Livro Completo
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Organizadores: Maria Cristina Cacciamali Rosana Ribeiro Júnior Macambira SÉCULO XXI: TRANSFORMAÇÕES E CONTINUIDADES NAS RELAÇÕES DE TRABALHO Fortaleza Instituto de Desenvolvimento do Trabalho Banco do Nordeste do Brasil Universidade de São Paulo 2011 Livro.indb 1 03/02/2011 11:33:55 SÉCULO XXI: TRANSFORMAÇÕES E CONTINUIDADES NAS RELAÇÕES DE TRABALHO TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AOS AUTORES CONSELHO EDITORIAL: Tania Bacelar de Araújo Liana Maria da Frota Carleial Tarcisio Patricio de Araujo Pierre Salama REVISÃO ORTOGRÁFICA Maria Luísa Vaz Costa (Textos em Português) Antônio Brandão de Macêdo (Textos em Espanhol) NORMALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA Paula Pinheiro da Nóbrega PROGRAMAÇÃO VISUAL E DIAGRAMAÇÃO José Wendell de Oliveira Sá CRIAÇÃO DA CAPA: Ildembergue Leite. S444s Século XXI: transformações e continuidades nas relações de trabalho / organizadores, Maria Cristina Cacciamali, Rosana Ribeiro, Júnior Macambira; autores, Clemente Ruiz Duran ... [et al.] – Fortaleza : Instituto de Desenvolvimento do Trabalho, Banco do Nordeste do Brasil, Universidade de São Paulo, 2011. 344 p. ISBN: 978-85-7563-670-1 1. Relações de Trabalho. 2. Trabalho. I. Cacciamali, Maria Cristina. II. Ribeiro, Rosana. III. Macambira, Júnior. IV. Título. CDD: 331 Livro.indb 2 03/02/2011 11:33:56 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 5 RELAÇÕES DE TRABALHO: O ENFOQUE SISTÊMICO DE JOHN T. DUNLOP Carlos Henrique Horn, Fernando Coutinho Cotanda e Walter Arno Pichler 11 PARTE 1 - NEGOCIAÇÕES COLETIVAS E TRANSFORMAÇÕES NA ORDEM ECONÔMICA MUNDIAL: SUBORDINAÇÃO OU PAPEL ATIVO? 45 MÉXICO: TRANSFORMACIONES PRODUCTIVAS Y DESARROLLO DE LAS NEGOCIACIONES COLECTIVAS DE 1980 A 2010 Clemente Ruiz Durán 47 TRÊS DÉCADAS DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO BRASIL: CONTEXTOS, RESULTADOS E DESAFIOS Regina Coeli Moreira Camargos e Rafael Soares Serrao 79 NEGOCIAÇÕES COLETIVAS EM NOVO POLO AUTOMOTIVO: MMC E SIMECAT Alexander Dias Siqueira e Rosana Ribeiro 99 PARTE 2 - RELAÇÕES DE TRABALHO: TRANSFORMAÇÕES E PARTICULARIDADES NA AMÉRICA LATINA E NA EUROPA 125 PERSPECTIVAS DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL NO COMEÇO DO SÉCULO 21 Marcio Pochmann 127 CAMBIOS INSTITUCIONALES Y MERCADO LABORAL: PERÚ 1990 – 2009 Norberto E. García Livro.indb 3 145 03/02/2011 11:33:56 EL FUNCIONAMIENTO DEL MERCADO DE TRABAJO Y LA SITUACIÓN SOCIAL EN ARGENTINA ENTRE 2004 Y 2009 Fernando Groisman 183 LA TRANSFORMACIÓN DE LAS RELACIONES LABORALES EN ESPAÑA EN LA PERSPECTIVA EUROPEA Santos M. Ruesga 205 PARTE 3 - SINDICATOS, GESTÃO E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NUM CONTEXTO DE LIBERALIZAÇÃO 237 REDES SINDICAIS EM EMPRESAS MULTINACIONAIS: CONTORNOS DE UM SINDICALISMO COSMOPOLITA? A EXPERIÊNCIA DO RAMO QUÍMICO Leonardo Mello e Silva 239 HETEROGENEIDADE DO TRABALHO COMO CONTRAPONTO À TESE DO INFOTAYLORISMO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Luís Fernando Santos Corrêa da Silva 267 Livro.indb 4 ORGANIZAÇÃO E PODER NO AMBIENTE DE TRABALHO NUM CONTEXTO DE LIBERALIZAÇÃO José Ricardo de Paula Xavier Vilela, Antonio Carvalho Neto e Mariana de Oliveira Vilela 287 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NUM CONTEXTO DE LIBERALIZAÇÃO Valmiria Carolina Piccinini e Sidinei Rocha de Oliveira 309 03/02/2011 11:33:57 APRESENTAÇÃO O livro Século XXI: Transformações e Continuidades nas Relações de Trabalho tem como principal objetivo revisitar a relação capital-trabalho no Brasil, na América Latina e na Europa depois das reformas laborais postas em marcha durante a onda liberal que varreu o mundo ocidental entre 1980 e o primeiro lustro do século XX. O corolário será a análise das tendências sobre a situação de emprego da força de trabalho. As relações de trabalho compõem o quadro institucional formal e informal de um país. As suas configuração e ações constituem-se em indicadores de primeira ordem para aferir o aprofundamento da democracia, o desenvolvimento social e a consistência da cidadania construída socialmente. Relações de trabalho que respeitam os pressupostos do desenvolvimento das atividades econômicas e as necessidades objetivas e subjetivas de plena inserção social no trabalho e no cotidiano são um dos eixos para o progresso econômico e social de um país. O aumento da produtividade é essencial para o crescimento econômico, entretanto sem intervenções públicas de qualidade, legislação trabalhista adequada e práticas de negociação legítimas, não apenas o crescimento da produtividade poderá ser comprometido como, sobretudo, a concentração da renda irá somar-se à concentração de poder político, traços inerentes à economia de mercado. Nesse contexto podemos afirmar que relações de trabalho de caráter redistributivo são objetos de conflitos sociais e de projetos políticos que combinam desenvolvimento econômico com progresso social. A crise econômica dos países centrais ao final dos anos 60 e 70 do século passado revelou o desgaste do pacto fordista e deu o primeiro impulso a um processo de mudanças na política social e nas instituições trabalhistas que no lado ocidental do planeta se prolonga até o presente. As sucessivas crises econômicas mundiais, algumas originadas pelo setor produtivo, muitas pelo setor financeiro, afetaram a concepção, a operação, a abrangência e o financiamento da política social. Na esfera do trabalho as mudanças afetam o sistema público de seguridade social, a legislação laboral, a expressão jurídica dos contratos, a atuação do movimento sindical e as negociações e conteúdos dos contratos coletivos. As mudanças buscaram ampliar a eficiência econômica e acelerar a renovação tecnológica. A América Latina, ao longo do último vintênio do século XX, constituiu-se palco de profundos e contínuos ajustamentos estruturais que transformaram a socioeconomia política da região. Os condutores da política econômica desdobra- Livro.indb 5 03/02/2011 11:33:57 6 ram-se para superar o duplo desafio das mudanças de regime político, de um lado, e da estagnação econômica, de outro. O ajustamento macroeconômico dos primeiros anos da década 1980 foi imposto pela denominada crise do endividamento externo, enquanto na década de 1990 as reformas centraram-se na reorientação da estrutura econômica pública e privada no sentido de torná-la mais competitiva e com maior interação com o mercado mundial. Acompanhar as mudanças das tecnologias de informação, dos avanços científicos e da redivisão do poder econômico e do trabalho no mercado global dos últimos trinta anos representou um processo de aproximações sucessivas, sobretudo de acertos e de erros para os governantes latino-americanos. A regulação do mercado de trabalho originária dos anos 1930 e de inspiração europeia, na maioria dos países, não poderia permanecer incólume nesse redesenho mundial. Todos os países da América Latina realizaram, em momentos distintos, reformas laborais extensas e profundas, como a Argentina e o Peru, ou de caráter pontual e descontínuo, porém não menos marcantes, como o Brasil e o México. A tônica das alterações seguiu três eixos: menor e melhor qualidade da regulação pública, diminuição dos custos do trabalho implicando redução de proteção e direitos sociais e incentivos para aprofundar e ampliar as negociações coletivas diretas. O quadro das reformas da latino-américa, todavia, não apresenta apenas aspectos negativos para a construção de novas relações de trabalho ou a sua adaptação. A democratização dos regimes políticos da região, a constituição de partidos políticos populares, a Constituição Federal de 1988 e a decorrente conformação do poder político constituíram-se, no período, a âncora para realizar programas e intervenções redistributivas e de inclusão social, e para rever a prática da relação capital-trabalho. Assim, instituições formais e informais positivas sucederam-se, a despeito do desenho draconiano da política macroeconômica que simultaneamente foi executada para criar um ambiente econômico favorável à recuperação econômica conduzida pelo setor privado em combinação com o Estado. O crescimento econômico do mercado mundial, nos anos 2000, a superação no curto prazo da crise econômica mundial de 2008 e a manutenção de governos progressistas confirmaram as possibilidades de criar e renovar instituições laborais que confrontem a assimetria de poder econômico e político tanto no plano macrossocial quanto nos locais de trabalho. O ano de 2008 correspondeu ao centenário da edição pioneira do Industrial Relations System, de Dunlop, obra elaborada num contexto pós-Segunda Guerra Mundial. O objeto central do livro são as relações entre administradores de Livro.indb 6 03/02/2011 11:33:57 7 empresas, trabalhadores e agências governamentais que caracterizam as sociedades que atravessaram processos de industrialização. Nos anos 50 e 60 do século passado foram elaboradas dezenas de publicações vinculadas à temática das relações de trabalho, sobretudo nos países de origem anglo-saxônica onde esse tema dispõe de curso disciplinar próprio, embora interdisciplinar e com construção epistemológica na intersecção entre teorias, ordem jurídica, ação política e gestão administrativa. No Brasil, ainda hoje vigora escassa produção científica, afinal temos uma pequena quantidade de livros, teses e dissertações sobre a temática das relações de trabalho. Entretanto, várias questões postas nesse eixo temático exigem uma reflexão mais intensa. À guisa de ilustração, análises sobre o poder de barganha dos sindicatos dos trabalhadores em diferentes etapas de nossa história e as principais transformações que envolvem esse processo de negociação, bem como o papel de instituições como a Justiça do Trabalho são pouco discutidos pelos estudiosos. Conforme apresentado anteriormente, as mudanças sociais da década de 1970, e no caso brasileiro, principalmente depois dos anos 1990, conduziram o mundo a um novo cenário inteiramente distinto daquele que envolvera Dunlop. As mudanças na economia mundial e o acirramento da concorrência intercapitalista conduziram as empresas que permaneceram ou ampliaram a sua parcela no mercado mundial a difundir inovações tecnológicas e organizacionais e a criar, recriar ou adaptar arranjos nas relações de trabalho com vistas a aumentar a produtividade e a criação de inovações de produtos e de processos. O que induz o processo retroalimentador do avanço da competitividade tanto fundamenta as alternativas de inserção na economia global quanto determina maior dinamismo à economia interna. Conflitos de interesses entre empregados e empregadores, padrões de controle, estruturas de poder e arranjos institucionais do uso da força trabalho e negociações coletivas encontram-se entre as questões centrais de estudo dessa área. Os novos tempos mantêm os temas, mas alteram os objetos de estudo. Revisitar a realidade com instrumentos formais e rigorosos, científicos, enfim, com conhecimento do passado e planejando o futuro delimitam as tendências que poderão reforçar ações políticas e intervenções públicas na construção do progresso social. Este livro é composto de três partes e 11 capítulos, além de um capítulo de abertura dedicado ao pesquisador americano John Dunlop, que é considerado um dos teóricos pioneiros no campo das relações de trabalho. O propósito desta abertura realizada por Carlos Henrique Horn, Fernando Coutinho Cotanda Livro.indb 7 03/02/2011 11:33:57 8 e Walter Arno Pichler é apresentar uma reflexão acerca da importância de sua obra intitulada Industrial Relations Systems. Os autores salientam a importância e atualidade dessa obra para a constituição de uma teoria geral das relações do trabalho e sua influência na agenda de pesquisa do período posterior à publicação. Este capítulo desenvolve, de forma clara e rigorosa, o arcabouço conceitual e teórico formulado por Dunlop. Tal estrutura se revela crucial para a compreensão das principais questões envoltas nas relações de trabalho. Além disso, Carlos Henrique Horn, Fernando Coutinho Cotanda e Walter Arno Pichler apontam os prováveis determinantes da escassez de estudos no Brasil baseados no trabalho de Dunlop, tais como a reduzida difusão do mecanismo de negociação coletiva entre empresas e sindicatos e o grande número de estudos realizados em bases teóricas avessas ao método proposto no livro Industrial Relations Systems. A primeira parte ”Negociações Coletivas e Transformações na Ordem Econômica Mundial: subordinação ou papel ativo?” compreende três capítulos e interpreta, a partir de distintas perspectivas, os principais impasses e desafios das negociações coletivas. Clemente Ruiz Durán estuda as transformações que se verificaram no México, sobretudo na política econômica, no mercado de trabalho e no marco regulatório do trabalho no período de 1980 a 2010. Nesse contexto de modificações nota-se elevada informalidade, perda salarial e deterioração das negociações coletivas. No Brasil, Regina Coeli Moreira Camargo e Rafael Soares Serrao analisam os avanços e recuos das negociações coletivas nas últimas décadas, bem como os principais obstáculos ao desenvolvimento dessas negociações. Os autores realçam, especialmente, os debates acerca dos ganhos e perdas das negociações coletivas nos anos 90. Alexander Dias Siqueira e Rosana Ribeiro investigam as especificidades das negociações coletivas em novo polo automotivo localizado em Catalão/GO. Os autores ressaltam os avanços, impasses e limites dessas negociações realizadas em espaço geográfico sem tradição sindical. Por outro lado, na segunda parte, ”Relações de Trabalho: transformações e particularidades na América Latina e na Europa” constam quatro capítulos que têm o propósito de alimentar o debate sobre as principais mudanças verificadas no campo das relações de trabalho no período recente no Brasil, Peru, Argentina e Espanha. Livro.indb 8 03/02/2011 11:33:57 9 No caso brasileiro, Marcio Pochmann analisa a incorporação parcial e lenta dos trabalhadores nos