ruído de até 50dB po-
município do Rio de Janeiro. Segundo Serra e
de incomodar, mas é passível de adaptação. A
Ratisbona (in Brandão, 2001), as condições cli-
partir de 55dB pode causar estresse e descon-
máticas de áreas como a Zona Norte da cidade
forto, mas a partir de 65dB começam a ocor-
do Rio de Janeiro indicam níveis de umidade
rer desequilíbrios bioquímicos no organismo,
426
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
A origem do caos
aumentando o risco de infarte, derrame cere-
é potencialmente mais perigosa do que a de
bral, osteosporose, infecções, entre outros. E
altas frequências (Sebastião et al., 2007). E os
Magrini (1995) alerta: a partir de 85dB podem
efeitos fisiológicos diretos dessa exposição são
ocorrer danos ao aparelho auditivo humano. A
náuseas, fadiga e tonteiras; enquanto os efei-
Organização Mundial de Saúde recomenda o
tos indiretos são dificuldade para dormir, dor
limite de 70dB para os ruídos das metrópoles,
de cabeça, mal-estar, perda de apetite e irrita-
caso contrário serão escassas as possibilidades
bilidade (Barceló, 2003).
de um morador de uma grande cidade atingir
a terceira idade com a sua audição preservada
(Magrini, 1995).
Os efeitos do ruído na saúde humana
Considerações finais
podem ser bem mais graves quando a exposição ocorre durante o sono. O ruído compro-
Diante de um dos problemas mais discutidos
mete a qualidade do sono, o que prejudica
atualmente sobre as cidades, e mesmo opon-
a recuperação física e mental do corpo, cau-
do-se às premissas e diretrizes das políticas
sando o aumento da pressão sanguínea e da
nacionais para o desenvolvimento urbano, tor-
atividade cardíaca, bem como dificuldade de
na-se fundamental a discussão da mobilidade
concentração e alterações respiratórias (Ma-
urbana para reverter o caos que se tornou o
ciel et al., 2009). Segundo Pimentel-Souza
espaço urbano e as suas consequências sobre
(1993), os déficits de sono são cumulativos,
a saúde da população.
causando o envelhecimento precoce e danos
Para embasar a seleção de medidas, é
fisiológico, psicológico e intelectual. Os da-
necessário serem seguidos os princípios de
nos à qualidade do sono, causados pelo ruído
mobilidade urbana sustentável, indicados por
podem não ser percebidos imediatamente,
referências federais – como o Caderno de Refe-
sendo notados somente quando a saúde do
rência para Elaboração de Plano de Mobilidade
indivíduo já está comprometida (Pimentel-
Urbana (PlanMob), o Estatuto da Mobilidade,
-Souza, 1993).
a Política Nacional de Mobilidade Urbana Sus-
Portanto, toda a população moradora
tentável – e parâmetros acadêmicos – como os
de grandes centros urbanos terá a sua saúde
Indicadores de Mobilidade Urbana Sustentável
atingida pela poluição sonora causada pelo
e condicionantes de Nível de Serviço de modos
tráfego urbano, sobretudo os moradores de
não motorizados.
vias de grande fluxo de veículos. E, esses terão
Sendo assim, há a necessidade de rever
ainda outros problemas, ocasionados pelas vi-
as prioridades das cidades: incentivar cami-
brações provocadas pelo tráfego pesado sobre
nhadas; diminuir a largura de cruzamentos
as edificações, causando efeitos fisiológicos
para dar maior segurança aos pedestres; criar
diretos ou indiretos em seus moradores. Quan-
maior número de atividades de lazer em es-
to maior for o porte da edificação, menor será
paços públicos; desenhar maior número de
a frequência em que ela irá vibrar. Contudo,
ciclofaixas e ciclovias; uso de corredores de
a exposição a vibrações de baixa frequência
grande capacidade com linhas exclusivas para
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
427
Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva, Simone Cynamon Cohen
transporte público; controlar o uso de veículos
atualidade, sobre a má conservação das nos-
privados e incentivo ao compartilhamento dos
sas rodovias e o quanto o Estado tem sido es-
automóveis; limitar estacionamentos; incenti-
pecialmente negligente sobre o assunto, quan-
var o uso de veículos de entrega mais limpos,
do este foi responsável pela bem-sucedida
silenciosos, menores e com baixa velocidade;
carreira de alguns políticos, especialmente
uso misto do solo urbano (residencial, comer-
Washington Luís e Getúlio Vargas.
cial e de trabalho) com maior densidade e
O uso excessivo de automóveis em detri-
compactação; descobrir o ambiente natural e
mento a outros meios de transporte nas gran-
as tradições étnicas; criar redes densas de ruas
des cidades tem se mostrado insustentável e
e passagem para pedestres e bicicletas e pro-
ineficaz, visto que representam a maior fonte
jetar ruas e espaços públicos com maior qua-
de emissão de gases do efeito estufa em áreas
lidade construtiva, tendo maior preocupação
urbanas e, sobretudo, não resolvem a questão
com sua gerência e conservação.
da mobilidade nessas áreas. O incentivo ao
As discussões sobre o tema viário ti-
uso de meios de transportes menos poluentes
veram início numa época em que a abertura
e com maior capacidade de passageiros deve-
de avenidas e autoestradas aconteceu antes
rá ser a prioridade das administrações públicas
mesmo da presença irremediável do auto-
nos próximos anos, principalmente na cidade
móvel, mostrando o quanto os técnicos que
do Rio de Janeiro que irá sediar a Copa, em
estudavam a cidade estavam à frente de seu
2014, e as Olimpíadas em 2016.
tempo, fossem eles sanitaristas, engenheiros,
Nosso estudo espera, dentro da linha
arquitetos ou urbanistas. Procuramos colocar
da recente história urbana carioca e brasilei-
em discussão o quanto a modernização das
ra, contribuir para que se compreenda como o
cidades não tardaria a torná-las reféns dos au-
planejamento urbano – ou a falta dele – levou
tomóveis, aí incluindo caminhões e carros de
a fazer dos eixos rodoviários um dos emble-
passeio. Aprendemos que, na verdade, acredi-
mas da vida moderna e o quão influentes eles
tava-se na grande salvação das cidades pelo
podem ser para a qualidade de vida e a saúde
veículo automotor. Muito se fala, também, na
nas cidades.
428
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
A origem do caos
Renato Gama-Rosa Costa
Arquiteto e urbanista. Doutor em Urbanismo, tecnologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz
e professor da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio/Fiocruz. Rio de Janeiro/RJ, Brasil.
[email protected]
Claudia G. Thaumaturgo da Silva
Arquiteta e urbanista. Mestre em Saúde Pública, tecnologista/pesquisadora e professora da Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro/RJ, Brasil.
[email protected]
Simone Cynamon Cohen
Arquiteta e urbanista. Doutora em Ciências da Saúde, pesquisadora titular da Fundação Oswaldo
Cruz da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. Rio de Janeiro/RJ, Brasil.
[email protected]
Referências
BARCELÓ, C. (2003). “Fatores sicos de risco à saúde na habitação e seu entorno”. Curso realizado
na Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz em parceria com o Cepis/OPS-OMS (Centro Pan-Americano de Engenharia Sanitária e Ciências do Ambiente) em abril de 2003. Documentos
técnicos disponíveis em: h p://www.cepis.ops-oms.org, na área Salud en la vivienda. Acesso
em: 5/4/2012.
BARLES, S. e GUILLERME, A. (2003). Traffic conges on: Problems and solu ons in Paris, 1830-1939. In:
T2M CONFERENCE. Anais. Eindhoven, Holanda.
BENETTI, P. (1997). Projetos de avenidas no Rio de Janeiro (1880-1995). Tese de doutorado. São Paulo,
Universidade de São Paulo.
BRANDÃO, A. M. P. M. (2001). “Clima Urbano e Enchentes na Cidade do Rio de Janeiro”. In: GUERRA,
A. J. T. e CUNHA, S. B. (orgs.). Impactos Ambientais Urbanos no Brasil. Rio de Janeiro, Bertrand
Brasil, pp. 47-109.
BUSS, P. M. e PELLEGRINI FILHO, A. (2007). A saúde e seus determinantes sociais. Physis. Rio de Janeiro,
v. 17, n. 1, pp. 77-93.
CAIAFFA, W. T. et al. (2008). Saúde urbana: "a cidade é uma estranha senhora, que hoje sorri e amanhã
te devora". Cien. Saude Col. Rio de Janeiro, v. 13, n. 6.
CANÇADO, J. E. D; BRAGA, A.; PEREIRA, L. A. A.; ARBEX, M. A.; SALDIVA, P. H. N. e SANTOS, U. P. (2006).
Repercussões Clínicas da Exposição à Poluição Atmosférica. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v.
32, suppl. 2., pp. 5-11, São Paulo.
CENTRO CLIMA (2011). Inventário e cenário de emissões dos gases de efeito estufa da cidade do Rio
de Janeiro. Centro Clima/Coppe/UFRJ. Disponível em: www.centroclima.org.br. Acesso em:
24/4/2012.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
429
Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva, Simone Cynamon Cohen
COSTA, R. G.-R. (2006). Entre “Avenida” e “Rodovia”: a história da Avenida Brasil. (1906-1954). Tese de
doutorado. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
DINHOBL, G. (2003). Cultural narra ves. A History of transport history. In: T2M CONFERENCE. Anais.
Eindhoven, Holanda.
DUPUY, G. (1991). L'Urbanisme des réseaux. Théories et méthodes. Paris, Armand Colin.
ENCYCLOPEDIE D'HYGIENE ET DE MEDICINE PUBLIQUE (1897). Livre III – Hygène Urbaine. Chapitre
II – La Voie Publique. Paris.
FLONNEAU, M. (2003a). Facing the explosion of mobility in the parisian area – the socalled “exclusive
car-oriented policy” in Paris 1960-1970. In: T2M CONFERENCE. Anais. Eindhoven, Holanda.
______ (2003b). L’ac on op miste et raisonnée du District de la région parisienne: l’exemple des “dix
glorieuses de l’urbanisme automobile”. 1963-1973. In: T2M CONFERENCE. Anais. Eindhoven,
Holanda. .
HALL, S. (org.) (1997). Representation. Cultural representation and cultural signifying practices.
London/Thousand Oaks/New Delhi, Sage/Open University.
HÉNARD, E. (1982). Études sur les Transforma ons de Paris. 1909. Paris, L'Equerre. Edição fac-simile.
IPEA (2011). SIPS – Sistema de Indicadores de Percepção Social – Mobilidade Urbana. Brasília, IPEA.
KLEIMMAN, M. (1994). De Getúlio a Lacerda: um “rio de obras” transforma a cidade do Rio de Janeiro.
As obras públicas de infra-estrutura urbana na construção do “Novo Rio” no período de 19381965. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
LE CORBUSIER (2000). Urbanismo. 1925. São Paulo, Mar ns Fontes.
MACIEL, B. A.; RIBEIRO, R. J. C.; BIAS, E. S.; GARAVELLI, S. L. e CAVALCANTI, M. M. (2009). Modelagem
do Ruído Urbano como Instrumento de Gestão Ambiental. In: XIV SIMPÓSIO BRASILEIRO DE
SENSORIAMENTO REMOTO. Anais. Natal-RN, de 25 a 30 de abril.
MACSHANE, C. (1984). De la rue à l'autoroute. 1900-1940. Les Annales de la Recherche Urbaine, Paris,
n. 23-24, pp. 17-18.
MAGRINI, R. J. (1995). Poluição sonora e Lei do Silêncio. Revista Jurídica, n. 216, p. 20.
MOREIRA, J. C. e MOREIRA, F. R. (2004). A importância da especiação do chumbo em plasma para a
avaliação dos riscos à saúde. Revista Química Nova, v. 27, n. 2, pp. 251-260.
ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (2007). Primer Foro Regional de Salud Urbana. Caminando
hacia um marco conceptual de salud urbana y agenda para la acción en las Américas. La inicia va
de la OPS: Foro de Salud Pública de las Américas. Ciudad de México: 27-29 de noviembre.
PIMENTEL-SOUZA, F. (1992). Efeitos da poluição sonora no sono e na saúde em geral – Ênfase urbana.
Revista Brasileira de Acús ca e Vibrações, v. 10. 1993, pp. 1-5.
______ (1993). Os riscos ao sono: uma avaliação dos efeitos da poluição sonora urbana no trabalho e
na saúde. Revista Proteção, v. 5, n. 23, pp. 32-38.
SEBASTIÃO A. B., MARZIALE, M. H. P. e ROBAZZI, M. L. C. C. (2007). Uma revisão sobre efeitos adversos
ocasionados na saúde de trabalhadores expostos à vibração. Revista Baiana de Saúde Pública, v. 31,
n. 1, pp. 178-186.
430
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
A origem do caos
SORIA y MATA, A. (1882/1913). La Cité Lineaire: nouvelle archicteure de villes. Madrid, Imprenta de la
ciudad lineal.
WIRTH, L. (1987). “O urbanismo como modo de vida”. In: VELHO, O. G. (org.). O fenômeno urbano. Rio
de Janeiro, Zahar.
WORLD BANK (2000). Urban Air Quality Management – The Transport-Environment-Energy Nexus.
Washington D.C.
Texto recebido em 5/ago/2012
Texto aprovado em 25/set/2012
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013
431
A mobilidade pendular na
Macrometrópole Paulista: diferenciação
e complementaridade socioespacial*
Commuting in the macrometropolis of São Paulo:
differentiation and socio-spatial complementariness
José Marcos Pinto da Cunha
Sergio Stoco
Ednelson Mariano Dota
Rovena Negreiros
Zoraide Amarante Itapura de Miranda
Resumo
O presente estudo tem como principal objetivo
realizar um diagnóstico sobre as tendências e características da mobilidade pendular na chamada
Macrometrópole Paulista, utilizando as informações disponíveis nos Censo de 2000 e 2010. O conhecimento da situação atual e da evolução desse
fenômeno pode contribuir significativamente para
a avaliação do processo de interação e complementariedade socioespacial que se desenvolve entre as
aglomerações urbanas, onde já são claras as novas
formas de localização tanto da atividade econômica quando da população em geral. O estudo desse
fenômeno, portanto, contribui para o diagnóstico do processo de estruturação desses espaços e,
sobretudo, para mitigar deficiências existentes em
termos de política habitacional, de transportes, de
saúde, educação, etc
Abstract
The main objective of this article is to make a
diagnosis of the trends and characteristics of
commuting in the so-called Macrometrópole
Paulista (Macrometropolis of São Paulo), using
the information available in the 2000 and 2010
Censuses. The knowledge of the current situation
and of the evolution of this phenomenon may
greatly contribute to the evaluation of the process
of socio-spatial interaction and complementariness
that develops among urban centers, where the new
forms of location both of economic activity and of
the population in general are already clear. The
study of this phenomenon, therefore, contributes
to diagnose the process of structuring of these
spaces and, above all, to mitigate deficiencies in
housing, transport, health and education policies,
among others.
Palavras-chave: demografia; deslocamentos populacionais; macrometrópole paulista; urbanização; região metropolitana.
Keywords: demography; population mobility;
macrometropolis of São Paulo; urbanization;
metropolitan region.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
José Marcos Pinto da Cunha et al.
Introdução
aglomerações urbanas, especialmente aque-
Nos últimos dez anos, enquanto a taxa de cres-
constatar que, em função das mudanças em
cimento anual da população das regiões me-
nossa sociedade, particularmente a partir dos
tropolitanas paulistas foi de 1,1%, a taxa de
anos 1990, é possível observar um verdadeiro
crescimento dos movimentos pendulares entre
extravasamento das possibilidades de mobili-
as regiões que compõem a Macrometrópole
dade pendular para além das fronteiras regio-
Paulista foi de 8,7% ao ano.
nais, de diferentes recortes espaciais.
O fenômeno da mobilidade pendular
las de caráter metropolitano. Interessante
1
A emergência e reconhecimento institu-
constitui um reflexo da diversidade sociode-
cional da Macrometropóle Paulista talvez seja
mográfica e espacial existentes nas grandes
um dos aspectos que melhor retratam essas
aglomerações urbanas, em particular aquelas
novas tendências que decorrem de processos
de caráter metropolitano. De fato, esse tipo de
estruturais, como a reestruturação produtiva
movimento, que se caracteriza por sua regula-
e a desconcentração econômica, com impli-
ridade (embora possa ser ou não cotidiano), é
cações socioespaciais e demográficas impor-
resultado do descompasso da ocupação dessas
tantes. Assim, o aumento da complementarie-
regiões em termos demográficos e econômicos,
dade econômica e social entre os territórios,
cujos condicionantes têm sido considerados
mesmo não alterando radicalmente a lógica
tanto a partir de uma visão macro, em geral
metropolitana, tem propiciado uma “urbani-
ligada ao processo de produção do espaço e
zação dispersa” (Reis Filho, 2006) que, além
localização das atividades produtivas, quanto
de outros impactos, acaba incrementando os
a elementos microssociais, tais como as novas
deslocamentos de pessoas entre regiões de
preferências de moradia, principalmente da po-
forma cada vez mais intensa.
pulação de mais alta renda.
O presente ensaio, além de apresentar
Vários autores têm contribuído para a
as principais características da recém-re co-
descrição e diagnóstico desse fenômeno (Ara-
nhe cida Macrometrópole Paulista e discutir
nha, 2005; Oliveira e Oliveira, 2011; Moura et
algumas contribuições para a compreensão
al., 2005; Cunha, 1994), uma vez que alguns
e análise dos movimentos pendulares, con-
deles têm ido mais adiante no sentido de buscar
centra-se, sobretudo, em revelar as principais
explicação para esse tipo de movimento popu-
características e tendências desse tipo de des-
lacional (Ihlanfeldt, 1994; Kain, 1992; Jardim,
locamento, ocorrido, ao longo dos anos 2000,
2007; Sobreira, 2007; Cunha e Sobreira, 2008;
entre as quatro Regiões Metropolitanas (RM
Pereira, 2008; Lobo et al., 2009). O presente tra-
São Paulo, RM Campinas, RM Baixada Santis-
balho aborda o fenômeno da pendularidade a
ta e RM Vale do Paraíba e Litoral Norte) que
partir de uma visão que extrapola o olhar mi-
representam a maior parte da população que
crorregional da dinâmica intrametropolitana.
conforma essa grande área de integração e
É fato que esse tipo de movimentação
seja mais intenso e volumoso dentro das
434
complementariedade econômica, social, política e de infraestrutura.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista
Macrometrópole Paulista:
o maior sistema urbano
brasileiro
e Piracicaba e duas microrregiões – Bragantina
e São Roque (ver Mapa 1) - todas elas com elevada influência do polo principal, o município
de São Paulo.
Ainda que sua consolidação tenha ocorri-
A Macrometrópole Paulista – MMP configu-
do entre 2000 e 2010, com configurações muito
ra o sistema urbano mais importante do país.
semelhantes da atual, a Macrometrópole tem
Ocupa 20% da superfície do estado de São
sido objeto de estudos técnicos desde os anos
Paulo e concentra municípios situados em um
1970 (Emplasa, 1992; Emplasa; FSEADE/SEP;
raio aproximado de 200 quilômetros a partir
2010). Mas se naquele momento, a unidade re-
da capital. A articulação e integração são tão
gional da Macrometrópole, como era chamada
intensas entre as cidades desse sistema que
em Souza (1978, p. 25), tinha sua configuração
seus principais problemas só podem ser resol-
objetivada pela área de influência da indústria
vidos de maneira integrada. Trata-se do maior
e buscava-se um processo de planejamento
e mais complexo sistema de cidades do País,
de descentralização e desconcentração da RM
que abrange 173 municípios, quatro Regiões
de São Paulo para as cidades médias, hoje, a
Metropolitanas – São Paulo, Campinas, Baixa-
Macrometrópole Paulista destaca-se pela com-
da Santista e Vale do Paraíba e Litoral Norte,
plementariedade e dinamismo das trocas entre
três aglomerações urbanas – Jundiaí, Sorocaba
suas regiões componentes.
Mapa 1 – Unidades Regionais da MMP
Fonte: Emplasa (2012).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
435
José Marcos Pinto da Cunha et al.
Nessa região vivem mais de 30 milhões
do PIB e 48% da população e, mais distante,
de pessoas, 73% da população do Estado,
pela RMC com 8% do PIB e 7% da população.
gerando uma riqueza equivalente a 83% do
Apenas a RMBS apresenta participação relati-
Produto Interno Bruto (PIB) paulista e 28% do
va similar entre PIB e população (4%).
PIB brasileiro (IBGE, 2009). São 50 mil quilô-
A espacialização da tipologia do PIB dos
metros quadrados de área urbana que abri-
municípios paulistas, realizado pela Fundação
gam 50% da mancha urbanizada do Estado.
Seade em 2008, contribui para reafirmar a
A Macrometrópole é identificada como um fe-
integração e articulação econômica presente
nômeno urbano-regional complexo, reunindo
nesse território. Dentre os 39 municípios que
conjuntos de aglomerações urbanas e centros
compõem a RMSP, 19 são “multissetoriais ou
articulados em rede em um único processo de
de perfil industrial relevante", destacando a
relações econômico-sociais.
presença de atividades industriais e serviços
Com relação aos limites territoriais da
associados nessa região, muitas delas ligadas
Macrometrópole ainda existem divergências,
às demais RMs. Na RMBS, é possível identifi-
uma vez que os recortes propostos em traba-
car uma continuidade e complementaridade
lhos técnicos distintos nem sempre coincidem.
de suas atividades econômicas com a RMSP,
Para alguns especialistas, trata-se de um novo
com Cubatão, limite com São Bernardo do
desenho urbano ou uma nova escala de metro-
Campo, classificado como município industrial
polização (Moura, 2009; Ribeiro et al., 2012;
com relevância, devido à presença do comple-
Meyer e Grostein, 2012).
xo químico-siderúrgico e Guarujá, Santos, São
A Macrometrópole ocupa uma extensa
Vicente e Praia Grande – classificados como
porção da região sudoeste do Estado, com for-
multissetoriais, como resultado da presença
mação associada aos processos de urbanização,
do Porto de Santos na economia regional. Na
interiorização do desenvolvimento econômico
RMVPLN, São José dos Campos exerce o papel
e desconcentração produtiva e populacional
de polo regional, concentrando mais de 50%
da Região Metropolitana de São Paulo – RMSP
do valor adicionado da indústria e serviços do
(Negri, 1996; Cano, 1998; Pacheco, 1998).
Vale do Paraíba. Sorocaba concentra mais de
Sua estrutura econômica, diversificada e
50% da riqueza da AU, classificada como "in-
complexa, é composta por atividades moder-
dustrial com relevância". A AU de Jundiaí teve
nas de alta tecnologia em diversos segmen-
todos os seus municípios classificados no perfil
tos econômicos. A maior parte da atividade
produtivo industrial com importantes nexos de
econômica do Estado se localiza nesse terri-
integração com as regiões vizinhas. Na RMC,
tório, sobretudo nos setores industrial e de
Campinas e Hortolândia foram classificados
serviços, cujas maiores contribuições corres-
com perfil multissetorial, e os municípios do
pondem às metrópoles de São Paulo (RMSP),
entorno com perfil industrial. A Macrometró-
Campinas (RMC), Vale do Paraíba e Litoral
pole conta com uma densa infraestrutura viá-
Norte (RMVPLN) e Baixada Santista (RMBS).
ria e portuária, com intensos fluxos de carga
A concentração econômica é ainda maior que
como reflexo das interações para dentro e
a populacional, liderada pela RMSP com 56%
para fora dessa região. A malha ferroviária é
436
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista
integrada por corredores de escoamento de
Macrometrópole (95%). Os fluxos rodoviários
produtos originados em São Paulo e em ou-
e aeroportuários evidenciam a grande inte-
tros estados com destino ao Porto de Santos,
gração e articulação funcional entre os cen-
o principal da América Latina, que movimen-
tros urbanos que configuram a Macrometró-
ta 11% das exportações e 21% das importa-
pole Paulista2 (ver Mapa 2).
ções do país. Já no sistema aeroportuário,
É interessante notar que as grandes au-
destacam-se os aeroportos Internacionais de
toestradas que cortam essa região (como a
Congonhas (São Paulo), André Franco Mon-
Bandeirantes – ao norte, Airton Sena – ao leste,
toro (Guarulhos) e Viracopos (Campinas), que
Castelo Branco, ao oeste – e Imigrantes, ao sul)
exibem os mais expressivos volumes de passa-
se configuram em verdadeiras “avenidas” em
geiros e cargas transportadas do País, corres-
função do grande fluxo de pessoas, bens e ser-
pondendo a 54% do volume da Infraero.
viços entre as regiões.
Chama a atenção a movimentação
As várias regiões componentes da Ma-
de passageiros que demonstra a grande
crometrópole apresentaram, nas últimas déca-
concentração de fluxos na Macrometrópo-
das, graus de urbanização superiores a 90%,
le, tanto no que se refere às origens (95%)
chegando, em 2010, a 94%. A mancha urbana
quanto aos destinos (97%). A maior parte
principal acompanha os principais eixos viários
das viagens tem origem e destino na própria
(ver Mapa 2).
Mapa 2 – Infraestrutura viária e aeroportuária
Fonte: Emplasa (2012).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
437
José Marcos Pinto da Cunha et al.
No período 2000/2010, observou-se uma
De acordo com dados do Censo de 2010, 2,68
mudança significativa nas tendências demo-
milhões de pessoas residiam em setores sub-
gráficas, com redução das taxas de crescimento
normais (favelas, invasões e áreas de risco,
populacional no Estado e na Macrometrópole,
entre outros) na Macrometrópole, equivalen-
em função da diminuição das taxas de fecundi-
te a 98% das 2,7 milhões de pessoas viven-
dade e mortalidade. Também ocorreu redução
do nessa condição em todo o estado de São
das taxas de migração, em razão da recupera-
Paulo. Do total da população em aglomerados
ção de antigas áreas de emigração como Para-
subnormais na MMP, 80,4% estavam locali-
ná e Minas Gerais e do estímulo resultante das
zadas na RMSP, seguidos por 11% na RMBS.
políticas públicas de desconcentração econô-
Trata-se de uma área de significativa hetero-
mica do país (Cunha e Baeninger, 2006).
geneidade estrutural, com potencialidades
Na última década, anualmente, a Região
diferenciadas de desenvolvimento econômico,
Metropolitana de São Paulo perdia em termos
social e urbano, com uma dívida social ainda
líquidos cerca de 30 mil pessoas, tendo o Censo
elevada. É o que evidenciam as precárias con-
2010 registrado o menor crescimento popula-
dições de moradia de parcelas significativas
cional da região no período. Entre 2000 e 2010,
da população, a crescente ocupação de áreas
a taxa de crescimento populacional da Macro-
de risco e as deficientes infraestruturas urba-
metrópole foi de 0,97%, a menor já apurada
na e social, entre outros problemas.
pelos Censos, e abaixo do patamar de 1,09%
Mesmo que não seja totalmente conur-
observado em todo o Estado. Essas modifica-
bada, devido às barreiras físicas e à presença
ções tiveram reflexos sobre a estrutura etária
de áreas protegidas, a Macrometrópole é ser-
da população. Houve redução da base da pi-
vida por um sistema viário e de transporte que
râmide etária, em razão da queda na fecundi-
propicia intensa articulação dos espaços urba-
dade, e aumento da População em Idade Ativa
nos, além da integração funcional das estrutu-
(PIA) e do número de pessoas idosas.
ras produtivas. Abriga novas formas de organi-
Essas novas tendências e consequente
zação da produção numa rede urbana que se
perfil demográfico colocam grandes desafios
destaca pelo desempenho de funções comple-
para as políticas públicas. Além dos cuidados
xas e diversificadas (multifuncionalidade) e que
com educação, cultura e acesso a novas tec-
estabelecem relações econômicas com várias
nologias, especialmente para os jovens, devem
outras aglomerações urbanas. (ver Mapa 3). A
resultar em ações integradas para tornar mais
complementariedade socioespacial existente
confortável a vida da população idosa, que
entre as RMs da Macrometrópole é inegável,
apresenta tendências de crescimento.
uma vez que, como se mostrará a seguir, a mo-
Apesar da concentração de riquezas,
a Macrometrópole tem suas contradições.
438
bilidade pendular é um importante indicador
dessa condição.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista
Mapa 3 – Elementos funcionais de integração
Fonte: Emplasa (2012).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
439
José Marcos Pinto da Cunha et al.
Mobilidade pendular
e a estruturação regional
e do urbano: algumas
considerações teóricas
Esse modelo de ocupação do território
alimenta um desencontro entre as áreas de
trabalho e de moradia da população, aumentando a necessidade do deslocamento diário
casa-trabalho. Para Aranha (2005), as desigualdades socioespaciais seriam a base explicativa
A mobilidade pendular coloca-se como um
da existência dessa mobilidade. Moura et al.
fenômeno característico das grandes aglo-
(2005) se remetem a esses movimentos como
merações no atual momento da urbanização
um fenômeno não apenas que representa as
brasileira, quando se observa um aumento da
desigualdades, mas também como um meio
complexidade socioespacial, em particular, no
para a compreensão dos resultados da rees-
que diz respeito às localizações da população e
truturação do espaço metropolitano. Baeninger
atividades econômicas, sociais, etc. Na verdade,
(2004) considera que a mobilidade pendular é
pode-se pensar que boa parte desse fenômeno
em boa parte reflexo do processo de expan-
estaria associada à valorização diferencial do
são urbana e suas tendências de concentrar as
espaço urbano que, no Brasil, tem tido ao lon-
possibilidades de emprego com lógica distinta
go das últimas décadas sua lógica e regulação
daquela com que se criam as possibilidades
fortemente orientadas pela inciativa privada
de moradia, gerando grandes dificuldades e
sem a necessária intervenção pública, fato que
descompassos entre as duas categorias de lo-
acaba por prejudicar fortemente a população
calização espacial. De qualquer modo, a pos-
de mais baixa renda.
sibilidade de mover-se no espaço intraurbano,
Reis Filho (2006, p. 44) alerta para um
incrementada pela melhoria ou maior oferta de
dos resultados desse processo, a chamada ur-
transportes (mesmo que nem sempre em con-
banização dispersa que pode ser compreendida
dições adequadas), implica para os indivíduos
em duas escalas:
e/ou famílias em estratégias para a reprodução
[...] a primeira escala é a da área metropolitana, que vem mostrando uma dispersão crescente de núcleos ou polos, a presença crescente de vazios e uma frequente redução de densidades de ocupação,
no todo e em partes importantes;
a segunda escala é a do tecido urbano
social (Cunha e Sobreira, 2008).
Esse “descompasso” entre espaço de
moradia e trabalho já era fruto de preocupação na década de 1960, nos Estados Unidos,
em estudos como os de Kain (1992), que apontavam para as relações entre a segregação
habitacional dos trabalhadores afro-americanos e suas condições de emprego e renda,
[...] o modo pelo qual se definem as relações entre espaços públicos e espaços
privados (enquanto propriedade ou posse), entre espaços de uso privado e de
uso coletivo, sejam estes de propriedade
pública ou privada.
440
gerando o que foi conhecido como spatial
mismatch hypothesis . Se é verdade que no
Brasil, e, em particular em São Paulo, as características e condições demográficas e urbanas
são distintas daquelas encontradas nos EUA,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista
particularmente dos anos 1960, não se pode
os movimentos do território, além dos limi-
negar que a lógica do “descompasso” entre os
tes das divisões administrativas e conceituais
locais de moradia e das atividades econômicas
da cidade, pois, como argumenta Reis Filho
está muito presente no nosso contexto, espe-
(2006, pp. 91-92), a organização do cotidiano
cialmente nas nossas metrópoles.
passa a se dar em âmbito regional.
Ao pensar a mobilidade pendular também deve-se salientar sua relação com a migração, sobretudo a intrametropolitana (Cunha,
1994). A redistribuição espacial da população
para atender as demandas habitacionais faz
com que a migração tenha um papel relevante na geração de novos fluxos de pendulares.
Nesse sentido, uma análise conjunta da mobilidade pendular a partir da condição migratória
da população mostra-se de grande relevância,
particularmente porque permite estabelecer a
relação, já comentada, entre a solução habitacional e o acesso ao mercado de trabalho.
Ou seja, com a mobilidade residencial o
O quadro que se configura é de reorganização da vida cotidiana. Uma parcela significativa da população passa ater a sua
vida organizada em escala regional. As cidades deixam de ser as sedes da vida cotidiana, para se transformarem em polos
de um sistema articulado em escala mais
ampla, regional, no qual se desenvolve
a vida cotidiana. Para uma porcentagem
mais restrita da população, esse cotidiano
se desenvolve também em escala inter-regional, como nos casos de alguns habitantes das Regiões Metropolitanas de São
Paulo e Campinas, da Baixada Santista e
do Vale do Paraíba, que se deslocam diariamente entre duas delas.
indivíduo tende a incrementar, na maior parte
das vezes, a sua mobilidade pendular, que a de-
A regionalização do cotidiano implica
pender do grupo social que se está analisando,
necessariamente o aumento da mobilidade da
pode representar uma escolha (para os grupos
população. O sistema, implantado no mercado
mais abastados) ou uma imposição ou neces-
de trabalho pelo setor industrial, terminou por
sidade (no caso dos mais pobres). Certamente
induzir também a mobilidade nas áreas de co-
tal distinção faz grande diferença no momento
mércio, nos serviços, no ensino e no lazer. As
de se pensar políticas públicas, particularmen-
oportunidades oferecidas pelo comércio e pe-
te, aquelas de caráter intersetorial que visem
los serviços já não são analisadas pelos empre-
melhorar a vidas das pessoas.
sários apenas em escala regional, pressupondo
Agora como pensar a mobilidade pendular desde uma perspectiva “extrarregional”, ou
uma mobilidade constante dos habitantes dessas regiões.
seja, para ir além das fronteiras das aglomera-
Nesse sentido, a análise da evolução da
ções urbanas?3 Os estudos elaborados pela Em-
mobilidade pendular na Macrometrópole Pau-
plasa (2012) e os desenvolvidos por Reis Filho
lista é, sem dúvida nenhuma, um bom indica-
(2006) contribuem sobremaneira nessa direção.
tivo dos caminhos que o processo de estrutu-
As novas formas de organização social
ração do espaço urbano está tomando e, mais
nesse processo de urbanização metropoli-
do que isso, aponta as possibilidades e as ne-
tana geram grande mobilidade e reforçam a
cessidades práticas que a intensificação desse
necessidade da análise espacial compreender
processo traz para o planejamento territorial.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
441
José Marcos Pinto da Cunha et al.
Como já destacado, a constituição da
alcançados em nossa sociedade, que tem no
Macrometrópole Paulista condiciona-se a uma
mercado a principal força indutora da locali-
série de transformações do tecido social das
zação tanto dos setores produtivos quanto do
regiões que a compõem e de suas relações
espaço habitável. Assim, estudos como o aqui
com outras localidades. Certamente, parte im-
desenvolvido teriam a qualidade de alertar e
portante desse processo está na configuração
informar os formuladores dessas políticas para
do setor econômico e suas interfaces políticas
as características e tendências do fenômeno.
e sociais. Um exemplo claro dessas transformações é o chamado processo de espraiamento
econômico a partir da desconcentração industrial (Abdal, 2009). O fenômeno se dá pela
desconcentração do principal polo industrial
do país (a Região Metropolitana de São Paulo),
A mobilidade pendular
na Macrometrópole Paulista:
evidências empíricas
a partir da década de 1970, e da reestruturação produtiva, a partir de 1990, que substitui
A mobilidade pendular4 motivada por traba-
a concentração dos empregos industriais pelo
lho ou estudo na Macrometrópole Paulista
aumento da participação do setor de serviços
experimentou nos anos 2000, período de
na produção e no emprego.
emergência desse grande aglomerado, um in-
A reorganização do setor produtivo, a
cremento de mais de 76%, chegando a envol-
busca por novos espaços de moradia, condi-
ver quase três milhões de pessoas segundo o
ções de vida e novos padrões sócio-ocupacio-
Censo de 2010.
nais e culturais fazem do estudo da Macrome-
Esse aumento do volume dos movimen-
trópole Paulista um caminho importante para a
tos pendulares, mesmo em um contexto de
compreensão da complexa rede de relações in-
significativa redução do crescimento demo-
terdependentes e complementares que exigem
gráfico de todas as suas RMs e aglomerações
um olhar integrado do planejamento urbano.
urbanas envolvidas, mostra que o fenômeno,
Sobre o problema do desajuste espacial
embora seja fruto de um processo de cresci-
(spatial mismatch), Ihlanfeldt (1994, p. 226) su-
mento, expansão e incremento da heteroge-
gere que as políticas públicas trabalhem a par-
neidade socioespacial das regiões, não neces-
tir de duas categorias de intervenção:
sariamente depende de uma constância de
[...] (1) políticas para reduzir as distâncias
entre os locais residenciais das minorias
e os locais de empregos disponíveis, e (2)
políticas para melhorar a acessibilidade
de trabalho das minorias, sem mudar tanto locais de trabalho ou residência. (Tradução nossa)
crescimento demográfico.
Na verdade, a análise das regiões deixa
muito claro que, em função da complementariedade, integração, continuidade e fluidez
espacial que tende a caracterizar uma aglomeração urbana – em especial as de caráter
metropolitano –, esse fenômeno pode adqui-
Obviamente em ambos os casos, os de-
rir certa autonomia em função de mudanças
safios são enormes e muito difíceis de serem
nas formas de uso e ocupação do solo urbano,
442
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista
Tabela 1 – Volume e peso relativo da mobilidade pendular
de residentes sobre a População em Idade Ativa (PIA).
Regiões metropolitanas do estado de São Paulo, 2000 e 2010
Volume dos movimentos pendulares
Percentual da PIA
Regiões
2000
RMC
2010
2000
2010
171.033
311.992
9,8
14,02
RMSP
1.108.691
1.942.001
8,4
12,65
RMBS
128.064
201.023
11,7
15,51
84.621
149.597
5,9
8,50
162.253
321.610
6,3
9,80
1.654.662
2.926.216
9,5
14,18
RMVPLN
Outra Macro
Total
Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2000 e 2010.
seja em termos demográficos ou mesmo
impacto que tem sobre a população residente
econômicos. Em uma palavra, mais que uma
de cada uma das unidades analisadas.
consequência do crescimento demográfico, a
Dados analisados em estudo mais am-
mobilidade pendular reflete o “movimento”
plo (Nepo e Emplasa, 2013) mostram que tal
da metrópole fruto de rearranjos socioeconô-
impacto é ainda maior quando o olhar é dire-
micos e demográficos internos havidos que,
cionado ao nível municipal. Além disso, como
como sabemos, dependem não apenas das
se pode constatar na Tabela 2, o fenômeno
ações privadas, mas também de intervenção
é muito mais volumoso e intenso no interior
pública, nesse último caso via regulação ou
das regiões metropolitanas constituintes da
políticas específicas.
Macrometrópole. De fato, enquanto, em 2000,
Não apenas chama a atenção o volume
dos mais de 1,6 milhões de pessoas que fa-
atingido pelos movimentos pendulares espe-
ziam esse tipo de movimento, cerca de 85,5%
cialmente em 2010 (mais de 2,9 milhões de
moviam-se no interior das regiões; essa parce-
pessoas), mas também o expressivo impacto
la, embora em declínio, era ainda elevada em
que estes representam sobre o volume da po-
2010, alcançando 81,5%.
5
pulação em idade ativa (PIA). De fato, na re-
No entanto, como já se mencionou a
gião como um todo, mais de 14% desse grupo
maior novidade desse estudo é justamente
realiza esse tipo de deslocamento, uma vez que
analisar as características da mobilidade pen-
esse valor é menor na RMVPLN e nos outros
dular segundo o destino e origem “externos”,
municípios da Macrometrópole. Ou seja, o fe-
de maneira que se tenha melhor visão sobre as
nômeno da pendularidade não apenas ganha
principais trocas existentes entre as RMs consi-
importância pelo fato de revelar a inter-relação
deradas, as demais áreas da Macrometrópole e
entre subáreas e regiões, mas também pelo
destas com o resto do estado ou país.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
443
José Marcos Pinto da Cunha et al.
Tabela 2 – Volume e variação da mobilidade pendular interna,
externa e total. Regiões metropolitanas paulistas
e municípios da Macrometrópole – 2000 e 2010
Mobilidade Pendular
Regiões
2000
Interno
RMC
Externo
2010
Total
Interno
Externo
Variação (%)
Total
Interno
Externo
Total
134.796
35.543
171.033
241.077
70.915
311.992
78,85
99,52
82,42
RMSP
1.015.221
89.162
1.108.691
1.663.374
278.627
1.942.001
63,84
212,50
75,16
RMBS
102.380
25.451
128.064
160.346
40.677
201.023
56,62
59,82
56,97
RMVPLN
63.028
21.103
84.621
115.556
34.041
149.597
83,34
61,31
76,78
Outras Macro
99.731
61.557
162.253
207.299
114.311
321.610
107,86
85,70
98,22
1.415.156
232.816
1.654.662
2.387.652
538.571
2.926.223
68,72
131,33
76,85
Total
Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2000 e 2010.
A Tabela 2 também mostra que mesmo
Em termos dos destinos das pessoas
sendo em volume bem inferior, a mobilidade
que realizam o movimento pendular, Tabela 3,
6
pendular com destino “externo” apresenta
percebe-se que estes apresentaram mudanças
um crescimento de mais de 131% na Macro-
quanto ao destino para trabalhar/estudar entre
metrópole, passando de 232 mil para cerca
2000 e 2010, com particularidades conforme a
de 539 mil pessoas. Em termos das regiões
região metropolitana. Por exemplo, no caso da
específicas, o que se percebe é que o cresci-
RMC, a principal alteração verificada foi o au-
mento da pendularidade com destino exter-
mento da importância dos pendulares que tra-
no foi muito mais importante justamente na
balham/estudam em outros municípios da Ma-
RMSP, o que, de certa forma, seria esperado
crometrópole, ou outras unidades da Federação
tendo em vista o “movimento” de interioriza-
em detrimento do peso relativo dos movimen-
ção e desconcentração produtiva, observadas
tos pendulares para a RMSP e o interior de São
desde essa área, sobretudo a partir dos anos
Paulo. Pode-se dizer que tal comportamento
1980 (Negri et al., 1988). De qualquer forma
espelha a intensificação do relacionamento e
em todas as demais regiões consideradas o
complementariedade dessa região com o res-
aumento das trocas inter-regionais foi mui-
to do país. No entanto, percebe-se que o peso
to significativo, constituindo-se em um dado
da RMVPLN e RMBS continua praticamente o
significativo da inter-relação progressiva des-
mesmo, dando mostra de que a integração en-
sas áreas.
tre ambas as regiões mantêm-se.
444
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista
Tabela 3 – Destino “externo” da população residente que realiza movimento
pendular. Regiões metropolitanas paulistas – 2000 e 2010
Região de residência dos pendulares
Destino
dos pendulares
RMC
2000
RMC
RMSP
RMBS
RMVPLN
Outras Macrometrópoles
Interior SP
Outros Estados
Total
RMSP
2010
2000
37,6
0,8
1,0
33,4
21,3
2,8
30,9
0,8
,9
36,1
14,2
17,1
8,9
6,3
4,9
12,2
53,1
14,7
35.536
70.895
89.163
RMBS
2010
2000
4,2
3,4
3,3
11,7
17,3
60,0
278.604
RMVPLN
2010
2000
1,5
70,6
2,0
1,0
20,2
4,6
1,8
72,1
2,2
1,9
5,8
16,2
3,8
56,2
1,5
2,9
14,2
21,3
25.404
40.668
21.104
2010
4,5
53,0
2,2
3,5
5,7
31,0
34.041
Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2000 e 2010.
No caso da RMSP, houve relevante au-
importância dos outros estados da federação.
mento da importância daqueles que trabalham
A pendularidade mais significativa nessa re-
7
e estudam nos outros estados (1.178%), em
gião é com a RMSP.
detrimento de grande redução do peso rela-
A Tabela 4 apresenta uma visão oposta,
tivo do Interior/SP e pequenas reduções nas
ou seja, a origem dos pendulares que traba-
proporções das outras regiões, mesmo com o
lham em cada uma das regiões consideradas.
aumento do volume dessas.
Assim como na tabela anterior, algumas mu-
Na RMBS a principal modificação ocor-
danças ao longo do período analisado podem
reu nos pendulares que se dirigiam para outros
ser verificadas, sugerindo novamente o sig-
estados, cujo volume aumentou 460% e com a
nificativo nível de relacionamento ou com-
RMSP, que aumentou 63%, e nesse caso, fica
plementariedade existente entre as regiões
muito claro que a melhoria das condições de
metropolitanas.
acessibilidade entre as duas regiões ocorridas
Em relação aos pendulares que se diri-
nas últimas décadas apenas reforçou a com-
gem para a RM de Campinas, aqueles de ori-
plementariedade entre ambas. A participação
gem em outras RMs mantiveram sua relação,
relativa dos outros municípios do estado de
em 2010, de proporção em relação àquela
São Paulo diminuiu.
observada em 2000. Os pendulares residentes
Já na RMVPLN, as modificações foram
em “outros municípios da Macrometrópole”
menos acentuadas, mas com a redução da im-
aumentaram o volume e sua participação re-
portância do interior do estado de São Paulo
lativa, passando de 35,4% para 39% daqueles
como destino dos pendulares e aumento de
que trabalham na RMC.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
445
José Marcos Pinto da Cunha et al.
Tabela 4 – Origem “externa” da população residente que realiza movimento
pendular. Regiões metropolitanas paulistas – 2000 e 2010
Regiões de
destino
Regiões de origem dos Pendulares
RMBS
RMVPLN
Outras
Outros
Interior SP
Macrometrópoles
Estados
Censo
RMC
RMSP
Total
RMC
2000
2010
-
19,2
15,0
0,9
0,9
2,0
2,0
35,4
39,1
25,0
21,3
17,5
21,7
41.249
77.688
RMSP
2000
2010
7,7
8,1
-
10,3
10,8
6,8
6,7
17,6
19,6
14,8
11,5
42,8
43,3
174.718
270.992
RMBS
2000
2010
2,3
2,3
46,4
40,1
-
2,6
3,2
3,3
3,0
18,2
15,4
27,2
35,9
12.136
23.877
RMVPLN
2000
2010
3,1
2,7
35,9
37,5
4,1
3,7
-
4,1
4,1
8,7
6,7
44,1
45,2
12.105
24.423
Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2000 e 2010.
A RM de São Paulo foi a que menos
2010), assim como aumento dos pendulares de
sofreu alterações com relação à origem dos
outros estados (27,2%, em 2000, contra 35,8%
pendulares entre 2000 e 2010: as proporções
em 2010).
permaneceram semelhantes, com aproxima-
Outra informação que demonstra a in-
damente 25% dos pendulares originados nas
tensidade da circulação das pessoas por moti-
RMs do Estado, mas com modificações em re-
vo de trabalho é o fato de esses deslocamentos
lação ao interior do estado de São Paulo, que
pendulares ocorrerem, de maneira geral, dia-
reduziu a participação (de 14,8% para 11,5%),
riamente. Considerando os destinos daqueles
e outros estados e outros municípios da Ma-
que se deslocam diariamente para trabalhar
crometrópole que registraram leve aumento
em outros municípios (Tabela 5), nota-se que
nos pendulares.
quando se trata de deslocamento para muni-
Pequenas alterações também foram veri-
cípio da mesma região metropolitana mais de
ficadas nas proporções apresentadas pela RM
90% realizam seus deslocamentos nesses ter-
do Vale do Paraíba e Litoral Norte. Nessa área
mos. Observa-se também que no caso da mo-
destaca-se como origem a RM de São Paulo, da
bilidade pendular ser feita para outra região,
qual saem aproximadamente 37% dos pendu-
ainda assim boa parte desses movimentos tem
lares, assim como os pendulares de outros es-
caráter diário. Como se percebe na tabela men-
tados, que representam 45,2% do total. Já na
cionada, isso acontece principalmente no caso
RM da Baixa Santista o destaque fica para a re-
do destino ser a RMSP. Para a RMC, isso tam-
dução da proporção dos pendulares da RM de
bém é verdade, especialmente para os desloca-
São Paulo (46,3%, em 2000, contra 40,1% em
mentos para “outras regiões”, provavelmente
446
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista
Tabela 5 – Proporção de movimentos pendulares por motivo de trabalho
realizados diariamente. Regiões metropolitanas paulistas – 2010
Regiões Destino
Regiões Origem
Própria
RMSP
Outras
RM de São Paulo
96,2
–
63,0
RM de Campinas
97,4
61,5
74,0
RM de Baixada Santista
96,3
66,4
34,0
RM Vale do Paraíba e Litoral Norte
91,2
50,3
27,0
Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2010.
pelo fato da maioria delas ser também de ca-
Contudo para avançar um pouco mais
ráter de mais curta distância. Já para a RMBS e
na natureza dessa interação seria importante
RMVPLN, os percentuais de movimentos diários
considerar outras características da mobilida-
para outras regiões distintas da RMSP são bem
de pendular de forma a se ter maior clareza
mais baixos, fato que talvez espelhe as especi-
sobre “quem” realiza esse tipo de movimen-
ficidades dessas regiões, sobretudo em termos
to e, de maneira indireta, “quais” os moti-
das atividades econômicas aí desenvolvidas
vos que poderiam explicar tais intercâmbios
como a portuária, petroquímica e aeroespacial.
populacionais.
De maneira geral, até aqui se buscou
Nesse sentido, a próxima seção realiza
mostrar que os movimentos pendulares na
um diagnóstico sobre algumas características
Macrometrópole atingem contingentes expres-
das pessoas que realizam esse tipo de mobi-
sivos de sua população em idade ativa. Além
lidade e residem na Macrometrópole Paulista.
disso, o volume e intensidade desse fenômeno
As características escolhidas foram sexo, ida-
não apenas revelam distintos momentos de ca-
de, nível educacional e atividade econômica
da uma das regiões consideradas em termos da
de inserção, uma vez que a análise será rea-
integração e complementariedade entre seus
lizada, em primeiro lugar, de modo a mostrar
municípios, mas também níveis distintos de in-
as características do conjunto dos movimentos
teração entre elas, reforçando a ideia da consti-
pendulares e, em segundo lugar, sua diferen-
tuição de uma grande região que extravasa os
ciação segundo o destino dos que realizam
limites predeterminados das RMs oficialmente
esse movimento, ou seja, se dentro ou fora de
constituídas.
suas regiões de residência.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
447
José Marcos Pinto da Cunha et al.
Quem são os que realizam
a pendularidade?8
Também no que se refere à composição etária, a população que realiza movimento pendular mostra significativa seletividade
em relação à população total residente nas
Em primeiro lugar pode-se dizer que o perfil
regiões: uma concentração maior nas idades
dos que realizam a mobilidade pendular é mui-
altamente produtivas (20 a 55 anos). Como fica
to mais masculino que a população em geral.
claro na Tabela 6, em consonância com o que já
De fato, o Gráfico 1 mostra predominância de
se conhece sobre a população como um todo,
homens entre aqueles que realizam esse tipo
a RM da Baixada Santista é a que apresenta
de movimento, visto que o padrão é semelhan-
a PIA mais envelhecida, com menor proporção
te para as quatro regiões metropolitanas: em
no grupo “25 a 39 anos” e maior no grupo “56
média, mais de 60% desses pendulares são ho-
anos e mais”, que representa aproximadamen-
mens. A menor diferença é observada na RM de
te 4% mais população do que as outras RMs.
São Paulo, onde os homens representam 61,4%
O reflexo dessa PIA mais envelhecida culmina
dos pendulares; nas RMs de Campinas e Bai-
também num grupo de pendulares maior na
xada Santista os valores são iguais (64,4%), e
faixa “56 anos e mais” em relação ao observa-
a maior diferença observada se dá na RM do
do nas outras RMs.
Vale do Paraíba e Litoral Norte, região onde os
homens representam 70,1% dos pendulares.
O padrão etário da pendularidade para as
RMs paulistas tem uma curvatura ascendente a
Gráfico 1 – Proporção da população total, com 15 anos ou mais e dos pendulares
segundo sexo. Regiões metropolitanas paulistas – 2010
Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2010.
448
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista
Tabela 6 – PIA e pendulares segundo distribuição por grupos etários.
Regiões metropolitanas paulistas – 2010
Faixa etária
Regiões
RM de São Paulo
RM de Campinas
RM da Baixada Santista
RM V. do Paraíba e L. Norte
Outras Macrometrópoles
População
15 a 17
anos
18 a 24
anos
25 a 39
anos
40 a 55
anos
56 anos
e mais
Total
PIA
6,1
15,5
33,7
26,5
18,3
15.363.202
Pendular
1,3
16,6
45,5
30,0
6,6
1.690.923
2.224.662
PIA
6,0
15,5
33,1
26,9
18,5
Pendular
1,2
16,7
45,9
30,3
5,9
287.548
PIA
6,1
14,4
30,9
26,5
22,1
1.297.130
Pendular
0,8
14,3
44,4
32,3
8,1
185.247
1.761.629
PIA
6,5
15,4
32,5
26,9
18,8
Pendular
1,0
15,5
45,5
31,3
6,7
129.670
PIA
6,2
15,5
32,2
26,5
19,6
3.189.705
Pendular
1,3
16,7
45,5
30,2
6,3
287.627
Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2010.
partir dos 18 anos de idade, uma vez que quase
pode-se destacar alguns pontos fundamen-
metade dos pendulares se encontra entre 25 e
tais: enquanto a maior parte da PIA (próximo
39 anos de idade. A faixa etária entre 40 e 55
a 45%) apresenta como escolaridade o ensino
anos também se mostra importante, onde se
fundamental, a maior parte dos pendulares
encontram mais de um quarto dos pendulares;
(próximo de 40%) apresenta o ensino médio.
nessa faixa ocorre a inflexão da curva com a
A escolaridade aparece, portanto, como fator
proporção de pendulares se reduzindo drastica-
chave nessa discussão, pois afeta diretamente
mente a partir dos 56 anos de idade.
a renda e possibilidade de inserção produtiva
Os dados observados com relação à dis-
dos indivíduos e, portanto, está associada às
tribuição etária dos pendulares nos ajuda a
possibilidades de locomoção cotidiana nas
pensar a respeito da importância da escolari-
metrópoles.
dade enquanto característica central para com-
Um fato merece atenção, a RM do Vale
preender o fenômeno, já que os que realizam
do Paraíba e Litoral Norte é onde se observa a
esse tipo de movimento são sistematicamente
população residente pendular mais escolariza-
mais escolarizados que os demais residentes
da: 31,3% possuem graduação ou pós-gradua-
componentes da PIA. Por isso é possível com-
ção. Esse resultado, associado à constatação
preender o porquê de apenas 1% dos pendula-
já realizada de que nessa região a mobilidade
res terem entre 15 e 17 anos.
pendular externa tem maior peso relativo, pa-
Os dados da Tabela 7 apresentam as
rece reforçar ainda mais a relação entre esse
diferenças existentes entre os pendulares e a
tipo de movimento e a condição socioeconômi-
PIA das RMs paulistas em termos de escolari-
ca dos envolvidos, particularmente quando as
9
dade. Apesar dos padrões apresentados se-
distâncias a serem percorridas são maiores e,
rem relativamente próximos entre as regiões,
portanto, mais onerosas.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
449
José Marcos Pinto da Cunha et al.
Tabela 7 – Proporção dos maiores de 15 anos e dos pendulares segundo
escolaridade e região de residência. Regiões metropolitanas paulistas – 2010
Nível de ensino
Regiões
População
Ensino
Fundamental
Ensino Médio
Graduação
Pósgraduação
Outro
RMSP
PIA
Pendular
45,1
34,0
33,7
39,6
16,4
21,4
3,2
4,2
1,4
0,8
RMC
PIA
Pendular
47,8
33,3
33,2
37,9
14,5
21,8
3,1
6,4
3,4
0,6
RMBS
PIA
Pendular
45,4
30,5
36,3
42,2
15,1
22,6
2,1
4,3
1,0
0,5
RMVPLN
PIA
Pendular
45,9
26,4
37,5
42,0
13,2
25,3
2,6
6,0
0,9
0,3
Outras
Macrometrópoles
PIA
Pendular
51,5
34,6
32,8
37,9
12,4
21,7
2,1
5,3
1,2
0,5
Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2010.
Por outro lado, na RM de São Paulo,
país; ou seja, muitos dos mais escolarizados
74,4% dos pendulares apresentam escola-
não teriam necessidade de buscar alternati-
ridade até o ensino médio, sendo a região
vas fora da região.
com pendulares de menor nível educacio-
A Tabela 8 apresenta a divisão dos pen-
nal. Esses diferenciais estão ligados ao tipo
dulares e da PEA a partir da natureza de tra-
de emprego desses indivíduos e certamente
balho10 que realizam, ou seja, se “manual” ou
ao fato de que a RMSP é o grande centro
“não manual”. Nesse sentido, os dados salien-
de ofertas de empregos e oportunidades do
tam que existem diferenciais importantes.
Tabela 8 – PEA e pendulares segundo distribuição por tipos de emprego.
Regiões metropolitanas paulistas – 2010
Regiões
RM de São Paulo
RM de Campinas
RM da Baixada Santista
RM V. do Paraíba e L. Norte
População
Tipo de emprego
Manual
Não Manual
Outro
PEA
63,9
30,0
6,1
Pendular
64,0
29,0
7,0
PEA
66,6
24,9
8,5
Pendular
60,7
31,8
7,5
9,6
PEA
68,5
21,9
Pendular
62,4
27,9
9,7
PEA
69,1
21,2
9,7
Pendular
55,4
32,2
12,4
Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2010.
450
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista
No caso da RM de São Paulo, inexistem diferenciais entre os pendulares e a PEA,
é também diferenciado segundo a região metropolitana considerada.
resultado de uma maior integração e inter-
No caso da RM de São Paulo, por exem-
dependência existente na região, e como já
plo, a grande diferença entre PEA e pendulares
dito provavelmente em função do tamanho e
está nos setores de “Indústria de transforma-
complexidade de seu mercado de trabalho. Já
ção” e “Comércio”. Nesse caso, os pendulares
as RMs capitaneadas por Campinas e Santos
apresentam maior proporção na primeira, e
apresentam diferenças relevantes com relação
pouca empregabilidade no caso da segunda.
à RM de São Paulo, assim como a RMVPLN
Em relação aos outros setores pouca variação
que, uma vez mais, apresenta a maior diferen-
é observada. Na RM de Campinas a mesma
ça entre pendulares e PEA.
característica é observada, entretanto, com
Pode-se pensar que tais diferenças, num
relação aos “Serviços domésticos”, há uma
sentido mais amplo, estariam ligadas a outras
proporção menor dos pendulares em relação
características dessas regiões, como por exem-
à PEA, diferentemente do caso de São Paulo,
plo, os setores de atividades predominantes
onde a proporção é semelhante.
em cada uma. Quando se considera o setor
11
Na RM da Baixada Santista a caracte-
de atividade dos trabalhadores pertencentes
rística é exatamente igual à RM de Campi-
à PEA em geral e aqueles que realizam mo-
nas, com uma pequena distinção com rela-
vimento pendular (Tabela 9), pode-se notar
ção ao ramo de “serviços”. Nele os pendu-
algumas áreas específicas onde estes últimos
lares levam ligeira vantagem em relação ao
se sobressaem, assim como outras áreas onde
total da PEA, situação que não se observa
eles têm pouca diferença; tal comportamento
nas outras regiões.
Tabela 9 – População Economicamente Ativa e pessoas que realizam movimentos
pendulares segundo áreas de ocupação. Regiões metropolitanas paulistas – 2010
CNAE – Atividades econômicas
Regiões
RMSP
RMC
RMBS
RMVPLN
Outras
Macrometrópoles
População
Serviços
Energia e
Indústria de
saneamento
transformação
Comércio
Agropecuária e
extrativismo
Construção
Serviços
domésticos
Outro
PIA
44,9
0,8
13,9
17,0
0,7
6,1
6,8
9,8
Pendular
43,0
0,8
18,4
14,2
0,6
6,9
6,0
10,2
PIA
36,8
1,0
19,3
16,1
2,4
7,1
6,7
10,6
Pendular
36,7
0,8
23,7
13,4
2,1
7,1
4,8
11,4
PIA
47,7
1,1
7,6
18,3
1,3
9,1
8,6
6,2
Pendular
51,4
1,0
11,4
13,5
1,5
8,4
6,6
6,2
PIA
39,4
1,1
14,6
16,8
4,2
9,7
8,5
5,6
Pendular
44,6
1,3
21,2
12,9
2,9
9,5
2,5
5,1
PIA
32,9
1,0
22,5
16,4
5,5
7,9
7,0
6,8
Pendular
38,8
0,9
26,8
13,1
3,5
7,1
3,3
6,6
Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2010.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
451
José Marcos Pinto da Cunha et al.
Já a RM do Vale do Paraíba e Litoral Nor-
dirigem para áreas externas às respectivas re-
te novamente se diferencia significativamente
giões de residência tendem a ser mais seleti-
das demais. Essa região é a que apresenta a
vos, especialmente com relação a sexo, idade
maior diferença entre a PEA total e as pessoas
e educação.
que realizam movimento pendular. Nesse
Os dados mostram que a predominância
caso, os pendulares apresentam proporção
de homens se exacerba no caso dos movimen-
maior no setor de “Serviços” (como na RMBS),
tos pendulares externos, já que esses tendem
maior participação na “Indústria de Transfor-
a representar, em média, mais de 70% dos
mação” e menor no “Comércio” (como RMSP,
deslocamentos. Tal comportamento se repete
RMC e RMBS). Também registra menor par-
para todas as RMs e também para os “outros
ticipação nos “Serviços Domésticos” (como
municípios da Macrometrópole”. Quanto à
RMC e RMBS) sendo o seu principal diferen-
idade, aqueles que se dirigem para fora das
cial a menor participação dos pendulares na
regiões de residência são sensivelmente mais
“Agropecuária e Extrativismo”, que, para as
envelhecidos (maior concentração no grupo 40
outras RMs, os dados entre pendulares e PEA
a 55 anos) que os que se movimentam interna-
se mostraram semelhantes.
mente, muito embora ainda prevaleça o fato
de que a grande maioria permaneça abaixo
dos 55 anos.
As especificidades segundo o local
de destino dos movimentos pendulares
Talvez o que mais chame a atenção seja
a composição da pendularidade por nível educacional. Nesse caso, é marcante a diferença
Tendo em vista as peculiaridades desse tipo de
entre os pendulares externos e internos, uma
mobilidade espacial, particularmente em fun-
vez que os primeiros apresentam, em geral,
ção de seu caráter regular – e, como já mos-
muito maior participação nas categorias “gra-
trado, em geral diário – seria de se esperar que
duação” e “pós-graduação”. Vale notar, no
a seletividade apresentada pelos indivíduos
entanto, que esse comportamento não é regis-
“pendulares” se acentuasse à medida que as
trado na Região Metropolitana de São Paulo,
distâncias se incrementassem. Nesse sentido,
o que talvez seja explicado, como já salienta-
considera-se importante analisar também as
do, pelo fato de que as maiores oportunidades
características desse movimento discriminado
para profissionais qualificados estejam justa-
por seu destino “interno” (dentro da mesma
mente concentradas nessa região não reque-
RMs ou aglomeração) ou “externo” (fora da
rendo, portanto, deslocamentos mais intensos
RM ou aglomeração). Esse dado é organizado
de pessoas com esse tipo de perfil. Por outro
na Tabela 10.
lado, nas demais RMs do interior é visível a se-
A partir dessa tabela se percebe que,
de fato, os movimentos pendulares que se
452
letividade em favor dos mais capacitados em
termos educacionais.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
0,8
19,0
14,4
0,4
6,2
6,1
10,1
Energia e saneamento
Indústria de transformação
Comércio
Agropecuária e extrativismo
Construção
Serviços domésticos
Outro
Atividade
econômica
Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2010.
43,0
Serviços
Graduação
0,7
21,5
Ensino médio
Outro
40,5
Ensino fundamental
3,9
6,0
33,4
56 anos e mais
29,6
40 a 55 anos
17,0
18 a 24 anos
46,0
1,3
15 a 17 anos
25 a 39 anos
39,7
60,3
Feminino
Masculino
11,0
4,7
13,5
3,3
11,2
16,4
0,8
39,1
1,2
6,1
20,2
33,3
39,2
10,5
31,6
40,9
15,8
1,2
30,4
69,6
Externo
RM de São Paulo
Interno
Pós-graduação
ensino
de
Nível
etária
Faixa
Sexo
Características sociodemográficas
10,2
6,0
6,9
0,6
14,2
18,4
0,8
43,0
0,8
4,2
21,4
39,6
34,0
6,6
30,0
45,5
16,6
1,3
38,6
61,4
Total
10,9
5,8
6,8
1,7
13,4
24,9
0,9
35,6
0,6
4,4
18,4
41,0
35,5
4,9
28,9
46,2
18,5
1,5
38,8
61,2
Interno
13,7
1,4
6,4
3,6
11,4
22,6
0,5
40,5
0,3
14,6
37,5
26,2
21,4
8,7
34,2
44,9
12,0
0,2
26,7
73,3
Externo
RM de Campinas
11,4
4,8
7,1
2,1
13,4
23,7
0,8
36,7
0,6
6,4
21,8
37,9
33,3
5,9
30,3
45,9
16,7
1,2
35,6
64,4
Total
5,7
8,0
7,7
1,3
14,1
12,0
0,9
50,1
0,5
3,2
18,4
45,2
32,7
6,8
31,5
45,2
15,5
1,0
38,0
62,0
Interno
8,0
1,3
10,1
2,5
9,4
10,3
1,1
57,2
0,3
9,0
41,2
29,7
19,8
11,9
34,5
42,1
11,2
0,3
27,6
72,4
Externo
6,2
6,6
8,4
1,5
13,5
11,4
1,0
51,4
0,5
4,3
22,6
42,2
30,5
8,1
32,3
44,4
14,3
0,8
35,6
64,4
Total
RM da Baixada Santista
4,4
2,9
8,6
2,5
13,2
23,5
1,3
43,6
0,2
5,0
24,7
44,7
25,3
5,5
29,4
46,8
17,1
1,3
33,8
66,2
Interno
7,4
1,4
12,9
5,1
8,2
16,1
1,2
47,7
0,5
9,2
30,5
34,6
25,2
10,8
36,0
39,3
13,7
0,2
20,4
79,6
Externo
5,1
2,5
9,5
2,9
12,9
21,2
1,3
44,6
0,3
6,0
25,3
42,0
26,4
6,7
31,3
45,4
15,5
1,0
29,9
70,1
Total
RM V. de Paraíba e L. Norte
5,9
4,2
6,6
2,8
13,5
30,9
1,0
35,1
0,6
3,6
16,7
42,9
36,2
4,9
27,5
46,7
19,2
1,6
36,2
63,8
7,7
1,7
7,4
4,5
11,1
22,7
0,8
44,1
0,5
8,8
32,5
29,6
28,7
7,8
34,0
43,9
13,6
0,7
26,6
73,4
Externo
6,6
3,3
7,1
3,5
13,1
26,8
0,9
38,8
0,5
5,3
21,7
37,9
34,6
6,3
30,2
45,5
16,7
1,3
32,0
68,0
Total
Outras Macrometrópoles
Interno
Tabela 10 – População em Idade Ativa que realiza movimento pendular
classificada por características sociodemográficas e destino. Macrometrópole Paulista – 2010
A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista
453
José Marcos Pinto da Cunha et al.
Finalmente, em termos do tipo de ativi-
partir da observação não apenas das tendên-
dade exercida pela PEA, não são observadas
cias, mas também das características do fenô-
grandes diferenças entre pessoas que se mo-
meno que aqui se chamou de “pendularidade”.
vem para fora ou no interior de suas regiões
De fato, além de ter crescido de maneira
de residência. Mesmo considerando que se
impressionante ao longo da década de 2000,
percebem algumas pequenas diferenças, como
atingindo mais de 530 mil pessoas, as carac-
no caso da RMBS onde os “internos” são mais
terísticas dos indivíduos envolvidos na mobili-
concentrados na atividade de “comércio”, ou
dade pendular que se estabelem entre as RMs
na RMVPLN onde se registra maior concentra-
que compõem a Macrometrópole são também
ção destes na “Indústria de Transformação”,
sugestivas no que diz respeito aos fatores con-
a verdade é que tais discrepâncias são muito
dicionantes desse processo, ou seja, a descon-
menos acentuadas que nas variáveis anterior-
centração produtiva e suas consequências so-
mente analisadas.
cioespaciais como é o caso das novas formas
Em suma, os dados sugerem que, mais
de urbanização e localização da população.
que buscar novas atividades, as pessoas que se
Dessa análise pode-se perceber que os
movem para fora de suas regiões de residên-
fluxos estabelecidos apontam na direção da
cia são aquelas mais qualificadas e mais expe-
intensificação das relações entre as RMs, espe-
rientes (levando em conta a idade) que muito
cialmente da RMSP com as demais, e a movi-
provavelmente formam parte de um grupo de
mentação de pessoas cujo perfil predominan-
profissionais que respondem às demandas das
temente masculino, de pessoas adultas jovens,
empresas que possuem maior flexibilidade lo-
melhor qualificadas e empregadas na indústria
cacional, ou mesmo optem por residirem em
de transformação, sugere que esse tipo de mo-
regiões mais tranquilas e longe das aglomera-
bilidade não apenas espelha a já mencionada
ções dos grandes centros, em particular o mu-
desconcentração econômica, como também
nicípio de São Paulo.
novas preferências locacionais, especialmente
por parte das pessoas de mais alta renda.
Como já observava Santos (1996), esse
Considerações finais
A análise realizada tratou de mostrar que a mobilidade pendular, se não totalmente, ao menos
parcialmente revela ou reflete de maneira eloquente o grau de complementariedade e/ou
integração existente entre distintos territórios.
No caso da Macrometrópole Paulista,
os dados aqui analisados dão conta de que a
emergência dessa que seria a maior aglomeração urbana do país, é claramente percebida a
454
crescimento continuamente acelerado da complementariedade regional é uma tendência associada à especialização do sistema produtivo
e, consequentemente, altera a organização do
trabalho, a vida social, o espaço:
As especializações do território, do ponto
de vista da produção material, assim criadas, são a raiz das complementariedades
regionais: há uma nova geografia regional que se desenha, na base da nova divisão territorial do trabalho que se impõe.
Essas complementariedades fazem com
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista
que, em consequência, se criem necessidades de circulação, que vão tornar-se
frenéticas, dentro do território brasileiro,
conforme avança o capitalismo; uma especialização territorial que é tanto mais
complexa quanto maior o número de produtos e a diversidade de sua produção.
Estamos diante de novo patamar, quanto à divisão territorial do trabalho. Essa
se dá de forma mais profunda e esse
aprofundamento leva a mais circulação e
mais movimento em função da complementariedade necessária. Mais circulação e mais movimento permitem de novo
o aprofundamento da divisão territorial
do trabalho, o que, por sua vez, cria mais
especialização do território. (Santos,
1996, p. 41)
Seja como for, esse fenômeno não deixa
dúvidas que, de fato, está ocorrendo uma ampliação das relações regionais em um âmbito
espacial cada vez maior, e que tal processo tem
implicações significativas não apenas do ponto
de vista do planejamento estadual, mas também de cada região ou município envolvidos.
Assim, mais que um simples estudo de
um fenômeno social, a análise da mobilidade
pendular pode fornecer uma radiografia, ainda
que aproximada, do grau de permeabilidade,
interação, contiguidade ou complementariedade existentes entre os subespaços, elementos
centrais para se ter em conta quando realmente se pensa em um planejamento regional realista e não excludente.
José Marcos Pinto da Cunha
Demógrafo, professor associado do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas do Departamento de
Demografia e pesquisador do Núcleo de Estudos Populacionais, ambos da Universidade Estadual de
Campinas. Campinas,/SP, Brasil.
[email protected]
Sergio Stoco
Economista, doutor em Educação, bolsista CNPq de pós-doutorado do Núcleo de Estudos de População – Nepo, da Universidade Estadual de Campinas. Campinas/SP, Brasil.
[email protected]
Ednelson Mariano Dota
Geógrafo, doutorando em Demografia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Estadual de Campinas. Professor da Faculdade de Geografia da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas. Campinas/SP, Brasil.
[email protected]
Rovena Negreiros
Doutoranda em Economia Urbana e Regional. Gestora pública e diretora de Planejamentos da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano – Emplasa. São Paulo/SP, Brasil.
[email protected]
Zoraide Amarante Itapura de Miranda
Doutora em Economia Urbana e Regional, pós-doutorada em Economia do Meio Ambiente, assessora técnica da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano – Emplasa. São Paulo/SP, Brasil.
[email protected]
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
455
José Marcos Pinto da Cunha et al.
Notas
(*) Este trabalho é resultado da pesquisa “O fenômeno da mobilidade pendular na Macrometrópole
do Estado de São Paulo: uma visão a partir das quatro Regiões Metropolitanas oficiais”,
desenvolvida pelo Nepo/Unicamp para a Emplasa.
(1) Na verdade até agora não se cunhou um termo tão eloquente quanto o seu similar em inglês
commu ng, o mesmo acontece com o substan vo que designa aqueles indivíduos que realizam
esse po de movimento (commuter).
(2) Dados da Pesquisa Origem Des no (Artesp, 2006).
(3) Na verdade, até mesmo o consenso de que os limites municipais já não dão conta mais da
dinâmica e diversidades socioespacial nas grandes aglomerações urbanas é relativamente
recente. Esse estudo mostra que já é necessário superar inclusive esse limite espacial.
(4) Um esclarecimento faz-se necessário. De forma a tornar comparável os dados dos Censos 2000
e 2010, neste úl mo caso foram agregados numa só categoria os pendulares por trabalho e
por estudo, uma vez que, ao contrário do que ocorreu em 2000, foram captados de forma
separada. Apenas como detalhe técnico registra-se que para tal agrupamento foi necessário
controlar a dupla contagem daqueles que fizeram tanto pendularidade por estudo quanto por
trabalho. Para o IBGE, a indivíduo “pendular” seria aquele maior de 10 anos de idade que estuda
ou trabalha (nesse caso, na semana anterior ao Censo) em município dis nto ao de residência.
Neste estudo foram considerados apenas os movimentos pendulares realizados pela população
maior de 15 anos, com declaração de município de trabalho ou estudo. Esse corte etário foi
escolhido por se tratar do grupo populacional conhecido como a “População em Idade A va”
(PIA), além de, no caso da educação, ter maior probabilidade de estar no ensino médio ou
superior que na maior parte dos casos jus fica a mobilidade pendular por mo vos educacionais.
(5) O uso da proporção da PIA que realiza movimento pendular pode ser entendido como um
indicador não apenas de impacto, mas também de intensidade do fenômeno na medida em que
relaciona o evento (a pendularidade) como a população que supostamente o estaria gerando
(a população em idade ativa residente). Uma vez que a captação do fenômeno, segundo o
IBGE, refere-se à úl ma semana antes do Censo, o uso da PIA recenseada como denominador é
bastante adequado.
(6) Considera-se como des no externo do movimento para trabalho ou estudo qualquer município
fora de região de referência.
(7) Esse dado merece um esclarecimento. Realmente chamou muito a atenção que, em 2010, o
volume de pendularidade da RMSP para outros estados tenha aumentado tanto. Embora tal
resultado esteja de acordo com dados divulgados pelo IBGE, ainda assim parece estranho
que um volume tão grande de pessoas realize esse tipo de deslocamento para estados tão
distantes, como é o caso do estado da Bahia com o qual se registrou mais de 56 mil pessoas.
Uma das possíveis explicações para tal comportamento talvez seja o fato de que, sendo boa
parte desses movimentos devido ao estudo (informação possível de se obter no Censo 2010), os
jovens que lá estudavam seriam recenseados como residentes nos municípios de seus pais ou
responsáveis, sendo, portanto, “contados” como pendulares (“moravam” na RMSP e estudavam
fora). Realmente a iden ficação da população residente no caso de estudantes nem sempre é
tranquila e pode ter impacto na quan ficação da pendularidade.
456
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista
(8) Nessa seção foram considerados apenas os movimentos pendulares captados a partir da
informação rela va ao “município de trabalho” do Censo Demográfico de 2010.
(9) Os níveis de ensino apresentados para escolaridade da população são resultantes do maior nível
de estudo completo ou incompleto disponibilizado nas informações do censo 2010.
(10) A distinção entre ocupações manuais e não manuais refere-se à classificação de ocupações
para pesquisas domiciliares, considerando que os “não manuais” correspondem aos códigos
classificados no censo 2010 como dirigentes, profissionais das ciências e intelectuais.
(11) Os grupos de atividade econômica utilizados correspondem às seções e divisões do Código
Nacional de A vidade Econômica, apresentadas pelo censo 2010.
Referências
ABDAL, A. (2009). São Paulo, desenvolvimento e espaço: a formação da macrometropole paulista. São
Paulo, Papagaio.
