Book 30_site.indb - Cadernos Metrópole
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ISSN 1517-2422 cadernos metrópole mobilidade urbana nas metrópoles contemporâneas Cadernos Metrópole v. 15, n. 30, pp. 363-670 jul/dez 2013 Catalogação na Fonte – Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP Cadernos Metrópole / Observatório das Metrópoles – n. 1 (1999) – São Paulo: Educ, 1999–, Semestral ISSN 1517-2422 A partir do segundo semestre de 2009, a revista passou a ter volume e iniciou com v. 11, n. 22 1. Regiões Metropolitanas – Aspectos sociais – Periódicos. 2. Sociologia urbana – Periódicos. I. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. Observatório das Metrópoles. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Observatório das Metrópoles CDD 300.5 Periódico indexado na Library of Congress – Washington Cadernos Metrópole Profa. Dra. Lucia Bógus Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais - Observatório das Metrópoles Rua Ministro de Godói, 969 – 4° andar – sala 4E20 – Perdizes 05015-001 – São Paulo – SP – Brasil Prof. Dr. Luiz César de Queiroz Ribeiro Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - Observatório das Metrópoles Av. Pedro Calmon, 550 – sala 537 – Ilha do Fundão 21941-901 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil Caixa Postal 60022 – CEP 05033-970 São Paulo – SP – Brasil Telefax: (55-11) 3368.3755 [email protected] http://web.observatoriodasmetropoles.net Secretária Raquel Cerqueira mobilidade m o b i l i d ad de u urbana rbana nas n a s metrópoles metrópoles contemporâneas c o n t e m p o râ âneas PUC-SP Reitora Anna Maria Marques Cintra EDUC – Editora da PUC-SP Direção Miguel Wady Chaia Conselho Editorial Anna Maria Marques Cintra (Presidente), Cibele Isaac Saad Rodrigues, Ladislau Dowbor, Mary Jane Paris Spink, Maura Pardini Bicudo Véras, Norval Baitello Junior, Rosa Maria B. B. de Andrade Nery, Sonia Barbosa Camargo Igliori Coordenação Editorial Sonia Montone Revisão de português Siméia de Mello Araújo Revisão de inglês Carolina Siqueira M. Ventura Projeto gráfico, editoração e capa Raquel Cerqueira Rua Monte Alegre, 984, sala S-16 05014-901 São Paulo - SP - Brasil Tel/Fax: (55) (11) 3670.8085 [email protected] www.pucsp.br/educ cadernos metrópole EDITORES Lucia Bógus (PUC-SP) Luiz César de Q. Ribeiro (UFRJ) COMISSÃO EDITORIAL Eustógio Wanderley Correia Dantas (UFC, Fortaleza/Ceará/Brasil) Luciana Teixeira Andrade (PUC-MG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Orlando Alves dos Santos Júnior (UFRJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Sérgio de Azevedo (UENF, Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro/ Brasil) Suzana Pasternak (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) CONSELHO EDITORIAL Adauto Lucio Cardoso (UFRJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Aldo Paviani (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Alfonso Xavier Iracheta (El Colegio Mexiquense, Toluca/Estado del México/México) Ana Fani Alessandri Carlos (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Ana Lucia Nogueira de P. 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Thaumaturgo da Silva Simone Cynamon Cohen Commu ng in the macrometropolis of São Paulo: 433 A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista: differen a on and socio-spa al complementariness diferenciação e complementaridade socioespacial José Marcos Pinto da Cunha Sergio Stoco Ednelson Mariano Dota Rovena Negreiros Zoraide Amarante Itapura de Miranda The Jundiaí Urban Agglomera on and challenges 461 O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) e os desafios to São Paulo’s metropolitan mobility para a mobilidade metropolitana paulista Adriana Fornari Del Monte Fanelli Wilson Ribeiro dos Santos Junior Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 363-670, jul/dez 2013 369 Sustainable Urban Mobility Index 489 Índice de Mobilidade Urbana Sustentável in Goiânia as a tool for public policies em Goiânia como ferramenta para polí cas públicas Ivanilde Maria de Rezende Abdala Antônio Pasquale o Spa al accessibility and mobility of the popula on 513 Acessibilidade e mobilidade espaciais da população in the Metropolitan Region of Belo Horizonte: na Região Metropolitana de Belo Horizonte: analysis based on the 2010 demographic census análise com base no censo demográfico de 2010 Carlos Lobo Leandro Cardoso David J. A. V. Magalhães The Port Route of Salvador: mobility in the capital 535 A via portuária de Salvador: mobilidade na capital city of the State of Bahia a er road interven ons baiana a par r de intervenções viárias Aliger dos Santos Pereira Fabiano Viana Oliveira Infrastructures in the Germany, 557 Infraestruturas nas Copas do Mundo South Africa and Brazil World Cups da Alemanha, África do Sul e Brasil Regina Meyer Branski Elisa Eroles Freire Nunes Sérgio Adriano Loureiro Orlando Fontes Lima Jr. Linha Verde Urban Opera on: limits 583 Operação Urbana Consorciada da Linha Verde: and opportuni es in light of the social limites e oportunidades à luz da gestão social management of land value apprecia on da valorização da terra Paulo Nascimento Neto Tomás Antonio Moreira Artigos complementares Tensions and contradic ons in the construc on 605 Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis: o caso de Lisboa of sustainable urban futures: the case of Lisbon Luís Carvalho Jorge Gonçalves Urban space produc on and spa al processes 627 Produção do espaço urbano e processos espaciais in Natal: focusing on the Ponta Negra housing estate em Natal: o conjunto Ponta Negra em foco Felipe Fernandes de Araújo Environmental restric on or an opportunity 645 Restrição ambiental ou oportunidade for sustainable development? The Karst Aquifer para o desenvolvimento sustentável? Aquífero in the metropolitan region of Curi ba Carste na Região Metropolitana de Curi ba Harry Alberto Bollmann Daniele Costacurta Gasparin Fabio Duarte 667 Instruções aos autores 370 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 363-670, jul/dez 2013 Apresentação O tema da mobilidade urbana tornou-se central no debate sobre o mal-estar das nossas metrópoles. A deterioração do transporte coletivo – sobretudo ao longo dos últimos vinte anos – e a precarização das condições de deslocamento nas áreas metropolitanas afetaram a qualidade de vida da população, agravada no caso dos trabalhadores de baixa renda que percorrem, em geral, grandes distâncias entre os locais de trabalho, em áreas centrais, e a moradia, em regiões periféricas. O Brasil terminou o ano de 2012 com uma frota total de 76.137.125 veículos automotores. Desde 2001, houve um aumento da ordem de 138,6%, uma vez que a quantidade de automóveis exatamente dobrou, passando de 24,5 milhões (2001) para os 50,2 milhões (2012). Em São Paulo, o acréscimo foi superior a 1 milhão no período 2001/2012; no Rio de Janeiro, a frota de motocicletas triplicou, passando de pouco mais de 98 mil para 472 mil. Por outro lado, segundo dados do Censo 2010, para chegar até seus locais de trabalho, cerca de 24,2 milhões de pessoas se deslocam diariamente, nas 15 metrópoles brasileiras, em tempo que se alonga na medida em que a frota cresce e que o sistema de transportes coletivos entra em colapso. Por trás dos indicadores, que apontam a piora das condições de deslocamento, está uma realidade ainda mais preocupante. Trata-se do fato de que as formas precárias e insuficientes de deslocamento, asseguradas por um sistema de mobilidade ineficiente, geraram efeitos contrários aos ganhos de renda obtidos pelos trabalhadores na atual conjuntura de geração de emprego. Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, por exemplo, moradores em áreas com fortes diferenças de mobilidade urbana podem perder até 22,8% do seu potencial de renda do trabalho, considerando o nível de escolaridade. Este número dos Cadernos Metrópole vem contribuir para o debate desse tema, que constitui o grande desafio para planejadores e gestores, sobretudo de municípios metropolitanos. Os textos do dossiê abordam a mobilidade urbana sob diferentes ângulos e discutem a mudança de paradigma, tanto em relação ao transporte individual motorizado, como às políticas para o transporte de mercadorias em áreas urbanizadas, apontando suas consequências em termos dos investimentos em infraestruturas e dos elevados custos ambientais. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 371-375, jul/dez 2013 371 Apresentação No primeiro texto que compõe o dossiê, Fernando Nunes da Silva afirma que “essa mudança de paradigma não se fez sem resistências e sem que, em certo momento, se tentassem ainda outras soluções que não pusessem em causa de modo tão evidente o papel do automóvel na mobilidade urbana”. De fato, conforme o autor, “para quem via no automóvel o maior símbolo da moderna industrialização, o principal motor das economias mais desenvolvidas e com os maiores interesses na exploração do petróleo (...), o (quase) incontestável fetiche do novo status urbano e, sem dúvida, o instrumento da democratização da mobilidade individual, tais constatações, mais que um alerta, constituíram um primeiro choque” (p. 380). Em seu texto, Nunes da Silva analisa a evolução das políticas de mobilidade e aponta algumas conclusões quanto aos caminhos a seguir, ressaltando as especificidades que existem nos diferentes países, mas também o que se pode aproveitar dos ensinamentos de um passado recente. O texto de Wouter Jacobs et al. afirma que os problemas gerados pelo sistema de transporte, não apenas de pessoas, mas também de mercadorias, atingem até mesmo cidades menos centrais do ponto de vista das cadeias metropolitanas, como é o caso de Belém do Pará, na Amazônia brasileira. Ali, as cidades “como portais ou centros precisarão acomodar espacialmente o movimento de mercadorias físicas propriamente dito, com todos os tipos de efeitos externos que ocorrem” (p. 390). Alguns desses movimentos de mercadorias são voltados ao abastecimento da região metropolitana com bens de consumo e insumos de produção que garantem o funcionamento das empresas locais. Esse movimento de mercadorias gera, no entanto, custos sociais negativos em relação ao congestionamento e à poluição. Ao mesmo tempo, ainda conforme os autores, a elevação do valor da terra no núcleo urbano tende a deslocar os meios de distribuição de menor valor para as periferias urbanas “e, como tal, aumentar ainda mais os custos de transporte para atender a esse mesmo núcleo econômico urbano” (p. 391). Focalizando o núcleo de uma das maiores áreas metropolitanas do país, o terceiro texto aborda a crise da mobilidade no Rio de Janeiro e discute as consequências dos grandes congestionamentos das vias públicas e dos ruídos excessivos para a saúde e para a qualidade de vida da população. Os autores, Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva e Simone Cynamon Cohen, lembram ainda que essa situação tenderá a agravar-se durante a realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, configurando uma situação de caos. E, retomando Le Corbusier, em seu livro Urbanismo (1925), relembram que Descongestionar o centro das cidades para fazer frente às exigências do trânsito aumentar a densidade do centro das cidades para realizar o contato exigido dos negócios; aumentar os meios de circulação, ou seja, modificar completamente a concepção atual de rua, que se acha sem efeito ante o fenômeno novo dos meios de transporte modernos: metrôs ou carros, bondes, aviões; aumentar as superfícies arborizadas, único meio de assegurar a higiene suficiente e a calma útil ao trabalho atento exigido pelo ritmo novo dos negócios. (Le Corbusier, 2000, p. 91) 372 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 371-375, jul/dez 2013 Apresentação Ampliando o debate para além da questão do transporte stricto sensu e destacando a integração da mobilidade com outras políticas setoriais, o texto de José Marcos Pinto da Cunha et al. analisa a mobilidade pendular da população residente em grandes aglomerados metropolitanos, tendo em vista a avaliação dos processos de interação e complementaridade no âmbito de tais aglomerados. O problema é discutido a partir do caso da Macrometrópole Paulista, que reúne quatro regiões metropolitanas e três aglomerações urbanas do estado de São Paulo, com uma população superior a 30 milhões de pessoas e que mantêm fortes relações com o município-polo da Região Metropolitana de São Paulo. O uso de dados censitários e as análises empíricas constituem elementos importantes para a compreensão do fenômeno presente em outras regiões metropolitanas brasileiras e aglomerados urbanos. Um oportuno detalhamento das análises referentes à Macrometrópole Paulista é trazido pelo estudo de um caso representativo da região. Adriana Fornari Del Monte Fanelli e Wilson Ribeiro dos Santos Jr. focalizam a inserção do Aglomerado Urbano de Jundiaí (AUJ) naquele complexo metropolitano, apresentando importantes elementos para a compreensão da mobilidade intrametropolitana, no quadro de uma “aglomeração urbana intersticial”, situada entre as Regiões Metropolitanas de São Paulo e Campinas e com as quais mantém fortes ligações. Com base em dados demográficos e indicadores socioeconômicos, os autores consideram a mobilidade como um fator estruturante da forma urbana do AUJ com desdobramentos sobre o processo de redistribuição da população no contexto regional. O texto de Ivanilde Maria de Rezende Abdala e Antônio Pasqualetto trabalha o conceito de mobilidade urbana sustentável em suas interações com o ambiente urbano mais amplo e com a qualidade de vida da população. O trabalho discute o alcance do Índice de Mobilidade Urbana (Imus), calculado de acordo com metodologia específica, para algumas cidades brasileiras, e toma como base a aplicação desse índice na cidade de Goiânia. Ponderando que as soluções para os problemas de trânsito e transporte não podem ser desvinculadas de outras dimensões da política urbana, os autores destacam o Imus como importante ferramenta para a formulação, implantação e monitoramento de políticas públicas voltadas à mobilidade urbana sustentável. Tratando questão recorrente que tem se agravado em todas as cidades brasileiras, a despeito de seu tamanho populacional ou de sua configuração urbana, Carlos Lobo, Leandro Cardoso e David J. A. V. Magalhães estudam o problema da mobilidade na Região Metropolitana de Belo Horizonte que, como as demais metrópoles nacionais, apresenta condições inadequadas para o deslocamento de pessoas e mercadorias, com o registro de elevados índices de acidentes, problemas de congestionamento e poluição ambiental, além da presença de outros fatores que “impactam negativamente a vida das pessoas e as diversas atividades sociais e econômicas” (p. 513). O texto tem por objetivo a elaboração e análise de indicadores de acessibilidade e de mobilidade espacial nos fluxos da RMBH, a partir de dados da base amostral do censo demográfico de 2010 e constitui uma contribuição relevante para o debate em pauta. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 371-375, jul/dez 2013 373 Apresentação As dificuldades de enfrentamento dos problemas ligados à mobilidade urbana, amplamente tratadas no conjunto dos textos do dossiê, são bem exemplificadas em artigo sobre “A via portuária de Salvador: mobilidade na capital baiana a partir de intervenções viárias”. Nesse texto, os autores analisam as contribuições do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na obra rodoviária da Via Portuária no Bairro do Cabula, em Salvador/Bahia. Com base em levantamentos bibliográficos e em pesquisa exploratória, para avaliar a capacidade da referida obra de ampliar as condições de mobilidade, os autores concluíram que ela – com término inicialmente previsto para 2010 –, uma vez finalizada, trará maior interligação entre o Porto de Salvador, a Base Naval de Aratu e o Centro Industrial de Aratu, contribuindo também para a melhoria de outras ligações regionais e nacionais. O artigo de Regina Meyer Branski, Elisa Eroles Freire Nunes e Orlando Fontes Lima Jr. discute os desafios colocados pela realização da Copa do Mundo de 2014, no Brasil, e busca avaliar se os investimentos em infraestruturas físicas e, especificamente, em sistemas de transporte constituirão um legado positivo após a realização do evento. Com base em metodologia utilizada em estudos realizados nos países que sediaram as copas anteriores, notadamente Alemanha e África do Sul, os autores apontam que os investimentos em sistemas de transporte, no caso do Brasil, não atendem às necessidades das cidades-sede, havendo também o risco de os estádios permanecerem subutilizados, a exemplo do ocorrido na África do Sul. Partindo de estudos anteriores e das pautas recentes dos Planos Diretores Municipais, Paulo Nascimento Neto e Tomás Antonio Moreira discutem o papel das operações consorciadas como mecanismos de recuperação de mais-valias fundiárias urbanas. Ampliando o debate já existente, analisam as possibilidades da Operação Urbana Consorciada da Linha Verde, em Curitiba-Paraná, em fase de implantação, e seu potencial para alavancar transformações urbanas e direcionar adequada alocação e gestão dos recursos públicos. Os textos complementares ao dossiê reúnem trabalhos que, de algum modo, contribuem para o conjunto das discussões, com referências, ainda que indiretas, aos problemas da mobilidade urbana. Nesse conjunto, é dado destaque aos planos urbanísticos e ao protagonismo das cidades num contexto de rápidas mudanças. Luís Carvalho e Jorge Gonçalves analisam o potencial dos planos urbanísticos elaborados para a cidade de Lisboa, apontando a limitação desses planos na medida em que não incorporaram, de maneira adequada, a incerteza e o risco na construção de um futuro sustentável para a cidade. O texto de Felipe Fernandes de Araújo nos conduz a outro contexto, o da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, e, mais especificamente, ao Bairro de Ponta Negra. Aí, a questão da sustentabilidade ambiental e social emerge da discussão dos processos de produção do espaço urbano e da mudança na forma urbana, com intensa verticalização da área e consequências perversas para a população originariamente residente. 374 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 371-375, jul/dez 2013 Apresentação Indagando se as restrições ambientais constituem oportunidade para o desenvolvimento sustentável, Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin e Fabio Duarte deslocam o debate para a Região Metropolitana de Curitiba e discutem os danos da expansão desordenada das áreas urbanas. A partir de extensa revisão da literatura, apontam a necessidade de mudanças nas formas de gestão das cidades, de modo a “reduzir os conflitos socioambientais e a diminuir o efeito da poluição gerada no ambiente urbano sobre o meio natural” (p. 646). O texto apresenta, também, os resultados de estudo de caso sobre a percepção da população residente e de representantes de instituições governamentais acerca da conservação de manancial aquífero subterrâneo na Região Metropolitana de Curitiba. A diversidade e, ao mesmo tempo, a convergência dos debates trazidos por esse conjunto de textos constituem um convite à reflexão e à busca de novas estratégias para a gestão das cidades. Lucia Bógus Luiz César de Q. Ribeiro Editores científicos Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 371-375, jul/dez 2013 375 Mobilidade urbana: os desafios do futuro* Urban mobility: the challenges of the future Fernando Nunes da Silva Resumo As décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial foram dominadas pelo domínio do automóvel na mobilidade urbana, tanto no que se refere à sua crescente importância na repartição modal, como na definição das políticas públicas e estratégias de acessibilidade. Com a primeira crise dos preços do petróleo, nos anos 1970, e a posterior consciência ambiental dos impactos negativos atribuídos ao setor dos transportes, começaram a desenhar-se outros tipos de políticas, mais orientadas pelos conceitos de intermodalidade e de coesão social, além de mais preocupadas em reduzir os impactos ambientais da mobilidade urbana. Num período em que os novos países emergentes atravessam uma fase de forte crescimento econômico e consequente aumento da motorização individual, será útil analisar essa evolução das políticas de mobilidade e retirar algumas conclusões quanto aos caminhos a prosseguir, pondo em evidência as especificidades que existem nesses países, mas também o que podem aproveitar dos ensinamentos do passado recente. Abstract The decades following the Second World War were characterized by the predominant presence of the automobile in urban mobility, both in terms of its increasing importance in the modal split, and also regarding the definition of public policies and strategies of accessibility. With the first oil crisis in the 1970s and the subsequent environmental awareness of the negative impacts of the transport sector, new policies began to be designed, guided by concepts such as intermodality and social cohesion, as well as more concerned about reducing the environmental impacts of urban mobility. In a period where the new emerging countries present a strong economic growth and a consequent increase in the motorization rate of their population, it is useful to analyze the evolution of such mobility policies and share some conclusions about the paths to follow, highlighting the specificities of those countries, and also the lessons of the recent past. Palavras-chave: mobilidade urbana; políticas de mobilidade; países emergentes. Keywords : urban mobility; mobility policies; emerging countries. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013 Fernando Nunes da Silva Do sonho à realidade, ou de como o automóvel passou de mito a pesadelo automóveis, como ao nível da construção de novas infraestruturas rodoviárias, quer ainda no controle do aumento dos preços de combustível (sempre abaixo da inflação) e na relativa estagnação ou secundarização do investimento nas redes e sistemas de transportes co- O processo de planejamento de transportes foi orientado para o automóvel, basea do na ideologia da mobilidade irrestrita, mas normalmente limitando esta mobilidade àqueles que podem pagar os custos do transporte individual. Eduardo A. Vasconcellos La dépendance automobile ne trouve pas son origine dans les villes (ni dans les campagnes) mais dans le développement d’un système automobile qui n’en respecte pas les limites. Gabriel Dupuy letivos. De fato, parece que ainda nos encontramos na época em que, nos EUA, publicava-se o que muitos consideram já o último elogio e defesa do automóvel e da sua cultura. Aí se afirmava que “unless there is a radical change in our social and economic structure, people will continue to want and use transportation that will give them maximum freedom to move about and to choose where they live, work, or locate their businesses” (Rae apud Flink, 1975, p. 212), para logo a seguir concluir que colocar limitações artificiais ou restrições ao uso do Enquanto na Europa a ideologia do “tudo pe- automóvel e do transporte rodoviário, apenas lo automóvel, nada contra o automóvel”, que conduziria à estagnação social e econômica. marcou as políticas de mobilidade e transpor- Desse modo, as políticas deveriam sobretu- tes no pós Segunda Guerra, está claramen- do orientar-se para responder a essa procura te posta de parte e é apenas encarada como crescente, pois “the Road and Car together uma curiosidade científica a estudar, nos países have an enormous capacity for promoting emergentes e em desenvolvimento acelerado, economic growth, raising standards of living a pressão das nossas classes médias e dos in- and creating a good society. The challenge teresses associados ao mercado do petróleo e before us is to implement this capacity” (ibid.). das grandes obras públicas continuam a deter- Hoje, perante os problemas associados minar as opções e prioridades políticas da ad- ao aquecimento global e ao peso que o se- ministração pública no sentido do favorecimen- tor dos transportes tem na emissão de gases to do transporte individual. com efeito de estufa,1 o aumento do número Tal como nos EUA das décadas de 1950 a de vítimas relacionadas com os acidentes e a 1970, o automóvel (e toda a economia que gi- poluição atmosférica atribuídos ao transporte ra em torno dele) continua nesses países a ser rodoviário,2 a perda de competitividade urba- visto como um forte motor do crescimento eco- na devido aos crescentes congestionamentos nômico e de acesso à mobilidade. Assim sendo, de tráfego, e agora, mais recentemente, aos é “natural” que as políticas públicas não dei- movimentos sociais que exigem melhores xem de o privilegiar, quer no que se refere aos transportes coletivos e mais baratos, talvez es- incentivos para a indústria de montagem de tejamos mais próximos da “mudança radical” 378 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013 Mobilidade urbana: os desafios do futuro de que falava Rae, do que se continuarmos e do Banco Mundial dos anos 1970 e 1980 – a atuar segundo do modelo “predict and onde tudo era pensado e planejado em função provide”, que dominou os estudos e as políti- do automóvel privado, de acordo com o mo- cas de transportes e mobilidade nos 30 anos delo “predict and provide” –, mas sim através que se seguiram à Segunda Guerra Mundial. de uma política e estratégias de promoção e Todavia, por mais exemplos que se favorecimento dos modos não motorizados3 e deem de como esse caminho só pode conduzir dos transportes coletivos, custou caro ao go- ao desastre – tanto urbanístico como social verno, tanto o federal como os estaduais. A e econômico – a recusa em olhar a realida- explosão de contestação social que essa ques- de tal como ela se apresenta nesses países e tão das tarifas do transporte coletivo desen- em responder com imaginação e realismo aos cadeou – pelo que isso implicava de limitação problemas específicos que se colocam têm fa- da mobilidade para milhões de pessoas – e de lado mais forte e impedido que se avance com como rapidamente se passou para a discussão políticas de mobilidade mais adequadas às da coerência e das prioridades a atribuir aos necessidades de deslocação da esmagadora investimentos públicos é um primeiro sinal dos maioria da população (grande parte sem ter tempos que hão de vir, caso as políticas públi- sequer os meios para pagar qualquer trans- cas de mobilidade e transportes mantenham o porte motorizado, quanto mais um automó- rumo seguido até aqui. vel!), mais interligadas e articuladas com os Daí o interesse em analisarmos a evo- modelos de crescimento urbano e mais ami- lução dessa problemática na Europa, onde a gas do ambiente e não tão consumidoras de força do movimento sindical do pós-guerra e energia primária. as ideias e governos social-democratas e de- Os recentes acontecimentos no Brasil, mocratas-cristãos, que dominaram a cena po- provocados pelo anúncio (e várias tentativas) lítica nas três décadas que se seguiram, con- de aumento das tarifas dos transportes urba- duziram ao progressivo desenvolvimento de nos e metropolitanos, vieram mostrar, em to- políticas públicas de transportes e mobilidade da a sua extensão, como a questão da mobili- que nunca deixaram de ter em conta o seu ca- dade urbana é cada vez mais percebida como ráter social e, portanto, de se orientarem para um direito de cidadania e uma exigência de satisfazer as necessidades básicas de deslo- equidade social, com um potencial mobiliza- cação da população. O maior peso atribuído dor que vai muito para além das reivindicações ao transporte coletivo ou ao individual – sem tradicionais, promovidas e enquadradas pelas que nunca se permitisse que o papel de um estruturas sindicais e partidárias habituais. anulasse o do outro (foi esse o compromisso Não ter entendido que, com a progressiva político possível) – dependeu primeiro da pró- construção e consolidação de uma classe mé- pria estrutura industrial e de rendimentos do dia (mesmo que “baixa” para os padrões eu- país em causa e, mais tarde, já após a entra- ropeus), as necessidades e ambições de mobi- da em cena do conceito de “desenvolvimento lidade não poderiam continuar a ser satisfeitas sustentável”4 no final da década de 1980, das com base em um modelo importado dos EUA preocupações ambientais e de coesão social. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013 379 Fernando Nunes da Silva A história europeia das políticas de mo- em Paris e da Primavera de Praga começavam bilidade, neste período, é assim um percurso a anunciar-se como contestação às sociedades que começa por se maravilhar com o potencial condicionadas (fosse pela ditadura do consu- econômico, social e cultural associado à de- mismo, fosse pela do Estado), quando a produ- mocratização da posse e do uso do automóvel ção automóvel disparava e se transformava no (seguindo aqui as pisadas dos EUA, ainda que principal motor da economia dos países mais 5 com uns trinta anos de atraso), para depois, industrializados do Mundo, eis que um rigoroso em resultado do próprio sucesso da motori- relatório – no esteio das melhores tradições das 6 zação individual e da pressão dos movimen- comissões independentes do Parlamento Britâ- tos ambientalistas, passar a abraçar políticas nico – vinha questionar de forma inequívoca e, mais equilibradas do ponto de vista modal, para a época, assaz surpreendentemente, que onde o transporte coletivo urbano assume o futuro da mobilidade urbana não poderia as- o papel estruturante de todo o sistema de sentar sobretudo no automóvel. Essa conclusão transportes e no assegurar da mobilidade da se impunha não só porque as nossas cidades grande maioria da população, mesmo aquela não estavam preparadas para absorver todo que possui automóvel. esse tráfego, como, caso isso acontecesse, sig- Essa mudança de paradigma não se fez nificaria uma tão profunda alteração dos nos- contudo sem resistências e sem que, em certo sos modos de vida, que as consequências para momento, se tentassem ainda outras soluções a vida urbana e a sociedade democrática – tal que não pusessem em causa de modo tão eviden- como a conhecemos hoje, isto é, baseada na te o papel do automóvel na mobilidade urbana. delegação de poderes em representantes elei- De fato, quando em meados dos anos 1960, Colin Buchanan (mais tarde, Sir) apresen- tos por sufrágio universal – seriam inimagináveis, mas certamente preocupantes. tava o seu relatório ao governo de Sua Majesta- Para quem via no automóvel o maior de Britânica sobre o tráfego nas cidades (como símbolo da moderna industrialização, foi aliás batizado o próprio relatório: Traffic in o principal motor das economias mais 7 Towns), poucos souberam antecipar que se es- desenvolvidas e com os maiores interesses na tava perante a constatação e demonstração de exploração do petróleo (então a única base uma das mais importantes condicionantes do para o combustível dessas “maravilhosas futuro da mobilidade urbana. máquinas”), o (quase) incontestável fetiche Numa época em que os fabulosos trin- do novo status urbano e, sem dúvida, o ta anos de crescimento econômico europeu instrumento da democratização da mobilidade e americano do pós-guerra estavam no auge; individual, tais constatações, mais que um quando outros quatro fabulosos (estes de Li- alerta, constituíram um primeiro choque para verpool, os famosos Beatles) revolucionavam os que, já nos distantes anos 1930, tinham a música popular e ditavam os padrões da afirmado, em relação ao automóvel, que “It is 8 probable that no invention of such far reaching quando os ventos das revoltas juvenis contra a importance was ever diffused with such rapidity guerra do Vietname nos EUA, de maio de 1968 or so quickly exerted influences that ramified moda jovem e do seu modo de vida urbano; 380 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013 Mobilidade urbana: os desafios do futuro through the national culture, transforming even colocar na ordem do dia duas questões funda- habits of thought and language” (Recent Social mentais e que passaram a determinar toda a Trends in the United States, 1933, p. 172), ou evolução do sistema de transportes existente: ainda que “ car ownership has created an o tempo dos combustíveis baratos iria acabar e, ‘automobile psychology’; the automobile has talvez ainda mais importante, quer pelas suas become a dominant influence in the life of implicações econômicas, quer sobretudo geo- the individual and he, in a very real sense, has políticas, o centro de decisão deixava de estar become dependent on it” (ibid). apenas nos países mais desenvolvidos e de cul- Como é frequente na história do pensa- tura ocidental, para incluir também quem pro- mento humano e da evolução das sociedades duzia e condicionava o mercado do chamado de matriz ocidental, esse “sobressalto” come- “ouro negro”. As guerras pelo controle dessa ça apenas por ser partilhado por uma pequena produção, que se sucederam com uma cadên- 9 minoria, dando antes origem a soluções de cia cada vez maior, aí estão para o demonstrar. acomodação do automóvel no espaço urba- Se, por um lado, a energia que alimen- no e por fundamentar importantes alterações tava o funcionamento das sociedades mo- nesta paisagem (dos viadutos à construção da dernas e, em particular, os seus sistemas de “cidade por níveis”- de que Hong Kong e a no- transportes e mobilidade, deixava de ser con- va cidade de Lovaina, primeiro, e o bairro da siderada um bem inesgotável e acessível, por Défense, em Paris, depois, são exemplos para- outro lado, a constante pressão do automóvel digmáticos – passando pela “suburbia” de tipo nas cidades – derivada do crescimento expo- americano) em vez de suscitar uma reflexão nencial da taxa de motorização10 e da progres- mais profunda e estratégica quanto ao devir da siva transferência modal do transporte coletivo cidade, onde a mobilidade se afirmava progres- para o individual – conduzia ao surgimento de sivamente como mais um dos direitos urbanos. custos e impactos (associados ao congestiona- No entanto, não foi preciso esperar muito mento do tráfego, aos acidentes rodoviários e tempo para se perceber que algo de mais eficaz às emissões poluentes) cada vez mais incom- e estratégico havia que fazer para além de se portáveis e pondo em perigo o próprio funcio- prosseguir no afã ciclópico de construir cada namento e competitividade das cidades. vez mais autoestradas e vias rápidas urbanas O tempo do todo-poderoso e presente (mais ou menos “duras” ou amenizadas segun- automóvel começava, assim, a conhecer o seu do o conceito de parkway) ou de providenciar ocaso. Tal não significaria porém que as socie- imensos espaços e edifícios dedicados aos 70% dades (e os que as dirigiam, tanto política co- do tempo em que o automóvel estava parado. mo economicamente) estivessem prontas para A primeira crise do petróleo, logo no início dos abandonar esse importante (e quiçá insubsti- anos 1970 (o primeiro sinal de alarme ocor- tuível) meio de transporte. Passados oitenta reu em 1973, verificando-se então uma brutal anos sobre as conclusões do relatório da co- subida dos preços do crude e a afirmação da missão presidencial americana, a sua consta- Opep como ator essencial no condicionamento tação de que o ser humano se tinha tornado, do futuro das economias industrializadas) veio de certo modo, dependente do automóvel Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013 381 Fernando Nunes da Silva para a sua vida quotidiana, está mais presente num “pesadelo”, para o qual há que procurar que nunca, constituindo, nas sociedades mais o antídoto certo de modo a poder continuar a abastadas, o principal obstáculo para que ou- usufruir as suas inegáveis vantagens, sem com tro caminho seja percorrido. Tal situação pode isso pôr em causa o futuro coletivo das nossas encontrar alguma explicação no fato de parte cidades, ou mesmo do planeta que habitamos, significativa da população ainda não apoiar como apontam os estudos sobre as alterações políticas demasiado restritivas ao uso do au- climáticas e as suas causas antropogênicas. O tomóvel ou, nos casos onde a motorização foi tempo da mudança chegou! Pelo menos no apesar de tudo mais recente, ser a maioria da que diz respeito à Europa e a algumas metró- população constituída pela primeira geração poles do continente norte-americano. para quem o automóvel se generalizou co- A situação dos países emergentes e em mo modo de transporte, sendo por isso difícil desenvolvimento é, todavia, diferente. Nesses aceitar, quando acabaram de aceder a este, casos, não só a indústria automóvel é um dos a imposição de restrições ao seu uso. Pelo mais importantes motores da nova industriali- contrário, nos países de economia emergen- zação e modernização do tecido produtivo que te, são as classes médias mais tradicionais e conhecem, como as suas elites e classes mé- consolidadas (ou a burocracia de Estado) que dias consolidadas não concebem outro tipo de dominam a opinião pública e condicionam de mobilidade que não seja a baseada em trans- certo modo as políticas públicas. Como pode- porte individual. Não se trata apenas de uma rão essas aceitar que o Estado, que suportam questão de status e prestígio social, mas por- financeiramente através dos seus impostos, que o próprio sistema de transportes coletivos não atribua a primazia ao modo de transporte não tem capacidade e a flexibilidade suficien- em que se deslocam habitualmente? 11 tes para, simultaneamente, responder a uma Mas algo de novo é forçoso consta- procura de massas (cuja dimensão se situa na tar. Dos encômios a um futuro assente na ordem dos vários milhões de viagens diárias) e mobilidade satisfeita através do transporte conseguir assegurar as condições de conforto individual, passou-se para uma consciência e de atratividade que lhe permitam competir coletiva (aliás traduzida em vários e impor- com o transporte individual. tantes documentos de organizações interna12 Desse modo, tentar transpor para esses cionais, desde as Nações Unidas à Organiza- países as mesmas estratégias que as atual- ção Mundial de Saúde e à Comissão Europeia, mente em curso nos países onde as diferenças bem como em outros tantos estudos e livros sociais e de rendimento não são tão extrema- 13 de que o automóvel tem de ser das, onde a motorização individual ultrapas- “domesticado” e que a mobilidade urbana tem sou já a fase de “deslumbramento” pelo auto- de passar a ser assegurada com o recurso a móvel e onde a consciência coletiva dos seus outros modos de transporte, desde logo pelos impactos propicia o desenvolvimento de polí- públicos, mas também, pelos modos suaves ou ticas de mobilidade mais equilibradas e mais ativos (andar a pé ou de bicicleta). O “mito” atentas aos problemas ambientais e à coesão transformou-se, assim, progressivamente, social, só poderá esbarrar na oposição da científicos) 382 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013 Mobilidade urbana: os desafios do futuro maioria dos decisores públicos (condicionados Todavia, o futuro da mobilidade urbana pela forte pressão da burocracia e das classes também não pode ser perspectivado como médias) e acabar por protelar as políticas uma simples projeção de tendências observa- que poderão contribuir para uma progressiva das no passado, tal como foi usual fazer quan- inversão das tendências de investimento pú- do os modelos de transportes se limitavam a blico massivo em infraestrutura rodoviária e extrapolar a anterior evolução da procura e a deixar ao setor privado (formal ou informal) a considerar a mobilidade motorizada como ili- organização e exploração da oferta do trans- mitável, a que era forçoso dar resposta através porte público. de mais e melhor oferta de infraestruturas e serviços. Nesse caso, não só o ponto de chegada dessas projeções talvez nem tivesse sequer Uma mobilidade mais amiga do ambiente e mais solidária condições de existir, como a destruição dos espaços urbanos, tal como hoje os conhecemos, e os impactos ambientais irreversíveis que tal acarretaria seriam os resultados intrínsecos e Não há cidade sem movimento, nem socieda- incontornáveis dessa dinâmica, aliás mais teó- de que prescinda das interações entre os seus rica que realista. membros. Una città abbandonata dall’automobile, una città senza traffico, è una città morta. ... Possiamo urlare qualunque proclama, o lanciare qualunque anatema: il quotidiano traffico privato è conditio sine qua non per la vita delle città. (Cetica, 2000) Ao reacionarismo do regresso a uma sociedade de características feudais, ao catastrofismo dos que não conseguem articular a modernidade com o respeito pelo ambiente, ou à inconsciência ignorante dos que consideram que tudo se haverá de resolver por uma qualquer inovação tecnológica, há que opor novos paradigmas para a mobilidade urbana. O problema não está por isso no regres- Com efeito, já em 1995, a então desig- so a um qualquer passado, mais idealizado que nada Conferência Europeia dos Ministros dos real, onde tudo estaria ao pé de casa e onde as Transportes (ECMT) definia um conjunto de necessidades de transporte seriam diminutas instrumentos-chave, no âmbito de uma políti- face à autossuficiência das sociedades. Esse mi- ca integrada de transportes e urbanismo, vi- to esconde na prática uma ideologia reacioná- sando a um desenvolvimento sustentável das ria, que o progresso da humanidade desmente, mobilidades (ECMT/OCDE, 1995, pp. 147-149): apesar de todos os sobressaltos, falhanços e • Planejamento do uso do solo e políticas desastres que esse processo tem comportado. de controle do crescimento urbano, que in- A questão que se coloca não pode ser o retor- fluenciem os padrões de urbanização e in- nar às épocas onde só os poderosos tinham o crementem a acessibilidade ao emprego, ao privilégio e os meios para se deslocarem, onde comércio e serviços, e a outras atividades, as trocas econômicas eram incipientes e o tipo sem a necessidade de recurso à deslocação de trabalho definido pelo nascimento. em automóvel. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013 383 Fernando Nunes da Silva • Políticas que afetem o preço dos combus- do ponto de vista social e economicamente tíveis, a compra e o licenciamento dos auto- mais eficiente, há quatro estratégias que se afi- móveis, o estacionamento e a utilização das guram imprescindíveis concretizar: infraestruturas rodoviárias, que influenciem 1) Promover a intermodalidade: na socieda- a concepção dos veículos, a localização das de urbana atual, a complexidade e diversidade atividades, a escolha modal e o crescimento dos modos de vida e das necessidades de do teletrabalho. deslocação exigem não só que se utilizem to- • Medidas que façam uso da telemática pa- dos os modos de transporte disponíveis (dos ra a gestão da circulação, do estacionamento motorizados aos suaves, dos públicos aos pri- e dos transportes públicos, afim de aumentar vados, dos individuais aos coletivos), como que a eficiência dos sistemas de deslocações urba- a passagem de um modo para outro se proces- nas e promover a mudança do automóvel para se sem atritos, isto é, que os vários modos de os outros modos de transporte. transporte estejam articulados entre si e que • Políticas que responsabilizem os emprega- as mudanças entre eles não sejam penaliza- dores pelo planejamento das deslocações pen- doras para quem se desloca, quer em tempos dulares, de forma a reduzir os picos de tráfego de espera e condições físicas em que essa mu- e potenciar uma repartição modal mais favorá- dança se processa, quer em termos de custo. vel ao transporte coletivo. Tal exige uma eficiente integração funcional e • Políticas respeitantes ao financiamento, à tarifária entre os vários modos de transporte privatização e ao uso dos sistemas de infor- coletivo e sistemas que promovam e facilitem mação e de promoção ( marketing ) que au- a utilização combinada de transportes indivi- mentem a eficiência e a atratividade do trans- duais (motorizados ou não) e coletivos, públi- porte público. cos ou partilhados. • Medidas de implementação de “zonas 2) Favorecer uma repartição mais amiga livres de automóveis”, de moderação da do ambiente : diante do presente domínio do circula ção e de prioridade ao pedestre, que automóvel, é forçoso reequilibrar a repartição fomentem a caminhada e o uso da bicicleta, modal. Desde logo favorecendo o transporte reduzindo os riscos para a utilização desses coletivo, não mais concebido como o modo modos de transporte e promovendo a atrati- de transporte dos que não têm ou não podem vidade das cidades. circular em automóvel, mas como o modo • Medidas que promovam a criação de zonas mais eficaz de movimentar maiores procuras de intercâmbio de mercadorias e o uso de veí- e diminuir o espaço urbano afetado às deslo- culos de distribuição adaptados à cidade, “a fim cações motorizadas. Mas também através da de adequar a logística às condições urbanas” reabilitação do andar a pé e de bicicleta, crian- (Nunes da Silva, 2005, pp. 298-299). do condições favoráveis e seguras para esse Para que essa nossa forma de nos des- tipo de deslocação e eliminando os inúmeros locarmos se possa desenvolver e vir a se con- obstáculos que se foram criando nas nossas ci- substanciar numa mobilidade mais sustentável, dades a esses meios de transporte, desde logo isto é, mais amiga do ambiente, mais equitativa ao nível dos passeios e percursos pedestres. 384 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013 Mobilidade urbana: os desafios do futuro 3) Melhorar as condições de segurança e urbanidade; desenvolver projetos de transpor- fluidez do tráfego : pensar que, diante do pe- tes em sítio próprio, associados a políticas de so que o automóvel tem hoje nas deslocações reabilitação urbana e qualificação do espaço urbanas, será suficiente atuar na promoção público; implementar políticas de estaciona- de alternativas ao seu uso e na introdução mento articuladas com a oferta em transporte de restrições do seu acesso a zonas cada vez público, são alguns exemplos de como se pode mais extensas da cidade, é votar essa políti- promover a desejável simbiose entre políticas cas ao fracasso, tanto mais rápido e dramá- de mobilidade e urbanísticas. tico (porque inibidor da implementação de As principais diferenças que devem soluções exequíveis por muito mais tempo) existir na aplicação dessas estratégias, quan- quanto maior for a força da sociedade civil em do se lida com países mais desenvolvidos ou democracia. Assim, ao mesmo tempo que se com países emergentes, radicam mais no seu promovem alternativas e condicionantes ao doseamento – função sobretudo da sua com- uso abusivo do automóvel, há que melhorar posição social, do seu estádio sociocultural e significativamente a gestão do tráfego urbano, da sua estrutura econômica e organização do para o que se dispõe já de um poderoso e efi- espaço urbano – do que no “apagamento” de caz conjunto de soluções e tecnologias, desde uma área de intervenção em favor de outra. a telemática à gestão centralizada do tráfego, Não se nega que os desafios que o fu- passando pela informação pública disponibili- turo da mobilidade urbana coloca são comple- zada em tempo real. xos, nem que os problemas, que urge resol- 4) Articular transportes e usos do solo : as ver nesse domínio, exigem modos de atuar e necessidades de deslocação (tanto de pessoas meios que nem sempre são fáceis de instituir como de bens) resultam da dispersão das e mobilizar. Mas o que sabemos é que o ca- atividades no espaço urbano. Atuar no siste- minho trilhado até agora só pode conduzir ao ma de transportes e mobilidade sem o fazer agravar dos problemas ambientais, urbanos e igualmente ao nível do urbanismo e do orde- sociais. Sabemos também que outros conse- namento do território, é construir por um lado guiram, senão superá-los completamente, pe- e destruir por outro. Desenvolver políticas de lo menos inverter a tendência e pôr em prática habitação e criar condições para o retorno à soluções inovadoras e socialmente aceites, cidade-centro (onde as redes de transporte que apontam para futuros mais promissores, coletivo são mais densas e onde as distâncias qualquer que seja a latitude que estivermos a a percorrer são compatíveis com a utilização considerar. O principal problema que tiveram dos modos suaves); fomentar a mistura de de enfrentar foi o dos “poderes instituídos” usos do solo complementares e consolidar ou e vencer a “preguiça mental” em analisar os promover novas centralidades urbanas (no- problemas nas suas diferentes vertentes e pen- meadamente através da densificação urbana sar soluções que melhor respondam aos ob- em torno das estações de comboio e metrô, jetivos a atingir. Isso, se bem que difícil, está e das principais interfaces); recuperar a rua certamente ao alcance dos conhecimentos e como espaço de convívio, coesão social e das tecnologias de que hoje dispomos! Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013 385 Fernando Nunes da Silva Como sintetizou de modo sublime um pessoas que trocam as áreas rurais por áreas colega de profissão e atento observador dos urbanas, em busca de melhores oportunidades, desafios que hoje se colocam às nossas cida- demonstra que a vida nas urbes é uma pro- des, “embora seja comum a ideia de que as posta de valor sem concorrência”, para depois cidades se tornaram congestionadas, poluí- concluir que “a única alternativa à cidade é das, inseguras e desiguais, o fluxo contínuo de uma cidade melhor” (Mendes, 2011). Fernando Nunes da Silva Professor catedrático do Instituto Superior Técnico e investigador do Centro de Sistemas Urbanos e Regionais – Cesur, da Universidade de Lisboa. Vereador da Mobilidade na CM de Lisboa. Lisboa, Portugal. [email protected] Notas (*) Este texto reflete, sobretudo, uma prática profissional de várias décadas no domínio dos transportes e da mobilidade urbana, a que se somaram, recentemente, quatro anos como membro do executivo municipal de Lisboa, enquanto vereador e secretário da Mobilidade. Para uma melhor fundamentação das ideias e reflexões aqui expressas, sugere-se a leitura dos seguintes textos publicados pelo autor: “Polí cas Urbanas para uma Mobilidade Sustentável” (GeoINova, n. 7, Lisboa, 2003); “Polí cas Urbanas para uma Mobilidade Sustentável” (GeoINova, n. 10, Lisboa, 2004); “Transportes, Mobilidade e Ambiente: os usos, os costumes e os desafios para o século XXI” (in: Soczka, Luís, org., Contextos Humanos e Psicologia Ambiental”, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2005); Transportes e Ambiente. Indicadores de Integração (com M. Beja e S. Castelo, Lisboa, Ed. Direcção Geral do Ambiente, Ministério do Ambiente, 1999). (1) Entre 1950 e 2005, o volume mundial de emissões de dióxido de carbono, associado à queima de combus veis fósseis (onde o setor dos transportes tem uma quota importante), passou de 1,6 para 7,2 milhões de toneladas (Sawin, 2005). (2) De acordo com um estudo do Banco Mundial, publicado em 2000, es ma-se que o número de mortes prematuras, associado à poluição atmosférica nas áreas urbanas, a nja um valor médio de 1,8 milhões de pessoas por ano, até 2020, dos quais mais de 60% das mortes ocorrerão na China, Índia e América Latina (“Air Polluyion Still a Problem”, Gary Gardner). Por sua vez, o número de ví mas em acidentes rodoviários é hoje superior a 300 mil mortes e 8 milhões de feridos. (“Indicadores do Desenvolvimento Mundial”, Banco Mundial). 386 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013 Mobilidade urbana: os desafios do futuro (3) Sobretudo nas áreas centrais e nos bairros residenciais periféricos, para as deslocações de curta distância no início e no fim de suas cadeias. Note-se ainda que, segundo estudos realizados, no final dos anos 1980 no Brasil, a percentagem de pessoas que se deslocavam a pé para o trabalho se situava na ordem dos 60%, para os agregados familiares com uma renda mensal inferior a 500 US$ (Vasconcellos, 2000, p. 50). (4) O conceito de desenvolvimento sustentável encontrou a sua consagração mundial com a publicação do livro/relatório “Our Common Future”, em 1987, pela Comissão Mundial para o Ambiente e o Desenvolvimento (World Commission on Environment and Development), das Nações Unidas, o qual ficaria conhecido pelo nome da sua responsável, a Sra. Gro Brundtland. (5) O desenvolvimento do setor automóvel nos EUA teve, para além da polí ca do combus vel barato e dos apoios ao desenvolvimento da sua indústria, um forte incen vo a par r da publicação do “Federal Highway Act” e do “Highway Revenue Act”, ambos de 1956, que não só es pulavam a construção de mais de 66 mil km de autoestradas e vias rápidas pelo país, como atribuía a esse programa uma porcentagem da receita da venda de combus veis e pneus, uma vez que o Estado Federal suportaria 90% do custo de construção dessas novas rodovias. Como refere Vukan R. Vuchic (1999, p. 96), ao analisar os efeitos dessa legislação, “the Federal Highway Acts of 1956 were aimed not at crea ng an op mal transporta on system that u lizes a coordinated set of modes, but rather gave an enormous boost to one mode only – the highway (automobile and truck), thus greatly reducing any opportunity to achieve a balanced intermodal system”. Ora foi exatamente esse po de polí ca pública seguido nos países europeus menos desenvolvidos, sobretudo após o alargamento da União Europeia na segunda metade da década de 1980, com o consequente aumento das transferências de fundos comunitários de apoio para esses países. Só para Portugal esse montante terá ascendido a € 27 mil milhões. (6) Nos designados “trinta anos de ouro” que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, em que a economia europeia não deixou de crescer con nuadamente e a distribuição dos rendimentos foi a mais equita va de sempre, a taxa de motorização passou de cerca de 100 veículos por mil habitantes, para mais de 500 no início da década de 1990 (ODCE, CEMT, 1995), tendo vindo a estabilizar depois dessa data. (7) Traffic in Towns, Her Majesty’s Sta oneri Office (London, 1963). (8) Fez agora, 23 de março, 50 anos que o seu primeiro grande êxito foi editado, lançando-os numa das mais impressionantes e proveitosas carreiras no mundo da música popular. (9) Com efeito, até o próprio relatório Buchanan, como viria a ficar conhecido, apesar de todas as crí cas e prognós cos nega vos quanto ao futuro da sociedade do automóvel, não deixava de apontar medidas de minimização dos seus impactos na cidade e de formular propostas para a sua adaptação às crescentes necessidades de espaço consagradas ao tráfego automóvel. (10) Só para se ter uma ideia do que foi o crescimento exponencial da produção de automóveis no mundo, atente-se ao fato de que, em 1950, o número de veículos produzidos se situava nos 8 milhões, enquanto, em 2004, a ngia os 44,1 milhões (cf. American Automobile Manufactures Associa on). Por outro lado, a taxa de motorização dos países mais desenvolvidos do mundo a ngia ou ultrapassava já os 500 veículos/mil habitantes no fim do século XX. (11) “O processo de decisão em transportes, além de ser controlado por elites polí cas e econômicas, favorece as classes médias, que têm instrumentos diretos e indiretos para exercer a sua influência. O principal canal para esse exercício é formado pela tecnocracia e a burocracia, que são as classes médias no poder” (Vasconcellos, 2000, p. 172). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013 387 Fernando Nunes da Silva (12) Sobretudo após a Conferência do Rio de Janeiro sobre Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, e a celebração do Protocolo de Quioto em 1997. (13) Só para referir alguns dos que marcaram o pensamento nesse domínio, citem-se, a tulo de exemplo, Transports, contraintes clima ques & pollu ons, de Giséle Escourrou (publicado em 1996 pela Editora Sedes de Paris) – cons tuindo uma das primeiras obras que sistema za as relações e a contribuição dos transportes para as alterações climá cas –, e o que veio a tornarse a principal referência na reflexão sobre a sustentabilidade no domínio dos transportes e da mobilidade urbana: Sustainability and Ci es. Overcoming Automobile Dependence, de Peter Newman e Jeffrey Kenworthy (publicado em 1999 pela Island Press, em Nova York). Referências CETICA, P. P. (2000). Este ca del Traffico. Milão, Editori Associa . DUPUY, G. (1999). La dépendance automobile. Symptômes, analyses, diagnos c, traitements. Paris, Anthropos. ECMT/OCDE (1995). Urban travel and sustainable development. Paris, CEMT/OCDE. FLINK, J. J. (1975). The Car Culture. MIT Press. MENDES, J. F. G. (2011). O futuro das cidades. 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Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 377-388, jul/dez 2013 Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano na Amazônia: o caso de Belém e Manaus Transport, commodity flow and urban economic development in the Amazon: the case of Belém and Manaus Wouter Jacobs Lee Pegler Manoel Reis Henrique Pereira Resumo Este trabalho aborda as carregadas relações entre o comércio de mercadorias, o desenvolvimento econômico urbano e o meio ambiente na maior reserva de floresta tropical do mundo, em forma de narrativa histórica. A estrutura conceitual na qual posicionamos esta narrativa é fornecida por Hesse (2010) nas dimensões de “local” e “situação” da interação entre locais ou localidades, por um lado, e o fluxo de materiais ou cadeias globais de valor por outro. Argumenta-se que a assemblage do local e da situação, que forma as riquezas das cidades. O estudo de caso de Manaus e Belém mostra como a rápida urbanização da Amazônia é acompanhada pelo crescimento do transporte conforme “novas” mercadorias estão sendo extraídos no interior da selva. Abstract This paper addresses the fraught relationships among commodity trade, urban economic development and the environment in the world’s largest rainforest reserve, in a historical narrative fashion. The conceptual framework in which we position this narrative is provided by Hesse (2010), in the “site” and “situation” dimensions of the interaction between places or locales on the one hand, and material flows or global value chains on the other. It is argued that the assemblage of both site and situation is what shapes the wealth of cities. The case study of Manaus and Belém shows how the rapid urbanization of the Amazon rainforest is accompanied by the growth of shipping as “new” commodities are being extracted from the jungle interior. Palavras-chave: desenvolvimento urbano; transporte; Amazônia; Manaus; Belém. Keywords: urban development; shipping; Amazon; Manaus; Belém. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 Wouter Jacobs et al. Introdução locais ou localidades, por um lado, e fluxo de materiais ou cadeias de valor, por outro. Como argumenta Hesse (2010), as cidades são Este artigo trata do impacto dos movimentos resultados de aglomerados e prosperam devi- de mercadorias no desenvolvimento econômi- do a uma assemblage do local e da situação. co urbano na Bacia Amazônica. O poderoso Em outras palavras, é a interface relacional Rio Amazonas tem, por longa data, servido entre ativos de localização (incluindo não só como a principal via expressa tanto para po- os fatores clássicos de produção, mas tam- vos indígenas como para o comércio colonial. bém instituições territorializadas ou rotinas Cidades como Belém e Manaus prosperaram, e habilidades locais), o verdadeiro fluxo de no final do século XIX, com base no comércio materiais ou movimento de bens e a gestão de mercadorias, sobretudo de borracha. Quan- e governança desses fluxos que moldam as do o comércio global de borracha transferiu-se riquezas das cidades. do Brasil para o Sudeste Asiático, na primeira A dinâmica e a geografia da assemblage metade do século XX, essas cidades entraram mudou consideravelmente, desde os anos de em declínio econômico urbano. Desde o início 1980, em consequência da integração do co- da década de 1980, a Amazônia passou por mércio mundial e da desintegração dos siste- um processo de rápida urbanização. Mais re- mas de produção (Feenstra, 1998), gerando centemente, o transporte de mercadorias da uma nova divisão espacial do trabalho em uma Amazônia está novamente em ascensão, pois escala global (Fröbel et al. ,1980). O resultado “novas” mercadorias estão sendo extraídas do desse processo de globalização acelerada é interior da selva. Esses desenvolvimentos são que o movimento de certas mercadorias e com- acomodados por novos investimentos públicos ponentes se tornou mais espacialmente disper- e privados em infraestrutura portuária, assim so e espacialmente estendido, enquanto que, como o crescimento econômico geral do Brasil. ao mesmo tempo, organizado de acordo com Mas, enquanto Manaus está passando por um princípios de logística do just-in-time, confia- boom econômico – em grande parte devido à bilidade e flexibilidade. Esse desenvolvimento sua Zona de Livre Comércio (ZLC) e à sua lo- é conceitualizado por geógrafos econômicos calização central – a cidade costeira de Belém como o surgimento de Redes Globais de Produ- está correndo o risco de ser ignorada por es- ção (Coe et al., 2004) e o que os economistas ses novos fluxos de mercadorias o que, conse- de transporte chamam de sistemas de cadeia quentemente, afeta a capacidade de a cidade de abastecimento global (Robinson, 2002). atualizar seu perfil econômico urbano. Ao mesmo tempo, as cidades como por- Como tal, este artigo descreve as rique- tais ou centros ainda precisarão acomodar zas econômicas de duas cidades amazônicas espacialmente o movimento de mercadorias de uma forma narrativa histórica. A estrutura físicas propriamente dito, com todos os tipos conceitual na qual posicionamos a narrativa de efeitos externos que ocorrem. Alguns dos é fornecida por Hesse (2010) nas dimensões movimentos de mercadorias são para abas- de “local” e “situação” da interação entre tecer a região metropolitana com os bens de 390 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano... consumo e insumos de produção necessários, incluem no fornecimento de infraestrutura (por permitindo que as empresas locais funcio- exemplo, um porto de águas profundas ou uma nem, que empregos sejam preenchidos e que rede de fibra ótica), mas também a disponibili- impostos sejam gerados. O movimento de dade de uma força de trabalho qualificada, de mercadorias, no entanto, cria custos sociais regulamentações governamentais favoráveis e negativos em relação ao congestionamento e de uma agência de governo igualmente equi- à poluição, que pode resultar em resistência pada e bem informada (Hall e Jacobs, 2010). política local. Além disso, aumentar o valor da Tanto em relação ao acoplamento estratégico terra no núcleo urbano vai sistematicamente ou assemblage depende, no entanto, do valor deslocar meios de distribuição de valor mais econômico e dos custos sociais gerados e da baixo (nas proximidades do núcleo) para pe- agenda dos atores envolvidos. Esses atores têm riferias urbanas e, como tal, aumentar ainda diferentes graus de poder e operam sob vários mais os custos de transporte para atender a contextos e em diferentes escalas espaciais: do esse mesmo núcleo econômico urbano. Em local ao global. Tal perspectiva implica estender outros casos, no entanto, a maioria do movi- a noção de “situação” além das meras cone- mento de mercadorias na região é destinada xões físicas de um local com o sistema urbano para o interior distante. Nesses casos, muito em geral, incluindo uma dimensão relacional. das externalidades negativas residirão local- “Situação”, de uma perspectiva relacional, por- mente com a captação do valor que ocorre fo- tanto, inclui conectividades existentes por meio ra da região. Os responsáveis pelas políticas e de redes sociais, arranjos de governança e la- os políticos confrontam o dilema de acomodar ços corporativos. tais fluxos de mercadorias ou optar por fun- Nesse contexto, o artigo levanta a trípli- ções urbanas mais valorizadas a serem desen- ce pergunta de como as cidades amazônicas volvidas. Uma mudança de direção não é feita de Belém e Manaus foram historicamente in- facilmente, pois os poderes do governo são seridas no fluxo global de material de merca- limitados, enquanto os irrecuperáveis custos dorias específicas, o que explica seus caminhos em infraestrutura, a dependência de recursos de desenvolvimento divergentes no final do naturais e os interesses industriais velados século XX, e como elas estão lidando com as podem moldar a agenda de desenvolvimento novas oportunidades econômicas fornecidas em certos caminhos pelas próximas décadas pelo atual boom de mercadorias do Brasil em (Martin e Sunley, 2006). termos de desenvolvimento sustentável. Nesse Em termos de formulação de políticas, artigo, refere-se à Amazônia como vagamente a assemblage é, então, o objetivo ao qual Coe definida e não formalmente estabelecida, uma et al. (2004) se referem como acoplamento vasta região que abrange a floresta Amazônica. estratégico, que pode ser entendido como a Inclui vários estados sob a estrutura federal do capacidade dos atores locais e regionais ati- Brasil, da qual o estado do Amazonas (capital: vos críticos (entendidos como o “local”) para Manaus) é o maior em termos de reserva flo- com as demandas dos atores operando em restal e o estado do Pará (capital: Belém), em cadeias ou fluxos globais. Esses ativos não só termos de produção econômica. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 391 Wouter Jacobs et al. Este artigo está estruturado da seguinte economia de mercado internacional (Braham e forma. Primeiramente, na segunda seção va- Coomes, 1994). As cidades portuárias de Belém mos descrever e explicar a ascensão e queda e Manaus, numa fase posterior, testemunharam econômica das cidades de Belém e Manaus co- um boom econômico urbano sem precedentes mo resultado do Ciclo da Borracha do início do com as cidades rivalizando uma com a outra século XX. Na terceira seção, fornecemos uma com projetos de desenvolvimento de grandeza visão geral da urbanização da Amazônia que urbana, como ainda é exemplificado por suas se seguiu durante a segunda metade do século famosas casas de ópera. XX, descrevendo, em particular, a criação da O Ciclo da Borracha começou com o Zona Franca de Manaus. Na quarta seção, os enorme aumento da procura pelo produto na portos na Amazônia são posicionados dentro América do Norte e na Europa durante o fim do sistema geral de transporte brasileiro, des- do século XIX. A Amazônia forneceu esse “no- tacando-se como essas atividades de trans- vo” produto em abundância, mas sua extração porte e cadeias de mercadorias são acomo- do remoto interior da selva estava longe de dadas no espaço das Regiões Metropolitanas ser sem custos. Seu local remoto e de difícil de Manaus e Belém. Além disso, comparamos acesso, em combinação com seu terreno inós- as economias urbanas de Manaus e Belém em pito e a falta de aplicação da lei, aumentou o relação à atividade de transporte de mercado- preço da mercadoria enormemente. Os custos rias, utilizando dados estatísticos. Na quinta de transbordo eram geralmente altos, em- seção, abordamos a questão da assemblage bora a barganha ao longo do Rio Amazonas das duas cidades portuárias no contexto do fornecesse algum alívio relativo. Interessan- atual boom de mercadorias no Brasil. Nas con- te, nesse contexto, é que o governo brasileiro clusões, identificamos as implicações para o conferiu concessões de longo prazo para em- futuro do desenvolvimento sustentável e para presas estrangeiras ampliarem e operarem as futuras pesquisas. instalações portuárias: British Manaus Harbour Limited, em Manaus e a US Port of Pará, em Belém. Além do mais, o fornecimento de borracha O ciclo da borracha amazônica 1870-1920 da Amazônia foi do tipo “selvagem”, portanto não racionalmente cultivado e sujeito à elasticidade de oferta nos mercados globais. Essa elasticidade de oferta em combinação com a A primeira e mais pronunciada fase de desen- demanda crescente do mercado global levou a volvimento urbano e econômico da Bacia Ama- mais um aumento no preço e contribuiu para o zônica foi, sem dúvida, o período do Ciclo da boom da economia regional-fronteiriça. Borracha, no final do século XIX. Durante esse O Ciclo da Borracha Amazônica foi rela- período, a renda per capita subiu em 800%, a tivamente bem documentado, assim como os população regional cresceu em quase 400%, fatores que explicam o seu declínio (Coomes e o sertão amazônico tornou-se formalmen- e Braham, 1994). A primeira e mais impor- te integrado ao sistema político nacional e à tante razão é o surgimento da borracha de 392 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano... plantação competitiva das ex-colônias britâ- ainda mais a modernidade para a o interior da nicas no Ceilão e na Malásia que garantiram floresta e, muitas vezes, às custas dos povos fontes mais confiáveis e que também era muito indígenas e de seu estilo de vida. Como tal, o mais fácil de transportar. Ainda, como insistem período do Ciclo da Borracha "criou um legado Braham e Coomes (1994), as explicações so- de viés urbano que continua a moldar o desen- bre a explosão dessa bolha histórica também volvimento amazônico" (Braham e Coomes, devem ser aterradas em uma narrativa mais 1994, p. 105). pós-estruturalista, que também destaca as falhas endógenas da indústria de borracha da Amazônia para combater o desafio global. Por exemplo, as economias urbanas da Amazônia sofreram o que os geógrafos econômicos chamariam de lock-in. Tanto o trabalhador quanto A urbanização moderna da Amazônia: Manaus versus Belém o capital se beneficiavam dos altos retornos de extração de borracha. Da mesma forma, o A Bacia Amazônia tem sido historicamente do- Estado se beneficiava enormemente por meio minada por duas cidades: Belém e Manaus. Ao de impostos sobre importações e exportações e passo que ambas as cidades prosperaram du- das receitas em grande parte reinvestidas para rante o Ciclo da Borracha (e sofreram um pos- facilitar as atividades de extração de borracha terior declínio semelhante), elas experimenta- mais do interior da floresta. Contudo, enquanto ram caminhos divergentes de desenvolvimento as cidades de Belém e Manaus competiam uma a partir da década de 1970. Embora as cidades com a outra com base em notável consumo e sejam, de longe, os maiores centros urbanos da empreendimentos imobiliários, elas não conse- Amazônia, as últimas décadas podem ser ca- guiram se diversificar economicamente. Investi- racterizadas por uma urbanização global da re- mentos em instalações de transbordo e extra- gião. Em 1960, apenas 37,5% da população na ção provaram ser altamente específicos para Amazônia vivia em cidades. Em 1991, a popu- extração de borracha e, portanto, impróprias lação urbana da Amazônia já tinha aumentado para qualquer outro uso, enquanto que as re- para 57,8% (Bowder e Godfrey, 1997). Apesar percussões tecnológicas para outras indústrias de Belém e Manaus terem experimentado um foram mínimas. Após a queda dos preços da crescimento absoluto da população nas últi- borracha, a maioria do capital móvel foi remo- mas décadas, a participação relativa no total vida da região, "deixando em decomposição o da população da região de Belém caiu conside- esplendor urbano como um assombroso lem- ravelmente enquanto que a de Manaus quase brete do boom anterior" (Braham e Coomes, duplicou. De fato, das dez maiores cidades da 1994, p. 101). Ainda assim, continuou o progra- Amazônia, Belém experimentou o menor cres- ma de colonização apoiado pelo governo fede- cimento. Além disso, desde a década de 1990, ral do interior do Amazonas, em grande parte Manaus superou Belém como a cidade mais de uma forma descontrolada, empurrando populosa da bacia Amazônica (ver Tabela 1). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 393 Wouter Jacobs et al. Tabela 1 – Os dez maiores centros urbanos (em relação à população) na Região Norte, 1970-2010 Posição Cidade e Estado 1970 1991 2010 Crescimento 1970-2010 1 Manaus, Amazonas 286.083 6,8%* 1.005.634 9,8%* 1.802.014 11,4%* 530% 2 Belém, Pará 611.497 14,6%* 1.309.517 12,8%* 1.393.399 8,8%* 128% 48.839 229.410 428.527 777% 55.915 153.556 398.204 612% 167.457 336.083 831% 10.257.260 15.864.454 297% 3 4 5 Porto Velho, Rondônia Macapá, Amapá Rio Branco, Acre População total Região Norte 36.095 4.188.313 * porcentagem da população total da Região Norte. Fonte: compilado pelos autores de dados do IBGE, derivado de Bowder e Godfrey (1997). A sorte da cidade de Manaus mudou para a produção é importada do exterior, em em 1967, quando o governo federal aprovou o particular de países da Ásia (Japão, Coreia, desenvolvimento de uma Zona Franca de Ma- Taiwan e China). Nos últimos anos, o núme- naus (ZFM) sob a Lei Federal n. 288 (promul- ro das empresas dentro da ZFM flutuou de gada em 28 de fevereiro de 1967). No início, aproximadamente 450-550, criando 100 mil a ZFM funcionava principalmente como uma empregos diretos em Manaus e de aproxima- zona franca para bens de luxo estrangeiros damente 20 mil no resto dos 61 municípios do importados para a elite brasileira do Sudeste. Oeste do estado do Amazonas (Ministério das Mais tarde, a ZFM conseguiu atrair uma ati- Relações Exteriores, 2006). vidade industrial mais substancial, mais nota- Enquanto Manaus age como o principal velmente a refinaria de petróleo e gás Reman centro logístico na região e seu polo industrial (de propriedade da Petrobrás) e, mais tarde, acomoda a maioria da atividade industrial da montadoras e instalações de embalagem com ZFM, na realidade, estende-se muito além de valor agregado para empresas de eletrônicos seus limites metropolitanos. Na verdade, a de consumo global, como a Samsung e a LG, declaração por parte do governo federal do para marcas globais de refrigerantes, como a estatuto de Zona de Livre Comércio abrange Coca-Cola e a a Pepsi Co, e para marcas au- toda a região noroeste do Amazonas e inclui tomotivas, como a Harley Davidson e a Hon- os estados do Amazonas, Roraima, Rondônia, da. A maioria dos insumos e componentes Acre e Amapá. A ZFM fornece diversos tipos 394 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano... de benefícios fiscais, conforme regulamentado Assim, parece que, na década de 1960, pela Lei Federal n. 288, de 1967. Essa lei reser- o governo lançou esse programa da ZFM por vou determinados incentivos fiscais até o ano interesse geoestratégico, a fim de manter a de 2013. Esse programa fiscal foi renovado, em região economicamente viável e integrada à 2003, pela Lei Federal 2826, de 29 de setembro economia nacional como meio de garantir as de 2003, e estende a concessão fiscal para em- reivindicações territoriais e o controle políti- presas que operam na ZFM até 2023. Enquanto co. De certa forma, isso pode ser considerado o regime fiscal fornecido pelo governo federal uma continuação da política nacional durante primeiramente lidou em especial com impor- a época do Ciclo da Borracha, em que os paí- tações para a ZFM, mais tarde também foram ses amazônicos ativamente competiram pela incluídas disposições especiais para as expor- supremacia sobre a área, fornecendo a con- tações. Além desses regimes fiscais federais, a cessão de terras aos comerciantes, criando ZFM também se beneficia com isenções de im- postos militares e investindo em infraestrutura postos do governo do Estado (principalmente (Barham e Coomes, 1994). Nessa versão mo- para a transferência de componentes fabrica- derna, no entanto, a ZFM lembra mais um polo dos em outros lugares no Brasil e com destino de crescimento, desenvolvido em muitos ou- a ZFM) e com a isenção da própria administra- tros países industrializados do mundo, em que ção municipal da cidade de Manaus (isenções os recursos e as riquezas foram transferidos do de dez anos de impostos sobre imóveis e pro- núcleo para a periferia (Brenner, 2004). Essa priedades, por exemplo). concentração do desenvolvimento econômi- Sob essas regulamentações fiscais, Ma- co urbano planejada pelo governo federal em naus desfrutava de um regime favorável em Manaus também ajudou a evitar o assenta- relação ao seu rival direto naquela época, mento descontrolado na mata, embora a má Belém. Assim, a assemblage, em termos de qualidade do solo e a precária acessibilidade disposições regulamentares fiscais do gover- das estradas provavelmente fez mais para evi- no federal, favoreceu Manaus em detrimento tar o cultivo em grande escala na floresta, em de Belém. Em relação às razões pelas quais comparação com o estado do Pará. Manaus foi escolhida para esse esquema de A gestão da Zona de Livre Comércio es- investimento/subvenção do governo, um fo- tá nas mãos da Suframa, uma agência federal lheto de marketing feito recentemente pelo responsável pela política da ZFM e seu modelo Ministério das Relações Exteriores, um pouco de negócio. Os governos dos Estados (e suas surpreendentemente franco, mencionou que: capitais) são representados na administração "A ZFM foi originalmente criada com o objeti- da Suframa e recebem apoio financeiro dela vo de viabilizar uma base econômica no oeste para projetos realizados em consonância com da Amazônia, promovendo a integração pro- seus planos de desenvolvimento estratégico dutiva da região, servindo como apoio para estaduais. Esses planos são concebidos para garantir a soberania nacional da região [itálico coordenar a política regional de desenvolvi- enfatizado]" (Ministério das Relações Exterio- mento iniciada pelo governo federal e os ob- res, 2006, p. 6). jetivos com níveis inferiores de governo. Por Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 395 Wouter Jacobs et al. outro lado, os municípios são requeridos a implementar localmente esses planos de desenvolvimento do Estado, principalmente por meio de planejamento do uso da terra. Assim, há uma hierarquia clara de competências de planejamento e financiamento público. Inicialmente, o sucesso da ZFM, até a década de 1980, poderia ser considerado um resultado das políticas comerciais nacionais Na década de 1990, quando ocorreu a abertura econômica, o PIM tinha uma política industrial que focava na nacionalização a qualquer custo e na alta absorção de mão de obra. A abertura significou que as empresas do polo tinham que enfrentar a concorrência de produtos de todo o mundo, similar aos delas, mas a um preço menor e com qualidade superior. Tivemos que mudar nossa política industrial. (Ministério das Relações Exteriores, 2006, p. 8) protecionistas do governo federal. Durante esse tempo, o governo federal criou todos os Essa mudança na política industrial, na tipos de condições comerciais desfavoráveis prática, significou a demissão de 38% da for- para a importação, atraindo grandes empre- ça de trabalho total durante a década de 1990, sas internacionais para criar instalações para especialmente nas faixas de renda mais eleva- a produção de materiais importados e com- das, a substituição do trabalho pelas máquinas ponentes em uma ZLC projetada para atender melhoradas e, sobretudo, um novo regime de o grande mercado brasileiro. Ainda na déca- trabalho. De fato, durante esse período, o núme- da de 1990, o governo federal começou a se ro de trabalhadores com menor remuneração e abrir para o comércio internacional e removeu menos contratualmente ligados aumentou em vários tipos de barreiras tarifárias, permitindo 35% (Oliveira et al., 2010). Assim, enquanto a que os investimentos estrangeiros diretos se assemblage favorável de Manaus estava rece- concentrassem em locais nas grandes regiões bendo a pressão do novo regime de comércio urbanas do sudeste, enquanto os comercian- nacional, o sistema existente em vigor na ZFM tes globais estavam livres para localizar suas em combinação com seu regime de trabalho fle- instalações de produção fora do Brasil, ser- xível permitiu que continuasse a tirar vantagens vindo ainda ao mesmo mercado. Na verdade, das tendências globais da externalização, como como informado na época pelo The New York identificado em lugares como Tianjin (Wang e Times (em 17 de dezembro de 1990, conteú- Olivier, 2006) e Dubai (Jacobs e Hall, 2007). De do on-line ), um dos maiores empregadores da fato, enquanto a ZFM funcionou principalmen- ZFM, a empresa de eletrônicos Sharp, decidiu te como polo de importação para o mercado transferir duas grandes linhas de produção interno, até a década de 1990, sua quota de como resultado dessas novas oportunidades exportações atualmente ultrapassa 20%. Seus fornecidas pelo comércio internacional. Como principais destinos de exportação são os outros o diretor da Suframa coloca: países da América Latina e os Estados Unidos. 396 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano... Portos da Amazônia no sistema de transporte brasileiro econômico geral do Brasil desde a década de 1990, o baixo nível de tráfego de contêineres no Brasil contribui para o seu sistema de logística e transporte subdesenvolvido. Estes atuam como uma enorme restrição em relação Com mais de 7.400 quilômetros de litoral ao desenvolvimento econômico e comércio Atlântico, o sistema portuário brasileiro é ex- internacional. O Banco Mundial classifica o tenso e caracteriza-se por uma variedade de Brasil em 41º em sua referência internacional especializações de mercadorias, com apenas de Índice de Desempenho Global em Logística um grau limitado de conteinerização. Essa va- (Banco Mundial, 2010), principalmente devido riedade em especialização é, em grande parte, aos equipamentos antiquados e ao ineficiente causada pela variação urbana industrial e eco- planejamento do uso da terra, além da buro- nômica do país. O sistema portuário brasileiro cracia excessiva (para desembaraçar os contêi- pode ser classificado em quatro faixas distintas, neres na alfândega, por exemplo). Em relação ou conforme Notteboom (2009), em regiões de ao transporte em contêineres, o papel da Bacia acesso multiportuárias. Partindo do Norte para Amazônica ainda permanece limitado, mesmo o Sul, são elas (ver Figura 1): que o Porto de Manaus seja capaz de lidar com 1) Bacia Amazônica (Belém, Macapá, San- navios Panamax, bem como transportadoras tarém, Vila do Conde e, alcançando o interior, transoceânicas e navios de cruzeiro. É certo Manaus e Porto Velho); que quaisquer declarações sobre transporte em 2) Nordeste (Itaqui, Pecém, Recife, Sua- contêineres são restringidas por falta de dados pe, Salvador, Aratu e, em um futuro próximo, confiáveis, mas, de acordo com o governo do Ilhéus); estado do Amazonas (2009), o Porto de Ma- 3) Sudeste (servindo as megacidades Belo naus manipulou cerca de 350 mil TUE em 2008, Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba o que o classificaria como um dos dez maiores. por meio de portos primários como Santos, Se- No entanto, isso não é verificado por dados for- petiba, São Sebastião, Paranaguá, Vitória); necidos pela Associação Americana de Autori- 4) O extremo Sul: Santa Catarina/Rio Grande do Sul (Itajaí, Imbituba, São Francisco Sul, Porto Alegre, Rio Grande). dades Portuárias (American Association of Port Authorities – Aapa). Em termos de quantidade total de carga Os maiores portos de contêineres no (medida em milhões de toneladas), observa- Brasil, não surpreendentemente, ficam nas re- mos uma hierarquia diferente. Os principais giões econômicas centrais mais urbanizadas no portos são agora dominados por portos de sudeste e no extremo sul. Em geral, a contei- mineração especializados, como Itaqui, Se- nerização ainda não está muito desenvolvida petiba e Tubarão, propriedade da gigante de nos portos brasileiros e é muito dominada por mineração brasileira Vale. O Porto de Belém Santos (37% do tráfego de contêineres total do é o 10º porto mais movimentado do país em Brasil em 2008), o porto da potência econômi- termos de quantidade total de carga, em ca do Brasil: São Paulo. Apesar do crescimento grande parte devido ao tráfego de granéis Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 397 Wouter Jacobs et al. Figura 1 – O sistema de acesso multiportuário do Brasil Fonte: os autores (2011). sólidos. No entanto, grande parte do tráfego ao interior, está classificado em 8º lugar em pode ser desviada para as novas instalações relação ao tráfego de granéis líquidos (princi- da Vale na Ponta da Madeira. Outros portos palmente devido à localização da refinaria de principais são do setor de granéis líquidos. petróleo Reman) e o 10º em relação a carga Estes incluem os portos de óleo de São Sebas- em geral, com um total combinado de cerca tião, Angra dos Reis e Aratu. O porto de Ma- de 12 milhões de toneladas métricas de tráfe- naus, embora localizado 900 milhas náuticas go em 2008 (Aapa, 2010). 398 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano... Devido à falta de infraestrutura rodoviá- Manaus não tem um caminho direto que ligue ria e ferroviária, o transporte por barcaça conti- aos principais centros urbanos do Sudeste bra- nua a ser o mais importante meio de transpor- sileiro. Suas ligações rodoviárias são com Porto te nessa região remota. Na verdade, existem Velho (onde se conecta com as estradas para o muitos pequenos portos fluviais na Amazônia Sudeste), no sudoeste do Amazonas (BR-319) e que servem comunidades remotas. Manaus, em com a Venezuela, no norte (BR-174). A maioria particular, serve como o principal centro e mer- dessas estradas não é pavimentada, são estra- cado final para produtos agrícolas regionais, das de terra que não são confiáveis em condi- principalmente para peixe, banana, mandioca ções de chuva excessiva. e madeira (Neto et al., 2007). Em Manaus (ver As outras principais rotas de cabotagem Figura 2), o porto consiste em cais flutuantes são os portos brasileiros de contêineres de onde o Rio Negro e o Rio Solimões convergem carga geral de Pecém, Suape, Salvador, Sepe- no Rio Amazonas. Existem três operadores de tiba, Paranaguá, Santos e Rio Grande (Gover- porto principais ativos. O primeiro é a Autori- no do Estado do Amazonas, 2009). As liga- dade Portuária pública de Manaus, que tem ções de longa distância de Manaus são prin- cais flutuantes a montante e possui 94.923 m2 cipalmente com o Porto de Manzanillo (Pa- de terreno (Governo do Estado do Amazonas, namá), que serve como centro alimentador 2009). Ela também explora o terminal de cru- de importação dos componentes entregues zeiros. Mais a jusante, localiza-se o operador por serviços transoceânicos da Ásia por meio privado dos Superterminais, que possui 9.000 do Canal do Panamá. Além disso, o Aeropor- 2 m de espaço para armazenagem. O terceiro to Internacional Eduardo Gomes é o terceiro é o terminal privado do Porto Chibatão, que maior aeroporto de carga do país, com três 2 opera 17.600 m de espaço de armazenamen- terminais de carga. Um projeto de desenvolvi- to, além de 70.000 m2 de jardas de contêineres. mento de um grande porto privado (Porto das Ambos os operadores privados estão localiza- Lajes) foi colocado em espera em 2010, devi- dos diretamente ao sul da ZFM. Uma quarta do a preocupações dos ambientalistas sobre o 2 empresa, a Aurora Eadi, gerencia 9.000 m de impacto do projeto no “Encontro das Águas” espaço de armazenagem e 23.000 m2 de jar- (onde a água negra do Rio Negro e das águas das de contêineres (uma área aduaneira) den- marrons do Rio Solimões convergem), con- tro do próprio Polo Industrial de Manaus (ver siderada uma das atrações turísticas de Ma- Figura 2). A maioria dos produtos manipulados naus. Como resultado da indignação pública, é destinada ao PIM de Manaus e dele parte por o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico balsa para Belém, Santarém ou Porto Velho, de Nacional (Iphan) declarou o “Encontro das onde pode ser transportada por caminhão em Águas” um monumento nacional, suspenden- direção à região das megacidades, no Sudes- do efetivamente a licença de desenvolvimento te. Essa repartição modal específica é porque concedido pelo estado do Amazonas. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 399 Wouter Jacobs et al. Figura 2 – A Região Metropolitana de Manaus e a localização de seus portos e Zona Franca Fonte: os autores (2011). O operador de porto privado do Porto do Pará. O Porto público de Belém está locali- Chibatão também opera um terminal em Porto zado a oeste do centro da cidade, ao lado do 2 Velho e um armazém em Belém (22.600 m ). terminal de passageiros e do mercado de ali- Todas os portos no estado do Pará, incluin- mentos (ver Figura 3). Mais ao norte, é onde do Belém, são controlados pela Autoridade está localizado o terminal Porto Miramar, dedi- Portuária do Estado – Companhia das Docas cado a uma refinaria petroquímica. Ao norte do 400 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano... Figura 3 – A Região Metropolitana de Belém e a localização de seus portos Fonte: os autores (2011). aeroporto, há vários metros de madeira onde (para Suape e Recife). A sudoeste de Belém, do os troncos do interior da floresta são recolhi- outro lado da hidrovia, localiza-se o Porto de dos e tratados. A rota de acesso principal dos Vila do Conde. É também o local de uma gran- portos e da cidade é a Rodovia BR-316, que vai de mina e fundição de alumínio de proprieda- até São Luís e, eventualmente, se conecta com de da Alunorte, bem como outras empresas de a BR-230 (Rodovia Transamazônica) e a BR-232 alumínio (Alubar e Albras). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 401 Wouter Jacobs et al. Economia urbana do transporte de mercadorias em Manaus e Belém de Atividades Econômicas equivalente ao NAICS estadunidense, North American Industry Classification System): transporte rodoviário, transporte de mercadorias por água, transporte de mercadorias por ar e as atividades de supor- A fim de comparar as economias de Manaus te para o transporte de mercadorias. O trans- e Belém em relação ao transporte de merca- porte ferroviário não foi incluído, pois Belém e dorias relacionadas com a atividade, fizemos Manaus não são conectados a infraestruturas uso do quociente de localização (QL). O QL um ferroviárias. Listamos em seguida, tanto o nú- índice que mede a concentração relativa de mero de empresas quanto o número de em- atividade econômica dentro de um local, em pregados por atividade para Manaus e Belém, comparação com a quota nacional ou regio- bem como o total do Brasil (ver Tabela 2). In- nal da mesma atividade na economia global. cluímos também os totais de todos os serviços Como tal, o QL nos permite avaliar o grau de em geral, pois são os totais em que baseamos especialização econômica de um local em rela- nosso índice. ção à média nacional. Um QL > 1 implica uma O que fica imediatamente claro é o cres- especialização relativa de um local (dentro de cimento absoluto e relativo para a maioria das uma indústria específica) em comparação com atividades de transporte durante o período em a participação nacional, enquanto que um QL < questão. Para o Brasil como um todo, o número 1 implica uma sub-representação relativa. For- de empresas que operam no transporte de mer- malmente (QL ou LQ do inglês): cadorias cresceu em 134%, enquanto que o nú- Onde: mero de pessoas empregadas cresceu em 43%. LQ = Eij ____ Esse crescimento é mais forte no transporte Ej rodoviário e nos serviços de apoio. Em compa- Ei ____ ração com os serviços em geral, vale notar que Etotal o número de empresas cresceu mais (143% para o transporte versus 77% para serviços em Eij = emprego total no setor de transporte j na geral) do que o número de pessoas emprega- cidade i das (43% versus 75%). Isso pode sugerir que Ej = emprego total em transporte no setor j no o tamanho médio das empresas de transporte Brasil diminuiu em combinação com a desova de em- Ei = emprego total na cidade i presas novas, provavelmente dentro dos trans- Etotal = emprego total no Brasil portes rodoviários. Para esse cálculo, utilizamos dados do No entanto, vemos algumas diferen- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ças notáveis entre os diferentes subsetores e (IBGE) para dois anos de referência, 1996 e entre Manaus e Belém. Por exemplo, o maior 2006. Selecionamos as seguintes atividades crescimento entre as atividades de transporte organizadas em torno de códigos de indústria é rodoviário. Em Belém, o número de pessoas (CNAE, o sistema de Classificação Nacional empregadas no transporte rodoviário diminuiu 402 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano... Brasil e municípios Tabela 2 – Emprego e o número de empresas de transporte para Manaus e Belém, 1996-2006 Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) Brasil Número total de empregos Crescimento (%) 2006 1996-2006 1996 2006 3.475.735 6.144.50 77 23.604.292 41.388.183 75 73.927 181.339 145 1.022.927 1.368.014 34 Frete de transporte aquaviário 1.026 1.801 76 18.993 23.705 25 Frete de transporte aéreo 1.279 1.523 19 42.276 40.444 -4 28.054 59.105 111 199.208 401.991 102 104.286 243.768 134 1.283.404 1.834.154 43 15.215 28.974 90 173.902 422.030 143 Frete de transporte terrestre 295 729 147 8.992 19.549 117 Frete de transporte aquaviário 107 176 64 1.369 2.810 105 27 54 100 727 738 2 Atividade de apoio para o transporte 212 474 124 2.497 5.702 128 Transporte Total 641 1.432 123 13.585 28.799 112 15.358 23.280 52 252.574 340.814 35 202 276 37 7.545 6.797 -10 Frete de transporte aquaviário 86 120 40 1.771 2.094 18 Frete de transporte aéreo 23 38 65 636 361 -43 Atividade de apoio para o transporte 202 319 58 1.916 2.582 35 Transporte Total 513 753 47 11.868 11.834 0 Frete de transporte terrestre Atividade de apoio para o transporte Transporte Total Total geral de todos os serviços Manaus – AM Crescimento (%) 1996 Total geral de todos os serviços Frete de transporte aéreo Total geral de todos os serviços Frete de transporte terrestre Belém – PA Variável vs Ano Número de empresas locais 1996-2006 Fonte: compilado pelos autores a partir de dados do IBGE (2011). em 10%. Em geral, para Belém, vemos uma relativo e absoluto no número de empregados estabilização da parte da atividade de trans- e no número de empresas no setor dos trans- porte dentro da economia urbana em geral. portes. Quando comparamos os quocientes de Para Manaus e para o Brasil como um todo, localização de Belém e Manaus para o período, por outro lado, vemos um forte crescimento observamos um padrão distinto (ver Tabela 3). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 403 Wouter Jacobs et al. Tabela 3 – Quocientes de localização no transporte de mercadorias para Manaus e Belém 1996-2006 Quociente de Localização Empresas Emprego 1996 2006 1996 2006 Manaus 1,40 1,24 1,43 1,54 Belém 1,11 0,81 0,86 0,78 Fonte: compilado pelos autores a partir de dados do IBGE (2011). O que fica claro é que, em 1996, tanto Manaus quanto Belém eram relativamente especializadas em termos de empresas de Para uma nova assemblage urbana? transporte em relação à média nacional. Essa especialização é mais forte para Manaus do O Brasil está, no momento, enfrentando um que para Belém. Em relação ao número de em- novo boom de mercadorias, principalmente presas, vemos que, em 2006, os QLs diminuí- por meio da crescente demanda global por re- ram tanto para Belém quanto para Manaus. cursos como petróleo e gás, soja e novos pro- No caso de Belém, o transporte é sub-repre- dutos agrícolas (por exemplo, frutas de açaí). sentado em comparação com a média nacional Até que ponto as cidades de Manaus e Belém de 2006. Quando analisamos os empregos em estão passando por uma nova assemblage ur- atividades de transporte, vemos que Belém bana? Baseado em políticas contemporâneas era inferior à participação nacional, em 1996, e investimentos em infraestrutura, o caminho e que sua participação diminuiu ainda mais do desenvolvimento conjunto em movimento em 2006. Em contrapartida, para Manaus, a poderá favorecer mais Manaus do que Be- percentagem de pessoas empregadas nas ati- lém. Enquanto Manaus está se beneficiando vidades de transporte, comparado-se com a como o núcleo central para fluxos de merca- participação nacional, aumentou no período dorias, cruzando a Amazônia, Belém enfrenta de 1996 a 2006. Além disso, o aumento do a concorrência séria dos empreendimentos de QL no emprego em comparação a um declínio infraestrutura nas proximidades e corre o ris- do número de empresas em Manaus poderia co de ser ignorada por completo. Em 2006, o sugerir que o tamanho médio da empresa governo federal aprovou o Plano Nacional de tem aumentado ao longo dos anos – ou seja, Logística e Transporte (PNLT), a fim de facilitar menos empresas empregam mais pessoas na o crescimento econômico por meio de progra- atividade de transporte (contrastando com as mas de investimento em infraestrutura e refor- tendências nacionais). mas institucionais. 404 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano... Sob o PNLT, Belém está prevista para também em construção por meio da ferrovia ser conectada à ligação ferroviária Norte–Sul, Transnordestina, ligando-os com o tronco prin- que vai de Belém ao Porto de Rio Grande, no cipal ferroviário Norte–Sul, bem como com as extremo sul do Brasil. A ligação ferroviária já minas de minério de ferro de Carajás e as plan- está operando entre a estrada de ferro Carajás tações de soja no sul dos estados do Piauí e e Palmas, a capital do estado do Tocantins. Isso Maranhão. Ademais, ambos os portos estão en- permitirá a conexão de Belém com as minas de volvidos com grandes atores do setor privado minério de ferro no estado do Pará, bem como internacional de transporte e logística. A opera- com as principais plantações de soja, nos es- dora líder internacional Maersk Line tem insta- tados do Piauí e Maranhão. Apesar da ligação lações dedicadas em Pecém, através da sua di- ferroviária planejada, Belém atualmente deixa visão da APM Terminals. A Autoridade Portuária de atrair investimentos de infraestrutura do do Porto de Roterdam (no comando do maior setor privado. Além disso, o porto enfrenta res- e mais movimentado porto da Europa) tem o trições locacionais para expansão no local atu- contrato de gestão para desenvolver ainda al e seu terminal previsto provavelmente não mais o complexo industrial do Porto de Suape. será no local atual do porto, mas à sudoeste O último porto está atualmente sendo dragado da cidade, no Porto de Vila do Conde. Além dis- e expandido para facilitar a entrada de navios so, Belém está enfrentando a concorrência de maiores. Além disso, a fabricante internacional novos locais sendo construídos em toda a re- de automóveis Fiat está desenvolvendo uma gião. Na Ponta da Madeira (perto de São Luís), fábrica de automóveis nas proximidades do a Vale, gigante da mineração, atualmente está Porto de Suape. Por outro lado a Vale, a gigante modernizando as instalações dos terminais da mineração, tem planejado desenvolver um existentes e está planejando fazer de Ponta da centro de conhecimento para o desenvolvimen- Madeira seu maior centro de exportação até to sustentável. Em outras palavras, a Vale está 2015. Sua ligação férrea atual com as minas investindo no capital humano em Belém, e não do estado do Pará está sendo aprimorada para no hardware. transportar até 330 vagões com um custo de Em contraste com Belém, Manaus tem a R$4,5 bilhões, ou aproximadamente US$2,8 geografia e a política ao seu lado. Sua locali- bilhões (The Economist, 21/5/2011, pp. 53-54, zação dominante como entreposto de comér- 2011). Assim, grande parte do crescimento das cio interno na Amazônia protege Manaus das exportações de minério de ferro será acomoda- pressões vividas por Belém ao longo da costa, da em Ponta da Madeira em vez de em Belém. onde a concorrência é mais acirrada. Em 2010, Outra grande ameaça para Belém vem a gigante de petróleo e gás Petrobrás comple- de investimentos nos portos de Suape, per- tou o gasoduto ligando Uruçu a Manaus, ligan- to de Recife e Pecém, perto de Fortaleza. Em do Manaus aos principais campos de gás, 660 ambos os portos locais, a companhia nacional km a montante, permitindo explorar a fartura de petróleo e gás, a Petrobrás, está atualmente atual do produto. Além disso, Manaus foi sele- construindo grandes refinarias de óleo. Novas cionada como uma das cidades-sede da Copa ligações ferroviárias de ambos os portos estão do Mundo de Futebol da Fifa de 2014, o que Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 405 Wouter Jacobs et al. garante o apoio financeiro federal para moder- desmatamento ilegal, queimadas, mineração e nização de infraestrutura, incluindo o aeropor- caça. Aproximadamente 80% da área desma- to, o terminal de cruzeiros e a construção da tada na Amazônia está a 30 km de estradas primeira ponte sobre o Rio Amazonas. Manaus e rodovias oficiais (Barreto, 2005). Portanto, também vai, provavelmente, se beneficiar dos enquanto Manaus e o estado do Amazonas planos de governo para melhorar as ligações ainda têm os níveis mais baixos de desmata- com locais na Costa do Pacífico. Recentemen- mento em toda a Amazônia, a modernização te, por exemplo, o Peru concluiu a construção da Rodovia BR-319 Manaus–Porto Velho vai da Iniciativa para a Integração da Infraestrutu- ligar o estado do Amazonas com o chamado ra Regional Sul-americana (IIRSA) Estrada Sul, “arco do desmatamento” no estado de Rondô- chamada de Carretera Interoceánca (Bonaz e nia (Fearnside e Graça, 2006) e, no seu rastro, Urrunaga, 2008), ligando a cidade brasileira ainda mais cultivo em grande escala da maior de Assis Brasil (no estado do Acre) aos por- floresta do planeta. tos de Ilo e Matarani, no litoral sul do Peru. A IIRSA é um programa de desenvolvimento transnacional dos governos da América do Sul para estimular a integração dos sistemas Conclusões de infraestrutura. Isso irá, potencialmente, aumentar o status de centro de Manaus e Porto O Rio Amazonas tem sido, por séculos, a força Velho (conectados por meio do Rio Madeira), vital dessa região remota. As cidades de Ma- devido a sua ligação com os oceanos Atlântico naus e Belém prosperaram, como resultado e Pacífico e o sudeste do Brasil. Outro projeto do Ciclo da Borracha, apesar da sua localiza- em estudo é o corredor Manta–Manaus, ligan- ção adversa. Em referência a Hesse (2010), a do Manaus com o Porto de Manta, no Equa- “situação” se alterou conforme as cadeias de dor. Curiosamente, o operador de terminal produto de borracha foram reencaminhadas global HPH recebeu concessão em Manta, mas para o sudeste da Ásia, e as cidades não conse- desistiram pela segunda vez. Até o momento guiram se diversificar economicamente. Consi- que finalizamos este texto, esse plano parece derações políticas e geoestratégicas, no entan- mais politicamente conduzido do que baseado to, favoreceram o desenvolvendo de uma zona em uma análise econômica sólida. de livre comércio em Manaus desde o final dos Em relação ao meio ambiente, no en- anos de 1960. Assim, apesar do desfavorável tanto, a modernização da infraestrutura na “local” de Manaus, no interior, em comparação Amazônia tem um grande risco de ser acom- com a localização costeira de Belém, seu status panhada pelo crescente desmatamento. De como ZLC do Brasil garantiu uma “situação” acordo com Laurence e colaboradores (2001), superior, que, finalmente, deu suporte para o as obras de transporte são a principal fonte desenvolvimento econômico de Manaus. Atual- de desmatamento na Amazônia brasileira, mente, o Brasil vive um enorme crescimento pois elas fragmentam ecossistemas frágeis econômico, também em grande parte impul- e são frequentemente acompanhados por sionado pelos preços elevados das mercadorias 406 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano... internacionais. O crescimento atual é acompa- infraestrutura. Apesar de estar localizada per- nhado por enormes investimentos (públicos e to de importantes minas de minério de ferro e privados) em infraestrutura, bem como pelas plantações de soja no Pará e apesar dos planos reformas institucionais para estimular investi- do governo para investimento em ligações fer- mentos estrangeiros nos portos e modelos de roviárias, o porto de Belém não possui espaço governança portuária mais eficientes. para expansão e, atualmente, está perdendo Nesse contexto contemporâneo, pa- investimentos (estrangeiros) privados, os quais rece que Manaus é mais bem-sucedida na estão sendo feitos em outros locais no nordes- assemblage do local e situação, graças, em te. A falta de investimentos em infraestrutura parte, à sua zona livre de impostos apoiada industrial do porto em Belém, por outro lado, pelo governo federal. Além disso, Manaus e o seria uma bênção disfarçada, pois lhe permi- estado do Amazonas aproveitam ao máximo tirá ultrapassar a experiência de lock-in vivida seu status como ZLC, apoiada pelo governo fe- por muitas cidades portuária industriais. Em deral e como capital da Floresta Amazônica em relação a pesquisas futuras, é necessária uma marketing internacional, a fim de atrair investi- análise mais empiricamente informada “no mentos estrangeiros diretos. Paradoxalmente, é campo” em duas questões. Primeiro, a pes- exatamente o seu “local” no interior da flores- quisa precisará focar nas correntes e fluxos de ta Amazônica que oferece a Manaus e ao esta- mercadorias específicas que se movem por Be- do do Amazonas um ponto de venda exclusivo lém ou Manaus e de lá para o mercado global. para negócios internacionais, garantindo-lhes Um desses produtos, que atualmente “cartões verdes” para operações sustentáveis. está sendo planejado para um estudo mais A ZFM está desfrutando de atualizações para aprofundado dos autores (sob o projeto novas cadeias de valor agregadas como telas Golls – Governance of Labour and Logistics de LCD e aparelhos de telefone celular. Por ou- for Sustainability ) é o fruto do açaí (Pegler, tro lado, o status de ZLC deixa Manaus bastan- 2011). Nativo da Amazônia, o açaí atualmen- te dependente de incentivos fiscais do governo te tem sido introduzido com êxito em sucos e federal. O que é mais importante, apesar de o produtos lácteos nos mercados de exportação governo afirmar que a concentração do cresci- (por exemplo, os produtos lácteos da gigante mento de Manaus preservou 96% das reservas da Holanda Friesland Campina tornou-se um de floresta nas proximidades, ainda se pode grande comprador da fruta do açaí no desen- questionar se a promoção do crescimento em volvimento de novas linhas de produtos), man- um local tão remoto é realmente sustentável. tendo, ainda, a produção de pequena escala e A história ensina que a modernização da infra- a inclusão de apenas mão de obra local. Uma estrutura na Amazônia muitas vezes anda de maior análise da cadeia de abastecimento glo- mãos dadas com o desmatamento e o cultivo bal da fruta do açaí, de seu cultivo na Amazô- de terras em grande escala. nia até o seu consumo, deve focar, em espe- A assemblage em Belém parece ser cial, em uma crítica de compreensão da sus- mais restrita, pelo menos em relação ao de- tentabilidade da cadeia (em termos de condi- senvolvimento de atividades de transporte e ções de trabalho e meio ambiente), dos locais Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 407 Wouter Jacobs et al. de criação de valor, captura e governança den- de uma única capital, Belém ( The Economist, tro dessas cadeias e do papel que desempe- 12/3/2011, pp. 49-50). Uma interpretação di- nham os processos logísticos. A segunda linha ferente poderia ser que interesses dependen- de investigação tem que lidar com o desenvol- tes de recursos, de minério de ferro e de soja vimento de uma compreensão empírica que estão empurrando uma reforma administrativa chamaríamos de política de assemblage, que e territorial, exatamente para garantir suas ri- é o acoplamento estratégico por atores par- quezas econômicas. ticulares dos fatores de “local” e “situação”. Nesse contexto, a região Amazônica Em tal perspectiva, precisamos estudar empi- é uma região que precisa ser mais bem com- ricamente os aspectos estratégico-relacionais preendida, pois ela é um dos recursos naturais da assemblage dentro dessas duas cidades e mais preciosos do mundo. Enquanto a moderni- como os atores que operam em várias escalas zação da infraestrutura fornece oportunidades protegem seus interesses. O interessante nes- econômicas, a Amazônia também é uma área se contexto de governança territorial é que, no sob grande pressão de desenvolvimento insus- estado do Pará, no momento em que escrevía- tentável e exploração capitalista. Para nós, a mos este trabalho, iniciativas parlamentares melhor maneira de ajudar a sua preservação é foram tomadas para dividir a estrutura política constantemente avaliar o seu desenvolvimen- e administrativa do Estado em três. Ostensiva- to e criticamente se envolver em investigações mente, isso decorre de problemas de controle que apoiem o desenvolvimento verdadeira- eficaz do governo sobre um território vasto mente sustentável. Wouter Jacobs Pesquisador sênior do Institute of Transport & Maritime Management Antwerp da University of Antwerp. Antuérpia, Bélgica [email protected] Lee Pegler Docente de Organização e Direitos Laborais do International Institute of Social Studies (ISS – The Hague) da Erasmus University. Roterdam, Países Baixos. [email protected] Manoel Reis Professor de Logística e Supply Chain, coordenador do CELog – Centro de Excelência em Logística e Supply Chain da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas. São Paulo/SP, Brasil. [email protected] Henrique Pereira Professor adjunto do Centro de Ciências do Ambiente da Universidade Federal do Amazonas. Manaus/AM, Brasil [email protected] 408 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano... Referências AMERICAN ASSOCIATION OF PORT AUTHORITIES (AAPA) (2009). Ports Sta s cs online- Brazilian Port Traffic. Disponível em: h p://www.aapa-ports.org/Industry/content.cfm?ItemNumber=900&na vItemNumber=551. Acesso em: maio 2010. ______ (2010). Esta s cas Portuárias online- Tráfico dos Portos Brasileiros 2009. Disponível: h p:// www.aapa-ports.org/Industry/content.cfm?ItemNumber=900&navItemNumber=551. Acesso em: maio 2010. BARHAM, B. L. E COOMES, O. T. (1994). 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Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 389-410, jul/dez 2013 A origem do caos – a crise de mobilidade no Rio de Janeiro e a ameaça à saúde urbana The origin of chaos – the mobility crisis in Rio de Janeiro and the threat to urban health Renato Gama-Rosa Costa Claudia G. Thaumaturgo da Silva Simone Cynamon Cohen Resumo Este artigo versa sobre a mobilidade urbana e suas consequências na saúde urbana. Pretende igualmente apresentar pesquisas recentes sobre o tema e as razões históricas que transformaram o automóvel no principal meio de transporte brasileiro, ao menos para as classes mais favorecidas, em detrimento dos transportes públicos, utilizados pela grande massa de trabalhadores. O uso excessivo do automóvel compromete a qualidade do ar, que, somado ao estresse, à vibração e ao ruído, atinge a saúde e a qualidade de vida da população exposta aos transtornos causados pelos longos engarrafamentos. No Rio de Janeiro, esse fenômeno atinge uma etapa delicada, no momento em que se prepara para ser sede da Copa de Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Abstract This article approaches urban mobility and its consequences to urban health. In addition, it presents recent studies about the subject and the historical reasons that have transformed the automobile into the main Brazilian means of transport, at least to the higher classes, to the detriment of public transport, used by the great mass of workers. The excessive use of automobiles affects air quality, and this, added to stress, vibration and noise, damages the health and the quality of life of the population that is exposed to the problems caused by long traffic jams. In Rio de Janeiro, this phenomenon has reached a delicate stage, in the moment that the metropolis is preparing itself to receive the 2014 World Cup and the 2016 Olympic Games. Palavras-chave: mobilidade urbana; saúde urbana; saúde ambiental; meios de transporte; Rio de Janeiro. Keywords : urban mobility; urban health; environmental health; means of transport; Rio de Janeiro. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013 Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva, Simone Cynamon Cohen Introdução com isso isolar determinada categoria, uma vez que os próprios atores participavam indistintamente de uma e de outra. Pode-se dizer que, in- A cidade do Rio de Janeiro vive, hoje, uma cri- dependentemente do grupo de atores envolvi- se em sua mobilidade urbana, que representa dos, os discursos para a implementação de um uma ampla ameaça à saúde e à qualidade de projeto nacional visando à abertura de rodovias vida de seus habitantes. O uso excessivo de tiveram sempre um cunho progressista, con- automóveis e demais veículos automotores, fiando ao automóvel o papel de integrador e movidos, em sua maioria, a combustíveis fós- de portador do progresso à nação, iniciado com seis, comprometem a qualidade do ar urbano a chegada dos primeiros veículos automotores com emissões de gases e material particulado ao Brasil. Ao longo do século XX, essa confian- na atmosfera. Tais efeitos, somados aos relati- ça nos automóveis levou a um lento e gradual vos ao estresse, à vibração e ao ruído, atingem desmantelamento da malha ferroviária. Hoje, a saúde e a qualidade de vida da população, as cidades brasileiras dependem basicamente sobretudo da parcela mais exposta aos trans- das rodovias como vias de transporte nacional tornos causados pelos longos e, cada vez mais e urbano. A cidade do Rio de Janeiro não é di- frequentes engarrafamentos. ferente, possuindo um sistema de trens urbanos Este artigo coloca em debate a mobilida- e metropolitanos muito aquém de suas necessi- de urbana e suas consequências na saúde ur- dades. Parece-nos, de fato, extremamente rele- bana. Pretende igualmente apresentar pesqui- vante entender assim as razões históricas e os sas recentes sobre o tema e as razões históricas grupos sociais que fizeram dos veículos sobre que transformaram o automóvel no principal rodas o principal meio de locomoção brasileiro. meio de transporte brasileiro, ao menos pa- Identificamos duas categorias profis- ra as classes mais favorecidas, em detrimento sionais de relevância para as questões pro- dos transportes públicos, utilizados pela grande postas: os políticos, aqui representados pelos massa de trabalhadores, que vivem uma crise administradores e a ação dos órgãos públicos, proporcionada pela falta de recursos em con- e os técnicos, abrangendo os engenheiros e servação e investimentos. No Rio de Janeiro, urbanistas. De forma similar, a identificação esse fenômeno atinge uma etapa delicada, no desses grupos foi objeto de textos de Dinhobl momento em que a cidade se prepara para ser (2003), Flonneau (2003a e 2003b), Barles e sede da Copa de Mundo de Futebol, em 2014, Guillerme (2003), reconhecendo, nos engenhei- e das Olimpíadas em 2016. Quais são as im- ros e sanitaristas, primeiramente, e depois nas plicações do processo do crescimento urbano autoridades públicas e nos arquitetos e urba- sobre a saúde? nistas, as categorias profissionais a se preo- À luz das conquistas da nova história, a cuparem com as questões do tráfego urbano, identificação dos atores e instituições que par- decorrente às vezes do processo de industriali- ticiparam do processo de circulação dentro e zação, mas inquestionavelmente impulsionado fora das cidades, durante a primeira metade do pela revolução tecnológica e industrial na Euro- século XX, nos parece desejável. Não queremos pa e nos Estados Unidos. 412 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013 A origem do caos Automóvel: o mal necessário de nossas cidades nível mundial, dos bondes elétricos. Esse período é igualmente marcado pelos constantes engarrafamentos urbanos e pelo início, já nessa época, dos consequentes estudos sobre os efei- Estudos sobre o automóvel e a cidade costumam identificar alguns períodos comuns sobre a evolução desse transporte no meio urbano. Essa periodização foi levantada por MacShane (1984) e por Barles e Guillerme (2003). O primeiro autor separa em quatro etapas a presença do automóvel nas cidades norte-americanas, que se inicia em 1894, ano do surgimento do primeiro veículo com motor à explosão nos Estados Unidos, e vai até 1905-1906. Nesse primeiro momento, o automóvel aparecia como uma curiosidade tecnológica reservada às classes mais abastadas, e o poder público, salvo tos desastrosos do automóvel para as cidades. Barles e Guillerme (2003) separam a periodização em quatro momentos e confirmam alguns períodos adotados por MacShane. O primeiro período estudado pelos pesquisadores franceses estaria relacionado à evolução do transporte urbano como um todo, iniciando por volta de 1820/1830 –, e que corresponderia às primeiras ações em relação à pavimentação e a calçamentos, ao aparecimento dos ônibus e bondes puxados à tração animal, das bicicletas, etc. Em Paris, os autores destacam que esse período estaria especialmente identificado à leis pontuais de limitação de velocidade e de atuação dos engenheiros da École des Ponts et algumas instruções de segurança, não demons- Chausées, iniciada ainda no século XVIII. trava estar muito atento a uma nova realidade que se colocava. O segundo período, entre esses anos e 1914, está identificado com a fabricação em série de automóveis, desenvolvida por Henry Ford, que vai acarretar de imediato o progressivo barateamento do preço dos veículos e ajudá-lo a se tornar mais popular, embora ainda ligado ao lazer urbano. Em consequência, surgem os primeiros engarrafamentos nas cidades, o que, por sua vez, desencadeia uma série de legislações urbanas específicas para o automóvel na cidade. O terceiro período está delimitado pelos anos de 1914 e 1923, quando se torna fato a O segundo momento estaria associado aos anos de pioneirismo do automobilismo, ao surgimento das primeiras leis de trânsito e a uma competição econômica entre as rodovias e as ferrovias. Esse período inicial para a história do automóvel moderno vai do ano do seu surgimento, que varia de país para país, mas que se situa entre 1897 e 1900, indo até as primeiras duas décadas do século XX. Por volta dos anos 1880, a questão das diferenças entre os tipos de vias locais já ganhara a atenção de diferentes atores no campo técnico, seja pelas razões de circulação, higiene e embelezamento ou pela própria diversidade crescente dos meios de transporte presença do automóvel na cidade e este passa e locomoção. Soria y Mata, para sua Ciudad a ser o principal meio de transporte urbano nas Lineal (1882/1913), previu um grande eixo, cidades norte-americanas. Finalmente, os anos de 1923 a 1940 delimitam o último período, onde se tem o início da lenta desativação, em Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013 com larguras de quarenta, sessenta ou cem metros. Essa grande rua, plantada com quatro, seis, oito ou mais fileiras de árvores, teria 413 Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva, Simone Cynamon Cohen espaços separados para automóveis, bicicle- articulava-se com a “canalização” de todo o ti- tas, veículos de tração animal, bondes elétri- po de elemento associado a uma cidade sadia cos e pedestres. Os comprimentos dessas vias e moderna, desde o ar puro e a água potável, não foram definidos a priori, mas, para romper até os meios de comunicação, como o telégrafo a uniformidade, de tempos em tempos, Soria e o telefone. Essas associações desenvolvidas y Mata (1882/1913, p. 12) previu que fossem por Hénard nos levam a perceber que, nesse [ ... ] colocadas praças espaçosas e graciosas – circulares, elípticas ou poligonais – ornadas com fontes decorativas e floridas, monumentos comemorativos como esculturas, obeliscos, etc. momento, as vias urbanas, ruas e avenidas ainda estão vinculadas a um pensamento higienista e sem uma nomenclatura definida. A partir de uma visão cientificista e classificatória, Hénard divide as ruas em seis A cada trezentos metros, deveriam tam- categorias: doméstica, profissional, econômi- bém ser instaladas o que o engenheiro chama- ca, mundana, ferial e popular. Os dois tipos de va de estações de conforto, ou seja, quiosques circulação que mais preocupavam o urbanista com banheiros, postos de polícia, cabines tele- francês eram a “econômica” e a “mundana”, fônicas, painéis de avisos, um ponto de espera por constituírem a essência da vida das cida- do bonde, etc. (ibid.). des e por provocarem os maiores movimentos Uma análise da Enciclopédia de Higiene de veículos. Hénard considerava ainda que es- e de Medicina Pública (1897) nos assinala ou- tes tipos de circulação seriam mais fortemente tras pistas a serem exploradas, nesse período transformados pelo progresso do ciclismo e do de inovações e hesitações quanto às especi- automobilismo e iriam, em breve, subverter a ficidades que deveriam designar as vias, suas disposição das vias públicas, provocando a dimensões (largura e comprimento), seus tra- criação de novas avenidas, associadas à velo- çados, suas funções, em suma. No segundo cidade dos novos meios de transporte (Hénard, capítulo da parte dedicada à higiene urbana, 1982/1909, p. 186). Nesse sentido, o automóvel grandes vias deveriam ser genericamente de- aparecia em seu estudo como o único meio de nominadas artérias, ou seja, um meio de cir- locomoção capaz de assegurar a plena circula- culação que precisaria ser mantido cômodo e ção de uma grande capital. seguro, e deveriam expressar as reservas de ar Nos Estados Unidos, a preocupação e saudável das cidades e a oferta aos habitan- tematização das vias públicas locais parecem tes de locais para passeios agradáveis e para a ter surgido também em meados do século prática de exercícios. XIX, com os projetos do paisagista Frederick No início do novo século, o francês Law Olmsted, cuja primeira obra foi para o Eugène Hénard (1849-1923) se preocuparia Central Park, em 1857. Olmsted acreditava com o tráfego da cidade de Paris, pois acredita- na importância dos parques públicos para a va que, em poucos anos, se nada fosse feito, saúde e para a recreação, e buscou preservar a questão poderia acarretar as maiores difi- o caráter bucólico do Central Park, impedindo culdades da vida nas grandes metrópoles. Na a abertura de suas avenidas para o transporte verdade, a circulação nas cidades, para Hénard, público, favorecendo o acesso rápido e livre do 414 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013 A origem do caos transporte individual. Logo, outras vias iguais mostram não apenas as novas preocupações a essa seriam abertas. Nascia, assim, a ideia do arquiteto franco-suíço, mas também como de parkway, um tipo de via na qual as ideias o tema havia se popularizado entre 1909, data de recuperação de uma natureza selvagem da divulgação das ideias de Hénard, e 1925 – e ou da experiência de um refúgio romântico ano da publicação de Urbanismo, isto é, em se opunham a formas, às vezes consideradas apenas 15 anos (Le Corbusier, 2000, p. 118). “cruéis”, de desenvolvimento urbano (Dupuy, 1991, p. 123). A partir de 1920, já não são apenas esportistas ou fabricantes que se sentem inte- O terceiro período das relações en- ressados pelo automobilismo e pelo o que o tre o automóvel e a cidade, segundo Barles e automóvel trazia com ele. A velocidade e a mo- Guillerme (2003), está balizado entre a Primei- bilidade agora resumiam o próprio progresso ra e a Segunda Guerra Mundial, mais preci- alcançado pela sociedade moderna. Para mui- samente entre 1920 e 1939, e corresponderia tos urbanistas, a partir de então, a velocidade ao momento de consolidação das indústrias seria um dos temas recorrentes em seus discur- automobilísticas, sobretudo nos Estados Uni- sos. Le Corbusier, por exemplo, sugeria que se dos, e do desenvolvimento dos planos de re- interditasse a circulação das viaturas a cavalo modelação urbana encomendados pelos pode- e de baixa velocidade nas vias principais; que res públicos, onde aparecem em destaque as se separasse as demais vias entre circulação rá- questões relacionadas à circulação viária nas pida e lenta; que se adotasse o sentido de mão cidades. Nesse período, dar-se-ia igualmente a única para determinadas vias; que se regulasse vitória do automóvel e do ônibus sobre os trens o estacionamento; e que se retirasse os bondes e os bondes. O último período englobaria o fim do centro de Paris. Num crescendo, ele chegaria da Segunda Guerra até os dias de hoje, mos- a afirmar que: “A cidade que dispõe da veloci- trando que o automóvel particular é o meio de dade dispõe do sucesso” (ibid., p. 180). transporte urbano por excelência e um mal necessário para nossas cidades. Pode-se dizer que nesses anos são lançadas as bases do urbanismo moder- Entre 1922 e 1925, é possível verificar no que seguiriam quatro postulados bási- como o tema do automóvel havia conseguido cos, já anunciados em congresso realizado adeptos, também em outras fontes de época. em Estrasburgo no ano de 1923, o Congrés De fato, nas manchetes dos jornais parisienses International de l’Urbanisme et Higiène do ano de 1923, separadas por Le Corbusier e publicadas em seu livro Urbanismo, grande parte é dedicada ao tema da circulação automobilística. Artigos de jornais, como “Aprendamos a circular”, “Os veículos no teto”, “O Urbanismo”, “Para evitar o congestionamento”, “m cavalo para mil cavalos-vapor”, transcritas justamente dentro do subcapítulo A Circulação, Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013 Municipale. Le Corbusier resumiria esses postulados em seu livro: Descongestionar o centro das cidades para fazer frente às exigências do trânsito; aumentar a densidade do centro das cidades para realizar o contato exigido dos negócios; aumentar os meios de circulação, ou seja, modificar completamente a concepção atual de rua, que se acha 415 Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva, Simone Cynamon Cohen sem efeito ante o fenômeno novo dos meios de transporte modernos: metrôs ou carros, bondes, aviões; aumentar as superfícies arborizadas, único meio de assegurar a higiene suficiente e a calma útil ao trabalho atento exigido pelo ritmo novo dos negócios. (Ibid., p. 91) Nosso estudo escolheu alguns anos como os momentos chave do arco temporal adotado, por entender serem eles marcos importantes para o desenvolvimento das questões propostas. Seriam eles os anos de 1906-1907, 19261927, 1937-1939, 1945-1947 e 1954, que de- Percebemos o quão problemático estão nossas cidades hoje que enfrentam retenções finem, assim, períodos de continuidade entre momentos de ruptura. quilométricas nos tráfegos urbanos e o quanto O ano de 1906 marca o final da gestão ficou distante esse ideal proposto por Corbu- de Francisco Pereira Passos na prefeitura da sier, há noventa anos. A velocidade de nossos cidade do Rio de Janeiro. Sua administração e automóveis está mais próxima da das mulas, o decisivo conjunto de iniciativas do governo animal tão execrado por Corbusier, por associá- federal implementaram obras que dariam à -lo à uma época pouco civilizada de nossas so- capital do país diretrizes para a formação da ciedades modernas. infraestrutura urbana, sobretudo viária, a qual ainda permanece até os dias de hoje. Nesse mesmo ano, foi pensada pelo Barão do Rio Antecedentes do caso brasileiro Branco a primeira viagem com o uso do automóvel entre o Rio e Petrópolis com o intuito de hospedar autoridades em visita à capital brasileira por ocasião da exposição internacional De forma semelhante, Benetti (1997) identi- de 1908. fica uma cronologia relacionada às avenidas O ano de 1906 marca, assim, o início brasileiras, separando os períodos de 1830 das questões em torno tanto da melhoria da a 1906, de 1906 a 1926, de 1926 a 1940, de circulação interna da cidade, a partir das pri- 1940 a 1969 e, finalmente, de 1969 a 1999. meiras leis de tráfego urbano, quanto da aber- Grosso modo, o primeiro momento, de acordo tura de rodovias. Em 1907, o fato de a capital com o próprio autor, estaria ligado às ques- federal possuir 35 automóveis motivou a cria- tões tratadas pelo higienismo em relação às ção da instituição associada ao desenvolvi- vias públicas; o segundo teria nas cidades de mento do rodoviarismo brasileiro: o Automó- Paris e Viena fontes de inspiração para a rea- vel Club do Brasil. Ele seria o responsável pela lização de planos urbanos; o terceiro estaria organização dos primeiros congressos brasi- associado às ideias e aos estudos da Société leiros de estradas de rodagem, iniciados em Française des Urbanistes ; o quarto, às reco- 1916, onde se discutiram, entre outras coisas, mendações do Congresso Internacional de a abertura de um caminho rodoviário para Pe- Arquitetura Moderna (CIAM), aos estudos de trópolis. Esse primeiro marco temporal nos re- Le Corbusier e à construção de Brasília; e o úl- vela, então, como essas questões apareceram timo, ao contextualismo. nos projetos dos urbanistas da época, inclusive 416 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013 A origem do caos nos de Pereira Passos. Esse engenheiro havia do projeto de urbanização do Bairro Industrial trabalhado na Comissão de Melhoramentos da de Manguinhos; do Plano de Remodelação, Cidade de Rio de Janeiro, em 1875, quando a Extensão e Embelezamento para a cidade do organização de um plano geral de alargamen- Rio de Janeiro, a cargo de Agache; da criação to e retificação de vias com fins higienistas ca- do Club dos Bandeirantes – clube ligado às minhava ao lado das propostas de embeleza- questões de integração do território nacional, mento da cidade. Essas questões, sem dúvida, inclusive fazendo uso das rodovias; da criação seriam retomadas nas obras por ele realizadas da Diretoria de Estradas de Rodagem de São entre 1903 e 1906, revelando esse compromis- Paulo, primeiro órgão rodoviário brasileiro; e so higienista. da criação, pelo governo federal, da Comissão De 1925 a 1940 é o período em que o automóvel se revela o meio de transporte urba- de Estradas de Rodagem Federal, cujo primeiro trabalho foi justamente abrir a Rio-Petrópolis. no por excelência para os norte-americanos, ao Em 1937, tem início o Estado Novo, mesmo tempo que as avenidas se desenvolvem com Getúlio Vargas, que havia sido ministro para se tornarem as primeiras autoestradas ur- de Washington Luís. Vargas vai continuar, e banas modernas. Coincide, assim, com a época mesmo incrementar, os projetos rodoviaristas das importantes vias de penetração nos cen- iniciados por seu antecessor. Ainda em 1937, tros das cidades, justamente o período em que inicia-se igualmente a gestão de Henrique se estudam, no Brasil, as novas Rio-Petrópolis Dodsworth na prefeitura do Rio de Janeiro. Tal e Rio-São Paulo. Até 1940, tem-se o sucesso ano marca, ainda, o ano da criação do DNER, das autoestradas americanas, desencadeando órgão responsável direto pelo controle e de- projetos específicos para essa nova rede viária senvolvimento das obras de aberturas de es- e os parkways, que no Rio de Janeiro daria ori- tradas brasileiras, e, no ano de 1939, as obras gem às vias do Parque do Flamengo e à do Rio da variante Rio-Petrópolis, futura avenida Bra- Faria-Timbó (não construída). sil, têm início. Em 1926, se inicia o governo de Em 1945, ocorre o fim do Estado Novo Washington Luís na presidência da República, e o início do período da redemocratização bra- último governo da chamada República Velha. sileira. Nesse ano, o DNER tem sua estrutura Sua presidência coroaria uma sólida carreira interna reorganizada pelo Decreto-lei n. 8.463, política baseada no rodoviarismo, iniciada dando origem ao Fundo Rodoviário Nacional. ainda em 1908, como secretário de Justiça e Em 1947, tem-se a inauguração do último tre- Segurança Pública do Estado de São Paulo. cho da já denominada Avenida Brasil, no go- Washington Luís desenvolveria sua ascensão verno de Eurico Gaspar Dutra, justamente o política assumindo mandatos sucessivos de de- correspondente à região de Manguinhos. Três putado estadual, prefeito e governador de São anos depois, o mesmo Dutra inicia as obras de Paulo, ao mesmo tempo que participava da di- sua duplicação. O ano de 1954 é marcado pelo retoria do Automóvel Club do Brasil. Os anos de suicídio de Getúlio Vargas e representa o início 1926 e 1927 marcam o início dos projetos e das de um período conturbado, onde em menos de obras da Rio-Petrópolis, inaugurada em 1928; um ano e três meses, três presidentes assumem Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013 417 Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva, Simone Cynamon Cohen a República brasileira, até a eleição que dá pos- considera os períodos anteriores como intro- se a Juscelino Kubitschek, cujo governo está dutórios desse processo. Ele baseia suas aná- associado à consolidação das ações rodovia- lises em dados estatísticos, incluindo os inves- ristas e à montagem do parque automobilístico timentos em redes de infraestrutura urbana, brasileiro, com a Ford e a Volkswagen, que, em realizados no período que vai de 1938 a 1998. 1953, já haviam inaugurado fábricas em terri- O privilégio da rede viária, no seu entender, tório brasileiro. dava-se por ser mais visível à população, cor- Todos esses eventos convergentes fazem respondendo melhor aos interesses políticos. desses anos um momento de acirramento dos Tais investimentos ocasionaram uma debates sobre a forma e a expansão da cidade, predominância do meio de transporte sobre ocorridos par e passo com o desenvolvimento rodas em relação aos demais. Segundo o IPEA do rodoviarismo, culminando em uma nova (2011), nas grandes cidades os meios de trans- representação de cidade associada ao auto- portes mais utilizados são o ônibus (44%), o móvel, sem perceber o quanto essa associação carro (23,8%), a moto (12,6%) ou mesmo a poderia, um dia, ser tão prejudicial à saúde hu- pé (12,3%). Os resultados são apresentados mana e ambiental. como média nacional e é feita a divisão entre as cinco regiões, detalhados na Tabela 1. Ao aprofundar a análise por região, percebe-se que na região Nordeste, por exemplo, A mobilidade urbana: a situação atual o uso de motos equivale a 19,4%, e o transporte a pé a 18,8%. Apenas 13% usam o carro para locomoção na cidade. No Centro-Oeste, o Da década de 1950 em diante, há uma for- uso de carro é o maior das cinco regiões, com te predominância do transporte sobre rodas 36,5% da população utilizando esse meio de (automóveis e ônibus) e um lento desman- transporte e apenas 6,5%, utilizando moto. telamento da malha ferroviária. Kleiman Também são apresentados dados cruzando o (1994) reconhece o grande investimento em tipo de transporte e o nível de escolaridade, redes viárias, feito a partir dos anos 1950, e conforme mostrado no Tabela 2. Tabela 1 – Meio de transporte por região (%) Brasil Sul Sudeste Centro-Oeste Nordeste Norte Transporte público (ônibus) 44,3 46,3 50,7 39,6 37,5 40,3 Carro 23,8 31,7 25,6 36,5 13,0 17,6 Moto 12,6 12,4 11,6 6,5 19,4 8,2 A pé 12,3 7,6 8,3 13,7 18,8 16,1 Bicicleta 7,0 2,0 3,8 3,7 11,3 17,9 Fonte: Ipea-Sips (2011). 418 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013 A origem do caos Tabela 2 – Tipo de transporte e nível de escolaridade (%) Até 4ª série do 1º grau Transporte 5ª a 8ª série do 1º grau 2º grau completo ou incompleto Superior incompleto, completo e pósgraduação Bicicleta 9,1 9,3 5,8 0,5 A pé 6,7 14,3 16,4 11,8 Moto 20,7 10,9 8,9 5,9 Carro 13,6 18,6 25,9 52,4 Transporte público 49,9 46,9 43,0 29,4 Fonte: Ipea-Sips (2011). Pela Tabela 2 pode-se observar que 52,4% da população com nível superior completo ou público (entre 43% e 49,9%), enquanto que apenas 13,6% utilizam o automóvel. incompleto e com pós-graduação utilizam car- Outro fator levantado na pesquisa do ro e 29,4% utilizam o transporte público. Para Ipea, e que nos interessa analisar é em relação as pessoas com escolaridade a partir da 4ª sé- à integração utilizada pelo cidadão no dia a rie até o segundo grau, o uso majoritário é o dia (Tabela 3). Tabela 3 – Tipo de integração utilizada no dia-a-dia (%) Brasil Sul Sudeste Centro-Oeste Nordeste Norte Não existe em minha cidade 26,3 33,7 19,0 21,3 23,3 55,6 Não usa, apesar de existir 27,5 14,7 37,0 17,3 24,5 22,0 Ônibus-ônibus 33,2 42,6 25,2 32,3 49,8 21,1 Ônibus-metrô 4,9 4,2 9,2 0,8 0,8 0,8 Ônibus-trem 1,1 0,5 2,4 0,0 0,0 0,0 Trem-metrô 0,9 0,0 1,9 0,8 0,0 0,0 Outro tipo 0,8 0,0 1,3 2,4 0,0 0,0 Não sabem 0,7 0,0 0,9 2,4 0,4 0,0 Não responderam 4,5 4,2 3,0 22,8 1,2 0,0 Fonte: Sips (2010). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013 419 Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva, Simone Cynamon Cohen Na Tabela 3 foi observado que 55% dos metrô, com quase 10% dos casos. A integração entrevistados da região Norte alegaram que entre ônibus e trem é quase inexistente em to- não há integração na cidade que residem. Na das as regiões, como podemos observar, o que região Sudeste, 37% dos entrevistados revelou confirma a preferência pelo transporte sobre não usar o serviço de integração, mesmo com rodas e com motor a combustão, mais poluente. sua existência. A região Sul aparece com o me- O motivo do deslocamento também foi nor percentual, 14,7%. Entre os tipos de inte- pesquisado, conforme a Tabela 4, confirman- gração mais utilizados, o primeiro é o ônibus- do que o maior motivo de deslocamento para -ônibus, com uma média nacional de 33,2%, e 72,2% das pessoas com ensino superior in- com as regiões Nordeste e Sul como as que mais completo, completo ou pós-graduação ainda é utilizam – 49,8% e 42,6%, respectivamente. o trabalho. A região Sudeste é a que mais utiliza o ônibus As características de um bom transporte juntamente com outro tipo de integração, o estão detalhadas na Tabela 5. Tabela 4 – Razão para a maioria dos deslocamentos dentro de sua cidade segundo a escolaridade (%) Escolaridade/Motivo Trabalho Educação Saúde Lazer NS/NR Até 4ª série do primeiro Grau 51.1 1.7 23.3 20.0 4.0 de 5ª a 8ª série do primeiro Grau 67.0 2.3 8.2 17.6 4.9 Segundo Grau completo ou incompleto 69.3 6.2 4.1 17.3 3.1 Ensino superior incompleto ou completo ou pós-graduação 72.2 10.7 2.9 10.4 3.7 Fonte: Ipea-Sips (2011). 420 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013 A origem do caos Tabela 5 – Quais as características para um bom transporte Motivos Brasil Sul Sudeste Centro-Oeste Nordeste Norte Ter disponível mais de uma forma de se deslocar 13.5 18.3 18.1 7.2 10.2 5.8 Ser rápido 35.1 31.2 36.9 36.8 38.5 25.5 Sair num horário adequado à sua necessidade 9.3 11.5 8.0 7.2 10.8 9.4 Chegar no horário desejado a seu destino 4.8 5.6 5.3 2.8 5.5 2.7 Ser saudável 1.3 0.5 0.9 1.3 2.1 1.8 Poluir pouco 2.3 0.7 2.1 1.3 3.6 3.3 Ser barato 9.9 8.5 8.6 13.4 10.7 11.2 Ser confortável 9.7 7.8 7.6 10.6 10.5 16.4 Ter menor risco de assalto 2.3 1.5 1.3 2.5 1.9 7.0 Ser fácil de usar 1.2 1.5 0.7 0.9 1.5 2.4 Ter menor risco de acidente 4.2 4.4 4.2 5.3 2.7 6.4 Cobrir uma área maior 2.6 3.9 1.1 5.9 1.0 5.2 Ser cômodo 1.4 2.0 2.1 1.6 0.3 0.9 Outra característica 1.4 1.7 2.0 0.3 0.7 1.2 NS 0.4 0.2 0.7 0.9 0.0 0.0 NR 0.7 0.7 0.5 2.2 0.0 0.0 Fonte: Ipea-Sips (2011). O anseio pela rapidez dos transportes li- de se deslocar com outros meios, evidenciando, dera em nível nacional e em todas as grandes talvez, que o sistema rodoviário apresenta sinais regiões, com uma média de 30%. Afinal, a máxi- de esgotamento. Outros relevantes são: o preço, ma preconizada por Corbusier em 1925, “a cida- por ser mais barato; a comodidade para quem o de que dispõe da velocidade dispõe do sucesso” utiliza; a disponibilidade em horário adequado à (Le Corbusier, 2000, p. 167) ainda é o que se bus- saída. Poucos entrevistados se preocupam com ca nas grandes cidades. Em segundo lugar, de a questão da saúde. Mas, a segurança apareceu acordo com a tabela acima, vem a possibilidade como item importante na Tabela 6. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013 421 Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva, Simone Cynamon Cohen Tabela 6 – Sensação de segurança no meio de transporte mais utilizado Brasil Sul Sudeste Sim, sempre 40.0 44.9 40.0 Na maioria das vezes 26.9 43.2 Raramente 13.6 Não, nunca Centro-Oeste Nordeste Norte 43.9 36.3 37.3 26.8 24.0 23.1 17.6 4.6 13.8 18.1 12.4 22.4 19.0 6.8 19.1 12.5 28.0 22.1 NS 0.1 0.0 0.2 0.6 0.0 0.0 NR 0.4 0.5 0.2 0.9 0.2 0.6 Fonte: Ipea-Sips (2011). Pelo que foi visto nas tabelas acima, segundo o estudo realizado pelo IPEA, por meio do Sistema de Indicadores de Percepção Social, A mobilidade e a saúde urbana para a identificação da percepção da população sobre mobilidade urbana, mostra-se a he- Por décadas, os padrões do higienismo na terogeneidade física-geográfica, socioeconômi- produção e promoção de ambientes urbanos ca e cultural, presentes nas regiões brasileiras. salubres são refletidos e debatidos. No campo Existem problemas relacionados à infraestrutu- da saúde coletiva são debatidos os significa- ra urbana e qualidade dos transportes públicos. dos das políticas públicas na área da saúde, As diferenças mais significativas são apontadas focando no indivíduo, mas também abarcando quando há o cruzamento de dados sobre trans- a complexa rede externa e interna que influen- portes e níveis de renda e escolaridade. Por fim, cia o estado de saúde. Esse debate ocorre nos a integração de transporte público mais utiliza- eixos da “Promoção da Saúde”, da “Qualida- da é o ônibus/ônibus. de de Vida” e dos “Determinantes Sociais da Portanto, há necessidade do governo em Saúde”, como também por meio das noções promover novas modalidades de transporte, em de sustentabilidade e de vulnerabilidade. A substituição aos automóveis e ônibus, para que partir desse contexto, discute-se a problemáti- possa diminuir o fluxo de veículos e a emissão ca do urbano, tendo em vista a construção de de gases poluentes na atmosfera, beneficiando cidades como espaços mais saudáveis (Buss e a saúde pública. Pellegrini, 2007). 422 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013 A origem do caos Ressalta-se na investigação das políticas Seguindo essa visão, o conceito de saú- públicas na área da saúde urbana a infraestru- de urbana pode ser sistematizado em três tura urbana e seus serviços como indutores da pontos: (a) a urbanização, que é esperado pro- saúde da população. Considera-se ainda o esti- duzir somente efeitos benéficos – conhecidos lo de vida, o trabalho e a renda, o lazer, a habi- como “vantagens urbanas” – pode acarretar tação, a alimentação e nutrição, a participação danos sociais, econômicos e ambientais de e mobilização da população, o transporte, den- grande impacto, difíceis de mensurar; (b) os tre outros, como importantes vetores de saúde atributos físicos e sociais (contexto) da cidade e/ou da qualidade de vida. e seus bairros e/ou vizinhanças podem afetar Segundo a Opas (2007), a articulação a saúde dos indivíduos; (c) a ocorrência dos saúde-cidade envolve o aprofundamento de eventos relacionados à saúde, associadas a conceitos como urbano, urbanidade, urbaniza- atributos dos indivíduos no “lugar urbano”, ção, que são capazes de moldar os níveis de assim como o somatório das propriedades saúde da população e auxiliam na interpreta- do agregrado desses indivíduos, indo além de ção de especificidades analíticas e práticas da seus atributos individuais. saúde urbana. Como também, numa perspec- A Opas (2007) destaca que a urbanidade tiva geográfica, a definição do território, o mo- faz nascer agravamentos devido às doenças a do de ocupação e mobilidade urbana prescre- ela relacionadas, como a poluição do ar, causa- ve a dinâmica social. Assim, a urbanidade é a da por veículos automotores e pelas indústrias, qualidade de ser urbano. E, a urbanização é a que resultam em altas taxas de internação hos- transformação do espaço quanto ao tamanho, pitalar de pacientes acometidos com doenças densidade e heterogeneidade das cidades. respiratórias. Para tanto, define para fins meto- O urbano é um fenômeno social com- dológicos e de intervenção, a saúde urbana en- plexo que produz particularidades no modo de tendida como o ramo da saúde pública que es- viver e de pensar (Wirth, 1987, p. 92). E, para tuda os fatores de riscos das cidades, seus efei- o aprofundamento do entendimento sobre sua tos sobre a saúde e as relações sociais urbanas. morfologia, torna-se imprescindível a visão das As cidades passam a ser entendidas como me- multidimensões que o forma, sobretudo, a aná- tabolismos complexos com redes e conexões lise das relações sociais que se dão e que impli- que se estendem globalmente, com relevantes cam em demandas específicas. implicações na saúde, como as decorrentes da Caiaffa et al. (2008), em uma visão longi- poluição do ar e sonora; de acidentes de trân- tudinal, interpretam o fenômeno da urbaniza- sito; da segurança pública; da crise da mobili- ção como um complexo, onde a cidade cresce dade e consequente desagregação social; da (ou diminui), modifica e influencia a saúde da perda de identidade cultural, dentre outras. população. A urbanidade, em visão transversal, A saúde urbana, como fator instrumen- é, para esses autores, a imagem qualitativa da tal do desenvolvimento humano sustentável, urbanização que pode ser definida como o im- busca intervir no espaço das políticas e práticas pacto desse processo para a população que vi- públicas de forma integradora, com o intuito de ve nas cidades em determinado momento. alcançar medidas que possibilitem a todos os Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013 423 Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva, Simone Cynamon Cohen cidadãos desenvolver em sua plenitude, suas responsável pela emissão de gases do efeito es- capacidades, crenças e desejos (Opas, 2007). tufa – GEE. Segundo o Inventário e Cenário de Emissões dos Gases do Efeito Estufa na Cidade do Rio de Janeiro, produzido pelo Centro Clima/ A ameça à saúde e à saúde ambiental Coppe/UFRJ (Centro Clima, 2011), o setor de transportes de modo geral foi responsável por 66% das emissões desses gases na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 2010. E, dentro desse O consumo de combustíveis fósseis é hoje cer- setor, os transportes rodoviários foram respon- ca de 30 vezes maior do que em 1900, uma sáveis por cerca de 80% dessas emissões. vez que grande parte desse aumento se deu a Segundo Cançado et al. (2006), os efei- partir de 1950, com o incremento do processo tos agudos da poluição do ar sobre doenças de urbanização (Brandão, 2001). E hoje, cer- respiratórias afetam principalmente crianças ca de meio século após a implementação das e idosos. E a exposição crônica ao material ações rodoviaristas consolidadas por Juscelino particulado fino, emitidos por combustíveis Kubitschek, a questão da mobilidade urbana, fósseis, sobretudo aqueles que contêm chum- nos grandes centros urbanos do país, adotou ru- bo, aumenta o risco de doenças cardíacas e mos não previstos naquela ocasião. A abertura respiratórias, podendo evoluir, inclusive, para de novas vias, considerada então uma solução o câncer de pulmão. O aumento da poluição desenvolvimentista, contribuiu diretamente pa- do ar em grandes centros urbanos tem sido ra o crescimento da frota veicular e demonstra associado ainda a todos os fatores de risco hoje não só não ter garantido conforto para a para doenças cardiovasculares, tais como a população, como também ter contribuído para arritmia cardíaca, vasoconstrição e aumento a origem do caos atual, que é o trânsito de veí- da pressão arterial, isquemias do miocárdio e culos automotores nas grandes cidades do país. cerebral, progressão da arteriosclerose, entre A emissão de gases tóxicos por veículos outros (Cançado et al., 2006). automotores contribui para a deteriorização da Em estudo realizado na Europa (Cançado qualidade do ar nos centros urbanos e produz et al., 2006), foram encontradas também evi- efeitos adversos na saúde de seus habitantes. dências de associação entre mortalidade por Gases como o monóxido e o dióxido de carbo- doenças respiratórias e cardiovasculares com no, óxidos de nitrogênio e de enxofre, hidrocar- a aproximação do local da moradia à vias de bonetos, assim como os materiais particulados grande fluxo de veículos. Tal evidência, se apli- emitidos pelos combustíveis fósseis, estão as- cada à cidade do Rio de Janeiro, pode demons- sociados a milhões de casos de doenças respi- trar associação indireta ao poder aquisitivo ratórias nas grandes cidades e são responsá- da população. Quanto maior a pobreza, mais veis por milhares de mortes prematuras a cada próxima a residência estará das vias de grande ano (World Bank, 2000). fluxo de veículos, tais como a Avenida Bra- O setor de transportes rodoviários, além sil e as Linhas Vermelha e Amarela. E, quanto dos danos à saúde da população, também é mais próximas estiverem as residências de vias 424 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013 A origem do caos Figura 1 – Emissões de GEE do setor de Energia por subsetor (Gg CO2eq) Fonte: Centro Clima/Coppe/UFRJ. como essas, maior será o risco de indivíduos Banco Mundial para a gestão da qualidade do desse segmento da população morrerem por ar em centros urbanos, a exposição ao chum- essas doenças. bo contribui para problemas de comportamen- O chumbo é também um contaminante to e dificuldade de aprendizado em crianças que traz prejuízos à saúde dos habitantes de urbanas (World Bank, 2000). A absorção de centros urbanos poluídos. A presença de chum- chumbo pelo organismo humano depende de bo, apesar de ter sido reduzida na gasolina nos fatores como a rota de exposição (inalação ou últimos anos, ainda persiste em alguns com- ingestão), forma química, tamanho da partícula bustíveis. Segundo documento produzido pelo e solubilidade dos compostos desse metal Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013 425 Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva, Simone Cynamon Cohen (Moreira e Moreira, 2004). E, caso a rota de do ar inferiores aos da Zona Sul, não só pela exposição seja por inalação de gases de exaus- menor influência da brisa marinha, como tam- tão de motores, a absorção pode ser superior bém porque essas áreas se encontram quase a 50%, principalmente em indivíduos fumantes totalmente edificadas, assim há menor possi- ou que sofram de doenças das vias respirató- bilidade de dispersão e uma tendência à maior rias superiores. concentração de poluentes nessas áreas. Segundo Moreira e Moreira (2004), a Segundo Brandão (2001), o intenso pro- presença de chumbo no organismo atinge os cesso de urbanização influencia diretamen- ossos, sangue, rins, medula óssea, fígado e cé- te para a concentração de calor nos grandes rebro, mas os efeitos biológicos adversos são centros urbanos, conhecida como as “ilhas de observados principalmente no sistema nervoso, calor”. Isso faz as áreas urbanas alcançarem quando são considerados efeitos tóxicos críti- temperaturas mais altas do que seus arredores. cos. Ainda segundo esses autores, os fatores O aumento da temperatura agrava a poluição nutricionais contribuem para o grau de absor- do ar e gera zonas de baixa pressão, que con- ção desse metal pelo organismo. A alimentação tribuem para o aumento de chuvas nas áreas precária e a deficiência de nutrientes, como urbanas. E a ocorrência de chuvas nessas áreas, cálcio, ferro, fósforo e proteínas, aumentam a por sua vez, contribui para agravar os engarra- absorção de chumbo pelo organismo. Portanto, famentos, que aumentam a emissão e a con- mais uma vez é possível observar que as ca- centração de poluentes, formando, assim, uma madas mais pobres da população são as mais sequência de problemas interligados. atingidas também por essa contaminação. Fatores climáticos, como temperatura e umidade, também podem influenciar na qualidade do ar de uma cidade. No caso da cidade do Rio de Janeiro, a própria configuração fisiográfica, formada pelo relevo montanhoso e as Efeitos adversos na saúde causados pelo ruído e a vibração baixadas, associados à presença da floresta e a proximidade com o mar constituem uma si- Outros efeitos associados ao fluxo intenso de tuação climática singular (Brandão, 2001). Tais veículos em áreas urbanas são o ruído e a vi- elementos influenciam o sistema de ventos que bração. Tais efeitos atingem a saúde da popula- varre a cidade. Contudo, o crescimento urbano ção, causando prejuízos à sua qualidade de vi- e a distribuição de edificações alteram signifi- da. O ruído causado pelo tráfego urbano pode cativamente a direção e a intensidade desses ocasionar problemas cardiovasculares, hormo- ventos. Desse modo, é possível observar áreas nais e estresse (Maciel et al., 2009). Segundo com características climáticas diferentes no Pimentel-Souza (1993), o ruído de até 50dB po- município do Rio de Janeiro. Segundo Serra e de incomodar, mas é passível de adaptação. A Ratisbona (in Brandão, 2001), as condições cli- partir de 55dB pode causar estresse e descon- máticas de áreas como a Zona Norte da cidade forto, mas a partir de 65dB começam a ocor- do Rio de Janeiro indicam níveis de umidade rer desequilíbrios bioquímicos no organismo, 426 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013 A origem do caos aumentando o risco de infarte, derrame cere- é potencialmente mais perigosa do que a de bral, osteosporose, infecções, entre outros. E altas frequências (Sebastião et al., 2007). E os Magrini (1995) alerta: a partir de 85dB podem efeitos fisiológicos diretos dessa exposição são ocorrer danos ao aparelho auditivo humano. A náuseas, fadiga e tonteiras; enquanto os efei- Organização Mundial de Saúde recomenda o tos indiretos são dificuldade para dormir, dor limite de 70dB para os ruídos das metrópoles, de cabeça, mal-estar, perda de apetite e irrita- caso contrário serão escassas as possibilidades bilidade (Barceló, 2003). de um morador de uma grande cidade atingir a terceira idade com a sua audição preservada (Magrini, 1995). Os efeitos do ruído na saúde humana Considerações finais podem ser bem mais graves quando a exposição ocorre durante o sono. O ruído compro- Diante de um dos problemas mais discutidos mete a qualidade do sono, o que prejudica atualmente sobre as cidades, e mesmo opon- a recuperação física e mental do corpo, cau- do-se às premissas e diretrizes das políticas sando o aumento da pressão sanguínea e da nacionais para o desenvolvimento urbano, tor- atividade cardíaca, bem como dificuldade de na-se fundamental a discussão da mobilidade concentração e alterações respiratórias (Ma- urbana para reverter o caos que se tornou o ciel et al., 2009). Segundo Pimentel-Souza espaço urbano e as suas consequências sobre (1993), os déficits de sono são cumulativos, a saúde da população. causando o envelhecimento precoce e danos Para embasar a seleção de medidas, é fisiológico, psicológico e intelectual. Os da- necessário serem seguidos os princípios de nos à qualidade do sono, causados pelo ruído mobilidade urbana sustentável, indicados por podem não ser percebidos imediatamente, referências federais – como o Caderno de Refe- sendo notados somente quando a saúde do rência para Elaboração de Plano de Mobilidade indivíduo já está comprometida (Pimentel- Urbana (PlanMob), o Estatuto da Mobilidade, -Souza, 1993). a Política Nacional de Mobilidade Urbana Sus- Portanto, toda a população moradora tentável – e parâmetros acadêmicos – como os de grandes centros urbanos terá a sua saúde Indicadores de Mobilidade Urbana Sustentável atingida pela poluição sonora causada pelo e condicionantes de Nível de Serviço de modos tráfego urbano, sobretudo os moradores de não motorizados. vias de grande fluxo de veículos. E, esses terão Sendo assim, há a necessidade de rever ainda outros problemas, ocasionados pelas vi- as prioridades das cidades: incentivar cami- brações provocadas pelo tráfego pesado sobre nhadas; diminuir a largura de cruzamentos as edificações, causando efeitos fisiológicos para dar maior segurança aos pedestres; criar diretos ou indiretos em seus moradores. Quan- maior número de atividades de lazer em es- to maior for o porte da edificação, menor será paços públicos; desenhar maior número de a frequência em que ela irá vibrar. Contudo, ciclofaixas e ciclovias; uso de corredores de a exposição a vibrações de baixa frequência grande capacidade com linhas exclusivas para Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013 427 Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva, Simone Cynamon Cohen transporte público; controlar o uso de veículos atualidade, sobre a má conservação das nos- privados e incentivo ao compartilhamento dos sas rodovias e o quanto o Estado tem sido es- automóveis; limitar estacionamentos; incenti- pecialmente negligente sobre o assunto, quan- var o uso de veículos de entrega mais limpos, do este foi responsável pela bem-sucedida silenciosos, menores e com baixa velocidade; carreira de alguns políticos, especialmente uso misto do solo urbano (residencial, comer- Washington Luís e Getúlio Vargas. cial e de trabalho) com maior densidade e O uso excessivo de automóveis em detri- compactação; descobrir o ambiente natural e mento a outros meios de transporte nas gran- as tradições étnicas; criar redes densas de ruas des cidades tem se mostrado insustentável e e passagem para pedestres e bicicletas e pro- ineficaz, visto que representam a maior fonte jetar ruas e espaços públicos com maior qua- de emissão de gases do efeito estufa em áreas lidade construtiva, tendo maior preocupação urbanas e, sobretudo, não resolvem a questão com sua gerência e conservação. da mobilidade nessas áreas. O incentivo ao As discussões sobre o tema viário ti- uso de meios de transportes menos poluentes veram início numa época em que a abertura e com maior capacidade de passageiros deve- de avenidas e autoestradas aconteceu antes rá ser a prioridade das administrações públicas mesmo da presença irremediável do auto- nos próximos anos, principalmente na cidade móvel, mostrando o quanto os técnicos que do Rio de Janeiro que irá sediar a Copa, em estudavam a cidade estavam à frente de seu 2014, e as Olimpíadas em 2016. tempo, fossem eles sanitaristas, engenheiros, Nosso estudo espera, dentro da linha arquitetos ou urbanistas. Procuramos colocar da recente história urbana carioca e brasilei- em discussão o quanto a modernização das ra, contribuir para que se compreenda como o cidades não tardaria a torná-las reféns dos au- planejamento urbano – ou a falta dele – levou tomóveis, aí incluindo caminhões e carros de a fazer dos eixos rodoviários um dos emble- passeio. Aprendemos que, na verdade, acredi- mas da vida moderna e o quão influentes eles tava-se na grande salvação das cidades pelo podem ser para a qualidade de vida e a saúde veículo automotor. Muito se fala, também, na nas cidades. 428 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 411-431, jul/dez 2013 A origem do caos Renato Gama-Rosa Costa Arquiteto e urbanista. Doutor em Urbanismo, tecnologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e professor da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio/Fiocruz. Rio de Janeiro/RJ, Brasil. [email protected] Claudia G. Thaumaturgo da Silva Arquiteta e urbanista. Mestre em Saúde Pública, tecnologista/pesquisadora e professora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro/RJ, Brasil. [email protected] Simone Cynamon Cohen Arquiteta e urbanista. Doutora em Ciências da Saúde, pesquisadora titular da Fundação Oswaldo Cruz da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. Rio de Janeiro/RJ, Brasil. [email protected] Referências BARCELÓ, C. (2003). “Fatores sicos de risco à saúde na habitação e seu entorno”. Curso realizado na Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz em parceria com o Cepis/OPS-OMS (Centro Pan-Americano de Engenharia Sanitária e Ciências do Ambiente) em abril de 2003. Documentos técnicos disponíveis em: h p://www.cepis.ops-oms.org, na área Salud en la vivienda. Acesso em: 5/4/2012. BARLES, S. e GUILLERME, A. (2003). Traffic conges on: Problems and solu ons in Paris, 1830-1939. In: T2M CONFERENCE. Anais. Eindhoven, Holanda. BENETTI, P. (1997). Projetos de avenidas no Rio de Janeiro (1880-1995). Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. BRANDÃO, A. M. P. M. (2001). “Clima Urbano e Enchentes na Cidade do Rio de Janeiro”. In: GUERRA, A. J. T. e CUNHA, S. B. (orgs.). Impactos Ambientais Urbanos no Brasil. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, pp. 47-109. BUSS, P. M. e PELLEGRINI FILHO, A. (2007). A saúde e seus determinantes sociais. Physis. 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O conhecimento da situação atual e da evolução desse fenômeno pode contribuir significativamente para a avaliação do processo de interação e complementariedade socioespacial que se desenvolve entre as aglomerações urbanas, onde já são claras as novas formas de localização tanto da atividade econômica quando da população em geral. O estudo desse fenômeno, portanto, contribui para o diagnóstico do processo de estruturação desses espaços e, sobretudo, para mitigar deficiências existentes em termos de política habitacional, de transportes, de saúde, educação, etc Abstract The main objective of this article is to make a diagnosis of the trends and characteristics of commuting in the so-called Macrometrópole Paulista (Macrometropolis of São Paulo), using the information available in the 2000 and 2010 Censuses. The knowledge of the current situation and of the evolution of this phenomenon may greatly contribute to the evaluation of the process of socio-spatial interaction and complementariness that develops among urban centers, where the new forms of location both of economic activity and of the population in general are already clear. The study of this phenomenon, therefore, contributes to diagnose the process of structuring of these spaces and, above all, to mitigate deficiencies in housing, transport, health and education policies, among others. Palavras-chave: demografia; deslocamentos populacionais; macrometrópole paulista; urbanização; região metropolitana. Keywords: demography; population mobility; macrometropolis of São Paulo; urbanization; metropolitan region. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 José Marcos Pinto da Cunha et al. Introdução aglomerações urbanas, especialmente aque- Nos últimos dez anos, enquanto a taxa de cres- constatar que, em função das mudanças em cimento anual da população das regiões me- nossa sociedade, particularmente a partir dos tropolitanas paulistas foi de 1,1%, a taxa de anos 1990, é possível observar um verdadeiro crescimento dos movimentos pendulares entre extravasamento das possibilidades de mobili- as regiões que compõem a Macrometrópole dade pendular para além das fronteiras regio- Paulista foi de 8,7% ao ano. nais, de diferentes recortes espaciais. O fenômeno da mobilidade pendular las de caráter metropolitano. Interessante 1 A emergência e reconhecimento institu- constitui um reflexo da diversidade sociode- cional da Macrometropóle Paulista talvez seja mográfica e espacial existentes nas grandes um dos aspectos que melhor retratam essas aglomerações urbanas, em particular aquelas novas tendências que decorrem de processos de caráter metropolitano. De fato, esse tipo de estruturais, como a reestruturação produtiva movimento, que se caracteriza por sua regula- e a desconcentração econômica, com impli- ridade (embora possa ser ou não cotidiano), é cações socioespaciais e demográficas impor- resultado do descompasso da ocupação dessas tantes. Assim, o aumento da complementarie- regiões em termos demográficos e econômicos, dade econômica e social entre os territórios, cujos condicionantes têm sido considerados mesmo não alterando radicalmente a lógica tanto a partir de uma visão macro, em geral metropolitana, tem propiciado uma “urbani- ligada ao processo de produção do espaço e zação dispersa” (Reis Filho, 2006) que, além localização das atividades produtivas, quanto de outros impactos, acaba incrementando os a elementos microssociais, tais como as novas deslocamentos de pessoas entre regiões de preferências de moradia, principalmente da po- forma cada vez mais intensa. pulação de mais alta renda. O presente ensaio, além de apresentar Vários autores têm contribuído para a as principais características da recém-re co- descrição e diagnóstico desse fenômeno (Ara- nhe cida Macrometrópole Paulista e discutir nha, 2005; Oliveira e Oliveira, 2011; Moura et algumas contribuições para a compreensão al., 2005; Cunha, 1994), uma vez que alguns e análise dos movimentos pendulares, con- deles têm ido mais adiante no sentido de buscar centra-se, sobretudo, em revelar as principais explicação para esse tipo de movimento popu- características e tendências desse tipo de des- lacional (Ihlanfeldt, 1994; Kain, 1992; Jardim, locamento, ocorrido, ao longo dos anos 2000, 2007; Sobreira, 2007; Cunha e Sobreira, 2008; entre as quatro Regiões Metropolitanas (RM Pereira, 2008; Lobo et al., 2009). O presente tra- São Paulo, RM Campinas, RM Baixada Santis- balho aborda o fenômeno da pendularidade a ta e RM Vale do Paraíba e Litoral Norte) que partir de uma visão que extrapola o olhar mi- representam a maior parte da população que crorregional da dinâmica intrametropolitana. conforma essa grande área de integração e É fato que esse tipo de movimentação seja mais intenso e volumoso dentro das 434 complementariedade econômica, social, política e de infraestrutura. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista Macrometrópole Paulista: o maior sistema urbano brasileiro e Piracicaba e duas microrregiões – Bragantina e São Roque (ver Mapa 1) - todas elas com elevada influência do polo principal, o município de São Paulo. Ainda que sua consolidação tenha ocorri- A Macrometrópole Paulista – MMP configu- do entre 2000 e 2010, com configurações muito ra o sistema urbano mais importante do país. semelhantes da atual, a Macrometrópole tem Ocupa 20% da superfície do estado de São sido objeto de estudos técnicos desde os anos Paulo e concentra municípios situados em um 1970 (Emplasa, 1992; Emplasa; FSEADE/SEP; raio aproximado de 200 quilômetros a partir 2010). Mas se naquele momento, a unidade re- da capital. A articulação e integração são tão gional da Macrometrópole, como era chamada intensas entre as cidades desse sistema que em Souza (1978, p. 25), tinha sua configuração seus principais problemas só podem ser resol- objetivada pela área de influência da indústria vidos de maneira integrada. Trata-se do maior e buscava-se um processo de planejamento e mais complexo sistema de cidades do País, de descentralização e desconcentração da RM que abrange 173 municípios, quatro Regiões de São Paulo para as cidades médias, hoje, a Metropolitanas – São Paulo, Campinas, Baixa- Macrometrópole Paulista destaca-se pela com- da Santista e Vale do Paraíba e Litoral Norte, plementariedade e dinamismo das trocas entre três aglomerações urbanas – Jundiaí, Sorocaba suas regiões componentes. Mapa 1 – Unidades Regionais da MMP Fonte: Emplasa (2012). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 435 José Marcos Pinto da Cunha et al. Nessa região vivem mais de 30 milhões do PIB e 48% da população e, mais distante, de pessoas, 73% da população do Estado, pela RMC com 8% do PIB e 7% da população. gerando uma riqueza equivalente a 83% do Apenas a RMBS apresenta participação relati- Produto Interno Bruto (PIB) paulista e 28% do va similar entre PIB e população (4%). PIB brasileiro (IBGE, 2009). São 50 mil quilô- A espacialização da tipologia do PIB dos metros quadrados de área urbana que abri- municípios paulistas, realizado pela Fundação gam 50% da mancha urbanizada do Estado. Seade em 2008, contribui para reafirmar a A Macrometrópole é identificada como um fe- integração e articulação econômica presente nômeno urbano-regional complexo, reunindo nesse território. Dentre os 39 municípios que conjuntos de aglomerações urbanas e centros compõem a RMSP, 19 são “multissetoriais ou articulados em rede em um único processo de de perfil industrial relevante", destacando a relações econômico-sociais. presença de atividades industriais e serviços Com relação aos limites territoriais da associados nessa região, muitas delas ligadas Macrometrópole ainda existem divergências, às demais RMs. Na RMBS, é possível identifi- uma vez que os recortes propostos em traba- car uma continuidade e complementaridade lhos técnicos distintos nem sempre coincidem. de suas atividades econômicas com a RMSP, Para alguns especialistas, trata-se de um novo com Cubatão, limite com São Bernardo do desenho urbano ou uma nova escala de metro- Campo, classificado como município industrial polização (Moura, 2009; Ribeiro et al., 2012; com relevância, devido à presença do comple- Meyer e Grostein, 2012). xo químico-siderúrgico e Guarujá, Santos, São A Macrometrópole ocupa uma extensa Vicente e Praia Grande – classificados como porção da região sudoeste do Estado, com for- multissetoriais, como resultado da presença mação associada aos processos de urbanização, do Porto de Santos na economia regional. Na interiorização do desenvolvimento econômico RMVPLN, São José dos Campos exerce o papel e desconcentração produtiva e populacional de polo regional, concentrando mais de 50% da Região Metropolitana de São Paulo – RMSP do valor adicionado da indústria e serviços do (Negri, 1996; Cano, 1998; Pacheco, 1998). Vale do Paraíba. Sorocaba concentra mais de Sua estrutura econômica, diversificada e 50% da riqueza da AU, classificada como "in- complexa, é composta por atividades moder- dustrial com relevância". A AU de Jundiaí teve nas de alta tecnologia em diversos segmen- todos os seus municípios classificados no perfil tos econômicos. A maior parte da atividade produtivo industrial com importantes nexos de econômica do Estado se localiza nesse terri- integração com as regiões vizinhas. Na RMC, tório, sobretudo nos setores industrial e de Campinas e Hortolândia foram classificados serviços, cujas maiores contribuições corres- com perfil multissetorial, e os municípios do pondem às metrópoles de São Paulo (RMSP), entorno com perfil industrial. A Macrometró- Campinas (RMC), Vale do Paraíba e Litoral pole conta com uma densa infraestrutura viá- Norte (RMVPLN) e Baixada Santista (RMBS). ria e portuária, com intensos fluxos de carga A concentração econômica é ainda maior que como reflexo das interações para dentro e a populacional, liderada pela RMSP com 56% para fora dessa região. A malha ferroviária é 436 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista integrada por corredores de escoamento de Macrometrópole (95%). Os fluxos rodoviários produtos originados em São Paulo e em ou- e aeroportuários evidenciam a grande inte- tros estados com destino ao Porto de Santos, gração e articulação funcional entre os cen- o principal da América Latina, que movimen- tros urbanos que configuram a Macrometró- ta 11% das exportações e 21% das importa- pole Paulista2 (ver Mapa 2). ções do país. Já no sistema aeroportuário, É interessante notar que as grandes au- destacam-se os aeroportos Internacionais de toestradas que cortam essa região (como a Congonhas (São Paulo), André Franco Mon- Bandeirantes – ao norte, Airton Sena – ao leste, toro (Guarulhos) e Viracopos (Campinas), que Castelo Branco, ao oeste – e Imigrantes, ao sul) exibem os mais expressivos volumes de passa- se configuram em verdadeiras “avenidas” em geiros e cargas transportadas do País, corres- função do grande fluxo de pessoas, bens e ser- pondendo a 54% do volume da Infraero. viços entre as regiões. Chama a atenção a movimentação As várias regiões componentes da Ma- de passageiros que demonstra a grande crometrópole apresentaram, nas últimas déca- concentração de fluxos na Macrometrópo- das, graus de urbanização superiores a 90%, le, tanto no que se refere às origens (95%) chegando, em 2010, a 94%. A mancha urbana quanto aos destinos (97%). A maior parte principal acompanha os principais eixos viários das viagens tem origem e destino na própria (ver Mapa 2). Mapa 2 – Infraestrutura viária e aeroportuária Fonte: Emplasa (2012). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 437 José Marcos Pinto da Cunha et al. No período 2000/2010, observou-se uma De acordo com dados do Censo de 2010, 2,68 mudança significativa nas tendências demo- milhões de pessoas residiam em setores sub- gráficas, com redução das taxas de crescimento normais (favelas, invasões e áreas de risco, populacional no Estado e na Macrometrópole, entre outros) na Macrometrópole, equivalen- em função da diminuição das taxas de fecundi- te a 98% das 2,7 milhões de pessoas viven- dade e mortalidade. Também ocorreu redução do nessa condição em todo o estado de São das taxas de migração, em razão da recupera- Paulo. Do total da população em aglomerados ção de antigas áreas de emigração como Para- subnormais na MMP, 80,4% estavam locali- ná e Minas Gerais e do estímulo resultante das zadas na RMSP, seguidos por 11% na RMBS. políticas públicas de desconcentração econô- Trata-se de uma área de significativa hetero- mica do país (Cunha e Baeninger, 2006). geneidade estrutural, com potencialidades Na última década, anualmente, a Região diferenciadas de desenvolvimento econômico, Metropolitana de São Paulo perdia em termos social e urbano, com uma dívida social ainda líquidos cerca de 30 mil pessoas, tendo o Censo elevada. É o que evidenciam as precárias con- 2010 registrado o menor crescimento popula- dições de moradia de parcelas significativas cional da região no período. Entre 2000 e 2010, da população, a crescente ocupação de áreas a taxa de crescimento populacional da Macro- de risco e as deficientes infraestruturas urba- metrópole foi de 0,97%, a menor já apurada na e social, entre outros problemas. pelos Censos, e abaixo do patamar de 1,09% Mesmo que não seja totalmente conur- observado em todo o Estado. Essas modifica- bada, devido às barreiras físicas e à presença ções tiveram reflexos sobre a estrutura etária de áreas protegidas, a Macrometrópole é ser- da população. Houve redução da base da pi- vida por um sistema viário e de transporte que râmide etária, em razão da queda na fecundi- propicia intensa articulação dos espaços urba- dade, e aumento da População em Idade Ativa nos, além da integração funcional das estrutu- (PIA) e do número de pessoas idosas. ras produtivas. Abriga novas formas de organi- Essas novas tendências e consequente zação da produção numa rede urbana que se perfil demográfico colocam grandes desafios destaca pelo desempenho de funções comple- para as políticas públicas. Além dos cuidados xas e diversificadas (multifuncionalidade) e que com educação, cultura e acesso a novas tec- estabelecem relações econômicas com várias nologias, especialmente para os jovens, devem outras aglomerações urbanas. (ver Mapa 3). A resultar em ações integradas para tornar mais complementariedade socioespacial existente confortável a vida da população idosa, que entre as RMs da Macrometrópole é inegável, apresenta tendências de crescimento. uma vez que, como se mostrará a seguir, a mo- Apesar da concentração de riquezas, a Macrometrópole tem suas contradições. 