direitos concedidos pela legislação trabalhista e social. Além disso, sinaliza a necessidade de extensão desses direitos para aqueles que trabalham no setor de serviços e pequenos empreendimentos, na medida em que vários desses trabalhadores permanecem à margem da regulação. Norberto E. García, por sua vez, realiza uma análise acurada da reforma laboral implementada no Peru, a partir dos anos 90, bem como aponta seus principais resultados, tais como mercado de trabalho mais competitivo e flexível para parcela razoável dos trabalhadores. Focalizando a Argentina, Fernando Groisman interpreta as principais transformações no mercado de trabalho entre 2004 e 2009, bem como seus impactos sobre os indicadores sociais. Observa-se uma expansão dos postos de trabalho assalariados com proteção social, no entanto 25% da população residem em domicílios em que nenhum morador tem acesso ao trabalho regulamentado. De acordo com o autor, é necessário, portanto, a implementação de políticas públicas que busquem incorporar essa população nos marcos da seguridade social. No que se refere à Espanha, Santos M. Ruesga discute as transformações na oferta e demanda de trabalho, os salários e as principais mudanças no marco regulatório. A partir dessas reflexões, o autor aponta os principais desafios para o mercado de trabalho espanhol como a participação na oferta de trabalho das mulheres e imigrantes, a tendência de queda dos salários e de promoção de uma reforma laboral que eleve o nível de produtividade do trabalho. Finalmente, a terceira parte, “Sindicatos, gestão e organização trabalho num contexto de liberalização” contempla quatro capítulos que buscam refletir sobre as transformações nas estratégias sindicais e gerenciais no período recente e também acerca dos alcances e limites das modificações na organização do trabalho. Leonardo Mello e Silva investiga, de forma pioneira, os principais desafios da rede de trabalhadores do ramo químico brasileiro. Vale mencionar que essa instituição é recente e compreende um espaço em que os sindicatos atuam de maneira concertada com Estados, empresas e organismos sociais diversos, introduzindo questões sociais e/ou trabalhistas. Luís Fernando Santos Corrêa da Silva discute o uso do termo infotaylorismo na organização do trabalho das empresas de call centers, que corresponde, na verdade, ao taylorismo numa versão conectada à nova realidade tecnológica. O Livro.indb 9 03/02/2011 11:33:57 10 autor aponta que não há um modelo hegemônico de organização do trabalho nas empresas de teleatendimento, visto que essas firmas apresentam padrões heterogêneos de organização do trabalho. José Ricardo de Paula Xavier Vilela, Antonio Carvalho Neto e Mariana de Oliveira Vilela refletem sobre o poder nas organizações e a importância da inclusão de uma abordagem nesses estudos que destaque a constituição de relações autoritárias de poder entre indivíduos no Brasil. O estudo aponta a relevância das questões relativas ao poder para a compreensão das estruturas organizacionais. Valmiria Carolina Piccinini e Sidinei Rocha de Oliveira investigam os contornos assumidos pela gestão de recursos humanos no contexto de liberalização mundial, embora observem a influência das particularidades históricas de cada país. Maria Cristina Cacciamali, Rosana Ribeiro e Júnior Macambira Livro.indb 10 03/02/2011 11:33:58 RELAÇÕES DE TRABALHO: O ENFOQUE SISTÊMICO DE JOHN T. DUNLOP Carlos Henrique Horn1 Fernando Coutinho Cotanda2 Walter Arno Pichler 3 Introdução O estudo das relações de trabalho segundo a tradição anglo-americana (industrial relations) tem no enfoque sistêmico apresentado por John Thomas Dunlop, no livro Industrial Relations Systems (IRS), de 1958, um de seus principais momentos de formulação conceitual e teórica. Há, com efeito, um consenso na literatura especializada acerca da influência exercida pelo IRS, sendo essa obra considerada como a primeira tentativa sistemática de elaboração de um arcabouço teórico no campo das relações de trabalho. (MÜLLER-JENTSCH, 2004). Ainda que existam divergências sobre os resultados da empreitada do autor, ou seja, do quão bem sucedido teria sido Dunlop (1993) em sua busca de uma teoria geral das relações de trabalho, não resta dúvida quanto às consequências do IRS na determinação de uma agenda de pesquisa e na formulação científica do campo na segunda metade do século XX. Kaufman (2004, p. 250, tradução dos autores), a despeito de sua visão crítica ao IRS, afirma em sua magistral história do industrial relations que “[...] o livro é largamente visto como uma das mais influentes peças acadêmicas já escritas no campo e vários a considerariam o trabalho seminal de teoria das relações de trabalho”. Este capítulo apresenta uma síntese analítica do IRS, sem, contudo, pretender exaurir as questões levantadas por sua publicação e que deram origem a uma farta literatura. Além desta introdução, o capítulo possui sete seções. Na primeira, procuramos delinear o contexto acadêmico de surgimento do Industrial Relations Systems, associando-o à chamada era dourada do IR norte-americano e, em particular, a um amplo projeto de pesquisa denominado Estudo Interuniversitário dos Problemas do Trabalho no Desenvolvimento Econômico. As seções 2 e 3 destinam-se à exposição dos conteúdos básicos do IRS. Nelas, delimitamos os objetivos de Dunlop em sua obra e discorremos sobre o conceito e a estrutura de um sistema de relações de trabalho. Na seção 4, aprofundamos a análise da estrutura, expondo os desdobramentos de Dunlop sobre cada um dos contextos do 1 Economista, Professor do Departamento de Ciências Econômicas e do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 2 Sociólogo, Professor do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 3 Sociólogo e Economista, Pesquisador da Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser (FEE). Livro.indb 11 03/02/2011 11:33:58 12 sistema, ao passo em que o tema da formação de sistemas nacionais de relações de trabalho é examinado na seção 5. A seção 6 destina-se a explorar as razões da ausência da obra de Dunlop (1993) nos estudos sobre relações de trabalho no Brasil. Por fim, na sétima seção, discutimos algumas lições do IRS que julgamos relevantes e que permanecem válidas para o estudo das relações de trabalho. O Contexto Acadêmico da Obra O Industrial Relations Systems foi publicado no ápice de um período considerado como a era dourada do IR nos Estados Unidos, o qual, cronologicamente, cobre o decênio entre os finais das décadas de 1940 e 1950. Dentre outros traços salientes, essa época caracterizou-se por uma vasta produção científica sobre assuntos atinentes às relações de trabalho, envolvendo pesquisadores de diferentes disciplinas e matizes teóricos. Conforme aponta Kaufman (1993, p. 92, tradução dos autores), “como um resultado deste extenso envolvimento multidisciplinar, a pesquisa em relações de trabalho ganhou fôlego até então desconhecido em seus temas, perspectivas teóricas e métodos de pesquisa”. Uma das iniciativas mais relevantes da pesquisa sobre relações de trabalho no período, e que se estendeu por mais de duas décadas, foi o Estudo Interuniversitário dos Problemas do Trabalho no Desenvolvimento Econômico, um ambicioso projeto coordenado por Clark Kerr (Universidade da Califórnia, Berkeley), John T. Dunlop (Universidade de Harvard), Frederick Harbison (originalmente da Universidade de Chicago; posteriormente, da Universidade de Princeton), e Charles Myers (MIT). Iniciado no ano de 1954, com algum trabalho preliminar em anos anteriores, o Estudo Interuniversitário fez parte do boom de análises comparativas das relações de trabalho entre países que marcou os anos 1950. Esse projeto específico atingiu, contudo, uma escala sem precedentes, tendo envolvido 78 pesquisadores e coletado informações referentes a 35 países em seu primeiro quinquênio de atividade. Estes formaram um conjunto intencionalmente heterogêneo, cobrindo economias de mercado desenvolvidas (Alemanha, Japão, Estados Unidos, por exemplo), economias de planejamento central (União Soviética) e economias em processo de industrialização recente (Índia, Egito, Indonésia, Brasil). O Estudo Interuniversitário deu origem a dezenas de publicações, entre as quais se encontra o Industrial Relations Systems.4 Não obstante, o texto que provavelmente constitui sua marca registrada é Industrialism and Industrial Man, publicado em 1960, em uma co-autoria dos quatro coordenadores do projeto. O 4 A obra é arrolada na lista de publicações do Estudo Interuniversitário dos Problemas do Trabalho no Desenvolvimento Econômico, elaborada por Kerr et al. (1963). Livro.indb 12 03/02/2011 11:33:58 13 livro representa uma síntese das principais conclusões a que chegaram os autores naquele momento do estudo. De acordo com Kaufman (2004, p. 256, tradução dos autores), “representa a maior e mais extensa tentativa de teorização no campo das relações de trabalho nos Estados Unidos e, justificadamente, na história global desse campo de estudos”. Nele, os autores partem da questão orientadora geral do Estudo Universitário, a dos impactos da industrialização sobre a vida em sociedade5 e, em particular, sobre as relações de trabalho; abordam as diferentes trajetórias nacionais de industrialização associadas a diferentes tipos de elites industrializantes; e formulam sua predição sobre o futuro como uma resultante do confronto entre fontes que conduzem à diversidade e fontes que pressionam por uniformidade, sugerindo que a tendência básica dos países é a de evoluírem para uma configuração que denominam industrialismo pluralista.6 Tal predição veio a ser posteriormente referida, na literatura do industrial relations, como a tese da convergência ao modo anglo-americano de relações de trabalho, tendo suscitado controvérsias que se estendem aos dias de hoje. Uma das principais conclusões do Industrialism and Industrial Man, notadamente a que se refere ao desenvolvimento de sistemas nacionais de relações de trabalho (SNRT) e ao papel das elites industrializantes, já havia sido antecipada por Dunlop (1993) no capítulo 7 do IRS. Objetivo e Composição da Obra O objetivo fundamental de Dunlop (1993, p. x, tradução dos autores, grifo dos autores), no Industrial Relations Systems, é esclarecido já nas páginas iniciais do prefácio. Trata-se de apresentar “uma teoria geral de relações de trabalho; ele (o livro) busca oferecer ferramentas de análise para interpretar e entender o mais amplo leque de fatos e de práticas nas relações de trabalho.” As relações que são o objeto focal da teoria configuram um complexo de interações entre administradores de empresas, trabalhadores e agências governamentais que caracterizam as sociedades que atravessaram processos de industrialização. Em suma, essas relações compreendem a relação de emprego assalariado enquanto seu núcleo é o conjunto de relações entre pessoas e instituições que se forma em torno da relação básica de emprego. 5 A industrialização é “a grande transformação na longa história da humanidade neste planeta – mais básica, mais rápida e mais universal do que qualquer outra transformação que jamais tenha ocorrido.” (KERR et al., 1963, p. 279, tradução dos autores). Há duas hipóteses – talvez fosse melhor chamá-las de pressupostos – que alimentam o Estudo Universitário em seu nascedouro no pós-guerra: (i) os países, ou inúmeros países, inevitavelmente experimentarão um período de industrialização; (ii) como consequência, esses países vivenciarão os problemas típicos da industrialização, sobretudo aqueles que se manifestam no âmbito da produção e das relações de trabalho. 6 Em 1975, os autores publicaram, no ensaio Industrialism and Industrial Man Reconsidered: Some Perspectives on a Study over Two Decades of the Problems of Labor and Management in Economic Growth, uma atualização de sua discussão central, mantendo algumas e modificando outras das principais conclusões apresentadas no Industrialism and Industrial Man de 1960. O ensaio é considerado o último documento do Estudo, então renomeado Estudo Interuniversitário dos Recursos Humanos no Desenvolvimento Nacional. Ver Dunlop et al. (1975). Livro.indb 13 03/02/2011 11:33:58 14 Ao expor, ainda, o objetivo do IRS, Dunlop (1993, p. xi) acrescenta alguns esclarecimentos que revelam motivações e apontam aspectos capitais de sua construção teórica. Assim, o autor acreditava que a teoria pudesse ser útil para interpretar a experiência das relações de trabalho: (i) em empresas e setores de atividade econômica, bem como para comparações entre eles; (ii) em países e para comparações internacionais; e (iii) ao longo do tempo, no curso do desenvolvimento econômico. E ao fazê-lo, deveria ter como tarefa central explicar por que determinadas normas que governam a relação de emprego e as demais relações no mundo do trabalho são estabelecidas em certos sistemas de relações de trabalho e como e por que as normas mudam em face de pressões exercidas sobre o sistema.7 O conceito de sistema de relações de trabalho, a par de dar causa ao título da obra8, ocupa o centro das atenções do autor ao longo do livro. O Industrial Relations Systems é composto de nove capítulos.9 Os quatro primeiros destinam-se a esclarecer o que é um sistema de relações de trabalho e qual é sua estrutura, com atenção principal às relações de conformidade entre os contextos e as normas do sistema. Os capítulos 5 e 6 fornecem uma ilustração do poder analítico do conceito de sistema quando aplicado a relações de trabalho com normas determinadas no âmbito setorial. Os setores de atividade que servem de exemplo são os da extração de carvão e construção civil. Nos capítulos 7 e 8 o autor utiliza o conceito de sistema para tratar das relações de trabalho no plano de uma nação e com base em um recorte longitudinal, visto que sua preocupação é quanto aos fatores que incidem no desenvolvimento de sistemas nacionais de relações de trabalho e ao modo como o desenvolvimento econômico afeta a regulação da relação de emprego. O livro conclui com uma síntese, no capítulo 9, sob o título de “Teoria Geral das Relações de Trabalho”. Sistema de Relações de Trabalho: Conceito e Estrutura As relações de trabalho em um país ou em uma comunidade de trabalho são percebidas por Dunlop como um sistema, isto é, como um todo compreensivo de 7 No comentário que escreveu à edição de 1993, Dunlop sustenta que o objeto de uma teoria das relações de trabalho deve ser a determinação de normas, mas também menciona as práticas das relações de trabalho: “[...] o foco analítico deste campo [relações de trabalho] é o que desenvolvemos no Industrial Relations Systems: as regras e as práticas do local de trabalho desenvolvem-se através da interação de gerentes, trabalhadores e suas organizações, e agências governamentais em um contexto de tecnologia, mercados de trabalho e produto, e regulamentações governamentais”. (DUNLOP, 1993, p. 8, tradução dos autores). 