ARANHA, V. (2005). Mobilidade pendular na metrópole paulista. São Paulo em Perspectiva,
v. 19, n. 4. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0102-88392005000400006. Acesso em: 10/3/2013.
BAENINGER, R. (2004). Interiorização da migração em São Paulo: novas territorialidades e novos
desafios teóricos. Disponível em: h p://www.abep.nepo.unicamp.br/site_eventos_abep/PDF/
ABEP2004_545.pdf. Acesso em: 10/3/2013.
CANO, W. (1998). Raízes da concentração industrial em São Paulo. Unicamp.
COSTA, M. A. C. (1975). Urbanização e migração urbana no Brasil. Rio de Janeiro, IPEA/INPES.
CUNHA, J. M. P. da (1994). Mobilidade populacional e expansão urbana: o caso da Região Metropolitana
de São Paulo. Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas.
CUNHA, J. M. P. da e BAENINGER, R. (2006). Las migraciones internas en el Brasil contemporáneo.
Notas de población. CEPAL, n. 82.
CUNHA, J. M. P. da e SOBREIRA, D. P. (2008). A metrópole e seus deslocamentos populacionais
co dianos: o caso da mobilidade pendular na Região Metropolitana de Campinas em 2000.
Revista La noamericana de Población, ano 1, n. 2, pp. 99-125.
EMPLASA (1992). Dinâmica da Macrometrópole: Análise Introdutória. São Paulo, Empresa
Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo.
______ (2011). Rede urbana e regionalização do estado de São Paulo. São Paulo, Empresa Metropolitana
de Planejamento da Grande São Paulo.
______ (2012). Macrometrópole Paulista São Paulo. São Paulo, Empresa Metropolitana de
Planejamento da Grande São Paulo. Disponível em: h p://www.emplasa.sp.gov.br/emplasa/.
Acesso em: 17/1/2013.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
457
José Marcos Pinto da Cunha et al.
EMPLASA; FSEADE/SEP (2010). Estudos Emplasa: série território. São Paulo, Empresa Metropolitana de
Planejamento da Grande São Paulo/Cebrap.
IBGE (2009). Produto Interno Bruto dos Municípios. Brasília, Instituto Brasileiro de Geografia e
Esta s ca em parceria com os órgãos estaduais de Esta s ca, Secretarias Estaduais de Governo
e Superintendência da Zona Franca de Manaus – Suframa.
IHLANFELDT, K. (1994). The Spa al Mismatch Between Jobs and Residen al Loca ons Within Urban
Areas. Cityscape. Georgia State University.
JARDIM, A. de P. (2007). Algumas reflexões sobre o estudo das migrações pendulares. Disponível em:
h p://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/outros/5EncNacSobreMigracao/mesa_04_alg_
ref_sob.pdf. Acesso em: 10/3/2013.
KAIN, J. F. (1992). The spa al mismatch hypothesis: three decades later. Housing Policy Debate, v. 3,
Issue 2. Universidade de Harvard.
LOBO, C. F. F.; CARDOSO, L. e MATO, R. E. S. (2009). Mobilidade pendular e centralidade espacial:
considerações sobre o caso da região metropolitana de Belo Horizonte. Instituto de
Geociências. Disponível em: (http://www.cbtu.gov.br/monografia/2009/trabalhos/artigos/
planejamento/4_130_AC.pdf). Acesso em: 10/3/2013.
MEYER, R. e GROSTEIN, M. (2012). A nova etapa do percurso metropolitano de São Paulo (dinâmicas
urbanas, as novas territorialidade e dimensão urbano-ambiental da metrópole de São Paulo.
Projeto Temá co. São Paulo, Fapesp/Lume/FAUUSP.
MOURA, R. (2009). Arranjos urbano-regionais no Brasil. Tese de doutorado. Curi ba, Universidade
Federal do Paraná.
MOURA, R.; CASTELLO BRANCO, M. L. G. e FIRKOWSKI, O. L. C. de F. (2005). Movimento pendular e
perspec vas de pesquisas em aglomerados urbanos. São Paulo Perspec va, v. 19, n. 4. Disponível
em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392005000400008&script=sci_arttext.
Acesso em: 10/3/2013.
NEGRI, B. (1996). Concentração e desconcentração industrial em São Paulo (1980-1990). Tese de
doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas.
NEGRI, B.; GONÇALVES, M. F. e CANO, W. (1988). “O processo de interiorização do desenvolvimento
e da urbanização no Estado de São Paulo (1920-1980)”. In: CANO. W. (org.). A interiorização do
desenvolvimento econômico no Estado de São Paulo (1920-1980). São Paulo, Seade.
NEPO, EMPLASA (2013). O fenômeno da mobilidade pendular na Macrometrópole do Estado de São
Paulo: uma visão a par r das quatro Regiões Metropolitanas oficiais. Relatório de Pesquisa,
Campinas. Disponível em: h p://www.emplasa.sp.gov.br/emplasa/. Acesso em: 17/1/2013.
OLIVEIRA, L. A. P. e OLIVEIRA, A. T. R. (orgs.) (2011). Reflexões sobre os deslocamentos populacionais
no Brasil. Rio de Janeiro, IBGE.
PACHECO, C. A. (1998). Fragmentação da nação. Campinas, Unicamp/IE.
PASTERNACK, S. e BÓGUS, L. M. M. (2005). Migração na metrópole. São Paulo Perspectiva, v.
19, n. 4. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010288392005000400002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 10/3/2013.
458
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista
PEREIRA, R. H. M. (2008). Processos socioespaciais, reestruturação urbana e deslocamentos pendulares
na região metropolitana de Campinas. Dissertação de mestrado. Campinas, Universidade
Estadual de Campinas.
REIS FILHO, N. G. (2006). Notas sobre urbanizaçao dispersa e novas formas de tecido urbano. São
Paulo, Via das Artes.
REIS, N. G. e TANAKA, M. S. (org.) (2007). Brasil, estudos sobre a dispersão urbana. São Paulo, FAUUSP/
Fapesp, pp. 7-28.
RIBEIRO, L. C. Q. et al. (2012). Níveis de integração dos municípios brasileiros em RMs, RIDEs e AUs à
dinâmica da metropolização. Rio de Janeiro, Observatório das Metrópoles/UFRJ.
SANTOS, M. (1996). A urbanização brasileira. São Paulo, Hucitec.
SOBREIRA, D. P. (2007). A metrópole e seus deslocamentos populacionais cotidianos: o caso do
deslocamento pendular na Região Metropolitana de Campinas. Dissertação de mestrado.
Campinas, Universidade Estadual de Campinas.
SOUZA, M. A. (1978). Cidades médias e desenvolvimento industrial: uma proposta de descentralização
metropolitana. São Paulo, Secretaria de Economia e Planejamento. Coordenadoria de Ação
Regional – SEP.
SPÓSITO, M. E. B. (2009). “Novas formas de produção do espaço urbano no Estado de São Paulo”. In:
REIS FILHO, N. G. (org.). Sobre dispersão urbana. São Paulo, Via das Artes.
Texto recebido em 18/mar/2013
Texto aprovado em 29/abr/2013
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013
459
O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP)
e os desafios para a mobilidade
metropolitana paulista
The Jundiaí Urban Agglomeration and challenges
to São Paulo’s metropolitan mobility
Adriana Fornari Del Monte Fanelli
Wilson Ribeiro dos Santos Junior
Resumo
Este artigo enfoca a inserção do Aglomerado Urbano de Jundiaí (AUJ) no ambiente metropolitano
paulista, objetivando fornecer elementos para a
compreensão da mobilidade intrametropolitana
já que essa "aglomeração urbana instersticial"
(Emplasa, 2011) se localiza entre as Regiões Metropolitanas de São Paulo e Campinas com as
quais mantém fortes conexões. Pretende ampliar
o conhecimento dessa organização regional recém
criada, utilizando dados demográficos e indicadores socioeconômicos. Analisa a mobilidade como
um fator estrutural da forma urbana do AUJ a partir
das relações de interdependência das cidades que o
compõem, do estudo dos vetores de expansão intrametropolitana do AUJ, da dispersão urbana ao
longo das rodovias e da ampliação da segregação
socioespacial que acompanha a redistribuição da
população no contexto regional.
Abstract
This paper focuses on the inclusion of the
Jundiaí Urban Agglomeration (JUA) in the
São Paulo metropolitan environment aiming
to provide elements for the understanding of
intrametropolitan mobility, as this “interstitial
urban agglomeration” (Emplasa, 2011) is located
between the metropolitan areas of São Paulo and
Campinas, with which it has strong connections.
The paper intends to expand the knowledge about
this newly created regional organization, using
demographic data and socioeconomic indicators. It
analyzes mobility as a structural factor of the urban
form of the JUA based on the interdependence
relations of its component cities, on the study of the
vectors of the intrametropolitan expansion of the
JUA, on the urban sprawl along the highways and
on the expansion of the socio-spatial segregation
that accompanies the redistribution of the
population in the regional context.
Palavras-chave: aglomerado urbano de Jundiaí;
redes de cidades; segregação socioespacial; mobilidade urbana; estudos da metrópole.
Keywords : urban agglomeration of Jundiaí;
networks of cities; socio-spatial segregation; urban
mobility; metropolis studies.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior
Introdução: as tendências
atuais dos processos recentes
de metropolização no Brasil
Este artigo procura analisar o papel do Aglomerado Urbano de Jundiaí na mobilidade metropolitana paulista nos dias atuais, a partir da
análise da evolução dos processos de metropolização brasileira contemporânea, seguindo
alguns pesquisadores como Ascher, Queiroga,
Sassen e Moura.
[...] a cidade absorveu concepções taylorianas e fordianas, e o recorte das atividades urbanas em funções elementares:
procurou-se otimizar de maneira separada a produção industrial, as finanças, o
comércio, a moradia e o lazer. A centralidade única foi detonada em razão do
zoneamento e da centralidade múltipla:
business district industrial, zonas industriais, centros comerciais, zonas de moradias, etc. (Ascher, 2001, p. 63)
No final dos anos 1960 e década de
1970, a expansão da economia brasileira e o
Até 1950, a rede urbana brasileira era
avanço da industrialização para o interior do
fragmentada, esparsa, desarticulada e cen-
Estado, favoreceram o surgimento e desenvol-
tralizada nas grandes cidades, principalmente
vimento de aglomerações urbanas, consequen-
no caso da Macrometrópole Paulista, ou seja,
temente expandindo a rede urbana nesse pro-
era formada por cidades com um único centro
cesso de interiorização, que se deu, num pri-
(Ascher, 2001), onde se agrupavam ativida-
meiro momento, de forma linear, acompanhan-
des que necessitavam de maior acessibilidade,
do os eixos de grande circulação, como no caso
caracterizando um espaço geográfico adensa-
deste objeto de estudo, as Rodovias Anhangue-
do e multifuncional.
ra e Bandeirantes. Essa desconcentração indus-
Além dos equipamentos do poder, da religião e do comércio, instalaram-se todos
os tipos de atividades e de serviços que
deveriam dispor do melhor acesso possível e da frequência máxima. Com isso,
foram atraídas novas infraestruturas de
transporte realimentando o adensamento
e a centralização. (Ascher, 2001, p. 63)
trial tomou força principalmente na década de
1980, quando inicialmente atingiu um raio de
cerca de 150 km da capital, englobando Campinas, Jundiaí, Sorocaba, Baixada Santista e Vale do Paraíba (Queiroga, 2007, p. 43).
Induzidas por uma dinâmica econômica
de acumulação de capital e pelas inovações
tecnológicas, as transformações físicas, fun-
Essas grandes cidades nucleavam o siste-
cionais e espaciais nessas aglomerações urba-
ma de hierarquia urbana, concentrando a ofer-
nas promoveram a fragmentação e dispersão
ta de serviços na escala regional e/ou estadual.
das manchas urbanas por um vasto território,
Nos anos de 1960, a partir de uma ação
reestruturando-o.
do Estado, foram implantadas infraestrutu-
Paralelamente passa a ocorrer um au-
ras urbanas que impulsionaram a expansão
mento do setor de prestação de serviços para
do capital industrial e da indústria de base,
essas empresas, e esse ramo tem um impor-
e aos poucos
tante papel no desenvolvimento econômico,
462
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ...
requerendo a localização estratégica no território, de preferência nas proximidades das grandes cidades. As indústrias, aliadas aos setores
O Aglomerado Urbano
de Jundiaí (AUJ)
de serviços,1 desencadeiam a dispersão urbana
O AUJ é a mais recente unidade regional do es-
no território (Sassen, 1998).
Surgem também os condomínios resi-
tado de São Paulo, constituída pelos municípios
denciais fechados ao longo das rodovias, de-
de Cabreúva, Campo Limpo Paulista, Itupeva,
mandando ao Estado a implantação de outras
Jarinu, Jundiaí, Louveira e Várzea Paulista. O
infraestruturas, especialmente voltadas para a
Projeto de Lei Complementar (PLC) 13/2011,
mobilidade regional para suportar esse cresci-
que criou o AUJ, foi sancionado pelo governa-
mento fragmentado.
dor do estado de São Paulo, após aprovação
Atualmente a metropolização contem-
pela Assembleia Legislativa, em 24 de agosto
porânea vêm-se manifestando na forma de
de 2011. Integra a Macrometrópole Paulista
arranjos urbano-regionais (Moura et al.,
(Emplasa, 2012), cidade-região formada por
2012), atingindo uma escala mais ampla, di-
153 municípios que rodeiam a cidade de São
nâmica e complexa, conectando o urbano e
Paulo, num raio de aproximadamente 200 qui-
o regional, o local, o regional, e o nacional e
lômetros e conta com 72% dos habitantes do
o global.
Estado, 95% desses vivendo nas áreas urbanas,
2
No início do século XXI, os aglomerados
com 80% do PIB estadual e aproximadamente
urbanos tiveram sua importância amplificada
27% do PIB brasileiro (IBGE, 2010). As cons-
na evolução dos fluxos de comunicação das ci-
tantes transformações nesse território macro-
dades e atualmente são essenciais no sistema
metropolitano, promovidas pela densidade das
metropolitano, calcado nos avanços tecnológi-
relações físico-territoriais e dos meios técnico-
cos, de informação e de telecomunicações da
-informacionais, produzem impactos na estru-
última década, transpondo as fronteiras entre
tura socioeconômica, nas relações de classe,
as regiões metropolitanas.
na estratificação de renda, na organização do
Nesse contexto, o Aglomerado Urbano
trabalho, no mercado imobiliário, na produção
de Jundiaí que, até o final dos anos de 1980,
social, no consumo e nas atividades de servi-
tinha um caráter industrial, agora apresenta a
ços da região.
predominância do setor de serviços e comércio
A dinâmica da Macrometrópole Paulista
(ver Tabela 5) e, mais especificamente nos úl-
produz espaços de concentração e dispersão ur-
timos anos, o setor de logística, pertencente à
bana. Os fluxos intrametropolitanos de mobili-
área de serviços, tem crescido bastante, apro-
dade associados a aspectos sociais, econômicos,
veitando-se da posição geográfica, proporcio-
produtivos e tecnológicos intensificam o espa-
nando a melhor acessibilidade às metrópoles
lhamento dos espaços fragmentados e segre-
de São Paulo e Campinas e ao Aglomerado
gados no território. Nesse contexto, ganha es-
Urbano de Sorocaba.
pecial relevo o papel estruturador das conexões
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
463
Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior
rodoviárias existentes para a análise do cresci-
Os movimentos simultâneos e aparente-
mento urbano do Aglomerado Urbano de Jun-
mente contraditórios de dispersão e concentra-
diaí, especialmente das rodovias Anhanguera e
ção geraram uma dinâmica mobilidade intraur-
Bandeirantes (eixo São Paulo-Campinas).
bana e intrametropolitana em escala regional,
A grande concentração de pessoas e
acompanhada, via de regra, pela implantação
atividades ao longo desses eixos rodoviários
de infraestruturas rodoviaristas como as novas
levou ao crescimento da mancha urbana para
autoestradas, anéis viários urbanos que, além
além das fronteiras administrativas das cida-
de introduzirem transformações visuais urba-
des, tornando-se engrenagens de uma rede de
nísticas, atraíram a localização de novos espa-
expansão, produção e integração de novos es-
ços comerciais e empresariais.
paços urbanos, demarcados pela segregação e
exclusão social.
A Macrometrópole Paulista apresenta-se
como um território denso, mas descontínuo,
Com o desenvolvimento do sistema de
de áreas urbanizadas, e articulado, de forma
transportes, com a substituição das linhas fér-
heterogênea, pela intensificação do fluxo de
reas pelas novas rodovias, e com a dissemina-
pessoas, mercadorias e informações, formando
ção do uso do automóvel, a concentração da
muitas vezes espaços fragmentados e policên-
população nas áreas centrais das cidades dimi-
tricos (Ascher, 2001), de acordo com os atrati-
nuiu, expandindo-se para as periferias.
vos de determinada região. Ao mesmo tempo
Figura 1 – Macrometrópole Paulista
Fonte: Emplasa (2012). Disponível em: http://www.emplasa.sp.gov.br/emplasa/
464
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ...
Figura 2 – Aglomerado Urbano de Jundiaí: divisão municipal
Fonte: Emplasa (2012). Disponível em: http://www.emplasa.sp.gov.br/emplasa/
atua como um espaço contínuo que se expres-
os possíveis vetores de crescimento da região,
sa através do aumento do crescimento da co-
e consequentemente, os processos de segrega-
nurbação de cidades ou da perda dos limites
ção socioespacial dentro deles.
claros entre elas. Muitas vezes, a conurbação
além de física é também funcional, numa relação estreita de interdependência entre cidades,
coesionando um sistema de redes interurbanas.
[...] técnica, ciência e informação se
apresentam de forma variável no meio,
constituindo regiões mais ou menos concentradas, construindo redes globais de
informações econômico-territoriais, com
diferentes graus de acessibilidade. Cada
vez mais, informação é poder. Nas regiões
mais densas deste meio há condições para a constituição de novos processos de
urbanização, dada a base técnica e informacional que permite novos arranjos
produtivos e distributivos. (Queiroga e
Benfatti, 2007, p. 42)
Estruturação dos territórios
metropolitanos contemporâneos
O AUJ localiza-se num corredor de infraestrutura urbana, no cruzamento de duas das mais
importantes rodovias do estado de São Paulo,
a Anhanguera e a Bandeirantes, que permitem
um fácil acesso aos dois principais aeroportos
do Estado, o de Cumbica, em Guarulhos, e o
de Viracopos, em Campinas, com as rodovias
D. Gabriel Bueno Couto, que conecta o AUJ
ao Aglomerado Urbano de Sorocaba (AUS),
e João Cereser, que conecta a Microrre gião
A partir das características das cidades
Bragantina.
do AUJ, é possível verificar o tipo e o grau de
As possibilidades de acesso ao transpor-
interdependência entre elas, compreendendo
te aéreo de carga e a presença das rodovias
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
465
Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior
Figura 3 – Distrito Industrial e condomínios
ao longo da Rodovia D. Gabriel Paulino Bueno Couto
Fonte: Foto aérea executada por Adriana Del Monte, em 28/8/2013.
continuam atraindo diversas indústrias mul-
elas estão gigantes como Renault / Nissan,
tinacionais e também setores de logísticas
Frigor Hans, Parmalat, Coca-Cola, Ambev
ao AUJ, ampliando a internacionalização da
Sifco, Mahle, Siemens, Foxconn, Itautec,
região. Esses novos empreendimentos, insta-
Rexam, Akzo Nobel, Fidelity Information
lando-se simultaneamente na região, buscam
Ser vices. As atividades dessas empresas
maior acessibilidade às regiões metropolitanas
multinacionais, no entanto, vêm sendo im-
e ao mesmo tempo induzem ao aumento de
plantadas, diferentemente do que ocorria
veículos nas rodovias, causando novos conges-
anteriormente, em cidades menores da rede
tionamentos onde não eram frequentes.
regional de cidades, ampliando o fluxo mi-
O AUJ possui um parque industrial
com mais de quinhentas empresas, entre
466
gratório e imigratório para a região macrometropolitana.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ...
Já é fato razoavelmente conhecido que
a Região Metropolitana de São Paulo
não é mais um grande polo de absorção
de migrantes internos e externos, papel
que desempenhou durante a maior parte do século XX. Na primeira década do
XXI houve um expressivo saldo negativo
entre os que entraram e os que saíram.
Chegaram 100 mil pessoas e partiram 800
mil somente para o interior do estado. O
que não é tão conhecido é o novo perfil
migratório que esses números, de certa
forma, escondem. O fluxo já não se explica pela dinâmica da indústria e do emprego formal que antes atraía novos moradores. A grande novidade é o fenômeno da
reversibilidade – ou seja, as permanências
tendem a encurtar-se e o movimento se
caracteriza por idas e vindas, além dos
retornos definitivos. (Ferrarri, 2011, p. 84)
A evolução da população
e da mancha urbana no
Aglomerado Urbano de Jundiaí
A cidade de Jundiaí é o centro da aglomeração urbana que compreende Jundiaí, Cabreúva, Campo Limpo Paulista, Itupeva, Jarinu,
Louveira e Várzea Paulista, com uma população
de cerca de 700 mil habitantes, onde Jundiaí
participava, em 2010, com 370.126 habitantes
desse total (Seade, 2010).
Jundiaí concentra aproximadamente
53% de toda a população do aglomerado e
situa-se num entroncamento rodo-ferroviário importante entre as Regiões Metropolitanas de Campinas e São Paulo e o Aglomerado Urbano de Sorocaba, ocupando uma
O crescimento dessas indústrias é cada
vez mais sensível à disponibilidade da infor-
posição privilegiada dentro da Macrometrópole Paulista.
mação, do processamento de telecomunica-
A espacialização desse poderoso nó de
ções, bem como da proximidade de transporte
fluxos viários, ferroviários e aeroviários, que
aéreo para facilitar o ponto a ponto de conta-
estrutura o AUJ, tornou-se um fator especial-
tos entre muitos locais dispersos, aumentan-
mente importante de promoção da dispersão
do assim a capacidade de integração dessas
e fragmentação da urbanização metropolita-
empresas às diferentes redes (Sassen, 2008)
na, pelo fácil acesso dos novos núcleos urba-
da economia mundial.
nos a rodovias e ferrovias, pela proximidade
O AUJ integra Jundiaí, Cabreúva, Campo
aos aeroportos internacionais, pelo fortaleci-
Limpo Paulista, Itupeva, Jarinu, Louveira e Vár-
mento da infraestrutura e comunicação, além
zea Paulista numa rede de cidades situadas ao
do aumento do desenvolvimento econômico
longo de rodovias, ou eixos de infraestruturas
no conjunto da região com o espalhamento de
de circulação e que se articulam num intricado
centros logísticos de distribuição de grandes
sistema funcional de relações na escala regio-
redes varejistas e instalação de novas unida-
nal, buscando aproveitar vantagens logísticas
des produtivas.
e consequentemente econômicas, ampliando a
presença do AUJ na Macrometrópole Paulista.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
Através da imagem aérea (Figura 5),
verifica-se o alargamento e a expansão da
467
Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior
Figura 4 – Rodovia D. Gabriel Paulino Bueno Couto
Fonte: Foto aérea realizada por Adriana Del Monte, em 28/8/2013.
mancha urbana em direção ao entroncamento
O processo de conurbação pode ser ob-
rodoviário das rodovias Bandeirantes, Anhan-
servado entre os municípios de Jundiaí, Várzea
guera e Gabriel Paulino Bueno Couto (SP 300),
Paulista e Campo Limpo Paulista que têm, nos
além de uma certa dispersão urbana, princi-
últimos anos, apresentado um processo acele-
palmente na direção de Louveira e na direção
rado de urbanização (ver Tabela 1), polarizado
de Itupeva e Cabreúva.
por Jundiaí.
Algumas cidades do aglomerado apre-
Entre os vários fatores que explicam es-
sentam alta densidade populacional como é o
sas conurbações, destacam-se os de natureza
caso das três cidades atualmente conurbadas:
territorial tais como a área disponível para ur-
Campo Limpo Paulista, Várzea Paulista (ambas
banização, ou mesmo, o tamanho do território
com 100% de área urbanizada) e Jundiaí (com
da cidade, como no caso de Várzea Paulista que,
95% de área urbanizada).
pela ocupação adensada de todo o território
468
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ...
Tabela 1 – Grau de urbanização (%)
Localidade
2000
2010
Cabreúva
77,83
84,75
Campo Limpo Paulista
97,7
100,00
Itupeva
73,6
86,84
Jarinu
64,45
77,28
Jundiaí
92,83
95,7
Louveira
91,57
96,15
Várzea Paulista
100,00
100,00
Fonte: Seade (2010). Disponível em: www.seade.gov.br
urbanizável disponível, expandiu a mancha ur-
a um terço do território jundiaiense (Figura
bana em direção a Jundiaí, com a qual mantém
6). A exclusão dessas áreas para ocupação
uma interdependência muito grande.
urbana resultou na ocupação quase total do
Em Jundiaí, a partir de 1998, o decreto
restante do território e produziu, em Jundiaí,
estadual 43.284 instituiu uma zona de conser-
um índice de 95% de área urbanizada que se
vação hídrica composta pelas bacias dos rios
expandiu além das fronteiras do município,
Capivari e Jundiaí-Mirim, propiciando uma
conurbando-se com Várzea Paulista e Campo
baixa densidade territorial nessas áreas. Em
Limpo Paulista.
2004, a lei complementar 417 delimitou uma
Campo Limpo Paulista conta com um se-
área de preservação ambiental na Serra do
tor industrial desenvolvido, apresenta alta den-
Japy (zona de conservação da vida silvestre),
sidade populacional e uma forte dependência
impedindo qualquer novo tipo de ocupação
do setor de serviços e de comércio de Jundiaí,
ou transformação do território. Somente o ter-
fatores que contribuíram para o processo de
ritório de gestão da Serra do Japy corresponde
conurbação, conforme registrado na Figura 7.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
469
Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior
Figura 5 – Zonas de conservação e preservação ambiental
Fonte: Prefeitura Municipal de Jundiaí (2012). Disponível em: http://cidade.jundiai.sp.gov.br/PMJSITE/portal.nsf/V03.02/smpm_mapas?OpenDocument
470
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ...
Figura 6 – Mancha urbana 2013
Fonte: Imagem do Google Earth. Acesso em 10/6/2013.
Considerando que Itupeva ampliou sua
facilitado pela extensão do gasoduto Brasil-
participação no contingente populacional do
-Bolívia, pela instalação de shoppings conecta-
AUJ de 4,51%, em 2000, para 6,42%, em 2010,
dos à rodovia, pelo turismo ecológico e rural,
e apresenta o maior índice de crescimento geo-
além dos grandes parques temáticos. Com o
métrico da região, da ordem de 5,53% ao ano
desenvolvimento econômico de Itupeva, a for-
(Seade, 2010), evidencia-se o surgimento de
ma urbana da região alterou-se com a implan-
um vetor intrametropolitano de crescimento
tação de um grande número de condomínios
nessa direção. A alta taxa geométrica de cresci-
residenciais horizontais fechados, confirmando
mento apresentada por Itupeva pode ser justifi-
um vetor de dispersão urbana e de crescimento
cada pela implementação do Distrito Industrial,
populacional no sentido de Jundiaí a Itupeva.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
471
Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior
Tabela 2 – Taxa de crescimento geométrico anual (2000/2010)
Unidade territorial
Número de municípios
TGCA (% 2000/2010)
39
0,99
9
1,22
RM Campinas
19
1,83
RMVPLN
39
1,31
7
1,88
AU Piracicaba
22
1,23
AU Sorocaba
22
1,71
MR São Roque
5
1,25
MR Bragantina
11
1,56
Macrometrópole
173
1,17
Estado de São Paulo
645
1,10
5.565
1,17
RM de São Paulo
RM Baixada Santista
AU Jundiaí
Brasil
Fonte: Seade (2012). Disponível em: http://www.seade.gov.br
Tabela 3 – Evolução da população no AUJ
%
Densidade
demográfica
(hab/km2)
259,81
20,46
160,13
33.100
41.604
80,05
6,30
925,37
63.724
74.074
Itupeva
200,52
15,79
223,72
26.166
44.859
Jarinu
207,67
16,35
114,83
17.041
23.847
Jundiaí
431,97
34,01
856,83
323.397
370.126
Louveira
55,35
4,36
670,74
23.903
37.125
34,63
2,73
3.092,64
92.800
107.089
1.269,99
100,00
550,18
580.131
698.724
–
166,25
36.969.476
41.262.199
Municípios
Cabreúva
Campo Limpo Paulista
Várzea Paulista
AU Jundiaí
Estado de São Paulo
Área (km2)
Abs.
248.197,00
População
2000
População
2010
Fonte: Seade (2012). Disponível em: http://www.seade.gov.br
472
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ...
Tabela 4 – Taxa de crescimento anual por cidade no AUJ (TGCA)
Localidade
Taxa Geométrrica de Crescimento Anual
(em % a.a.)
2010
Cabreúva
População Total
População Urbana
População Rural
2,35
3,22
-1,42
Campo Limpo Paulista
População Total
População Urbana
População Rural
1,54
1,77
-100
Itupeva
População Total
População Urbana
População Rural
5,53
7,29
-1,57
Jarinu
População Total
População Urbana
População Rural
3,43
5,33
-1,1
Jundiaí
População Total
População Urbana
População Rural
1,36
1,67
-3,69
Louveira
População Total
População Urbana
População Rural
4,5
5,01
-3,37
Várzea Paulista
População Total
População Urbana
População Rural
1,46
1,46
–
Fonte: Seade (2012). Disponível em: http://www.seade.gov.br/produtos/imp/index.php?page=tabela
Hoje, o AUJ detém a maior taxa de cresci-
A densidade demográfica de Várzea
mento geométrico (TGCA) da Macrometrópole
Paulista, de 3.092,64 hab/km2, contrasta com
Paulista – 1,88% de 2000 a 2010 –, enquanto a
as demais cidades. Campo Limpo Paulista, em
Região Metropolitana de São Paulo apresentou
segundo lugar, mesmo com muitas indústrias
0,99% no mesmo período.
metalúrgicas, que ocupam extensas áreas terri-
Porém, Jundiaí, acompanhando os indi-
toriais, apresenta um adensamento populacio-
cadores das cidades-polo das demais regiões
nal significativo, 925 hab/km2, bem distante de
metropolitanas brasileiras, apresenta a menor
Várzea Paulista, uma cidade-dormitório, onde a
taxa de crescimento anual (1,36%) da popula-
maioria da população trabalha em Jundiaí ou
ção do aglomerado. Apesar disso, a população
em Campo Limpo Paulista.
de Jundiaí corresponde ainda a 53% do total
Essa nova configuração urbana do AUJ
do aglomerado urbano, um dos fatores que a
promoveu o aumento dos deslocamentos po-
reitera como polo centralizador da região.
pulacionais, pendulares entre os municípios,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
473
Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior
confirmando o estreitamento das relações
todos os setores produtivos como cidade prin-
socioeconômicas.
cipal. Na realidade, existem circuitos muitos
A distinção entre o centro e periferia da
específicos dos quais participam as cidades do
maioria das cidades do AUJ deixou de existir
aglomerado, remetendo, como aponta Sassen,
com o surgimento de novas centralidades nas
à existência de diferentes circuitos articulando
antigas periferias, impulsionadas por polos de
as redes de cidades.
serviço como supermercados, shoppings, parques, e pela criação de distritos industriais resultantes do espalhamento dos equipamentos
produtivos por amplos territórios e que se interligam de forma autônoma com a Macrometrópole Paulista.
[...] esta urbanização que se estende
para além das cidades em redes que
penetram virtualmente todos os espaços regionais, integrando-os em malhas
mundiais, representa, assim, a forma
socioespacial dominante que marca a sociedade capitalista de Estado contemporânea em suas diversas manifesta ções,
desde o centro dinâmico do sistema
capitalista, até – e cada vez mais – as
diversas periferias que se articulam dialeticamente em direção aos centros e
sub-centros. (Monte-Mór, 1994, p. 171)
Esse novo ambiente de urbanização contemporânea confirma a importância dos sistemas de circulação e transporte e a falência das
condições de acessibilidade e mobilidade, devido aos intensos fluxos de veículos que transformam rodovias de alta velocidade em avenidas
metropolitanas de baixa velocidade.
A adoção da perspectiva de uma dessas
cidades revela a diversidade e a especificidade de sua localização em alguns,
ou em muitos, desses circuitos. Essas
emergentes geografias intercidades
começam a funcionar como infraestrutura para várias formas de globalização.
A primeira etapa seria identificar os
circuitos globais específicos dos quais
uma cidade faz parte. Eles variam conforme a cidade, dependendo das características específicas de cada uma, da
mesma maneira que, em cada circuito,
os grupos de cidades são diferentes.
Isto mostra que as diferenças e características especiais das cidades são importantes, e que a concorrência entre
as cidades é menor do que parece, ou
seja, certa divisão global, ou regional,
de funções, estaria desempenhando um
papel mais importante do que parece.
(Sassen, 2008)
No caso do AUJ, isso é visível quando
verificamos o número de estabelecimentos
por setor produtivo em cada cidade, ou seja,
apesar de serem cidades independentes, são
cidades complementares funcionalmente e estabelecem entre si uma relação de cooperação
e interdependência.
A rede de cidades no AUJ
Para essa análise, é importante relacionar não só o número de estabelecimentos
entre as cidades do aglomerado, mas também
Apesar de Jundiaí, cidade-polo do aglomerado
entre os próprios estabelecimentos da cidade
urbano, apresentar maior número de habitan-
para que se verifique a especificidade de cada
tes e maior área territorial, não se destaca em
uma delas.
474
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ...
Tabela 5 – Estabelecimentos por setores
Jundiaí
Várzea
Paulista
175
4
72
Industriais
1.286
378
Comerciais
3.797
Serviços
Total
Estabelecimentos
Agropecuários
% no AU
Cabreúva
Campo Limpo
Paulista
Louveira
Itupeva
Jarinu
8
53
79
78
178
141
156
257
85
454
245
325
297
400
153
3.683
250
187
207
209
282
121
8.941
1.086
712
681
715
1.018
437
65,79%
7,99%
5,24%
5,01%
5,26%
7,49%
3,22%
Fonte: IBGE (2010). Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php
O setor de serviços e comércios de Jun-
e Campinas, próximos a grandes rodovias, co-
diaí é extremamente importante para toda a
mo também pela “qualidade de ambiental” e a
região, ocupando 83% de seus estabelecimen-
presença de microclima próprio da região devi-
tos. Esse setor sustenta boa parte das necessi-
do a proximidade à Serra do Japy.
dades do aglomerado urbano, proporcionando
Recentemente foi criado, no sentido de
um fluxo constante e pendular entre as cidades.
Itupeva, um distrito industrial assim como foi
Em Campo Limpo Paulista, 68% dos es-
instalado um sistema de gasoduto, atraindo
tabelecimentos da cidade são industriais. Com-
uma vasta gama de indústrias na região, que
parativamente, se antes podíamos dizer que
se localizaram num estratégico entroncamen-
Jundiaí era uma cidade industrial, hoje parece
to rodoviário.
que essa configuração tem se transformado
Jarinu, apesar de contar com ape-
bastante, principalmente quando verificamos
nas 3,22% de todos os estabelecimentos do
o número de estabelecimentos do setor de ser-
aglomerado, tem 18% do total dos estabe-
viços e comércio diante do setor industrial de
lecimentos da cidade direcionados ao setor
Jundiaí (Tabela 5).
agropecuá rio, assim como tem uma grande
No caso de Várzea Paulista, a densidade
urbana da cidade é alta, no entanto a cidade
área rural (23%), se comparada às outras cidades do aglomerado.
não se destaca em nenhum dos setores, mas é
Hoje, a maior parte dos deslocamentos
responsável pela oferta de mão de obra para
diários acontecem em primeiro lugar dentro da
o comércio, o serviço e as indústrias das outras
própria aglomeração, o que demonstra a forte
cidades, principalmente Jundiaí e Campo Limpo.
interação na rede de cidades do AUJ. Em segun-
Em Itupeva, identifica-se um eixo de
do lugar aparecem os deslocamentos diários
localização de camadas de sociais de renda
entre o AUJ para a RMSP, o que reforça a cons-
média alta, através principalmente da expan-
tatação de que a localização do AUJ é muito
são de condomínios fechados naquela região,
importante também para o contexto de mobi-
atraídos tanto pela localização entre São Paulo
lidade da Macrometrópole Paulista.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
475
Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior
urbanos é o movimento de pendularidade in-
Desafios à mobilidade
gerados pelo Aglomerado
Urbano de Jundiaí
tenso nas conexões interurbanas que pode ser
notado através da análise do fluxo de transportes coletivos na região, assim como pelo fluxo
de veículos de passeio.
A mobilidade urbana no Aglomerado Urbano
de Jundiaí estrutura-se basicamente em duas
A mobilidade é... possibilitada pelas
novas tecnologias de comunicação e
transporte, permitindo a dissociação
residência trabalho, um dos elementos
fundamentais da alteração dos padrões
de mobilidade diária que ocorreria entre
esses dois polos. (Ascher, 1998, apud
Marandola, 2006)
escalas: a cidade e a região, e os fluxos de
mobilidade identificam o papel de cada cidade na rede urbana do aglomerado. O modo
de vida contemporâneo e o dinamismo social
conduzem a deslocamentos populacionais,
mudanças e redistribuições espaciais, relações e composições entre as cidades, altas
densidades e vazios urbanos, a diluição das
O Aglomerado Urbano de Jundiaí é
fronteiras entre as cidades e ao mesmo tem-
atendido por diversas linhas de transporte co-
po, o aumento da conexão entre elas.
letivo intermunicipal de passageiros com ori-
Uma característica importante das
regiões metropolitanas e dos aglomerados
gem e/ou destino internos aos municípios da
aglomeração.
Tabela 6 – Transporte coletivo – Número de viagens/dia internas à AUJ
Municípios
de origem
Municípios de destino
Cabreúva
Campo
Limpo
Itupeva
Jarinu
Jundiaí
Louveira
Várzea
Paulista
Total
Cabreúva
0
6
0
4
8
0
0
18
Campo Limpo
0
0
0
0
0
0
0
0
Itupeva
0
0
0
0
0
0
0
0
Jarinu
0
22
0
0
0
0
0
22
168
283
160
26
0
8
354
999
Louveira
0
0
0
0
0
0
0
0
Várzea Paulista
0
0
0
0
189
0
0
189
168
311
160
30
197
8
354
1.228
Jundiaí
Total
Fonte: Emplasa (2007).
476
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ...
Tabela 7 – Transporte coletivo – Porcentagem de viagens/dia internas na AUJ
Municípios
de origem
Municípios de destino (%)
Cabreúva
Campo
Limpo
Cabreúva
0
33,3
Campo Limpo
0
0
Itupeva
0
0
Jarinu
0
100
Jundiaí
16,82
28,33
Itupeva
Jarinu
Jundiaí
22,22
44,44
Louveira
Várzea
Paulista
1,466
1,792
16,02
2,60
0,8
35,44
Louveira
81,35
0
Várzea Paulista
Total
Total
100
13,68
25,33
13,03
2,44
16,04
15,39
0,65
28,83
100
Fonte: Emplasa (2007).
Pela análise das Tabelas 6 e 7, percebe-
Atualmente, as principais rodovias que
-se a polarização exercida por Jundiaí na
ligam as cidades do AUJ têm, em média, um
distribuição intrarregional de viagens e pas-
fluxo diário de 60 mil a 80 mil pessoas3 em veí-
sageiros através do transporte coletivo. Apro-
culos de passeio.
ximadamente 81,35% dos deslocamentos tem
A infraestrutura de rodovias e estradas
Jundiaí como origem e todos os municípios
da região tem sido um dos grandes agentes
do aglomerado urbano como destino. Destes
de desenvolvimento econômico, estimulando
81,35% , 35,43%% dirigem-se para Várzea
o crescimento urbano e a conurbação. Dessa
Paulista, 28,32% para Campo Limpo Paulista,
forma, o estudo e a avaliação dos processos
16,01% para Itupeva, 16,81% para Cabreú-
geradores da dinâmica socioeconômica são es-
va e apenas 0,8% para Louveira. Em síntese,
senciais para se estabelecer as relações de in-
percebe-se, pelos dados, que o município de
terdependência entre as cidades do aglomera-
Jundiaí ocupa a função de centro polarizador
do urbano e também analisar a reestruturação
da região.
urbana da região.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
477
Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior
Os percursos podem ser vistos como rotas, utilizadas nos deslocamentos das
pessoas na cidade, através de espaços
livres, que formam trajetórias. Constituem uma linha, no espaço e no tempo,
descrita pelo movimento que define a
direção de fluxos de circulação cotidianos, podendo indicar vetores de expansão intraurbana. Implicam igualmente
num sentido social, relacionado aos
deslocamentos e práticas de um dado
grupamento humano, em uma direção
de crescimento da cidade, englobando
questões da cultura, interesses e hábitos
típicos dos grupos sociais, em função da
localização, renda e modo de transporte
urbano. (Silveira et al., 2007)
atividades econômicas atreladas aos parques
temáticos e ao turismo de lazer.
• pela Rodovia Dom Gabriel Paulino Bueno
Couto (Jundiaí-Itupeva-Cabreúva-Itu), as interações urbanas são mais fortes até Itupeva no
sentido de Sorocaba, demonstrando uma conurbação funcional com a implementação do
Distrito Industrial, a extensão do gasoduto e a
presença de diversos condomínios fechados ao
longo da rodovia.
• pela Rodovia Vereador Geraldo Dias (Jundiaí-Louveira-Vinhedo), apresenta-se uma conurbação funcional, no entanto ainda não se
verifica uma conurbação espacial, apesar dos
fortes indicativos para isso, demonstrando uma
A partir de Jundiaí é possível perceber
vetores de expansão no sentido das metró-
tendência de expansão urbana de Jundiaí para
o sentido de Campinas.
poles de São Paulo e Campinas, seguindo os
• pela Rodovia João Cereser (SP-360), arti-
principais eixos rodoviários: pela Rodovia
culam-se diretamente as cidades de Jundiaí e
Anhanguera (SP-330), Rodovia Bandeirantes
Jarinu. Na região de Jundiaí existe um fluxo
(SP-348) e Rodovia Dom Gabriel Paulino Bueno
bastante intenso de circulação de veículos até
Couto (SP-300), Rodovia Vereador Geraldo Dias
a Rodovia Engenheiro Constâncio Cintra, que
(SP-332) e pela Rodovia João Cereser (SP-360).
leva a Itatiba, apresentando um fluxo de mode-
• pela Rodovia Anhanguera (Cajamar-Jun-
rado a intenso até o acesso a Jarinu, uma cida-
diaí-Louveira-Vinhedo), as interações urbanas
de com características rurais se comparada as
até Campinas são intensas, mas com manchas
outras cidades do Aglomerado.
urbanas fragmentadas, demonstrando uma co-
A intensidade dos fluxos observados nos
nurbação funcional (Queiroga e Benfatti, 2007),
eixos viários citados, que absorvem a maioria
ou seja, uma intensa relação de dependência
das trajetórias diárias da população, constitui-
econômica e social, através de redes de comuni-
-se, enquanto aspecto de mobilidade interurba-
cações sejam físicas ou virtuais, inclusive como
na, num importante indicador da estruturação
o sistema de informações entre as cidades.
de vetores de expansão da urbanização não só
• pela Rodovia dos Bandeirantes (São Paulo-
entre as cidades do próprio aglomerado, mas
-Campinas), as interações urbanas até Cam-
também entre o AUJ e as Regiões Metropolita-
pinas são menos intensas do que na Rodovia
nas de Campinas e São Paulo e simultaneamen-
Anhanguera, por se tratar de uma rodovia con-
te no ambiente da Macrometrópole Paulista.
finada com poucos acessos ao longo do percur-
Outro indicador significativo da estrutu-
so, embora essa região venha desenvolvendo
ração de um vetor de expansão da urbanização
478
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ...
no sentido Jundiaí-Itupeva é a constatação de
de processos especulativos e de especulação
que a evolução da malha urbana de Jundiaí
imobiliária, em que os interesses privados dos
ultrapassou a barreira das rodovias existentes,
empreendedores superam os interesses públi-
que se configuravam como tradicionais limi-
cos, como os condomínios fechados, os par-
tes naquela direção. Contribuíram para isso a
ques de lazer e o Distrito Industrial de Itupeva.
instalação do Distrito Industrial de Jundiaí e
Já no sentido Campinas, essa fragmentação
de diversos parques temáticos, localizados às
resulta do crescimento de condomínios fecha-
margens da Rodovia Dom Gabriel Paulino Bue-
dos e da instalação de galpões de logística,
no Couto, bem como o Aeroporto de Jundiaí,
situados nas conexões rodoviárias entre os no-
localizado no vetor sudoeste da cidade. Esses
vos tecidos urbanos.
empreendimentos dispersos pelo território
A malha rodoviária e a proximidade de
consolidaram-se como nós urbanos intrametro-
outros meios de transporte facilitam a logís-
politanos (Queiroga e Benfatti, 2007), apresen-
tica dos produtos e os acessos aos pontos de
tando-se como polos geradores potenciais de
entretenimento. A conclusão dos rodoaneis de
novas centralidades na escala regional.
São Paulo e de Campinas (a menos de 50 km
Segundo a edição, de 9 de outubro de
2011, do jornal O Estado de S.Paulo, o Aeropor-
de distância de Itupeva) conectará o município
a um grande número de importantes rodovias.
to de Jundiaí tem se destacado como centro da
aviação executiva da Macrometrópole Paulista
devido ao esgotamento de pistas do Aeroporto de Congonhas e do Campo de Marte. Nos
últimos cinco anos, o número de aeronaves e
Segregação socioespacial
no AUJ
passageiros triplicou, e o jornal destaca como
pontos fortes do aeroporto, a questão da loca-
Essa posição estratégica do AUJ nas cone-
lização e do microclima, devido a Serra do Japi,
xões intrametropolitanas potencializa a nova
facilitando pousos e decolagens sem o incon-
unidade regional como localização para mo-
veniente da chuva e da neblina.
radia, como ponto estratégico para centros
Hoje, o Aeroporto de Jundiaí faz 78 mil
pousos e decolagens de aviação executiva por
ano, mais que o dobro de Congonhas (34 mil) e
63% do movimento total do Campo de Marte.
logísticos e como local ideal para indústrias
de nova geração.
Com a forte infraestrutura rodoviária,
facilitando a acessibilidade, a relação espaço-
Essa região geográfica é privilegiada, pois
-tempo se inverte, e a distância deixa de ser um
integra uma região densamente povoada, in-
problema para os deslocamentos diários, inter-
dustrializada e com renda per capita expressiva.
cidades ou intermetrópoles, seja para acesso
Devido aos nós urbanos entre as cida-
aos equipamentos de educação, de consumo
des do Aglomerado, nota-se a fragmenta-
e serviços, seja para buscar opções de mora-
ção das manchas urbanas no vetor sudoeste,
dia ou trabalho. Dessa forma, a competividade
sentido Itupeva, e no vetor nordeste, sentido
entre as cidades torna-se ainda mais acirrada,
Campinas. No sentido Itupeva, é decorrente
agora não só pela população da própria cidade,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
479
Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior
mas pela população de toda a região. Podemos
tanto produtos como pessoas, tanto bens
dizer que as cidades deixam de ter suas fron-
materiais como bens imateriais (comunicação
teiras definidas, e o espaço no qual o indivíduo
e informação) se encontram, são recompos-
se relaciona também deixa de ser apenas o da
tos e disseminam-se por toda a região, e isso
própria cidade de residência, ampliando, de for-
favorece uma forte dispersão de assenta-
ma contemporânea, sua percepção e vivência
mentos residenciais, industriais, de serviços
para a rede de cidades, para o espaço regional.
e de lazer.
Segundo Randolph (2010), cada vez mais
As classes de renda média e renda alta
os processos econômicos ou sociais ultrapas-
da região têm demonstrado preferência pela
sam as fronteiras das cidades e provocam al-
região de Itupeva, pois oferece um malha ro-
terações nas relações interurbanas, como a
doviária bem estruturada que permite um fácil
desconcentração de instalações de produção, e
acesso de veículos de passeio a rede de cida-
interferem na localização dos lugares de traba-
des da Macrometrópole Paulista.
lho e das residências da população, ampliando
as distâncias, alterando a forma urbana.
Percebe-se, observando a distribuição
geográfica desses dados, o mapa da segrega-
Dessa forma, pontos ou sítios tornam-se
ção socioespacial, ou seja, quanto mais próxi-
lugares estratégicos ao permitirem que haja um
mo de Jundiaí, centro do aglomerado urbano,
entrelaçamento e aglomeração de atividades
maior a renda da população.
permanentes e estáveis que os tornem centrais
Jundiaí conta com 59,47% do PIB do
(Lefebvre, 1974, p. 331), favorecendo relações
Aglomerado Urbano e, segundo o Índice Pau-
interregionais e reestruturando o território.
lista de Responsabilidade Social (IRPS), faz
O AUJ beneficia-se de sua localização,
tornando-se uma plataforma logística, onde
parte do grupo de municípios com melhor situação de riqueza e bons indicadores sociais.
Tabela 8 – Índice Paulista de Responsabilidade Social
IPRS 2008
Municípios
Grupo IPRS
Riqueza municipal
Lengevidade
Escolaridade
Cabreúva
2
55
73
65
Campo Limpo Paulista
2
53
75
65
Itupeva
2
59
79
66
Jarinu
3
48
72
68
Jundiaí
1
63
76
85
Louveira
2
65
71
71
Várzea Paulista
2
50
77
50
AU Jundiaí
-
-
-
-
Estado de São Paulo
-
52
73
68
Fonte: Emplasa (2012).4
480
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ...
O Índice de Desenvolvimento Humano o
As cidades que têm o índice mais alto
classifica em 1º lugar dentro do grupo de mu-
de pobreza na região são Várzea Paulista, com
nicípios do aglomerado urbano, na 4ª posição
21,61%, Cabreúva, com 26,73%, e Jarinu, com
entre as cidades paulistas e em 14ª posição en-
27,94%. Itupeva e Louveira apresentam índices
tre as cidades brasileiras.
intermediários de pobreza, 18,24% e 19,54%,
Segundo o IBGE, o índice de pobreza na
respectivamente. O que se pode deduzir da Ta-
cidade de Jundiaí é de 8,78%, um índice bas-
bela 9 é que Várzea Paulista, Cabreúva e Jarinu
tante baixo diante das outras cidades do aglo-
se apresentam como territórios para pessoas
merado urbano ou mesmo da cidade de São
de baixa renda e são importantes fornecedores
Paulo e de Campinas.
de mão de obra especialmente para Jundiaí.
Tabela 9 – Índice de Desenvolvimento Humano
PIB total1
Municípios
PIB per capita2
(2009 em R$)
IDH 2000
2009 em R$
%
1.091.386.392,00
3,91
25.559,40
0,774
838.058.883,00
3,01
11.194,57
0,805
1.736.231.142,00
6,23
40.892,91
0,789
399.077.075,00
1,43
17.486,51
0,759
Jundiaí
16.585.137.291,00
59,47
47.395,72
0,857
Louveira
5.815.328.590,00
20,85
174.891,84
0,800
Várzea Paulista
1.421.193.977,00
5,10
13.256,05
0,795
27.886.413.350,00
100,00
41.421,58
-
1.084.353.489.626,00
-
26.202,22
-
Cabreúva
Campo Limpo Paulista
Itupeva
Jarinu
AU Jundiaí
Estado de São Paulo
(1) (2) – IBGE (2009)
Fonte: Emplasa (2012).
Tabela 10 – Índice de Pobreza por município
Municípios
Jundiaí
Várzea Paulista
Índice de pobreza em 2010 – %
8,78
21,6
Cabreúva
26,73
Louveira
17,8
Campo Limpo Paulista
19,5
Jarinu
27,94
Itupeva
18,24
Fonte: IBGE (2012). Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
481
Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior
Essa reconfiguração socioespacial do
AUJ é motivada não só pelas relações econô-
consequentemente, congestionamentos nos
horários de pico.
micas, mas também pelas relações sociais,
A relação entre as cidades do Aglomera-
pelo crescimento da segregação socioespacial,
do é cada vez mais estreita, uma relação de
pelas estruturas de mobilidades urbanas e pela
interdependência, na qual cada uma delas vem
acessibilidade de locomoção individual e cole-
assumindo um papel diferenciado como estraté-
tiva da população.
gia para se integrar às dinâmicas econômicas e
As melhorias na infraestrutura, no trans-
territoriais, onde a soma das cidades não tende
porte, nos setores de serviços e comércio, na
ao equilíbrio da região. Assim, a busca de níveis
comunicação urbana têm elevado a taxa de ur-
de interação política e de comunicação entre
banização da rede de cidades, provocando um
elas, seja através de transportes coletivos, par-
aumento dos investimentos imobiliários princi-
ticulares ou pela rede de informática, é cada vez
palmente no município de Jundiaí (ver Gráfico
mais essencial a sobrevivência dessas cidades.
1). Segundo a Prefeitura Municipal de Jundiaí,
Hoje, os entraves à mobilidade urbana
o número de imóveis construídos cresceu 38%
nas rodovias entre as cidades do AUJ tornam-
do ano de 2000 a 2010.
-se obstáculos às conexões entre a metrópole
No entanto, com o crescimento das cida-
de São Paulo e de Campinas, e esse problema
des e da aglomeração urbana, a rede de infra-
tende a se agravar, uma vez que o ICGA (Índice
estruturas de rodovias não está sendo capaz de
de Crescimento Geométrico Anual) da região é
suportar o enorme fluxo de passagens e, causa,
o maior da Macrometrópole Paulista.
Gráfico 1 – Evolução investimentos imobiliários nos últimos 10 anos
Fonte: Secretaria Municipal de Finanças da Prefeitura Municipal de Jundiaí (2011).
482
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ...
As cidades do Aglomerado Urbano ne-
atrás do problemas já ocorridos, mas além de
cessitam de planejamento integrado e ação
resolver os existentes e prever eventuais pro-
coordenada dos órgãos públicos, para o ge-
blemas futuros.
renciamento de problemas comuns, como a
questão da mobilidade, segregação social,
entre outras desigualdades em nível de saúde, educação e segurança pública. A construção de organismos de gestão regional compartilhada coloca-se como uma questão premente para a obtenção, no contexto descrito
por este artigo, de melhorias na qualidade de
vida dos habitantes do aglomerado urbano e
Cerca de 80% da carga que circula pela
Macrometrópole é considerada carga geral, ou seja, produtos intermediários em
suprimento ou escoamento de processos
industriais, e produtos para consumo final. Como as instalações de produção e
os estabelecimentos de consumo se encontram dispersos por esta região, a logística desta carga torna-se, portanto, de
difícil planejamento. (Asquino, 2010)
também da Macrometrópole Paulista, além
de aproveitar melhor os recursos públicos,
A capacidade de transformação urbana
beneficiando o desenvolvimento socioeconô-
dessa região é muito grande, provocando rea-
mico da região.
locação de atividades nesse território, atrain-
A Macrometrópole Paulista é polo de
do novas atividades ou polos intermetropoli-
atração de viagens intermunicipais e interesta-
tanos que agregam um significativo impacto
duais, concentrando fluxos das mais variadas
no sistema viário local. Em virtude da falta
origens e das mais diversas especificidades,
de investimentos nos transportes ferroviários,
simultaneamente fluxos de pessoas e cargas
a situação se torna ainda mais agravante nos
ao longo de suas rodovias, uma vez que nes-
principais eixos rodoviários.
sa região se concentra 50% do fluxo total de
Nota-se que a manutenção e potenciali-
transportes do estado de São Paulo e 93% de
zação do transporte ferroviário, em nível ma-
transporte de mercadorias do estado de São
crometropolitano, torna-se imprescindível, seja
Paulo (Asquino, 2010).
no transporte de cargas ou de passageiros. No
Atualmente, o Aglomerado Urbano de
entanto, no sistema ferroviário atual, existe um
Jundiaí caracteriza-se como centro logístico da
conflito de cargas passageiros, pois a constan-
região, e exatamente nesse ponto nodal, com
te movimentação de cargas provoca avarias e
a grande concentração de transportes de car-
desgaste nas linhas, impedindo o aumento de
ga, de pessoas, além da presença de mais de
velocidade do transporte de passageiros, o que
500 empresas ao longo das rodovias, a região
ocasiona muitas paradas ao longo das linhas
encontra-se num momento crítico, pois diaria-
de trem, comprometendo o aumento da sua
mente apresenta momentos de congestiona-
velocidade operacional por questão de segu-
mentos intensos. Essa situação demonstra a
rança. Dessa forma, o ideal seria redimensionar
necessidade de um planejamento macrometro-
o sistema de forma a diferenciar os trens para
politano na região, pois essa tendência a imo-
carga e para passageiros mesmo que na mes-
bilidade na Macrometrópole tende a aumentar
ma faixa ferroviária, e consequentemente redu-
rapidamente. Não podemos apenas correr
zindo o intervalos dos trens da CPTM.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
483
Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior
A melhoria da mobilidade intrametropo-
aglomerados na relação tempo e espaço, be-
litana não deve apenas redimensionar as infra-
neficiando-se pelo transporte de produtos num
estruturas rodoviárias, mas também expandir
tempo menor devido a sua localização. Essa
os sistemas de transporte sobre trilhos de for-
rede de cidades possuem uma diversidade de
ma a integrá-los para a solução da mobilidade
produtos e serviços interessante, seja baseados
na atual e futura Macrometrópole Paulista.
em conhecimento, como atividades de pesquisa, educação e as artes criativas, seja baseados
na produção ou deslocamento logístico.
Conclusão
No entanto, as problemáticas da região
teve um crescimento assustador nos últimos
anos, tanto com relação a congestionamento
Apesar do AUJ ter a menor área (1.269,99km2)
como em relação a segregação social. Cons-
de todos os aglomerados da Macrometrópole,
tatamos rodovias sobrecarregadas tanto pelo
seu TGCA, de 2000 a 2010, é 1,90 (vide Tabe-
transporte de passageiros como pelo escoa-
la 2), o maior de toda a região, contrariando a
mento dos produtos desenvolvidos com mo-
teoria de Christaller de lugares centrais, e jus-
mentos de imobilidade ao longo do dia. Condo-
tificando a importância do sistema de redes
mínios fechados competem com as indústrias
entre cidades.
nessa mesma região intersticial, beneficiando-
O AUJ se beneficia das sinergias dinâmi-
-se da relação espaço-tempo. Além dessa si-
cas entre as metrópoles de Campinas e de São
tuação, a região, principalmente em direção à
Paulo, responsável por uma posição geográfi-
Itupeva não está devidamente equipada para
ca chave nas transações inter-regionais (Scott,
receber essa população com grande desnível
1992), articulando ambientes culturalmente di-
social. Dessa forma, encontra-se uma região
versificados, instituições de ensino importantes,
com deficiência na saúde, educação e seguran-
polos de tecnologias de informação e sistemas
ça pública.
produtivos importantes para o país, favorecen-
Portanto, é nítida a necessidade de pla-
do uma força de trabalho flexível e criativa,
nejamento integrado e ação coordenada dos
melhorando a acessibilidade para o mundo ex-
órgãos públicos, para a melhoria na qualidade
terior e numa visão dinâmico do futuro.
de vida dos habitantes do Aglomerado Urbano
Auxiliado por corredores de transporte,
e também da Macrometrópole Paulista, apro-
como as rodovias e também pela infraestru-
veitando melhor os recursos públicos, benefi-
tura de comunicações, o AUJ vem adquirin-
ciando-se do desenvolvimento socioeconômi-
do vantagens significativas diante de outros
co da região.
484
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ...
Adriana Fornari Del Monte Fanelli
Arquiteta, mestranda em Arquitetura e Urbanismo na Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
diretora pedagógica ll das escolas Padre Anchieta e Sociedade Padre Anchieta. Jundiaí/SP, Brasil
[email protected]
Wilson Ribeiro dos Santos Junior
Arquiteto, doutor em Arquitetura e Urbanismo. Professor titular da Pontifícia Universidade Católica
de Campinas. Campinas/SP, Brasil.
[email protected] e [email protected]
Notas
(1) Nos países desenvolvidos, a intensificação da importância do setor de serviços para empresas
ocorre nos anos 1980 e, no final desta década, já se verifica esta tendência em cidades dos
países em desenvolvimento que se integram aos mercados mundiais (Davanzo, 2010, p. 90).
(2) Consideram-se arranjos espaciais conjuntos de municípios em continuidade, caracterizados
por elevada concentração populacional de renda, taxa de crescimento populacional superior
à media dos respectivos estados e significativa mobilidade pendular da população entre
municípios. Morfologicamente superam a condição de simples aglomerações por reunirem
mais de uma aglomeração e centros urbanos em uma mesma unidade especial, mesmo que
descon nuamente (Moura et al. , 2012, p. 52).
(3) Dados fornecidos pela Prefeitura de Jundiaí, 2010.
(4) Grupo IRPS:
1) municípios com bons indicadores em riqueza, longevidade e escolaridade;
2) municípios bem posicionados na dimensão riqueza, mas com deficiência em pelo menos um dos
indicadores sociais;
3) municípios com baixos níveis de riqueza, e com bons indicadores de longevidade e escolaridade;
4) municípios com baixos níveis de riqueza, e com deficiência em um dos indicadores sociais.
Referências
ANGEL, S.; PARENT, J.; CIVCO, D. L. e BLEI, A. (2012). The Dynamics of Global Urban Expansion. Atlas of
Urban Expansion. Lincoln Ins tute of Land Policy, pp. 1-4.
ASCHER, F. (2001). “Metropolização e transformação dos centros das cidades”. In: ALMEIDA, M. A. R.
Os centros das metrópoles: reflexos e propostas para a cidade democrá ca do século XXI. São
Paulo, Editora Terceiro Nome/Viva o Centro/Imprensa Oficial do Estado.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
485
Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior
ASQUINO, M. (2010). A importância da Macrometrópole Paulista como escala de planejamento de
infraestruturas de circulação e de transporte. Revista Brasileira Estudos Urbanos e Regionais. Rio
de Janeiro, v. 12, n. 1, pp. 83-98.
BATTEN, D. (1995). Network Ci es: Crea ve Urban Agglomera ons for the 21st Century. Urban Studies,
v. 32, n. 2, pp. 313-327.
BOTELHO, A. (2012). Capital volá l, cidade dispersa, espaço segregado: algumas notas sobre a dinâmica
do urbano contemporâneo. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 297-315.
CUNHA, J. M. P. (2011). Mobilidade espacial da população: desafios tecnológicos e metodológicos para
seu estudo. Campinas, Núcleo de Estudos de População/Unicamp.
DAVANZO, A. M. Q.; PIRES, M. C. S.; NEGREIROS, R. e SANTOS, S. M. M. (2010). “Metropolização e
rede urbana”. In: PEREIRA, R. H. M. e FURTADO, B. A. Dinâmica Urbano Regional: rede urbana
e suas interfaces. Brasília, IPEA. Disponível em: h p://www.suzanncordeiro.com/wp-content/
uploads/2011/07/Dinâmica+..1.pdf#page=89. Acesso em: 19 set 2013.
EMPLASA – Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (2011). Rede urbana e regionalização do
estado de São Paulo. Disponível em: h p://www.emplasa.sp.gov.br/emplasa/ProjetosEstudos/
Relatorios/Livro_miolo%20em%20baixa.pdf. Acesso em: 12 abr 2012.
______ (2012). Disponível em: www.emplasa.sp.gov.br/emplasa/macrometropole/macrometropole.
pps. Acesso em: 12 abr 2012 e em 14 abr 2012.
FERRARRI, M. (2011). A metrópole móvel. Pesquisa Fapesp, p. 84. Disponível em: h p://revistapesquisa.
fapesp.br/wp-content/uploads/2012/04/084-087-184.pdf. Acesso em: 21 set 2013.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (2010). Perfil dos municípios brasileiros
2009 - Pesquisa de Informações Básicas Municipais. Rio de Janeiro, IBGE.
LIMONAD, E. (2011). Urbanização Dispersa mais uma forma de expressão urbana? Revista Formação,
v. 1, n. 14, pp. 31-45. Disponível em: www4.fct.unesp.br/pos/geo/revista/ar gos/Limonad.pdf .
Acesso em: 26 mar 2012.
MARANDOLA, E. (2006). Mobilidade e vulnerabilidade nos espaços de vida de Campinas. In: XV
ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS. Anais. Caxambu/MG.
MONTE-MÓR, R. L. (1994). “Urbanização extensiva e lógicas de povoamento: um olhar ambiental”.
In: SANTOS, M. et al. (org.). Território, globalização e fragmentação. São Paulo, Hucitec/Anpur.
MOURA, R. (2004). Morfologias de concentração no Brasil: o que se configura além da metropolização
no Brasil? Revista Paranaense de Desenvolvimento. Curi ba, n. 107, pp. 77-92.
MOURA, R.; LIRA, S. A. e CINTRA, A. P. U. (2012). Arranjos espaciais: concentração e mobilidade que
redesenham as aglomerações e centros. Caderno IPARDES. Curi ba, v. 2, pp. 51-67.
QUEIROGA, E. F. e BENFATTI, D. M. (2007). Entre o nó e a rede, dialé cas espaciais contemporâneas:
o caso da metrópole de Campinas diante da megalópole do Sudeste do Brasil. Revista Brasileira
de Estudos Urbanos e Regionais, v. 9, n. 1.
QUEIROGA, E. F.; SANTOS JR., W. R. e MERLIN, J. R. (2009). Sistemas de espaços livres e metrópole
contemporânea: reflexos a par r do caso da região metropolitana de Campinas. Paisagem
Ambiente: ensaios. São Paulo, n. 26, pp. 211-223.
486
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ...
RANDOLPH, R. (2011). A questão da fronteira das metrópoles e a reorganização regional em seu
entorno: reflexões a respeito de mudanças do paradigma da urbanização. In: XIV ENCONTRO
NACIONAL DA ANPUR. Anais. Rio de Janeiro. Disponível em: h p://www.anpur.org.br/site/
anais/ena14/ARQUIVOS/GT9-556-531-20110106090645.pdf. Acesso em: 18 out 2012.
SASSEN, S. (1998). As cidades na economia mundial. São Paulo, Studio Nobel.
______ (2008). The specialised diferences of global ci es. Arquitextos. Disponível em: www.vitruvius.
com.br/revistas/read/arquitextos/09.103/87. Acesso em: 5 jun 2012.
SCOTT, A. J.; AGNEW, J.; SOJA, E. W. e STORPER, M. (2001). Cidades-regiões globais. Espaço e Debate.
São Paulo, n. 41, pp. 41-25.
SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (2012). Informações dos municípios
paulistas: Jundiaí, Louveira, Itupeva, Jarinu, Cabreúva, Várzea paulista e Campo Limpo.
População. Taxa de urbanização. Disponível em: h p://www.seade.gov.br/produtos/imp/index.
php?page=consulta&action=var_list&tabs=1&aba=tabela3&redir=&busca=Popula%E7%E3o.
Acesso em: 14 abr 2012.
______ (2012). Informações dos Municípios paulistas: Jundiaí, Louveira, Itupeva, Jarinu, Cabreúva,
Várzea paulista e Campo Limpo. População. TGCA. Densidade Demográfica e Área. Disponível
em: h p://www.seade.gov.br/produtos/imp/index.php?page=consulta&ac on=var_list&tabs=
1&aba=tabela3&redir=&busca=Popula%E7%E3o. Acesso em: 14 abr 2012.
SILVEIRA, J. A.; LAPA, T. A. e RIBEIRO, E. L. (2007). Percursos e processo de evolução urbana: uma
análise dos deslocamentos e da segregação na cidade. Arquitextos 090.04. Disponível em: h p://
www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.090/191. Acesso em: 5 jun 2012.
VILLAÇA, F. (2001). Espaço intraurbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp/Lincoln Ins tute.
______ (2012). Reflexões sobre as cidades brasileiras. São Paulo, Studio Nobel.
Sites consultados
• Empresa Paulista de Planejamento metropolitano. Emplasa (em linha). Disponível em: h p://www.
emplasa.sp.gov.br. Acesso em: 12 abr 2012 e em 14 abr 2012.
• Ins tuto Brasileiro de Geografia e Esta s cas. IBGE. Disponível em: h p://www.ibge.gov.br. Acesso
em: 12 abr 2012 e em 14 abr 2012.
• Prefeitura Municipal de Jundiaí. Disponível em: h p://www.jundiaí.sp.gov.br. Acesso em: 14 abr
2012.
• Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados–Seade – 2012. Disponível em: www.seade.gov.br.
Acesso em: 14 abr 2012.
• Secretaria de desenvolvimento metropolitano. Disponível em: h p://www.sdmetropolitano.sp.gov.
br/portalsdm/faces/pages_index?_afrWindowId=bo8bmzbzh_1&_afrLoop=863285833853464&_
afrWindowMode=0&_adf.ctrl-state=bo8bmzbzh_4. Acesso: em 18 set 2013.
Texto recebido em 10/mar/2013
Texto aprovado em 22/ago/2013
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013
487
Índice de Mobilidade Urbana
Sustentável em Goiânia como
ferramenta para políticas públicas
Sustainable Urban Mobility Index
in Goiânia as a tool for public policies
Ivanilde Maria de Rezende Abdala
Antônio Pasqualetto
Resumo
Abordam-se conceitos de mobilidade e de mobilidade urbana sustentável e suas interações com
o ambiente urbano. Buscando melhorias na movimentação das pessoas e serviços, em especial
o uso dos veículos, conduz a investigações para
a mobilidade satisfatória nos espaços públicos e
qualidade de vida da população. Assim, pesquisadores discutem o assunto, na busca de índices para medir parâmetros. Neste, objetivou-se calcular
o Índice de Mobilidade Urbana Sustentável – Imus
para a cidade de Goiânia com levantamento dos
dados em 2011 e 2012, adotando a metodologia
de Costa (2008). O cálculo efetivou-se no segundo semestre de 2012, explanando que, para
solucionar o problema do trânsito e transporte,
necessitava-se vinculá-lo à política urbana. Assim,
recomenda que o Imus seja uma ferramenta para
auxiliar e contribuir na proposição, formulação,
implantação e monitoramento de políticas públicas relacionadas à mobilidade urbana sustentável
de Goiânia.
Abstract
This paper approaches concepts of mobility
and Sustainable Urban Mobilit y and their
interactions with the urban environment. Seeking
improvements in the movement of persons and
services, in particular in the use of vehicles, it leads
to investigations aiming at satisfactory mobility
in public spaces and at the quality of life of the
population. Thus, researchers discuss the subject
in search of indices to measure parameters. In this
study, the aim was to calculate the Sustainable
Urban Mobility Index (SUMI) to the city of Goiânia
(Central-Western Brazil) with data survey in 2011
and 2012, adopting the methodology proposed
by Costa (2008). The calculation was made in
the second half of 2012 and revealed that, to
solve the problem of traffic and transport, it is
necessary to associate the index with the urban
policy. Therefore, it is recommended that SIMU
is used as a tool to assist in and contribute to
the proposition, formulation, implementation,
and monitoring of public policies related to the
sustainable urban mobility of Goiânia.
Palavras-chave: índice de mobilidade; cidades;
políticas públicas; sustentabilidade
Keywords: mobility index; cities; public policy;
sustainability.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto
Introdução
sustentável, e, dentre os artifícios necessários,
deve-se tratar a questão do transporte e trânsito vinculada à política urbana. Para tanto, é
A concentração de pessoas nas cidades, notadamente nas grandes e em regiões metropolitanas e a consequente necessidade de mobilidade ligada ao aumento do uso dos veículos
automotores têm resultado baixa qualidade
de vida.
Os problemas referentes à mobilidade
são agravados por investimentos insuficientes
e às vezes inadequados, e também pela ausência de políticas públicas que priorizem os modos coletivos e os não motorizados de forma a
tornar mais equânime à apropriação do espaço
urbano pelos diversos modos de transporte.
Dessa forma, ficam comprometidos os deslocamentos da população no atendimento e realização de suas necessidades diárias, principalmente da parcela da população de baixa renda,
dependentes do transporte público e sem espaços nas vias para a utilização segura de modos
não motorizados.
imperativo a provisão de facilidades para responder à demanda por milhares de deslocamentos diários, por diferentes modos e motivos.
Na busca de melhor planejamento que
controle com mais austeridade o uso do espaço urbano, tem-se direcionado a estudos e
investigações em direção à mobilidade sustentável. Dessa maneira, pesquisadores têm
discutido o assunto buscando estabelecer parâmetros, identificar fatores que impactam a
mobilidade e obter soluções para ela, dentre
as quais, índices que possam medir a condição
de vida da população assim como de sua mobilidade. Do mesmo modo
[...] estudos para estabelecer parâmetros
para o desenvolvimento de metodologias
de monitoramento da Mobilidade Urbana,
buscando subsidiar a definição de políticas públicas. (Centro de Gestão e Estudos
Estratégicos – CGE, 2009)
No deslocamento da população, o transporte público ou coletivo de qualidade é fator
Um importante instrumento para elabo-
preponderante e influi na qualidade de vida
ração de diagnósticos é o Índice de Mobilidade
urbana, sendo também fator direcionador do
Urbana Sustentável – Imus, desenvolvido por
seu desenvolvimento econômico e social. As-
Costa (2008). Esse índice, formado por um con-
sim sendo, é necessário um equacionamento
junto de 87 indicadores, foi desenvolvido com
adequado do transporte em geral em conjunto
a proposta de oferecer uma metodologia capaz
com suas políticas, em especial a do uso do so-
de avaliar quantitativamente e qualitativamen-
lo interligado ao transporte.
te vários aspectos pertinentes à mobilidade,
Como mobilidade e transportes estão
intrinsecamente interligados, na busca de solucionar os seus problemas, estudos apontam
a ações que levam à mobilidade urba na
490
incluindo os cenários essenciais – social, econômico e ambiental.
Assim sendo, objetivou-se avaliar, à luz
da metodologia citada, o Imus para Goiânia.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia...
Mobilidade urbana sustentável
ambiental, econômica e social no planejamento do desenvolvimento urbano é relativamente recente no Brasil, principalmente no
O termo “Mobilidade Urbana Sustentável”
teve seu desdobramento e desenrolar inicial-
que se refere ao planejamento da mobilidade.
Macedo et al. (2012) alegam que, estimulado
mente como “desenvolvimento sustentável”,
por políticas públicas, os planos diretores só
surgido por meio do relatório Nosso Futuro
recentemente incorporaram a noção de mobi-
Comum ( Our Common Future ) ou Relatório
lidade sustentável em seu texto e incluíram a
de Brundtland – pela World Commission on
mobilidade das pessoas com deficiência, dado
Environment and Development – WCED em
à crescente importância e gravidade dos pro-
1987. Cita-se desenvolvimento sustentável,
blemas de acessibilidade e circulação dentre as
aquele que "atende às necessidades do pre-
questões urbanas.
sente sem comprometer a possibilidade de as
O conceito de mobilidade urbana é ex-
gerações futuras atenderem suas próprias ne-
tenso e também envolve várias definições
cessidades" (Brasil, 2006, p. 48).
complementares sendo difícil definir separada-
Pode-se considerar “Desenvolvimento
mente, como também o é mobilidade urbana
Sustentável” como um termo amplo que impli-
e mobilidade urbana sustentável. Conceituar
ca desenvolvimento continuado e sustentabili-
mobilidade urbana reporta a relações que inte-
dade como um termo vasto que envolve várias
ragem no espaço urbano juntamente com ou-
atividades humanas e de maneira simplificada
tros conceitos, devido à multidisciplinariedade
é prover o melhor para as pessoas e para o
envolvida. Dessa forma, é comum associar o
meio ambiente tanto no presente como para
conceito de mobilidade ao transporte, sobretu-
o futuro. Portanto, sustentabilidade pode ser
do aos modos motorizados, e também pratica-
definida como a que tem por finalidade obser-
mente apenas a circulação de automóveis e ao
var e praticar os aspectos ambientais, sociais, e
uso de transporte coletivo.
econômicos e buscar alternativas para susten-
O padrão de mobilidade urbana no Bra-
tar a vida no Planeta sem prejudicar a qualida-
sil vem se modificando com o aumento ace-
de de vida no futuro.
lerado da taxa de motorização, pois os seg-
Boareto (2008, p. 152) afirma que
[...] conceitos e formas de avaliação sobre o desenvolvimento sustentável das
cidades são imprecisos e requerem ainda
muita discussão, principalmente nos países em desenvolvimento, (...) com a consequente repercussão sobre a política de
mobilidade urbana.
