o chamado à adoração
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o chamado à adoração
Uma Introdução ADORAÇÃO O CHAMADO À ADORAÇÃO JAMES L. MAY Em março de 1993, minha esposa, Bárbara, e eu voltamos ao Zâmbia após uma ausência de dez anos. Emprestamos um veículo da Namwianga Christian Secondary School e fomos até o povoado de Siakasasa, num domingo de manhã. Dez anos atrás, havíamos ajudado a plantar ali uma igreja e ajudamos aqueles irmãos a construírem um prédio. Quando chegamos ao prédio por volta das dez horas da manhã, não havia ninguém. Ficamos embaixo de uma árvore, indagando se a igreja ainda se reunia ali. Não foi preciso esperar muito. Poucos minutos depois, apareceu um garoto que escalou rapidamente a árvore para bater numa velha peça de arado com uma haste de metal. Esse era o “chamado à adoração”, informando aos membros do povoado que tinham convidados para a adoração naquele dia. Passou-se meia hora até que chegasse alguém. Um a um, foram chegando de todas as direções, atravessando os arbustos. Cumprimentaram-nos com alegria e nos recepcionaram embaixo da árvore até se certificarem de que quase todos haviam chegado. Dentro do prédio, os homens se sentaram de um lado e as mulheres do outro. Os lugares eram marcados por gravetos encaixados no chão de terra em formato de “Y” em cada extremidade das fileiras. Alguns cânticos tinham melodias familiares a nós, mas eram cantados na língua tonga. Alguns cânticos eram totalmente desconhecidos para nós, com diferentes melodias africanas. Foi uma experiência de adoração única na África. Não era o tipo de adoração a que eu estava acostumado, mas não havia dúvida em minha mente de que estavam prestando adoração. Em outra ocasião, fui com o irmão Peter Solomon falar a uma igreja que se reunia na Associação Cristã de Moços, em Madras, na Índia. O culto já estava em andamento quando chegamos. Não havia bancos nem cadeiras. Os adoradores estavam sentados ou ajoelhados em esteiras sobre o chão. Quando adentramos o salão, a maioria das pessoas estavam ajoelhadas com as cabeças inclinadas. Um homem dirigia a oração. Peter ajoelhou-se assim que entrou. Eu fiz o mesmo. A cena de uma congregação humildemente prostrada diante do trono de Deus foi comovente. Para mim era óbvio que eles estavam prestando adoração. Já estive em reuniões de adoração em cinco nações africansa, em várias regiões da Índia, em duas nações da América do Sul e em nações da América Central, bem como em várias ilhas caribenhas. Todas eram diferentes (dentro dos limites bíblicos), embora fossem semelhantes. Aprendi a ser flexível quanto às minhas expectativas para reuniões de adoração. Apesar de algumas serem mais prazerosas e pessoalmente mais benéficas do que outras, aprendi que minha adoração depende mais do que está ocorrendo dentro de mim do que no local da reunião. O QUE É ADORAÇÃO? Ocorre adoração em algum momento das várias atividades em que a igreja está envolvida? Será que ela está oculta em algum cantinho dos locais de adoração, aguardando para ser descoberta? Minhas lembranças mais remotas de adoração resumem-se ao ato de “ir à igreja”. Essa percepção foi incucada em meu cérebro apesar das freqüentes admoestações feitas pelos pregadores de que não estávamos “indo para a igreja”, mas sim “indo para o culto de adoração”. Se realmente é para o culto de adoração que estamos indo, então é necessário que saibamos o que é adoração. Certo autor de vários livros, chamado A. W. Tozer disse: “Muito do que se chama 1 adoração, não é de fato adoração”1 . “Adoração”, assim como “amor”, é uma palavra familiar para nós, mas difícil de definir em termos que as pessoas de hoje possam compreender totalmente seu sentido. Ela fala de algo desejado por alguns e odiado por outros. Alguns anseiam pela experiência revigoradora e agradável à alma de estar na presença de Deus. Outros pensam em adoração como a maneira mais entediante que se possa imaginar de passar o tempo. Alfred P. Gibbs disse: “O significado… assim como o raro perfume de uma rosa, ou o agradável sabor do mel, é mais facilmente experimentado do que descrito”2 . Embora Gibbs possa ter razão, é também importante que busquemos uma definição bíblica de adoração. De outra forma, não há como saber se o que temos experimentado é adoração. A seguir, Gibbs