8 A tradução literal de industrial relations para o português, ou seja, relações industriais, leva à perda do seu significado mais preciso e que se refere ao estudo das relações de trabalho. Assim, em prol da clareza e da precisão, convém abandonar a literalidade e seguir, por analogia, a orientação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que indica utilizar a expressão relaciones laborales para a tradução do termo ao espanhol, passando, portanto, a usar a expressão relações de trabalho como a melhor tradução de industrial relations para o português. 9 Nossa referência é a edição de 1993, da Harvard Business School, onde também aparece um comentário novo do autor redigido especialmente para essa edição. Livro.indb 14 03/02/2011 11:33:58 15 elementos inter-relacionados. Esse sistema é composto de atores, contextos, ideologia e normas. Os atores interagem sob a influência de determinados contextos – que incluem a tecnologia, os mercados e a distribuição do poder na sociedade em geral – e essa relação envolve, igualmente, uma ideologia, que, de acordo com o autor, contribui para definir seus papéis, bem como para integrar o sistema. O produto de um sistema de relações de trabalho constitui uma rede de normas que governam a relação de emprego e as demais relações entre os agentes do mundo do trabalho.10 Mudanças no ambiente, no relacionamento entre os atores ou nos entendimentos compartilhados pelos mesmos podem afetar as normas do sistema ou até mesmo o sistema como um todo. A Figura 1 ilustra a estrutura de um sistema de relações de trabalho. Figura 1 - Estrutura de um Sistema de Relações de Trabalho Fonte: Elaboração Própria dos Autores. 10 Wood et al. (1975, p. 295, tradução dos autores), em seu excelente ensaio interpretativo sobre o conceito de sistema de relações de trabalho na obra de Dunlop, assinalam que “[...] a ‘teia de normas’ é vista como o produto do sistema de relações de trabalho, o qual, por sua vez, é compreendido como um sistema de formulação de regras”. Elaboram, ainda, em conformidade com o marco dunlopiano, uma distinção analítica entre o sistema que produz as normas (isto é, o sistema de relações de trabalho) e o sistema que é regulado por tais normas (isto é, o sistema produtivo). Livro.indb 15 03/02/2011 11:33:58 16 Os atores de um sistema de relações de trabalho compreendem três tipos de hierarquia ou organização: trabalhadores, administradores e agências governamentais ou privadas especializadas. A hierarquia de trabalhadores é composta de organizações complementares ou rivais formalmente estabelecidas, tais como sindicatos, associações, clubes, conselhos e organizações políticas, e formas pouco ou “não organizadas” em que os trabalhadores podem tratar coletivamente de seus interesses. Dunlop recorda que, em qualquer empreendimento produtivo permanente, os trabalhadores nunca estão inteiramente desorganizados. Quando um grupo de empregados trabalha junto por um determinado tempo, algum tipo de organização informal tende a surgir entre eles. Dentre as formas “pouco organizadas” ou “não organizadas”, o autor menciona, a título de ilustração, os círculos de qualidade, as comissões de prevenção de acidentes, os programas de participação de empregados, os grupos comunitários e os grupos formados espontaneamente para lidar com problemas específicos ou para reagir contra certos desenvolvimentos no local de trabalho. A hierarquia de administradores, por sua vez, não corresponde necessariamente ao proprietário dos ativos de capital. Os administradores podem ser públicos ou privados, ou uma combinação de ambos, ou seja, essa hierarquia inclui um leque variado de instituições. De acordo com o autor, em um dos extremos estão os empregadores privados individuais e as estruturas empresariais familiares; no outro, estão as grandes empresas multinacionais e as agências internacionais. A exemplo do que ocorre com a hierarquia de trabalhadores, a definição sobre qual hierarquia específica de administradores é relevante para o processo de formulação das normas depende, entre outros fatores, do nível ou escopo do sistema de relações de trabalho – se empresa, setor, nação, ou algum outro, como nos referiremos a seguir. Assim, a hierarquia que importa pode ser, entre outras, uma empresa privada, uma corporação pública ou associação (ou sindicato) patronal. Essencialmente, os atores relevantes dentro desse grupo são aquelas associações ou agrupamentos de empresas com poder (ou autoridade explícita, ou de fato) para participar no processo de tomada de decisões. Finalmente, as agências especializadas incluem os organismos governamentais que desempenham um papel no sistema de relações de trabalho, aos quais Dunlop confere maior atenção, bem como as agências especializadas criadas pelos outros dois atores. O autor afirma que, em algumas sociedades, essas agências podem ter um papel tão amplo e decisivo que chega a anular o poder das hierarquias de administradores e de trabalhadores em todas as questões. Já em outras, seu papel pode ser tão limitado que permite uma ampla liberdade de ação das ou- Livro.indb 16 03/02/2011 11:33:59 17 tras hierarquias. Essas organizações podem exercer as mais diversas funções, tais como resolução de disputas, treinamento, estabelecimento de salários, cuidados de saúde, provimento de pensões e aposentadorias, entre outras. A interação dos atores ocorre sob a influência de três contextos relevantes, a saber: tecnologia, mercados e distribuição do poder na sociedade em geral. Essas condições ambientais são, de acordo com o autor, decisivas na moldagem das normas estabelecidas em um sistema de relações de trabalho. O contexto técnico diz respeito às características do local de trabalho e às operações e às funções de trabalho. Segundo Dunlop, os locais de trabalho podem variar no tocante a diferentes aspectos: mobilidade, relação com a residência dos trabalhadores, duração do trabalho e tamanho da força de trabalho. Já o tipo de operação de trabalho refere-se ao conteúdo, ao ritmo e à jornada de trabalho. Dunlop sustenta que os fatores tecnológicos afetam a forma de organização de administradores e empregados, os problemas colocados para as administrações e as características requeridas da força de trabalho. Os fatores tecnológicos colocam diferentes problemas a administradores e empregados e, ao mesmo tempo, limitam o rol de soluções factíveis para esses problemas, resultando em que diferentes ambientes tecnológicos determinam o aparecimento de normas distintas. O contexto dos mercados compreende o mercado do produto, as limitações orçamentárias com que se defrontam as empresas e o mercado de trabalho. O mercado de produto pode variar conforme o caráter da concorrência (concorrência pura, oligopólio, monopólio) e o tipo de mercado (local, nacional, internacional; protegido ou exposto à concorrência). Já no caso de organizações produtivas cujos meios financeiros dependem, no todo ou em parte relevante, de transferências de recursos tributários, sua capacidade de financiamento está vinculada menos (ou não está vinculada) ao seu desempenho de mercado do que às suas limitações orçamentárias. Esse tipo de contexto inclui, por fim, as características da força de trabalho, tais como as étnicas, culturais, religiosas, nível de instrução e qualificação. O contexto dos mercados incide decisivamente no grau de liberdade no estabelecimento das normas, sendo particularmente relevante para questões como as de remuneração da força de trabalho, do timing de revisão das normas, da duração das normas e do treinamento da mão-de-obra. Finalmente, o contexto do poder se refere à distribuição do poder dos atores na sociedade. Isso se reflete, de acordo com Dunlop, no seu prestígio, posição e autoridade, afetando indiretamente a interação dos atores em um sistema ao contribuir para sua estruturação. O autor assinala que, de modo geral, a distribuição Livro.indb 17 03/02/2011 11:33:59 18 do poder é decisiva na definição do status dos atores, ou seja, suas funções e formas de interação, sendo particularmente importante na determinação da função das agências governamentais especializadas. As funções e as formas de interação prescritas podem ser impostas “de fora” pela sociedade (como é o caso da legislação em um sistema empresarial), ou ser criadas pelo próprio sistema de relações de trabalho e, então, ser sancionadas ou reconhecidas pela comunidade. O terceiro elemento constitutivo de um sistema de relações de trabalho, a ideologia, refere-se ao conjunto de ideias e de crenças compartilhadas pelos atores. De acordo com o teórico Dunlop, a ideologia define o papel e o lugar de cada ator, bem como as ideias que cada ator tem a respeito de seu lugar e do lugar dos outros na sociedade. Ela tem a função de integrar o sistema de relações de trabalho. Além disso, um sistema, para ser estável, requer congruência ou compatibilidade, em algum grau, entre as visões ou ideologias de cada ator. O último elemento do sistema de relações de trabalho, a teia de normas (web of rules), é o resultado da interação dos atores ou a variável dependente do modelo. As normas abrangem uma ampla variedade de meios de expressão. Podem aparecer como obrigações formalmente estabelecidas em regulamentos e políticas da hierarquia de administradores, em regras de qualquer organização de trabalhadores, na legislação do trabalho, em decretos ou em outros tipos de decisão governamental, em decisões de tribunais, em decisões de agências especializadas criadas pelas hierarquias de administradores ou de trabalhadores, ou em acordos estabelecidos através de negociação coletiva. Incluem, ainda, os costumes e tradições da comunidade de trabalho. Além das várias formas de expressão das normas, o autor igualmente as distingue, conforme o objeto de sua regulação, entre normas substantivas e normas de procedimento. As primeiras incluem as normas que regulam as compensações (remuneração) em todas as suas formas, os deveres e as performances esperadas de trabalhadores e as normas que definem os direitos dos trabalhadores. As segundas incluem os procedimentos para o estabelecimento de normas e os procedimentos para decidir a sua aplicação a situações particulares.11 A autoridade dos atores e os procedimentos para estabelecer normas são aspectos cruciais de um sistema de relações de trabalho. As normas de procedimento constituem um produto das políticas públicas, da história e das tradições 11 Goodman et al. (1975, p. 24, tradução dos autores), em sua detalhada elaboração sobre o conceito de normas na teoria das relações de trabalho com base no IRS e em Flanders (1970), assinalam a natureza distinta dos dois tipos de normas ao sintetizar que “normas substantivas definem os postos de trabalho, enquanto normas de procedimento regulam o processo de elaboração normativa”. Livro.indb 18 03/02/2011 11:33:59 19 de um país, sendo consideravelmente uniformes no espaço nacional e relativamente estáveis ao longo do tempo. Ainda de acordo com Dunlop, a relevância das normas de procedimento é tal que se poderia distinguir um sistema de outro através da identificação do modo pelo qual as relações de trabalho são reguladas em uma dada realidade. Por exemplo, um sistema nacional em que a legislação estatal tenha proeminência no marco normativo, enquanto uma função de menor importância é cumprida pela negociação coletiva entre empresas e sindicatos, é fundamentalmente diferente de um sistema em que a negociação coletiva exerce um papel relevante, quer seja este principal, quer seja complementar, na regulação da relação de emprego. A definição do grau de importância ou da autoridade dos atores na regulação das relações de trabalho está diretamente relacionada com a distribuição do seu poder na sociedade, vale dizer, com aqueles aspectos que Dunlop (1993) julga decisivos para a definição do status dos atores. E a autoridade é associada ao uso legítimo do poder. Salamon (1998) esclarece que o conceito de poder é empregado em dois sentidos: o primeiro consiste na capacidade de alguém controlar os outros, de dar ordens, de impor instruções ou regulamentos para outros; o segundo, na capacidade de influir na tomada de decisões de outros. Essa influência pode se exercer através da capacidade de forçar mudanças nas decisões de outros, ou na capacidade de gerar uma influência implícita que pode ser parte integral do ambiente que é levado em conta por outros no processo de tomada de decisões.12 O conceito de sistema de relações de trabalho pode ser útil para analisar o processo de regulação das relações de trabalho em diferentes níveis. Assim, o escopo de um sistema pode abranger uma sociedade nacional, quando estaríamos tratando de um sistema nacional de relações de trabalho; pode, igualmente, referir-se às relações de trabalho em um setor de atividade econômica ou em uma região; e, finalmente, o sistema pode abranger um grupo econômico ou uma única empresa ou estabelecimento. Como assinala Dunlop (1993, p. 12, tradução dos autores), O conceito de sistema é formulado para exprimir duas ideias: o escopo ou contorno de um sistema pode variar conforme o foco se