Em relação à mobilidade urbana, Rodri-
mentos de menor renda também estão tendo acesso ao veículo privado. A tendência é
continuar crescendo e cada vez mais pessoas
poderão ter acesso a esse bem, ainda estimulado por políticas de incentivo pois, como
afirma Boareto (2008, p. 145) “a maioria dos
formuladores de políticas urbanas considera o
automóvel como desejo natural e destino final
de todas as pessoas”.
gues da Silva et al. (2008) afirmam que a in-
Influenciam na mobilidade urbana fato-
corporação das premissas de sustentabilidade
res como as dimensões do espaço urbano, a
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
491
Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto
complexidade das atividades nele desenvol-
públicos, comunidade acadêmica e sociedade
vidas, a disponibilidade de serviços de trans-
em geral, alguns aspectos têm merecido desta-
porte e questões da população principalmente
que. Entre eles, as dificuldades impostas à cir-
a renda e faixa etária (Brasil, 2006). Para Ma-
culação de pessoas e bens, causada pela falta
gagnin et al. (2008) o crescimento das cida-
de integração entre o planejamento urbano e
des influencia e é influenciado pelos meios de
de transportes, e o declínio da qualidade am-
transporte disponíveis à sua população, e
biental das cidades em função de seus sistemas
[..] a maneira como se dá o processo de
circulação urbana interfere diretamente
na demanda por transportes nas áreas
destinadas a estacionamento, nos congestionamentos, etc.
de mobilidade.
Lopes (2010) enfatiza a importância da
consideração de efeitos espaciais e pelas relações de transporte e uso do solo, de forma dinâmica e integrada, no estudo da mobilidade
urbana em busca do desenvolvimento urbano
Macêdo et al. (2006, p. 3) acreditam que
sustentável. Portanto, problemas enfrentados
um dos maiores problemas em relação às solu-
pelas cidades com crescimento rápido ocorrem
ções da mobilidade se dá pelo tratamento pri-
muitas vezes devido à falta de políticas públi-
vilegiado recebido pelo transporte motorizado
cas mais direcionadas às pessoas e que pos-
individual, e pelo descaso aos demais modos
sa orientar o crescimento espacial de forma
e serviços, sinalizando, assim, para o estímulo
sustentável e com qualidade de vida. Assim,
ao uso do carro. Para a melhoria, é necessário
afirma Boareto (2008) ser necessário que os
haver maior percepção e interação entre os vá-
governos considerem a mobilidade urbana co-
rios sistemas de deslocamentos como a pé, de
mo resultado de uma política pública. Segundo
bicicleta, transporte coletivo, transporte moto-
Magagnin e Rodrigues da Silva (2008), para tal
rizado individual, ou seja, contemplar todos os
são necessários instrumentos efetivos de con-
modos e redes de transporte como:
trole e monitoramento da mobilidade urbana,
[...] rede de transporte público-coletivo e
individual; rede de transporte individual
motorizado; rede de transporte individual
não-motorizado – calçada para pedestres
e ciclovias, rede de paradas, terminais e
pontos de transferência e a rede de infraestruturas que suporta todos os modos.
(Ibid.)
bem como de políticas mais sustentáveis destinadas a orientar o crescimento e o ordenamento espacial.
Macêdo et al. (2012) apontam que o tema desenvolvimento sustentável, de natureza
pluri e interdisciplinar, tem mobilizado setores
da comunidade acadêmica no sentido de desenvolver índices, a partir da fusão de vários
Conforme Costa (2008), o contexto das
indicadores, na tentativa de sintetizar em um
cidades e a busca pelo desenvolvimento sus-
único parâmetro as condições de mobilidade
tentável têm provocado a revisão das formas
nas cidades e por meio deles diagnosticar os
de compreender e planejar o meio urbano. Nas
principais problemas e acompanhar o resulta-
discussões ocorridas durante esse processo, as
do de implantação de políticas públicas com
quais envolvem planejadores, administradores
vistas ao desenvolvimento sustentável. Nesse
492
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia...
sentido, os indicadores de mobilidade fornecem
informar uma variedade de funções de ava-
informações necessárias e indispensáveis ao
liação, e que muitas vezes são repetidas e re-
planejamento urbano.
gularmente reportáveis, e ainda são sempre
construídas e selecionadas.
Gudmundsson (2011, p. 10) também
Indicadores e Índices
da Mobilidade Sustentável
afirma que:
[...] um indicador é uma variável, com
base em medições, que representa com a
maior precisão possível e necessária um
fenômeno de interesse
Comum às cidades, especialmente as maiores,
aparecerem relacionadas ao caos e crescimento desordenado, como também o trânsito e
transportes. Visando à melhoria das condições
da cidade e da qualidade de vida das pessoas
propostas são feitas na criação de um índice
que qualifique a mobilidade urbana e avalie
seu grau de sustentabilidade. Com isso, na obtenção de índices, as análises por meio de indi-
e que
[...] um indicador de sustentabilidade
ambiental nos transportes é uma variável, com base em medições, que representa impactos potenciais ou reais
sobre o meio ambiente ou fatores que
podem causar tais impactos, devido
ao transporte, com a maior precisão
possível e necessária.
cadores têm alcançado maior peso nas metodologias utilizadas para obter informações de
No Brasil, ainda não existem métodos
caráter técnico e científico, permitindo que a
comprovados de avaliação que qualifiquem cor-
informação seja mais facilmente utilizável por
retamente a mobilidade e seu grau de susten-
tomadores de decisão, gestores, políticos, gru-
tabilidade e que apontem sugestões para com-
pos de interesse e pelo público em geral, como
preender e posteriormente melhorar a condição
apontado em Magagnin (2008); Lopes (2010);
existente.
Machado (2010); Miranda (2010); Mancini,
(2011); Da Assunção, (2012)).
Procurando suprir essa deficiência, foi
criado o Índice de Mobilidade Urbana Susten-
Para Gudmundsson (2011), os impactos
tável – Imus, que, conforme Costa (2008), é
ambientais dos transportes necessitam ser
uma ferramenta para avaliação da mobilidade
mensurados e que por indicadores obtém-se
urbana sustentável, ou seja, uma ferramenta
melhor representação das preocupações de
de apoio à tomada de decisão dos gestores pú-
sustentabilidade na tomada de decisões de
blicos nos processos de formulação, implanta-
transporte, em todas as áreas, em todos os ní-
ção e monitoramento de políticas públicas com
veis, também pela necessidade de se reduzir a
vistas à promoção da mobilidade urbana. E que
complexidade da informação. A avaliação por
é “capaz de revelar as condições atuais e medir
indicadores contém variáveis que representam
os impactos de medidas e estratégias que vi-
um fenômeno de interesse, podem ser medi-
sam à mobilidade sustentável” (Macêdo et al.,
das e preenchidas com dados, como também
2012, p. 1769).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
493
Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto
Imus – Índice de Mobilidade
Urbana Sustentável
temas em relação a cada uma das dimensões
da sustentabilidade: social, econômica e ambiental; e em nível global. Dessa forma, a cada
O Imus, formulado por Costa (2008), se constitui em uma ferramenta para monitoração da
mobilidade urbana sustentável e avaliação do
impacto de políticas públicas, estruturado a
partir de conceitos identificados em 11 capitais
de estados brasileiros entre 2006 e 2007, e entre as cidades selecionadas estava Goiânia/GO
(CGE, 2009).
Esse índice é composto por nove domínios, distribuídos em 37 temas e 87 indicadores.
Em sua composição, apresentam-se questões
tradicionais e também as relacionadas à mobilidade sustentável, e, devido a essa diversificação, adapta-se a qualquer realidade urbana.
A avaliação dos indicadores é feita através de
indicador é associado um peso que permite
avaliar a contribuição do indicador, para o resultado do Imus. Segundo descrito por Plaza e
Rodrigues da Silva (2010, pp. 1769-1770),
[...] para o cálculo do Imus o produto dos
pesos associados a cada indicador pelos
seus respectivos escores é combinado segundo uma lógica de compensação entre
critérios, ou seja, um indicador com valor
baixo pode ser compensado por outro
com valor alto, de forma a evidenciar a
contribuição global e setorial dos mesmos
para o resultado final do Imus. O resultado final, ou escore normalizado, sempre
se situa entre zero e um, valores que correspondem, respectivamente, à pior e à
melhor condição possível.
um sistema de pesos que os qualifica de forma
individual e também em grupo, podendo assim
As tabelas e detalhes sobre o cálculo do
reconhecer a contribuição relativa de cada ele-
índice e o processo de normalização são expos-
mento para todo o sistema (Miranda, 2010).
tos no Guia de Indicadores do Imus, parte inte-
O Imus é uma ferramenta que se propõe
grante do trabalho de Costa (2008).
a ser utilizado para a avaliação e monitoração
da mobilidade urbana considerado de fácil
compreensão e manipulação. Permite avaliar
Guia de Indicadores de Mobilidade
condições atuais e os impactos de medidas e
estratégias, visando à mobilidade urbana sustentável. Propõe também ser um instrumento
de contribuição e subsídios para a formulação
de políticas públicas.
Os vários aspectos, conforme o Guia de
Indicadores (Costa, 2008), são expostos nos
domínios.
Além da hierarquia de critérios, o Imus
se utiliza de um sistema de pesos que são
Para cada um dos indicadores, as informações
apresentam-se organizadas, conforme a estrutura (Tabela 1) definida por Costa (2008).
A – Definição
Descrição de cada Indicador do Imus.
B – Fontes de Dados
Fontes dos dados necessários para o cálculo
de cada indicador específico.
C – Método de Cálculo
definidos, além da qualificação de forma
Resumo do desenvolvimento do indicador,
individual, também em nível setorial, para os
de acordo com as etapas contidas no Guia de
494
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia...
Tabela 1 – Domínio, tema e indicador
do Índice de Mobilidade Urbana – Imus
Domínio
Domínio conforme estrutura do Imus
Tema
Tema conforme estrutura do Imus
Indicador
Identificação do Indicador
Indicadores do Imus, contendo fórmulas e fer-
referência para definição dos valores mínimo e
ramentas utilizadas.
máximo necessários para obtenção do escore
D – Score
normalizado, ou mesmo para a associação dire-
Resultado obtido para o indicador, não
ta do escore obtido para o indicador, conforme
indicado no método de cálculo.
normalizado.
No caso de avaliação, sem que seja fei-
E – Normalização
Resultado normalizado em escala de 0 a 1 de
acordo com a tabela de normalização indicada
no Guia de Indicadores do Imus.
to o cálculo efetivo do indicador, a avaliação,
com base na escala proposta, deve ser feita por
técnico ou gestor com conhecimento sobre os
dados e da cidade em questão. Os resultados
F – Pesos
obtidos por meio da avaliação substituem, por-
Os pesos para os critérios obtidos segundo a
tanto, os valores dos indicadores que não pu-
avaliação de um painel de especialistas.
deram ser obtidos pelo método principal.
No caso do indicador ter sido calculado
Os indicadores estão classificados em
com base em dados numéricos e necessitar ser
qualitativos, quantitativos e mistos uma vez
normalizado para valores entre 0,00 e 1,00,
que a grande maioria está contida na quantita-
a escala de avaliação deve ser usada como
tiva conforme Figura 1.
Figura 1 – Indicadores do Imus conforme tipologia
Representação gráfica das variáveis
Qualitativos
24%
Mistos
5%
Quantitativos
71%
Fonte: Guia de Indicadores (Costa, 2008).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
495
Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto
Baseado na Figura 1 e segundo a interpretação de Costa (2008), verifica-se que há
predomínio dos indicadores quantitativos na
Aplicação do índice
em Goiânia
estrutura do Imus, o que representa 71% do
conjunto total de indicadores. Indicadores que
exigem, para seu desenvolvimento, o levanta-
Considerações no cálculo
do Imus de Goiânia
mento de dados quantitativos por meio de bases de dados ou outras fontes de informação,
Para o cálculo do índice, é necessária a cole-
além do desenvolvimento de métodos de cál-
ta de uma grande quantidade de dados que,
culo para obtenção de seu escore. Os demais
no caso da cidade em questão, envolveu uma
indicadores dos tipos qualitativos e mistos re-
busca contínua em várias secretarias munici-
presentaram, respectivamente, 24% e 5% do
pais e estaduais, além de outras fontes. Alguns
conjunto total.
dados foram obtidos através do cruzamento
Na busca de minimizar e solucionar os
de informações de mais de um banco de da-
problemas relacionados à mobilidade urbana
dos, como por exemplo, da Celg Distribuição
em geral e em especial ao transporte público e
S.A. – Celg D, com os dados da Secretaria Mu-
ao trânsito, tem-se estudado vários índices de
nicipal de Planejamento de Goiânia – Seplam,
Imus, como em Machado (2010), para levantar
atualmente Secretaria Municipal de Desenvol-
e medir os aspectos pertinentes à mobilida-
vimento Urbano Sustentável – Semdus e pro-
de urbana. Assim, entre os vários estudos de
cessados no Departamento de Geoprocessa-
índices, o Imus se aprofundou e, para validá-
mento dessa secretaria.
-lo, ele foi aplicado e calculado em algumas
Além da adequação de alguns indicado-
cidades, ou seja, foi efetivado em várias cida-
res para a obtenção dos dados a serem utili-
des, entre elas, têm-se: São Carlos/SP, Costa,
zados no cálculo de um índice mais realista,
(2008); Curitiba/PR, Miranda (2010); Anápo-
assim como a revisão de outros, é necessário e
lis/GO, Morais, (2012); Uberlândia/MG, Da As-
de grande importância ter boa atualização dos
sunção, (2012).
dados utilizados, ter acompanhamento conti-
Com os resultados dos índices e com as
nuado, e certa regularidade. Também que essa
intervenções necessárias, são capazes de so-
atualização seja convenientemente estipulada
frerem ações visando a sua melhoria, sendo
em determinado número de anos, como por
calculado e finalizado, neste ano de 2013, para
exemplo, a cada dois anos, qual seja, no meio
Goiânia/GO.
e ao final de cada administração. Desse modo,
496
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia...
para o cálculo do índice de Goiânia, na maio-
as áreas de proteção permanente, sem contar
ria de seus indicadores foi concretizado com os
as árvores, praças e ilhas do sistema viário, te-
princípios recomendados.
ve pontuação menor que as outras. Comprova-se assim, que há vários aspectos ambientais que necessitam ser aprimorados além do
O Índice de Mobilidade Urbana
Sustentável em Goiânia
verde da cidade.
Em relação aos escores obtidos (ver Tabela 2), observa-se que 55,295% têm índices
Na cidade de Goiânia, o cálculo do Imus foi
superiores a 0,70; 15,295% têm valores entre
realizado para a quase totalidade dos indica-
0,50 e 0,69 também com valor positivo, e que
dores, ou seja, de um total de 87, que com-
somente 29,41% apresentam-se entre baixa
põem sua estrutura, foram calculados 85.
e baixíssima pontuação (0,00 a 0,49), isso em
Para alguns dados, foi feito atualização com
relação à linha intermediária. Assim sendo,
explicação e ponderação desses dados, e, em
observa-se que, de uma maneira geral, tem-se
alguns casos, apresentado sugestão de me-
que 70,59% estão da linha intermediária para
lhoria do indicador.
cima e 29,41% com baixa pontuação.
Os resultados dos indicadores obtidos
Desse modo, os resultados obtidos para
conforme a estrutura do Imus ou adaptados
o município de Goiânia indicam que tanto os
para a cidade de Goiânia é mostrada na Tabela
indicadores de escores com valores superiores
2, onde expõe-se o escore ou resultado de ca-
a 0,50 quanto os com valores inferiores a 0,49
da indicador.
poderão ser utilizados como referência nos pla-
O resultado tanto do Imus Global como
nos de governo, fornecendo elementos para a
o setorial é mostrado na Tabela 3. Com os indi-
proposição de políticas e estratégias governa-
cadores levantados e o índice calculado, o valor
mentais e indicando a necessidade de priorizar
do Imus Global encontrado para Goiânia foi de
ações em direção à melhoria da mobilidade. Em
0,659, isto é, em torno da média de 66%, um
relação aos indicadores com dados positivos,
valor positivo. Dessa maneira comprova que na
poderão ser monitorados para que não percam
cidade há vários aspectos da mobilidade que
suas características como também possam re-
seguem os princípios da sustentabilidade, po-
ceber incentivos para continuar se aperfeiçoan-
rém muitos necessitam serem melhorados para
do e interagindo com os demais. Quanto aos
alcançar uma mobilidade satisfatória.
indicadores com dados inferiores, deverão ser
Analisando as dimensões integrantes do
aplicadas medidas pautadas nas políticas pú-
Imus, tem-se que na social há uma predomi-
blicas como correção, adequação, ajustamento
nância sobre as demais. Porém na dimensão
e melhoria dos espaços públicos já construídos,
ambiental, mesmo Goiânia tendo um total em
e os ainda por construir deverão ser edificados
áreas verdes consideráveis com 32,61 m²/ha-
conforme leis e normas favoráveis ao progres-
bitante, superior a 25 m por habitante que é
so da mobilidade. Enfim, em todos os casos po-
o valor sugerido pelo Imus para atingir o má-
tencializar as decisões políticas, adequando-as
ximo de 1,00, isso sendo computado somente
para o avanço rumo à mobilidade satisfatória.
2
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
497
Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto
Domínios
Tabela 2 – Desempenho dos indicadores no cálculo do Imus
para a cidade de Goiânia
Dimensões
Peso
Temas
S
E
A
0,38
0,36
0,26
Peso
Acessibilidade aos sistemas de transportes
Aspectos ambientais
Escore
1.1.1
Acessibilidade ao transporte público
0,33
0,93
1.1.2
Transporte público para pessoas com necessidades especiais
0,33
1,00
1.1.3
Despesas com transporte
0,33
0,59
1.2.1
Travessias adaptadas para pessoas com necessidades
especiais
0,20
0,10
1.2.2
Acesibilidade aos espaços abertos
0,20
0,71
1.2.3
Vagas de estacionamento para pessoas com
necessidades especiais
0,20
1,00
1.2.4
Acessibilidade a edifícios públicos
0,20
0,37
1.2.5
Acessibilidade aos serviços essenciais
0,20
1,00
0,22
1.3.1
Fragmentação urbana
1,00
0,00
Legislação para pessoas com
necessidades especiais
0,21
1.4.1
Ações para acessibilidade universal
1,00
1,00
2.1.1
Emissões de CO
0,25
0,00
2.1.2
Emissões de CO2
0,25
1,00
2.1.3
População exposta ao ruído de tráfego
0,25
0,76
2.14
Estudos de impacto ambiental
0,25
1,00
2.2.1
Consumo de combustível
0,50
0,83
2.2.2
Uso de energia limpa e combustíveis alternativos
0,50
0,00
0,46
0,28
0,27
0,29
0,28
0,43
0,52
0,113
0,108
Aspectos sociais
Peso
Barreiras físicas
Controle de impactos no meio ambiente
0,113
Aspectos políticos
Indicadores
0,32
0,26
0,32
0,42
Recursos naturais
0,40
0,31
0,29
Apoio ao cidadão
0,21
3.1.1
Informação disponível ao cidadão
1,00
0,75
0,45
0,30
0,25
Inclusão social
0,20
3.2.1
Equidade vertical (renda)
1,00
0,58
0,39
0,30
0,31
Educação e cidadania
0,19
3.3.1
Educação para o desenvolvimento sustentável
1,00
1,00
0,41
0,27
0,32
Participação popular
0,19
3.4.1
Participação na tomada de decisão
1,00
1,00
0,35
0,30
0,35
Qualidade de vida
0,21
3.5.1
Qualidade de vida
1,00
1,00
0,33
0,34
0,32
Integração de ações políticas
0,34
4.1.1
Integração entre níveis de governo
0,50
0,75
4.1.2
Parcerias público-privadas
0,50
0,50
4.2.1
Captação de recurso
0,25
0,56
4.2.2
Investimentos em sistemas de transporte
0,25
0,75
4.2.3
Distribuição dos recursos (coletivo X privado)
0,25
1,00
4.2.4
Distribuição dos recursos (motorizados X não motorizados)
0,25
0,25
4.3.1
Política de mobilidade urbana
1,00
1,00
5.1.1
Densidade e conectividade da rede viária
0,25
1,00
5.1.2
Vias pavimentadas
0,25
0,97
5.1.3
Despesas com manutenção da infraestrutura
0,25
0,50
5.1.4
Sinalização viária
0,25
0,80
5.2.1
Vias para transporte coletivo
1,00
0,66
6.1.1
Extensão e conectividade de ciclovias
0,33
0,25
6.1.2
Frotas de bicicleta
0,33
0,05
6.1.3
Estacionamento de bicicletas
0,33
0,64
6.2.1
Vias para pedestres
0,50
0,25
6.2.2
Vias com calçada
0,50
0,94
6.3.1
Distância de viagem
0,00
*vazio
6.3.2
Tempo de viagem
0,00
*vazio
6.3.3
Número de viagens
0,50
0,85
6.3.4
Ações para redução do tráfego motorizado
0,50
0,25
0,33
0,40
0,48
0,27
Captação e gerenciamento de recursos
0,34
0,33
0,32
0,28
0,41
0,31
0,12
Infraestrutura
0,30
0,33
0,35
0,33
0,32
0,29
0,39
0,33
0,28
0,39
0,28
0,32
0,40
0,11
Modos não motorizados
0,27
Acessibilidade universal
0,38
498
0,32
0,108
Acessibilidade
0,40
ID
0,33
Política de mobilidade urbana
0,34
Provisão e manutenção de infraestrutura
de transportes
0,46
Distribuição da infraestrutura de transportes
0,54
Transporte cicloviário
0,31
Deslocamentos a pé
Redução de viagens
0,34
0,35
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
Dimensões
Peso
Temas
Peso
0,32
Capacitação de gestores
0,12
0,30
0,35
Áreas centrais e de interesse histórico
0,34
0,35
S
E
A
0,31
0,37
0,35
0,31
0,38
0,32
0,31
0,31
0,32
0,38
0,35
0,33
0,31
0,39
0,30
0,35
0,50
0,74
0,50
1,00
0,11
7.2.1
Vitalidade do centro
1,00
0,54
Integração regional
0,12
7.3.1
Consórcios intermunicipais
1,00
1,00
Transparência do processo de planejamento
0,12
Planejamento estratégico e integrado
0,31
0,30
0,29
0,35
0,36
0,34
0,33
0,33
0,32
0,31
0,36
0,33
Educação para o trânsito
0,112
0,34
0,37
0,38
0,35
0,33
0,37
0,12
0,21
0,19
0,19
Operação e fiscalização de trânsito
0,20
Transporte individual
0,21
0,32
0,23
0,34
Diversificação modal
0,34
0,13
Fluidez e circulação
Disponibilidade e qualidade
do transporte público
0,31
0,14
0,26
0,39
0,35
Sistemas de transporte urbano
0,14
0,35
Acidentes de trânsito
0,107
Tráfego e circulação urbana
0,38
0,31
0,30
Escore
Capacitação de técnicos e gestores
Plano diretor e legislação urbanística
0,37
Peso
Nível de formação de técnicos e gestores
Planejamento da infraestrutura urbana
e equipamentos urbanos
0,31
Indicadores
7.1.2
Planejamento e controle do uso
e ocupação do solo
0,32
ID
7.1.1
0,108
Planejamento Integrado
Domínios
Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia...
Regulação e fiscalização
do transporte público
Integração do transporte público
0,18
0,18
0,22
0,35
Política tarifária
0,19
7.4.1
Transparência e responsabilidade
1,00
1,00
7.5.1
Vazios urbanos
0,20
0,92
7.5.2
Crescimento urbano
0,20
0,30
7.5.3
Densidade populacional
0,20
0,00
7.5.4
Índice de uso misto
0,20
1,00
7.5.5
Ocupações irregulares
0,20
0,99
7.6.1
Planejamento urbano, ambiental e de transporte integrado
0,50
0,50
7.6.2
Efetivação e continuidade das ações
0,50
1,00
7.7.1
Parques e áreas verdes
0,33
1,00
7.7.2
Equipamentos urbanos (escolas)
0,33
0,54
7.7.3
Equipamentos urbanos (postos de saúde)
0,33
0,02
7.8.1
Plano diretor
0,33
1,00
7.8.2
Legislação urbanística
0,33
1,00
7.8.3
Cumprimento da legislação urbanística
0,33
1,00
8.1.1
Acidentes de trânsito
0,33
0,94
8.1.2
Acidentes com pedestres e ciclista
0,33
0,92
8.1.3
Prevenção de acidentes
0,33
0,01
8.2.1
Educação para o trânsito
1,00
0,42
8.3.1
Congestionamento
0,50
1,00
8.3.2
Velocidade média do tráfego
0,50
1,00
8.4.1
Violação das leis de trânsito
1,00
1,00
8.5.1
Índice de motorização
0,50
0,00
8.5.2
Taxa de ocupação de veículos
0,50
0,13
9.1.1
Extensão da rede transporte público
0,13
0,06
9.1.2
Frequência de atendimentodo transporte público
0,13
0,61
9.1.3
Pontualidade
0,13
0,85
9.1.4
Velocidade média do transporte público
0,13
0,29
9.1.5
Idade média da frota de transporte público
0,13
1,00
9.1.6
Índice de passageiros por quilômetro
0,13
0,03
9.1.7
Passageiros transportados anualmente
0,13
0,75
9.1.8
Satisfação do usuário com o serviço de transporte público
0,13
0,27
9.2.1
Diversidade de modos de transporte
0,33
0,75
9.2.2
Transporte coletivo X transporte individual
0,33
0,00
9.2.3
Modos não motorizados X modos motorizados
0,33
0,00
9.3.1
Contratos e licitações
0,50
1,00
9.3.2
Transporte clandestino
0,50
1,00
9.4.1
Terminais intermodais
0,50
0,00
9.4.2
Integração do transporte público
0,50
1,00
9.5.1
Descontos e gratuidades
0,33
0,67
9.5.2
Tarifas de transporte
0,33
0,00
9.5.3
Subsídios públicos
0,33
0,50
* Peso zero (0) pela inexistência de dados, redistribuído para os demais indicadores do mesmo tema.
Fonte: Costa (2008).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
499
Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto
Tabela 3 – Resultado do Imus Global e setorial de Goiânia
Dimensão do Imus
Valor normalizado
Imus Global
0,659
Imus Social
0,224
Imus Econômica
0,219
Imus Ambiental
0,216
Fonte: Adaptado de Costa (2008).
Desempenho do Imus em Goiânia
do Imus da cidade, permite uma avaliação separada e preliminar. Isso se dá através do cál-
No desempenho do Imus da cidade, avalia-se
o desempenho individual de cada um dos domínios e também de cada um dos indicadores.
culo individualizado de cada domínio, considerando os demais domínios com seus indicadores como não calculados, ou seja, o resultado
obtido para os demais domínios como vazios.
Portanto, o resultado obtido para o Imus Glo-
Desempenho dos domínios
bal, dessa maneira, corresponde somente aos
grupos de domínios isolados, e assim há uma
Analisando individualmente, como na Figura 2,
comparação entre cada área distinta em rela-
o resultado obtido em cada domínio particular
ção às demais.
Figura 2 – Desempenho dos domínios
Sistema de transporte urbano
Tráfego e circulação urbana
Planejamento integrado
Domínios
Modos não motorizados
Infraestrutura
Aspectos políticos
Aspectos sociais
Aspectos ambientais
Acessibilidade
Escores normalizados
500
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia...
Entre os domínios, o de Modos Não Mo-
Já os indicadores que têm valores com
torizados, o único que não obteve nenhum in-
escores normalizados entre 0,50 e 0,74 são
dicador com valor máximo, foi o que teve o me-
em número de 15 ou 17,65% do total calcula-
nor desempenho entre todos, ou seja, abaixo
do e necessitam de maior atenção do poder
de 0,50 especificamente um Imus Global médio
público uns com intervenções mais profundas
de 0,4861 e o domínio de melhor desempenho
e outros com média intensidade para atuação
é o de Aspectos Sociais com o valor do Imus
e consequente melhoria dos mesmos. Pode-
Global médio de 0,866.
-se exemplificar aqui, o Indicador Acessibilidade aos Espaços Abertos com o escore 0,71
do domínio Acessibilidade. Apesar de, mesmo
Desempenho dos indicadores
apresentando resultados superiores a 0,50,
necessitam de intervenções, investimentos e
Com os 85 indicadores calculados (Tabela 2) e
ações com mais rigor devido ao fato de ter
uma classificação mais geral, têm-se 28 indica-
entre seus indicadores alguns com valores
dores (32,94%) com escore máximo, ou seja,
baixos. Devem ser realizadas intervenções
(1,00) e 09 (10,59%) escore zero (mínimo).
observando mais detalhadamente as especi-
Considerando valores com índices superiores a
ficidades de cada indicador, para a melhoria
0,70, têm-se 47 indicadores (55,295%) e ainda
da mobilidade da cidade, mesmo que deter-
com o escore incluindo 0,50 acima resultou em
minados indicadores não apresentem desem-
60 indicadores (70,59%), ou seja, indicadores
penhos baixos.
com resultados entre médios, bons e excelen-
Como o grupo de indicadores citados
tes e abaixo de 0,50 (0,01 a 0,49) há 16 indica-
com alto desempenho reflete o bom desem-
dores (18,82%).
penho dos respectivos domínios, em Goiânia, com o maior Imus Global médio têm-se o domínio Aspectos Sociais e em ordem
Indicadores de alto desempenho
decrescente o de Planejamento Integrado,
após o de Infraestrutura e posterior Aspectos
Os indicadores com alto desempenho obtive-
Políticos e Acessibilidade. No domínio Aces-
ram escore 1,00, desse modo, somente necessi-
sibilidade, um domínio expressivo com Imus
tam atuar para preservar suas boas caracterís-
Global médio de 0,67, há indicadores com
ticas, assim como interagir com os demais para
escores excelentes, assim como outros entre
uma melhoria Global.
ruins, péssimos e também um (1) com valor
Após, têm-se os indicadores com esco-
ínfimo (zero). Portanto, com os resultados,
res normalizados e valores entre 0,75 e 0,99,
vê-se que é um domínio com valor médio,
são 17 indicadores (20%), não são excelentes,
porém com alguns indicadores com baixo
porém são bons, indica que também necessi-
desempenho que necessitam muito de inter-
tam preservar suas características positivas,
venções compatíveis com a sua importância
além de intervenções para atingir excelentes
para melhorar a mobilidade e acessibilidade
ou melhores resultados.
das pessoas na cidade.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
501
Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto
Indicadores de baixo desempenho
energia limpa e combustíveis alternativos, ambos do domínio Aspectos Ambientais; Densi-
Os indicadores com baixo desempenho foram
dade populacional urbana, do domínio Plane-
aqui classificados em ruins, péssimos e ínfimos.
jamento Integrado; Índice de Motorização, do
Os ruins são os que possuem escore entre 0,25
domínio Tráfego e Circulação Urbana; Trans-
e 0,49 e correspondem ao total de 09 e percen-
porte coletivo X transporte individual, Modos
tual de 10,59 %.
não motorizados X modos motorizados, Termi-
Os indicadores classificados como péssi-
nais intermodais e Tarifas de transporte; estes
mos possuem escore entre 0,01 e 0,24, corres-
últimos do domínio Sistemas de Transporte
ponde ao total de 07 e percentual de 8,23%.
Urbano. Portanto, muito se tem a fazer para
Os indicadores apontados como ínfimos
que a cidade obtenha um índice maior e mais
são os que possuem o escore 0,00, em nú-
condizente com a qualidade de vida da qual
mero de 09 e correspondem ao percentual de
Goiânia é conhecida, e consequentemente
10,59% também.
uma mobilidade com nível satisfatório.
Portanto, indicadores de baixo desempenho, ou seja, os com menores escores são consequentemente os que têm maiores deficiências
e necessitam muito de intervenções e ações
O Imus como ferramenta
de comparação de escores
mais diretas com políticas mais austeras para a
melhoria da mobilidade urbana. Pode-se exem-
Mesmo não sendo realizado o cálculo de todos
plificar aqui, os indicadores Travessias adapta-
os indicadores, é possível simular a obtenção
das para pessoas com necessidades especiais
de valores utilizando dados como se esses
com escore de 0,10 e Acessibilidade a edifícios
indicadores que não foram calculados, sejam
públicos, com escore de 0,37, ambos do domí-
avaliados com valores apresentados como in-
nio Acessibilidade. Como já citado, por ter va-
termediários máximos e mínimos, como indi-
lores muito baixos necessitam de políticas e
cado na Tabela 4.
ações intervencionistas profundas e certamente
O Imus proporciona uma análise mais
mais urgentes, para minimizar os problemas re-
detalhada das condições de mobilidade e, por-
lacionados à mobilidade urbana de Goiânia, em
tanto, também permite identificar os pontos
especial neste item, à acessibilidade da cidade.
mais deficitários para que, assim, possa mais
Os indicadores com escore ínfimo ou
diretamente indicar a melhor direção e atuação
zero são: Fragmentação urbana, do domí-
para o desempenho de seus indicadores e em
nio Acessibilidade; Emissões de CO e Uso de
sequência da cidade.
502
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia...
Tabela 4 – Simulações para indicadores não calculados
Dimensão
do IMUS
Valor
normalizado*
Escores
estimados**
Escores
máximos 1***
Escores
mínimos 2****
Imus Global
0,659
0,658
0,668
0,649
Imus Social
0,224
0,224
0,226
0,221
Imus Econômica
0,219
0,219
0,222
0,216
Imus Ambiental
0,216
0,216
0,220
0,212
Fonte: Adaptado de Costa (2008)
*
**
Obtido pelo cálculo dos 85 indicadores disponíveis.
Obtido pelo cálculo dos 85 indicadores disponíveis e dos 2 indicadores (não disponíveis) com valores estimados
intermediários.
*** Obtido pelo cálculo dos 85 indicadores disponíveis e dos 2 indicadores (não disponíveis) com valores máximos
(iguais a 1,00).
**** Obtido pelo cálculo dos 85 indicadores disponíveis e dos 2 indicadores (não disponíveis) com valores mínimos
(iguais a 0,00).
Comparação do Imus entre cidades
com o cálculo efetivado
valor superior à ambiental, porém em Uberlândia esta última foi superior à econômica. Essa
variação sucede em decorrência das condições
O cálculo do Imus foi efetivado em várias cida-
de seu desenvolvimento, assim como às carac-
des brasileiras para se medir o nível de mobili-
terísticas específicas de cada cidade, às esco-
dade em cada uma e também para que se possa
lhas políticas, como também da atuação dos
validar e contribuir para o aperfeiçoamento do
técnicos e gestores, e ainda da atuação respon-
índice. Aqui são mostrados os resultados obtidos
sável e vigilante da população em geral, que
em algumas cidades onde se percebe que as di-
cobrando interferem na melhoria e crescimento
mensões em cada uma delas apresenta de for-
da respectiva cidade.
ma diferente ou peculiar como visto na Tabela 5.
Em relação às ações nas cidades e à
Nota-se que nas cidades com os respec-
mobilidade urbana sustentável, para que ha-
tivos índices calculados, a variação das dimen-
ja um melhor desenvolvimento, deve haver
sões aconteceu de maneira diferenciada, isso
uma constante relação entre os transportes
em decorrência dos valores dos indicadores
com o uso do solo, com as edificações e seus
de cada uma. Na dimensão social, em todas
usos, as instalações e equipamentos, ou seja,
as cidades comparadas, foi superior tanto em
atividades que produzem ou atraem viagens.
relação à econômica como na ambiental, po-
Reduzindo o uso do transporte individual e
rém a variação de valor entre elas difere em
consequentemente aumentando o transporte
amplitude de uma cidade para a outra. Desse
coletivo, melhora-se a mobilidade e exigem-se
modo, na maioria a econômica apresenta com
medidas de qualificação do transporte público
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
503
Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto
Tabela 5 – Resultados do Imus Global e setorial em várias cidades e Goiânia
Dimensão
do Imus
Valor normalizado
Curitiba
Uberlândia
Goiânia
São Carlos
Anápolis
Imus Global
0,754
0,717
0,659
0,568
0,419
Imus Social
0,255
0,243
0,224
0,192
0,142
Imus Econômica
0,250
0,236
0,219
0,191
0,141
Imus Ambiental
0,249
0,238
0,216
0,186
0,136
Fonte: Adaptado de Costa (2008).
e restrições impostas ao transporte privado.
Logo, para a mobilidade de Goiânia
Isso visando à melhoria da cidade, pois, siste-
com qualidade de vida, é necessário, além
mas de mobilidade ineficientes pioram as desi-
da elaboração do referido Plano, perseguir os
gualdades, socioespacial no urbano, exigindo,
desafios estratégicos do transporte público
por parte dos governantes, a adoção de polí-
como serviço essencial e seu financiamento.
ticas públicas com o objetivo de se construir
E, paralelamente, a cobrança das externa-
uma mobilidade urbana sustentável do ponto
lidades negativas, provocadas pelo uso do
de vista econômico, social e ambiental.
automóvel e da motocicleta, deve ser feita
extensamente, para compensar as desvantagens causadas para o transporte público, os
Ações de melhoria da mobilidade
urbana em Goiânia
pedestres e os usuários de bicicleta. Também
inverter as prioridades de uso do espaço e de
escolha modal.
Na resolução dos problemas em relação à mo-
Uma das questões que agrava os proble-
bilidade, é imperativo se aliar à Política Nacio-
mas de mobilidade para a população é a alta
nal de Mobilidade Urbana na busca de solu-
dependência do transporte rodoviário associa-
ções que priorizem principalmente os modais
da com a degradação das condições de trânsi-
de transporte coletivos e os não motorizados.
to, o que acarreta uma consequente perda de
Sendo assim, uma das medidas necessárias
competitividade do transporte público urbano
para a melhoria da mobilidade é a elaboração
rodoviário em relação ao privado. Outro agra-
do Plano de Mobilidade Urbana, onde, na Lei
vante é o transporte público coletivo urbano
n. 12.587, de 3/1/2012, política acima citada,
atender majoritariamente a pessoas de média
foi estipulado o prazo máximo de 3 anos a
e baixa renda no Brasil, direcionando assim a
partir de sua vigência, ou seja, até 3/1/2015.
que o valor da tarifa desses serviços se torne
Sem o Plano, a cidade terá impedimentos pa-
um instrumento importante na formulação de
ra receber recursos orçamentários federais
políticas de inclusão social e também na ges-
destinados à mobilidade urbana (Brasil, 2012).
tão da mobilidade urbana.
504
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia...
No cálculo do Imus de Goiânia ao conhe-
Outro indicador do Imus de Goiânia que
cer os indicadores com maiores deficiências, ou
terá muito que ser aprimorado para que a mo-
seja, valores que necessitam de maiores inter-
bilidade seja aperfeiçoada é o de Travessias
venções, os gestores e o poder público poderão
adaptadas para pessoas com necessidades es-
selecionar medidas para serem aplicadas no in-
peciais, que obteve um escore baixíssimo, ou
tuito de minimizar o nível de investimentos dos
seja, de 0,10.
indicadores, aumentando, assim, a abrangência
Um aspecto importante a ser considera-
das ações. Referente ao indicador 9.5.2 Tarifas
do em relação aos problemas de mobilidade
de Transporte, obteve-se valor (zero) devido ao
refere-se à gestão metropolitana dos serviços
aumento da tarifa ter sido superior ao índice
de transportes. Isso principalmente quando se
inflacionário selecionado, atestando que o seu
observa a tendência de crescimento acelera-
valor é fator importante para o cálculo do Imus.
do dos municípios periféricos em relação aos
Para o item 1.2.4 Acessibilidade a edifí-
municípios núcleos dos grandes aglomerados
cios públicos, com a definição “Porcentagem de
urbanos, como é o caso de alguns municípios
edifícios públicos adaptados para acesso e uti-
do entorno de Goiânia. Portanto, se não mu-
lização de pessoas com necessidades especiais
dar as tendências atuais, o comércio futuro do
ou restrições de mobilidade”, foi realizada uma
transporte público não é promissor, a não ser
extensa pesquisa para avaliar se os edifícios
que políticas favoráveis, incluindo restrições ao
públicos atendem aos parâmetros de acessibili-
uso do automóvel, sejam implantadas. Entre-
dade e segurança para pessoas com deficiência,
tanto, quando as políticas de incentivo ao uso
conforme as normas e legislação vigentes (NBR
de transporte público são escassas, estima-se
9050). Além da pesquisa realizada, foi feito um
que a maior parte dessas viagens será feita em
estudo de contribuição ao índice, e, quanto ao
motocicletas e automóveis, o que pode levar ao
indicador, foi calculado conforme o proposto no
caos o trânsito nas regiões metropolitanas.
Guia de Indicadores, porém o estudo propôs a
É fato que as políticas públicas de trans-
sua modificação para uma melhor avaliação,
porte e trânsito têm, ao longo da história,
por não concordar com o proposto no Imus
investido mais recursos no apoio ao desloca-
(Macêdo et al., 2012), ou seja, por considerar
mento por automóveis, tornando precárias
outra proposta com aplicação mais realista e
as condições de circulação a pé, em bicicleta
menos utopista. Por ser um indicador que afeta
ou em ônibus. Devido a esses fatos é urgente
diretamente a liberdade de ir e vir das pessoas,
que as cidades se municiem de planos e políti-
especialmente as com deficiência e com mobili-
cas de mobilidade urbana em direção a ações
dade reduzida sem auxílio para a realização das
sustentáveis e que também avaliem seus
atividades diárias, e apontado como sendo um
índices com certa regularidade, para então
indicador necessário a ser melhorado, deverá
buscar acertar como e onde investir e assim
ser aplicado medidas de correção e adequa-
melhorar a mobilidade de todas as pessoas.
ção desses prédios como também a reforma
Todavia, uma das causas para o crescimen-
ou implantação de novas calçadas, melhorando
to do transporte individual no Brasil são as
também aspectos ambientais.
políticas públicas de incentivos ou subsídios
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
505
Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto
desbalanceados entre os diferentes modais,
Aspectos Ambientais que obtiveram escore
priorizando frequentemente o transporte por
zero (0,00) e que, portanto, estão entre as
automóveis e motocicletas.
prioridades.
Contudo, na busca das soluções urbanas
Pontuando a necessidade de uma atua-
e da mobilidade urbana sustentável, é de suma
ção mais responsável em relação às políticas
importância buscar financiamentos. No Brasil, o
anteriormente aplicadas consta no PDIG de
principal órgão de financiamento do transporte
1992, o PDIG 2000, que até 1950, Goiânia
público urbano é o BNDES, com financiamento
de veículos e equipamentos para as empresas
e também projetos de melhoria da infraestrutura para prefeituras e estados. Há os organismos de fomento internacionais, como o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o
Bird. Além das ações de repasse de recursos a
fundo perdido, o governo federal possui linhas
de financiamento para a mobilidade urbana
por meio de um programa de financiamento
de infraestrutura para a mobilidade urbana, o
[...] cresceu e se desenvolveu de acordo
com as previsões do plano original, graças principalmente ao rigoroso controle
exercido pelas autoridades administrativas do Município e do Estado.
E que, em seguida,
[...] experimentou cerca de 20 anos de
crescimento excepcionalmente acelerado,
que coincidiu com administrações desatentas quanto ao cumprimento das determinações do Plano Urbanístico.
Programa de Infraestrutura para a Mobilidade
Urbana (Pró-Mob).
Portanto, acredita-se que para gerir
Há também a Emenda Constitucional
uma política “atenta” ou em conformidade ao
(EC) nº 33/2001, uma fonte de recursos para
Planejamento Urbano deve ser estabelecido
investimento no setor de transporte, tanto
um conjunto de decisões sobre o que e como
urbano como regional. Nela confere que os
deve ser feito para que a cidade possa superar
recursos arrecadados pela cobrança da Contri-
seus defeitos funcionais e se organizar para
buição de Intervenção no Domínio Econômico
sustentar os encargos resultantes da evolução
(Cide) – relativa às atividades de importação
prevista, como: promover, permitir ou proibir.
ou comercialização de petróleo e seus deriva-
Tanto nos estudos como na implantação con-
dos, de gás natural e seus derivados e álcool
tar também com a colaboração dos demais
combustível – ficam vinculados a pagamento
órgãos da municipalidade, buscando maior
de subsídios a preços ou transporte dos com-
integração, bem como órgãos das esferas es-
bustíveis citados. Também o financiamento de
tadual e federal de governo. Assim como tam-
projetos ambientais relacionados com a indús-
bém envolver a população, ou seja, criar entre
tria do petróleo e do gás e a financiamento de
as pessoas maior consciência sobre os impac-
programas de infraestrutura de transportes.
tos negativos de determinadas ações e modos
Referente a essas fontes de recursos, para a
de vida que prejudicam a sustentabilidade.
melhoria do Imus de Goiânia, tem-se que os
Com a integração promover sugestões e
indicadores Emissões de CO e Uso de energia
expectativas da comunidade, através de suas
limpa e combustíveis alternativos do domínio
entidades representativas, com consultas por
506
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia...
meio de seminários e debates, e durante tam-
obtenha contratos e convênios com entidades
bém no processo de execução. Igualmente pela
estatais, paraestatais e autarquias particulares,
Câmara Municipal de Goiânia, com palestras,
concessionárias ou permissionárias de serviços
debates e consultas populares sobre as expec-
de utilidade pública. Para tanto, é importante
tativas da população para o futuro da cidade,
investir inicialmente em relação à capacitação
fornecendo importantes subsídios, levados a
de seus gestores. Também promover e incen-
discussão não só no processo de elaboração
tivar a integração entre os diversos setores e
do Plano, mas também na implantação das
secretarias da Prefeitura, potencializando uma
ações. Isso durante os vários anos e as admi-
gestão mais centrada nos objetivos e mais con-
nistrações consecutivas, em que é necessário
sistente, para a obtenção de resultados, obser-
que as leis sejam aplicadas e, quando revistas,
vando principalmente os indicadores com valo-
façam-na com imparcialidade para o benefício
res desfavoráveis.
da maioria da população e não em benefício de
No quesito referente aos investimentos
algumas classes empresariais ou dominantes.
em Goiânia, mais recentemente as empresas
Necessário também formular o Plano de Mobi-
de transporte estão principiando uma moda-
lidade Urbana e assim ter acessos maiores a in-
lidade nova de captação de recursos para in-
vestimentos imprescindíveis á melhoria da Mo-
vestimentos em infraestrutura e tecnologia: os
bilidade Urbana em direção à sustentabilidade
Fundos de Investimento em Diretos Creditórios
da cidade e em especial de todas as pessoas.
(FIDC), também conhecidos como fundos de re-
E em conjunto, na sequência, rever e incenti-
cebíveis. Esses papéis são lançados no mercado
var adaptações da estrutura urbana, visando
financeiro com a única garantia de retorno e
estimular as viagens por modos sustentáveis,
remuneração do capital, baseada na arrecada-
como também a seleção e a implantação de
ção do sistema de transporte local.
ações e políticas com a mesma finalidade, as-
Entretanto, a dependência da popula-
sim como capacitar técnicos e gestores para
ção sobre os modos motorizados, sobretudo e
vencer os desafios.
principalmente do automóvel particular, é um
Nas observâncias das ações para a mo-
dos pontos que influi negativamente na mobi-
bilidade as estratégias do desenvolvimento ur-
lidade das cidades, assim como a falta de in-
bano de Goiânia e consequentemente do seu
centivo, por exemplo, para o uso da bicicleta
ordenamento territorial, contidas em seu Plano
como modo cotidiano e regular de transporte.
Diretor atual (Goiânia, 2007), direcionam-se a
Portanto, mesmo que os planos contemplaram
soluções urbanas de melhoria da mobilidade,
e continuem com diretrizes condizentes com as
objetivando a construção de um modelo espa-
boas propostas e soluções de regulamentação,
cial com a finalidade de promover a sustentabi-
para ações no urbano com transporte público
lidade socioambiental e econômica, reafirman-
eficiente e de qualidade, é indispensável, inclu-
do a Capital como metrópole regional. Para
sive para que seja de maneira continuada, que
isso devem-se buscar financiamentos e par-
se tenham uma boa estrutura e gerenciamento,
cerias, onde o município, isoladamente ou em
ou seja, políticas comprometidas com o desen-
consórcio com os municípios da mesma região,
volvimento sustentável. Outro agravante é que,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
507
Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto
na grande maioria das vezes, os Planos não são
totalmente implantados, ou são revisados de
Considerações finais
maneira não tão favoravelmente à resolução
Com o método do Imus, reconhecem-se as
dos problemas de mobilidade.
características dos vários indicadores calcula-
Desse modo, a melhoria do transpor-
dos, e verificam-se as deficiências, facilitando
te público influi sobremaneira na Mobilidade
a adoção de medidas de controle e prevenção.
Urbana Sustentável a qual, para efetivar uma
Portanto, com os resultados dos indicadores
gestão composta de outros modais integrados
encontrados para Goiânia, mostrou-se que
ao transporte coletivo como a bicicleta, assim
com o índice calculado de 0,659, e as inter-
como o incentivo de outras práticas não mo-
venções necessárias, são capazes de serem
torizadas, é necessário que se busque soluções
melhorados com o uso de políticas, metas e
com parceria entre o poder público e a inicia-
ações adequadas. Para a realização dessas
tiva privada. Para que assim seja concretizada
metas é de suma importância facilitar o aces-
com sucesso, colocando-a em prática com uma
so a recursos financeiros para capacitação e
implementação espacial adequada. Necessário
assistência técnica, assim como para a im-
e primordial também que se tenha um desen-
plantação das ações e projetos de maneira de-
volvimento a contento do transporte coletivo
mocrática e sustentável. Com ações e interfe-
em consonância com o Plano Diretor geral, com
rências acertadas, permite-se que a utilização
o Plano Diretor de Transportes e também com o
do índice seja para a formulação de políticas
Plano de Mobilidade, para que haja uma maior
integradas e direcionadas à mobilidade, bene-
e melhor mobilidade, satisfatória e sustentável.
ficiando, assim, a uma aplicação mais racional
Para tanto, agenciar a conjugação de
e eficiente de recursos.
esforços, a assistência técnica e financeira, a
Quanto às sugestões referentes ao re-
troca de informações e a coordenação de ati-
sultado da aplicação do Imus juntamente com
vidades e recursos para atingir os objetivos do
os indicadores que contribuíram na composi-
planejamento. Utilizar os indicadores para que
ção de seu cálculo, propõe-se a observância
visualize as deficiências e busque soluções pa-
e monitoração dos indicadores, a fim de que
ra minimizar os pontos mais deficitários. Isso
os escores baixos tenham respaldo junto aos
para as devidas adequações e correções do já
órgãos responsáveis pelo planejamento para
edificado e a exigência do cumprimento das
ações de monitoração e melhoria. Também
leis nas construções das edificações, vias, cal-
que os indicadores com grau satisfatório se-
çadas, etc., evitando, ainda, a continuidade das
jam citados como exemplo e, em conjunto aos
práticas danosas à mobilidade e acessibilidade
demais, possa haver maior interação. Igual-
de toda a população. É um trabalho que deverá
mente contribuir para a Mobilidade Urbana
ser contínuo e envolver a sociedade como um
Sustentável e, consequentemente, para a sus-
todo e é responsabilidade de toda a sociedade
tentabilidade da cidade e qualidade de vida
e de todas as administrações.
de toda a população.
508
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia...
Espera-se que a proposta contida neste
integração tarifária e a taxa de viagens susten-
trabalho possa estimular a aplicação do Imus
táveis, onde a primeira já é praticada em Goiâ-
de forma a ampliar o seu entendimento e deta-
nia assim como já há bicicletários implantados
lhamento em estudos futuros, como por exem-
e outros estão sendo implantados ou previstos.
plo, concretizar o cálculo do Imus nas cidades
Dentre os estudos propostos, é sugerido
que compõe a região metropolitana, para as-
que pode ser feito através da construção de
sim, ter-se diagnóstico mais preciso, principal-
cenários como o proposto por Mancini (2011),
mente pelo transporte coletivo de Goiânia en-
onde um conjunto de possíveis ações de pla-
volver toda a região metropolitana.
nejamento urbano e de transporte, escolhi-
Além de propostas para o Imus, podem
dos dentre os indicadores do Imus, possa se
ser definidas alternativas eficazes que utilizem
avaliar a cidade quanto à mobilidade urbana
outros modos de transportes e novos hábitos
sustentável e aplicar as medidas necessárias.
como, por exemplo, incentivar a utilização de
Esse trabalho deverá ser realizado através de
bicicletas e o modo a pé para prevenir proble-
gestores em conjunto com técnicos e a socie-
mas mais graves, e para que ocorram mudan-
dade, projetando as melhores alternativas pa-
ças de fato é preciso convencer técnicos e ges-
ra se atingir as metas propostas.
tores, assim como a população em geral. Nesse
Os estudos e cálculo do Imus, nas várias
sentido, é interessante visualizar os possíveis
cidades, assim como também outros estudos
resultados das várias alternativas de atuação
como o de Mancini (2011) e o de Azevedo Fi-
propostas, como medidas de incentivo a via-
lho (2012), propõem ações de planejamento
gens sustentáveis através da integração modal,
urbano e de transporte e também análise do
e a instalação de estacionamento junto a ter-
processo de planejamento dos transportes, su-
minais intermodais de transporte como bicicle-
gerindo estudos de contribuição para o aperfei-
tários e estacionamento de carros. Também a
çoamento do Imus.
Ivanilde Maria de Rezende Abdala
Arquiteta e urbanista, mestranda em Desenvolvimento e Planejamento Territorial na Pontifícia
Universidade Católica de Goiás, analista em Obras e Urbanismo da Secretaria de Desenvolvimento
Urbano Sustentável – Semdus, da Prefeitura de Goiânia. Goiânia/GO, Brasil.
[email protected]
Antônio Pasqualetto
Engenheiro agrônomo, mestre e doutor pela Universidade Federal de Viçosa. Professor titular da
Pontifícia Universidade Católica de Goiás e professor adjunto do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de Goiás. Coordenador do Mestrado Acadêmico em Desenvolvimento e
Planejamento Territorial da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Goiânia/GO, Brasil.
[email protected]
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
509
Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto
Referências
ABNT (2004). NBR 9050 – Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos.
Rio de Janeiro. Associação Brasileira de normas Técnicas.
AGUIAR, F. de O. (2010). Acessibilidade rela va dos espaços urbanos para pedestres com restrição de
mobilidade. Tese de doutorado. São Carlos, Universidade de São Paulo. Disponível em: h p://
www.teses.usp.br/teses/disponiveis/18/18144/tde-21042010-193924/pt-br.php Acesso em:
18/5/2011.
AZEVEDO FILHO, M. A. N. D. (2012). Análise do processo de planejamento dos transportes como
contribuição para a mobilidade urbana sustentável. Tese de doutorado. São Carlos, Universidade
de São Paulo.
BOARETO, R. (2008). A polí ca de mobilidade urbana e a construção de cidades sustentáveis. Revista
dos Transportes Públicos - ANTP, ano 30/31, pp. 143-160.
BRASIL (2006). Mobilidade e desenvolvimento urbano. Brasília, Ministério das Cidades. (Gestão
integrada da mobilidade urbana, 2).
______ (2012). Lei de diretrizes da polí ca nacional de mobilidade Urbana. Lei nº 12.587. Brasília.
Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.html. Acesso
em: 3 fev 2012.
BRASIL ACESSÍVEL (2006). Programa brasileiro de acessibilidade urbana. Brasília, Ministérios das
Cidades.
CENTRO DE GESTÃO E ESTUDOS ESTRATÉGICOS – CGE (2009). P&D / Estudo 1: redes nacionais e
internacionais de P&D em mobilidade urbana e seus indicadores. relatório técnico. In: Estudo
prospec vo mobilidade urbana. Brasília, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos.
COSTA, M. S. (2008). Um índice de mobilidade urbana sustentável. Tese de doutorado, São Carlos,
Universidade de São Paulo.
COSTA, M. S.; RAMOS, R. A. R. e SILVA, A. N. R. (2007). Índice de mobilidade urbana sustentável para
cidades brasileiras. In: XXI ANPET – PANORAMA NACIONAL DA PESQUISA EM TRANSPORTES.
Anais. Rio de Janeiro, ANPET.
DA ASSUNÇÃO, M. A. (2012). Indicadores de mobilidade urbana sustentável para a cidade de Uberlândia,
MG. Dissertação de mestrado. Uberlândia, Universidade Federal de Uberlândia.
DOMINGUES, C. V. (2005). Aplicação de geoprocessamento no processo de modernização da gestão
municipal. Dissertação de mestrado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas.
GOIÂNIA (1992). Plano de Desenvolvimento Integrado de Goiânia (PDIG 2000). Goiânia, Ins tuto de
Planejamento Municipal da Prefeitura Municipal de Goiânia, pp. 1-86.
GOIÂNIA, Prefeitura Municipal (2007). Lei Complementar Nº 171. Plano diretor do município de
Goiânia. Goiânia, Secretaria Municipal de Planejamento e Urbanismo.
GUDMUNDSSON, H. (2011). Indicators of environmentally sustainable transport’ – why, wa and
how to measure? Yokohama, United Nations University, pp. 1-32. Disponível em: www.
globalsustainability.org/data/ACF205.pdf. Acesso em: 5 maio 2011.
510
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia...
LOPES, S. B. (2010). Uma ferramenta para planejamento da mobilidade sustentável com base em
modelo de uso do solo e de transportes. Tese de doutorado. São Carlos, Universidade de São
Paulo.
MACÊDO, M. H.; SILVA, A. N. e COSTA, M. S. (2006) Abordagem sistêmica da mobilidade urbana:
reflexões sobre o conceito e suas implicações. São Paulo, Pluris, pp. 1-13.
MACÊDO, M. H.; ABDALA, I. M. R. e SORRATINI, J. A. (2012). Uma contribuição ao cálculo do indicador
de acessibilidade do índice de mobilidade urbana sustentável. In: XXVI ANPET. Anais. Joinville,
Anpet, pp. 1768-1779.
MACHADO, L. (2010). Índice de mobilidade sustentável para avaliar a qualidade de vida urbana Estudo de caso: Região Metropolitana de Porto Alegre – RMPA. Dissertação de mestrado. Porto
Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
MAGAGNIN, R. C. (2008). Um sistema de suporte à decisão na internet para o planejamento da
mobilidade Urbana. Tese de doutorado. São Carlos, Universidade de São Paulo.
MAGAGNIN, R. C. e RODRIGUES DA SILVA, A. N. (2008). A percepção do especialista sobre o tema
mobilidade urbana. Revista Transportes. São Paulo, v. XVI, n. 1, pp. 25-35.
MANCINI, M. T. (2011). Planejamento urbano baseado em cenários de mobilidade sustentável.
Dissertação de mestrado. São Carlos, Universidade de São Paulo.
MIRANDA, H. de F. (2010). Mobilidade urbana sustentável e o caso de Curitiba. Dissertação de
mestrado. São Carlos, Universidade de São Paulo.
MORAIS, T. C. (2012). Avaliação e seleção de alterna vas para promoção da mobilidade urbana
sustentável – o caso de Anápolis. Dissertação de mestrado. São Carlos, Universidade de São
Paulo.
PLAZA, C. V. e RODRIGUES DA SILVA A. N. (2010). Elementos para promoção de mobilidade urbana
sustentável em uma cidade média brasileira. In: XIV CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO CODATU
(Coopéra on pour le Développement et l’Améliora on des Transports Urbains et périurbains).
Anais. Buenos Aires, Associação Codatu.
RODRIGUES DA SILVA, A. N.; COSTA, M. S. e MACÊDO, M. H. (2008). Mul ple views of sustainable
urban mobility – the case of Brazil. Transport Policy, v. 15, n. 6, pp. 350-360.
Texto recebido em 20/mar/2013
Texto aprovado em 5/maio/2013
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013
511
Acessibilidade e mobilidade espaciais
da população na Região Metropolitana
de Belo Horizonte: análise com base
no censo demográfico de 2010
Spatial accessibility and mobility of the population
in the Metropolitan Region of Belo Horizonte:
analysis based on the 2010 demographic census
Carlos Lobo
Leandro Cardoso
David J. A. V. Magalhães
Resumo
A Região Metropolitana de Belo Horizonte, a exemplo de outras grandes metrópoles nacionais, apresenta condições inadequadas de deslocamento de
pessoas e mercadorias. Somadas às precariedades
dos transportes públicos coletivos e aos elevados
índices de acidentes de trânsito, têm sido agravados os problemas referentes a congestionamentos
e poluição, fatores que impactam negativamente
a vida das pessoas e as diversas atividades sociais
e econômicas. Torna-se relevante, nesse aspecto,
aprofundar nas investigações acerca das condições
de acessibilidade e mobilidade espaciais nesses
aglomerados urbanos. Este artigo tem por objetivo
a proposição e a análise de indicadores de acessibilidade e de mobilidade espaciais da população nos
fluxos intermunicipais na RMBH, tendo como base
os valores de distância, tempo e velocidade média
dos deslocamentos identificados na base amostral
do censo demográfico de 2010.
Abstract
The Metropolitan Region of Belo Horizonte, like
others in Brazil, offers inadequate conditions
for the movement of people and commodities.
In addition to the precariousness of the public
transportation system and the high rates of traffic
accidents, one can observe a gradual worsening
of problems related to traffic jams and pollution,
factors that negatively impact the quality of urban
life and economy. Therefore, it is relevant to
carry out a diagnosis of the conditions of spatial
accessibility and mobility in these urban areas.
This article proposes and analyzes indicators of
spatial accessibility and mobility of people among
the cities located within the metropolitan region
of Belo Horizonte (Southeastern Brazil), based on
the values of distance, time and average speed
of movements identified in the Brazilian census
sample of 2010.
Palavras-chave: acessibilidade; mobilidade; regiões
metropolitanas; censo demográfico; Belo Horizonte.
Keywords: accessibility; mobility; metropolitan
regions; demographic census; Belo Horizonte.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães
Introdução
atividades sociais e econômicas, indispensáveis
à manutenção da dinâmica urbana. Ademais,
pela falta de alternativas de acessibilidade em
A mobilidade e a acessibilidade urbanas são
outras direções e pela intensa centralização
atributos das cidades e representam duas das
ainda presente em algumas das principais re-
mais importantes vantagens comparativas pro-
giões metropolitanas brasileiras, os transportes
piciadas pelo espaço urbano, em face de suas
podem agravar convergências para polos já sa-
alternativas em termos de localização de ativi-
turados, elevando custos econômicos e sociais
dades e serviços. Nesse contexto, as principais
da cidade e obrigando a população residente
metrópoles nacionais possibilitam facilidade de
na periferia metropolitana a percorrer grandes
contatos que colocam os cidadãos metropoli-
distâncias para usufruir os serviços que somen-
tanos diante de oportunidades de transações,
te as áreas centrais fornecem (Hicks, 1979),
comunicação social e consumo, não raro indis-
contribuindo, em última análise, para o declínio
poníveis em espacialidades urbanas de menor
na qualidade de vida urbana.
porte e/ou mais afastados das áreas mais de-
A Região Metropolitana de Belo Horizon-
senvolvidas economicamente, fato que poten-
te (RMBH) afigura-se como um exemplo escla-
cializa a sua atratividade.
recedor dessas afirmações, uma vez que a Ca-
Com efeito, os serviços de transporte e
pital do estado de Minas Gerais recebe, diaria-
trânsito, em particular, afiguram-se como um
mente, a partir de dados censitários, elevados
dos meios de consumo coletivo que apresen-
contingentes de trabalhadores que residem nos
tam problemas mais visíveis e sentidos pela po-
municípios da periferia metropolitana, dado o
pulação, independentemente da classe social
seu grau de polarização de oportunidades de
(embora os mais pobres sejam notoriamente
trabalho e serviços. Consequentemente, tanto
mais prejudicados), uma vez que esses siste-
o sistema de transporte público (inter e intra)
mas interagem diretamente com a estruturação
municipal (majoritariamente realizado por ôni-
do espaço. Fruto de um crescimento urbano
bus) quanto o sistema de circulação são ainda
acelerado, pautado principalmente pela ado-
mais onerados por uma crescente demanda por
ção de um modelo de planejamento econômi-
deslocamentos motivados pelo trabalho, situa-
co voltado para o incentivo à industrialização,
ção também compartilhada por outras grandes
tais condições, associadas às precariedades dos
cidades brasileiras.
transportes públicos coletivos e, principalmen-
Nesse sentido, este artigo tem como
te, ao incremento da utilização de modalidades
objetivo principal a proposição e a análise de
de transporte individual, têm contribuído para
indicadores de acessibilidade e de mobilidade
o avanço de problemas referentes aos elevados
espaciais da população nos fluxos intermuni-
índices de acidentes de trânsito, ao aumento
cipais na RMBH, tendo como base os valores
dos congestionamentos viários e dos níveis de
de distância, tempo e velocidade média dos
poluição, fatores que acarretam processos de
deslocamentos identificados no questionário
vulnerabilidade social, uma vez que impactam
amostral do censo demográfico de 2010, rea-
negativamente a vida das pessoas e as diversas
lizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia
514
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte
e Estatística (IBGE). Para tanto, foram sele-
Nesse contexto, a proposta deste trabalho ga-
cionados os deslocamentos motivados pelo
nha ainda maior relevância por sugerir o apro-
trabalho e originados nos municípios que in-
veitamento do censo demográfico como outra
tegram a periferia da RMBH com destino a Be-
fonte consistente de dados que, pela primeira
lo Horizonte. A partir dessa base de dados foi
vez em toda a sua série histórica, inseriu no
possível identificar os fluxos entre as unidades
seu questionário informações sobre mobilidade
espaciais denominadas Áreas de Ponderação
e acessibilidade (ainda que menos detalhadas
(Areap), o que permitiu não somente obter
que as pesquisas OD). Ademais, a metodolo-
sinais acerca da (in)eficiência das condições
gia aqui empregada pode também servir de
de deslocamento intermunicipal na RMBH,
referência para estudiosos que necessitem
também associadas à confirmação da elevada
empreen der investigações sobre municípios
centralidade metropolitana da capital mineira
que não realizam pesquisas OD periodicamente.
em relação ao restante da RMBH, mas ainda
obter uma análise comparativa das condições
de acessibilidade e mobilidade nas nove principais regiões metropolitanas do país. Importa
ressaltar que a metodologia de análise proposta neste artigo pode ser útil na elaboração de
novos indicadores de acessibilidade e mobilidade urbanas, úteis às discussões públicas e à
elaboração e proposição de políticas de trans-
Breves notas sobre a
acessibilidade e a mobilidade
urbanas em Belo Horizonte:
aspectos conceituais
e metodológicos
porte e trânsito urbanos.
Importa ressaltar que tais investigações
O conceito de acessibilidade é objeto de recor-
poderiam ser realizadas, até com maior preci-
rentes controvérsias e discussões, sobretudo
são, utilizando-se dados da Pesquisa Domici-
por ser comumente utilizado por uma signifi-
liar de Origem e Destino (OD), a qual fornece
cativa gama de ramos do conhecimento (Lobo,
informações diversas sobre os municípios que
Cardoso e Matos, 2010). O amplo emprego do
integram a RMBH, como por exemplo, aspectos
termo em várias circunstâncias conduz a equí-
socioeconômicos e demográficos relativos ao
vocos conceituais, o que o leva a certa desca-
indivíduo e ao domicílio de moradia, o tempo
racterização conceptual. Não raro, os termos
gasto entre a moradia e o local de trabalho, o
acessibilidade e mobilidade são considerados
modo de transporte utilizado, entre outros. Para
sinônimos. Jones (1981), por exemplo, rela-
o caso belo-horizontino, entretanto, há uma ca-
ciona o conceito de acessibilidade a oportuni-
rência de dados atualizados sobre mobilidade e
dade que um indivíduo possui para participar
acessibilidade espaciais, tendo em conta que a
de uma atividade em um dado local. Essa po-
pesquisa OD mais recente realizada na RMBH
tencialidade disponibilizada pelo sistema de
data de 2002. Com periodicidade decenal, a
transporte e pelo uso do solo permitiria que
Pesquisa OD de 2012 tem previsão de publi-
diferentes tipos de pessoas desenvolvessem
cação somente no segundo semestre de 2013.
suas atividades. Ainda de acordo com o autor,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
515
Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães
o termo mobilidade refere-se à capacidade de
dos deslocamentos inter e intraurbanos –,
um indivíduo de se deslocar espacialmente e
resultam num processo de discriminação geo-
envolve dois componentes. O primeiro irá de-
gráfica, uma vez que os indivíduos de menos
pender do desempenho do sistema de trans-
posses têm dificultadas suas oportunidades de
porte, revelada pela sua capacidade de interli-
trabalho, estudo, consumo e lazer, justamente
gar locais distintos. Já o segundo depende das
por não conseguirem alcançar pontos diversos
características próprias do indivíduo, associa-
da cidade pagando uma única passagem (Car-
das ao seu grau de inserção perante o sistema
doso, 2007; Silva et al., 1994). A esse respeito,
de transporte, e das suas necessidades. Noutros
Raia Jr. (2000, p. 19) complementa que “a pro-
termos, acessibilidade associa-se à capacidade
pensão de interação entre dois lugares cresce
de alcançar um determinado lugar, sendo co-
na medida em que o custo de movimentação
mumente mensurada pelo atributo tempo de
entre eles diminui”. Assim, equipamentos e
viagem, enquanto que mobilidade, medida pelo
serviços urbanos serão mais acessíveis se esti-
número de viagens/dia por pessoa, relaciona-se
verem próximos às áreas residenciais, estando
com a facilidade com que o deslocamento pode
a acessibilidade potencializada também pela
ser realizado (Sathisan e Srinivasan, 1998). Iso-
utilização de modos de transporte não motori-
ladamente, o conceito de mobilidade também
zado, incluindo o andar.
é carregado de indefinições, notadamente por
sugerir movimento, mudança, transformação.
Desse modo, o termo pode assumir inúmeras
interpretações, podendo estar relacionado à
mobilidade social, espacial, residencial, etc. No
presente trabalho, contudo, o conceito deverá
estar associado à ideia de deslocamento, rela-
Conforme aponta Villaça (1998, p. 74)
[...] a acessibilidade é o valor de uso mais
importante para a terra urbana, embora
toda e qualquer terra o tenha em maior
ou menor grau. Os diferentes pontos do
espaço urbano têm diferentes acessibilidades a todo o conjunto da cidade.
cionando-se principalmente à disponibilidade
Da mesma forma, Davidson (1995) e Hanson
individual por modos de transporte.
(1995) afirmam que uma maior acessibilida-
Convém destacar que, conforme alertam
de se reflete numa maior valorização da terra,
Torquato e Santos (2004, p. 1304), “a dotação
uma vez que as suas condições estão relacio-
da mobilidade pode ser resolvida no plano in-
nadas à performance do(s) sistema(s) de trans-
dividual, enquanto que a acessibilidade não se
porte e quantidade de oportunidades (sobre-
pode negar a pessoas e sim a coletivos”. Des-
tudo de trabalho) disponíveis a uma dada dis-
se modo, num contexto de pobreza, tônica dos
tância da residência de cada indivíduo (Hansen,
países periféricos, a parca incidência de modos
1959), ou seja, a sua dotação também está
alternativos de transporte que independam de
associada a um forte componente territorial:
financiamento, como o próprio caminhar, além
a localização espacial dos pontos de origem
de problemas relacionados à limitada integra-
e destino dos deslocamentos. Nesse contexto,
ção física e tarifária entre os diversos modos
áreas mais bem equipadas em termos de infra-
coletivos componentes dos sistemas de trans-
estrutura e equipamentos urbanos (incluindo
porte – os quais são responsáveis pela maioria
os geradores de emprego), e, por conseguinte,
516
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte
mais valorizadas economicamente, tenderão
De acordo com dados do Departamento
a observar melhores condições de acessibili-
de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG) e do
dade em relação às demais, notadamente se
IBGE, enquanto a população de Belo Horizon-
houver relativa proximidade espacial entre ori-
te cresceu cerca de 18% entre 1991 e 2011,
gens e destinos. A mobilidade, por seu turno,
passando de 2.020.161 para 2.385.638 habi-
resguarda estreitas relações com a acessibili-
tantes, a frota total de veículos cresceu apro-
dade, na medida em que envolve a combina-
ximadamente 198% , passando de 479.805
ção de políticas de uso e ocupação do solo,
para 1.429.865 veículos. Tal desequilíbrio na
transporte e trânsito, uma vez que a geração
evolução desses dados é agravado pelo fato
de proximidades entre residência e postos de
de que a população belo-horizontina apre-
trabalho (além de escolas, centros de saúde
sentou um declínio no ritmo de crescimen-
e de consumo), somadas a uma boa inserção
to ao longo das últimas décadas (em média
dos cidadãos perante os modos de transporte
1,16% ao ano, entre 1991 e 2000, e ape-
disponíveis (oferta, frequência, etc.) e a condi-
nas 0,59% ao ano entre 2000 e 2010), sem
ções adequadas de circulação viária, possibi-
qualquer impacto negativo no crescimento
lita a realização de um número maior de via-
da frota de veículos. A taxa de motorização
gens individuais diárias e, em última análise,
do município (que se refere ao número total
um melhor aproveitamento das oportunidades
de veículos para cada mil habitantes) era de
de “consumo” do espaço urbano.
599 veículos/1000 habitantes em 2011, valor
Em Belo Horizonte, a distribuição da
muito próximo da cidade de São Paulo, que
acessibilidade e da mobilidade espaciais tem
apresentava 618 veículos/1000 habitantes
sido recorrentemente caracterizada pela di-
(Detran-SP), e superior a países como Japão
fusão de iniquidades, o que resulta na estru-
(395), Estados Unidos (478) e Itália (539),
turação de um espaço de circulação no qual,
segundo dados do International Road Traffic
a despeito da manutenção de privilégios ao
and Accident Database – Irtad (Irtad, 2012).
transporte individual, os estratos mais vulne-
Numa observação apressada, pode-se
ráveis (pedestres, ciclistas e usuários de trans-
imaginar que esse índice é plenamente favo-
porte público coletivo) têm sido preteridos nos
rável à cidade, tendo em conta que a taxa de
seus anseios relacionados à circulação. Nesse
motorização é consagrada como um indicador
cenário, não obstante os recentes esforços de
geral de desenvolvimento de cidades e países,
variadas esferas do Poder Público (municipal,
estando comumente associada a elevações
estadual e federal) de mitigar as históricas
no Produto Interno Bruto (PIB) per capita (a
distorções no provimento de acessibilidade,
rigor, o PIB de Belo Horizonte cresceu cerca
notadamente a partir da implantação do siste-
de 37% entre 2000 e 2009, de acordo com
ma de BRT ( Bus Rapid Transit ) em alguns dos
informações do IBGE). Entretanto, tal análise
principais corredores viários da cidade (não
não transcende o conceito tradicional de mo-
incluindo a sua dimensão metropolitana), im-
bilidade urbana, contrapondo-se aos preceitos
portantes parcelas da população têm procura-
básicos da mobilidade urbana sustentável, que
do resolvê-las individualmente.
se refere à
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
517
Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães
[...] reunião das políticas de transporte e
de circulação, e integrada com a política
de desenvolvimento urbano, com a finalidade de proporcionar o acesso amplo
e democrático ao espaço urbano, priorizando os modos de transporte coletivo e
os não motorizados, de forma segura, socialmente inclusiva e sustentável. (Brasil,
2004, p. 3)
A análise das condições de mobilidade e
acessibilidade espaciais na RMBH, através de
indicadores específicos, como proposto neste
trabalho, permite a construção de um diagnóstico que supera o simples (re)conhecimento
de uma condição dada. Os resultados obtidos
com base nos deslocamentos e suas respectivas relações com os indicadores distância,
A prevalência desse modelo, por sua
tempo e velocidade permitem o reconheci-
vez, poderá acarretar importantes mudanças
mento de padrões distribuídos em nível local,
na distribuição modal do transporte na cida-
poderão subsidiar, em trabalhos futuros, a
de. Em 2008, 54,5% das viagens intramu-
formulação de medidas propositivas que visem
nicipais diárias eram realizadas por ônibus e
minimizar eventuais distorções na distribuição
45,5% feitas em automóveis. Segundo dados
e no provimento da mobilidade e da acessibili-
do Plano de Mobilidade Urbana de Belo Ho-
dade metropolitanas.
1
rizonte (PlanMob-BH), criado pela BHTrans,
como um instrumento de orientação das
ações relacionadas ao transporte coletivo, ao
transporte individual e ao transporte não motorizado, de modo a atender às necessidades
de mobilidade da população do município, a
Base de dados
e a operacionalização
metodológica
ausência de novos investimentos na melhoria
dos transportes públicos promoverá uma in-
Historicamente os censos demográficos têm se
versão nesse quadro em 2020, sendo 52% das
consolidado como uma das mais importantes
viagens realizadas por automóveis e 48% pe-
bases de dados utilizadas nas diversas verten-
lo transporte coletivo (BHTrans, 2010). Além
tes das ciências humanas e sociais. O primeiro
disso, o avanço da motorização tem contribuí-
recenseamento foi realizado no Brasil em 1872,
do para a manutenção de baixas velocidades
quando ocorreu a primeira grande contagem
médias do transporte coletivo (modo ônibus)
da população. Até a primeira metade do sé-
na capital mineira, que, em 2008, era de 19,8
culo XX, foram realizados os censos de 1890,
km/h na rede viária municipal e 14,3 km/h na
1900, 1920 e 1940. No entanto, o Brasil adotou
área central nos horários de pico. Situação
os padrões internacionais apenas a partir de
semelhante, resguardadas as devidas propor-
1940, quando o recém-criado IBGE assumiu a
ções, era vivenciada pelos usuários de auto-
tarefa de planejamento, execução e divulgação
móveis, cujos veículos apresentavam velocida-
do censo demográfico. Inaugura-se, assim, uma
de média de 26,2 km/h no sistema viário mu-
fase de modernização dos censos no Brasil, que
nicipal e 18 km/h no centro no mesmo período
passaram a exibir uma periodicidade decenal
(BHTrans, 2010).
