Proteção de Marcas Independentemente de Registro no Brasil

Transcrição

Proteção de Marcas Independentemente de Registro no Brasil
PROTEÇÃO DE MARCAS INDEPENDENTEMENTE DE REGISTRO NO BRASIL
Fábio Ferraz de Arruda Leme**
Recentemente, a Procuradoria Federal Especializada, junto ao INPI, elaborou um Parecer (No
0002-2015-AGU/PGF/PFE/INPI/COOPI-LBC-1.0) no tocante à aplicação prática do inciso XXIII
do artigo 124 da LPI – Lei da Propriedade Industrial No 9279/96.
O artigo 124, XXIII, da LPI, proíbe o registro como marca de sinal que reproduza ou imite, no
todo ou em parte, marca que o novo requerente evidentemente não poderia desconhecer em
razão de sua própria atividade, cujo titular seja sediado ou domiciliado em território nacional ou
em país com o qual o Brasil mantenha acordo ou que assegure reciprocidade de tratamento,
quando a marca, naturalmente, se destinar a distinguir produto ou serviço idêntico, semelhante
ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com aquela marca alheia.
Pois bem, apesar de a consulta que originou o Parecer ter como foco responder se o titular de
uma marca sediado ou domiciliado em um país signatário da CUP (Convenção da União de
Paris) poderia fazer uso ou suscitar a aplicação do artigo 124, XXIII, da LPI, para proteção de
seus direitos marcários prioritários, já que tal Convenção não conta com dispositivo
correspondente ipsis litteris, diversos outros aspectos e/ou interpretações referentes a esse
mesmo dispositivo acabaram enfrentadas, o que torna relevante a produção do presente
trabalho.
O primeiro aspecto que se faz mister destacar do Parecer é o que responde ao questionamento
feito no parágrafo anterior.
Segundo conclusão chegada no Parecer, o artigo 124, XXIII, da LPI, de fato, aplica-se aos
titulares de marcas em países signatários da CUP.
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A justificativa, com a qual concordamos plenamente, é que, apesar da CUP não possuir um
texto ou norma exatamente correspondente a do artigo 124, inciso XXIII, da LPI, possui
previsões, princípios ou valores que se encontram inseridos ou que até justificam a existência
desse dispositivo na lei nacional.
É o caso, por exemplo, do princípio da repressão à concorrência desleal, que encontra
previsão expressa na CUP e que não deixa de ser um norte para a própria existência na lei
nacional do artigo 124, inciso XXIII, da LPI.
O Parecer a esse respeito foi bastante feliz ao enfatizar que: “A ratio do art. 124, XXIII, da LPI é
a repressão à concorrência desleal”. E, ainda, continuou: “A repressão à concorrência desleal é
uma atividade inerente à proteção da propriedade industrial”.
Outro ponto bem levantado no Parecer, apesar de apenas confirmar o que já havia sido
disciplinado no recente Manual de Marcas do INPI (Resolução INPI/PR No 142/2014), é que a
aplicação do inciso XXIII, do art. 124, da LPI, não está, de forma alguma, relacionada ao
instituto da marca notoriamente conhecida.
Isso significa que o titular de um registro de marca no exterior, por exemplo, em país signatário
da CUP (Convenção da União de Paris), poderá impugnar marca conflitante, reivindicada ou
registrada por terceiro no Brasil, não se fazendo necessário demonstrar a notoriedade de seu
sinal em um ou mais locais, ainda que, naturalmente, nada o impeça de fazê-lo.
Desta forma, basta que a marca, em nome desse terceiro, imite ou reproduza, no todo ou em
parte, a marca internacional, para distinguir produto, idêntico, similar ou afim a essa última,
sendo certo ou presumível que esse terceiro não poderia desconhecer a anterior em razão de
sua própria atividade comercial.
Essa posição, a qual, repisa-se, somente corrobora o que já consta do Manual de Marcas do
INPI, não deixa de ser relevante pois contraria posição anterior do órgão em sua jurisprudência
administrativa e alguns precedentes judiciais, que exigiam, para aplicação do artigo 124, inciso
XXIII, da LPI, a demonstração de notoriedade da marca que servia como embasamento para o
correspondente meio de impugnação.
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Um terceiro tema bem levantado no Parecer em comento é que não cabe rejeição ou
afastamento do artigo 124, XXIII, da LPI, em caso de Oposição ou PAN – Processo
Administrativo de Nulidade, nas hipóteses em que o registro anterior/paradigma é nacional.
Dita orientação, vale destacar, igualmente contrasta com jurisprudência administrativa de
outrora, a qual costumava rejeitar a alegação de violação ao artigo 124, inciso XXIII, da LPI, em
casos de oposição ou PAN quando a requerente desses processos já possuía registro de
marca no Brasil.
O entendimento anterior era de que não seria aplicável o artigo 124, XXIII, da LPI, nessas
hipóteses, tendo em vista a aplicação imediata do inciso XIX do mesmo dispositivo legal da
LPI, que determina, a grosso modo, não serem registradas como marcas sinais que
reproduzam ou imitem registros de marcas preexistentes em segmento de mercado idêntico ou
afim.
O Parecer, portanto, em boa hora, admite a cumulação de infração aos incisos XIX e XXIII do
artigo 124 da LPI, em casos de oposição e PAN, ainda que o requerente desse processo tenha
registro de marca prioritário no Brasil.