direcione para uma nação, setores de uma economia, ou unidades menores coerentes; e o sistema indica um forte sentido de interdependência interna. Uma hipótese de Dunlop (1993) é que, quanto menor o escopo do sistema, maior o contexto e, por conseguinte, maior o peso do ambiente externo sobre 12 De acordo com Edwards (1995), o estabelecimento de normas no lugar de trabalho e na comunidade de trabalho constitui um processo social complexo que depende do poder, do conhecimento e da organização dos atores. Livro.indb 19 03/02/2011 11:33:59 20 a ação dos atores. Assim, por exemplo, em sistemas de relações de trabalho no âmbito de empresa ou grupo empresarial, os fatores ambientais dos mercados e da legislação seriam decisivos na formulação das normas, ao passo que, quando o sistema de relações de trabalho se confunde com o espaço nacional, os mercados perdem relevância relativa como um elemento do contexto e a própria legislação passa à condição de variável dependente13. Contextos e Normas Considerados os quatro elementos que compõem um sistema de relações de trabalho, é na relação entre os contextos e a elaboração de normas que Dunlop (1993) concentra a atenção quando procura detalhar sua teoria. As condições técnicas do local de trabalho e da comunidade laboral, juntamente com os mercados e a distribuição de poder na sociedade, formam os contextos nos quais atuam, em processo de influência recíproca, administradores, trabalhadores e organismos governamentais. Assim, em sua obra, após apresentada a estrutura de um SRT, o autor dedica três capítulos às relações entre contextos e regulação, sendo um capítulo para cada contexto específico. Nesta seção, mantemos a ordem da exposição de Dunlop e sistematizamos as principais ideias do autor quanto à influência exercida pelos contextos técnicos, dos mercados e do poder sobre a formulação de normas. Tecnologia O enquadramento teórico do sistema de relações de trabalho realizado por Dunlop toma a tecnologia como uma dimensão indissociável das demais que compõem os contextos do sistema. Mercados, poder e tecnologia estão mutuamente referidos e a tentativa de conhecer qualquer uma dessas dimensões do contexto e seus impactos deve considerar a influência que uma exerce sobre a outra. A separação possível dá-se no plano analítico, compreendendo que o recorte que separa uma dimensão singular das demais é, para Dunlop (1993), sempre arbitrário. O contexto técnico é o objeto do capítulo 2 do IRS. A análise que tem como foco os atores significativos de um SRT em sua produção normativa pressupõe a incorporação das dimensões integrantes dos contextos nos quais se desenrolam as interações entre os atores. A supressão dessas dimensões equivaleria a admitir, erroneamente, segundo Dunlop (1993), que 13 Podemos arguir, em conformidade com o IRS, que, nesse caso, a legislação pré-existente deveria ser considerada um dos elementos de contexto de um sistema no qual os atores decidem sobre normas que se exprimem, entre outras formas, através de nova legislação. Livro.indb 20 03/02/2011 11:33:59 21 as práticas dos atores ocorrem em um vazio. O autor aponta algumas proposições gerais quanto ao contexto técnico: a) É sempre singular em cada sistema de relações de trabalho e é definido por muitas variáveis particulares; b) É decisivo para a criação das normas por parte dos atores; c) Importa, também, para definir a forma e o funcionamento das hierarquias e as interações entre os atores; e d) É dinâmico; portanto, as mudanças ocorridas no plano tecnológico tendem a alterar o tecido normativo, a organização das hierarquias e o funcionamento do sistema de relações de trabalho. Dunlop observa que as sociedades industriais produzem uma gama de atividades produtivas diferenciadas, ensejando vários contextos técnicos nos quais a atividade laboral transcorre e se modela. O trabalho operatório, as hierarquias e as normas nos locais de trabalho são alvo das possibilidades e dos constrangimentos da conformação técnica de cada segmento produtivo, de cada local de trabalho. Para o autor, no entanto, tomar, em primeiro lugar, o contexto técnico como uma dimensão inescapável do sistema “não implica um determinismo rígido ou uma forma de predestinação social [...]. O contexto técnico é só uma parte do contexto global e interage de diferentes maneiras com os dois outros aspectos”. (DUNLOP, 1993, p. 63, tradução dos autores). A caracterização do contexto técnico é feita a partir de sete facetas. As quatro primeiras são relativas à caracterização dos trabalhadores e dos empresários com respeito ao tipo de local de trabalho e as três últimas compreendem as operações ou funções que os atores executam. Facetas Relativas ao Tipo de Local de Trabalho I. Lugar de trabalho fixo ou variável: o local de trabalho, se fixo ou variável, traz implicações diferenciadas para a conformação da organização do trabalho e as hierarquias e, por consequência, afeta as normas do sistema de relações de trabalho. II. Relação do lugar de trabalho com a residência: possuir ou não mo- Livro.indb 21 03/02/2011 11:33:59 22 radia própria, situar-se perto ou longe do local de trabalho, existir residências disponíveis em quantidade suficiente, são fatores que importam para as relações de trabalho. O contexto técnico pode implicar, também, que a residência, pelo menos durante algum intervalo de tempo, seja móvel, a exemplo do que ocorre no setor marítimo e em certos tipos de construção ou de trabalho agrícola. Neste sentido, um conjunto de demandas diferenciadas é acionado, tais como local para dormir provisoriamente, aluguéis, médicos, transporte, pagamentos especiais. III. Força de trabalho estável ou variável e operações de trabalho: o contexto técnico também pode condicionar quanto à duração e intensidade das operações de trabalho e à composição do grupo de pessoas no trabalho. Assim, as operações de trabalho podem ser de curta duração e sua frequência pode ser baixa ou alta. Ou, diferentemente, podem ser contínuas, mas com variações no volume de trabalho, podendo dar lugar a um núcleo estável e a um segmento flutuante de trabalhadores. Toda mudança na estabilidade ou na variabilidade do local de trabalho dá lugar a novas normas e estruturas organizacionais. IV. O tamanho do grupo de trabalho: as sociedades industriais comportam experiências tão variadas quanto o trabalho individual e a agregação de milhares de trabalhadores em um único local de trabalho. A maior ou menor formalização das normas, a estratificação das hierarquias dos atores, os problemas de comunicação interna, as escalas salariais por ocupação, os processos internos de tomada de decisão, a avaliação das tarefas, todos estes aspectos são afetados pelo tamanho do grupo de trabalho. As obrigações e o conhecimento gerencial requerido dos administradores também variam conforme o tamanho da empresa. Facetas Relativas às Operações ou Funções Realizadas pelos Atores V. O conteúdo da tarefa: esta faceta refere-se à natureza do trabalho efetuado. O contexto técnico influencia o conteúdo operatório dos trabalhos efetuados em cada local de trabalho e a distribuição de cada tipo de trabalho. As normas nos locais de trabalho são forte- Livro.indb 22 03/02/2011 11:33:59 23 mente impactadas pelas mudanças no conteúdo das tarefas. Riscos de acidentes, regras e equipamentos de segurança, velocidade de funcionamento das operações e regramentos disciplinares, entre outros aspectos, estão relacionados com o conteúdo das tarefas. O conteúdo mais ou menos especializado das tarefas traz consequências, também, quanto aos aspectos formativos no sistema de emprego. A tarefa é tão importante que o lugar estratégico que um grupo de trabalhadores ou de administradores ocupa na empresa ou na comunidade pode ser afetado por uma modificação de seu conteúdo operatório. VI. Relação com máquinas ou com clientes: os locais de trabalho podem comportar distintas operações de trabalho. Na indústria, um trabalhador pode operar exclusivamente com ferramentas e essa operação pode ser simples ou complexa. As operações podem, ainda, ser realizadas por meio de máquinas, transcorrendo, por exemplo, em uma esteira móvel nas quais os tempos e os movimentos são determinados pela máquina. Já no setor de serviços, em lugar dos equipamentos, o trabalho tem normalmente como foco de atenção o cliente, como em um restaurante ou em uma loja. Todas estas circunstâncias importam para a definição de distintas normas, dos modos de relacionamento entre os atores e dos diferentes processos formativos. VII. Os horários e os turnos do local de trabalho: o contexto técnico pode influenciar o número de horas que o local de trabalho deve operar. Produção em processos contínuos ou em processos discretos pode demandar, por exemplo, uma organização específica dos turnos de trabalho. Por conta disso, as normas serão diferenciadas quanto, por exemplo, à autoridade para mudar a escala horária ou instituir novos turnos, aos critérios usados para decidir quanto à alocação de trabalhadores e gerentes nos diferentes horários e às taxas de remuneração extraordinária. Assim como todas as demais facetas do contexto técnico, o número de horas de funcionamento do local de trabalho também é um elemento dinâmico cuja variação conduz a mudanças nas normas. Ao abordar o contexto técnico do lugar de trabalho, Dunlop (1993) procura dar relevo às implicações da tecnologia para a conformação das normas em um determinado sistema de relações de trabalho. Além disso, o contexto técnico Livro.indb 23 03/02/2011 11:33:59 24 atua na organização das hierarquias dos atores, bem como no padrão de interação entre essas hierarquias. A maior ou menor proximidade entre os operários, a maior ou menor homogeneidade técnica, a facilidade ou dificuldade em substituir os operários, a existência ou não de processos produtivos com maior ou menor vulnerabilidade estratégica afetam, também, as relações de poder no interior do sistema. Em qualquer caso, as condições técnicas não determinam, isoladamente dos demais contextos, o conjunto normativo, a organização das hierarquias e as interações entre os atores. Mercados O segundo contexto de um sistema de relações de trabalho, enfocado por Dunlop (1993) no capítulo 3 do IRS, é designado como o contexto dos mercados ou das restrições orçamentárias14. Ele inclui o mercado do produto, o mercado de trabalho, o mercado de insumos e os limites orçamentários. A definição de quais são os mercados ou orçamentos específicos relevantes para a determinação das normas depende, antes de tudo, do nível do sistema de relações de trabalho. Além disso, há que se considerar, especialmente quando se trata de sistemas em nível de planta ou de empresa, a propriedade do capital ou setor a que pertence a unidade de produção, se público ou privado, pois, em geral, a competição em mercados do produto é menos importante, ou absolutamente não o é, no caso de unidades controladas ou de propriedade do Estado. Nessas unidades, particularmente quando seus produtos não são vendidos por um preço economicamente significativo, o contexto relevante é o das restrições do orçamento público. De modo similar ao contexto técnico, a operação dos mercados influencia a determinação das normas não apenas de modo direto, nos processos decisórios, mas ainda indiretamente ao afetar a organização interna dos atores e o modo como estes se relacionam entre si. Em sua análise, Dunlop (1993) desenvolve essas associações, em primeiro lugar, ao considerar o mercado do produto e as restrições orçamentárias, e, posteriormente, o mercado de trabalho. O mercado de insumos, entretanto, não chega a merecer um comentário mais detalhado do autor. A relação básica sugerida por Dunlop (1993) quanto ao mercado do produto é que o poder discricionário dos atores na determinação das normas em um sistema de relações de trabalho depende do grau de controle que as unidades de produção, individualmente ou em âmbito setorial, exercem sobre o preço e outros aspectos da venda do produto. Portanto, a posição competitiva da unidade de 14 Daqui em diante, utilizaremos a expressão “contexto dos mercados” indistintamente, salvo quando for necessário singularizar as restrições orçamentárias ou algum tipo de mercado em especial. Livro.indb 24 03/02/2011 11:33:59 25 produção é decisiva na fixação das normas. O paralelo desse aspecto de controle, no caso de unidades do setor público, estaria no grau em que os atores conseguem influenciar os processos orçamentários, de modo a abrandar as restrições que pesam sobre seus sistemas singulares de relações de trabalho. Dunlop (1993) não avança significativamente no desenvolvimento teórico dos fatores que, ao determinarem a posição competitiva das unidades de produção, afetariam também a regulação da relação de emprego. Neste aspecto, ele apenas menciona genericamente alguns determinantes da posição competitiva das empresas segundo a ótica de estudos da organização industrial – número de concorrentes no mercado, liberdade de entrada, grau de homogeneidade do produto, disponibilidade de produtos substitutos, fontes alternativas de oferta e grau de essencialidade do produto. Mais ainda, uma importante lacuna no texto de Dunlop (1993) refere-se à falta de qualquer abordagem sobre a questão das estratégias competitivas das empresas e o modo como influenciam as relações de trabalho. Mais rico do que o desenvolvimento lógico é a série de ilustrações com que o autor procura evidenciar a associação entre o controle de mercado ou de orçamento e a definição de normas. À guisa de exemplo, algumas das proposições expostas nessas ilustrações são as seguintes: a) Diferenças crescentes e pronunciadas nas condições competitivas das empresas tendem a enfraquecer os contornos prévios de igualdade salarial ou de uniformidade na mudança dos salários; b) Os atores de um sistema podem buscar a fixação de políticas públicas que alterem as condições de competição no mercado de produto e, consequentemente, aumentem seu poder discricionário na fixação de regras; e c) Em sistemas