(regularidade quebrada pelo Censo de 1991).2
518
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte
A partir de então, ampliou-se a temática com a
como sendo uma unidade geográfica, formada
introdução dos quesitos de interesse econômi-
por um agrupamento de setores censitários,
co e social nos questionários censitários. Desde
para a aplicação dos procedimentos de cali-
então, são coletadas nos censos informações
bração das estimativas com as informações
referentes às características dos domicílios e
conhecidas para a população como um todo.
moradores, o que permite determinar o perfil
Foram definidas, para todo o Brasil, 10.184
demográfico e socioeconômico da população
Areaps e, tal como nos censos anteriores, a me-
do país, bem como realizar estimativas, estudos
todologia de expansão da amostra foi aplicada
e diagnósticos com o objetivo de subsidiar o
independentemente para cada uma delas. Além
planejamento e o desenvolvimento de políticas
do limite quanto ao tamanho mínimo razoável,
e programas governamentais
essas áreas também consideraram os níveis
Os dados que compreendem as caracte-
geográficos mais detalhados da base operacio-
rísticas dos domicílios e das pessoas que foram
nal, como forma de atender a demandas por in-
investigadas para a totalidade da população
formações em níveis geográficos menores que
são denominados, por convenção, resultados
os municípios.
do universo. Esses dados foram obtidos reu-
Para o Censo 2010, de acordo com o
nindo informações captadas por meio da in-
próprio IBGE, foram usados métodos e siste-
vestigação das características dos domicílios
mas automáticos de formação de Areaps que
e das pessoas, que são comuns aos dois tipos
conjugam critérios tais como tamanho (para
de questionários utilizados para o levantamen-
permitir estimativas com qualidade estatística
to do censo demográfico de 2010. Nele, como
em áreas pequenas), contiguidade (no sentido
descrito na própria documentação disponibi-
de serem constituídas por conjuntos de seto-
lizada pelo IBGE, foram utilizados dois tipos
res limítrofes com algum sentido geográfico) e
de questionário, que são: (1) questionário
homogeneidade em relação a um conjunto de
básico – aplicado em todas as unidades do-
características populacionais e de infraestrutu-
miciliares, exceto naquelas selecionadas para
ra conhecidas. A fração amostral dos domicílios
a amostra, e que contém a investigação das
no Censo de 2010 variou conforme o tamanho
características do domicílio e dos moradores;
da população residente em cada município. As
e (2) questionário da amostra – aplicado em
proporções foram obtidas de acordo com as
todas as unidades domiciliares selecionadas
seguintes classes: (1) até 2.500: 50% dos do-
para a amostra. Além da investigação contida
micílios; (2) superior a 2.500 até 8.000: 33%
no questionário básico, abrange outras carac-
dos domicílios; (3) superior a 8.000 até 20.000:
terísticas do domicílio e pesquisa importantes
20% dos domicílios; (4) superior a 20.000 até
informações sociais, econômicas e demográfi-
500.000: 10% dos domicílios; e (5) superior a
cas dos seus moradores.
500.000: 5% dos domicílios. Para os 40 municí-
Neste artigo, em função dos propósitos
pios com mais de 500.000 habitantes, foi ava-
estabelecidos inicialmente, optou-se em anali-
liada a possibilidade de aplicação de frações
sar os deslocamentos a partir das unidades es-
amostrais diferentes em cada uma de suas divi-
paciais denominadas Areaps, que são definidas
sões administrativas intramunicipais (distritos e
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
519
Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães
subdistritos), de forma a permitir a divulgação
os municípios centrais de cada região metro-
de estimativas e de microdados nesses níveis
politana, processados com base em Sistemas
geográficos. Em todo o território nacional fo-
Geográficos de Informação (SIGs). Ainda que
ram selecionados 6.192.332 domicílios para
sejam apenas escores aproximados, que ne-
responder ao questionário da amostra, o que
cessariamente subestimam a distância real
significou uma fração amostral efetiva da or-
percorrida, uma vez que definem a distância
dem de 10,7% para o país.
linear entre dois pontos (distância euclidiana),
Uma das importantes inovações trazi-
permitem aferir os efeitos da proximidade ou
das na atual edição refere-se à inclusão de va-
não ao considerar o tempo de cada desloca-
riáveis adicionais no quesito referente ao cha-
mento. Dessa forma, também é possível esti-
mado movimento pendular, o que permitiu a
mar a velocidade pela razão entre os valores de
distinção da motivação principal daqueles que
distância e tempo, tendo, portanto, um impor-
trabalhavam ou estudavam em um município
tante indicador de acessibilidade e mobilidade
diferente daquele de residência na data de
espacial da população no interior das regiões
referência do levantamento censitário. Para
metropolitanas e de suas regiões integradas de
a pessoa com mais de 10 anos de idade, que
desenvolvimento.
3
trabalhava fora do domicílio e retornava diariamente, exceto para aquele que trabalhava
em mais de um município ou país, foi pesquisado o tempo habitual gasto de deslocamento
do domicílio até o trabalho principal. Os intervalos de tempo de deslocamento do domicílio
para o trabalho principal foram classificados
em: até cinco minutos, de seis minutos até
Análise das condições
de acessibilidade e mobilidade
espaciais intermunicipais
na RMBH: algumas
evidências empíricas
meia hora, mais de meia hora até uma hora,
mais de uma hora até duas horas, ou mais de
Antes de considerar os indicadores de acessibi-
duas horas. Com base nesse agrupamento,
lidade e a mobilidade intermunicipais metropo-
considerados os valores centrais de cada clas-
litanas, apoiadas em uma análise comparativa
se, foi possível estimar o tempo médio gasto
dessas condições nas nove principais Regiões
no deslocamento diário daqueles que declara-
Metropolitanas (RMs) nacionais e as suas res-
ram residir nas Areaps pertencentes aos mu-
pectivas Regiões Integradas de Desenvolvi-
nicípios da periferia que declararam trabalhar
mento (Rides), conforme a subdivisão territo-
no centro metropolitano.
rial adotada no censo demográfico de 2010,4
A estimativa da distância, em função
convém realizar uma breve análise do grau de
das limitações inerentes às informações dispo-
centralidade das regiões em questão. Para tan-
níveis na base de dados censitária, foi obtida
to, serão comparados dados sobre a proporção
tendo como referência os centróides relativos
dos trabalhadores residentes nos municípios
aos polígonos que representam as Areaps e
das periferias metropolitanas, os quais realizam
520
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte
movimentos pendulares diários com destino
populacionais bem mais significativos do que
aos núcleos metropolitanos, e aqueles que de-
Belo Horizonte, os quais experimentaram ta-
clararam trabalhar no próprio município de re-
xas de crescimento populacional anual da or-
sidência. As RMs estudadas são apresentadas
dem de 6,84%, 5,01% e 4,40% entre os perío-
na Figura 1.
dos de 1970/1980, 1980/1991 e 1991/2000,
Um dado que desperta imediata aten-
respectivamente. Nesses mesmos períodos, o
ção é o significativo número de respondentes
município de Belo Horizonte apresentou taxas
que declarou trabalhar no mesmo município
anuais de 3,73%, 1,15% e 1,10%. Esses dife-
de residência em todas as regiões metropo-
renciais no ritmo de crescimento da periferia
litanas analisadas. Excetuando as regiões do
metropolitana tiveram reflexo na evolução da
Rio de Janeiro e do Recife, que apresentaram,
participação do core metropolitano nos es-
respectivamente, 59,88% e 57,99% de traba-
toques totais de população na região. Desde
lhadores nessas condições, todas as demais
1970, a periferia metropolitana vem crescen-
experimentaram percentuais superiores a
do em volume e na proporção da população
62% (com destaque para Salvador e Fortale-
regional. Em 2000, 48,63% da população da
za, com índices acima de 70%). Esse fenôme-
região metropolitana residia fora de Belo Hori-
no pode estar relacionado às expressivas mu-
zonte (em 1970 essa proporção era de apenas
danças que marcaram a reversão na tendên-
33,59%), conforme apontam Lobo, Cardoso e
cia de crescimento populacional dos núcleos
Matos (2008).
metropolitanos (e, alguns casos, das próprias
Percebe-se, por outro lado, a elevada
regiões metropolitanas), os quais tiveram
polarização dos núcleos das Regiões Metropo-
início na década de 1970, que, até então,
litanas de Belém, Curitiba, Recife e Rio de Ja-
apresentava um padrão predominantemente
neiro, com uma atratividade superior a 25% de
centralizador. O arrefecimento do crescimen-
trabalhadores metropolitanos que residem fora
to populacional dos núcleos metropolitanos é
dessas capitais.
resultado, entre outros aspectos, do avanço
O caso do Rio de Janeiro merece atenção
das chamadas deseconomias de aglomeração,
especial, já que, não obstante a grande atrati-
que incluem fatores sociais, como o aumento
vidade da capital fluminense, cerca de 15% dos
da criminalidade urbana, e refletem incremen-
trabalhadores residentes nessa região declara-
tos pela elevação dos custos de moradia e tra-
ram trabalhar em um município metropolitano
balho (Redwood, 1984).
diferente do núcleo e do próprio município de
No caso belo-horizontino, centro das in-
residência. Tal fato pode ser explicado por um
vestigações deste trabalho, a partir dos anos
relativo dinamismo econômico de outros muni-
de 1970, como já demonstraram Rigotti e Ro-
cípios integrantes da Região Metropolitana do
drigues (1994), Matos (1995) e Rigotti (1999),
Rio de Janeiro, a exemplo de Niterói, que, por
dentre outros, era perceptível uma desacelera-
prefigurar-se como um dos principais centros
ção no ritmo de crescimento da capital mineira.
financeiros, comerciais e industriais do Estado,
A partir desse momento, os municípios da peri-
pode exercer certa atratividade de trabalhado-
feria da RMBH vêm apresentando incrementos
res de outras cidades metropolitanas.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
521
Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães
Figura 1 – Proporção da população dos municípios da periferia
que declarou trabalhar no próprio município de residência
e no respectivo núcleo metropolitano – Regiões Metropolitanas
e Regiões Integradas de Desenvolvimento – Brasil (2010)
Recife
Rio de Janeiro
São Paulo
Curitiba
Belém
Porto Alegre
Belo Horizonte
Fortaleza
Salvador
0
10
20
30
40
No núcleo metropolitano
50
60
70
80 %
No próprio município
Fonte: Censo demográfico de 2010 (dados da amostra).
Exercendo uma centralidade menor,
A Região Metropolitana de Salvador, por
mas não menos significativa, encontram-se as
sua vez, apresenta dados que destoam bastan-
regiões de Belo Horizonte, São Paulo, Fortaleza
te das demais regiões, uma vez que a capital
e Porto Alegre, cujos núcleos atraem, em mé-
é destino de cerca de 11% dos trabalhadores.
dia, cerca de 20% da mão de obra residente
Outros 76% trabalham no município de ori-
nas periferias. A Região Metropolitana de Porto
gem e cerca de 13% em outras cidades que
Alegre, da mesma forma que a do Rio de Janei-
integram a respectiva região. É possível que o
ro, apresenta aproximadamente 16% de traba-
município de Camaçari responda por parte des-
lhadores residentes em municípios da periferia
sa atratividade de trabalhadores, notadamente
que realizam movimentos pendulares diários
por abrigar um importante complexo industrial
para outras cidades metropolitanas que não
químico, petroquímico e automotivo (embora
as de origem e o core. Nesse caso, municípios
essas informações não tenham sido alvo de
como Canoas, que detém indústrias e centros
tabulação neste trabalho, assim como algumas
de ensino superior, e Triunfo, que abriga um im-
ponderações feitas sobre as regiões do Rio de
portante polo petroquímico, podem responder
Janeiro e de Porto Alegre, tendo em conta os
por atrair parte da mão de obra metropolitana.
seus objetivos principais).
522
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte
No tocante à mobilidade, em princípio,
viagem (1,57 h e 1,36 h, respectivamente). Os
o alto número de deslocamentos direcionados
elevados tempos de viagem, no entanto, po-
aos núcleos, incluindo Belo Horizonte (que
dem ser justificados pelas maiores distâncias
recebia, em 2010, 22,82% dos trabalhadores –
médias de deslocamento nestas regiões (Rio de
332.314 – da periferia metropolitana), poderia
Janeiro: 31,12 km; São Paulo: 26,79 km).
sugerir que as populações das respectivas
Belo Horizonte, por sua vez, apresentou
regiões metropolitanas apresentam elevados
um dos piores índices de eficiência, com o ter-
níveis a esse indicador. Se considerada a mobili-
ceiro pior tempo de viagem (1,13 h), mesmo
dade relativamente aos deslocamentos intermu-
apresentando a quarta menor distância média
nicipais, esta análise é verdadeira, uma vez que
entre origem e destino (17,63 km). Tais resulta-
as regiões que apresentam núcleos metropolita-
dos podem ser compreendidos, em parte, pela
nos mais atrativos gerariam um grande número
inexistência de modalidades de transporte so-
de viagens e, por conseguinte, perceberiam me-
bre trilhos com abrangência verdadeiramente
lhores condições de mobilidade. Contudo, con-
metropolitana (diferentemente dos casos do
forme citado, a mobilidade é tradicionalmente
Rio de Janeiro e de São Paulo). Cabe ressaltar
mensurada pelo número de viagens individuais
que o Trem Metropolitano de Belo Horizonte
diárias. Como os dados do Censo 2010 não per-
caracteriza-se por possuir tecnologia de metrô
mitem a investigação desses dados, pode-se in-
(de superfície) e, em termos “potenciais”, aten-
ferir, empiricamente, que seja provável que os
der a parte da RMBH. Todavia, apresenta uma
índices de mobilidade nessas regiões não sejam
limitada abrangência espacial, essencialmente
tão elevados, já que se tratam de movimentos
local, possuindo um único ramal (denominado
pendulares (que tendem a envolver maiores
Linha 1), que conta com 28,1 km de extensão,
distâncias), fato que limita a ocorrência de um
ligando a Regional Venda Nova (Estação Vila-
maior número de deslocamentos individuais
rinho) até o município de Contagem (Estação
(inclusive intramunicipais), para a realização de
Eldorado). Noutros termos, estabelece conexão
outras atividades além das laborais.
entre a porção norte de Belo Horizonte, mar-
Quanto à acessibilidade, a partir das in-
geando a área central, com parte de (reduzida)
formações apresentadas na Tabela 1, as regiões
porção oeste da RMBH, deixando desassistidos
de Belém, Recife e Belo Horizonte apresentam
outros 32 municípios metropolitanos. Segundo
as menores velocidades médias de desloca-
informações da Companhia Brasileira de Trens
mento direcionado aos seus núcleos (16,29
Urbanos (CBTU), empresa federal que gerencia
km/h, 16,43 km/h, e 19,39 km/h) comparati-
o sistema, as viagens têm, atualmente, a dura-
vamente às demais, que apresentaram veloci-
ção média de 44,7 minutos entre as estações
dades médias superiores a 20 km/h. Merecem
Vilarinho e Eldorado (CBTU, 2013). Conside-
destaque as Regiões Metropolitanas do Rio de
rando essa relação entre distância percorrida
Janeiro e São Paulo, que apresentaram maior
e tempo de viagem realizada pelo Trem Metro-
eficiência em termos de acessibilidade, com ve-
politano, a sua (necessária) ampliação poderia
locidades médias superiores a 25 km/h, ainda
contribuir para a melhoria dos indicadores de
que experimentassem os maiores tempos de
acessibilidade da RMBH.5
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
523
Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães
Tabela 1 – Média de distância, tempo e velocidade dos deslocamentos
da população residente nos municípios da periferia que declarou trabalhar
no respectivo núcleo metropolitano – Regiões Metropolitanas
e Regiões Integradas de Desenvolvimento – Brasil (2010)
Região Metropolitana
(municípios da periferia)
Acessibilidade
Distância (em km)
Tempo (em horas)
Velocidade (km/h)
Belém
13,63
1,07
16,29
Belo Horizonte
17,63
1,13
19,39
Curitiba
20,14
0,99
27,13
Fortaleza
17,11
0,93
22,96
Porto Alegre
19,5
1,00
24,33
Recife
12,75
1,01
16,43
Rio de Janeiro
31,12
1,57
25,22
Salvador
20,95
1,09
25,04
São Paulo
26,79
1,36
26,15
Fonte: Censo Demográfico de 2010 (dados da amostra).
Ao analisar a acessibilidade para o ca-
de deslocamentos destinados a Belo Hori-
so da RMBH, com base nos valores de repre-
zonte superior a 5.000. Na mesma Figura 2,
sentados na Figura 2, percebe-se que o maior
considerados os parâmetros que apresenta
número de deslocamentos com destino a Belo
a proporção que os fluxos para o core repre-
Horizonte, em termos absolutos, tem origem
sentam em relação à população que declarou
em municípios mais próximos da Capital (a
trabalhar, os resultados se revelam um pouco
chamada periferia imediata), que encerram
distintos. Com comportamento semelhante ao
maior facilidade (potencial) de acesso em fun-
observado nos resultados absolutos, os eixos
ção dessa proximidade espacial e do avanço
norte, leste e sudoeste da RMBH afiguram-
de processos de conurbação. Merece menção
-se como os que apresentam maiores índices
os deslocamentos originados nas Areaps lo-
proporcionais de movimentos pendulares com
calizadas em porções dos municípios do eixo
destino à Capital mineira. Tratam-se de áreas
norte da RMBH (Vespasiano, Ribeirão das
que, historicamente, apresentam elevada
Neves e Santa Luzia), dos vetores oeste e
dependência econômica de Belo Horizonte,
sudoeste (Contagem, Betim e Ibirité), do ve-
prefigurando-se como “cidades dormitório”, a
tor leste (Sabará) e do eixo sul (Nova Lima).
exemplo de Ribeirão das Neves, Santa Luzia,
Em cada uma delas detectou-se um número
Ibirité e Sabará.
524
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte
Outros municípios, como Nova Lima,
eminentemente, por uma rodovia federal (BR-
Contagem e Betim, revelaram baixos índices de
040), a qual, pelas suas características de liga-
movimentos pendulares (proporcionalmente à
ção regional e, consequentemente, de priori-
população trabalhadora) com destino ao nú-
zação do tráfego de passagem (atravessamen-
cleo. Esses resultados atestam que, ainda que
to), viabiliza uma maior fluidez viária, compa-
Belo Horizonte tenha mantido sua centralidade
rativamente às redes viárias intraurbanas.
ao longo das últimas décadas, há um ganho de
Ainda em relação ao indicador tempo,
autonomia de um número razoável de municí-
algumas Areaps pertencentes a municípios
pios na região. Conforme já descrito por Lobo,
conurbados a Belo Horizonte, diferentemente
Cardoso e Matos (2008), vários municípios an-
da média observada, apresentaram tempos
tes apresentados como meras cidades-dormi-
médios relativamente elevados (superiores a
tórios nas décadas de 1960 e 1970, além de
uma hora). É caso de frações dos municípios
ampliar suas inter-relações com o core, apre-
de Ibirité (sudoeste) e Santa Luzia (norte),
sentam forte desenvolvimento de determina-
os quais, não obstante o fato de fornecerem
das funcionalidades eminentemente urbanas,
importantes contingentes de mão de obra
o que tem permitido que uma crescente par-
para o core (o que gera maior pressão sobre
cela da população local tenha suas atividades
os seus sistemas viário e de transporte), têm
econômicas/profissionais desenvolvidas no
acesso dificultado a ele em função dos eleva-
próprio município de residência, o que tem di-
dos índices de saturação do tráfego nas res-
minuído a proporção e/ou o volume daqueles
pectivas vias de conexão com Belo Horizonte
que fazem movimentos diários entre a perife-
(os chamados gargalos). No vetor sudoeste o
ria e núcleo metropolitano.
acesso é realizado pela Avenida Amazonas,
A Figura 3, que apresenta dados sobre
que, além de interligar a Capital a grande
o tempo médio e a velocidade dos desloca-
parte do vetor oeste, em especial, Contagem
mentos de trabalhadores para Belo Horizon-
e Betim (que abrigam o principal complexo
te, mostra que, à exceção da cidade de Sete
industrial do Estado), tem como agravante a
Lagoas (vetor noroeste), os tempos de viagem
confluência com o Anel Rodoviário (construí-
mais elevados têm origem em Areaps mais dis-
do, na década de 1960, para retirar o tráfego
tantes do core metropolitano (Figura 2). Esse
de caminhões das áreas centrais do município
é um resultado esperado, considerando que
e que atualmente recebe também tráfego de
deslocamentos mais longos tendem a apre-
características eminentemente urbanas). No
sentar tempos maiores de viagem, sobretudo
vetor norte a ligação é realizada pela Aveni-
no contexto da RMBH, que, como alertado
da Cristiano Machado, que integra a recém-
anteriormente, não dispõe, com abrangência
-inaugurada Linha Verde, configurando-se
metropolitana, de modos de transporte cole-
como o principal corredor de ligação não so-
tivo dotados de maior eficiência, como o me-
mente com os municípios desse vetor, mas,
trô. Quanto à situação de Sete Lagoas, que
principalmente, a importantes equipamentos
pertence à Ride, esta pode ser explicada em
e serviços, como a Cidade Administrativa (se-
razão do acesso à Belo Horizonte ser realizado,
de do Governo de Minas Gerais), localizada
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
525
Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães
no município de Vespasiano, e o Aero porto
congestionamentos viários, principalmente
Internacional Tancredo Neves, situado no mu-
nos horários de pico, períodos em que é rea-
nicípio de Confins.
lizada a maior parte das viagens motivadas
Em relação à velocidade média dos des-
pelo trabalho. Por seu turno, os trabalhadores
locamentos (Figura 3), as Areaps integrantes
que realizam deslocamentos mais longos rumo
de municípios conurbados a Belo Horizonte
ao core metropolitano também enfrentam os
apresentaram menores velocidades (inferiores
mesmos problemas, porém, em grande me-
a 20 km/h) em comparação às mais distantes
dida, nas proximidades do perímetro de Belo
do núcleo. Tal resultado pode ser compreen-
Horizonte, o que contribui para que as veloci-
dido em razão das características de tráfe-
dades médias percebidas sejam relativamente
go das principais vias de acesso à Capital,
maiores, considerando que parte da viagem
as quais, já a partir do perímetro da cidade,
acontece em melhores condições de fluidez
tendem a reproduzir comportamentos típi-
viária (tanto para usuários do transporte públi-
cos de vias intraurbanas, em geral, reféns de
co quanto do transporte individual).
526
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte
Figura 2 - Número e percentual de deslocamentos diários da população
dos municípios da periferia que declarou trabalhar em Belo Horizonte (2010)
Nº de deslocamentos
20 - 606
607 - 1915
1916 - 3556
3557 - 5519
5520 - 12685
Limite RMBH
Divisão de classes pelo
método “Natural Breaks”
% dos deslocamentos
0,35 - 8,72
8,73 - 21,19
21,20 - 32,63
32,64 - 47,31
47,32 - 68,21
Limite RMBH
Divisão de classes pelo
método “Natural Breaks”
Fonte: Censo demográfico de 2010 (dados da amostra)
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
527
Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães
Figura 3 - Média de tempo e velocidade dos deslocamentos
da população residente nos municípios da periferia que declarou
trabalhar em Belo Horizonte, 2010
Tempo (em horas)
Limite RMBH
menos de 0,85
0,86 - 1,12
1,13 - 1,33
1,34 - 1,54
mais de 1,55
Divisão de classes pelo
método “Natural Breaks”
Velocidade (km/h)
Limite RMBH
menos de 22,11
22,12 - 35,67
35,68 - 55,55
55,56 - 92,87
mais de 92,88
Divisão de classes pelo
método “Natural Breaks”
Fonte: Censo demográfico de 2010 (dados da amostra)
528
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte
Considerações finais
(absolutos e percentuais) com a composição
da mão de obra belo-horizontina, resultado
da proximidade espacial e, em alguns casos,
Na Região Metropolitana de Belo Horizonte
da manutenção da condição de dependência
(RMBH), assim como em diversas outras me-
econômica da Capital. Além disso, constatou-
trópoles brasileiras, verifica-se a reprodução de
-se também que, apesar dos tempos de via-
precariedades na provisão de acessibilidade e
gem com origem em municípios conurbados a
mobilidade espaciais, reflexo da (in)capacida-
Belo Horizonte serem relativamente menores
de de intervenção do Poder Público diante do
em comparação às cidades mais distantes,
processo de urbanização e dos círculos viciosos
a velocidade média dos deslocamentos mais
que perpassam os processos de inclusão social
longos tende a ser maior do que velocidades
e desenvolvimento econômico e social. Nesse
das viagens mais próximas. Os alardeados gar-
contexto, o incremento da motorização indi-
galos no trânsito da cidade, sobretudos nas
vidual trouxe vários prejuízos às condições de
principais vias de acesso à Capital, já nas pro-
deslocamento da população, em escala intra
ximidades do seu perímetro é uma das causas
e intermunicipal, uma vez que direta e indire-
explicativas para tal comportamento.
tamente refletem na baixa eficiência do trans-
Ainda que os dados censitários não ofe-
porte coletivo, sobretudo nas áreas de maior
reçam informações específicas sobre o modo
aglomeração de serviços e demais atividades
de transporte utilizado e não registrem o tempo
geradoras de emprego.
gasto nos deslocamentos diários da população
A partir das análises realizadas neste tra-
laboral (são declarados apenas dados catego-
balho, balizadas em informações do Censo De-
rizados), sua abrangência, ao compreender um
mográfico de 2010, observou-se que a RMBH
amplo leque variáveis socioeconômicas, bem
apresentou índices de acessibilidade (relação
como a considerável representatividade de sua
entre distância, tempo de viagem e velocida-
base amostral, permite análises consistentes e
de média) inferiores aos experimentados pela
detalhadas sobre a mobilidade espacial da po-
maioria das regiões metropolitanas nacionais
pulação. As novas edições do censo brasileiro,
estudadas. As análises espaciais, que permi-
caso mantenha e/ou amplie o rol de variáveis
tiram avaliar as condições gerais de acessi-
sobre esse tipo deslocamento espacial da po-
bilidade na RMBH, também mostraram que,
pulação, podem oferecer inúmeras possibilida-
salvo exceções, os municípios mais próximos
des às análises sobre a mobilidade e a acessi-
do core metropolitano contribuem com con-
bilidade, tanto no âmbito metropolitano, como
tingentes mais significativos de trabalhadores
nos demais núcleos urbanos do país.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
529
Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães
Carlos Lobo
Geógrafo. Doutor em Geografia. Professor adjunto do Departamento de Geografia do Instituto de
Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte/MG, Brasil.
[email protected]
Leandro Cardoso
Geógrafo. Doutor em Geografia. Professor adjunto do Departamento de Engenharia de Transportes e
Geotecnia da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte/MG, Brasil.
[email protected]
David J. A. V. Magalhães
Engenheiro Civil. Doutor em Demografia. Professor do Departamento de Engenharia de Transportes
e Geotecnia da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte/MG, Brasil.
[email protected]
Notas
(1) As caracterizações mais gerais sobre a acessibilidade e a mobilidade urbanas foram centradas
essencialmente em Belo Horizonte em função da carência de informações mais detalhadas
sobre a RMBH, cujos dados mais recentes datam de 2002, ano da publicação da úl ma Pesquisa
Domiciliar de Origem e Des no na RMBH (Pesquisa OD). Comumente realizada decenalmente
e com o obje vo de produzir informações básicas necessárias para o planejamento e gestão
do transporte e do tráfego metropolitanos, a pesquisa OD, realizada no final de 2012, tem sua
divulgação prevista para meados do primeiro semestre de 2013. Desse modo, análises mais
consistentes, não contempladas pelos dados produzidos pelo Censo Demográfico de 2010,
poderão então ser realizadas para a RMBH. No Censo 2010 foram incorporadas, pela primeira
vez, questões sobre mobilidade e acessibilidade, porém limitadas à iden ficação do município,
unidade da federação ou país estrangeiro de trabalho do respondente; se o respondente
retorna para a sua residência diariamente; e qual é o tempo habitual de deslocamento entre
casa e trabalho.
(2) O primeiro regulamento censitário no Brasil data de 1846, quando foi definida a periodicidade de
oito anos para os censos demográficos. No entanto, somente em 1850 o governo foi autorizado
a despender os recursos necessários para a realização de uma operação do porte de um censo
demográfico. O primeiro censo, então, foi programado para ocorrer em 1852. Entretanto, a
operação prevista para esse ano não foi realizada. Em 1870, um novo regulamento censitário
determinou que os Censos cobrissem todo o território nacional e que deveriam ocorrer a cada
dez anos. Dois anos mais tarde, em 1872, foi realizado o primeiro recenseamento nacional
no país, o qual recebeu o nome de Recenseamento da População do Império do Brasil. Novas
operações censitárias se sucederam em 1890, 1900 e 1920 até 1940. Com a criação do IBGE,
em 1936, inaugurou-se a moderna fase censitária no Brasil, cujo marco foi a divulgação do
Censo Demográfico de 1940. Caracterizada, principalmente, pela periodicidade decenal, nessa
nova fase foi ampliada a abrangência temá ca do ques onário com introdução de quesitos
de interesse econômico e social, tais como: mão de obra, emprego, desemprego, rendimento,
fecundidade, migrações internas, entre outros temas.
530
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte
(3) A inves gação de trabalho e rendimento abrangeu as pessoas de 10 anos ou mais de idade e
considerou como trabalho em a vidade econômica o exercício de ocupação: 1) remunerada
em dinheiro, produtos, mercadorias ou bene cios (moradia, alimentação, roupas, treinamento,
etc.) na produção de bens ou serviços; 2) remunerada em dinheiro ou benefícios (moradia,
alimentação, roupas, treinamento, etc.) no serviço domés co; 3) sem remuneração na produção
de bens e serviços, desenvolvida em ajuda na atividade econômica, no setor privado, de
morador do domicílio; ou 4) desenvolvida na produção de bens, compreendendo as a vidades
da agricultura, pecuária, caça, produção florestal, pesca e aquicultura, des nados somente à
alimentação de, pelo menos, um morador do domicílio.
(4) As regiões metropolitanas constituem um agrupamento de municípios com a finalidade de
executar funções públicas que, por sua natureza, exigem a cooperação entre esses municípios
para a solução de problemas comuns, como os serviços de saneamento básico e de transporte
coletivo, o que legitima, em termos político-institucionais, sua existência, além de permitir
uma atuação mais integrada do poder público no atendimento às necessidades da população
ali residente, identificada com o recorte territorial institucionalizado. A criação de Regiões
Integradas de Desenvolvimento está prevista na Cons tuição Federal de 1988, nos Art. 21, inciso
IX; Art. 43; e Art. 48, inciso IV. São conjuntos de municípios cuja origem se baseia no princípio
de cooperação entre os diferentes níveis de governo – federal, estadual e municipal. Podem ser
compostas por municípios de diferentes unidades federadas. Nas análises do presente ar go,
embora sejam também contempladas informações sobre as Rides, com o intuito de evitar
equívocos na compreensão das ponderações, serão feitas menções tão somente às regiões
metropolitanas, por ser esta uma denominação consagrada na literatura.
(5) Análises mais aprofundadas seriam possíveis se o Censo 2010 elencasse informações sobre os
modos de transporte u lizados pelos respondentes nos seus deslocamentos diários. Mesmo
diante dessa impossibilidade, os dados auferidos de velocidade média dos deslocamentos para
Belo Horizonte auxiliam na convalidação do uso do censo demográfico para a realização de
análises de acessibilidade e mobilidade urbanas. Nesse sen do, a velocidade média de 19,39 km
apresentada para Belo Horizonte está alinhada às velocidades médias mostradas pelo PlanMob-BH para o ano de 2008. No mencionado Plano de Mobilidade, a velocidade média combinada
das viagens de ônibus e automóveis era de 23 km/h na rede viária municipal e de 16,1 km/h na
área central do município.
Referências
BRASIL (2004). Polí ca Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável. Brasília, Secretaria Nacional de
Transporte e Mobilidade Urbana, Ministério das Cidades.
CARDOSO, L. (2007). Transporte público, acessibilidade urbana e desigualdades socioespaciais na
Região Metropolitana de Belo Horizonte. Tese de doutorado. Belo Horizonte, Universidade
Federal de Minas Gerais.
COMPANHIA BRASILEIRA DE TRENS URBANOS – CBTU (2013). Metrô BH. Disponível em: h p://www.
cbtu.gov.br/operadoras/sites/menuprincbh.htm. Acesso em: 2 fev 2013.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
531
Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães
DAVIDSON, K. B. (1995). Accessibility and isolation in transportation network evaluation. Paper
presented at 7th WORLD CONFERENCE ON TRANSPORT RESEARCH. The University of New South
Wales, Sydney, Australia.
EMPRESA DE TRANSPORTES E TRÂNSITO DE BELO HORIZONTE – BHTRANS (2010). Plano de Mobilidade
Urbana de Belo Horizonte – Relatório Final. Belo Horizonte.
HANSEN, W. G. (1959). How accessibility shapes land use. Journal of the American Ins tute of Planners,
v. 25, n. 2, pp. 73-76.
HANSON, S. (1995). “Getting there: urban transportation in context”. In: HANSON, S. (ed.) The
geography of urban transporta on. New York/London, The Guilford Press.
HICKS, J. (1979). “Centros comerciais e descentralização metropolitana: exame do caso de Belo
Horizonte”. In: BARAT, J. Polí ca de desenvolvimento urbano: aspectos metropolitanos e locais.
Rio de Janeiro, IPEA/INPES.
IRTAD (2012). International Traffic Safety Data and Analysis Group. Disponível em: http://
interna onaltranspor orum.org/irtadpublic/index.html. Acesso em: 18 nov 2012.
JONES, S. R. (1981). Accessibility measures: a literature review. Transport and Road Research
Laboratory. Laboratory Report 967.
LOBO, C.; CARDOSO, L. e MATOS, R. (2008). Mobilidade pendular e centralidade econômica na Região
Metropolitana de Belo Horizonte. In: XVI ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS.
Anais. Caxambu, v. 1.
_______ (2010). Transporte cole vo em Belo Horizonte: a eficiência de acessibilidade com base na
Pesquisa Domiciliar Origem e Des no de 2002. In: 4º CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO PARA O
PLANEJAMENTO URBANO, REGIONAL, INTEGRADO E SUSTENTÁVEL. Anais. Faro (Portugal).
MATOS, R. (1995). Dinâmica migratória e desconcentração da população na macrorregião de Belo
Horizonte. Tese de doutorado, Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais.
RAIA JR., A. A. (2000). Acessibilidade e mobilidade na es ma va de um índice de potencial de viagens
u lizando redes neurais ar ficiais e sistemas de informação. Tese de doutorado. São Carlos,
Universidade de São Paulo.
REDWOOD III, J. (1984). Reversion de polarizacion, ciudades secundarias y eficiencia en el desarrollo
nacional: una vison teorica aplicada al Brasil contemporaneo. Revista Latinoamericana de
Estudios Urbanos Regionales. San ago, v. 11, n. 32.
RIGOTTI, J. I. R. (1999). Técnicas de mensuração das migrações a par r de dados censitários: aplicação
aos casos de Minas Gerais e São Paulo. Tese de doutorado. Belo Horizonte, Universidade Federal
de Minas Gerais.
RIGOT TI, J. I. R. e RODRIGUES, J. N. (1994). Distribuição espacial da população na região
Metropolitana de Belo Horizonte. In: IX ENCONTRO DE ESTUDOS POPULACIONAIS. Anais.
Caxambu, v. 1, pp. 435-456.
SATHISAN, S.K.; SRINIVASAN, N. (1998). Evalua on of accessibility of urban transporta on networks.
Transporta on Research Record, n. 1617, p. 78-83
SILVA, A. N. R. et al. (1994). Integração tarifária no transporte por ônibus: com ou sem terminal?
Revista dos Transportes Públicos – ANTP. São Paulo, ano 16, n. 63, pp. 30-38.
532
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte
TORQUATO, A. M. S. C. e SANTOS, E. (2004). Polí cas de transporte e pobreza urbana: reflexões e
evidências em um bairro periférico de Natal. In: CONGRESSO DE PESQUISA E ENSINO EM
TRANSPORTES – ANPET. Anais. Florianópolis, UFSC, pp. 1300-1311.
VILLAÇA, F. (1998). Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Lincoln Ins tute/Fapesp/Studio Nobel.
Texto recebido em 12/mar/2013
Texto aprovado em 5/maio/2013
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013
533
A via portuária de Salvador:
mobilidade na capital baiana
a partir de intervenções viárias
The Port Route of Salvador: mobility in the capital city
of the State of Bahia after road interventions
Aliger dos Santos Pereira
Fabiano Viana Oliveira
Resumo
Este artigo analisa as contribuições do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na obra
rodoviá ria da Via Portuária (Bairro do CabulaSalvador/BA). Como essa obra é capaz de proporcionar maior mobilidade? Utilizou-se pesquisa
exploratória e bibliográfica entre os anos de 2007
(início do PAC) a 2010 (finalização da primeira
etapa do PAC). Conclui-se que a obra não foi fi nalizada. Caso seja finalizada, proporcionará uma
maior interligação entre o Porto de Salvador, a
Base Naval de Aratu e o Centro Industrial de Aratu (CIA), além da região Nordeste com o Sul e Sudeste do país. Apesar de ser uma obra localizada
num bairro, constitui um empreendimento que interfere nas redes de transporte intra e interurbano
tanto em nível regional como nacional do país.
Palavras-chave: Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); Via Portuária (Cabula/Salvador-BA);
mobilidade.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
Abstract
This paper analyzes the contributions of the
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC –
Growth Acceleration Program) to the construction
of the Port Route (Cabula neighborhood – city
of Salvador, Northeastern Brazil). How is this
work able to provide greater mobility? We used
exploratory and bibliographic research between
2007 (the beginning of the PAC) and 2010 (the end
of the first stage of the PAC). We conclude that the
work has not been completed. If completed, it will
provide greater interconnection among the Port
of Salvador, the Aratu Naval Base and the Aratu
Industrial Center, and also between the Northeast
and the South and Southeast of the country.
Despite being a work located in a neighborhood,
it is an enterprise that interferes in the intra and
intercity transport networks both in the regional
and national levels in Brazil.
Keywords : Growth Acceleration Program (PAC);
Port Route (Cabula/Salvador-BA); mobility.
Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira
Introdução
de de Salvador. A partir da década de 1970, a
Este artigo analisa as contribuições do Pro-
condomínios e residências. A Figura 1 mostra,
grama de Aceleração do Crescimento (PAC)
em vermelho, sua localização, no centro da pe-
na área de infraestrutura rodoviária, mas
nínsula soteropolitana, à leste da Rodovia Sal-
especifica mente a obra da Via Portuária de
vador-Feira de Santana (BR-324), chamada de
Salvador e sua importância para o município,
Acesso Norte. É próximo de bairros como a Vila
o Bairro do Cabula (Salvador/Bahia) e adjacên-
Laura, Pernambués, Saboeiro, Imbuí, São Gonça-
cias. A partir da seguinte pergunta: será que a
lo, Engomadeira, Mata Escura, Narandiba, Tan-
obra da Via Portuária de Salvador é capaz de
credo Neves e Cabula 6. O acesso ao bairro se
proporcionar maior mobilidade para o Bairro
dá principalmente pela Avenida Antonio Carlos
do Cabula e adjacências?
Magalhães (ACM) na antiga Rótula do Abacaxi,
O Bairro do Cabula pertence à região administrativa, denominada XI da cida-
localidade deixa de ser agrícola e passa a ter
pelo Bairro Saboeiro através da Avenida Paralela
e por Narandiba pela Avenida Edgar Santos.
Figura 1 – Localização do Bairro do Cabula na cidade de Salvador
e sua proximidade com a BR-324/116
Fonte: Casa Civil (2010).
536
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
A via portuária de Salvador
O objetivo deste artigo é o de identificar
o que foi realizado, e as possíveis contribuições
na área de mobilidade, promovidas pelo PAC,
através da Via Portuária de Salvador no Bairro
O PAC e a infraestrutura
da logística rodoviária
na cidade de Salvador (BA)
do Cabula e adjacências, após a finalização das
obras. Para realizar a pesquisa, foi feita uma
De acordo com o Banco Mundial (1994), a in-
abordagem dedutiva e qualitativa através de
fraestrutura corresponde à parte do capital glo-
pesquisa exploratória e bibliográfica entre os
bal das economias regionais e nacionais que,
anos de 2007 até 2010.
normalmente, não é administrada pelo merca-
A delimitação do estudo encontra-se
do, e sim, politicamente. Sua importância é re-
entre o ano de 2007 a 2010, pois é o primei-
forçada, pois representa um instrumento direto
ro período correspondente à implantação do
da política pública de ataque às disparidades
PAC, no Brasil e na Bahia, pelo ex-presidente
regionais de desenvolvimento.
Luis Inácio Lula da Silva; já 2010 corresponde à
finalização da primeira etapa do PAC.
Para Benitez (1988, p. 144), a infraestrutura é a parte do capital global que combina
O artigo é dividido em três partes, a pri-
e associa a simbologia do “capital” e do “pú-
meira mostra de forma rápida o significado
blico” para fornecer transporte, abastecimento
do PAC de infraestrutura rodoviária no Brasil,
de energia, sistema de comunicações, redes de
Bahia e Salvador (Banco Mundial, 1994; Be-
água e esgoto, instituições de ensino, órgão de
nitez, 1988; Diretrizes Estratégicas da Bahia,
saúde, instalações de segurança, entre outros.
2010; Política Nacional de Mobilidade Urba-
O PAC constitui um tipo de programa
na Sustentável, 2004; Silva,1982; Lei Federal
baseado no estabelecimento de parcerias pú-
10.257/2001). Já a segunda parte faz um rá-
blico-privadas, tendo em vista que o governo,
pido histórico do Bairro do Cabula, presente
incapaz de suprir todas as necessidades de
no município de Salvador (Fernandes, 2004;
investimento em infraestrutura, repassa para
Gottschall, 2006; Estudo de Impacto Urbano
o setor privado a responsabilidade do investi-
Ambiental, 2011); a terceira parte mostra os in-
mento de expansão e de melhoria dessa infra-
vestimentos e as contribuições do PAC de infra-
estrutura, segundo seus critérios de prioridade.
estrutura rodoviária a partir da Via Portuária no
O PAC é um exemplo de programa que
Bairro do Cabula (Salvador/Bahia) e localidades
investe em infraestrutura. Segundo o Banco
adjacentes, bem como as possíveis contribui-
Mundial (1994), quando há investimento em
ções dos projetos territoriais associados ao PAC
infraestrutura, o governo busca realizar a corre-
caso sejam concluídos em sua integra, afinal o
ção das falhas do mercado, e também estabe-
PAC não constitui uma política pública isola-
lecer políticas para coordenar interações seto-
da, e sim, uma forma de interligar programas
riais, com vistas a melhorar o desempenho dos
governamentais de gestão territorial em nível
serviços de infraestrutura e para promover de-
federal, estadual ou municipal, onde existe par-
cisões de investimentos regionais pelo capital
ceria entre os três entes governamentais.
privado. Dessa forma, espera-se que haja uma
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
537
Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira
integração entre o capital privado e o público,
houve investimento do PAC-1 nessa modali-
em escala tanto nacional como regional.
dade no Estado, apesar de estar incluída no
Na sua concepção inicial, para o período
PAC-2 (após o ano de 2010). Os investimentos
de 2007 a 2010, o PAC projetou a realização
logísticos, segundo o Balanço de 4 anos do
de investimentos orçados em R$503,9 bilhões,
PAC (2007-2010), buscam ampliar a infraes-
sendo R$67,8 bilhões do governo federal e
trutura logística existente, com dois objetivos.
R$436,1 bilhões das empresas estatais federais
O primeiro, o de “aumentar a competitividade
e do setor privado. Sem haver concretizado o
regional” no que se refere ao escoamento da
que projetara (pelo menos na sua integridade),
produção pelos portos (de Aratu e de Salva-
programou, em 2010, para o período de 2011 a
dor), por algumas rodovias (BR-324, BR-101,
2014, uma “segunda” fase do PAC com previ-
BR-135, BR-116, BR-030) e por ferrovia (a Fer-
são de investimento de R$958,9 bilhões. Após
rovia de Integração Oeste-Leste), com o obje-
o ano de 2014, a estimativa é a de injetar mais
tivo de integrar os modais citados, tornando-
R$631,6 bilhões em obras, totalizando R$1,59
-os mais dinâmicos e modernos. O segundo
trilhão, para essa segunda fase (PAC, 2010).
objetivo está vinculado à expansão da infra-
A Bahia foi contemplada, na primeira
estrutura de apoio ao turismo, beneficiando o
etapa do PAC, com recursos de R$41,9 bilhões
aeroporto de Salvador e algumas rodovias, as
para obras de infraestrutura, estando projeta-
BR-324, BR-101, BR-116, BR-418 (Balanço de
da para a segunda etapa mais R$9,3 bilhões,
quatro anos..., 2010, p. 4).
totalizando o valor de R$51,2 bilhões. Entre os
O projeto logístico do PAC baiano teve
anos 2007 até 2010, 20% do total dos recursos
influência especialmente do Programa de Lo-
do PAC de infraestrutura foram para a área lo-
gística de Transportes do Estado da Bahia (Pelt
gística, 47% para a energia e 33% para a área
Bahia). Esse programa buscou identificar os
social (Diretrizes Estratégicas da Bahia, 2010;
principais investimentos para a área de infraes-
Casa Civil Bahia, 2010). De uma forma breve,
trutura logística em um período entre 20 a 25
percebe-se que os investimentos logísticos vi-
anos, de forma a promover intervenções públi-
sam escoar a produção para o mercado interno
cas e/ou privadas, para reorganizar a cadeia lo-
e externo e expandir a infraestrutura de apoio
gística da Bahia, com o objetivo de modificar a
turístico do Estado; o energético pretende ga-
matriz de transporte, que em sua maioria é de
rantir a segurança, a diversificação, a amplia-
caráter rodoviário, para os modais ferroviário,
ção e a integração das fontes energéticas da
hidroviário e de cabotagem.
Bahia e da região Nordeste; e o social urbana
A Bahia é um dos estados pioneiros na
visa à melhoria e à ampliação das condições de
busca de soluções para os entraves logísticos.
vida da população da Bahia.
Antes mesmo da formatação do PAC ou do Pla-
Os investimentos logísticos baianos es-
no Nacional de Logística e Transportes – PNLT,
tão relacionados com as rodovias, ferrovias,
ambos os programas do Governo Federal, a
aeroporto e portos, em consonância com a es-
Bahia já demonstrava sua preocupação so-
cala nacional. Entretanto, a área de hidrovias
bre o assunto com a formatação e divulgação
não foi contemplada (2007-2010), pois não
do Pelt-BA (Programa Estadual de Logística
538
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
A via portuária de Salvador
e Transportes da Bahia), no ano de 2002.
Atualmente, em Salvador, o trânsito e a
Tratava-se de um documento onde foram
falta de investimentos em transportes coletivos
compilados os principais gargalos logísticos
consomem entre uma e 2h por deslocamento
do Estado e as possíveis intervenções para a
diário de 19,46% das pessoas e de 2,57% aci-
resolução de cada caso, inclusive as propos-
ma de 2h, ficando atrás apenas de São Paulo
tas relacionadas ao transporte. Atualmente,
e Rio de Janeiro (IBGE, 2010). O Instituto de
o PAC engloba essas ações (Carvalho, 2010).
Pesquisa Econômica Aplicada (2012) também
Os principais produtos do Pelt Bahia são os
comprova isso, quando relata que a população
portfólios de investimento e o Plano Priori-
de Salvador tem um tempo médio de percurso
tário. A organização do portfólio contempla
casa/trabalho de 33,9 minutos diário. Caso o
137 projetos (2008-2020), com investimento
tempo de deslocamento dos cidadãos diminuís-
de R$7,8 bilhões e o Plano Prioritário, mais
se, aumentaria sua qualidade de vida e melho-
imediatista, contemplando 71 projetos (2004
raria sua integração social.
-2007) com investimentos de R$1,9 bilhões.
O Pelt Bahia pretendia atuar em diferentes
modalidades (rodovias, ferrovias, portos,
hidrovias e aeroportos); além da criação de
centros de distribuição de produtos no Estado. Para a questão rodoviária, existem sete
grupos de intervenções. No total, serão 58
projetos, numa extensão de 5,065 km, com
investimentos de R$1,53 milhões (Cerqueira,
2007, pp. 114-115).
A mobilidade é uma característica que
deve ser associada às pessoas e aos bens, pois
[...] corresponde às diferentes respostas
dadas por indivíduos e agentes econômicos às necessidades de deslocamentos,
considerando as dimensões do espaço urbano e a complexidade das atividades nele desenvolvidas. (Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável, 2004, p. 13)
Já a acessibilidade “é definida como o grau re-
Outro aspecto observado é que a infraes-
lativo de facilidade com que um ponto do espa-
trutura logística é composta pelo eixo rodovias,
ço geográfico é atingido, a partir de um outro
ferrovias, portos, aeroportos e portos. O eixo
lugar” (Silva, 1982, p. 51) e a interação refere-
rodoviário contemplou 85% dos investimentos,
-se “[...] a todas as formas de movimento entre
ou seja, R$3.413,7 milhões, com um total de 14
dois ou mais lugares”.
obras em todo o Estado, onde a Via Portuária
A mobilidade urbana em Salvador e no
(Rótula do Abacaxi) constitui apenas uma das
Cabula, a partir do PAC, busca um conjunto
obras, com um investimento estimado inicial-
de modos, redes e infraestruturas que garan-
mente pelo governo de R$43,8 milhões, entre-
tam o deslocamento das pessoas na cidade e
tanto, até início de janeiro de 2012, a obra não
no referido bairro, e que seja capaz de manter
foi totalmente finalizada e já tinha sido inves-
fortes interações com as demais políticas urba-
tido o valor de R$207,7 milhões. Então, o go-
nas. Afinal, Salvador, assim como outros cen-
verno da Bahia, juntamente com os governos
tros urbanos brasileiros teve um crescimento
municipais e federais optaram pelas obras ro-
urbano desordenado da sua cidade e de seus
doviárias para promover a mobilidade dos seus
bairros. Além disso, a motorização crescen-
cidadãos em seu território.
te e o declínio dos transportes públicos estão
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
539
Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira
comprometendo a sustentabilidade da mobili-
fornece aos governos municipais mecanismos
dade urbana e, por consequência, a qualidade
para gerenciar e combater a especulação imo-
de vida e a eficiência da economia das grandes
biliária, o uso indevido do espaço urbano e o
cidades. Na ausência de políticas públicas efe-
desrespeito aos direitos básicos do cidadão,
tivas, o desejável crescimento econômico im-
com o objetivo de definir a função social das ci-
plica em maiores níveis de congestionamento
dades no Brasil. Em seu artigo segundo, o Esta-
devido ao aumento da frota e da circulação
tuto deixa claro seu caráter de inclusão urbana
de veículos. Ao mesmo tempo, a população de
ao apresentar em seu primeiro parágrafo
baixa renda está sendo privada do acesso ao
transporte público, devido à baixa capacidade
de pagamento e à precariedade da oferta, especialmente, para as áreas periféricas.
Salvador é uma cidade onde percebe-se
grave desequilíbrio social e com parcela
significativa da população sem a devida
apropriação dos espaços públicos, revelados especialmente por uma dissociação
entre a urbes (forma espacial e arquitetônica da cidade) e a civitas (relações humanas e políticas que nela se geram). No
setor de transportes a cidade, também,
enfrenta dificuldades, explicitadas, em
boa parte, na gestão da mobilidade a que
estão sujeitos os que aqui vivem, especialmente pela falta de instrumentos para
avaliação e monitoramento desta mobilidade. (Santos, 2009, p. 16)
O conceito de mobilidade urbana sustentável corresponde ao
[...] aspecto essencial à qualidade de vida da cidade, primeiro, por ser um fator
essencial para todas as atividades humanas; segundo, por ser um elemento
determinante para o desenvolvimento
econômico e para a qualidade de vida; e,
terceiro, pelo seu papel decisivo na inclusão social e na equidade da apropriação
da cidade e de todos os serviços urbanos. (SeMOB, 2006)
Tal conceito é defendido pelo Estatuto da
Cidade (Lei Federal 10.257/2001), pois essa lei
540
[...] a garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte
e aos serviços públicos, ao trabalho e ao
lazer, para as presentes e futuras gerações,
completando no parágrafo quinto, com
[...] oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos
adequados aos interesses e necessidades
da população e às características locais.
(Lei Federal 10.257/2001)
Dessa forma, o sistema de mobilidade urbana
deve ser considerado como um conjunto de
modos, redes e infraestruturas que garante
o deslocamento das pessoas na cidade e que
mantém fortes interações com as demais políticas urbanas (Bergman, 2006).
O Estatuto da Cidade (Lei Federal
10.257/2001) define a mobilidade urbana sustentável como
[...] o conjunto de políticas de transporte e circulação que visa proporcionar o
acesso amplo e democrático ao espaço urbano, através da priorização dos
modos não motorizados e coletivos de
transporte, de forma efetiva, que não
gere segregações espaciais, socialmente
inclusiva e ecologicamente sustentável –
baseado nas pessoas e não nos veículos.
(Politica Nacional de Mobilidade Urbana
Sustentável, 2004, p. 13)
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
A via portuária de Salvador
Quando a mobilidade não trabalha den-
e volta, tornando o sistema de transporte da
tro dos princípios de sustentabilidade, ela tor-
cidade ineficiente, pois os usuários do serviço
na-se insustentável nas cidades, e favorece a
encontram coletivos superlotados, percursos
segregação espacial, a deseconomia regional,
longos e demorados, espera excessiva nos
o declínio da qualidade ambiental e a exclusão
pontos (Secretaria de Transporte e Infraestru-
social, interferindo sobremaneira na qualidade
tura, 2009).
de vida dos citadinos.
A Região Metropolitana de Salvador,
RMS, foi instituída em 1973 pelo governo militar. A Conder foi criada para
planejar e infraestruturar a região, mas
falhou e perdeu o foco, sendo transformada em uma empresa para fazer obras
em todo o Estado. A única tentativa de
planejamento da RMS, o CIA, só se preocupou com a indústria, visando os incentivos da Sudene. Nenhuma atenção ao
transporte, habitação, saneamento, saúde, educação, cultura e turismo. Não se
pode resolver nenhum desses problemas
dentro dos limites de cada município e
partido, senão com políticas de estado.
(Azevedo, 2009)
O PAC-2 (após o ano de 2010) pretende
interligar os transportes fisicamente (ônibus,
metrô e trem), mas também com o pagamento do bilhete único para quem usa os transportes integrados; assim o passageiro pagaria
apenas uma única passagem, a segunda viagem ou outras posteriores seriam gratuitas,
desde que o passageiro se deslocasse em
um período que não extrapolasse 2h, entre
a cobrança da primeira tarifa e a integração
nas outras viagens. O objetivo é o de melhorar não apenas os transportes, mas também
a sua lotação, fazendo com que as pessoas
possam realmente utilizar o transporte público e diminuam o uso do carro particular nas
vias públicas. É bom ressaltar que o Cabula
Percebe-se que a cidade de Salvador
e a Via Portuária estão contemplados dentro
tem uma grande carência na sua infraestru-
desse percurso, e que, entre os anos de 1995
tura de transporte urbano, que é responsável
e 2008, ou seja, num período de 14 anos, a
pela mobilidade, circulação e acessibilidade
frota de ônibus cresceu 17,1%, enquanto o
dos seus cidadãos. Um exemplo disso é a dis-
número de passageiros transportados caiu
tribuição das linhas de ônibus da cidade, que
9,19% e as viagens reduziram em 2,9%. Tal
está dividida em quatro regiões de integra-
fato fez com que, em mais de uma década,
ção, existindo maior concentração nas áreas
Salvador passasse a contar com mais ônibus
do Subúrbio e do Miolo (68,4%, consideran-
dando menos viagens, transportando menos
do um universo de 425 linhas divulgadas no
passageiros, o que causou elevado custo do
site da Transalvador). O restante (134 linhas)
sistema. Para se ter uma ideia, o índice de
está espalhado pela Orla e Centro. Percebe-
passageiros transportados por quilômetros
-se que 67% do total das linhas (cerca de
(IPK) saiu de 2,42%, em 1995, para 1,78%,
300) registravam até 20 minutos de interva-
em 2008 (queda de 27,3%). Como reflexo, o
lo entre um ônibus e outro. O restante, 33%
valor da tarifa, em 14 anos, subiu 150% e a
(125), ficava acima dos 20 minutos. O tempo
inflação acumulada do período foi de aproxi-
médio da linha foi de 2h19, considerando ida
madamente 109% (Brito, 2009).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
541
Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira
A razão da ineficiência do sistema de
O valor do PIB per capita do municí-
transporte rodoviário de Salvador está também
pio de Salvador era de R$9.239,75 em 2007.
relacionada com a falta de logística na distri-
Através da avaliação do PIB de Salvador,
buição das linhas, em conjunto com um trân-
percebe-se que o setor agropecuário contribui
sito cada vez mais congestionado, no qual os
com 0,1%, a parte industrial com 14,6% e o
coletivos disputam as ruas com os mais de 600
setor de serviço com 85,3%. Este último dado
mil automóveis (estimativa do ano de 2009).
mostra a importância do setor terciário e do
Dessa maneira, a cidade do Salvador possui um
Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza
emaranhado de ruas e veículos,
(ISS) para a arrecadação municipal e conse-
[...] onde há diversas questões que interferem de modo negativo para o desenvolvimento da mobilidade urbana, abrangendo diversas áreas de conhecimento Essas
questões se expressam nos congestionamentos de veículos, no alto custo das tarifas do sistema público, nos inúmeros acidentes, na segregação social, na sustentabilidade ambiental, na falta de ciclovias e
pela desarticulação política administrativa
de planejamento e gestão de escala metropolitana. Sendo que tal panorama possui sua raiz, devido principalmente ao tipo
de modelo operacionalizado e adaptado
ao longo do tempo, que prioriza a locomoção do modal motorizado individual,
o automóvel. (Rodrigues e Campos, 2009)
quentemente para os investimentos locais em
infraestrutura (como, por exemplo, o PAC). Para se ter ideia do crescimento do setor terciário
em Salvador através do ISS, percebe-se que,
em 2003, esse imposto correspondia a 21%
da arrecadação municipal, em 2006, passou
a 47,6% e, atualmente, corresponde a quase
70% da arrecadação.
A partir daí, buscou-se analisar os postos
de trabalho (IBGE, 2011; SEI, 2011). Percebe-se que 19,8% da população economicamente
ativa está na área de comércio, seguido pela
atividade de prestação de serviços em atividades imobiliárias (12,1%), depois os serviços
domésticos (9,6%) e, em seguida, o turismo,
alojamento e alimentação com 7,4%, a área de
educação corresponde a 7,3%, a de transpor-
O Bairro do Cabula e sua
relação com o município
de Salvador
te, armazenagem e comunicação com 6,6% e a
administração pública, defesa e seguridade social também com 6,6% dos ocupados. Assim,
esses seis setores juntos contemplam 69,4%
das vagas de trabalho do município.
Salvador é a capital da Bahia, possui a sua
Então, dado o Cadastro Central de Em-
maior população e é a terceira cidade do Brasil,
presas (Cempre) do IBGE (2011), lá se consta-
com aproximadamente 3 milhões de habitan-
tou que as principais empresas que prestam
tes. Nela está o maior centro administrativo,
serviço à cidade são distribuídas da seguinte
financeiro, de comércio e de serviços do Estado,
forma: 41,5% são da área do comércio, 13,3%
respondendo por cerca de 35,0% da arrecada-
das organizações que atuam em serviços ad-
ção estadual de ICMS no ano de 2009 (IBGE,
ministrativos e complementares e, 7,1% pres-
2011; SEI, 2011).
tam serviço na área de turismo, alimentação e
542
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
A via portuária de Salvador
alojamento. Entretanto, percebeu-se que as três
Também merece destaque a transferência
citadas e mais as relacionadas com construção
de grande parte das instituições públicas do
e atividades imobiliárias, além das atividades
poder estadual para o Centro Administrativo
profissionais, científicas e técnicas, tiveram,
da Bahia (CAB), localizado em uma área do
entre 2007 e 2008, um aumento que variou en-
entorno de um trecho da então recém cons-
tre 3 a 7% no número de empresas que foram
truída avenida Luiz Viana Filho (Paralela)
criadas nessas quatro áreas do setor terciário.
(Gottschall et al., 2006).
O aumento das empresas de construção
está relacionado com as diversas construções
presentes na cidade bem como com as obras
do PAC.
Até a década de 1950, o Cabula era praticamente formado por fazendas produtoras de
laranja. Durante o século XIX, a localidade serviu de esconderijo para escravos fugitivos que
formavam o chamado Quilombo do Cabula, o
que explica a origem do nome na localidade
e a forte herança africana, representada pelos
inúmeros terreiros de candomblé existentes na
região (Fernandes, 2004).
Diante deste contexto, a década de 1970
foi marcada por um ritmo muito acelerado nas transformações vivenciadas pela
localidade, com destaque para a implantação de grandes equipamentos públicos
e/ou privados. Na área habitacional, em
função da velocidade do processo de
urbanização, as antigas fazendas foram
sendo vendidas e divididas em lotes menores fazendo com que as antigas áreas
verdes fossem substituídas por conjuntos
habitacionais e também por invasões. (Estudo de Impacto Urbano Ambiental, 2011,
p. 160)
Nesse mesmo período houve a expan-
A partir dos anos de 1980, o Bairro do
são da cidade de Salvador de forma horizon-
Cabula continuou crescendo dentro dos pa-
tal, o que propiciou a vinda de uma praga que
drões econômicos da cidade de Salvador. Para
destruiu os laranjais do Cabula, consequente-
se ter ideia, o Cabula hoje possui basicamente
mente a população da localidade promoveu
atividades relacionadas ao setor terciário e cer-
uma transformação no uso do solo e na vida
ca de 136 mil habitantes.
da localidade.
Pode-se destacar no Cabula os diversos
A partir da década de 1970, os órgãos
shoppings da área (como, por exemplo, Plaza
públicos promoveram um processo de indus-
Shopping Cabula, Shopping Conexão Comer-
trialização no sentido da região norte de Sal-
cial, o Cabula Tropical Center e o Cabula Mas-
vador, o que promoveu o crescimento do Ca-
ter Shopping), supermercados (por exemplo,
bula em uma área residencial e de serviço. A
hipermercado Wal-Mart), clínicas, restauran-
localidade na época tinha uma população de
tes (exemplo: Paraíso Tropical, que se desta-
aproximadamente 30 mil habitantes. Pode-se
ca por funcionar dentro de um sítio com uma
destacar nesse contexto a construção da nova
grande horta e diversas árvores frutíferas que
estação rodoviária no vale do Camaragibe, a
servem de insumos para a elaboração de pra-
instalação do primeiro shopping center de por-
tos exóticos da culinária baiana), universidade
te (Iguatemi) nas imediações da rodoviária e a
(Uneb), escolas, serviços públicos (como, por
expansão imobiliária na Pituba e adjacências.
exemplo, Posto do Serviço de Atendimento ao
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
543
Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira
Cidadão – SAC), diversas lojas, que oferecem
constitui outra obra do PAC. Trata-se, portanto,
inúmeros produtos, e terreiros de candomblés,
da primeira via expressa da cidade de Salvador.
que servem como atividades turísticas (como
Nessa obra (Figura 2) foram realizadas
por exemplo: o Ilê Axé Opô Afonjá, o Adê Iso,
vias elevadas sobre: a antiga Rótula do Abacaxi
Viva Deus e o Ilê Ebi Oká ). Então, a maior par-
e a ladeira do Cabula; a linha do Metrô, a inter-
te das atividades é do setor terciário. Assim, os
ligação do Largo Dois Leões e a Cidade Nova; o
empreendimentos desse setor estão próximos
túnel na Ladeira da Soledade e o elevado sobre
da BR-324 e da Via Portuária. Em relação à
a Avenida Jequitaia e Oscar Pontes, em Águas
área de lazer, o Cabula possui uma
de Meninos. Desse conjunto de obras, a interse-
[...] completa desassistência das comunidades da vizinhança e área de influência
indireta quanto a espaços públicos para o
lazer – locais para o descanso e o divertimento propiciando o desenvolvimento
pessoal e social. (Estudo de Impacto Urbano Ambiental, 2011, p. 205)
ção, localizada na Rótula do Abacaxi, constitui-se o trecho onde há um conjunto de viadutos
que levará à BR-324.
A construção da BR-324/BA na Rótula do
Abacaxi visou melhorar o escoamento de produtos agrícolas como soja e manufaturados.
Buscou solucionar os grandes conflitos de trá-
Entretanto, percebe-se no Bairro do Ca-
fego existentes no local, com a ampliação do
bula um grande investimento da área imobi-
número de faixas da Av. Heitor Dias e da Es-
liária, que tem comprado as chácaras para a
trada da Rainha, também pretendeu diminuir
construção de condomínios residenciais e em-
o fluxo de cargas pesadas dentro da cidade de
presariais, como o Horto Bela Vista (em cons-
Salvador de forma que essas cargas sigam di-
trução), próximo à Via Portuária, mostrando
retamente para a zona portuária e/ou BR-324.
que a área continua se destacando por suas
O empreendimento da BR-324/BA planeja tam-
atividades terciárias.
bém favorecer a mobilidade dos pedestres com
a construção de calçadas e ciclovias para assim proporcionar lazer à localidade e a ligação
Os investimentos do PAC
de infraestrutura rodoviária
(via portuária de Salvador)
no Bairro do Cabula
e localidades adjacentes
entre bairros por passarelas, potencializando a
revitalização dos bairros e do comércio do entorno. Todas as obras logísticas do PAC, inclusive as rodoviárias, tiveram um estudo e o aval
do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
A Figura 3 mostra que a obra geografi-
A principal obra do PAC da área de infraestru-
camente fica na parte central da cidade de Sal-
tura rodoviária presente no Cabula é a cons-
vador, além de estar próxima à BR-324, via de
trução da BR-324/BA na Rótula do Abacaxi.
ligação interestadual e regional, com sentido
É uma obra que já foi concluída a um custo
duplo de tráfego e três faixas de rolamento pa-
de R$129,5 milhões, e está relacionada à Via
ra cada lado. Futuramente ficará próximo do
Portuária de Salvador (Figura 2), que também
futuro complexo de integração de transporte
544
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
A via portuária de Salvador
Figura 2 – Percurso da Via Portuária de Salvador – 2010
Fonte: Casa Civil Bahia (2009).
Figura 3 – Localização da Construção da BR-324/BA
na Rótula do Abacaxi – Salvador – 2010
Fonte: JHSF (2010).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
545
Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira
urbano público (metrô e ônibus), pois fica
Em relação à obra do PAC da Via Portuá-
localizado nas proximidades da estação de
ria no final do ano de 2010, restava apenas
metrô na parte denominada Acesso Norte,
27,77% de investimento total da obra para
que integra sete estações nas regiões centro e
ser pago, ou seja, R$105,6 milhões. Entretanto,
norte da cidade, com fluxo previsto de 80.000
ainda falta:
passageiros/dia. A obra interligará as principais avenidas da cidade (Av. Bonocô, Av. dos
Rodoviários, Av. Barros Reis) de Salvador, que
• pagar R$120 milhões para a OAS,
• realizar as obras de infraestrutura, urbanismo e lazer, e
dão acesso a shoppings e à estação rodoviá-
• desapropriar 421 imóveis com o valor
ria e de transporte da cidade, de acordo com
de R$15 milhões. Sabendo-se que utilizaram
estudos (JHFS, 2010), o local tem uma popu-
R$34,2 milhões para desapropriar 350 imó-
lação de área de influência de 2,3 milhões de
veis, ou seja, cada imóvel ficou em média com
habitantes, constituindo uma via coletora e
R$0,097 milhões, assim, para os outros 421
também distribuidora.
imóveis, seriam necessários R$40,8 milhões, o
A construção da Via Portuária de Sal-
que mostra a insuficiência de recursos.
vador (BR-324/BA – Via Expressa ao Porto de
Constata-se também que ainda tem
Salvador), que se encontra em obras, tinha
R$158 milhões para serem gastos nessa obra,
uma previsão de ter gasto, até 2010, o valor
e esse dinheiro é oriundo de convênio entre a
de R$43,8 milhões, e após este ano há uma
Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Es-
previsão de investir mais R$207,7 milhões.
tado (Sedur) com o Departamento Nacional
Entretanto, no decorrer das obras houve um
de Trânsito (DNIT). Tal fato demonstra tam-
replanejamento nos custos, e ela passou a ter
bém a necessidade de se fazer parcerias para
um investimento de R$380 milhões, sendo
execução de obras grandes, mesmo que sejam
R$340 do PAC e R$40 milhões do governo do
órgãos governamentais.
Estado. Até o final de 2010, já foram gastos
com a obra R$274,4 milhões, distribuídos da
seguinte forma:
• R$154 milhões para a construção dos viadutos, abertura de túneis, desapropriação de
imóveis e pequenas intervenções viárias, como
asfaltamento, calçamento e sinalização.
• R$120,4 milhões para o ente privado res-
As contribuições do PAC
de infraestrutura rodoviária
(via portuária) no Bairro
do Cabula e localidades
adjacentes
ponsável pela construção. Ou seja, a construtora OAS ficou em oitavo lugar no recebimento do
A Figura 4 mostra a importância da Via Ex-
dinheiro total do PAC em nível nacional e auxi-
pressa Portuária, pois auxiliará no escoamen-
liou na reeleição da campanha governamental
to da produção, integrando o Porto de Salva-
do candidato Jacques Wagner para governador
dor a BR- 324 e a BR-010. Percebe-se que foi
da Bahia, doando 5,64% de todo o recurso da
uma obra iniciada durante o PAC (2007-2010)
sua campanha.
e continua em andamento, pois restam após
546
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
A via portuária de Salvador
o ano de 2010, 4,3Km de pista e 2,3 km de
ao porto, que é um dos principais portões
pista de rolamento. A finalização da obra com
de escoamento da produção baiana. Entre
a pista de rolamento estava prevista para
os efeitos positivos, a obra viária irá desafo-
30/5/2011, mas, houve um replanejamento
gar o tráfego em áreas de grande congestio-
do cronograma e a inauguração ocorreu no
namento da cidade, a exemplo da Rótula do
dia 3/11/2013.
Abacaxi, Ladeira do Cabula, avenidas Bonocô
Após a finalização das obras, a Via Ex-
e San Martin, Largo dos Dois Leões e Baixa de
pressa terá 14 viadutos, quatro passarelas,
Quintas. Também haverá a criação de um novo
três túneis e ciclovia, visando a integração da
acesso à cidade baixa da capital baiana e uma
BR-324 ao Porto de Salvador (Figuras 3 e 4),
redução de 3,5 mil metros em relação ao per-
facilitando o acesso dos transportes de carga
curso atual, que é de 7,4 mil metros.
Figura 4 – Via Expressa Portuária de Salvador – Bahia – 2009
Fonte: DNIT (2009).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
547
Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira
Outro aspecto dessa construção é que
aproveitará a inacabada Via Portuária (Comér-
os produtos químicos, os alimentos, as bebidas,
as borrachas e os derivados do petróleo.
cio) e passará pela Ladeira do Canto da Cruz,
Entretanto, até o final do ano de 2010,
Estrada da Rainha, avenidas Glauber Rocha,
apenas cinco viadutos foram concluídos da Via
Heitor Dias, chegando à antiga Rótula do Aba-
Portuária, onde um deles continua interditado.
caxi, que fará a interligação com a BR-324.
Esse viaduto tem a denominação de Viaduto 12
Estima-se que, quando estiver finalizada, a Via
e liga a BR-324 à Avenida Heitor Dias, tal fato
Expressa passará a receber, diariamente, 62 mil
demonstra que o processo de interligação lo-
carros, sendo 3 mil de carga e 59 mil comuns, 3
gístico se encontra ineficiente.
milhões de contêineres, visto que hoje suporta
até 250 mil contêineres.
A Via Portuária de Salvador tem ligação
direta com a BR-324. A BR-324/BA (Figuras 4
Outro fato observado é que, em mea-
e 5) é responsável por ligar Salvador à Feira
dos de 2010, houve a divulgação da obra da
de Santana, com um fluxo médio de 18 mil
Ponte Salvador–Itaparica, mas essa obra não
veículos por dia trafegando, onde 65% do
faz parte do PAC-1 e sim do PAC-2, com edi-
total desses veículos são carros de passeio.
tal previsto para o primeiro semestre de 2011,
Constata-se também que a BR-324/BA tem li-
mas, até meados de 2013, não havia recursos
gação com as rodovias estaduais denominadas
para a obra, apenas o planejamento. Caso essa
BA-526 e BA-528, ambas com uma trajetória
obra seja executada, trará para a Baía de Todos
que chega aos terminais portuários, à Base
os Santos o km zero da BR-242. Essa rodovia
Naval de Aratu e ao Complexo Industrial de
cruzará o estado da Bahia até Brasília, e termi-
Aratu (CIA) – área com a presença de indústria
nará próxima à ponte da BR-116, sobre o Rio
(Figura 5).
Paraguaçu. Assim, a obra da Ponte de Salva-
No PAC, há também a concessão da BR-
dor–Itaparica promoveria a interligação com a
116/324, tal análise é importante, pois a BR-
Via Expressa a partir da localidade próxima ao
324 integra o Bairro do Cabula (Salvador), que
Porto de Salvador.
corresponde a um dos acessos à área urbana
Percebe-se que todas as obras do PAC ro-
da cidade de Salvador, assim a concessão visa
doviário presentes neste artigo são essenciais
integrar os municípios de: Amélia Rodrigues,
e que já deveriam ter sido contempladas em
Candeias, Conceição do Jacuípe, Feira de San-
governos passados. Já que não foram finaliza-
tana, Salvador, Santo Amaro, São Sebastião do
das, o sistema logístico continua ineficiente e
Passé e Simões Filho, melhorando a mobilida-
com gargalos. Afinal, seu funcionamento ape-
de entre eles. A Rodovia BR-116 possui cinco
nas pode ser feito com a interligação dos vários
pedágios, localizados nos municípios de: Santo
sistemas modais.
Estevão – BR-242, Milagres – Brejões, Jequié –
Constata-se que a obra do PAC busca
Manuel Vitorino, Poções – Planalto, Veredinha
uma integração entre o transporte rodoviário,
– Cândido Sales. Já a Rodovia BR-324 possui
através das diversas rodovias com a parte por-
dois pedágios situados em: Simões Filho –
tuária. Os principais produtos que são transpor-
acesso a Candeias e Jacuípe (BA-515) – Amélia
tados na Via Portuária são: os móveis, os metais,
Rodrigues.
548
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
A via portuária de Salvador
Figura 5 – Ligação da BR 324/BA com rodovias estaduais
e os terminais portuários.
Fonte: ANTT (2008).
Os pedágios também serão distintos.
Quem quiser viajar de Salvador para Feira
de Santana, terá que arcar com R$3,40,
sendo R$1,70 em cada trecho médio
de 60km. Para percorrer entre Feira e a
fronteira com Minas, serão mais R$11 –
R$2,20 em cada trecho, nas praças de
Santo Estevão, Milagres, Manoel Vitorino, Poções e Veredinha. Para veículos como ônibus, caminhões e carretas, o valor
ainda não está definido. (Pitombo, 2009)
de celulose. Facilitará ainda a integração regional, dada a importância da BR-116 para a ligação do transporte rodoviário entre o Nordeste
e as regiões Sudeste e Sul do país, pois trata-se
de uma via de passagem. Além disso, a obra
alavancará o desenvolvimento da área de influência da Região Metropolitana de Salvador,
que detém 70% do PIB do Estado.