438 bilidade pendular é um importante indicador dessa condição. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista Mapa 3 – Elementos funcionais de integração Fonte: Emplasa (2012). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 439 José Marcos Pinto da Cunha et al. Mobilidade pendular e a estruturação regional e do urbano: algumas considerações teóricas Esse modelo de ocupação do território alimenta um desencontro entre as áreas de trabalho e de moradia da população, aumentando a necessidade do deslocamento diário casa-trabalho. Para Aranha (2005), as desigualdades socioespaciais seriam a base explicativa A mobilidade pendular coloca-se como um da existência dessa mobilidade. Moura et al. fenômeno característico das grandes aglo- (2005) se remetem a esses movimentos como merações no atual momento da urbanização um fenômeno não apenas que representa as brasileira, quando se observa um aumento da desigualdades, mas também como um meio complexidade socioespacial, em particular, no para a compreensão dos resultados da rees- que diz respeito às localizações da população e truturação do espaço metropolitano. Baeninger atividades econômicas, sociais, etc. Na verdade, (2004) considera que a mobilidade pendular é pode-se pensar que boa parte desse fenômeno em boa parte reflexo do processo de expan- estaria associada à valorização diferencial do são urbana e suas tendências de concentrar as espaço urbano que, no Brasil, tem tido ao lon- possibilidades de emprego com lógica distinta go das últimas décadas sua lógica e regulação daquela com que se criam as possibilidades fortemente orientadas pela inciativa privada de moradia, gerando grandes dificuldades e sem a necessária intervenção pública, fato que descompassos entre as duas categorias de lo- acaba por prejudicar fortemente a população calização espacial. De qualquer modo, a pos- de mais baixa renda. sibilidade de mover-se no espaço intraurbano, Reis Filho (2006, p. 44) alerta para um incrementada pela melhoria ou maior oferta de dos resultados desse processo, a chamada ur- transportes (mesmo que nem sempre em con- banização dispersa que pode ser compreendida dições adequadas), implica para os indivíduos em duas escalas: e/ou famílias em estratégias para a reprodução [...] a primeira escala é a da área metropolitana, que vem mostrando uma dispersão crescente de núcleos ou polos, a presença crescente de vazios e uma frequente redução de densidades de ocupação, no todo e em partes importantes; a segunda escala é a do tecido urbano social (Cunha e Sobreira, 2008). Esse “descompasso” entre espaço de moradia e trabalho já era fruto de preocupação na década de 1960, nos Estados Unidos, em estudos como os de Kain (1992), que apontavam para as relações entre a segregação habitacional dos trabalhadores afro-americanos e suas condições de emprego e renda, [...] o modo pelo qual se definem as relações entre espaços públicos e espaços privados (enquanto propriedade ou posse), entre espaços de uso privado e de uso coletivo, sejam estes de propriedade pública ou privada. 440 gerando o que foi conhecido como spatial mismatch hypothesis . Se é verdade que no Brasil, e, em particular em São Paulo, as características e condições demográficas e urbanas são distintas daquelas encontradas nos EUA, Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista particularmente dos anos 1960, não se pode os movimentos do território, além dos limi- negar que a lógica do “descompasso” entre os tes das divisões administrativas e conceituais locais de moradia e das atividades econômicas da cidade, pois, como argumenta Reis Filho está muito presente no nosso contexto, espe- (2006, pp. 91-92), a organização do cotidiano cialmente nas nossas metrópoles. passa a se dar em âmbito regional. Ao pensar a mobilidade pendular também deve-se salientar sua relação com a migração, sobretudo a intrametropolitana (Cunha, 1994). A redistribuição espacial da população para atender as demandas habitacionais faz com que a migração tenha um papel relevante na geração de novos fluxos de pendulares. Nesse sentido, uma análise conjunta da mobilidade pendular a partir da condição migratória da população mostra-se de grande relevância, particularmente porque permite estabelecer a relação, já comentada, entre a solução habitacional e o acesso ao mercado de trabalho. Ou seja, com a mobilidade residencial o O quadro que se configura é de reorganização da vida cotidiana. Uma parcela significativa da população passa ater a sua vida organizada em escala regional. As cidades deixam de ser as sedes da vida cotidiana, para se transformarem em polos de um sistema articulado em escala mais ampla, regional, no qual se desenvolve a vida cotidiana. Para uma porcentagem mais restrita da população, esse cotidiano se desenvolve também em escala inter-regional, como nos casos de alguns habitantes das Regiões Metropolitanas de São Paulo e Campinas, da Baixada Santista e do Vale do Paraíba, que se deslocam diariamente entre duas delas. indivíduo tende a incrementar, na maior parte das vezes, a sua mobilidade pendular, que a de- A regionalização do cotidiano implica pender do grupo social que se está analisando, necessariamente o aumento da mobilidade da pode representar uma escolha (para os grupos população. O sistema, implantado no mercado mais abastados) ou uma imposição ou neces- de trabalho pelo setor industrial, terminou por sidade (no caso dos mais pobres). Certamente induzir também a mobilidade nas áreas de co- tal distinção faz grande diferença no momento mércio, nos serviços, no ensino e no lazer. As de se pensar políticas públicas, particularmen- oportunidades oferecidas pelo comércio e pe- te, aquelas de caráter intersetorial que visem los serviços já não são analisadas pelos empre- melhorar a vidas das pessoas. sários apenas em escala regional, pressupondo Agora como pensar a mobilidade pendular desde uma perspectiva “extrarregional”, ou uma mobilidade constante dos habitantes dessas regiões. seja, para ir além das fronteiras das aglomera- Nesse sentido, a análise da evolução da ções urbanas?3 Os estudos elaborados pela Em- mobilidade pendular na Macrometrópole Pau- plasa (2012) e os desenvolvidos por Reis Filho lista é, sem dúvida nenhuma, um bom indica- (2006) contribuem sobremaneira nessa direção. tivo dos caminhos que o processo de estrutu- As novas formas de organização social ração do espaço urbano está tomando e, mais nesse processo de urbanização metropoli- do que isso, aponta as possibilidades e as ne- tana geram grande mobilidade e reforçam a cessidades práticas que a intensificação desse necessidade da análise espacial compreender processo traz para o planejamento territorial. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 441 José Marcos Pinto da Cunha et al. Como já destacado, a constituição da alcançados em nossa sociedade, que tem no Macrometrópole Paulista condiciona-se a uma mercado a principal força indutora da locali- série de transformações do tecido social das zação tanto dos setores produtivos quanto do regiões que a compõem e de suas relações espaço habitável. Assim, estudos como o aqui com outras localidades. Certamente, parte im- desenvolvido teriam a qualidade de alertar e portante desse processo está na configuração informar os formuladores dessas políticas para do setor econômico e suas interfaces políticas as características e tendências do fenômeno. e sociais. Um exemplo claro dessas transformações é o chamado processo de espraiamento econômico a partir da desconcentração industrial (Abdal, 2009). O fenômeno se dá pela desconcentração do principal polo industrial do país (a Região Metropolitana de São Paulo), A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista: evidências empíricas a partir da década de 1970, e da reestruturação produtiva, a partir de 1990, que substitui A mobilidade pendular4 motivada por traba- a concentração dos empregos industriais pelo lho ou estudo na Macrometrópole Paulista aumento da participação do setor de serviços experimentou nos anos 2000, período de na produção e no emprego. emergência desse grande aglomerado, um in- A reorganização do setor produtivo, a cremento de mais de 76%, chegando a envol- busca por novos espaços de moradia, condi- ver quase três milhões de pessoas segundo o ções de vida e novos padrões sócio-ocupacio- Censo de 2010. nais e culturais fazem do estudo da Macrome- Esse aumento do volume dos movimen- trópole Paulista um caminho importante para a tos pendulares, mesmo em um contexto de compreensão da complexa rede de relações in- significativa redução do crescimento demo- terdependentes e complementares que exigem gráfico de todas as suas RMs e aglomerações um olhar integrado do planejamento urbano. urbanas envolvidas, mostra que o fenômeno, Sobre o problema do desajuste espacial embora seja fruto de um processo de cresci- (spatial mismatch), Ihlanfeldt (1994, p. 226) su- mento, expansão e incremento da heteroge- gere que as políticas públicas trabalhem a par- neidade socioespacial das regiões, não neces- tir de duas categorias de intervenção: sariamente depende de uma constância de [...] (1) políticas para reduzir as distâncias entre os locais residenciais das minorias e os locais de empregos disponíveis, e (2) políticas para melhorar a acessibilidade de trabalho das minorias, sem mudar tanto locais de trabalho ou residência. (Tradução nossa) crescimento demográfico. Na verdade, a análise das regiões deixa muito claro que, em função da complementariedade, integração, continuidade e fluidez espacial que tende a caracterizar uma aglomeração urbana – em especial as de caráter metropolitano –, esse fenômeno pode adqui- Obviamente em ambos os casos, os de- rir certa autonomia em função de mudanças safios são enormes e muito difíceis de serem nas formas de uso e ocupação do solo urbano, 442 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista Tabela 1 – Volume e peso relativo da mobilidade pendular de residentes sobre a População em Idade Ativa (PIA). Regiões metropolitanas do estado de São Paulo, 2000 e 2010 Volume dos movimentos pendulares Percentual da PIA Regiões 2000 RMC 2010 2000 2010 171.033 311.992 9,8 14,02 RMSP 1.108.691 1.942.001 8,4 12,65 RMBS 128.064 201.023 11,7 15,51 84.621 149.597 5,9 8,50 162.253 321.610 6,3 9,80 1.654.662 2.926.216 9,5 14,18 RMVPLN Outra Macro Total Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2000 e 2010. seja em termos demográficos ou mesmo impacto que tem sobre a população residente econômicos. Em uma palavra, mais que uma de cada uma das unidades analisadas. consequência do crescimento demográfico, a Dados analisados em estudo mais am- mobilidade pendular reflete o “movimento” plo (Nepo e Emplasa, 2013) mostram que tal da metrópole fruto de rearranjos socioeconô- impacto é ainda maior quando o olhar é dire- micos e demográficos internos havidos que, cionado ao nível municipal. Além disso, como como sabemos, dependem não apenas das se pode constatar na Tabela 2, o fenômeno ações privadas, mas também de intervenção é muito mais volumoso e intenso no interior pública, nesse último caso via regulação ou das regiões metropolitanas constituintes da políticas específicas. Macrometrópole. De fato, enquanto, em 2000, Não apenas chama a atenção o volume dos mais de 1,6 milhões de pessoas que fa- atingido pelos movimentos pendulares espe- ziam esse tipo de movimento, cerca de 85,5% cialmente em 2010 (mais de 2,9 milhões de moviam-se no interior das regiões; essa parce- pessoas), mas também o expressivo impacto la, embora em declínio, era ainda elevada em que estes representam sobre o volume da po- 2010, alcançando 81,5%. 5 pulação em idade ativa (PIA). De fato, na re- No entanto, como já se mencionou a gião como um todo, mais de 14% desse grupo maior novidade desse estudo é justamente realiza esse tipo de deslocamento, uma vez que analisar as características da mobilidade pen- esse valor é menor na RMVPLN e nos outros dular segundo o destino e origem “externos”, municípios da Macrometrópole. Ou seja, o fe- de maneira que se tenha melhor visão sobre as nômeno da pendularidade não apenas ganha principais trocas existentes entre as RMs consi- importância pelo fato de revelar a inter-relação deradas, as demais áreas da Macrometrópole e entre subáreas e regiões, mas também pelo destas com o resto do estado ou país. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 443 José Marcos Pinto da Cunha et al. Tabela 2 – Volume e variação da mobilidade pendular interna, externa e total. Regiões metropolitanas paulistas e municípios da Macrometrópole – 2000 e 2010 Mobilidade Pendular Regiões 2000 Interno RMC Externo 2010 Total Interno Externo Variação (%) Total Interno Externo Total 134.796 35.543 171.033 241.077 70.915 311.992 78,85 99,52 82,42 RMSP 1.015.221 89.162 1.108.691 1.663.374 278.627 1.942.001 63,84 212,50 75,16 RMBS 102.380 25.451 128.064 160.346 40.677 201.023 56,62 59,82 56,97 RMVPLN 63.028 21.103 84.621 115.556 34.041 149.597 83,34 61,31 76,78 Outras Macro 99.731 61.557 162.253 207.299 114.311 321.610 107,86 85,70 98,22 1.415.156 232.816 1.654.662 2.387.652 538.571 2.926.223 68,72 131,33 76,85 Total Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2000 e 2010. A Tabela 2 também mostra que mesmo Em termos dos destinos das pessoas sendo em volume bem inferior, a mobilidade que realizam o movimento pendular, Tabela 3, 6 pendular com destino “externo” apresenta percebe-se que estes apresentaram mudanças um crescimento de mais de 131% na Macro- quanto ao destino para trabalhar/estudar entre metrópole, passando de 232 mil para cerca 2000 e 2010, com particularidades conforme a de 539 mil pessoas. Em termos das regiões região metropolitana. Por exemplo, no caso da específicas, o que se percebe é que o cresci- RMC, a principal alteração verificada foi o au- mento da pendularidade com destino exter- mento da importância dos pendulares que tra- no foi muito mais importante justamente na balham/estudam em outros municípios da Ma- RMSP, o que, de certa forma, seria esperado crometrópole, ou outras unidades da Federação tendo em vista o “movimento” de interioriza- em detrimento do peso relativo dos movimen- ção e desconcentração produtiva, observadas tos pendulares para a RMSP e o interior de São desde essa área, sobretudo a partir dos anos Paulo. Pode-se dizer que tal comportamento 1980 (Negri et al., 1988). De qualquer forma espelha a intensificação do relacionamento e em todas as demais regiões consideradas o complementariedade dessa região com o res- aumento das trocas inter-regionais foi mui- to do país. No entanto, percebe-se que o peso to significativo, constituindo-se em um dado da RMVPLN e RMBS continua praticamente o significativo da inter-relação progressiva des- mesmo, dando mostra de que a integração en- sas áreas. tre ambas as regiões mantêm-se. 444 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista Tabela 3 – Destino “externo” da população residente que realiza movimento pendular. Regiões metropolitanas paulistas – 2000 e 2010 Região de residência dos pendulares Destino dos pendulares RMC 2000 RMC RMSP RMBS RMVPLN Outras Macrometrópoles Interior SP Outros Estados Total RMSP 2010 2000 37,6 0,8 1,0 33,4 21,3 2,8 30,9 0,8 ,9 36,1 14,2 17,1 8,9 6,3 4,9 12,2 53,1 14,7 35.536 70.895 89.163 RMBS 2010 2000 4,2 3,4 3,3 11,7 17,3 60,0 278.604 RMVPLN 2010 2000 1,5 70,6 2,0 1,0 20,2 4,6 1,8 72,1 2,2 1,9 5,8 16,2 3,8 56,2 1,5 2,9 14,2 21,3 25.404 40.668 21.104 2010 4,5 53,0 2,2 3,5 5,7 31,0 34.041 Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2000 e 2010. No caso da RMSP, houve relevante au- importância dos outros estados da federação. mento da importância daqueles que trabalham A pendularidade mais significativa nessa re- 7 e estudam nos outros estados (1.178%), em gião é com a RMSP. detrimento de grande redução do peso rela- A Tabela 4 apresenta uma visão oposta, tivo do Interior/SP e pequenas reduções nas ou seja, a origem dos pendulares que traba- proporções das outras regiões, mesmo com o lham em cada uma das regiões consideradas. aumento do volume dessas. Assim como na tabela anterior, algumas mu- Na RMBS a principal modificação ocor- danças ao longo do período analisado podem reu nos pendulares que se dirigiam para outros ser verificadas, sugerindo novamente o sig- estados, cujo volume aumentou 460% e com a nificativo nível de relacionamento ou com- RMSP, que aumentou 63%, e nesse caso, fica plementariedade existente entre as regiões muito claro que a melhoria das condições de metropolitanas. acessibilidade entre as duas regiões ocorridas Em relação aos pendulares que se diri- nas últimas décadas apenas reforçou a com- gem para a RM de Campinas, aqueles de ori- plementariedade entre ambas. A participação gem em outras RMs mantiveram sua relação, relativa dos outros municípios do estado de em 2010, de proporção em relação àquela São Paulo diminuiu. observada em 2000. Os pendulares residentes Já na RMVPLN, as modificações foram em “outros municípios da Macrometrópole” menos acentuadas, mas com a redução da im- aumentaram o volume e sua participação re- portância do interior do estado de São Paulo lativa, passando de 35,4% para 39% daqueles como destino dos pendulares e aumento de que trabalham na RMC. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 445 José Marcos Pinto da Cunha et al. Tabela 4 – Origem “externa” da população residente que realiza movimento pendular. Regiões metropolitanas paulistas – 2000 e 2010 Regiões de destino Regiões de origem dos Pendulares RMBS RMVPLN Outras Outros Interior SP Macrometrópoles Estados Censo RMC RMSP Total RMC 2000 2010 - 19,2 15,0 0,9 0,9 2,0 2,0 35,4 39,1 25,0 21,3 17,5 21,7 41.249 77.688 RMSP 2000 2010 7,7 8,1 - 10,3 10,8 6,8 6,7 17,6 19,6 14,8 11,5 42,8 43,3 174.718 270.992 RMBS 2000 2010 2,3 2,3 46,4 40,1 - 2,6 3,2 3,3 3,0 18,2 15,4 27,2 35,9 12.136 23.877 RMVPLN 2000 2010 3,1 2,7 35,9 37,5 4,1 3,7 - 4,1 4,1 8,7 6,7 44,1 45,2 12.105 24.423 Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2000 e 2010. A RM de São Paulo foi a que menos 2010), assim como aumento dos pendulares de sofreu alterações com relação à origem dos outros estados (27,2%, em 2000, contra 35,8% pendulares entre 2000 e 2010: as proporções em 2010). permaneceram semelhantes, com aproxima- Outra informação que demonstra a in- damente 25% dos pendulares originados nas tensidade da circulação das pessoas por moti- RMs do Estado, mas com modificações em re- vo de trabalho é o fato de esses deslocamentos lação ao interior do estado de São Paulo, que pendulares ocorrerem, de maneira geral, dia- reduziu a participação (de 14,8% para 11,5%), riamente. Considerando os destinos daqueles e outros estados e outros municípios da Ma- que se deslocam diariamente para trabalhar crometrópole que registraram leve aumento em outros municípios (Tabela 5), nota-se que nos pendulares. quando se trata de deslocamento para muni- Pequenas alterações também foram veri- cípio da mesma região metropolitana mais de ficadas nas proporções apresentadas pela RM 90% realizam seus deslocamentos nesses ter- do Vale do Paraíba e Litoral Norte. Nessa área mos. Observa-se também que no caso da mo- destaca-se como origem a RM de São Paulo, da bilidade pendular ser feita para outra região, qual saem aproximadamente 37% dos pendu- ainda assim boa parte desses movimentos tem lares, assim como os pendulares de outros es- caráter diário. Como se percebe na tabela men- tados, que representam 45,2% do total. Já na cionada, isso acontece principalmente no caso RM da Baixa Santista o destaque fica para a re- do destino ser a RMSP. Para a RMC, isso tam- dução da proporção dos pendulares da RM de bém é verdade, especialmente para os desloca- São Paulo (46,3%, em 2000, contra 40,1% em mentos para “outras regiões”, provavelmente 446 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista Tabela 5 – Proporção de movimentos pendulares por motivo de trabalho realizados diariamente. Regiões metropolitanas paulistas – 2010 Regiões Destino Regiões Origem Própria RMSP Outras RM de São Paulo 96,2 – 63,0 RM de Campinas 97,4 61,5 74,0 RM de Baixada Santista 96,3 66,4 34,0 RM Vale do Paraíba e Litoral Norte 91,2 50,3 27,0 Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2010. pelo fato da maioria delas ser também de ca- Contudo para avançar um pouco mais ráter de mais curta distância. Já para a RMBS e na natureza dessa interação seria importante RMVPLN, os percentuais de movimentos diários considerar outras características da mobilida- para outras regiões distintas da RMSP são bem de pendular de forma a se ter maior clareza mais baixos, fato que talvez espelhe as especi- sobre “quem” realiza esse tipo de movimen- ficidades dessas regiões, sobretudo em termos to e, de maneira indireta, “quais” os moti- das atividades econômicas aí desenvolvidas vos que poderiam explicar tais intercâmbios como a portuária, petroquímica e aeroespacial. populacionais. De maneira geral, até aqui se buscou Nesse sentido, a próxima seção realiza mostrar que os movimentos pendulares na um diagnóstico sobre algumas características Macrometrópole atingem contingentes expres- das pessoas que realizam esse tipo de mobi- sivos de sua população em idade ativa. Além lidade e residem na Macrometrópole Paulista. disso, o volume e intensidade desse fenômeno As características escolhidas foram sexo, ida- não apenas revelam distintos momentos de ca- de, nível educacional e atividade econômica da uma das regiões consideradas em termos da de inserção, uma vez que a análise será rea- integração e complementariedade entre seus lizada, em primeiro lugar, de modo a mostrar municípios, mas também níveis distintos de in- as características do conjunto dos movimentos teração entre elas, reforçando a ideia da consti- pendulares e, em segundo lugar, sua diferen- tuição de uma grande região que extravasa os ciação segundo o destino dos que realizam limites predeterminados das RMs oficialmente esse movimento, ou seja, se dentro ou fora de constituídas. suas regiões de residência. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 447 José Marcos Pinto da Cunha et al. Quem são os que realizam a pendularidade?8 Também no que se refere à composição etária, a população que realiza movimento pendular mostra significativa seletividade em relação à população total residente nas Em primeiro lugar pode-se dizer que o perfil regiões: uma concentração maior nas idades dos que realizam a mobilidade pendular é mui- altamente produtivas (20 a 55 anos). Como fica to mais masculino que a população em geral. claro na Tabela 6, em consonância com o que já De fato, o Gráfico 1 mostra predominância de se conhece sobre a população como um todo, homens entre aqueles que realizam esse tipo a RM da Baixada Santista é a que apresenta de movimento, visto que o padrão é semelhan- a PIA mais envelhecida, com menor proporção te para as quatro regiões metropolitanas: em no grupo “25 a 39 anos” e maior no grupo “56 média, mais de 60% desses pendulares são ho- anos e mais”, que representa aproximadamen- mens. A menor diferença é observada na RM de te 4% mais população do que as outras RMs. São Paulo, onde os homens representam 61,4% O reflexo dessa PIA mais envelhecida culmina dos pendulares; nas RMs de Campinas e Bai- também num grupo de pendulares maior na xada Santista os valores são iguais (64,4%), e faixa “56 anos e mais” em relação ao observa- a maior diferença observada se dá na RM do do nas outras RMs. Vale do Paraíba e Litoral Norte, região onde os homens representam 70,1% dos pendulares. O padrão etário da pendularidade para as RMs paulistas tem uma curvatura ascendente a Gráfico 1 – Proporção da população total, com 15 anos ou mais e dos pendulares segundo sexo. Regiões metropolitanas paulistas – 2010 Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2010. 448 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista Tabela 6 – PIA e pendulares segundo distribuição por grupos etários. Regiões metropolitanas paulistas – 2010 Faixa etária Regiões RM de São Paulo RM de Campinas RM da Baixada Santista RM V. do Paraíba e L. Norte Outras Macrometrópoles População 15 a 17 anos 18 a 24 anos 25 a 39 anos 40 a 55 anos 56 anos e mais Total PIA 6,1 15,5 33,7 26,5 18,3 15.363.202 Pendular 1,3 16,6 45,5 30,0 6,6 1.690.923 2.224.662 PIA 6,0 15,5 33,1 26,9 18,5 Pendular 1,2 16,7 45,9 30,3 5,9 287.548 PIA 6,1 14,4 30,9 26,5 22,1 1.297.130 Pendular 0,8 14,3 44,4 32,3 8,1 185.247 1.761.629 PIA 6,5 15,4 32,5 26,9 18,8 Pendular 1,0 15,5 45,5 31,3 6,7 129.670 PIA 6,2 15,5 32,2 26,5 19,6 3.189.705 Pendular 1,3 16,7 45,5 30,2 6,3 287.627 Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2010. partir dos 18 anos de idade, uma vez que quase pode-se destacar alguns pontos fundamen- metade dos pendulares se encontra entre 25 e tais: enquanto a maior parte da PIA (próximo 39 anos de idade. A faixa etária entre 40 e 55 a 45%) apresenta como escolaridade o ensino anos também se mostra importante, onde se fundamental, a maior parte dos pendulares encontram mais de um quarto dos pendulares; (próximo de 40%) apresenta o ensino médio. nessa faixa ocorre a inflexão da curva com a A escolaridade aparece, portanto, como fator proporção de pendulares se reduzindo drastica- chave nessa discussão, pois afeta diretamente mente a partir dos 56 anos de idade. a renda e possibilidade de inserção produtiva Os dados observados com relação à dis- dos indivíduos e, portanto, está associada às tribuição etária dos pendulares nos ajuda a possibilidades de locomoção cotidiana nas pensar a respeito da importância da escolari- metrópoles. dade enquanto característica central para com- Um fato merece atenção, a RM do Vale preender o fenômeno, já que os que realizam do Paraíba e Litoral Norte é onde se observa a esse tipo de movimento são sistematicamente população residente pendular mais escolariza- mais escolarizados que os demais residentes da: 31,3% possuem graduação ou pós-gradua- componentes da PIA. Por isso é possível com- ção. Esse resultado, associado à constatação preender o porquê de apenas 1% dos pendula- já realizada de que nessa região a mobilidade res terem entre 15 e 17 anos. pendular externa tem maior peso relativo, pa- Os dados da Tabela 7 apresentam as rece reforçar ainda mais a relação entre esse diferenças existentes entre os pendulares e a tipo de movimento e a condição socioeconômi- PIA das RMs paulistas em termos de escolari- ca dos envolvidos, particularmente quando as 9 dade. Apesar dos padrões apresentados se- distâncias a serem percorridas são maiores e, rem relativamente próximos entre as regiões, portanto, mais onerosas. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 449 José Marcos Pinto da Cunha et al. Tabela 7 – Proporção dos maiores de 15 anos e dos pendulares segundo escolaridade e região de residência. Regiões metropolitanas paulistas – 2010 Nível de ensino Regiões População Ensino Fundamental Ensino Médio Graduação Pósgraduação Outro RMSP PIA Pendular 45,1 34,0 33,7 39,6 16,4 21,4 3,2 4,2 1,4 0,8 RMC PIA Pendular 47,8 33,3 33,2 37,9 14,5 21,8 3,1 6,4 3,4 0,6 RMBS PIA Pendular 45,4 30,5 36,3 42,2 15,1 22,6 2,1 4,3 1,0 0,5 RMVPLN PIA Pendular 45,9 26,4 37,5 42,0 13,2 25,3 2,6 6,0 0,9 0,3 Outras Macrometrópoles PIA Pendular 51,5 34,6 32,8 37,9 12,4 21,7 2,1 5,3 1,2 0,5 Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2010. Por outro lado, na RM de São Paulo, país; ou seja, muitos dos mais escolarizados 74,4% dos pendulares apresentam escola- não teriam necessidade de buscar alternati- ridade até o ensino médio, sendo a região vas fora da região. com pendulares de menor nível educacio- A Tabela 8 apresenta a divisão dos pen- nal. Esses diferenciais estão ligados ao tipo dulares e da PEA a partir da natureza de tra- de emprego desses indivíduos e certamente balho10 que realizam, ou seja, se “manual” ou ao fato de que a RMSP é o grande centro “não manual”. Nesse sentido, os dados salien- de ofertas de empregos e oportunidades do tam que existem diferenciais importantes. Tabela 8 – PEA e pendulares segundo distribuição por tipos de emprego. Regiões metropolitanas paulistas – 2010 Regiões RM de São Paulo RM de Campinas RM da Baixada Santista RM V. do Paraíba e L. Norte População Tipo de emprego Manual Não Manual Outro PEA 63,9 30,0 6,1 Pendular 64,0 29,0 7,0 PEA 66,6 24,9 8,5 Pendular 60,7 31,8 7,5 9,6 PEA 68,5 21,9 Pendular 62,4 27,9 9,7 PEA 69,1 21,2 9,7 Pendular 55,4 32,2 12,4 Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2010. 450 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista No caso da RM de São Paulo, inexistem diferenciais entre os pendulares e a PEA, é também diferenciado segundo a região metropolitana considerada. resultado de uma maior integração e inter- No caso da RM de São Paulo, por exem- dependência existente na região, e como já plo, a grande diferença entre PEA e pendulares dito provavelmente em função do tamanho e está nos setores de “Indústria de transforma- complexidade de seu mercado de trabalho. Já ção” e “Comércio”. Nesse caso, os pendulares as RMs capitaneadas por Campinas e Santos apresentam maior proporção na primeira, e apresentam diferenças relevantes com relação pouca empregabilidade no caso da segunda. à RM de São Paulo, assim como a RMVPLN Em relação aos outros setores pouca variação que, uma vez mais, apresenta a maior diferen- é observada. Na RM de Campinas a mesma ça entre pendulares e PEA. característica é observada, entretanto, com Pode-se pensar que tais diferenças, num relação aos “Serviços domésticos”, há uma sentido mais amplo, estariam ligadas a outras proporção menor dos pendulares em relação características dessas regiões, como por exem- à PEA, diferentemente do caso de São Paulo, plo, os setores de atividades predominantes onde a proporção é semelhante. em cada uma. Quando se considera o setor 11 Na RM da Baixada Santista a caracte- de atividade dos trabalhadores pertencentes rística é exatamente igual à RM de Campi- à PEA em geral e aqueles que realizam mo- nas, com uma pequena distinção com rela- vimento pendular (Tabela 9), pode-se notar ção ao ramo de “serviços”. Nele os pendu- algumas áreas específicas onde estes últimos lares levam ligeira vantagem em relação ao se sobressaem, assim como outras áreas onde total da PEA, situação que não se observa eles têm pouca diferença; tal comportamento nas outras regiões. Tabela 9 – População Economicamente Ativa e pessoas que realizam movimentos pendulares segundo áreas de ocupação. Regiões metropolitanas paulistas – 2010 CNAE – Atividades econômicas Regiões RMSP RMC RMBS RMVPLN Outras Macrometrópoles População Serviços Energia e Indústria de saneamento transformação Comércio Agropecuária e extrativismo Construção Serviços domésticos Outro PIA 44,9 0,8 13,9 17,0 0,7 6,1 6,8 9,8 Pendular 43,0 0,8 18,4 14,2 0,6 6,9 6,0 10,2 PIA 36,8 1,0 19,3 16,1 2,4 7,1 6,7 10,6 Pendular 36,7 0,8 23,7 13,4 2,1 7,1 4,8 11,4 PIA 47,7 1,1 7,6 18,3 1,3 9,1 8,6 6,2 Pendular 51,4 1,0 11,4 13,5 1,5 8,4 6,6 6,2 PIA 39,4 1,1 14,6 16,8 4,2 9,7 8,5 5,6 Pendular 44,6 1,3 21,2 12,9 2,9 9,5 2,5 5,1 PIA 32,9 1,0 22,5 16,4 5,5 7,9 7,0 6,8 Pendular 38,8 0,9 26,8 13,1 3,5 7,1 3,3 6,6 Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2010. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 451 José Marcos Pinto da Cunha et al. Já a RM do Vale do Paraíba e Litoral Nor- dirigem para áreas externas às respectivas re- te novamente se diferencia significativamente giões de residência tendem a ser mais seleti- das demais. Essa região é a que apresenta a vos, especialmente com relação a sexo, idade maior diferença entre a PEA total e as pessoas e educação. que realizam movimento pendular. Nesse Os dados mostram que a predominância caso, os pendulares apresentam proporção de homens se exacerba no caso dos movimen- maior no setor de “Serviços” (como na RMBS), tos pendulares externos, já que esses tendem maior participação na “Indústria de Transfor- a representar, em média, mais de 70% dos mação” e menor no “Comércio” (como RMSP, deslocamentos. Tal comportamento se repete RMC e RMBS). Também registra menor par- para todas as RMs e também para os “outros ticipação nos “Serviços Domésticos” (como municípios da Macrometrópole”. Quanto à RMC e RMBS) sendo o seu principal diferen- idade, aqueles que se dirigem para fora das cial a menor participação dos pendulares na regiões de residência são sensivelmente mais “Agropecuária e Extrativismo”, que, para as envelhecidos (maior concentração no grupo 40 outras RMs, os dados entre pendulares e PEA a 55 anos) que os que se movimentam interna- se mostraram semelhantes. mente, muito embora ainda prevaleça o fato de que a grande maioria permaneça abaixo dos 55 anos. As especificidades segundo o local de destino dos movimentos pendulares Talvez o que mais chame a atenção seja a composição da pendularidade por nível educacional. Nesse caso, é marcante a diferença Tendo em vista as peculiaridades desse tipo de entre os pendulares externos e internos, uma mobilidade espacial, particularmente em fun- vez que os primeiros apresentam, em geral, ção de seu caráter regular – e, como já mos- muito maior participação nas categorias “gra- trado, em geral diário – seria de se esperar que duação” e “pós-graduação”. Vale notar, no a seletividade apresentada pelos indivíduos entanto, que esse comportamento não é regis- “pendulares” se acentuasse à medida que as trado na Região Metropolitana de São Paulo, distâncias se incrementassem. Nesse sentido, o que talvez seja explicado, como já salienta- considera-se importante analisar também as do, pelo fato de que as maiores oportunidades características desse movimento discriminado para profissionais qualificados estejam justa- por seu destino “interno” (dentro da mesma mente concentradas nessa região não reque- RMs ou aglomeração) ou “externo” (fora da rendo, portanto, deslocamentos mais intensos RM ou aglomeração). Esse dado é organizado de pessoas com esse tipo de perfil. Por outro na Tabela 10. lado, nas demais RMs do interior é visível a se- A partir dessa tabela se percebe que, de fato, os movimentos pendulares que se 452 letividade em favor dos mais capacitados em termos educacionais. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 0,8 19,0 14,4 0,4 6,2 6,1 10,1 Energia e saneamento Indústria de transformação Comércio Agropecuária e extrativismo Construção Serviços domésticos Outro Atividade econômica Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2010. 43,0 Serviços Graduação 0,7 21,5 Ensino médio Outro 40,5 Ensino fundamental 3,9 6,0 33,4 56 anos e mais 29,6 40 a 55 anos 17,0 18 a 24 anos 46,0 1,3 15 a 17 anos 25 a 39 anos 39,7 60,3 Feminino Masculino 11,0 4,7 13,5 3,3 11,2 16,4 0,8 39,1 1,2 6,1 20,2 33,3 39,2 10,5 31,6 40,9 15,8 1,2 30,4 69,6 Externo RM de São Paulo Interno Pós-graduação ensino de Nível etária Faixa Sexo Características sociodemográficas 10,2 6,0 6,9 0,6 14,2 18,4 0,8 43,0 0,8 4,2 21,4 39,6 34,0 6,6 30,0 45,5 16,6 1,3 38,6 61,4 Total 10,9 5,8 6,8 1,7 13,4 24,9 0,9 35,6 0,6 4,4 18,4 41,0 35,5 4,9 28,9 46,2 18,5 1,5 38,8 61,2 Interno 13,7 1,4 6,4 3,6 11,4 22,6 0,5 40,5 0,3 14,6 37,5 26,2 21,4 8,7 34,2 44,9 12,0 0,2 26,7 73,3 Externo RM de Campinas 11,4 4,8 7,1 2,1 13,4 23,7 0,8 36,7 0,6 6,4 21,8 37,9 33,3 5,9 30,3 45,9 16,7 1,2 35,6 64,4 Total 5,7 8,0 7,7 1,3 14,1 12,0 0,9 50,1 0,5 3,2 18,4 45,2 32,7 6,8 31,5 45,2 15,5 1,0 38,0 62,0 Interno 8,0 1,3 10,1 2,5 9,4 10,3 1,1 57,2 0,3 9,0 41,2 29,7 19,8 11,9 34,5 42,1 11,2 0,3 27,6 72,4 Externo 6,2 6,6 8,4 1,5 13,5 11,4 1,0 51,4 0,5 4,3 22,6 42,2 30,5 8,1 32,3 44,4 14,3 0,8 35,6 64,4 Total RM da Baixada Santista 4,4 2,9 8,6 2,5 13,2 23,5 1,3 43,6 0,2 5,0 24,7 44,7 25,3 5,5 29,4 46,8 17,1 1,3 33,8 66,2 Interno 7,4 1,4 12,9 5,1 8,2 16,1 1,2 47,7 0,5 9,2 30,5 34,6 25,2 10,8 36,0 39,3 13,7 0,2 20,4 79,6 Externo 5,1 2,5 9,5 2,9 12,9 21,2 1,3 44,6 0,3 6,0 25,3 42,0 26,4 6,7 31,3 45,4 15,5 1,0 29,9 70,1 Total RM V. de Paraíba e L. Norte 5,9 4,2 6,6 2,8 13,5 30,9 1,0 35,1 0,6 3,6 16,7 42,9 36,2 4,9 27,5 46,7 19,2 1,6 36,2 63,8 7,7 1,7 7,4 4,5 11,1 22,7 0,8 44,1 0,5 8,8 32,5 29,6 28,7 7,8 34,0 43,9 13,6 0,7 26,6 73,4 Externo 6,6 3,3 7,1 3,5 13,1 26,8 0,9 38,8 0,5 5,3 21,7 37,9 34,6 6,3 30,2 45,5 16,7 1,3 32,0 68,0 Total Outras Macrometrópoles Interno Tabela 10 – População em Idade Ativa que realiza movimento pendular classificada por características sociodemográficas e destino. Macrometrópole Paulista – 2010 A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista 453 José Marcos Pinto da Cunha et al. Finalmente, em termos do tipo de ativi- partir da observação não apenas das tendên- dade exercida pela PEA, não são observadas cias, mas também das características do fenô- grandes diferenças entre pessoas que se mo- meno que aqui se chamou de “pendularidade”. vem para fora ou no interior de suas regiões De fato, além de ter crescido de maneira de residência. Mesmo considerando que se impressionante ao longo da década de 2000, percebem algumas pequenas diferenças, como atingindo mais de 530 mil pessoas, as carac- no caso da RMBS onde os “internos” são mais terísticas dos indivíduos envolvidos na mobili- concentrados na atividade de “comércio”, ou dade pendular que se estabelem entre as RMs na RMVPLN onde se registra maior concentra- que compõem a Macrometrópole são também ção destes na “Indústria de Transformação”, sugestivas no que diz respeito aos fatores con- a verdade é que tais discrepâncias são muito dicionantes desse processo, ou seja, a descon- menos acentuadas que nas variáveis anterior- centração produtiva e suas consequências so- mente analisadas. cioespaciais como é o caso das novas formas Em suma, os dados sugerem que, mais de urbanização e localização da população. que buscar novas atividades, as pessoas que se Dessa análise pode-se perceber que os movem para fora de suas regiões de residên- fluxos estabelecidos apontam na direção da cia são aquelas mais qualificadas e mais expe- intensificação das relações entre as RMs, espe- rientes (levando em conta a idade) que muito cialmente da RMSP com as demais, e a movi- provavelmente formam parte de um grupo de mentação de pessoas cujo perfil predominan- profissionais que respondem às demandas das temente masculino, de pessoas adultas jovens, empresas que possuem maior flexibilidade lo- melhor qualificadas e empregadas na indústria cacional, ou mesmo optem por residirem em de transformação, sugere que esse tipo de mo- regiões mais tranquilas e longe das aglomera- bilidade não apenas espelha a já mencionada ções dos grandes centros, em particular o mu- desconcentração econômica, como também nicípio de São Paulo. novas preferências locacionais, especialmente por parte das pessoas de mais alta renda. Como já observava Santos (1996), esse Considerações finais A análise realizada tratou de mostrar que a mobilidade pendular, se não totalmente, ao menos parcialmente revela ou reflete de maneira eloquente o grau de complementariedade e/ou integração existente entre distintos territórios. No caso da Macrometrópole Paulista, os dados aqui analisados dão conta de que a emergência dessa que seria a maior aglomeração urbana do país, é claramente percebida a 454 crescimento continuamente acelerado da complementariedade regional é uma tendência associada à especialização do sistema produtivo e, consequentemente, altera a organização do trabalho, a vida social, o espaço: As especializações do território, do ponto de vista da produção material, assim criadas, são a raiz das complementariedades regionais: há uma nova geografia regional que se desenha, na base da nova divisão territorial do trabalho que se impõe. Essas complementariedades fazem com Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista que, em consequência, se criem necessidades de circulação, que vão tornar-se frenéticas, dentro do território brasileiro, conforme avança o capitalismo; uma especialização territorial que é tanto mais complexa quanto maior o número de produtos e a diversidade de sua produção. Estamos diante de novo patamar, quanto à divisão territorial do trabalho. Essa se dá de forma mais profunda e esse aprofundamento leva a mais circulação e mais movimento em função da complementariedade necessária. Mais circulação e mais movimento permitem de novo o aprofundamento da divisão territorial do trabalho, o que, por sua vez, cria mais especialização do território. (Santos, 1996, p. 41) Seja como for, esse fenômeno não deixa dúvidas que, de fato, está ocorrendo uma ampliação das relações regionais em um âmbito espacial cada vez maior, e que tal processo tem implicações significativas não apenas do ponto de vista do planejamento estadual, mas também de cada região ou município envolvidos. Assim, mais que um simples estudo de um fenômeno social, a análise da mobilidade pendular pode fornecer uma radiografia, ainda que aproximada, do grau de permeabilidade, interação, contiguidade ou complementariedade existentes entre os subespaços, elementos centrais para se ter em conta quando realmente se pensa em um planejamento regional realista e não excludente. José Marcos Pinto da Cunha Demógrafo, professor associado do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas do Departamento de Demografia e pesquisador do Núcleo de Estudos Populacionais, ambos da Universidade Estadual de Campinas. Campinas,/SP, Brasil. [email protected] Sergio Stoco Economista, doutor em Educação, bolsista CNPq de pós-doutorado do Núcleo de Estudos de População – Nepo, da Universidade Estadual de Campinas. Campinas/SP, Brasil. [email protected] Ednelson Mariano Dota Geógrafo, doutorando em Demografia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Professor da Faculdade de Geografia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Campinas/SP, Brasil. [email protected] Rovena Negreiros Doutoranda em Economia Urbana e Regional. Gestora pública e diretora de Planejamentos da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano – Emplasa. São Paulo/SP, Brasil. [email protected] Zoraide Amarante Itapura de Miranda Doutora em Economia Urbana e Regional, pós-doutorada em Economia do Meio Ambiente, assessora técnica da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano – Emplasa. São Paulo/SP, Brasil. [email protected] Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 455 José Marcos Pinto da Cunha et al. Notas (*) Este trabalho é resultado da pesquisa “O fenômeno da mobilidade pendular na Macrometrópole do Estado de São Paulo: uma visão a partir das quatro Regiões Metropolitanas oficiais”, desenvolvida pelo Nepo/Unicamp para a Emplasa. (1) Na verdade até agora não se cunhou um termo tão eloquente quanto o seu similar em inglês commu ng, o mesmo acontece com o substan vo que designa aqueles indivíduos que realizam esse po de movimento (commuter). (2) Dados da Pesquisa Origem Des no (Artesp, 2006). (3) Na verdade, até mesmo o consenso de que os limites municipais já não dão conta mais da dinâmica e diversidades socioespacial nas grandes aglomerações urbanas é relativamente recente. Esse estudo mostra que já é necessário superar inclusive esse limite espacial. (4) Um esclarecimento faz-se necessário. De forma a tornar comparável os dados dos Censos 2000 e 2010, neste úl mo caso foram agregados numa só categoria os pendulares por trabalho e por estudo, uma vez que, ao contrário do que ocorreu em 2000, foram captados de forma separada. Apenas como detalhe técnico registra-se que para tal agrupamento foi necessário controlar a dupla contagem daqueles que fizeram tanto pendularidade por estudo quanto por trabalho. Para o IBGE, a indivíduo “pendular” seria aquele maior de 10 anos de idade que estuda ou trabalha (nesse caso, na semana anterior ao Censo) em município dis nto ao de residência. Neste estudo foram considerados apenas os movimentos pendulares realizados pela população maior de 15 anos, com declaração de município de trabalho ou estudo. Esse corte etário foi escolhido por se tratar do grupo populacional conhecido como a “População em Idade A va” (PIA), além de, no caso da educação, ter maior probabilidade de estar no ensino médio ou superior que na maior parte dos casos jus fica a mobilidade pendular por mo vos educacionais. (5) O uso da proporção da PIA que realiza movimento pendular pode ser entendido como um indicador não apenas de impacto, mas também de intensidade do fenômeno na medida em que relaciona o evento (a pendularidade) como a população que supostamente o estaria gerando (a população em idade ativa residente). Uma vez que a captação do fenômeno, segundo o IBGE, refere-se à úl ma semana antes do Censo, o uso da PIA recenseada como denominador é bastante adequado. (6) Considera-se como des no externo do movimento para trabalho ou estudo qualquer município fora de região de referência. (7) Esse dado merece um esclarecimento. Realmente chamou muito a atenção que, em 2010, o volume de pendularidade da RMSP para outros estados tenha aumentado tanto. Embora tal resultado esteja de acordo com dados divulgados pelo IBGE, ainda assim parece estranho que um volume tão grande de pessoas realize esse tipo de deslocamento para estados tão distantes, como é o caso do estado da Bahia com o qual se registrou mais de 56 mil pessoas. Uma das possíveis explicações para tal comportamento talvez seja o fato de que, sendo boa parte desses movimentos devido ao estudo (informação possível de se obter no Censo 2010), os jovens que lá estudavam seriam recenseados como residentes nos municípios de seus pais ou responsáveis, sendo, portanto, “contados” como pendulares (“moravam” na RMSP e estudavam fora). Realmente a iden ficação da população residente no caso de estudantes nem sempre é tranquila e pode ter impacto na quan ficação da pendularidade. 456 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 A mobilidade pendular na Macrometrópole Paulista (8) Nessa seção foram considerados apenas os movimentos pendulares captados a partir da informação rela va ao “município de trabalho” do Censo Demográfico de 2010. (9) Os níveis de ensino apresentados para escolaridade da população são resultantes do maior nível de estudo completo ou incompleto disponibilizado nas informações do censo 2010. (10) A distinção entre ocupações manuais e não manuais refere-se à classificação de ocupações para pesquisas domiciliares, considerando que os “não manuais” correspondem aos códigos classificados no censo 2010 como dirigentes, profissionais das ciências e intelectuais. (11) Os grupos de atividade econômica utilizados correspondem às seções e divisões do Código Nacional de A vidade Econômica, apresentadas pelo censo 2010. Referências ABDAL, A. (2009). São Paulo, desenvolvimento e espaço: a formação da macrometropole paulista. 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Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 433-459, jul/dez 2013 459 O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) e os desafios para a mobilidade metropolitana paulista The Jundiaí Urban Agglomeration and challenges to São Paulo’s metropolitan mobility Adriana Fornari Del Monte Fanelli Wilson Ribeiro dos Santos Junior Resumo Este artigo enfoca a inserção do Aglomerado Urbano de Jundiaí (AUJ) no ambiente metropolitano paulista, objetivando fornecer elementos para a compreensão da mobilidade intrametropolitana já que essa "aglomeração urbana instersticial" (Emplasa, 2011) se localiza entre as Regiões Metropolitanas de São Paulo e Campinas com as quais mantém fortes conexões. Pretende ampliar o conhecimento dessa organização regional recém criada, utilizando dados demográficos e indicadores socioeconômicos. Analisa a mobilidade como um fator estrutural da forma urbana do AUJ a partir das relações de interdependência das cidades que o compõem, do estudo dos vetores de expansão intrametropolitana do AUJ, da dispersão urbana ao longo das rodovias e da ampliação da segregação socioespacial que acompanha a redistribuição da população no contexto regional. Abstract This paper focuses on the inclusion of the Jundiaí Urban Agglomeration (JUA) in the São Paulo metropolitan environment aiming to provide elements for the understanding of intrametropolitan mobility, as this “interstitial urban agglomeration” (Emplasa, 2011) is located between the metropolitan areas of São Paulo and Campinas, with which it has strong connections. The paper intends to expand the knowledge about this newly created regional organization, using demographic data and socioeconomic indicators. It analyzes mobility as a structural factor of the urban form of the JUA based on the interdependence relations of its component cities, on the study of the vectors of the intrametropolitan expansion of the JUA, on the urban sprawl along the highways and on the expansion of the socio-spatial segregation that accompanies the redistribution of the population in the regional context. Palavras-chave: aglomerado urbano de Jundiaí; redes de cidades; segregação socioespacial; mobilidade urbana; estudos da metrópole. Keywords : urban agglomeration of Jundiaí; networks of cities; socio-spatial segregation; urban mobility; metropolis studies. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior Introdução: as tendências atuais dos processos recentes de metropolização no Brasil Este artigo procura analisar o papel do Aglomerado Urbano de Jundiaí na mobilidade metropolitana paulista nos dias atuais, a partir da análise da evolução dos processos de metropolização brasileira contemporânea, seguindo alguns pesquisadores como Ascher, Queiroga, Sassen e Moura. [...] a cidade absorveu concepções taylorianas e fordianas, e o recorte das atividades urbanas em funções elementares: procurou-se otimizar de maneira separada a produção industrial, as finanças, o comércio, a moradia e o lazer. A centralidade única foi detonada em razão do zoneamento e da centralidade múltipla: business district industrial, zonas industriais, centros comerciais, zonas de moradias, etc. (Ascher, 2001, p. 63) No final dos anos 1960 e década de 1970, a expansão da economia brasileira e o Até 1950, a rede urbana brasileira era avanço da industrialização para o interior do fragmentada, esparsa, desarticulada e cen- Estado, favoreceram o surgimento e desenvol- tralizada nas grandes cidades, principalmente vimento de aglomerações urbanas, consequen- no caso da Macrometrópole Paulista, ou seja, temente expandindo a rede urbana nesse pro- era formada por cidades com um único centro cesso de interiorização, que se deu, num pri- (Ascher, 2001), onde se agrupavam ativida- meiro momento, de forma linear, acompanhan- des que necessitavam de maior acessibilidade, do os eixos de grande circulação, como no caso caracterizando um espaço geográfico adensa- deste objeto de estudo, as Rodovias Anhangue- do e multifuncional. ra e Bandeirantes. Essa desconcentração indus- Além dos equipamentos do poder, da religião e do comércio, instalaram-se todos os tipos de atividades e de serviços que deveriam dispor do melhor acesso possível e da frequência máxima. Com isso, foram atraídas novas infraestruturas de transporte realimentando o adensamento e a centralização. (Ascher, 2001, p. 63) trial tomou força principalmente na década de 1980, quando inicialmente atingiu um raio de cerca de 150 km da capital, englobando Campinas, Jundiaí, Sorocaba, Baixada Santista e Vale do Paraíba (Queiroga, 2007, p. 43). Induzidas por uma dinâmica econômica de acumulação de capital e pelas inovações tecnológicas, as transformações físicas, fun- Essas grandes cidades nucleavam o siste- cionais e espaciais nessas aglomerações urba- ma de hierarquia urbana, concentrando a ofer- nas promoveram a fragmentação e dispersão ta de serviços na escala regional e/ou estadual. das manchas urbanas por um vasto território, Nos anos de 1960, a partir de uma ação reestruturando-o. do Estado, foram implantadas infraestrutu- Paralelamente passa a ocorrer um au- ras urbanas que impulsionaram a expansão mento do setor de prestação de serviços para do capital industrial e da indústria de base, essas empresas, e esse ramo tem um impor- e aos poucos tante papel no desenvolvimento econômico, 462 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ... requerendo a localização estratégica no território, de preferência nas proximidades das grandes cidades. As indústrias, aliadas aos setores O Aglomerado Urbano de Jundiaí (AUJ) de serviços,1 desencadeiam a dispersão urbana O AUJ é a mais recente unidade regional do es- no território (Sassen, 1998). Surgem também os condomínios resi- tado de São Paulo, constituída pelos municípios denciais fechados ao longo das rodovias, de- de Cabreúva, Campo Limpo Paulista, Itupeva, mandando ao Estado a implantação de outras Jarinu, Jundiaí, Louveira e Várzea Paulista. O infraestruturas, especialmente voltadas para a Projeto de Lei Complementar (PLC) 13/2011, mobilidade regional para suportar esse cresci- que criou o AUJ, foi sancionado pelo governa- mento fragmentado. dor do estado de São Paulo, após aprovação Atualmente a metropolização contem- pela Assembleia Legislativa, em 24 de agosto porânea vêm-se manifestando na forma de de 2011. Integra a Macrometrópole Paulista arranjos urbano-regionais (Moura et al., (Emplasa, 2012), cidade-região formada por 2012), atingindo uma escala mais ampla, di- 153 municípios que rodeiam a cidade de São nâmica e complexa, conectando o urbano e Paulo, num raio de aproximadamente 200 qui- o regional, o local, o regional, e o nacional e lômetros e conta com 72% dos habitantes do o global. Estado, 95% desses vivendo nas áreas urbanas, 2 No início do século XXI, os aglomerados com 80% do PIB estadual e aproximadamente urbanos tiveram sua importância amplificada 27% do PIB brasileiro (IBGE, 2010). As cons- na evolução dos fluxos de comunicação das ci- tantes transformações nesse território macro- dades e atualmente são essenciais no sistema metropolitano, promovidas pela densidade das metropolitano, calcado nos avanços tecnológi- relações físico-territoriais e dos meios técnico- cos, de informação e de telecomunicações da -informacionais, produzem impactos na estru- última década, transpondo as fronteiras entre tura socioeconômica, nas relações de classe, as regiões metropolitanas. na estratificação de renda, na organização do Nesse contexto, o Aglomerado Urbano trabalho, no mercado imobiliário, na produção de Jundiaí que, até o final dos anos de 1980, social, no consumo e nas atividades de servi- tinha um caráter industrial, agora apresenta a ços da região. predominância do setor de serviços e comércio A dinâmica da Macrometrópole Paulista (ver Tabela 5) e, mais especificamente nos úl- produz espaços de concentração e dispersão ur- timos anos, o setor de logística, pertencente à bana. Os fluxos intrametropolitanos de mobili- área de serviços, tem crescido bastante, apro- dade associados a aspectos sociais, econômicos, veitando-se da posição geográfica, proporcio- produtivos e tecnológicos intensificam o espa- nando a melhor acessibilidade às metrópoles lhamento dos espaços fragmentados e segre- de São Paulo e Campinas e ao Aglomerado gados no território. Nesse contexto, ganha es- Urbano de Sorocaba. pecial relevo o papel estruturador das conexões Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 463 Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior rodoviárias existentes para a análise do cresci- Os movimentos simultâneos e aparente- mento urbano do Aglomerado Urbano de Jun- mente contraditórios de dispersão e concentra- diaí, especialmente das rodovias Anhanguera e ção geraram uma dinâmica mobilidade intraur- Bandeirantes (eixo São Paulo-Campinas). bana e intrametropolitana em escala regional, A grande concentração de pessoas e acompanhada, via de regra, pela implantação atividades ao longo desses eixos rodoviários de infraestruturas rodoviaristas como as novas levou ao crescimento da mancha urbana para autoestradas, anéis viários urbanos que, além além das fronteiras administrativas das cida- de introduzirem transformações visuais urba- des, tornando-se engrenagens de uma rede de nísticas, atraíram a localização de novos espa- expansão, produção e integração de novos es- ços comerciais e empresariais. paços urbanos, demarcados pela segregação e exclusão social. A Macrometrópole Paulista apresenta-se como um território denso, mas descontínuo, Com o desenvolvimento do sistema de de áreas urbanizadas, e articulado, de forma transportes, com a substituição das linhas fér- heterogênea, pela intensificação do fluxo de reas pelas novas rodovias, e com a dissemina- pessoas, mercadorias e informações, formando ção do uso do automóvel, a concentração da muitas vezes espaços fragmentados e policên- população nas áreas centrais das cidades dimi- tricos (Ascher, 2001), de acordo com os atrati- nuiu, expandindo-se para as periferias. vos de determinada região. Ao mesmo tempo Figura 1 – Macrometrópole Paulista Fonte: Emplasa (2012). Disponível em: http://www.emplasa.sp.gov.br/emplasa/ 464 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ... Figura 2 – Aglomerado Urbano de Jundiaí: divisão municipal Fonte: Emplasa (2012). Disponível em: http://www.emplasa.sp.gov.br/emplasa/ atua como um espaço contínuo que se expres- os possíveis vetores de crescimento da região, sa através do aumento do crescimento da co- e consequentemente, os processos de segrega- nurbação de cidades ou da perda dos limites ção socioespacial dentro deles. claros entre elas. Muitas vezes, a conurbação além de física é também funcional, numa relação estreita de interdependência entre cidades, coesionando um sistema de redes interurbanas. [...] técnica, ciência e informação se apresentam de forma variável no meio, constituindo regiões mais ou menos concentradas, construindo redes globais de informações econômico-territoriais, com diferentes graus de acessibilidade. Cada vez mais, informação é poder. Nas regiões mais densas deste meio há condições para a constituição de novos processos de urbanização, dada a base técnica e informacional que permite novos arranjos produtivos e distributivos. (Queiroga e Benfatti, 2007, p. 42) Estruturação dos territórios metropolitanos contemporâneos O AUJ localiza-se num corredor de infraestrutura urbana, no cruzamento de duas das mais importantes rodovias do estado de São Paulo, a Anhanguera e a Bandeirantes, que permitem um fácil acesso aos dois principais aeroportos do Estado, o de Cumbica, em Guarulhos, e o de Viracopos, em Campinas, com as rodovias D. Gabriel Bueno Couto, que conecta o AUJ ao Aglomerado Urbano de Sorocaba (AUS), e João Cereser, que conecta a Microrre gião A partir das características das cidades Bragantina. do AUJ, é possível verificar o tipo e o grau de As possibilidades de acesso ao transpor- interdependência entre elas, compreendendo te aéreo de carga e a presença das rodovias Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 465 Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior Figura 3 – Distrito Industrial e condomínios ao longo da Rodovia D. Gabriel Paulino Bueno Couto Fonte: Foto aérea executada por Adriana Del Monte, em 28/8/2013. continuam atraindo diversas indústrias mul- elas estão gigantes como Renault / Nissan, tinacionais e também setores de logísticas Frigor Hans, Parmalat, Coca-Cola, Ambev ao AUJ, ampliando a internacionalização da Sifco, Mahle, Siemens, Foxconn, Itautec, região. Esses novos empreendimentos, insta- Rexam, Akzo Nobel, Fidelity Information lando-se simultaneamente na região, buscam Ser vices. As atividades dessas empresas maior acessibilidade às regiões metropolitanas multinacionais, no entanto, vêm sendo im- e ao mesmo tempo induzem ao aumento de plantadas, diferentemente do que ocorria veículos nas rodovias, causando novos conges- anteriormente, em cidades menores da rede tionamentos onde não eram frequentes. regional de cidades, ampliando o fluxo mi- O AUJ possui um parque industrial com mais de quinhentas empresas, entre 466 gratório e imigratório para a região macrometropolitana. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ... Já é fato razoavelmente conhecido que a Região Metropolitana de São Paulo não é mais um grande polo de absorção de migrantes internos e externos, papel que desempenhou durante a maior parte do século XX. Na primeira década do XXI houve um expressivo saldo negativo entre os que entraram e os que saíram. Chegaram 100 mil pessoas e partiram 800 mil somente para o interior do estado. O que não é tão conhecido é o novo perfil migratório que esses números, de certa forma, escondem. O fluxo já não se explica pela dinâmica da indústria e do emprego formal que antes atraía novos moradores. A grande novidade é o fenômeno da reversibilidade – ou seja, as permanências tendem a encurtar-se e o movimento se caracteriza por idas e vindas, além dos retornos definitivos. (Ferrarri, 2011, p. 84) A evolução da população e da mancha urbana no Aglomerado Urbano de Jundiaí A cidade de Jundiaí é o centro da aglomeração urbana que compreende Jundiaí, Cabreúva, Campo Limpo Paulista, Itupeva, Jarinu, Louveira e Várzea Paulista, com uma população de cerca de 700 mil habitantes, onde Jundiaí participava, em 2010, com 370.126 habitantes desse total (Seade, 2010). Jundiaí concentra aproximadamente 53% de toda a população do aglomerado e situa-se num entroncamento rodo-ferroviário importante entre as Regiões Metropolitanas de Campinas e São Paulo e o Aglomerado Urbano de Sorocaba, ocupando uma O crescimento dessas indústrias é cada vez mais sensível à disponibilidade da infor- posição privilegiada dentro da Macrometrópole Paulista. mação, do processamento de telecomunica- A espacialização desse poderoso nó de ções, bem como da proximidade de transporte fluxos viários, ferroviários e aeroviários, que aéreo para facilitar o ponto a ponto de conta- estrutura o AUJ, tornou-se um fator especial- tos entre muitos locais dispersos, aumentan- mente importante de promoção da dispersão do assim a capacidade de integração dessas e fragmentação da urbanização metropolita- empresas às diferentes redes (Sassen, 2008) na, pelo fácil acesso dos novos núcleos urba- da economia mundial. nos a rodovias e ferrovias, pela proximidade O AUJ integra Jundiaí, Cabreúva, Campo aos aeroportos internacionais, pelo fortaleci- Limpo Paulista, Itupeva, Jarinu, Louveira e Vár- mento da infraestrutura e comunicação, além zea Paulista numa rede de cidades situadas ao do aumento do desenvolvimento econômico longo de rodovias, ou eixos de infraestruturas no conjunto da região com o espalhamento de de circulação e que se articulam num intricado centros logísticos de distribuição de grandes sistema funcional de relações na escala regio- redes varejistas e instalação de novas unida- nal, buscando aproveitar vantagens logísticas des produtivas. e consequentemente econômicas, ampliando a presença do AUJ na Macrometrópole Paulista. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 Através da imagem aérea (Figura 5), verifica-se o alargamento e a expansão da 467 Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior Figura 4 – Rodovia D. Gabriel Paulino Bueno Couto Fonte: Foto aérea realizada por Adriana Del Monte, em 28/8/2013. mancha urbana em direção ao entroncamento O processo de conurbação pode ser ob- rodoviário das rodovias Bandeirantes, Anhan- servado entre os municípios de Jundiaí, Várzea guera e Gabriel Paulino Bueno Couto (SP 300), Paulista e Campo Limpo Paulista que têm, nos além de uma certa dispersão urbana, princi- últimos anos, apresentado um processo acele- palmente na direção de Louveira e na direção rado de urbanização (ver Tabela 1), polarizado de Itupeva e Cabreúva. por Jundiaí. Algumas cidades do aglomerado apre- Entre os vários fatores que explicam es- sentam alta densidade populacional como é o sas conurbações, destacam-se os de natureza caso das três cidades atualmente conurbadas: territorial tais como a área disponível para ur- Campo Limpo Paulista, Várzea Paulista (ambas banização, ou mesmo, o tamanho do território com 100% de área urbanizada) e Jundiaí (com da cidade, como no caso de Várzea Paulista que, 95% de área urbanizada). pela ocupação adensada de todo o território 468 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ... Tabela 1 – Grau de urbanização (%) Localidade 2000 2010 Cabreúva 77,83 84,75 Campo Limpo Paulista 97,7 100,00 Itupeva 73,6 86,84 Jarinu 64,45 77,28 Jundiaí 92,83 95,7 Louveira 91,57 96,15 Várzea Paulista 100,00 100,00 Fonte: Seade (2010). Disponível em: www.seade.gov.br urbanizável disponível, expandiu a mancha ur- a um terço do território jundiaiense (Figura bana em direção a Jundiaí, com a qual mantém 6). A exclusão dessas áreas para ocupação uma interdependência muito grande. urbana resultou na ocupação quase total do Em Jundiaí, a partir de 1998, o decreto restante do território e produziu, em Jundiaí, estadual 43.284 instituiu uma zona de conser- um índice de 95% de área urbanizada que se vação hídrica composta pelas bacias dos rios expandiu além das fronteiras do município, Capivari e Jundiaí-Mirim, propiciando uma conurbando-se com Várzea Paulista e Campo baixa densidade territorial nessas áreas. Em Limpo Paulista. 2004, a lei complementar 417 delimitou uma Campo Limpo Paulista conta com um se- área de preservação ambiental na Serra do tor industrial desenvolvido, apresenta alta den- Japy (zona de conservação da vida silvestre), sidade populacional e uma forte dependência impedindo qualquer novo tipo de ocupação do setor de serviços e de comércio de Jundiaí, ou transformação do território. Somente o ter- fatores que contribuíram para o processo de ritório de gestão da Serra do Japy corresponde conurbação, conforme registrado na Figura 7. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 469 Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior Figura 5 – Zonas de conservação e preservação ambiental Fonte: Prefeitura Municipal de Jundiaí (2012). Disponível em: http://cidade.jundiai.sp.gov.br/PMJSITE/portal.nsf/V03.02/smpm_mapas?OpenDocument 470 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ... Figura 6 – Mancha urbana 2013 Fonte: Imagem do Google Earth. Acesso em 10/6/2013. Considerando que Itupeva ampliou sua facilitado pela extensão do gasoduto Brasil- participação no contingente populacional do -Bolívia, pela instalação de shoppings conecta- AUJ de 4,51%, em 2000, para 6,42%, em 2010, dos à rodovia, pelo turismo ecológico e rural, e apresenta o maior índice de crescimento geo- além dos grandes parques temáticos. Com o métrico da região, da ordem de 5,53% ao ano desenvolvimento econômico de Itupeva, a for- (Seade, 2010), evidencia-se o surgimento de ma urbana da região alterou-se com a implan- um vetor intrametropolitano de crescimento tação de um grande número de condomínios nessa direção. A alta taxa geométrica de cresci- residenciais horizontais fechados, confirmando mento apresentada por Itupeva pode ser justifi- um vetor de dispersão urbana e de crescimento cada pela implementação do Distrito Industrial, populacional no sentido de Jundiaí a Itupeva. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 471 Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior Tabela 2 – Taxa de crescimento geométrico anual (2000/2010) Unidade territorial Número de municípios TGCA (% 2000/2010) 39 0,99 9 1,22 RM Campinas 19 1,83 RMVPLN 39 1,31 7 1,88 AU Piracicaba 22 1,23 AU Sorocaba 22 1,71 MR São Roque 5 1,25 MR Bragantina 11 1,56 Macrometrópole 173 1,17 Estado de São Paulo 645 1,10 5.565 1,17 RM de São Paulo RM Baixada Santista AU Jundiaí Brasil Fonte: Seade (2012). Disponível em: http://www.seade.gov.br Tabela 3 – Evolução da população no AUJ % Densidade demográfica (hab/km2) 259,81 20,46 160,13 33.100 41.604 80,05 6,30 925,37 63.724 74.074 Itupeva 200,52 15,79 223,72 26.166 44.859 Jarinu 207,67 16,35 114,83 17.041 23.847 Jundiaí 431,97 34,01 856,83 323.397 370.126 Louveira 55,35 4,36 670,74 23.903 37.125 34,63 2,73 3.092,64 92.800 107.089 1.269,99 100,00 550,18 580.131 698.724 – 166,25 36.969.476 41.262.199 Municípios Cabreúva Campo Limpo Paulista Várzea Paulista AU Jundiaí Estado de São Paulo Área (km2) Abs. 248.197,00 População 2000 População 2010 Fonte: Seade (2012). Disponível em: http://www.seade.gov.br 472 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ... Tabela 4 – Taxa de crescimento anual por cidade no AUJ (TGCA) Localidade Taxa Geométrrica de Crescimento Anual (em % a.a.) 2010 Cabreúva População Total População Urbana População Rural 2,35 3,22 -1,42 Campo Limpo Paulista População Total População Urbana População Rural 1,54 1,77 -100 Itupeva População Total População Urbana População Rural 5,53 7,29 -1,57 Jarinu População Total População Urbana População Rural 3,43 5,33 -1,1 Jundiaí População Total População Urbana População Rural 1,36 1,67 -3,69 Louveira População Total População Urbana População Rural 4,5 5,01 -3,37 Várzea Paulista População Total População Urbana População Rural 1,46 1,46 – Fonte: Seade (2012). Disponível em: http://www.seade.gov.br/produtos/imp/index.php?page=tabela Hoje, o AUJ detém a maior taxa de cresci- A densidade demográfica de Várzea mento geométrico (TGCA) da Macrometrópole Paulista, de 3.092,64 hab/km2, contrasta com Paulista – 1,88% de 2000 a 2010 –, enquanto a as demais cidades. Campo Limpo Paulista, em Região Metropolitana de São Paulo apresentou segundo lugar, mesmo com muitas indústrias 0,99% no mesmo período. metalúrgicas, que ocupam extensas áreas terri- Porém, Jundiaí, acompanhando os indi- toriais, apresenta um adensamento populacio- cadores das cidades-polo das demais regiões nal significativo, 925 hab/km2, bem distante de metropolitanas brasileiras, apresenta a menor Várzea Paulista, uma cidade-dormitório, onde a taxa de crescimento anual (1,36%) da popula- maioria da população trabalha em Jundiaí ou ção do aglomerado. Apesar disso, a população em Campo Limpo Paulista. de Jundiaí corresponde ainda a 53% do total Essa nova configuração urbana do AUJ do aglomerado urbano, um dos fatores que a promoveu o aumento dos deslocamentos po- reitera como polo centralizador da região. pulacionais, pendulares entre os municípios, Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 473 Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior confirmando o estreitamento das relações todos os setores produtivos como cidade prin- socioeconômicas. cipal. Na realidade, existem circuitos muitos A distinção entre o centro e periferia da específicos dos quais participam as cidades do maioria das cidades do AUJ deixou de existir aglomerado, remetendo, como aponta Sassen, com o surgimento de novas centralidades nas à existência de diferentes circuitos articulando antigas periferias, impulsionadas por polos de as redes de cidades. serviço como supermercados, shoppings, parques, e pela criação de distritos industriais resultantes do espalhamento dos equipamentos produtivos por amplos territórios e que se interligam de forma autônoma com a Macrometrópole Paulista. [...] esta urbanização que se estende para além das cidades em redes que penetram virtualmente todos os espaços regionais, integrando-os em malhas mundiais, representa, assim, a forma socioespacial dominante que marca a sociedade capitalista de Estado contemporânea em suas diversas manifesta ções, desde o centro dinâmico do sistema capitalista, até – e cada vez mais – as diversas periferias que se articulam dialeticamente em direção aos centros e sub-centros. (Monte-Mór, 1994, p. 171) Esse novo ambiente de urbanização contemporânea confirma a importância dos sistemas de circulação e transporte e a falência das condições de acessibilidade e mobilidade, devido aos intensos fluxos de veículos que transformam rodovias de alta velocidade em avenidas metropolitanas de baixa velocidade. A adoção da perspectiva de uma dessas cidades revela a diversidade e a especificidade de sua localização em alguns, ou em muitos, desses circuitos. Essas emergentes geografias intercidades começam a funcionar como infraestrutura para várias formas de globalização. A primeira etapa seria identificar os circuitos globais específicos dos quais uma cidade faz parte. Eles variam conforme a cidade, dependendo das características específicas de cada uma, da mesma maneira que, em cada circuito, os grupos de cidades são diferentes. Isto mostra que as diferenças e características especiais das cidades são importantes, e que a concorrência entre as cidades é menor do que parece, ou seja, certa divisão global, ou regional, de funções, estaria desempenhando um papel mais importante do que parece. (Sassen, 2008) No caso do AUJ, isso é visível quando verificamos o número de estabelecimentos por setor produtivo em cada cidade, ou seja, apesar de serem cidades independentes, são cidades complementares funcionalmente e estabelecem entre si uma relação de cooperação e interdependência. A rede de cidades no AUJ Para essa análise, é importante relacionar não só o número de estabelecimentos entre as cidades do aglomerado, mas também Apesar de Jundiaí, cidade-polo do aglomerado entre os próprios estabelecimentos da cidade urbano, apresentar maior número de habitan- para que se verifique a especificidade de cada tes e maior área territorial, não se destaca em uma delas. 474 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ... Tabela 5 – Estabelecimentos por setores Jundiaí Várzea Paulista 175 4 72 Industriais 1.286 378 Comerciais 3.797 Serviços Total Estabelecimentos Agropecuários % no AU Cabreúva Campo Limpo Paulista Louveira Itupeva Jarinu 8 53 79 78 178 141 156 257 85 454 245 325 297 400 153 3.683 250 187 207 209 282 121 8.941 1.086 712 681 715 1.018 437 65,79% 7,99% 5,24% 5,01% 5,26% 7,49% 3,22% Fonte: IBGE (2010). Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php O setor de serviços e comércios de Jun- e Campinas, próximos a grandes rodovias, co- diaí é extremamente importante para toda a mo também pela “qualidade de ambiental” e a região, ocupando 83% de seus estabelecimen- presença de microclima próprio da região devi- tos. Esse setor sustenta boa parte das necessi- do a proximidade à Serra do Japy. dades do aglomerado urbano, proporcionando Recentemente foi criado, no sentido de um fluxo constante e pendular entre as cidades. Itupeva, um distrito industrial assim como foi Em Campo Limpo Paulista, 68% dos es- instalado um sistema de gasoduto, atraindo tabelecimentos da cidade são industriais. Com- uma vasta gama de indústrias na região, que parativamente, se antes podíamos dizer que se localizaram num estratégico entroncamen- Jundiaí era uma cidade industrial, hoje parece to rodoviário. que essa configuração tem se transformado Jarinu, apesar de contar com ape- bastante, principalmente quando verificamos nas 3,22% de todos os estabelecimentos do o número de estabelecimentos do setor de ser- aglomerado, tem 18% do total dos estabe- viços e comércio diante do setor industrial de lecimentos da cidade direcionados ao setor Jundiaí (Tabela 5). agropecuá rio, assim como tem uma grande No caso de Várzea Paulista, a densidade urbana da cidade é alta, no entanto a cidade área rural (23%), se comparada às outras cidades do aglomerado. não se destaca em nenhum dos setores, mas é Hoje, a maior parte dos deslocamentos responsável pela oferta de mão de obra para diários acontecem em primeiro lugar dentro da o comércio, o serviço e as indústrias das outras própria aglomeração, o que demonstra a forte cidades, principalmente Jundiaí e Campo Limpo. interação na rede de cidades do AUJ. Em segun- Em Itupeva, identifica-se um eixo de do lugar aparecem os deslocamentos diários localização de camadas de sociais de renda entre o AUJ para a RMSP, o que reforça a cons- média alta, através principalmente da expan- tatação de que a localização do AUJ é muito são de condomínios fechados naquela região, importante também para o contexto de mobi- atraídos tanto pela localização entre São Paulo lidade da Macrometrópole Paulista. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 475 Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior urbanos é o movimento de pendularidade in- Desafios à mobilidade gerados pelo Aglomerado Urbano de Jundiaí tenso nas conexões interurbanas que pode ser notado através da análise do fluxo de transportes coletivos na região, assim como pelo fluxo de veículos de passeio. A mobilidade urbana no Aglomerado Urbano de Jundiaí estrutura-se basicamente em duas A mobilidade é... possibilitada pelas novas tecnologias de comunicação e transporte, permitindo a dissociação residência trabalho, um dos elementos fundamentais da alteração dos padrões de mobilidade diária que ocorreria entre esses dois polos. (Ascher, 1998, apud Marandola, 2006) escalas: a cidade e a região, e os fluxos de mobilidade identificam o papel de cada cidade na rede urbana do aglomerado. O modo de vida contemporâneo e o dinamismo social conduzem a deslocamentos populacionais, mudanças e redistribuições espaciais, relações e composições entre as cidades, altas densidades e vazios urbanos, a diluição das O Aglomerado Urbano de Jundiaí é fronteiras entre as cidades e ao mesmo tem- atendido por diversas linhas de transporte co- po, o aumento da conexão entre elas. letivo intermunicipal de passageiros com ori- Uma característica importante das regiões metropolitanas e dos aglomerados gem e/ou destino internos aos municípios da aglomeração. Tabela 6 – Transporte coletivo – Número de viagens/dia internas à AUJ Municípios de origem Municípios de destino Cabreúva Campo Limpo Itupeva Jarinu Jundiaí Louveira Várzea Paulista Total Cabreúva 0 6 0 4 8 0 0 18 Campo Limpo 0 0 0 0 0 0 0 0 Itupeva 0 0 0 0 0 0 0 0 Jarinu 0 22 0 0 0 0 0 22 168 283 160 26 0 8 354 999 Louveira 0 0 0 0 0 0 0 0 Várzea Paulista 0 0 0 0 189 0 0 189 168 311 160 30 197 8 354 1.228 Jundiaí Total Fonte: Emplasa (2007). 476 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ... Tabela 7 – Transporte coletivo – Porcentagem de viagens/dia internas na AUJ Municípios de origem Municípios de destino (%) Cabreúva Campo Limpo Cabreúva 0 33,3 Campo Limpo 0 0 Itupeva 0 0 Jarinu 0 100 Jundiaí 16,82 28,33 Itupeva Jarinu Jundiaí 22,22 44,44 Louveira Várzea Paulista 1,466 1,792 16,02 2,60 0,8 35,44 Louveira 81,35 0 Várzea Paulista Total Total 100 13,68 25,33 13,03 2,44 16,04 15,39 0,65 28,83 100 Fonte: Emplasa (2007). Pela análise das Tabelas 6 e 7, percebe- Atualmente, as principais rodovias que -se a polarização exercida por Jundiaí na ligam as cidades do AUJ têm, em média, um distribuição intrarregional de viagens e pas- fluxo diário de 60 mil a 80 mil pessoas3 em veí- sageiros através do transporte coletivo. Apro- culos de passeio. ximadamente 81,35% dos deslocamentos tem A infraestrutura de rodovias e estradas Jundiaí como origem e todos os municípios da região tem sido um dos grandes agentes do aglomerado urbano como destino. Destes de desenvolvimento econômico, estimulando 81,35% , 35,43%% dirigem-se para Várzea o crescimento urbano e a conurbação. Dessa Paulista, 28,32% para Campo Limpo Paulista, forma, o estudo e a avaliação dos processos 16,01% para Itupeva, 16,81% para Cabreú- geradores da dinâmica socioeconômica são es- va e apenas 0,8% para Louveira. Em síntese, senciais para se estabelecer as relações de in- percebe-se, pelos dados, que o município de terdependência entre as cidades do aglomera- Jundiaí ocupa a função de centro polarizador do urbano e também analisar a reestruturação da região. urbana da região. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 477 Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior Os percursos podem ser vistos como rotas, utilizadas nos deslocamentos das pessoas na cidade, através de espaços livres, que formam trajetórias. Constituem uma linha, no espaço e no tempo, descrita pelo movimento que define a direção de fluxos de circulação cotidianos, podendo indicar vetores de expansão intraurbana. Implicam igualmente num sentido social, relacionado aos deslocamentos e práticas de um dado grupamento humano, em uma direção de crescimento da cidade, englobando questões da cultura, interesses e hábitos típicos dos grupos sociais, em função da localização, renda e modo de transporte urbano. (Silveira et al., 2007) atividades econômicas atreladas aos parques temáticos e ao turismo de lazer. • pela Rodovia Dom Gabriel Paulino Bueno Couto (Jundiaí-Itupeva-Cabreúva-Itu), as interações urbanas são mais fortes até Itupeva no sentido de Sorocaba, demonstrando uma conurbação funcional com a implementação do Distrito Industrial, a extensão do gasoduto e a presença de diversos condomínios fechados ao longo da rodovia. • pela Rodovia Vereador Geraldo Dias (Jundiaí-Louveira-Vinhedo), apresenta-se uma conurbação funcional, no entanto ainda não se verifica uma conurbação espacial, apesar dos fortes indicativos para isso, demonstrando uma A partir de Jundiaí é possível perceber vetores de expansão no sentido das metró- tendência de expansão urbana de Jundiaí para o sentido de Campinas. poles de São Paulo e Campinas, seguindo os • pela Rodovia João Cereser (SP-360), arti- principais eixos rodoviários: pela Rodovia culam-se diretamente as cidades de Jundiaí e Anhanguera (SP-330), Rodovia Bandeirantes Jarinu. Na região de Jundiaí existe um fluxo (SP-348) e Rodovia Dom Gabriel Paulino Bueno bastante intenso de circulação de veículos até Couto (SP-300), Rodovia Vereador Geraldo Dias a Rodovia Engenheiro Constâncio Cintra, que (SP-332) e pela Rodovia João Cereser (SP-360). leva a Itatiba, apresentando um fluxo de mode- • pela Rodovia Anhanguera (Cajamar-Jun- rado a intenso até o acesso a Jarinu, uma cida- diaí-Louveira-Vinhedo), as interações urbanas de com características rurais se comparada as até Campinas são intensas, mas com manchas outras cidades do Aglomerado. urbanas fragmentadas, demonstrando uma co- A intensidade dos fluxos observados nos nurbação funcional (Queiroga e Benfatti, 2007), eixos viários citados, que absorvem a maioria ou seja, uma intensa relação de dependência das trajetórias diárias da população, constitui- econômica e social, através de redes de comuni- -se, enquanto aspecto de mobilidade interurba- cações sejam físicas ou virtuais, inclusive como na, num importante indicador da estruturação o sistema de informações entre as cidades. de vetores de expansão da urbanização não só • pela Rodovia dos Bandeirantes (São Paulo- entre as cidades do próprio aglomerado, mas -Campinas), as interações urbanas até Cam- também entre o AUJ e as Regiões Metropolita- pinas são menos intensas do que na Rodovia nas de Campinas e São Paulo e simultaneamen- Anhanguera, por se tratar de uma rodovia con- te no ambiente da Macrometrópole Paulista. finada com poucos acessos ao longo do percur- Outro indicador significativo da estrutu- so, embora essa região venha desenvolvendo ração de um vetor de expansão da urbanização 478 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ... no sentido Jundiaí-Itupeva é a constatação de de processos especulativos e de especulação que a evolução da malha urbana de Jundiaí imobiliária, em que os interesses privados dos ultrapassou a barreira das rodovias existentes, empreendedores superam os interesses públi- que se configuravam como tradicionais limi- cos, como os condomínios fechados, os par- tes naquela direção. Contribuíram para isso a ques de lazer e o Distrito Industrial de Itupeva. instalação do Distrito Industrial de Jundiaí e Já no sentido Campinas, essa fragmentação de diversos parques temáticos, localizados às resulta do crescimento de condomínios fecha- margens da Rodovia Dom Gabriel Paulino Bue- dos e da instalação de galpões de logística, no Couto, bem como o Aeroporto de Jundiaí, situados nas conexões rodoviárias entre os no- localizado no vetor sudoeste da cidade. Esses vos tecidos urbanos. empreendimentos dispersos pelo território A malha rodoviária e a proximidade de consolidaram-se como nós urbanos intrametro- outros meios de transporte facilitam a logís- politanos (Queiroga e Benfatti, 2007), apresen- tica dos produtos e os acessos aos pontos de tando-se como polos geradores potenciais de entretenimento. A conclusão dos rodoaneis de novas centralidades na escala regional. São Paulo e de Campinas (a menos de 50 km Segundo a edição, de 9 de outubro de 2011, do jornal O Estado de S.Paulo, o Aeropor- de distância de Itupeva) conectará o município a um grande número de importantes rodovias. to de Jundiaí tem se destacado como centro da aviação executiva da Macrometrópole Paulista devido ao esgotamento de pistas do Aeroporto de Congonhas e do Campo de Marte. Nos últimos cinco anos, o número de aeronaves e Segregação socioespacial no AUJ passageiros triplicou, e o jornal destaca como pontos fortes do aeroporto, a questão da loca- Essa posição estratégica do AUJ nas cone- lização e do microclima, devido a Serra do Japi, xões intrametropolitanas potencializa a nova facilitando pousos e decolagens sem o incon- unidade regional como localização para mo- veniente da chuva e da neblina. radia, como ponto estratégico para centros Hoje, o Aeroporto de Jundiaí faz 78 mil pousos e decolagens de aviação executiva por ano, mais que o dobro de Congonhas (34 mil) e 63% do movimento total do Campo de Marte. logísticos e como local ideal para indústrias de nova geração. Com a forte infraestrutura rodoviária, facilitando a acessibilidade, a relação espaço- Essa região geográfica é privilegiada, pois -tempo se inverte, e a distância deixa de ser um integra uma região densamente povoada, in- problema para os deslocamentos diários, inter- dustrializada e com renda per capita expressiva. cidades ou intermetrópoles, seja para acesso Devido aos nós urbanos entre as cida- aos equipamentos de educação, de consumo des do Aglomerado, nota-se a fragmenta- e serviços, seja para buscar opções de mora- ção das manchas urbanas no vetor sudoeste, dia ou trabalho. Dessa forma, a competividade sentido Itupeva, e no vetor nordeste, sentido entre as cidades torna-se ainda mais acirrada, Campinas. No sentido Itupeva, é decorrente agora não só pela população da própria cidade, Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 479 Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior mas pela população de toda a região. Podemos tanto produtos como pessoas, tanto bens dizer que as cidades deixam de ter suas fron- materiais como bens imateriais (comunicação teiras definidas, e o espaço no qual o indivíduo e informação) se encontram, são recompos- se relaciona também deixa de ser apenas o da tos e disseminam-se por toda a região, e isso própria cidade de residência, ampliando, de for- favorece uma forte dispersão de assenta- ma contemporânea, sua percepção e vivência mentos residenciais, industriais, de serviços para a rede de cidades, para o espaço regional. e de lazer. Segundo Randolph (2010), cada vez mais As classes de renda média e renda alta os processos econômicos ou sociais ultrapas- da região têm demonstrado preferência pela sam as fronteiras das cidades e provocam al- região de Itupeva, pois oferece um malha ro- terações nas relações interurbanas, como a doviária bem estruturada que permite um fácil desconcentração de instalações de produção, e acesso de veículos de passeio a rede de cida- interferem na localização dos lugares de traba- des da Macrometrópole Paulista. lho e das residências da população, ampliando as distâncias, alterando a forma urbana. Percebe-se, observando a distribuição geográfica desses dados, o mapa da segrega- Dessa forma, pontos ou sítios tornam-se ção socioespacial, ou seja, quanto mais próxi- lugares estratégicos ao permitirem que haja um mo de Jundiaí, centro do aglomerado urbano, entrelaçamento e aglomeração de atividades maior a renda da população. permanentes e estáveis que os tornem centrais Jundiaí conta com 59,47% do PIB do (Lefebvre, 1974, p. 331), favorecendo relações Aglomerado Urbano e, segundo o Índice Pau- interregionais e reestruturando o território. lista de Responsabilidade Social (IRPS), faz O AUJ beneficia-se de sua localização, tornando-se uma plataforma logística, onde parte do grupo de municípios com melhor situação de riqueza e bons indicadores sociais. Tabela 8 – Índice Paulista de Responsabilidade Social IPRS 2008 Municípios Grupo IPRS Riqueza municipal Lengevidade Escolaridade Cabreúva 2 55 73 65 Campo Limpo Paulista 2 53 75 65 Itupeva 2 59 79 66 Jarinu 3 48 72 68 Jundiaí 1 63 76 85 Louveira 2 65 71 71 Várzea Paulista 2 50 77 50 AU Jundiaí - - - - Estado de São Paulo - 52 73 68 Fonte: Emplasa (2012).4 480 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ... O Índice de Desenvolvimento Humano o As cidades que têm o índice mais alto classifica em 1º lugar dentro do grupo de mu- de pobreza na região são Várzea Paulista, com nicípios do aglomerado urbano, na 4ª posição 21,61%, Cabreúva, com 26,73%, e Jarinu, com entre as cidades paulistas e em 14ª posição en- 27,94%. Itupeva e Louveira apresentam índices tre as cidades brasileiras. intermediários de pobreza, 18,24% e 19,54%, Segundo o IBGE, o índice de pobreza na respectivamente. O que se pode deduzir da Ta- cidade de Jundiaí é de 8,78%, um índice bas- bela 9 é que Várzea Paulista, Cabreúva e Jarinu tante baixo diante das outras cidades do aglo- se apresentam como territórios para pessoas merado urbano ou mesmo da cidade de São de baixa renda e são importantes fornecedores Paulo e de Campinas. de mão de obra especialmente para Jundiaí. Tabela 9 – Índice de Desenvolvimento Humano PIB total1 Municípios PIB per capita2 (2009 em R$) IDH 2000 2009 em R$ % 1.091.386.392,00 3,91 25.559,40 0,774 838.058.883,00 3,01 11.194,57 0,805 1.736.231.142,00 6,23 40.892,91 0,789 399.077.075,00 1,43 17.486,51 0,759 Jundiaí 16.585.137.291,00 59,47 47.395,72 0,857 Louveira 5.815.328.590,00 20,85 174.891,84 0,800 Várzea Paulista 1.421.193.977,00 5,10 13.256,05 0,795 27.886.413.350,00 100,00 41.421,58 - 1.084.353.489.626,00 - 26.202,22 - Cabreúva Campo Limpo Paulista Itupeva Jarinu AU Jundiaí Estado de São Paulo (1) (2) – IBGE (2009) Fonte: Emplasa (2012). Tabela 10 – Índice de Pobreza por município Municípios Jundiaí Várzea Paulista Índice de pobreza em 2010 – % 8,78 21,6 Cabreúva 26,73 Louveira 17,8 Campo Limpo Paulista 19,5 Jarinu 27,94 Itupeva 18,24 Fonte: IBGE (2012). Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 481 Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior Essa reconfiguração socioespacial do AUJ é motivada não só pelas relações econô- consequentemente, congestionamentos nos horários de pico. micas, mas também pelas relações sociais, A relação entre as cidades do Aglomera- pelo crescimento da segregação socioespacial, do é cada vez mais estreita, uma relação de pelas estruturas de mobilidades urbanas e pela interdependência, na qual cada uma delas vem acessibilidade de locomoção individual e cole- assumindo um papel diferenciado como estraté- tiva da população. gia para se integrar às dinâmicas econômicas e As melhorias na infraestrutura, no trans- territoriais, onde a soma das cidades não tende porte, nos setores de serviços e comércio, na ao equilíbrio da região. Assim, a busca de níveis comunicação urbana têm elevado a taxa de ur- de interação política e de comunicação entre banização da rede de cidades, provocando um elas, seja através de transportes coletivos, par- aumento dos investimentos imobiliários princi- ticulares ou pela rede de informática, é cada vez palmente no município de Jundiaí (ver Gráfico mais essencial a sobrevivência dessas cidades. 1). Segundo a Prefeitura Municipal de Jundiaí, Hoje, os entraves à mobilidade urbana o número de imóveis construídos cresceu 38% nas rodovias entre as cidades do AUJ tornam- do ano de 2000 a 2010. -se obstáculos às conexões entre a metrópole No entanto, com o crescimento das cida- de São Paulo e de Campinas, e esse problema des e da aglomeração urbana, a rede de infra- tende a se agravar, uma vez que o ICGA (Índice estruturas de rodovias não está sendo capaz de de Crescimento Geométrico Anual) da região é suportar o enorme fluxo de passagens e, causa, o maior da Macrometrópole Paulista. Gráfico 1 – Evolução investimentos imobiliários nos últimos 10 anos Fonte: Secretaria Municipal de Finanças da Prefeitura Municipal de Jundiaí (2011). 482 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ... As cidades do Aglomerado Urbano ne- atrás do problemas já ocorridos, mas além de cessitam de planejamento integrado e ação resolver os existentes e prever eventuais pro- coordenada dos órgãos públicos, para o ge- blemas futuros. renciamento de problemas comuns, como a questão da mobilidade, segregação social, entre outras desigualdades em nível de saúde, educação e segurança pública. A construção de organismos de gestão regional compartilhada coloca-se como uma questão premente para a obtenção, no contexto descrito por este artigo, de melhorias na qualidade de vida dos habitantes do aglomerado urbano e Cerca de 80% da carga que circula pela Macrometrópole é considerada carga geral, ou seja, produtos intermediários em suprimento ou escoamento de processos industriais, e produtos para consumo final. Como as instalações de produção e os estabelecimentos de consumo se encontram dispersos por esta região, a logística desta carga torna-se, portanto, de difícil planejamento. (Asquino, 2010) também da Macrometrópole Paulista, além de aproveitar melhor os recursos públicos, A capacidade de transformação urbana beneficiando o desenvolvimento socioeconô- dessa região é muito grande, provocando rea- mico da região. locação de atividades nesse território, atrain- A Macrometrópole Paulista é polo de do novas atividades ou polos intermetropoli- atração de viagens intermunicipais e interesta- tanos que agregam um significativo impacto duais, concentrando fluxos das mais variadas no sistema viário local. Em virtude da falta origens e das mais diversas especificidades, de investimentos nos transportes ferroviários, simultaneamente fluxos de pessoas e cargas a situação se torna ainda mais agravante nos ao longo de suas rodovias, uma vez que nes- principais eixos rodoviários. sa região se concentra 50% do fluxo total de Nota-se que a manutenção e potenciali- transportes do estado de São Paulo e 93% de zação do transporte ferroviário, em nível ma- transporte de mercadorias do estado de São crometropolitano, torna-se imprescindível, seja Paulo (Asquino, 2010). no transporte de cargas ou de passageiros. No Atualmente, o Aglomerado Urbano de entanto, no sistema ferroviário atual, existe um Jundiaí caracteriza-se como centro logístico da conflito de cargas passageiros, pois a constan- região, e exatamente nesse ponto nodal, com te movimentação de cargas provoca avarias e a grande concentração de transportes de car- desgaste nas linhas, impedindo o aumento de ga, de pessoas, além da presença de mais de velocidade do transporte de passageiros, o que 500 empresas ao longo das rodovias, a região ocasiona muitas paradas ao longo das linhas encontra-se num momento crítico, pois diaria- de trem, comprometendo o aumento da sua mente apresenta momentos de congestiona- velocidade operacional por questão de segu- mentos intensos. Essa situação demonstra a rança. Dessa forma, o ideal seria redimensionar necessidade de um planejamento macrometro- o sistema de forma a diferenciar os trens para politano na região, pois essa tendência a imo- carga e para passageiros mesmo que na mes- bilidade na Macrometrópole tende a aumentar ma faixa ferroviária, e consequentemente redu- rapidamente. Não podemos apenas correr zindo o intervalos dos trens da CPTM. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 483 Adriana Fornari Del Monte Fanelli, Wilson Ribeiro dos Santos Junior A melhoria da mobilidade intrametropo- aglomerados na relação tempo e espaço, be- litana não deve apenas redimensionar as infra- neficiando-se pelo transporte de produtos num estruturas rodoviárias, mas também expandir tempo menor devido a sua localização. Essa os sistemas de transporte sobre trilhos de for- rede de cidades possuem uma diversidade de ma a integrá-los para a solução da mobilidade produtos e serviços interessante, seja baseados na atual e futura Macrometrópole Paulista. em conhecimento, como atividades de pesquisa, educação e as artes criativas, seja baseados na produção ou deslocamento logístico. Conclusão No entanto, as problemáticas da região teve um crescimento assustador nos últimos anos, tanto com relação a congestionamento Apesar do AUJ ter a menor área (1.269,99km2) como em relação a segregação social. Cons- de todos os aglomerados da Macrometrópole, tatamos rodovias sobrecarregadas tanto pelo seu TGCA, de 2000 a 2010, é 1,90 (vide Tabe- transporte de passageiros como pelo escoa- la 2), o maior de toda a região, contrariando a mento dos produtos desenvolvidos com mo- teoria de Christaller de lugares centrais, e jus- mentos de imobilidade ao longo do dia. Condo- tificando a importância do sistema de redes mínios fechados competem com as indústrias entre cidades. nessa mesma região intersticial, beneficiando- O AUJ se beneficia das sinergias dinâmi- -se da relação espaço-tempo. Além dessa si- cas entre as metrópoles de Campinas e de São tuação, a região, principalmente em direção à Paulo, responsável por uma posição geográfi- Itupeva não está devidamente equipada para ca chave nas transações inter-regionais (Scott, receber essa população com grande desnível 1992), articulando ambientes culturalmente di- social. Dessa forma, encontra-se uma região versificados, instituições de ensino importantes, com deficiência na saúde, educação e seguran- polos de tecnologias de informação e sistemas ça pública. produtivos importantes para o país, favorecen- Portanto, é nítida a necessidade de pla- do uma força de trabalho flexível e criativa, nejamento integrado e ação coordenada dos melhorando a acessibilidade para o mundo ex- órgãos públicos, para a melhoria na qualidade terior e numa visão dinâmico do futuro. de vida dos habitantes do Aglomerado Urbano Auxiliado por corredores de transporte, e também da Macrometrópole Paulista, apro- como as rodovias e também pela infraestru- veitando melhor os recursos públicos, benefi- tura de comunicações, o AUJ vem adquirin- ciando-se do desenvolvimento socioeconômi- do vantagens significativas diante de outros co da região. 484 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 O Aglomerado Urbano de Jundiaí (SP) ... Adriana Fornari Del Monte Fanelli Arquiteta, mestranda em Arquitetura e Urbanismo na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, diretora pedagógica ll das escolas Padre Anchieta e Sociedade Padre Anchieta. Jundiaí/SP, Brasil [email protected] Wilson Ribeiro dos Santos Junior Arquiteto, doutor em Arquitetura e Urbanismo. Professor titular da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Campinas/SP, Brasil. [email protected] e [email protected] Notas (1) Nos países desenvolvidos, a intensificação da importância do setor de serviços para empresas ocorre nos anos 1980 e, no final desta década, já se verifica esta tendência em cidades dos países em desenvolvimento que se integram aos mercados mundiais (Davanzo, 2010, p. 90). (2) Consideram-se arranjos espaciais conjuntos de municípios em continuidade, caracterizados por elevada concentração populacional de renda, taxa de crescimento populacional superior à media dos respectivos estados e significativa mobilidade pendular da população entre municípios. Morfologicamente superam a condição de simples aglomerações por reunirem mais de uma aglomeração e centros urbanos em uma mesma unidade especial, mesmo que descon nuamente (Moura et al. , 2012, p. 52). (3) Dados fornecidos pela Prefeitura de Jundiaí, 2010. (4) Grupo IRPS: 1) municípios com bons indicadores em riqueza, longevidade e escolaridade; 2) municípios bem posicionados na dimensão riqueza, mas com deficiência em pelo menos um dos indicadores sociais; 3) municípios com baixos níveis de riqueza, e com bons indicadores de longevidade e escolaridade; 4) municípios com baixos níveis de riqueza, e com deficiência em um dos indicadores sociais. Referências ANGEL, S.; PARENT, J.; CIVCO, D. L. e BLEI, A. 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Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 461-487, jul/dez 2013 487 Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia como ferramenta para políticas públicas Sustainable Urban Mobility Index in Goiânia as a tool for public policies Ivanilde Maria de Rezende Abdala Antônio Pasqualetto Resumo Abordam-se conceitos de mobilidade e de mobilidade urbana sustentável e suas interações com o ambiente urbano. Buscando melhorias na movimentação das pessoas e serviços, em especial o uso dos veículos, conduz a investigações para a mobilidade satisfatória nos espaços públicos e qualidade de vida da população. Assim, pesquisadores discutem o assunto, na busca de índices para medir parâmetros. Neste, objetivou-se calcular o Índice de Mobilidade Urbana Sustentável – Imus para a cidade de Goiânia com levantamento dos dados em 2011 e 2012, adotando a metodologia de Costa (2008). O cálculo efetivou-se no segundo semestre de 2012, explanando que, para solucionar o problema do trânsito e transporte, necessitava-se vinculá-lo à política urbana. Assim, recomenda que o Imus seja uma ferramenta para auxiliar e contribuir na proposição, formulação, implantação e monitoramento de políticas públicas relacionadas à mobilidade urbana sustentável de Goiânia. Abstract This paper approaches concepts of mobility and Sustainable Urban Mobilit y and their interactions with the urban environment. Seeking improvements in the movement of persons and services, in particular in the use of vehicles, it leads to investigations aiming at satisfactory mobility in public spaces and at the quality of life of the population. Thus, researchers discuss the subject in search of indices to measure parameters. In this study, the aim was to calculate the Sustainable Urban Mobility Index (SUMI) to the city of Goiânia (Central-Western Brazil) with data survey in 2011 and 2012, adopting the methodology proposed by Costa (2008). The calculation was made in the second half of 2012 and revealed that, to solve the problem of traffic and transport, it is necessary to associate the index with the urban policy. Therefore, it is recommended that SIMU is used as a tool to assist in and contribute to the proposition, formulation, implementation, and monitoring of public policies related to the sustainable urban mobility of Goiânia. Palavras-chave: índice de mobilidade; cidades; políticas públicas; sustentabilidade Keywords: mobility index; cities; public policy; sustainability. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto Introdução sustentável, e, dentre os artifícios necessários, deve-se tratar a questão do transporte e trânsito vinculada à política urbana. Para tanto, é A concentração de pessoas nas cidades, notadamente nas grandes e em regiões metropolitanas e a consequente necessidade de mobilidade ligada ao aumento do uso dos veículos automotores têm resultado baixa qualidade de vida. Os problemas referentes à mobilidade são agravados por investimentos insuficientes e às vezes inadequados, e também pela ausência de políticas públicas que priorizem os modos coletivos e os não motorizados de forma a tornar mais equânime à apropriação do espaço urbano pelos diversos modos de transporte. Dessa forma, ficam comprometidos os deslocamentos da população no atendimento e realização de suas necessidades diárias, principalmente da parcela da população de baixa renda, dependentes do transporte público e sem espaços nas vias para a utilização segura de modos não motorizados. imperativo a provisão de facilidades para responder à demanda por milhares de deslocamentos diários, por diferentes modos e motivos. Na busca de melhor planejamento que controle com mais austeridade o uso do espaço urbano, tem-se direcionado a estudos e investigações em direção à mobilidade sustentável. Dessa maneira, pesquisadores têm discutido o assunto buscando estabelecer parâmetros, identificar fatores que impactam a mobilidade e obter soluções para ela, dentre as quais, índices que possam medir a condição de vida da população assim como de sua mobilidade. Do mesmo modo [...] estudos para estabelecer parâmetros para o desenvolvimento de metodologias de monitoramento da Mobilidade Urbana, buscando subsidiar a definição de políticas públicas. (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos – CGE, 2009) No deslocamento da população, o transporte público ou coletivo de qualidade é fator Um importante instrumento para elabo- preponderante e influi na qualidade de vida ração de diagnósticos é o Índice de Mobilidade urbana, sendo também fator direcionador do Urbana Sustentável – Imus, desenvolvido por seu desenvolvimento econômico e social. As- Costa (2008). Esse índice, formado por um con- sim sendo, é necessário um equacionamento junto de 87 indicadores, foi desenvolvido com adequado do transporte em geral em conjunto a proposta de oferecer uma metodologia capaz com suas políticas, em especial a do uso do so- de avaliar quantitativamente e qualitativamen- lo interligado ao transporte. te vários aspectos pertinentes à mobilidade, Como mobilidade e transportes estão intrinsecamente interligados, na busca de solucionar os seus problemas, estudos apontam a ações que levam à mobilidade urba na 490 incluindo os cenários essenciais – social, econômico e ambiental. Assim sendo, objetivou-se avaliar, à luz da metodologia citada, o Imus para Goiânia. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia... Mobilidade urbana sustentável ambiental, econômica e social no planejamento do desenvolvimento urbano é relativamente recente no Brasil, principalmente no O termo “Mobilidade Urbana Sustentável” teve seu desdobramento e desenrolar inicial- que se refere ao planejamento da mobilidade. Macedo et al. (2012) alegam que, estimulado mente como “desenvolvimento sustentável”, por políticas públicas, os planos diretores só surgido por meio do relatório Nosso Futuro recentemente incorporaram a noção de mobi- Comum ( Our Common Future ) ou Relatório lidade sustentável em seu texto e incluíram a de Brundtland – pela World Commission on mobilidade das pessoas com deficiência, dado Environment and Development – WCED em à crescente importância e gravidade dos pro- 1987. Cita-se desenvolvimento sustentável, blemas de acessibilidade e circulação dentre as aquele que "atende às necessidades do pre- questões urbanas. sente sem comprometer a possibilidade de as O conceito de mobilidade urbana é ex- gerações futuras atenderem suas próprias ne- tenso e também envolve várias definições cessidades" (Brasil, 2006, p. 48). complementares sendo difícil definir separada- Pode-se considerar “Desenvolvimento mente, como também o é mobilidade urbana Sustentável” como um termo amplo que impli- e mobilidade urbana sustentável. Conceituar ca desenvolvimento continuado e sustentabili- mobilidade urbana reporta a relações que inte- dade como um termo vasto que envolve várias ragem no espaço urbano juntamente com ou- atividades humanas e de maneira simplificada tros conceitos, devido à multidisciplinariedade é prover o melhor para as pessoas e para o envolvida. Dessa forma, é comum associar o meio ambiente tanto no presente como para conceito de mobilidade ao transporte, sobretu- o futuro. Portanto, sustentabilidade pode ser do aos modos motorizados, e também pratica- definida como a que tem por finalidade obser- mente apenas a circulação de automóveis e ao var e praticar os aspectos ambientais, sociais, e uso de transporte coletivo. econômicos e buscar alternativas para susten- O padrão de mobilidade urbana no Bra- tar a vida no Planeta sem prejudicar a qualida- sil vem se modificando com o aumento ace- de de vida no futuro. lerado da taxa de motorização, pois os seg- Boareto (2008, p. 152) afirma que [...] conceitos e formas de avaliação sobre o desenvolvimento sustentável das cidades são imprecisos e requerem ainda muita discussão, principalmente nos países em desenvolvimento, (...) com a consequente repercussão sobre a política de mobilidade urbana. Em relação à mobilidade urbana, Rodri- mentos de menor renda também estão tendo acesso ao veículo privado. A tendência é continuar crescendo e cada vez mais pessoas poderão ter acesso a esse bem, ainda estimulado por políticas de incentivo pois, como afirma Boareto (2008, p. 145) “a maioria dos formuladores de políticas urbanas considera o automóvel como desejo natural e destino final de todas as pessoas”. gues da Silva et al. (2008) afirmam que a in- Influenciam na mobilidade urbana fato- corporação das premissas de sustentabilidade res como as dimensões do espaço urbano, a Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 491 Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto complexidade das atividades nele desenvol- públicos, comunidade acadêmica e sociedade vidas, a disponibilidade de serviços de trans- em geral, alguns aspectos têm merecido desta- porte e questões da população principalmente que. Entre eles, as dificuldades impostas à cir- a renda e faixa etária (Brasil, 2006). Para Ma- culação de pessoas e bens, causada pela falta gagnin et al. (2008) o crescimento das cida- de integração entre o planejamento urbano e des influencia e é influenciado pelos meios de de transportes, e o declínio da qualidade am- transporte disponíveis à sua população, e biental das cidades em função de seus sistemas [..] a maneira como se dá o processo de circulação urbana interfere diretamente na demanda por transportes nas áreas destinadas a estacionamento, nos congestionamentos, etc. de mobilidade. Lopes (2010) enfatiza a importância da consideração de efeitos espaciais e pelas relações de transporte e uso do solo, de forma dinâmica e integrada, no estudo da mobilidade urbana em busca do desenvolvimento urbano Macêdo et al. (2006, p. 3) acreditam que sustentável. Portanto, problemas enfrentados um dos maiores problemas em relação às solu- pelas cidades com crescimento rápido ocorrem ções da mobilidade se dá pelo tratamento pri- muitas vezes devido à falta de políticas públi- vilegiado recebido pelo transporte motorizado cas mais direcionadas às pessoas e que pos- individual, e pelo descaso aos demais modos sa orientar o crescimento espacial de forma e serviços, sinalizando, assim, para o estímulo sustentável e com qualidade de vida. Assim, ao uso do carro. Para a melhoria, é necessário afirma Boareto (2008) ser necessário que os haver maior percepção e interação entre os vá- governos considerem a mobilidade urbana co- rios sistemas de deslocamentos como a pé, de mo resultado de uma política pública. Segundo bicicleta, transporte coletivo, transporte moto- Magagnin e Rodrigues da Silva (2008), para tal rizado individual, ou seja, contemplar todos os são necessários instrumentos efetivos de con- modos e redes de transporte como: trole e monitoramento da mobilidade urbana, [...] rede de transporte público-coletivo e individual; rede de transporte individual motorizado; rede de transporte individual não-motorizado – calçada para pedestres e ciclovias, rede de paradas, terminais e pontos de transferência e a rede de infraestruturas que suporta todos os modos. (Ibid.) bem como de políticas mais sustentáveis destinadas a orientar o crescimento e o ordenamento espacial. Macêdo et al. (2012) apontam que o tema desenvolvimento sustentável, de natureza pluri e interdisciplinar, tem mobilizado setores da comunidade acadêmica no sentido de desenvolver índices, a partir da fusão de vários Conforme Costa (2008), o contexto das indicadores, na tentativa de sintetizar em um cidades e a busca pelo desenvolvimento sus- único parâmetro as condições de mobilidade tentável têm provocado a revisão das formas nas cidades e por meio deles diagnosticar os de compreender e planejar o meio urbano. Nas principais problemas e acompanhar o resulta- discussões ocorridas durante esse processo, as do de implantação de políticas públicas com quais envolvem planejadores, administradores vistas ao desenvolvimento sustentável. Nesse 492 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia... sentido, os indicadores de mobilidade fornecem informar uma variedade de funções de ava- informações necessárias e indispensáveis ao liação, e que muitas vezes são repetidas e re- planejamento urbano. gularmente reportáveis, e ainda são sempre construídas e selecionadas. Gudmundsson (2011, p. 10) também Indicadores e Índices da Mobilidade Sustentável afirma que: [...] um indicador é uma variável, com base em medições, que representa com a maior precisão possível e necessária um fenômeno de interesse Comum às cidades, especialmente as maiores, aparecerem relacionadas ao caos e crescimento desordenado, como também o trânsito e transportes. Visando à melhoria das condições da cidade e da qualidade de vida das pessoas propostas são feitas na criação de um índice que qualifique a mobilidade urbana e avalie seu grau de sustentabilidade. Com isso, na obtenção de índices, as análises por meio de indi- e que [...] um indicador de sustentabilidade ambiental nos transportes é uma variável, com base em medições, que representa impactos potenciais ou reais sobre o meio ambiente ou fatores que podem causar tais impactos, devido ao transporte, com a maior precisão possível e necessária. cadores têm alcançado maior peso nas metodologias utilizadas para obter informações de No Brasil, ainda não existem métodos caráter técnico e científico, permitindo que a comprovados de avaliação que qualifiquem cor- informação seja mais facilmente utilizável por retamente a mobilidade e seu grau de susten- tomadores de decisão, gestores, políticos, gru- tabilidade e que apontem sugestões para com- pos de interesse e pelo público em geral, como preender e posteriormente melhorar a condição apontado em Magagnin (2008); Lopes (2010); existente. Machado (2010); Miranda (2010); Mancini, (2011); Da Assunção, (2012)). Procurando suprir essa deficiência, foi criado o Índice de Mobilidade Urbana Susten- Para Gudmundsson (2011), os impactos tável – Imus, que, conforme Costa (2008), é ambientais dos transportes necessitam ser uma ferramenta para avaliação da mobilidade mensurados e que por indicadores obtém-se urbana sustentável, ou seja, uma ferramenta melhor representação das preocupações de de apoio à tomada de decisão dos gestores pú- sustentabilidade na tomada de decisões de blicos nos processos de formulação, implanta- transporte, em todas as áreas, em todos os ní- ção e monitoramento de políticas públicas com veis, também pela necessidade de se reduzir a vistas à promoção da mobilidade urbana. E que complexidade da informação. A avaliação por é “capaz de revelar as condições atuais e medir indicadores contém variáveis que representam os impactos de medidas e estratégias que vi- um fenômeno de interesse, podem ser medi- sam à mobilidade sustentável” (Macêdo et al., das e preenchidas com dados, como também 2012, p. 1769). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 493 Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto Imus – Índice de Mobilidade Urbana Sustentável temas em relação a cada uma das dimensões da sustentabilidade: social, econômica e ambiental; e em nível global. Dessa forma, a cada O Imus, formulado por Costa (2008), se constitui em uma ferramenta para monitoração da mobilidade urbana sustentável e avaliação do impacto de políticas públicas, estruturado a partir de conceitos identificados em 11 capitais de estados brasileiros entre 2006 e 2007, e entre as cidades selecionadas estava Goiânia/GO (CGE, 2009). Esse índice é composto por nove domínios, distribuídos em 37 temas e 87 indicadores. Em sua composição, apresentam-se questões tradicionais e também as relacionadas à mobilidade sustentável, e, devido a essa diversificação, adapta-se a qualquer realidade urbana. A avaliação dos indicadores é feita através de indicador é associado um peso que permite avaliar a contribuição do indicador, para o resultado do Imus. Segundo descrito por Plaza e Rodrigues da Silva (2010, pp. 1769-1770), [...] para o cálculo do Imus o produto dos pesos associados a cada indicador pelos seus respectivos escores é combinado segundo uma lógica de compensação entre critérios, ou seja, um indicador com valor baixo pode ser compensado por outro com valor alto, de forma a evidenciar a contribuição global e setorial dos mesmos para o resultado final do Imus. O resultado final, ou escore normalizado, sempre se situa entre zero e um, valores que correspondem, respectivamente, à pior e à melhor condição possível. um sistema de pesos que os qualifica de forma individual e também em grupo, podendo assim As tabelas e detalhes sobre o cálculo do reconhecer a contribuição relativa de cada ele- índice e o processo de normalização são expos- mento para todo o sistema (Miranda, 2010). tos no Guia de Indicadores do Imus, parte inte- O Imus é uma ferramenta que se propõe grante do trabalho de Costa (2008). a ser utilizado para a avaliação e monitoração da mobilidade urbana considerado de fácil compreensão e manipulação. Permite avaliar Guia de Indicadores de Mobilidade condições atuais e os impactos de medidas e estratégias, visando à mobilidade urbana sustentável. Propõe também ser um instrumento de contribuição e subsídios para a formulação de políticas públicas. Os vários aspectos, conforme o Guia de Indicadores (Costa, 2008), são expostos nos domínios. Além da hierarquia de critérios, o Imus se utiliza de um sistema de pesos que são Para cada um dos indicadores, as informações apresentam-se organizadas, conforme a estrutura (Tabela 1) definida por Costa (2008). A – Definição Descrição de cada Indicador do Imus. B – Fontes de Dados Fontes dos dados necessários para o cálculo de cada indicador específico. C – Método de Cálculo definidos, além da qualificação de forma Resumo do desenvolvimento do indicador, individual, também em nível setorial, para os de acordo com as etapas contidas no Guia de 494 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia... Tabela 1 – Domínio, tema e indicador do Índice de Mobilidade Urbana – Imus Domínio Domínio conforme estrutura do Imus Tema Tema conforme estrutura do Imus Indicador Identificação do Indicador Indicadores do Imus, contendo fórmulas e fer- referência para definição dos valores mínimo e ramentas utilizadas. máximo necessários para obtenção do escore D – Score normalizado, ou mesmo para a associação dire- Resultado obtido para o indicador, não ta do escore obtido para o indicador, conforme indicado no método de cálculo. normalizado. No caso de avaliação, sem que seja fei- E – Normalização Resultado normalizado em escala de 0 a 1 de acordo com a tabela de normalização indicada no Guia de Indicadores do Imus. to o cálculo efetivo do indicador, a avaliação, com base na escala proposta, deve ser feita por técnico ou gestor com conhecimento sobre os dados e da cidade em questão. Os resultados F – Pesos obtidos por meio da avaliação substituem, por- Os pesos para os critérios obtidos segundo a tanto, os valores dos indicadores que não pu- avaliação de um painel de especialistas. deram ser obtidos pelo método principal. No caso do indicador ter sido calculado Os indicadores estão classificados em com base em dados numéricos e necessitar ser qualitativos, quantitativos e mistos uma vez normalizado para valores entre 0,00 e 1,00, que a grande maioria está contida na quantita- a escala de avaliação deve ser usada como tiva conforme Figura 1. Figura 1 – Indicadores do Imus conforme tipologia Representação gráfica das variáveis Qualitativos 24% Mistos 5% Quantitativos 71% Fonte: Guia de Indicadores (Costa, 2008). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 495 Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto Baseado na Figura 1 e segundo a interpretação de Costa (2008), verifica-se que há predomínio dos indicadores quantitativos na Aplicação do índice em Goiânia estrutura do Imus, o que representa 71% do conjunto total de indicadores. Indicadores que exigem, para seu desenvolvimento, o levanta- Considerações no cálculo do Imus de Goiânia mento de dados quantitativos por meio de bases de dados ou outras fontes de informação, Para o cálculo do índice, é necessária a cole- além do desenvolvimento de métodos de cál- ta de uma grande quantidade de dados que, culo para obtenção de seu escore. Os demais no caso da cidade em questão, envolveu uma indicadores dos tipos qualitativos e mistos re- busca contínua em várias secretarias munici- presentaram, respectivamente, 24% e 5% do pais e estaduais, além de outras fontes. Alguns conjunto total. dados foram obtidos através do cruzamento Na busca de minimizar e solucionar os de informações de mais de um banco de da- problemas relacionados à mobilidade urbana dos, como por exemplo, da Celg Distribuição em geral e em especial ao transporte público e S.A. – Celg D, com os dados da Secretaria Mu- ao trânsito, tem-se estudado vários índices de nicipal de Planejamento de Goiânia – Seplam, Imus, como em Machado (2010), para levantar atualmente Secretaria Municipal de Desenvol- e medir os aspectos pertinentes à mobilida- vimento Urbano Sustentável – Semdus e pro- de urbana. Assim, entre os vários estudos de cessados no Departamento de Geoprocessa- índices, o Imus se aprofundou e, para validá- mento dessa secretaria. -lo, ele foi aplicado e calculado em algumas Além da adequação de alguns indicado- cidades, ou seja, foi efetivado em várias cida- res para a obtenção dos dados a serem utili- des, entre elas, têm-se: São Carlos/SP, Costa, zados no cálculo de um índice mais realista, (2008); Curitiba/PR, Miranda (2010); Anápo- assim como a revisão de outros, é necessário e lis/GO, Morais, (2012); Uberlândia/MG, Da As- de grande importância ter boa atualização dos sunção, (2012). dados utilizados, ter acompanhamento conti- Com os resultados dos índices e com as nuado, e certa regularidade. Também que essa intervenções necessárias, são capazes de so- atualização seja convenientemente estipulada frerem ações visando a sua melhoria, sendo em determinado número de anos, como por calculado e finalizado, neste ano de 2013, para exemplo, a cada dois anos, qual seja, no meio Goiânia/GO. e ao final de cada administração. Desse modo, 496 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia... para o cálculo do índice de Goiânia, na maio- as áreas de proteção permanente, sem contar ria de seus indicadores foi concretizado com os as árvores, praças e ilhas do sistema viário, te- princípios recomendados. ve pontuação menor que as outras. Comprova-se assim, que há vários aspectos ambientais que necessitam ser aprimorados além do O Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia verde da cidade. Em relação aos escores obtidos (ver Tabela 2), observa-se que 55,295% têm índices Na cidade de Goiânia, o cálculo do Imus foi superiores a 0,70; 15,295% têm valores entre realizado para a quase totalidade dos indica- 0,50 e 0,69 também com valor positivo, e que dores, ou seja, de um total de 87, que com- somente 29,41% apresentam-se entre baixa põem sua estrutura, foram calculados 85. e baixíssima pontuação (0,00 a 0,49), isso em Para alguns dados, foi feito atualização com relação à linha intermediária. Assim sendo, explicação e ponderação desses dados, e, em observa-se que, de uma maneira geral, tem-se alguns casos, apresentado sugestão de me- que 70,59% estão da linha intermediária para lhoria do indicador. cima e 29,41% com baixa pontuação. Os resultados dos indicadores obtidos Desse modo, os resultados obtidos para conforme a estrutura do Imus ou adaptados o município de Goiânia indicam que tanto os para a cidade de Goiânia é mostrada na Tabela indicadores de escores com valores superiores 2, onde expõe-se o escore ou resultado de ca- a 0,50 quanto os com valores inferiores a 0,49 da indicador. poderão ser utilizados como referência nos pla- O resultado tanto do Imus Global como nos de governo, fornecendo elementos para a o setorial é mostrado na Tabela 3. Com os indi- proposição de políticas e estratégias governa- cadores levantados e o índice calculado, o valor mentais e indicando a necessidade de priorizar do Imus Global encontrado para Goiânia foi de ações em direção à melhoria da mobilidade. Em 0,659, isto é, em torno da média de 66%, um relação aos indicadores com dados positivos, valor positivo. Dessa maneira comprova que na poderão ser monitorados para que não percam cidade há vários aspectos da mobilidade que suas características como também possam re- seguem os princípios da sustentabilidade, po- ceber incentivos para continuar se aperfeiçoan- rém muitos necessitam serem melhorados para do e interagindo com os demais. Quanto aos alcançar uma mobilidade satisfatória. indicadores com dados inferiores, deverão ser Analisando as dimensões integrantes do aplicadas medidas pautadas nas políticas pú- Imus, tem-se que na social há uma predomi- blicas como correção, adequação, ajustamento nância sobre as demais. Porém na dimensão e melhoria dos espaços públicos já construídos, ambiental, mesmo Goiânia tendo um total em e os ainda por construir deverão ser edificados áreas verdes consideráveis com 32,61 m²/ha- conforme leis e normas favoráveis ao progres- bitante, superior a 25 m por habitante que é so da mobilidade. Enfim, em todos os casos po- o valor sugerido pelo Imus para atingir o má- tencializar as decisões políticas, adequando-as ximo de 1,00, isso sendo computado somente para o avanço rumo à mobilidade satisfatória. 2 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 497 Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto Domínios Tabela 2 – Desempenho dos indicadores no cálculo do Imus para a cidade de Goiânia Dimensões Peso Temas S E A 0,38 0,36 0,26 Peso Acessibilidade aos sistemas de transportes Aspectos ambientais Escore 1.1.1 Acessibilidade ao transporte público 0,33 0,93 1.1.2 Transporte público para pessoas com necessidades especiais 0,33 1,00 1.1.3 Despesas com transporte 0,33 0,59 1.2.1 Travessias adaptadas para pessoas com necessidades especiais 0,20 0,10 1.2.2 Acesibilidade aos espaços abertos 0,20 0,71 1.2.3 Vagas de estacionamento para pessoas com necessidades especiais 0,20 1,00 1.2.4 Acessibilidade a edifícios públicos 0,20 0,37 1.2.5 Acessibilidade aos serviços essenciais 0,20 1,00 0,22 1.3.1 Fragmentação urbana 1,00 0,00 Legislação para pessoas com necessidades especiais 0,21 1.4.1 Ações para acessibilidade universal 1,00 1,00 2.1.1 Emissões de CO 0,25 0,00 2.1.2 Emissões de CO2 0,25 1,00 2.1.3 População exposta ao ruído de tráfego 0,25 0,76 2.14 Estudos de impacto ambiental 0,25 1,00 2.2.1 Consumo de combustível 0,50 0,83 2.2.2 Uso de energia limpa e combustíveis alternativos 0,50 0,00 0,46 0,28 0,27 0,29 0,28 0,43 0,52 0,113 0,108 Aspectos sociais Peso Barreiras físicas Controle de impactos no meio ambiente 0,113 Aspectos políticos Indicadores 0,32 0,26 0,32 0,42 Recursos naturais 0,40 0,31 0,29 Apoio ao cidadão 0,21 3.1.1 Informação disponível ao cidadão 1,00 0,75 0,45 0,30 0,25 Inclusão social 0,20 3.2.1 Equidade vertical (renda) 1,00 0,58 0,39 0,30 0,31 Educação e cidadania 0,19 3.3.1 Educação para o desenvolvimento sustentável 1,00 1,00 0,41 0,27 0,32 Participação popular 0,19 3.4.1 Participação na tomada de decisão 1,00 1,00 0,35 0,30 0,35 Qualidade de vida 0,21 3.5.1 Qualidade de vida 1,00 1,00 0,33 0,34 0,32 Integração de ações políticas 0,34 4.1.1 Integração entre níveis de governo 0,50 0,75 4.1.2 Parcerias público-privadas 0,50 0,50 4.2.1 Captação de recurso 0,25 0,56 4.2.2 Investimentos em sistemas de transporte 0,25 0,75 4.2.3 Distribuição dos recursos (coletivo X privado) 0,25 1,00 4.2.4 Distribuição dos recursos (motorizados X não motorizados) 0,25 0,25 4.3.1 Política de mobilidade urbana 1,00 1,00 5.1.1 Densidade e conectividade da rede viária 0,25 1,00 5.1.2 Vias pavimentadas 0,25 0,97 5.1.3 Despesas com manutenção da infraestrutura 0,25 0,50 5.1.4 Sinalização viária 0,25 0,80 5.2.1 Vias para transporte coletivo 1,00 0,66 6.1.1 Extensão e conectividade de ciclovias 0,33 0,25 6.1.2 Frotas de bicicleta 0,33 0,05 6.1.3 Estacionamento de bicicletas 0,33 0,64 6.2.1 Vias para pedestres 0,50 0,25 6.2.2 Vias com calçada 0,50 0,94 6.3.1 Distância de viagem 0,00 *vazio 6.3.2 Tempo de viagem 0,00 *vazio 6.3.3 Número de viagens 0,50 0,85 6.3.4 Ações para redução do tráfego motorizado 0,50 0,25 0,33 0,40 0,48 0,27 Captação e gerenciamento de recursos 0,34 0,33 0,32 0,28 0,41 0,31 0,12 Infraestrutura 0,30 0,33 0,35 0,33 0,32 0,29 0,39 0,33 0,28 0,39 0,28 0,32 0,40 0,11 Modos não motorizados 0,27 Acessibilidade universal 0,38 498 0,32 0,108 Acessibilidade 0,40 ID 0,33 Política de mobilidade urbana 0,34 Provisão e manutenção de infraestrutura de transportes 0,46 Distribuição da infraestrutura de transportes 0,54 Transporte cicloviário 0,31 Deslocamentos a pé Redução de viagens 0,34 0,35 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 Dimensões Peso Temas Peso 0,32 Capacitação de gestores 0,12 0,30 0,35 Áreas centrais e de interesse histórico 0,34 0,35 S E A 0,31 0,37 0,35 0,31 0,38 0,32 0,31 0,31 0,32 0,38 0,35 0,33 0,31 0,39 0,30 0,35 0,50 0,74 0,50 1,00 0,11 7.2.1 Vitalidade do centro 1,00 0,54 Integração regional 0,12 7.3.1 Consórcios intermunicipais 1,00 1,00 Transparência do processo de planejamento 0,12 Planejamento estratégico e integrado 0,31 0,30 0,29 0,35 0,36 0,34 0,33 0,33 0,32 0,31 0,36 0,33 Educação para o trânsito 0,112 0,34 0,37 0,38 0,35 0,33 0,37 0,12 0,21 0,19 0,19 Operação e fiscalização de trânsito 0,20 Transporte individual 0,21 0,32 0,23 0,34 Diversificação modal 0,34 0,13 Fluidez e circulação Disponibilidade e qualidade do transporte público 0,31 0,14 0,26 0,39 0,35 Sistemas de transporte urbano 0,14 0,35 Acidentes de trânsito 0,107 Tráfego e circulação urbana 0,38 0,31 0,30 Escore Capacitação de técnicos e gestores Plano diretor e legislação urbanística 0,37 Peso Nível de formação de técnicos e gestores Planejamento da infraestrutura urbana e equipamentos urbanos 0,31 Indicadores 7.1.2 Planejamento e controle do uso e ocupação do solo 0,32 ID 7.1.1 0,108 Planejamento Integrado Domínios Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia... Regulação e fiscalização do transporte público Integração do transporte público 0,18 0,18 0,22 0,35 Política tarifária 0,19 7.4.1 Transparência e responsabilidade 1,00 1,00 7.5.1 Vazios urbanos 0,20 0,92 7.5.2 Crescimento urbano 0,20 0,30 7.5.3 Densidade populacional 0,20 0,00 7.5.4 Índice de uso misto 0,20 1,00 7.5.5 Ocupações irregulares 0,20 0,99 7.6.1 Planejamento urbano, ambiental e de transporte integrado 0,50 0,50 7.6.2 Efetivação e continuidade das ações 0,50 1,00 7.7.1 Parques e áreas verdes 0,33 1,00 7.7.2 Equipamentos urbanos (escolas) 0,33 0,54 7.7.3 Equipamentos urbanos (postos de saúde) 0,33 0,02 7.8.1 Plano diretor 0,33 1,00 7.8.2 Legislação urbanística 0,33 1,00 7.8.3 Cumprimento da legislação urbanística 0,33 1,00 8.1.1 Acidentes de trânsito 0,33 0,94 8.1.2 Acidentes com pedestres e ciclista 0,33 0,92 8.1.3 Prevenção de acidentes 0,33 0,01 8.2.1 Educação para o trânsito 1,00 0,42 8.3.1 Congestionamento 0,50 1,00 8.3.2 Velocidade média do tráfego 0,50 1,00 8.4.1 Violação das leis de trânsito 1,00 1,00 8.5.1 Índice de motorização 0,50 0,00 8.5.2 Taxa de ocupação de veículos 0,50 0,13 9.1.1 Extensão da rede transporte público 0,13 0,06 9.1.2 Frequência de atendimentodo transporte público 0,13 0,61 9.1.3 Pontualidade 0,13 0,85 9.1.4 Velocidade média do transporte público 0,13 0,29 9.1.5 Idade média da frota de transporte público 0,13 1,00 9.1.6 Índice de passageiros por quilômetro 0,13 0,03 9.1.7 Passageiros transportados anualmente 0,13 0,75 9.1.8 Satisfação do usuário com o serviço de transporte público 0,13 0,27 9.2.1 Diversidade de modos de transporte 0,33 0,75 9.2.2 Transporte coletivo X transporte individual 0,33 0,00 9.2.3 Modos não motorizados X modos motorizados 0,33 0,00 9.3.1 Contratos e licitações 0,50 1,00 9.3.2 Transporte clandestino 0,50 1,00 9.4.1 Terminais intermodais 0,50 0,00 9.4.2 Integração do transporte público 0,50 1,00 9.5.1 Descontos e gratuidades 0,33 0,67 9.5.2 Tarifas de transporte 0,33 0,00 9.5.3 Subsídios públicos 0,33 0,50 * Peso zero (0) pela inexistência de dados, redistribuído para os demais indicadores do mesmo tema. Fonte: Costa (2008). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 499 Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto Tabela 3 – Resultado do Imus Global e setorial de Goiânia Dimensão do Imus Valor normalizado Imus Global 0,659 Imus Social 0,224 Imus Econômica 0,219 Imus Ambiental 0,216 Fonte: Adaptado de Costa (2008). Desempenho do Imus em Goiânia do Imus da cidade, permite uma avaliação separada e preliminar. Isso se dá através do cál- No desempenho do Imus da cidade, avalia-se o desempenho individual de cada um dos domínios e também de cada um dos indicadores. culo individualizado de cada domínio, considerando os demais domínios com seus indicadores como não calculados, ou seja, o resultado obtido para os demais domínios como vazios. Portanto, o resultado obtido para o Imus Glo- Desempenho dos domínios bal, dessa maneira, corresponde somente aos grupos de domínios isolados, e assim há uma Analisando individualmente, como na Figura 2, comparação entre cada área distinta em rela- o resultado obtido em cada domínio particular ção às demais. Figura 2 – Desempenho dos domínios Sistema de transporte urbano Tráfego e circulação urbana Planejamento integrado Domínios Modos não motorizados Infraestrutura Aspectos políticos Aspectos sociais Aspectos ambientais Acessibilidade Escores normalizados 500 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia... Entre os domínios, o de Modos Não Mo- Já os indicadores que têm valores com torizados, o único que não obteve nenhum in- escores normalizados entre 0,50 e 0,74 são dicador com valor máximo, foi o que teve o me- em número de 15 ou 17,65% do total calcula- nor desempenho entre todos, ou seja, abaixo do e necessitam de maior atenção do poder de 0,50 especificamente um Imus Global médio público uns com intervenções mais profundas de 0,4861 e o domínio de melhor desempenho e outros com média intensidade para atuação é o de Aspectos Sociais com o valor do Imus e consequente melhoria dos mesmos. Pode- Global médio de 0,866. -se exemplificar aqui, o Indicador Acessibilidade aos Espaços Abertos com o escore 0,71 do domínio Acessibilidade. Apesar de, mesmo Desempenho dos indicadores apresentando resultados superiores a 0,50, necessitam de intervenções, investimentos e Com os 85 indicadores calculados (Tabela 2) e ações com mais rigor devido ao fato de ter uma classificação mais geral, têm-se 28 indica- entre seus indicadores alguns com valores dores (32,94%) com escore máximo, ou seja, baixos. Devem ser realizadas intervenções (1,00) e 09 (10,59%) escore zero (mínimo). observando mais detalhadamente as especi- Considerando valores com índices superiores a ficidades de cada indicador, para a melhoria 0,70, têm-se 47 indicadores (55,295%) e ainda da mobilidade da cidade, mesmo que deter- com o escore incluindo 0,50 acima resultou em minados indicadores não apresentem desem- 60 indicadores (70,59%), ou seja, indicadores penhos baixos. com resultados entre médios, bons e excelen- Como o grupo de indicadores citados tes e abaixo de 0,50 (0,01 a 0,49) há 16 indica- com alto desempenho reflete o bom desem- dores (18,82%). penho dos respectivos domínios, em Goiânia, com o maior Imus Global médio têm-se o domínio Aspectos Sociais e em ordem Indicadores de alto desempenho decrescente o de Planejamento Integrado, após o de Infraestrutura e posterior Aspectos Os indicadores com alto desempenho obtive- Políticos e Acessibilidade. No domínio Aces- ram escore 1,00, desse modo, somente necessi- sibilidade, um domínio expressivo com Imus tam atuar para preservar suas boas caracterís- Global médio de 0,67, há indicadores com ticas, assim como interagir com os demais para escores excelentes, assim como outros entre uma melhoria Global. ruins, péssimos e também um (1) com valor Após, têm-se os indicadores com esco- ínfimo (zero). Portanto, com os resultados, res normalizados e valores entre 0,75 e 0,99, vê-se que é um domínio com valor médio, são 17 indicadores (20%), não são excelentes, porém com alguns indicadores com baixo porém são bons, indica que também necessi- desempenho que necessitam muito de inter- tam preservar suas características positivas, venções compatíveis com a sua importância além de intervenções para atingir excelentes para melhorar a mobilidade e acessibilidade ou melhores resultados. das pessoas na cidade. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 501 Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto Indicadores de baixo desempenho energia limpa e combustíveis alternativos, ambos do domínio Aspectos Ambientais; Densi- Os indicadores com baixo desempenho foram dade populacional urbana, do domínio Plane- aqui classificados em ruins, péssimos e ínfimos. jamento Integrado; Índice de Motorização, do Os ruins são os que possuem escore entre 0,25 domínio Tráfego e Circulação Urbana; Trans- e 0,49 e correspondem ao total de 09 e percen- porte coletivo X transporte individual, Modos tual de 10,59 %. não motorizados X modos motorizados, Termi- Os indicadores classificados como péssi- nais intermodais e Tarifas de transporte; estes mos possuem escore entre 0,01 e 0,24, corres- últimos do domínio Sistemas de Transporte ponde ao total de 07 e percentual de 8,23%. Urbano. Portanto, muito se tem a fazer para Os indicadores apontados como ínfimos que a cidade obtenha um índice maior e mais são os que possuem o escore 0,00, em nú- condizente com a qualidade de vida da qual mero de 09 e correspondem ao percentual de Goiânia é conhecida, e consequentemente 10,59% também. uma mobilidade com nível satisfatório. Portanto, indicadores de baixo desempenho, ou seja, os com menores escores são consequentemente os que têm maiores deficiências e necessitam muito de intervenções e ações O Imus como ferramenta de comparação de escores mais diretas com políticas mais austeras para a melhoria da mobilidade urbana. Pode-se exem- Mesmo não sendo realizado o cálculo de todos plificar aqui, os indicadores Travessias adapta- os indicadores, é possível simular a obtenção das para pessoas com necessidades especiais de valores utilizando dados como se esses com escore de 0,10 e Acessibilidade a edifícios indicadores que não foram calculados, sejam públicos, com escore de 0,37, ambos do domí- avaliados com valores apresentados como in- nio Acessibilidade. Como já citado, por ter va- termediários máximos e mínimos, como indi- lores muito baixos necessitam de políticas e cado na Tabela 4. ações intervencionistas profundas e certamente O Imus proporciona uma análise mais mais urgentes, para minimizar os problemas re- detalhada das condições de mobilidade e, por- lacionados à mobilidade urbana de Goiânia, em tanto, também permite identificar os pontos especial neste item, à acessibilidade da cidade. mais deficitários para que, assim, possa mais Os indicadores com escore ínfimo ou diretamente indicar a melhor direção e atuação zero são: Fragmentação urbana, do domí- para o desempenho de seus indicadores e em nio Acessibilidade; Emissões de CO e Uso de sequência da cidade. 502 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia... Tabela 4 – Simulações para indicadores não calculados Dimensão do IMUS Valor normalizado* Escores estimados** Escores máximos 1*** Escores mínimos 2**** Imus Global 0,659 0,658 0,668 0,649 Imus Social 0,224 0,224 0,226 0,221 Imus Econômica 0,219 0,219 0,222 0,216 Imus Ambiental 0,216 0,216 0,220 0,212 Fonte: Adaptado de Costa (2008) * ** Obtido pelo cálculo dos 85 indicadores disponíveis. Obtido pelo cálculo dos 85 indicadores disponíveis e dos 2 indicadores (não disponíveis) com valores estimados intermediários. *** Obtido pelo cálculo dos 85 indicadores disponíveis e dos 2 indicadores (não disponíveis) com valores máximos (iguais a 1,00). **** Obtido pelo cálculo dos 85 indicadores disponíveis e dos 2 indicadores (não disponíveis) com valores mínimos (iguais a 0,00). Comparação do Imus entre cidades com o cálculo efetivado valor superior à ambiental, porém em Uberlândia esta última foi superior à econômica. Essa variação sucede em decorrência das condições O cálculo do Imus foi efetivado em várias cida- de seu desenvolvimento, assim como às carac- des brasileiras para se medir o nível de mobili- terísticas específicas de cada cidade, às esco- dade em cada uma e também para que se possa lhas políticas, como também da atuação dos validar e contribuir para o aperfeiçoamento do técnicos e gestores, e ainda da atuação respon- índice. Aqui são mostrados os resultados obtidos sável e vigilante da população em geral, que em algumas cidades onde se percebe que as di- cobrando interferem na melhoria e crescimento mensões em cada uma delas apresenta de for- da respectiva cidade. ma diferente ou peculiar como visto na Tabela 5. Em relação às ações nas cidades e à Nota-se que nas cidades com os respec- mobilidade urbana sustentável, para que ha- tivos índices calculados, a variação das dimen- ja um melhor desenvolvimento, deve haver sões aconteceu de maneira diferenciada, isso uma constante relação entre os transportes em decorrência dos valores dos indicadores com o uso do solo, com as edificações e seus de cada uma. Na dimensão social, em todas usos, as instalações e equipamentos, ou seja, as cidades comparadas, foi superior tanto em atividades que produzem ou atraem viagens. relação à econômica como na ambiental, po- Reduzindo o uso do transporte individual e rém a variação de valor entre elas difere em consequentemente aumentando o transporte amplitude de uma cidade para a outra. Desse coletivo, melhora-se a mobilidade e exigem-se modo, na maioria a econômica apresenta com medidas de qualificação do transporte público Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 503 Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto Tabela 5 – Resultados do Imus Global e setorial em várias cidades e Goiânia Dimensão do Imus Valor normalizado Curitiba Uberlândia Goiânia São Carlos Anápolis Imus Global 0,754 0,717 0,659 0,568 0,419 Imus Social 0,255 0,243 0,224 0,192 0,142 Imus Econômica 0,250 0,236 0,219 0,191 0,141 Imus Ambiental 0,249 0,238 0,216 0,186 0,136 Fonte: Adaptado de Costa (2008). e restrições impostas ao transporte privado. Logo, para a mobilidade de Goiânia Isso visando à melhoria da cidade, pois, siste- com qualidade de vida, é necessário, além mas de mobilidade ineficientes pioram as desi- da elaboração do referido Plano, perseguir os gualdades, socioespacial no urbano, exigindo, desafios estratégicos do transporte público por parte dos governantes, a adoção de polí- como serviço essencial e seu financiamento. ticas públicas com o objetivo de se construir E, paralelamente, a cobrança das externa- uma mobilidade urbana sustentável do ponto lidades negativas, provocadas pelo uso do de vista econômico, social e ambiental. automóvel e da motocicleta, deve ser feita extensamente, para compensar as desvantagens causadas para o transporte público, os Ações de melhoria da mobilidade urbana em Goiânia pedestres e os usuários de bicicleta. Também inverter as prioridades de uso do espaço e de escolha modal. Na resolução dos problemas em relação à mo- Uma das questões que agrava os proble- bilidade, é imperativo se aliar à Política Nacio- mas de mobilidade para a população é a alta nal de Mobilidade Urbana na busca de solu- dependência do transporte rodoviário associa- ções que priorizem principalmente os modais da com a degradação das condições de trânsi- de transporte coletivos e os não motorizados. to, o que acarreta uma consequente perda de Sendo assim, uma das medidas necessárias competitividade do transporte público urbano para a melhoria da mobilidade é a elaboração rodoviário em relação ao privado. Outro agra- do Plano de Mobilidade Urbana, onde, na Lei vante é o transporte público coletivo urbano n. 12.587, de 3/1/2012, política acima citada, atender majoritariamente a pessoas de média foi estipulado o prazo máximo de 3 anos a e baixa renda no Brasil, direcionando assim a partir de sua vigência, ou seja, até 3/1/2015. que o valor da tarifa desses serviços se torne Sem o Plano, a cidade terá impedimentos pa- um instrumento importante na formulação de ra receber recursos orçamentários federais políticas de inclusão social e também na ges- destinados à mobilidade urbana (Brasil, 2012). tão da mobilidade urbana. 504 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia... No cálculo do Imus de Goiânia ao conhe- Outro indicador do Imus de Goiânia que cer os indicadores com maiores deficiências, ou terá muito que ser aprimorado para que a mo- seja, valores que necessitam de maiores inter- bilidade seja aperfeiçoada é o de Travessias venções, os gestores e o poder público poderão adaptadas para pessoas com necessidades es- selecionar medidas para serem aplicadas no in- peciais, que obteve um escore baixíssimo, ou tuito de minimizar o nível de investimentos dos seja, de 0,10. indicadores, aumentando, assim, a abrangência Um aspecto importante a ser considera- das ações. Referente ao indicador 9.5.2 Tarifas do em relação aos problemas de mobilidade de Transporte, obteve-se valor (zero) devido ao refere-se à gestão metropolitana dos serviços aumento da tarifa ter sido superior ao índice de transportes. Isso principalmente quando se inflacionário selecionado, atestando que o seu observa a tendência de crescimento acelera- valor é fator importante para o cálculo do Imus. do dos municípios periféricos em relação aos Para o item 1.2.4 Acessibilidade a edifí- municípios núcleos dos grandes aglomerados cios públicos, com a definição “Porcentagem de urbanos, como é o caso de alguns municípios edifícios públicos adaptados para acesso e uti- do entorno de Goiânia. Portanto, se não mu- lização de pessoas com necessidades especiais dar as tendências atuais, o comércio futuro do ou restrições de mobilidade”, foi realizada uma transporte público não é promissor, a não ser extensa pesquisa para avaliar se os edifícios que políticas favoráveis, incluindo restrições ao públicos atendem aos parâmetros de acessibili- uso do automóvel, sejam implantadas. Entre- dade e segurança para pessoas com deficiência, tanto, quando as políticas de incentivo ao uso conforme as normas e legislação vigentes (NBR de transporte público são escassas, estima-se 9050). Além da pesquisa realizada, foi feito um que a maior parte dessas viagens será feita em estudo de contribuição ao índice, e, quanto ao motocicletas e automóveis, o que pode levar ao indicador, foi calculado conforme o proposto no caos o trânsito nas regiões metropolitanas. Guia de Indicadores, porém o estudo propôs a É fato que as políticas públicas de trans- sua modificação para uma melhor avaliação, porte e trânsito têm, ao longo da história, por não concordar com o proposto no Imus investido mais recursos no apoio ao desloca- (Macêdo et al., 2012), ou seja, por considerar mento por automóveis, tornando precárias outra proposta com aplicação mais realista e as condições de circulação a pé, em bicicleta menos utopista. Por ser um indicador que afeta ou em ônibus. Devido a esses fatos é urgente diretamente a liberdade de ir e vir das pessoas, que as cidades se municiem de planos e políti- especialmente as com deficiência e com mobili- cas de mobilidade urbana em direção a ações dade reduzida sem auxílio para a realização das sustentáveis e que também avaliem seus atividades diárias, e apontado como sendo um índices com certa regularidade, para então indicador necessário a ser melhorado, deverá buscar acertar como e onde investir e assim ser aplicado medidas de correção e adequa- melhorar a mobilidade de todas as pessoas. ção desses prédios como também a reforma Todavia, uma das causas para o crescimen- ou implantação de novas calçadas, melhorando to do transporte individual no Brasil são as também aspectos ambientais. políticas públicas de incentivos ou subsídios Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 505 Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto desbalanceados entre os diferentes modais, Aspectos Ambientais que obtiveram escore priorizando frequentemente o transporte por zero (0,00) e que, portanto, estão entre as automóveis e motocicletas. prioridades. Contudo, na busca das soluções urbanas Pontuando a necessidade de uma atua- e da mobilidade urbana sustentável, é de suma ção mais responsável em relação às políticas importância buscar financiamentos. No Brasil, o anteriormente aplicadas consta no PDIG de principal órgão de financiamento do transporte 1992, o PDIG 2000, que até 1950, Goiânia público urbano é o BNDES, com financiamento de veículos e equipamentos para as empresas e também projetos de melhoria da infraestrutura para prefeituras e estados. Há os organismos de fomento internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Bird. Além das ações de repasse de recursos a fundo perdido, o governo federal possui linhas de financiamento para a mobilidade urbana por meio de um programa de financiamento de infraestrutura para a mobilidade urbana, o [...] cresceu e se desenvolveu de acordo com as previsões do plano original, graças principalmente ao rigoroso controle exercido pelas autoridades administrativas do Município e do Estado. E que, em seguida, [...] experimentou cerca de 20 anos de crescimento excepcionalmente acelerado, que coincidiu com administrações desatentas quanto ao cumprimento das determinações do Plano Urbanístico. Programa de Infraestrutura para a Mobilidade Urbana (Pró-Mob). Portanto, acredita-se que para gerir Há também a Emenda Constitucional uma política “atenta” ou em conformidade ao (EC) nº 33/2001, uma fonte de recursos para Planejamento Urbano deve ser estabelecido investimento no setor de transporte, tanto um conjunto de decisões sobre o que e como urbano como regional. Nela confere que os deve ser feito para que a cidade possa superar recursos arrecadados pela cobrança da Contri- seus defeitos funcionais e se organizar para buição de Intervenção no Domínio Econômico sustentar os encargos resultantes da evolução (Cide) – relativa às atividades de importação prevista, como: promover, permitir ou proibir. ou comercialização de petróleo e seus deriva- Tanto nos estudos como na implantação con- dos, de gás natural e seus derivados e álcool tar também com a colaboração dos demais combustível – ficam vinculados a pagamento órgãos da municipalidade, buscando maior de subsídios a preços ou transporte dos com- integração, bem como órgãos das esferas es- bustíveis citados. Também o financiamento de tadual e federal de governo. Assim como tam- projetos ambientais relacionados com a indús- bém envolver a população, ou seja, criar entre tria do petróleo e do gás e a financiamento de as pessoas maior consciência sobre os impac- programas de infraestrutura de transportes. tos negativos de determinadas ações e modos Referente a essas fontes de recursos, para a de vida que prejudicam a sustentabilidade. melhoria do Imus de Goiânia, tem-se que os Com a integração promover sugestões e indicadores Emissões de CO e Uso de energia expectativas da comunidade, através de suas limpa e combustíveis alternativos do domínio entidades representativas, com consultas por 506 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia... meio de seminários e debates, e durante tam- obtenha contratos e convênios com entidades bém no processo de execução. Igualmente pela estatais, paraestatais e autarquias particulares, Câmara Municipal de Goiânia, com palestras, concessionárias ou permissionárias de serviços debates e consultas populares sobre as expec- de utilidade pública. Para tanto, é importante tativas da população para o futuro da cidade, investir inicialmente em relação à capacitação fornecendo importantes subsídios, levados a de seus gestores. Também promover e incen- discussão não só no processo de elaboração tivar a integração entre os diversos setores e do Plano, mas também na implantação das secretarias da Prefeitura, potencializando uma ações. Isso durante os vários anos e as admi- gestão mais centrada nos objetivos e mais con- nistrações consecutivas, em que é necessário sistente, para a obtenção de resultados, obser- que as leis sejam aplicadas e, quando revistas, vando principalmente os indicadores com valo- façam-na com imparcialidade para o benefício res desfavoráveis. da maioria da população e não em benefício de No quesito referente aos investimentos algumas classes empresariais ou dominantes. em Goiânia, mais recentemente as empresas Necessário também formular o Plano de Mobi- de transporte estão principiando uma moda- lidade Urbana e assim ter acessos maiores a in- lidade nova de captação de recursos para in- vestimentos imprescindíveis á melhoria da Mo- vestimentos em infraestrutura e tecnologia: os bilidade Urbana em direção à sustentabilidade Fundos de Investimento em Diretos Creditórios da cidade e em especial de todas as pessoas. (FIDC), também conhecidos como fundos de re- E em conjunto, na sequência, rever e incenti- cebíveis. Esses papéis são lançados no mercado var adaptações da estrutura urbana, visando financeiro com a única garantia de retorno e estimular as viagens por modos sustentáveis, remuneração do capital, baseada na arrecada- como também a seleção e a implantação de ção do sistema de transporte local. ações e políticas com a mesma finalidade, as- Entretanto, a dependência da popula- sim como capacitar técnicos e gestores para ção sobre os modos motorizados, sobretudo e vencer os desafios. principalmente do automóvel particular, é um Nas observâncias das ações para a mo- dos pontos que influi negativamente na mobi- bilidade as estratégias do desenvolvimento ur- lidade das cidades, assim como a falta de in- bano de Goiânia e consequentemente do seu centivo, por exemplo, para o uso da bicicleta ordenamento territorial, contidas em seu Plano como modo cotidiano e regular de transporte. Diretor atual (Goiânia, 2007), direcionam-se a Portanto, mesmo que os planos contemplaram soluções urbanas de melhoria da mobilidade, e continuem com diretrizes condizentes com as objetivando a construção de um modelo espa- boas propostas e soluções de regulamentação, cial com a finalidade de promover a sustentabi- para ações no urbano com transporte público lidade socioambiental e econômica, reafirman- eficiente e de qualidade, é indispensável, inclu- do a Capital como metrópole regional. Para sive para que seja de maneira continuada, que isso devem-se buscar financiamentos e par- se tenham uma boa estrutura e gerenciamento, cerias, onde o município, isoladamente ou em ou seja, políticas comprometidas com o desen- consórcio com os municípios da mesma região, volvimento sustentável. Outro agravante é que, Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 507 Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto na grande maioria das vezes, os Planos não são totalmente implantados, ou são revisados de Considerações finais maneira não tão favoravelmente à resolução Com o método do Imus, reconhecem-se as dos problemas de mobilidade. características dos vários indicadores calcula- Desse modo, a melhoria do transpor- dos, e verificam-se as deficiências, facilitando te público influi sobremaneira na Mobilidade a adoção de medidas de controle e prevenção. Urbana Sustentável a qual, para efetivar uma Portanto, com os resultados dos indicadores gestão composta de outros modais integrados encontrados para Goiânia, mostrou-se que ao transporte coletivo como a bicicleta, assim com o índice calculado de 0,659, e as inter- como o incentivo de outras práticas não mo- venções necessárias, são capazes de serem torizadas, é necessário que se busque soluções melhorados com o uso de políticas, metas e com parceria entre o poder público e a inicia- ações adequadas. Para a realização dessas tiva privada. Para que assim seja concretizada metas é de suma importância facilitar o aces- com sucesso, colocando-a em prática com uma so a recursos financeiros para capacitação e implementação espacial adequada. Necessário assistência técnica, assim como para a im- e primordial também que se tenha um desen- plantação das ações e projetos de maneira de- volvimento a contento do transporte coletivo mocrática e sustentável. Com ações e interfe- em consonância com o Plano Diretor geral, com rências acertadas, permite-se que a utilização o Plano Diretor de Transportes e também com o do índice seja para a formulação de políticas Plano de Mobilidade, para que haja uma maior integradas e direcionadas à mobilidade, bene- e melhor mobilidade, satisfatória e sustentável. ficiando, assim, a uma aplicação mais racional Para tanto, agenciar a conjugação de e eficiente de recursos. esforços, a assistência técnica e financeira, a Quanto às sugestões referentes ao re- troca de informações e a coordenação de ati- sultado da aplicação do Imus juntamente com vidades e recursos para atingir os objetivos do os indicadores que contribuíram na composi- planejamento. Utilizar os indicadores para que ção de seu cálculo, propõe-se a observância visualize as deficiências e busque soluções pa- e monitoração dos indicadores, a fim de que ra minimizar os pontos mais deficitários. Isso os escores baixos tenham respaldo junto aos para as devidas adequações e correções do já órgãos responsáveis pelo planejamento para edificado e a exigência do cumprimento das ações de monitoração e melhoria. Também leis nas construções das edificações, vias, cal- que os indicadores com grau satisfatório se- çadas, etc., evitando, ainda, a continuidade das jam citados como exemplo e, em conjunto aos práticas danosas à mobilidade e acessibilidade demais, possa haver maior interação. Igual- de toda a população. É um trabalho que deverá mente contribuir para a Mobilidade Urbana ser contínuo e envolver a sociedade como um Sustentável e, consequentemente, para a sus- todo e é responsabilidade de toda a sociedade tentabilidade da cidade e qualidade de vida e de todas as administrações. de toda a população. 508 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 Índice de Mobilidade Urbana Sustentável em Goiânia... Espera-se que a proposta contida neste integração tarifária e a taxa de viagens susten- trabalho possa estimular a aplicação do Imus táveis, onde a primeira já é praticada em Goiâ- de forma a ampliar o seu entendimento e deta- nia assim como já há bicicletários implantados lhamento em estudos futuros, como por exem- e outros estão sendo implantados ou previstos. plo, concretizar o cálculo do Imus nas cidades Dentre os estudos propostos, é sugerido que compõe a região metropolitana, para as- que pode ser feito através da construção de sim, ter-se diagnóstico mais preciso, principal- cenários como o proposto por Mancini (2011), mente pelo transporte coletivo de Goiânia en- onde um conjunto de possíveis ações de pla- volver toda a região metropolitana. nejamento urbano e de transporte, escolhi- Além de propostas para o Imus, podem dos dentre os indicadores do Imus, possa se ser definidas alternativas eficazes que utilizem avaliar a cidade quanto à mobilidade urbana outros modos de transportes e novos hábitos sustentável e aplicar as medidas necessárias. como, por exemplo, incentivar a utilização de Esse trabalho deverá ser realizado através de bicicletas e o modo a pé para prevenir proble- gestores em conjunto com técnicos e a socie- mas mais graves, e para que ocorram mudan- dade, projetando as melhores alternativas pa- ças de fato é preciso convencer técnicos e ges- ra se atingir as metas propostas. tores, assim como a população em geral. Nesse Os estudos e cálculo do Imus, nas várias sentido, é interessante visualizar os possíveis cidades, assim como também outros estudos resultados das várias alternativas de atuação como o de Mancini (2011) e o de Azevedo Fi- propostas, como medidas de incentivo a via- lho (2012), propõem ações de planejamento gens sustentáveis através da integração modal, urbano e de transporte e também análise do e a instalação de estacionamento junto a ter- processo de planejamento dos transportes, su- minais intermodais de transporte como bicicle- gerindo estudos de contribuição para o aperfei- tários e estacionamento de carros. Também a çoamento do Imus. Ivanilde Maria de Rezende Abdala Arquiteta e urbanista, mestranda em Desenvolvimento e Planejamento Territorial na Pontifícia Universidade Católica de Goiás, analista em Obras e Urbanismo da Secretaria de Desenvolvimento Urbano Sustentável – Semdus, da Prefeitura de Goiânia. Goiânia/GO, Brasil. [email protected] Antônio Pasqualetto Engenheiro agrônomo, mestre e doutor pela Universidade Federal de Viçosa. Professor titular da Pontifícia Universidade Católica de Goiás e professor adjunto do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás. Coordenador do Mestrado Acadêmico em Desenvolvimento e Planejamento Territorial da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Goiânia/GO, Brasil. [email protected] Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 509 Ivanilde Maria de Rezende Abdala, Antônio Pasqualetto Referências ABNT (2004). NBR 9050 – Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro. Associação Brasileira de normas Técnicas. AGUIAR, F. de O. (2010). Acessibilidade rela va dos espaços urbanos para pedestres com restrição de mobilidade. Tese de doutorado. São Carlos, Universidade de São Paulo. 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Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 489-511, jul/dez 2013 511 Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na Região Metropolitana de Belo Horizonte: análise com base no censo demográfico de 2010 Spatial accessibility and mobility of the population in the Metropolitan Region of Belo Horizonte: analysis based on the 2010 demographic census Carlos Lobo Leandro Cardoso David J. A. V. Magalhães Resumo A Região Metropolitana de Belo Horizonte, a exemplo de outras grandes metrópoles nacionais, apresenta condições inadequadas de deslocamento de pessoas e mercadorias. Somadas às precariedades dos transportes públicos coletivos e aos elevados índices de acidentes de trânsito, têm sido agravados os problemas referentes a congestionamentos e poluição, fatores que impactam negativamente a vida das pessoas e as diversas atividades sociais e econômicas. Torna-se relevante, nesse aspecto, aprofundar nas investigações acerca das condições de acessibilidade e mobilidade espaciais nesses aglomerados urbanos. Este artigo tem por objetivo a proposição e a análise de indicadores de acessibilidade e de mobilidade espaciais da população nos fluxos intermunicipais na RMBH, tendo como base os valores de distância, tempo e velocidade média dos deslocamentos identificados na base amostral do censo demográfico de 2010. Abstract The Metropolitan Region of Belo Horizonte, like others in Brazil, offers inadequate conditions for the movement of people and commodities. In addition to the precariousness of the public transportation system and the high rates of traffic accidents, one can observe a gradual worsening of problems related to traffic jams and pollution, factors that negatively impact the quality of urban life and economy. Therefore, it is relevant to carry out a diagnosis of the conditions of spatial accessibility and mobility in these urban areas. This article proposes and analyzes indicators of spatial accessibility and mobility of people among the cities located within the metropolitan region of Belo Horizonte (Southeastern Brazil), based on the values of distance, time and average speed of movements identified in the Brazilian census sample of 2010. Palavras-chave: acessibilidade; mobilidade; regiões metropolitanas; censo demográfico; Belo Horizonte. Keywords: accessibility; mobility; metropolitan regions; demographic census; Belo Horizonte. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães Introdução atividades sociais e econômicas, indispensáveis à manutenção da dinâmica urbana. Ademais, pela falta de alternativas de acessibilidade em A mobilidade e a acessibilidade urbanas são outras direções e pela intensa centralização atributos das cidades e representam duas das ainda presente em algumas das principais re- mais importantes vantagens comparativas pro- giões metropolitanas brasileiras, os transportes piciadas pelo espaço urbano, em face de suas podem agravar convergências para polos já sa- alternativas em termos de localização de ativi- turados, elevando custos econômicos e sociais dades e serviços. Nesse contexto, as principais da cidade e obrigando a população residente metrópoles nacionais possibilitam facilidade de na periferia metropolitana a percorrer grandes contatos que colocam os cidadãos metropoli- distâncias para usufruir os serviços que somen- tanos diante de oportunidades de transações, te as áreas centrais fornecem (Hicks, 1979), comunicação social e consumo, não raro indis- contribuindo, em última análise, para o declínio poníveis em espacialidades urbanas de menor na qualidade de vida urbana. porte e/ou mais afastados das áreas mais de- A Região Metropolitana de Belo Horizon- senvolvidas economicamente, fato que poten- te (RMBH) afigura-se como um exemplo escla- cializa a sua atratividade. recedor dessas afirmações, uma vez que a Ca- Com efeito, os serviços de transporte e pital do estado de Minas Gerais recebe, diaria- trânsito, em particular, afiguram-se como um mente, a partir de dados censitários, elevados dos meios de consumo coletivo que apresen- contingentes de trabalhadores que residem nos tam problemas mais visíveis e sentidos pela po- municípios da periferia metropolitana, dado o pulação, independentemente da classe social seu grau de polarização de oportunidades de (embora os mais pobres sejam notoriamente trabalho e serviços. Consequentemente, tanto mais prejudicados), uma vez que esses siste- o sistema de transporte público (inter e intra) mas interagem diretamente com a estruturação municipal (majoritariamente realizado por ôni- do espaço. Fruto de um crescimento urbano bus) quanto o sistema de circulação são ainda acelerado, pautado principalmente pela ado- mais onerados por uma crescente demanda por ção de um modelo de planejamento econômi- deslocamentos motivados pelo trabalho, situa- co voltado para o incentivo à industrialização, ção também compartilhada por outras grandes tais condições, associadas às precariedades dos cidades brasileiras. transportes públicos coletivos e, principalmen- Nesse sentido, este artigo tem como te, ao incremento da utilização de modalidades objetivo principal a proposição e a análise de de transporte individual, têm contribuído para indicadores de acessibilidade e de mobilidade o avanço de problemas referentes aos elevados espaciais da população nos fluxos intermuni- índices de acidentes de trânsito, ao aumento cipais na RMBH, tendo como base os valores dos congestionamentos viários e dos níveis de de distância, tempo e velocidade média dos poluição, fatores que acarretam processos de deslocamentos identificados no questionário vulnerabilidade social, uma vez que impactam amostral do censo demográfico de 2010, rea- negativamente a vida das pessoas e as diversas lizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia 514 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte e Estatística (IBGE). Para tanto, foram sele- Nesse contexto, a proposta deste trabalho ga- cionados os deslocamentos motivados pelo nha ainda maior relevância por sugerir o apro- trabalho e originados nos municípios que in- veitamento do censo demográfico como outra tegram a periferia da RMBH com destino a Be- fonte consistente de dados que, pela primeira lo Horizonte. A partir dessa base de dados foi vez em toda a sua série histórica, inseriu no possível identificar os fluxos entre as unidades seu questionário informações sobre mobilidade espaciais denominadas Áreas de Ponderação e acessibilidade (ainda que menos detalhadas (Areap), o que permitiu não somente obter que as pesquisas OD). Ademais, a metodolo- sinais acerca da (in)eficiência das condições gia aqui empregada pode também servir de de deslocamento intermunicipal na RMBH, referência para estudiosos que necessitem também associadas à confirmação da elevada empreen der investigações sobre municípios centralidade metropolitana da capital mineira que não realizam pesquisas OD periodicamente. em relação ao restante da RMBH, mas ainda obter uma análise comparativa das condições de acessibilidade e mobilidade nas nove principais regiões metropolitanas do país. Importa ressaltar que a metodologia de análise proposta neste artigo pode ser útil na elaboração de novos indicadores de acessibilidade e mobilidade urbanas, úteis às discussões públicas e à elaboração e proposição de políticas de trans- Breves notas sobre a acessibilidade e a mobilidade urbanas em Belo Horizonte: aspectos conceituais e metodológicos porte e trânsito urbanos. Importa ressaltar que tais investigações O conceito de acessibilidade é objeto de recor- poderiam ser realizadas, até com maior preci- rentes controvérsias e discussões, sobretudo são, utilizando-se dados da Pesquisa Domici- por ser comumente utilizado por uma signifi- liar de Origem e Destino (OD), a qual fornece cativa gama de ramos do conhecimento (Lobo, informações diversas sobre os municípios que Cardoso e Matos, 2010). O amplo emprego do integram a RMBH, como por exemplo, aspectos termo em várias circunstâncias conduz a equí- socioeconômicos e demográficos relativos ao vocos conceituais, o que o leva a certa desca- indivíduo e ao domicílio de moradia, o tempo racterização conceptual. Não raro, os termos gasto entre a moradia e o local de trabalho, o acessibilidade e mobilidade são considerados modo de transporte utilizado, entre outros. Para sinônimos. Jones (1981), por exemplo, rela- o caso belo-horizontino, entretanto, há uma ca- ciona o conceito de acessibilidade a oportuni- rência de dados atualizados sobre mobilidade e dade que um indivíduo possui para participar acessibilidade espaciais, tendo em conta que a de uma atividade em um dado local. Essa po- pesquisa OD mais recente realizada na RMBH tencialidade disponibilizada pelo sistema de data de 2002. Com periodicidade decenal, a transporte e pelo uso do solo permitiria que Pesquisa OD de 2012 tem previsão de publi- diferentes tipos de pessoas desenvolvessem cação somente no segundo semestre de 2013. suas atividades. Ainda de acordo com o autor, Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 515 Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães o termo mobilidade refere-se à capacidade de dos deslocamentos inter e intraurbanos –, um indivíduo de se deslocar espacialmente e resultam num processo de discriminação geo- envolve dois componentes. O primeiro irá de- gráfica, uma vez que os indivíduos de menos pender do desempenho do sistema de trans- posses têm dificultadas suas oportunidades de porte, revelada pela sua capacidade de interli- trabalho, estudo, consumo e lazer, justamente gar locais distintos. Já o segundo depende das por não conseguirem alcançar pontos diversos características próprias do indivíduo, associa- da cidade pagando uma única passagem (Car- das ao seu grau de inserção perante o sistema doso, 2007; Silva et al., 1994). A esse respeito, de transporte, e das suas necessidades. Noutros Raia Jr. (2000, p. 19) complementa que “a pro- termos, acessibilidade associa-se à capacidade pensão de interação entre dois lugares cresce de alcançar um determinado lugar, sendo co- na medida em que o custo de movimentação mumente mensurada pelo atributo tempo de entre eles diminui”. Assim, equipamentos e viagem, enquanto que mobilidade, medida pelo serviços urbanos serão mais acessíveis se esti- número de viagens/dia por pessoa, relaciona-se verem próximos às áreas residenciais, estando com a facilidade com que o deslocamento pode a acessibilidade potencializada também pela ser realizado (Sathisan e Srinivasan, 1998). Iso- utilização de modos de transporte não motori- ladamente, o conceito de mobilidade também zado, incluindo o andar. é carregado de indefinições, notadamente por sugerir movimento, mudança, transformação. Desse modo, o termo pode assumir inúmeras interpretações, podendo estar relacionado à mobilidade social, espacial, residencial, etc. No presente trabalho, contudo, o conceito deverá estar associado à ideia de deslocamento, rela- Conforme aponta Villaça (1998, p. 74) [...] a acessibilidade é o valor de uso mais importante para a terra urbana, embora toda e qualquer terra o tenha em maior ou menor grau. Os diferentes pontos do espaço urbano têm diferentes acessibilidades a todo o conjunto da cidade. cionando-se principalmente à disponibilidade Da mesma forma, Davidson (1995) e Hanson individual por modos de transporte. (1995) afirmam que uma maior acessibilida- Convém destacar que, conforme alertam de se reflete numa maior valorização da terra, Torquato e Santos (2004, p. 1304), “a dotação uma vez que as suas condições estão relacio- da mobilidade pode ser resolvida no plano in- nadas à performance do(s) sistema(s) de trans- dividual, enquanto que a acessibilidade não se porte e quantidade de oportunidades (sobre- pode negar a pessoas e sim a coletivos”. Des- tudo de trabalho) disponíveis a uma dada dis- se modo, num contexto de pobreza, tônica dos tância da residência de cada indivíduo (Hansen, países periféricos, a parca incidência de modos 1959), ou seja, a sua dotação também está alternativos de transporte que independam de associada a um forte componente territorial: financiamento, como o próprio caminhar, além a localização espacial dos pontos de origem de problemas relacionados à limitada integra- e destino dos deslocamentos. Nesse contexto, ção física e tarifária entre os diversos modos áreas mais bem equipadas em termos de infra- coletivos componentes dos sistemas de trans- estrutura e equipamentos urbanos (incluindo porte – os quais são responsáveis pela maioria os geradores de emprego), e, por conseguinte, 516 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte mais valorizadas economicamente, tenderão De acordo com dados do Departamento a observar melhores condições de acessibili- de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG) e do dade em relação às demais, notadamente se IBGE, enquanto a população de Belo Horizon- houver relativa proximidade espacial entre ori- te cresceu cerca de 18% entre 1991 e 2011, gens e destinos. A mobilidade, por seu turno, passando de 2.020.161 para 2.385.638 habi- resguarda estreitas relações com a acessibili- tantes, a frota total de veículos cresceu apro- dade, na medida em que envolve a combina- ximadamente 198% , passando de 479.805 ção de políticas de uso e ocupação do solo, para 1.429.865 veículos. Tal desequilíbrio na transporte e trânsito, uma vez que a geração evolução desses dados é agravado pelo fato de proximidades entre residência e postos de de que a população belo-horizontina apre- trabalho (além de escolas, centros de saúde sentou um declínio no ritmo de crescimen- e de consumo), somadas a uma boa inserção to ao longo das últimas décadas (em média dos cidadãos perante os modos de transporte 1,16% ao ano, entre 1991 e 2000, e ape- disponíveis (oferta, frequência, etc.) e a condi- nas 0,59% ao ano entre 2000 e 2010), sem ções adequadas de circulação viária, possibi- qualquer impacto negativo no crescimento lita a realização de um número maior de via- da frota de veículos. A taxa de motorização gens individuais diárias e, em última análise, do município (que se refere ao número total um melhor aproveitamento das oportunidades de veículos para cada mil habitantes) era de de “consumo” do espaço urbano. 