de relações de trabalho vinculados a mercados instáveis, onde ocorrem variações substanciais nas condições econômicas em períodos curtos, os atores costumam firmar compromissos por períodos também relativamente curtos. Além de sua importância para a determinação das normas, o contexto do mercado do produto age na própria configuração do sistema de relações de trabalho. Assim, “empresas que confrontam mercados do produto idênticos ou relacionados de modo muito próximo tendem a compor um mesmo sistema de relações de trabalho ou seus sistemas são fortemente relacionados e interdepen- Livro.indb 25 03/02/2011 11:33:59 26 dentes”. (DUNLOP, 1993, p. 92, tradução dos autores). Nessas empresas, há uma propensão à maior homogeneidade das normas aplicáveis à relação de emprego do que entre empresas participantes de mercados distintos. Quando há um sistema de relações de trabalho em nível setorial, a adesão de uma empresa singular às normas que prevalecem no sistema provê um padrão que reduz a ação arbitrária da empresa, restringe seu poder discricionário e orienta as regras do local de trabalho com referência às de um grupo de outras empresas. As mudanças que ocorrem no mercado do produto podem, logicamente, alterar o escopo do sistema de relações de trabalho e, no limite, desintegrar um sistema setorial pré-estabelecido. Duas características-chave do contexto mercantil são (i) o grau de similaridade ou homogeneidade na posição de mercado e na estrutura de custo das empresas que constituem o sistema e (ii) o tamanho das empresas. Quanto mais similares a posição no mercado e os custos, tanto mais uniformes as normas e mais centralizado o processo de sua fixação. Já a variedade nessas condições levará a uma normatização menos uniforme e a processos decisórios descentralizados, à exceção dos casos em que uma firma-líder ou a ação estatal impuserem extrema centralização no processo de elaboração das normas. No setor público, a extrema centralização é comum, com regulamentos que preveem normas para uma ampla diversidade de locais de trabalho. No setor privado, contudo, normas uniformes estabelecidas de modo formal em contextos de mercado diversificados padecem de uma natureza genérica, o que deixa as previsões mais detalhadas para definição em espaços descentralizados. Quanto ao tamanho das empresas, Dunlop (1993) afirma que as empresas de maior porte vivenciam uma necessidade maior de formalização das normas, uma maior complexidade da rede de comunicação dentro das hierarquias de administradores e trabalhadores e uma necessidade de contratar pessoal especializado na formulação e administração das normas. Há, nessas empresas, ainda, uma propensão a levar em conta questões de relações públicas na interação entre administração e trabalhadores, e é comum alguma participação mais direta do governo no processo de elaboração normativa. Quando as grandes empresas possuem mais de um estabelecimento, surgem problemas relacionados ao equilíbrio das condições de trabalho e à uniformidade das regras da empresa. Outra questão levantada por Dunlop (1993) refere-se à relação entre o ritmo de expansão do mercado do produto no longo prazo e os problemas enfrentados pelas empresas, os quais exigiriam soluções específicas para as relações de trabalho. No caso das empresas que experimentam expansão secular da demanda por seu produto, é bastante provável haver uma expansão concomitante do emprego. Sur- Livro.indb 26 03/02/2011 11:33:59 27 gem, portanto, problemas relacionados, por exemplo, a recrutamento, contratação e treinamento; ao desenvolvimento de padrões de trabalho e de normas disciplinares; a regras de segurança para novas tecnologias; e à organização das hierarquias de trabalhadores e administradores. Já nas empresas com contração secular da demanda pelo produto e, provavelmente, do emprego, os problemas envolvem a indenização por despedida; os procedimentos no caso de fechamento de operações; a transferência de trabalhadores entre unidades de diferentes regiões; e planos de cooperação entre sindicatos e a administração para conter o declínio. As relações entre o mercado de trabalho e a teia de normas ocupam um espaço de menor grandeza na exposição de Dunlop (1993). O autor propõe que as normas são afetadas por características específicas da força de trabalho presente e potencial, pelo grau de severidade do mercado de trabalho e pela razão entre os custos do trabalho e o custo total. Dentre as características relevantes da força de trabalho elenca-se seu grau de diferenciação pessoal quanto a etnia, idioma, nacionalidade, raça e filiação religiosa e cultural; as características da área onde é recrutada – por exemplo, o caso de trabalhadores agrícolas sem experiência industrial –; e as relações sociais e experiências das comunidades locais – por exemplo, o grau de tensão e conflito na comunidade. A par dos atributos pessoais e de outros aspectos atinentes a características estruturais da oferta de trabalho, as condições de maior ou menor escassez dessa oferta – e, portanto, de menor ou maior desemprego –, especialmente para as habilidades e ocupações mais relevantes, também influenciam a formulação das normas. Em geral, mercados com maior grau de severidade tendem a desenvolver maior uniformidade normativa entre diferentes unidades de produção na mesma região. E uma mudança nas condições de oferta e de demanda de trabalho afeta o processo de formulação das normas, ainda que a transmissão não ocorra de modo instantâneo, exigindo um período de maturação para também se manifestar em mudança normativa. Dunlop (1993) reserva para o final do capítulo uma discussão bastante interessante sobre a escolha do sistema de relações de trabalho de que fará parte uma empresa ou unidade de produção. O contexto dos mercados joga um papel decisivo nessa escolha. Segundo Dunlop (1993), a preferência da administração normalmente recai sobre empresas ou locais de trabalho sujeitos a condições semelhantes de mercado de produto, ao passo que os representantes dos trabalhadores preferem se associar a sistemas com semelhanças de mercado de trabalho e com normas mais favoráveis. Não há uma maneira simples de resolver esse conflito de preferências, sendo possível imaginar-se uma variedade de soluções de compro- Livro.indb 27 03/02/2011 11:33:59 28 misso, desde que nenhum dos atores se mostre altamente insatisfeito. No caso de uma forte disjunção entre os contextos e o sistema de relações de trabalho, é de se esperar que administradores e trabalhadores, conforme seus recursos específicos, forcem uma mudança no sistema – por exemplo, os administradores podem liquidar a unidade de produção ou mudar o tipo de produto para compatibilizá-lo com as condições de concorrência; os trabalhadores podem realizar operações-padrão. Poder Algumas normas – como é o caso dos direitos das organizações dos atores, do direito de greve e lockout, da resolução de disputas, bem como das regras que determinam a formação e as funções das comissões de fábrica ou dos delegados sindicais – relacionam-se apenas remotamente com os contextos técnicos e de mercado. Esses tipos de regras são derivados, segundo Dunlop (1993), do contexto do poder, entendido como sendo a cristalização de uma dada distribuição do poder em uma sociedade. Ao analisá-lo, no capítulo 4 do IRS, o autor afirma que esse elemento do ambiente afeta o status dos atores e os procedimentos para o estabelecimento e a administração das normas em um sistema de relações de trabalho. Tal como já foi destacado anteriormente, uma dada distribuição de poder na sociedade configura uma situação de status dos atores, que, por sua vez, afeta a autoridade dos mesmos no estabelecimento e na administração das normas. O status refere-se ao complexo de normas que define o inter-relacionamento formal dos atores em um sistema. Mais precisamente, o status é definido como as funções prescritas para os atores e suas relações com os outros atores no mesmo sistema. Essas funções e relações podem ser impostas pela comunidade – como é o caso da legislação em um sistema nacional – ou podem se desenvolver dentro de um sistema e, então, podem ser confirmadas por sanções ou reconhecimento da comunidade. Diferentemente das regras derivadas dos contextos técnicos e de mercado, as normas que definem o status do atores constituem traços consideravelmente uniformes e estáveis ao longo do tempo dentro de um sistema nacional de relações de trabalho. Esse tipo de norma é a que apresenta maiores diferenças entre os países; por essa razão, é utilizado tanto para caracterizar os sistemas nacionais de relações de trabalho singulares quanto para compará-los entre si. Dunlop identifica três situações quanto ao status dos atores: o status dos empregados e suas organizações; o status das organizações de empregadores (ou administradores); e o status das agências governamentais. O status dos trabalha- Livro.indb 28 03/02/2011 11:34:00 29 dores e suas organizações, em um sistema nacional, é descrito como uma rede de inter-relações com a hierarquia de empregadores, as organizações de trabalhadores rivais ou potencialmente rivais e as agências governamentais, assim como também se refere à organização interna da hierarquia. O autor afirma que o status dos empregados em relação aos administradores apresenta um amplo leque de situações. Em alguns sistemas qualquer forma de organização dos trabalhadores é proibida, enquanto em outros elas são permitidas ou toleradas. O leque de situações inclui casos em que a permissão para o reconhecimento formal dessas entidades de parte dos administradores depende de registro oficial, de certificação, de aprovação ou de designação do governo. O reconhecimento formal pode ser compulsório, em conformidade com os acordos estabelecidos nacionalmente, com as decisões governamentais, ou com os regulamentos empresariais. O status das organizações de trabalhadores é, igualmente, expresso nas funções prescritas para sindicatos, conselhos de empresa ou para outros tipos de organização trabalhista. Em alguns países essas funções podem ser muito restritas, ao passo que em outros elas podem contemplar um vasto conjunto de obrigações e responsabilidades. As relações entre uma organização de empregados e organizações rivais e o modo de operar interno à organização podem ser deixados inteiramente à decisão dos trabalhadores ou podem ser prescritos pelos governos. Finalmente, há casos em que o governo tem poder de intervir, em grau variado, nos assuntos internos das organizações de trabalhadores, de controlar suas finanças, de colocar limites à sua formação, de dissolver as organizações existentes, ou de melhorar ou ampliar sua situação e funções na sociedade. O status das organizações de empregadores é definido como a rede de inter-relações com os trabalhadores e suas organizações (quando estas existem), com as hierarquias de administradores rivais e com as agências governamentais. O status das organizações patronais em relação às de trabalhadores reflete-se na natureza da autoridade exercida pelos administradores sobre os trabalhadores nos locais de trabalho. Aqui o foco recai sobre o caráter da determinação de normas pelos administradores, e não sobre a filosofia ou ideologia administrativa. O espectro dos SNRT inclui desde países em que há pouca ou nenhuma restrição à autoridade patronal até aqueles em que sua autoridade é fortemente constrangida pelas organizações de trabalhadores, pelos governos e mesmo pelas associações patronais. O status das organizações de empregadores varia de sistema para sistema. Em alguns países essas entidades competem entre si pela autoridade de estabelecer acordos com trabalhadores, para representar os empregadores nos tribunais, ou para ter assento em comitês ou comissões governamentais. As regulamentações governamentais tipicamente estabelecem se as associações de administrado- Livro.indb 29 03/02/2011 11:34:00 30 res têm direito exclusivo para fazer acordos com as organizações de trabalhadores em um setor ou localidade, ou se elas estão sujeitas à competição aberta de outras. Essas regulações também estabelecem as condições do registro dessas entidades para fins de representação dos interesses dos empregadores em tribunais. O status das associações de empregadores em relação ao governo se refere ao grau de participação do governo na atividade produtiva. Nos diversos países há uma combinação, em graus variados, do público e do privado. Em um extremo do espectro estão os sistemas em que há uma larga predominância das empresas privadas, enquanto no outro estão as sociedades em que o setor público cobre quase inteiramente a economia. Dunlop menciona diferentes situações em um mesmo mercado do produto onde empresas públicas podem competir com empresas privadas. Os empreendimentos podem ser organizados na forma de utilidades públicas (public utilities) e podem estar sujeitos à regulamentação governamental quanto às principais decisões, inclusive as relacionadas com os trabalhadores. Outro tipo são as empresas mistas, que combinam capital privado e estatal, as quais estão sujeitas, em diferentes graus, ao comando governamental. A condição das empresas – e, por conseguinte, dos administradores – em relação ao governo afeta suas relações com os trabalhadores. Assim, quando os empregadores são mais suscetíveis às pressões das autoridades governamentais abrem-se perspectivas para as organizações de trabalhadores influenciarem os administradores. Finalmente, o status das agências governamentais diz respeito ao seu papel na determinação de normas substantivas diretamente ou através da determinação de normas para a interação entre empregadores e empregados. Isso inclui o direito de greve e de lockout, o acordo coletivo, a sentença normativa ou a regulação substantiva do lugar de trabalho pelo governo, bem como sua extensão e os procedimentos para sua administração e aplicação a casos particulares. Os aspectos-chave considerados por Dunlop constituem a estabilidade e o grau de previsibilidade das normas, os