A concessão busca um modelo de gestão da rodovia através de parcerias federal,
A concessão da BR-116-324 busca tam-
estadual e privado, onde o ente privado ficaria
bém o desenvolvimento econômico nos esta-
com os riscos de gestão, e o governo apenas
dos da Bahia e Espírito Santo, bem como das
com a fiscalização e o controle da rodovia de
indústrias locais e dos produtores agrícolas e
forma a: melhorar os custos de manutenção
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
549
Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira
e logístico da rodovia para tornar os produtos
Apesar de as pessoas alegarem que as
regionais mais competitivos, promover a re-
indenizações possuem valor abaixo do merca-
dução dos acidentes, através da melhoria das
do,1 em conversa informal com os negociantes
rodovias, devido à implantação de dispositivos
da região, percebe-se que muitas casas estão
de segurança.
para desabar, ou não tem a documentação de
A Rodobahia, empresa que ganhou a
posse, ou seus proprietários estão resistindo
concessão da BR-116/324, deve duplicar a BR-
para receber o pagamento das indenizações.
116 e a BR-324 de forma a propiciar segurança
Caso o cidadão desapropiado entre na justiça,
aos cidadãos. De acordo com o Edital da Agên-
os processos são favoráveis ao governo, em no-
cia Nacional de Transportes Terrestres (2008),
me do res public.
a BR-116 deve ter a capacidade mínima de
No caso dos proprietários de imóveis,
28.000 veículos/dia e a BR-324 a capacidade
que apresentam risco iminente de desabamen-
de 70.000 veículos por dia.
to, eles mostram-se ansiosos para receber o
O atraso da Via Portuária se deu por cau-
mais rápido possível a indenização da Compa-
sa de três motivos principais: a greve dos fun-
nhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da
cionários da construção civil por melhores con-
Bahia (Conder). Com relação aos imóveis sem
dições de trabalho e melhores salários, ocorrida
documentação, percebe-se que as pessoas já
entre março e maio de 2010; a desapropriação
os habitam em períodos cuja média é de apro-
dos imóveis localizados na Avenida Heitor Dias,
ximadamente 35 anos, e nunca se preocupa-
relacionados com os bairros da Sete Portas, o
ram em regularizá-los. Então, torna-se neces-
Largo Dois Leões, a Baixa de Quintas e também
sária a regularização desses em cartório, caso
na Estrada da Rainha; e as chuvas que ocorre-
contrário serão desapropriadas por ordem de
ram em Salvador no mesmo período da greve
um mandato judicial. Aquelas que tiverem o
da construção civil. Em relação à desapropria-
documento regularizado, a Conder depositará o
ção, constatou-se que
dinheiro no Banco do Brasil referente ao valor
do respectivo imóvel. Afinal, na gestão territo-
Do total de 771 imóveis a serem derrubados, 350 já foram desapropriados, representando um gasto com indenizações
de R$34,2 milhões, dos R$49,5 milhões
previstos. A expectativa é que as próximas indenizações comecem a partir de
fevereiro deste ano. Um dos principais
impasses é o fato de a maioria dos proprietários residentes não ter documentação de posse regularizada, e comerciantes apresentarem resistência em aceitar
a indenização do Estado (Conder), sob a
alegação de que os valores oferecidos estão abaixo do estipulado pelo mercado.
(Jornal A Tarde, 2010)
550
rial, os interesses individuais não podem sobrepor as necessidades coletivas.
Outro fato constatado é que a Conder
já realizou diversas visitas aos imóveis dessa região, mas ainda não definiu como será a
desapropriação, se de forma total ou parcial.
Consequentemente, a Conder também não estipulou quando será realizada a indenização e
qual o valor a ser pago por esses imóveis. Mas
a população deve sair dos imóveis em nome do
bem coletivo.
A obra da Via Portuária, também estará integrada com as questões de mobilidade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
A via portuária de Salvador
intraurbana. As ações serão consolidadas em
Orla Marítima, Aliomar Baleeiro (E.V.A.) e São
dois grandes planos: Rede Integrada de Trans-
Caetano, dentre outras avenidas. Está prevista
porte (RIT), Sistema BRT (Bus Rapid Transit) e
também a extensão ao município de Lauro de
Programa de Obras Viárias (Provia).
Freitas, apoiada nos 9 km iniciais da Estrada do
A RIT prevê a implantação de um Siste-
Coco (BA-099), e ao Aeroporto Internacional.
ma Multimodal de Transporte de Passageiros.
Já o programa Provia também estará li-
As principais ações compreendem a moderni-
gado com a Via Portuária, ele será voltado para
zação dos trens do Subúrbio Ferroviário; a com-
tentar solucionar os maiores engarrafamentos
plementação da linha 1 do Metrô (Lapa/Acesso
da cidade na região do Iguatemi, Bonocô e Pa-
Norte), atingindo o percurso de 12 km entre La-
ralela e ainda incrementar as soluções de trân-
pa e Pirajá; e a revitalização do Plano Inclinado
sito rápido com cerca de 59 quilômetros de cin-
(Liberdade/Calçada), que constitui um meio de
co novas vias para o trânsito rápido, sendo as
transporte similar ao bonde, mas com duas ca-
principais: a Linha Viva e a Avenida Atlântica.
bines para transportar passageiros.
Para isso, serão duplicados 33 km de avenidas
O sistema BRT estava planejado para
existentes, preparadas para receber o Sistema
um total de 135 km de corredores de ônibus.
BRT; execução de novas conexões viárias em
Na primeira fase, serão 36 km de vias segre-
desnível nos pontos críticos do Iguatemi, Bono-
gadas para ônibus, que contemplarão as ave-
cô, Lucaia, Parque da Cidade, Jardim dos Na-
nidas Paralela, ACM, Juracy Magalhães, Barros
morados, Jardim de Alah e Paralela.
Reis e Vasco da Gama. Já na segunda etapa,
Está prevista também a construção de
44 km de vias percorrerão as avenidas Jorge
uma nova via expressa, chamada de Linha Viva
Amado/Edgar Santos, Pinto de Aguiar/São Ra-
(metrô de superfície) e estará associada à Pro-
fael, Gal Costa, Dorival Caymmi/São Cristóvão
via), que será mais uma alternativa à Avenida
e Barroquinha/Sete Portas/Heitor Dias (próximo
Paralela, com 20 quilômetros de pista dupla,
ao Cabula e a Via Portuária). Mas devido aos
com três faixas de tráfego por sentido, ligando
interesses internacionais das empresas relacio-
Bonocô e Rótula do Abacaxi ao Aeroporto.
nadas à Federação Internacional da Copa do
Construída sob o regime de PPP, terá cobrança
Mundo (Fifa), esse será substituído por metrô
de pedágio. O tempo total estimado de des-
de superfície, para contemplar a copa de 2014.
locamento não ultrapassará os 15 minutos,
É bom esclarecer que tal decisão foi tomada
beneficiando uma população de 780 mil mo-
após audiência pública, levando-se em consi-
radores, residentes na sua área de influência
deração as questões orçamentárias do Estado.
direta. Será implantada na faixa de domínio
Posteriormente, mais 55 km de vias (de-
das linhas de transmissão da CHESF, com nove
nominado Rota Fluida) serão implantados com
conexões com o sistema viário existente: via-
propostas de adequação viária para dar maior
dutos, alças e rampas; vinte ligações viárias
fluidez à circulação dos ônibus e ao tráfego
simples, por viaduto. Também funcionará co-
de veículos em geral, abrangendo as avenidas
mo opção de apoio à Avenida Paralela (liga a
Silveira Martins, Afrânio Peixoto (Suburbana),
cidade de Salvador ao Aeroporto Luis Eduardo
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
551
Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira
Magalhães), estabelecendo uma ligação direta
e para as bicicletas, reduzindo-se gastos com
do Centro Tradicional e Histórico de Salvador
combustível e, consequentemente, a poluição
ao CIA-Aeroporto (BA-526) e ao novo trecho
atmosférica, recriando-se uma nova qualidade
da Estrada do Côco (BA-099), através de sua
de vida. Pois até o momento as políticas bene-
conexão com a Avenida Mário Leal Ferreira
ficiaram os veículos motorizados.
(Vale do Bonocô), permitindo uma alternativa
de trânsito sem necessidade de utilizar a região do Iguatemi. Atende, também, aos bairros
Conclusão
de Pernambués, Cabula, Retiro, Saboeiro, Narandiba, Imbuí, CAB, Sussuarana, S. Rafael/S.
A Via Portuária de Salvador é uma obra que
Marcos, Parque de Pituaçu, "Miolo" de Salva-
promove a mobilidade tanto intra como inte-
dor, Centro Tecnológico da Bahia, Alphaville
rurbana. A obra não foi concluída até o final de
II, Bairro da Paz, Mussurunga e São Cristóvão.
2010, pois apenas 5 viadutos foram inaugura-
Por ser um sistema de metrô, danifica menos o
dos de um total de 14. De acordo com o plane-
meio ambiente do que o transporte motoriza-
jamento governamental, até o final de 2011, a
do e é mais rápido no seu trajeto.
Via Portuária teria todos os seus viadutos fun-
Com base no apresentado, percebe-se
cionando. Mesmo não estando concluída, ela
que o PAC visa melhorar a política de mobilida-
viabilizará o trânsito na localidade. Entretanto,
de urbana de forma a reordenar o uso do solo
os efeitos da sua integral mobilidade somente
para reduzir viagens motorizadas, o incremento
ocorrerão a partir do momento em que sejam
do uso do transporte público coletivo e o es-
concretizados os projetos rodoviários e portuá-
tímulo aos modos não motorizados. Uma das
rios integrados a ela.
consequências importantes da adoção dessa
Como os projetos rodoviários inte-
política seria um menor número de ônibus e
rurbanos, relacionados à Via Portuária, têm
carros circulando na cidade, sendo substituído
relação direta com a BR-324, a concessão
pelo metrô, BRT e Provia, o que resultaria com
da BR-324/116, por exemplo, promoverá a
certeza, em uma melhoria da qualidade am-
interligação dos municípios Salvador e Feira de
biental, já que utilizaria o metrô e menos veí-
Santana de forma mais ágil, além dos municí-
culos motorizados. Complementarmente, essa
pios adjacentes à BR-324/116. A BR-324 tam-
política de descentralização deverá promover a
bém promoverá a proximidade com os portos
redução de percursos, estimulando dessa ma-
de Salvador, a Base Naval de Aratu e o CIA;
neira o uso dos modos não motorizados, não só
além de interligar de forma mais eficiente a re-
para o lazer, mas para o trabalho, pelas facili-
gião Nordeste com o Sul e o Sudeste do país.
dades criadas para os deslocamentos de ciclis-
Em nível intraurbano, percebe-se que
tas e pedestres. Para isso, seria necessário um
já há a diminuição do tráfego na região, e se
tratamento responsável para os deslocamentos
os projetos do RIT, Provia e Linha Verde forem
a pé e de bicicleta, como modos de transporte,
concretizados, haverá uma maior descentra-
com vias exclusivas, iluminadas e sinalizadas e
lização das rotas de transporte presentes em
com planejamento específico para o pedestre
Salvador, propiciando um transporte de maior
552
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
A via portuária de Salvador
mobilidade e acessibilidade, pois integrará o
Outro aspecto a ser considerado é que as
miolo da cidade com a área central; a faixa da
cargas portuárias não entrarão mais na zona
Orla Atlântica; a parte antiga da cidade, o Su-
intraurbana da cidade de Salvador, pois a Via
búrbio Ferroviário e o Aeroporto Luis Eduardo
Portuária direciona a carga diretamente para o
Magalhães. Os projetos da RIT, Provia e Linha
Porto, havendo maior segurança para os cida-
Verde, embora promovam menos mobilidade,
dãos, já que muitas cargas possuem produtos
contaminam mais o meio ambiente, quando
químicos e derivados de petróleo e elas não
comparados ao metrô, eles são financiados
transitarão na cidade.
através do PAC-2 e estão interligados com a
Via Portuária.
Caso todos os projetos associados à Via
Portuária forem concretizados, diminuirão as
Caso a Ponte que liga Salvador-Itaparica
distâncias e o tempo de deslocamento dos ci-
fique pronta, a Via expressa será importante,
dadãos/usuários e dos produtos transportados
pois ligará Salvador a Brasília através da BR-
tanto em nível intra como interurbano, conse-
242, uma vez que, apesar de a obra fazer parte
quentemente os custos de deslocamento serão
do planejamento do PAC-2, o governo ainda
diminuídos e o preço do produto final também,
não tem recursos para a ela. Se for executada,
assim os cidadão terão mais tempo para ativi-
trará para a Baía de Todos os Santos o km zero
dades de lazer pessoal, além de utilizar trans-
da BR-242. Essa rodovia cruzará o estado da
portes coletivos de maior qualidade e acessi-
Bahia até Brasília, e terminará próxima à pon-
bilidade para todos. A Via Portuária, apesar de
te da BR-116, sobre o Rio Paraguaçu. Assim, a
ser uma obra local, situada no Bairro do Cabula
obra da Ponte de Salvador-Itaparica promove-
(Salvador), constitui um empreendimento que
ria a interligação com a Via Expressa a partir
interfere nas redes de transporte logístico tanto
da localidade próxima ao Porto de Salvador.
em nível regional como nacional.
Aliger dos Santos Pereira
Graduação em Administração de Empresas, mestre em Planejamento e Desenvolvimento Territorial
e Desenvolvimento Social, doutoranda em Desenvolvimento Regional e Urbano. Docente da
Universidade do Estado da Bahia, do Instituto Baiano de Ensino Superior e da Universidade Salvador.
Coordenadora de Tutoria do curso de Especialização em Gestão Pública da Universidade Aberta do
Brasil. Salvador/BA, Brasil.
[email protected]
Fabiano Viana Oliveira
Graduação em Comunicação Social, especialista em Filosofia Contemporânea e mestrado em
Ciências Sociais. Professor do Centro Universitário Jorge Amado e do Instituto Baiano de Ensino
Superior. Salvador/BA, Brasil.
[email protected]
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
553
Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira
Nota
(1) A Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) fez uma pesquisa de
mercado e iden ficou e registrou 95% dos imóveis dessa região, descrevendo suas caracterís cas
e estabelecendo o quanto valem a par r de uma comissão julgadora, cujo responsável pela
avaliação, Nei Cardim, é também membro do Conselho Federal de Economia.
Referências
AZEVEDO, P. O. de (2009). A Grande e a pequena Salvador. Disponivel em:< h p://terramagazine.
terra.com.br/interna/0,,OI4076265-EI6578,00-A+Grande+e+a+Pequena+Salvador.html>. Acesso
em: 22 out 2010.
BALANÇO de 4 anos do PAC (2007-2010). 68 slides. Disponível em: <h p://docs.google.com/viewer?a
=v&q=cache:4YS8YR9EotgJ:www.brasil.gov.br/pac/relatorios/estaduais/bahia-1/bahia-balancode-4-anos+BALAN%C3%87O+DE+4+ANOS +DO+PAC+Bahia&hl=pt-BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADG
EESgCOVZjyaZFSdAdL--KXULddFqxsA8aCvNLfwSaFQycBda2FnY_o9qNOmCAJWKV-IkB_GxQk4k4x-uLF1oYWLZlXquiSH8iqejcb8LK1yAPLdsAQR7WLjOONvWX7ve7X7MZASv&sig=AHIEtbSOo6 I
UbforySTGyDFZW_JzfPuQ>. Acesso em: 15 jul 2012.
BANCO MUNDIAL (1994). World Development Report 1994: Infrastructure for development.
Washington.
BENITEZ, R. M. (1998). O capital social fixo como insumo do desenvolvimento regional. Revista
Econômica do Nordeste. Fortaleza, v. 29, n. 2, pp. 143-157.
BERGMAN, L. e RABI, N. I. A. de (2006). Mobilidade e polí ca urbana: subsídios para uma gestão
integrada. Rio de Janeiro, IBAM/Ministério das Cidades.
BRASIL (2001). Lei Federal nº 10.257, 10 de jul 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Cons tuição
Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília,
Presidência da República. Disponível em: <h p://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/legisla/.>.
Acesso em: 5 jul 2010.
______ (2005). Estatuto da cidade. Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e
cidadãos: Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001 que estabelece diretrizes gerais da polí ca urbana.
Brasília, Câmara dos Deputados.
BRITO, A. (2009). (org.). O poder da cidade: limites da governança urbana. Salvador, EDUFBA.
CARVALHO, L. S. de (2010). Panorama Logís co do Estado da Bahia. Disponivel em: h p://www.
sitedalogis ca.com.br/news/panorama-logis co-do-estado-da-bahia-/. Acesso em: 10 dez 2010.
CASA CIVIL BAHIA (2000). Informações e Relatórios sobre o PAC da Bahia de infraestrutura (20072010). Disponível em: h p://www.casacivil.ba.gov.br/. Acesso em: 15 jul 2010.
554
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
A via portuária de Salvador
CERQUEIRA, A. dos S. (2007). Fatores determinantes do transporte rodoviário intermunicipal de
passageiros na Bahia: ameaças para a sustentabilidade e qualidade na prestação do serviço.
Dissertação de mestrado. Salvador, Universidade Federal da Bahia.
CHURCH, J. M. e WARE, R. (2000). Industrial organiza on: a strategic Aprroach. Irwin McGraw Hill,
Homewood, IL.
DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTE (DNIT). Disponível em:< h p://
www1.dnit.gov.br/>. Acesso em: 5 dez 2010.
DIRETRIZES ESTRATÉGICAS DA BAHIA (2010). Recuperar e ampliar a infraestrutura econômica e a
logís ca: plano plurianual de 2008-2011 da Bahia. Seplan.
EDITAL DA AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES (ANTT) (2008). Governo Federal.
ESTUDO DE IMPACTO URBANO AMBIENTAL(EIUA): para o empreendimento do Horto Bela Vista
(2011). Salvador.
FERNANDES, R. B. (2004). O crescimento urbano em salvador e os impactos ambientais na formação
do Cabula - bairro popular estratégico da cidade. Disponível em: <h p://www.ub.es/geocrit/
b3w-521.htm>. Acesso em: jan 2009.
GOTTSCHALL, C S. et al. (2006). Centro da Cultura de Salvador. Salvador, EDUFBA; SEI.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE) (2010). Disponível em :< www.ibge.gov.
br/>. Acesso em: 15 jan 2010.
______ (2011). Indicadores de Desenvolvimento dos municípios brasileiros. Disponível em: h p://
www.ibge.gov.br/home/. Acesso: 15 jan 2011
______ (2012). Indicadores de Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA–IPEA (2012). Transporte Urbano e Inclusão Social:
elementos para polí cas públicas. Rio de Janeiro.
JHSF (2010). Disponível em: <h p://www.belavistashopping.com.br/localizacao.asp>. Acesso em: 14
mar 2011.
JORNAL A TARDE (2010). Desapropiação das obras da Via Portuaria. Cidades, 23 jan.
PITOMBO, J. P. (2009). Desafios e percalços das BRs 324 e 116. A Tarde. Economia, 25 jul.
PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO URBANO (PDDU). Disponível em:< <h p://www.sedham.
salvador.ba.gov.br/lei7400_pddu/>. Acesso em: 12 out 2009.
POLITICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO URBANO (PNDU) (2004). Ministério das Cidades, v. 1.
PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO (PAC). Disponível em: <h p://www.brasil.gov.br/pac/
conheca/>. Acesso em: 10 jan 2009.
RODRIGUES, L. e CAMPOS, M. (2009). Fluxos urbanos: arte e arquitetura em locais de movimento
(Região Leste de Vitoria). Disponível em:< h p://revistamdc.files.wordpress.com/2009/07/
larissa-rodrigues_cicau.pdf>. Acesso em: 12 out 2009.
SANTOS, O. B. (2009). Indicadores de mobilidade urbana: uma avaliação da sustentabilidade em áreas
de Salvador. Dissertação de mestrado. Salvador, Universidade Federal da Bahia.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
555
Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira
SECRETARIA DE INFRAESTRUTURA DO ESTADO DA BAHIA (SEINFRA) (2009). Disponível em: h p://
www.seinfra.ba.gov.br/. Acesso em: 10 dez 2009.
SECRETARIA DE TRANSPORTE E INFRAESTRUTURA (SETIN). Seminário de Planejamento da infraestrutura
da cidade de Salvador. Disponível em: http://www.urbanizacao.salvador.ba.gov.br/index.
php?op on=com_content&task=view&id=37&Itemid=127. Acesso em: 15 out 2009.
SECRETARIA NACIONAL DE TRANSPORTE E MOBILIDADE URBANA – SeMOB (2006). Gestão integrada
da mobilidade urbana. Brasília, Ministério das Cidades.
SISTEMA INTEGRADO DE ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA DO GOVERNO FEDERAL (SIAFI). Disponível em:
h p://www.tesouro.fazenda.gov.br/siafi/index.asp. Acesso em: 20 jun 2009
SILVA, S. C. B. de M. (1982). Cartografia da Acessibilidade e da interação no Estado da Bahia. Geografia,
v. 7, número 13/14, pp. 51-74.
SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA (SEI). Disponivel em: h p://
www.sei.ba.gov.br/. Acesso em: 15 jan 2010
SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA (SEI) (2011). Primeiros resultados
do Censo de 2010. 23 slides. Atualizado em 4 maio 2011. Disponível em: h p://www.sei.ba.gov.
br/index.php?op on=com_content&view=ar cle&id=850&Itemid=329. Acesso em: 30 jun 2011
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE). Disponível em: < www.tse.gov.br/>. Acesso em: 14 fev 2011.
Texto recebido em 5/ago/2013
Texto aprovado em 9/set/2013
556
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013
Infraestruturas nas Copas do Mundo
da Alemanha, África do Sul e Brasil
Infrastructures in the Germany,
South Africa and Brazil World Cups
Regina Meyer Branski
Elisa Eroles Freire Nunes
Sérgio Adriano Loureiro
Orlando Fontes Lima Jr
Resumo
O Brasil sediará, em 2014, a Copa do Mundo de
Futebol: evento mundial que ocorre a cada quatro
anos e é responsável pela movimentação de um
grande número de pessoas. A preparação para receber a Copa exige do país-sede grandes investimentos em infraestruturas que muitas vezes permanecem subutilizadas após o evento. O objetivo do
trabalho é avaliar se as infraestruturas – estádios
e sistemas de transporte – construídas para as copas da Alemanha, África do Sul e Brasil constituem
legado positivo para os países-sede. A metodologia
utilizada foi o estudo de casos desenvolvido a partir
de dados secundários. O trabalho mostrou que (1)
no caso do Brasil, os investimentos em sistemas de
transporte não atendem as reais necessidades das
cidades-sede e (2) diferentemente da Alemanha,
na África do Sul os estádios estão em grande parte
subutilizados e com dificuldade para serem mantidos. As perspectivas para o Brasil também não são
boas e há grandes chances de que o país enfrente
problemas semelhantes aos da África do Sul.
Abstract
Brazil will host the FIFA World Cup in 2014, which
is a worldwide event that occurs every four years
and is responsible for moving a large number of
people. The preparation to host the World Cup
requires high investments in infrastructure that
often remains underutilized after the event. The
objective of this research is to evaluate whether
the infrastructure (stadiums and transpor t
systems) built for the Germany, South Africa
and Brazil World Cups are positive legacies for
the host countries. The methodology was case
study, which was developed from secondary data.
The study showed that (1) in Brazil, investments
in transportation systems do not meet the
host cities’ real needs, and (2) unlike what
happened in Germany, in South Africa stadiums
are underutilized, and there are difficulties to
maintain them. The perspectives to Brazil are not
good and there are great chances that the country
will face problems that are similar to those of
South Africa.
Palavras-chave: copa do mundo; futebol; estádios; sistemas de transporte; legados.
Keywords: world cup; soccer; stadiums; transport
systems; legacies.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
Regina Meyer Branski et al.
Introdução
ao invés do lucro estimado de 4 bilhões (Matheson e Baade, 2004). No Japão e Coréia do
Sul, na Copa de 2002, os custos das obras de
O Brasil será a sede da Copa de Futebol em
infraestrutura foram bem superiores aos previs-
2014, um dos maiores eventos esportivos do
tos inicialmente. No Brasil, o custo atual esti-
mundo. De acordo com a Fédération Interna-
mado está quase 300% maior que o previsto
tionale de Football Association (Fifa), quase 31
em 2007 (Brasil, 2012);
milhões de pessoas já assistiram pelo menos
• número de turistas menor do que o espera-
um dos 708 jogos realizados na Copa do Mun-
do. Embora a Fifa afirme que haverá um cresci-
do desde 1930, uma média de 44 mil pessoas
mento no turismo, o número de visitantes pode
por jogo (Fifa, 2012). Sediar uma Copa signifi-
ser equivalente ao de outros períodos, ou até
ca disponibilizar infraestrutura adequada para
mesmo inferior como ocorreu, em 2002, na Co-
a realização de 64 partidas de futebol e hos-
reia (Lee e Taylor, 2005). Isso acontece porque
pedar e garantir o deslocamento, durante um
muitos turistas usuais evitam viajar na Copa
mês, de 32 equipes, suas comitivas e torcedores
(Matheson, 2009), mas também porque muitos
vindos de todas as partes do mundo. Assim, a
deles pertencem à população local. Na África
preparação para receber esse evento demanda
do Sul, por exemplo, mais de 60% da renda ob-
dos países um volume significativo de recursos
tida na Copa foi resultado do turismo realizado
investidos na construção e/ou reforma dos es-
pelos próprios sul-africanos (Cottle, 2011);
tádios e, também, em sistemas de transporte
• e, finalmente, prejuízos decorrentes do
(mobilidade urbana e infraestruturas como ro-
mau uso das infraestruturas. Dos dez estádios,
dovias, aeroportos, portos e ferrovias).
preparados pela Coreia para a Copa, somente
A Fifa argumenta que a Copa traz para
cinco são utilizados com regularidade (Corne-
as cidades vários legados positivos como cres-
lissen e Swart, 2006). E muitos dos investimen-
cimento do turismo, capacitação da mão de
tos em transporte não priorizam as reais ne-
obra e melhorias nas infraestruturas, além de
cessidades das populações locais, mas sim os
divulgar a imagem do país para o mundo (Fifa,
interesses dos organizadores do evento (Essex
2012). Mas, vários autores discutem se há de
e Chalkley, 2004; Higham, 1999; Kassens, 2009;
fato ganhos efetivos para os países que sediam
Pillay e Bass, 2012).
grandes eventos (Cornelissen e Swart, 2006;
Sediar a Copa do Mundo, portanto, dife-
Lee e Taylor, 2005; Matheson e Baade, 2004;
rentemente do propagado pela Fifa, não garan-
Matheson, 2009, etc.). De modo geral, os auto-
te ao país um legado positivo. E, até mesmo as
res observam que há poucos casos de sucesso e
infraestruturas, consideradas por muitos como
muitos relatos de problemas e dificuldades en-
o legado mais importante, merecem uma aná-
frentados pelos países. Entre as razões para os
lise mais criteriosa. O objetivo do trabalho é
maus resultados estão:
avaliar se as infraestruturas – estádios e siste-
• o custo final das obras quase sempre su-
mas de transporte – construídas para as copas
perior ao previsto. Na Copa 1994, nos Estados
da Alemanha, África do Sul e Brasil constituem
Unidos, houve prejuízo de 9 bilhões de dólares
um legado positivo para os países-sede. Cabe
558
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil
esclarecer que, além de certa imprecisão, as in-
estacionamento e acesso por transporte de
formações levantadas não tem o mesmo grau
massa. Para os eventos internacionais, reco-
de profundidade para os três países estudados.
menda-se proximidade com hotéis, centros
Mesmo assim, sua sistematização permite es-
comerciais, heliportos e aeroportos. Jogadores
tabelecer comparações e buscar o entendimen-
e árbitros devem ter uma entrada exclusiva
to do papel dos legados nas copas em diferen-
e segura, vestiários bem equipados, escritó-
tes contextos.
rios próximos aos vestiários, túnel de acesso
O trabalho está organizado em quatro
ao campo e duas áreas para o aquecimento.
seções, além da introdução e conclusão: exi-
Para atender ao público, os estádios devem
gências impostas aos países sede pela Fifa,
ter cobertura, especialmente em locais com
metodologia, sistematização das informações
elevada incidência solar ou com clima úmido,
sobre estádios e sistemas de transporte e ava-
assentos individuais fixados na estrutura da
liação dos legados deixados para os países-se-
arquibancada, visibilidade perfeita do campo
de. A metodologia utilizada foi estudo de casos
de qualquer ponto, cinco pontos para venda de
a partir de dados secundários.
ingresso para cada mil espectadores, e acessibilidade para portadores de deficiência. Para
a mídia, devem ser construídas cabines com
Exigências da Fifa para
a realização da Copa do Mundo
proteção acústica, com todos os equipamentos
e tecnologias de última geração para a transmissão das partidas, três estúdios de televisão,
sala para coletiva de imprensa com sistema de
Quando o país é escolhido para sediar os jogos,
deve atender às inúmeras exigências da Fifa.
A Fifa (2011) busca adequar suas exigências à
realidade de cada país por meio de uma análise detalhada e a elaboração de uma Matriz
de Responsabilidades onde estão definidas as
obras prioritárias de infraestrutura e os responsáveis por sua execução:
som e cem assentos e equipamentos para a
realização de tradução simultânea.
A Fifa recomenda, ainda, a instalação de
geradores e inúmeras ações para redução da
emissão de CO2 como armazenamento da água
da chuva para irrigação, reuso da água nas instalações sanitárias, coleta seletiva de lixo, venda de produtos sem embalagem descartável, e
• quanto ao sistema de transporte, além de
utilização de painéis solares. Finalmente, para
investimentos em aeroportos, portos, rodovias e
aumentar a utilização e a viabilidade financei-
ferrovias, exige melhorias na mobilidade urbana;
ra dos estádios, recomenda que as instalações
• quanto aos estádios, exige cerca de doze
possam ser adaptadas para receber shows, fes-
instalações que devem oferecer no mínimo 30
tivais e outros eventos de grande porte.
mil assentos para os jogos internacionais, 50 mil
A contrapartida a todos esses investi-
para os jogos finais da Copa das Confederações
mentos seria o legado positivo que o evento
e 60 mil para a final da Copa do Mundo.
traz para o país-sede. O conceito de legado
Além da capacidade mínima, os es-
para a Fifa é bastante amplo e abrange benefí-
tádios devem possuir amplas áreas de
cios sociais e econômicos, criação de empregos,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
559
Regina Meyer Branski et al.
ampliação do turismo e da rede hoteleira, de-
adequado para tratar o tema da pesquisa por-
senvolvimento da infraestrutura (estádios, sis-
que o objetivo é avaliar a natureza dos legados
temas de transporte, telecomunicação) e trei-
deixados para os países-sede.
namento e aperfeiçoamento dos trabalhadores
A Figura 1 descreve as etapas percorridas.
da construção e dos voluntários. Mas diversos
Yin (2003) aponta a importância de es-
autores defendem que somente heranças dura-
colher casos que atendam aos objetivos da
douras, que permanecem ao longo do tempo,
pesquisa. Como unidades de análise foram
devem ser consideradas legados (Cottle, 2011;
selecionadas as duas últimas Copas do Mun-
DaCosta, 2007; Villano e Terra, 2007).
do realizadas, respectivamente, na Alemanha
e na África do Sul, e a Copa de 2014 que será
realizada no Brasil. A Alemanha é um dos países mais desenvolvidos do mundo e grande
Metodologia de estudo
de casos
potência europeia. A África do Sul é um país
em desenvolvimento com níveis elevados de
pobreza e desigualdade social e infraestrutura
O trabalho foi desenvolvido utilizando a meto-
regular. O Brasil, como a África do Sul, é um
dologia de estudo de casos múltiplos a partir
país em desenvolvimento, com parte impor-
de dados secundários. O estudo de casos carac-
tante da população vivendo na pobreza. Mas,
teriza-se como uma pesquisa que coleta e re-
diferentemente dos outros dois países, suas
gistra informações sobre um ou vários objetos
dimensões são continentais e enfrenta graves
(organizações, empresas, comunidades, etc.) e
problemas de infraestrutura. Portanto, os três
pode descrever, explicar, analisar e comparar
países tem características que contribuem pa-
fenômenos atuais que não estão sob o controle
ra o entendimento do papel dos legados em
do investigador (Yin, 2003). Assim, o método é
contextos distintos.
Figura 1 – Etapas do estudo de casos
Copa da
Alemanha
Objetivo
da
pesquisa
Unidades
de
análise
Estádios
Copa da
África do Sul
Protocolo
Análise dos resultados
Sistema de
transportes
Conclusões
Copa do
Brasil
560
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil
No protocolo, foram detalhados os pro-
per capita está em torno de 25 mil dólares por
cedimentos seguidos para coleta e organização
ano. Em termos de infraestrutura, o país conta
dos dados secundários. As informações sobre
com excelentes rodovias e ferrovias, transporte
os estádios e os sistemas de transporte nos três
aéreo eficiente e os seus portos estão entre os
países foram levantadas em periódicos cientí-
melhores do mundo (Banco Mundial, 2010).
ficos e documentos oficiais, jornais, revistas e
publicações especializadas. Em seguida, as in-
Instalações esportivas
formações foram organizadas e confrontadas
(triangulação). Foram identificadas diversas
Para a Copa do Mundo de 2006, a Alemanha
imprecisões, principalmente com relação aos
construiu apenas um estádio – Allianz Are-
dados relativos aos custos dos estádios e de
na – em Munique. Os outros onze já existiam
outros investimentos. Nesses casos, foi dada
e foram reformados para o evento. A Figura 2
preferência às fontes oficiais. Para cada país
mostra suas localizações.
estudado, foi elaborado um relatório com es-
No total foram investidos cerca de 1,9 bi-
trutura predefinida e, finalmente, avaliados os
lhão de dólares nos estádios, sendo 60% finan-
resultados e conclusões.
ciado por clubes e outros investidores privados
e 40% com recursos públicos. O Quadro 1 elenca os doze estádios, as cidades onde estão lo-
Infraestruturas das copas
da Alemanha, África do Sul
e Brasil
calizados, capacidade e valor investido.
A Copa da Alemanha foi um caso de
sucesso, com a maioria dos estádios recebendo um grande fluxo de espectadores durante
e após o evento. Para avaliar a utilização dos
Serão apresentadas as informações sobre as
estádios, Alm (2012) propôs um índice que re-
infraestruturas (estádios e sistemas de trans-
laciona o número de espectadores no ano e a
portes) construídas para as duas últimas Copas
capacidade do estádio. O autor levantou dados
do Mundo – Alemanha e África do Sul – e as
de 75 estádios em vinte países em jornais, pu-
planejadas para o Brasil.
blicações especializadas e questionários enviados diretamente para os administradores.
Copa da Alemanha
O Allianz Arena de Munique é o estádio que
apresenta o melhor índice de utilização da Eu-
A Alemanha está localizada na Europa Cen-
ropa (33,3 espectadores por assento em 2009),
tral, conta com uma área de aproximadamen-
seguido do RheinEnergie, em Colônia (22,2 es-
te 357 mil km2 e uma população de cerca de
pectadores por assento), e do Commerzbank
81 milhões de pessoas. O país é desenvolvido
em Frankfurt (19 espectadores por assento).
e oferece boa qualidade de vida para seus
habitantes: o PIB alemão é elevado e a renda
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
O Quadro 2 descreve a utilização dos doze estádios da Copa de 2006.
561
Regina Meyer Branski et al.
Figura 2 – Localização dos estádios na Alemanha
Fonte: ContiSoccerWorld – The Football Portal of Continental AG
Quadro 1 – Estádios da Copa na Alemanha
Nome
Cidades
Capacidade
Investimentos
(milhões de dólares)*
Allianz Arena
Munique
69.901
458
Olympiastadion
Berlim
76.000
304
Signal Iduna Park
Dortmund
60.285
45
Commerzbank Arena
Frankfurt
48.132
158
AufSchalke Arena
Gelsenkirchen
48.426
241
AOL Arena
Hamburgo
45.442
122
AWD Arena
Hannover
49.297
79
Fritz Walter Stadion
Kaiserslautern
41.513
61
RheinEnergie Stadion
Colônia
40.590
138
Franken Stadion
Nuremberg
36.898
70
Gottlieb Daimler Stadion
Stuttgart
47.757
68
Zentralstadion
Leipzig
44.345
114
598.586
1.858
Total
Fonte: Maennig e Du Plessis (2007).
*dólar médio de 2010
562
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil
Quadro 2 – Utilização dos estádios na Alemanha
Estádios
Legados
Allianz Arena
Financiado por dois clubes de futebol populares – TSV 1860 Manchem e FC Bayern München
– atrai um grande número de espectadores. O estádio tem projeto arrojado e é usado
exclusivamente para partidas de futebol
Olympiastadion
Além do futebol, são disputadas partidas de futebol americano. Já hospedou torneios como US
National Football League (2007), Frauen DFB Pokal (2010) e Internationales Stadionfest (2010)
Signal Iduna Park
Abriga competições europeias e internacionais
Commerzbank Arena
Pertence ao clube Eintracht, que realiza jogos de futebol, futebol americano e outros eventos
como o Congresso Anual de Testemunhas de Jeová
Veltins Arena
Além de jogos de futebol, recebeu eventos como Speedway Grad Prix of Germany (2007) e Ice
Hockey World Championship (2010)
AOL Arena
Pertence ao clube Hamburger SV e é utilizado para shows internacionais, concertos de música
clássica e apresentações de ópera
AWD-Arena
Pertence ao clube Hannover 96 e, além dos jogos de futebol, também recebe campeonatos
de atletismo – o German Turnfest – e jogos de handball, rúgbi, futebol americano, shows e
apresentações artísticas
Fritz Walter Stadion
Servido por uma ampla e moderna rede de autoestradas e por conexões ferroviárias, hospeda
jogos da Bundesliga
Rhein Energie Stadion
Recentemente foi palco dos jogos do Campeonato Europeu (Uefa)
Frankestadion
Utilizado tanto para partidas de futebol como para competições de atletismo
Gottlieb Daimler Stadion
Pertence ao tradicional clube VfB Stuttgart onde são realizados seus jogos
Zentralstadion
Único a enfrentar problemas. Em 2010, foi adquirido pelo Red Bull Arena, time de quarta
divisão. Sem um time profissional, está subutilizado
Fonte: Maennig e Du Plessis (2007).
Entre os fatores que explicam a boa uti-
Sistema de transporte
lização das instalações esportivas estão a forte
tradição da Alemanha no esporte, localização
A Alemanha conta com uma extensa rede de
em regiões densamente povoadas e o fato de
rodovias e ferrovias e um grande número de
pertencerem a clubes consagrados, que atraem
aeroportos. Além disso, trens e rodovias de al-
grande número de espectadores. O único está-
ta velocidade conectam as diversas regiões do
dio que enfrenta problemas é o Zentralstadion,
país às doze cidades-sede da Copa. A figura 3
em Leipzig. Financiado pelo município e por
indica, além dos estádios, (1) linhas férreas e
fundos privados, não tem um time profissional
aeroportos internacionais e (2) principais rodo-
e atrai pouco público.
vias do país.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
563
Regina Meyer Branski et al.
Figura 3 – Infraestrutura logística da Alemanha
(1) Linhas Férreas e Aeroportos
Fonte: Rentwithjd
(2) Principais Rodovias
Fonte: Maps of Germany
Como já contava com um bom siste-
vizinhos. No transporte ferroviário, o tempo de
ma de transporte, a maioria dos projetos
viagem entre cidades foi reduzido e seis esta-
executados para a Copa visava modernizar e
ções foram modernizadas. Além disso, todas as
adequar infraestruturas já existentes. Os in-
cidades-sede têm estações com plataformas
vestimentos totalizaram 7 bilhões de dólares
para trens de alta velocidade.
(Quadro 4), uma vez que a maior parte desse
Tecnologias de última geração também
recurso (80%), bancada pelo governo federal,
foram destaque na Copa da Alemanha. Foi
foi aplicado no melhoramento de rodovias e
desenvolvido sistema que permitiu o uso dos
em sistemas de informação.
ingressos dos jogos no transporte público pa-
A Alemanha ocupa um território peque-
ra ir ao estádio ou a outras atrações turísticas.
no, com distâncias curtas entre suas cidades e
Outro destaque foi um sistema de roteirização
uma infraestrutura viária densa e de boa qua-
implantado em diversos pontos das cidades e
lidade. Assim, o transporte terrestre recebeu
nas rodovias federais. Através dos três campos
apenas melhorias. No transporte aéreo, dez
do ingresso – logotipo da Copa, símbolo do
das doze cidades-sede possuem aeroportos
estádio e setor da arquibancada – indicava-se
ligados a linhas férreas, metrô e redes de ôni-
o melhor roteiro para o deslocamento. As reco-
bus. Nuremberg e Gelsenkirchen, que não têm
mendações direcionavam os espectadores por
aeroportos, estão próximas (menos de 45 km)
diferentes caminhos, ajudando a organizar o
e interligadas por boas rodovias a aeroportos
tráfego e a reduzir o tempo de deslocamento.
564
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil
Quadro 4 – Investimentos em sistemas de transporte na Alemanha
Sistema de transporte
Investimentos (milhões de dólares)
Governo Federal
– rodovias e sistemas de informação
5,720
Estados e municípios
– vias
– estacionamentos
– transporte público
– informação e controle de tráfego
520
520
390
130
Total
7,280
Fonte: Federal Ministry of the Interior (2006).
Quadro 5 – Panorama da mobilidade urbana na Alemanha
Cidade
Características
Munique
Possui trens, metrôs e ônibus interligados.
Bondes e a bicicleta são intensamente utilizados.
Stuttgart
Bondes, trens de subúrbio, ônibus e metrôs interligados por bilhete integrado.
Centro integrado de tráfego, capaz de monitorar o trânsito e fazer interferências, como
alterar tempos dos semáforos e gerenciar câmeras.
Melhorias em vias e implantação de sistema de sinalização para pedestres.
Kaiserslautern
Linhas de ônibus circulam em toda a cidade.
O tráfego de carro não é pesado e a cidade é bem sinalizada.
Nuremberg
Acesso ao estádio pode ser de carro, ônibus ou metrô.
Frankfurt
Ruas muito bem sinalizadas, facilitando o tráfego de carros.
Possui linhas de trem e ônibus por toda a cidade.
Colônia
Ônibus para vários lugares do país.
Transporte público adequado.
Gelsenkirchen
Acesso ao estádio por carro e trem.
Dortmund
Rede de transporte ao redor do estádio. Possui rodovias e sistema de metrô.
Leipzig
Transporte ferroviário conectado à vários pontos
Hannover
Possui um sistema rodoviário eficiente e muito bem sinalizado.
Berlim
Possui excelente serviço de transporte.
Cidade equipada com ciclovias e semáforos para os ciclistas.
Hamburgo
Sistema de transporte coletivo eficiente.
Fonte: Deutschland (2006).
Em mobilidade urbana, a cargo dos es-
por serviços de qualidade, com trens, metrôs
tados e municípios, foi investido volume bem
e/ou ônibus interligados, permitindo fácil des-
menor de recursos em melhoramento de vias,
locamento. O Quadro 5 traz um panorama
transporte público e estacionamentos. Isso por-
da mobilidade urbana nas doze cidades-sede
que, no geral, as cidades já são bem atendidas
(Deutschland, 2006).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
565
Regina Meyer Branski et al.
Copa da África do Sul
Instalações esportivas
A África do Sul foi o primeiro país do conti-
A África tinha sediado, em 1995, a Copa do Mun-
nente africano a sediar, em 2010, uma copa
do de Rúgbi e já possuía algumas boas instala-
de futebol. Com uma área de 1220 mil km 2
ções. Assim, dos dez estádios que sediaram os
e uma população de cerca de 46 milhões de
jogos de 2010, cinco já existiam e foram reforma-
pessoas, é conhecida por sua pluralidade cul-
dos para o evento e cinco novos foram construí-
tural, possuindo onze línguas oficiais. O país é
dos. A Figura 4 indica a localização dos estádios.
considerado em desenvolvimento e apresenta
No total foram investidos cerca de 2,3 bi-
uma taxa de desemprego de 28%. Em 2010,
lhões de dólares, financiado basicamente pelo
o PIB africano era de 360 milhões de dólares e
setor público, que participou tanto das constru-
a renda percapita 3,7 mil dólares por ano. Os
ções de novos estádios quanto das renovações
portos africanos são considerados de média
(Alm, 2012). O Quadro 5 lista os estádios, as
eficiência e a qualidade da infraestrutura é re-
cidades onde estão localizados, capacidade e o
gular (Banco Mundial, 2010).
valor investido.
Figura 4 – Estádios da África do Sul
Fonte: BBC News.
566
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil
A Copa da África do Sul não pode ser
estádio tem alto custo de manutenção e dificul-
considerada um caso de sucesso. O estádio Ca-
dade para atrair times populares. Outras insta-
pe Town, por exemplo, foi construído na Cida-
lações com problemas são os estádios Nelson
de do Cabo a despeito de já existirem outras
Mandela Bay, Peter Mokaba, Mbombela, Royal
instalações no local. O custo final foi cerca de
Bafokeng e Free State (Alm, 2012).
30% superior ao previsto inicialmente e re-
O Quadro 6 descreve a utilização dos está-
sultou em uma instalação pouco utilizada: o
dios da África do Sul após o mundial de futebol.
Quadro 5 – Estádios da Copa da África do Sul
Nome
Cidades
Capacidade
Investimentos
(milhões de dólares)
59.957
66.005
42.486
43.589
45.264
452
653
306
153
219
49.365
88.460
61.639
44.530
45.058
14
481
73
22
43
574.200
2,354
Novos
Moses Mabhida
Cape Town
Nelson Mandela Bay
Mbombela
Peter Mokaba
Durban
Cidade do Cabo
Port Elizabeth
Nelspruit
Polokwane
Loftus Versfeld
Soccer City
Ellis Park
Royal Bafokeng
Free State
Pretória
Johannesburgo
Johannesburgo
Rustemburgo
Bloemfontein
Reformados
Total
Fonte: Cottle (2011).
Quadro 6 – Utilização dos estádios na Copa da África do Sul
Estádios
Novos
Moses Mabhida
Recebe, além de partidas de futebol e rúgbi, jogos de críquete e outros eventos.
Cape Town
Abriga jogos e eventos culturais, mas não o suficiente para garantir sua manutenção.
Nelson Mandela Bay
Não recebeu nenhuma partida de futebol, em 2011, e abrigou apenas cinco jogos de rúgbi da
segunda divisão e alguns shows.
Mbombela
Subutilizado, participa de um rodizio para receber jogos capazes de atrair a população.
Peter Mokaba
Tem custo de manutenção de 2 milhões de dólares por ano, valor elevado para as condições
econômicas da cidade.
Loftus Versfeld
Sede de um importante time de rúgbi (Blue Bulls) recebe também jogos de futebol
Soccer City
Terceirizado após o evento para o Banco Nacional Sul-Africano recebe jogos e eventos de grande
porte como grandes clássicos de futebol e os shows do U2 e Neil Diamond
Reformados
Ellis Park
Utilizado por um time de rúgbi da primeira divisão da Liga Sul-Africana
Royal Bafokeng
Utilizado para jogos de futebol do time Platinum Stars, equipe com pouca
tradição, e partidas de rúgbi.
Free State
Abriga jogos da Liga Sul-Africana de rúgbi, mas não recebeu nenhuma partida de futebol: o clube da
cidade prefere jogar em um pequeno estádio com 20 mil lugares.
Fonte: Cottle (2011).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
567
Regina Meyer Branski et al.
Dos estádios, pelo menos cinco estão
subutilizados o que levou o secretário do Pla-
Aeroportos, ferrovias e mobilidade urbana dividiram os 45% restantes (Quadro 7).
nejamento de Durban a afirmar que diante
As rodovias foram modernizadas, como
dos elevados custos de manutenção, a melhor
a ampliação para cinco faixas na rodovia que
alternativa seria a demolição (IG Economia e
liga Johanesburgo a Pretória. Foram investidos
Mercado, 2012). O principal problema enfren-
2.4 bilhões de dólares na ampliação dos aero-
tado, sobretudo com relação às novas instala-
portos de Johannesburg e Cape Town, constru-
ções, é como atrair o público e desta forma
ção de um novo terminal em Bloemfontein e de
garantir a sustentabilidade.
um novo aeroporto em Durban. Foram gastos
2 bilhões nas ferrovias, inclusive na construção
do sistema de trem rápido – o Gautren – ligan-
Sistema de transporte
do Johanesburgo a Pretória e passando pelo
Aeroporto Internacional OR Tambo. O Gautrain
A África do Sul tem uma infraestrutura de
está interligado a uma rede de ônibus e visa
transporte bem desenvolvida, com ampla re-
aliviar os pesados congestionamentos entre
de de rodovias e ferrovias. A Figura 5 mostra,
as duas cidades. E, finalmente, na mobilidade
além da localização dos estádios, (1) ferrovias
urbana, destacam-se sistema de bilhete único,
e portos e (2) rodovias e aeroportos. As no-
implantação de Bus Rapid Transit (BRT), de cor-
ve cidades-sede são atendidas por rodovias e
redores exclusivos e de estações intermodais
ferrovias e, com a construção do aeroporto em
para transporte público, melhorias nos trens ur-
Durban, quatro delas têm aeroporto.
banos e investimentos nos sistemas de geren-
Cerca de 15 bilhões de dólares de re-
ciamento de congestionamento (Cottle, 2011).
cursos públicos foram investidos no sistema
No Quadro 8, estão detalhados os principais in-
de transporte. Como na Alemanha, a maior
vestimentos realizados em mobilidade urbana
parte dos recursos foi para as rodovias (55%).
na África do Sul.
Figura 5 – Infraestrutura logística da África do Sul
(1) Ferrovias e Portos
Fonte: Maps of World
568
(2) Rodovias e Aeroportos
Fonte: Mappery
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil
Quadro 7 – Investimentos em sistema de transporte na África do Sul
Sistema de transporte
Investimentos (milhões de dólares)*
Rodovias
Aeroportos
Ferrovias
Intervenções para a Copa
Sistema BRT
9.100
2.400
2.000
1.800
260
Total
15.560
* dólar médio de 2010.
Fonte: Cottle (2011).
Quadro 8 – Principais investimentos em mobilidade urbana da África do Sul
Cidade
Mobilidade urbana
Durban
Interconexão do transporte público
Construção de novo acesso ao estádio
Novas linhas ônibus
Melhoria em vias
Ônibus para turistas
Cape Town
Melhorias nos corredores de transporte público
Alargamento de vias
Johannesburg
Implantação de BRT
Pretória
Implantação de BRT
Melhorias nas vias de acesso à cidade, aos aeroportos e ao estádio
Port Elizabeth
Novas estações intermodais
Ampliação das rotas de transporte público
Nelspruit
Melhoria da circulação em via
Facilidades para pedestres
Rustenburg
Melhoria da circulação em via
Melhorias nas instalações de táxi e ônibus
Novas vias ligando o estádio ao centro da cidade
Bloemfontein
Estação intermodal de transporte público
Melhorias no acesso ao aeroporto
Ampliação do serviço de transporte
Polokwane
Melhorias nas vias, especialmente as que ligam o estádio e aeroporto
Melhoria no terminal de ônibus
Investimento em sistema de táxi
Fonte: Adaptado de Transport Guides e 2010 Soccer World Cup Facts and Stats.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
569
Regina Meyer Branski et al.
de desenvolvimento humano, revelando gran-
Copa do Mundo do Brasil
des disparidades econômicas e sociais (Banco
O Brasil é o maior país da América do Sul,
Mundial, 2010).
ocupan do uma área de 8.514 mil km2 e com
uma população de 190 milhões de habitantes.
Instalações esportivas
Considerado um país emergente, sua economia é a sétima do mundo: o PIB brasileiro é
O Brasil contará com 12 estádios para a Copa
de 1.6 trilhões de dólares e a renda per capita
do Mundo de 2014, uma vez que sete deles se-
de 4 mil dólares/ano. Mas, a despeito do cres-
rão construídos (ou inteiramente reconstruídos)
cimento que o país vem experimentando nos
e cinco reformados. A Figura 6 indica a localiza-
últimos anos, ocupa a 73ª posição no ranking
ção dos estádios.
Figura 6 – Estádios do Brasil
Fonte: Wikipedia.
570
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil
Serão investidos cerca de 4 bilhões de dólares,
A despeito da preocupação dos organiza-
visto que quase a totalidade dos recursos são públi-
dores em construir espaços múltiplos e flexíveis,
cos (estaduais e federais). Somente dois estádios –
muitos estádios enfrentarão problemas e perma-
Curitiba e São Paulo – têm participação de capital pri-
necerão subutilizados. O Quadro 10 descreve as
vado. O Quadro 9 elenca os estádios, cidades, capaci-
perspectivas de utilização dos estádios após o
dade e investimentos previstos (Portal Brasil, 2012).
mundial de futebol.
Quadro 9 – Estádios da Copa do Brasil
Nome
Cidades
Capacidade
Investimentos
(milhões de dólares)
64.000
64.000
79.000
52.000
41.000
295
395
489
187
133
Reformados
Castelão
Mineirão
Maracanã
Beira Rio
Arena da Baixada
Fortaleza
Belo Horizonte
Rio de Janeiro
Porto Alegre
Curitiba
Arena das Dunas
Arena Pernambuco
Fonte Nova
Itaquerão
Nacional
Arena Pantanal
Arena da Amazônia
Natal
Recife
Salvador
São Paulo
Brasília
Cuiabá
Manaus
Novos ou reconstruídos
43.000
46.160
50.000
65.000
71.400
43.600
44.000
Total
199
302
336
466
568
295
330
3,995
* dólar médio de 2010.
Fonte: adaptado do Ministério do Esporte (2012).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
571
Regina Meyer Branski et al.
Quadro 10 – Utilização dos estádios da Copa do Brasil
Estádios
Legados
Arena das Dunas
Desafio é garantir sua sustentabilidade econômica, já que há expectativa de que a receita com jogos
não seja suficiente.
Arena Pernambuco
Vários empreendimentos estão sendo previstos para o entorno do estádio, incluindo a
construção de um bairro planejado. Há dúvidas se poderá se manter após a Copa.
Fonte Nova
Terá estrutura para receber shows e outros eventos culturais, mas como a cidade apresenta
um dos piores índices sociais do país, com grande parte da população sem recursos para pagar
ingressos, sua sustentabilidade não está assegurada.
Itaquerão
Tem público garantido já que pertence a um dos mais tradicionais times da cidade, o Corinthians.
Estádio Nacional
A cidade não tem potencial esportivo para manter o novo espaço apenas com partidas de futebol.
Assim deve abrigar shows e outros tipos de eventos que já fazem parte da tradição da cidade. Há
dúvidas se poderá se manter após a Copa.
Arena Pantanal
O estádio foi planejado para ser multiuso, podendo abrigar convenções, shows e feiras, mas a cidade
não está na rota dos grandes eventos musicais. Há dúvidas se poderá se manter após a Copa
Arena do Amazonas
Enfrenta várias ações ambientais. A cidade já têm outro estádio e nenhum time de destaque. Há
dúvidas se poderá se manter após a Copa.
Castelão
Localizado na periferia da cidade está cercado por moradias de baixa renda, o que exigiu
investimentos para a revitalização. Há dúvidas se poderá se manter após a Copa.
Beira-Rio
Reformado para receber espetáculos e convenções além da construção de um hotel anexo. Sede do
popular time Internacional de Porto Alegre tem boas perspectivas.
Arena da Baixada
Projetado para ser um espaço múltiplo abrigando business center, praça de alimentação e centro
comercial. Sede do tradicional clube Atlético Paranaense.
Mineirão
Localizados em Belo Horizonte, cidade populosa e com forte tradição no esporte. Tem boas
perspectivas de utilização.
Maracanã
Localizado no Rio de Janeiro, com forte tradição no esporte. Tem boas perspectivas de
utilização.
Fonte: Sindicato da Arquitetura e da Engenharia (2010).
Dos doze estádios, pelo menos sete en-
principais times do estado de Fortaleza (Ceará
frentarão dificuldades para se sustentar após
e Fortaleza), por exemplo, não se interessaram
o evento. Mesmo focando em concertos e ou-
em assinar contrato de parceria para realização
tros eventos culturais, esses estádios prova-
de seus jogos no estádio do Castelão. Os clubes
velmente não irão conseguir atrair o número
alegam que o alto custo exigiria um público mí-
de pessoas necessário para garantir a susten-
nimo de 30 mil pagantes, considerado por eles
tabilidade. Isso porque estão localizados em
muito elevado. E, de fato é: a média de público
cidades sem tradição no esporte, com clubes
no Campeonato Brasileiro do principal evento
com baixa popularidade e que levam ao está-
esportivo do país foi de 15 mil espectadores
dio número insuficiente de espectadores. Os
(Confederação Brasileira de Futebol, 2013).
572
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil
Estádios que hospedam clubes tradi-
Sistema de transporte
cionais, como Maracanã, no Rio de Janeiro,
Itaquerão, em São Paulo, Arena da Baixada,
No Brasil, predomina o modal rodoviário, mas
em Curitiba e Beira-Rio, em Porto Alegre, cer-
60% das estradas não estão em boas condições
tamente terão um desempenho melhor. O Mi-
(Confederação Nacional dos Transportes, 2013).
neirão, em Belo Horizonte, firmou contrato de
O número de passageiros de avião vem cres-
fidelização com um tradicional time mineiro.
cendo de forma significativa nos últimos anos,
O contrato garante ao clube a renda da bi-
o que levou à saturação dos aeroportos. Os
lheteria dos jogos sem pagamento de aluguel
portos brasileiros, assim como as ferrovias, são
e ao administrador do estádio a receita dos
utilizados prioritariamente para o transporte de
bares, restaurantes e lojas. Dessa forma, es-
cargas. O transporte ferroviário foi privatizado
pera atrair um grande número de torcedores
e, nos últimos anos, melhorou seu desempenho.
e, principalmente, garantir a sustentabilidade
A Figura 7 mostra, além da localização dos es-
da instalação.
tádios, (1) ferrovias e aeroportos e (2) rodovias.
Figura 7 – Infraestrutura logística do Brasil
(1) Ferrovias e Aeroportos
Fonte: Linha Auxiliar
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
(2) Rodovias
Fonte: Portal Brasil
573
Regina Meyer Branski et al.
Os 89 projetos em transporte inicial-
feita à parte das obras dos dois aeroportos de
mente planejados para a Copa no Brasil con-
São Paulo (Guarulhos e Viracopos) e o de Natal.
templam diferentes modais e a construção
Para os aeroportos, estão previstas a
de complexas infraestruturas. O Ministério do
construção ou ampliação de terminais de pas-
Esporte elencou os investimentos previstos
sageiros em todas as cidades-sede (exceto
em portos e aeroportos e mobilidade urbana
Recife). O montante investido em São Paulo
(avenidas, corredores metropolitanos, acessos
é muito superior ao das demais cidades: cerca
a aeroportos, urbanização no entorno dos es-
de 1,8 bilhão de dólares. Esse fato se justifica
tádios). Não estão previstos investimentos em
pela importância econômica da cidade e por
rodovias. O Quadro 11 detalha os empreendi-
seus já conhecidos problemas e gargalos nessa
mentos e os valores investidos.
área. Quanto aos portos, os investimentos são
No total serão investidos cerca de 11 bi-
bem menos significativos, sendo beneficadas
lhões de dólares. Os investimentos mais signifi-
as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Fi-
cativos estão destinados à mobilidade urbana
nalmente, em mobilidade urbana, São Paulo,
(7 bilhões de dólares), seguido dos aeroportos
Recife e Manaus receberão os maiores inves-
(4 bilhões de dólares) e, por último, portos (514
timentos, seguidas de Cuiabá e Belo Horizon-
milhões de dólares). O modelo de financiamen-
te. Somente Salvador não tem programado
to está apoiado, no caso da mobilidade urbana,
nenhum investimento desse tipo. O Quadro 12
em recursos públicos municipais, estaduais e
detalha os principais projetos na área de mobi-
federais. Nos aeroportos e portos, os financia-
lidade urbana nas doze cidades-sede (Ministé-
mentos são exclusivamente federais, exceção
rio do Esporte, 2012).
Quadro 11 – Investimentos em sistemas de transporte no Brasil
Sistema de transporte
Aeroportos
Portos
Investimentos (milhões de dólares)*
4,179
514
Mobilidade Urbana
6,824
Total
11,517
* dólar médio de 2010.
Fonte: adaptado do Ministério do Esporte (2012).
574
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil
Quadro 12 – Principais investimentos em mobilidade urbana no Brasil
Cidade
Mobilidade urbana
Belo Horizonte
Implantação de três Bus Rapid Transit (BRT)
Corredor exclusivo para ônibus
Construção de duas Vias
Expansão da Central de Controle de Trânsito
Implantação de Boulevard com ciclovias
Brasília
Implantação de Veículo Leve sobre Trilho (VLT)
Ampliação da Capacidade da Rodovia
Cuiabá
Implantação de VLT
Duplicação da avenida e implantação de corredor de ônibus
Adequações viárias e de acessibilidade
Curitiba
Implantação de três corredores de ônibus
Implantação de BRT
Construção de uma via
Implantação de Sistema Integrado de Monitoramento
Fortaleza
Implantação de três BRTs
Implantação de um VLT
Construção de duas estações do Metrô
Construção de uma via expressa
Manaus
Construção de Monotrilho
Implantação de BRT
Natal
Implantação de corredor estruturante
Reestruturação de avenida
Implantação de acesso ao novo aeroporto
Implantação de um via
Porto Alegre
Implantação de três BRTs
Implantação de quatro corredores de ônibus
Complexo da Rodoviária
Prolongamento de Via
Recife
Implantação de dois BRT
Construção de Terminal de Ônibus integrado ao metro
Implantação de dois corredores de ônibus
São Paulo
Construção do Monotrilho
Rio de Janeiro
Implantação de BRT
Salvador
––
Fonte: adaptado do Ministério do Esporte (abril de 2012).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
575
Regina Meyer Branski et al.
estádios terão problemas de sustentabilidade
Avaliação da natureza
dos legados
após o término do evento. Cidades como Brasília, Cuiabá, Natal, Fortaleza e Salvador não
tem potencial esportivo para manter estrutu-
Os gastos da África do Sul com estádios supe-
ras de grande porte, exigindo, portanto, ações
raram os da Alemanha, e os investimentos pre-
que garantam a manutenção desses empreen-
vistos para o Brasil são ainda maiores do que
dimentos no longo prazo.
dos outros dois países.
A questão da ociosidade dos estádios fi-
O Quadro 13 apresenta o número de
ca ainda mais crítica quando observamos que
estádios construídos e reformados, os valores
os recursos investidos na África e no Brasil
investidos pelos países e a origem dos recursos.
são predominantemente públicos. Esses recur-
Além dos recursos necessários para a
sos poderiam atender necessidades básicas
construção, essas instalações precisam abri-
das populações como saneamento, transporte
gar eventos periódicos e com bom apelo de
público, educação, etc., mas estão sendo dire-
público para se sustentarem ao longo do tem-
cionados para obras que não são prioritárias.
po. Mas, muitas vezes, estão em locais onde a
Além disso, muitas vezes essas infraestruturas,
demanda é insuficiente, permanecendo ocio-
bancadas com recursos públicos, passam para
sas, com seus custos elevados de manuten-
a iniciativa privada após o evento. É o caso de
ção a cargo de seus proprietários, geralmente
diversos estádios construídos no Japão para a
gestores públicos. Enquanto na Alemanha,
Copa de 1992, da Arena Olímpica dos jogos
os estádios têm um grande fluxo de especta-
Pan-americanos de 2007, administrada atual-
dores e apenas um está ocioso, na África do
mente pelo HSBC, e do Estádio do Maracanã
Sul a maior parte está subutilizada, geran-
cujo edital recém-lançado pelo governo do Rio
do prejuízos financeiros. O Brasil, a despeito
de Janeiro prevê, em 35 anos de concessão, a
da popularidade do futebol no país, parece
recuperação de apenas 15% do valor investido
que terá o mesmo destino da África: vários
(Globo Esporte, 2013).
Quadro 13 – Comparação dos estádios
Estádios
Alemanha
África do Sul
Brasil
Construídos ou reconstruídos
1
5
7
Reformados
11
5
5
Total
Investimentos **
Origem
Principal utilização pós-copa
12
10
12
US$ 1850 milhões
US$ 2300 milhões
US$ 3995 milhões*
Maior parte recursos privado
Maior parte recursos públicos
Maior parte recursos públicos
Eventos esportivos
Eventos esportivos
Eventos esportivos
* valor estimado.
** US$ valor médio de 2010.
576
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil
Quanto aos sistemas de transporte, a
construção de um novo aeroporto em Durban,
África do Sul foi o país que realizou os maiores
foram necessárias adaptações e modernização
investimentos, seguido do Brasil e, por último, a
em outros. No Brasil, dada a extensão territo-
Alemanha. O quadro 14 mostra os investimen-
rial do país e a distância entre as cidades-sede,
tos nos três países.
o transporte aéreo será bastante utilizado
Alemanha e África do Sul efetuaram in-
e estão previstas reformas e ampliação dos
vestimentos significativos no modal rodoviário.
aeroportos para receber o evento. Finalmente,
No Brasil, a despeito da má conservação de
o Brasil foi o país que mais investiu em mobi-
grande parte das rodovias, não foram previs-
lidade urbana: cerca de 60% do volume total
tos investimentos nessa área. No modal aéreo,
dos recursos do sistema de transporte foi des-
na Alemanha, os aeroportos foram adequa-
tinado a melhorias nessa área, valor três vezes
dos para receber o evento, passando apenas
superior ao da África do Sul e quatro vezes ao
por pequenas reformas. Já na África, além da
da Alemanha.
Quadro 14 – Comparação dos sistemas de transporte
Transporte
Alemanha
Objetivos
Ampliar e modernizar
o sistema existente
Rodoviário
África do Sul
Brasil
Ampliar e modernizar o
Ampliar e modernizar o
sistema existente e construir sistema existente e construir
novas infraestruturas
novas infraestruturas
US$ 5720
US$ 9100
–
Aéreo
–
US$ 2400
US$ 4179
Ferroviário
–
US$ 2000
–
Porto
–
–
US$ 514
US$ 1560
US$ 2060
US$ 6824
US$ 7,3 milhões
US$ 15 bilhões
US$ 11 bilhões
Mobilidade urbana
Investimentos*
* US$ médio de 2010
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
577
Regina Meyer Branski et al.
A despeito do elevado valor investido no
importante centro econômico do país, a popu-
sistema de transporte pelo país africano, não
lação carente está dispersa nas regiões perifé-
há indicações de que o legado deixado pela
ricas da cidade e, portanto, é altamente depen-
Copa tenha sido positivo. Além de enfrentar
dente do ineficiente transporte público e vítima
atrasos nas obras e custos significativamente
dos graves problemas de congestionamento
superiores aos previstos inicialmente, um dos
enfrentados cotidianamente pela cidade. Belo
principais problemas de mobilidade urbana
Horizonte e Brasília também enfrentam con-
enfrentados pelo país – cidades congestiona-
gestionamentos em função da saturação das
das, dominadas por carros e vans que trans-
vias públicas. Em Natal, Recife, Fortaleza e
portam principalmente negros sem conforto
Manaus, as vias estão em péssimo estado de
ou regularidade – não foi amenizado. Embora
conservação e há problemas decorrentes da má
os BRTs pudessem contribuir para a racionali-
gestão na regulamentação e operação do ser-
zação do uso do espaço urbano, a população
viço de transporte. Mesmo Porto Alegre e Curi-
resiste em trocar as tradicionais vans pelos
tiba, cidades urbanisticamente diferenciadas,
ônibus. Segundo o professor Wallers, do De-
enfrentam problemas causados pelo grande
partamento de Transporte da Universidade de
número de veículos particulares em circulação.
Johannesburgo, a questão é bastante comple-
Diante desses desafios e observando os
xa e envolve aspectos culturais e políticos (Ga-
projetos de mobilidade urbana propostos, é
zeta do Povo, 2012).
possível afirmar que para a maioria das cida-
A questão da mobilidade urbana é tam-
des brasileiras os legados de transporte não
bém um problema grave na maioria das cida-
resolverão os principais problemas enfrentados
des brasileiras de médio e grande porte. Além
pelas populações. Em São Paulo, por exemplo,
da má conservação de grande parte das rodo-
está em construção um monotrilho ligando o
vias e dos problemas de saturação nos aero-
aeroporto de Congonhas ao Morumbi. Nessa
portos, muitas cidades brasileiras sofrem com
região, estão concentrados diversos hotéis e
infraestruturas deficientes e transporte público
uma população com elevado poder aquisitivo
de má qualidade, sobretudo porque, durante
que não utiliza o transporte público. Certamen-
décadas, as políticas públicas vêm privilegian-
te, esses recursos poderiam ser melhor empre-
do o uso do automóvel. Assim, investimentos
gados se direcionados para regiões mais popu-
nessa área são necessários e bem vindos.
losas e carentes.
Pesquisa realizada, pelo Centro de Logística Urbana do Brasil (Club, 2012), nas principais cidades brasileiras revelou que os proble-
Conclusão
mas mais frequentes são transporte público de
má qualidade, ruas mal conservadas e conges-
O objetivo do trabalho era avaliar se as infraes-
tionamentos. A região norte do Rio de Janeiro,
truturas – estádios e sistemas de transporte –
por exemplo, onde o transporte público é mais
construídas para as copas da Alemanha, África
demandado, é mal atendida e enfrenta escas-
do Sul e Brasil constituem um legado positivo
sez na oferta do serviço. Em São Paulo, o mais
para os países-sede.
578
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil
As exigências da Fifa com relação às
melhor qualidade de vida das populações. Nem
instalações esportivas são grandes. A começar
sempre exigência da Fifa, tidas como funda-
pelo número de estádios que o país deve ter
mentais para a realização do evento, refletem
para sediar o evento (em torno de 12), suas
as reais necessidades das populações locais.
capacidades, além de uma série de outros re-
Assim, o argumento da Fifa de que a
quisitos técnicos como tecnologias de última
Copa do Mundo pode melhorar a qualidade
geração para transmissão das partidas. Essas
de vida das populações não se sustentam. Pe-
exigências obrigam os países a realizar amplas
lo contrário, as evidências indicam que muitas
reformas ou a construir novos estádios. No ca-
cidades-sede enfrentam dificuldades com os
so do Brasil, muitas das instalações já existiam
altos custos de construção e de manutenção
há décadas e não atendiam aos requisitos da
dos estádios e com a implantação de projetos
Fifa, sendo mais vantajosa a construção de
de transporte que não resolvem os principais
novos estádios do que a execução das adapta-
problemas das cidades. É importante que os
ções exigidas.
países-sede questionem as exigências da Fifa e
Com relação aos sistemas de transporte,
se posicionem, defendendo seus próprios inte-
os investimentos requeridos pela Fifa para as
resses. Essa questão é ainda mais crítica para
cidades-sede privilegiam o deslocamento dos
os países em desenvolvimento, que enfrentam,
torcedores e, assim, visam à modernização ou
por um lado, infraestruturas mais precárias que
construção de infraestruturas que facilitem os
requerem um volume maior de investimento
fluxos entre aeroportos, estádios e hotéis e en-
para a realização da Copa e, por outro, limita-
tre as cidades-sede. A questão central é se es-
ção de recursos e grandes demandas sociais
ses investimentos contribuem, de fato, para a
que muitas vezes não são atendidas pelos in-
solução dos principais problemas e para uma
vestimentos realizados.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
579
Regina Meyer Branski et al.
Regina Meyer Branski
Mestre em Economia, doutora em Engenharia de Produção. Pesquisadora do Laboratório de Aprendizagem em Logística e Transporte da Faculdade de Engenharia Civil da Univesidade Estadual de
Campinas. Campinas/SP, Brasil.
[email protected]
Elisa Eroles Freire Nunes
Engenheira civil, estagiária no Laboratório de Aprendizagem em Logística e Transporte da Faculdade
de Engenharia Civil da Univesidade Estadual de Campinas. Campinas/SP, Brasil.
[email protected]
Sérgio Adriano Loureiro
Mestre em Engenharia civil. Pesquisador do Laboratório de Aprendizagem em Logística e Transporte
da Faculdade de Engenharia Civil da Univesidade Estadual de Campinas. Campinas/SP, Brasil.
[email protected]
Orlando Fontes Lima Jr
Engenheiro naval, mestre e doutor em Engenharia de Transporte. Coordenador do Laboratório de
Aprendizagem em Logística e Transporte da Faculdade de Engenharia Civil da Univesidade Estadual
de Campinas. Campinas/SP, Brasil
[email protected]
Referências
ALM, J. (2012). World Stadium Index: built for major spor ng events-bright future o future burden?
Danish Ins tute for Sports Studies. Disponível em: h p://www.playthegame.org/theme-pages/
world- stadium-index.html. Acesso em: 5/2/2013.
BAADE R. e MATHESON, V. (2004). The quest for the cup assessing the economic impacto of the World
Cup. Taylor and Francis Journals, 38(4), pp. 343-354.
BANCO MUNDIAL (2010). Base de Dados do Banco Mundial. Disponível em: databank.worldbank.org.
Acesso em: 7/6/2012.
BBC NEWS Disponível em: <h p://news.bbc.co.uk/2/hi/8140433.stm>. Acesso em: 2/10/2012.
CENTRO DE LOGÍSTICA URBANA DO BRASIL – CLUB. Disponível em: h p://www.clubbrasil.org.
Acesso em: 1/4/2012.
CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL. Média de u lização dos estádios. Disponível em: h p://
www.cbf.com.br. Acesso em: 1/4/2013.
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRANSPORTES (2013). Relatório Pesquisa CNT de Rodovias. Disponível
em: h p://pesquisarodovias.cnt.org.br/Paginas/index.aspx. Acesso em: 2/4/2013.
CONTI SOCCER WORLD: THE FOOTBALL PORTAL OF CONTINENTAL AG. Disponível em: h p://sss.con online.com. Acesso em: 2/10/2012.
580
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil
CORNELISSEN, S. e SWART, K. (2006). The 2010 Football World Cup as a poli cal construct: the challenge
of making good on an African promise. The Sociological Review, 54, pp. 108–123.
COTTLE E. (2011). South Africa´s World Cup: a legacy for whom? University of KawaZulu, Natal Press.
DACOSTA, L. (2007). Beijing 2008 e a Busca de um Modelo de Avaliação e de Gestão de Legados de
Megaeventos Espor vos (Modelo 3D). III Fórum Olímpico – São Paulo/USP, set.
DEUTSCHLAND CIDADES E ESTÁDIOS (2006). Disponível em: wm2006.deutschand.de/PT. Acesso em:
10/6/2012.
ESSEX, S. e CHALKLEY, B. (2004). Mega-spor ng Events in Urban and Regional Policy: A History of the
Winter Olympics. Planning Perspec ves, 19 (2), pp. 201-232.
FEDERAL MINISTRY OF THE INTERIOR (2006). 7th Progress Report of the Federal Government in
prepara on for the 2006 FIFA World Cup. Disponível em: m2006.deutschland.de/EN. Acesso em:
10/5/2012.
FÉDÉRATION INTERNATIONALE DE FOOTBALL ASSOCIATION (FIFA) (2011). Football stadiums
technical recommenda ons and requirements. Disponível em: www.fifa.com/mm/document/
footballdevelopment. Acesso em: 10/6/2012.
______ (2012). Quality Concept for Football Turf – Handbook of Requirements.
GAZETA DO POVO. Disponível em: h p://www.gazetadopovo.com.br/copa2014/pos2010. Acesso em:
3/12/2012.
GLOBO ESPORTE. Edital do Maracanã prevê inves mento de R$ 594 milhões. Disponível em: <h p://
globoesporte.globo.com/futebol/copa-do-mundo/no cia/2013/02>. Acesso em: 1/4/2013.
GOLIGER, A. M. (2005). South African sports stadia – from the perspec ve of the 2010 FIFA
World Cup 82. Bautechnik. Berlim, v. 82, n .3, pp. 174-178.
HIGHAM J. (1999). Sport as an avenue of tourism development: an Analisys of posi ve and nega ve
impacts of sports tourism. Current issues in Tourism, v. 2, n. 1, pp. 82-90.
IG ECONOMIA E MERCADO. Dois anos após a Copa a África do Sul vive encruzilhada polí ca e econômica.
Disponível em: <h p://economia.ig.com.br/mercados/2012-08-27>. Acesso em: 2/10/2012.
KASSENS, E. (2009). Transporta on Planning for Mega Events: Model of Urban Change. Tese de
doutorado. Massachuse s Ins tute of Technology, Dept. of Urban Studies and Planning.
LEE, C. E TAYLOR, T. (2005). Cri cal reflec ons on the economic impact assessment of a mega-event:
the case of 2002 FIFA World Cup. Tourism Management, v. 26, n. 4, pp. 595-603.
LINHA AUXILIAR. Disponível em: h p://lauxiliar.blogspot.com.br/2012_04_01_archive.html. Acesso
em: 2/10/2012.
MAENNIG, W. e DU PLESSIS, S. (2007). World Cup 2010: South African Economic Perspec ves and
Policy Challenges Informed by the Experience of Germany 2006. Contemporary Economic Policy,
v. 25, n. 4, pp. 578-590.