prosseguiu dando várias definições compiladas de diversas fontes. Algumas dessas definições de adoração são: 1) “a superabundância de um coração grato, consciente do favor divino”; 2) “o derramamento de uma alma sossegadamente na presença de Deus”; 3) “a ocupação do coração, não com as necessidades, nem mesmo com as bênçãos, mas com o próprio Deus”; 4) “o desabrochar de um coração que conhece o Pai como Aquele que deu o Filho como Salvador, e o Espírito Santo como o Hóspede que habita em nós”3 . Rick Atchley definiu adoração como “reconhecer Deus por quem Ele é, reconhecer-nos a nós mesmos por quem somos, e reagir devidamente a isso”4 . A adoração confirma a excelência de Deus e a fragilidade do homem. Ela nos faz lembrar de nossa dependência de Deus. Embora todas essas definições contribuam para a compreensão do que deve ser adoração, nenhuma delas pode explicá-la totalmente. Não é minha pretensão tentar mais uma outra definição a esta 1 A. W. Tozer, Whatever Happened to Worship? (“O que Foi que Aconteceu com a Adoração?”), comp. e ed. Gerald B. Smith. Camp Hill, Pa.: Christian Publications, 1985, p. 37. 2 Alfred P. Gibbs, Worship: The Christian’s Highest Occupation (“Adoração: A Ocupação mais Sublime do Cristão”), 2a. ed. Kansas City, Kans.: Walterick Publishers, s.d., p. 15. 3 Ibid., pp. 15–17. 4 Rick Atchley, “What a Left-brained Preacher Has Learned”, Part 1, Pepperdine Lectures (“Palestras de Pepperdine”). Malibu, Calif.: Pepperdine University Media Center, 1998, gravação em fita-cassete. 2 altura. À medida que avançarmos nas lições desta série, um significado mais claro e completo será composto em nossas mentes. Numa futura lição, veremos o significado das palavras gregas traduzidas por “adoração”. POR QUE DEVEMOS ADORAR? Somos mais fracos quando adoramos, porque nesse instante estamos cientes de nossas fragilidades humanas; embora sejamos também mais fortes quando adoramos, porque atraímos a força do Deus soberano. Deus é Quem nos chama para adorar. Ele nos designou para isso, de maneira que, sem adorar somos vazios e incompletos. Deus sabe que se não O adorarmos, procuraremos outra coisa para adorar. Ele nos fez à Sua imagem, uma extensão da Sua natureza (Gênesis 1:26; veja 2:7). Ele não nos fez para ficarmos aqui na terra para sempre. Ele nos designou para vivermos com Ele eternamente. Portanto, Ele quer que sejamos atraídos para a Sua presença, para virmos a conhecê-lO melhor e nos igualarmos a Ele. Ele sabe que as pessoas se tornam mais parecidas com o que ou quem elas adoram. Se O adorarmos, nos tornaremos mais parecidos com Ele. Os seguintes trechos bíblicos enfatizam essa verdade: E, assim como trouxemos a imagem do que é terreno, devemos trazer também a imagem do celestial (1 Coríntios 15:49). E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito (2 Coríntios 3:18). Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é (1 João 3:2). Falando em termos genéricos, o que Deus realmente quer é restaurar o relacionamento da humanidade com Ele. Ele sabe que, se nos tornarmos adoradores, não poderemos mentir, enganar, roubar e viver imoralmente. Deus deseja nos limpar e nos religar a Ele através da fé no que Ele fez por nós na cruz. Ele deseja nos conservar limpos através da adoração. Ele também sabe que, se mantivermos nosso relacionamento com Ele por meio da adoração, vamos dividir as alegrias e os benefícios desse relacionamento com o mundo à nossa volta. A adoração, portanto, beneficia a nós, e não a Ele. Adorar não é meramente celebrar um pensamento sobre Deus ou uma faceta da Sua natureza, mas ser atraído para a presença do próprio Deus. Adorá-lo é ser atraído por Ele, envolvido nele, experimentando o conforto e a segurança do Seu refúgio, o calor do seu amor nos cobrindo. Aquecer-se à luz da Sua glória, absorver o resplendor da Sua presença, resulta em nos tornarmos mais parecidos com Ele. Ajuda a nos prepararmos para a Sua presença eterna quando Ele vier novamente. As pessoas tendem a ficar mais parecidas com quem elas passam mais tempo juntas. Numa forma mais simplista, adorar é passar tempo com Deus com o propósito de tornar-se mais parecido com Ele. Quando O reconhecemos por ser Ele quem é, nós O honramos e O louvamos porque Ele é digno. “Adorar e glorificar a Deus — este é o objetivo principal