Uma última posição extraída do Parecer e que merece uma atenção mais crítica de nossa parte
é a que defende uma interpretação mais restritiva da expressão “marca que o requerente
evidentemente não poderia desconhecer em razão de sua atividade”.
Segundo o Parecer, na dúvida quanto ao conhecimento pelo titular da marca conflitante da
marca anterior, no caso concreto, deve-se concluir pelo não conhecimento.
Ademais, de acordo com o Parecer, a parte impugnante ficaria com o ônus de demonstrar,
inclusive documentalmente, que o terceiro, requerente da marca conflitante, tinha
conhecimento prévio de sua marca prioritária.
Em um primeiro momento, durante a leitura do parecer, discordávamos dessa orientação. Em
nosso entender preliminar, parecia-nos por demais exagerado exigir do titular da marca
prioritária ou paradigma provas documentais de que o terceiro, que reivindica marca igual ou
similar a sua, para segmento de mercado igual ou afim, demonstrasse que tinha conhecimento
da marca original.
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Da mesma forma, não visualizamos muito sentido nessa interpretação sempre restritiva
envolvendo o conhecimento ou não do terceiro da marca anterior ou original.
Pensávamos nos casos em que o titular da marca original ou anterior não teria como provar
que o terceiro, que requer marca conflitante, conhecia previamente a marca prioritária, já que
jamais manteve qualquer tipo de relação, vínculo ou contato com essa pessoa (física ou
jurídica), o que naturalmente tornaria mais fácil essa prova, como bem constam dos casos
exemplificados no Parecer.
Posteriormente, no entanto, notamos que a própria Procuradoria no Parecer percebe essa
dificuldade prática ao enfatizar casos em que, tendo em vista o elevado grau de especialização
de algumas atividades empresariais, não há como o requerente (terceiro) de uma marca
desconhecer as marcas no mercado de seus concorrentes.
O Parecer, inclusive, cita o exemplo de terceiro que pretende depositar marca em ramo bem
específico, como é o caso de turbinas de avião, sendo improvável, nessa hipótese, que ele não
conheça as marcas de seus concorrentes, o que atrairia a aplicação do inciso XXIII do artigo
124, da LPI, em caso de reprodução ou imitação a uma dessas marcas.
Para essas situações, portanto, segundo o Parecer, não se faria necessário provar, por meio
de documentos (até porque de difícil produção), o conhecimento prévio da marca pelo terceiro.
Nesses casos, seguindo a conclusão da Procuradoria, bastaria ao titular da marca prioritária
realizar uma “explanação sobre o segmento mercadológico de turbinas de avião (quantidade
de empresas que atuam no ramo, quantidade de marcas para assinalar o mesmo produto e
etc.)” para concluir pelo óbvio conhecimento prévio do terceiro/requerente de sua marca
original.
Em nosso entender, haveria ainda outras situações que dispensariam essa exigência,
defendida no Parecer e por alguns doutrinadores na matéria, de o titular da marca paradigma
demonstrar, inclusive via prova documental, que o terceiro, requerente de marca conflitante,
tinha conhecimento de sua marca anterior.
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Reflete-se sobre casos de marcas absolutamente fantasiosas ou com alto grau de
distintividade, isto é, marcas arbitrárias, que nada evocam, ou constituídas por sinais não
presentes no vernáculo ou não dicionarizados, como é o caso da marca Häagen-Daz (marca
100% fantasiosa).
Ora, em nossa opinião, nos casos de reprodução ou imitação, por terceiro, de uma marca
prioritária absolutamente fantasiosa, como é o caso de Häagen-Daz, voltada para o mesmo
segmento de atuação ou afim desta última, leva ou deveria levar à conclusão inexorável de que
esse terceiro tinha conhecimento prévio da anterior.
Em nosso entender, é absolutamente impossível ou improvável, que esse terceiro tenha
desenvolvido ou criado um mesmíssimo sinal fantasioso ou arbitrário para identificar atividades
comerciais idênticas ou análogas às do titular do signo original.
Daí nossa defesa para que essa posição sempre restritiva envolvendo o conhecimento ou não
do terceiro da marca anterior ou original seja tratada com parcimônia ou revista.
Vale destacar, inclusive, que, segundo nosso entendimento, o legislador quando inseriu o
advérbio “evidentemente” no artigo 124, inciso XXIII, da LPI, tinha a intenção de deixar claro
que, se o requerente da marca mais recente atuasse no mesmo segmento do titular de marca
anterior idêntica ou similar, é porque ele (terceiro), evidentemente, conhece essa última e não
porque deveria restar evidente (provado), no caso concreto, esse conhecimento anterior,
conforme interpretação do Parecer em comento.
Mas essa, com efeito, é a nossa leitura, respeitando-se a interpretação da Procuradoria, que,
como defendido, trouxe conclusões e orientações bastante pertinentes, elucidativas e positivas
a respeito da aplicação do inciso XXIII, do artigo 124, da Lei da Propriedade Industrial.
* © Fábio Ferraz de Arruda Leme 2016
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** Advogado e sócio do escritório Daniel Advogados, mestre e especialista em Direito Processual Civil e
especialista em Direito de Propriedade Intelectual.
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