MAPPERY. Disponível em: h p://mappery.com/2010-Soccer-World-Cup-Stadiums-Loca on-in-SouthAfrica-Map. Acesso em: 3/10/2012.
MAPS OF GERMANY. Disponível em: h p://www.maps-of-germany.co-uk/road-map-of-Germany.
htm. Acesso em: 2/10/2012.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
581
Regina Meyer Branski et al.
MAPS OF WORLD. Disponível em: h p://www.mapsofworld.com/south-africa/rail-map.html. Acesso
em: 2/10/2012.
MATHESON, V. (2009). Economic Mul pliers and Mega-Event Analysis. Interna onal Journal of Sport
Finance, v. 4, n. 1, pp. 63-70.
MATHESON, V. A. e BAADE, R. A. (2004). Mega-spor ng events in developing na ons: playing the way
to prosperity. The South African Journal of Economics, v. 72, p. 5.
MIHALIK, B. e CUMMINGS, P. (1995). Host perception’s of the 1996 Atlanta Olympics: support,
a endance.
MIHALIK, B. e SIMONETTE, L. (1998). Resident Percep ons’ of the 1996 Summer Olympic Games—
Year II.
MINISTÉRIO DO ESPORTE. Disponível em: www.esporte.gov.br. Acesso em: 14/4/2012.
PILLAY, U. e BASS, O. (2008). Mega-events as a Response to Poverty Reduc on: the 2010 FIFA World
Cup and its Urban Development Implica ons. Urban Forum, v. 19, n. 3, pp. 329-346.
PORTAL BRASIL. Disponível em: http://www.portalbrasil.net/brasil_transportes.htm. Acesso em:
2/10/2012.
RENTWITHJD. Disponível em: h p://rentwithjd.com/extrordinary-germany-train-get-efficient-wayhere. Acesso em: 2/10/2012.
RITCHIE, J. R. B. e LYONS, M. (1990). Olympulse VI: A post-event assessment of resident reac on to
the XVth Olympic Winter Games. Journal of Travel Research, v. 28, n. 3, pp. 14-23.
SINDICATO DA ARQUITETURA E DA ENGENHARIA (SINAENCO) (2010). Arena e Mobilidade Urbana.
Organização dos dados e avaliações. Disponível em: www.sinaenco.com.br/copa_2014. Acesso
em: 25/7/2012.
VILLANO, B. e TERRA, R. (2007). Proposta Metodológica para Análise de Legados das Instalações do
PAN 2007. 8º FÓRUM OLÍMPICO DA ACADEMIA OLÍMPICA BRASILEIRA. Anais. Rio de Janeiro.
WIKIPEDIA. Disponível em: h p://pt.wikipedia.org/wiki/Copa_do_Mundo_FIFA_de_2014. Acesso
em: 3/10/2012.
YIN, R. K. (2003). Case Study Research: design and methods. Sage, London.
Texto recebido em 10/mar/2013
Texto aprovado em 30/abr/2013
582
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013
Operação Urbana Consorciada da Linha
Verde: limites e oportunidades à luz da
gestão social da valorização da terra*
Linha Verde Urban Operation: limits and opportunities
in light of the social management of land value appreciation
Paulo Nascimento Neto
Tomás Antonio Moreira
Resumo
Observa-se atualmente o revigoramento dos debates sobre o Estatuto da Cidade, questionando sua
efetividade, a baixa participação popular e sua utilização para legitimação de políticas engendradas
por interesses particulares. Nesse contexto, este
artigo investiga as Operações Urbanas Consorciadas (OU) enquanto mecanismo de recuperação de
mais-valias fundiárias. Partindo de um estudo sobre a OU Faria Lima (São Paulo-SP), discute-se de
forma prospectiva a OU Linha Verde (Curitiba-PR),
em fase inicial de implantação. As análises possibilitam efetuar constatações ao mesmo tempo
complementares e contraditórias. Deve-se reconhecer seu potencial na alavancagem da transformação urbana, repartindo os custos da ação pública.
Entretanto, evidencia-se sua limitação na gestão
social da valorização da terra, carecendo de mecanismos que assegurem o direcionamento adequado
dos recursos.
Abstract
Discussions about the City Statute have been
resumed, and the questions focus on its
effectiveness, poor public participation and its use
to legitimize policies guided by private interests.
This paper investigates Urban Operations (UO) as
a mechanism to recover land surplus value. Based
on a study about the Faria Lima UO (city of São
Paulo, Southeastern Brazil), the paper discusses the
Linha Verde UO (city of Curitiba, Southern Brazil),
which is at the initial stage of implementation.
The analysis enables to draw conclusions that are
both complementary and contradictory. On the
one hand, it is necessary to recognize its potential
as an important instrument to leverage urban
transformation, dividing the costs of public action
with stakeholders. However, it is possible to notice
its low efficiency in the social management of land
value appreciation, as it lacks mechanisms to ensure
the appropriate distribution of public resources.
Palavras-chave: operação urbana; mais-valia fundiária; valorização fundiária; Estatuto da Cidade;
gestão social da valorização da terra.
Keywords: urban operation; land surplus value;
land value appreciation; City Statute; social
management of land value appreciation.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
Paulo Nascimento Neto, Tomás Antonio Moreira
Introdução
A produção do espaço urbano tem sido objeto
de numerosos estudos. Como pano de fundo
identifica-se a utilização da cidade enquanto
instrumento de acumulação de capital, onde o
princípio econômico da busca pelo lucro transforma o solo urbano em valor de troca, os componentes da cidade se convertem em mercadorias – banalmente comercializadas segundo a
lei da oferta e da procura – e os proprietários
fundiários se apropriam de valores criados pela
coletividade por meio da urbanização (Pereira,
2001; Rolnik, Nakano e Cymbalista, 2008).
A tomada de determinadas ações e decisões urbanísticas por parte do poder público – implantação de infraestruturas e equipamentos públicos, mudanças na legislação urbanística e classificação do solo – alavancam
a valorização do solo. Destarte, uma ação
pública, cujos custos são repartidos por toda
a sociedade, resulta em benefícios para poucos proprietários privados. Nesse contexto, os
instrumentos de gestão social da valorização
da terra adquirem papel fundamental, permitindo ao poder público recuperar mais-valias
urbanas, redistribuindo para toda a coletividade a valorização fundiária decorrentes de suas
ações (Smolka e Amborski, 2000; Furtado,
2004; Santoro e Cymbalista, 2004).
Avanços significativos nesse campo foram alcançados a partir de 2001, com a aprovação da Lei nº 10.257/2001, conhecida por
Estatuto da Cidade, que estabelece "normas
de ordem pública e interesse social que regu-
lam o uso da propriedade urbana em prol do
bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos
584
cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental"
(art. 1º, grifos do autor). Para Piza, Santoro e
Cymbalista (2004), a partir do Estatuto da Cidade, consolida-se o entendimento do dever
de o Estado promover a justa distribuição dos
ônus e benefícios da urbanização entre toda
a sociedade, recuperando a valorização resultante de obras públicas de forma a efetivar a
função social da propriedade.
Dentre os diversos instrumentos previstos na Lei 10.257/2001, este trabalho concentra sua discussão sobre a Operação Urbana
Consorciada, "um dos instrumentos mais polêmicos do Estatuto da Cidade", nas palavras de
Santoro e Cymbalista (2008). Conforme conceituam os autores, a Operação Urbana Consorciada (OU) pode ser compreendida como um
instrumento de redesenho de determinada parcela do território urbano a partir da alteração
de índices urbanísticos e características de uso
e ocupação do solo, combinando investimentos
públicos e privados (obtidos por meio da outorga onerosa do direito de construir) visando
à implementação de um plano urbanístico. Os
valores resultantes das contrapartidas são direcionados para uma conta exclusiva de cada
operação urbana, a ser utilizado somente para
a consecução das intervenções definidas por lei
dentro de seu perímetro.
Considera-se Operação Urbana Consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários e investidores
privados, com o objetivo de alcançar em
uma área transformações urbanísticas
estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental. (Brasil, 2001, art. 32, § 1º)
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
Operação urbana consorciada da Linha Verde
Tendo em vista que os instrumentos da
enfrentados devido à fragilidade da operacio-
política urbana devem seguir todas as diretri-
nalização na época, conduzindo a uma série
1
zes delineadas no Estatuto da Cidade (San-
de questionamentos pelos órgãos de fiscaliza-
toro e Cymbalista, 2004), e, portanto, possi-
ção e controle (Sepe e Pereira, 2011).
bilitar a gestão social da valorização da terra,
Com a entrada em vigor do Estatuto
interessa-nos, neste artigo, investigar o alcan-
da Cidade, em 2001, um conjunto de regras
ce da Operação Urbana Consorciada enquanto
gerais foi estabelecido para as Operações Ur-
mecanismo de recuperação de mais-valias fun-
banas Consorciadas, garantindo segurança
diárias urbanas.
jurídica para sua aplicação pelos governos
A recuperação da mais valia [das operações urbanas] advém da aplicação dos
instrumentos legais, dos recursos advindos da valorização imobiliária e fundiária
resultante da ação do Poder Público e de
sua aplicação em obras de infraestrutura urbana, sistema viário necessário ao
transporte coletivo, recuperação ambiental e habitação de interesse social,
entre outros. (Alvim, Abascal e Moraes,
2011, p. 219)
Os proprietários que se beneficiarem com
a utilização maior do potencial construtivo e, pois, da infraestrutura urbana deverão devolver parte da riqueza gerada
à coletividade. (Santoro e Cymbalista,
2008, p. 88)
As operações, segundo seus defensores
[...] Permitem que os beneficiários de
uma obra paguem seus custos, liberando
os recursos públicos para aplicação em
investimentos prioritários; Possibilitam a
recuperação da chamada “mais-valia urbana”, capturando parte da valorização
decorrente de um investimento público
para que esta não seja apropriada unicamente pelos proprietários e promotores
imobiliários. (Fix, 2004, p. 186)
municipais. A referida lei previu a figura dos
Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs): 2 títulos imobiliários a serem
emitidos pelo município, funcionando como
mecanismo de venda (alienados em leilão ou
utilizados diretamente em obras necessárias à
própria operação) de contrapartida relativa à
outorga onerosa do direito de construir.
Conforme expõe Maricato e Ferreira
(2002), a partir dos Cepacs, o poder público
define um estoque de potencial construtivo
adicional para a operação urbana, lançando
títulos equivalentes no mercado financeiro, de
forma a arrecadar antecipadamente os valores referentes à outorga onerosa do direto de
construir. Para Alvim, Abascal e Moraes (2011,
p. 220), "trata-se de um avanço da política
urbana, ao instituir um valor imobiliário capaz
de agilizar os investimentos no perímetro das
operações urbanas".
Em âmbito nacional, verificam-se até o
momento apenas duas experiências de Operações Urbanas Consorciadas com emissão
de Cepacs implementadas (ambas em São
Paulo – OU Faria Lima e OU Água Espraiada)
e outra em fase de implementação (OU Porto
No Brasil, sua aplicação remonta ao
Maravilha – Rio de Janeiro). Face ao reduzido
início da década de 1990, pioneiramente ado-
número de casos existentes no Brasil, pode-
tado pelo município de São Paulo. Porém, di-
-se afirmar que a adoção desse mecanismo
versos problemas de implementação foram
de engenharia financeira ainda constitui um
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
585
Paulo Nascimento Neto, Tomás Antonio Moreira
aprendizado em curso no país, cujos descompassos e contradições devem ser compreendi-
Metodologia de pesquisa
dos a fim de mitigá-los quando da constituição
de novas operações urbanas.
Nesse contexto, destaca-se a aprovação
Buscando atingir os objetivos propostos, adotou-se a pesquisa bibliográfica e documental
da Operação Urbana Linha Verde em Curitiba
como método de pesquisa, organizada segun-
(Lei n. 13.909/2011 / Decreto n. 133/2012), a
do um conjunto de processos empregados na
quarta no país com emissão de Cepacs. Carac-
investigação, vinculados a procedimentos in-
terizada como a maior operação urbana brasi-
telectuais e técnicos realizados segundo pla-
leira (com oferta de 4.475.000 metros quadra-
nejamento cuidadoso e embasados a partir de
dos de área adicional de construção), sua im-
reflexões conceituais sólidas (Silva e Menezes,
plementação ainda é muito recente, sendo seu
2001; Gil, 2002). Dentro desse contexto, es-
decreto regulamentador sancionado apenas
ta pesquisa se estrutura a partir de três fases
em 26 de janeiro de 2012.
complementares, a saber:
Tendo em vista o exposto, busca-se
Fase 1 – Esta primeira fase, de caráter ex-
neste artigo debater de modo prospectivo os
ploratório, buscou o aprofundamento teórico-
limites e potencialidades da Operação Urba-
-conceitual com a temática, da qual resultou
na (OU) Linha Verde frente às experiências
um estudo bibliométrico inicial, identificando as
implementadas no cenário brasileiro, com
principais publicações ligadas à temática. Com-
vistas a contribuir para o aprofundamento da
plementarmente, foram inventariados estudos
discussão das operações urbanas consorcia-
e relatórios técnicos sobre as experiências bra-
das enquanto instrumento de gestão social da
sileiras de implementação de Operações Urba-
valorização da terra. Para tanto, impuseram-se
nas Consorciadas com emissão de Certificados
as seguintes questões-problema: quais são os
de Potencial Adicional de Construção (Cepacs),
principais elementos estruturantes da OU Li-
de forma a compreender o panorama nacional
nha Verde? Esses elementos dificultam ou fo-
de implementação do referido instrumento. Pa-
mentam a recuperação de mais-valias fundiá-
ra sua elaboração utilizou-se como técnica de
rias urbanas?
pesquisa a Análise Bibliográfica e Documental,
Este artigo está organizado dentro de
três grandes seções: inicialmente se discutem
apresentando como resultados o item Universo
e Amostra de Pesquisa.
questões de ordem metodológica; na sequên-
Fase 2 – Esta fase, de caráter descritivo,
cia se procede à análise da Operação Urbana
relaciona-se à contextualização da Operação
Faria Lima, em São Paulo (SP) e da Operação
Urbana Faria Lima, tendo por objetivo com-
Urbana Linha Verde, em Curitiba (PR), e, por
preender seu processo de formulação, sua for-
fim, discutem-se as potencialidades e deficiên-
ma de implementação, bem com os principais
cias da OU Linha Verde ante a gestão social da
desdobramentos sobre o ambiente construído.
valorização da terra.
Segundo Gil ( 20 02) , essa fase procura
586
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
Operação urbana consorciada da Linha Verde
descrever as características de determinado
anteriormente, a OU Linha Verde será objeto de
fenômeno, estabelecendo ainda relações entre
discussão prospectiva deste trabalho.
variáveis identificadas. Adotou-se a Análise Bi-
Buscou-se então elencar uma experiên-
bliográfica e Documental como técnica de pes-
cia efetivada no cenário nacional, de forma
quisa, apresentada no item Operação Urbana
a estabelecer paralelos comparativos enri-
Faria Lima – São Paulo (SP).
quecedores da discussão. Nesse contexto,
Fase 3 – A fase analítica procede as fa-
optou-se por desconsiderar a experiência
ses exploratória e descritiva, visto que, con-
carioca – OU Porto Maravilha 4 (Lei municipal
forme afirma Gil (2002), a análise dos fatores
nº 101/2009) – tendo em vista seu precoce
que determinam um fenômeno demanda sua
processo de implementação.
prévia identificação e descrição detalhada.
Já em São Paulo, observa-se uma traje-
Nesse sentido, a Fase 3 busca discutir os li-
tória histórica de aplicação da Operação Urba-
mites e potencialidades da implementação da
na Consorciada, cuja previsão legal remonta
Operação Urbana Linha Verde, tendo por base
ao Plano Diretor de 1985 e a implementação
as discussões teórico-conceituais bem como os
ao final da década de 1990. Atualmente en-
impactos da OU Faria Lima, investigadas na fa-
contram-se em vigor quatro operações urba-
3
se anterior. Apoiando-se no policy cicle (ciclo
nas – Faria Lima, Água Espraiada, Água Bran-
político) descrito por Frey (2000) e discutido
ca e Centro – uma vez que nas duas primeiras
por Trevisan e Van Bellen (2008), este artigo
há emissão de Cepacs5 (Alvim, Abascal e Mo-
concentra-se na análise da primeira fase do
raes, 2011; Sepe e Pereira, 2011).
ciclo político (formulação), abordando ainda
Entre essas duas Operações Urbanas,
de forma prospectiva e menos profunda a se-
definiu-se o estudo de caso na OU Faria Lima,
gunda fase (implementação). Seus resultados
selecionada de forma não-probabilística e in-
são apresentados no item A Operação Urbana
tencional, considerando primordialmente dois
Linha Verde – Curitiba (PR).
aspectos: (1) o maior volume de recursos de
contrapartidas financeiras envolvido e (2) o fato
da emissão de Cepacs ter ocorrido em uma se-
Universo e Amostra de Pesquisa
gunda fase de implementação da referida Operação Urbana (pós Estatuto da Cidade), o que
A partir da etapa exploratória, identificou-
permite verificar eventuais modificações engen-
-se a existência de quatro operações urbanas
dradas pela alteração na forma de comercializa-
consorciadas com emissão de Cepacs (im-
ção do potencial construtivo adicional.
plementadas ou em fase de implementação)
Adotar um método não probabilístico
no Brasil, as quais constituem o universo de
envolve o desenvolvimento de uma aborda-
pesquisa deste trabalho: OU Faria Lima (São
gem qualitativa, entendida segundo Silva e
Paulo-SP), OU Água Espraiada (São Paulo-SP),
Menezes (2001) como aquela que reconhe-
OU Porto Maravilha (Rio de Janeiro-RJ) e OU
ce um vínculo indissociável entre os dados
Linha Verde (Curitiba-PR). Conforme já exposto
objetivos e a subjetividade que permeia os
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
587
Paulo Nascimento Neto, Tomás Antonio Moreira
fenômenos estudados. Considerando que o
objetivo principal desta análise é compreender
os resultados da implementação da Operação
Urbana consorciada no contexto nacional, a
escolha pela abordagem qualitativa dentro de
uma amostra não probabilística e intencional é
considerada adequada.
tránsito), en cuyos terrenos el precio del
metro cuadrado se situaba entre los más
elevados de São Paulo.
Sua implementação pode ser dividida
em duas fases: uma primeira, anterior ao
Estatuto da Cidade, e uma segunda, onde
foram efetua das revisões na OU de forma
a adaptá-la ao novo marco legal nacional.
Na primeira fase, o perímetro da operação
Operação Urbana Faria
Lima – São Paulo (SP):
uma análise sintética
urbana foi dividido em Área Diretamente Beneficiada (ADB), referente ao trecho diretamente beneficiado pela prolongação da Av.
Faria Lima, e Área Indiretamente Beneficiada
(AIB). A aquisição de direitos urbanísticos
A primeira iniciativa para criação da Operação
adicionais 6 ocorria com a apresentação de
Urbana (OU) Faria Lima data de 1991, quan-
projetos de empreendimento pelos proprietá-
do da elaboração do Plano Diretor Estratégico
rios, a partir dos quais a PMSP calculava in-
municipal. Posteriormente, sob a gestão do
dividualmente a contrapartida a ser paga por
prefeito Paulo Maluf, em 1993, a OU foi en-
cada edificação.
caminhada à Câmara Municipal sob forma de
Segundo Alvim, Abascal e Moraes (2011),
projeto de lei, aprovado em 1995 (Sepe e Pe-
a captura das contrapartidas se provou um
reira, 2011).
processo excessivamente moroso, onde os em-
Instituída pela Lei n. 11.732/1995, a OU
preendimentos se instalavam muito antes da
Faria Lima tinha por escopo “a melhoria e a va-
implantação das infraestruturas necessárias.
lorização ambiental da área de influência defi-
Complementarmente, conforme expõe Sepe
nida em função da implantação do sistema viá-
e Pereira (2011), o modelo adotado de valo-
rio de interligação da Avenida Brigadeiro Faria
ração das contrapartidas apresentava grande
Lima e a Avenida Pedroso de Moraes” (art. 1º)
instabilidade jurídica,7 gerando uma série de
prevendo, conforme Montandon (2007), a exe-
questionamentos por parte dos órgãos de fis-
cução de melhorias no sistema viário, desapro-
calização e controle.
priações, produção de habitação de interesse
Nesse contexto, após a aprovação do Es-
social e aquisição de terrenos para equipamen-
tatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), a Prefeitu-
tos sociais. Com uma visão mais crítica, San-
ra de São Paulo optou por rever a OU Faria Li-
droni (2001, p. 63) assim sintetiza o objetivo da
ma em 2003, alterando a engenharia financeira
OU Faria Lima:
da outorga onerosa do direito de construir,
[...] se trataba de realizar la prolongación
de una avenida (sin ninguna prioridad
del punto de vista de la circulación y del
588
adotando a lógica do Cepac, em consonância
com o marco legal nacional então aprovado.
Destarte, a partir da Lei municipal 13.769/04
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
Operação urbana consorciada da Linha Verde
(alterada pela lei 13.871/2004), a PMSP iniciou
restantes (1.281.908,54m²), convertidos em
a emissão de Cepacs, realizando leilões na me-
650.000 Cepacs comercializados por um preço
dida em que se fazia necessário a venda de po-
mínimo unitário de R$1.100,00.
tencial construtivo, evitando a oferta excessiva
Segundo dados da SP-Urbanismo (2011),
de títulos bem como o adensamento descon-
até outubro de 2011, o poder público já havia
trolado da área de intervenção (Alvim, Abascal
comercializado, 635.059 Cepacs (97,7% do
e Moraes, 2011).
montante total), captando mais de 1,18 bi-
Conforme descrevem Sepe e Pereira
lhões de reais. Destes, 526.684 títulos já foram
(2011), foi criada uma tabela de conversão de
convertidos em empreendimentos e 110.875
Cepacs em metros quadrados adicionais, com
ainda encontram-se em circulação no mercado
valores distintos para atividades comerciais
financeiro (Tabela 1). Dentro desse panorama
e residenciais, reduzindo a subjetividade no
é necessário ressaltar a recente aprovação pe-
cálculo da contrapartida financeira. A partir
la Câmara Municipal de São Paulo, em 14 de
da nova lei criaram-se quatro setores (e 18
dezembro de 2011, da emissão adicional de
subsetores) em substituição às áreas direta e
500 mil Cepacs no âmbito da OU Faria Lima,
indiretamente beneficiadas, redistribuindo-
gerando uma receita estimada de dois bilhões
-se o estoque de metros quadrados adicionais
de reais.8
Tabela 1 – Resumo da distribuição de Cepacs
Distribuição – Autorização
CVM
Cepac
R$
1ª Distribuição – 26/10/2004
53.830
59.213.000
2ª Distribuição – 28/9/2007
313.460
413.662.359
3ª Distribuição – 20/1/2009
267.769
711.692.915
Total Distribuições
635.059
1.184.568.274
2.500
4.311.800
637.559
1.188.880.074
Colocação Privada – Programa
Total colocado
Utilizado
(526.684)
Em circulação
110.875
Cepac – Total
650.000
Cepac - Saldo
12.441
Fonte: SP-Urbanismo (2011).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
589
Paulo Nascimento Neto, Tomás Antonio Moreira
A partir da análise de estudos anteriores
já infraestruturada. Assim, a implementação
sobre a referida operação urbana (Sepe e Pe-
da operação urbana contribuiu para o forta-
reira, 2011; Sales, 2005; Montandon, 2007; Fix,
lecimento de um modelo de desenvolvimento
2001), evidencia-se uma distribuição desigual
urbano excludente, que concentra recursos e
dos benefícios decorrentes das intervenções
oportunidades em áreas restritas da cidade
urbanas, ratificando o clássico descompasso
e em favor de grupos seletos de beneficiários
entre a matriz teórica de planejamento urbano
(Fix, 2004; Sepe e Pereira, 2011; Sales, 2005;
e a práxis da gestão urbana, conforme extensi-
Montandon, 2007). Esse processo, não acom-
vamente discutido por Maricato (2000).
panhado de outros instrumentos de gestão
Segundo Montandon (2007), a região on-
social da valorização da terra, conduziu à ace-
de a OU Faria Lima se insere é foco de interven-
lerada valorização imobiliária9 de um setor no-
ções sobre o sistema viário há mais de 20 anos,
bre da cidade, inviabilizando a implantação de
justificadas pela saturação da infraestrutura
habitação de interesse social e a diversificação
existente. Com a instalação da operação ur-
de uso proposta pela OU (Sales, 2005; Montan-
bana, houve, na realidade, uma intensificação
don, 2007).
dos investimentos públicos, sendo os recursos
De fato, desde o início da implementa-
obtidos com as contrapartidas em sua grande
ção da OU Faria Lima, houve grande adesão
maioria absorvidos pelos custos de desapro-
do setor imobiliário. É interessante observar
priações e obras viárias. Sandroni (2001) corro-
que o consumo do estoque se concentrou,
bora com o exposto, afirmando que
entre 1995 e 2004, na Área Indiretamente
Beneficiada (AIB) – respondendo por 59,61%
En realidad la OU Faria Lima ocurrió
en una región de gran dinamismo
inmobiliario, que no necesitaba de
incentivos especiales para que los
agentes realizasen inversiones en el
área. Es cierto que la prolongación de
la avenida facilito y valorizó las áreas
adyacentes, especialmente porque
aumentó la accesibilidad. Pero, incluso
si estas inversiones en la extensión de la
avenida no hubiesen acontecido, la región
ya poseía dinamismo propio, corroborado
por las 113 propuestas aprobadas hasta
ahora. (Ibid., p. 67)
do potencial adicional de construção adquirido – demonstrando a incapacidade da operação urbana em alavancar o adensamento ao
longo dos novos trechos de prolongamento
da Avenida Faria Lima (ADB), onde foi ofertada a maior parcela de potencial adicional
(1.250.000 m² – 56% do total).
Inserido nessa dinâmica, observa-se uma
maior intensidade do interesse imobiliário no
bairro Vila Olímpia (AIB), zona tradicionalmente ocupada por habitações unifamiliares de
média densidade, onde não foram efetuados
investimentos diretos em melhoria, e hou-
Para Sandroni (2001), a OU Faria Lima,
ve significativa substituição das edificações
distante de se consolidar como um instrumen-
existentes por edifícios comerciais de eleva-
to de recuperação de mais valia, representou
do gabarito, alto padrão construtivo e pou-
um compromisso do poder público em investir
ca diversidade de usos (Sepe e Pereira, 2011;
elevado montante de recursos em uma área
Montandon, 2007).10
590
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
Operação urbana consorciada da Linha Verde
Essas novas centralidades, constituídas
por novas torres resultantes da aglutinação de lotes, expõem a contradição das
dinâmicas ocorridas nesta região da cidade: são os distritos que tiveram o maior
incremento de área construída e que mais
perderam população moradora em todo o
município. [...] Tal monta de recursos [investimentos públicos diretos] catalisou a
atividade imobiliária, mas não obteve êxito urbanístico equivalente, muito menos
social. (Montandon, 2007, p. 18)
segunda fase da Operação Urbana Faria Lima
ter apresentando avanços, ainda não conseguiu
romper com a lógica capitalista de produção
do espaço que combina adensamento construtivo descolado de adensamento populacional,
obras viárias com íntima relação a interesses
imobiliários e baixo investimento em habitação
de interesse social.
Sepe e Pereira (2011) contribuem com
a discussão, afirmando que, apenas em 2010
(portanto, após 15 anos do início da OU), ini-
Para Fix (2004), a OU Faria Lima obteve
ciou-se a construção de habitação de interes-
como principal resultado a gentrificação de um
se social, com vistas a atender parcialmente a
setor já elitizado da cidade, onde a partir de
população residente em ocupações irregulares
uma "fórmula mágica de parceria", legitima-se
afetadas pela operação. Dados apresentados
um ciclo de investimentos públicos para fins
pela Apeop (2011) confirmam o panorama
imobiliários, formalmente justificados pela ne-
delineado, evidenciando a baixa inversão de
cessidade de financiamento de infraestruturas.
recursos para habitação social (menos de 10%
Alinhando-se ao posicionamento de Mariana
dos recursos investidos pela operação urbana,
Fix, Montandon (2007) afirma que apesar da
somados os custos com desapropriação).
Tabela 2 - Resumo dos investimentos: OU Faria Lima
(valores até setembro de 2010)
Obras e serviços
Taxas de administração (Emurb)
Despesas bancárias, CPMF e outros
Desapropriação
Desapropriação – HIS
Habitação de Interesse Social
Transporte coletivo
Total
Valor – R$
%
652.119.770,05
59,5
68.436.688,13
6,2
2.570.865,17
0,2
145.687.904,88
13,3
6.985.039,89
0,6
99.942.652,28
9,1
120.500.000,00
11,0
1.096.242.920,40
100,0
Fonte: SP-Urbanismo (apud Apeop, 2011).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
591
Paulo Nascimento Neto, Tomás Antonio Moreira
A Operação Urbana Linha
Verde – Curitiba – PR
rodoviário com a malha viária urbana são
objetos de preocupação do município desde
o Plano Preliminar de Urbanismo de 1965,
quando a mancha urbana ainda nem havia
A rodovia federal BR-116 constitui o principal
ultra passado a então denominada BR-2 (Fi-
eixo rodoviário brasileiro, conectando longi-
gura 1b).
tudinalmente todo o país, com cerca de qua-
Com a construção do Contorno Leste,
tro mil quilômetros de extensão. Em Curitiba,
projetado com o objetivo de desviar o tráfego
ela corta o município no sentido Norte-Sul,
de carga do trecho urbano da rodovia, abriu-
repartindo a cidade em duas porções, o que
-se ao município a possibilidade de urbanizar
gerava dificuldades de transposição e um
um importante eixo de ligação municipal e
intenso conflito entre o tráfego urbano e de
metropolitano, passando por 23 bairros e es-
carga (Figura 1a). Segundo Souza (2001), os
truturando o crescimento da porção leste da
problemas gerados pelo cruzamento do eixo
cidade (Machuca, 2010).
Figura 1a – Eixo da BR 116 –
Malha urbana atual
Fonte: adaptado de IPPUC (2011).
592
Figura 1b – Eixo da BR 116 – PPU
Fonte: adaptado de Souza (2001)
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
Operação urbana consorciada da Linha Verde
Apesar das morosas negociações jun-
substituição das edificações atuais por empre-
to ao governo federal para concessão do
endimentos voltados ao uso residencial e de
trecho – que perduraram por mais de uma dé-
comércio e serviço local.
cada – o projeto, mesmo com algumas modi-
Com o objetivo de alavancar a transfor-
ficações, manteve seu princípio desde o início:
mação urbana nas áreas lindeiras ao eixo da
construir um eixo de integração intramunicipal
Linha Verde, a Prefeitura de Curitiba propôs a
e metropolitano, readequando o sistema viário,
implementação da Operação Urbana (OU) Li-
alterando o uso e ocupação do solo lindeiro
nha Verde.12 O projeto de lei, encaminhado a
(originalmente ocupado por barracões e comér-
Câmara em outubro de 2011, foi sancionado
cios e serviço gerais) e a tipologia de tráfego
pelo prefeito Luciano Ducci em dezembro de
(Moura, 2011; Hardt, Chu e Hardt, 2009).
2011, dando origem a Lei nº 13.909/2011, regulamentada pelo Decreto nº 133/2012, de 26
Há aproximadamente três décadas, o
crescimento demográfico [de Curitiba]
começou a acelerar-se, tornando necessárias diversas alterações em seu traçado urbano, sendo uma delas – e a mais
recente – a transformação do trecho
urbano da antiga BR-116 no Eixo Metropolitano, também conhecido como Linha
Verde. [...] [A Linha Verde] configura a
principal alteração da estrutura urbana,
desde a concepção [do planejamento
urbano de Curitiba], que data dos anos
1960. (Hardt, Chu e Hardt, 2009, p. 2)
de janeiro de 2012.
Formatada sobre a sistemática de emissão de Cepacs, a OU Linha Verde tem por objetivo captar recursos para complementação
das obras de sistema viário e transporte, requalificação urbanística, oferta de espaços de
uso público e regularização fundiária (Curitiba,
2011, art. 3), promovendo a ocupação ordenada da região, o atendimento à população em
situação de vulnerabilidade, a diversificação
de usos (em consonância com o previsto no
As obras de urbanização, voltadas à
zoneamento proposto), a melhoria do sistema
adequação do sistema viário e implantação
viário e a qualidade urbanística e ambiental da
do novo eixo de transporte coletivo, da então
área de intervenção (Curitiba, 2011, art. 4).
denominada Linha Verde (Figura 2a), inicia-
Para tanto, o perímetro da operação ur-
ram-se em 2007, consumindo R$160,9 milhões
bana foi dividido em três setores (Norte, Cen-
apenas no trecho sul (Figura 2b). As alterações
tral e Sul), por sua vez subdivididos em três
no zoneamento, efetuadas no ano 2008,11 po-
subsetores, a saber: (1) Polos (Zona: Polo-LV),
tencializaram a dinâmica imobiliária da área
onde se prevê ocupação de alta densidade,
lindeira, que observou variações no custo do
com verticalização e predominância de comér-
metro quadrado superiores a 70% em alguns
cio e serviços; (2) Área Diretamente Beneficia-
locais (Secovi apud Rios, 2009).
da (Zona: SE-LV), referente ao eixo de adensa-
Analisado os resultados preliminares
mento ao longo da Linha Verde, entre os polos,
destas ações, Machuca (2010), Hardt, Chu
onde se pretende ocupação de média e alta
e Hardt (2009) identificam uma tendência
densidade, com predomínio de uso residencial
(ainda que lenta) de transformação no uso
com verticalização; e (3) Área Indiretamente
e ocupação do solo da região, com gradual
Beneficiada (demais zonas), relacionando-se
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
593
Paulo Nascimento Neto, Tomás Antonio Moreira
Figura 2a – Linha Verde – extensão total
Fonte: IPPUC (2010).
Figura 2b – Custo do projeto por trechos
Fonte: adaptado de Cabral (2011)
594
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
Operação urbana consorciada da Linha Verde
as demais áreas contempladas pela OU, onde,
abrangência da intervenção; (2) finalidade da
em linhas gerais, prevê-se uma zona de ameni-
operação proposta; (3) programas básicos de
zação do impacto de uso e ocupação do solo,
ocupação da área e de intervenções previstas ;
com média densidade, verticalização limitada
(4) estudo prévio de impacto de vizinhança ;
e predominância de uso residencial.13
(5) programa de atendimento econômico e
A OU Linha Verde estabelece uma ofer-
social para a população diretamente afetada
ta total de 4.475.000 m² de área adicional de
pela operação ; (6) contrapartida a ser exigi-
construção (repartido de forma desigual entre
da dos proprietários, usuários permanentes e
os setores e usos pretendidos, conforme Tabela
investidores privados em função da utilização
3), a ser convertida em até 4.830.000 Cepacs,
dos benefícios previstos; (7) forma de controle
14
da operação, obrigatoriamente compartilhado
com valor mínimo de venda de R$200,00
(Curitiba, 2011, art. 13 e 14).
com representação da sociedade civil (Curiti-
Um ponto polêmico da Operação Urbana
ba, 2004, art. 7; grifos do autor).
Linha Verde se refere ao seu desenho institucio-
Nesse contexto, a Lei nº 13.909/2011,
nal de gestão. Sobre esse aspecto, permite-se
que aprovou a Operação Urbana Linha Verde,
efetuar questionamentos sobre dois elemen-
relegou a elaboração do Plano de Prioridade
tos, considerados fundamentais na discussão
de Intervenções (art. 19), do Plano e Projeto
da operação urbana enquanto instrumento de
urbanístico (art. 20) e do Estudo de Impacto
gestão social da valorização da terra.
Ambiental (EIA/Rima) a uma etapa posterior,
O primeiro se refere à elaboração do
contradizendo-se ao disposto na Lei Muni-
projeto urbanístico, do plano de prioridade de
cipal 11.266/04 (Plano Diretor Municipal de
obras e do Estudo de Impacto de Vizinhança da
Curitiba), que supostamente deveria regê-lo.
Operação Urbana. Conforme prevê o Plano Di-
Complementarmente, apesar do programa de
retor Municipal de Curitiba (Lei 11.266/2004),
atendimento econômico e social ser mencio-
em consonância com o disposto no Estatuto
nado enquanto um dos objetivos gerais da OU
da Cidade (Lei 10.257/2001), são elementos
Linha Verde, não são previstos mecanismos
mínimos da lei que aprovar operações urba-
para efetivá-lo nem mesmo definem-se quais
nas consorciadas: (1) definição da área de
os elementos mínimos que o compõem.
Tabela 3 – Área adicional de construção (ACA), segundo setores
Área adicional de construção (m2)
Setor
Total
Uso residencial
Uso não residencial
Norte
1.280.000
960.000
75%
320.000
25
Central
1.275.000
765.000
60%
510.000
40
Sul
1.920.000
1.535.000
80%
385.000
20
Total
4.475.000
3.260.000
73%
1.215.000
27
Fonte: Curitiba (2011).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
595
Paulo Nascimento Neto, Tomás Antonio Moreira
Distante de se colocar em xeque a
capacidade técnica de elaboração desses
g) 1 representante da Câmara Municipal de
Curitiba;
documentos (em grande parte sobre respon-
h) 1 representante do Sindicato da Indústria
sabilidade do Ippuc), questiona-se aqui a
da Construção Civil no Estado do Paraná – Sin-
inexistência da participação popular no pro-
duscon-PR;
cesso de formulação da operação urbana. E,
mesmo que esta fosse realizada, de que for-
i) 1 representante do Sindicato da Habitação
e Condomínios do Paraná – Secovi-PR;
ma a população poderia avaliar um projeto de
j) 1 representante da Associação dos Dirigen-
intervenção urbana que não possui um plano
tes de Empresas do Mercado Imobiliário no Es-
de ações claramente delineado, onde não há
tado do Paraná – Ademi-PR;
a clara definição dos impactos ambientais,
sociais e econômicos envolvidos e suas medidas mitigadoras?15
k) 1 representante do Conselho da Cidade de
Curitiba – Concitiba.
Ao se analisar a composição do Grupo
Essa pergunta nos conduz ao segun-
de Gestão, que supostamente contaria com a
do questionamento sobre a forma de gestão
participação de “entidades representativas da
da Operação Urbana Linha Verde, a saber: a
sociedade civil” (Curitiba, 2011, art. 18), evi-
baixa representatividade da sociedade civil
dencia-se uma concentração do poder público
no seu processo de implementação. A Lei nº
municipal (7 – 63,4%) e de entidades relacio-
13.909/2011, em seu artigo 18, estabelece um
nadas ao mercado imobiliário (3 – 27,3%), re-
grupo de gestão com vistas ao acompanha-
legando à sociedade civil apenas uma vaga no
mento e implementação do Programa de Inter-
grupo de gestão, representada pelo Concitiba.
venções da Operação Urbana Consorciada.
Agravando esse quadro, ao se ponderar
Coordenado pelo Instituto de Pesquisa e
os diversos questionamentos sobre a legiti-
Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), esse
midade do Concitiba (Silva et al., 2011; TDD,
grupo é formado por onze integrantes, com a
2010; CED, 2011), que não segue a proporcio-
seguinte composição:
nalidade entre sociedade civil e poder público
a) 1 representante da Secretaria Municipal
do Urbanismo – SMU;
b) 1 representante da Secretaria Municipal
de Finanças – SMF;
c) 1 representante da Secretaria Municipal
de Administração – SMAD;
d) 1 representante da Secretaria Municipal
do Meio Ambiente – SMMA;
e) 1 representante da Secretaria do Governo
Municipal – SGM;
f) 1 representante do Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano de Curitiba – Ippuc;
596
estabelecidos pelas legislações estaduais e
federais e não possui representatividade significativa de organizações da sociedade civil,
torna-se frágil anuir a existência de participação popular no processo de implementação da
OU Linha Verde.
Complementarmente, é interesse observar a composição da Comissão Executiva
do Programa de Intervenções, responsável
pela definição do Plano de Prioridades de
Intervenções e o Programa de Investimentos da Operação Urbana Consorciada Linha
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
Operação urbana consorciada da Linha Verde
Verde. A mesma é formada por seis represen16
Moraes (2011) afirmam que operações urba-
tantes de órgãos municipais (os mesmos que
nas conduzidas inadequadamente tendem a
compõem o grupo gestor), que, sozinhos, repre-
potencializar os efeitos excludentes da urba-
sentam mais de 50% do grupo gestor e, por-
nização contemporânea, ao concentrar ações
tanto, poderiam, por si só, aprovar por maioria
singulares de intervenção que não agregam
os planos por eles mesmos elaborados. E, ainda
contribuições reais à coletividade.
que não respondessem pela maior parte dos
votos, as negociações dentro do grupo gestor
estariam concentradas entre o poder público
e as entidades ligadas ao mercado imobiliário,
afastando-se da definição das obras aqueles
que, supostamente, deveriam ser priorizados
pelos recursos obtidos com os Cepacs.
Diante da experiência da OU Faria Lima,
discutida no capítulo anterior, e face às similaridades com o caso curitibano quanto ao
A Prefeitura investe com a justificativa de
estimular e atrair “capital privado”, realizando obras chamadas de “âncora” ou
“projeto motor” da operação, por serem
capazes de dar início a um processo de
renovação urbana mais amplo. Assim, o
governo cumpre o papel de uma empresa
de desenvolvimento imobiliário, de agente desbloqueador do potencial de negócios de determinada região. (Fix, 2004,
p. 187)
processo de gestão, é forçoso indagar sobre
o limitado papel da OU Linha Verde enquanto
instrumento de gestão social da valorização
da terra. Ao se incluir nesse cenário o intenso
lobby engendrado pelo mercado imobiliário
(que, inclusive, possui significativa representatividade no grupo gestor) e pelas empreiteiras
voltadas à execução de obras públicas, levanta-se a hipótese da OU Linha Verde estar mais
próxima a um mecanismo de dinamização do
mercado imobiliário do que propriamente de
um instrumento de fortalecimento da função
Destarte, para Fix (2004), a operação
urbana consorciada constitui um mecanismo
eficazmente adotado para encobrir a lógica de
concentração de renda na cidade, legitimando
o direcionamento de vultosos recursos públicos para áreas infraestruturadas e para obras
de benefícios restritos, levando o poder público a assumir um papel central na dinamização
da acumulação privada (e não da recuperação,
como era de se supor) de mais-valias fundiárias urbanas.
social da cidade e da propriedade (conforme
prevê o Estatuto da Cidade).
Nesse sentido, Piza, Santoro e Cymba-
Considerações finais
lista (2004) alertam que a implementação de
uma operação urbana consorciada sem uma
Há décadas a captura da mais-valia fundiária
adequada gestão social dos recursos envol-
produzida pelos investimentos públicos é dis-
vidos conduz incontestavelmente à definição
cutida e perseguida no Brasil. Dentre os di-
de prioridades “de poucos” em detrimento
versos instrumentos urbanísticos e tributários
dos interesses da coletividade, que demoram
previstos pelo Estatuto da Cidade, sem dúvidas
a se efetivar, ou, sequer se efetivam. Corro-
a Operação Urbana Consorciada figura como
borando com o exposto, Alvim, Abascal e
um dos mais discutíveis e contraditórios.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
597
Paulo Nascimento Neto, Tomás Antonio Moreira
Desde as primeiras experiências de im-
rápida e antecipadamente os recursos da
plantação desse instrumento, durante a dé-
iniciativa privada, também podem ser en-
cada de 1990, em São Paulo, observam-se
tendidos como elementos subordinadores
intensos debates sobre as motivações ocultas
da política urbana ao mercado imobiliário,
sobre a nobre argumentação de se buscar a
transformando a outorga onerosa do direito
redistribuição da mais-valia fundiária para a
de construir em uma fonte complementar de
coletividade. Ainda que não se possa negar
especulação financeira.
o grande potencial das operações urbanas
Outro ponto crítico das operações urba-
consorciadas (OU) enquanto mecanismo de
nas consorciadas diz respeito à restrição dos
alavancagem de transformações urbanas –
investimentos dentro do perímetro de inter-
repartindo os custos decorrentes da ação
venção, entendido por diversos autores como
pública –, a desarticulação (intencional ou
limitadora da função social da propriedade e
meramente imprudente) da OU com outros
da cidade, visto que se reinvestem vultosos
instrumentos urbanísticos existentes, tende a
recursos em áreas infraestruturadas da ci-
reduzir seu alcance enquanto mecanismo de
dade, alavancando a elevação dos preços da
gestão social da valorização da terra, geran-
terra e acirrando as desigualdades socioterri-
do conflitos entre os diferentes atores inseri-
toriais intraurbanas.
dos no perímetro de intervenção, bem como
Apesar das diversas contradições ine-
projetos e propostas por vezes descoladas da
rentes ao processo de formulação e imple-
dimensão técnica. De fato, programas e pla-
mentação das operações urbanas consor-
nos urbanos deslocados de políticas sociais
ciadas no Brasil, acredita-se que, caso essas
tendem a conformar o substrato básico para a
dispusessem de mecanismos consistentes de
continuidade do clientelismo político, caracte-
gestão democrática e participativa, poder-se-
rístico da gestão pública brasileira
-ia mitigar os riscos de prevalência de interes-
Partindo do exposto e da constatação
ses privados sobre a coletividade. Entretanto,
de Maricato e Ferreira (2002), para quem “é
contrariando essa constatação, os casos es-
fartamente admitido que a aplicação ou a
tudados neste trabalho apontam para a bai-
interpretação das leis dependem das circuns-
xíssima representatividade da sociedade civil
tâncias”, pode-se especular sobre o constante
em todo o processo, que sequer é consultada
predomínio dos interesses de grupos sociais
quando da aprovação da OU.
de maior influência, que possuem maior capa-
Ainda que os resultados não se provem
cidade de lobby sobre as decisões relaciona-
suficientemente profundos para embasar a
das à gestão da política urbana municipal.
defesa de uma hipótese, arrisca-se concluir
Nesse contexto, pode-se até mesmo
este artigo especulando sobre a insuficiên-
questionar o papel dos Certificados de Po-
cia das operações urbanas consorciadas, por
tencial Adicional de Construção (Cepac), que,
si só, de promover a gestão social da valori-
embora permitam ao poder público capturar
zação da terra. É necessário salientar que o
598
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
Operação urbana consorciada da Linha Verde
trabalho desenvolvido tem por objetivo con-
do subsídios para o aprofundamento da dis-
tribuir com as investigações a respeito dos
cussão teórica e empírica sobre a questão,
instrumentos de recuperação de mais-valias
sem a pretensão de encerrar os debates so-
fundiárias pós Estatuto da Cidade, agregan-
bre a temática.
Paulo Nascimento Neto
Arquiteto urbanista e mestre em Gestão Urbana. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em
Gestão Urbana (PPGTU) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e pesquisador vinculado ao
Observatório das Metrópoles – Núcleo Curitiba, no projeto de pesquisa Metropolização e Megaeventos, subeixo Moradia e Dinâmica Urbana e Ambiental.Curitiba/PR, Brasil.
[email protected]
Tomás Antonio Moreira
Arquiteto urbanista, mestre em Ciências Aplicadas, Ph.D. em Estudos Urbanos. Professor do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo e do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUC-Campinas. Campinas/SP, Brasil.
[email protected]
Notas
(*) O presente trabalho foi realizado com o apoio da Capes, en dade do Governo Brasileiro voltada
para a formação de recursos humanos.
(1) Conforme previsto no ar go 2º da referida lei, todos os instrumentos devem se alinhar as diretrizes
da Polí ca Urbana, entre elas a " IX - Justa distribuição dos bene cios e ônus decorrentes do
processo de urbanização" e a "XI - recuperação dos inves mentos do Poder público de que
tenha resultado a valorização de imóveis urbanos.
(2) Os Cepacs são previstos nos ar gos 28 a 30 e 32 a 34 da Lei n. 10257/2001.
(3) Conforme expõe Frey (2000), o agir público pode ser dividido em fases parciais do processo
polí co-administra vo de resolução de problemas – formulação, implementação e controle dos
impactos – os quais conformam o ciclo polí co, importante elemento na análise de polí cas
públicas. Embora a Operação Urbana constitua um instrumento (Piza, Santoro, Cymbalista,
2004) e não propriamente uma política pública, entende-se que esse conceito pode ser
aplicado à discussão da implementação do referido instrumento urbanístico sem prejuízos
epistemológicos.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
599
Paulo Nascimento Neto, Tomás Antonio Moreira
(4) Tendo por objetivo revitalizar uma área historicamente degradada do Rio de Janeiro, prevê
alterações nos parâmetros constru vos – viabilizadas por meio da Outorga Onerosa do Direito
de Construir via Cepac’s –, alcançado coeficiente de aproveitamento igual a 12, gabarito de 50
pavimentos e taxa de ocupação de 100% em algumas áreas (CDURP, 2011). Apesar da recente
emissão dos 6,4 milhões de cer ficados (integralmente adquiridos pela CEF por R$3,5 bilhões
em junho de 2011), já se observam diversas crí cas ao projeto que “tem vendido a ideia de
renovação urbana completa, desconsiderando a existência de um local de moradia repleto de
relações sociais [...] condenando a realidade destas áreas como indesejável (Bentes et al., 2011,
p. 15).
(5) Para informações mais detalhadas sobre cada uma delas, sugerimos consultar o site: www.
prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/infraestrutura/sp_obras/empresa/index.php?p=22040.
(6) O estoque total de potencial constru vo adicional perfazia 2.250.000m².
(7) Para o cálculo da contrapar da era aplicado um deflator, de forma discricionária, sobre o valor
estabelecido a par r da análise técnica do grupo de avaliação, fragilizando sua legi mação.
(8) Embora a maioria dos tulos tenha sido negociada, a área construída adicional ob da via Cepac
não alcançou os 1,5 milhões de m² permitidos pela lei (totalizou apenas 692 mil m² face
coeficientes de conversão rela va aos setores da operação urbana), possibilitando a emissão
adicional.
(9) Dados da Amaral dÁvila Egenharia de Avaliações de 2004 (apud Montandon, 2007), demonstram
que o valor do metro quadrado de terreno nas áreas de maior adensamento duplicou em todos
os setores analisados.
(10) Segundo Montandon (2007), a revisão da OU Faria Lima, em 2004, não implicou em modificações
desse padrão, permanecendo inalterada a concentração do interesse imobiliário nas porções
externas à área principal de intervenção.
(11) A par r da Lei 12.767 de 2008, estabeleceram-se incen vos constru vos para terrenos situados
na área de abrangência do projeto da Linha Verde além de critérios específicos para a outorga
onerosa do direito de construir nas zonas polos, SE-BR-116 e ZT-BR-116.
(12) A revisão do Plano Diretor Municipal de Curi ba, realizada em 2004, já contemplava, no ar go
75, a realização de uma Operação Urbana Consorciada no atual eixo da Linha Verde.
(13) O mapa com a delimitação dos setores e usos estabelecidos dentro do perímetro urbano da
Operação Urbana da Linha Verde encontra-se disponível em: h p://www.curi ba.pr.gov.br/
mul midia/00112770.pdf.
(14) A es ma va inicial de arrecadação de R$1,5 bilhão (Sinduscon, 2011).
(15) Corroborando com esse entendimento, cabe ressaltar que mesmo entre os vereadores, quando
da aprovação do projeto de lei, registraram-se debates acirrados envolvendo a inexistência de
informações a cerca dos impactos e medidas mi gadoras relacionadas à operação urbana Linha
Verde (CMC, 2011).
(16) Subordinada ao Grupo Gestor, a Comissão Execu va é formada unicamente por representantes
dos órgãos municipais e possui a seguinte composição: a) 1 representante da Secretaria Municipal
do Urbanismo – SMU; b) 1 representante da Secretaria Municipal de Finanças – SMF; c) 1
representante da Secretaria Municipal de Administração – SMAD; d) 1 representante da Secretaria
Municipal do Meio Ambiente – SMMA; e) 1 representante da Secretaria do Governo Municipal –
SGM; f) 1 representante do Ins tuto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curi ba – Ippuc.
600
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
Operação urbana consorciada da Linha Verde
Referências
ALVIM, A. A. T. B.; ABASCAL, E. H. S. e MORAES, L. G. S. de (2011). Projeto Urbano e operação urbana
consorciada em São Paulo: limites, desafios e perspec vas. Cadernos Metrópole, v. 13, n. 25,
pp. 213-233.
AN INTER-AMERICAN COMPARISON (2000). Cambridge, Lincoln Ins tute of Land Policy.
ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE EMPRESÁRIOS DE OBRAS PÚBLICAS (APEOP) (2011). Quadro de
acompanhamento OUC Faria Lima. Disponível em: h p://www.apeop.org.br/ arquivos/diversos/
op_urbanas2610.pdf>. Acesso em: dez 2011.
BENTES, J. C. da G.; LEAL, L. P.; COSTA, M. S. da e SILVA, P. S. da (2011). Perspec vas de transformação
da região portuária do Rio de Janeiro e a Habitação de interesse social. In: XIV ENCONTRO
NACIONAL DA ANPUR. Anais. Rio de Janeiro, Anpur.
BRASIL (2001). Lei nº 10.257 de 10 de Julho. Estabelece diretrizes gerais da polí ca urbana. Brasília,
Diário Oficial da União.
CABRAL, T. (2001). Linha Verde ao preço de duas. Gazeta do Povo, Vida e Cidadania, 3 de agosto,
sem página. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.
phtml?id=1153722. Acesso em: dez 2011.
CÂMARA MUNICIPAL DE CURITIBA (CMC) (2011). Operação Consorciada Linha Verde recebe aval.
No cia, 16 de dezembro. Disponível em: h p://www.cmc.pr.gov.br/ ass_det.php?not=18136.
Acesso em: dez 2011.
CIDADE EM DEBATE (CED) (2011). Em busca da justiça social. Disponível em: http://www.
cidadeemdebate.net/index.php/textoseartigos/64-artigos/222-embuscadajusticaso
cial?start=1/. Acesso em: dez 2011.
COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO URBANO DA REGIÃO DO PORTO DO RIO DE JANEIRO (CDURP).
Projeto Porto Maravilha. Disponível em: http://www.portomaravilha.com.br. Acesso em:
dez 2011.
COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO URBANO DA REGIÃO DO PORTO DO RIO DE JANEIRO (CDURP)
(2010). Estudo de Viabilidade - Operação Urbana Consorciada da Região do Porto do Rio de
Janeiro (OUCPRJ). Rio de Janeiro: CDURP. Disponível em: h p://www.portomaravilha.com.br/
web/esq/estudos.aspx. Acesso em: dez 2011.
CURITIBA (2004). Lei Municipal 11.266/2004 - Dispõe sobre a adequação do Plano Diretor de Curi ba
ao Estatuto da Cidade. Curi ba, Diário Oficial Municipal.
______ (2011). Lei Municipal 13.909/2011 - Aprova a Operação Urbana Consorciada Linha Verde e
estabelece diretrizes urbanís cas para a área de influência da atual Linha Verde (...). Curi ba,
Diário Oficial Municipal.
CYMBALISTA, R. e SANTORO, P. F. (2006). A Outorga Onerosa do Direito de Construir no Brasil: entre a
regulação e a arrecadação. In: SEMINÁRIO POLÍTICA FUNDIÁRIA MUNICIPAL E GESTÃO SOCIAL DA
VALORIZAÇÃO DA TERRA. Anais. São Paulo, Ins tuto Pólis/Fundação Getúlio Vargas.
FIX, M. (2001). Parceiros da exclusão. Duas histórias da construção de uma "nova cidade" em São
Paulo: Faria Lima e Água Espraiada. São Paulo, Boitempo.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
601
Paulo Nascimento Neto, Tomás Antonio Moreira
FIX, M. (2004). “A fórmula mágica da parceria público-privada: Operações Urbanas em São Paulo”. In:
SCHICCHI, M. C. e BENFATTI, D. (orgs.). Urbanismo: dossiê São Paulo - Rio de Janeiro. Campinas,
PUCCAMP/PROURB, pp. 185-198.
FREY, K. (2000). Polí cas públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prá ca da análise de
polí cas públicas no Brasil. Revista Planejamento e Polí cas Públicas, n. 21, pp. 211-259.
FURTADO, F. (2004). “Recuperação de mais-valias fundiárias urbanas: reunindo os conceitos envolvidos”.
In: SANTORO, P. (org.). Gestão social da valorização da terra. São Paulo, Ins tuto Pólis.
GIL, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo, Atlas.
HARDT, C.; CHU, G. D. e HARDT, L. P. A. (2009). A "Linha Verde" no processo de gestão do território:
o caso do eixo metropolitano de Curi ba. In: XIII ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR. Anais.
Florianópolis, Anpur.
INSTITUTO DE PESQUISA E PLANEJAMENTO URBANO DE CURITIBA (IPPUC). (2010). Ficha técnica de
projetos urbanís cos. Disponível em: h p://www.ippuc.org.br/ ippucweb/sasi/home/. Acesso
em: dez 2011.
MACHUCA, M. N. (2010). Operações urbanas consorciadas como instrumento de gestão urbana: as
experiências de Belo Horizonte, São Paulo e Curi ba. Dissertação de mestrado. Curi ba, Pon cia
Universidade Católica do Paraná.
MARICATO, E. (2000). “As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias”. In: ARANTES, O.; VAINER, C.
e MARICATO, E. A Cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes.
MARICATO, E. e FERREIRA, J. S. W. (2002). “Operação Urbana Consorciada: diversificação urbanís ca
par cipa va ou aprofundamento da desigualdade?” In: OSÓRIO, L. M. (org.). Estatuto da Cidade
e Reforma Urbana: novas perspec vas para as cidades brasileiras. Porto Alegre, Sergio Antonio
Fabris.
MONTANDON, D. T. (2007). Estudo da Operação Urbana Faria Lima: avaliação crí ca e novos rumos.
In: XII ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR. Anais. Pará, Anpur.
MOURA, R. (2011). Grandes projetos urbanos e planejamento territorial. Bole m Campineiro de
Geografia, v. 1, n. 1., pp. 7-30.
OLBERTZ, K. (2011). Proposta de Desenvolvimento urbano em Curi ba: o projeto da Operação Urbana
Linha Verde. Informa vo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, n. 57. Disponível em: h p://www.
justen.com.br/informa vo. Acesso em: dez 2011.
PEREIRA, G. (2001). A natureza (dos) nos fatos urbanos: produção do espaço e degradação ambiental.
Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 3, pp. 33-51.
PIZA, M. L.; SANTORO, P. e CYMBALISTA, R. (2004). “Estatuto da cidade: uma leitura sobre a perspec va
da recuperação da valorização fundiária”. In: SANTORO, P. (org.). Gestão social da valorização da
terra. São Paulo, Ins tuto Pólis.
RIOS, C. (2009). Linha Verde vive onda imobiliária. Gazeta do Povo, Vida e Cidadania, 2 de novembro,
sem página. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.
phtml?id=940161. Acesso em: dez 2011.
ROLNIK, R.; NAKANO, K. e CYMBALISTA, R. (2008). “Urban land and social housing in Brazil: the issue
of land. In: Par cipatory Master Plans: the challenges of democra c management in Brazil: the
right of the city”. São Paulo, Ins tuto Pólis/Fundação Ford.
602
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
Operação urbana consorciada da Linha Verde
SALES, P. M. R. de (2005). Operações Urbanas em São Paulo: crí ca, plano e projetos. Parte 2 – Operação
Urbana Faria Lima: relatório de avaliação crí ca. Vitruvius (arquitextos), n. 059.12, ano 5. Disponível
em: h p://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.059/481. Acesso em: dez 2011.
SANDRONI, P. (2001). “Plusvalías urbanas en Brasil: creación, recuperación y apropiación en la ciudad
de São Paulo”. In: SMOLKA, M. e FURTADO, F. Recuperación de plusvalías en America La na alterna vas para el desarrollo urbano. Chile, Eure.
SANTORO, P. e CYMBALISTA, R. (2004). “Introdução à expressão “gestão social da valorização da
terra”. In: SANTORO, P. (org.). Gestão social da valorização da terra. São Paulo, Ins tuto Pólis.
______ (2008). “Gestão social da valorização da terra”. In: CARVALHO, C. S.; GOUVÊA, D. e BALBIM, R.
(coord.). Acesso à terra urbanizada: implementação de planos diretores e regularização fundiária.
Brasília, Ministério das Cidades.
SÃO PAULO URBANISMO (SP-URBANISMO) (2011). Operação Urbana Faria Lima – Histórico de
Leilões de CEPACs. Disponível em: h p://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/
desenvolvimento_urbano/sp_urbanismo/FARIA_LIMA/OUCFariaLima31out11_HistoricoLeiloes.
pdf. Acesso em: dez 2011.
SEPE, P. M. e PEREIRA, H. M. S. B. (2011). Operações urbanas e as perspec vas de transformação
urbanís ca ambiental no município de São Paulo. In: XIV ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR.
Anais. Rio de Janeiro, Anpur.
SILVA, E. L. e MENEZES, E. M. (2001). Metodologia de Pesquisa e Elaboração de Dissertação.
Florianópolis, Laboratório de Ensino a Distância da UFSC.
SILVA, J. M.; BRAGA, A. L. C.; METZNER, C.; FOWLER, M. B.; ALHER, A.; SUTIL, E. de N. e ANTEZANA, L.
do R. C. (2011). Em busca da jus ça territorial: encontros e desencontros da polí ca Urbana de
Curi ba. In: XIV ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR. Anais. Rio de Janeiro, Anpur.
SMOLKA, M. O. e AMBORSKI, D. (2000). Value capture for urban development: an inter-american
comparison. Cambrigde, Lincoln Ins tute of Land Policy.
SOUZA, N. R. de (2001). Planejamento urbano em Curi ba: saber técnico, classificação dos citadinos e
par lha da cidade. Rev. Sociol. Polít., n. 16, pp. 107-122.
TERRA DE DIREITOS (TDD) (2010). Biblioteca – no cia: carta de reivindicação será encaminhada ao poder
público. Disponível em: h p://terradedireitos.org.br/biblioteca/par cipantes-de-audienciapublica-sobre-impactos-das-obras-da-copa-de-2014-divulgam-carta-de-reivindicacao-que-seraencaminhada-ao-poder-publico/. Acesso em: dez 2011.
TREVISAN, A. P. e VAN BELLEN, H. M. (2008). Avaliação de polí cas públicas: uma revisão teórica de um
campo em construção. Revista de Administração Pública, v. 42, n. 3, pp. 529-550.
Texto recebido em 24/abr/2013
Texto aprovado em 7/maio/2013
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013
603
Tensões e contradições na construção
de futuros urbanos sustentáveis:
o caso de Lisboa
Tensions and contradictions in the construction
of sustainable urban futures: the case of Lisbon
Luís Carvalho
Jorge Gonçalves
Resumo
O artigo aborda a (in)capacidade do plano em enfrentar as mudanças de um ocidente envolto numa
transição civilizacional em que emerge uma revolução urbana. Para verificar essa (in)capacidade
procedeu-se à confrontação entre um conjunto
de planos para Lisboa e várias histórias de futuro
construídas para essa cidade depois da transição,
em 2030. Constata-se que, em relação a uma cidade de Lisboa depois da revolução urbana, o plano
positivista – não incoporando nem a incerteza nem
o risco – dificilmente contempla cenários mais alargados e especulativos tornando-se desadequado
e estruturalmente incapaz para pensar o futuro. A
proximidade e da convergência entre os estudos do
futuro e os estudos da cidade emerge pois como
uma prioridade central para a cidade.
Abstract
This article deals with the (in) ability of the plan
to face the changes of a western civilization
wrapped in a transition in which an urban
revolution emerges. To verify this (in) ability,
a set of plans for Lisbon was compared to
several future stories built to that city after the
transition, in 2030. It was found that, concerning
a city of Lisbon after the urban revolution,
the positivistic plan – incorporating neither
uncer taint y nor risk – hardly encompasses
broader and speculative scenarios, becoming
inadequate and structurally unable to think
about the future. The proximity and convergence
bet ween future studies and urban studies
emerge as a central priority for the city.
Palavras-chave: revolução urbana; cidade ocidental; Lisboa; histórias de futuro; plano.
Keywords: urban revolution; western city; Lisbon;
future stories; plan.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
Luís Carvalho, Jorge Gonçalves
Introdução
Antecipar o futuro, nomeadamente o futuro
da cidade, tem sido um propósito persistente
desde os primórdios da civilização urbana do
Ocidente, que recua às sociedades do médio
Oriente, as denominadas civilizações hidráulicas (Soja, 2000), que se constituíram em torno dos rios Tigre e Eufrates, há mais de 5.000
anos (Childe, 1930). Desde a segunda metade
do século XIX, quando o urbanismo se constituiu corpo disciplinar e científico autônomo
(Choay, 2000), o plano assume-se como o
meio preferencial para conjugar a visão, a vontade e a previsão e que, enquanto instrumento
de respresentação e manipulação do futuro
(Hopkins e Zapata, 2007) converte em expressão territorial a norma e/ou a vontade.
Todavia, suscita-se a dúvida sobre a capacidade do plano em encarar as profundas
mudanças civilizacionais da contemporaneidade. Procura-se, recorrendo ao caso da cidade
de Lisboa, contribuir para a resolução de uma
latente inquietação sobre a (in)capacidade do
plano enquanto instrumento de reconhecimento do futuro e em visonar o caráter da cidade
desse futuro.
cada pelo fim de uma era de quinhentos anos
de mundialização desse Ocidente.1 A essa
mudança se propõe o termo de transição civilizacional, considerando-se que o fim da era
do Ocidente não determina o fim da sua civilização, mas sim a emergência de uma outra
civilização. O início do século XXI, veio assim
a comprovar o que Spengler (1923), entre outros, já tinham insinuado, no início do século
XX, acerca do declínio do Ocidente. Insinuação
confirmada pelos anúncios da “decadência da
vida cultural no ocidente” de Barzun (2003),
do “colapso do ocidente” de Diamond (2005)
ou a referência sobre a “era do desmoronamento final” de Hobsbawm (1995). É, contudo, impossível avançar com um termo que
identifique essa outra civilização uma vez que
a transição é caracterizada pela incerteza e
volatilidade, toldando o discernimento sobre o
que aí vem.
Em termos urbanísticos, essa transição se revela na emergência de uma revolução urbana na cidade euro-ocidental. Ascher
(1995) identifica essa revolução com a Cidade
Reflexiva, que configura um novo urbanismo
da terceira modernidade, e que consubstancia a 3ª Revolução Urbana (a primeira desde
a Revolução Industrial). Por seu lado, Mongin
(1995) identifica o tempo da transição como
As histórias de futuro:
o contexto e o processo
o momento do Triunfo Urbano, marcada pelo advento da cidade da 3ª era, a cidade da
incerteza. Já Soja (2000) considera que esse
tempo da transição é marcado pela 4ª Revolu-
O contexto, a transição civilizacional
e a revolução urbana
ção Urbana, e pelo advento da postmetrópolis: a maior alteração no caráter das cidades
dos últimos 3.000 anos, desde a consolidação
No Ocidente, no ocidente europeu, assiste-se
das cidades das civilizações hidráulicas do
a uma profunda mudança civilizacional, mar-
crescente fértil.
606
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis
O processo de antecipação do futuro
contemporâneo) e é definido o horizonte (espacial e temporal) dos cenários;
2ª fase : construção dos cenários que
Para contribuir para o reconhecimento do(s)
implica o desenho de uma matriz que integra
futuro(s) de uma cidade euro-ocidental num
os diversos cenários de forma credível e em
futuro próximo no contexto dessa revolução
confrontação – e a identificação das questões
urbana, empreendeu-se um exercício de cena-
críticas do sistema. Nessa fase se recorreu ao
rização em que se traçaram histórias de futu-
contributo de um painel de dezena e meia de
ro2 antecipando o que pode, o que deveria ou
peritos, que se pronunciaram sobre a relevân-
o que não pode nem deveria acontecer nessa
cia das questões e sobre a sua probabilidade e
cidade euro-ocidental depois da transição.
preferência do rumo no futuro;
Considerou-se o processo de constru-
3ª fase : percepção das consequência s
ção de cenários como a a opção metodoló-
dos cenários depois da transição, tendo
gica mais adequada ao (re) conhecimento
em conta a (in)capacidade de resolução do
do futuro. Entende-se esse método como o
proble ma – o planejar a cidade num futuro
resultado de uma linha de construção do fu-
(ir)reconhecível – num contexto de transição
turo, que serviu de sustentáculo à consubs-
civilizacional e urbana.
tanciação e ao desenvolvimento de uma das
O horizonte espacial dos cenários é
correntes de estudos sobre o futuro. Essa cor-
Lisboa e a Área Metropolitana de Lisboa 3 foi
rente tem como traço original e diferenciador
considerada como a delimitação para se cons-
a construção de mais do que um futuro – de
tituir como esse horizonte espacial, enquanto
várias histórias de futuro – em oposição à
que o horizonte temporal definido foi o ano
corrente dos estudos de futuro da predição
de 2030.4
técnica, em que se baseia a demografia ou a
Tendo em conta uma necessária ilus-
econometria, que constrói um futuro a partir
tração do contexto civilizacional em que se
da extrapolação de tendências. Para garantir
situa o caráter da sociedade e da cidade en-
esse objetivo de antecipação do conhecimen-
tão, torna-se indissociável relacionar as histó-
to do futuro, foi então necessário percorrer
rias de futuro com o rumo das estruturas de
um processo de cenarização que envolve três
referência da civilização ocidental: o sistema
grandes fases.
político dominado pela democracia; o mode-
1ª fase : estruturação do sistema de re-
lo institucional em que prevalece o Estado-
ferência que Schwartz (1991) identifica como
-nação e o sistema econômico assente no ca-
a matriz que serve de guia à construção dos
pitalismo. Isto é, a composição em torno de
cenários. Nessa fase (entre outras tarefas)
um determinado futuro – promissor, provável
são identificadas as estruturas de referência
ou tremendista – não é isolável do rumo nem
da civilização ocidental (que caracterizam
do rumo do sistema político-institucional nem
a civilização e a cidade no euro-ocidente
do modelo econômico (Figura 1).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
607
Luís Carvalho, Jorge Gonçalves
Figura 1 – Os rumos das estruturas de referência e as histórias de futuro:
a sociedade e a cidade depois da transição
O RUMO DAS ESTRUTURAS DE REFERÊNCIA
DO EURO-OCIDENTE
DO SISTEMA
POLÍTICO
Prevalência da
Democracia
Representativa
DO MODELO
ECONÔMICO
Capitalismo
regulado e
protecionista
DO MODELO
INSTITUCIONAL
DEPOIS DA TRANSIÇÂO
A SOCIEDADE
&
A CIDADE
Domínio de uma
Federação Europeia
de Estados
O predomínio dos
Regimes Tirânicos
Anarco-capitalismo
desregulado
Prevalência do
Estado-nação
Prevalência da
Democracia
Representativa
Anarco-capitalismo
desregulado
Domínio de uma
Federação Europeia
de Estados
Definidos os horizontes dos cenários e
trajeto no futuro e o grau de preferência em
identificadas as estruturas de referência da
relação a esse trajeto. Duas variáveis se evi-
sociedade, tornava-se necessário construir os
denciaram, assumindo-se como questões – in-
cenários – as histórias de futuro da cidade – e
certezas – críticas: a coesão e integração social
para tal seria necessário determinar quais as
e a capacidade de crescimento econômico.5 E
questões críticas definidoras do contexto de
são consideradas críticas dada a sua relevância
partida, da transição. Todas as variáveis do sis-
para a caracterização e reconhecimento quer do
tema foram identificadas, posicionadas e hie-
contexto – a transição – quer da própria cidade
rarquizadas (pelo painel de peritos) tendo em
euro-ocidental de Lisboa. Mas, a par dessa rele-
conta a sua relevância, a previsibilidade do seu
vância e impacto, o rumo dessas duas questões
608
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis
apresenta um elevado grau de imprevisibilida-
e da (in)capacidade de crescimento econômico
de, explicando-se a sua categorização como in-
da sociedade da pós-transição. Do cruzamento
certezas. Essa convergência entre a relevância e
entre o trajeto dessas incertezas críticas e o es-
a imprevisibilidade significa que a composição
pectro dos cenários construídos emergem três
de cada uma das histórias de futuro passam a
histórias de futuro – plausíveis mas contrasta-
estar dependentes dos trajetos da coesão social
das – para Lisboa 2030 (Figura 2).
Figura 2 – As incertezas críticas e as histórias de futuro
da cidade de Lisboa depois da transição
COESÃO E INTEGRAÇÃO SOCIAL E ECONÔMICA
DA CAPACIDADE DE CRESCIMENTO ECONÔMICO
DA CAPACIDADE DE CRESCIMENTO ECONÔMICO
COESÃO E INTEGRAÇÃO SOCIAL E ECONÔMICA
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
609
Luís Carvalho, Jorge Gonçalves
As histórias de futuro
de Lisboa em 2030
financeiro e regras cada vez mais incisivas de
controle da atividade comercial da Federação
com, o que se passou a denominar, na década
de 1920, a ultraEuropa.
Uma maior integração social e uma maior capacidade de crescimento econômico caracterizam os cenários normativos (os desejados)
e, consequentemente, a construção de uma
história de futuro promissora. Um futuro que
se deseja e que deve(ria) acontecer em que a
sociedade euro-ocidental, que emerge na pós-transição, corresponde a uma 2ª Renascença
Europeia e a cidade euro-ocidental se assume
como uma cidade renascida.
O suporte político-institucional da Federação e a sua capacidade de enfrentar os
principais problemas provocados pelas alterações climáticas na Europa (a desertificação da
frente norte mediterrânica – sul de Portugal,
de Espanha e de Itália e a Grécia – e a subida
gradual do nível médio das águas do mar, que
afeta principalmente a costa sul de Portugal, a
Holanda, o norte de Itália, o norte da Alemanha
e a Dinamarca) estimulou o desenvolvimento
tecnológico em torno da economia Grin (gené-
Uma promissora história do futuro:
a 2ª Renascença Europeia e a Cidade Renascida
=;=;=;=;=;=;=;=;=
tica, robótica, informação e nanotecnologia).
Esse desenvolvimento foi consolidado a partir
da prevalência do hidrogênio – a hidroforce –
que passou a ser uma fonte energética viável
A assinatura do Tratado de Viena, assinado pe-
e fiável. Os progressos tecnológicos proporcio-
los chefes de Estado dos 28 Estados-membro
naram assim as condições para que germinasse
da Federação, em 12 de setembro de 2018 (a
na Europa um processo de reindustrialização,
Croácia entrou para a União Europeia em 2017,
que fez emergir uma outra sociedade – a ape-
a Turquia e a Sérvia entrarão, já para a Federa-
lidada 2ª Renascença Europeia – alicerçada na
ção, em 2026), criava-se a Federação Europeia
recuperação da estratégia de Lisboa e na im-
em 2018. Estava simbolicamente marcado o fim
plementação da 3ª Revolução Industrial.
da transição e da grande crise dos dez anos, que
irrompeu pela Europa no verão de 2008.
Nessa renascença, as grandes cidades foram as protagonistas. O esvaziamento institu-
Apesar dos efeitos da grande crise, a
cional dos Estados-nação acabou por sublinhar
democracia representativa acabou por resistir
a relevância político-econômica das cidades.
na Europa e, a partir da criação da Federação
Foram-se constituindo dezenas de regiões me-
Europeia, o euro é a moeda comum de todos
tropolitanas, entidades que no quadro institu-
os seus Estados-membros, o estatuto do Ban-
cional da Federação Europeia passaram a deter
co Central (que com a assinatura do Tratado
uma autonomia política e econômica alargada
de Viena passou a chamar-se Banco Federal
e uma ampla jurisdição sobre as questões do
Europeu com sede em Praga) foi substancial-
ordenamento do território.
mente alterado, tendo passado, entre outras
Essas regiões metropolitanas que, be-
mudanças, a emitir moeda. Foram impostas
neficiando da capacidade conferida pela hi-
normas apertadas de regulação do sistema
droforce, estenderam-se territorialmente e
610
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis
cresceram em termos populacionais, acabaram
do Tejo existem já trinta estações fluviais para
por concentrar quase todo o peso do processo
servir os Bartejo – nome popular dos pequenos
de reindustrialização da Europa e transforma-
barcos que cruzam o Tejo e asseguram a liga-
ram-se gradualmente em outras cidades: as
ção entre as suas duas margens.
cidades renascidas.
Em 2020, no âmbito da reforma administrativa do território nacional, foi criada uma
única Região Metropolitana em Portugal – a de
No seio da Federação Europeia, essa outra metrópole de Lisboa passou a ser conhecida
como a Atlântida.