599 veículos/1000 habitantes em 2011, valor Em Belo Horizonte, a distribuição da muito próximo da cidade de São Paulo, que acessibilidade e da mobilidade espaciais tem apresentava 618 veículos/1000 habitantes sido recorrentemente caracterizada pela di- (Detran-SP), e superior a países como Japão fusão de iniquidades, o que resulta na estru- (395), Estados Unidos (478) e Itália (539), turação de um espaço de circulação no qual, segundo dados do International Road Traffic a despeito da manutenção de privilégios ao and Accident Database – Irtad (Irtad, 2012). transporte individual, os estratos mais vulne- Numa observação apressada, pode-se ráveis (pedestres, ciclistas e usuários de trans- imaginar que esse índice é plenamente favo- porte público coletivo) têm sido preteridos nos rável à cidade, tendo em conta que a taxa de seus anseios relacionados à circulação. Nesse motorização é consagrada como um indicador cenário, não obstante os recentes esforços de geral de desenvolvimento de cidades e países, variadas esferas do Poder Público (municipal, estando comumente associada a elevações estadual e federal) de mitigar as históricas no Produto Interno Bruto (PIB) per capita (a distorções no provimento de acessibilidade, rigor, o PIB de Belo Horizonte cresceu cerca notadamente a partir da implantação do siste- de 37% entre 2000 e 2009, de acordo com ma de BRT ( Bus Rapid Transit ) em alguns dos informações do IBGE). Entretanto, tal análise principais corredores viários da cidade (não não transcende o conceito tradicional de mo- incluindo a sua dimensão metropolitana), im- bilidade urbana, contrapondo-se aos preceitos portantes parcelas da população têm procura- básicos da mobilidade urbana sustentável, que do resolvê-las individualmente. se refere à Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 517 Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães [...] reunião das políticas de transporte e de circulação, e integrada com a política de desenvolvimento urbano, com a finalidade de proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, priorizando os modos de transporte coletivo e os não motorizados, de forma segura, socialmente inclusiva e sustentável. (Brasil, 2004, p. 3) A análise das condições de mobilidade e acessibilidade espaciais na RMBH, através de indicadores específicos, como proposto neste trabalho, permite a construção de um diagnóstico que supera o simples (re)conhecimento de uma condição dada. Os resultados obtidos com base nos deslocamentos e suas respectivas relações com os indicadores distância, A prevalência desse modelo, por sua tempo e velocidade permitem o reconheci- vez, poderá acarretar importantes mudanças mento de padrões distribuídos em nível local, na distribuição modal do transporte na cida- poderão subsidiar, em trabalhos futuros, a de. Em 2008, 54,5% das viagens intramu- formulação de medidas propositivas que visem nicipais diárias eram realizadas por ônibus e minimizar eventuais distorções na distribuição 45,5% feitas em automóveis. Segundo dados e no provimento da mobilidade e da acessibili- do Plano de Mobilidade Urbana de Belo Ho- dade metropolitanas. 1 rizonte (PlanMob-BH), criado pela BHTrans, como um instrumento de orientação das ações relacionadas ao transporte coletivo, ao transporte individual e ao transporte não motorizado, de modo a atender às necessidades de mobilidade da população do município, a Base de dados e a operacionalização metodológica ausência de novos investimentos na melhoria dos transportes públicos promoverá uma in- Historicamente os censos demográficos têm se versão nesse quadro em 2020, sendo 52% das consolidado como uma das mais importantes viagens realizadas por automóveis e 48% pe- bases de dados utilizadas nas diversas verten- lo transporte coletivo (BHTrans, 2010). Além tes das ciências humanas e sociais. O primeiro disso, o avanço da motorização tem contribuí- recenseamento foi realizado no Brasil em 1872, do para a manutenção de baixas velocidades quando ocorreu a primeira grande contagem médias do transporte coletivo (modo ônibus) da população. Até a primeira metade do sé- na capital mineira, que, em 2008, era de 19,8 culo XX, foram realizados os censos de 1890, km/h na rede viária municipal e 14,3 km/h na 1900, 1920 e 1940. No entanto, o Brasil adotou área central nos horários de pico. Situação os padrões internacionais apenas a partir de semelhante, resguardadas as devidas propor- 1940, quando o recém-criado IBGE assumiu a ções, era vivenciada pelos usuários de auto- tarefa de planejamento, execução e divulgação móveis, cujos veículos apresentavam velocida- do censo demográfico. Inaugura-se, assim, uma de média de 26,2 km/h no sistema viário mu- fase de modernização dos censos no Brasil, que nicipal e 18 km/h no centro no mesmo período passaram a exibir uma periodicidade decenal (BHTrans, 2010). (regularidade quebrada pelo Censo de 1991).2 518 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte A partir de então, ampliou-se a temática com a como sendo uma unidade geográfica, formada introdução dos quesitos de interesse econômi- por um agrupamento de setores censitários, co e social nos questionários censitários. Desde para a aplicação dos procedimentos de cali- então, são coletadas nos censos informações bração das estimativas com as informações referentes às características dos domicílios e conhecidas para a população como um todo. moradores, o que permite determinar o perfil Foram definidas, para todo o Brasil, 10.184 demográfico e socioeconômico da população Areaps e, tal como nos censos anteriores, a me- do país, bem como realizar estimativas, estudos todologia de expansão da amostra foi aplicada e diagnósticos com o objetivo de subsidiar o independentemente para cada uma delas. Além planejamento e o desenvolvimento de políticas do limite quanto ao tamanho mínimo razoável, e programas governamentais essas áreas também consideraram os níveis Os dados que compreendem as caracte- geográficos mais detalhados da base operacio- rísticas dos domicílios e das pessoas que foram nal, como forma de atender a demandas por in- investigadas para a totalidade da população formações em níveis geográficos menores que são denominados, por convenção, resultados os municípios. do universo. Esses dados foram obtidos reu- Para o Censo 2010, de acordo com o nindo informações captadas por meio da in- próprio IBGE, foram usados métodos e siste- vestigação das características dos domicílios mas automáticos de formação de Areaps que e das pessoas, que são comuns aos dois tipos conjugam critérios tais como tamanho (para de questionários utilizados para o levantamen- permitir estimativas com qualidade estatística to do censo demográfico de 2010. Nele, como em áreas pequenas), contiguidade (no sentido descrito na própria documentação disponibi- de serem constituídas por conjuntos de seto- lizada pelo IBGE, foram utilizados dois tipos res limítrofes com algum sentido geográfico) e de questionário, que são: (1) questionário homogeneidade em relação a um conjunto de básico – aplicado em todas as unidades do- características populacionais e de infraestrutu- miciliares, exceto naquelas selecionadas para ra conhecidas. A fração amostral dos domicílios a amostra, e que contém a investigação das no Censo de 2010 variou conforme o tamanho características do domicílio e dos moradores; da população residente em cada município. As e (2) questionário da amostra – aplicado em proporções foram obtidas de acordo com as todas as unidades domiciliares selecionadas seguintes classes: (1) até 2.500: 50% dos do- para a amostra. Além da investigação contida micílios; (2) superior a 2.500 até 8.000: 33% no questionário básico, abrange outras carac- dos domicílios; (3) superior a 8.000 até 20.000: terísticas do domicílio e pesquisa importantes 20% dos domicílios; (4) superior a 20.000 até informações sociais, econômicas e demográfi- 500.000: 10% dos domicílios; e (5) superior a cas dos seus moradores. 500.000: 5% dos domicílios. Para os 40 municí- Neste artigo, em função dos propósitos pios com mais de 500.000 habitantes, foi ava- estabelecidos inicialmente, optou-se em anali- liada a possibilidade de aplicação de frações sar os deslocamentos a partir das unidades es- amostrais diferentes em cada uma de suas divi- paciais denominadas Areaps, que são definidas sões administrativas intramunicipais (distritos e Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 519 Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães subdistritos), de forma a permitir a divulgação os municípios centrais de cada região metro- de estimativas e de microdados nesses níveis politana, processados com base em Sistemas geográficos. Em todo o território nacional fo- Geográficos de Informação (SIGs). Ainda que ram selecionados 6.192.332 domicílios para sejam apenas escores aproximados, que ne- responder ao questionário da amostra, o que cessariamente subestimam a distância real significou uma fração amostral efetiva da or- percorrida, uma vez que definem a distância dem de 10,7% para o país. linear entre dois pontos (distância euclidiana), Uma das importantes inovações trazi- permitem aferir os efeitos da proximidade ou das na atual edição refere-se à inclusão de va- não ao considerar o tempo de cada desloca- riáveis adicionais no quesito referente ao cha- mento. Dessa forma, também é possível esti- mado movimento pendular, o que permitiu a mar a velocidade pela razão entre os valores de distinção da motivação principal daqueles que distância e tempo, tendo, portanto, um impor- trabalhavam ou estudavam em um município tante indicador de acessibilidade e mobilidade diferente daquele de residência na data de espacial da população no interior das regiões referência do levantamento censitário. Para metropolitanas e de suas regiões integradas de a pessoa com mais de 10 anos de idade, que desenvolvimento. 3 trabalhava fora do domicílio e retornava diariamente, exceto para aquele que trabalhava em mais de um município ou país, foi pesquisado o tempo habitual gasto de deslocamento do domicílio até o trabalho principal. Os intervalos de tempo de deslocamento do domicílio para o trabalho principal foram classificados em: até cinco minutos, de seis minutos até Análise das condições de acessibilidade e mobilidade espaciais intermunicipais na RMBH: algumas evidências empíricas meia hora, mais de meia hora até uma hora, mais de uma hora até duas horas, ou mais de Antes de considerar os indicadores de acessibi- duas horas. Com base nesse agrupamento, lidade e a mobilidade intermunicipais metropo- considerados os valores centrais de cada clas- litanas, apoiadas em uma análise comparativa se, foi possível estimar o tempo médio gasto dessas condições nas nove principais Regiões no deslocamento diário daqueles que declara- Metropolitanas (RMs) nacionais e as suas res- ram residir nas Areaps pertencentes aos mu- pectivas Regiões Integradas de Desenvolvi- nicípios da periferia que declararam trabalhar mento (Rides), conforme a subdivisão territo- no centro metropolitano. rial adotada no censo demográfico de 2010,4 A estimativa da distância, em função convém realizar uma breve análise do grau de das limitações inerentes às informações dispo- centralidade das regiões em questão. Para tan- níveis na base de dados censitária, foi obtida to, serão comparados dados sobre a proporção tendo como referência os centróides relativos dos trabalhadores residentes nos municípios aos polígonos que representam as Areaps e das periferias metropolitanas, os quais realizam 520 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte movimentos pendulares diários com destino populacionais bem mais significativos do que aos núcleos metropolitanos, e aqueles que de- Belo Horizonte, os quais experimentaram ta- clararam trabalhar no próprio município de re- xas de crescimento populacional anual da or- sidência. As RMs estudadas são apresentadas dem de 6,84%, 5,01% e 4,40% entre os perío- na Figura 1. dos de 1970/1980, 1980/1991 e 1991/2000, Um dado que desperta imediata aten- respectivamente. Nesses mesmos períodos, o ção é o significativo número de respondentes município de Belo Horizonte apresentou taxas que declarou trabalhar no mesmo município anuais de 3,73%, 1,15% e 1,10%. Esses dife- de residência em todas as regiões metropo- renciais no ritmo de crescimento da periferia litanas analisadas. Excetuando as regiões do metropolitana tiveram reflexo na evolução da Rio de Janeiro e do Recife, que apresentaram, participação do core metropolitano nos es- respectivamente, 59,88% e 57,99% de traba- toques totais de população na região. Desde lhadores nessas condições, todas as demais 1970, a periferia metropolitana vem crescen- experimentaram percentuais superiores a do em volume e na proporção da população 62% (com destaque para Salvador e Fortale- regional. Em 2000, 48,63% da população da za, com índices acima de 70%). Esse fenôme- região metropolitana residia fora de Belo Hori- no pode estar relacionado às expressivas mu- zonte (em 1970 essa proporção era de apenas danças que marcaram a reversão na tendên- 33,59%), conforme apontam Lobo, Cardoso e cia de crescimento populacional dos núcleos Matos (2008). metropolitanos (e, alguns casos, das próprias Percebe-se, por outro lado, a elevada regiões metropolitanas), os quais tiveram polarização dos núcleos das Regiões Metropo- início na década de 1970, que, até então, litanas de Belém, Curitiba, Recife e Rio de Ja- apresentava um padrão predominantemente neiro, com uma atratividade superior a 25% de centralizador. O arrefecimento do crescimen- trabalhadores metropolitanos que residem fora to populacional dos núcleos metropolitanos é dessas capitais. resultado, entre outros aspectos, do avanço O caso do Rio de Janeiro merece atenção das chamadas deseconomias de aglomeração, especial, já que, não obstante a grande atrati- que incluem fatores sociais, como o aumento vidade da capital fluminense, cerca de 15% dos da criminalidade urbana, e refletem incremen- trabalhadores residentes nessa região declara- tos pela elevação dos custos de moradia e tra- ram trabalhar em um município metropolitano balho (Redwood, 1984). diferente do núcleo e do próprio município de No caso belo-horizontino, centro das in- residência. Tal fato pode ser explicado por um vestigações deste trabalho, a partir dos anos relativo dinamismo econômico de outros muni- de 1970, como já demonstraram Rigotti e Ro- cípios integrantes da Região Metropolitana do drigues (1994), Matos (1995) e Rigotti (1999), Rio de Janeiro, a exemplo de Niterói, que, por dentre outros, era perceptível uma desacelera- prefigurar-se como um dos principais centros ção no ritmo de crescimento da capital mineira. financeiros, comerciais e industriais do Estado, A partir desse momento, os municípios da peri- pode exercer certa atratividade de trabalhado- feria da RMBH vêm apresentando incrementos res de outras cidades metropolitanas. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 521 Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães Figura 1 – Proporção da população dos municípios da periferia que declarou trabalhar no próprio município de residência e no respectivo núcleo metropolitano – Regiões Metropolitanas e Regiões Integradas de Desenvolvimento – Brasil (2010) Recife Rio de Janeiro São Paulo Curitiba Belém Porto Alegre Belo Horizonte Fortaleza Salvador 0 10 20 30 40 No núcleo metropolitano 50 60 70 80 % No próprio município Fonte: Censo demográfico de 2010 (dados da amostra). Exercendo uma centralidade menor, A Região Metropolitana de Salvador, por mas não menos significativa, encontram-se as sua vez, apresenta dados que destoam bastan- regiões de Belo Horizonte, São Paulo, Fortaleza te das demais regiões, uma vez que a capital e Porto Alegre, cujos núcleos atraem, em mé- é destino de cerca de 11% dos trabalhadores. dia, cerca de 20% da mão de obra residente Outros 76% trabalham no município de ori- nas periferias. A Região Metropolitana de Porto gem e cerca de 13% em outras cidades que Alegre, da mesma forma que a do Rio de Janei- integram a respectiva região. É possível que o ro, apresenta aproximadamente 16% de traba- município de Camaçari responda por parte des- lhadores residentes em municípios da periferia sa atratividade de trabalhadores, notadamente que realizam movimentos pendulares diários por abrigar um importante complexo industrial para outras cidades metropolitanas que não químico, petroquímico e automotivo (embora as de origem e o core. Nesse caso, municípios essas informações não tenham sido alvo de como Canoas, que detém indústrias e centros tabulação neste trabalho, assim como algumas de ensino superior, e Triunfo, que abriga um im- ponderações feitas sobre as regiões do Rio de portante polo petroquímico, podem responder Janeiro e de Porto Alegre, tendo em conta os por atrair parte da mão de obra metropolitana. seus objetivos principais). 522 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte No tocante à mobilidade, em princípio, viagem (1,57 h e 1,36 h, respectivamente). Os o alto número de deslocamentos direcionados elevados tempos de viagem, no entanto, po- aos núcleos, incluindo Belo Horizonte (que dem ser justificados pelas maiores distâncias recebia, em 2010, 22,82% dos trabalhadores – médias de deslocamento nestas regiões (Rio de 332.314 – da periferia metropolitana), poderia Janeiro: 31,12 km; São Paulo: 26,79 km). sugerir que as populações das respectivas Belo Horizonte, por sua vez, apresentou regiões metropolitanas apresentam elevados um dos piores índices de eficiência, com o ter- níveis a esse indicador. Se considerada a mobili- ceiro pior tempo de viagem (1,13 h), mesmo dade relativamente aos deslocamentos intermu- apresentando a quarta menor distância média nicipais, esta análise é verdadeira, uma vez que entre origem e destino (17,63 km). Tais resulta- as regiões que apresentam núcleos metropolita- dos podem ser compreendidos, em parte, pela nos mais atrativos gerariam um grande número inexistência de modalidades de transporte so- de viagens e, por conseguinte, perceberiam me- bre trilhos com abrangência verdadeiramente lhores condições de mobilidade. Contudo, con- metropolitana (diferentemente dos casos do forme citado, a mobilidade é tradicionalmente Rio de Janeiro e de São Paulo). Cabe ressaltar mensurada pelo número de viagens individuais que o Trem Metropolitano de Belo Horizonte diárias. Como os dados do Censo 2010 não per- caracteriza-se por possuir tecnologia de metrô mitem a investigação desses dados, pode-se in- (de superfície) e, em termos “potenciais”, aten- ferir, empiricamente, que seja provável que os der a parte da RMBH. Todavia, apresenta uma índices de mobilidade nessas regiões não sejam limitada abrangência espacial, essencialmente tão elevados, já que se tratam de movimentos local, possuindo um único ramal (denominado pendulares (que tendem a envolver maiores Linha 1), que conta com 28,1 km de extensão, distâncias), fato que limita a ocorrência de um ligando a Regional Venda Nova (Estação Vila- maior número de deslocamentos individuais rinho) até o município de Contagem (Estação (inclusive intramunicipais), para a realização de Eldorado). Noutros termos, estabelece conexão outras atividades além das laborais. entre a porção norte de Belo Horizonte, mar- Quanto à acessibilidade, a partir das in- geando a área central, com parte de (reduzida) formações apresentadas na Tabela 1, as regiões porção oeste da RMBH, deixando desassistidos de Belém, Recife e Belo Horizonte apresentam outros 32 municípios metropolitanos. Segundo as menores velocidades médias de desloca- informações da Companhia Brasileira de Trens mento direcionado aos seus núcleos (16,29 Urbanos (CBTU), empresa federal que gerencia km/h, 16,43 km/h, e 19,39 km/h) comparati- o sistema, as viagens têm, atualmente, a dura- vamente às demais, que apresentaram veloci- ção média de 44,7 minutos entre as estações dades médias superiores a 20 km/h. Merecem Vilarinho e Eldorado (CBTU, 2013). Conside- destaque as Regiões Metropolitanas do Rio de rando essa relação entre distância percorrida Janeiro e São Paulo, que apresentaram maior e tempo de viagem realizada pelo Trem Metro- eficiência em termos de acessibilidade, com ve- politano, a sua (necessária) ampliação poderia locidades médias superiores a 25 km/h, ainda contribuir para a melhoria dos indicadores de que experimentassem os maiores tempos de acessibilidade da RMBH.5 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 523 Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães Tabela 1 – Média de distância, tempo e velocidade dos deslocamentos da população residente nos municípios da periferia que declarou trabalhar no respectivo núcleo metropolitano – Regiões Metropolitanas e Regiões Integradas de Desenvolvimento – Brasil (2010) Região Metropolitana (municípios da periferia) Acessibilidade Distância (em km) Tempo (em horas) Velocidade (km/h) Belém 13,63 1,07 16,29 Belo Horizonte 17,63 1,13 19,39 Curitiba 20,14 0,99 27,13 Fortaleza 17,11 0,93 22,96 Porto Alegre 19,5 1,00 24,33 Recife 12,75 1,01 16,43 Rio de Janeiro 31,12 1,57 25,22 Salvador 20,95 1,09 25,04 São Paulo 26,79 1,36 26,15 Fonte: Censo Demográfico de 2010 (dados da amostra). Ao analisar a acessibilidade para o ca- de deslocamentos destinados a Belo Hori- so da RMBH, com base nos valores de repre- zonte superior a 5.000. Na mesma Figura 2, sentados na Figura 2, percebe-se que o maior considerados os parâmetros que apresenta número de deslocamentos com destino a Belo a proporção que os fluxos para o core repre- Horizonte, em termos absolutos, tem origem sentam em relação à população que declarou em municípios mais próximos da Capital (a trabalhar, os resultados se revelam um pouco chamada periferia imediata), que encerram distintos. Com comportamento semelhante ao maior facilidade (potencial) de acesso em fun- observado nos resultados absolutos, os eixos ção dessa proximidade espacial e do avanço norte, leste e sudoeste da RMBH afiguram- de processos de conurbação. Merece menção -se como os que apresentam maiores índices os deslocamentos originados nas Areaps lo- proporcionais de movimentos pendulares com calizadas em porções dos municípios do eixo destino à Capital mineira. Tratam-se de áreas norte da RMBH (Vespasiano, Ribeirão das que, historicamente, apresentam elevada Neves e Santa Luzia), dos vetores oeste e dependência econômica de Belo Horizonte, sudoeste (Contagem, Betim e Ibirité), do ve- prefigurando-se como “cidades dormitório”, a tor leste (Sabará) e do eixo sul (Nova Lima). exemplo de Ribeirão das Neves, Santa Luzia, Em cada uma delas detectou-se um número Ibirité e Sabará. 524 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte Outros municípios, como Nova Lima, eminentemente, por uma rodovia federal (BR- Contagem e Betim, revelaram baixos índices de 040), a qual, pelas suas características de liga- movimentos pendulares (proporcionalmente à ção regional e, consequentemente, de priori- população trabalhadora) com destino ao nú- zação do tráfego de passagem (atravessamen- cleo. Esses resultados atestam que, ainda que to), viabiliza uma maior fluidez viária, compa- Belo Horizonte tenha mantido sua centralidade rativamente às redes viárias intraurbanas. ao longo das últimas décadas, há um ganho de Ainda em relação ao indicador tempo, autonomia de um número razoável de municí- algumas Areaps pertencentes a municípios pios na região. Conforme já descrito por Lobo, conurbados a Belo Horizonte, diferentemente Cardoso e Matos (2008), vários municípios an- da média observada, apresentaram tempos tes apresentados como meras cidades-dormi- médios relativamente elevados (superiores a tórios nas décadas de 1960 e 1970, além de uma hora). É caso de frações dos municípios ampliar suas inter-relações com o core, apre- de Ibirité (sudoeste) e Santa Luzia (norte), sentam forte desenvolvimento de determina- os quais, não obstante o fato de fornecerem das funcionalidades eminentemente urbanas, importantes contingentes de mão de obra o que tem permitido que uma crescente par- para o core (o que gera maior pressão sobre cela da população local tenha suas atividades os seus sistemas viário e de transporte), têm econômicas/profissionais desenvolvidas no acesso dificultado a ele em função dos eleva- próprio município de residência, o que tem di- dos índices de saturação do tráfego nas res- minuído a proporção e/ou o volume daqueles pectivas vias de conexão com Belo Horizonte que fazem movimentos diários entre a perife- (os chamados gargalos). No vetor sudoeste o ria e núcleo metropolitano. acesso é realizado pela Avenida Amazonas, A Figura 3, que apresenta dados sobre que, além de interligar a Capital a grande o tempo médio e a velocidade dos desloca- parte do vetor oeste, em especial, Contagem mentos de trabalhadores para Belo Horizon- e Betim (que abrigam o principal complexo te, mostra que, à exceção da cidade de Sete industrial do Estado), tem como agravante a Lagoas (vetor noroeste), os tempos de viagem confluência com o Anel Rodoviário (construí- mais elevados têm origem em Areaps mais dis- do, na década de 1960, para retirar o tráfego tantes do core metropolitano (Figura 2). Esse de caminhões das áreas centrais do município é um resultado esperado, considerando que e que atualmente recebe também tráfego de deslocamentos mais longos tendem a apre- características eminentemente urbanas). No sentar tempos maiores de viagem, sobretudo vetor norte a ligação é realizada pela Aveni- no contexto da RMBH, que, como alertado da Cristiano Machado, que integra a recém- anteriormente, não dispõe, com abrangência -inaugurada Linha Verde, configurando-se metropolitana, de modos de transporte cole- como o principal corredor de ligação não so- tivo dotados de maior eficiência, como o me- mente com os municípios desse vetor, mas, trô. Quanto à situação de Sete Lagoas, que principalmente, a importantes equipamentos pertence à Ride, esta pode ser explicada em e serviços, como a Cidade Administrativa (se- razão do acesso à Belo Horizonte ser realizado, de do Governo de Minas Gerais), localizada Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 525 Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães no município de Vespasiano, e o Aero porto congestionamentos viários, principalmente Internacional Tancredo Neves, situado no mu- nos horários de pico, períodos em que é rea- nicípio de Confins. lizada a maior parte das viagens motivadas Em relação à velocidade média dos des- pelo trabalho. Por seu turno, os trabalhadores locamentos (Figura 3), as Areaps integrantes que realizam deslocamentos mais longos rumo de municípios conurbados a Belo Horizonte ao core metropolitano também enfrentam os apresentaram menores velocidades (inferiores mesmos problemas, porém, em grande me- a 20 km/h) em comparação às mais distantes dida, nas proximidades do perímetro de Belo do núcleo. Tal resultado pode ser compreen- Horizonte, o que contribui para que as veloci- dido em razão das características de tráfe- dades médias percebidas sejam relativamente go das principais vias de acesso à Capital, maiores, considerando que parte da viagem as quais, já a partir do perímetro da cidade, acontece em melhores condições de fluidez tendem a reproduzir comportamentos típi- viária (tanto para usuários do transporte públi- cos de vias intraurbanas, em geral, reféns de co quanto do transporte individual). 526 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte Figura 2 - Número e percentual de deslocamentos diários da população dos municípios da periferia que declarou trabalhar em Belo Horizonte (2010) Nº de deslocamentos 20 - 606 607 - 1915 1916 - 3556 3557 - 5519 5520 - 12685 Limite RMBH Divisão de classes pelo método “Natural Breaks” % dos deslocamentos 0,35 - 8,72 8,73 - 21,19 21,20 - 32,63 32,64 - 47,31 47,32 - 68,21 Limite RMBH Divisão de classes pelo método “Natural Breaks” Fonte: Censo demográfico de 2010 (dados da amostra) Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 527 Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães Figura 3 - Média de tempo e velocidade dos deslocamentos da população residente nos municípios da periferia que declarou trabalhar em Belo Horizonte, 2010 Tempo (em horas) Limite RMBH menos de 0,85 0,86 - 1,12 1,13 - 1,33 1,34 - 1,54 mais de 1,55 Divisão de classes pelo método “Natural Breaks” Velocidade (km/h) Limite RMBH menos de 22,11 22,12 - 35,67 35,68 - 55,55 55,56 - 92,87 mais de 92,88 Divisão de classes pelo método “Natural Breaks” Fonte: Censo demográfico de 2010 (dados da amostra) 528 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte Considerações finais (absolutos e percentuais) com a composição da mão de obra belo-horizontina, resultado da proximidade espacial e, em alguns casos, Na Região Metropolitana de Belo Horizonte da manutenção da condição de dependência (RMBH), assim como em diversas outras me- econômica da Capital. Além disso, constatou- trópoles brasileiras, verifica-se a reprodução de -se também que, apesar dos tempos de via- precariedades na provisão de acessibilidade e gem com origem em municípios conurbados a mobilidade espaciais, reflexo da (in)capacida- Belo Horizonte serem relativamente menores de de intervenção do Poder Público diante do em comparação às cidades mais distantes, processo de urbanização e dos círculos viciosos a velocidade média dos deslocamentos mais que perpassam os processos de inclusão social longos tende a ser maior do que velocidades e desenvolvimento econômico e social. Nesse das viagens mais próximas. Os alardeados gar- contexto, o incremento da motorização indi- galos no trânsito da cidade, sobretudos nas vidual trouxe vários prejuízos às condições de principais vias de acesso à Capital, já nas pro- deslocamento da população, em escala intra ximidades do seu perímetro é uma das causas e intermunicipal, uma vez que direta e indire- explicativas para tal comportamento. tamente refletem na baixa eficiência do trans- Ainda que os dados censitários não ofe- porte coletivo, sobretudo nas áreas de maior reçam informações específicas sobre o modo aglomeração de serviços e demais atividades de transporte utilizado e não registrem o tempo geradoras de emprego. gasto nos deslocamentos diários da população A partir das análises realizadas neste tra- laboral (são declarados apenas dados catego- balho, balizadas em informações do Censo De- rizados), sua abrangência, ao compreender um mográfico de 2010, observou-se que a RMBH amplo leque variáveis socioeconômicas, bem apresentou índices de acessibilidade (relação como a considerável representatividade de sua entre distância, tempo de viagem e velocida- base amostral, permite análises consistentes e de média) inferiores aos experimentados pela detalhadas sobre a mobilidade espacial da po- maioria das regiões metropolitanas nacionais pulação. As novas edições do censo brasileiro, estudadas. As análises espaciais, que permi- caso mantenha e/ou amplie o rol de variáveis tiram avaliar as condições gerais de acessi- sobre esse tipo deslocamento espacial da po- bilidade na RMBH, também mostraram que, pulação, podem oferecer inúmeras possibilida- salvo exceções, os municípios mais próximos des às análises sobre a mobilidade e a acessi- do core metropolitano contribuem com con- bilidade, tanto no âmbito metropolitano, como tingentes mais significativos de trabalhadores nos demais núcleos urbanos do país. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 529 Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães Carlos Lobo Geógrafo. Doutor em Geografia. Professor adjunto do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte/MG, Brasil. [email protected] Leandro Cardoso Geógrafo. Doutor em Geografia. Professor adjunto do Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte/MG, Brasil. [email protected] David J. A. V. Magalhães Engenheiro Civil. Doutor em Demografia. Professor do Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte/MG, Brasil. [email protected] Notas (1) As caracterizações mais gerais sobre a acessibilidade e a mobilidade urbanas foram centradas essencialmente em Belo Horizonte em função da carência de informações mais detalhadas sobre a RMBH, cujos dados mais recentes datam de 2002, ano da publicação da úl ma Pesquisa Domiciliar de Origem e Des no na RMBH (Pesquisa OD). Comumente realizada decenalmente e com o obje vo de produzir informações básicas necessárias para o planejamento e gestão do transporte e do tráfego metropolitanos, a pesquisa OD, realizada no final de 2012, tem sua divulgação prevista para meados do primeiro semestre de 2013. Desse modo, análises mais consistentes, não contempladas pelos dados produzidos pelo Censo Demográfico de 2010, poderão então ser realizadas para a RMBH. No Censo 2010 foram incorporadas, pela primeira vez, questões sobre mobilidade e acessibilidade, porém limitadas à iden ficação do município, unidade da federação ou país estrangeiro de trabalho do respondente; se o respondente retorna para a sua residência diariamente; e qual é o tempo habitual de deslocamento entre casa e trabalho. (2) O primeiro regulamento censitário no Brasil data de 1846, quando foi definida a periodicidade de oito anos para os censos demográficos. No entanto, somente em 1850 o governo foi autorizado a despender os recursos necessários para a realização de uma operação do porte de um censo demográfico. O primeiro censo, então, foi programado para ocorrer em 1852. Entretanto, a operação prevista para esse ano não foi realizada. Em 1870, um novo regulamento censitário determinou que os Censos cobrissem todo o território nacional e que deveriam ocorrer a cada dez anos. Dois anos mais tarde, em 1872, foi realizado o primeiro recenseamento nacional no país, o qual recebeu o nome de Recenseamento da População do Império do Brasil. Novas operações censitárias se sucederam em 1890, 1900 e 1920 até 1940. Com a criação do IBGE, em 1936, inaugurou-se a moderna fase censitária no Brasil, cujo marco foi a divulgação do Censo Demográfico de 1940. Caracterizada, principalmente, pela periodicidade decenal, nessa nova fase foi ampliada a abrangência temá ca do ques onário com introdução de quesitos de interesse econômico e social, tais como: mão de obra, emprego, desemprego, rendimento, fecundidade, migrações internas, entre outros temas. 530 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte (3) A inves gação de trabalho e rendimento abrangeu as pessoas de 10 anos ou mais de idade e considerou como trabalho em a vidade econômica o exercício de ocupação: 1) remunerada em dinheiro, produtos, mercadorias ou bene cios (moradia, alimentação, roupas, treinamento, etc.) na produção de bens ou serviços; 2) remunerada em dinheiro ou benefícios (moradia, alimentação, roupas, treinamento, etc.) no serviço domés co; 3) sem remuneração na produção de bens e serviços, desenvolvida em ajuda na atividade econômica, no setor privado, de morador do domicílio; ou 4) desenvolvida na produção de bens, compreendendo as a vidades da agricultura, pecuária, caça, produção florestal, pesca e aquicultura, des nados somente à alimentação de, pelo menos, um morador do domicílio. (4) As regiões metropolitanas constituem um agrupamento de municípios com a finalidade de executar funções públicas que, por sua natureza, exigem a cooperação entre esses municípios para a solução de problemas comuns, como os serviços de saneamento básico e de transporte coletivo, o que legitima, em termos político-institucionais, sua existência, além de permitir uma atuação mais integrada do poder público no atendimento às necessidades da população ali residente, identificada com o recorte territorial institucionalizado. A criação de Regiões Integradas de Desenvolvimento está prevista na Cons tuição Federal de 1988, nos Art. 21, inciso IX; Art. 43; e Art. 48, inciso IV. São conjuntos de municípios cuja origem se baseia no princípio de cooperação entre os diferentes níveis de governo – federal, estadual e municipal. Podem ser compostas por municípios de diferentes unidades federadas. Nas análises do presente ar go, embora sejam também contempladas informações sobre as Rides, com o intuito de evitar equívocos na compreensão das ponderações, serão feitas menções tão somente às regiões metropolitanas, por ser esta uma denominação consagrada na literatura. (5) Análises mais aprofundadas seriam possíveis se o Censo 2010 elencasse informações sobre os modos de transporte u lizados pelos respondentes nos seus deslocamentos diários. Mesmo diante dessa impossibilidade, os dados auferidos de velocidade média dos deslocamentos para Belo Horizonte auxiliam na convalidação do uso do censo demográfico para a realização de análises de acessibilidade e mobilidade urbanas. Nesse sen do, a velocidade média de 19,39 km apresentada para Belo Horizonte está alinhada às velocidades médias mostradas pelo PlanMob-BH para o ano de 2008. No mencionado Plano de Mobilidade, a velocidade média combinada das viagens de ônibus e automóveis era de 23 km/h na rede viária municipal e de 16,1 km/h na área central do município. Referências BRASIL (2004). Polí ca Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável. Brasília, Secretaria Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana, Ministério das Cidades. CARDOSO, L. (2007). Transporte público, acessibilidade urbana e desigualdades socioespaciais na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Tese de doutorado. Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais. COMPANHIA BRASILEIRA DE TRENS URBANOS – CBTU (2013). Metrô BH. Disponível em: h p://www. cbtu.gov.br/operadoras/sites/menuprincbh.htm. Acesso em: 2 fev 2013. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 531 Carlos Lobo, Leandro Cardoso, David J. A. V. Magalhães DAVIDSON, K. B. (1995). Accessibility and isolation in transportation network evaluation. Paper presented at 7th WORLD CONFERENCE ON TRANSPORT RESEARCH. 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Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 Acessibilidade e mobilidade espaciais da população na RM de Belo Horizonte TORQUATO, A. M. S. C. e SANTOS, E. (2004). Polí cas de transporte e pobreza urbana: reflexões e evidências em um bairro periférico de Natal. In: CONGRESSO DE PESQUISA E ENSINO EM TRANSPORTES – ANPET. Anais. Florianópolis, UFSC, pp. 1300-1311. VILLAÇA, F. (1998). Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Lincoln Ins tute/Fapesp/Studio Nobel. Texto recebido em 12/mar/2013 Texto aprovado em 5/maio/2013 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 513-533, jul/dez 2013 533 A via portuária de Salvador: mobilidade na capital baiana a partir de intervenções viárias The Port Route of Salvador: mobility in the capital city of the State of Bahia after road interventions Aliger dos Santos Pereira Fabiano Viana Oliveira Resumo Este artigo analisa as contribuições do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na obra rodoviá ria da Via Portuária (Bairro do CabulaSalvador/BA). Como essa obra é capaz de proporcionar maior mobilidade? Utilizou-se pesquisa exploratória e bibliográfica entre os anos de 2007 (início do PAC) a 2010 (finalização da primeira etapa do PAC). Conclui-se que a obra não foi fi nalizada. Caso seja finalizada, proporcionará uma maior interligação entre o Porto de Salvador, a Base Naval de Aratu e o Centro Industrial de Aratu (CIA), além da região Nordeste com o Sul e Sudeste do país. Apesar de ser uma obra localizada num bairro, constitui um empreendimento que interfere nas redes de transporte intra e interurbano tanto em nível regional como nacional do país. Palavras-chave: Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); Via Portuária (Cabula/Salvador-BA); mobilidade. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 Abstract This paper analyzes the contributions of the Programa de Aceleração do Crescimento (PAC – Growth Acceleration Program) to the construction of the Port Route (Cabula neighborhood – city of Salvador, Northeastern Brazil). How is this work able to provide greater mobility? We used exploratory and bibliographic research between 2007 (the beginning of the PAC) and 2010 (the end of the first stage of the PAC). We conclude that the work has not been completed. If completed, it will provide greater interconnection among the Port of Salvador, the Aratu Naval Base and the Aratu Industrial Center, and also between the Northeast and the South and Southeast of the country. Despite being a work located in a neighborhood, it is an enterprise that interferes in the intra and intercity transport networks both in the regional and national levels in Brazil. Keywords : Growth Acceleration Program (PAC); Port Route (Cabula/Salvador-BA); mobility. Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira Introdução de de Salvador. A partir da década de 1970, a Este artigo analisa as contribuições do Pro- condomínios e residências. A Figura 1 mostra, grama de Aceleração do Crescimento (PAC) em vermelho, sua localização, no centro da pe- na área de infraestrutura rodoviária, mas nínsula soteropolitana, à leste da Rodovia Sal- especifica mente a obra da Via Portuária de vador-Feira de Santana (BR-324), chamada de Salvador e sua importância para o município, Acesso Norte. É próximo de bairros como a Vila o Bairro do Cabula (Salvador/Bahia) e adjacên- Laura, Pernambués, Saboeiro, Imbuí, São Gonça- cias. A partir da seguinte pergunta: será que a lo, Engomadeira, Mata Escura, Narandiba, Tan- obra da Via Portuária de Salvador é capaz de credo Neves e Cabula 6. O acesso ao bairro se proporcionar maior mobilidade para o Bairro dá principalmente pela Avenida Antonio Carlos do Cabula e adjacências? Magalhães (ACM) na antiga Rótula do Abacaxi, O Bairro do Cabula pertence à região administrativa, denominada XI da cida- localidade deixa de ser agrícola e passa a ter pelo Bairro Saboeiro através da Avenida Paralela e por Narandiba pela Avenida Edgar Santos. Figura 1 – Localização do Bairro do Cabula na cidade de Salvador e sua proximidade com a BR-324/116 Fonte: Casa Civil (2010). 536 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 A via portuária de Salvador O objetivo deste artigo é o de identificar o que foi realizado, e as possíveis contribuições na área de mobilidade, promovidas pelo PAC, através da Via Portuária de Salvador no Bairro O PAC e a infraestrutura da logística rodoviária na cidade de Salvador (BA) do Cabula e adjacências, após a finalização das obras. Para realizar a pesquisa, foi feita uma De acordo com o Banco Mundial (1994), a in- abordagem dedutiva e qualitativa através de fraestrutura corresponde à parte do capital glo- pesquisa exploratória e bibliográfica entre os bal das economias regionais e nacionais que, anos de 2007 até 2010. normalmente, não é administrada pelo merca- A delimitação do estudo encontra-se do, e sim, politicamente. Sua importância é re- entre o ano de 2007 a 2010, pois é o primei- forçada, pois representa um instrumento direto ro período correspondente à implantação do da política pública de ataque às disparidades PAC, no Brasil e na Bahia, pelo ex-presidente regionais de desenvolvimento. Luis Inácio Lula da Silva; já 2010 corresponde à finalização da primeira etapa do PAC. Para Benitez (1988, p. 144), a infraestrutura é a parte do capital global que combina O artigo é dividido em três partes, a pri- e associa a simbologia do “capital” e do “pú- meira mostra de forma rápida o significado blico” para fornecer transporte, abastecimento do PAC de infraestrutura rodoviária no Brasil, de energia, sistema de comunicações, redes de Bahia e Salvador (Banco Mundial, 1994; Be- água e esgoto, instituições de ensino, órgão de nitez, 1988; Diretrizes Estratégicas da Bahia, saúde, instalações de segurança, entre outros. 2010; Política Nacional de Mobilidade Urba- O PAC constitui um tipo de programa na Sustentável, 2004; Silva,1982; Lei Federal baseado no estabelecimento de parcerias pú- 10.257/2001). Já a segunda parte faz um rá- blico-privadas, tendo em vista que o governo, pido histórico do Bairro do Cabula, presente incapaz de suprir todas as necessidades de no município de Salvador (Fernandes, 2004; investimento em infraestrutura, repassa para Gottschall, 2006; Estudo de Impacto Urbano o setor privado a responsabilidade do investi- Ambiental, 2011); a terceira parte mostra os in- mento de expansão e de melhoria dessa infra- vestimentos e as contribuições do PAC de infra- estrutura, segundo seus critérios de prioridade. estrutura rodoviária a partir da Via Portuária no O PAC é um exemplo de programa que Bairro do Cabula (Salvador/Bahia) e localidades investe em infraestrutura. Segundo o Banco adjacentes, bem como as possíveis contribui- Mundial (1994), quando há investimento em ções dos projetos territoriais associados ao PAC infraestrutura, o governo busca realizar a corre- caso sejam concluídos em sua integra, afinal o ção das falhas do mercado, e também estabe- PAC não constitui uma política pública isola- lecer políticas para coordenar interações seto- da, e sim, uma forma de interligar programas riais, com vistas a melhorar o desempenho dos governamentais de gestão territorial em nível serviços de infraestrutura e para promover de- federal, estadual ou municipal, onde existe par- cisões de investimentos regionais pelo capital ceria entre os três entes governamentais. privado. Dessa forma, espera-se que haja uma Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 537 Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira integração entre o capital privado e o público, houve investimento do PAC-1 nessa modali- em escala tanto nacional como regional. dade no Estado, apesar de estar incluída no Na sua concepção inicial, para o período PAC-2 (após o ano de 2010). Os investimentos de 2007 a 2010, o PAC projetou a realização logísticos, segundo o Balanço de 4 anos do de investimentos orçados em R$503,9 bilhões, PAC (2007-2010), buscam ampliar a infraes- sendo R$67,8 bilhões do governo federal e trutura logística existente, com dois objetivos. R$436,1 bilhões das empresas estatais federais O primeiro, o de “aumentar a competitividade e do setor privado. Sem haver concretizado o regional” no que se refere ao escoamento da que projetara (pelo menos na sua integridade), produção pelos portos (de Aratu e de Salva- programou, em 2010, para o período de 2011 a dor), por algumas rodovias (BR-324, BR-101, 2014, uma “segunda” fase do PAC com previ- BR-135, BR-116, BR-030) e por ferrovia (a Fer- são de investimento de R$958,9 bilhões. Após rovia de Integração Oeste-Leste), com o obje- o ano de 2014, a estimativa é a de injetar mais tivo de integrar os modais citados, tornando- R$631,6 bilhões em obras, totalizando R$1,59 -os mais dinâmicos e modernos. O segundo trilhão, para essa segunda fase (PAC, 2010). objetivo está vinculado à expansão da infra- A Bahia foi contemplada, na primeira estrutura de apoio ao turismo, beneficiando o etapa do PAC, com recursos de R$41,9 bilhões aeroporto de Salvador e algumas rodovias, as para obras de infraestrutura, estando projeta- BR-324, BR-101, BR-116, BR-418 (Balanço de da para a segunda etapa mais R$9,3 bilhões, quatro anos..., 2010, p. 4). totalizando o valor de R$51,2 bilhões. Entre os O projeto logístico do PAC baiano teve anos 2007 até 2010, 20% do total dos recursos influência especialmente do Programa de Lo- do PAC de infraestrutura foram para a área lo- gística de Transportes do Estado da Bahia (Pelt gística, 47% para a energia e 33% para a área Bahia). Esse programa buscou identificar os social (Diretrizes Estratégicas da Bahia, 2010; principais investimentos para a área de infraes- Casa Civil Bahia, 2010). De uma forma breve, trutura logística em um período entre 20 a 25 percebe-se que os investimentos logísticos vi- anos, de forma a promover intervenções públi- sam escoar a produção para o mercado interno cas e/ou privadas, para reorganizar a cadeia lo- e externo e expandir a infraestrutura de apoio gística da Bahia, com o objetivo de modificar a turístico do Estado; o energético pretende ga- matriz de transporte, que em sua maioria é de rantir a segurança, a diversificação, a amplia- caráter rodoviário, para os modais ferroviário, ção e a integração das fontes energéticas da hidroviário e de cabotagem. Bahia e da região Nordeste; e o social urbana A Bahia é um dos estados pioneiros na visa à melhoria e à ampliação das condições de busca de soluções para os entraves logísticos. vida da população da Bahia. Antes mesmo da formatação do PAC ou do Pla- Os investimentos logísticos baianos es- no Nacional de Logística e Transportes – PNLT, tão relacionados com as rodovias, ferrovias, ambos os programas do Governo Federal, a aeroporto e portos, em consonância com a es- Bahia já demonstrava sua preocupação so- cala nacional. Entretanto, a área de hidrovias bre o assunto com a formatação e divulgação não foi contemplada (2007-2010), pois não do Pelt-BA (Programa Estadual de Logística 538 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 A via portuária de Salvador e Transportes da Bahia), no ano de 2002. Atualmente, em Salvador, o trânsito e a Tratava-se de um documento onde foram falta de investimentos em transportes coletivos compilados os principais gargalos logísticos consomem entre uma e 2h por deslocamento do Estado e as possíveis intervenções para a diário de 19,46% das pessoas e de 2,57% aci- resolução de cada caso, inclusive as propos- ma de 2h, ficando atrás apenas de São Paulo tas relacionadas ao transporte. Atualmente, e Rio de Janeiro (IBGE, 2010). O Instituto de o PAC engloba essas ações (Carvalho, 2010). Pesquisa Econômica Aplicada (2012) também Os principais produtos do Pelt Bahia são os comprova isso, quando relata que a população portfólios de investimento e o Plano Priori- de Salvador tem um tempo médio de percurso tário. A organização do portfólio contempla casa/trabalho de 33,9 minutos diário. Caso o 137 projetos (2008-2020), com investimento tempo de deslocamento dos cidadãos diminuís- de R$7,8 bilhões e o Plano Prioritário, mais se, aumentaria sua qualidade de vida e melho- imediatista, contemplando 71 projetos (2004 raria sua integração social. -2007) com investimentos de R$1,9 bilhões. O Pelt Bahia pretendia atuar em diferentes modalidades (rodovias, ferrovias, portos, hidrovias e aeroportos); além da criação de centros de distribuição de produtos no Estado. Para a questão rodoviária, existem sete grupos de intervenções. No total, serão 58 projetos, numa extensão de 5,065 km, com investimentos de R$1,53 milhões (Cerqueira, 2007, pp. 114-115). A mobilidade é uma característica que deve ser associada às pessoas e aos bens, pois [...] corresponde às diferentes respostas dadas por indivíduos e agentes econômicos às necessidades de deslocamentos, considerando as dimensões do espaço urbano e a complexidade das atividades nele desenvolvidas. (Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável, 2004, p. 13) Já a acessibilidade “é definida como o grau re- Outro aspecto observado é que a infraes- lativo de facilidade com que um ponto do espa- trutura logística é composta pelo eixo rodovias, ço geográfico é atingido, a partir de um outro ferrovias, portos, aeroportos e portos. O eixo lugar” (Silva, 1982, p. 51) e a interação refere- rodoviário contemplou 85% dos investimentos, -se “[...] a todas as formas de movimento entre ou seja, R$3.413,7 milhões, com um total de 14 dois ou mais lugares”. obras em todo o Estado, onde a Via Portuária A mobilidade urbana em Salvador e no (Rótula do Abacaxi) constitui apenas uma das Cabula, a partir do PAC, busca um conjunto obras, com um investimento estimado inicial- de modos, redes e infraestruturas que garan- mente pelo governo de R$43,8 milhões, entre- tam o deslocamento das pessoas na cidade e tanto, até início de janeiro de 2012, a obra não no referido bairro, e que seja capaz de manter foi totalmente finalizada e já tinha sido inves- fortes interações com as demais políticas urba- tido o valor de R$207,7 milhões. Então, o go- nas. Afinal, Salvador, assim como outros cen- verno da Bahia, juntamente com os governos tros urbanos brasileiros teve um crescimento municipais e federais optaram pelas obras ro- urbano desordenado da sua cidade e de seus doviárias para promover a mobilidade dos seus bairros. Além disso, a motorização crescen- cidadãos em seu território. te e o declínio dos transportes públicos estão Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 539 Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira comprometendo a sustentabilidade da mobili- fornece aos governos municipais mecanismos dade urbana e, por consequência, a qualidade para gerenciar e combater a especulação imo- de vida e a eficiência da economia das grandes biliária, o uso indevido do espaço urbano e o cidades. Na ausência de políticas públicas efe- desrespeito aos direitos básicos do cidadão, tivas, o desejável crescimento econômico im- com o objetivo de definir a função social das ci- plica em maiores níveis de congestionamento dades no Brasil. Em seu artigo segundo, o Esta- devido ao aumento da frota e da circulação tuto deixa claro seu caráter de inclusão urbana de veículos. Ao mesmo tempo, a população de ao apresentar em seu primeiro parágrafo baixa renda está sendo privada do acesso ao transporte público, devido à baixa capacidade de pagamento e à precariedade da oferta, especialmente, para as áreas periféricas. Salvador é uma cidade onde percebe-se grave desequilíbrio social e com parcela significativa da população sem a devida apropriação dos espaços públicos, revelados especialmente por uma dissociação entre a urbes (forma espacial e arquitetônica da cidade) e a civitas (relações humanas e políticas que nela se geram). No setor de transportes a cidade, também, enfrenta dificuldades, explicitadas, em boa parte, na gestão da mobilidade a que estão sujeitos os que aqui vivem, especialmente pela falta de instrumentos para avaliação e monitoramento desta mobilidade. (Santos, 2009, p. 16) O conceito de mobilidade urbana sustentável corresponde ao [...] aspecto essencial à qualidade de vida da cidade, primeiro, por ser um fator essencial para todas as atividades humanas; segundo, por ser um elemento determinante para o desenvolvimento econômico e para a qualidade de vida; e, terceiro, pelo seu papel decisivo na inclusão social e na equidade da apropriação da cidade e de todos os serviços urbanos. (SeMOB, 2006) Tal conceito é defendido pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001), pois essa lei 540 [...] a garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações, completando no parágrafo quinto, com [...] oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais. (Lei Federal 10.257/2001) Dessa forma, o sistema de mobilidade urbana deve ser considerado como um conjunto de modos, redes e infraestruturas que garante o deslocamento das pessoas na cidade e que mantém fortes interações com as demais políticas urbanas (Bergman, 2006). O Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001) define a mobilidade urbana sustentável como [...] o conjunto de políticas de transporte e circulação que visa proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, através da priorização dos modos não motorizados e coletivos de transporte, de forma efetiva, que não gere segregações espaciais, socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável – baseado nas pessoas e não nos veículos. (Politica Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável, 2004, p. 13) Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 A via portuária de Salvador Quando a mobilidade não trabalha den- e volta, tornando o sistema de transporte da tro dos princípios de sustentabilidade, ela tor- cidade ineficiente, pois os usuários do serviço na-se insustentável nas cidades, e favorece a encontram coletivos superlotados, percursos segregação espacial, a deseconomia regional, longos e demorados, espera excessiva nos o declínio da qualidade ambiental e a exclusão pontos (Secretaria de Transporte e Infraestru- social, interferindo sobremaneira na qualidade tura, 2009). de vida dos citadinos. A Região Metropolitana de Salvador, RMS, foi instituída em 1973 pelo governo militar. A Conder foi criada para planejar e infraestruturar a região, mas falhou e perdeu o foco, sendo transformada em uma empresa para fazer obras em todo o Estado. A única tentativa de planejamento da RMS, o CIA, só se preocupou com a indústria, visando os incentivos da Sudene. Nenhuma atenção ao transporte, habitação, saneamento, saúde, educação, cultura e turismo. Não se pode resolver nenhum desses problemas dentro dos limites de cada município e partido, senão com políticas de estado. (Azevedo, 2009) O PAC-2 (após o ano de 2010) pretende interligar os transportes fisicamente (ônibus, metrô e trem), mas também com o pagamento do bilhete único para quem usa os transportes integrados; assim o passageiro pagaria apenas uma única passagem, a segunda viagem ou outras posteriores seriam gratuitas, desde que o passageiro se deslocasse em um período que não extrapolasse 2h, entre a cobrança da primeira tarifa e a integração nas outras viagens. O objetivo é o de melhorar não apenas os transportes, mas também a sua lotação, fazendo com que as pessoas possam realmente utilizar o transporte público e diminuam o uso do carro particular nas vias públicas. É bom ressaltar que o Cabula Percebe-se que a cidade de Salvador e a Via Portuária estão contemplados dentro tem uma grande carência na sua infraestru- desse percurso, e que, entre os anos de 1995 tura de transporte urbano, que é responsável e 2008, ou seja, num período de 14 anos, a pela mobilidade, circulação e acessibilidade frota de ônibus cresceu 17,1%, enquanto o dos seus cidadãos. Um exemplo disso é a dis- número de passageiros transportados caiu tribuição das linhas de ônibus da cidade, que 9,19% e as viagens reduziram em 2,9%. Tal está dividida em quatro regiões de integra- fato fez com que, em mais de uma década, ção, existindo maior concentração nas áreas Salvador passasse a contar com mais ônibus do Subúrbio e do Miolo (68,4%, consideran- dando menos viagens, transportando menos do um universo de 425 linhas divulgadas no passageiros, o que causou elevado custo do site da Transalvador). O restante (134 linhas) sistema. Para se ter uma ideia, o índice de está espalhado pela Orla e Centro. Percebe- passageiros transportados por quilômetros -se que 67% do total das linhas (cerca de (IPK) saiu de 2,42%, em 1995, para 1,78%, 300) registravam até 20 minutos de interva- em 2008 (queda de 27,3%). Como reflexo, o lo entre um ônibus e outro. O restante, 33% valor da tarifa, em 14 anos, subiu 150% e a (125), ficava acima dos 20 minutos. O tempo inflação acumulada do período foi de aproxi- médio da linha foi de 2h19, considerando ida madamente 109% (Brito, 2009). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 541 Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira A razão da ineficiência do sistema de O valor do PIB per capita do municí- transporte rodoviário de Salvador está também pio de Salvador era de R$9.239,75 em 2007. relacionada com a falta de logística na distri- Através da avaliação do PIB de Salvador, buição das linhas, em conjunto com um trân- percebe-se que o setor agropecuário contribui sito cada vez mais congestionado, no qual os com 0,1%, a parte industrial com 14,6% e o coletivos disputam as ruas com os mais de 600 setor de serviço com 85,3%. Este último dado mil automóveis (estimativa do ano de 2009). mostra a importância do setor terciário e do Dessa maneira, a cidade do Salvador possui um Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza emaranhado de ruas e veículos, (ISS) para a arrecadação municipal e conse- [...] onde há diversas questões que interferem de modo negativo para o desenvolvimento da mobilidade urbana, abrangendo diversas áreas de conhecimento Essas questões se expressam nos congestionamentos de veículos, no alto custo das tarifas do sistema público, nos inúmeros acidentes, na segregação social, na sustentabilidade ambiental, na falta de ciclovias e pela desarticulação política administrativa de planejamento e gestão de escala metropolitana. Sendo que tal panorama possui sua raiz, devido principalmente ao tipo de modelo operacionalizado e adaptado ao longo do tempo, que prioriza a locomoção do modal motorizado individual, o automóvel. (Rodrigues e Campos, 2009) quentemente para os investimentos locais em infraestrutura (como, por exemplo, o PAC). Para se ter ideia do crescimento do setor terciário em Salvador através do ISS, percebe-se que, em 2003, esse imposto correspondia a 21% da arrecadação municipal, em 2006, passou a 47,6% e, atualmente, corresponde a quase 70% da arrecadação. A partir daí, buscou-se analisar os postos de trabalho (IBGE, 2011; SEI, 2011). Percebe-se que 19,8% da população economicamente ativa está na área de comércio, seguido pela atividade de prestação de serviços em atividades imobiliárias (12,1%), depois os serviços domésticos (9,6%) e, em seguida, o turismo, alojamento e alimentação com 7,4%, a área de educação corresponde a 7,3%, a de transpor- O Bairro do Cabula e sua relação com o município de Salvador te, armazenagem e comunicação com 6,6% e a administração pública, defesa e seguridade social também com 6,6% dos ocupados. Assim, esses seis setores juntos contemplam 69,4% das vagas de trabalho do município. Salvador é a capital da Bahia, possui a sua Então, dado o Cadastro Central de Em- maior população e é a terceira cidade do Brasil, presas (Cempre) do IBGE (2011), lá se consta- com aproximadamente 3 milhões de habitan- tou que as principais empresas que prestam tes. Nela está o maior centro administrativo, serviço à cidade são distribuídas da seguinte financeiro, de comércio e de serviços do Estado, forma: 41,5% são da área do comércio, 13,3% respondendo por cerca de 35,0% da arrecada- das organizações que atuam em serviços ad- ção estadual de ICMS no ano de 2009 (IBGE, ministrativos e complementares e, 7,1% pres- 2011; SEI, 2011). tam serviço na área de turismo, alimentação e 542 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 A via portuária de Salvador alojamento. Entretanto, percebeu-se que as três Também merece destaque a transferência citadas e mais as relacionadas com construção de grande parte das instituições públicas do e atividades imobiliárias, além das atividades poder estadual para o Centro Administrativo profissionais, científicas e técnicas, tiveram, da Bahia (CAB), localizado em uma área do entre 2007 e 2008, um aumento que variou en- entorno de um trecho da então recém cons- tre 3 a 7% no número de empresas que foram truída avenida Luiz Viana Filho (Paralela) criadas nessas quatro áreas do setor terciário. (Gottschall et al., 2006). O aumento das empresas de construção está relacionado com as diversas construções presentes na cidade bem como com as obras do PAC. Até a década de 1950, o Cabula era praticamente formado por fazendas produtoras de laranja. Durante o século XIX, a localidade serviu de esconderijo para escravos fugitivos que formavam o chamado Quilombo do Cabula, o que explica a origem do nome na localidade e a forte herança africana, representada pelos inúmeros terreiros de candomblé existentes na região (Fernandes, 2004). Diante deste contexto, a década de 1970 foi marcada por um ritmo muito acelerado nas transformações vivenciadas pela localidade, com destaque para a implantação de grandes equipamentos públicos e/ou privados. Na área habitacional, em função da velocidade do processo de urbanização, as antigas fazendas foram sendo vendidas e divididas em lotes menores fazendo com que as antigas áreas verdes fossem substituídas por conjuntos habitacionais e também por invasões. (Estudo de Impacto Urbano Ambiental, 2011, p. 160) Nesse mesmo período houve a expan- A partir dos anos de 1980, o Bairro do são da cidade de Salvador de forma horizon- Cabula continuou crescendo dentro dos pa- tal, o que propiciou a vinda de uma praga que drões econômicos da cidade de Salvador. Para destruiu os laranjais do Cabula, consequente- se ter ideia, o Cabula hoje possui basicamente mente a população da localidade promoveu atividades relacionadas ao setor terciário e cer- uma transformação no uso do solo e na vida ca de 136 mil habitantes. da localidade. Pode-se destacar no Cabula os diversos A partir da década de 1970, os órgãos shoppings da área (como, por exemplo, Plaza públicos promoveram um processo de indus- Shopping Cabula, Shopping Conexão Comer- trialização no sentido da região norte de Sal- cial, o Cabula Tropical Center e o Cabula Mas- vador, o que promoveu o crescimento do Ca- ter Shopping), supermercados (por exemplo, bula em uma área residencial e de serviço. A hipermercado Wal-Mart), clínicas, restauran- localidade na época tinha uma população de tes (exemplo: Paraíso Tropical, que se desta- aproximadamente 30 mil habitantes. Pode-se ca por funcionar dentro de um sítio com uma destacar nesse contexto a construção da nova grande horta e diversas árvores frutíferas que estação rodoviária no vale do Camaragibe, a servem de insumos para a elaboração de pra- instalação do primeiro shopping center de por- tos exóticos da culinária baiana), universidade te (Iguatemi) nas imediações da rodoviária e a (Uneb), escolas, serviços públicos (como, por expansão imobiliária na Pituba e adjacências. exemplo, Posto do Serviço de Atendimento ao Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 543 Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira Cidadão – SAC), diversas lojas, que oferecem constitui outra obra do PAC. Trata-se, portanto, inúmeros produtos, e terreiros de candomblés, da primeira via expressa da cidade de Salvador. que servem como atividades turísticas (como Nessa obra (Figura 2) foram realizadas por exemplo: o Ilê Axé Opô Afonjá, o Adê Iso, vias elevadas sobre: a antiga Rótula do Abacaxi Viva Deus e o Ilê Ebi Oká ). Então, a maior par- e a ladeira do Cabula; a linha do Metrô, a inter- te das atividades é do setor terciário. Assim, os ligação do Largo Dois Leões e a Cidade Nova; o empreendimentos desse setor estão próximos túnel na Ladeira da Soledade e o elevado sobre da BR-324 e da Via Portuária. Em relação à a Avenida Jequitaia e Oscar Pontes, em Águas área de lazer, o Cabula possui uma de Meninos. Desse conjunto de obras, a interse- [...] completa desassistência das comunidades da vizinhança e área de influência indireta quanto a espaços públicos para o lazer – locais para o descanso e o divertimento propiciando o desenvolvimento pessoal e social. (Estudo de Impacto Urbano Ambiental, 2011, p. 205) ção, localizada na Rótula do Abacaxi, constitui-se o trecho onde há um conjunto de viadutos que levará à BR-324. A construção da BR-324/BA na Rótula do Abacaxi visou melhorar o escoamento de produtos agrícolas como soja e manufaturados. Buscou solucionar os grandes conflitos de trá- Entretanto, percebe-se no Bairro do Ca- fego existentes no local, com a ampliação do bula um grande investimento da área imobi- número de faixas da Av. Heitor Dias e da Es- liária, que tem comprado as chácaras para a trada da Rainha, também pretendeu diminuir construção de condomínios residenciais e em- o fluxo de cargas pesadas dentro da cidade de presariais, como o Horto Bela Vista (em cons- Salvador de forma que essas cargas sigam di- trução), próximo à Via Portuária, mostrando retamente para a zona portuária e/ou BR-324. que a área continua se destacando por suas O empreendimento da BR-324/BA planeja tam- atividades terciárias. bém favorecer a mobilidade dos pedestres com a construção de calçadas e ciclovias para assim proporcionar lazer à localidade e a ligação Os investimentos do PAC de infraestrutura rodoviária (via portuária de Salvador) no Bairro do Cabula e localidades adjacentes entre bairros por passarelas, potencializando a revitalização dos bairros e do comércio do entorno. Todas as obras logísticas do PAC, inclusive as rodoviárias, tiveram um estudo e o aval do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A Figura 3 mostra que a obra geografi- A principal obra do PAC da área de infraestru- camente fica na parte central da cidade de Sal- tura rodoviária presente no Cabula é a cons- vador, além de estar próxima à BR-324, via de trução da BR-324/BA na Rótula do Abacaxi. ligação interestadual e regional, com sentido É uma obra que já foi concluída a um custo duplo de tráfego e três faixas de rolamento pa- de R$129,5 milhões, e está relacionada à Via ra cada lado. Futuramente ficará próximo do Portuária de Salvador (Figura 2), que também futuro complexo de integração de transporte 544 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 A via portuária de Salvador Figura 2 – Percurso da Via Portuária de Salvador – 2010 Fonte: Casa Civil Bahia (2009). Figura 3 – Localização da Construção da BR-324/BA na Rótula do Abacaxi – Salvador – 2010 Fonte: JHSF (2010). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 545 Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira urbano público (metrô e ônibus), pois fica Em relação à obra do PAC da Via Portuá- localizado nas proximidades da estação de ria no final do ano de 2010, restava apenas metrô na parte denominada Acesso Norte, 27,77% de investimento total da obra para que integra sete estações nas regiões centro e ser pago, ou seja, R$105,6 milhões. Entretanto, norte da cidade, com fluxo previsto de 80.000 ainda falta: passageiros/dia. A obra interligará as principais avenidas da cidade (Av. Bonocô, Av. dos Rodoviários, Av. Barros Reis) de Salvador, que • pagar R$120 milhões para a OAS, • realizar as obras de infraestrutura, urbanismo e lazer, e dão acesso a shoppings e à estação rodoviá- • desapropriar 421 imóveis com o valor ria e de transporte da cidade, de acordo com de R$15 milhões. Sabendo-se que utilizaram estudos (JHFS, 2010), o local tem uma popu- R$34,2 milhões para desapropriar 350 imó- lação de área de influência de 2,3 milhões de veis, ou seja, cada imóvel ficou em média com habitantes, constituindo uma via coletora e R$0,097 milhões, assim, para os outros 421 também distribuidora. imóveis, seriam necessários R$40,8 milhões, o A construção da Via Portuária de Sal- que mostra a insuficiência de recursos. vador (BR-324/BA – Via Expressa ao Porto de Constata-se também que ainda tem Salvador), que se encontra em obras, tinha R$158 milhões para serem gastos nessa obra, uma previsão de ter gasto, até 2010, o valor e esse dinheiro é oriundo de convênio entre a de R$43,8 milhões, e após este ano há uma Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Es- previsão de investir mais R$207,7 milhões. tado (Sedur) com o Departamento Nacional Entretanto, no decorrer das obras houve um de Trânsito (DNIT). Tal fato demonstra tam- replanejamento nos custos, e ela passou a ter bém a necessidade de se fazer parcerias para um investimento de R$380 milhões, sendo execução de obras grandes, mesmo que sejam R$340 do PAC e R$40 milhões do governo do órgãos governamentais. Estado. Até o final de 2010, já foram gastos com a obra R$274,4 milhões, distribuídos da seguinte forma: • R$154 milhões para a construção dos viadutos, abertura de túneis, desapropriação de imóveis e pequenas intervenções viárias, como asfaltamento, calçamento e sinalização. • R$120,4 milhões para o ente privado res- As contribuições do PAC de infraestrutura rodoviária (via portuária) no Bairro do Cabula e localidades adjacentes ponsável pela construção. Ou seja, a construtora OAS ficou em oitavo lugar no recebimento do A Figura 4 mostra a importância da Via Ex- dinheiro total do PAC em nível nacional e auxi- pressa Portuária, pois auxiliará no escoamen- liou na reeleição da campanha governamental to da produção, integrando o Porto de Salva- do candidato Jacques Wagner para governador dor a BR- 324 e a BR-010. Percebe-se que foi da Bahia, doando 5,64% de todo o recurso da uma obra iniciada durante o PAC (2007-2010) sua campanha. e continua em andamento, pois restam após 546 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 A via portuária de Salvador o ano de 2010, 4,3Km de pista e 2,3 km de ao porto, que é um dos principais portões pista de rolamento. A finalização da obra com de escoamento da produção baiana. Entre a pista de rolamento estava prevista para os efeitos positivos, a obra viária irá desafo- 30/5/2011, mas, houve um replanejamento gar o tráfego em áreas de grande congestio- do cronograma e a inauguração ocorreu no namento da cidade, a exemplo da Rótula do dia 3/11/2013. Abacaxi, Ladeira do Cabula, avenidas Bonocô Após a finalização das obras, a Via Ex- e San Martin, Largo dos Dois Leões e Baixa de pressa terá 14 viadutos, quatro passarelas, Quintas. Também haverá a criação de um novo três túneis e ciclovia, visando a integração da acesso à cidade baixa da capital baiana e uma BR-324 ao Porto de Salvador (Figuras 3 e 4), redução de 3,5 mil metros em relação ao per- facilitando o acesso dos transportes de carga curso atual, que é de 7,4 mil metros. Figura 4 – Via Expressa Portuária de Salvador – Bahia – 2009 Fonte: DNIT (2009). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 547 Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira Outro aspecto dessa construção é que aproveitará a inacabada Via Portuária (Comér- os produtos químicos, os alimentos, as bebidas, as borrachas e os derivados do petróleo. cio) e passará pela Ladeira do Canto da Cruz, Entretanto, até o final do ano de 2010, Estrada da Rainha, avenidas Glauber Rocha, apenas cinco viadutos foram concluídos da Via Heitor Dias, chegando à antiga Rótula do Aba- Portuária, onde um deles continua interditado. caxi, que fará a interligação com a BR-324. Esse viaduto tem a denominação de Viaduto 12 Estima-se que, quando estiver finalizada, a Via e liga a BR-324 à Avenida Heitor Dias, tal fato Expressa passará a receber, diariamente, 62 mil demonstra que o processo de interligação lo- carros, sendo 3 mil de carga e 59 mil comuns, 3 gístico se encontra ineficiente. milhões de contêineres, visto que hoje suporta até 250 mil contêineres. A Via Portuária de Salvador tem ligação direta com a BR-324. A BR-324/BA (Figuras 4 Outro fato observado é que, em mea- e 5) é responsável por ligar Salvador à Feira dos de 2010, houve a divulgação da obra da de Santana, com um fluxo médio de 18 mil Ponte Salvador–Itaparica, mas essa obra não veículos por dia trafegando, onde 65% do faz parte do PAC-1 e sim do PAC-2, com edi- total desses veículos são carros de passeio. tal previsto para o primeiro semestre de 2011, Constata-se também que a BR-324/BA tem li- mas, até meados de 2013, não havia recursos gação com as rodovias estaduais denominadas para a obra, apenas o planejamento. Caso essa BA-526 e BA-528, ambas com uma trajetória obra seja executada, trará para a Baía de Todos que chega aos terminais portuários, à Base os Santos o km zero da BR-242. Essa rodovia Naval de Aratu e ao Complexo Industrial de cruzará o estado da Bahia até Brasília, e termi- Aratu (CIA) – área com a presença de indústria nará próxima à ponte da BR-116, sobre o Rio (Figura 5). Paraguaçu. Assim, a obra da Ponte de Salva- No PAC, há também a concessão da BR- dor–Itaparica promoveria a interligação com a 116/324, tal análise é importante, pois a BR- Via Expressa a partir da localidade próxima ao 324 integra o Bairro do Cabula (Salvador), que Porto de Salvador. corresponde a um dos acessos à área urbana Percebe-se que todas as obras do PAC ro- da cidade de Salvador, assim a concessão visa doviário presentes neste artigo são essenciais integrar os municípios de: Amélia Rodrigues, e que já deveriam ter sido contempladas em Candeias, Conceição do Jacuípe, Feira de San- governos passados. Já que não foram finaliza- tana, Salvador, Santo Amaro, São Sebastião do das, o sistema logístico continua ineficiente e Passé e Simões Filho, melhorando a mobilida- com gargalos. Afinal, seu funcionamento ape- de entre eles. A Rodovia BR-116 possui cinco nas pode ser feito com a interligação dos vários pedágios, localizados nos municípios de: Santo sistemas modais. Estevão – BR-242, Milagres – Brejões, Jequié – Constata-se que a obra do PAC busca Manuel Vitorino, Poções – Planalto, Veredinha uma integração entre o transporte rodoviário, – Cândido Sales. Já a Rodovia BR-324 possui através das diversas rodovias com a parte por- dois pedágios situados em: Simões Filho – tuária. Os principais produtos que são transpor- acesso a Candeias e Jacuípe (BA-515) – Amélia tados na Via Portuária são: os móveis, os metais, Rodrigues. 548 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 A via portuária de Salvador Figura 5 – Ligação da BR 324/BA com rodovias estaduais e os terminais portuários. Fonte: ANTT (2008). Os pedágios também serão distintos. Quem quiser viajar de Salvador para Feira de Santana, terá que arcar com R$3,40, sendo R$1,70 em cada trecho médio de 60km. Para percorrer entre Feira e a fronteira com Minas, serão mais R$11 – R$2,20 em cada trecho, nas praças de Santo Estevão, Milagres, Manoel Vitorino, Poções e Veredinha. Para veículos como ônibus, caminhões e carretas, o valor ainda não está definido. (Pitombo, 2009) de celulose. Facilitará ainda a integração regional, dada a importância da BR-116 para a ligação do transporte rodoviário entre o Nordeste e as regiões Sudeste e Sul do país, pois trata-se de uma via de passagem. Além disso, a obra alavancará o desenvolvimento da área de influência da Região Metropolitana de Salvador, que detém 70% do PIB do Estado. A concessão busca um modelo de gestão da rodovia através de parcerias federal, A concessão da BR-116-324 busca tam- estadual e privado, onde o ente privado ficaria bém o desenvolvimento econômico nos esta- com os riscos de gestão, e o governo apenas dos da Bahia e Espírito Santo, bem como das com a fiscalização e o controle da rodovia de indústrias locais e dos produtores agrícolas e forma a: melhorar os custos de manutenção Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 549 Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira e logístico da rodovia para tornar os produtos Apesar de as pessoas alegarem que as regionais mais competitivos, promover a re- indenizações possuem valor abaixo do merca- dução dos acidentes, através da melhoria das do,1 em conversa informal com os negociantes rodovias, devido à implantação de dispositivos da região, percebe-se que muitas casas estão de segurança. para desabar, ou não tem a documentação de A Rodobahia, empresa que ganhou a posse, ou seus proprietários estão resistindo concessão da BR-116/324, deve duplicar a BR- para receber o pagamento das indenizações. 116 e a BR-324 de forma a propiciar segurança Caso o cidadão desapropiado entre na justiça, aos cidadãos. De acordo com o Edital da Agên- os processos são favoráveis ao governo, em no- cia Nacional de Transportes Terrestres (2008), me do res public. a BR-116 deve ter a capacidade mínima de No caso dos proprietários de imóveis, 28.000 veículos/dia e a BR-324 a capacidade que apresentam risco iminente de desabamen- de 70.000 veículos por dia. to, eles mostram-se ansiosos para receber o O atraso da Via Portuária se deu por cau- mais rápido possível a indenização da Compa- sa de três motivos principais: a greve dos fun- nhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da cionários da construção civil por melhores con- Bahia (Conder). Com relação aos imóveis sem dições de trabalho e melhores salários, ocorrida documentação, percebe-se que as pessoas já entre março e maio de 2010; a desapropriação os habitam em períodos cuja média é de apro- dos imóveis localizados na Avenida Heitor Dias, ximadamente 35 anos, e nunca se preocupa- relacionados com os bairros da Sete Portas, o ram em regularizá-los. Então, torna-se neces- Largo Dois Leões, a Baixa de Quintas e também sária a regularização desses em cartório, caso na Estrada da Rainha; e as chuvas que ocorre- contrário serão desapropriadas por ordem de ram em Salvador no mesmo período da greve um mandato judicial. Aquelas que tiverem o da construção civil. Em relação à desapropria- documento regularizado, a Conder depositará o ção, constatou-se que dinheiro no Banco do Brasil referente ao valor do respectivo imóvel. Afinal, na gestão territo- Do total de 771 imóveis a serem derrubados, 350 já foram desapropriados, representando um gasto com indenizações de R$34,2 milhões, dos R$49,5 milhões previstos. A expectativa é que as próximas indenizações comecem a partir de fevereiro deste ano. Um dos principais impasses é o fato de a maioria dos proprietários residentes não ter documentação de posse regularizada, e comerciantes apresentarem resistência em aceitar a indenização do Estado (Conder), sob a alegação de que os valores oferecidos estão abaixo do estipulado pelo mercado. (Jornal A Tarde, 2010) 550 rial, os interesses individuais não podem sobrepor as necessidades coletivas. Outro fato constatado é que a Conder já realizou diversas visitas aos imóveis dessa região, mas ainda não definiu como será a desapropriação, se de forma total ou parcial. Consequentemente, a Conder também não estipulou quando será realizada a indenização e qual o valor a ser pago por esses imóveis. Mas a população deve sair dos imóveis em nome do bem coletivo. A obra da Via Portuária, também estará integrada com as questões de mobilidade Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 A via portuária de Salvador intraurbana. As ações serão consolidadas em Orla Marítima, Aliomar Baleeiro (E.V.A.) e São dois grandes planos: Rede Integrada de Trans- Caetano, dentre outras avenidas. Está prevista porte (RIT), Sistema BRT (Bus Rapid Transit) e também a extensão ao município de Lauro de Programa de Obras Viárias (Provia). Freitas, apoiada nos 9 km iniciais da Estrada do A RIT prevê a implantação de um Siste- Coco (BA-099), e ao Aeroporto Internacional. ma Multimodal de Transporte de Passageiros. Já o programa Provia também estará li- As principais ações compreendem a moderni- gado com a Via Portuária, ele será voltado para zação dos trens do Subúrbio Ferroviário; a com- tentar solucionar os maiores engarrafamentos plementação da linha 1 do Metrô (Lapa/Acesso da cidade na região do Iguatemi, Bonocô e Pa- Norte), atingindo o percurso de 12 km entre La- ralela e ainda incrementar as soluções de trân- pa e Pirajá; e a revitalização do Plano Inclinado sito rápido com cerca de 59 quilômetros de cin- (Liberdade/Calçada), que constitui um meio de co novas vias para o trânsito rápido, sendo as transporte similar ao bonde, mas com duas ca- principais: a Linha Viva e a Avenida Atlântica. bines para transportar passageiros. Para isso, serão duplicados 33 km de avenidas O sistema BRT estava planejado para existentes, preparadas para receber o Sistema um total de 135 km de corredores de ônibus. BRT; execução de novas conexões viárias em Na primeira fase, serão 36 km de vias segre- desnível nos pontos críticos do Iguatemi, Bono- gadas para ônibus, que contemplarão as ave- cô, Lucaia, Parque da Cidade, Jardim dos Na- nidas Paralela, ACM, Juracy Magalhães, Barros morados, Jardim de Alah e Paralela. Reis e Vasco da Gama. Já na segunda etapa, Está prevista também a construção de 44 km de vias percorrerão as avenidas Jorge uma nova via expressa, chamada de Linha Viva Amado/Edgar Santos, Pinto de Aguiar/São Ra- (metrô de superfície) e estará associada à Pro- fael, Gal Costa, Dorival Caymmi/São Cristóvão via), que será mais uma alternativa à Avenida e Barroquinha/Sete Portas/Heitor Dias (próximo Paralela, com 20 quilômetros de pista dupla, ao Cabula e a Via Portuária). Mas devido aos com três faixas de tráfego por sentido, ligando interesses internacionais das empresas relacio- Bonocô e Rótula do Abacaxi ao Aeroporto. nadas à Federação Internacional da Copa do Construída sob o regime de PPP, terá cobrança Mundo (Fifa), esse será substituído por metrô de pedágio. O tempo total estimado de des- de superfície, para contemplar a copa de 2014. locamento não ultrapassará os 15 minutos, É bom esclarecer que tal decisão foi tomada beneficiando uma população de 780 mil mo- após audiência pública, levando-se em consi- radores, residentes na sua área de influência deração as questões orçamentárias do Estado. direta. Será implantada na faixa de domínio Posteriormente, mais 55 km de vias (de- das linhas de transmissão da CHESF, com nove nominado Rota Fluida) serão implantados com conexões com o sistema viário existente: via- propostas de adequação viária para dar maior dutos, alças e rampas; vinte ligações viárias fluidez à circulação dos ônibus e ao tráfego simples, por viaduto. Também funcionará co- de veículos em geral, abrangendo as avenidas mo opção de apoio à Avenida Paralela (liga a Silveira Martins, Afrânio Peixoto (Suburbana), cidade de Salvador ao Aeroporto Luis Eduardo Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 551 Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira Magalhães), estabelecendo uma ligação direta e para as bicicletas, reduzindo-se gastos com do Centro Tradicional e Histórico de Salvador combustível e, consequentemente, a poluição ao CIA-Aeroporto (BA-526) e ao novo trecho atmosférica, recriando-se uma nova qualidade da Estrada do Côco (BA-099), através de sua de vida. Pois até o momento as políticas bene- conexão com a Avenida Mário Leal Ferreira ficiaram os veículos motorizados. (Vale do Bonocô), permitindo uma alternativa de trânsito sem necessidade de utilizar a região do Iguatemi. Atende, também, aos bairros Conclusão de Pernambués, Cabula, Retiro, Saboeiro, Narandiba, Imbuí, CAB, Sussuarana, S. Rafael/S. A Via Portuária de Salvador é uma obra que Marcos, Parque de Pituaçu, "Miolo" de Salva- promove a mobilidade tanto intra como inte- dor, Centro Tecnológico da Bahia, Alphaville rurbana. A obra não foi concluída até o final de II, Bairro da Paz, Mussurunga e São Cristóvão. 