de qualquer homem ou mulher.5 ” QUANDO DEVEMOS ADORAR? O ideal seria que a adoração fosse mais freqüente do que as reuniões públicas dos cristãos. A maior parte das instruções e dos exemplos de adoração nas Escrituras estão num contexto de privacidade ou em família. Todavia, não ouço com freqüência perguntas sobre a adoração em particular ou em família. Não seria isto um indício de que não temos adorado muito em particular ou em família? Quando pensamos em “adoração”, geralmente pensamos na reunião pública dos cristãos. Entretanto, se não estivermos adorando Deus em particular, não estaremos espiritualmente equipados para adorá-lo aos domingos (o “primeiro dia da semana”), às vezes descrito como “o Dia do Senhor”. (Veja Atos 20:7; 1 Coríntios 16:2; Apocalipse 1:10.)6 COMO DEVEMOS ADORAR? Embora haja poucas especificações e poucas descrições de como a adoração era realizada na igreja primitiva, alguns princípios gerais são destacados por Paulo em 1 Coríntios 11—14 para os cristãos presidirem suas reuniões. Muitos 5 Tozer, pp. 51–52. Veja os comentários sobre “Um dia da Ceia do Senhor”, na página 2 de “Em Memoria de Mim”. 6 estudantes das Escrituras consideram que todo o texto de 1 Coríntios 11—14 tenha sido escrito com a idéia de assembléia em mente. Eu, pessoalmente, creio que seja esse o caso no contexto desses quatro capítulos. Algumas pessoas questionam se os primeiros dezesseis versículos do capítulo 11 estão ou não falando do procedimento nas reuniões de adoração. Entretanto, a partir de 11:17 não há dúvida de que se trate das reuniões de adoração. A expressão “vos ajuntais” revela com clareza o contexto. Esses princípios se aplicavam ao que aqueles cristãos faziam na adoração — e deve se aplicar ao que nós fazemos hoje. O que Fazer 1. Devemos nos ajuntar para o melhoramento de todos (11:17). Os versículos seguintes descrevem facções e divisões que dilaceraram as reuniões dos cristãos coríntios. Muito do que eles faziam em suas assembléias era prejudicial ao desenvolvimento espiritual. Em vez de honrarem a Deus, estavam honrando a si mesmos. Tais atos tinham de ser direcionados a Deus e não a si mesmos. 2. Devemos manter em mente o propósito da adoração (11:27–29). O contexto desse princípio está na participação da ceia do Senhor. A expressão “indignamente” (v. 27) obviamente significa “para o propósito errado e no espírito errado”. Em Corinto, o propósito da reunião e, especialmente, da ceia do Senhor, havia sido perdido. Paulo advertiu esses cristãos a examinarem a si mesmos (v. 28) e reconhecerem o verdadeiro propósito para o qual se reuniam. 3. Devemos funcionar como um só corpo (12:12– 21). Deus quer que o Seu povo se reúna para adorar (Hebreus 10:25). A adoração dever ser tanto vertical quanto horizontal. Isto é, deve edificar relacionamentos não somente com Deus, mas também entre os irmãos. A adoração em família ou em particular é muito importante para o crescimento espiritual, mas a adoração coletiva provê algo que a adoração em particular não pode oferecer. A participação conjunta num momento de edificação da fé alimenta um senso de comunhão e estímulo mútuo. Isto é perdido se existirem divisões dentro da igreja reunida. Quando alguns têm uma preferência e outros discordam, os relacionamentos horizontais sofrem. O que nem sempre admitimos é que quando os relacionamentos horizontais sofrem, os rela- 3 cionamentos verticais (nossos relacionamentos individuais com Deus) também sofrem. 4. Devemos nos preocupar uns com os outros, dando honra aos membros aparentemente menos dignos de honra (12:22–25; compare Tiago 2:1–13). Podemos ser tentados a ignorar ou evitar os membros do corpo que não são como nós. Tiago falou especificamente do problema de mostrar parcialidade para com os ricos. A reunião de adoração é um refúgio seguro na presença de Deus, onde todo o povo de Deus deve ser igual. A igreja não trata os pobres, os menos desejáveis, ou os rejeitados como o mundo trata. A reunião é uma retirada do mundo para os rejeitados, os oprimidos e aqueles que sofrem abusos de uma sociedade cruel. Entrar na reunião deve ser como tomar um ar fresco. Nela, devemos encontrar preocupação mútua e honra igual para todos. 