=;=;=;=;=;=;=;=;=
Lisboa – agregando presentemente 25 concelhos, que têm, em 2030, cerca de 3,6 milhões
Um trajeto de continuidade no que res-
de habitantes, aproximadamente um terço de
peita à coesão e integração social e à (in)capa-
população residente em Portugal, sendo a 10ª
cidade de crescimento econômico corresponde
maior metrópole da Europa; o anterior conce-
à configuração de cenários preditivos (quase
lho de Lisboa foi dividido em quatro concelhos:
sempre mais indesejados que desejados) e,
Lisboa Ocidental (Belém), Lisboa Oriental (Oli-
consequentemente, à definição de uma história
vais), Lisboa Norte (Lumiar) e Lisboa Central
de futuro provável. Um futuro que pode acon-
(Baixa); o concelho de Sintra foi dividido em
tecer e que reflete tanto os desejos, como os
dois concelhos: Sintra e Cacém; os concelhos
temores do presente em que a sociedade euro-
da Moita, do Barreiro e a parte nascente do
-ocidental ainda está envolvida num prolonga-
concelho do Montijo agregaram-se num único
do e indeciso processo de transição. Trata-se de
concelho: Tejo Sul; o território poente do conce-
uma Europa Transitória, onde a cidade euro-
lho do Montijo agregou-se ao concelho de Van-
-ocidental se assume como uma cidade reinci-
das Novas, que passou a integrar a região me-
dente e hesitante, também ela em transição.
tropolitana; os concelhos de Sobral e de Arruda
agregam-se num só concelho: Sobral-Arruda; o
concelho de Alenquer integra igualmente a re-
Uma provável história do futuro:
a Europa Transitória e a cidade reincidente
gião metropolitana
Nos limites do anterior concelho de Lis-
=;=;=;=;=;=;=;=;=
boa, residem mais de 700.000 pessoas e nos
A assinatura do Tratado de Praga, em 2018, as-
últimos vinte anos a população residente na
sinado pelos chefes de Estado dos 25 Estados-
Península de Setúbal praticamente duplicou,
-membro da Federação, em 12 de setembro de
passando de menos de 800.000 para cerca de
2018 (a Hungria abandonou a União Europeia
1.400.000 habitantes. No “novo” concelho de
em 2015, e o Reino Unido não assinou o Trata-
Tejo-Sul e em Almada localizam-se centenas de
do, ficando com o estatuto de Estado Associado
empresas relacionadas com a economia Grin
da Federação), foi criada a Federação Europeia.
enquanto que em Setúbal e Palmela – e na li-
Apesar das esperanças que veio a lançar não
gação a Sines – concentram-se as atividades
veio debelar grande parte dos problemas pro-
relacionadas com a armazenagem, tratamento
vocados pela crise do século, nome pelo qual se
e distribuição do hidroforce. Nas duas margens
passou a identificar a depressão que irrompeu
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
611
Luís Carvalho, Jorge Gonçalves
pela Europa a partir do verão de 2008. Fede-
poder das grandes cidades, tendo-se consti-
ração Europeia que ainda assim não consegue
tuído dezenas de regiões metropolitanas. Em
enfrentar os principais problemas provocados
2020, no âmbito da reforma administrativa do
pelas alterações climáticas na Europa: a deser-
território nacional, foram criadas duas regiões
tificação da frente norte mediterrânica – sul de
metropolitanas: de Lisboa e do Porto. No en-
Portugal, de Espanha e de Itália e a Grécia – e
tanto, e apesar desse crescente protagonismo,
a subida gradual do nível médio das águas do
e de alguns sucessos de regeneração urbana
mar, que afeta principalmente a costa sul de
e da instauração dessas regiões metropolita-
Portugal, a Holanda, o norte de Itália, o norte
nas – entidades que no quadro institucional da
da Alemanha e a Dinamarca.
Federação Europeia passaram a deter uma au-
Ainda assim, e apesar dos efeitos da
tonomia política e econômica alargada e uma
crise do século, a democracia representativa
ampla jurisdição sobre as questões do orde-
acabou por resistir na esmagadora maioria dos
namento do território –, as cidades europeias
países da Europa. Com a criação da Federação
têm sido incapazes de contrariar a continuada
Europeia, o euro passou a ser a moeda comum
estagnação sociocultural e político-econômica
de todos os seus Estados-membros mas o es-
que se verifica no continente nas duas últimas
tatuto do Banco Central pouco se alterou e a
décadas. Continuam a ser cidades em transi-
Europa tem se tornado cada vez mais incapaz
ção, cidades reincidentes.
de interferir na organização e na regulação
A Região Metropolitana de Lisboa, agre-
tanto do sistema financeiro como do comércio
gando os 19 concelhos que já faziam parte
mundial. Sistemas dominados pelo denomina-
da AML e que tem, em 2030, cerca de 3 mi-
do Bloco Pacífico, uma aliança tácita entre os
lhões de habitantes, ou seja 30% da popula-
Estados Unidos da América e a China e da qual
ção residente em Portugal, sendo a 17ª maior
fazem parte o México, o Chile, a Austrália, a
metrópole da Europa. No concelho de Lisboa,
Indonésia, o Japão e a Coreia e que – com ba-
residem cerca de 600.000 pessoas e, nos últi-
se na ascensão econômica da bacia do Pacífico
mos vinte anos, o peso relativo da população
e de algumas praças financeiras como Sidnei
residente nas duas margens da metrópole não
e Seul – advoga uma total liberalização das
se alterou substancialmente.
trocas comerciais e uma fraca regulação dos
mercados financeiros.
Devido à lentidão do processo de reabilitação urbana em Lisboa, mas também devido,
Essa incapacidade de protagonismo po-
em parte, aos crescentes custos dos transpor-
lítico-econômico da Federação e a não supera-
tes, a mobilidade na região metropolitana re-
ção da crise do século levaram a que o Velho
duziu-se gradualmente nos últimos vinte anos.
Continente passasse a ser conhecido como a
Essas circunstâncias deram origem à
Europa Transitória.
uma Metrópole policêntrica: Setúbal-Palmela,
Na última década, o suporte político-
Almada e Pinhal Novo na Península de Setúbal
-institucional da Federação e o esvaziamento
e Oeiras-Parede, Mafra-Ericeira e Vila Franca de
progressivo do papel dos Estados-nação pro-
Xira, na margem norte, assumiram-se, na últi-
porcionaram as condições para o reforço de
ma década, como os centros urbanos de maior
612
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis
relevância na estrutura socioeconômica da re-
absoluta. Portugal impõe rigorosas regras adua-
gião, concentrando as atividades mais dinâmi-
neiras, mas a desregulação econômica global
cas e inovadoras da metrópole.
afeta estruturalmente toda e qualquer ativi-
=;=;=;=;=;=;=;=;=
dade. Em 2020, instaura-se um novo regime
político consagrado com a Constituição para a
A degradação da coesão social e a inca-
Aliança dos Povos Portugueses, aprovada pela
pacidade de crescimento econômico moldam
Assembleia de Portugal (denominação, a partir
os cenários exploratórios mais indesejados e,
de 2020, da antiga Assembleia da República).
consequentemente, suportes de construção de
Os problemas estruturais da Federação
uma história de futuro tremendista. Um futuro
e dos outros países europeus tornam a Europa
que se teme, não se deseja e que não pode(ria)
impotente para combater os grandes desafios
nem deve(ria) acontecer e no qual a sociedade
mundiais colocados pelos crescentes problemas
euro-ocidental, que emerge na pós-transição,
provocados pelas alterações climáticas e pelo
dilui-se perante o poder da Era do Crescente
poder dominador dos países do Arco Crescente,
uma vez que a cidade euro-ocidental se assu-
uma denominação aplicada à aliança de países
me como uma cidade resistente.
e regiões não euro-ocidentais, que vieram a se
constituir numa organização formal por via do
Tratado da Aliança, assinado no Rio de Janeiro
Uma tremenda história do futuro:
a Era do Crescente e a cidade resistente
=;=;=;=;=;=;=;=;=
em 2016. Nos países-regiões dessa aliança do
crescente, localizam-se 10 das 13 cidades mais
importantes do mundo sob o ponto de vista
econômico-demográfico, as denominadas dez
A agudização dos problemas socais, econômi-
magníficas: Los Angeles, Cidade do México, São
co-financeiros e políticos suscitados na Europa,
Paulo, Joanesburgo, Deli, Bombaim, Pequim,
desde 2008, pela crise do século – denomina-
Shangai, Hong-Kong e Seul. Essa Aliança veio
ção pela qual veio a ser conhecida a crise que
a impor a desregulação do sistema financeiro
irrompeu pela Europa, a partir do verão de
e do comércio mundial. Hoje, depois da era do
2008, e que é ilustrada pelo persistente de-
ocidente, vive-se a era do crescente.
semprego estrutural, pela continuada quebra
Na última década, o papel dos Estados-
de poder econômico em face de outras regiões
-nação na Europa tem vindo a ser reforçado,
do mundo ou pelas crescentes tensões sociais
limitando, em todos os níveis, a autonomia das
e raciais nas grandes cidades – criou as condi-
cidades. A convergência entre os problemas es-
ções que vieram a provocar o desmembramen-
truturais do continente e essa menor autono-
to da União Europeia. Ao longo das duas últi-
mia urbana leva a uma estagnação da capaci-
mas décadas, o sistema democrático em vários
dade das grandes cidades que, apesar de tudo,
países tem vindo a enfraquecer notoriamente.
persistem em ser os espaços mais dinâmicos do
A Aliança Portugal (coligação de partidos
velho continente: são as cidades resistentes.
antieuropa, criado em 2016), ganha as eleições
Em Portugal, como consequência da nova
legislativas antecipadas de 2018 com maioria
Constituição de 2021 é efetuada uma profunda
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
613
Luís Carvalho, Jorge Gonçalves
reforma administrativa e territorial no âmbito
Ribeirinho Sul) e a uma forte concentração na
da qual são dissolvidas as Áreas Metropolita-
capital, a Lisboa Resistente.
nas, a de Lisboa e a do Porto, e são criadas as
=;=;=;=;=;=;=;=;=
regiões provinciais bastante semelhantes aos
limites dos velhos distritos.
Em 2030, os concelhos que formavam
até 2021 a AML, têm sensivelmente a mesma
população que tinham em 2011, mas têm um
O futuro de Lisboa:
suas histórias e seus planos
peso relativo no todo nacional muito maior,
pois a população em Portugal é de cerca de
Para perceber a(s) eventual(ais) distância(s)
8 milhões de habitantes. Ainda assim, o con-
ou convergência(s) entre as histórias de futu-
celho de Lisboa – que, em 2030, tem mais de
ro, construídas para Lisboa, em 2030, e esses
800.000 habitantes – recupera o protagonismo
planos, tendo como objetivo, interpretar a(s)
no contexto regional.
suas eventuais (in)capacidade(s) em face das
A logística, a gestão das infraestruturas
e as relações na metrópole de Lisboa passam
a estar, em grande parte, sustentadas numa lógica informal solidificada em malhas familiares
e/ou de vizinhança, transformando a metrópole
e, principalmente a sua área central – o con-
alterações – na sociedade e na cidade – que
emergem com o fim da era do ocidente.
Essa percepção passou pela construção de
uma sequência de matrizes de análise em que:
1) se procede ao cruzamento desses planos/
visões entre si;
celho de Lisboa – num complexo cruzamento
2) se cruzam os rumos das estruturas de re-
de organizações, entidades, grupos, empresas,
ferência e das incertezas críticas da sociedade e
famílias e indivíduos com interesses próprios,
da cidade com esses planos/visões;
mas que acabam por se enterlaçar. Um dos
3) se procede ao reconhecimento das conse-
sinais mais expressivos desses inúmeros cruza-
quências, que tem para Lisboa a convergência/
mentos não reguláveis são as novas dimensões
divergência entre os seus futuros (promissores,
de relacionamento, também elas informais, im-
prováveis ou tremendistas) e os seus planos/
previsíveis, mas convergentes entre o espaço
visões, com o(s) rumo(s) dos seus elementos
privado e o espaço público.
estruturantes.
A quebra dos padrões de mobilidade interurbana e a os generalizados conflitos nas cidades periféricas vieram sublinhar a concentra-
A narrativa dos planos para Lisboa
ção da população e das atividades econômicas
nos vários contextos territoriais, dando origem
É evidente que, mesmo recuando até 1990,
a uma metrópole com vastas áreas urbaniza-
Lisboa – cidade, Área Metropolitana, re-
das, mas deprimidas e semidesertas (com espe-
gião – foi objeto de muitos e diversificados
cial incidência na coroa exterior norte, Sintra,
planos/visões. Torna-se necessário, no es-
Cascais e Vila Franca de Xira e na área que, o
pectro dessa quantidade e abertura, sele-
final do século XX, denominou-se como Arco
cionar um número consistente de exemplos
614
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis
relevantes. As orientações para a seleção de
3) Câmara Municipal de Lisboa (2010). Carta
planos/visões para o futuro de Lisboa passa-
Estratégica Lisboa 2010-2024. Um compromis-
ram pelos seguintes critérios:
so para a futuro da cidade – proposta.
1) da diversidade, de forma a garantir pla-
4) Câmara Municipal de Lisboa (2011). Estra-
nos/visões com promotores, âmbitos, objetivos,
tégia de Reabilitação Urbana de Lisboa 2011-
áreas de intervenção e tipologias (e conse-
2024.
5) Comissão de Coordenação e Desenvolvi-
quente eficácia legal-administrativa) distintos;
2) da atualidade, de forma a garantir planos/
mento Regional – Lisboa e Vale do Tejo (2007).
visões de produção recente não incluindo qual-
Lisboa 2020, uma estratégia de Lisboa para a
6
quer uma com mais de dez anos de publicação;
Região de Lisboa.
3) do horizonte espacial, de forma a garantir
6) MCOTA-SEAOT (Ministério das Cidades,
planos/visões com a Área Metropolitana de Lis-
Ordenamento do Território e Ambiente –
boa como espaço de referência (na medida em
Secretaria de Estado do Ambiente e do
que a AML é o horizonte espacial dos cenários).
Ordenamento do Território). Conference
Todavia, considerou-se relevante que as áreas
of peripheral Maritime Regions of Europe ,
de intervenção das várias obras fossem varian-
CPMR (2002). Study on the construction of a
tes entre si (entre o Concelho de Lisboa num
polycentric and balanced development model
documento até ao espaço regional da Nutii de
for the european territory.
Lisboa e Vale do Tejo num outro documento);
4) do horizonte temporal, de forma a garantir a seleção de planos/visões cujo com um horizonte temporal aproximado ao das histórias
Lisboa, em 2012, e as previsões
sobre o seu futuro
de futuro, 2030 (os quatro planos/visões que
determinam um ano horizonte que varia entre
Para a construção da matriz de análise da con-
2020 e 2025);
vergência/distância entre as histórias de futuro
v) da comparabilidade metodológica, de for-
e os planos/visões já elaborados para Lisboa,
ma a garantir que alguns desses planos/visões
importava: 1) retratar a situação do horizonte
integrassem a construção de cenários alternati-
espacial – a Área Metropolitana de Lisboa – no
vos para Lisboa (três formulam cenários alter-
tempo de referência – 2012; 2) vislumbrar as
nativos para o futuro de Lisboa).
previsões sobre o seu futuro.
Os seis planos/visões para o futuro próximo de Lisboa analisados:7
A Área Metropolitana de Lisboa tem,
em 2011, 2,8 milhões de pessoas,8 cerca de
1) Ministério do Ambiente e Ordenamento
um quarto de toda a população de Portugal,
do Território (2007). PNPOT Programa Nacional
e contribui desproporcionalmente para a eco-
da Política de Ordenamento do Território.
nomia portuguesa, uma vez que corresponde
2) Comissão de Coordenação e Desenvolvi-
a cerca de um terço de sua produção. Essa
mento Regional – Lisboa e Vale do Tejo (2010).
alta concentração de atividade econômica do
Plano Regional de Ordenamento do Território
país na região da capital faz com que Lisboa
da Área Metropolitana de Lisboa.
seja altamente dependente das condições
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
615
Luís Carvalho, Jorge Gonçalves
macroeconômicas de Portugal e, no outro sen-
continuará a minguar até 2025 (passando nes-
tido, determina que Portugal se torne depen-
se ano a ser cerca de 41%);
dente de Lisboa e do poder da sua economia
●
tendo em conta as dificuldades da situação
metropolitana. Segundo o último relatório do
de partida, e segundo as previsões para o fu-
Metropolitan Policy Program (2012, p. 18), o
turo próximo de Lisboa, a taxa de crescimento
PIB per capita da Região de Lisboa, em 2011,
médio anual do PIB, até 2025, não deve ultra-
igualou o nível que tinha em 1999. O emprego
passar 1% (prevê-se que a média nas metró-
caiu 2,4% em 2011, continuando uma tendên-
poles da UE seja de 2%). Registo que é mani-
cia descendente iniciada em 2008-2009. Não
festamente insuficiente para, no atual sistema
será pois de estranhar que no índice Metro-
político-econômico, empreender uma lógica de
politan Policy Program de 2011, Lisboa tenha
crescimento que possibilite uma redução sig-
ficado em penúltimo lugar – num universo de
nificativa dos encargos da dívida e favoreça o
200 áreas metropolitanas de todo o mundo –
investimento, a criação de emprego e a fixação
no que se refere ao desempenho econômico, só
da população, uma vez que, cumprindo-se es-
9
sa previsão, o PIB per capita dos lisboetas, em
superada negativamente por Atenas.
Quanto à caracterização de tendências e
de projeções para a AM Lisboa, e concretamente no seu relacionamento com o sistema urba10
no nacional e europeu, importa sublinhar:
2025, será praticamente idêntico ao de 2007;
●
segundo diversas previsões, a população
na AM Lisboa terá, em 2025, entre 3,0 a 3,1
milhões de habitantes o que corresponde a um
o ritmo de crescimento populacional foi,
acréscimo anual médio de cerca 0,4% enquan-
desde 1990, cerca de 0,5% ao ano (em média)
to que, em média, as metrópoles europeias te-
e foi muito inferior crescimento verificado nos
rão um acréscimo médio anual de, aproximada-
vinte anos anteriores (1970-1990), que foi de
mente, 0,5%.11
●
quase 2% ao ano (em média);
Esses acréscimos são manifestamente resi-
em mais de três décadas – entre 1990 e
duais e indiciam o esgotamento da margem de
2025 – a população da AM Lisboa passará de
progressão de crescimento das grandes metró-
cerca de 2,6 para pouco mais de 3 milhões de
poles da Europa, indicando um novo tempo do
habitantes o que corresponde a um aumento
sistema urbano/metropolitano europeu: o tem-
de aproximadamente 17%, quando, na 2ª me-
po, se não do declínio, do não crescimento.
●
tade do século XXI, a população na Área Metropolitana mais do que duplicou, passando de
1,2 milhões, em 1950, para os cerca de 2,6 milhões de habitantes em 1990;
●
com essa estabilização da dimensão po-
As histórias de futuro de Lisboa
2030 e os seus planos/visões
pulacional da AML nas duas últimas décadas,
a metrópole lisboeta foi perdendo peso, consi-
Tendo empreendido o processo de cenariza-
derando o total da população urbana nacional
ção, que conduziu à construção das histórias
(passando de 51%, em 1990, para 43%, em
de futuro para Lisboa, em 2030, e tendo-se
2010), uma vez que previsivelmente esse peso
reconhecido a situação de referência de Lisboa
616
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis
e quais são as previsões sobre o seu futuro,
cidade de Lisboa (Figura 4) em que se verifica a
importa verificar qual a realção entre aquelas
convergência/divergência entre as previsões e
histórias de futuro e os seis planos/visões para
as especulações sobre Lisboa.
o futuro próximo de Lisboa que foram analisa-
3ª Matriz: Posicionamento dos seis pla-
dos. Da verificação dessa relação, podem-se
nos/visões e das histórias de futuro, tendo em
interpretar as consequências da divergência
conta o rumo das incertezas críticas (Figuras 5
ou convergência entre a narrativa da especula-
e 6), verificando-se a relação entre a coesão so-
ção – a dos cenários – e a narrativa da previ-
cial e a capacidade econômica de uma cidade,
são – a dos planos.
as previsões sobre o seu futuro e as histórias
Essa verificação se efetuou pela construção de uma sequência de matrizes.
promissoras, prováveis e tremendistas que se
traçam para Lisboa.
1ª Matriz: Cruzamento entre os seis pla-
Sobre o cruzamento entre os seis planos/
nos/visões e as estruturas de referência da ci-
visões e os elementos estruturantes da cidade
dade (Figura 3) considerando três dimensões:
(Figura 3) e considerando as quatro dimensões
a) a dimensão sociocultural, relacionada
com a própria ideia de cidade;
b) a dimensão político-institucional,
relevantes para o estudo de caso – a social, a
política, a institucional e a econômica – a principal ilação que se retira é a da convergência.
relacionada com os conceito de governo e de
Apesar de terem promotores, âmbitos,
fronteira da cidade e com o rumo da democra-
objetivos, áreas de intervenção e tipologias
cia e do Estado-nação enquanto pilares defini-
distintas, todos os planos/visões analisados
dores do contexto;
acabam por convergir no entendimento sobre
c) a dimensão econômica, relacionada
o posicionamento presente e sobre qual o (de-
com o conceito dos recursos e das relações na
sejável) rumo no futuro dos elementos estru-
cidade e com o rumo do capitalismo enquanto
turantes do ocidente (e do euro-ocidente em
pilar definidor do contexto.
concreto) e que moldam o caráter da cidade
2ª Matriz: Cruzamento de síntese entre
os seis planos/visões e as histórias de futuro da
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
euro-ocidental, e, como tal, o caráter da cidade
de Lisboa.12
617
Luís Carvalho, Jorge Gonçalves
Figura 3 – A convergência dos seis planos/visões sobre o rumo
das estruturas de referência da cidade
Estruturas da Referência
Fator-chave
Planos/Visões
Dimensão social/
Conceito de cidade
Dimensão política/
Dimensão
Dimensão econômica/
Democracia e
institucional/Estado
Capitalismo e
governo
e fronteira
recursos
(que influencia o
rumo das estruturas)
PNPOT
PROT-AML
CE 2024
ERU Lisboa
Denominador comum:
Aprofundamento do
Aprofundamento
Cidade Sustentável/
sistema democrático
do Projeto da União
Cosmopolita
de governação (com
Europeia e subsistência
apontamentos sobre
do Estado-nação
a passagem para
(sublinhando-se
uma democracia
ainda o papel da Área
monitorizada)
Metropolitana)
Variantes:Cidade
Compacta/Competitiva
Lisboa 2020
Cidade Central
A capacidade das
Capacidade de
desenvolvimento
econômico com base
no sistema capitalista
novas tecnologias
e da inovação de
criarem uma base
infraestrutural assente
na sustentabilidade e
na mobilidade
CPMR
Nenhum dos 6 planos/visões analisados
é apresentado qualquer cenário de ruptura
internaliza e/ou pondera a possibilidade de rup-
negativa e/ou de tendência catastrofista. Os
turas nos elementos estruturantes definidora
cenários construídos alargam-se desde a conti-
da sociedade e da cidade num futuro próximo:
nuidade de situação atual às possibilidades de
a) a possibilidade de uma ruptura sociocul-
desenvolvimento por via da singularidade, da
tural com uma profunda alteração do próprio
antecipação e/ou do voluntarismo da e sobre a
conceito de cidade e com a ideia da necessi-
cidade de Lisboa. Afirmando-se, assim, nesses
dade de uma outra cidade depois transição;
cenários, a visão de uma Lisboa euro-região
b) a possibilidade de uma ruptura político-institucional que resulta da quebra dos sis-
singular ou de uma metrópole sistema/porta-de-entrada.14
temas democráticos de governação e/ou pela
Do cruzamento específico entre os seis
implosão da União Europeia e/ou dos seus
planos/visões e cada das histórias de futuro (Fi-
Estados-nação;
gura 4), conclui-se que todos os planos/visões,
c) a possibilidade de uma ruptura econômica
não considerando a possibilidade de rupturas
com a quebra e/ou descontrole do sistema ca-
negativas, aproximam-se das histórias de futu-
pitalista e a persistente incapacidade de cresci-
ro promissoras ou prováveis. Verifica-se assim
13
mento econômico.
Três das obras analisadas constroem de
uma dupla convergência:
1) dos seis planos/visões entre si;
forma mais afirmativa cenários, tendo como
2) das narrativas da especulação – do
horizonte espaço-temporal a Área Metropo-
futuro promissor – e da previsão – do futuro
litana de Lisboa/Região de Lisboa em redor
provável – com a narrativa dos planos/visões
de 2020 a 2025. Em nenhum dos três casos
para o futuro de Lisboa.
618
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis
Figura 4 – Os planos/visões para o futuro de Lisboa
e a convergência com histórias de futuro em 2030
Identificação do Plano/Visão
Estudos estratégicos supra-municipais
Estudos de estratégia municipal
(que não PMOT’s)
Instrumentos de Gestão
do Território
Tipo
Sigla
Identificação
Horizonte de Referência
Promotor
Data de
publicação
Programa Nacional de
PNPOT
Política de Ordenamento
Temporal
de futuro da cidade
Renascida Reincidente Resistente
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
cerca de
MAOT-DR
2007
CCDR LVT
2010
CM Lisboa
2010
2024
CM Lisboa
2011
2024
do Território
Espacial
Convergência com as histórias
2020
Portugal

Plano Regional de
PROT-AML
Ordenamento do
Território da Área
cerca de
2020
AM Lisboa

Metropolitana de Lisboa
CE 2024
Carta Estratégica Lisboa
2010-2024
Estratégia de
ERU Lisboa
Reabilitação Urbana de
Lisboa 2011-2024
estratégia de Lisboa para
Lisboa
Concelho de
Lisboa


Região de
Lisboa 2020, uma
Lisboa 2020
Concelho de
CCDR LVT
2007
2020
a Região de Lisboa
Lisboa e

Vale do
Tejo
Portugal,
Espanha,
Study on the
França,
construction of a
CPMR
polycentric anda
balanced development
MCOTASEAOT
2002
model for the european
territory
diferen-
Itália,
ciados
Reino Unido,

Suécia,
Finlância e
Dinamarca
No que se refere ao posicionamento dos
convergentes que colocam o futuro projeta-
seis planos/visões e das histórias de futuro ten-
do para Lisboa numa narrativa entre a pre-
do em conta o rumo das incertezas críticas –
dição e promessa;
a coesão social e a capacidade econômica de
uma cidade – verifica-se que (Figuras 5 e 6):
b) só a narrativa inerente a uma cidade
resistente coloca a possibilidade de ruptu-
a) todos os planos /visões assumem que
ras sociais e econômicas embora a narrativa
Lisboa terá, num futuro próximo, a capa-
da cidade reincidente aponte para uma certa
cidade de fortalecer a coesão social e de
continuidade das tendências recessivas (em
crescer economicamente, considerações
nível econômico) e de risco (em nível social).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
619
Luís Carvalho, Jorge Gonçalves
Figura 5 – Posicionamento dos planos/visões para Lisboa
e das histórias de futuro tendo em conta as incertezas críticas
DA COESÃO E INTEGRAÇÃO SOCIAL
DA CAPACIDADE DE CRESCIMENTO ECONÔMICO
DA CAPACIDADE DE CRESCIMENTO ECONÔMICO
COESÃO E INTEGRAÇÃO SOCIAL
620
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis
Figura 6 – Posicionamento dos planos/visões para Lisboa
e das histórias de futuro tendo em conta outros cenários
para Lisboa e as previsões para o seu futuro15 próximo
População
Portugal
AM Lisboa
PIB
Concelho de Lisboa
Cresc.
anual PIB
PIB per
capita
(% var.
anual)
(milhares
de euros)
Pop. (em
milhões de
hab.)
% de
Portugal
Em 2011
10,5
27%
2,8
21%
0,6
-1%
20
História da Cidade
Renascida
11,8
30%
3,6
20%
0,7
3%
28
Pop. (em
Pop. (em
milhões de % da AML milhões de
hab.)
hab.)
Outros cenários: Lisboa Euro-Região Singular / Lisboa Sistema-Porta
Em
2030
História da Cidade
Reincidente
10,2
30%
3,1
20%
0,6
1%
24
0,8
0%
20
Previsões para Lisboa
História da Cidade
Resistente
8,2
33%
Conclusões
Numa matriz de síntese sobre o relacionamento conjugado entre as três histórias de futuro,
os seis planos/visões, as incertezas críticas e as
estruturas de referência da sociedade e da cidade, salientam-se:
1) as tendências de um passado recente
apontam para que a narrativa da predição (assente na verificação da probabilidade e na projeção quantitativa do futuro) vem se afastan-
2,8
30%
2) em termos do próprio conceito sobre a cidade, o círculo fechado do consenso e do pensamento único (ilustrados pelos objetivos-denominadores comuns da criatividade e sustentabilidade) têm impedido a ponderação da(s)
ruptura(s) e adiam a internalização do fator
determinante, relacionado com o progressivo
envelhecimento da população (com todas as
consequências que daí advêm). O resultado: a
indecisão sobre a ideia de cidade, de uma outra cidade;
do progressivamente tanto dos planos/visões
3) a possibilidade de ocorrerem brechas
como de uma história promissora do futuro,
no sistema de governação democrática nos
uma vez que os resultados prováveis se vêm
planos/visões ou nas histórias de futuro da
aproximando cada vez mais dos resultados de
cidade renascida ou da cidade reincidente,
ruptura negativa;
é simplesmente omitido. Assume-se como
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
621
Luís Carvalho, Jorge Gonçalves
adquirida a preservação da democracia repre-
degradação das condições socias e para uma
sentativa, eventualmente passando para um
persistente e continuada estagnação econômica.
patamar de aprofundamento da participação
Com o tempo, as imagens do futuro que
dos cidadão;
se visiona e/ou que se pretende vão se afas-
4) sem ser muitas vezes explícito todos os
tando da realidade, apesar de essas imagens
planos/visões e as histórias de futuro promissor
recorrerem a amarras e “desenha-se” o futuro,
e provável assumem tanto a permanência do
visionando desejo(s), projetando o extraordiná-
Estado-nação como o prosseguimento da cons-
rio ou fazendo aproximações ao provável, mas
trução do projeto da União Europeia. Embora
não colocando em questão a perenidade das
seja cada vez mais duvidoso o aprofundamento
(nossas) amarras.
ou até mesmo a sobrevivência desse projeto o
A cidade que se adivinha depois da transi-
certo é que essa incerteza – sobre a estrutura-
ção e da revolução urbana, ilustrada pelo estudo
ção institucional da europa – não faz parte da
de caso Lisboa, deve ser perspectivada, também,
narrativa nem dos planos/visões nem da cidade
no exterior da sua materialidade, e os instrumen-
renascida nem da cidade reincidente;
tos de gestão territorial e planejamento urbano
5) provavelmente os dois movimentos mais
marcantes e definidores da globalização são
a liberalização do comércio mundial e a financeirização do sistema econômico (e que foi
acompanhado pela virtualização do sistema
financeiro). Apesar da magnitude desses movimentos, que têm tido um aprofundamento
crescente, a narrativa dos planos/visões e das
histórias de futuro promissor e provável persistem na omissão e/ou na enunciação de lógicas
contraditórias em relação a estas tendências
que se traduzem numa volatilização das relações na cidade;
positivistas dificilmente contemplam os cenários
mais alargados das cidades de hoje, tornando-se
desadequados, desatualizados e estruturalmente incapazes para pensar o futuro das cidades.
Apesar de ser evidente a indecisão em relação
ao que se pretende, tanto como imprecisa a projeção do futuro, os planos conjugam a visão, a
vontade e a previsão, mas não integram o valor
exploratório da especulação, nem ponderam os
impactos da surpresa e do risco.
O reforço da proximidade e da convergência entre os estudos do futuro e os estudos da cidade é uma prioridade central, na
medida em que a incorporação dos exercícios
6) a divergência entre os futuros projetados e
intelectuais dos estudos do futuro, no discurso
(alguns) futuros construídos que assumem que
do urbanismo, permitirá um reconhecimento
Lisboa terá num futuro próximo à capacidade
mais integrador e mais consistente, quer do
de fortalecer a coesão social e de crescer eco-
caráter da cidade euro-ocidental da pós-transi-
nomicamente quando as tendências apontam
ção, quer da urgência e da necessidade de um
para a emergente possibilidade de riscos de
plano compatível com essa cidade.
622
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis
Luís Carvalho
Arquiteto. Mestre em Planejamento Regional e Urbano. Assistente convidado da Universidade
Técnica de Lisboa. Lisboa, Portugal.
[email protected]
Jorge Gonçalves
Geógrafo. Doutor em Geografia e Planejamento Regional. Professor auxiliar da Universidade Técnica
de Lisboa. Lisboa, Portugal.
[email protected]
Notas
(1) O ocidente europeu – o euro-ocidente – deve ser compreendido como uma en dade em que se
par lha uma origem e um território. No final do século XV, o ocidente iden ficava uma conjunto
de en dades polí cas e de povos muito diversos, não raras vezes em conflito entre si, mas que
nham em comum um passado, resultante de uma confluência civilizacional mediterrânica, e
uma geografia, compreendida pelo território da Grécia à Irlanda. Essa Europa que, segundo
Steiner (2005), era um continente feito de cafés, percorrivel a pé. Contemporaneamente o
euro-ocidente reconhece-se numa uma en dade polí ca concreta, a União Europeia (embora
integre outros três países não membros da União: a Noruega, a Islândia e a Suíça).
(2) Os cenários são ferramentas para (re)conhecer o futuro, assemelham-se a um conjunto de
histórias que podem expressar e dar significado a múltiplas perspectivas tendo em conta
eventos complexos (Ratcliffe et al., 2009).
(3) Essa escolha fundamentou-se em quatro aspectos principais:
- na disponibilidade de informação acessível, fiável e comparável;
- no desenvolvimento polí co-administra vo de uma en dade territorial até há pouco inconsistente,
orçamentalmente pouco apetrechada e com competências reduzidas;
- no fato de ser uma en dade territorial iden ficável e autonomizável, dada a grande diversidade das
suas estruturas invariantes e das a vidades antrópicas que nela se pra cam;
- na sua possibilidade de integração sistema metropolitano europeu.
(4) Essa referenciação de horizonte temporal obedeceu à regra de projeção temporal de vinte anos
enunciada por Hopkins e Zapata (2007), mas, antes de mais, a uma série de razões:
- a comparabilidade: o ano de 2030 permite exercícios de comparação entre esta investigação e
outros documentos com preocupações contextualmente similares;
- a verosimilhança: a projeção a duas décadas permite uma abertura à especulação, mas mantém
o futuro num tempo que é alcançável pelas gerações atuais (ainda em idade a va), ainda que
associado às gerações seguintes;
- a acessibilidade: a maioria dos dados prospectivos e retrospectivos necessários à construção e
consolidação dos vários cenários estão disponíveis num horizonte prospec vo a duas décadas,
com significativa acessibilidade e fiabilidade, tempo que é alcançável pelas gerações atuais
(ainda em idade a va), ainda que associado às gerações seguintes.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
623
Luís Carvalho, Jorge Gonçalves
(5) A matriz aplicada – de preferência versus probabilidade é utilizada com variantes em outros
processos de construção de cenários: (1) no modelo City Prospective Through Scenarios,
Gannon e Ratcliffe (2006), classificam as forças motrizes a par r de uma análise do seu grau de
relevância e de incerteza; (2) no processo de cenarização de Schwartz (1991), as variáveis-chave
são dis nguidas entre variáveis previsíveis e incertezas-chave; (3) nos modelos adotados pelo
grupo Futuribles, as linhas de força incluem as grandes tendências e as incertezas.
(6) Com excepção de um dos exemplos todos se concluíram nos úl mos cinco anos.
(7) Sublinhe-se que o obje vo da análise de cada um destes seis planos/visões não foi, em momento
algum, a crí ca aos seus obje vos, pressupostos de promoção e a seus conteúdos e lógicas
de antecipação do futuro próximo de Lisboa. Também não teve como obje vo a avaliação de
resultados e/ou da implementação das suas propostas e/ou visões.
(8) INE, resultados provisórios dos Censos 2011.
(9) Entre as dez metrópoles com melhor desempenho nos úl mos anos, sete localizam-se na Ásia e
duas na Turquia. Entre as dez com pior desempenho, oito pertencem aos denominados PIIGS
e as outras duas são norte-americanas. O termo PIIGS para iden ficar o conjunto desses cinco
países em francas dificuldade econômico-financeiras (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha)
foi popularizado, após a publicação na revista Economist, no dia 18/5/2010, do ar go Europe's
economic woes, The PIIGS that won't fly- A guide to the euro-zone's troubled economies.
(10) A referência a previsões para o futuro próximo de Lisboa toma em consideração as seguintes
fontes:
- Demographia (2011). Demographia World Urban Areas, World Agglomera ons, 7th Annual Edi on.
April.
- United Na ons, DESA, Department of Economic and Social Affairs. Popula on Division (2009). World
Urbaniza on Propspects: the 2009 Revision. Urban Popula on 1950-2050. Nova York, United
Na ons.
- UNHABITAT (2008). State of the World’s Ci es 2008/2009. Harmonious Ci es. United Na ons Human
Se lements Programme. Earthscan Dunstan House London, UK
- United Na ons - DESA (2008). World Urbaniza on Prospects, the 2007 Revision.
- United Na ons DESA, Department of Economic and Social Affairs. Popula on Division. (2007). World
Urbaniza on Prospects. The 2007 Revision. Nova York, United Na ons.
- McKinsey Global Ins tute (2011). Mapping the economic power of ci es. Acedido em 14-9-2011,
em: h p://www.mckinseyquarterly.com/.
(11) UNHABITAT (2008) e DESA (2007) são as previsões que apontam um maior crescimento mas
ainda assim com um limiar máximo de 3.100.000 habitantes para 2025.
(12) Essa convergência tem variantes determinadas pelas próprias diferenças, já referenciadas, entre
cada um dos planos/visões.
(13) Alguns dos planos/visões (com destaque para o PROTAML e para o estudo estratégico da CCDR
para 2020) registam as atuais dificuldades e as débeis condições de par da principalmente no
plano social e econômico.
(14) Estudo da CPMR para um sistema urbano policêntrico.
(15) Os outros cenários: Lisboa euro-região singular (estudo estratégico da CCDR para Lisboa em
2020) e Lisboa sistema-porta (estudo de CPMR para um sistema urbano policêntrico).
624
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis
Referências
ASCHER, F. (1995). Metápolis, acerca do futuro da Cidade. Oeiras, Celta.
BARZUN, J. (2003). Da alvorada à decadência. Lisboa, Gradiva.
CCDR LVT (2007). Lisboa 2020, uma estratégia de Lisboa para a Região de Lisboa. Lisboa, CCDR LVT.
______ (2010). Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa. Lisboa,
CCDR LVT.
CHILDE, V. G. (1930). The Bronze Age. Publicado pela 1.ª vez por Cambridge University Press em 1930.
Disponível em: h p://www.marxists.org/archive/childe/1930/bronzeage/ch01.htm. Acesso em:
11 jun 2011.
CHOAY, F. (2000). O urbanismo – utopias e realidades: uma antologia. São Paulo, Perspec va.
CM LISBOA (2010). Carta Estratégica Lisboa 2010-2024. Um compromisso para a futuro da cidade –
proposta. Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa.
______ (2011). Estratégia de Reabilitação Urbana de Lisboa 2011-2024. Lisboa, Câmara Municipal de
Lisboa.
CONFERENCE OF PERIPHERAL MARITIME REGIONS OF EUROPE, CPMR (2002). Study on the construc on
of a polycentric and balanced development model for the european territory. Lisboa, MCOTASEAOT.
DIAMOND, J. (2005). Collapse. How socie es choose to fail or succeed. Nova York, Penguin.
GANNON, J. e RATCLIFE, J. (2006). A Prac cal Handbook on Futures Workshops: Visioning the Future of
Ci es. Dubllin, Dublin Ins tute of Technology.
HOBSBAWM, E. (1995). A era dos extremos. São Paulo, Companhia das Letras.
HOPKINS, L. D. e ZAPATA, M. A. (2007). Engaging the future Forecasts, Scenarios, Plans, and Projects.
New Hampshire, Lincoln Ins tute of Land Policy/Puritan Press Incorporated, Hollis.
KEANE, J. (2009). The Life and Death of Democracy. Nova York, W. W. Norton & Company.
MAOT-DR (2007). PNPOT, Programa Nacional da Polí ca de Ordenamento do Território. Lisboa, MAOT-DR.
McKINSEY & COMPANY (2011). Urban world: mapping the economic power of ci es. McKinsey Global
Ins tute.
METROPOLITAM POLICY PROGRAM (2012). Global Metro Monitor 2011, Volatility, Growth and
Recovery. New York, The Brookings Ins tu on.
MONGIN, O. (1995). Vers la troisème ville? Paris, Hache e Livre.
RATCLIFFE, J.; O’BRINE, G. e BRODOWICZ, D. (2009). Built environment foresight 2030: the sustainable
development impera ve. Dublin, Dublin Ins tute of Technology.
SCHWARTZ, P. (1991). The art of long view: planning for the future in an uncertain world. Nova York,
Doubleday.
SOJA, E. (2000). Postmetropolis: cri cal studies of ci es and regions. Malden – Massachuse s, Blackwell
Publishing.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
625
Luís Carvalho, Jorge Gonçalves
SPENGLER, O. (1923). The decline of the west. Munique, Alfred Knopf.
STEINER, G. (2004). A Ideia de Europa. Lisboa. Gravida
UN-HABITAT (2008). Harmonious ci es: state of the world’s ci es 2008/2009. Londres, Earthscan.
UNITED NATIONS (2008). World Urbaniza on Prospects, the 2007 Revision. Nova York, United Na ons.
UNITED NATIONS DESA, Department of Economic and Social Affairs. Popula on Division. (2007). World
Urbaniza on Prospects. The 2007 Revision. Nova York, United Na ons.
______ (2009). World Urbaniza on Propspects: the 2009 Revision. Urban Popula on 1950-2050. Nova
York, United Na ons.
Texto recebido em 3/set/2012
Texto aprovado em 20/dez/2012
626
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013
Produção do espaço urbano
e processos espaciais em Natal:
o conjunto Ponta Negra em foco*
Urban space production and spatial processes in Natal:
focusing on the Ponta Negra housing estate
Felipe Fernandes de Araújo
Resumo
O trabalho se propõe a discutir os processos espaciais no espaço intraurbano do conjunto Ponta
Negra, em face das transformações ocorridas, fruto da ação dos agentes produtores do espaço. Foi
realizada pesquisa de campo que verificou a mudança no uso do solo, com o aumento do número
de atividades terciárias, muitas voltadas para a demanda turística. Observou-se também a mudança
na forma urbana, com o surgimento de residências
multifamiliares e flats, intensificando o processo de
verticalização. A análise do conteúdo social foi realizada através de entrevistas junto aos moradores.
Conclui-se que tem início a chegada de uma nova
população que, no futuro, pode substituir a população original do conjunto Ponta Negra, visto que
podem pagar pelo alto preço do solo.
Abstract
The paper aims to discuss the spatial processes
in the intra-urban space of the Ponta Negra
housing estate, in light of the changes that have
occurred as a result of the action of the agents who
produce the space. We conducted a field research
that investigated the change in land use with the
increase in the number of tertiary activities, many
geared to the tourist demand. We also observed
the change in the urban form, with the emergence
of multi-family residences and flats, intensifying
the high-rise development. The analysis of social
content was conducted through interviews with
residents. We conclude that a new population has
started to arrive which, in the future, can replace
the original population of the Ponta Negra housing
estate, as they can pay for the high price of land.
Palavras-chave: produção do espaço urbano; agentes produtores do espaço; processos espaciais; transformações socioespaciais; conjunto Ponta Negra.
Keywords: urban space production; spaceproducing agents; spatial processes; socio-spatial
transformations; Ponta Negra housing estate.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013
Felipe Fernandes de Araújo
Sob o capitalismo, a ocupação do espa-
troca. O primeiro diz respeito à utilidade da
ço urbano se dá em função dos interesses dos
mercadoria, servindo como meio de existência.
agentes produtores do espaço e resulta numa
O segundo está associado ao estabelecimento
configuração que inclui diferentes usos do
de uma relação quantitativa entre as mercado-
solo. De acordo com Corrêa (1997), o espaço
rias (Harvey, 1980).
urbano é fragmentado e constitui um mosaico
Existem três formas de renda originadas
que propicia a reprodução do capital. Por ser
do potencial do uso do solo. A renda absoluta é
um produto social, o espaço urbano apresen-
aquela oriunda do monopólio sobre a proprie-
ta grandes desigualdades e reflete a estrutura
dade do solo urbano, característico do sistema
social dividida em classes. Além disso, dispõe
capitalista. Como nenhuma parcela de solo da
“[...] de uma mutabilidade que é complexa,
cidade é igual a outra, alguns atributos, co-
com ritmos e natureza diferenciados” (Corrêa,
mo oferta de serviços e benfeitorias urbanas,
2000, p. 8). Assim, o espaço urbano é também
servem à valorização do solo urbano. A loca-
um condicionante social, ou seja, o espaço
lização privilegiada possibilita uma renda su-
construído desempenha importante papel tan-
plementar, chamada renda diferencial. A exis-
to na reprodução de capital quanto na repro-
tência de características exclusivas, tais como
dução da sociedade. Ele é, como explica Cas-
amenidades naturais e aspectos paisagísticos,
tells (1975, p. 146),
possibilita a extração de mais renda, uma vez
[...] um produto material em relação com
outros elementos materiais – entre outros, os homens, que entram também em
relações sociais determinadas, que dão
ao espaço (bem como a outros elementos
da combinação) uma forma, uma função,
uma significação social.
que pode ser cobrado um preço de monopólio
que é “determinado pelas necessidades, desejos e capacidades de pagamento dos compradores” (Ribeiro, 1997, p. 67), constituindo uma
renda de monopólio.
Harvey (1980) explica que o solo urbano
possui qualidades especiais. Em primeiro lugar,
A terra é um dos elementos que com-
é indispensável ao ser humano, uma vez que es-
põem o espaço urbano e uma condição funda-
te não pode existir sem ocupar espaço. Apresen-
mental para a realização de qualquer atividade.
ta baixa liquidez, isto é, muda de proprietários
Como não é originada do trabalho humano,
com pouca frequência. A localização é de suma
não possui valor, no sentido marxista. Por outro
importância, pois não pode deslocar-se livre-
lado, toda terra tem um preço, fruto da proprie-
mente, já que é uma mercadoria imóvel, com fi-
dade privada no modo de produção capitalista,
xidez geográfica. Apresenta inúmeras funções e
pois somente “mediante a compra de um direi-
diversos usos para cada usuário. Enfim, é impor-
to de propriedade ou o pagamento de um alu-
tante assinalar que o solo urbano possui múlti-
guel periódico” (Singer, 1982, p. 23) poder-se-á
plos valores-de-uso, uma vez que cada agente
acessá-la. Na cidade, a terra, associada à infra-
produtor o utiliza diferentemente. Nas palavras
estrutura produzida, torna-se uma mercadoria,
de Harvey (1980, p. 142), “O que é valor de uso
o solo urbano. Este, por ser mercadoria, possui
para um é valor de troca para outro, e cada um
um duplo aspecto: o valor de uso e o valor de
concebe o valor de uso diferencialmente”.
628
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013
Produção do espaço urbano e processos espaciais em Natal
Nesse contexto, os promotores imobiliá-
Embora apresentem objetivos variados,
rios desejam que seus imóveis estejam em uma
alguns interesses acabam convergindo para
parcela valorizada do espaço urbano, que pos-
um objetivo comum, geralmente com a fina-
sam lhes render maior renda. Uma das formas
lidade de promover a reprodução do capital.
de auferir renda é por intermédio da especula-
Nesse sentido, Harvey (apud Valença, 2006)
ção imobiliária. Há na cidade muitos lotes ocio-
aponta como o capital constrói, destrói e re-
sos, sem função social, à espera da valorização
constrói o espaço urbano à sua semelhança
que advém da provisão de infraestruturas urba-
para que, pelos novos usos e funções, possa
nas e oferta de serviços. Os proprietários fundi-
reproduzir-se de maneira ampliada. Valença
ários almejam, com isso, extrair uma maior ren-
(2006, p. 186), analisando o pensamento de
da fundiária. Ao mesmo tempo, os proprietários
Harvey, explica que
dos meios de produção necessitam de terrenos
que satisfaçam requisitos específicos para a
localização de seus negócios, buscando áreas
em que a infraestrutura instalada diminua os
custos da produção ou facilite o consumo. Os
usuários consomem os vários bens e serviços
gerados a partir da multiplicidade de funções
da cidade para satisfazer suas necessidades,
como a moradia, os hospitais, as escolas, o
lazer, etc.. A habitação é um dos principais aspectos para a produção do espaço urbano e um
dos elementos primordiais da reprodução da
força de trabalho.
O Estado, por sua vez, interfere na produção do espaço urbano por meio do provimento de infraestruturas, além de ser responsável
pelo controle urbanístico da cidade. De acordo
com Lojkine (1981, p. 171), o Estado deve ser
[...] tanto a cidade é importante para a
acumulação de capital em geral – produção e consumo de mercadorias e reprodução da força de trabalho – como a produção do espaço urbano é, ela própria, parte nada desprezível dessa acumulação.
Dessa forma, a cidade é produzida como mercadoria, como valor-de-troca.
As ações dos agentes que produzem a
cidade originam determinados processos ligados à acumulação de capital e à reprodução
social. De acordo com Harvey (apud Corrêa,
1997), a cidade é a expressão concreta dos
processos sociais, na forma de um ambiente físico construído sobre o espaço geográfico. Para Castells (1975, p. 73), a produção do espaço
gera uma série de processos sociais que criam
visto como o “agente principal da distribuição
funções, formas espaciais e atividades dentro
social e espacial dos equipamentos urbanos
de uma organização espacial:
para as diferentes classes e frações de classe”.
O Estado tem papel fundamental para garantir
os elementos necessários para a reprodução
capitalista na cidade, por meio da criação das
condições gerais de produção, sejam os meios
de consumo coletivo (escolas, hospitais) ou os
meios de circulação material – meios de comunicação e de transportes (Lojkine, 1981).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013
Chamamos produção de formas espaciais ao conjunto de processos que
determinam a articulação concreta de
elementos materiais sobre um espaço
dado. Mais concretamente, à determinação da organização, no espaço,
dos indivíduos e grupos, dos meios
de trabalho, das funções, das atividades, etc.
629
Felipe Fernandes de Araújo
Quando ocorre uma transformação na estrutura social, consequentemente, há também
permanência das atividades e população sobre
o espaço urbano” (Corrêa, 1997, p. 122).
mudanças no espaço urbano, podendo-se falar
na existência de processos espaciais. Os processos espaciais são os elementos mediadores
que viabilizam meios para os processos sociais
transformarem o espaço geográfico (Corrêa,
1997). Castells (1975) afirma que a forma das
cidades, a sua evolução e as suas funções vão
depender do tipo de processo social que está
subjacente a esta e, nesse processo, estão incluídos os processos espaciais. Nesse sentido,
Corrêa (2000, p. 36) reforça a ideia de que os
processos espaciais são de natureza social,
uma vez que
[...] são as forças através das quais o movimento de transformação da estrutura social, o processo, se efetiva espacialmente,
refazendo a espacialidade da sociedade.
Segundo Santos (1985), sempre que a
sociedade sofre uma mudança, as formas assumem novas funções. Para ele, os conceitos de
forma, função, processo e estrutura, considerados em conjunto e relacionados entre si, poderão servir para a compreensão da organização
espacial em sua totalidade. Nas palavras de
Santos (1985, p. 53):
Quando se estuda a organização espacial, estes conceitos são necessários para
explicar como o espaço social está estruturado, como os homens organizam sua
sociedade no espaço e como a concepção
e o uso que o homem faz do espaço sofrem mudanças.
Tipos de processos espaciais
Em relação aos tipos de processos espaciais,
Corrêa (1997) lista os processos seguintes: centralização, descentralização, coesão, segregação, invasão-sucessão e inércia.
Uma característica das cidades contemporâneas é a existência de uma área onde se
concentra o maior número de atividades comerciais e de serviços, bem como é também
o foco de transportes intraurbanos, para onde
converge o tráfego. O desenvolvimento do
comércio, dos serviços e do sistema de transporte aumenta o potencial de atração dessa
área, resultando no processo de centralização
que, conforme Corrêa (1997. p. 123), é “um
produto da economia de mercado levado ao
extremo pelo capitalismo industrial”. O processo espacial de descentralização surge como
consequência da disputa pelo uso da área central da cidade, o qual faz surgir deseconomias
de aglomeração, ou seja, fatores que acabam
por dificultar a permanência na área central de
determinadas firmas. Entre esses fatores, destacam-se o alto preço do solo, os congestionamentos no sistema de transportes e comunicação, a poluição, etc. A excessiva centralização urbana e tais deseconomias provocam o
deslocamento de firmas e pessoas para outras
localidades (Corrêa, 1997).
A população de renda mais baixa pas-
Assim, os processos espaciais são res-
sa a ocupar os centros tradicionais degrada-
ponsáveis pela complexa organização espa-
dos, e a de renda mais alta passa a constituir
cial e “permitem localizações, relocalizações e
“novos centros”. É importante destacar que
630
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013
Produção do espaço urbano e processos espaciais em Natal
esse movimento de descentralização não ocor-
O processo de segregação refere-se
re de maneira aleatória, mas segue a lógica
ao desenvolvimento urbano desigual que se
capitalista que busca se reproduzir de maneira
configura nas cidades, fruto da própria dinâmi-
ampliada. Assim, as novas áreas da cidade para
ca da produção do espaço. Por um lado, a po-
as quais a população e as firmas irão se deslo-
pulação de melhor poder aquisitivo se insere
car devem possuir elementos que possibilitem
nas melhores áreas da cidade, detentoras dos
uma atratividade, como, por exemplo, terrenos
melhores serviços de infraestrutura; por ou-
mais baratos, infraestruturas urbanas, ame-
tro, predomina o assentamento da população
nidades naturais, etc. Nesse sentido, segundo
de baixa renda nas áreas desprovidas de tais
Colby (apud Corrêa, 1997), para que a descen-
serviços. Há uma homogeneidade da popula-
tralização ocorra, é preciso que haja atração
ção, que pode ser relacionada com a cultura,
em áreas não centrais.
a etnia, a papel funcional e, principalmente,
O processo de descentralização também
o nível econômico. De acordo com Castells
está ligado ao crescimento da cidade, que faz
(1983), a disparidade entre as classes sociais
com que as distâncias entre o centro e as no-
deve ser compreendida não só em termos de
vas áreas ocupadas aumentem. De acordo com
diferença como também de hierarquia. Assim,
Corrêa (2000, p. 48), “[...] o aparecimento de
a segregação é um processo pelo qual a classe
núcleos secundários de atividades comerciais
dominante exerce sua dominação através da
gera economias de transporte e tempo, indu-
sua inserção no espaço urbano.
zindo a um maior consumo [...]”, o que justi-
O processo de invasão-sucessão é verifi-
fica a necessidade de um mercado consumidor
cado em áreas nas quais uma população com
nessa localização. Singer (1982) ratifica dizen-
determinado nível socioeconômico é substi-
do que o crescimento das cidades provoca o
tuída por pessoas de outra classe social, em
surgimento de centros secundários de serviços
geral, de renda inferior àquela que ocupa o
em bairros que constituem novos focos de va-
bairro. De acordo com Corrêa (2000, p. 136),
lorização do espaço urbano.
a explicação para a saída de grupos de alta
O processo espacial de coesão está re-
renda para novas áreas está relacionada com
lacionado com a tendência de especialização
a “necessidade de se manter o processo de
e concentração de certas atividades em uma
produção de residências para a população
determinada área da cidade. Essa aglomera-
de alta renda, produção essa que remunera
ção tem o objetivo de atrair de forma maciça
melhor o capital imobiliário”. Nesse contexto,
os consumidores, além de possibilitar uma
pode-se entender o pensamento de Harvey
complementaridade entre algumas atividades,
(apud Valença, 2006) de que a própria pro-
como companhias de seguros, bancos e sedes
dução do espaço é parte da acumulação de
sociais de firmas. Esse processo, portanto,
capital. Assim, os agentes imobiliários criam
está relacionado com as economias de aglo-
áreas exclusivas para as elites, deslocando-as
meração que podem ser geradas por meio do
para novos bairros na periferia ou para áreas
conjunto de atividades espacialmente coesas
de amenidades da cidade. As áreas deixadas
(Corrêa, 2000).
para trás são ocupadas por uma população de
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013
631
Felipe Fernandes de Araújo
menor renda, que busca uma melhor localiza-
infraestrutura e mudanças no modo de vi-
ção na cidade.
da da população, mas também contribuindo
O processo espacial de inércia é carac-
decisivamente para iniciar o mercado de terras
terizado pela permanência de determinadas
na cidade, com a criação dos primeiros lotea-
funções e usos do solo urbano, mesmo quan-
mentos (Silva, 2003). Após esse impacto da
do as causas que justificam sua localização já
Segunda Grande Guerra, inicia-se uma nova
deixaram de existir. Há, de acordo com Corrêa
fase para a urbanização de Natal, associada
(2000), uma espécie de cristalização no uso
ao crescimento das atividades já existentes e
daquele espaço. Um primeiro motivo para es-
ao aumento do contingente populacional, que
sa permanência seria o surgimento de novos
foram consequências das políticas de desen-
fatores atrativos, por meio do aparecimento
volvimento de caráter urbano-industrial, reali-
de economias de aglomeração, como a criação
zadas em nível nacional, que se refletiram em
de estabelecimentos de serviços, que passam
Natal (Costa, 2000).
a garantir vantagens que não existiam em um
Com a criação da Superintendência de
dado momento anterior. Um segundo motivo
Desenvolvimento do Nordeste – Sudena, em
seria a inexistência de conflitos entre os agen-
1959, iniciam-se os investimentos no setor in-
tes produtores do espaço por determinada área
dustrial, que provocou uma aceleração do fluxo
da cidade ou ainda pelo fato de que os outros
migratório para a cidade, em virtude da criação
usuários não detêm poder suficiente para for-
de novas fontes de trabalho. Como resultado,
çar a mudança no uso do solo. Por fim, esse fe-
houve aumento na demanda por habitação e,
nômeno também pode estar relacionado com
consequentemente, um crescimento significati-
o valor simbólico que a área representa para a
vo do espaço urbano, surgindo um processo de
população, não seguindo mais o princípio da
valorização fundiária.
racionalidade econômica (Corrêa, 2000).
A construção de grandes conjuntos ha-
Com base nessa discussão, é analisada, a
bitacionais, por iniciativa do Estado, marcou
seguir, a relação entre a ação dos agentes pro-
profundamente a produção do espaço urbano
dutores do espaço urbano e a configuração dos
da cidade. Sob os auspícios do Banco Nacional
processos espaciais no conjunto Ponta Negra.
de Habitação (BNH), a construção dos conjuntos foi promovida pela Companhia Habitacional (Cohab) e pelo Instituto de Orientação às
A urbanização de Natal:
breve histórico
Cooperativas Habitacionais (Inocoop) e se deu
nas franjas da cidade, com padrões diferenciados. Como consequência, ocorreu uma expansão do espaço urbano da cidade, a partir da
A instalação da maior base americana fora
incorporação de diversas áreas ao mercado de
dos Estados Unidos, no período da Segunda
terra urbana.
Guerra Mundial, trouxe consequências signi-
A localização periférica dos conjuntos
ficativas para o espaço urbano da cidade de
habitacionais foi determinante para a formação
Natal, provocando não só investimentos em
de vazios urbanos e o avanço da especulação
632
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013
Produção do espaço urbano e processos espaciais em Natal
imobiliária, com a existência de muitos lotes
dinamização da construção civil e valorização
ociosos na cidade, sem função social, à espera
imobiliária (Costa, 2000).
da valorização que advém da provisão de infraestruturas urbanas e ofertas de serviços.
Nesse contexto, a duplicação da Avenida Engenheiro Roberto Freire e a construção
O Conjunto Ponta Negra foi criado em
da Via Costeira possibilitaram a edificação de
1978, pelo Banco Nacional de Habitação (BNH),
vários hotéis no local, além de facilitar o fluxo
e construído pelo Inocoop-RN. A construção
de veículos entre as praias do sul e as do cen-
desse conjunto tem um significado importante
tro da cidade. Esses dois objetos imobiliários
para a produção do espaço da cidade de Na-
ajudaram a impulsionar a atividade turística
tal, uma vez que trouxe para o local muitas
em Natal, com destaque para o bairro de Pon-
famílias – o conjunto tem 1837 casas –, hoje
ta Negra, que sofreu modificações associadas
consideradas de classe média, o que orientou a
aos investimentos do capital imobiliário (Silva,
implantação de infraestruturas urbanas, propi-
2003). O turismo realizado na cidade segue a
ciando a emergência de novas áreas urbaniza-
tendência de se concentrar na área litorânea e,
das no entorno. Outro conjunto construído no
juntamente com o setor imobiliário, utiliza os
bairro de Ponta Negra, o Alagamar – com 158
aspectos paisagísticos da praia de Ponta Ne-
habitações –, contribuiu para a consolidação
gra – como o Morro do Careca – para obter
do processo de ocupação da zona sul de Natal
maior renda.
(Silva, 2003).
Surgem novos centros associados aos
A estrutura urbana instalada possibili-
principais eixos viários da cidade, nas aveni-
tou uma abertura ao capital imobiliário, com
das Senador Salgado Filho, Prudente de Morais
a expansão da cidade em direção ao mar e às
e Engenheiro Roberto Freire. De acordo com
praias localizadas ao sul. Nesse sentido, verifi-
Gomes, Silva e Silva (2002), os investimentos
ca-se o que Maricato (2000, p. 158) define de
realizados nessas vias de circulação estão as-
forma mais geral como “uma simbiose entre a
sociados ao grande contingente populacional
abertura de grandes vias e a criação de oportu-
do entorno, que consome os serviços prestados.
nidades para o investimento imobiliário”.
Por outro lado, no centro da cidade, as ativi-
Entre o final da década de 1970 e início
dades terciárias voltam-se para a população
da de 1980, com o crescimento da atividade
de menor poder aquisitivo, havendo, portanto,
turística no Brasil, Natal passa a se beneficiar,
uma popularização que pode ser observada
assim como outras cidades do Nordeste, de
no aumento do trabalho informal exercido por
ações realizadas pelo Estado com o intuito de
vendedores ambulantes.
promover o desenvolvimento dessa atividade,
A partir do final da década de 1990, por
por meio de investimentos em infraestruturas
meio de investimentos do Prodetur II, com a
e objetos imobiliários, via Prodetur-NE. O sur-
implementação de diversos projetos, como o
gimento da atividade turística vem consolidar
calçamento e a iluminação de ruas, o sanea-
o processo de urbanização da cidade, por meio
mento e o embelezamento, além da constru-
da construção de importante rede hoteleira
ção de praças e jardins, a dinâmica imobiliária
e de investimentos que contribuíram para a
nessa parte da cidade foi intensificada. Com
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013
633
Felipe Fernandes de Araújo
o novo terminal de passageiros do Aeroporto
disso, foi realizado um levantamento do per-
Internacional Augusto Severo, inaugurado em
fil socioeconômico dos moradores, feito por
2000, houve um aumento considerável de voos
meio de questionários junto aos moradores do
que trouxeram a Natal significativo número
conjunto. Utilizamos a divisão do conjunto de
de turistas estrangeiros, consolidando defini-
acordo com os setores censitários, baseado no
tivamente a cidade como importante destino
censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Ge-
turístico. Nesse sentido, Valença e Bonates
ografia e Estatística – IBGE – no ano 2000. O
(2008, p. 442) explicam que
cálculo estatístico nos indicou que a amostra
representativa seria de 110 entrevistas, dentre
Não faltam recursos e esforços para a
produção de aeroportos, sistemas viários,
calçamento, iluminação e embelezamento
das áreas mais nobres das cidades, para
divulgação e marketing externos e para
programação e promoção cultural.
Esse processo histórico nos mostra como a ação dos agentes produtores do espaço,
principalmente do Estado, foi decisiva para
tornar essa parte da cidade bastante valorizada e disputada pelos agentes imobiliários.
A proximidade do mar e do Morro do Careca,
principal cartão postal da cidade, a concentração populacional – tanto dos moradores
do bairro como de turistas –, além da infraestrutura urbana instalada foram fatores fundamentais para que o conjunto Ponta Negra
viesse a passar por diversas transformações no
seu espaço urbano.
as quais conseguimos realizar 98, já que 12
moradores se recusaram a participar da pesquisa. O conjunto é dividido em seis setores
censitários, cada um com um número específico de entrevistas, já que apresentam quantidades diferentes de lotes. Essa divisão possibilitou uma distribuição adequada dos entrevistados em todo o conjunto Ponta Negra.
O conjunto, originalmente formado por
casas térreas uniformizadas, tem sofrido profundas modificações quanto ao uso do solo.
Individualmente, as casas também foram reformadas ao longo do tempo, em particular
nos últimos anos, inclusive refletindo o perfil
socioeconômico de novos moradores. Uma primeira mudança que se constata é a existência
do uso misto do lote, processo em que os moradores destinam uma parte do terreno para
a construção de estabelecimentos comerciais
ou de prestação de serviços, totalizando 136
Transformações espaciais
no conjunto Ponta Negra
lotes, em janeiro de 2007. Quando da segunda pesquisa, apenas dois anos depois, tivemos
um aumento nesse número, atingindo 151 lotes. Assistência elétrica e mecânica (oficina,
A verificação das mudanças ocorridas no con-
borracharia, loja de bicicleta e refrigeração),
junto Ponta Negra foi feita através de pesquisa
loja de roupas e salão de beleza constituem as
de campo para levantamento de uso do solo
principais atividades, nesse caso.
e análise do mercado imobiliário em dois pe-
Além disso, observamos que as bor-
ríodos: janeiro de 2007 e dezembro de 2008,
das do conjunto, delimitado pela avenida
cujos resultados serão comparados. Além
Engenheiro Roberto Freire, avenida Praia de
634
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013
Produção do espaço urbano e processos espaciais em Natal
Genipabu e a Rota do Sol, bem como as vias
Com relação ao mercado imobiliário, me-
principais do interior do conjunto – as ave-
rece destaque a valorização dos imóveis. Por
nidas Praia de Tibau e Praia de Búzios – co-
exemplo, o valor médio dos aluguéis gira em
meçaram a sofrer transformações no uso do
torno de R$710,00. Os altos valores que se po-
solo, com o surgimento de atividades terciá-
de obter incentivam a venda dos imóveis pelos
rias, muitas voltadas à demanda turística
proprietários. Assim, a Tabela 2 nos mostra o
(Mapa 1).
aumento de 59,6% que houve no número de
Existiam, em janeiro de 2007, 90 lo-
imóveis em condição de negociação no con-
tes com função estritamente comercial ou de
junto Ponta Negra. Deve-se salientar que esses
serviços. No momento da segunda pesquisa
números foram contabilizados pela presença
de campo, esse número havia subido para 96
de placa de venda e/ou aluguel no imóvel, po-
lotes. São 38 tipos diferentes de serviços exis-
dendo haver mais imóveis nessa situação, não
tentes, que incluem de trabalhos com pouca
publicitada através da afixação de placas. Tam-
especialização, como oficina mecânica e ate-
bém é comum a presença da clássica placa for
liê de costura, a serviços mais especializados,
sale, o que reflete o desejo de atrair os estran-
como laboratório de análises clínicas, clínicas
geiros. As principais imobiliárias que atuam no
médicas, etc. Destaca-se também a grande
conjunto são Abreu Imóveis, ECM, Tur Imóveis
quantidade de bares, restaurantes, pousadas,
e Tertuliano Rego, todas locais, embora muitos
casas de câmbio e agências de viagem, o que
empreendimentos no bairro (fora do conjunto)
indica a existência de uma demanda turística,
e nas praias próximas façam uso de capitais es-
inclusive internacional (Tabela 1).
trangeiros ou nacionais.
Outros usos encontrados incluem o insti-
Apesar de a grande maioria dos lotes ser
tucional, lotes vazios e imóveis em construção
destinada ao uso residencial – 1.588 (em 2007)
ou demolidos, que, em 2007, representavam,
e 1.570 (em 2008) –, o que se verificou foi uma
juntos, apenas 25 lotes. Em 2008, esse núme-
completa mudança no padrão, uma vez que
ro caiu para 20, principalmente pelo fato de os
quase a totalidade das casas foi reformada,
terrenos vazios passarem a abrigar residências
havendo poucas residências originais da época
multifamiliares e flats. Certamente esses lotes
de construção do conjunto. Além disso, o lote
vazios, oriundos da demolição das residências
residencial unifamiliar, não raro, foi substituído
originais, serão utilizados para a construção
pelo multifamiliar. Podem-se perceber, também,
de novas residências multifamiliares, principal-
alterações no aspecto arquitetônico, com signi-
mente flats, intensificando o processo de verti-
ficativa quantidade de imóveis passando a ter
calização no conjunto habitacional.
mais de um pavimento.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013
635
Felipe Fernandes de Araújo
Mapa 1 – Mapa de uso do solo do Conjunto Ponta Negra
Fonte: Planta de cadastro urbano da Caern (outubro/2009).
636
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013
Produção do espaço urbano e processos espaciais em Natal
Tabela 1 – Tipos de comércio e serviços no conjunto
Quantidade
de lotes
Tipos de comércio/serviços
Agência de viagem, casa de câmbio
Tipos de uso
do solo (%)
7
Assistência elétrica e mecânica (oficina, borracharia, loja de bicicleta, refrigeração)
Ateliê de costura, artesanato
2,8
12
4,9
6
2,4
Aulas de língua estrangeira (inglês, alemão), cursinho, aulas particulares
8
3,2
Centro comercial
7
2,8
Depósito de latinhas/sucata
2
0,8
Distribuidora de água, gás e cerveja
8
3,2
Escritório (advocacia, contabilidade)
Espetinho, bar, pizzaria, restaurante, sorveteria
4
1,6
28
11,3
Estacionamento
8
3,2
Estúdio de gravação/ filmagem
2
0,8
Imobiliária/ Construtora/ Material de Construção
Informática/internet
20
8,1
8
3,2
Locadora (carro, vídeo)
11
4,5
Loja de roupas
16
6,5
Manicure, salão
19
7,7
3
1,2
17
6,9
5
2,0
Serviços de estadia (pousada, albergue, suítes)
16
6,5
Serviços de saúde e estética (academia, massagem, hidroginástica, dança, cosméticos,
tatuagem, ioga)
13
5,3
Serviços diversos (textura, porcelana, mudas, lavanderia, lava jato, autoescola, açougue,
depósitos tupperware)
13
5,3
6
2,4
Revistaria/ papelaria
Serviços alimentícios (mercado, quitanda, padaria, pastelaria)
Serviços alimentícios a domicílio (quentinha, marmita, encomenda para festas)
Serviços médicos (clínica, dentista, laboratório, farmácia)
Serviços para animais domésticos
Total
8
3,2
247
100,0
Tabela 2 – Número de imóveis em condição de venda ou aluguel
Janeiro 2007
Nº de imóveis
Dezembro 2008
Venda
Aluguel
Venda
Aluguel
Taxa de
crescimento (%)
34
23
56
35
59,6
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013
637
Felipe Fernandes de Araújo
Definindo os processos
espaciais no conjunto
Ponta Negra
De acordo com Moore e Smelser (apud
Schwenk e Madureira Cruz, 2004), existe uma
infinidade de fatores que afeta as ações dos
processos espaciais, tais como a competição e
a mobilidade. A competição resulta do fato de
Considerando o que escrevem Schwenk e
Madureira Cruz (2004, p. 297)
Os processos espaciais presentes na
transformação e na organização do espaço não estão separados entre si. Nota-se que, ao estudar um processo, este se
torna parte de outro, ou de alguma forma, torna-se associado ou auxiliado por
outro processo, em determinada fase ou
circunstância.
que dois objetos não podem ocupar o mesmo
lugar ao mesmo tempo. Como vimos, o espaço urbano caracteriza-se pela disputa de interesses dos agentes produtores do espaço, que
gera usos, funções e formas diferenciadas. Já
a mobilidade está associada ao movimento e
ao deslocamento de pessoas e mercadorias de
um local da cidade a outro, dependendo, portanto, do grau de acessibilidade.
A concentração de atividades terciárias
no bairro de Ponta Negra reflete a existência de
uma demanda solvável, constituída tanto pelos
moradores de classe média do conjunto Ponta
Negra como pelos turistas. Além dos serviços
básicos que se desenvolvem no interior do conjunto, como padarias, salões de beleza e mercadinhos, é importante destacar aqueles que são
voltados para a demanda turística. Estes se concentram nas bordas do conjunto, principalmente
ao longo da Avenida Eng. Roberto Freire, importante passagem para as praias do litoral sul da
cidade. A população moradora no conjunto se
beneficia da diversidade de serviços, o que possibilita maior autonomia com relação a outros
bairros da cidade, uma vez que não precisa se
deslocar a distâncias consideráveis para atender
grande parte de suas necessidades. Destaca-se,
ao longo da referida avenida, a concentração de
supermercados, restaurantes e shoppings.
638
Entendemos que o conjunto Ponta Negra
apresenta-se como um híbrido com relação aos
processos espaciais que configuram seu espaço intraurbano. De acordo com Corrêa (1997),
embora esteja associado à questão residencial,
o processo de invasão-sucessão pode afetar
as atividades terciárias e industriais. Ao tratar
do mesmo processo, Castells (1975) lembra a
importância na mudança das atividades de um
espaço considerado e explica que esse fato
pode estar ligado à iniciativa pública por meio
de investimentos que promovam a renovação
urbana. Entendemos que a mudança no uso
do solo observada no conjunto, principalmente
em suas bordas, pode vir a constituir, em parte,
um processo espacial de invasão. Nas principais vias de acesso, trajeto também do transporte público, inúmeros estabelecimentos de
comércio e serviços surgiram. Como explicam
Schwenk e Madureira Cruz (2004, p. 295):
No ciclo de sucessão, a invasão é o primeiro estágio [...] A invasão pode ser
contida ou acelerada por parte de cada
grupo de população ou pelos tipos diferentes de uso da terra, dependendo do
nível de atitude dos indivíduos envolvidos, proprietários, governadores [...] não
sendo um processo instantâneo, mas de
vários estágios.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013
Produção do espaço urbano e processos espaciais em Natal
Se, na forma e na função, as transfor-
tempo de moradia no conjunto, constatamos
mações parecem ocorrer de maneira mais
que os moradores vindos do interior do Rio
rápida, constituindo um processo espacial de
Grande do Norte são aqueles que estão há
invasão, com relação ao conteúdo social do
mais tempo no conjunto. Por outro lado, aque-
conjunto Ponta Negra, as mudanças se dão
les que chegaram de outros estados do país,
em um ritmo mais lento. Como o processo de
principalmente do centro-sul, moram há me-
invasão também se reflete na mudança do
nos tempo no conjunto (Gráfico 1).
conteúdo social de determinada população,
De acordo com os dados da pesquisa de
foram realizadas entrevistas junto aos mora-
campo, a oportunidade de obtenção da casa
dores, com o objetivo de verificar se o perfil
própria foi o principal motivo apresentado pe-
socioeconômico da população do conjunto
los moradores vindos do interior do Rio Gran-
também sofreu transformações.
de do Norte para morar no conjunto Ponta
A primeira questão que levantamos diz
Negra. Por outro lado, para os moradores do
respeito ao local de origem dos moradores.
centro-sul do país, a localização do conjunto
Observamos que 36,36% dos moradores são
próxima à praia e o fato de o bairro ser con-
oriundos de outros bairros de Natal ou da Re-
siderado nobre foram decisivos na escolha do
gião Metropolitana; 24,55%, do interior do
conjunto. Nesse sentido, a recente dinâmica
Rio Grande do Norte; 16,36% vêm de outros
de valorização dessa parte da cidade pode es-
estados nordestinos e 11,82%, da região cen-
tar atraindo uma nova população para residir
tro-sul do país. Associando esse dado com o
no conjunto.
Gráfico 1 – Relação entre local de origem do morador
e tempo de moradia no conjunto Ponta Negra
30
Tempo de moradia (anos)
25
20
15
10
5
0
Natal e RMN
Interior do RN
Estados do
Nordeste
Outros estados
Local de origem
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013
639
Felipe Fernandes de Araújo
Ao compararmos a condição dos imóveis
frequentar outras praias mais distantes. Essa
dos moradores do conjunto com os do restante
mudança no hábito do morador está associa-
do bairro e da zona sul da cidade, chegamos
da à presença de turistas estrangeiros, uma
a conclusões importantes. De acordo com a
vez que a prostituição foi apontada como o
pesquisa, 72,73% das casas são próprias,
principal impacto dessa presença. De acordo
13,64% são alugadas e 2,73% são cedidas. A
com os moradores entrevistados, a chegada
porcentagem de moradores com casa própria
de estrangeiros também contribuiu para o au-
no conjunto é muito mais elevada que a do
mento do custo de vida, inclusive nos preços
restante do bairro, que chega a 52,9%, e a da
supervalorizados dos imóveis.
zona sul da cidade, que corresponde a 53,8%
A respeito do perfil socioeconômico dos
(IBGE, 2000). Nesse contexto, esse fator po-
moradores, tratamos de quatro questões: a ren-
de expressar a dimensão simbólica do espaço
da, a escolaridade, a posse de automóvel e a
urbano, por meio das relações de vizinhança
posse de outro imóvel. De acordo com o censo
e identidade com a casa, principalmente entre
do IBGE (2000), a renda da população de Natal
os moradores mais antigos.