2010, pois apenas 5 viadutos foram inaugura- Por ser um sistema de metrô, danifica menos o dos de um total de 14. De acordo com o plane- meio ambiente do que o transporte motoriza- jamento governamental, até o final de 2011, a do e é mais rápido no seu trajeto. Via Portuária teria todos os seus viadutos fun- Com base no apresentado, percebe-se cionando. Mesmo não estando concluída, ela que o PAC visa melhorar a política de mobilida- viabilizará o trânsito na localidade. Entretanto, de urbana de forma a reordenar o uso do solo os efeitos da sua integral mobilidade somente para reduzir viagens motorizadas, o incremento ocorrerão a partir do momento em que sejam do uso do transporte público coletivo e o es- concretizados os projetos rodoviários e portuá- tímulo aos modos não motorizados. Uma das rios integrados a ela. consequências importantes da adoção dessa Como os projetos rodoviários inte- política seria um menor número de ônibus e rurbanos, relacionados à Via Portuária, têm carros circulando na cidade, sendo substituído relação direta com a BR-324, a concessão pelo metrô, BRT e Provia, o que resultaria com da BR-324/116, por exemplo, promoverá a certeza, em uma melhoria da qualidade am- interligação dos municípios Salvador e Feira de biental, já que utilizaria o metrô e menos veí- Santana de forma mais ágil, além dos municí- culos motorizados. Complementarmente, essa pios adjacentes à BR-324/116. A BR-324 tam- política de descentralização deverá promover a bém promoverá a proximidade com os portos redução de percursos, estimulando dessa ma- de Salvador, a Base Naval de Aratu e o CIA; neira o uso dos modos não motorizados, não só além de interligar de forma mais eficiente a re- para o lazer, mas para o trabalho, pelas facili- gião Nordeste com o Sul e o Sudeste do país. dades criadas para os deslocamentos de ciclis- Em nível intraurbano, percebe-se que tas e pedestres. Para isso, seria necessário um já há a diminuição do tráfego na região, e se tratamento responsável para os deslocamentos os projetos do RIT, Provia e Linha Verde forem a pé e de bicicleta, como modos de transporte, concretizados, haverá uma maior descentra- com vias exclusivas, iluminadas e sinalizadas e lização das rotas de transporte presentes em com planejamento específico para o pedestre Salvador, propiciando um transporte de maior 552 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 A via portuária de Salvador mobilidade e acessibilidade, pois integrará o Outro aspecto a ser considerado é que as miolo da cidade com a área central; a faixa da cargas portuárias não entrarão mais na zona Orla Atlântica; a parte antiga da cidade, o Su- intraurbana da cidade de Salvador, pois a Via búrbio Ferroviário e o Aeroporto Luis Eduardo Portuária direciona a carga diretamente para o Magalhães. Os projetos da RIT, Provia e Linha Porto, havendo maior segurança para os cida- Verde, embora promovam menos mobilidade, dãos, já que muitas cargas possuem produtos contaminam mais o meio ambiente, quando químicos e derivados de petróleo e elas não comparados ao metrô, eles são financiados transitarão na cidade. através do PAC-2 e estão interligados com a Via Portuária. Caso todos os projetos associados à Via Portuária forem concretizados, diminuirão as Caso a Ponte que liga Salvador-Itaparica distâncias e o tempo de deslocamento dos ci- fique pronta, a Via expressa será importante, dadãos/usuários e dos produtos transportados pois ligará Salvador a Brasília através da BR- tanto em nível intra como interurbano, conse- 242, uma vez que, apesar de a obra fazer parte quentemente os custos de deslocamento serão do planejamento do PAC-2, o governo ainda diminuídos e o preço do produto final também, não tem recursos para a ela. Se for executada, assim os cidadão terão mais tempo para ativi- trará para a Baía de Todos os Santos o km zero dades de lazer pessoal, além de utilizar trans- da BR-242. Essa rodovia cruzará o estado da portes coletivos de maior qualidade e acessi- Bahia até Brasília, e terminará próxima à pon- bilidade para todos. A Via Portuária, apesar de te da BR-116, sobre o Rio Paraguaçu. Assim, a ser uma obra local, situada no Bairro do Cabula obra da Ponte de Salvador-Itaparica promove- (Salvador), constitui um empreendimento que ria a interligação com a Via Expressa a partir interfere nas redes de transporte logístico tanto da localidade próxima ao Porto de Salvador. em nível regional como nacional. Aliger dos Santos Pereira Graduação em Administração de Empresas, mestre em Planejamento e Desenvolvimento Territorial e Desenvolvimento Social, doutoranda em Desenvolvimento Regional e Urbano. Docente da Universidade do Estado da Bahia, do Instituto Baiano de Ensino Superior e da Universidade Salvador. Coordenadora de Tutoria do curso de Especialização em Gestão Pública da Universidade Aberta do Brasil. Salvador/BA, Brasil. [email protected] Fabiano Viana Oliveira Graduação em Comunicação Social, especialista em Filosofia Contemporânea e mestrado em Ciências Sociais. Professor do Centro Universitário Jorge Amado e do Instituto Baiano de Ensino Superior. Salvador/BA, Brasil. [email protected] Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 553 Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira Nota (1) A Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) fez uma pesquisa de mercado e iden ficou e registrou 95% dos imóveis dessa região, descrevendo suas caracterís cas e estabelecendo o quanto valem a par r de uma comissão julgadora, cujo responsável pela avaliação, Nei Cardim, é também membro do Conselho Federal de Economia. Referências AZEVEDO, P. O. de (2009). A Grande e a pequena Salvador. Disponivel em:< h p://terramagazine. terra.com.br/interna/0,,OI4076265-EI6578,00-A+Grande+e+a+Pequena+Salvador.html>. Acesso em: 22 out 2010. BALANÇO de 4 anos do PAC (2007-2010). 68 slides. 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Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 555 Aliger dos Santos Pereira, Fabiano Viana Oliveira SECRETARIA DE INFRAESTRUTURA DO ESTADO DA BAHIA (SEINFRA) (2009). Disponível em: h p:// www.seinfra.ba.gov.br/. Acesso em: 10 dez 2009. SECRETARIA DE TRANSPORTE E INFRAESTRUTURA (SETIN). Seminário de Planejamento da infraestrutura da cidade de Salvador. Disponível em: http://www.urbanizacao.salvador.ba.gov.br/index. php?op on=com_content&task=view&id=37&Itemid=127. Acesso em: 15 out 2009. SECRETARIA NACIONAL DE TRANSPORTE E MOBILIDADE URBANA – SeMOB (2006). Gestão integrada da mobilidade urbana. Brasília, Ministério das Cidades. SISTEMA INTEGRADO DE ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA DO GOVERNO FEDERAL (SIAFI). Disponível em: h p://www.tesouro.fazenda.gov.br/siafi/index.asp. Acesso em: 20 jun 2009 SILVA, S. C. B. de M. (1982). Cartografia da Acessibilidade e da interação no Estado da Bahia. Geografia, v. 7, número 13/14, pp. 51-74. 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Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 535-556, jul/dez 2013 Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil Infrastructures in the Germany, South Africa and Brazil World Cups Regina Meyer Branski Elisa Eroles Freire Nunes Sérgio Adriano Loureiro Orlando Fontes Lima Jr Resumo O Brasil sediará, em 2014, a Copa do Mundo de Futebol: evento mundial que ocorre a cada quatro anos e é responsável pela movimentação de um grande número de pessoas. A preparação para receber a Copa exige do país-sede grandes investimentos em infraestruturas que muitas vezes permanecem subutilizadas após o evento. O objetivo do trabalho é avaliar se as infraestruturas – estádios e sistemas de transporte – construídas para as copas da Alemanha, África do Sul e Brasil constituem legado positivo para os países-sede. A metodologia utilizada foi o estudo de casos desenvolvido a partir de dados secundários. O trabalho mostrou que (1) no caso do Brasil, os investimentos em sistemas de transporte não atendem as reais necessidades das cidades-sede e (2) diferentemente da Alemanha, na África do Sul os estádios estão em grande parte subutilizados e com dificuldade para serem mantidos. As perspectivas para o Brasil também não são boas e há grandes chances de que o país enfrente problemas semelhantes aos da África do Sul. Abstract Brazil will host the FIFA World Cup in 2014, which is a worldwide event that occurs every four years and is responsible for moving a large number of people. The preparation to host the World Cup requires high investments in infrastructure that often remains underutilized after the event. The objective of this research is to evaluate whether the infrastructure (stadiums and transpor t systems) built for the Germany, South Africa and Brazil World Cups are positive legacies for the host countries. The methodology was case study, which was developed from secondary data. The study showed that (1) in Brazil, investments in transportation systems do not meet the host cities’ real needs, and (2) unlike what happened in Germany, in South Africa stadiums are underutilized, and there are difficulties to maintain them. The perspectives to Brazil are not good and there are great chances that the country will face problems that are similar to those of South Africa. Palavras-chave: copa do mundo; futebol; estádios; sistemas de transporte; legados. Keywords: world cup; soccer; stadiums; transport systems; legacies. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 Regina Meyer Branski et al. Introdução ao invés do lucro estimado de 4 bilhões (Matheson e Baade, 2004). No Japão e Coréia do Sul, na Copa de 2002, os custos das obras de O Brasil será a sede da Copa de Futebol em infraestrutura foram bem superiores aos previs- 2014, um dos maiores eventos esportivos do tos inicialmente. No Brasil, o custo atual esti- mundo. De acordo com a Fédération Interna- mado está quase 300% maior que o previsto tionale de Football Association (Fifa), quase 31 em 2007 (Brasil, 2012); milhões de pessoas já assistiram pelo menos • número de turistas menor do que o espera- um dos 708 jogos realizados na Copa do Mun- do. Embora a Fifa afirme que haverá um cresci- do desde 1930, uma média de 44 mil pessoas mento no turismo, o número de visitantes pode por jogo (Fifa, 2012). Sediar uma Copa signifi- ser equivalente ao de outros períodos, ou até ca disponibilizar infraestrutura adequada para mesmo inferior como ocorreu, em 2002, na Co- a realização de 64 partidas de futebol e hos- reia (Lee e Taylor, 2005). Isso acontece porque pedar e garantir o deslocamento, durante um muitos turistas usuais evitam viajar na Copa mês, de 32 equipes, suas comitivas e torcedores (Matheson, 2009), mas também porque muitos vindos de todas as partes do mundo. Assim, a deles pertencem à população local. Na África preparação para receber esse evento demanda do Sul, por exemplo, mais de 60% da renda ob- dos países um volume significativo de recursos tida na Copa foi resultado do turismo realizado investidos na construção e/ou reforma dos es- pelos próprios sul-africanos (Cottle, 2011); tádios e, também, em sistemas de transporte • e, finalmente, prejuízos decorrentes do (mobilidade urbana e infraestruturas como ro- mau uso das infraestruturas. Dos dez estádios, dovias, aeroportos, portos e ferrovias). preparados pela Coreia para a Copa, somente A Fifa argumenta que a Copa traz para cinco são utilizados com regularidade (Corne- as cidades vários legados positivos como cres- lissen e Swart, 2006). E muitos dos investimen- cimento do turismo, capacitação da mão de tos em transporte não priorizam as reais ne- obra e melhorias nas infraestruturas, além de cessidades das populações locais, mas sim os divulgar a imagem do país para o mundo (Fifa, interesses dos organizadores do evento (Essex 2012). Mas, vários autores discutem se há de e Chalkley, 2004; Higham, 1999; Kassens, 2009; fato ganhos efetivos para os países que sediam Pillay e Bass, 2012). grandes eventos (Cornelissen e Swart, 2006; Sediar a Copa do Mundo, portanto, dife- Lee e Taylor, 2005; Matheson e Baade, 2004; rentemente do propagado pela Fifa, não garan- Matheson, 2009, etc.). De modo geral, os auto- te ao país um legado positivo. E, até mesmo as res observam que há poucos casos de sucesso e infraestruturas, consideradas por muitos como muitos relatos de problemas e dificuldades en- o legado mais importante, merecem uma aná- frentados pelos países. Entre as razões para os lise mais criteriosa. O objetivo do trabalho é maus resultados estão: avaliar se as infraestruturas – estádios e siste- • o custo final das obras quase sempre su- mas de transporte – construídas para as copas perior ao previsto. Na Copa 1994, nos Estados da Alemanha, África do Sul e Brasil constituem Unidos, houve prejuízo de 9 bilhões de dólares um legado positivo para os países-sede. Cabe 558 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil esclarecer que, além de certa imprecisão, as in- estacionamento e acesso por transporte de formações levantadas não tem o mesmo grau massa. Para os eventos internacionais, reco- de profundidade para os três países estudados. menda-se proximidade com hotéis, centros Mesmo assim, sua sistematização permite es- comerciais, heliportos e aeroportos. Jogadores tabelecer comparações e buscar o entendimen- e árbitros devem ter uma entrada exclusiva to do papel dos legados nas copas em diferen- e segura, vestiários bem equipados, escritó- tes contextos. rios próximos aos vestiários, túnel de acesso O trabalho está organizado em quatro ao campo e duas áreas para o aquecimento. seções, além da introdução e conclusão: exi- Para atender ao público, os estádios devem gências impostas aos países sede pela Fifa, ter cobertura, especialmente em locais com metodologia, sistematização das informações elevada incidência solar ou com clima úmido, sobre estádios e sistemas de transporte e ava- assentos individuais fixados na estrutura da liação dos legados deixados para os países-se- arquibancada, visibilidade perfeita do campo de. A metodologia utilizada foi estudo de casos de qualquer ponto, cinco pontos para venda de a partir de dados secundários. ingresso para cada mil espectadores, e acessibilidade para portadores de deficiência. Para a mídia, devem ser construídas cabines com Exigências da Fifa para a realização da Copa do Mundo proteção acústica, com todos os equipamentos e tecnologias de última geração para a transmissão das partidas, três estúdios de televisão, sala para coletiva de imprensa com sistema de Quando o país é escolhido para sediar os jogos, deve atender às inúmeras exigências da Fifa. A Fifa (2011) busca adequar suas exigências à realidade de cada país por meio de uma análise detalhada e a elaboração de uma Matriz de Responsabilidades onde estão definidas as obras prioritárias de infraestrutura e os responsáveis por sua execução: som e cem assentos e equipamentos para a realização de tradução simultânea. A Fifa recomenda, ainda, a instalação de geradores e inúmeras ações para redução da emissão de CO2 como armazenamento da água da chuva para irrigação, reuso da água nas instalações sanitárias, coleta seletiva de lixo, venda de produtos sem embalagem descartável, e • quanto ao sistema de transporte, além de utilização de painéis solares. Finalmente, para investimentos em aeroportos, portos, rodovias e aumentar a utilização e a viabilidade financei- ferrovias, exige melhorias na mobilidade urbana; ra dos estádios, recomenda que as instalações • quanto aos estádios, exige cerca de doze possam ser adaptadas para receber shows, fes- instalações que devem oferecer no mínimo 30 tivais e outros eventos de grande porte. mil assentos para os jogos internacionais, 50 mil A contrapartida a todos esses investi- para os jogos finais da Copa das Confederações mentos seria o legado positivo que o evento e 60 mil para a final da Copa do Mundo. traz para o país-sede. O conceito de legado Além da capacidade mínima, os es- para a Fifa é bastante amplo e abrange benefí- tádios devem possuir amplas áreas de cios sociais e econômicos, criação de empregos, Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 559 Regina Meyer Branski et al. ampliação do turismo e da rede hoteleira, de- adequado para tratar o tema da pesquisa por- senvolvimento da infraestrutura (estádios, sis- que o objetivo é avaliar a natureza dos legados temas de transporte, telecomunicação) e trei- deixados para os países-sede. namento e aperfeiçoamento dos trabalhadores A Figura 1 descreve as etapas percorridas. da construção e dos voluntários. Mas diversos Yin (2003) aponta a importância de es- autores defendem que somente heranças dura- colher casos que atendam aos objetivos da douras, que permanecem ao longo do tempo, pesquisa. Como unidades de análise foram devem ser consideradas legados (Cottle, 2011; selecionadas as duas últimas Copas do Mun- DaCosta, 2007; Villano e Terra, 2007). do realizadas, respectivamente, na Alemanha e na África do Sul, e a Copa de 2014 que será realizada no Brasil. A Alemanha é um dos países mais desenvolvidos do mundo e grande Metodologia de estudo de casos potência europeia. A África do Sul é um país em desenvolvimento com níveis elevados de pobreza e desigualdade social e infraestrutura O trabalho foi desenvolvido utilizando a meto- regular. O Brasil, como a África do Sul, é um dologia de estudo de casos múltiplos a partir país em desenvolvimento, com parte impor- de dados secundários. O estudo de casos carac- tante da população vivendo na pobreza. Mas, teriza-se como uma pesquisa que coleta e re- diferentemente dos outros dois países, suas gistra informações sobre um ou vários objetos dimensões são continentais e enfrenta graves (organizações, empresas, comunidades, etc.) e problemas de infraestrutura. Portanto, os três pode descrever, explicar, analisar e comparar países tem características que contribuem pa- fenômenos atuais que não estão sob o controle ra o entendimento do papel dos legados em do investigador (Yin, 2003). Assim, o método é contextos distintos. Figura 1 – Etapas do estudo de casos Copa da Alemanha Objetivo da pesquisa Unidades de análise Estádios Copa da África do Sul Protocolo Análise dos resultados Sistema de transportes Conclusões Copa do Brasil 560 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil No protocolo, foram detalhados os pro- per capita está em torno de 25 mil dólares por cedimentos seguidos para coleta e organização ano. Em termos de infraestrutura, o país conta dos dados secundários. As informações sobre com excelentes rodovias e ferrovias, transporte os estádios e os sistemas de transporte nos três aéreo eficiente e os seus portos estão entre os países foram levantadas em periódicos cientí- melhores do mundo (Banco Mundial, 2010). ficos e documentos oficiais, jornais, revistas e publicações especializadas. Em seguida, as in- Instalações esportivas formações foram organizadas e confrontadas (triangulação). Foram identificadas diversas Para a Copa do Mundo de 2006, a Alemanha imprecisões, principalmente com relação aos construiu apenas um estádio – Allianz Are- dados relativos aos custos dos estádios e de na – em Munique. Os outros onze já existiam outros investimentos. Nesses casos, foi dada e foram reformados para o evento. A Figura 2 preferência às fontes oficiais. Para cada país mostra suas localizações. estudado, foi elaborado um relatório com es- No total foram investidos cerca de 1,9 bi- trutura predefinida e, finalmente, avaliados os lhão de dólares nos estádios, sendo 60% finan- resultados e conclusões. ciado por clubes e outros investidores privados e 40% com recursos públicos. O Quadro 1 elenca os doze estádios, as cidades onde estão lo- Infraestruturas das copas da Alemanha, África do Sul e Brasil calizados, capacidade e valor investido. A Copa da Alemanha foi um caso de sucesso, com a maioria dos estádios recebendo um grande fluxo de espectadores durante e após o evento. Para avaliar a utilização dos Serão apresentadas as informações sobre as estádios, Alm (2012) propôs um índice que re- infraestruturas (estádios e sistemas de trans- laciona o número de espectadores no ano e a portes) construídas para as duas últimas Copas capacidade do estádio. O autor levantou dados do Mundo – Alemanha e África do Sul – e as de 75 estádios em vinte países em jornais, pu- planejadas para o Brasil. blicações especializadas e questionários enviados diretamente para os administradores. Copa da Alemanha O Allianz Arena de Munique é o estádio que apresenta o melhor índice de utilização da Eu- A Alemanha está localizada na Europa Cen- ropa (33,3 espectadores por assento em 2009), tral, conta com uma área de aproximadamen- seguido do RheinEnergie, em Colônia (22,2 es- te 357 mil km2 e uma população de cerca de pectadores por assento), e do Commerzbank 81 milhões de pessoas. O país é desenvolvido em Frankfurt (19 espectadores por assento). e oferece boa qualidade de vida para seus habitantes: o PIB alemão é elevado e a renda Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 O Quadro 2 descreve a utilização dos doze estádios da Copa de 2006. 561 Regina Meyer Branski et al. Figura 2 – Localização dos estádios na Alemanha Fonte: ContiSoccerWorld – The Football Portal of Continental AG Quadro 1 – Estádios da Copa na Alemanha Nome Cidades Capacidade Investimentos (milhões de dólares)* Allianz Arena Munique 69.901 458 Olympiastadion Berlim 76.000 304 Signal Iduna Park Dortmund 60.285 45 Commerzbank Arena Frankfurt 48.132 158 AufSchalke Arena Gelsenkirchen 48.426 241 AOL Arena Hamburgo 45.442 122 AWD Arena Hannover 49.297 79 Fritz Walter Stadion Kaiserslautern 41.513 61 RheinEnergie Stadion Colônia 40.590 138 Franken Stadion Nuremberg 36.898 70 Gottlieb Daimler Stadion Stuttgart 47.757 68 Zentralstadion Leipzig 44.345 114 598.586 1.858 Total Fonte: Maennig e Du Plessis (2007). *dólar médio de 2010 562 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil Quadro 2 – Utilização dos estádios na Alemanha Estádios Legados Allianz Arena Financiado por dois clubes de futebol populares – TSV 1860 Manchem e FC Bayern München – atrai um grande número de espectadores. O estádio tem projeto arrojado e é usado exclusivamente para partidas de futebol Olympiastadion Além do futebol, são disputadas partidas de futebol americano. Já hospedou torneios como US National Football League (2007), Frauen DFB Pokal (2010) e Internationales Stadionfest (2010) Signal Iduna Park Abriga competições europeias e internacionais Commerzbank Arena Pertence ao clube Eintracht, que realiza jogos de futebol, futebol americano e outros eventos como o Congresso Anual de Testemunhas de Jeová Veltins Arena Além de jogos de futebol, recebeu eventos como Speedway Grad Prix of Germany (2007) e Ice Hockey World Championship (2010) AOL Arena Pertence ao clube Hamburger SV e é utilizado para shows internacionais, concertos de música clássica e apresentações de ópera AWD-Arena Pertence ao clube Hannover 96 e, além dos jogos de futebol, também recebe campeonatos de atletismo – o German Turnfest – e jogos de handball, rúgbi, futebol americano, shows e apresentações artísticas Fritz Walter Stadion Servido por uma ampla e moderna rede de autoestradas e por conexões ferroviárias, hospeda jogos da Bundesliga Rhein Energie Stadion Recentemente foi palco dos jogos do Campeonato Europeu (Uefa) Frankestadion Utilizado tanto para partidas de futebol como para competições de atletismo Gottlieb Daimler Stadion Pertence ao tradicional clube VfB Stuttgart onde são realizados seus jogos Zentralstadion Único a enfrentar problemas. Em 2010, foi adquirido pelo Red Bull Arena, time de quarta divisão. Sem um time profissional, está subutilizado Fonte: Maennig e Du Plessis (2007). Entre os fatores que explicam a boa uti- Sistema de transporte lização das instalações esportivas estão a forte tradição da Alemanha no esporte, localização A Alemanha conta com uma extensa rede de em regiões densamente povoadas e o fato de rodovias e ferrovias e um grande número de pertencerem a clubes consagrados, que atraem aeroportos. Além disso, trens e rodovias de al- grande número de espectadores. O único está- ta velocidade conectam as diversas regiões do dio que enfrenta problemas é o Zentralstadion, país às doze cidades-sede da Copa. A figura 3 em Leipzig. Financiado pelo município e por indica, além dos estádios, (1) linhas férreas e fundos privados, não tem um time profissional aeroportos internacionais e (2) principais rodo- e atrai pouco público. vias do país. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 563 Regina Meyer Branski et al. Figura 3 – Infraestrutura logística da Alemanha (1) Linhas Férreas e Aeroportos Fonte: Rentwithjd (2) Principais Rodovias Fonte: Maps of Germany Como já contava com um bom siste- vizinhos. No transporte ferroviário, o tempo de ma de transporte, a maioria dos projetos viagem entre cidades foi reduzido e seis esta- executados para a Copa visava modernizar e ções foram modernizadas. Além disso, todas as adequar infraestruturas já existentes. Os in- cidades-sede têm estações com plataformas vestimentos totalizaram 7 bilhões de dólares para trens de alta velocidade. (Quadro 4), uma vez que a maior parte desse Tecnologias de última geração também recurso (80%), bancada pelo governo federal, foram destaque na Copa da Alemanha. Foi foi aplicado no melhoramento de rodovias e desenvolvido sistema que permitiu o uso dos em sistemas de informação. ingressos dos jogos no transporte público pa- A Alemanha ocupa um território peque- ra ir ao estádio ou a outras atrações turísticas. no, com distâncias curtas entre suas cidades e Outro destaque foi um sistema de roteirização uma infraestrutura viária densa e de boa qua- implantado em diversos pontos das cidades e lidade. Assim, o transporte terrestre recebeu nas rodovias federais. Através dos três campos apenas melhorias. No transporte aéreo, dez do ingresso – logotipo da Copa, símbolo do das doze cidades-sede possuem aeroportos estádio e setor da arquibancada – indicava-se ligados a linhas férreas, metrô e redes de ôni- o melhor roteiro para o deslocamento. As reco- bus. Nuremberg e Gelsenkirchen, que não têm mendações direcionavam os espectadores por aeroportos, estão próximas (menos de 45 km) diferentes caminhos, ajudando a organizar o e interligadas por boas rodovias a aeroportos tráfego e a reduzir o tempo de deslocamento. 564 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil Quadro 4 – Investimentos em sistemas de transporte na Alemanha Sistema de transporte Investimentos (milhões de dólares) Governo Federal – rodovias e sistemas de informação 5,720 Estados e municípios – vias – estacionamentos – transporte público – informação e controle de tráfego 520 520 390 130 Total 7,280 Fonte: Federal Ministry of the Interior (2006). Quadro 5 – Panorama da mobilidade urbana na Alemanha Cidade Características Munique Possui trens, metrôs e ônibus interligados. Bondes e a bicicleta são intensamente utilizados. Stuttgart Bondes, trens de subúrbio, ônibus e metrôs interligados por bilhete integrado. Centro integrado de tráfego, capaz de monitorar o trânsito e fazer interferências, como alterar tempos dos semáforos e gerenciar câmeras. Melhorias em vias e implantação de sistema de sinalização para pedestres. Kaiserslautern Linhas de ônibus circulam em toda a cidade. O tráfego de carro não é pesado e a cidade é bem sinalizada. Nuremberg Acesso ao estádio pode ser de carro, ônibus ou metrô. Frankfurt Ruas muito bem sinalizadas, facilitando o tráfego de carros. Possui linhas de trem e ônibus por toda a cidade. Colônia Ônibus para vários lugares do país. Transporte público adequado. Gelsenkirchen Acesso ao estádio por carro e trem. Dortmund Rede de transporte ao redor do estádio. Possui rodovias e sistema de metrô. Leipzig Transporte ferroviário conectado à vários pontos Hannover Possui um sistema rodoviário eficiente e muito bem sinalizado. Berlim Possui excelente serviço de transporte. Cidade equipada com ciclovias e semáforos para os ciclistas. Hamburgo Sistema de transporte coletivo eficiente. Fonte: Deutschland (2006). Em mobilidade urbana, a cargo dos es- por serviços de qualidade, com trens, metrôs tados e municípios, foi investido volume bem e/ou ônibus interligados, permitindo fácil des- menor de recursos em melhoramento de vias, locamento. O Quadro 5 traz um panorama transporte público e estacionamentos. Isso por- da mobilidade urbana nas doze cidades-sede que, no geral, as cidades já são bem atendidas (Deutschland, 2006). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 565 Regina Meyer Branski et al. Copa da África do Sul Instalações esportivas A África do Sul foi o primeiro país do conti- A África tinha sediado, em 1995, a Copa do Mun- nente africano a sediar, em 2010, uma copa do de Rúgbi e já possuía algumas boas instala- de futebol. Com uma área de 1220 mil km 2 ções. Assim, dos dez estádios que sediaram os e uma população de cerca de 46 milhões de jogos de 2010, cinco já existiam e foram reforma- pessoas, é conhecida por sua pluralidade cul- dos para o evento e cinco novos foram construí- tural, possuindo onze línguas oficiais. O país é dos. A Figura 4 indica a localização dos estádios. considerado em desenvolvimento e apresenta No total foram investidos cerca de 2,3 bi- uma taxa de desemprego de 28%. Em 2010, lhões de dólares, financiado basicamente pelo o PIB africano era de 360 milhões de dólares e setor público, que participou tanto das constru- a renda percapita 3,7 mil dólares por ano. Os ções de novos estádios quanto das renovações portos africanos são considerados de média (Alm, 2012). O Quadro 5 lista os estádios, as eficiência e a qualidade da infraestrutura é re- cidades onde estão localizados, capacidade e o gular (Banco Mundial, 2010). valor investido. Figura 4 – Estádios da África do Sul Fonte: BBC News. 566 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil A Copa da África do Sul não pode ser estádio tem alto custo de manutenção e dificul- considerada um caso de sucesso. O estádio Ca- dade para atrair times populares. Outras insta- pe Town, por exemplo, foi construído na Cida- lações com problemas são os estádios Nelson de do Cabo a despeito de já existirem outras Mandela Bay, Peter Mokaba, Mbombela, Royal instalações no local. O custo final foi cerca de Bafokeng e Free State (Alm, 2012). 30% superior ao previsto inicialmente e re- O Quadro 6 descreve a utilização dos está- sultou em uma instalação pouco utilizada: o dios da África do Sul após o mundial de futebol. Quadro 5 – Estádios da Copa da África do Sul Nome Cidades Capacidade Investimentos (milhões de dólares) 59.957 66.005 42.486 43.589 45.264 452 653 306 153 219 49.365 88.460 61.639 44.530 45.058 14 481 73 22 43 574.200 2,354 Novos Moses Mabhida Cape Town Nelson Mandela Bay Mbombela Peter Mokaba Durban Cidade do Cabo Port Elizabeth Nelspruit Polokwane Loftus Versfeld Soccer City Ellis Park Royal Bafokeng Free State Pretória Johannesburgo Johannesburgo Rustemburgo Bloemfontein Reformados Total Fonte: Cottle (2011). Quadro 6 – Utilização dos estádios na Copa da África do Sul Estádios Novos Moses Mabhida Recebe, além de partidas de futebol e rúgbi, jogos de críquete e outros eventos. Cape Town Abriga jogos e eventos culturais, mas não o suficiente para garantir sua manutenção. Nelson Mandela Bay Não recebeu nenhuma partida de futebol, em 2011, e abrigou apenas cinco jogos de rúgbi da segunda divisão e alguns shows. Mbombela Subutilizado, participa de um rodizio para receber jogos capazes de atrair a população. Peter Mokaba Tem custo de manutenção de 2 milhões de dólares por ano, valor elevado para as condições econômicas da cidade. Loftus Versfeld Sede de um importante time de rúgbi (Blue Bulls) recebe também jogos de futebol Soccer City Terceirizado após o evento para o Banco Nacional Sul-Africano recebe jogos e eventos de grande porte como grandes clássicos de futebol e os shows do U2 e Neil Diamond Reformados Ellis Park Utilizado por um time de rúgbi da primeira divisão da Liga Sul-Africana Royal Bafokeng Utilizado para jogos de futebol do time Platinum Stars, equipe com pouca tradição, e partidas de rúgbi. Free State Abriga jogos da Liga Sul-Africana de rúgbi, mas não recebeu nenhuma partida de futebol: o clube da cidade prefere jogar em um pequeno estádio com 20 mil lugares. Fonte: Cottle (2011). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 567 Regina Meyer Branski et al. Dos estádios, pelo menos cinco estão subutilizados o que levou o secretário do Pla- Aeroportos, ferrovias e mobilidade urbana dividiram os 45% restantes (Quadro 7). nejamento de Durban a afirmar que diante As rodovias foram modernizadas, como dos elevados custos de manutenção, a melhor a ampliação para cinco faixas na rodovia que alternativa seria a demolição (IG Economia e liga Johanesburgo a Pretória. Foram investidos Mercado, 2012). O principal problema enfren- 2.4 bilhões de dólares na ampliação dos aero- tado, sobretudo com relação às novas instala- portos de Johannesburg e Cape Town, constru- ções, é como atrair o público e desta forma ção de um novo terminal em Bloemfontein e de garantir a sustentabilidade. um novo aeroporto em Durban. Foram gastos 2 bilhões nas ferrovias, inclusive na construção do sistema de trem rápido – o Gautren – ligan- Sistema de transporte do Johanesburgo a Pretória e passando pelo Aeroporto Internacional OR Tambo. O Gautrain A África do Sul tem uma infraestrutura de está interligado a uma rede de ônibus e visa transporte bem desenvolvida, com ampla re- aliviar os pesados congestionamentos entre de de rodovias e ferrovias. A Figura 5 mostra, as duas cidades. E, finalmente, na mobilidade além da localização dos estádios, (1) ferrovias urbana, destacam-se sistema de bilhete único, e portos e (2) rodovias e aeroportos. As no- implantação de Bus Rapid Transit (BRT), de cor- ve cidades-sede são atendidas por rodovias e redores exclusivos e de estações intermodais ferrovias e, com a construção do aeroporto em para transporte público, melhorias nos trens ur- Durban, quatro delas têm aeroporto. banos e investimentos nos sistemas de geren- Cerca de 15 bilhões de dólares de re- ciamento de congestionamento (Cottle, 2011). cursos públicos foram investidos no sistema No Quadro 8, estão detalhados os principais in- de transporte. Como na Alemanha, a maior vestimentos realizados em mobilidade urbana parte dos recursos foi para as rodovias (55%). na África do Sul. Figura 5 – Infraestrutura logística da África do Sul (1) Ferrovias e Portos Fonte: Maps of World 568 (2) Rodovias e Aeroportos Fonte: Mappery Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil Quadro 7 – Investimentos em sistema de transporte na África do Sul Sistema de transporte Investimentos (milhões de dólares)* Rodovias Aeroportos Ferrovias Intervenções para a Copa Sistema BRT 9.100 2.400 2.000 1.800 260 Total 15.560 * dólar médio de 2010. Fonte: Cottle (2011). Quadro 8 – Principais investimentos em mobilidade urbana da África do Sul Cidade Mobilidade urbana Durban Interconexão do transporte público Construção de novo acesso ao estádio Novas linhas ônibus Melhoria em vias Ônibus para turistas Cape Town Melhorias nos corredores de transporte público Alargamento de vias Johannesburg Implantação de BRT Pretória Implantação de BRT Melhorias nas vias de acesso à cidade, aos aeroportos e ao estádio Port Elizabeth Novas estações intermodais Ampliação das rotas de transporte público Nelspruit Melhoria da circulação em via Facilidades para pedestres Rustenburg Melhoria da circulação em via Melhorias nas instalações de táxi e ônibus Novas vias ligando o estádio ao centro da cidade Bloemfontein Estação intermodal de transporte público Melhorias no acesso ao aeroporto Ampliação do serviço de transporte Polokwane Melhorias nas vias, especialmente as que ligam o estádio e aeroporto Melhoria no terminal de ônibus Investimento em sistema de táxi Fonte: Adaptado de Transport Guides e 2010 Soccer World Cup Facts and Stats. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 569 Regina Meyer Branski et al. de desenvolvimento humano, revelando gran- Copa do Mundo do Brasil des disparidades econômicas e sociais (Banco O Brasil é o maior país da América do Sul, Mundial, 2010). ocupan do uma área de 8.514 mil km2 e com uma população de 190 milhões de habitantes. Instalações esportivas Considerado um país emergente, sua economia é a sétima do mundo: o PIB brasileiro é O Brasil contará com 12 estádios para a Copa de 1.6 trilhões de dólares e a renda per capita do Mundo de 2014, uma vez que sete deles se- de 4 mil dólares/ano. Mas, a despeito do cres- rão construídos (ou inteiramente reconstruídos) cimento que o país vem experimentando nos e cinco reformados. A Figura 6 indica a localiza- últimos anos, ocupa a 73ª posição no ranking ção dos estádios. Figura 6 – Estádios do Brasil Fonte: Wikipedia. 570 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil Serão investidos cerca de 4 bilhões de dólares, A despeito da preocupação dos organiza- visto que quase a totalidade dos recursos são públi- dores em construir espaços múltiplos e flexíveis, cos (estaduais e federais). Somente dois estádios – muitos estádios enfrentarão problemas e perma- Curitiba e São Paulo – têm participação de capital pri- necerão subutilizados. O Quadro 10 descreve as vado. O Quadro 9 elenca os estádios, cidades, capaci- perspectivas de utilização dos estádios após o dade e investimentos previstos (Portal Brasil, 2012). mundial de futebol. Quadro 9 – Estádios da Copa do Brasil Nome Cidades Capacidade Investimentos (milhões de dólares) 64.000 64.000 79.000 52.000 41.000 295 395 489 187 133 Reformados Castelão Mineirão Maracanã Beira Rio Arena da Baixada Fortaleza Belo Horizonte Rio de Janeiro Porto Alegre Curitiba Arena das Dunas Arena Pernambuco Fonte Nova Itaquerão Nacional Arena Pantanal Arena da Amazônia Natal Recife Salvador São Paulo Brasília Cuiabá Manaus Novos ou reconstruídos 43.000 46.160 50.000 65.000 71.400 43.600 44.000 Total 199 302 336 466 568 295 330 3,995 * dólar médio de 2010. Fonte: adaptado do Ministério do Esporte (2012). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 571 Regina Meyer Branski et al. Quadro 10 – Utilização dos estádios da Copa do Brasil Estádios Legados Arena das Dunas Desafio é garantir sua sustentabilidade econômica, já que há expectativa de que a receita com jogos não seja suficiente. Arena Pernambuco Vários empreendimentos estão sendo previstos para o entorno do estádio, incluindo a construção de um bairro planejado. Há dúvidas se poderá se manter após a Copa. Fonte Nova Terá estrutura para receber shows e outros eventos culturais, mas como a cidade apresenta um dos piores índices sociais do país, com grande parte da população sem recursos para pagar ingressos, sua sustentabilidade não está assegurada. Itaquerão Tem público garantido já que pertence a um dos mais tradicionais times da cidade, o Corinthians. Estádio Nacional A cidade não tem potencial esportivo para manter o novo espaço apenas com partidas de futebol. Assim deve abrigar shows e outros tipos de eventos que já fazem parte da tradição da cidade. Há dúvidas se poderá se manter após a Copa. Arena Pantanal O estádio foi planejado para ser multiuso, podendo abrigar convenções, shows e feiras, mas a cidade não está na rota dos grandes eventos musicais. Há dúvidas se poderá se manter após a Copa Arena do Amazonas Enfrenta várias ações ambientais. A cidade já têm outro estádio e nenhum time de destaque. Há dúvidas se poderá se manter após a Copa. Castelão Localizado na periferia da cidade está cercado por moradias de baixa renda, o que exigiu investimentos para a revitalização. Há dúvidas se poderá se manter após a Copa. Beira-Rio Reformado para receber espetáculos e convenções além da construção de um hotel anexo. Sede do popular time Internacional de Porto Alegre tem boas perspectivas. Arena da Baixada Projetado para ser um espaço múltiplo abrigando business center, praça de alimentação e centro comercial. Sede do tradicional clube Atlético Paranaense. Mineirão Localizados em Belo Horizonte, cidade populosa e com forte tradição no esporte. Tem boas perspectivas de utilização. Maracanã Localizado no Rio de Janeiro, com forte tradição no esporte. Tem boas perspectivas de utilização. Fonte: Sindicato da Arquitetura e da Engenharia (2010). Dos doze estádios, pelo menos sete en- principais times do estado de Fortaleza (Ceará frentarão dificuldades para se sustentar após e Fortaleza), por exemplo, não se interessaram o evento. Mesmo focando em concertos e ou- em assinar contrato de parceria para realização tros eventos culturais, esses estádios prova- de seus jogos no estádio do Castelão. Os clubes velmente não irão conseguir atrair o número alegam que o alto custo exigiria um público mí- de pessoas necessário para garantir a susten- nimo de 30 mil pagantes, considerado por eles tabilidade. Isso porque estão localizados em muito elevado. E, de fato é: a média de público cidades sem tradição no esporte, com clubes no Campeonato Brasileiro do principal evento com baixa popularidade e que levam ao está- esportivo do país foi de 15 mil espectadores dio número insuficiente de espectadores. Os (Confederação Brasileira de Futebol, 2013). 572 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil Estádios que hospedam clubes tradi- Sistema de transporte cionais, como Maracanã, no Rio de Janeiro, Itaquerão, em São Paulo, Arena da Baixada, No Brasil, predomina o modal rodoviário, mas em Curitiba e Beira-Rio, em Porto Alegre, cer- 60% das estradas não estão em boas condições tamente terão um desempenho melhor. O Mi- (Confederação Nacional dos Transportes, 2013). neirão, em Belo Horizonte, firmou contrato de O número de passageiros de avião vem cres- fidelização com um tradicional time mineiro. cendo de forma significativa nos últimos anos, O contrato garante ao clube a renda da bi- o que levou à saturação dos aeroportos. Os lheteria dos jogos sem pagamento de aluguel portos brasileiros, assim como as ferrovias, são e ao administrador do estádio a receita dos utilizados prioritariamente para o transporte de bares, restaurantes e lojas. Dessa forma, es- cargas. O transporte ferroviário foi privatizado pera atrair um grande número de torcedores e, nos últimos anos, melhorou seu desempenho. e, principalmente, garantir a sustentabilidade A Figura 7 mostra, além da localização dos es- da instalação. tádios, (1) ferrovias e aeroportos e (2) rodovias. Figura 7 – Infraestrutura logística do Brasil (1) Ferrovias e Aeroportos Fonte: Linha Auxiliar Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 (2) Rodovias Fonte: Portal Brasil 573 Regina Meyer Branski et al. Os 89 projetos em transporte inicial- feita à parte das obras dos dois aeroportos de mente planejados para a Copa no Brasil con- São Paulo (Guarulhos e Viracopos) e o de Natal. templam diferentes modais e a construção Para os aeroportos, estão previstas a de complexas infraestruturas. O Ministério do construção ou ampliação de terminais de pas- Esporte elencou os investimentos previstos sageiros em todas as cidades-sede (exceto em portos e aeroportos e mobilidade urbana Recife). O montante investido em São Paulo (avenidas, corredores metropolitanos, acessos é muito superior ao das demais cidades: cerca a aeroportos, urbanização no entorno dos es- de 1,8 bilhão de dólares. Esse fato se justifica tádios). Não estão previstos investimentos em pela importância econômica da cidade e por rodovias. O Quadro 11 detalha os empreendi- seus já conhecidos problemas e gargalos nessa mentos e os valores investidos. área. Quanto aos portos, os investimentos são No total serão investidos cerca de 11 bi- bem menos significativos, sendo beneficadas lhões de dólares. Os investimentos mais signifi- as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Fi- cativos estão destinados à mobilidade urbana nalmente, em mobilidade urbana, São Paulo, (7 bilhões de dólares), seguido dos aeroportos Recife e Manaus receberão os maiores inves- (4 bilhões de dólares) e, por último, portos (514 timentos, seguidas de Cuiabá e Belo Horizon- milhões de dólares). O modelo de financiamen- te. Somente Salvador não tem programado to está apoiado, no caso da mobilidade urbana, nenhum investimento desse tipo. O Quadro 12 em recursos públicos municipais, estaduais e detalha os principais projetos na área de mobi- federais. Nos aeroportos e portos, os financia- lidade urbana nas doze cidades-sede (Ministé- mentos são exclusivamente federais, exceção rio do Esporte, 2012). Quadro 11 – Investimentos em sistemas de transporte no Brasil Sistema de transporte Aeroportos Portos Investimentos (milhões de dólares)* 4,179 514 Mobilidade Urbana 6,824 Total 11,517 * dólar médio de 2010. Fonte: adaptado do Ministério do Esporte (2012). 574 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil Quadro 12 – Principais investimentos em mobilidade urbana no Brasil Cidade Mobilidade urbana Belo Horizonte Implantação de três Bus Rapid Transit (BRT) Corredor exclusivo para ônibus Construção de duas Vias Expansão da Central de Controle de Trânsito Implantação de Boulevard com ciclovias Brasília Implantação de Veículo Leve sobre Trilho (VLT) Ampliação da Capacidade da Rodovia Cuiabá Implantação de VLT Duplicação da avenida e implantação de corredor de ônibus Adequações viárias e de acessibilidade Curitiba Implantação de três corredores de ônibus Implantação de BRT Construção de uma via Implantação de Sistema Integrado de Monitoramento Fortaleza Implantação de três BRTs Implantação de um VLT Construção de duas estações do Metrô Construção de uma via expressa Manaus Construção de Monotrilho Implantação de BRT Natal Implantação de corredor estruturante Reestruturação de avenida Implantação de acesso ao novo aeroporto Implantação de um via Porto Alegre Implantação de três BRTs Implantação de quatro corredores de ônibus Complexo da Rodoviária Prolongamento de Via Recife Implantação de dois BRT Construção de Terminal de Ônibus integrado ao metro Implantação de dois corredores de ônibus São Paulo Construção do Monotrilho Rio de Janeiro Implantação de BRT Salvador –– Fonte: adaptado do Ministério do Esporte (abril de 2012). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 575 Regina Meyer Branski et al. estádios terão problemas de sustentabilidade Avaliação da natureza dos legados após o término do evento. Cidades como Brasília, Cuiabá, Natal, Fortaleza e Salvador não tem potencial esportivo para manter estrutu- Os gastos da África do Sul com estádios supe- ras de grande porte, exigindo, portanto, ações raram os da Alemanha, e os investimentos pre- que garantam a manutenção desses empreen- vistos para o Brasil são ainda maiores do que dimentos no longo prazo. dos outros dois países. A questão da ociosidade dos estádios fi- O Quadro 13 apresenta o número de ca ainda mais crítica quando observamos que estádios construídos e reformados, os valores os recursos investidos na África e no Brasil investidos pelos países e a origem dos recursos. são predominantemente públicos. Esses recur- Além dos recursos necessários para a sos poderiam atender necessidades básicas construção, essas instalações precisam abri- das populações como saneamento, transporte gar eventos periódicos e com bom apelo de público, educação, etc., mas estão sendo dire- público para se sustentarem ao longo do tem- cionados para obras que não são prioritárias. po. Mas, muitas vezes, estão em locais onde a Além disso, muitas vezes essas infraestruturas, demanda é insuficiente, permanecendo ocio- bancadas com recursos públicos, passam para sas, com seus custos elevados de manuten- a iniciativa privada após o evento. É o caso de ção a cargo de seus proprietários, geralmente diversos estádios construídos no Japão para a gestores públicos. Enquanto na Alemanha, Copa de 1992, da Arena Olímpica dos jogos os estádios têm um grande fluxo de especta- Pan-americanos de 2007, administrada atual- dores e apenas um está ocioso, na África do mente pelo HSBC, e do Estádio do Maracanã Sul a maior parte está subutilizada, geran- cujo edital recém-lançado pelo governo do Rio do prejuízos financeiros. O Brasil, a despeito de Janeiro prevê, em 35 anos de concessão, a da popularidade do futebol no país, parece recuperação de apenas 15% do valor investido que terá o mesmo destino da África: vários (Globo Esporte, 2013). Quadro 13 – Comparação dos estádios Estádios Alemanha África do Sul Brasil Construídos ou reconstruídos 1 5 7 Reformados 11 5 5 Total Investimentos ** Origem Principal utilização pós-copa 12 10 12 US$ 1850 milhões US$ 2300 milhões US$ 3995 milhões* Maior parte recursos privado Maior parte recursos públicos Maior parte recursos públicos Eventos esportivos Eventos esportivos Eventos esportivos * valor estimado. ** US$ valor médio de 2010. 576 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil Quanto aos sistemas de transporte, a construção de um novo aeroporto em Durban, África do Sul foi o país que realizou os maiores foram necessárias adaptações e modernização investimentos, seguido do Brasil e, por último, a em outros. No Brasil, dada a extensão territo- Alemanha. O quadro 14 mostra os investimen- rial do país e a distância entre as cidades-sede, tos nos três países. o transporte aéreo será bastante utilizado Alemanha e África do Sul efetuaram in- e estão previstas reformas e ampliação dos vestimentos significativos no modal rodoviário. aeroportos para receber o evento. Finalmente, No Brasil, a despeito da má conservação de o Brasil foi o país que mais investiu em mobi- grande parte das rodovias, não foram previs- lidade urbana: cerca de 60% do volume total tos investimentos nessa área. No modal aéreo, dos recursos do sistema de transporte foi des- na Alemanha, os aeroportos foram adequa- tinado a melhorias nessa área, valor três vezes dos para receber o evento, passando apenas superior ao da África do Sul e quatro vezes ao por pequenas reformas. Já na África, além da da Alemanha. Quadro 14 – Comparação dos sistemas de transporte Transporte Alemanha Objetivos Ampliar e modernizar o sistema existente Rodoviário África do Sul Brasil Ampliar e modernizar o Ampliar e modernizar o sistema existente e construir sistema existente e construir novas infraestruturas novas infraestruturas US$ 5720 US$ 9100 – Aéreo – US$ 2400 US$ 4179 Ferroviário – US$ 2000 – Porto – – US$ 514 US$ 1560 US$ 2060 US$ 6824 US$ 7,3 milhões US$ 15 bilhões US$ 11 bilhões Mobilidade urbana Investimentos* * US$ médio de 2010 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 577 Regina Meyer Branski et al. A despeito do elevado valor investido no importante centro econômico do país, a popu- sistema de transporte pelo país africano, não lação carente está dispersa nas regiões perifé- há indicações de que o legado deixado pela ricas da cidade e, portanto, é altamente depen- Copa tenha sido positivo. Além de enfrentar dente do ineficiente transporte público e vítima atrasos nas obras e custos significativamente dos graves problemas de congestionamento superiores aos previstos inicialmente, um dos enfrentados cotidianamente pela cidade. Belo principais problemas de mobilidade urbana Horizonte e Brasília também enfrentam con- enfrentados pelo país – cidades congestiona- gestionamentos em função da saturação das das, dominadas por carros e vans que trans- vias públicas. Em Natal, Recife, Fortaleza e portam principalmente negros sem conforto Manaus, as vias estão em péssimo estado de ou regularidade – não foi amenizado. Embora conservação e há problemas decorrentes da má os BRTs pudessem contribuir para a racionali- gestão na regulamentação e operação do ser- zação do uso do espaço urbano, a população viço de transporte. Mesmo Porto Alegre e Curi- resiste em trocar as tradicionais vans pelos tiba, cidades urbanisticamente diferenciadas, ônibus. Segundo o professor Wallers, do De- enfrentam problemas causados pelo grande partamento de Transporte da Universidade de número de veículos particulares em circulação. Johannesburgo, a questão é bastante comple- Diante desses desafios e observando os xa e envolve aspectos culturais e políticos (Ga- projetos de mobilidade urbana propostos, é zeta do Povo, 2012). possível afirmar que para a maioria das cida- A questão da mobilidade urbana é tam- des brasileiras os legados de transporte não bém um problema grave na maioria das cida- resolverão os principais problemas enfrentados des brasileiras de médio e grande porte. Além pelas populações. Em São Paulo, por exemplo, da má conservação de grande parte das rodo- está em construção um monotrilho ligando o vias e dos problemas de saturação nos aero- aeroporto de Congonhas ao Morumbi. Nessa portos, muitas cidades brasileiras sofrem com região, estão concentrados diversos hotéis e infraestruturas deficientes e transporte público uma população com elevado poder aquisitivo de má qualidade, sobretudo porque, durante que não utiliza o transporte público. Certamen- décadas, as políticas públicas vêm privilegian- te, esses recursos poderiam ser melhor empre- do o uso do automóvel. Assim, investimentos gados se direcionados para regiões mais popu- nessa área são necessários e bem vindos. losas e carentes. Pesquisa realizada, pelo Centro de Logística Urbana do Brasil (Club, 2012), nas principais cidades brasileiras revelou que os proble- Conclusão mas mais frequentes são transporte público de má qualidade, ruas mal conservadas e conges- O objetivo do trabalho era avaliar se as infraes- tionamentos. A região norte do Rio de Janeiro, truturas – estádios e sistemas de transporte – por exemplo, onde o transporte público é mais construídas para as copas da Alemanha, África demandado, é mal atendida e enfrenta escas- do Sul e Brasil constituem um legado positivo sez na oferta do serviço. Em São Paulo, o mais para os países-sede. 578 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil As exigências da Fifa com relação às melhor qualidade de vida das populações. Nem instalações esportivas são grandes. A começar sempre exigência da Fifa, tidas como funda- pelo número de estádios que o país deve ter mentais para a realização do evento, refletem para sediar o evento (em torno de 12), suas as reais necessidades das populações locais. capacidades, além de uma série de outros re- Assim, o argumento da Fifa de que a quisitos técnicos como tecnologias de última Copa do Mundo pode melhorar a qualidade geração para transmissão das partidas. Essas de vida das populações não se sustentam. Pe- exigências obrigam os países a realizar amplas lo contrário, as evidências indicam que muitas reformas ou a construir novos estádios. No ca- cidades-sede enfrentam dificuldades com os so do Brasil, muitas das instalações já existiam altos custos de construção e de manutenção há décadas e não atendiam aos requisitos da dos estádios e com a implantação de projetos Fifa, sendo mais vantajosa a construção de de transporte que não resolvem os principais novos estádios do que a execução das adapta- problemas das cidades. É importante que os ções exigidas. países-sede questionem as exigências da Fifa e Com relação aos sistemas de transporte, se posicionem, defendendo seus próprios inte- os investimentos requeridos pela Fifa para as resses. Essa questão é ainda mais crítica para cidades-sede privilegiam o deslocamento dos os países em desenvolvimento, que enfrentam, torcedores e, assim, visam à modernização ou por um lado, infraestruturas mais precárias que construção de infraestruturas que facilitem os requerem um volume maior de investimento fluxos entre aeroportos, estádios e hotéis e en- para a realização da Copa e, por outro, limita- tre as cidades-sede. A questão central é se es- ção de recursos e grandes demandas sociais ses investimentos contribuem, de fato, para a que muitas vezes não são atendidas pelos in- solução dos principais problemas e para uma vestimentos realizados. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 557-582, jul/dez 2013 579 Regina Meyer Branski et al. Regina Meyer Branski Mestre em Economia, doutora em Engenharia de Produção. Pesquisadora do Laboratório de Aprendizagem em Logística e Transporte da Faculdade de Engenharia Civil da Univesidade Estadual de Campinas. Campinas/SP, Brasil. [email protected] Elisa Eroles Freire Nunes Engenheira civil, estagiária no Laboratório de Aprendizagem em Logística e Transporte da Faculdade de Engenharia Civil da Univesidade Estadual de Campinas. Campinas/SP, Brasil. [email protected] Sérgio Adriano Loureiro Mestre em Engenharia civil. Pesquisador do Laboratório de Aprendizagem em Logística e Transporte da Faculdade de Engenharia Civil da Univesidade Estadual de Campinas. Campinas/SP, Brasil. [email protected] Orlando Fontes Lima Jr Engenheiro naval, mestre e doutor em Engenharia de Transporte. Coordenador do Laboratório de Aprendizagem em Logística e Transporte da Faculdade de Engenharia Civil da Univesidade Estadual de Campinas. Campinas/SP, Brasil [email protected] Referências ALM, J. (2012). World Stadium Index: built for major spor ng events-bright future o future burden? Danish Ins tute for Sports Studies. Disponível em: h p://www.playthegame.org/theme-pages/ world- stadium-index.html. Acesso em: 5/2/2013. 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Partindo de um estudo sobre a OU Faria Lima (São Paulo-SP), discute-se de forma prospectiva a OU Linha Verde (Curitiba-PR), em fase inicial de implantação. As análises possibilitam efetuar constatações ao mesmo tempo complementares e contraditórias. Deve-se reconhecer seu potencial na alavancagem da transformação urbana, repartindo os custos da ação pública. Entretanto, evidencia-se sua limitação na gestão social da valorização da terra, carecendo de mecanismos que assegurem o direcionamento adequado dos recursos. Abstract Discussions about the City Statute have been resumed, and the questions focus on its effectiveness, poor public participation and its use to legitimize policies guided by private interests. This paper investigates Urban Operations (UO) as a mechanism to recover land surplus value. Based on a study about the Faria Lima UO (city of São Paulo, Southeastern Brazil), the paper discusses the Linha Verde UO (city of Curitiba, Southern Brazil), which is at the initial stage of implementation. The analysis enables to draw conclusions that are both complementary and contradictory. On the one hand, it is necessary to recognize its potential as an important instrument to leverage urban transformation, dividing the costs of public action with stakeholders. However, it is possible to notice its low efficiency in the social management of land value appreciation, as it lacks mechanisms to ensure the appropriate distribution of public resources. Palavras-chave: operação urbana; mais-valia fundiária; valorização fundiária; Estatuto da Cidade; gestão social da valorização da terra. Keywords: urban operation; land surplus value; land value appreciation; City Statute; social management of land value appreciation. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013 Paulo Nascimento Neto, Tomás Antonio Moreira Introdução A produção do espaço urbano tem sido objeto de numerosos estudos. Como pano de fundo identifica-se a utilização da cidade enquanto instrumento de acumulação de capital, onde o princípio econômico da busca pelo lucro transforma o solo urbano em valor de troca, os componentes da cidade se convertem em mercadorias – banalmente comercializadas segundo a lei da oferta e da procura – e os proprietários fundiários se apropriam de valores criados pela coletividade por meio da urbanização (Pereira, 2001; Rolnik, Nakano e Cymbalista, 2008). A tomada de determinadas ações e decisões urbanísticas por parte do poder público – implantação de infraestruturas e equipamentos públicos, mudanças na legislação urbanística e classificação do solo – alavancam a valorização do solo. Destarte, uma ação pública, cujos custos são repartidos por toda a sociedade, resulta em benefícios para poucos proprietários privados. Nesse contexto, os instrumentos de gestão social da valorização da terra adquirem papel fundamental, permitindo ao poder público recuperar mais-valias urbanas, redistribuindo para toda a coletividade a valorização fundiária decorrentes de suas ações (Smolka e Amborski, 2000; Furtado, 2004; Santoro e Cymbalista, 2004). Avanços significativos nesse campo foram alcançados a partir de 2001, com a aprovação da Lei nº 10.257/2001, conhecida por Estatuto da Cidade, que estabelece "normas de ordem pública e interesse social que regu- lam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos 584 cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental" (art. 1º, grifos do autor). Para Piza, Santoro e Cymbalista (2004), a partir do Estatuto da Cidade, consolida-se o entendimento do dever de o Estado promover a justa distribuição dos ônus e benefícios da urbanização entre toda a sociedade, recuperando a valorização resultante de obras públicas de forma a efetivar a função social da propriedade. Dentre os diversos instrumentos previstos na Lei 10.257/2001, este trabalho concentra sua discussão sobre a Operação Urbana Consorciada, "um dos instrumentos mais polêmicos do Estatuto da Cidade", nas palavras de Santoro e Cymbalista (2008). Conforme conceituam os autores, a Operação Urbana Consorciada (OU) pode ser compreendida como um instrumento de redesenho de determinada parcela do território urbano a partir da alteração de índices urbanísticos e características de uso e ocupação do solo, combinando investimentos públicos e privados (obtidos por meio da outorga onerosa do direito de construir) visando à implementação de um plano urbanístico. Os valores resultantes das contrapartidas são direcionados para uma conta exclusiva de cada operação urbana, a ser utilizado somente para a consecução das intervenções definidas por lei dentro de seu perímetro. Considera-se Operação Urbana Consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental. (Brasil, 2001, art. 32, § 1º) Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013 Operação urbana consorciada da Linha Verde Tendo em vista que os instrumentos da enfrentados devido à fragilidade da operacio- política urbana devem seguir todas as diretri- nalização na época, conduzindo a uma série 1 zes delineadas no Estatuto da Cidade (San- de questionamentos pelos órgãos de fiscaliza- toro e Cymbalista, 2004), e, portanto, possi- ção e controle (Sepe e Pereira, 2011). bilitar a gestão social da valorização da terra, Com a entrada em vigor do Estatuto interessa-nos, neste artigo, investigar o alcan- da Cidade, em 2001, um conjunto de regras ce da Operação Urbana Consorciada enquanto gerais foi estabelecido para as Operações Ur- mecanismo de recuperação de mais-valias fun- banas Consorciadas, garantindo segurança diárias urbanas. jurídica para sua aplicação pelos governos A recuperação da mais valia [das operações urbanas] advém da aplicação dos instrumentos legais, dos recursos advindos da valorização imobiliária e fundiária resultante da ação do Poder Público e de sua aplicação em obras de infraestrutura urbana, sistema viário necessário ao transporte coletivo, recuperação ambiental e habitação de interesse social, entre outros. (Alvim, Abascal e Moraes, 2011, p. 219) Os proprietários que se beneficiarem com a utilização maior do potencial construtivo e, pois, da infraestrutura urbana deverão devolver parte da riqueza gerada à coletividade. (Santoro e Cymbalista, 2008, p. 88) As operações, segundo seus defensores [...] Permitem que os beneficiários de uma obra paguem seus custos, liberando os recursos públicos para aplicação em investimentos prioritários; Possibilitam a recuperação da chamada “mais-valia urbana”, capturando parte da valorização decorrente de um investimento público para que esta não seja apropriada unicamente pelos proprietários e promotores imobiliários. (Fix, 2004, p. 186) municipais. A referida lei previu a figura dos Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs): 2 títulos imobiliários a serem emitidos pelo município, funcionando como mecanismo de venda (alienados em leilão ou utilizados diretamente em obras necessárias à própria operação) de contrapartida relativa à outorga onerosa do direito de construir. Conforme expõe Maricato e Ferreira (2002), a partir dos Cepacs, o poder público define um estoque de potencial construtivo adicional para a operação urbana, lançando títulos equivalentes no mercado financeiro, de forma a arrecadar antecipadamente os valores referentes à outorga onerosa do direto de construir. Para Alvim, Abascal e Moraes (2011, p. 220), "trata-se de um avanço da política urbana, ao instituir um valor imobiliário capaz de agilizar os investimentos no perímetro das operações urbanas". Em âmbito nacional, verificam-se até o momento apenas duas experiências de Operações Urbanas Consorciadas com emissão de Cepacs implementadas (ambas em São Paulo – OU Faria Lima e OU Água Espraiada) e outra em fase de implementação (OU Porto No Brasil, sua aplicação remonta ao Maravilha – Rio de Janeiro). Face ao reduzido início da década de 1990, pioneiramente ado- número de casos existentes no Brasil, pode- tado pelo município de São Paulo. Porém, di- -se afirmar que a adoção desse mecanismo versos problemas de implementação foram de engenharia financeira ainda constitui um Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013 585 Paulo Nascimento Neto, Tomás Antonio Moreira aprendizado em curso no país, cujos descompassos e contradições devem ser compreendi- Metodologia de pesquisa dos a fim de mitigá-los quando da constituição de novas operações urbanas. Nesse contexto, destaca-se a aprovação Buscando atingir os objetivos propostos, adotou-se a pesquisa bibliográfica e documental da Operação Urbana Linha Verde em Curitiba como método de pesquisa, organizada segun- (Lei n. 13.909/2011 / Decreto n. 133/2012), a do um conjunto de processos empregados na quarta no país com emissão de Cepacs. Carac- investigação, vinculados a procedimentos in- terizada como a maior operação urbana brasi- telectuais e técnicos realizados segundo pla- leira (com oferta de 4.475.000 metros quadra- nejamento cuidadoso e embasados a partir de dos de área adicional de construção), sua im- reflexões conceituais sólidas (Silva e Menezes, plementação ainda é muito recente, sendo seu 2001; Gil, 2002). Dentro desse contexto, es- decreto regulamentador sancionado apenas ta pesquisa se estrutura a partir de três fases em 26 de janeiro de 2012. complementares, a saber: Tendo em vista o exposto, busca-se Fase 1 – Esta primeira fase, de caráter ex- neste artigo debater de modo prospectivo os ploratório, buscou o aprofundamento teórico- limites e potencialidades da Operação Urba- -conceitual com a temática, da qual resultou na (OU) Linha Verde frente às experiências um estudo bibliométrico inicial, identificando as implementadas no cenário brasileiro, com principais publicações ligadas à temática. Com- vistas a contribuir para o aprofundamento da plementarmente, foram inventariados estudos discussão das operações urbanas consorcia- e relatórios técnicos sobre as experiências bra- das enquanto instrumento de gestão social da sileiras de implementação de Operações Urba- valorização da terra. Para tanto, impuseram-se nas Consorciadas com emissão de Certificados as seguintes questões-problema: quais são os de Potencial Adicional de Construção (Cepacs), principais elementos estruturantes da OU Li- de forma a compreender o panorama nacional nha Verde? Esses elementos dificultam ou fo- de implementação do referido instrumento. Pa- mentam a recuperação de mais-valias fundiá- ra sua elaboração utilizou-se como técnica de rias urbanas? pesquisa a Análise Bibliográfica e Documental, Este artigo está organizado dentro de três grandes seções: inicialmente se discutem apresentando como resultados o item Universo e Amostra de Pesquisa. questões de ordem metodológica; na sequên- Fase 2 – Esta fase, de caráter descritivo, cia se procede à análise da Operação Urbana relaciona-se à contextualização da Operação Faria Lima, em São Paulo (SP) e da Operação Urbana Faria Lima, tendo por objetivo com- Urbana Linha Verde, em Curitiba (PR), e, por preender seu processo de formulação, sua for- fim, discutem-se as potencialidades e deficiên- ma de implementação, bem com os principais cias da OU Linha Verde ante a gestão social da desdobramentos sobre o ambiente construído. valorização da terra. Segundo Gil ( 20 02) , essa fase procura 586 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013 Operação urbana consorciada da Linha Verde descrever as características de determinado anteriormente, a OU Linha Verde será objeto de fenômeno, estabelecendo ainda relações entre discussão prospectiva deste trabalho. variáveis identificadas. Adotou-se a Análise Bi- Buscou-se então elencar uma experiên- bliográfica e Documental como técnica de pes- cia efetivada no cenário nacional, de forma quisa, apresentada no item Operação Urbana a estabelecer paralelos comparativos enri- Faria Lima – São Paulo (SP). quecedores da discussão. Nesse contexto, Fase 3 – A fase analítica procede as fa- optou-se por desconsiderar a experiência ses exploratória e descritiva, visto que, con- carioca – OU Porto Maravilha 4 (Lei municipal forme afirma Gil (2002), a análise dos fatores nº 101/2009) – tendo em vista seu precoce que determinam um fenômeno demanda sua processo de implementação. prévia identificação e descrição detalhada. Já em São Paulo, observa-se uma traje- Nesse sentido, a Fase 3 busca discutir os li- tória histórica de aplicação da Operação Urba- mites e potencialidades da implementação da na Consorciada, cuja previsão legal remonta Operação Urbana Linha Verde, tendo por base ao Plano Diretor de 1985 e a implementação as discussões teórico-conceituais bem como os ao final da década de 1990. Atualmente en- impactos da OU Faria Lima, investigadas na fa- contram-se em vigor quatro operações urba- 3 se anterior. Apoiando-se no policy cicle (ciclo nas – Faria Lima, Água Espraiada, Água Bran- político) descrito por Frey (2000) e discutido ca e Centro – uma vez que nas duas primeiras por Trevisan e Van Bellen (2008), este artigo há emissão de Cepacs5 (Alvim, Abascal e Mo- concentra-se na análise da primeira fase do raes, 2011; Sepe e Pereira, 2011). ciclo político (formulação), abordando ainda Entre essas duas Operações Urbanas, de forma prospectiva e menos profunda a se- definiu-se o estudo de caso na OU Faria Lima, gunda fase (implementação). Seus resultados selecionada de forma não-probabilística e in- são apresentados no item A Operação Urbana tencional, considerando primordialmente dois Linha Verde – Curitiba (PR). aspectos: (1) o maior volume de recursos de contrapartidas financeiras envolvido e (2) o fato da emissão de Cepacs ter ocorrido em uma se- Universo e Amostra de Pesquisa gunda fase de implementação da referida Operação Urbana (pós Estatuto da Cidade), o que A partir da etapa exploratória, identificou- permite verificar eventuais modificações engen- -se a existência de quatro operações urbanas dradas pela alteração na forma de comercializa- consorciadas com emissão de Cepacs (im- ção do potencial construtivo adicional. plementadas ou em fase de implementação) Adotar um método não probabilístico no Brasil, as quais constituem o universo de envolve o desenvolvimento de uma aborda- pesquisa deste trabalho: OU Faria Lima (São gem qualitativa, entendida segundo Silva e Paulo-SP), OU Água Espraiada (São Paulo-SP), Menezes (2001) como aquela que reconhe- OU Porto Maravilha (Rio de Janeiro-RJ) e OU ce um vínculo indissociável entre os dados Linha Verde (Curitiba-PR). Conforme já exposto objetivos e a subjetividade que permeia os Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013 587 Paulo Nascimento Neto, Tomás Antonio Moreira fenômenos estudados. Considerando que o objetivo principal desta análise é compreender os resultados da implementação da Operação Urbana consorciada no contexto nacional, a escolha pela abordagem qualitativa dentro de uma amostra não probabilística e intencional é considerada adequada. tránsito), en cuyos terrenos el precio del metro cuadrado se situaba entre los más elevados de São Paulo. Sua implementação pode ser dividida em duas fases: uma primeira, anterior ao Estatuto da Cidade, e uma segunda, onde foram efetua das revisões na OU de forma a adaptá-la ao novo marco legal nacional. Na primeira fase, o perímetro da operação Operação Urbana Faria Lima – São Paulo (SP): uma análise sintética urbana foi dividido em Área Diretamente Beneficiada (ADB), referente ao trecho diretamente beneficiado pela prolongação da Av. Faria Lima, e Área Indiretamente Beneficiada (AIB). A aquisição de direitos urbanísticos A primeira iniciativa para criação da Operação adicionais 6 ocorria com a apresentação de Urbana (OU) Faria Lima data de 1991, quan- projetos de empreendimento pelos proprietá- do da elaboração do Plano Diretor Estratégico rios, a partir dos quais a PMSP calculava in- municipal. Posteriormente, sob a gestão do dividualmente a contrapartida a ser paga por prefeito Paulo Maluf, em 1993, a OU foi en- cada edificação. caminhada à Câmara Municipal sob forma de Segundo Alvim, Abascal e Moraes (2011), projeto de lei, aprovado em 1995 (Sepe e Pe- a captura das contrapartidas se provou um reira, 2011). processo excessivamente moroso, onde os em- Instituída pela Lei n. 11.732/1995, a OU preendimentos se instalavam muito antes da Faria Lima tinha por escopo “a melhoria e a va- implantação das infraestruturas necessárias. lorização ambiental da área de influência defi- Complementarmente, conforme expõe Sepe nida em função da implantação do sistema viá- e Pereira (2011), o modelo adotado de valo- rio de interligação da Avenida Brigadeiro Faria ração das contrapartidas apresentava grande Lima e a Avenida Pedroso de Moraes” (art. 1º) instabilidade jurídica,7 gerando uma série de prevendo, conforme Montandon (2007), a exe- questionamentos por parte dos órgãos de fis- cução de melhorias no sistema viário, desapro- calização e controle. priações, produção de habitação de interesse Nesse contexto, após a aprovação do Es- social e aquisição de terrenos para equipamen- tatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), a Prefeitu- tos sociais. Com uma visão mais crítica, San- ra de São Paulo optou por rever a OU Faria Li- droni (2001, p. 63) assim sintetiza o objetivo da ma em 2003, alterando a engenharia financeira OU Faria Lima: da outorga onerosa do direito de construir, [...] se trataba de realizar la prolongación de una avenida (sin ninguna prioridad del punto de vista de la circulación y del 588 adotando a lógica do Cepac, em consonância com o marco legal nacional então aprovado. Destarte, a partir da Lei municipal 13.769/04 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013 Operação urbana consorciada da Linha Verde (alterada pela lei 13.871/2004), a PMSP iniciou restantes (1.281.908,54m²), convertidos em a emissão de Cepacs, realizando leilões na me- 650.000 Cepacs comercializados por um preço dida em que se fazia necessário a venda de po- mínimo unitário de R$1.100,00. tencial construtivo, evitando a oferta excessiva Segundo dados da SP-Urbanismo (2011), de títulos bem como o adensamento descon- até outubro de 2011, o poder público já havia trolado da área de intervenção (Alvim, Abascal comercializado, 635.059 Cepacs (97,7% do e Moraes, 2011). montante total), captando mais de 1,18 bi- Conforme descrevem Sepe e Pereira lhões de reais. Destes, 526.684 títulos já foram (2011), foi criada uma tabela de conversão de convertidos em empreendimentos e 110.875 Cepacs em metros quadrados adicionais, com ainda encontram-se em circulação no mercado valores distintos para atividades comerciais financeiro (Tabela 1). Dentro desse panorama e residenciais, reduzindo a subjetividade no é necessário ressaltar a recente aprovação pe- cálculo da contrapartida financeira. A partir la Câmara Municipal de São Paulo, em 14 de da nova lei criaram-se quatro setores (e 18 dezembro de 2011, da emissão adicional de subsetores) em substituição às áreas direta e 500 mil Cepacs no âmbito da OU Faria Lima, indiretamente beneficiadas, redistribuindo- gerando uma receita estimada de dois bilhões -se o estoque de metros quadrados adicionais de reais.8 Tabela 1 – Resumo da distribuição de Cepacs Distribuição – Autorização CVM Cepac R$ 1ª Distribuição – 26/10/2004 53.830 59.213.000 2ª Distribuição – 28/9/2007 313.460 413.662.359 3ª Distribuição – 20/1/2009 267.769 711.692.915 Total Distribuições 635.059 1.184.568.274 2.500 4.311.800 637.559 1.188.880.074 Colocação Privada – Programa Total colocado Utilizado (526.684) Em circulação 110.875 Cepac – Total 650.000 Cepac - Saldo 12.441 Fonte: SP-Urbanismo (2011). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013 589 Paulo Nascimento Neto, Tomás Antonio Moreira A partir da análise de estudos anteriores já infraestruturada. Assim, a implementação sobre a referida operação urbana (Sepe e Pe- da operação urbana contribuiu para o forta- reira, 2011; Sales, 2005; Montandon, 2007; Fix, lecimento de um modelo de desenvolvimento 2001), evidencia-se uma distribuição desigual urbano excludente, que concentra recursos e dos benefícios decorrentes das intervenções oportunidades em áreas restritas da cidade urbanas, ratificando o clássico descompasso e em favor de grupos seletos de beneficiários entre a matriz teórica de planejamento urbano (Fix, 2004; Sepe e Pereira, 2011; Sales, 2005; e a práxis da gestão urbana, conforme extensi- Montandon, 2007). Esse processo, não acom- vamente discutido por Maricato (2000). panhado de outros instrumentos de gestão Segundo Montandon (2007), a região on- social da valorização da terra, conduziu à ace- de a OU Faria Lima se insere é foco de interven- lerada valorização imobiliária9 de um setor no- ções sobre o sistema viário há mais de 20 anos, bre da cidade, inviabilizando a implantação de justificadas pela saturação da infraestrutura habitação de interesse social e a diversificação existente. Com a instalação da operação ur- de uso proposta pela OU (Sales, 2005; Montan- bana, houve, na realidade, uma intensificação don, 2007). dos investimentos públicos, sendo os recursos De fato, desde o início da implementa- obtidos com as contrapartidas em sua grande ção da OU Faria Lima, houve grande adesão maioria absorvidos pelos custos de desapro- do setor imobiliário. É interessante observar priações e obras viárias. Sandroni (2001) corro- que o consumo do estoque se concentrou, bora com o exposto, afirmando que entre 1995 e 2004, na Área Indiretamente Beneficiada (AIB) – respondendo por 59,61% En realidad la OU Faria Lima ocurrió en una región de gran dinamismo inmobiliario, que no necesitaba de incentivos especiales para que los agentes realizasen inversiones en el área. Es cierto que la prolongación de la avenida facilito y valorizó las áreas adyacentes, especialmente porque aumentó la accesibilidad. Pero, incluso si estas inversiones en la extensión de la avenida no hubiesen acontecido, la región ya poseía dinamismo propio, corroborado por las 113 propuestas aprobadas hasta ahora. (Ibid., p. 67) do potencial adicional de construção adquirido – demonstrando a incapacidade da operação urbana em alavancar o adensamento ao longo dos novos trechos de prolongamento da Avenida Faria Lima (ADB), onde foi ofertada a maior parcela de potencial adicional (1.250.000 m² – 56% do total). Inserido nessa dinâmica, observa-se uma maior intensidade do interesse imobiliário no bairro Vila Olímpia (AIB), zona tradicionalmente ocupada por habitações unifamiliares de média densidade, onde não foram efetuados investimentos diretos em melhoria, e hou- Para Sandroni (2001), a OU Faria Lima, ve significativa substituição das edificações distante de se consolidar como um instrumen- existentes por edifícios comerciais de eleva- to de recuperação de mais valia, representou do gabarito, alto padrão construtivo e pou- um compromisso do poder público em investir ca diversidade de usos (Sepe e Pereira, 2011; elevado montante de recursos em uma área Montandon, 2007).10 590 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013 Operação urbana consorciada da Linha Verde Essas novas centralidades, constituídas por novas torres resultantes da aglutinação de lotes, expõem a contradição das dinâmicas ocorridas nesta região da cidade: são os distritos que tiveram o maior incremento de área construída e que mais perderam população moradora em todo o município. [...] Tal monta de recursos [investimentos públicos diretos] catalisou a atividade imobiliária, mas não obteve êxito urbanístico equivalente, muito menos social. (Montandon, 2007, p. 18) segunda fase da Operação Urbana Faria Lima ter apresentando avanços, ainda não conseguiu romper com a lógica capitalista de produção do espaço que combina adensamento construtivo descolado de adensamento populacional, obras viárias com íntima relação a interesses imobiliários e baixo investimento em habitação de interesse social. Sepe e Pereira (2011) contribuem com a discussão, afirmando que, apenas em 2010 (portanto, após 15 anos do início da OU), ini- Para Fix (2004), a OU Faria Lima obteve ciou-se a construção de habitação de interes- como principal resultado a gentrificação de um se social, com vistas a atender parcialmente a setor já elitizado da cidade, onde a partir de população residente em ocupações irregulares uma "fórmula mágica de parceria", legitima-se afetadas pela operação. Dados apresentados um ciclo de investimentos públicos para fins pela Apeop (2011) confirmam o panorama imobiliários, formalmente justificados pela ne- delineado, evidenciando a baixa inversão de cessidade de financiamento de infraestruturas. recursos para habitação social (menos de 10% Alinhando-se ao posicionamento de Mariana dos recursos investidos pela operação urbana, Fix, Montandon (2007) afirma que apesar da somados os custos com desapropriação). Tabela 2 - Resumo dos investimentos: OU Faria Lima (valores até setembro de 2010) Obras e serviços Taxas de administração (Emurb) Despesas bancárias, CPMF e outros Desapropriação Desapropriação – HIS Habitação de Interesse Social Transporte coletivo Total Valor – R$ % 652.119.770,05 59,5 68.436.688,13 6,2 2.570.865,17 0,2 145.687.904,88 13,3 6.985.039,89 0,6 99.942.652,28 9,1 120.500.000,00 11,0 1.096.242.920,40 100,0 Fonte: SP-Urbanismo (apud Apeop, 2011). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013 591 Paulo Nascimento Neto, Tomás Antonio Moreira A Operação Urbana Linha Verde – Curitiba – PR rodoviário com a malha viária urbana são objetos de preocupação do município desde o Plano Preliminar de Urbanismo de 1965, quando a mancha urbana ainda nem havia A rodovia federal BR-116 constitui o principal ultra passado a então denominada BR-2 (Fi- eixo rodoviário brasileiro, conectando longi- gura 1b). tudinalmente todo o país, com cerca de qua- Com a construção do Contorno Leste, tro mil quilômetros de extensão. Em Curitiba, projetado com o objetivo de desviar o tráfego ela corta o município no sentido Norte-Sul, de carga do trecho urbano da rodovia, abriu- repartindo a cidade em duas porções, o que -se ao município a possibilidade de urbanizar gerava dificuldades de transposição e um um importante eixo de ligação municipal e intenso conflito entre o tráfego urbano e de metropolitano, passando por 23 bairros e es- carga (Figura 1a). Segundo Souza (2001), os truturando o crescimento da porção leste da problemas gerados pelo cruzamento do eixo cidade (Machuca, 2010). Figura 1a – Eixo da BR 116 – Malha urbana atual Fonte: adaptado de IPPUC (2011). 592 Figura 1b – Eixo da BR 116 – PPU Fonte: adaptado de Souza (2001) Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013 Operação urbana consorciada da Linha Verde Apesar das morosas negociações jun- substituição das edificações atuais por empre- to ao governo federal para concessão do endimentos voltados ao uso residencial e de trecho – que perduraram por mais de uma dé- comércio e serviço local. cada – o projeto, mesmo com algumas modi- Com o objetivo de alavancar a transfor- ficações, manteve seu princípio desde o início: mação urbana nas áreas lindeiras ao eixo da construir um eixo de integração intramunicipal Linha Verde, a Prefeitura de Curitiba propôs a e metropolitano, readequando o sistema viário, implementação da Operação Urbana (OU) Li- alterando o uso e ocupação do solo lindeiro nha Verde.12 O projeto de lei, encaminhado a (originalmente ocupado por barracões e comér- Câmara em outubro de 2011, foi sancionado cios e serviço gerais) e a tipologia de tráfego pelo prefeito Luciano Ducci em dezembro de (Moura, 2011; Hardt, Chu e Hardt, 2009). 2011, dando origem a Lei nº 13.909/2011, regulamentada pelo Decreto nº 133/2012, de 26 Há aproximadamente três décadas, o crescimento demográfico [de Curitiba] começou a acelerar-se, tornando necessárias diversas alterações em seu traçado urbano, sendo uma delas – e a mais recente – a transformação do trecho urbano da antiga BR-116 no Eixo Metropolitano, também conhecido como Linha Verde. [...] [A Linha Verde] configura a principal alteração da estrutura urbana, desde a concepção [do planejamento urbano de Curitiba], que data dos anos 1960. (Hardt, Chu e Hardt, 2009, p. 2) de janeiro de 2012. Formatada sobre a sistemática de emissão de Cepacs, a OU Linha Verde tem por objetivo captar recursos para complementação das obras de sistema viário e transporte, requalificação urbanística, oferta de espaços de uso público e regularização fundiária (Curitiba, 2011, art. 3), promovendo a ocupação ordenada da região, o atendimento à população em situação de vulnerabilidade, a diversificação de usos (em consonância com o previsto no As obras de urbanização, voltadas à zoneamento proposto), a melhoria do sistema adequação do sistema viário e implantação viário e a qualidade urbanística e ambiental da do novo eixo de transporte coletivo, da então área de intervenção (Curitiba, 2011, art. 4). denominada Linha Verde (Figura 2a), inicia- Para tanto, o perímetro da operação ur- ram-se em 2007, consumindo R$160,9 milhões bana foi dividido em três setores (Norte, Cen- apenas no trecho sul (Figura 2b). As alterações tral e Sul), por sua vez subdivididos em três no zoneamento, efetuadas no ano 2008,11 po- subsetores, a saber: (1) Polos (Zona: Polo-LV), tencializaram a dinâmica imobiliária da área onde se prevê ocupação de alta densidade, lindeira, que observou variações no custo do com verticalização e predominância de comér- metro quadrado superiores a 70% em alguns cio e serviços; (2) Área Diretamente Beneficia- locais (Secovi apud Rios, 2009). da (Zona: SE-LV), referente ao eixo de adensa- Analisado os resultados preliminares mento ao longo da Linha Verde, entre os polos, destas ações, Machuca (2010), Hardt, Chu onde se pretende ocupação de média e alta e Hardt (2009) identificam uma tendência densidade, com predomínio de uso residencial (ainda que lenta) de transformação no uso com verticalização; e (3) Área Indiretamente e ocupação do solo da região, com gradual Beneficiada (demais zonas), relacionando-se Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013 593 Paulo Nascimento Neto, Tomás Antonio Moreira Figura 2a – Linha Verde – extensão total Fonte: IPPUC (2010). Figura 2b – Custo do projeto por trechos Fonte: adaptado de Cabral (2011) 594 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013 Operação urbana consorciada da Linha Verde as demais áreas contempladas pela OU, onde, abrangência da intervenção; (2) finalidade da em linhas gerais, prevê-se uma zona de ameni- operação proposta; (3) programas básicos de zação do impacto de uso e ocupação do solo, ocupação da área e de intervenções previstas ; com média densidade, verticalização limitada (4) estudo prévio de impacto de vizinhança ; e predominância de uso residencial.13 (5) programa de atendimento econômico e A OU Linha Verde estabelece uma ofer- social para a população diretamente afetada ta total de 4.475.000 m² de área adicional de pela operação ; (6) contrapartida a ser exigi- construção (repartido de forma desigual entre da dos proprietários, usuários permanentes e os setores e usos pretendidos, conforme Tabela investidores privados em função da utilização 3), a ser convertida em até 4.830.000 Cepacs, dos benefícios previstos; (7) forma de controle 14 da operação, obrigatoriamente compartilhado com valor mínimo de venda de R$200,00 (Curitiba, 2011, art. 13 e 14). com representação da sociedade civil (Curiti- Um ponto polêmico da Operação Urbana ba, 2004, art. 7; grifos do autor). Linha Verde se refere ao seu desenho institucio- Nesse contexto, a Lei nº 13.909/2011, nal de gestão. Sobre esse aspecto, permite-se que aprovou a Operação Urbana Linha Verde, efetuar questionamentos sobre dois elemen- relegou a elaboração do Plano de Prioridade tos, considerados fundamentais na discussão de Intervenções (art. 19), do Plano e Projeto da operação urbana enquanto instrumento de urbanístico (art. 20) e do Estudo de Impacto gestão social da valorização da terra. Ambiental (EIA/Rima) a uma etapa posterior, O primeiro se refere à elaboração do contradizendo-se ao disposto na Lei Muni- projeto urbanístico, do plano de prioridade de cipal 11.266/04 (Plano Diretor Municipal de obras e do Estudo de Impacto de Vizinhança da Curitiba), que supostamente deveria regê-lo. Operação Urbana. Conforme prevê o Plano Di- Complementarmente, apesar do programa de retor Municipal de Curitiba (Lei 11.266/2004), atendimento econômico e social ser mencio- em consonância com o disposto no Estatuto nado enquanto um dos objetivos gerais da OU da Cidade (Lei 10.257/2001), são elementos Linha Verde, não são previstos mecanismos mínimos da lei que aprovar operações urba- para efetivá-lo nem mesmo definem-se quais nas consorciadas: (1) definição da área de os elementos mínimos que o compõem. Tabela 3 – Área adicional de construção (ACA), segundo setores Área adicional de construção (m2) Setor Total Uso residencial Uso não residencial Norte 1.280.000 960.000 75% 320.000 25 Central 1.275.000 765.000 60% 510.000 40 Sul 1.920.000 1.535.000 80% 385.000 20 Total 4.475.000 3.260.000 73% 1.215.000 27 Fonte: Curitiba (2011). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013 595 Paulo Nascimento Neto, Tomás Antonio Moreira Distante de se colocar em xeque a capacidade técnica de elaboração desses g) 1 representante da Câmara Municipal de Curitiba; documentos (em grande parte sobre respon- h) 1 representante do Sindicato da Indústria sabilidade do Ippuc), questiona-se aqui a da Construção Civil no Estado do Paraná – Sin- inexistência da participação popular no pro- duscon-PR; cesso de formulação da operação urbana. E, mesmo que esta fosse realizada, de que for- i) 1 representante do Sindicato da Habitação e Condomínios do Paraná – Secovi-PR; ma a população poderia avaliar um projeto de j) 1 representante da Associação dos Dirigen- intervenção urbana que não possui um plano tes de Empresas do Mercado Imobiliário no Es- de ações claramente delineado, onde não há tado do Paraná – Ademi-PR; a clara definição dos impactos ambientais, sociais e econômicos envolvidos e suas medidas mitigadoras?15 k) 1 representante do Conselho da Cidade de Curitiba – Concitiba. Ao se analisar a composição do Grupo Essa pergunta nos conduz ao segun- de Gestão, que supostamente contaria com a do questionamento sobre a forma de gestão participação de “entidades representativas da da Operação Urbana Linha Verde, a saber: a sociedade civil” (Curitiba, 2011, art. 18), evi- baixa representatividade da sociedade civil dencia-se uma concentração do poder público no seu processo de implementação. A Lei nº municipal (7 – 63,4%) e de entidades relacio- 13.909/2011, em seu artigo 18, estabelece um nadas ao mercado imobiliário (3 – 27,3%), re- grupo de gestão com vistas ao acompanha- legando à sociedade civil apenas uma vaga no mento e implementação do Programa de Inter- grupo de gestão, representada pelo Concitiba. venções da Operação Urbana Consorciada. Agravando esse quadro, ao se ponderar Coordenado pelo Instituto de Pesquisa e os diversos questionamentos sobre a legiti- Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), esse midade do Concitiba (Silva et al., 2011; TDD, grupo é formado por onze integrantes, com a 2010; CED, 2011), que não segue a proporcio- seguinte composição: nalidade entre sociedade civil e poder público a) 1 representante da Secretaria Municipal do Urbanismo – SMU; b) 1 representante da Secretaria Municipal de Finanças – SMF; c) 1 representante da Secretaria Municipal de Administração – SMAD; d) 1 representante da Secretaria Municipal do Meio Ambiente – SMMA; e) 1 representante da Secretaria do Governo Municipal – SGM; f) 1 representante do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba – Ippuc; 596 estabelecidos pelas legislações estaduais e federais e não possui representatividade significativa de organizações da sociedade civil, torna-se frágil anuir a existência de participação popular no processo de implementação da OU Linha Verde. Complementarmente, é interesse observar a composição da Comissão Executiva do Programa de Intervenções, responsável pela definição do Plano de Prioridades de Intervenções e o Programa de Investimentos da Operação Urbana Consorciada Linha Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013 Operação urbana consorciada da Linha Verde Verde. A mesma é formada por seis represen16 Moraes (2011) afirmam que operações urba- tantes de órgãos municipais (os mesmos que nas conduzidas inadequadamente tendem a compõem o grupo gestor), que, sozinhos, repre- potencializar os efeitos excludentes da urba- sentam mais de 50% do grupo gestor e, por- nização contemporânea, ao concentrar ações tanto, poderiam, por si só, aprovar por maioria singulares de intervenção que não agregam os planos por eles mesmos elaborados. E, ainda contribuições reais à coletividade. que não respondessem pela maior parte dos votos, as negociações dentro do grupo gestor estariam concentradas entre o poder público e as entidades ligadas ao mercado imobiliário, afastando-se da definição das obras aqueles que, supostamente, deveriam ser priorizados pelos recursos obtidos com os Cepacs. Diante da experiência da OU Faria Lima, discutida no capítulo anterior, e face às similaridades com o caso curitibano quanto ao A Prefeitura investe com a justificativa de estimular e atrair “capital privado”, realizando obras chamadas de “âncora” ou “projeto motor” da operação, por serem capazes de dar início a um processo de renovação urbana mais amplo. Assim, o governo cumpre o papel de uma empresa de desenvolvimento imobiliário, de agente desbloqueador do potencial de negócios de determinada região. (Fix, 2004, p. 187) processo de gestão, é forçoso indagar sobre o limitado papel da OU Linha Verde enquanto instrumento de gestão social da valorização da terra. Ao se incluir nesse cenário o intenso lobby engendrado pelo mercado imobiliário (que, inclusive, possui significativa representatividade no grupo gestor) e pelas empreiteiras voltadas à execução de obras públicas, levanta-se a hipótese da OU Linha Verde estar mais próxima a um mecanismo de dinamização do mercado imobiliário do que propriamente de um instrumento de fortalecimento da função Destarte, para Fix (2004), a operação urbana consorciada constitui um mecanismo eficazmente adotado para encobrir a lógica de concentração de renda na cidade, legitimando o direcionamento de vultosos recursos públicos para áreas infraestruturadas e para obras de benefícios restritos, levando o poder público a assumir um papel central na dinamização da acumulação privada (e não da recuperação, como era de se supor) de mais-valias fundiárias urbanas. social da cidade e da propriedade (conforme prevê o Estatuto da Cidade). Nesse sentido, Piza, Santoro e Cymba- Considerações finais lista (2004) alertam que a implementação de uma operação urbana consorciada sem uma Há décadas a captura da mais-valia fundiária adequada gestão social dos recursos envol- produzida pelos investimentos públicos é dis- vidos conduz incontestavelmente à definição cutida e perseguida no Brasil. Dentre os di- de prioridades “de poucos” em detrimento versos instrumentos urbanísticos e tributários dos interesses da coletividade, que demoram previstos pelo Estatuto da Cidade, sem dúvidas a se efetivar, ou, sequer se efetivam. Corro- a Operação Urbana Consorciada figura como borando com o exposto, Alvim, Abascal e um dos mais discutíveis e contraditórios. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013 597 Paulo Nascimento Neto, Tomás Antonio Moreira Desde as primeiras experiências de im- rápida e antecipadamente os recursos da plantação desse instrumento, durante a dé- iniciativa privada, também podem ser en- cada de 1990, em São Paulo, observam-se tendidos como elementos subordinadores intensos debates sobre as motivações ocultas da política urbana ao mercado imobiliário, sobre a nobre argumentação de se buscar a transformando a outorga onerosa do direito redistribuição da mais-valia fundiária para a de construir em uma fonte complementar de coletividade. Ainda que não se possa negar especulação financeira. o grande potencial das operações urbanas Outro ponto crítico das operações urba- consorciadas (OU) enquanto mecanismo de nas consorciadas diz respeito à restrição dos alavancagem de transformações urbanas – investimentos dentro do perímetro de inter- repartindo os custos decorrentes da ação venção, entendido por diversos autores como pública –, a desarticulação (intencional ou limitadora da função social da propriedade e meramente imprudente) da OU com outros da cidade, visto que se reinvestem vultosos instrumentos urbanísticos existentes, tende a recursos em áreas infraestruturadas da ci- reduzir seu alcance enquanto mecanismo de dade, alavancando a elevação dos preços da gestão social da valorização da terra, geran- terra e acirrando as desigualdades socioterri- do conflitos entre os diferentes atores inseri- toriais intraurbanas. dos no perímetro de intervenção, bem como Apesar das diversas contradições ine- projetos e propostas por vezes descoladas da rentes ao processo de formulação e imple- dimensão técnica. De fato, programas e pla- mentação das operações urbanas consor- nos urbanos deslocados de políticas sociais ciadas no Brasil, acredita-se que, caso essas tendem a conformar o substrato básico para a dispusessem de mecanismos consistentes de continuidade do clientelismo político, caracte- gestão democrática e participativa, poder-se- rístico da gestão pública brasileira -ia mitigar os riscos de prevalência de interes- Partindo do exposto e da constatação ses privados sobre a coletividade. Entretanto, de Maricato e Ferreira (2002), para quem “é contrariando essa constatação, os casos es- fartamente admitido que a aplicação ou a tudados neste trabalho apontam para a bai- interpretação das leis dependem das circuns- xíssima representatividade da sociedade civil tâncias”, pode-se especular sobre o constante em todo o processo, que sequer é consultada predomínio dos interesses de grupos sociais quando da aprovação da OU. de maior influência, que possuem maior capa- Ainda que os resultados não se provem cidade de lobby sobre as decisões relaciona- suficientemente profundos para embasar a das à gestão da política urbana municipal. defesa de uma hipótese, arrisca-se concluir Nesse contexto, pode-se até mesmo este artigo especulando sobre a insuficiên- questionar o papel dos Certificados de Po- cia das operações urbanas consorciadas, por tencial Adicional de Construção (Cepac), que, si só, de promover a gestão social da valori- embora permitam ao poder público capturar zação da terra. É necessário salientar que o 598 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013 Operação urbana consorciada da Linha Verde trabalho desenvolvido tem por objetivo con- do subsídios para o aprofundamento da dis- tribuir com as investigações a respeito dos cussão teórica e empírica sobre a questão, instrumentos de recuperação de mais-valias sem a pretensão de encerrar os debates so- fundiárias pós Estatuto da Cidade, agregan- bre a temática. Paulo Nascimento Neto Arquiteto urbanista e mestre em Gestão Urbana. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana (PPGTU) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e pesquisador vinculado ao Observatório das Metrópoles – Núcleo Curitiba, no projeto de pesquisa Metropolização e Megaeventos, subeixo Moradia e Dinâmica Urbana e Ambiental.Curitiba/PR, Brasil. [email protected] Tomás Antonio Moreira Arquiteto urbanista, mestre em Ciências Aplicadas, Ph.D. em Estudos Urbanos. Professor do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo e do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUC-Campinas. Campinas/SP, Brasil. [email protected] Notas (*) O presente trabalho foi realizado com o apoio da Capes, en dade do Governo Brasileiro voltada para a formação de recursos humanos. (1) Conforme previsto no ar go 2º da referida lei, todos os instrumentos devem se alinhar as diretrizes da Polí ca Urbana, entre elas a " IX - Justa distribuição dos bene cios e ônus decorrentes do processo de urbanização" e a "XI - recuperação dos inves mentos do Poder público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos. (2) Os Cepacs são previstos nos ar gos 28 a 30 e 32 a 34 da Lei n. 10257/2001. (3) Conforme expõe Frey (2000), o agir público pode ser dividido em fases parciais do processo polí co-administra vo de resolução de problemas – formulação, implementação e controle dos impactos – os quais conformam o ciclo polí co, importante elemento na análise de polí cas públicas. Embora a Operação Urbana constitua um instrumento (Piza, Santoro, Cymbalista, 2004) e não propriamente uma política pública, entende-se que esse conceito pode ser aplicado à discussão da implementação do referido instrumento urbanístico sem prejuízos epistemológicos. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013 599 Paulo Nascimento Neto, Tomás Antonio Moreira (4) Tendo por objetivo revitalizar uma área historicamente degradada do Rio de Janeiro, prevê alterações nos parâmetros constru vos – viabilizadas por meio da Outorga Onerosa do Direito de Construir via Cepac’s –, alcançado coeficiente de aproveitamento igual a 12, gabarito de 50 pavimentos e taxa de ocupação de 100% em algumas áreas (CDURP, 2011). Apesar da recente emissão dos 6,4 milhões de cer ficados (integralmente adquiridos pela CEF por R$3,5 bilhões em junho de 2011), já se observam diversas crí cas ao projeto que “tem vendido a ideia de renovação urbana completa, desconsiderando a existência de um local de moradia repleto de relações sociais [...] condenando a realidade destas áreas como indesejável (Bentes et al., 2011, p. 15). (5) Para informações mais detalhadas sobre cada uma delas, sugerimos consultar o site: www. prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/infraestrutura/sp_obras/empresa/index.php?p=22040. (6) O estoque total de potencial constru vo adicional perfazia 2.250.000m². (7) Para o cálculo da contrapar da era aplicado um deflator, de forma discricionária, sobre o valor estabelecido a par r da análise técnica do grupo de avaliação, fragilizando sua legi mação. (8) Embora a maioria dos tulos tenha sido negociada, a área construída adicional ob da via Cepac não alcançou os 1,5 milhões de m² permitidos pela lei (totalizou apenas 692 mil m² face coeficientes de conversão rela va aos setores da operação urbana), possibilitando a emissão adicional. (9) Dados da Amaral dÁvila Egenharia de Avaliações de 2004 (apud Montandon, 2007), demonstram que o valor do metro quadrado de terreno nas áreas de maior adensamento duplicou em todos os setores analisados. (10) Segundo Montandon (2007), a revisão da OU Faria Lima, em 2004, não implicou em modificações desse padrão, permanecendo inalterada a concentração do interesse imobiliário nas porções externas à área principal de intervenção. (11) A par r da Lei 12.767 de 2008, estabeleceram-se incen vos constru vos para terrenos situados na área de abrangência do projeto da Linha Verde além de critérios específicos para a outorga onerosa do direito de construir nas zonas polos, SE-BR-116 e ZT-BR-116. (12) A revisão do Plano Diretor Municipal de Curi ba, realizada em 2004, já contemplava, no ar go 75, a realização de uma Operação Urbana Consorciada no atual eixo da Linha Verde. (13) O mapa com a delimitação dos setores e usos estabelecidos dentro do perímetro urbano da Operação Urbana da Linha Verde encontra-se disponível em: h p://www.curi ba.pr.gov.br/ mul midia/00112770.pdf. (14) A es ma va inicial de arrecadação de R$1,5 bilhão (Sinduscon, 2011). (15) Corroborando com esse entendimento, cabe ressaltar que mesmo entre os vereadores, quando da aprovação do projeto de lei, registraram-se debates acirrados envolvendo a inexistência de informações a cerca dos impactos e medidas mi gadoras relacionadas à operação urbana Linha Verde (CMC, 2011). (16) Subordinada ao Grupo Gestor, a Comissão Execu va é formada unicamente por representantes dos órgãos municipais e possui a seguinte composição: a) 1 representante da Secretaria Municipal do Urbanismo – SMU; b) 1 representante da Secretaria Municipal de Finanças – SMF; c) 1 representante da Secretaria Municipal de Administração – SMAD; d) 1 representante da Secretaria Municipal do Meio Ambiente – SMMA; e) 1 representante da Secretaria do Governo Municipal – SGM; f) 1 representante do Ins tuto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curi ba – Ippuc. 600 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 583-603, jul/dez 2013 Operação urbana consorciada da Linha Verde Referências ALVIM, A. A. T. 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Constata-se que, em relação a uma cidade de Lisboa depois da revolução urbana, o plano positivista – não incoporando nem a incerteza nem o risco – dificilmente contempla cenários mais alargados e especulativos tornando-se desadequado e estruturalmente incapaz para pensar o futuro. A proximidade e da convergência entre os estudos do futuro e os estudos da cidade emerge pois como uma prioridade central para a cidade. Abstract This article deals with the (in) ability of the plan to face the changes of a western civilization wrapped in a transition in which an urban revolution emerges. To verify this (in) ability, a set of plans for Lisbon was compared to several future stories built to that city after the transition, in 2030. It was found that, concerning a city of Lisbon after the urban revolution, the positivistic plan – incorporating neither uncer taint y nor risk – hardly encompasses broader and speculative scenarios, becoming inadequate and structurally unable to think about the future. The proximity and convergence bet ween future studies and urban studies emerge as a central priority for the city. Palavras-chave: revolução urbana; cidade ocidental; Lisboa; histórias de futuro; plano. Keywords: urban revolution; western city; Lisbon; future stories; plan. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 Luís Carvalho, Jorge Gonçalves Introdução Antecipar o futuro, nomeadamente o futuro da cidade, tem sido um propósito persistente desde os primórdios da civilização urbana do Ocidente, que recua às sociedades do médio Oriente, as denominadas civilizações hidráulicas (Soja, 2000), que se constituíram em torno dos rios Tigre e Eufrates, há mais de 5.000 anos (Childe, 1930). Desde a segunda metade do século XIX, quando o urbanismo se constituiu corpo disciplinar e científico autônomo (Choay, 2000), o plano assume-se como o meio preferencial para conjugar a visão, a vontade e a previsão e que, enquanto instrumento de respresentação e manipulação do futuro (Hopkins e Zapata, 2007) converte em expressão territorial a norma e/ou a vontade. Todavia, suscita-se a dúvida sobre a capacidade do plano em encarar as profundas mudanças civilizacionais da contemporaneidade. Procura-se, recorrendo ao caso da cidade de Lisboa, contribuir para a resolução de uma latente inquietação sobre a (in)capacidade do plano enquanto instrumento de reconhecimento do futuro e em visonar o caráter da cidade desse futuro. cada pelo fim de uma era de quinhentos anos de mundialização desse Ocidente.1 A essa mudança se propõe o termo de transição civilizacional, considerando-se que o fim da era do Ocidente não determina o fim da sua civilização, mas sim a emergência de uma outra civilização. O início do século XXI, veio assim a comprovar o que Spengler (1923), entre outros, já tinham insinuado, no início do século XX, acerca do declínio do Ocidente. Insinuação confirmada pelos anúncios da “decadência da vida cultural no ocidente” de Barzun (2003), do “colapso do ocidente” de Diamond (2005) ou a referência sobre a “era do desmoronamento final” de Hobsbawm (1995). É, contudo, impossível avançar com um termo que identifique essa outra civilização uma vez que a transição é caracterizada pela incerteza e volatilidade, toldando o discernimento sobre o que aí vem. Em termos urbanísticos, essa transição se revela na emergência de uma revolução urbana na cidade euro-ocidental. Ascher (1995) identifica essa revolução com a Cidade Reflexiva, que configura um novo urbanismo da terceira modernidade, e que consubstancia a 3ª Revolução Urbana (a primeira desde a Revolução Industrial). Por seu lado, Mongin (1995) identifica o tempo da transição como As histórias de futuro: o contexto e o processo o momento do Triunfo Urbano, marcada pelo advento da cidade da 3ª era, a cidade da incerteza. Já Soja (2000) considera que esse tempo da transição é marcado pela 4ª Revolu- O contexto, a transição civilizacional e a revolução urbana ção Urbana, e pelo advento da postmetrópolis: a maior alteração no caráter das cidades dos últimos 3.000 anos, desde a consolidação No Ocidente, no ocidente europeu, assiste-se das cidades das civilizações hidráulicas do a uma profunda mudança civilizacional, mar- crescente fértil. 606 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis O processo de antecipação do futuro contemporâneo) e é definido o horizonte (espacial e temporal) dos cenários; 2ª fase : construção dos cenários que Para contribuir para o reconhecimento do(s) implica o desenho de uma matriz que integra futuro(s) de uma cidade euro-ocidental num os diversos cenários de forma credível e em futuro próximo no contexto dessa revolução confrontação – e a identificação das questões urbana, empreendeu-se um exercício de cena- críticas do sistema. Nessa fase se recorreu ao rização em que se traçaram histórias de futu- contributo de um painel de dezena e meia de ro2 antecipando o que pode, o que deveria ou peritos, que se pronunciaram sobre a relevân- o que não pode nem deveria acontecer nessa cia das questões e sobre a sua probabilidade e cidade euro-ocidental depois da transição. preferência do rumo no futuro; Considerou-se o processo de constru- 3ª fase : percepção das consequência s ção de cenários como a a opção metodoló- dos cenários depois da transição, tendo gica mais adequada ao (re) conhecimento em conta a (in)capacidade de resolução do do futuro. Entende-se esse método como o proble ma – o planejar a cidade num futuro resultado de uma linha de construção do fu- (ir)reconhecível – num contexto de transição turo, que serviu de sustentáculo à consubs- civilizacional e urbana. tanciação e ao desenvolvimento de uma das O horizonte espacial dos cenários é correntes de estudos sobre o futuro. Essa cor- Lisboa e a Área Metropolitana de Lisboa 3 foi rente tem como traço original e diferenciador considerada como a delimitação para se cons- a construção de mais do que um futuro – de tituir como esse horizonte espacial, enquanto várias histórias de futuro – em oposição à que o horizonte temporal definido foi o ano corrente dos estudos de futuro da predição de 2030.4 técnica, em que se baseia a demografia ou a Tendo em conta uma necessária ilus- econometria, que constrói um futuro a partir tração do contexto civilizacional em que se da extrapolação de tendências. Para garantir situa o caráter da sociedade e da cidade en- esse objetivo de antecipação do conhecimen- tão, torna-se indissociável relacionar as histó- to do futuro, foi então necessário percorrer rias de futuro com o rumo das estruturas de um processo de cenarização que envolve três referência da civilização ocidental: o sistema grandes fases. político dominado pela democracia; o mode- 1ª fase : estruturação do sistema de re- lo institucional em que prevalece o Estado- ferência que Schwartz (1991) identifica como -nação e o sistema econômico assente no ca- a matriz que serve de guia à construção dos pitalismo. Isto é, a composição em torno de cenários. Nessa fase (entre outras tarefas) um determinado futuro – promissor, provável são identificadas as estruturas de referência ou tremendista – não é isolável do rumo nem da civilização ocidental (que caracterizam do rumo do sistema político-institucional nem a civilização e a cidade no euro-ocidente do modelo econômico (Figura 1). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 607 Luís Carvalho, Jorge Gonçalves Figura 1 – Os rumos das estruturas de referência e as histórias de futuro: a sociedade e a cidade depois da transição O RUMO DAS ESTRUTURAS DE REFERÊNCIA DO EURO-OCIDENTE DO SISTEMA POLÍTICO Prevalência da Democracia Representativa DO MODELO ECONÔMICO Capitalismo regulado e protecionista DO MODELO INSTITUCIONAL DEPOIS DA TRANSIÇÂO A SOCIEDADE & A CIDADE Domínio de uma Federação Europeia de Estados O predomínio dos Regimes Tirânicos Anarco-capitalismo desregulado Prevalência do Estado-nação Prevalência da Democracia Representativa Anarco-capitalismo desregulado Domínio de uma Federação Europeia de Estados Definidos os horizontes dos cenários e trajeto no futuro e o grau de preferência em identificadas as estruturas de referência da relação a esse trajeto. Duas variáveis se evi- sociedade, tornava-se necessário construir os denciaram, assumindo-se como questões – in- cenários – as histórias de futuro da cidade – e certezas – críticas: a coesão e integração social para tal seria necessário determinar quais as e a capacidade de crescimento econômico.5 E questões críticas definidoras do contexto de são consideradas críticas dada a sua relevância partida, da transição. Todas as variáveis do sis- para a caracterização e reconhecimento quer do tema foram identificadas, posicionadas e hie- contexto – a transição – quer da própria cidade rarquizadas (pelo painel de peritos) tendo em euro-ocidental de Lisboa. Mas, a par dessa rele- conta a sua relevância, a previsibilidade do seu vância e impacto, o rumo dessas duas questões 608 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis apresenta um elevado grau de imprevisibilida- e da (in)capacidade de crescimento econômico de, explicando-se a sua categorização como in- da sociedade da pós-transição. Do cruzamento certezas. Essa convergência entre a relevância e entre o trajeto dessas incertezas críticas e o es- a imprevisibilidade significa que a composição pectro dos cenários construídos emergem três de cada uma das histórias de futuro passam a histórias de futuro – plausíveis mas contrasta- estar dependentes dos trajetos da coesão social das – para Lisboa 2030 (Figura 2). Figura 2 – As incertezas críticas e as histórias de futuro da cidade de Lisboa depois da transição COESÃO E INTEGRAÇÃO SOCIAL E ECONÔMICA DA CAPACIDADE DE CRESCIMENTO ECONÔMICO DA CAPACIDADE DE CRESCIMENTO ECONÔMICO COESÃO E INTEGRAÇÃO SOCIAL E ECONÔMICA Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 609 Luís Carvalho, Jorge Gonçalves As histórias de futuro de Lisboa em 2030 financeiro e regras cada vez mais incisivas de controle da atividade comercial da Federação com, o que se passou a denominar, na década de 1920, a ultraEuropa. Uma maior integração social e uma maior capacidade de crescimento econômico caracterizam os cenários normativos (os desejados) e, consequentemente, a construção de uma história de futuro promissora. Um futuro que se deseja e que deve(ria) acontecer em que a sociedade euro-ocidental, que emerge na pós-transição, corresponde a uma 2ª Renascença Europeia e a cidade euro-ocidental se assume como uma cidade renascida. O suporte político-institucional da Federação e a sua capacidade de enfrentar os principais problemas provocados pelas alterações climáticas na Europa (a desertificação da frente norte mediterrânica – sul de Portugal, de Espanha e de Itália e a Grécia – e a subida gradual do nível médio das águas do mar, que afeta principalmente a costa sul de Portugal, a Holanda, o norte de Itália, o norte da Alemanha e a Dinamarca) estimulou o desenvolvimento tecnológico em torno da economia Grin (gené- Uma promissora história do futuro: a 2ª Renascença Europeia e a Cidade Renascida =;=;=;=;=;=;=;=;= tica, robótica, informação e nanotecnologia). Esse desenvolvimento foi consolidado a partir da prevalência do hidrogênio – a hidroforce – que passou a ser uma fonte energética viável A assinatura do Tratado de Viena, assinado pe- e fiável. Os progressos tecnológicos proporcio- los chefes de Estado dos 28 Estados-membro naram assim as condições para que germinasse da Federação, em 12 de setembro de 2018 (a na Europa um processo de reindustrialização, Croácia entrou para a União Europeia em 2017, que fez emergir uma outra sociedade – a ape- a Turquia e a Sérvia entrarão, já para a Federa- lidada 2ª Renascença Europeia – alicerçada na ção, em 2026), criava-se a Federação Europeia recuperação da estratégia de Lisboa e na im- em 2018. Estava simbolicamente marcado o fim plementação da 3ª Revolução Industrial. da transição e da grande crise dos dez anos, que irrompeu pela Europa no verão de 2008. Nessa renascença, as grandes cidades foram as protagonistas. O esvaziamento institu- Apesar dos efeitos da grande crise, a cional dos Estados-nação acabou por sublinhar democracia representativa acabou por resistir a relevância político-econômica das cidades. na Europa e, a partir da criação da Federação Foram-se constituindo dezenas de regiões me- Europeia, o euro é a moeda comum de todos tropolitanas, entidades que no quadro institu- os seus Estados-membros, o estatuto do Ban- cional da Federação Europeia passaram a deter co Central (que com a assinatura do Tratado uma autonomia política e econômica alargada de Viena passou a chamar-se Banco Federal e uma ampla jurisdição sobre as questões do Europeu com sede em Praga) foi substancial- ordenamento do território. mente alterado, tendo passado, entre outras Essas regiões metropolitanas que, be- mudanças, a emitir moeda. Foram impostas neficiando da capacidade conferida pela hi- normas apertadas de regulação do sistema droforce, estenderam-se territorialmente e 610 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis cresceram em termos populacionais, acabaram do Tejo existem já trinta estações fluviais para por concentrar quase todo o peso do processo servir os Bartejo – nome popular dos pequenos de reindustrialização da Europa e transforma- barcos que cruzam o Tejo e asseguram a liga- ram-se gradualmente em outras cidades: as ção entre as suas duas margens. cidades renascidas. Em 2020, no âmbito da reforma administrativa do território nacional, foi criada uma única Região Metropolitana em Portugal – a de No seio da Federação Europeia, essa outra metrópole de Lisboa passou a ser conhecida como a Atlântida. =;=;=;=;=;=;=;=;= Lisboa – agregando presentemente 25 concelhos, que têm, em 2030, cerca de 3,6 milhões Um trajeto de continuidade no que res- de habitantes, aproximadamente um terço de peita à coesão e integração social e à (in)capa- população residente em Portugal, sendo a 10ª cidade de crescimento econômico corresponde maior metrópole da Europa; o anterior conce- à configuração de cenários preditivos (quase lho de Lisboa foi dividido em quatro concelhos: sempre mais indesejados que desejados) e, Lisboa Ocidental (Belém), Lisboa Oriental (Oli- consequentemente, à definição de uma história vais), Lisboa Norte (Lumiar) e Lisboa Central de futuro provável. Um futuro que pode acon- (Baixa); o concelho de Sintra foi dividido em tecer e que reflete tanto os desejos, como os dois concelhos: Sintra e Cacém; os concelhos temores do presente em que a sociedade euro- da Moita, do Barreiro e a parte nascente do -ocidental ainda está envolvida num prolonga- concelho do Montijo agregaram-se num único do e indeciso processo de transição. Trata-se de concelho: Tejo Sul; o território poente do conce- uma Europa Transitória, onde a cidade euro- lho do Montijo agregou-se ao concelho de Van- -ocidental se assume como uma cidade reinci- das Novas, que passou a integrar a região me- dente e hesitante, também ela em transição. tropolitana; os concelhos de Sobral e de Arruda agregam-se num só concelho: Sobral-Arruda; o concelho de Alenquer integra igualmente a re- Uma provável história do futuro: a Europa Transitória e a cidade reincidente gião metropolitana Nos limites do anterior concelho de Lis- =;=;=;=;=;=;=;=;= boa, residem mais de 700.000 pessoas e nos A assinatura do Tratado de Praga, em 2018, as- últimos vinte anos a população residente na sinado pelos chefes de Estado dos 25 Estados- Península de Setúbal praticamente duplicou, -membro da Federação, em 12 de setembro de passando de menos de 800.000 para cerca de 2018 (a Hungria abandonou a União Europeia 1.400.000 habitantes. No “novo” concelho de em 2015, e o Reino Unido não assinou o Trata- Tejo-Sul e em Almada localizam-se centenas de do, ficando com o estatuto de Estado Associado empresas relacionadas com a economia Grin da Federação), foi criada a Federação Europeia. enquanto que em Setúbal e Palmela – e na li- Apesar das esperanças que veio a lançar não gação a Sines – concentram-se as atividades veio debelar grande parte dos problemas pro- relacionadas com a armazenagem, tratamento vocados pela crise do século, nome pelo qual se e distribuição do hidroforce. Nas duas margens passou a identificar a depressão que irrompeu Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 611 Luís Carvalho, Jorge Gonçalves pela Europa a partir do verão de 2008. Fede- poder das grandes cidades, tendo-se consti- ração Europeia que ainda assim não consegue tuído dezenas de regiões metropolitanas. Em enfrentar os principais problemas provocados 2020, no âmbito da reforma administrativa do pelas alterações climáticas na Europa: a deser- território nacional, foram criadas duas regiões tificação da frente norte mediterrânica – sul de metropolitanas: de Lisboa e do Porto. No en- Portugal, de Espanha e de Itália e a Grécia – e tanto, e apesar desse crescente protagonismo, a subida gradual do nível médio das águas do e de alguns sucessos de regeneração urbana mar, que afeta principalmente a costa sul de e da instauração dessas regiões metropolita- Portugal, a Holanda, o norte de Itália, o norte nas – entidades que no quadro institucional da da Alemanha e a Dinamarca. Federação Europeia passaram a deter uma au- Ainda assim, e apesar dos efeitos da tonomia política e econômica alargada e uma crise do século, a democracia representativa ampla jurisdição sobre as questões do orde- acabou por resistir na esmagadora maioria dos namento do território –, as cidades europeias países da Europa. Com a criação da Federação têm sido incapazes de contrariar a continuada Europeia, o euro passou a ser a moeda comum estagnação sociocultural e político-econômica de todos os seus Estados-membros mas o es- que se verifica no continente nas duas últimas tatuto do Banco Central pouco se alterou e a décadas. Continuam a ser cidades em transi- Europa tem se tornado cada vez mais incapaz ção, cidades reincidentes. de interferir na organização e na regulação A Região Metropolitana de Lisboa, agre- tanto do sistema financeiro como do comércio gando os 19 concelhos que já faziam parte mundial. Sistemas dominados pelo denomina- da AML e que tem, em 2030, cerca de 3 mi- do Bloco Pacífico, uma aliança tácita entre os lhões de habitantes, ou seja 30% da popula- Estados Unidos da América e a China e da qual ção residente em Portugal, sendo a 17ª maior fazem parte o México, o Chile, a Austrália, a metrópole da Europa. No concelho de Lisboa, Indonésia, o Japão e a Coreia e que – com ba- residem cerca de 600.000 pessoas e, nos últi- se na ascensão econômica da bacia do Pacífico mos vinte anos, o peso relativo da população e de algumas praças financeiras como Sidnei residente nas duas margens da metrópole não e Seul – advoga uma total liberalização das se alterou substancialmente. trocas comerciais e uma fraca regulação dos mercados financeiros. Devido à lentidão do processo de reabilitação urbana em Lisboa, mas também devido, Essa incapacidade de protagonismo po- em parte, aos crescentes custos dos transpor- lítico-econômico da Federação e a não supera- tes, a mobilidade na região metropolitana re- ção da crise do século levaram a que o Velho duziu-se gradualmente nos últimos vinte anos. Continente passasse a ser conhecido como a Essas circunstâncias deram origem à Europa Transitória. uma Metrópole policêntrica: Setúbal-Palmela, Na última década, o suporte político- Almada e Pinhal Novo na Península de Setúbal -institucional da Federação e o esvaziamento e Oeiras-Parede, Mafra-Ericeira e Vila Franca de progressivo do papel dos Estados-nação pro- Xira, na margem norte, assumiram-se, na últi- porcionaram as condições para o reforço de ma década, como os centros urbanos de maior 612 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis relevância na estrutura socioeconômica da re- absoluta. Portugal impõe rigorosas regras adua- gião, concentrando as atividades mais dinâmi- neiras, mas a desregulação econômica global cas e inovadoras da metrópole. afeta estruturalmente toda e qualquer ativi- =;=;=;=;=;=;=;=;= dade. Em 2020, instaura-se um novo regime político consagrado com a Constituição para a A degradação da coesão social e a inca- Aliança dos Povos Portugueses, aprovada pela pacidade de crescimento econômico moldam Assembleia de Portugal (denominação, a partir os cenários exploratórios mais indesejados e, de 2020, da antiga Assembleia da República). consequentemente, suportes de construção de Os problemas estruturais da Federação uma história de futuro tremendista. Um futuro e dos outros países europeus tornam a Europa que se teme, não se deseja e que não pode(ria) impotente para combater os grandes desafios nem deve(ria) acontecer e no qual a sociedade mundiais colocados pelos crescentes problemas euro-ocidental, que emerge na pós-transição, provocados pelas alterações climáticas e pelo dilui-se perante o poder da Era do Crescente poder dominador dos países do Arco Crescente, uma vez que a cidade euro-ocidental se assu- uma denominação aplicada à aliança de países me como uma cidade resistente. e regiões não euro-ocidentais, que vieram a se constituir numa organização formal por via do Tratado da Aliança, assinado no Rio de Janeiro Uma tremenda história do futuro: a Era do Crescente e a cidade resistente =;=;=;=;=;=;=;=;= em 2016. Nos países-regiões dessa aliança do crescente, localizam-se 10 das 13 cidades mais importantes do mundo sob o ponto de vista econômico-demográfico, as denominadas dez A agudização dos problemas socais, econômi- magníficas: Los Angeles, Cidade do México, São co-financeiros e políticos suscitados na Europa, Paulo, Joanesburgo, Deli, Bombaim, Pequim, desde 2008, pela crise do século – denomina- Shangai, Hong-Kong e Seul. Essa Aliança veio ção pela qual veio a ser conhecida a crise que a impor a desregulação do sistema financeiro irrompeu pela Europa, a partir do verão de e do comércio mundial. Hoje, depois da era do 2008, e que é ilustrada pelo persistente de- ocidente, vive-se a era do crescente. semprego estrutural, pela continuada quebra Na última década, o papel dos Estados- de poder econômico em face de outras regiões -nação na Europa tem vindo a ser reforçado, do mundo ou pelas crescentes tensões sociais limitando, em todos os níveis, a autonomia das e raciais nas grandes cidades – criou as condi- cidades. A convergência entre os problemas es- ções que vieram a provocar o desmembramen- truturais do continente e essa menor autono- to da União Europeia. Ao longo das duas últi- mia urbana leva a uma estagnação da capaci- mas décadas, o sistema democrático em vários dade das grandes cidades que, apesar de tudo, países tem vindo a enfraquecer notoriamente. persistem em ser os espaços mais dinâmicos do A Aliança Portugal (coligação de partidos velho continente: são as cidades resistentes. antieuropa, criado em 2016), ganha as eleições Em Portugal, como consequência da nova legislativas antecipadas de 2018 com maioria Constituição de 2021 é efetuada uma profunda Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 613 Luís Carvalho, Jorge Gonçalves reforma administrativa e territorial no âmbito Ribeirinho Sul) e a uma forte concentração na da qual são dissolvidas as Áreas Metropolita- capital, a Lisboa Resistente. nas, a de Lisboa e a do Porto, e são criadas as =;=;=;=;=;=;=;=;= regiões provinciais bastante semelhantes aos limites dos velhos distritos. Em 2030, os concelhos que formavam até 2021 a AML, têm sensivelmente a mesma população que tinham em 2011, mas têm um O futuro de Lisboa: suas histórias e seus planos peso relativo no todo nacional muito maior, pois a população em Portugal é de cerca de Para perceber a(s) eventual(ais) distância(s) 8 milhões de habitantes. Ainda assim, o con- ou convergência(s) entre as histórias de futu- celho de Lisboa – que, em 2030, tem mais de ro, construídas para Lisboa, em 2030, e esses 800.000 habitantes – recupera o protagonismo planos, tendo como objetivo, interpretar a(s) no contexto regional. suas eventuais (in)capacidade(s) em face das A logística, a gestão das infraestruturas e as relações na metrópole de Lisboa passam a estar, em grande parte, sustentadas numa lógica informal solidificada em malhas familiares e/ou de vizinhança, transformando a metrópole e, principalmente a sua área central – o con- alterações – na sociedade e na cidade – que emergem com o fim da era do ocidente. Essa percepção passou pela construção de uma sequência de matrizes de análise em que: 1) se procede ao cruzamento desses planos/ visões entre si; celho de Lisboa – num complexo cruzamento 2) se cruzam os rumos das estruturas de re- de organizações, entidades, grupos, empresas, ferência e das incertezas críticas da sociedade e famílias e indivíduos com interesses próprios, da cidade com esses planos/visões; mas que acabam por se enterlaçar. Um dos 3) se procede ao reconhecimento das conse- sinais mais expressivos desses inúmeros cruza- quências, que tem para Lisboa a convergência/ mentos não reguláveis são as novas dimensões divergência entre os seus futuros (promissores, de relacionamento, também elas informais, im- prováveis ou tremendistas) e os seus planos/ previsíveis, mas convergentes entre o espaço visões, com o(s) rumo(s) dos seus elementos privado e o espaço público. estruturantes. A quebra dos padrões de mobilidade interurbana e a os generalizados conflitos nas cidades periféricas vieram sublinhar a concentra- A narrativa dos planos para Lisboa ção da população e das atividades econômicas nos vários contextos territoriais, dando origem É evidente que, mesmo recuando até 1990, a uma metrópole com vastas áreas urbaniza- Lisboa – cidade, Área Metropolitana, re- das, mas deprimidas e semidesertas (com espe- gião – foi objeto de muitos e diversificados cial incidência na coroa exterior norte, Sintra, planos/visões. Torna-se necessário, no es- Cascais e Vila Franca de Xira e na área que, o pectro dessa quantidade e abertura, sele- final do século XX, denominou-se como Arco cionar um número consistente de exemplos 614 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis relevantes. As orientações para a seleção de 3) Câmara Municipal de Lisboa (2010). Carta planos/visões para o futuro de Lisboa passa- Estratégica Lisboa 2010-2024. Um compromis- ram pelos seguintes critérios: so para a futuro da cidade – proposta. 1) da diversidade, de forma a garantir pla- 4) Câmara Municipal de Lisboa (2011). Estra- nos/visões com promotores, âmbitos, objetivos, tégia de Reabilitação Urbana de Lisboa 2011- áreas de intervenção e tipologias (e conse- 2024. 5) Comissão de Coordenação e Desenvolvi- quente eficácia legal-administrativa) distintos; 2) da atualidade, de forma a garantir planos/ mento Regional – Lisboa e Vale do Tejo (2007). visões de produção recente não incluindo qual- Lisboa 2020, uma estratégia de Lisboa para a 6 quer uma com mais de dez anos de publicação; Região de Lisboa. 3) do horizonte espacial, de forma a garantir 6) MCOTA-SEAOT (Ministério das Cidades, planos/visões com a Área Metropolitana de Lis- Ordenamento do Território e Ambiente – boa como espaço de referência (na medida em Secretaria de Estado do Ambiente e do que a AML é o horizonte espacial dos cenários). Ordenamento do Território). Conference Todavia, considerou-se relevante que as áreas of peripheral Maritime Regions of Europe , de intervenção das várias obras fossem varian- CPMR (2002). Study on the construction of a tes entre si (entre o Concelho de Lisboa num polycentric and balanced development model documento até ao espaço regional da Nutii de for the european territory. Lisboa e Vale do Tejo num outro documento); 4) do horizonte temporal, de forma a garantir a seleção de planos/visões cujo com um horizonte temporal aproximado ao das histórias Lisboa, em 2012, e as previsões sobre o seu futuro de futuro, 2030 (os quatro planos/visões que determinam um ano horizonte que varia entre Para a construção da matriz de análise da con- 2020 e 2025); vergência/distância entre as histórias de futuro v) da comparabilidade metodológica, de for- e os planos/visões já elaborados para Lisboa, ma a garantir que alguns desses planos/visões importava: 1) retratar a situação do horizonte integrassem a construção de cenários alternati- espacial – a Área Metropolitana de Lisboa – no vos para Lisboa (três formulam cenários alter- tempo de referência – 2012; 2) vislumbrar as nativos para o futuro de Lisboa). previsões sobre o seu futuro. Os seis planos/visões para o futuro próximo de Lisboa analisados:7 A Área Metropolitana de Lisboa tem, em 2011, 2,8 milhões de pessoas,8 cerca de 1) Ministério do Ambiente e Ordenamento um quarto de toda a população de Portugal, do Território (2007). PNPOT Programa Nacional e contribui desproporcionalmente para a eco- da Política de Ordenamento do Território. nomia portuguesa, uma vez que corresponde 2) Comissão de Coordenação e Desenvolvi- a cerca de um terço de sua produção. Essa mento Regional – Lisboa e Vale do Tejo (2010). alta concentração de atividade econômica do Plano Regional de Ordenamento do Território país na região da capital faz com que Lisboa da Área Metropolitana de Lisboa. seja altamente dependente das condições Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 615 Luís Carvalho, Jorge Gonçalves macroeconômicas de Portugal e, no outro sen- continuará a minguar até 2025 (passando nes- tido, determina que Portugal se torne depen- se ano a ser cerca de 41%); dente de Lisboa e do poder da sua economia ● tendo em conta as dificuldades da situação metropolitana. Segundo o último relatório do de partida, e segundo as previsões para o fu- Metropolitan Policy Program (2012, p. 18), o turo próximo de Lisboa, a taxa de crescimento PIB per capita da Região de Lisboa, em 2011, médio anual do PIB, até 2025, não deve ultra- igualou o nível que tinha em 1999. O emprego passar 1% (prevê-se que a média nas metró- caiu 2,4% em 2011, continuando uma tendên- poles da UE seja de 2%). Registo que é mani- cia descendente iniciada em 2008-2009. Não festamente insuficiente para, no atual sistema será pois de estranhar que no índice Metro- político-econômico, empreender uma lógica de politan Policy Program de 2011, Lisboa tenha crescimento que possibilite uma redução sig- ficado em penúltimo lugar – num universo de nificativa dos encargos da dívida e favoreça o 200 áreas metropolitanas de todo o mundo – investimento, a criação de emprego e a fixação no que se refere ao desempenho econômico, só da população, uma vez que, cumprindo-se es- 9 sa previsão, o PIB per capita dos lisboetas, em superada negativamente por Atenas. Quanto à caracterização de tendências e de projeções para a AM Lisboa, e concretamente no seu relacionamento com o sistema urba10 no nacional e europeu, importa sublinhar: 2025, será praticamente idêntico ao de 2007; ● segundo diversas previsões, a população na AM Lisboa terá, em 2025, entre 3,0 a 3,1 milhões de habitantes o que corresponde a um o ritmo de crescimento populacional foi, acréscimo anual médio de cerca 0,4% enquan- desde 1990, cerca de 0,5% ao ano (em média) to que, em média, as metrópoles europeias te- e foi muito inferior crescimento verificado nos rão um acréscimo médio anual de, aproximada- vinte anos anteriores (1970-1990), que foi de mente, 0,5%.11 ● quase 2% ao ano (em média); Esses acréscimos são manifestamente resi- em mais de três décadas – entre 1990 e duais e indiciam o esgotamento da margem de 2025 – a população da AM Lisboa passará de progressão de crescimento das grandes metró- cerca de 2,6 para pouco mais de 3 milhões de poles da Europa, indicando um novo tempo do habitantes o que corresponde a um aumento sistema urbano/metropolitano europeu: o tem- de aproximadamente 17%, quando, na 2ª me- po, se não do declínio, do não crescimento. ● tade do século XXI, a população na Área Metropolitana mais do que duplicou, passando de 1,2 milhões, em 1950, para os cerca de 2,6 milhões de habitantes em 1990; ● com essa estabilização da dimensão po- As histórias de futuro de Lisboa 2030 e os seus planos/visões pulacional da AML nas duas últimas décadas, a metrópole lisboeta foi perdendo peso, consi- Tendo empreendido o processo de cenariza- derando o total da população urbana nacional ção, que conduziu à construção das histórias (passando de 51%, em 1990, para 43%, em de futuro para Lisboa, em 2030, e tendo-se 2010), uma vez que previsivelmente esse peso reconhecido a situação de referência de Lisboa 616 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis e quais são as previsões sobre o seu futuro, cidade de Lisboa (Figura 4) em que se verifica a importa verificar qual a realção entre aquelas convergência/divergência entre as previsões e histórias de futuro e os seis planos/visões para as especulações sobre Lisboa. o futuro próximo de Lisboa que foram analisa- 3ª Matriz: Posicionamento dos seis pla- dos. Da verificação dessa relação, podem-se nos/visões e das histórias de futuro, tendo em interpretar as consequências da divergência conta o rumo das incertezas críticas (Figuras 5 ou convergência entre a narrativa da especula- e 6), verificando-se a relação entre a coesão so- ção – a dos cenários – e a narrativa da previ- cial e a capacidade econômica de uma cidade, são – a dos planos. as previsões sobre o seu futuro e as histórias Essa verificação se efetuou pela construção de uma sequência de matrizes. promissoras, prováveis e tremendistas que se traçam para Lisboa. 1ª Matriz: Cruzamento entre os seis pla- Sobre o cruzamento entre os seis planos/ nos/visões e as estruturas de referência da ci- visões e os elementos estruturantes da cidade dade (Figura 3) considerando três dimensões: (Figura 3) e considerando as quatro dimensões a) a dimensão sociocultural, relacionada com a própria ideia de cidade; b) a dimensão político-institucional, relevantes para o estudo de caso – a social, a política, a institucional e a econômica – a principal ilação que se retira é a da convergência. relacionada com os conceito de governo e de Apesar de terem promotores, âmbitos, fronteira da cidade e com o rumo da democra- objetivos, áreas de intervenção e tipologias cia e do Estado-nação enquanto pilares defini- distintas, todos os planos/visões analisados dores do contexto; acabam por convergir no entendimento sobre c) a dimensão econômica, relacionada o posicionamento presente e sobre qual o (de- com o conceito dos recursos e das relações na sejável) rumo no futuro dos elementos estru- cidade e com o rumo do capitalismo enquanto turantes do ocidente (e do euro-ocidente em pilar definidor do contexto. concreto) e que moldam o caráter da cidade 2ª Matriz: Cruzamento de síntese entre os seis planos/visões e as histórias de futuro da Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 euro-ocidental, e, como tal, o caráter da cidade de Lisboa.12 617 Luís Carvalho, Jorge Gonçalves Figura 3 – A convergência dos seis planos/visões sobre o rumo das estruturas de referência da cidade Estruturas da Referência Fator-chave Planos/Visões Dimensão social/ Conceito de cidade Dimensão política/ Dimensão Dimensão econômica/ Democracia e institucional/Estado Capitalismo e governo e fronteira recursos (que influencia o rumo das estruturas) PNPOT PROT-AML CE 2024 ERU Lisboa Denominador comum: Aprofundamento do Aprofundamento Cidade Sustentável/ sistema democrático do Projeto da União Cosmopolita de governação (com Europeia e subsistência apontamentos sobre do Estado-nação a passagem para (sublinhando-se uma democracia ainda o papel da Área monitorizada) Metropolitana) Variantes:Cidade Compacta/Competitiva Lisboa 2020 Cidade Central A capacidade das Capacidade de desenvolvimento econômico com base no sistema capitalista novas tecnologias e da inovação de criarem uma base infraestrutural assente na sustentabilidade e na mobilidade CPMR Nenhum dos 6 planos/visões analisados é apresentado qualquer cenário de ruptura internaliza e/ou pondera a possibilidade de rup- negativa e/ou de tendência catastrofista. Os turas nos elementos estruturantes definidora cenários construídos alargam-se desde a conti- da sociedade e da cidade num futuro próximo: nuidade de situação atual às possibilidades de a) a possibilidade de uma ruptura sociocul- desenvolvimento por via da singularidade, da tural com uma profunda alteração do próprio antecipação e/ou do voluntarismo da e sobre a conceito de cidade e com a ideia da necessi- cidade de Lisboa. Afirmando-se, assim, nesses dade de uma outra cidade depois transição; cenários, a visão de uma Lisboa euro-região b) a possibilidade de uma ruptura político-institucional que resulta da quebra dos sis- singular ou de uma metrópole sistema/porta-de-entrada.14 temas democráticos de governação e/ou pela Do cruzamento específico entre os seis implosão da União Europeia e/ou dos seus planos/visões e cada das histórias de futuro (Fi- Estados-nação; gura 4), conclui-se que todos os planos/visões, c) a possibilidade de uma ruptura econômica não considerando a possibilidade de rupturas com a quebra e/ou descontrole do sistema ca- negativas, aproximam-se das histórias de futu- pitalista e a persistente incapacidade de cresci- ro promissoras ou prováveis. Verifica-se assim 13 mento econômico. Três das obras analisadas constroem de uma dupla convergência: 1) dos seis planos/visões entre si; forma mais afirmativa cenários, tendo como 2) das narrativas da especulação – do horizonte espaço-temporal a Área Metropo- futuro promissor – e da previsão – do futuro litana de Lisboa/Região de Lisboa em redor provável – com a narrativa dos planos/visões de 2020 a 2025. Em nenhum dos três casos para o futuro de Lisboa. 618 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis Figura 4 – Os planos/visões para o futuro de Lisboa e a convergência com histórias de futuro em 2030 Identificação do Plano/Visão Estudos estratégicos supra-municipais Estudos de estratégia municipal (que não PMOT’s) Instrumentos de Gestão do Território Tipo Sigla Identificação Horizonte de Referência Promotor Data de publicação Programa Nacional de PNPOT Política de Ordenamento Temporal de futuro da cidade Renascida Reincidente Resistente - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - cerca de MAOT-DR 2007 CCDR LVT 2010 CM Lisboa 2010 2024 CM Lisboa 2011 2024 do Território Espacial Convergência com as histórias 2020 Portugal Plano Regional de PROT-AML Ordenamento do Território da Área cerca de 2020 AM Lisboa Metropolitana de Lisboa CE 2024 Carta Estratégica Lisboa 2010-2024 Estratégia de ERU Lisboa Reabilitação Urbana de Lisboa 2011-2024 estratégia de Lisboa para Lisboa Concelho de Lisboa Região de Lisboa 2020, uma Lisboa 2020 Concelho de CCDR LVT 2007 2020 a Região de Lisboa Lisboa e Vale do Tejo Portugal, Espanha, Study on the França, construction of a CPMR polycentric anda balanced development MCOTASEAOT 2002 model for the european territory diferen- Itália, ciados Reino Unido, Suécia, Finlância e Dinamarca No que se refere ao posicionamento dos convergentes que colocam o futuro projeta- seis planos/visões e das histórias de futuro ten- do para Lisboa numa narrativa entre a pre- do em conta o rumo das incertezas críticas – dição e promessa; a coesão social e a capacidade econômica de uma cidade – verifica-se que (Figuras 5 e 6): b) só a narrativa inerente a uma cidade resistente coloca a possibilidade de ruptu- a) todos os planos /visões assumem que ras sociais e econômicas embora a narrativa Lisboa terá, num futuro próximo, a capa- da cidade reincidente aponte para uma certa cidade de fortalecer a coesão social e de continuidade das tendências recessivas (em crescer economicamente, considerações nível econômico) e de risco (em nível social). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 619 Luís Carvalho, Jorge Gonçalves Figura 5 – Posicionamento dos planos/visões para Lisboa e das histórias de futuro tendo em conta as incertezas críticas DA COESÃO E INTEGRAÇÃO SOCIAL DA CAPACIDADE DE CRESCIMENTO ECONÔMICO DA CAPACIDADE DE CRESCIMENTO ECONÔMICO COESÃO E INTEGRAÇÃO SOCIAL 620 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis Figura 6 – Posicionamento dos planos/visões para Lisboa e das histórias de futuro tendo em conta outros cenários para Lisboa e as previsões para o seu futuro15 próximo População Portugal AM Lisboa PIB Concelho de Lisboa Cresc. anual PIB PIB per capita (% var. anual) (milhares de euros) Pop. (em milhões de hab.) % de Portugal Em 2011 10,5 27% 2,8 21% 0,6 -1% 20 História da Cidade Renascida 11,8 30% 3,6 20% 0,7 3% 28 Pop. (em Pop. (em milhões de % da AML milhões de hab.) hab.) Outros cenários: Lisboa Euro-Região Singular / Lisboa Sistema-Porta Em 2030 História da Cidade Reincidente 10,2 30% 3,1 20% 0,6 1% 24 0,8 0% 20 Previsões para Lisboa História da Cidade Resistente 8,2 33% Conclusões Numa matriz de síntese sobre o relacionamento conjugado entre as três histórias de futuro, os seis planos/visões, as incertezas críticas e as estruturas de referência da sociedade e da cidade, salientam-se: 1) as tendências de um passado recente apontam para que a narrativa da predição (assente na verificação da probabilidade e na projeção quantitativa do futuro) vem se afastan- 2,8 30% 2) em termos do próprio conceito sobre a cidade, o círculo fechado do consenso e do pensamento único (ilustrados pelos objetivos-denominadores comuns da criatividade e sustentabilidade) têm impedido a ponderação da(s) ruptura(s) e adiam a internalização do fator determinante, relacionado com o progressivo envelhecimento da população (com todas as consequências que daí advêm). O resultado: a indecisão sobre a ideia de cidade, de uma outra cidade; do progressivamente tanto dos planos/visões 3) a possibilidade de ocorrerem brechas como de uma história promissora do futuro, no sistema de governação democrática nos uma vez que os resultados prováveis se vêm planos/visões ou nas histórias de futuro da aproximando cada vez mais dos resultados de cidade renascida ou da cidade reincidente, ruptura negativa; é simplesmente omitido. Assume-se como Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 621 Luís Carvalho, Jorge Gonçalves adquirida a preservação da democracia repre- degradação das condições socias e para uma sentativa, eventualmente passando para um persistente e continuada estagnação econômica. patamar de aprofundamento da participação Com o tempo, as imagens do futuro que dos cidadão; se visiona e/ou que se pretende vão se afas- 4) sem ser muitas vezes explícito todos os tando da realidade, apesar de essas imagens planos/visões e as histórias de futuro promissor recorrerem a amarras e “desenha-se” o futuro, e provável assumem tanto a permanência do visionando desejo(s), projetando o extraordiná- Estado-nação como o prosseguimento da cons- rio ou fazendo aproximações ao provável, mas trução do projeto da União Europeia. Embora não colocando em questão a perenidade das seja cada vez mais duvidoso o aprofundamento (nossas) amarras. ou até mesmo a sobrevivência desse projeto o A cidade que se adivinha depois da transi- certo é que essa incerteza – sobre a estrutura- ção e da revolução urbana, ilustrada pelo estudo ção institucional da europa – não faz parte da de caso Lisboa, deve ser perspectivada, também, narrativa nem dos planos/visões nem da cidade no exterior da sua materialidade, e os instrumen- renascida nem da cidade reincidente; tos de gestão territorial e planejamento urbano 5) provavelmente os dois movimentos mais marcantes e definidores da globalização são a liberalização do comércio mundial e a financeirização do sistema econômico (e que foi acompanhado pela virtualização do sistema financeiro). Apesar da magnitude desses movimentos, que têm tido um aprofundamento crescente, a narrativa dos planos/visões e das histórias de futuro promissor e provável persistem na omissão e/ou na enunciação de lógicas contraditórias em relação a estas tendências que se traduzem numa volatilização das relações na cidade; positivistas dificilmente contemplam os cenários mais alargados das cidades de hoje, tornando-se desadequados, desatualizados e estruturalmente incapazes para pensar o futuro das cidades. Apesar de ser evidente a indecisão em relação ao que se pretende, tanto como imprecisa a projeção do futuro, os planos conjugam a visão, a vontade e a previsão, mas não integram o valor exploratório da especulação, nem ponderam os impactos da surpresa e do risco. O reforço da proximidade e da convergência entre os estudos do futuro e os estudos da cidade é uma prioridade central, na medida em que a incorporação dos exercícios 6) a divergência entre os futuros projetados e intelectuais dos estudos do futuro, no discurso (alguns) futuros construídos que assumem que do urbanismo, permitirá um reconhecimento Lisboa terá num futuro próximo à capacidade mais integrador e mais consistente, quer do de fortalecer a coesão social e de crescer eco- caráter da cidade euro-ocidental da pós-transi- nomicamente quando as tendências apontam ção, quer da urgência e da necessidade de um para a emergente possibilidade de riscos de plano compatível com essa cidade. 622 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis Luís Carvalho Arquiteto. Mestre em Planejamento Regional e Urbano. Assistente convidado da Universidade Técnica de Lisboa. Lisboa, Portugal. [email protected] Jorge Gonçalves Geógrafo. Doutor em Geografia e Planejamento Regional. Professor auxiliar da Universidade Técnica de Lisboa. Lisboa, Portugal. [email protected] Notas (1) O ocidente europeu – o euro-ocidente – deve ser compreendido como uma en dade em que se par lha uma origem e um território. No final do século XV, o ocidente iden ficava uma conjunto de en dades polí cas e de povos muito diversos, não raras vezes em conflito entre si, mas que nham em comum um passado, resultante de uma confluência civilizacional mediterrânica, e uma geografia, compreendida pelo território da Grécia à Irlanda. Essa Europa que, segundo Steiner (2005), era um continente feito de cafés, percorrivel a pé. Contemporaneamente o euro-ocidente reconhece-se numa uma en dade polí ca concreta, a União Europeia (embora integre outros três países não membros da União: a Noruega, a Islândia e a Suíça). (2) Os cenários são ferramentas para (re)conhecer o futuro, assemelham-se a um conjunto de histórias que podem expressar e dar significado a múltiplas perspectivas tendo em conta eventos complexos (Ratcliffe et al., 2009). (3) Essa escolha fundamentou-se em quatro aspectos principais: - na disponibilidade de informação acessível, fiável e comparável; - no desenvolvimento polí co-administra vo de uma en dade territorial até há pouco inconsistente, orçamentalmente pouco apetrechada e com competências reduzidas; - no fato de ser uma en dade territorial iden ficável e autonomizável, dada a grande diversidade das suas estruturas invariantes e das a vidades antrópicas que nela se pra cam; - na sua possibilidade de integração sistema metropolitano europeu. (4) Essa referenciação de horizonte temporal obedeceu à regra de projeção temporal de vinte anos enunciada por Hopkins e Zapata (2007), mas, antes de mais, a uma série de razões: - a comparabilidade: o ano de 2030 permite exercícios de comparação entre esta investigação e outros documentos com preocupações contextualmente similares; - a verosimilhança: a projeção a duas décadas permite uma abertura à especulação, mas mantém o futuro num tempo que é alcançável pelas gerações atuais (ainda em idade a va), ainda que associado às gerações seguintes; - a acessibilidade: a maioria dos dados prospectivos e retrospectivos necessários à construção e consolidação dos vários cenários estão disponíveis num horizonte prospec vo a duas décadas, com significativa acessibilidade e fiabilidade, tempo que é alcançável pelas gerações atuais (ainda em idade a va), ainda que associado às gerações seguintes. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 623 Luís Carvalho, Jorge Gonçalves (5) A matriz aplicada – de preferência versus probabilidade é utilizada com variantes em outros processos de construção de cenários: (1) no modelo City Prospective Through Scenarios, Gannon e Ratcliffe (2006), classificam as forças motrizes a par r de uma análise do seu grau de relevância e de incerteza; (2) no processo de cenarização de Schwartz (1991), as variáveis-chave são dis nguidas entre variáveis previsíveis e incertezas-chave; (3) nos modelos adotados pelo grupo Futuribles, as linhas de força incluem as grandes tendências e as incertezas. (6) Com excepção de um dos exemplos todos se concluíram nos úl mos cinco anos. (7) Sublinhe-se que o obje vo da análise de cada um destes seis planos/visões não foi, em momento algum, a crí ca aos seus obje vos, pressupostos de promoção e a seus conteúdos e lógicas de antecipação do futuro próximo de Lisboa. Também não teve como obje vo a avaliação de resultados e/ou da implementação das suas propostas e/ou visões. (8) INE, resultados provisórios dos Censos 2011. (9) Entre as dez metrópoles com melhor desempenho nos úl mos anos, sete localizam-se na Ásia e duas na Turquia. Entre as dez com pior desempenho, oito pertencem aos denominados PIIGS e as outras duas são norte-americanas. O termo PIIGS para iden ficar o conjunto desses cinco países em francas dificuldade econômico-financeiras (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha) foi popularizado, após a publicação na revista Economist, no dia 18/5/2010, do ar go Europe's economic woes, The PIIGS that won't fly- A guide to the euro-zone's troubled economies. (10) A referência a previsões para o futuro próximo de Lisboa toma em consideração as seguintes fontes: - Demographia (2011). Demographia World Urban Areas, World Agglomera ons, 7th Annual Edi on. April. - United Na ons, DESA, Department of Economic and Social Affairs. 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(13) Alguns dos planos/visões (com destaque para o PROTAML e para o estudo estratégico da CCDR para 2020) registam as atuais dificuldades e as débeis condições de par da principalmente no plano social e econômico. (14) Estudo da CPMR para um sistema urbano policêntrico. (15) Os outros cenários: Lisboa euro-região singular (estudo estratégico da CCDR para Lisboa em 2020) e Lisboa sistema-porta (estudo de CPMR para um sistema urbano policêntrico). 624 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 Tensões e contradições na construção de futuros urbanos sustentáveis Referências ASCHER, F. (1995). Metápolis, acerca do futuro da Cidade. Oeiras, Celta. BARZUN, J. (2003). Da alvorada à decadência. Lisboa, Gradiva. CCDR LVT (2007). Lisboa 2020, uma estratégia de Lisboa para a Região de Lisboa. Lisboa, CCDR LVT. ______ (2010). Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa. Lisboa, CCDR LVT. CHILDE, V. G. (1930). The Bronze Age. 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Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 605-626, jul/dez 2013 Produção do espaço urbano e processos espaciais em Natal: o conjunto Ponta Negra em foco* Urban space production and spatial processes in Natal: focusing on the Ponta Negra housing estate Felipe Fernandes de Araújo Resumo O trabalho se propõe a discutir os processos espaciais no espaço intraurbano do conjunto Ponta Negra, em face das transformações ocorridas, fruto da ação dos agentes produtores do espaço. Foi realizada pesquisa de campo que verificou a mudança no uso do solo, com o aumento do número de atividades terciárias, muitas voltadas para a demanda turística. Observou-se também a mudança na forma urbana, com o surgimento de residências multifamiliares e flats, intensificando o processo de verticalização. A análise do conteúdo social foi realizada através de entrevistas junto aos moradores. Conclui-se que tem início a chegada de uma nova população que, no futuro, pode substituir a população original do conjunto Ponta Negra, visto que podem pagar pelo alto preço do solo. Abstract The paper aims to discuss the spatial processes in the intra-urban space of the Ponta Negra housing estate, in light of the changes that have occurred as a result of the action of the agents who produce the space. We conducted a field research that investigated the change in land use with the increase in the number of tertiary activities, many geared to the tourist demand. We also observed the change in the urban form, with the emergence of multi-family residences and flats, intensifying the high-rise development. The analysis of social content was conducted through interviews with residents. We conclude that a new population has started to arrive which, in the future, can replace the original population of the Ponta Negra housing estate, as they can pay for the high price of land. Palavras-chave: produção do espaço urbano; agentes produtores do espaço; processos espaciais; transformações socioespaciais; conjunto Ponta Negra. Keywords: urban space production; spaceproducing agents; spatial processes; socio-spatial transformations; Ponta Negra housing estate. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013 Felipe Fernandes de Araújo Sob o capitalismo, a ocupação do espa- troca. O primeiro diz respeito à utilidade da ço urbano se dá em função dos interesses dos mercadoria, servindo como meio de existência. agentes produtores do espaço e resulta numa O segundo está associado ao estabelecimento configuração que inclui diferentes usos do de uma relação quantitativa entre as mercado- solo. De acordo com Corrêa (1997), o espaço rias (Harvey, 1980). urbano é fragmentado e constitui um mosaico Existem três formas de renda originadas que propicia a reprodução do capital. Por ser do potencial do uso do solo. A renda absoluta é um produto social, o espaço urbano apresen- aquela oriunda do monopólio sobre a proprie- ta grandes desigualdades e reflete a estrutura dade do solo urbano, característico do sistema social dividida em classes. Além disso, dispõe capitalista. Como nenhuma parcela de solo da “[...] de uma mutabilidade que é complexa, cidade é igual a outra, alguns atributos, co- com ritmos e natureza diferenciados” (Corrêa, mo oferta de serviços e benfeitorias urbanas, 2000, p. 8). Assim, o espaço urbano é também servem à valorização do solo urbano. A loca- um condicionante social, ou seja, o espaço lização privilegiada possibilita uma renda su- construído desempenha importante papel tan- plementar, chamada renda diferencial. A exis- to na reprodução de capital quanto na repro- tência de características exclusivas, tais como dução da sociedade. Ele é, como explica Cas- amenidades naturais e aspectos paisagísticos, tells (1975, p. 146), possibilita a extração de mais renda, uma vez [...] um produto material em relação com outros elementos materiais – entre outros, os homens, que entram também em relações sociais determinadas, que dão ao espaço (bem como a outros elementos da combinação) uma forma, uma função, uma significação social. que pode ser cobrado um preço de monopólio que é “determinado pelas necessidades, desejos e capacidades de pagamento dos compradores” (Ribeiro, 1997, p. 67), constituindo uma renda de monopólio. Harvey (1980) explica que o solo urbano possui qualidades especiais. Em primeiro lugar, A terra é um dos elementos que com- é indispensável ao ser humano, uma vez que es- põem o espaço urbano e uma condição funda- te não pode existir sem ocupar espaço. Apresen- mental para a realização de qualquer atividade. ta baixa liquidez, isto é, muda de proprietários Como não é originada do trabalho humano, com pouca frequência. A localização é de suma não possui valor, no sentido marxista. Por outro importância, pois não pode deslocar-se livre- lado, toda terra tem um preço, fruto da proprie- mente, já que é uma mercadoria imóvel, com fi- dade privada no modo de produção capitalista, xidez geográfica. Apresenta inúmeras funções e pois somente “mediante a compra de um direi- diversos usos para cada usuário. Enfim, é impor- to de propriedade ou o pagamento de um alu- tante assinalar que o solo urbano possui múlti- guel periódico” (Singer, 1982, p. 23) poder-se-á plos valores-de-uso, uma vez que cada agente acessá-la. Na cidade, a terra, associada à infra- produtor o utiliza diferentemente. Nas palavras estrutura produzida, torna-se uma mercadoria, de Harvey (1980, p. 142), “O que é valor de uso o solo urbano. Este, por ser mercadoria, possui para um é valor de troca para outro, e cada um um duplo aspecto: o valor de uso e o valor de concebe o valor de uso diferencialmente”. 628 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013 Produção do espaço urbano e processos espaciais em Natal Nesse contexto, os promotores imobiliá- Embora apresentem objetivos variados, rios desejam que seus imóveis estejam em uma alguns interesses acabam convergindo para parcela valorizada do espaço urbano, que pos- um objetivo comum, geralmente com a fina- sam lhes render maior renda. Uma das formas lidade de promover a reprodução do capital. de auferir renda é por intermédio da especula- Nesse sentido, Harvey (apud Valença, 2006) ção imobiliária. Há na cidade muitos lotes ocio- aponta como o capital constrói, destrói e re- sos, sem função social, à espera da valorização constrói o espaço urbano à sua semelhança que advém da provisão de infraestruturas urba- para que, pelos novos usos e funções, possa nas e oferta de serviços. Os proprietários fundi- reproduzir-se de maneira ampliada. Valença ários almejam, com isso, extrair uma maior ren- (2006, p. 186), analisando o pensamento de da fundiária. Ao mesmo tempo, os proprietários Harvey, explica que dos meios de produção necessitam de terrenos que satisfaçam requisitos específicos para a localização de seus negócios, buscando áreas em que a infraestrutura instalada diminua os custos da produção ou facilite o consumo. Os usuários consomem os vários bens e serviços gerados a partir da multiplicidade de funções da cidade para satisfazer suas necessidades, como a moradia, os hospitais, as escolas, o lazer, etc.. A habitação é um dos principais aspectos para a produção do espaço urbano e um dos elementos primordiais da reprodução da força de trabalho. O Estado, por sua vez, interfere na produção do espaço urbano por meio do provimento de infraestruturas, além de ser responsável pelo controle urbanístico da cidade. De acordo com Lojkine (1981, p. 171), o Estado deve ser [...] tanto a cidade é importante para a acumulação de capital em geral – produção e consumo de mercadorias e reprodução da força de trabalho – como a produção do espaço urbano é, ela própria, parte nada desprezível dessa acumulação. Dessa forma, a cidade é produzida como mercadoria, como valor-de-troca. As ações dos agentes que produzem a cidade originam determinados processos ligados à acumulação de capital e à reprodução social. De acordo com Harvey (apud Corrêa, 1997), a cidade é a expressão concreta dos processos sociais, na forma de um ambiente físico construído sobre o espaço geográfico. Para Castells (1975, p. 73), a produção do espaço gera uma série de processos sociais que criam visto como o “agente principal da distribuição funções, formas espaciais e atividades dentro social e espacial dos equipamentos urbanos de uma organização espacial: para as diferentes classes e frações de classe”. O Estado tem papel fundamental para garantir os elementos necessários para a reprodução capitalista na cidade, por meio da criação das condições gerais de produção, sejam os meios de consumo coletivo (escolas, hospitais) ou os meios de circulação material – meios de comunicação e de transportes (Lojkine, 1981). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013 Chamamos produção de formas espaciais ao conjunto de processos que determinam a articulação concreta de elementos materiais sobre um espaço dado. Mais concretamente, à determinação da organização, no espaço, dos indivíduos e grupos, dos meios de trabalho, das funções, das atividades, etc. 629 Felipe Fernandes de Araújo Quando ocorre uma transformação na estrutura social, consequentemente, há também permanência das atividades e população sobre o espaço urbano” (Corrêa, 1997, p. 122). mudanças no espaço urbano, podendo-se falar na existência de processos espaciais. Os processos espaciais são os elementos mediadores que viabilizam meios para os processos sociais transformarem o espaço geográfico (Corrêa, 1997). Castells (1975) afirma que a forma das cidades, a sua evolução e as suas funções vão depender do tipo de processo social que está subjacente a esta e, nesse processo, estão incluídos os processos espaciais. Nesse sentido, Corrêa (2000, p. 36) reforça a ideia de que os processos espaciais são de natureza social, uma vez que [...] são as forças através das quais o movimento de transformação da estrutura social, o processo, se efetiva espacialmente, refazendo a espacialidade da sociedade. Segundo Santos (1985), sempre que a sociedade sofre uma mudança, as formas assumem novas funções. Para ele, os conceitos de forma, função, processo e estrutura, considerados em conjunto e relacionados entre si, poderão servir para a compreensão da organização espacial em sua totalidade. Nas palavras de Santos (1985, p. 53): Quando se estuda a organização espacial, estes conceitos são necessários para explicar como o espaço social está estruturado, como os homens organizam sua sociedade no espaço e como a concepção e o uso que o homem faz do espaço sofrem mudanças. Tipos de processos espaciais Em relação aos tipos de processos espaciais, Corrêa (1997) lista os processos seguintes: centralização, descentralização, coesão, segregação, invasão-sucessão e inércia. Uma característica das cidades contemporâneas é a existência de uma área onde se concentra o maior número de atividades comerciais e de serviços, bem como é também o foco de transportes intraurbanos, para onde converge o tráfego. O desenvolvimento do comércio, dos serviços e do sistema de transporte aumenta o potencial de atração dessa área, resultando no processo de centralização que, conforme Corrêa (1997. p. 123), é “um produto da economia de mercado levado ao extremo pelo capitalismo industrial”. O processo espacial de descentralização surge como consequência da disputa pelo uso da área central da cidade, o qual faz surgir deseconomias de aglomeração, ou seja, fatores que acabam por dificultar a permanência na área central de determinadas firmas. Entre esses fatores, destacam-se o alto preço do solo, os congestionamentos no sistema de transportes e comunicação, a poluição, etc. A excessiva centralização urbana e tais deseconomias provocam o deslocamento de firmas e pessoas para outras localidades (Corrêa, 1997). A população de renda mais baixa pas- Assim, os processos espaciais são res- sa a ocupar os centros tradicionais degrada- ponsáveis pela complexa organização espa- dos, e a de renda mais alta passa a constituir cial e “permitem localizações, relocalizações e “novos centros”. É importante destacar que 630 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013 Produção do espaço urbano e processos espaciais em Natal esse movimento de descentralização não ocor- O processo de segregação refere-se re de maneira aleatória, mas segue a lógica ao desenvolvimento urbano desigual que se capitalista que busca se reproduzir de maneira configura nas cidades, fruto da própria dinâmi- ampliada. Assim, as novas áreas da cidade para ca da produção do espaço. Por um lado, a po- as quais a população e as firmas irão se deslo- pulação de melhor poder aquisitivo se insere car devem possuir elementos que possibilitem nas melhores áreas da cidade, detentoras dos uma atratividade, como, por exemplo, terrenos melhores serviços de infraestrutura; por ou- mais baratos, infraestruturas urbanas, ame- tro, predomina o assentamento da população nidades naturais, etc. Nesse sentido, segundo de baixa renda nas áreas desprovidas de tais Colby (apud Corrêa, 1997), para que a descen- serviços. Há uma homogeneidade da popula- tralização ocorra, é preciso que haja atração ção, que pode ser relacionada com a cultura, em áreas não centrais. a etnia, a papel funcional e, principalmente, O processo de descentralização também o nível econômico. De acordo com Castells está ligado ao crescimento da cidade, que faz (1983), a disparidade entre as classes sociais com que as distâncias entre o centro e as no- deve ser compreendida não só em termos de vas áreas ocupadas aumentem. De acordo com diferença como também de hierarquia. Assim, Corrêa (2000, p. 48), “[...] o aparecimento de a segregação é um processo pelo qual a classe núcleos secundários de atividades comerciais dominante exerce sua dominação através da gera economias de transporte e tempo, indu- sua inserção no espaço urbano. zindo a um maior consumo [...]”, o que justi- O processo de invasão-sucessão é verifi- fica a necessidade de um mercado consumidor cado em áreas nas quais uma população com nessa localização. Singer (1982) ratifica dizen- determinado nível socioeconômico é substi- do que o crescimento das cidades provoca o tuída por pessoas de outra classe social, em surgimento de centros secundários de serviços geral, de renda inferior àquela que ocupa o em bairros que constituem novos focos de va- bairro. De acordo com Corrêa (2000, p. 136), lorização do espaço urbano. a explicação para a saída de grupos de alta O processo espacial de coesão está re- renda para novas áreas está relacionada com lacionado com a tendência de especialização a “necessidade de se manter o processo de e concentração de certas atividades em uma produção de residências para a população determinada área da cidade. Essa aglomera- de alta renda, produção essa que remunera ção tem o objetivo de atrair de forma maciça melhor o capital imobiliário”. Nesse contexto, os consumidores, além de possibilitar uma pode-se entender o pensamento de Harvey complementaridade entre algumas atividades, (apud Valença, 2006) de que a própria pro- como companhias de seguros, bancos e sedes dução do espaço é parte da acumulação de sociais de firmas. Esse processo, portanto, capital. Assim, os agentes imobiliários criam está relacionado com as economias de aglo- áreas exclusivas para as elites, deslocando-as meração que podem ser geradas por meio do para novos bairros na periferia ou para áreas conjunto de atividades espacialmente coesas de amenidades da cidade. As áreas deixadas (Corrêa, 2000). para trás são ocupadas por uma população de Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013 631 Felipe Fernandes de Araújo menor renda, que busca uma melhor localiza- infraestrutura e mudanças no modo de vi- ção na cidade. da da população, mas também contribuindo O processo espacial de inércia é carac- decisivamente para iniciar o mercado de terras terizado pela permanência de determinadas na cidade, com a criação dos primeiros lotea- funções e usos do solo urbano, mesmo quan- mentos (Silva, 2003). Após esse impacto da do as causas que justificam sua localização já Segunda Grande Guerra, inicia-se uma nova deixaram de existir. Há, de acordo com Corrêa fase para a urbanização de Natal, associada (2000), uma espécie de cristalização no uso ao crescimento das atividades já existentes e daquele espaço. Um primeiro motivo para es- ao aumento do contingente populacional, que sa permanência seria o surgimento de novos foram consequências das políticas de desen- fatores atrativos, por meio do aparecimento volvimento de caráter urbano-industrial, reali- de economias de aglomeração, como a criação zadas em nível nacional, que se refletiram em de estabelecimentos de serviços, que passam Natal (Costa, 2000). a garantir vantagens que não existiam em um Com a criação da Superintendência de dado momento anterior. Um segundo motivo Desenvolvimento do Nordeste – Sudena, em seria a inexistência de conflitos entre os agen- 1959, iniciam-se os investimentos no setor in- tes produtores do espaço por determinada área dustrial, que provocou uma aceleração do fluxo da cidade ou ainda pelo fato de que os outros migratório para a cidade, em virtude da criação usuários não detêm poder suficiente para for- de novas fontes de trabalho. Como resultado, çar a mudança no uso do solo. Por fim, esse fe- houve aumento na demanda por habitação e, nômeno também pode estar relacionado com consequentemente, um crescimento significati- o valor simbólico que a área representa para a vo do espaço urbano, surgindo um processo de população, não seguindo mais o princípio da valorização fundiária. racionalidade econômica (Corrêa, 2000). A construção de grandes conjuntos ha- Com base nessa discussão, é analisada, a bitacionais, por iniciativa do Estado, marcou seguir, a relação entre a ação dos agentes pro- profundamente a produção do espaço urbano dutores do espaço urbano e a configuração dos da cidade. Sob os auspícios do Banco Nacional processos espaciais no conjunto Ponta Negra. de Habitação (BNH), a construção dos conjuntos foi promovida pela Companhia Habitacional (Cohab) e pelo Instituto de Orientação às A urbanização de Natal: breve histórico Cooperativas Habitacionais (Inocoop) e se deu nas franjas da cidade, com padrões diferenciados. Como consequência, ocorreu uma expansão do espaço urbano da cidade, a partir da A instalação da maior base americana fora incorporação de diversas áreas ao mercado de dos Estados Unidos, no período da Segunda terra urbana. Guerra Mundial, trouxe consequências signi- A localização periférica dos conjuntos ficativas para o espaço urbano da cidade de habitacionais foi determinante para a formação Natal, provocando não só investimentos em de vazios urbanos e o avanço da especulação 632 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013 Produção do espaço urbano e processos espaciais em Natal imobiliária, com a existência de muitos lotes dinamização da construção civil e valorização ociosos na cidade, sem função social, à espera imobiliária (Costa, 2000). da valorização que advém da provisão de infraestruturas urbanas e ofertas de serviços. Nesse contexto, a duplicação da Avenida Engenheiro Roberto Freire e a construção O Conjunto Ponta Negra foi criado em da Via Costeira possibilitaram a edificação de 1978, pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), vários hotéis no local, além de facilitar o fluxo e construído pelo Inocoop-RN. A construção de veículos entre as praias do sul e as do cen- desse conjunto tem um significado importante tro da cidade. Esses dois objetos imobiliários para a produção do espaço da cidade de Na- ajudaram a impulsionar a atividade turística tal, uma vez que trouxe para o local muitas em Natal, com destaque para o bairro de Pon- famílias – o conjunto tem 1837 casas –, hoje ta Negra, que sofreu modificações associadas consideradas de classe média, o que orientou a aos investimentos do capital imobiliário (Silva, implantação de infraestruturas urbanas, propi- 2003). O turismo realizado na cidade segue a ciando a emergência de novas áreas urbaniza- tendência de se concentrar na área litorânea e, das no entorno. Outro conjunto construído no juntamente com o setor imobiliário, utiliza os bairro de Ponta Negra, o Alagamar – com 158 aspectos paisagísticos da praia de Ponta Ne- habitações –, contribuiu para a consolidação gra – como o Morro do Careca – para obter do processo de ocupação da zona sul de Natal maior renda. (Silva, 2003). Surgem novos centros associados aos A estrutura urbana instalada possibili- principais eixos viários da cidade, nas aveni- tou uma abertura ao capital imobiliário, com das Senador Salgado Filho, Prudente de Morais a expansão da cidade em direção ao mar e às e Engenheiro Roberto Freire. De acordo com praias localizadas ao sul. Nesse sentido, verifi- Gomes, Silva e Silva (2002), os investimentos ca-se o que Maricato (2000, p. 158) define de realizados nessas vias de circulação estão as- forma mais geral como “uma simbiose entre a sociados ao grande contingente populacional abertura de grandes vias e a criação de oportu- do entorno, que consome os serviços prestados. nidades para o investimento imobiliário”. Por outro lado, no centro da cidade, as ativi- Entre o final da década de 1970 e início dades terciárias voltam-se para a população da de 1980, com o crescimento da atividade de menor poder aquisitivo, havendo, portanto, turística no Brasil, Natal passa a se beneficiar, uma popularização que pode ser observada assim como outras cidades do Nordeste, de no aumento do trabalho informal exercido por ações realizadas pelo Estado com o intuito de vendedores ambulantes. promover o desenvolvimento dessa atividade, A partir do final da década de 1990, por por meio de investimentos em infraestruturas meio de investimentos do Prodetur II, com a e objetos imobiliários, via Prodetur-NE. O sur- implementação de diversos projetos, como o gimento da atividade turística vem consolidar calçamento e a iluminação de ruas, o sanea- o processo de urbanização da cidade, por meio mento e o embelezamento, além da constru- da construção de importante rede hoteleira ção de praças e jardins, a dinâmica imobiliária e de investimentos que contribuíram para a nessa parte da cidade foi intensificada. Com Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013 633 Felipe Fernandes de Araújo o novo terminal de passageiros do Aeroporto disso, foi realizado um levantamento do per- Internacional Augusto Severo, inaugurado em fil socioeconômico dos moradores, feito por 2000, houve um aumento considerável de voos meio de questionários junto aos moradores do que trouxeram a Natal significativo número conjunto. Utilizamos a divisão do conjunto de de turistas estrangeiros, consolidando defini- acordo com os setores censitários, baseado no tivamente a cidade como importante destino censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Ge- turístico. Nesse sentido, Valença e Bonates ografia e Estatística – IBGE – no ano 2000. O (2008, p. 442) explicam que cálculo estatístico nos indicou que a amostra representativa seria de 110 entrevistas, dentre Não faltam recursos e esforços para a produção de aeroportos, sistemas viários, calçamento, iluminação e embelezamento das áreas mais nobres das cidades, para divulgação e marketing externos e para programação e promoção cultural. Esse processo histórico nos mostra como a ação dos agentes produtores do espaço, principalmente do Estado, foi decisiva para tornar essa parte da cidade bastante valorizada e disputada pelos agentes imobiliários. A proximidade do mar e do Morro do Careca, principal cartão postal da cidade, a concentração populacional – tanto dos moradores do bairro como de turistas –, além da infraestrutura urbana instalada foram fatores fundamentais para que o conjunto Ponta Negra viesse a passar por diversas transformações no seu espaço urbano. as quais conseguimos realizar 98, já que 12 moradores se recusaram a participar da pesquisa. O conjunto é dividido em seis setores censitários, cada um com um número específico de entrevistas, já que apresentam quantidades diferentes de lotes. Essa divisão possibilitou uma distribuição adequada dos entrevistados em todo o conjunto Ponta Negra. O conjunto, originalmente formado por casas térreas uniformizadas, tem sofrido profundas modificações quanto ao uso do solo. Individualmente, as casas também foram reformadas ao longo do tempo, em particular nos últimos anos, inclusive refletindo o perfil socioeconômico de novos moradores. Uma primeira mudança que se constata é a existência do uso misto do lote, processo em que os moradores destinam uma parte do terreno para a construção de estabelecimentos comerciais ou de prestação de serviços, totalizando 136 Transformações espaciais no conjunto Ponta Negra lotes, em janeiro de 2007. Quando da segunda pesquisa, apenas dois anos depois, tivemos um aumento nesse número, atingindo 151 lotes. Assistência elétrica e mecânica (oficina, A verificação das mudanças ocorridas no con- borracharia, loja de bicicleta e refrigeração), junto Ponta Negra foi feita através de pesquisa loja de roupas e salão de beleza constituem as de campo para levantamento de uso do solo principais atividades, nesse caso. e análise do mercado imobiliário em dois pe- Além disso, observamos que as bor- ríodos: janeiro de 2007 e dezembro de 2008, das do conjunto, delimitado pela avenida cujos resultados serão comparados. Além Engenheiro Roberto Freire, avenida Praia de 634 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013 Produção do espaço urbano e processos espaciais em Natal Genipabu e a Rota do Sol, bem como as vias Com relação ao mercado imobiliário, me- principais do interior do conjunto – as ave- rece destaque a valorização dos imóveis. Por nidas Praia de Tibau e Praia de Búzios – co- exemplo, o valor médio dos aluguéis gira em meçaram a sofrer transformações no uso do torno de R$710,00. Os altos valores que se po- solo, com o surgimento de atividades terciá- de obter incentivam a venda dos imóveis pelos rias, muitas voltadas à demanda turística proprietários. Assim, a Tabela 2 nos mostra o (Mapa 1). aumento de 59,6% que houve no número de Existiam, em janeiro de 2007, 90 lo- imóveis em condição de negociação no con- tes com função estritamente comercial ou de junto Ponta Negra. Deve-se salientar que esses serviços. No momento da segunda pesquisa números foram contabilizados pela presença de campo, esse número havia subido para 96 de placa de venda e/ou aluguel no imóvel, po- lotes. São 38 tipos diferentes de serviços exis- dendo haver mais imóveis nessa situação, não tentes, que incluem de trabalhos com pouca publicitada através da afixação de placas. Tam- especialização, como oficina mecânica e ate- bém é comum a presença da clássica placa for liê de costura, a serviços mais especializados, sale, o que reflete o desejo de atrair os estran- como laboratório de análises clínicas, clínicas geiros. As principais imobiliárias que atuam no médicas, etc. Destaca-se também a grande conjunto são Abreu Imóveis, ECM, Tur Imóveis quantidade de bares, restaurantes, pousadas, e Tertuliano Rego, todas locais, embora muitos casas de câmbio e agências de viagem, o que empreendimentos no bairro (fora do conjunto) indica a existência de uma demanda turística, e nas praias próximas façam uso de capitais es- inclusive internacional (Tabela 1). trangeiros ou nacionais. Outros usos encontrados incluem o insti- Apesar de a grande maioria dos lotes ser tucional, lotes vazios e imóveis em construção destinada ao uso residencial – 1.588 (em 2007) ou demolidos, que, em 2007, representavam, e 1.570 (em 2008) –, o que se verificou foi uma juntos, apenas 25 lotes. Em 2008, esse núme- completa mudança no padrão, uma vez que ro caiu para 20, principalmente pelo fato de os quase a totalidade das casas foi reformada, terrenos vazios passarem a abrigar residências havendo poucas residências originais da época multifamiliares e flats. Certamente esses lotes de construção do conjunto. Além disso, o lote vazios, oriundos da demolição das residências residencial unifamiliar, não raro, foi substituído originais, serão utilizados para a construção pelo multifamiliar. Podem-se perceber, também, de novas residências multifamiliares, principal- alterações no aspecto arquitetônico, com signi- mente flats, intensificando o processo de verti- ficativa quantidade de imóveis passando a ter calização no conjunto habitacional. mais de um pavimento. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013 635 Felipe Fernandes de Araújo Mapa 1 – Mapa de uso do solo do Conjunto Ponta Negra Fonte: Planta de cadastro urbano da Caern (outubro/2009). 636 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013 Produção do espaço urbano e processos espaciais em Natal Tabela 1 – Tipos de comércio e serviços no conjunto Quantidade de lotes Tipos de comércio/serviços Agência de viagem, casa de câmbio Tipos de uso do solo (%) 7 Assistência elétrica e mecânica (oficina, borracharia, loja de bicicleta, refrigeração) Ateliê de costura, artesanato 2,8 12 4,9 6 2,4 Aulas de língua estrangeira (inglês, alemão), cursinho, aulas particulares 8 3,2 Centro comercial 7 2,8 Depósito de latinhas/sucata 2 0,8 Distribuidora de água, gás e cerveja 8 3,2 Escritório (advocacia, contabilidade) Espetinho, bar, pizzaria, restaurante, sorveteria 4 1,6 28 11,3 Estacionamento 8 3,2 Estúdio de gravação/ filmagem 2 0,8 Imobiliária/ Construtora/ Material de Construção Informática/internet 20 8,1 8 3,2 Locadora (carro, vídeo) 11 4,5 Loja de roupas 16 6,5 Manicure, salão 19 7,7 3 1,2 17 6,9 5 2,0 Serviços de estadia (pousada, albergue, suítes) 16 6,5 Serviços de saúde e estética (academia, massagem, hidroginástica, dança, cosméticos, tatuagem, ioga) 13 5,3 Serviços diversos (textura, porcelana, mudas, lavanderia, lava jato, autoescola, açougue, depósitos tupperware) 13 5,3 6 2,4 Revistaria/ papelaria Serviços alimentícios (mercado, quitanda, padaria, pastelaria) Serviços alimentícios a domicílio (quentinha, marmita, encomenda para festas) Serviços médicos (clínica, dentista, laboratório, farmácia) Serviços para animais domésticos Total 8 3,2 247 100,0 Tabela 2 – Número de imóveis em condição de venda ou aluguel Janeiro 2007 Nº de imóveis Dezembro 2008 Venda Aluguel Venda Aluguel Taxa de crescimento (%) 34 23 56 35 59,6 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013 637 Felipe Fernandes de Araújo Definindo os processos espaciais no conjunto Ponta Negra De acordo com Moore e Smelser (apud Schwenk e Madureira Cruz, 2004), existe uma infinidade de fatores que afeta as ações dos processos espaciais, tais como a competição e a mobilidade. A competição resulta do fato de Considerando o que escrevem Schwenk e Madureira Cruz (2004, p. 297) Os processos espaciais presentes na transformação e na organização do espaço não estão separados entre si. Nota-se que, ao estudar um processo, este se torna parte de outro, ou de alguma forma, torna-se associado ou auxiliado por outro processo, em determinada fase ou circunstância. que dois objetos não podem ocupar o mesmo lugar ao mesmo tempo. Como vimos, o espaço urbano caracteriza-se pela disputa de interesses dos agentes produtores do espaço, que gera usos, funções e formas diferenciadas. Já a mobilidade está associada ao movimento e ao deslocamento de pessoas e mercadorias de um local da cidade a outro, dependendo, portanto, do grau de acessibilidade. A concentração de atividades terciárias no bairro de Ponta Negra reflete a existência de uma demanda solvável, constituída tanto pelos moradores de classe média do conjunto Ponta Negra como pelos turistas. Além dos serviços básicos que se desenvolvem no interior do conjunto, como padarias, salões de beleza e mercadinhos, é importante destacar aqueles que são voltados para a demanda turística. Estes se concentram nas bordas do conjunto, principalmente ao longo da Avenida Eng. Roberto Freire, importante passagem para as praias do litoral sul da cidade. A população moradora no conjunto se beneficia da diversidade de serviços, o que possibilita maior autonomia com relação a outros bairros da cidade, uma vez que não precisa se deslocar a distâncias consideráveis para atender grande parte de suas necessidades. Destaca-se, ao longo da referida avenida, a concentração de supermercados, restaurantes e shoppings. 638 Entendemos que o conjunto Ponta Negra apresenta-se como um híbrido com relação aos processos espaciais que configuram seu espaço intraurbano. De acordo com Corrêa (1997), embora esteja associado à questão residencial, o processo de invasão-sucessão pode afetar as atividades terciárias e industriais. Ao tratar do mesmo processo, Castells (1975) lembra a importância na mudança das atividades de um espaço considerado e explica que esse fato pode estar ligado à iniciativa pública por meio de investimentos que promovam a renovação urbana. Entendemos que a mudança no uso do solo observada no conjunto, principalmente em suas bordas, pode vir a constituir, em parte, um processo espacial de invasão. Nas principais vias de acesso, trajeto também do transporte público, inúmeros estabelecimentos de comércio e serviços surgiram. Como explicam Schwenk e Madureira Cruz (2004, p. 295): No ciclo de sucessão, a invasão é o primeiro estágio [...] A invasão pode ser contida ou acelerada por parte de cada grupo de população ou pelos tipos diferentes de uso da terra, dependendo do nível de atitude dos indivíduos envolvidos, proprietários, governadores [...] não sendo um processo instantâneo, mas de vários estágios. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013 Produção do espaço urbano e processos espaciais em Natal Se, na forma e na função, as transfor- tempo de moradia no conjunto, constatamos mações parecem ocorrer de maneira mais que os moradores vindos do interior do Rio rápida, constituindo um processo espacial de Grande do Norte são aqueles que estão há invasão, com relação ao conteúdo social do mais tempo no conjunto. Por outro lado, aque- conjunto Ponta Negra, as mudanças se dão les que chegaram de outros estados do país, em um ritmo mais lento. Como o processo de principalmente do centro-sul, moram há me- invasão também se reflete na mudança do nos tempo no conjunto (Gráfico 1). conteúdo social de determinada população, De acordo com os dados da pesquisa de foram realizadas entrevistas junto aos mora- campo, a oportunidade de obtenção da casa dores, com o objetivo de verificar se o perfil própria foi o principal motivo apresentado pe- socioeconômico da população do conjunto los moradores vindos do interior do Rio Gran- também sofreu transformações. de do Norte para morar no conjunto Ponta A primeira questão que levantamos diz Negra. Por outro lado, para os moradores do respeito ao local de origem dos moradores. centro-sul do país, a localização do conjunto Observamos que 36,36% dos moradores são próxima à praia e o fato de o bairro ser con- oriundos de outros bairros de Natal ou da Re- siderado nobre foram decisivos na escolha do gião Metropolitana; 24,55%, do interior do conjunto. Nesse sentido, a recente dinâmica Rio Grande do Norte; 16,36% vêm de outros de valorização dessa parte da cidade pode es- estados nordestinos e 11,82%, da região cen- tar atraindo uma nova população para residir tro-sul do país. Associando esse dado com o no conjunto. Gráfico 1 – Relação entre local de origem do morador e tempo de moradia no conjunto Ponta Negra 30 Tempo de moradia (anos) 25 20 15 10 5 0 Natal e RMN Interior do RN Estados do Nordeste Outros estados Local de origem Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013 639 Felipe Fernandes de Araújo Ao compararmos a condição dos imóveis frequentar outras praias mais distantes. Essa dos moradores do conjunto com os do restante mudança no hábito do morador está associa- do bairro e da zona sul da cidade, chegamos da à presença de turistas estrangeiros, uma a conclusões importantes. De acordo com a vez que a prostituição foi apontada como o pesquisa, 72,73% das casas são próprias, principal impacto dessa presença. De acordo 13,64% são alugadas e 2,73% são cedidas. A com os moradores entrevistados, a chegada porcentagem de moradores com casa própria de estrangeiros também contribuiu para o au- no conjunto é muito mais elevada que a do mento do custo de vida, inclusive nos preços restante do bairro, que chega a 52,9%, e a da supervalorizados dos imóveis. zona sul da cidade, que corresponde a 53,8% A respeito do perfil socioeconômico dos (IBGE, 2000). Nesse contexto, esse fator po- moradores, tratamos de quatro questões: a ren- de expressar a dimensão simbólica do espaço da, a escolaridade, a posse de automóvel e a urbano, por meio das relações de vizinhança posse de outro imóvel. De acordo com o censo e identidade com a casa, principalmente entre do IBGE (2000), a renda da população de Natal os moradores mais antigos. é de aproximadamente R$919,10. Esse valor De acordo com a pesquisa, 80,91% dos aumentou para R$968,66 em 2010, de acordo moradores não pretendem se mudar do bairro. com o censo do IBGE (2010). De acordo com Por outro lado, embora isso pudesse diminuir a pesquisa que realizamos, a renda do mora- a intensidade da dinâmica imobiliária no con- dor do Conjunto Ponta Negra é de R$1.443,93, junto, observamos que existiam 56 imóveis dis- enquanto a renda familiar mensal supera poníveis para venda e 35 para aluguel. Deve- R$4.700,00. A média do bairro é mais baixa -se, mais uma vez, salientar que esses números porque parte da população que mora na Vila de foram contabilizados pela presença de placa de Ponta Negra possui rendimentos menores. venda e/ou aluguel no imóvel, podendo haver Com relação à escolaridade, observamos mais imóveis nessa situação, não publicitada que a população possui um elevado nível de através da afixação de placas. qualificação. De acordo com o IBGE (2000), Um aspecto importante de ser analisado a média da população de Natal que possui 2° diz respeito às atividades de lazer dos mora- grau completo é de 22,3%. No conjunto Pon- dores. Todos os itens apontados como ativi- ta Negra, essa média ultrapassa os 25% dos dades realizadas pelos moradores podem ser moradores. Ainda tomando por base os dados satisfeitas no próprio bairro, como ir à praia, do censo do IBGE (2000), 10,6% da população ao cinema, ao shopping , à igreja, etc. Esse de Natal tem 15 anos ou mais de estudo. Esse pode ser um dos motivos para que os morado- tempo corresponde ao período destinado até a res não queiram deixar o conjunto. Por outro conclusão do 3° grau. Nesse sentido, a média lado, esse mesmo fator desperta o interesse dos moradores do conjunto que possuem 3° de novos moradores. A ressalva que fazemos grau completo é de 36,36%. De acordo com é de que, embora a praia seja apontada co- a pesquisa de campo, os moradores que estu- mo importante atividade de lazer, 68,89% daram apenas até o 1° grau geralmente cons- dos moradores revelaram que preferem tituem uma população mais antiga que parou 640 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013 Produção do espaço urbano e processos espaciais em Natal de estudar para buscar um emprego e ajudar centro da cidade, acabaram buscando outros na renda familiar (Gráfico 2). bairros para morar. Atualmente, a população As respostas que tratam da posse de do conjunto Ponta Negra faz parte de parcela automóvel e de outro imóvel podem indicar privilegiada da população da cidade, que tem indiretamente o nível econômico, uma vez que acesso a diversos serviços sem precisar se des- são bens relativamente caros. Esses dados nos locar grandes distâncias, uma vez que o bairro parecem expressivos, visto que mais de 75% aparece como uma nova centralidade urbana. dos moradores possuem, pelo menos, um auto- A disseminação de apartamentos e flats móvel e 36,36% dos moradores possuem outro vem, não raramente, atender à demanda de imóvel. Os imóveis ou terrenos são localizados turistas estrangeiros em busca da chamada se- em outros bairros da cidade, no interior do Es- gunda residência, o que representa a chegada tado, em outros estados ou até mesmo em ou- de uma nova população. Além disso, a valori- tros países. zação do bairro gera grande atratividade entre O conjunto Ponta Negra foi construído os moradores de outras localidades da cidade. para atender às necessidades de moradia da No entanto, como essa valorização gerou uma população com até cinco salários mínimos, na elevação no preço do solo, somente a classes época. Inúmeras pessoas, devido à localização mais abastada da população pode pagar para periférica e relativa distância em relação ao residir em Ponta Negra. Gráfico 2 – Escolaridade dos moradores do conjunto Ponta Negra 1º Grau C 1º Grau I 2º Grau C 2º Grau I 3º Grau C 3º Grau I Não par ciparam Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013 641 Felipe Fernandes de Araújo Entendemos que a mudança no conteúdo social do conjunto pode vir a ser uma ten- transformações no futuro, inclusive no que diz respeito a sua população moradora. dência futura. Como explica Singer (1982), a disponibilidade de novos serviços atrai famílias de renda mais elevada, que podem pagar um Considerações finais preço maior pelo uso do solo, em comparação com os moradores mais antigos e pobres, os A disputa capitalista por solo entre os diferen- quais vendem suas casas, quando proprietários, tes agentes produtores do espaço urbano deve- ou simplesmente saem quando inquilinos, de -se ao fato de o modo de produção vigente ba- modo que o novo serviço vai servir aos novos sear-se na propriedade privada da terra. Como moradores, e não aos que supostamente deve- o solo urbano é utilizado de forma diferente ria beneficiar. por esses agentes, a espacialidade da socieda- Um fator que pode ser decisivo para a formação dessa situação específica é a legis- de é constantemente modificada, configurando os chamados processos espaciais. lação urbana que atualmente regulamenta a O processo de transformação da cidade construção no conjunto Ponta Negra. De acordo de Natal ocorreu de maneira seletiva e inten- com o Plano Diretor do município, o coeficien- sificou a produção desigual do espaço, por te de adensamento no conjunto foi modificado, haver privilegiado uma parcela da população reduzindo-se o seu potencial construtivo. Porém com renda mais elevada e, em consequência, muitos empreendimentos ainda serão cons- propicia espaços exclusivos para que essa de- truídos pelo fato de terem recebido a licença manda se estabeleça em áreas nobres, como quando a lei anterior ainda estava sob vigên- o bairro de Ponta Negra. De acordo com o re- cia. A atual legislação urbanística, que entrou ferencial teórico adotado neste trabalho, ao em vigor a partir de 2007, contribuiu – embora analisarmos as características do solo urbano temporariamente – para diminuir o ritmo das na cidade de Natal – como a localização, os transformações socioespaciais no conjunto Pon- atributos urbanos e a acessibilidade –, pode- ta Negra, ao restringir o processo de verticaliza- mos perceber os interesses dos diversos agen- ção em uma área de suas áreas. tes produtores do espaço para extrair renda da Além disso, a crise econômica internacional que ocorreu, em 2008, também pode ter co- terra. Nesse sentido, Natal possui um aspecto de cidade-mercadoria. laborado para a queda do dinamismo do mer- A intensificação do processo de urbani- cado imobiliário no bairro, com destaque para zação, pós-Segunda Guerra Mundial, provocou a diminuição das segundas residências volta- o surgimento de novos usos, novas formas e das para os estrangeiros. Nesse contexto, as funções para atender aos interesses da clas- mudanças no conteúdo social parecem ocorrer se dominante. O conjunto Ponta Negra é um de maneira mais lenta que aquelas na forma e exemplo de como a produção do espaço ur- na função urbanas. Pode-se afirmar, no entan- bano é um dos fatores de reprodução do ca- to, que, diante de tanta pressão do mercado, pital na cidade. A partir de investimentos tanto o conjunto Ponta Negra ainda sofrerá outras públicos como privados, o bairro como um 642 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013 Produção do espaço urbano e processos espaciais em Natal todo tornou-se bastante atrativo para o capi- conjunto Ponta Negra, para análise do seu con- tal imobiliário. Nesse sentido, entendemos que teúdo social. Percebemos que as mudanças no se configura um processo de invasão, uma vez uso do solo e no padrão das casas ocorreram que houve uma substituição do uso residencial de maneira mais rápida do que aquelas relacio- pelo de atividades terciárias, principalmente nadas com o perfil dos moradores. Com relação ao longo da Avenida Eng. Roberto Freire e nas aos moradores que possuem casa própria, as principais vias de acesso ao conjunto. consequências da valorização do solo se refle- Com relação ao uso do solo, destacamos tem tanto no aumento do custo de vida quan- o aumento do número de atividades comerciais to na oportunidade de alcançar um bom preço e de serviços e a proliferação do uso misto, no com a venda do seu imóvel. A substituição da qual parte do lote é destinada para a realiza- população parece ser um processo espacial que ção de atividades terciárias. As alterações no ainda está no início, mas que poderá se inten- padrão arquitetônico da casa dos moradores sificar no futuro. estão associadas ao aumento do processo de Enfim, essa área pode ser vista como re- verticalização, com o crescimento no número serva de mercado para o grande capital imobi- de residências multifamiliares e flats. Além dis- liário. Com a atual lei vigente do Plano Diretor, so, é comum a existência de casas reformadas, essa área pode permanecer com uma certa es- muitas das quais com mais de um pavimento, o tabilidade por algum período de tempo. Porém, que sugere mudanças no perfil socioeconômico a partir do momento em que as condições eco- dos moradores. nômicas, sociais e políticas se tornarem ideais, Nesse sentido, fez-se necessária a rea- é possível que a população do conjunto Ponta lização de entrevistas junto aos residentes do Negra não resista à intensa pressão imobiliária. Felipe Fernandes de Araújo Bacharel em Geografia e mestre em Estudos Urbanos e Regionais. Analista Ambiental no Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Norte. Natal/RN, Brasil. [email protected] Nota (*) Agradeço ao professor Márcio Moraes Valença pelas orientações, crí cas e sugestões. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 627-644, jul/dez 2013 643 Felipe Fernandes de Araújo Referências CASTELLS, M. (1975). Problemas de Inves gação em Sociologia Urbana. Lisboa, Presença. ______ (1983). A questão urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra CORRÊA, R. L. (1997). Trajetórias geográficas. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. ______ (2000). O espaço urbano. São Paulo, Á ca. COSTA, A. A. (2000). O contexto histórico da expansão urbana de Natal. Sociedade e Território. Natal, EDUFRN, v. 14, n. 1, pp. 57-70. GOMES, R. de C. da C.; SILVA, A. B. da e SILVA, V. P. da (2002). “O setor terciário em Natal”. In: VALENÇA, M. M. e GOMES, R. de C. da C. (org). 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Para fazer frente a esse desafio, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indica a necessidade de mudanças na gestão das cidades, com a adoção de estratégias participativas de intervenção como forma de reduzir os conflitos socioambientais e diminuir o efeito da poluição sobre o meio natural. Este artigo tem como pano de fundo a formulação de políticas para a ocupação de áreas de mananciais em contextos urbanos, tomando como estudo de caso a percepção da população residente e dos representantes das instituições de governo sobre a conservação de mananciais subterrâneos de formação cárstica na Região Metropolitana de Curitiba. Abstract In environmental terms, the expansion of urban areas has become a problem that is more serious than that of population growth itself. To face this challenge, the Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) indicates the need for changes in city management with the adoption of participative intervention as a strategy to reduce socio-environmental conflicts and control the effects of pollution on the natural environment. The background of this paper is the formulation of watershed occupation policies in urban contexts. The paper studies the perception of residents and representatives of government institutions about the conservation of karst groundwater in the Metropolitan Region of Curitiba. Palavras-chave: aquífero Carste, desenvolvimento sustentável; Região Metropolitana de Curitiba. Keywords: Karst aquifer; sustainable development; Metropolitan Region of Curitiba. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013 Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte Introdução Entretanto, na medida em que esse fenômeno produz consequências sociais e ambientais negativas ao desenvolvimento socioeconômico, e A população mundial atingiu, em 2011, os 7 bi- o Estado não vem sendo capaz de resolvê-las lhões de habitantes e, mesmo que os números adequadamente, em vez de buscar alternativas globais apresentem uma taxa de crescimento inovadoras de gestão, seus responsáveis por mais lento nos últimos quarenta anos (Haub vezes adotam uma posição de conflito com a e Gribble, 2011), esse crescimento tem sido sociedade ao propor táticas agressivas para acompanhado por um processo de rápida ex- conter o problema, como por exemplo, impedir pansão das áreas urbanas. Angel et al. (2005) a migração do meio rural ao urbano, ou mesmo estimam que aproximadamente 50% da expulsando a população migrante – como é o popula ção esteja residindo em cidades cuja caso na China (Zhao, 1999). área construída já representa cerca de 3% das Preocupado com esse duplo efeito – áreas agriculturáveis, ou cerca de 0,3% da crescimento populacional e expansão da área área total dos países. A partir da análise de 120 ocupada pelas cidades, relatório da Organiza- cidades, localizadas em diferentes países indus- ção para a Cooperação e Desenvolvimento Eco- trializados e em desenvolvimento, os autores nômico (OCDE, 2008) alerta os países membros verificaram que as densidades populacionais para os problemas ambientais causados pela urbanas são três vezes maiores nas cidades tendência de rápida urbanização com a ocupa- localizadas em países em desenvolvimento se ção extensiva do espaço natural, pontuando comparadas com as cidades localizadas em os altos padrões de consumo de recursos na- países industrializados. Observaram também turais e a excessiva produção de resíduos. Para uma tendência geral de diminuição da densi- fazer frente a esses desafios, a OCDE indica a dade populacional urbana em todos eles, cono- necessidade de mudanças radicais na gestão tando a expansão territorial das cidades: das cidades, com a adoção de estratégias mais Se as densidades médias em todas as regiões continuarem a declinar à taxa anual de 1,7% – como ocorreu na última década – a área ocupada pelas cidades nos países em desenvolvimento passará dos 200.000 km² no ano de 2000 para mais de 600.000 km² em 2030, enquanto que a população terá dobrado. (Angel et al., 2005, p. 1) participativas de intervenção governamental como forma de reduzir os conflitos socioambientais e diminuir o efeito da poluição gerada no ambiente urbano sobre o meio natural e, em última instância, sobre o próprio homem. Pinkney (2004) observa a necessidade de uma nova e mais significativa relação entre o Estado e a sociedade, que estabeleça um processo político mais pluralista, como resposta Como aponta Montgomery (2008, p. 762), aos conflitos gerados na construção e manu- os responsáveis políticos de diversos países tenção das democracias nos países em desen- em desenvolvimento já se mostram mais preo- volvimento. Argumenta que os processos de cupados com a expansão da área urbana do democratização nos países em desenvolvimen- que com o crescimento demográfico geral. to são multifacetados e extrapolam as teorias 646 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013 Restrição ambiental ou oportunidade para o desenvolvimento sustentável? anteriores, onde frequentemente se assumia constante expansão das cidades, que ocorre que a maioria desses processos estaria focado motivada por fenômenos sociais e econômi- na relação quase exclusivamente polarizada cos. Um dos riscos no médio prazo é que sem entre governo e oposição, negligenciando-se o o adequado planejamento para o uso e ocupa- papel da sociedade civil. ção dessas áreas, e sem a consolidação de um Nesse aspecto, a Agenda 21 Global (Bra- novo pacto entre o Estado e a sociedade, essa sil, 1996) indica com certa ênfase a adoção de expansão territorial se dê sobre áreas de ma- métodos participativos mais democráticos para nanciais. Os rios, como sistemas abertos, são a condução da resolução dos problemas urba- os primeiros a sofrer os seus impactos. Como nos. No entanto, a internalização das questões consequência, cresce no mundo todo a busca ambientais globais, como variáveis importantes por águas subterrâneas como fonte de abaste- no desenvolvimento socioeconômico dos paí- cimento humano. Mas, talvez por não ser um ses, representa a um só tempo um ganho de recurso natural visível, os problemas da sua complexidade como um desafio, especialmente conservação ainda não são tratados adequa- no Brasil, para as relações entre Estado, merca- damente. Na China, que hoje consome apenas do e sociedade (Gama et al., 2010). ¼ da média de consumo mundial de água, o As perguntas que se fazem, principal- crescente uso de águas subterrâneas de forma mente nos países em desenvolvimento, são: descontrolada para o abastecimento público e a) se a sociedade está preparada para assumir a também crescente poluição dos lençóis freá- um papel protagonista na gestão das cidades; ticos, pode fazer com que o país perca a capa- b) se as escolhas são feitas em um cenário de cidade de alimentar até 10% de sua população. plena informação sobre as consequências de O consumo de águas subterrâneas em algumas longo prazo das decisões tomadas; e, c) se as regiões, como a Bacia do Haihe, é 50% maior negociações são conduzidas para o bem-estar do que a sua taxa de reposição (Li, 2010). coletivo, em detrimento das prioridades individuais dos atores envolvidos na negociação. Sem o devido ordenamento territorial e sem a construção de um novo paradigma de Nesse contexto de acelerada expansão gestão mais participativa dos mananciais su- da área urbana e de apoio internacional para perficiais e subterrâneos, as políticas públicas o aumento da participação de diferentes ato- necessárias para permitir a sua conservação res na gestão dos recursos naturais, este artigo têm enfrentado forte resistência social de deze- tem como pano de fundo a formulação de po- nas de milhares de famílias que ocupam essas líticas para a ocupação de áreas de mananciais áreas para moradia e atividades produtivas. A em contextos urbanos, tomando como estudo urbanização em áreas de mananciais tem ra- de caso a conservação de mananciais subterrâ- zões socioeconômicas, pois, por estarem em neos em formação cárstica na Região Metropo- regiões periféricas às grandes cidades, tem o litana de Curitiba. solo mais barato, mantendo ainda fácil acesso A necessidade de garantir o acesso às infraestruturas e equipamentos urbanos. A às fontes de água de boa qualidade para o necessidade básica de moradia e subsistência abastecimento público tem rivalizado com a se choca com as medidas legais limitantes da Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013 647 Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte ocupação e expansão urbana – e quando se trata de águas subterrâneas, a incompreensão às limitações da ocupação é ainda maior. Desse modo, tomando como objeto de estudo um aquífero cárstico que é considerado A importância do aquífero cárstico para o abastecimento de água da Região Metropolitana de Curitiba hoje uma das principais reservas estratégicas para o abastecimento público de água da Re- A Região Metropolitana de Curitiba (RMC) gião Metropolitana de Curitiba, no sul do Bra- reúne 29 municípios do estado do Paraná sil, o que se pretende é justamente entender em uma área de 16.581 km 2 e uma popula- como a população que ocupa a área da reserva ção de mais de 3,2 milhões de habitantes, o se relaciona com o aquífero. Essa percepção que a coloca como oitava maior Região Me- da população residente sobre o aquífero é de tropolitana do Brasil (IBGE, 2010). O abaste- grande importância para que a governança cimento público de água é gerenciado pela compartida dos recursos naturais, como prega Companhia de Saneamento do Paraná (Sa- a Agenda 21, tenha efeito. nepar), que tem enfrentado sérios problemas Figura 1 – População na Região Metropolitana de Curitiba no período de 1970 a 2010 3.500.000 População (habitantes) 3.000.000 População total Incremento 2.500.000 2.000.000 1.500.000 1.000.000 500.000 0 1970 1980 1991 2000 2010 Anos Fonte: IBGE (2011). 648 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013 Restrição ambiental ou oportunidade para o desenvolvimento sustentável? em razão da crescente ocupação urbana das essa naturalmente limitada disponibilidade das bacias hidrográficas, inclusive dos mananciais águas seja incrementada. metropolitanos. Nas últimas décadas, o cres- Andreoli et al. (2000) apresentaram uma cimento populacional na RMC (Figura 1) vem estimativa da disponibilidade hídrica para a ocorrendo principalmente nos municípios limí- Região Metropolitana de Curitiba consideran- trofes à capital, com baixa cobertura sanitária do três cenários de desenvolvimento urbano, e limitações naturais impostas à produção da apresentados na Tabela 1. O primeiro cenário água para o abastecimento. foi desenvolvido para o Plano Diretor de Abas- O Primeiro Planalto Paranaense, onde tecimento Público de 1992, prevendo-se um a Região Metropolitana de Curitiba está lo- cuidadoso ordenamento territorial e uma forte calizada, apresenta sérias restrições naturais regulação do Estado em relação à sociedade – à ocupação urbana intensa, uma vez que se e consequentemente aos vetores de crescimen- situa na região das nascentes do Rio Iguaçu. to urbano, principalmente quando direcionados Sabe-se que, em uma bacia hidrográfica, a re- às bacias hidrográficas consideradas estraté- gião das nascentes tem disponibilidade hídrica gicas para o abastecimento público. Nesse ce- mínima se comparada à sua foz. Além disso, o nário, somente as bacias hidrográficas que já grau de ramificação do sistema de drenagem, se encontravam ocupadas pela urbanização e típico das regiões de nascentes, produz corpos cujas águas já representavam impedimentos ao d´água de pequena vazão, com pouca capaci- aproveitamento para abastecimento público, dade para abastecer grandes núcleos urbanos. foram desconsideradas como possíveis manan- Por fim, mesmo considerando as variações de ciais. Esse cenário também incluiu a recupera- curto, médio e longo prazos no regime de chu- ção da qualidade das águas de alguns rios pelo vas, provocados por eventos naturais cíclicos, reordenamento urbano, na hipótese de que tais a disponibilidade hídrica na Região Metropo- programas pudessem apresentar grande efeti- litana de Curitiba tem se mantido constante vidade prática. Esse cenário foi considerado pe- e não se espera, em um futuro próximo, que los autores como extremamente otimista. Tabela 1 – Disponibilidade hídrica na Região Metropolitana de Curitiba Mananciais Altíssimo Iguaçu Alto Iguaçu Rio da Várzea Rio Açungui 1º Cenário: Plano Diretor de 1992 7.525 L/s 4.500 L/s 3.200 L/s 10.210 L/s 4.621 L/s 4.621 L/s 8.780 L/s 8.780 L/s 3.600 L/s 11.475 L/s 14.400 L/s 14.400 L/s 600 L/s 600 L/s 200 L/s 38.590 L/s 32.901 L/s 26.021 L/s Aquífero Karst Total 2º Cenário: Recursos hídricos 3º Cenário: Ocupação aproveitáveis em 1999 desordenada dos mananciais Fonte: Adaptado de Andreoli et al. (2000). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013 649 Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte O segundo cenário, mais conservador, foi águas para vencer a distância e o desnível to- estruturado a partir da continuidade do proces- pográfico. São, portanto, opções estratégicas so atual de crescimento urbano metropolitano, que não são viáveis no curto ou médio prazos, considerando também a manutenção do tipo mas foram incluídas na medida em que repre- de relação existente entre o Estado e a socie- sentam uma parcela considerável dos recursos dade, sem a adoção de novos instrumentos hídricos existentes na região. econômicos, de articulação social, ou de novos Considerando um consumo médio de paradigmas de gestão que pudessem conservar 250 litros/habitante/dia, estimado pela Sanepar as bacias hidrográficas destinadas ao abasteci- para o ano de 2011, incluindo-se o consumo mento público. Como consequência, esse cená- domiciliar e industrial, os rios metropolitanos rio previu a perda de mananciais situados em poderiam atender entre 9 e 13 milhões de ha- bacias hidrográficas mais sujeitas a pressões bitantes, dependendo do cenário de ocupação. antrópicas, considerando, assim, apenas a ma- No entanto, do ponto de vista da viabilidade nutenção dos mananciais nas bacias abastece- econômica atual, a disponibilidade hídrica cai doras mais importantes da região. para 2,8 milhões de habitantes em um cená- O terceiro cenário foi construído a partir rio pessimista de ocupação desordenada, 3,6 da consideração de que as pressões socioeco- milhões de habitantes em um cenário realista, nômicas pudessem sobrepujar os mecanismos ou 6,3 milhões de habitantes, considerando o regulatórios do Estado, resultando em uma cenário otimista do Plano Diretor de Abaste- ocupação desordenada da população sobre os cimento da Região Metropolitana de Curitiba mananciais e, portanto, apresenta uma forte de1992 (Tabela 2). redução na oferta das águas para abastecimento público. É possível observar claramente a necessidade da viabilização dos projetos de adução A Tabela 1 mostra que os autores já das águas dos rios Açungui e Várzea para consideravam a inclusão dos rios da Várzea e compor o sistema integrado de abastecimento Açungui. O primeiro situa-se a aproximada- da Região Metropolitana de Curitiba, sem os mente 60 km ao sul de Curitiba, e o aprovei- quais a população atual estaria consumindo tamento das suas águas necessita da adução entre 50% e 114% da vazão disponível. Tam- por bombeamento até a Região Metropolitana, bém é possível ver que, contando-se apenas vencendo um desnível topográfico de cerca de com os mananciais economicamente viáveis 280 metros. O Rio Açungui, está situado a 50 na sua exploração, é estratégico para a RMC km a oeste de Curitiba e apresenta cerca de afastar-se do cenário de ocupação desorde- 560 metros de desnível topográfico. O abas- nada dos mananciais, e adotar propostas de tecimento da Região Metropolitana por esses negociação social capazes de viabilizar progra- mananciais ainda não é economicamente viá- mas de despoluição hídrica e de conservação vel em razão dos custos de bombeamento das dos mananciais. 650 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013 Restrição ambiental ou oportunidade para o desenvolvimento sustentável? O trabalho de Andreoli et al. (2000) con- e ambientais (Sanepar, 2011). A Tabela 3 apre- siderou também a possibilidade de obtenção de senta a vazão captada em cada um dos 15 po- aproximadamente 600 L/s de água do aquífero ços de captação das águas do Aquífero Carste Carste (ou Karst). A extração atual de água des- em operação. Os estudos mostram que é pos- se aquífero pela Sanepar para o abastecimento sível o aproveitamento das águas do aquífero público representa cerca de 400 L/s, e foi deter- mediante o controle das vazões captadas e do minada com base em estudos hidrogeológicos rebaixamento do lençol subterrâneo. Tabela 2 – Disponibilidade hídrica na Região Metropolitana de Curitiba e população abastecida, considerando um consumo de 250 litros/habitante/dia Variáveis Cenário do Plano Diretor Cenário dos recursos hídricos Cenário de ocupação de 1992 aproveitáveis em 1999 desordenada dos mananciais Vazão total com rios Várzea e Açungui População abastecida com rios Várzea e Açungui Consumo em 2011 (% do total disponível) Vazão total sem rios Várzea e Açungui População abastecida sem rios Várzea e Açungui Consumo em 2011 (% da vazão total disponível) 38.590 L/s 32.901 L/s 26.021 L/s 13,34 milhões 11,37 milhões 8,99 milhões 23,8% 27,9% 35,3% 18.335 L/s 9.721 L/s 8.021 L/s 6,34 milhões 3,60 milhões 2,77 milhões 50,0% 94,4% 114,4% Tabela 3 – Poços de captação das águas do Aquífero Carste na Região Metropolitana de Curitiba Município Poço Vazão captada (L/s) Itaperuçu P01 P03 P09 7,4 27,2 15,0 Colombo P01 P03 P05 46,4 23,8 40,8 Sede Várzea 24,4 20,8 Almirante Tamandaré Sede P5 P12 P17 P20 41,7 45,0 18,3 20,9 20,8 Campo Largo P03 P09 21,6 20,3 Bocaiúva do Sul Total Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013 394,4 651 Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte Figura 2 – Área de ocorrência cárstica na Região Metropolitana de Curitiba Limite municipal Área do afloramento da unidade aquífera Karst Fonte: Suderhsa (2007). Mesmo que o aproveitamento atual con- Há que se considerar que o aquífero te apenas com 15 poços, localizados em cinco Carste é caracterizado por águas muito límpi- municípios, o aquífero Carste possui uma área das, fator que torna esse recurso muito atrativo aproximada de 5.740 km2 e um potencial hi- do ponto de vista da sua exploração econômi- 2 drogeológico de 8,9 L/s/km , o que resultaria ca, uma vez que os custos de tratamento da em uma produção total de aproximadamente água são mínimos. Lisboa (1997) explica que 51.086 L/s (Suderhsa, 2007), abrangendo, to- a água de chuva, que apresenta um pH inicial- tal ou parcialmente, 13 municípios situados ao mente ácido, ao penetrar no solo e atingir a norte da capital paranaense (Figura 2). Portan- formação cárstica vai se tornando básica pela to, a exploração atual representa apenas 0,8 % dissolução dos sais de cálcio e magnésio da do seu potencial. rocha, impedindo que os sedimentos carreados 652 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013 Restrição ambiental ou oportunidade para o desenvolvimento sustentável? na lixiviação se mantenham em suspensão, de significativas restrições à ocupação do ter- fazendo-os depositar rapidamente, clarificando ritório, uma vez que o aquífero Carste ocupa as águas de subsolo. Além disso, o efeito físico 85% dos 185 km 2 do município, deixando de filtração presente no movimento das águas, apenas uma pequena parcela a noroeste e ou- nos interstícios granulares do solo, configura-se tra ao sul do seu território fora dos limites da em um efeito adicional importante. formação principal. Com base nas considerações apontadas, Com relação ao crescimento populacio- o aquífero Carste representa um potencial de nal, com 103 mil habitantes (IBGE, 2010), o exploração econômica e segura para o abaste- município de Almirante Tamandaré apresen- cimento da Região Metropolitana de Curitiba, tou uma taxa anual de crescimento médio de com menores custos de exploração, adução e 2,4% entre 1991 e 2010, muito superior aos tratamento se comparados com as alternativas 1,5% observados para Curitiba e, como con- de captação nos mananciais superficiais dos sequência, tem apresentado um significativo rios da Várzea e Açungui. aumento da sua área urbana em razão da instalação de sucessivos loteamentos, mesmo em área de ocorrência cárstica. Esse fenômeno es- O aquífero Carste em Almirante Tamandaré tá em parte ligado a um processo de atração populacional para a região de Curitiba, onde a população de mais baixa renda, não tendo recursos econômicos suficientes para se esta- Almirante Tamandaré pode ser considerado belecer na capital, passa a procurar moradias um município pobre. Apresenta um Índice de nas cidades vizinhas, com fácil acesso à capital Desenvolvimento Humano Municipal de 0,728, e onde o custo da moradia é mais baixo. Como colocando-o na 274ª posição entre os 399 mu- resultado, observa-se o deslocamento diário de nicípios paranaenses e na 2.743ª posição den- mais de 140 mil pessoas originárias de um dos tre os 5.561 municípios do ranking nacional, 11 municípios vizinhos imediatos – entre eles segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano Almirante Tamandaré – que vão trabalhar, estu- no Brasil (PNUD; IPEA e FJP, 2000). dar ou usar algum serviço urbano em Curitiba. Entre os fatores que contribuem para Esse movimento pendular é um claro sintoma esse cenário, podem ser apontados: o eleva- da incapacidade do município de gerar rique- do crescimento populacional, demandando do zas e de reter a própria população que trabalha poder público a disponibilização de infraestru- ou estuda. turas urbanas adequadas em uma velocidade Justamente por isso é que a porção sul não condizente com suas potencialidades eco- de Almirante Tamandaré, mais próxima a Curi- nômicas; pequeno tamanho da sua economia, tiba, concentra cerca de 70% da população do com um PIB per capita ao redor de US$ 3,300/ município. Esse fato pode ser visto como uma ano em 2009, dos quais 65% gerados no setor vantagem geográfica para a conservação das de serviços e apenas 29% no setor industrial águas do Carste, uma vez que justamente a e agropecuário (Ipardes, 2011); e a existência região sul do município está fora da formação Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013 653 Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte cárstica. No entanto, observa-se uma tendência de sua aplicação, que normalmente estende histórica de extensão do perímetro urbano mu- o problema da contaminação das águas por nicipal para o norte, ao longo da Rodovia dos produtos agroquímicos e fertilizantes em uma Minérios (PR-092), e a leste, ao longo da Ro- extensão geográfica considerável; e o segun- dovia do Calcáreo (PR 509), de acesso ao mu- do, diz respeito à baixa degradabilidade (per- nicípio de Colombo. Esses eixos de crescimen- sistência) desses produtos na natureza que, to urbano já se situam em área de ocorrência por acumulação no aquífero, podem tornar as cárstica e configuram uma região de necessário águas do subsolo inservíveis para o abasteci- controle ambiental. mento humano e cuja descontaminação é de A área de ocorrência do aquífero carste grande dificuldade técnica e econômica (polui- apresenta restrições naturais para assenta- ção difusa). Além disso, as formações cársticas mentos humanos urbanos e rurais em função podem ocasionar afundamentos localizados do processo de dissolução das rochas carbo- ou em grandes áreas, que se caracterizam por náticas que pode ser acelerado pelo uso inade- processos de adensamento ou rebaixamento quado do solo, principalmente quando resulte do solo, provocando desabamentos circulares em alterações na dinâmica de circulação das do terreno em forma de crateras. Esses desaba- águas subterrâneas. Tendo em vista a fragi- mentos podem ocorrer sem sinais prévios, tor- lidade geo técnica dos terrenos cársticos, a nando-se os principais causadores de acidentes ocupação intensa dessas áreas com a presença graves em construções urbanas. de atividades de indústria e agricultura, bem O desenvolvimento de tais ocorrências é como com a superexploração de água do aquí- bem conhecido e há vários exemplos no Brasil e fero subterrâneo para abastecimento público no mundo, permitindo evidenciar o quão frágeis ou comercialização, podem ocorrer sérios con- são esses terrenos tanto em termos ambientais flitos pelo uso da água e impactos na sua qua- quanto em termos geotécnicos. Em Murge, no lidade, como a contaminação de rios e águas sul da Itália, o regime hídrico da formação cárs- subterrâneas e a consequente redução na sua tica depende das chuvas intensas. Ao longo do disponibilidade hídrica. Dentre as principais tempo, tanto a população quanto o governo fontes de contaminação, citam-se: lançamento local desconsideraram esse regime hídrico e de esgotos domésticos e industriais; produtos a fragilidade do solo e houve a ocupação por da percolação de resíduos sólidos (chorume áreas de pastagens ou agricultura, dificultando dos aterros sanitários); cemitérios (necrocho- a drenagem das águas para a bacia subterrâ- rume); resíduos e produtos oriundos de ativi- nea. Em outubro de 2005, fortes chuvas não dade agrícola (fertilizantes e agroquímicos), drenadas devastaram infraestruturas e mata- ferro velho, postos de combustível, dentre ou- ram seis pessoas na região de Bari (Andriani; tras (Mineropar, 2005). Walsh, 2009). Na China, 70% dos colapsos em Apesar de menos intenso, o uso de áreas com formação cárstica são consequência agroquímicos e fertilizantes nas práticas ru- direta de atividades antrópicas, em especial as rais convencionais tem dois fatores agravan- atividades não controladas de bombeamento tes. O primeiro, refere-se à extensão territorial de águas subterrâneas (He et al., 2010). 654 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013 Restrição ambiental ou oportunidade para o desenvolvimento sustentável? Normalmente, áreas com fatores fisiográficos favoráveis, como as planícies cársti- de terreno, oferecendo risco às comunidades assentadas na região. cas, tornam-se convidativas para a ocupação Em Colombo e Almirante Tamandaré, urbana, com a edificação de grandes e pe- municípios localizados sobre formação cárstica sadas construções. No entanto, essas áreas da porção norte da Região Metropolitana de encobrem situações naturalmente frágeis e Curitiba, registraram-se, ao longo do tempo, complexas, apresentando falhas geológicas, colapsos e afundamentos do solo com grande cavernas e outras estruturas subterrâneas apelo social e econômico, principalmente por- que respondem às pressões das obras de en- que esses municípios têm apresentado expres- genharia de uma maneira mais rápida e mais siva expansão populacional nos últimos anos dramática que outros tipos de terreno. Por (Nogueira Filho, 2006). Desde 1992, verifica- esse motivo, as porções mais rebaixadas da ram-se pequenos afundamentos de terrenos paisagem natural do carste são consideradas em Almirante Tamandaré, acarretando trincas ambientalmente frágeis e, quando ocupadas, e inclinações em edificações, além do rebaixa- podem apresentar comportamentos geotécni- mento do nível da água em poços, cacimbas e cos indesejáveis, a exemplo dos abatimentos pequenos lagos (Figura 3). Figura 3 – Rachadura em edificações ocorrida por acomodação do solo em terreno cárstico Fonte: Gasparin (2009). Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013 655 Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte Em 2005, o Ministério Público deu um mesmo motivo, moradores da cidade foram in- prazo de cinco anos à Companhia de Sanea- denizados, ou porque tiveram que deixar suas mento do Paraná (Sanepar) para desativar os casas ou porque precisaram reformá-las (Al- poços de exploração do aquífero Carste, loca- meida, 2005). lizados no centro de Almirante Tamandaré, ale- Em junho de 2007, um dos maiores afun- gando que essa exploração é responsável por damentos de que se tem notícia na região ocor- prejuízos nas estruturas de pelo menos vinte reu na região rural de Tranqueira (Almirante construções no município. A Sanepar admitiu Tamandaré). O solo cedeu, deixando um buraco que houve erros no dimensionamento da re- de forma elipsoidal com cinquenta metros de tirada da água no início das operações, mas comprimento, quarenta metros de largura e cer- garante que agora usa um sistema seguro. Por ca de trinta metros de profundidade (Figura 4). conta dos equívocos do passado, duas escolas A profundidade do buraco equivale a um prédio foram fechadas porque apresentaram racha- de vinte andares e por isso ele se tornou uma es- duras ocasionadas pela retirada da água. Pelo pécie de atração turística local (Bertotti, 2007). Figura 4 – Buraco formado pela acomodação do solo na região de Tranqueira, Almirante Tamandaré Fonte: Gasparin (2009). 656 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013 Restrição ambiental ou oportunidade para o desenvolvimento sustentável? Em 2010, houve a acomodação do solo dos terrenos cársticos, Almirante Tamandaré em uma pequena célula cárstica localizada na elaborou um Plano Diretor de Desenvolvi- sede do município de Almirante Tamandaré, mento (Almirante Tamandaré, 2006) com a provocando o aparecimento de um buraco de premissa de assegurar a segurança ambiental cerca de dez metros de largura e dois metros aos moradores, porém mantendo a capacida- de profundidade, interditando uma importante de de exploração dos recursos minerais asso- via pública, algumas casas comerciais e duas ciados ao Carste de forma mais sustentável, escolas próximas (Figura 5). controlando seus aspectos quantitativos e Para responder aos conflitos entre a qualitativos. O município iniciou também um crescente necessidade da ocupação do solo processo de implementação da sua Agenda pela municipalidade e a fragilidade natural 21 de forma participativa. Figura 5 – Buraco formado pela acomodação do solo em via pública próximo ao centro da cidade de Almirante Tamandaré Fonte: dos autores (2012) Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013 657 Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte O aquífero Carste em Almirante Tamandaré na perspectiva do poder público e de sua população públicas estaduais e municipais, que têm por dever de ofício contribuir para a conservação do aquífero, sobre o seu papel. Nas entrevistas com o poder público, muito embora atores de abrangência nacional ou mesmo internacional possam estar direta ou indiretamente relacio- Para Frey, a orientação geral dos municípios nados com o aquífero Carste em Almirante no controle das complexas questões sociais e Tamandaré, o conjunto dos principais atores ambientais parece ser o da intensificação das envolvidos na sua exploração e conservação intervenções autoritárias e centralistas, com o permeiam as esferas do setor público muni- aumento da burocracia e da tecnocracia. Ou cipal e estadual. Com o objetivo de avaliar a seja, por meio de uma gestão tecnocrata, que sua atuação em relação à gestão do aquífero, demonstre competência técnica e domínio foram enviados 27 questionários a represen- científico sobre os complexos ecossistemas na- tantes do poder público municipal (Prefeitura, turais e suas vulnerabilidades, a administração Câmara e Defesa Civil) e estadual (Minérios do pública poderia garantir a sustentabilidade im- Paraná, Instituto das Águas, Instituto Ambien- pondo uma atitude de respeito socioambiental tal do Paraná, Coordenação da Região Metro- a uma sociedade cada vez mais individualista politana de Curitiba e Ministério Público). Des- (Frey, 2001). ses, foram recebidos vinte questionários preen- No entanto, segundo o autor, as reivin- chidos. Outras cinco instituições encaminharam dicações sociais em prol de uma maior parti- respostas, justificando o não preenchimento cipação social e o reconhecimento dos limites dos questionários, alegando principalmente a técnicos e científicos existentes para lidar com falta de conhecimento técnico suficiente para os desafios e ameaças da atual sociedade de responder às questões ou não ter envolvimento risco, contribuíram para a perda da legitimida- direto com o assunto. Duas delas não respon- de dessa abordagem tecnocrática centraliza- deram e também não manifestaram retorno. dora. Entre o movimento do governo, para a Na segunda fase da pesquisa, foram construção de instrumentos legais de proteção aplicados 409 formulários de entrevista distri- da região cárstica e do necessário controle fis- buídos a uma amostra estatisticamente deter- calizatório de sua ocupação urbana, e a efeti- minada da população urbana e rural do municí- vação dessas políticas, há o necessário envol- pio de Almirante Tamandaré. A distribuição dos vimento da população residente. Mais do que formulários manteve a proporcionalidade entre ser afetada por tais políticas ou tão somente o número de respondentes e a população total informada delas, é importante para o processo de cada um dos dez distritos urbanos e da área de efetivação de políticas públicas que haja a rural. O formulário teve o objetivo de: sua efetiva participação. Para isso, essa pesquisa, em um primeiro momento, procurou questionar as instituições 658 • conhecer se o Carste é uma imagem que a população relaciona com a cidade de Almirante Tamandaré; Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013 Restrição ambiental ou oportunidade para o desenvolvimento sustentável? • conhecer se a população sabe o que é o aquífero Carste; planejamento e controle da ocupação do solo em área cárstica; a realização de estudos de • saber se a população reconhece a impor- mapeamento detalhado da geologia cárstica; tância do aquífero e também a importância de e o desenvolvimento de atividades econômi- preservá-lo, e em que escala; cas lucrativas compatíveis com a fragilidade • saber se a população reconhece quais os atores responsáveis pela preservação do aquífero; ambiental da área. Sob a perspectiva desses gestores, ficou evidente a preocupação quanto • saber se a população reconhece se suas ao risco associado às regiões cársticas no mu- atividades cotidianas contribuem para poluir nicípio. No entanto, quanto ao grau desse risco, o aquífero. as respostas se mostraram divergentes. Consi- Quanto ao papel da administração públi- dere-se que os fenômenos indesejáveis ocor- ca, a opinião dos entrevistados ficou dividida rentes nas áreas cársticas (dolinas, colapsos de em relação à presença do aquífero. Alguns ava- solo, rachaduras e trincas em edificações) são liam a sua existência como uma potencialidade registrados com baixa frequência e muitas ve- estratégica para o município em longo prazo zes ocorrem em áreas isoladas, não sendo leva- por se tratar de um recurso essencial para o dos ao conhecimento dos órgãos competentes, desenvolvimento regional. No entanto, com- passando a não ser divulgados e diminuindo a plementam que a exploração desse potencial percepção do risco tanto para gestão pública requer formas e critérios especiais quanto a quanto para a população local. sua exploração, bem como um estrito contro- Embora a maioria das instituições afirme le do uso e ocupação do solo para garantir a adotar alguma medida visando à minimização capacidade de suporte ambiental do meio. Ou- desses riscos socioambientais, dada a fragmen- tros acreditam que seja um recurso natural que tação da participação de cada uma na gestão representa um percalço ao desenvolvimento do aquífero e a falta de coordenação entre local, dada a fragilidade do solo e a suscetibili- elas nos seus mais variados níveis hierárquicos, dade a acomodações do terreno, que são con- nenhuma das medidas apontadas por esses siderados fenômenos indesejáveis a que tais órgãos é suficientemente capaz de resolver o áreas estão sujeitas, tornando-se um entrave problema e dar segurança à população, mesmo ao crescimento do município. porque as ações não ocorrem de forma integra- Os representantes das instituições locais e estaduais entrevistadas reconhecem que a da e muitas vezes estão relacionadas de forma apenas indireta com o problema. população de Almirante Tamandaré em geral Com isso, tem-se um retrato da situação não está informada sobre os riscos associados atual do município, que apresenta uma popu- ao Carste, e esse é o maior desafio a ser en- lação de baixa renda e como baixo grau de frentado pela administração pública munici- instrução, elevado crescimento populacional, pal e estadual na sua gestão. Foram também carência de infraestruturas (principalmente as apontados como principais desafios: a neces- sanitárias), forte dependência da cidade polo sidade de conciliar a exploração econômica e (caracterizando-a como uma cidade dormitó- a conservação de longo prazo do aquífero; o rio, submetida à pressão urbana procedente da Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013 659 Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte dinâmica metropolitana), restrições ambientais de 2001, cujos elementos do planejamento ur- pela necessidade de proteção dos mananciais bano devem contemplar as diretrizes e padrões de abastecimento e ausência de um plane- de organização do espaço urbano, do desenvol- jamento territorial adequado que não esteja vimento socioeconômico e do sistema político limitado à simples ordenação do espaço, mas administrativo, sempre a fim de melhorar as que considere as fragilidades naturais da área condições de vida da população nas cidades. como orientação pra sua ocupação. Nesse con- Todavia, percebe-se que os municípios texto, observa-se que a maioria da população contemplados pela presença do aquífero cársti- local desconhece a presença do aquífero cársti- co, incluindo-se aí Almirante Tamandaré, ainda co no município, ou seja, esse assunto não per- não sabem como lidar com os problemas e be- meia o imaginário coletivo de parte dos habi- nefícios proporcionados por esse tão importan- tantes entrevistados, o que pode desencadear te recurso natural. Na maioria das vezes, aca- comportamentos urbanos nocivos sobre esses bam por não saber explorá-lo de forma ade- recursos naturais de forma não intencional. quada nem estabelecem medidas preventivas Dado o sistema de administração públi- pelo fato de desconhecerem a realidade que os ca vigente, fica claro o interesse por parte do cerca, bem como as fragilidades associadas a município de efetuar o parcelamento do solo esse sistema. De fato, gestores, técnicos e a po- urbano para fins de geração de receita pe- pulação muitas vezes são surpreendidos pelos la aplicação dos impostos, ignorando muitas eventos geológicos praticamente imprevisíveis, vezes as condicionantes ambientais do meio. tornando-se esse o real problema na gestão Dessa forma, é crescente a ocupação do espa- desses espaços. ço, inclusive das áreas a serem preservadas ou Além do poder público, foram entrevista- de grande fragilidade ambiental de Almirante dos 409 residentes de Almirante Tamandaré. A Tamandaré. Destaca-se também o persistente primeira pergunta tratou das imagens mentais entendimento de que os recursos naturais po- associadas ao município. As respostas foram dem ser utilizados de forma ilimitada desde muito diversificadas, e não houve propriamente que atendidas as necessidades básicas dos mo- uma resposta preponderante. No entanto, al- rados urbanos (habitação, trabalho, lazer, etc.). gumas delas merecem consideração. Dentre as Tal fato sinaliza que, apesar de as questões mais recorrentes, 7,2% citaram imagens liga- ambientais assumirem papel cada vez mais im- das à violência, mortes, roubos ou brigas. Essa portante nas discussões da cidade, essas ainda relação entre violência e o município não é al- não são efetivamente reconhecidas e muito go novo. Em uma pesquisa realizada pela Fun- menos internalizadas politicamente na gestão dação Getúlio Vargas no ano de 2006, 80% dos do município. entrevistados afirmou não estarem satisfeitos Por outro lado, atendendo a obrigações com a segurança do município, e esse cenário legais, tem havido ações para o controle do uso pode ser evidenciado pela ocorrência de agres- e ocupação do solo por meio de leis municipais sões como sendo a principal causa de óbito no ou por meio do Plano Diretor de Desenvolvi- município, passando de 48,2 mortes para cada mento Urbano, ditado pelo Estatuto da Cidade 100 mil habitantes em 2002 (FGV/Isae, 2006), 660 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013 Restrição ambiental ou oportunidade para o desenvolvimento sustentável? para 81 mortes para cada 100 mil habitantes suas atividades cotidianas não prejudicam, ou no primeiro trimestre de 2012 (Antoneli e Ba- prejudicam pouco, a conservação desse aquí- tista, 2012). fero. Apenas 13% afirmam que suas atividades Em contrapartida, aspectos positivos re- prejudicam ou prejudicam muito a conservação lacionados com natureza, mata, verde, árvores do Carste. Os demais 32% dos respondentes ou vegetação estiveram presentes em 5,5% afirmam que não sabem se suas atividades co- das respostas. A qualidade do cenário como tidianas prejudicam o aquífero, ou optaram por elemento de harmonia paisagística já é reco- não responder à questão. nhecido como um potencial para os municípios O cenário geral que se pode depreender onde a geologia cárstica é preponderante, e a partir da pesquisa de opinião elaborada é tem sido recorrentemente considerada na for- que a população de Almirante Tamandaré apre- mulação dos seus Planos Diretores de Desen- senta na sua maioria um baixo grau de instru- volvimento Municipal (Dias, 2000, p. 26). ção – 31% cursaram apenas até quatro anos Pelo fato de se tratar de uma formação do ensino fundamental e 11% são analfabetos. geológica subterrânea, invisível aos olhos da Por essa razão, desempenham atividades que grande maioria da população, a relação da po- exigem menor qualificação profissional e que pulação de Almirante Tamandaré com águas representam um baixo salário mensal per capi- do aquífero Carste apareceu apenas em 0,2% ta (R$197,65 em 2008 – menos de meio salário das respostas. Isso leva à preocupante conclu- mínimo). Como consequência, não têm acesso são de que as ações antrópicas estejam sendo a informações mínimas sobre o aquífero para tomadas como se o aquífero não existisse, o que possam contribuir para a sua conservação que pode desencadear um comportamento e, mesmo que lhes fosse dado acesso a essas nocivo à adequada conservação desse manan- informações, dada a precariedade da sua situa- cial subterrâneo. ção socioeconômica, qualquer imposição de ca- Por outro lado, dos 32% da população ráter ambiental que limitasse ainda mais essa que afirmaram conhecer ou ter ouvido falar condição dificilmente seria aceita. A Mineropar do aquífero, 92% consideram-no como algo (2005) salienta que essa falta de informação importante ou muito importante para o mu- é preocupante na medida em que os cidadãos nicípio. Além disso, ressalta-se que 56% dos agem cotidianamente como se o aquífero não entrevistados que conhecem o Carste disseram existisse, com consequências de médio e longo que cabe a “todos nós” a responsabilidade pe- prazos à qualidade das águas subterrâneas. la sua preservação. O dado preocupante é que 68% dos entrevistados afirmaram não conhecer ou não ter ouvido falar do aquífero Carste, Considerações finais o que confirma a baixa associação entre o território municipal e o aquífero. A conservação das águas do auífero Carste é Por fim, considerando apenas o conjunto um objetivo estratégico para o abastecimento da população que afirma conhecer ou já ter ou- público da Região Metropolitana de Curitiba vido falar no Carste, 55% também afirmam que no médio e longo prazo. Em anos recentes, as Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013 661 Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte administrações do estado do Paraná e de al- O que se constatou é que a população de guns municípios localizados sobre o aquífero Almirante Tamandaré não reconhece o aquífero têm feito esforços no sentido de regulamentar como uma característica do município, e não a ocupação urbana e rural. tem um conjunto mínimo de informações que Pela legislação brasileira, o aquífero está pudesse sensibilizá-las para os problemas am- sob domínio do Estado e da União (Brasil, 1988, bientais causados pela ocupação urbana e rural Artigos 20 e 26). Sob a ótica da Legislação Es- das áreas cársticas. Para essa população, com tadual, o Decreto nº 3411/2008, que “declara baixo IDH – em especial precariedade econô- as áreas de interesse de Mananciais de Abas- mica e educacional – o aquífero não é consi- tecimento Público da Região Metropolitana de derado uma variável importante nas atividades Curitiba e dá outras providências” considera, cotidianas; Pelo contrário, preocupados com em seu Artigo 4º, inciso V, que a área do carste a própria sobrevivência, medidas restritivas é uma área de proteção que deve ter seu uso e de ocupação territorial, seja para fins residen- ocupação controlados de forma a garantir suas ciais ou produtivos, tendem a ser mal aceitas. condições de qualidade hídrica para tal fim. Mesmo em nível institucional, há conflitos en- Em nível municipal, a Prefeitura de Almirante tre a necessidade de expansão da atividade Tamandaré incluiu na revisão do seu Plano Di- econômica capaz de gerar receita para o mu- retor Municipal e na elaboração da sua Agenda nicípio, e a necessidade de fazer cumprir a le- 21, adaptações sugeridas pela Coordenação gislação de preservação do aquífero por parte da Região Metropolitana de Curitiba – Comec, do Estado – gerando desconforto mesmo entre elaboradas em 2002, no sentido de proteger a gestores públicos municipais (Gasparin, 2009). ocupação urbana sobre áreas cársticas. Porém, Com isso, a administração municipal não tem a gestão ambiental, pautada em instrumentos logrado sucesso na atração de novos capitais impositivos e autárquicos, vem dando pouco privados (principalmente novas indústrias) pe- resultado; e diferentes autores colocam a im- las restrições de ocupação do seu território. portância de que atores da sociedade civil par- Esse caso explicita um dilema da gover- ticipem ativamente da formulação de políticas nança ambiental: de um lado, a necessidade públicas de gestão ambiental. inquestionável de impor limites a atividades O primeiro passo para isso é a sensibili- antrópicas que tenham efeitos deletérios sobre zação da população para os problemas a serem o meio ambiente, nesse caso sobre recursos na- tratados por essas políticas. Este artigo buscou turais essenciais para a própria população resi- saber como a população do município de Almi- dente; e de outro, a consciência de que políticas rante Tamandaré, com 85% de sua área sobre o ambientais efetivas devem contar com a parti- aquífero Carste, percebe esse problema – uma cipação da população, como ator diretamente vez que ela é ator tanto no atual modelo de- envolvido e interessando, em sua elaboração. sordenado de ocupação territorial quanto nas Do ponto de vista do Estado, a explo- políticas públicas necessárias para o controle ração sustentável do aquífero em Almirante dessa ocupação. Tamandaré configura uma opção estratégica 662 Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013 Restrição ambiental ou oportunidade para o desenvolvimento sustentável? de crescimento e desenvolvimento econômi- Plano Estratégico de abrangência regional, ca para o município, desde que haja uma ra- com a união de esforços em todos os níveis cionalidade de longo prazo nessa exploração hierárquicos da administração pública bem co- e os necessários mecanismos de conservação mo a participação cotidiana e interessada dos e preservação ambiental estejam plenamente munícipes. Nesse plano, é necessário que se empregados. Essa possibilidade tem desafia- considere que o meio físico possui uma baixa do os agentes políticos e econômicos locais a capacidade de suportar um adensamento po- encontrar meios de alavancar a economia de pulacional maior ao que hoje se encontra es- Almirante Tamandaré, sem colocar em risco a tabelecido nos núcleos urbanos, que o Estado conservação desse bem natural. deve estabelecer metas de ação no sentido de Cabe lembrar, por fim, que o estudo se orientar uma ocupação do espaço mais ade- focou no município de Almirante Tamandaré quada do ponto de vista da conservação dos por ter 85% de seu território sobre o aquífe- recursos ambientais locais, e nesse contexto, ro Carste, mas que a ocorrência cárstica se que as possibilidades de intervenção tenham estende por outros 13 municípios da Região como objetivo a resolução das questões sociais Metropolitana de Curitiba. Portanto, o suces- locais com a efetiva participação da sociedade so da conservação do aquífero deve envolver civil nesse processo, integrando-se os espaços obrigatoriamente o estabelecimento de um social, econômico e natural. Harry Alberto Bollmann Engenheiro civil, doutor em Engenharia de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental, professor do Programa de Pós-graduação em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba/PR, Brasil. [email protected] Daniele Costacurta Gasparin Engenheira ambiental, mestre em Gestão Urbana, diretora do Departamento de Meio Ambiente da Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Almirante Tamandaré. Almirante Tamandaré/PR, Brasil. [email protected] Fabio Duarte Arquiteto e urbanista, doutor em Comunicação e Artes, professor do Programa de Pós-graduação em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba/PR, Brasil. [email protected] Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 30, pp. 645-665, jul/dez 2013 663 Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin, Fabio Duarte Referências ALMEIDA, A. (2005). Poços de exploração do aquífero karst serão desa vados em cinco anos. Curi ba, Jornal Gazeta do Povo, 18 novembro. ALMIRANTE TAMANDARÉ (2006). Plano Diretor de Desenvolvimento. Prefeitura Municipal de Almirante Tamandaré. Disponível em: h p://tamandare.pr.gov.br/planoDiretor. Acesso em: 15 abr 2012. ANDREOLI, C. V.; DALARMI, O.; LARA, A. I. e ANDREOLI, F. N. (2000). Limites ao desenvolvimento da Região Metropolitana de Curi ba impostos pela escassez de água. In: IX SIMPÓSIO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITARIA E AMBIENTAL. Anais, Porto Seguro, SILUBESA, pp. 185-195. ANDRIANI, G. F. e WALSH, N. (2009). An example of the effects of anthropogenic changes on natural environment in the Apulian karst (southern Italy). Rev. Environ Geol, n. 58, pp. 313-325. ANGEL, S., SHEPPARD, S. C. e CIVCO, D. L. (2005). 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A revista publica textos de pesquisadores e estudiosos da temática urbana, que dialogam com o debate sobre os efeitos das transformações socioespaciais no condicionamento do sistema político-institucional das cidades e os desafios colocados à adoção de modelos de gestão, baseados na governança urbana. CHAMADA DE TRABALHOS A revista Cadernos Metrópole é composta de um núcleo temático, com chamada de trabalho específica, e um de temas livres relacionados às áreas citadas. Os textos temáticos deverão ser encaminhados dentro do prazo estabelecido e deverão atender aos requisitos exigidos na chamada, os textos livres terão fluxo contínuo de recebimento. Os artigos podem ser redigidos em língua portuguesa ou espanhola. Os artigos apresentados em outros idiomas serão traduzidos para o português. Na versão eletrônica, os textos serão publicados no idioma original enviado pelos autores, em inglês, francês, italiano ou espanhol, além do português. Os trabalhos submetidos aos Cadernos Metrópole devem ser enviados pelo sistema, da seguinte maneira: (1) se o/s autor/es não possuir/em cadastro ainda, favor clicar aqui; (2) no cadastro, preencher principalmente os seguintes campos: nome, e-mail, instituição (vínculo); e no campo “Resumo da Biografia” informar: formação básica, instituição de formação, titulação acadêmica, atividade que exerce, instituição em que trabalha, unidade e departamento, cidade, estado, país e telefone, de cada um; (3) depois de cadastrado, o autor deve acessar o sistema clicando aqui.” Os artigos não devem conter nenhum tipo de identificação do(s) autor(es). É imprescindível o envio do Instrumento Particular de Autorização e Cessão de Direitos Autorais, datado e assinado pelo(s) autor(es), que deve ser anexado no passo 4 da submissão. Todos os passos para encaminhamento dos artigos podem ser consultados no link: http:// revistas.pucsp.br/index.php/acessoaberto/article/view/14743/10759 AVALIAÇÃO DOS ARTIGOS Os artigos recebidos para publicação deverão ser inéditos e serão submetidos à apreciação dos membros do Conselho Editorial e de consultores ad hoc para emissão de pareceres. Os artigos receberão duas avaliações e, se necessário, uma terceira. Será respeitado o anonimato tanto dos autores quanto dos pareceristas. Caberá aos Editores Científicos e à Comissão Editorial a seleção final dos textos recomendados para publicação pelos pareceristas, levando-se em conta sua consistência acadêmico-científica, clareza de ideias, relevância, originalidade e oportunidade do tema. COMUNICAÇÃO COM OS AUTORES Os autores serão comunicados por e-mail da decisão final, sendo que a revista não se compromete a devolver os originais não publicados. OS DIREITOS DO AUTOR A revista não tem condições de pagar direitos autorais nem de distribuir separatas. Cada autor receberá dois exemplares do número em que for publicado seu trabalho. O Instrumento Particular de Autorização e Cessão de Direitos Autorais, datado e assinado pelo(s) autor(es), deve ser enviado juntamente com o artigo. O conteúdo do texto é de responsabilidade do(s) autor(es). NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOS ARTIGOS Os trabalhos devem conter: • título, em português, ou na língua em que o artigo foi escrito, e em inglês; • texto, digitado em Word, espaço 1,5, fonte arial tamanho 11, margem 2,5, tendo no máximo 25 (vinte e cinco) páginas, incluindo tabelas, gráficos, figuras, referências bibliográficas; as imagens devem ser em formato TIF, com resolução mínima de 300 dpi e largura máxima de 13 cm; • resumo/abstract de, no máximo, 120 (cento e vinte) palavras em português ou na língua em que o artigo foi escrito e outro em inglês, com indicação de 5 (cinco) palavras-chave em português e em inglês; • referências bibliográficas, conforme instruções solicitadas pelo periódico. É imprescindível o envio do Instrumento Particular de Autorização e Cessão de Direitos Autorais, datado e assinado pelo(s) autor(es). Todos os passos para encaminhamento dos artigos podem ser consultados no link: http:// revistas.pucsp.br/index.php/acessoaberto/article/view/14743/10759 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS As referências bibliográficas, que seguem as normas da ABNT adaptadas pela Educ, deverão ser colocadas no final do artigo, seguindo rigorosamente as seguintes instruções: Livros AUTOR ou ORGANIZADOR (org.) (ano de publicação). Título do livro. Cidade de edição, Editora. Exemplo: CASTELLS, M. (1983). A questão urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra. Capítulos de livros AUTOR DO CAPÍTULO (ano de publicação). “Título do capítulo”. In: AUTOR DO LIVRO ou ORGANIZADOR (org.). Título do livro. Cidade de edição, Editora. Exemplo: BRANDÃO, M. D. de A. (1981). “O último dia da criação: mercado, propriedade e uso do solo em Salvador”. In: VALLADARES, L. do P. (org.). Habitação em questão. Rio de Janeiro, Zahar. Artigos de periódicos AUTOR DO ARTIGO (ano de publicação). Título do artigo. Título do periódico. Cidade, volume do periódico, número do periódico, páginas inicial e final do artigo. Exemplo: TOURAINE, A. (2006). Na fronteira dos movimentos sociais. Sociedade e Estado. Dossiê Movimentos Sociais. Brasília, v. 21, n. 1, pp. 17-28. Trabalhos apresentados em eventos científicos AUTOR DO TRABALHO (ano de publicação). Título do trabalho. In: NOME DO CONGRESSO, número, ano, local de realização. Título da publicação. Cidade, Editora, páginas inicial e final. Exemplo: SALGADO, M. A. (1996). Políticas sociais na perspectiva da sociedade civil: mecanismos de controle social, monitoramento e execução, parceiras e financiamento. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENVELHECIMENTO POPULACIONAL: UMA AGENDA PARA O FINAL DO SÉCULO. Anais. Brasília, MPAS/ SAS, pp. 193-207. Teses, dissertações e monografias AUTOR (ano de publicação). Título. Tese de doutorado ou Dissertação de mestrado. Cidade, Instituição. Exemplo: FUJIMOTO, N. (1994). A produção monopolista do espaço urbano e a desconcentração do terciário de gestão na cidade de São Paulo. O caso da avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo. Textos retirados de Internet AUTOR (ano de publicação). Título do texto. Disponível em. Data de acesso. Exemplo: FERREIRA, J. S. W. (2005). A cidade para poucos: breve história da propriedade urbana no Brasil. Disponível em: http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/index.html. Acesso em: 8 set 2005. Rede Observatório das Metrópoles Estado Instituição Coordenador Belém Universidade Federal do Pará Ana Cláudia Duarte Cardoso [email protected] Belo Horizonte Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Luciana Andrade [email protected] Brasília Universidade de Brasília Rômulo Ribeiro [email protected] Curitiba Universidade Federal do Paraná Olga Lucia C. de F. Firkowski [email protected] Fortaleza Universidade Federal do Ceará Clélia Lustosa [email protected] Goiânia Universidade Católica de Goiás Aristides Moysés [email protected] Maringá Universidade Estadual de Maringá Ana Lucia Rodrigues [email protected] Natal Universidade Federal do Rio Grande do Norte Maria do Livramento M. Clementino [email protected] Porto Alegre Universidade Federal do Rio Grande do Sul Luciano Fedozzi [email protected] Recife Universidade Federal de Pernambuco Angela Maria Gordilho Souza [email protected] Rio de Janeiro Universidade Federal do Rio de Janeiro Luiz César de Queiroz Ribeiro [email protected] Salvador Universidade Federal da Bahia Inaiá Maria Moreira Carvalho [email protected] Santos Universidade Católica de Santos Marinez Brandão [email protected] São Paulo Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lucia Maria Machado Bógus [email protected] Vitória Instituto Jones dos Santos Neves Pablo Lira [email protected] Cadernos Metrópole vendas e assinaturas Exemplar avulso: R$20,00 Assinatura anual (dois números): R$36,00 Enviar a ficha abaixo, juntamente com o comprovante de depósito bancário realizado no Banco do Brasil, agência 3326-x, conta corrente 10547-3, ou enviar cheque para a Caixa Postal nº 60022 - CEP 05033-970 - São Paulo – SP – Brasil. 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