5. Devemos nos tratar uns aos outros com amor (13:1–8). Até que um amigo e eu discursássemos sobre essas passagens e o que elas ensinam sobre adoração, eu não havia notado que o tratado de amor do capítulo 13 aparece bem no meio das instruções sobre adoração7 . Sem dúvida, esse ensino tem aplicações em outras áreas também, mas o contexto específico consiste em como tratar cada um na adoração coletiva. O amor deveria ser o alvo principal desses cristãos (14:1). O amor nos leva a considerar primeiro as necessidades e preferências dos outros. Quando li o capítulo 13 aplicando-o ao comportamento dos cristãos numa reunião de adoração, o capítulo inteiro assumiu um novo sentido para mim. 6. Devemos procurar edificar uns aos outros (14:3, 4, 5, 12, 17, 26, 31). A palavra chave do capítulo 14 é “edificar” em suas várias formas. Pelo menos sete vezes, dependendo da versão utilizada, vemos Paulo enfatizando a necessidade da adoração ser edificante. “Edificar” significa “construir, erigir”. A edificação deve ser o resultado coletivo dos cinco princípios anteriormente apresentados. O que Satanás e o mundo tentam destruir a adoração reconstrói novamente. A adoração não deve ser um peso para a igreja, mas deve edificá-la. 7. Devemos fazer tudo com decência e ordem (14:40). Deus não gera nem apóia confusão. Qualquer confusão numa reunião de adoração é criada pelo homem. Se há um espírito dentro da assembléia criando confusão, certamente não é o Espírito Santo. O que não Fazer Uma das nossas maiores preocupações deve ser que não cheguemos à assembléia, simulando o certo, dizendo as palavras certas, cantando os cânticos certos sem, contudo, realizarmos a adoração. Isto pode acontecer por diversas razões, a saber: Primeiramente, podemos não estar adorando por termos um propósito errado ao nos reunirmos. Em Mateus 15:8 Jesus alertou sobre esse perigo citando Isaías 29:13: “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim”. Em segundo lugar, podemos não estar adorando por causa do pecado em nossas vidas. O profeta Amós descreveu uma condição que tornou inaceitável a adoração. O povo de sua época observava os dias festivos, oferecia ofertas queimadas e cantava cânticos espirituais; mas Deus não aceitou a adoração deles por causa da corrupção em suas vidas (Amós 5:21–27). Em terceiro lugar, podemos não estar adorando por termos feito algo que ofendeu um irmão. Jesus disse: “Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta” (Mateus 5:23, 24). O falecido irmão Andy T. Ritchie Jr., que por muitos anos lecionou o curso “Adoração na Igreja”, na Harding University, disse: “A adoração não é aceitável a Deus quando a vida diária não está em harmonia com Ele”8 . Deus ordenou a adoração para mudarmos a maneira como vivemos. A adoração desenvolve dentro de nós as qualidades de vida que nos moldam e nos transformam à imagem de Deus. Deus não nos chamou para adorá-lO porque Ele precisa disso. Ele é soberano, completo em Si mesmo. Ele não precisa de nada que tenhamos a oferecer. Ele nos chamou à adoração porque nós precisamos dela. Através da adoração, Ele nos chama para a grandeza espiritual. 7 Numa conversa que tive com Gary Walker, de Lubbock, Texas, ele salientou que o capítulo do “amor” aparece no meio da extensa instrução sobre adoração. 4 8 Andy T. Ritchie Jr., anotações de palestras em salas de aula, Adoração na Igreja, Harding University, s.d. CONCLUSÃO Meu propósito não é enveredar pelas diversas questões que já se levantaram sobre adoração. A maioria delas, senão todas, desaparecem quando nos concentramos no âmago do que é a adoração. A adoração não diz respeito a forma ou estilo. Não se trata do que eu gosto ou o que eu prefiro, mas o que agrada a Deus. A reunião de adoração não visa criar uma maneira de se exercer um dom ou talento pessoal, mas visa conduzir cada um à presença de Deus. A adoração também não tem nenhuma relação com os que estão “fora da igreja”. A adoração do Novo Testamento é uma atividade para cristãos. Isso não quer dizer que não devemos ser sensíveis às necessidades ou preocupações dos convidados presentes nas reuniões; todavia, devemos reconhecer que um convidado que não está sintonizado com Deus ou com o verdadeiro propósito da adoração não considerará relevante para o estágio em que está na vida tudo o que é feito na adoração. ©Copyright 2003, 2006 by A Verdade para Hoje TODOS OS DIREITOS RESERVADOS 5