é de aproximadamente R$919,10. Esse valor
De acordo com a pesquisa, 80,91% dos
aumentou para R$968,66 em 2010, de acordo
moradores não pretendem se mudar do bairro.
com o censo do IBGE (2010). De acordo com
Por outro lado, embora isso pudesse diminuir
a pesquisa que realizamos, a renda do mora-
a intensidade da dinâmica imobiliária no con-
dor do Conjunto Ponta Negra é de R$1.443,93,
junto, observamos que existiam 56 imóveis dis-
enquanto a renda familiar mensal supera
poníveis para venda e 35 para aluguel. Deve-
R$4.700,00. A média do bairro é mais baixa
-se, mais uma vez, salientar que esses números
porque parte da população que mora na Vila de
foram contabilizados pela presença de placa de
Ponta Negra possui rendimentos menores.
venda e/ou aluguel no imóvel, podendo haver
Com relação à escolaridade, observamos
mais imóveis nessa situação, não publicitada
que a população possui um elevado nível de
através da afixação de placas.
qualificação. De acordo com o IBGE (2000),
Um aspecto importante de ser analisado
a média da população de Natal que possui 2°
diz respeito às atividades de lazer dos mora-
grau completo é de 22,3%. No conjunto Pon-
dores. Todos os itens apontados como ativi-
ta Negra, essa média ultrapassa os 25% dos
dades realizadas pelos moradores podem ser
moradores. Ainda tomando por base os dados
satisfeitas no próprio bairro, como ir à praia,
do censo do IBGE (2000), 10,6% da população
ao cinema, ao shopping , à igreja, etc. Esse
de Natal tem 15 anos ou mais de estudo. Esse
pode ser um dos motivos para que os morado-
tempo corresponde ao período destinado até a
res não queiram deixar o conjunto. Por outro
conclusão do 3° grau. Nesse sentido, a média
lado, esse mesmo fator desperta o interesse
dos moradores do conjunto que possuem 3°
de novos moradores. A ressalva que fazemos
grau completo é de 36,36%. De acordo com
é de que, embora a praia seja apontada co-
a pesquisa de campo, os moradores que estu-
mo importante atividade de lazer, 68,89%
daram apenas até o 1° grau geralmente cons-
dos moradores revelaram que preferem
tituem uma população mais antiga que parou
640
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013
Produção do espaço urbano e processos espaciais em Natal
de estudar para buscar um emprego e ajudar
centro da cidade, acabaram buscando outros
na renda familiar (Gráfico 2).
bairros para morar. Atualmente, a população
As respostas que tratam da posse de
do conjunto Ponta Negra faz parte de parcela
automóvel e de outro imóvel podem indicar
privilegiada da população da cidade, que tem
indiretamente o nível econômico, uma vez que
acesso a diversos serviços sem precisar se des-
são bens relativamente caros. Esses dados nos
locar grandes distâncias, uma vez que o bairro
parecem expressivos, visto que mais de 75%
aparece como uma nova centralidade urbana.
dos moradores possuem, pelo menos, um auto-
A disseminação de apartamentos e flats
móvel e 36,36% dos moradores possuem outro
vem, não raramente, atender à demanda de
imóvel. Os imóveis ou terrenos são localizados
turistas estrangeiros em busca da chamada se-
em outros bairros da cidade, no interior do Es-
gunda residência, o que representa a chegada
tado, em outros estados ou até mesmo em ou-
de uma nova população. Além disso, a valori-
tros países.
zação do bairro gera grande atratividade entre
O conjunto Ponta Negra foi construído
os moradores de outras localidades da cidade.
para atender às necessidades de moradia da
No entanto, como essa valorização gerou uma
população com até cinco salários mínimos, na
elevação no preço do solo, somente a classes
época. Inúmeras pessoas, devido à localização
mais abastada da população pode pagar para
periférica e relativa distância em relação ao
residir em Ponta Negra.
Gráfico 2 – Escolaridade dos moradores do conjunto Ponta Negra
1º Grau C
1º Grau I
2º Grau C
2º Grau I
3º Grau C
3º Grau I
Não par ciparam
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013
641
Felipe Fernandes de Araújo
Entendemos que a mudança no conteúdo social do conjunto pode vir a ser uma ten-
transformações no futuro, inclusive no que diz
respeito a sua população moradora.
dência futura. Como explica Singer (1982), a
disponibilidade de novos serviços atrai famílias
de renda mais elevada, que podem pagar um
Considerações finais
preço maior pelo uso do solo, em comparação
com os moradores mais antigos e pobres, os
A disputa capitalista por solo entre os diferen-
quais vendem suas casas, quando proprietários,
tes agentes produtores do espaço urbano deve-
ou simplesmente saem quando inquilinos, de
-se ao fato de o modo de produção vigente ba-
modo que o novo serviço vai servir aos novos
sear-se na propriedade privada da terra. Como
moradores, e não aos que supostamente deve-
o solo urbano é utilizado de forma diferente
ria beneficiar.
por esses agentes, a espacialidade da socieda-
Um fator que pode ser decisivo para a
formação dessa situação específica é a legis-
de é constantemente modificada, configurando
os chamados processos espaciais.
lação urbana que atualmente regulamenta a
O processo de transformação da cidade
construção no conjunto Ponta Negra. De acordo
de Natal ocorreu de maneira seletiva e inten-
com o Plano Diretor do município, o coeficien-
sificou a produção desigual do espaço, por
te de adensamento no conjunto foi modificado,
haver privilegiado uma parcela da população
reduzindo-se o seu potencial construtivo. Porém
com renda mais elevada e, em consequência,
muitos empreendimentos ainda serão cons-
propicia espaços exclusivos para que essa de-
truídos pelo fato de terem recebido a licença
manda se estabeleça em áreas nobres, como
quando a lei anterior ainda estava sob vigên-
o bairro de Ponta Negra. De acordo com o re-
cia. A atual legislação urbanística, que entrou
ferencial teórico adotado neste trabalho, ao
em vigor a partir de 2007, contribuiu – embora
analisarmos as características do solo urbano
temporariamente – para diminuir o ritmo das
na cidade de Natal – como a localização, os
transformações socioespaciais no conjunto Pon-
atributos urbanos e a acessibilidade –, pode-
ta Negra, ao restringir o processo de verticaliza-
mos perceber os interesses dos diversos agen-
ção em uma área de suas áreas.
tes produtores do espaço para extrair renda da
Além disso, a crise econômica internacional que ocorreu, em 2008, também pode ter co-
terra. Nesse sentido, Natal possui um aspecto
de cidade-mercadoria.
laborado para a queda do dinamismo do mer-
A intensificação do processo de urbani-
cado imobiliário no bairro, com destaque para
zação, pós-Segunda Guerra Mundial, provocou
a diminuição das segundas residências volta-
o surgimento de novos usos, novas formas e
das para os estrangeiros. Nesse contexto, as
funções para atender aos interesses da clas-
mudanças no conteúdo social parecem ocorrer
se dominante. O conjunto Ponta Negra é um
de maneira mais lenta que aquelas na forma e
exemplo de como a produção do espaço ur-
na função urbanas. Pode-se afirmar, no entan-
bano é um dos fatores de reprodução do ca-
to, que, diante de tanta pressão do mercado,
pital na cidade. A partir de investimentos tanto
o conjunto Ponta Negra ainda sofrerá outras
públicos como privados, o bairro como um
642
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013
Produção do espaço urbano e processos espaciais em Natal
todo tornou-se bastante atrativo para o capi-
conjunto Ponta Negra, para análise do seu con-
tal imobiliário. Nesse sentido, entendemos que
teúdo social. Percebemos que as mudanças no
se configura um processo de invasão, uma vez
uso do solo e no padrão das casas ocorreram
que houve uma substituição do uso residencial
de maneira mais rápida do que aquelas relacio-
pelo de atividades terciárias, principalmente
nadas com o perfil dos moradores. Com relação
ao longo da Avenida Eng. Roberto Freire e nas
aos moradores que possuem casa própria, as
principais vias de acesso ao conjunto.
consequências da valorização do solo se refle-
Com relação ao uso do solo, destacamos
tem tanto no aumento do custo de vida quan-
o aumento do número de atividades comerciais
to na oportunidade de alcançar um bom preço
e de serviços e a proliferação do uso misto, no
com a venda do seu imóvel. A substituição da
qual parte do lote é destinada para a realiza-
população parece ser um processo espacial que
ção de atividades terciárias. As alterações no
ainda está no início, mas que poderá se inten-
padrão arquitetônico da casa dos moradores
sificar no futuro.
estão associadas ao aumento do processo de
Enfim, essa área pode ser vista como re-
verticalização, com o crescimento no número
serva de mercado para o grande capital imobi-
de residências multifamiliares e flats. Além dis-
liário. Com a atual lei vigente do Plano Diretor,
so, é comum a existência de casas reformadas,
essa área pode permanecer com uma certa es-
muitas das quais com mais de um pavimento, o
tabilidade por algum período de tempo. Porém,
que sugere mudanças no perfil socioeconômico
a partir do momento em que as condições eco-
dos moradores.
nômicas, sociais e políticas se tornarem ideais,
Nesse sentido, fez-se necessária a rea-
é possível que a população do conjunto Ponta
lização de entrevistas junto aos residentes do
Negra não resista à intensa pressão imobiliária.
Felipe Fernandes de Araújo
Bacharel em Geografia e mestre em Estudos Urbanos e Regionais. Analista Ambiental no Instituto de
Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Norte. Natal/RN, Brasil.
[email protected]
Nota
(*) Agradeço ao professor Márcio Moraes Valença pelas orientações, crí cas e sugestões.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013
643
Felipe Fernandes de Araújo
Referências
CASTELLS, M. (1975). Problemas de Inves gação em Sociologia Urbana. Lisboa, Presença.
______ (1983). A questão urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra
CORRÊA, R. L. (1997). Trajetórias geográficas. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil.
______ (2000). O espaço urbano. São Paulo, Á ca.
COSTA, A. A. (2000). O contexto histórico da expansão urbana de Natal. Sociedade e Território. Natal,
EDUFRN, v. 14, n. 1, pp. 57-70.
GOMES, R. de C. da C.; SILVA, A. B. da e SILVA, V. P. da (2002). “O setor terciário em Natal”. In:
VALENÇA, M. M. e GOMES, R. de C. da C. (org). Globalização & Desigualdade. Natal, A.S. Editores.
HARVEY, D. (1980). A jus ça social e a cidade. São Paulo, Hucitec.
IBGE (2000). Censo Demográfico 2000. Disponível em: www.ibge.com.br. Acesso em: 20 abr 2009.
______ (2010). Censo Demográfico 2010. Disponível em: www.ibge.com.br. Acesso em: 14 set 2013.
LOJKINE, J. (1981). Estado capitalista e a questão urbana. São Paulo, Mar ns Fontes.
MARICATO, E. (2000). “As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias”. In: MARICATO, E.; ARANTES,
O. e VAINER, C. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes.
MARICATO, E.; ARANTES, O. e VAINER, C. (2000). A cidade do pensamento único: desmanchando
consensos. Petrópolis, Vozes.
RIBEIRO, L. C. de Q. (1997). Dos cor ços aos condomínios fechados: as formas de produção de moradia
na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
SANTOS, M. (1985). Espaço & Método. São Paulo, Nobel.
SCHWENK, L. M. e MADUREIRA CRUZ, C. B. (2004). Os processos espaciais como mediadores na
transformação do espaço geográfico. Acta Scien arum. Human and Social Sciences. Maringá,
v. 26, n. 2, pp. 287-299.
SILVA. A. F. C. da (2003). O parcelamento do solo e a formação de espaços de pobreza em Natal/RN.
Scripta Nova: Revista Eletrónica de Geogra a Y Ciencias Sociales. Universidade de Barcelona, v. VII,
n. 146 (130).
SILVA, A. M. (2003). Objetos imobiliários e a produção do espaço na zona sul de Natal/RN. Dissertação
de mestrado. Natal, Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
SINGER, P. (1982). “Uso do solo urbano na sociedade capitalista”. In: MARICATO, E. (org.). A produção
capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo, Ômega.
VALENÇA, M. M. (2006). “Cidades ingovernáveis? Ensaio sobre o pensamento harveyano acerca da
urbanização do capital”. In: SILVA, J. B.; LIMA, L. C. e ELIAS, D. (org.). Panorama da geografia
brasileira. São Paulo, Annablume.
VALENÇA, M. M.; BONATES, M. F. (2008). Globalização e marginalidade: o RN em foco – uma
apresentação. Globalização e Marginalidade: o RN em foco. Natal: EDUFRN, pp. 441-444.
Texto recebido em 4/nov/2010
Texto aprovado em 15/dez/2010
644
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013
Restrição ambiental ou oportunidade
para o desenvolvimento sustentável?
Aquífero Carste na Região
Metropolitana de Curitiba
Environmental restriction or an opportunity
for sustainable development? The Karst Aquifer
in the metropolitan region of Curitiba
Harry Alberto Bollmann
Daniele Costacurta Gasparin
Fabio Duarte
Resumo
Em termos ambientais, a expansão de áreas urbanas tornou-se um problema mais grave do que o
crescimento demográfico em si. Para fazer frente
a esse desafio, a Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indica a
necessidade de mudanças na gestão das cidades,
com a adoção de estratégias participativas de intervenção como forma de reduzir os conflitos socioambientais e diminuir o efeito da poluição sobre o
meio natural. Este artigo tem como pano de fundo
a formulação de políticas para a ocupação de áreas
de mananciais em contextos urbanos, tomando
como estudo de caso a percepção da população
residente e dos representantes das instituições de
governo sobre a conservação de mananciais subterrâneos de formação cárstica na Região Metropolitana de Curitiba.
Abstract
In environmental terms, the expansion of urban
areas has become a problem that is more serious
than that of population growth itself. To face
this challenge, the Organization for Economic
Cooperation and Development (OECD) indicates
the need for changes in city management with
the adoption of participative intervention as a
strategy to reduce socio-environmental conflicts
and control the effects of pollution on the natural
environment. The background of this paper
is the formulation of watershed occupation
policies in urban contexts. The paper studies the
perception of residents and representatives of
government institutions about the conservation
of karst groundwater in the Metropolitan Region
of Curitiba.
Palavras-chave: aquífero Carste, desenvolvimento
sustentável; Região Metropolitana de Curitiba.
Keywords: Karst aquifer; sustainable development;
Metropolitan Region of Curitiba.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte
Introdução
Entretanto, na medida em que esse fenômeno
produz consequências sociais e ambientais negativas ao desenvolvimento socioeconômico, e
A população mundial atingiu, em 2011, os 7 bi-
o Estado não vem sendo capaz de resolvê-las
lhões de habitantes e, mesmo que os números
adequadamente, em vez de buscar alternativas
globais apresentem uma taxa de crescimento
inovadoras de gestão, seus responsáveis por
mais lento nos últimos quarenta anos (Haub
vezes adotam uma posição de conflito com a
e Gribble, 2011), esse crescimento tem sido
sociedade ao propor táticas agressivas para
acompanhado por um processo de rápida ex-
conter o problema, como por exemplo, impedir
pansão das áreas urbanas. Angel et al. (2005)
a migração do meio rural ao urbano, ou mesmo
estimam que aproximadamente 50% da
expulsando a população migrante – como é o
popula ção esteja residindo em cidades cuja
caso na China (Zhao, 1999).
área construída já representa cerca de 3% das
Preocupado com esse duplo efeito –
áreas agriculturáveis, ou cerca de 0,3% da
crescimento populacional e expansão da área
área total dos países. A partir da análise de 120
ocupada pelas cidades, relatório da Organiza-
cidades, localizadas em diferentes países indus-
ção para a Cooperação e Desenvolvimento Eco-
trializados e em desenvolvimento, os autores
nômico (OCDE, 2008) alerta os países membros
verificaram que as densidades populacionais
para os problemas ambientais causados pela
urbanas são três vezes maiores nas cidades
tendência de rápida urbanização com a ocupa-
localizadas em países em desenvolvimento se
ção extensiva do espaço natural, pontuando
comparadas com as cidades localizadas em
os altos padrões de consumo de recursos na-
países industrializados. Observaram também
turais e a excessiva produção de resíduos. Para
uma tendência geral de diminuição da densi-
fazer frente a esses desafios, a OCDE indica a
dade populacional urbana em todos eles, cono-
necessidade de mudanças radicais na gestão
tando a expansão territorial das cidades:
das cidades, com a adoção de estratégias mais
Se as densidades médias em todas as regiões continuarem a declinar à taxa anual
de 1,7% – como ocorreu na última década – a área ocupada pelas cidades nos
países em desenvolvimento passará dos
200.000 km² no ano de 2000 para mais
de 600.000 km² em 2030, enquanto que
a população terá dobrado. (Angel et al.,
2005, p. 1)
participativas de intervenção governamental
como forma de reduzir os conflitos socioambientais e diminuir o efeito da poluição gerada
no ambiente urbano sobre o meio natural e, em
última instância, sobre o próprio homem.
Pinkney (2004) observa a necessidade de
uma nova e mais significativa relação entre o
Estado e a sociedade, que estabeleça um processo político mais pluralista, como resposta
Como aponta Montgomery (2008, p. 762),
aos conflitos gerados na construção e manu-
os responsáveis políticos de diversos países
tenção das democracias nos países em desen-
em desenvolvimento já se mostram mais preo-
volvimento. Argumenta que os processos de
cupados com a expansão da área urbana do
democratização nos países em desenvolvimen-
que com o crescimento demográfico geral.
to são multifacetados e extrapolam as teorias
646
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
Restrição ambiental ou oportunidade para o desenvolvimento sustentável?
anteriores, onde frequentemente se assumia
constante expansão das cidades, que ocorre
que a maioria desses processos estaria focado
motivada por fenômenos sociais e econômi-
na relação quase exclusivamente polarizada
cos. Um dos riscos no médio prazo é que sem
entre governo e oposição, negligenciando-se o
o adequado planejamento para o uso e ocupa-
papel da sociedade civil.
ção dessas áreas, e sem a consolidação de um
Nesse aspecto, a Agenda 21 Global (Bra-
novo pacto entre o Estado e a sociedade, essa
sil, 1996) indica com certa ênfase a adoção de
expansão territorial se dê sobre áreas de ma-
métodos participativos mais democráticos para
nanciais. Os rios, como sistemas abertos, são
a condução da resolução dos problemas urba-
os primeiros a sofrer os seus impactos. Como
nos. No entanto, a internalização das questões
consequência, cresce no mundo todo a busca
ambientais globais, como variáveis importantes
por águas subterrâneas como fonte de abaste-
no desenvolvimento socioeconômico dos paí-
cimento humano. Mas, talvez por não ser um
ses, representa a um só tempo um ganho de
recurso natural visível, os problemas da sua
complexidade como um desafio, especialmente
conservação ainda não são tratados adequa-
no Brasil, para as relações entre Estado, merca-
damente. Na China, que hoje consome apenas
do e sociedade (Gama et al., 2010).
¼ da média de consumo mundial de água, o
As perguntas que se fazem, principal-
crescente uso de águas subterrâneas de forma
mente nos países em desenvolvimento, são:
descontrolada para o abastecimento público e
a) se a sociedade está preparada para assumir
a também crescente poluição dos lençóis freá-
um papel protagonista na gestão das cidades;
ticos, pode fazer com que o país perca a capa-
b) se as escolhas são feitas em um cenário de
cidade de alimentar até 10% de sua população.
plena informação sobre as consequências de
O consumo de águas subterrâneas em algumas
longo prazo das decisões tomadas; e, c) se as
regiões, como a Bacia do Haihe, é 50% maior
negociações são conduzidas para o bem-estar
do que a sua taxa de reposição (Li, 2010).
coletivo, em detrimento das prioridades individuais dos atores envolvidos na negociação.
Sem o devido ordenamento territorial e
sem a construção de um novo paradigma de
Nesse contexto de acelerada expansão
gestão mais participativa dos mananciais su-
da área urbana e de apoio internacional para
perficiais e subterrâneos, as políticas públicas
o aumento da participação de diferentes ato-
necessárias para permitir a sua conservação
res na gestão dos recursos naturais, este artigo
têm enfrentado forte resistência social de deze-
tem como pano de fundo a formulação de po-
nas de milhares de famílias que ocupam essas
líticas para a ocupação de áreas de mananciais
áreas para moradia e atividades produtivas. A
em contextos urbanos, tomando como estudo
urbanização em áreas de mananciais tem ra-
de caso a conservação de mananciais subterrâ-
zões socioeconômicas, pois, por estarem em
neos em formação cárstica na Região Metropo-
regiões periféricas às grandes cidades, tem o
litana de Curitiba.
solo mais barato, mantendo ainda fácil acesso
A necessidade de garantir o acesso
às infraestruturas e equipamentos urbanos. A
às fontes de água de boa qualidade para o
necessidade básica de moradia e subsistência
abastecimento público tem rivalizado com a
se choca com as medidas legais limitantes da
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
647
Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte
ocupação e expansão urbana – e quando se
trata de águas subterrâneas, a incompreensão
às limitações da ocupação é ainda maior.
Desse modo, tomando como objeto de
estudo um aquífero cárstico que é considerado
A importância do aquífero
cárstico para o abastecimento
de água da Região
Metropolitana de Curitiba
hoje uma das principais reservas estratégicas
para o abastecimento público de água da Re-
A Região Metropolitana de Curitiba (RMC)
gião Metropolitana de Curitiba, no sul do Bra-
reúne 29 municípios do estado do Paraná
sil, o que se pretende é justamente entender
em uma área de 16.581 km 2 e uma popula-
como a população que ocupa a área da reserva
ção de mais de 3,2 milhões de habitantes, o
se relaciona com o aquífero. Essa percepção
que a coloca como oitava maior Região Me-
da população residente sobre o aquífero é de
tropolitana do Brasil (IBGE, 2010). O abaste-
grande importância para que a governança
cimento público de água é gerenciado pela
compartida dos recursos naturais, como prega
Companhia de Saneamento do Paraná (Sa-
a Agenda 21, tenha efeito.
nepar), que tem enfrentado sérios problemas
Figura 1 – População na Região Metropolitana de Curitiba
no período de 1970 a 2010
3.500.000
População (habitantes)
3.000.000
População total
Incremento
2.500.000
2.000.000
1.500.000
1.000.000
500.000
0
1970
1980
1991
2000
2010
Anos
Fonte: IBGE (2011).
648
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
Restrição ambiental ou oportunidade para o desenvolvimento sustentável?
em razão da crescente ocupação urbana das
essa naturalmente limitada disponibilidade das
bacias hidrográficas, inclusive dos mananciais
águas seja incrementada.
metropolitanos. Nas últimas décadas, o cres-
Andreoli et al. (2000) apresentaram uma
cimento populacional na RMC (Figura 1) vem
estimativa da disponibilidade hídrica para a
ocorrendo principalmente nos municípios limí-
Região Metropolitana de Curitiba consideran-
trofes à capital, com baixa cobertura sanitária
do três cenários de desenvolvimento urbano,
e limitações naturais impostas à produção da
apresentados na Tabela 1. O primeiro cenário
água para o abastecimento.
foi desenvolvido para o Plano Diretor de Abas-
O Primeiro Planalto Paranaense, onde
tecimento Público de 1992, prevendo-se um
a Região Metropolitana de Curitiba está lo-
cuidadoso ordenamento territorial e uma forte
calizada, apresenta sérias restrições naturais
regulação do Estado em relação à sociedade –
à ocupação urbana intensa, uma vez que se
e consequentemente aos vetores de crescimen-
situa na região das nascentes do Rio Iguaçu.
to urbano, principalmente quando direcionados
Sabe-se que, em uma bacia hidrográfica, a re-
às bacias hidrográficas consideradas estraté-
gião das nascentes tem disponibilidade hídrica
gicas para o abastecimento público. Nesse ce-
mínima se comparada à sua foz. Além disso, o
nário, somente as bacias hidrográficas que já
grau de ramificação do sistema de drenagem,
se encontravam ocupadas pela urbanização e
típico das regiões de nascentes, produz corpos
cujas águas já representavam impedimentos ao
d´água de pequena vazão, com pouca capaci-
aproveitamento para abastecimento público,
dade para abastecer grandes núcleos urbanos.
foram desconsideradas como possíveis manan-
Por fim, mesmo considerando as variações de
ciais. Esse cenário também incluiu a recupera-
curto, médio e longo prazos no regime de chu-
ção da qualidade das águas de alguns rios pelo
vas, provocados por eventos naturais cíclicos,
reordenamento urbano, na hipótese de que tais
a disponibilidade hídrica na Região Metropo-
programas pudessem apresentar grande efeti-
litana de Curitiba tem se mantido constante
vidade prática. Esse cenário foi considerado pe-
e não se espera, em um futuro próximo, que
los autores como extremamente otimista.
Tabela 1 – Disponibilidade hídrica na Região Metropolitana de Curitiba
Mananciais
Altíssimo Iguaçu
Alto Iguaçu
Rio da Várzea
Rio Açungui
1º Cenário: Plano Diretor
de 1992
7.525 L/s
4.500 L/s
3.200 L/s
10.210 L/s
4.621 L/s
4.621 L/s
8.780 L/s
8.780 L/s
3.600 L/s
11.475 L/s
14.400 L/s
14.400 L/s
600 L/s
600 L/s
200 L/s
38.590 L/s
32.901 L/s
26.021 L/s
Aquífero Karst
Total
2º Cenário: Recursos hídricos
3º Cenário: Ocupação
aproveitáveis em 1999
desordenada dos mananciais
Fonte: Adaptado de Andreoli et al. (2000).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
649
Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte
O segundo cenário, mais conservador, foi
águas para vencer a distância e o desnível to-
estruturado a partir da continuidade do proces-
pográfico. São, portanto, opções estratégicas
so atual de crescimento urbano metropolitano,
que não são viáveis no curto ou médio prazos,
considerando também a manutenção do tipo
mas foram incluídas na medida em que repre-
de relação existente entre o Estado e a socie-
sentam uma parcela considerável dos recursos
dade, sem a adoção de novos instrumentos
hídricos existentes na região.
econômicos, de articulação social, ou de novos
Considerando um consumo médio de
paradigmas de gestão que pudessem conservar
250 litros/habitante/dia, estimado pela Sanepar
as bacias hidrográficas destinadas ao abasteci-
para o ano de 2011, incluindo-se o consumo
mento público. Como consequência, esse cená-
domiciliar e industrial, os rios metropolitanos
rio previu a perda de mananciais situados em
poderiam atender entre 9 e 13 milhões de ha-
bacias hidrográficas mais sujeitas a pressões
bitantes, dependendo do cenário de ocupação.
antrópicas, considerando, assim, apenas a ma-
No entanto, do ponto de vista da viabilidade
nutenção dos mananciais nas bacias abastece-
econômica atual, a disponibilidade hídrica cai
doras mais importantes da região.
para 2,8 milhões de habitantes em um cená-
O terceiro cenário foi construído a partir
rio pessimista de ocupação desordenada, 3,6
da consideração de que as pressões socioeco-
milhões de habitantes em um cenário realista,
nômicas pudessem sobrepujar os mecanismos
ou 6,3 milhões de habitantes, considerando o
regulatórios do Estado, resultando em uma
cenário otimista do Plano Diretor de Abaste-
ocupação desordenada da população sobre os
cimento da Região Metropolitana de Curitiba
mananciais e, portanto, apresenta uma forte
de1992 (Tabela 2).
redução na oferta das águas para abastecimento público.
É possível observar claramente a necessidade da viabilização dos projetos de adução
A Tabela 1 mostra que os autores já
das águas dos rios Açungui e Várzea para
consideravam a inclusão dos rios da Várzea e
compor o sistema integrado de abastecimento
Açungui. O primeiro situa-se a aproximada-
da Região Metropolitana de Curitiba, sem os
mente 60 km ao sul de Curitiba, e o aprovei-
quais a população atual estaria consumindo
tamento das suas águas necessita da adução
entre 50% e 114% da vazão disponível. Tam-
por bombeamento até a Região Metropolitana,
bém é possível ver que, contando-se apenas
vencendo um desnível topográfico de cerca de
com os mananciais economicamente viáveis
280 metros. O Rio Açungui, está situado a 50
na sua exploração, é estratégico para a RMC
km a oeste de Curitiba e apresenta cerca de
afastar-se do cenário de ocupação desorde-
560 metros de desnível topográfico. O abas-
nada dos mananciais, e adotar propostas de
tecimento da Região Metropolitana por esses
negociação social capazes de viabilizar progra-
mananciais ainda não é economicamente viá-
mas de despoluição hídrica e de conservação
vel em razão dos custos de bombeamento das
dos mananciais.
650
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
Restrição ambiental ou oportunidade para o desenvolvimento sustentável?
O trabalho de Andreoli et al. (2000) con-
e ambientais (Sanepar, 2011). A Tabela 3 apre-
siderou também a possibilidade de obtenção de
senta a vazão captada em cada um dos 15 po-
aproximadamente 600 L/s de água do aquífero
ços de captação das águas do Aquífero Carste
Carste (ou Karst). A extração atual de água des-
em operação. Os estudos mostram que é pos-
se aquífero pela Sanepar para o abastecimento
sível o aproveitamento das águas do aquífero
público representa cerca de 400 L/s, e foi deter-
mediante o controle das vazões captadas e do
minada com base em estudos hidrogeológicos
rebaixamento do lençol subterrâneo.
Tabela 2 – Disponibilidade hídrica na Região Metropolitana de Curitiba
e população abastecida, considerando um consumo de 250 litros/habitante/dia
Variáveis
Cenário do Plano Diretor Cenário dos recursos hídricos
Cenário de ocupação
de 1992
aproveitáveis em 1999
desordenada dos mananciais
Vazão total com rios Várzea e
Açungui
População abastecida com rios
Várzea e Açungui
Consumo em 2011 (% do total
disponível)
Vazão total sem rios Várzea e
Açungui
População abastecida sem rios
Várzea e Açungui
Consumo em 2011 (% da vazão
total disponível)
38.590 L/s
32.901 L/s
26.021 L/s
13,34 milhões
11,37 milhões
8,99 milhões
23,8%
27,9%
35,3%
18.335 L/s
9.721 L/s
8.021 L/s
6,34 milhões
3,60 milhões
2,77 milhões
50,0%
94,4%
114,4%
Tabela 3 – Poços de captação das águas do Aquífero Carste
na Região Metropolitana de Curitiba
Município
Poço
Vazão captada (L/s)
Itaperuçu
P01
P03
P09
7,4
27,2
15,0
Colombo
P01
P03
P05
46,4
23,8
40,8
Sede
Várzea
24,4
20,8
Almirante Tamandaré
Sede
P5
P12
P17
P20
41,7
45,0
18,3
20,9
20,8
Campo Largo
P03
P09
21,6
20,3
Bocaiúva do Sul
Total
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
394,4
651
Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte
Figura 2 – Área de ocorrência cárstica na Região Metropolitana de Curitiba
Limite municipal
Área do afloramento
da unidade aquífera Karst
Fonte: Suderhsa (2007).
Mesmo que o aproveitamento atual con-
Há que se considerar que o aquífero
te apenas com 15 poços, localizados em cinco
Carste é caracterizado por águas muito límpi-
municípios, o aquífero Carste possui uma área
das, fator que torna esse recurso muito atrativo
aproximada de 5.740 km2 e um potencial hi-
do ponto de vista da sua exploração econômi-
2
drogeológico de 8,9 L/s/km , o que resultaria
ca, uma vez que os custos de tratamento da
em uma produção total de aproximadamente
água são mínimos. Lisboa (1997) explica que
51.086 L/s (Suderhsa, 2007), abrangendo, to-
a água de chuva, que apresenta um pH inicial-
tal ou parcialmente, 13 municípios situados ao
mente ácido, ao penetrar no solo e atingir a
norte da capital paranaense (Figura 2). Portan-
formação cárstica vai se tornando básica pela
to, a exploração atual representa apenas 0,8 %
dissolução dos sais de cálcio e magnésio da
do seu potencial.
rocha, impedindo que os sedimentos carreados
652
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
Restrição ambiental ou oportunidade para o desenvolvimento sustentável?
na lixiviação se mantenham em suspensão,
de significativas restrições à ocupação do ter-
fazendo-os depositar rapidamente, clarificando
ritório, uma vez que o aquífero Carste ocupa
as águas de subsolo. Além disso, o efeito físico
85% dos 185 km 2 do município, deixando
de filtração presente no movimento das águas,
apenas uma pequena parcela a noroeste e ou-
nos interstícios granulares do solo, configura-se
tra ao sul do seu território fora dos limites da
em um efeito adicional importante.
formação principal.
Com base nas considerações apontadas,
Com relação ao crescimento populacio-
o aquífero Carste representa um potencial de
nal, com 103 mil habitantes (IBGE, 2010), o
exploração econômica e segura para o abaste-
município de Almirante Tamandaré apresen-
cimento da Região Metropolitana de Curitiba,
tou uma taxa anual de crescimento médio de
com menores custos de exploração, adução e
2,4% entre 1991 e 2010, muito superior aos
tratamento se comparados com as alternativas
1,5% observados para Curitiba e, como con-
de captação nos mananciais superficiais dos
sequência, tem apresentado um significativo
rios da Várzea e Açungui.
aumento da sua área urbana em razão da instalação de sucessivos loteamentos, mesmo em
área de ocorrência cárstica. Esse fenômeno es-
O aquífero Carste
em Almirante Tamandaré
tá em parte ligado a um processo de atração
populacional para a região de Curitiba, onde
a população de mais baixa renda, não tendo
recursos econômicos suficientes para se esta-
Almirante Tamandaré pode ser considerado
belecer na capital, passa a procurar moradias
um município pobre. Apresenta um Índice de
nas cidades vizinhas, com fácil acesso à capital
Desenvolvimento Humano Municipal de 0,728,
e onde o custo da moradia é mais baixo. Como
colocando-o na 274ª posição entre os 399 mu-
resultado, observa-se o deslocamento diário de
nicípios paranaenses e na 2.743ª posição den-
mais de 140 mil pessoas originárias de um dos
tre os 5.561 municípios do ranking nacional,
11 municípios vizinhos imediatos – entre eles
segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano
Almirante Tamandaré – que vão trabalhar, estu-
no Brasil (PNUD; IPEA e FJP, 2000).
dar ou usar algum serviço urbano em Curitiba.
Entre os fatores que contribuem para
Esse movimento pendular é um claro sintoma
esse cenário, podem ser apontados: o eleva-
da incapacidade do município de gerar rique-
do crescimento populacional, demandando do
zas e de reter a própria população que trabalha
poder público a disponibilização de infraestru-
ou estuda.
turas urbanas adequadas em uma velocidade
Justamente por isso é que a porção sul
não condizente com suas potencialidades eco-
de Almirante Tamandaré, mais próxima a Curi-
nômicas; pequeno tamanho da sua economia,
tiba, concentra cerca de 70% da população do
com um PIB per capita ao redor de US$ 3,300/
município. Esse fato pode ser visto como uma
ano em 2009, dos quais 65% gerados no setor
vantagem geográfica para a conservação das
de serviços e apenas 29% no setor industrial
águas do Carste, uma vez que justamente a
e agropecuário (Ipardes, 2011); e a existência
região sul do município está fora da formação
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
653
Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte
cárstica. No entanto, observa-se uma tendência
de sua aplicação, que normalmente estende
histórica de extensão do perímetro urbano mu-
o problema da contaminação das águas por
nicipal para o norte, ao longo da Rodovia dos
produtos agroquímicos e fertilizantes em uma
Minérios (PR-092), e a leste, ao longo da Ro-
extensão geográfica considerável; e o segun-
dovia do Calcáreo (PR 509), de acesso ao mu-
do, diz respeito à baixa degradabilidade (per-
nicípio de Colombo. Esses eixos de crescimen-
sistência) desses produtos na natureza que,
to urbano já se situam em área de ocorrência
por acumulação no aquífero, podem tornar as
cárstica e configuram uma região de necessário
águas do subsolo inservíveis para o abasteci-
controle ambiental.
mento humano e cuja descontaminação é de
A área de ocorrência do aquífero carste
grande dificuldade técnica e econômica (polui-
apresenta restrições naturais para assenta-
ção difusa). Além disso, as formações cársticas
mentos humanos urbanos e rurais em função
podem ocasionar afundamentos localizados
do processo de dissolução das rochas carbo-
ou em grandes áreas, que se caracterizam por
náticas que pode ser acelerado pelo uso inade-
processos de adensamento ou rebaixamento
quado do solo, principalmente quando resulte
do solo, provocando desabamentos circulares
em alterações na dinâmica de circulação das
do terreno em forma de crateras. Esses desaba-
águas subterrâneas. Tendo em vista a fragi-
mentos podem ocorrer sem sinais prévios, tor-
lidade geo técnica dos terrenos cársticos, a
nando-se os principais causadores de acidentes
ocupação intensa dessas áreas com a presença
graves em construções urbanas.
de atividades de indústria e agricultura, bem
O desenvolvimento de tais ocorrências é
como com a superexploração de água do aquí-
bem conhecido e há vários exemplos no Brasil e
fero subterrâneo para abastecimento público
no mundo, permitindo evidenciar o quão frágeis
ou comercialização, podem ocorrer sérios con-
são esses terrenos tanto em termos ambientais
flitos pelo uso da água e impactos na sua qua-
quanto em termos geotécnicos. Em Murge, no
lidade, como a contaminação de rios e águas
sul da Itália, o regime hídrico da formação cárs-
subterrâneas e a consequente redução na sua
tica depende das chuvas intensas. Ao longo do
disponibilidade hídrica. Dentre as principais
tempo, tanto a população quanto o governo
fontes de contaminação, citam-se: lançamento
local desconsideraram esse regime hídrico e
de esgotos domésticos e industriais; produtos
a fragilidade do solo e houve a ocupação por
da percolação de resíduos sólidos (chorume
áreas de pastagens ou agricultura, dificultando
dos aterros sanitários); cemitérios (necrocho-
a drenagem das águas para a bacia subterrâ-
rume); resíduos e produtos oriundos de ativi-
nea. Em outubro de 2005, fortes chuvas não
dade agrícola (fertilizantes e agroquímicos),
drenadas devastaram infraestruturas e mata-
ferro velho, postos de combustível, dentre ou-
ram seis pessoas na região de Bari (Andriani;
tras (Mineropar, 2005).
Walsh, 2009). Na China, 70% dos colapsos em
Apesar de menos intenso, o uso de
áreas com formação cárstica são consequência
agroquímicos e fertilizantes nas práticas ru-
direta de atividades antrópicas, em especial as
rais convencionais tem dois fatores agravan-
atividades não controladas de bombeamento
tes. O primeiro, refere-se à extensão territorial
de águas subterrâneas (He et al., 2010).
654
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
Restrição ambiental ou oportunidade para o desenvolvimento sustentável?
Normalmente, áreas com fatores fisiográficos favoráveis, como as planícies cársti-
de terreno, oferecendo risco às comunidades
assentadas na região.
cas, tornam-se convidativas para a ocupação
Em Colombo e Almirante Tamandaré,
urbana, com a edificação de grandes e pe-
municípios localizados sobre formação cárstica
sadas construções. No entanto, essas áreas
da porção norte da Região Metropolitana de
encobrem situações naturalmente frágeis e
Curitiba, registraram-se, ao longo do tempo,
complexas, apresentando falhas geológicas,
colapsos e afundamentos do solo com grande
cavernas e outras estruturas subterrâneas
apelo social e econômico, principalmente por-
que respondem às pressões das obras de en-
que esses municípios têm apresentado expres-
genharia de uma maneira mais rápida e mais
siva expansão populacional nos últimos anos
dramática que outros tipos de terreno. Por
(Nogueira Filho, 2006). Desde 1992, verifica-
esse motivo, as porções mais rebaixadas da
ram-se pequenos afundamentos de terrenos
paisagem natural do carste são consideradas
em Almirante Tamandaré, acarretando trincas
ambientalmente frágeis e, quando ocupadas,
e inclinações em edificações, além do rebaixa-
podem apresentar comportamentos geotécni-
mento do nível da água em poços, cacimbas e
cos indesejáveis, a exemplo dos abatimentos
pequenos lagos (Figura 3).
Figura 3 – Rachadura em edificações ocorrida por acomodação
do solo em terreno cárstico
Fonte: Gasparin (2009).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
655
Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte
Em 2005, o Ministério Público deu um
mesmo motivo, moradores da cidade foram in-
prazo de cinco anos à Companhia de Sanea-
denizados, ou porque tiveram que deixar suas
mento do Paraná (Sanepar) para desativar os
casas ou porque precisaram reformá-las (Al-
poços de exploração do aquífero Carste, loca-
meida, 2005).
lizados no centro de Almirante Tamandaré, ale-
Em junho de 2007, um dos maiores afun-
gando que essa exploração é responsável por
damentos de que se tem notícia na região ocor-
prejuízos nas estruturas de pelo menos vinte
reu na região rural de Tranqueira (Almirante
construções no município. A Sanepar admitiu
Tamandaré). O solo cedeu, deixando um buraco
que houve erros no dimensionamento da re-
de forma elipsoidal com cinquenta metros de
tirada da água no início das operações, mas
comprimento, quarenta metros de largura e cer-
garante que agora usa um sistema seguro. Por
ca de trinta metros de profundidade (Figura 4).
conta dos equívocos do passado, duas escolas
A profundidade do buraco equivale a um prédio
foram fechadas porque apresentaram racha-
de vinte andares e por isso ele se tornou uma es-
duras ocasionadas pela retirada da água. Pelo
pécie de atração turística local (Bertotti, 2007).
Figura 4 – Buraco formado pela acomodação do solo
na região de Tranqueira, Almirante Tamandaré
Fonte: Gasparin (2009).
656
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
Restrição ambiental ou oportunidade para o desenvolvimento sustentável?
Em 2010, houve a acomodação do solo
dos terrenos cársticos, Almirante Tamandaré
em uma pequena célula cárstica localizada na
elaborou um Plano Diretor de Desenvolvi-
sede do município de Almirante Tamandaré,
mento (Almirante Tamandaré, 2006) com a
provocando o aparecimento de um buraco de
premissa de assegurar a segurança ambiental
cerca de dez metros de largura e dois metros
aos moradores, porém mantendo a capacida-
de profundidade, interditando uma importante
de de exploração dos recursos minerais asso-
via pública, algumas casas comerciais e duas
ciados ao Carste de forma mais sustentável,
escolas próximas (Figura 5).
controlando seus aspectos quantitativos e
Para responder aos conflitos entre a
qualitativos. O município iniciou também um
crescente necessidade da ocupação do solo
processo de implementação da sua Agenda
pela municipalidade e a fragilidade natural
21 de forma participativa.
Figura 5 – Buraco formado pela acomodação do solo em via pública
próximo ao centro da cidade de Almirante Tamandaré
Fonte: dos autores (2012)
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
657
Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte
O aquífero Carste em
Almirante Tamandaré
na perspectiva do poder
público e de sua população
públicas estaduais e municipais, que têm por
dever de ofício contribuir para a conservação
do aquífero, sobre o seu papel. Nas entrevistas
com o poder público, muito embora atores de
abrangência nacional ou mesmo internacional
possam estar direta ou indiretamente relacio-
Para Frey, a orientação geral dos municípios
nados com o aquífero Carste em Almirante
no controle das complexas questões sociais e
Tamandaré, o conjunto dos principais atores
ambientais parece ser o da intensificação das
envolvidos na sua exploração e conservação
intervenções autoritárias e centralistas, com o
permeiam as esferas do setor público muni-
aumento da burocracia e da tecnocracia. Ou
cipal e estadual. Com o objetivo de avaliar a
seja, por meio de uma gestão tecnocrata, que
sua atuação em relação à gestão do aquífero,
demonstre competência técnica e domínio
foram enviados 27 questionários a represen-
científico sobre os complexos ecossistemas na-
tantes do poder público municipal (Prefeitura,
turais e suas vulnerabilidades, a administração
Câmara e Defesa Civil) e estadual (Minérios do
pública poderia garantir a sustentabilidade im-
Paraná, Instituto das Águas, Instituto Ambien-
pondo uma atitude de respeito socioambiental
tal do Paraná, Coordenação da Região Metro-
a uma sociedade cada vez mais individualista
politana de Curitiba e Ministério Público). Des-
(Frey, 2001).
ses, foram recebidos vinte questionários preen-
No entanto, segundo o autor, as reivin-
chidos. Outras cinco instituições encaminharam
dicações sociais em prol de uma maior parti-
respostas, justificando o não preenchimento
cipação social e o reconhecimento dos limites
dos questionários, alegando principalmente a
técnicos e científicos existentes para lidar com
falta de conhecimento técnico suficiente para
os desafios e ameaças da atual sociedade de
responder às questões ou não ter envolvimento
risco, contribuíram para a perda da legitimida-
direto com o assunto. Duas delas não respon-
de dessa abordagem tecnocrática centraliza-
deram e também não manifestaram retorno.
dora. Entre o movimento do governo, para a
Na segunda fase da pesquisa, foram
construção de instrumentos legais de proteção
aplicados 409 formulários de entrevista distri-
da região cárstica e do necessário controle fis-
buídos a uma amostra estatisticamente deter-
calizatório de sua ocupação urbana, e a efeti-
minada da população urbana e rural do municí-
vação dessas políticas, há o necessário envol-
pio de Almirante Tamandaré. A distribuição dos
vimento da população residente. Mais do que
formulários manteve a proporcionalidade entre
ser afetada por tais políticas ou tão somente
o número de respondentes e a população total
informada delas, é importante para o processo
de cada um dos dez distritos urbanos e da área
de efetivação de políticas públicas que haja a
rural. O formulário teve o objetivo de:
sua efetiva participação.
Para isso, essa pesquisa, em um primeiro
momento, procurou questionar as instituições
658
• conhecer se o Carste é uma imagem que a
população relaciona com a cidade de Almirante
Tamandaré;
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
Restrição ambiental ou oportunidade para o desenvolvimento sustentável?
• conhecer se a população sabe o que é o
aquífero Carste;
planejamento e controle da ocupação do solo
em área cárstica; a realização de estudos de
• saber se a população reconhece a impor-
mapeamento detalhado da geologia cárstica;
tância do aquífero e também a importância de
e o desenvolvimento de atividades econômi-
preservá-lo, e em que escala;
cas lucrativas compatíveis com a fragilidade
• saber se a população reconhece quais os atores responsáveis pela preservação do aquífero;
ambiental da área. Sob a perspectiva desses
gestores, ficou evidente a preocupação quanto
• saber se a população reconhece se suas
ao risco associado às regiões cársticas no mu-
atividades cotidianas contribuem para poluir
nicípio. No entanto, quanto ao grau desse risco,
o aquífero.
as respostas se mostraram divergentes. Consi-
Quanto ao papel da administração públi-
dere-se que os fenômenos indesejáveis ocor-
ca, a opinião dos entrevistados ficou dividida
rentes nas áreas cársticas (dolinas, colapsos de
em relação à presença do aquífero. Alguns ava-
solo, rachaduras e trincas em edificações) são
liam a sua existência como uma potencialidade
registrados com baixa frequência e muitas ve-
estratégica para o município em longo prazo
zes ocorrem em áreas isoladas, não sendo leva-
por se tratar de um recurso essencial para o
dos ao conhecimento dos órgãos competentes,
desenvolvimento regional. No entanto, com-
passando a não ser divulgados e diminuindo a
plementam que a exploração desse potencial
percepção do risco tanto para gestão pública
requer formas e critérios especiais quanto a
quanto para a população local.
sua exploração, bem como um estrito contro-
Embora a maioria das instituições afirme
le do uso e ocupação do solo para garantir a
adotar alguma medida visando à minimização
capacidade de suporte ambiental do meio. Ou-
desses riscos socioambientais, dada a fragmen-
tros acreditam que seja um recurso natural que
tação da participação de cada uma na gestão
representa um percalço ao desenvolvimento
do aquífero e a falta de coordenação entre
local, dada a fragilidade do solo e a suscetibili-
elas nos seus mais variados níveis hierárquicos,
dade a acomodações do terreno, que são con-
nenhuma das medidas apontadas por esses
siderados fenômenos indesejáveis a que tais
órgãos é suficientemente capaz de resolver o
áreas estão sujeitas, tornando-se um entrave
problema e dar segurança à população, mesmo
ao crescimento do município.
porque as ações não ocorrem de forma integra-
Os representantes das instituições locais
e estaduais entrevistadas reconhecem que a
da e muitas vezes estão relacionadas de forma
apenas indireta com o problema.
população de Almirante Tamandaré em geral
Com isso, tem-se um retrato da situação
não está informada sobre os riscos associados
atual do município, que apresenta uma popu-
ao Carste, e esse é o maior desafio a ser en-
lação de baixa renda e como baixo grau de
frentado pela administração pública munici-
instrução, elevado crescimento populacional,
pal e estadual na sua gestão. Foram também
carência de infraestruturas (principalmente as
apontados como principais desafios: a neces-
sanitárias), forte dependência da cidade polo
sidade de conciliar a exploração econômica e
(caracterizando-a como uma cidade dormitó-
a conservação de longo prazo do aquífero; o
rio, submetida à pressão urbana procedente da
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
659
Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte
dinâmica metropolitana), restrições ambientais
de 2001, cujos elementos do planejamento ur-
pela necessidade de proteção dos mananciais
bano devem contemplar as diretrizes e padrões
de abastecimento e ausência de um plane-
de organização do espaço urbano, do desenvol-
jamento territorial adequado que não esteja
vimento socioeconômico e do sistema político
limitado à simples ordenação do espaço, mas
administrativo, sempre a fim de melhorar as
que considere as fragilidades naturais da área
condições de vida da população nas cidades.
como orientação pra sua ocupação. Nesse con-
Todavia, percebe-se que os municípios
texto, observa-se que a maioria da população
contemplados pela presença do aquífero cársti-
local desconhece a presença do aquífero cársti-
co, incluindo-se aí Almirante Tamandaré, ainda
co no município, ou seja, esse assunto não per-
não sabem como lidar com os problemas e be-
meia o imaginário coletivo de parte dos habi-
nefícios proporcionados por esse tão importan-
tantes entrevistados, o que pode desencadear
te recurso natural. Na maioria das vezes, aca-
comportamentos urbanos nocivos sobre esses
bam por não saber explorá-lo de forma ade-
recursos naturais de forma não intencional.
quada nem estabelecem medidas preventivas
Dado o sistema de administração públi-
pelo fato de desconhecerem a realidade que os
ca vigente, fica claro o interesse por parte do
cerca, bem como as fragilidades associadas a
município de efetuar o parcelamento do solo
esse sistema. De fato, gestores, técnicos e a po-
urbano para fins de geração de receita pe-
pulação muitas vezes são surpreendidos pelos
la aplicação dos impostos, ignorando muitas
eventos geológicos praticamente imprevisíveis,
vezes as condicionantes ambientais do meio.
tornando-se esse o real problema na gestão
Dessa forma, é crescente a ocupação do espa-
desses espaços.
ço, inclusive das áreas a serem preservadas ou
Além do poder público, foram entrevista-
de grande fragilidade ambiental de Almirante
dos 409 residentes de Almirante Tamandaré. A
Tamandaré. Destaca-se também o persistente
primeira pergunta tratou das imagens mentais
entendimento de que os recursos naturais po-
associadas ao município. As respostas foram
dem ser utilizados de forma ilimitada desde
muito diversificadas, e não houve propriamente
que atendidas as necessidades básicas dos mo-
uma resposta preponderante. No entanto, al-
rados urbanos (habitação, trabalho, lazer, etc.).
gumas delas merecem consideração. Dentre as
Tal fato sinaliza que, apesar de as questões
mais recorrentes, 7,2% citaram imagens liga-
ambientais assumirem papel cada vez mais im-
das à violência, mortes, roubos ou brigas. Essa
portante nas discussões da cidade, essas ainda
relação entre violência e o município não é al-
não são efetivamente reconhecidas e muito
go novo. Em uma pesquisa realizada pela Fun-
menos internalizadas politicamente na gestão
dação Getúlio Vargas no ano de 2006, 80% dos
do município.
entrevistados afirmou não estarem satisfeitos
Por outro lado, atendendo a obrigações
com a segurança do município, e esse cenário
legais, tem havido ações para o controle do uso
pode ser evidenciado pela ocorrência de agres-
e ocupação do solo por meio de leis municipais
sões como sendo a principal causa de óbito no
ou por meio do Plano Diretor de Desenvolvi-
município, passando de 48,2 mortes para cada
mento Urbano, ditado pelo Estatuto da Cidade
100 mil habitantes em 2002 (FGV/Isae, 2006),
660
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
Restrição ambiental ou oportunidade para o desenvolvimento sustentável?
para 81 mortes para cada 100 mil habitantes
suas atividades cotidianas não prejudicam, ou
no primeiro trimestre de 2012 (Antoneli e Ba-
prejudicam pouco, a conservação desse aquí-
tista, 2012).
fero. Apenas 13% afirmam que suas atividades
Em contrapartida, aspectos positivos re-
prejudicam ou prejudicam muito a conservação
lacionados com natureza, mata, verde, árvores
do Carste. Os demais 32% dos respondentes
ou vegetação estiveram presentes em 5,5%
afirmam que não sabem se suas atividades co-
das respostas. A qualidade do cenário como
tidianas prejudicam o aquífero, ou optaram por
elemento de harmonia paisagística já é reco-
não responder à questão.
nhecido como um potencial para os municípios
O cenário geral que se pode depreender
onde a geologia cárstica é preponderante, e
a partir da pesquisa de opinião elaborada é
tem sido recorrentemente considerada na for-
que a população de Almirante Tamandaré apre-
mulação dos seus Planos Diretores de Desen-
senta na sua maioria um baixo grau de instru-
volvimento Municipal (Dias, 2000, p. 26).
ção – 31% cursaram apenas até quatro anos
Pelo fato de se tratar de uma formação
do ensino fundamental e 11% são analfabetos.
geológica subterrânea, invisível aos olhos da
Por essa razão, desempenham atividades que
grande maioria da população, a relação da po-
exigem menor qualificação profissional e que
pulação de Almirante Tamandaré com águas
representam um baixo salário mensal per capi-
do aquífero Carste apareceu apenas em 0,2%
ta (R$197,65 em 2008 – menos de meio salário
das respostas. Isso leva à preocupante conclu-
mínimo). Como consequência, não têm acesso
são de que as ações antrópicas estejam sendo
a informações mínimas sobre o aquífero para
tomadas como se o aquífero não existisse, o
que possam contribuir para a sua conservação
que pode desencadear um comportamento
e, mesmo que lhes fosse dado acesso a essas
nocivo à adequada conservação desse manan-
informações, dada a precariedade da sua situa-
cial subterrâneo.
ção socioeconômica, qualquer imposição de ca-
Por outro lado, dos 32% da população
ráter ambiental que limitasse ainda mais essa
que afirmaram conhecer ou ter ouvido falar
condição dificilmente seria aceita. A Mineropar
do aquífero, 92% consideram-no como algo
(2005) salienta que essa falta de informação
importante ou muito importante para o mu-
é preocupante na medida em que os cidadãos
nicípio. Além disso, ressalta-se que 56% dos
agem cotidianamente como se o aquífero não
entrevistados que conhecem o Carste disseram
existisse, com consequências de médio e longo
que cabe a “todos nós” a responsabilidade pe-
prazos à qualidade das águas subterrâneas.
la sua preservação. O dado preocupante é que
68% dos entrevistados afirmaram não conhecer ou não ter ouvido falar do aquífero Carste,
Considerações finais
o que confirma a baixa associação entre o território municipal e o aquífero.
A conservação das águas do auífero Carste é
Por fim, considerando apenas o conjunto
um objetivo estratégico para o abastecimento
da população que afirma conhecer ou já ter ou-
público da Região Metropolitana de Curitiba
vido falar no Carste, 55% também afirmam que
no médio e longo prazo. Em anos recentes, as
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
661
Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte
administrações do estado do Paraná e de al-
O que se constatou é que a população de
guns municípios localizados sobre o aquífero
Almirante Tamandaré não reconhece o aquífero
têm feito esforços no sentido de regulamentar
como uma característica do município, e não
a ocupação urbana e rural.
tem um conjunto mínimo de informações que
Pela legislação brasileira, o aquífero está
pudesse sensibilizá-las para os problemas am-
sob domínio do Estado e da União (Brasil, 1988,
bientais causados pela ocupação urbana e rural
Artigos 20 e 26). Sob a ótica da Legislação Es-
das áreas cársticas. Para essa população, com
tadual, o Decreto nº 3411/2008, que “declara
baixo IDH – em especial precariedade econô-
as áreas de interesse de Mananciais de Abas-
mica e educacional – o aquífero não é consi-
tecimento Público da Região Metropolitana de
derado uma variável importante nas atividades
Curitiba e dá outras providências” considera,
cotidianas; Pelo contrário, preocupados com
em seu Artigo 4º, inciso V, que a área do carste
a própria sobrevivência, medidas restritivas
é uma área de proteção que deve ter seu uso e
de ocupação territorial, seja para fins residen-
ocupação controlados de forma a garantir suas
ciais ou produtivos, tendem a ser mal aceitas.
condições de qualidade hídrica para tal fim.
Mesmo em nível institucional, há conflitos en-
Em nível municipal, a Prefeitura de Almirante
tre a necessidade de expansão da atividade
Tamandaré incluiu na revisão do seu Plano Di-
econômica capaz de gerar receita para o mu-
retor Municipal e na elaboração da sua Agenda
nicípio, e a necessidade de fazer cumprir a le-
21, adaptações sugeridas pela Coordenação
gislação de preservação do aquífero por parte
da Região Metropolitana de Curitiba – Comec,
do Estado – gerando desconforto mesmo entre
elaboradas em 2002, no sentido de proteger a
gestores públicos municipais (Gasparin, 2009).
ocupação urbana sobre áreas cársticas. Porém,
Com isso, a administração municipal não tem
a gestão ambiental, pautada em instrumentos
logrado sucesso na atração de novos capitais
impositivos e autárquicos, vem dando pouco
privados (principalmente novas indústrias) pe-
resultado; e diferentes autores colocam a im-
las restrições de ocupação do seu território.
portância de que atores da sociedade civil par-
Esse caso explicita um dilema da gover-
ticipem ativamente da formulação de políticas
nança ambiental: de um lado, a necessidade
públicas de gestão ambiental.
inquestionável de impor limites a atividades
O primeiro passo para isso é a sensibili-
antrópicas que tenham efeitos deletérios sobre
zação da população para os problemas a serem
o meio ambiente, nesse caso sobre recursos na-
tratados por essas políticas. Este artigo buscou
turais essenciais para a própria população resi-
saber como a população do município de Almi-
dente; e de outro, a consciência de que políticas
rante Tamandaré, com 85% de sua área sobre o
ambientais efetivas devem contar com a parti-
aquífero Carste, percebe esse problema – uma
cipação da população, como ator diretamente
vez que ela é ator tanto no atual modelo de-
envolvido e interessando, em sua elaboração.
sordenado de ocupação territorial quanto nas
Do ponto de vista do Estado, a explo-
políticas públicas necessárias para o controle
ração sustentável do aquífero em Almirante
dessa ocupação.
Tamandaré configura uma opção estratégica
662
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
Restrição ambiental ou oportunidade para o desenvolvimento sustentável?
de crescimento e desenvolvimento econômi-
Plano Estratégico de abrangência regional,
ca para o município, desde que haja uma ra-
com a união de esforços em todos os níveis
cionalidade de longo prazo nessa exploração
hierárquicos da administração pública bem co-
e os necessários mecanismos de conservação
mo a participação cotidiana e interessada dos
e preservação ambiental estejam plenamente
munícipes. Nesse plano, é necessário que se
empregados. Essa possibilidade tem desafia-
considere que o meio físico possui uma baixa
do os agentes políticos e econômicos locais a
capacidade de suportar um adensamento po-
encontrar meios de alavancar a economia de
pulacional maior ao que hoje se encontra es-
Almirante Tamandaré, sem colocar em risco a
tabelecido nos núcleos urbanos, que o Estado
conservação desse bem natural.
deve estabelecer metas de ação no sentido de
Cabe lembrar, por fim, que o estudo se
orientar uma ocupação do espaço mais ade-
focou no município de Almirante Tamandaré
quada do ponto de vista da conservação dos
por ter 85% de seu território sobre o aquífe-
recursos ambientais locais, e nesse contexto,
ro Carste, mas que a ocorrência cárstica se
que as possibilidades de intervenção tenham
estende por outros 13 municípios da Região
como objetivo a resolução das questões sociais
Metropolitana de Curitiba. Portanto, o suces-
locais com a efetiva participação da sociedade
so da conservação do aquífero deve envolver
civil nesse processo, integrando-se os espaços
obrigatoriamente o estabelecimento de um
social, econômico e natural.
Harry Alberto Bollmann
Engenheiro civil, doutor em Engenharia de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental, professor
do Programa de Pós-graduação em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Curitiba/PR, Brasil.
[email protected]
Daniele Costacurta Gasparin
Engenheira ambiental, mestre em Gestão Urbana, diretora do Departamento de Meio Ambiente da
Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Almirante Tamandaré. Almirante Tamandaré/PR, Brasil.
[email protected]
Fabio Duarte
Arquiteto e urbanista, doutor em Comunicação e Artes, professor do Programa de Pós-graduação em
Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba/PR, Brasil.
[email protected]
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
663
Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte
Referências
ALMEIDA, A. (2005). Poços de exploração do aquífero karst serão desa vados em cinco anos. Curi ba,
Jornal Gazeta do Povo, 18 novembro.
ALMIRANTE TAMANDARÉ (2006). Plano Diretor de Desenvolvimento. Prefeitura Municipal de Almirante
Tamandaré. Disponível em: h p://tamandare.pr.gov.br/planoDiretor. Acesso em: 15 abr 2012.
ANDREOLI, C. V.; DALARMI, O.; LARA, A. I. e ANDREOLI, F. N. (2000). Limites ao desenvolvimento da
Região Metropolitana de Curi ba impostos pela escassez de água. In: IX SIMPÓSIO BRASILEIRO
DE ENGENHARIA SANITARIA E AMBIENTAL. Anais, Porto Seguro, SILUBESA, pp. 185-195.
ANDRIANI, G. F. e WALSH, N. (2009). An example of the effects of anthropogenic changes on natural
environment in the Apulian karst (southern Italy). Rev. Environ Geol, n. 58, pp. 313-325.
ANGEL, S., SHEPPARD, S. C. e CIVCO, D. L. (2005). The dynamics of global urban expansion. Washington
DC, The World Bank.
ANTONELI, D. e BATISTA, R. (2012). Curi ba tem trimestre menos violento. Curi ba, Jornal Gazeta do
Povo, 17 de maio.
BARTONE, C.; BERNSTEIN, J.; LEITMAN, J.; EIGEN, J. (1994). Toward environmental strategies for ci es:
policy considera ons for urban environmental management in developing countries. Washington,
The World Bank.
BERTOTTI, J.N. (2007). Descoberta cratera de 70 metros de profundidade em Almirante Tamandaré.
Curi ba, Jornal Gazeta do Povo, 22 agosto.
BRASIL (1996). Agenda 21. Brasília, Senado Federal.
COORDENAÇÃO DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA (2002). Plano de zoneamento do uso e
ocupação do solo da região do karst da Região Metropolitana de Curi ba. Curi ba, Comec.
DIAS, J. (2000). A região cárs ca de bonito: uma proposta de zoneamento geoecológico a par r de
unidades de paisagem. Ensaios e Ciência. Valinhos, v. 4, n. 1, pp. 9-43.
FREY, K. (2001). A dimensão polí co-democrá ca nas teorias de desenvolvimento sustentável e suas
implicações para a gestão local. Ambiente & Sociedade. São Paulo, v. 9, n. 9, pp. 115-148.
FGV/ISAE (2006). Plano Diretor Municipal de Almirante Tamandaré: diagnós co. Rio de Janeiro,
Fundação Getúlio Vargas.
GAMA, S. V. G.; DUTRA, F. F. e AMORIN, N. M. (2010). O papel dos atores sociais na formulação de
novas poli cas públicas ambientais no distrito de ilha grande. In: XI COLÓQUIO INTERNACIONAL
DE GEOCRÍTICA. Anais. Buenos Aires, Universidad de Buenos Aires.
GASPARIN, D. C. (2009). A importância do aquífero cárs co em Almirante Tamandaré, Paraná, como
recurso estratégico na gestão urbana e regional. Dissertação de mestrado. Curi ba, PUCPR.
HAUB, C.; GRIBBLE, J. (2011). The world at 7 billion. Popula on. Reference Bureau. Washington DC,
v. 66, n. 2. pp. 1-16.
HE, K.; ZHANG, S.; WANG, F. e DU, W. (2010). The karst collapses induced by environmental changes of
the groundwater and their distribu on rules in North China. SPRINGER Earth and Environmental
Sciences. Beijing, v. 61, n. 5, pp. 1075-1084.
664
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
Restrição ambiental ou oportunidade para o desenvolvimento sustentável?
IBGE (2010). Censo 2010. Brasília, IBGE.
IPARDES (2011). Caderno Esta s co: Município Almirante Tamandaré. Curi ba, Ipardes.
LI, J. (2010). Water Shortages Loom as Northern China's Aquifers Are Sucked Dry. Science. Washington
DC, v. 328, n. 5985, pp. 1462-1463.
LISBOA, A. A. (1997). Proposta de metodologia para avaliação hidrogeológica do aquífero cárs co,
compar mento de São Miguel. Dissertação de mestrado. Curi ba, Universidade Federal do
Paraná.
MINEROPAR (2005). O sistema carste. In: WORKSHOP SOBRE O AQUIFERO KARST EM ALMIRANTE
TAMANDARÉ. Almirante Tamandaré, Prefeitura Municipal [1 CD-ROM].
MONTGOMERY, M. (2008). The Urban Transforma on of the Developing World. Science. Washington
DC, v. 319, n. 5864, pp. 761-764.
NOGUEIRA FILHO, J. (2006). Alerta sobre residência em área de risco. Relatório Técnico. Curi ba,
Acquametallum.
OCDE (2008). Perspec ves de l'environnement de l'OCDE à l'horizon 2030. Organisa on de Coopéra on
et de Développement Économiques. Paris, OCDE.
PINKNEY, R. (2004). Democracy in the third world. Boulder, Linne Rienner Publishers.
PNUD; IPEA; FJP (2000). Altas do Desenvolvimento Humano no Brasil: IDH-M de 1991 a 2000. Disponível
em: h p://www.pnud.org.br. Acesso em: 26 nov 2010.
SANEPAR (2011). Monitoramento karst. Disponível em: h p://site.sanepar.com.br/sustentabilidade/
monitoramento-karst. Acesso em: 11 dez 2011
SUDERHSA (2007). Principais unidades aquíferas no estado do paraná – karst. Superintendência de
Desenvolvimento de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental. Disponível em: h p://www.
sudersa.pr.gov.br. Acesso em: 26 nov. 2010.
ZHAO, Y. (1999). Leaving the countryside: rural-to-urban migra on decisions in China. The American
Economic Review. Washington DC, v. 89, n. 2, pp. 281-286.
Texto recebido em 4/nov/2010
Texto aprovado em 15/dez/2010
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013
665
Instruções aos autores
ESCOPO E POLÍTICA EDITORIAL
A revista Cadernos Metrópole, de periodicidade semestral, tem como enfoque o debate de
questões ligadas aos processos de urbanização e à questão urbana, nas diferentes formas que assume
na realidade contemporânea. Trata-se de periódico dirigido à comunidade acadêmica em geral,
especialmente, às áreas de Arquitetura e Urbanismo, Planejamento Urbano e Regional, Geografia,
Demografia e Ciências Sociais.
A revista publica textos de pesquisadores e estudiosos da temática urbana, que dialogam
com o debate sobre os efeitos das transformações socioespaciais no condicionamento do sistema
político-institucional das cidades e os desafios colocados à adoção de modelos de gestão, baseados na
governança urbana.
CHAMADA DE TRABALHOS
A revista Cadernos Metrópole é composta de um núcleo temático, com chamada de trabalho
específica, e um de temas livres relacionados às áreas citadas. Os textos temáticos deverão ser
encaminhados dentro do prazo estabelecido e deverão atender aos requisitos exigidos na chamada, os
textos livres terão fluxo contínuo de recebimento.
Os artigos podem ser redigidos em língua portuguesa ou espanhola. Os artigos apresentados
em outros idiomas serão traduzidos para o português. Na versão eletrônica, os textos serão publicados
no idioma original enviado pelos autores, em inglês, francês, italiano ou espanhol, além do português.
Os trabalhos submetidos aos Cadernos Metrópole devem ser enviados pelo sistema, da seguinte
maneira: (1) se o/s autor/es não possuir/em cadastro ainda, favor clicar aqui; (2) no cadastro, preencher
principalmente os seguintes campos: nome, e-mail, instituição (vínculo); e no campo “Resumo da
Biografia” informar: formação básica, instituição de formação, titulação acadêmica, atividade que
exerce, instituição em que trabalha, unidade e departamento, cidade, estado, país e telefone, de cada
um; (3) depois de cadastrado, o autor deve acessar o sistema clicando aqui.”
Os artigos não devem conter nenhum tipo de identificação do(s) autor(es).
É imprescindível o envio do Instrumento Particular de Autorização e Cessão de Direitos
Autorais, datado e assinado pelo(s) autor(es), que deve ser anexado no passo 4 da submissão.
Todos os passos para encaminhamento dos artigos podem ser consultados no link: http://
revistas.pucsp.br/index.php/acessoaberto/article/view/14743/10759
AVALIAÇÃO DOS ARTIGOS
Os artigos recebidos para publicação deverão ser inéditos e serão submetidos à apreciação
dos membros do Conselho Editorial e de consultores ad hoc para emissão de pareceres. Os artigos
receberão duas avaliações e, se necessário, uma terceira. Será respeitado o anonimato tanto dos
autores quanto dos pareceristas.
Caberá aos Editores Científicos e à Comissão Editorial a seleção final dos textos recomendados
para publicação pelos pareceristas, levando-se em conta sua consistência acadêmico-científica, clareza
de ideias, relevância, originalidade e oportunidade do tema.
COMUNICAÇÃO COM OS AUTORES
Os autores serão comunicados por e-mail da decisão final, sendo que a revista não se
compromete a devolver os originais não publicados.
OS DIREITOS DO AUTOR
A revista não tem condições de pagar direitos autorais nem de distribuir separatas. Cada
autor receberá dois exemplares do número em que for publicado seu trabalho.
O Instrumento Particular de Autorização e Cessão de Direitos Autorais, datado e assinado
pelo(s) autor(es), deve ser enviado juntamente com o artigo.
O conteúdo do texto é de responsabilidade do(s) autor(es).
NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOS ARTIGOS
Os trabalhos devem conter:
• título, em português, ou na língua em que o artigo foi escrito, e em inglês;
• texto, digitado em Word, espaço 1,5, fonte arial tamanho 11, margem 2,5, tendo no
máximo 25 (vinte e cinco) páginas, incluindo tabelas, gráficos, figuras, referências bibliográficas; as
imagens devem ser em formato TIF, com resolução mínima de 300 dpi e largura máxima de 13 cm;
• resumo/abstract de, no máximo, 120 (cento e vinte) palavras em português ou na língua em
que o artigo foi escrito e outro em inglês, com indicação de 5 (cinco) palavras-chave em português e
em inglês;
• referências bibliográficas, conforme instruções solicitadas pelo periódico.
É imprescindível o envio do Instrumento Particular de Autorização e Cessão de Direitos
Autorais, datado e assinado pelo(s) autor(es).
Todos os passos para encaminhamento dos artigos podem ser consultados no link: http://
revistas.pucsp.br/index.php/acessoaberto/article/view/14743/10759
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
As referências bibliográficas, que seguem as normas da ABNT adaptadas pela Educ, deverão
ser colocadas no final do artigo, seguindo rigorosamente as seguintes instruções:
Livros
AUTOR ou ORGANIZADOR (org.) (ano de publicação). Título do livro. Cidade de edição, Editora.
Exemplo:
CASTELLS, M. (1983). A questão urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
Capítulos de livros
AUTOR DO CAPÍTULO (ano de publicação). “Título do capítulo”. In: AUTOR DO LIVRO ou ORGANIZADOR
(org.). Título do livro. Cidade de edição, Editora.
Exemplo:
BRANDÃO, M. D. de A. (1981). “O último dia da criação: mercado, propriedade e uso do solo em Salvador”. In: VALLADARES, L. do P. (org.). Habitação em questão. Rio de Janeiro, Zahar.
Artigos de periódicos
AUTOR DO ARTIGO (ano de publicação). Título do artigo. Título do periódico. Cidade, volume do periódico, número do periódico, páginas inicial e final do artigo.
Exemplo:
TOURAINE, A. (2006). Na fronteira dos movimentos sociais. Sociedade e Estado. Dossiê Movimentos
Sociais. Brasília, v. 21, n. 1, pp. 17-28.
Trabalhos apresentados em eventos científicos
AUTOR DO TRABALHO (ano de publicação). Título do trabalho. In: NOME DO CONGRESSO, número, ano,
local de realização. Título da publicação. Cidade, Editora, páginas inicial e final.
Exemplo:
SALGADO, M. A. (1996). Políticas sociais na perspectiva da sociedade civil: mecanismos de controle
social, monitoramento e execução, parceiras e financiamento. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENVELHECIMENTO POPULACIONAL: UMA AGENDA PARA O FINAL DO SÉCULO. Anais. Brasília, MPAS/
SAS, pp. 193-207.
Teses, dissertações e monografias
AUTOR (ano de publicação). Título. Tese de doutorado ou Dissertação de mestrado. Cidade, Instituição.
Exemplo:
FUJIMOTO, N. (1994). A produção monopolista do espaço urbano e a desconcentração do terciário de
gestão na cidade de São Paulo. O caso da avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini. Dissertação de
mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
Textos retirados de Internet
AUTOR (ano de publicação). Título do texto. Disponível em. Data de acesso.
Exemplo:
FERREIRA, J. S. W. (2005). A cidade para poucos: breve história da propriedade urbana no Brasil. Disponível em: http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/index.html. Acesso em: 8 set 2005.
Rede Observatório das Metrópoles
Estado
Instituição
Coordenador
Belém
Universidade Federal do Pará
Ana Cláudia Duarte Cardoso
[email protected]
Belo
Horizonte
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Luciana Andrade
[email protected]
Brasília
Universidade de Brasília
Rômulo Ribeiro
[email protected]
Curitiba
Universidade Federal do Paraná
Olga Lucia C. de F. Firkowski
[email protected]
Fortaleza
Universidade Federal do Ceará
Clélia Lustosa
[email protected]
Goiânia
Universidade Católica de Goiás
Aristides Moysés
[email protected]
Maringá
Universidade Estadual de Maringá
Ana Lucia Rodrigues
[email protected]
Natal
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Maria do Livramento M. Clementino
[email protected]
Porto Alegre
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Luciano Fedozzi
[email protected]
Recife
Universidade Federal de Pernambuco
Angela Maria Gordilho Souza
[email protected]
Rio de
Janeiro
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Luiz César de Queiroz Ribeiro
[email protected]
Salvador
Universidade Federal da Bahia
Inaiá Maria Moreira Carvalho
[email protected]
Santos
Universidade Católica de Santos
Marinez Brandão
[email protected]
São Paulo
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Lucia Maria Machado Bógus
[email protected]
Vitória
Instituto Jones dos Santos Neves
Pablo Lira
[email protected]
Cadernos Metrópole
vendas e assinaturas
Exemplar avulso: R$20,00
Assinatura anual (dois números): R$36,00
Enviar a ficha abaixo, juntamente com o comprovante de depósito bancário realizado no Banco do Brasil, agência 3326-x, conta corrente 10547-3,
ou enviar cheque para a Caixa Postal nº 60022 - CEP 05033-970 - São
Paulo – SP – Brasil.
Telefax: (11) 3368.3755 Cel: (11) 9931.9100
[email protected]
Exemplares nºs _________
Assinatura referente aos números _____ e _____
Nome __________________________________________
_
Endereço ________________________________________
Cidade ____________________
UF _____ CEP _________
Telefone (
Fax (
) _______________
) _____________
E-mail __________________________________________
Data ________
Assinatura __________________________

Documentos relacionados