quais se associam ao tipo de governo e à conjuntura. De um lado, estão os governos democráticos ou constitucionais que seguem normas, tradições ou práticas costumeiras. No lado oposto estão os regimes ditatoriais nos quais as decisões podem ser arbitrárias e os dirigentes não são restringidos por normas constitucionais. Outro aspecto que afeta a produção das normas são os períodos de instabilidade política (como guerras), nos quais tende a crescer o papel do governo nas relações de trabalho. Quanto ao papel do governo no estabelecimento de normas de forma direta, os tipos de normas incluem as leis, as sentenças dos tribunais e as decisões de agências administrativas, a permissão para o ajuste de alguns tipos de normas Livro.indb 30 03/02/2011 11:34:00 31 em acordos coletivos e a formulação de regras por empregados e empregadores que exigem aprovação governamental prévia para serem colocadas em prática. Já no que se refere aos procedimentos formais para a resolução das disputas de interesse entre as partes, tal como no caso das normas substantivas, o regramento pode ser semelhantemente estabelecido por lei, por sentenças dos tribunais, nos acordos coletivos, ou, ainda, pode ser proposto pelas partes e submetido à aprovação governamental. O autor assinala que alguns tipos de normas são estabelecidos centralmente pelas autoridades governamentais – por exemplo, as pensões e as aposentadorias –, enquanto outras, tais como as normas relativas a disciplina ou a transferências, podem ser (ou exigem que sejam) fixadas em esferas menos centralizadas. O ponto essencial, não obstante, é que algumas normas necessitam ser determinadas centralizadamente e, portanto, devem ser estabelecidas pelo governo. Quando problemas especiais (more specialized problems) se tornam objeto de determinação centralizada, as regras são normalmente formuladas em termos gerais, ao passo que o conteúdo específico é remetido a níveis inferiores do sistema nos quais o governo desempenha um papel menos direto. A determinação centralizada das normas inclui, entre outras questões, as relações formais entre as organizações de empregados e de empregadores, os procedimentos para a resolução de disputas, a seguridade social, a fiscalização do trabalho e o salário mínimo. Desenvolvimento de Sistemas Nacionais de Relações de Trabalho Os quatro primeiros capítulos do IRS expõem os lineamentos básicos dos sistemas de relações de trabalho na obra de Dunlop (1993); neles, apresentam-se o conceito e a estrutura de um sistema e se discute a importância de cada um dos contextos para a definição da rede de normas. Os capítulos intermediários que lhes seguem ilustram o poder explicativo da abordagem sistêmica a partir de dois casos setoriais examinados sob um enfoque de estática comparativa. Esse enfoque, contudo, não encerra a exposição de Dunlop (1993). Conforme o próprio autor assinala, “perspectiva histórica e uma apreciação da mudança ao longo do tempo são essenciais para a teoria das relações de trabalho”. (DUNLOP, 1993, p. 227, tradução dos autores). Consequentemente, uma análise longitudinal é apresentada nos capítulos 7 e 8, a qual trata, respectivamente, do desenvolvimento de sistemas nacionais de relações de trabalho e das relações entre o desenvolvimento econômico e as normas do local de trabalho. Nesta seção, procuramos destacar os aspectos-chave da contribuição dunlopiana ao estudo dos sistemas nacionais de relações de trabalho. Livro.indb 31 03/02/2011 11:34:00 32 Dunlop (1993) inicia sua análise dos SNRT através do enunciado de duas hipóteses centrais: (i) “as características principais de um sistema nacional de relações de trabalho parecem fixar-se em um estágio relativamente inicial do desenvolvimento industrial de um país”; e (ii) “os estágios iniciais do desenvolvimento industrial são decisivos para a estruturação de um sistema nacional de relações de trabalho, excetuando-se os casos de recomeços em virtude de revoluções políticas”. (DUNLOP, 1993, p. 227, tradução dos autores). A formação do SNRT é afetada por fatores como a herança cultural específica do país, o estágio de seu desenvolvimento econômico, o momento da história mundial contemporâneo da formação do sistema, a sequência de mudanças políticas e sociais no país que antecedem a formação do sistema, e as características e objetivos das elites que lideram o processo de industrialização. Uma vez estabelecidas suas características estruturais, um SNRT experimenta certa inércia em sua trajetória, a qual é acompanhada por mudanças de ordem marginal, enquanto as mudanças de sistema dependem de rupturas políticas mais profundas. Alguns fatores específicos no curso do desenvolvimento econômico parecem incidir mais intensamente sobre a trajetória de um SNRT, isto porque “os atores experimentam mudanças que afetam seu status e as relações dentro do sistema”. (DUNLOP, 1993, p. 233, tradução dos autores). Uma lista de mudanças nas hierarquias de administradores e de trabalhadores e no governo que afetam diretamente as relações de trabalho inclui: alterações na rotatividade e no absenteísmo, reconciliação com a condição de força de trabalho industrial e o desenvolvimento de um corpo comum de ideias (ideologia) entre os trabalhadores individuais; maior proporção de técnicos e de trabalhadores especializados e de staff administrativo, gerencial e de nível superior na composição da força de trabalho, com requerimentos de treinamento mais intenso; organização de uma proporção maior da força de trabalho, aumento dos recursos e profissionalização de líderes das organizações de trabalhadores; tendência ao desenvolvimento de procedimentos formais para reivindicações trabalhistas e uso da greve e da ameaça de greve por meio de disciplina organizacional; surgimento de uma gerência profissional mais sensível para construir organizações e lidar com os trabalhadores nas empresas; fortalecimento do papel do governo, que se torna um importante empregador, regulador e executor de políticas; e, por fim, tendência à expansão de uma rede de normas detalhadas aplicáveis aos locais de trabalho. A par dos fatores associados às condições técnicas e de mercados ao período da história mundial em que se deflagra a industrialização, à sequência dos desenvolvimentos sociopolíticos e ao processo de desenvolvimento econômico do país, Dunlop (1993, p. 234, tradução dos autores) assinala que “uma influência Livro.indb 32 03/02/2011 11:34:00 33 final decisiva na evolução de um sistema nacional de relações de trabalho é a estratégia ampla da elite que dirige o programa de industrialização do país”. Em uma abordagem frequente nos anos 1950, o autor identifica três tipos ideais de elites – elite dinástica-feudal, elite de classe média e elite revolucionária-intelectual – e os associa a diferentes estratégias de industrialização.15 Em cada processo nacional específico de industrialização há dez questões principais com que se confrontam os arquitetos de um SNRT. Segundo Dunlop (1993, p. 235, tradução dos autores), “um sistema nacional de relações de trabalho desenvolve-se conforme a elite dirigente da sociedade mais ampla se confronta com essas questões comuns e gradualmente formula um corpo de respostas mais ou menos consistentes na prática”. Essas questões são as seguintes: I. Qual deve ser a relação da gerência com os trabalhadores? II. Qual deve ser a relação dos trabalhadores com a gerência? III. Qual a função das organizações dos trabalhadores? IV. Qual o grau de competição entre as organizações de trabalhadores que deve ser permitido? V. Qual será a estrutura do movimento dos trabalhadores? VI. Como as organizações dos trabalhadores serão financiadas? VII. Qual deve ser a fonte da liderança trabalhista? VIII. Que atitude deve ser adotada em relação ao conflito trabalhista? IX. Como as disputas serão resolvidas e quem deterá a balança de poder? X. Quais serão os campos de interesse dos especialistas universitários? Dunlop (1993) conclui sua análise ao expor, ainda que de forma bastante sintética, as respostas típicas de cada elite industrializante às dez questões principais. Assim, por exemplo, no que se refere à organização dos trabalhadores, a elite dinástica-feudal admitiria funções sociais em nível de planta, porém com fraca constrição sobre a gerência; a elite de classe média acomodaria um papel regula15 Esta análise é tratada com mais detalhes no Industrialism and Industrial Man. Ver, em especial, a síntese apresentada no capítulo X em Kerr et al. (1963). Livro.indb 33 03/02/2011 11:34:00 34 tório nos níveis local e de setor, com aceitação de independência política; e a elite revolucionária-intelectual as veria como um instrumento do partido para educar e liderar os trabalhadores, assim como para estimular a produção. A Ausência de Dunlop no Brasil: Comentário Exploratório O contraste entre a enorme influência exercida pelo Industrial Relations Systems nos estudos sobre as relações de trabalho em geral – particularmente nas comparações entre sistemas nacionais – e sua virtual ausência como referência explícita de pesquisa na academia brasileira merece um comentário, ainda que meramente exploratório, sobre as possíveis razões dessa ausência. A hipótese que sugerimos é a de que a limitada recepção de Dunlop no Brasil decorre de uma combinação entre dois fatores. O primeiro deles diz respeito à existência, em nosso país, de uma base fática consideravelmente diferente daquela em que vicejou o IRS, assim como diferente do objeto primordial de estudos do IR norte-americano desde meados dos anos 1930 – a saber, a regulação conjunta da relação de emprego por meio de negociação coletiva entre sindicatos e empresas. O segundo fator é o florescimento, nas escolas de economia e sociologia brasileiras, de estudos sobre o trabalho ancorados em tradições intelectuais opostas e/ou desinteressadas (e, em alguns casos, refratárias ao pensamento proveniente dos Estados Unidos) no método, no arcabouço conceitual e nas soluções normativas para lidar com as relações de trabalho segundo o IR. Não obstante a referência explícita irregular ao arcabouço dunlopiano na pesquisa brasileira e a falta de uma edição nacional do IRS – o que imediatamente contrasta com a expressiva presença editorial que a obra obteve em outros países, inclusive os de língua espanhola –, a expressão “sistemas de relações de trabalho” foi amplamente acolhida no Brasil em período mais recente, e hoje é de uso corrente em diferentes locus acadêmicos, profissionais e de representação de interesses que envolvem as relações de trabalho. Galvão (2002, p. 8-11), em sua nota bastante crítica ao conceito de Dunlop (1993), bem assinala que a expressão veio a se incorporar à literatura brasileira de fins dos anos 1990 através da economia do trabalho e do direito, com extensões a outras áreas da academia e da prática sindical.16 No entanto, a ampla acolhida da expressão “sistema de relações de trabalho”, tributária da obra de Dunlop (1993), não se traduziu necessariamente na recepção do enquadramento teórico por ele desenhado. O uso da terminologia sistêmica inscreve-se, majoritariamente, em uma perspectiva polissêmica que, no mais das vezes, não traduz a complexidade dos significados empregados pelo 16 As menções anteriores ao conceito de sistema na literatura especializada brasileira (e sobre o Brasil) são esparsas, podendo-se apontar os textos pioneiros de Mericle (1974); Rodrigues Netto (1983) e Pastore e Zylberstajn (1988). Em nenhum deles, todavia, há referência explícita a Dunlop (1993). Livro.indb 34 03/02/2011 11:34:00 35 autor; apenas remete à existência de relações de interdependência e de interpenetração das variáveis que concorrem para a explicação dos fenômenos ligados à relação de emprego. A abordagem do IR para as relações de trabalho, dentro da qual se deve situar o texto de Dunlop, tem suas origens mais próximas nas obras de Sidney e Beatrice Webb, na Grã-Bretanha, e de John Rogers Commons, nos Estados Unidos. Kaufman (2004), em sua mencionada história sobre esse campo de estudos, não apenas situa nos Estados Unidos o espaço de nascimento do IR, num processo que se desdobrou em múltiplas iniciativas acadêmicas e profissionais durante os anos 1920, como também demonstra que, pelo menos até a década de 1960, a difusão dessa tradição de pesquisa e de administração dos conflitos do trabalho se circunscreveu, basicamente, a um espaço anglo-americano (Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Nova Zelândia e Austrália). Com a criação da Associação Internacional de Relações de Trabalho (International Industrial Relations Association), em 1966, o campo de estudos viria a expandir consideravelmente suas fronteiras, encontrando adeptos em todos os continentes. Se tomarmos, portanto, os anos 1960 como um momento em que seria provável o ingresso da tradição do IR, em particular do IRS, no Brasil, é razoável supor que a obra de Dunlop não tenha merecido a devida atenção antes de tudo porque poderia ser-lhe atribuída uma certa incapacidade de lidar com o caso brasileiro. Nesse período, as bases do sistema brasileiro de relações de trabalho encontravam-se assentadas e correspondiam ao regime instituído nos anos 1930, notadamente um sistema marcado pelo forte intervencionismo estatal na regulação das relações trabalhistas em geral e na organização e na ação dos atores sociais. As entidades sindicais patronais e, sobretudo, de trabalhadores, careciam de liberdade para exercer plenamente sua função de representação de interesses e, portanto, para negociar livremente os termos da relação de emprego.17 Esse modelo contrastava fortemente com o modelo norte-americano pós-New Deal, caracterizado na literatura como um sistema de regulação baseado na negociação coletiva (collective bargaining-based industrial relations). Assim, quem quer que tenha recebido uma notícia sobre o IRS na década de 1960, pode muito bem ter descartado sua utilidade para o estudo do caso brasileiro sob a premissa de que a obra abordaria exclusivamente os sistemas em que a regulação conjunta e a hierarquia dos trabalhadores detenham alguma importân17 Mais recentemente, a partir de Noronha (1999, 2000), pesquisadores passaram a designar o modelo brasileiro como “legislado”, enfatizando a forte primazia estatal na criação da norma. Já Pichler (2002, 2009) utiliza a expressão “modelo estatutário de barganha” para destacar que, a par da primazia estatal, a partir de fins da década de 1970 ampliou-se, consideravelmente, a prática da negociação coletiva, alargando seu papel na regulação das relações de trabalho. Livro.indb 35 03/02/2011 11:34:00 36 cia para a definição das normas – o que se põe em visível contraste com um sistema em que a função de regulação das relações de trabalho se exerce pelo Estado por meio da lei, de uma justiça especializada e do controle sobre as organizações patronais e de trabalhadores, fazendo com que as demandas dos empregados e os conflitos trabalhistas em geral sejam encaminhados ao escrutínio de magistrados em vez de solucionados pelas partes por meio de processos negociados. Tal leitura sobre o objeto do IRS, ainda que em nosso entender se equivoque ao limitar sua abrangência a processos formalizados de negociação coletiva, estava em conformidade com o fato de a academia norte-americana concentrar seus estudos sobre as relações de trabalho justamente em temas sobre sindicatos e negociação coletiva. A identificação do IRS como sendo uma obra sobre sistemas de negociação coletiva, por mais que nos pareça equivocada, encontrou guarida em um sem-número de pesquisadores das relações de trabalho. Kaufman (2004, p. 254, tradução dos autores), por exemplo, escreve: [...] embora, em princípio, a noção de um sistema de relações de trabalho seja genérica e cubra todas as formas de relações de emprego, na exposição de Dunlop a ideia é grandemente contígua das formas coletivas e organizadas de relações de trabalho (por exemplo, sistemas de relações entre gerentes e o trabalho organizado). No Brasil, uma expressão dessa identidade está na afirmação de Melo e Carvalho Neto (1998, p. 39) de que “o modelo dunlopiano baseia-se no instituto da negociação coletiva”. Portanto, uma primeira explicação para o longo silêncio sobre o IRS no Brasil está na virtual ausência, até o final dos anos 1970, de regulação das relações de trabalho conjuntamente por empresas e sindicatos mediante negociação coletiva. Esse primeiro fator explicativo remete, ademais, à cultura política brasileira no que se refere ao modo de encarar o conflito trabalhista. No Brasil, atores relevantes da cena trabalhista apresentam um longo histórico de dificuldades para conviver com a pluralidade de interesses e o conflito inerente à relação de emprego. Há muito tempo o conflito é valorado negativamente, algo que deve ser eliminado, expurgado, absorvido pelo Estado. A necessidade da permanente ação direta do Estado sobre as relações de trabalho projeta-se como o fio condutor da prática política hegemônica no Brasil. Na versão getulista, essa necessidade foi sistematicamente reiterada, como ilustra o seguinte excerto de Getulio Vargas: Livro.indb 36 03/02/2011 11:34:00 37 A organização do trabalho, no sentido que se lhe deve dar, num momento conturbado e de profundas transformações sociais e econômicas como a atual, não pode realizar-se com proveito para as classes patronais e benefícios para os operários, senão mediante inteligente, ponderada e sistemática coordenação para conciliar e garantir os seus mútuos interesses [...] (HUMPHREY, 1982, p. 19). O esquema dunlopiano parte da premissa da legitimidade da organização e da ação dos atores na defesa dos seus interesses, não cabendo ao Estado um papel de tutela absoluta. De modo consistente com essa visão, Dunlop (1993) e seus companheiros da corrente institucionalista do trabalho posicionaram-se do lado oposto ao dos economistas da Escola de Chicago, que professavam a necessidade de eliminar a interferência nociva dos sindicatos na regulação da relação de emprego. Para os institucionalistas, a sociedade deve reconhecer os sindicatos como representantes legítimos dos trabalhadores. Portanto, o IRS poderia ser entendido não apenas como texto destituído de poder explicativo do caso brasileiro (dimensão teórica), mas também em completo desacordo com a prática política predominante no País para a solução dos conflitos do trabalho (dimensão de solução de problemas). A hipótese sobre a percepção de limitada utilidade do IRS em sua dimensão teórica reforça-se ao lembrarmos que, considerando os usos que Dunlop atribuía à sua obra – comparações entre setores de atividade e empresas num dado sistema, comparações entre sistemas nacionais de relações de trabalho no curso do desenvolvimento –, são exatamente os estudos sobre comparações internacionais que mais vêm se utilizando do arcabouço dunlopiano. Tais comparações, salvo muito recentemente, não atraíram a atenção da academia brasileira. O Industrial Relations Systems não teria recebido guarida na pesquisa brasileira não apenas em decorrência de sua suposta pouca utilidade para entender o País ou para prover soluções aos conflitos do trabalho diante do legado autoritário brasileiro, mas também porque importantes tradições teórico-metodológicas de estudos do trabalho na economia e na sociologia, em larga medida dominantes no Brasil dos anos 1960, não abrigavam os enfoques anglo-americanos do IR. No caso da economia, as duas principais vertentes de ensino e pesquisa sobre o mercado de trabalho inspiravam-se em fonte concorrente da abordagem sistêmica do IR – a economia neoclássica – ou aparentemente desinteressada nessa abordagem – o estruturalismo-marxismo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Quanto à primeira, basta referir que um dos principais fundamentos na criação do campo de estudos das relações de trabalho nos Estados Livro.indb 37 03/02/2011 11:34:00 38 Unidos esteve justamente na oposição, teórica e normativa, à premissa tipicamente neoclássica de que o trabalho é uma mercadoria similar a qualquer outra. Já em relação à tradição cepalina, não deixa de ser intrigante, dada a sua contiguidade, que a literatura da economia institucionalista do trabalho norte-americana do tipo IR não tenha recebido atenção igual à que receberam os teóricos dos mercados segmentados de trabalho. No campo da sociologia brasileira, cujos estudos sobre o trabalho haviam iniciado algumas décadas antes da publicação do IRS, as razões para seu fechamento a essa obra talvez sejam ainda mais claras, remetendo a uma crítica aos seus supostos conservadorismo e vínculo com o funcionalismo de Parsons (1951). É sabido que Dunlop concentra seus argumentos sobre o funcionamento dos sistemas de relações de trabalho nos marcos de uma economia industrial capitalista.18 Isso, no entanto, está obviamente longe de nos fazer crer que o arcabouço conceitual e as descobertas analíticas decorrentes de suas pesquisas empíricas sejam conservadores ou desprezíveis. Dunlop, ao acolher a ideia de conflito como algo inerente ao funcionamento das sociedades industriais, posiciona-se fora do que se poderia chamar de strong funcionalism, corrente hegemônica nas interpretações sociológicas da época. Essa corrente postulava que a coesão ou ordem social se dá como fruto de um consenso partilhado por todos, expurgando a ideia de conflito. Ao contrário do funcionalismo, a ideia de conflito – que coexiste com as ideias de cooperação e consenso – está presente no centro e opera como motivação do enfoque analítico e das perspectivas normativas de Dunlop para as relações de trabalho. E seu enfoque sistêmico sobre essas relações seguramente não é uma aplicação da teoria de Parsons sobre o funcionamento da sociedade.19 Lições do Industrial Relations Systems Transcorrido mais de meio século desde a edição pioneira do Industrial Relations Systems, mudanças na economia e na sociedade construíram um mundo do trabalho que em muitos aspectos difere daquele no qual Dunlop escreveu sua obra. Entre outras transformações representativas, as últimas décadas viram surgir um sem-número de inovações tecnológicas e organizacionais aplicadas à produção. Novos arranjos produtivos foram desenhados em todos os países industrializados e surgiram novas institucionalidades nas relações entre capital, trabalho e governo nos níveis micro, meso e macrorregulatórios. 18 Cabe lembrar, todavia, que o enfoque sistêmico propunha-se a explicar a criação de normas aplicáveis às relações de trabalho independentemente do modo predominante de produção. Dunlop e seus parceiros do Estudo Interuniversitário examinaram diferentes tipos de economia, neles incluídos os de planejamento central. 19 A propósito das diferenças entre Parsons e o enfoque sistêmico de Dunlop (1993), ver Wood et al. (1975). Livro.indb 38 03/02/2011 11:34:00 39 No entanto, é preciso ter presente que aquelas transformações não alteraram, completamente, todas as dimensões do trabalho. O novo coexiste com o velho; observam-se, também, continuidade, resiliência, inércia. A automação flexível, por exemplo, pode ter aplicação simultânea com os padrões organizacionais tipicamente tayloristas. Sindicatos de trabalhadores e patronais podem resistir em afastar-se da tutela estatal por força da cultura política presente em determinada formação social. Se o mundo do trabalho mudou, mas não é absolutamente novo, retomar o exame do IRS nos posiciona diante de questões como se nele ainda existem elementos analíticos relevantes para entender o mundo do trabalho e que elementos são esses. A obra de Dunlop (1993) merece ser destacada, primeiramente, em virtude da produção de uma reflexão sistemática e teórica sobre as relações de trabalho. Muito antes desse autor, ao longo de toda a modernidade ocidental, os estudos sobre o trabalho, seus atores e instituições estiveram presentes em vasta literatura. Porém, no IRS, as relações de trabalho são enquadradas na condição de um objeto de estudo particular – o sistema de relações de trabalho – com um corpo teórico próprio. Ainda que o resultado final permaneça aberto às mais variadas disputas, um mérito claro de Dunlop (1993) reside exatamente em sua insistência para com a necessidade de formulação teórica num campo de estudos, o do industrial relations, até então caracterizado por um excesso de estudos descritivos. Como o autor aponta no prefácio, este era um campo em que “os fatos vêm ultrapassando as ideias. Uma teoria integrativa tem ficado bem atrás da experiência em expansão”. (DUNLOP, 1993, p. x, tradução dos autores). Dunlop (1993) lançou-se, então, em busca de um arcabouço conceitual e teórico que permitisse interpretar esses fatos e práticas das relações de trabalho. Em sua busca de uma teoria geral, Dunlop (1993) amplia o escopo analítico das relações de trabalho. Estas são enquadradas como o resultado de uma diversificada teia de relações e interações, em um entendimento que supera abordagens que enfatizam dimensões particulares, como a técnica (Taylor) ou a psicossocial (Elton Mayo). No Industrial Relations Systems, as relações de trabalho inserem-se em um patamar de complexidade com múltiplos condicionantes e relações de interdependência. A empresa, conquanto seja o núcleo do sistema de produção e da relação de emprego, não é tomada como o locus exclusivo e insulado das relações de trabalho. As práticas das relações de trabalho, no arcabouço do IRS, sujeitam-se a imperativos de variada natureza, tais como técnicos, de mercado, ideológicos e de distribuição de poder. Através da abordagem sistêmica, o IRS valoriza as relações de interdependên- Livro.indb 39 03/02/2011 11:34:00 40 cia dos atores das relações de trabalho, quer estes sejam vistos individualmente – trabalhadores e empregadores –, quer sejam tomados de modo organizado – como na formulação dunlopiana das hierarquias – ou institucional. Sem enfrentar, aqui, as discussões gerais das ciências sociais em torno do enfoque sistêmico, cabe assinalar que essa perspectiva relacional torna evidente, ainda, tanto a existência de conexões e nexos entre diferentes dimensões das relações de trabalho quanto as estruturas sociais subjacentes na conformação das normas que regulam essas relações. No âmbito da dimensão metodológica, a obra de Dunlop sugere uma valorização da investigação empírica. Nisto reside uma diferença fundamental entre ele e o sociólogo Talcott Parsons (1902-1979). Parsons preocupou-se menos com a problematização de dimensões empíricas da realidade, direcionando sua energia intelectual para a elaboração de uma intrincada teoria, marcadamente abstrata e com pretensões totalizantes, sobre o funcionamento da sociedade. No IRS, porém, o sistema não possui uma existência acima dos atores concretos, dos mercados, da tecnologia, da ideologia e das relações de poder. Em suma, o sistema de relações de trabalho não existe fora da história e dos contextos em que os atores interagem. Dunlop desenvolveu um esforço de pesquisa empírica nas mais diferentes realidades do trabalho, inclusive fora dos Estados Unidos, buscando apreender o funcionamento de sistemas de relações de trabalho e a elaboração das normas. A norma é vista como expressão de relações sociais históricas que precisam ser apreendidas mediante sistemático trabalho de investigação empírica. Ainda que não encontremos tal postulação de modo explícito no IRS, decorre, do modo como Dunlop define e elabora seu objeto de estudo, o enquadramento multidisciplinar do campo das relações de trabalho. Podemos dizer que Dunlop, ao examinar diversas realidades empíricas, mostra que a formação da norma e aquilo que ela procura estruturar nas relações entre os atores só são compreendidos através do entendimento de singularidades culturais, econômicas, religiosas e políticas próprias de cada formação social. E que o sucesso de tal empreendimento demanda o concurso de diversos campos de conhecimento. Por fim, cabe ressaltar uma dimensão política central que decorre da obra de Dunlop, ou seja, o reconhecimento de que as relações de trabalho abrigam interesses diferentes, o que é designado como perspectiva pluralista. Tal perspectiva não raramente se mescla com elementos analíticos da obra do autor. Uma de suas consequências principais é a noção de que as relações de trabalho podem expressar o consenso, mas também o conflito, algo a que normalmente se refere como o motivo misto da cooperação e do conflito.20 Há, portanto, na obra de Dunlop 20 Dunlop (1993), portanto, distancia-se dos marxistas, que consideram irreconciliável a relação entre capital e trabalho; das correntes que não aceitam os sindicatos independentes como interlocutores legítimos dos trabalhadores Livro.indb 40 03/02/2011 11:34:01 41 um esforço para posicionar o conflito como algo inerente às relações de trabalho, pois estas abrigam, em seu interior, interesses divergentes. Da mesma forma, o pluralismo dunlopiano implica que os atores sejam efetivamente protagonistas na resolução dos conflitos.21 REFERÊNCIAS CARVALHO NETO, A. M. de. Relações de trabalho e negociação coletiva na virada do milênio: estudo em quatro setores dinâmicos da economia brasileira. Belo Horizonte: Vozes, 2001. DUNLOP, J. et al. 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Livro.indb 45 03/02/2011 11:34:01 Livro.indb 46 03/02/2011 11:34:01 MÉXICO: TRANSFORMACIONES PRODUCTIVAS Y DESARROLLO DE LAS NEGOCIACIONES COLECTIVAS DE 1980 A 2010 Clemente Ruiz Durán1 Rasgos Estilizados de la Crisis de la Deuda como Punto de Partida de la Transformación Productiva La crisis de la deuda externa, que tuvo lugar en la década de los años ochenta, marcó un nuevo rumbo para la economía mexicana. Hasta ese momento, el país había logrado uno de los procesos de industrialización más exitosos entre los países en desarrollo. Sin embargo, no había puesto metas a las empresas establecidas en el país para generar divisas, por lo que el mercado de divisas se alimentaba de una pequeña base exportadora, fundamentada en el petróleo, y de la deuda externa que contrataba el gobierno federal. A principios de los años ochenta, alrededor del 85 por ciento de las divisas provenían de las exportaciones petroleras y de la contratación de deuda, por lo que al desplomarse el precio del petróleo en 1982, y al elevarse la tasa de interés de la deuda externa, México tuvo que emprender el camino del cambio estructural, el cual se puede resumir en los siguientes elementos: a) Reestructurar la planta productiva de un modelo fundamentado en el abastecimiento del mercado interno, a uno orientado hacia la exportación: el objetivo era que el mercado de divisas funcionara con base en las exportaciones y la inversión extranjera, buscando sustituir al mecanismo de financiamiento de la balanza de pagos basado en deuda externa. De esta manera, los ingresos por exportaciones tuvieron un gran crecimiento al pasar de 24 mil millones de dólares, en 1980, a 343 mil millones de dólares en 2008. (ver Gráfico 1). 1 Profesor e investigador del Posgrado en Economía de la Universidad Nacional Autónoma de México Livro.indb 47 03/02/2011 11:34:02 48 Gráfico 1 – México: Expansión del Modelo Exportador 1980 a 2008 Fuente: Elaboración Propria con base en la Balanza de Pagos del Banco de México. b) Reducir la dependencia de las divisas provenientes de las exportaciones petroleras, para lo cual se promovió la ampliación de las capacidades manufactureras, bajo un esquema promotor de las exportaciones (ver Gráfico 2); asimismo, se firmó un Tratado de Libre Comercio con Estados Unidos y Canadá (TLCAN). Gráfico 2 – México: Cambio Estructural en la Composición de las Exportaciones Fuente: Elaboración Propria con base en la Balanza de Pagos del Banco de México. Livro.indb 48 03/02/2011 11:34:02 49 c) Reestructuración del Estado, pasando de un esquema promotor a un sector público minimalista, reduciendo el número de empresas y organismos públicos, y contrayendo el papel de la Banca de Desarrollo. Ante la contracción del papel del gobierno federal, las entidades federativas optaron por desarrollar políticas estatales y locales de desarrollo, para alentar la expansión de capacidades productivas en su territorio. Gráfico 3 – México: del Estado Promotor al Estado Minimalista Fuente: Elaboración Propria con base en Informes de Gobierno (Varios Años), Presidencia de la República. d) Surgimiento del modelo de competitividad basada en bajos costos salariales: con el fin de abatir el proceso inflacionario desatado por la crisis de la deuda de los años ochenta, se acordó un Pacto para Estabilidad y Crecimiento Económico entre trabajadores, empresarios y gobierno, en el cual se acordó la revisión salarial basada en la inflación esperada, sin compensar la caída sufrida por la inflación pasada; esto ocasionó una caída del salario real de manera sistemática. El salario promedio manufacturero pasó de representar 26 por ciento del salario manufacturero, pagado en los Estados Unidos en 1981, a 12 por ciento, en promedio, en la primera década del siglo XXI. Esto se correspondió con un creciente flujo de inversión extranjera, que pasó de 3 mil millones de dólares en 1981 a un promedio de 22 mil millones de dólares entre 2000 y 2008, tal como se muestra en el Gráfico 4. De esta forma, el modelo de bajos costos salariales se consolidó en México en los últimos treinta años, con la perspectiva de mantener el flujo de inversión extranjera. Livro.indb 49 03/02/2011 11:34:02 50 Gráfico 4 – México – Incremento en los Flujos de IED en el Modelo de Bajos Costos Fuente: Elaboración Propria con base en la Balanza de Pagos del Banco de México. e) Una estructura productiva con mayor peso de actividades de bajo valor agregado. La falta de un esquema de planeación dio por resultado el debilitamiento de las actividades manufactureras, que de representar el 23 por ciento del PIB en 1970, pasaron a representar el 18 por ciento en 2007; este debilitamiento redujo su capacidad de absorción de empleo, que fue sustituido por actividades de bajo valor agregado, como es el caso de servicios personales y el comercio ambulante, lo que resultó en el fortalecimiento del sector informal, en donde los trabajadores no cuentan con cobertura de la seguridad social. Livro.indb 50 03/02/2011 11:34:02 51 Gráfico 5 – México: Cambio Estructural en la Producción Fuente: Elaboración Propria con base en Dados del BIE e INEGI. Los elementos anteriores configuraron un cambio estructural fundamentado en una nueva relación con la economía global, en donde se marginó al mercado interno y se privilegió un modelo exportador basado en bajos costos salariales, lo que ha dado por resultado el debilitamiento del mercado laboral, especialmente del sector formal de la economía, que ha sido sustituido por trabajos mal remunerados y sin condiciones mínimas de seguridad social. La Introducción del Modelo de Bajos Costos y la Negociación Colectiva Una de las características fundamentales de la economía mexicana ha sido su incapacidad para obtener un crecimiento económico que genere los suficientes empleos de calidad que garanticen seguridad social y niveles de ingreso adecuados para los trabajadores. La población, a finales de 2009, era de 108 millones de habitantes, de los cuáles 79 millones eran mayores a 14 años, 32 millones conformaban a la población económicamente no activa y 47 millones a la población económicamente activa, de los cuáles 2.5 millones se encontraban en el desempleo abierto. En el siguiente diagrama se muestra la composición de la población ocupada en 2009, observándose que el 73 por ciento de la población era subordinada (31 millones), y los trabajadores independientes alcanzaban el 27 por ciento, Livro.indb 51 03/02/2011 11:34:02 52 de los cuáles 4.4 por ciento eran empleadores y 22.6 por ciento eran trabajadores por cuenta propia. Dentro del grupo de los subordinados se observa que casi 27 millones se encontraban en el régimen remunerado, con 14.6 millones con contrato escrito, y el resto sin contrato. Por otra parte, de los 31 millones de trabajadores subordinados el 54 por ciento tenía acceso a servicios de salud de calidad. En este sentido, se puede deducir que el mercado laboral mexicano se encuentra sumamente segmentado por el tipo de garantía en el trabajo y por el acceso a los servicios de salud y pensiones establecidos en el país. Diagrama 1 – Esquema de las Relaciones Institucionales del Mercado Laboral (2009) Fuente: Elaboración Propria con base en la Encuesta Nacional de Ocupación y Empleo. En México las relaciones colectivas de trabajo se regulan con base en título séptimo de la Ley Federal del Trabajo, en donde se especifica en el artículo 386 que el “contrato colectivo de trabajo es el convenio celebrado entre uno o varios sindicatos Livro.indb 52 03/02/2011 11:34:03 53 de trabajadores y uno o varios patrones, o uno o varios sindicatos de patrones, con objeto de establecer condiciones según las cuales debe prestarse el trabajo en una o más empresas o establecimientos”2 . Por otra parte, la aplicación de las normas de trabajo se establece en el título 11, en donde se especifica como competencia a las autoridades federales o locales, a través de las Juntas de Conciliación o Arbitraje, en donde se deberían de registrar las revisiones de los contratos. Sin embargo, la legislación da la flexibilidad para que los contratos revisados no se registren ante la autoridad competente, por lo que el proceso de registro es limitado. Considerando lo anterior, la Secretaría de Trabajo y Previsión Social mantiene un sistema de información que permite dar un seguimiento a la contratación colectiva. De acuerdo a este sistema, el número de revisiones salariales, efectuadas entre 1992 y 2009, se elevó de 16 mil a 51 mil, y el número de trabajadores involucrados pasó de 1.6 millones a 2.7 millones, siendo una proporción mayor las revisiones presentadas ante las Juntas Locales, aun cuando por relevancia del número de trabajadores involucrados destaca la Jurisdicción Federal, lo que se explica por el hecho de que los convenios sectoriales son de incumbencia federal. Si se analiza este registro de revisiones salariales con el número de trabajadores remunerados, se observa que los trabajadores involucrados en las revisiones representaron tan sólo 7 por ciento del total, y 12 por ciento de los trabajadores con contrato escrito. 2 Excepciones a este caso son los contratos de Petróleos Mexicanos, Comisión Federal de Electricidad y Universidad Nacional Autónoma de México. Livro.indb 53 03/02/2011 11:34:03 54 Tabla 1 – Revisiones del Salario Contractual Registradas en las Juntas Federales y Locales 1992 a 2009 Número de Revisiones Salariales Período Total Tipo de Jurisdicción Federal Local Trabajadores Involucrados Total Tipo de Jurisdicción Federal Local 1992 16.299 909 15.390 1.665.782 1.184.290 481.492 1993 21.709 3.617 18.092 1.978.450 1.485.705 492.745 1994 26.489 3.170 23.319 2.127.801 1.525.739 602.062 1995 31.691 3.633 28.058 2.208.438 1.491.367 717.071 1996 34.940 3.686 31.254 2.258.029 1.491.454 766.575 1997 34.220 4.074 30.146 2.213.345 1.495.224 718.121 1998 35.170 4.525 30.645 2.308.966 1.567.955 741.011 1999 38.747 4.671 34.076 2.496.999 1.572.173 924.826 2000 38.611 5.358 33.253 2.924.640 1.819.022 1.105.618 2001 37.946 5.679 32.267 2.788.994 1.732.219 1.056.775 2002 36.871 5.487 31.384 2.790.621 1.757.422 1.033.199 2003 37.232 5.337 31.895 2.785.103 1.763.486 1.021.617 2004 40.237 5.920 34.317 2.916.771 1.776.242 1.140.529 2005 44.483 5.957 38.526 2.919.132 1.783.259 1.135.873 2006 51.821 5.819 46.002 2.781.485 1.684.187 1.097.298 2007 55.413 6.251 49.162 3.031.357 1.858.111 1.173.246 2008 52.125 6.308 45.817 3.027.667 1.909.643 1.118.024 2009 51.254 6.645 44.609 2.754.266 1.824.255 930.011 Promedio 38.070 4.836 33.234 2.554.325 1.651.209 903.116 Fuente: Secretaría del Trabajo y Previsión Social. Esta baja representatividad proviene del debilitamiento de la organización de los trabajadores, que se ha dado en forma sistemática. El nivel de sindicalización se ha reducido, lo que ha derivado del desaliento a promoverla. De acuerdo a la Encuesta Nacional de Ocupación Y Empleo (ENOE) de 2009, el nivel de sindicalización fue de tan sólo 4,354,612 trabajadores, que significaba 10.1 por ciento de la población ocupada. Si se analiza directamente a la industria manufacturera, se observa que el mayor grado de sindicalización se da entre las empresas de gran tamaño; por ejemplo, en 2004 el 70 por ciento de los establecimientos de gran tamaño contaban con un sindicato, mientras que esto era prácticamente inexistente entre las microempresas, de acuerdo a la Encuesta Nacional de Empleo, Salarios, Tecnología y Capacitación en el Sector Manufacturero de 2005. El desaliento a afiliarse a sindicatos se ha derivado, entre otras cosas, de la baja Livro.indb 54 03/02/2011 11:34:03 55 efectividad en la negociación contractual. A este bajo nivel de sindicalización se ha sumado una actitud pasiva de los sindicatos, lo cual se ha reflejado en incrementos salariales sumamente bajos. Entre 1992 y 2008, los acuerdos contractuales firmados lograron para todo el período un decremento acumulado del salario real de 1.3 por ciento en términos reales, similar a lo que aconteció con el salario mínimo general, que es acordado cada año con los representantes del movimiento obrero organizado, los representantes empresariales y los del sector público. De esta forma, las revisiones contractuales se ajustaron a lo que sucedía en la Comisión Nacional de Salarios Mínimos, que se tradujo en un mecanismo de control en materia salarial. Tabla 2 – México: Efectos de las Revisiones Salariales Contractuales Incremento Salarial Real Período Total Tipo de Jurisdicción Federal Local Salario Mínimo 1992 -1,7 -2,5 0,2 4,9 1993 -0,9 -1,1 -0,3 -1,6 1994 -0,9 -1,6 0,9 -0,0 1995 -15,0 -16,0 -12,9 -12,3 1996 -12,8 -10,7 -17,1 -8,3 1997 -2,1 -1,2 -4,0 -1,1 1998 1,5 1,7 1,0 0,5 1999 -0,4 -0,4 -0,4 -3,4 2000 2,8 2,5 3,3 0,5 2001 3,0 2,4 4,0 0,5 2002 1,5 0,8 2,6 0,7 2003 0,7 0,2 1,6 -0,1 2004 -0,1 -0,5 0,6 -0,4 2005 0,6 0,4 0,8 0,5 2006 0,7 0,4 1,2 0,4 2007 0,5 0,3 0,8 -0,1 2008 -0,3 -0,6 -0,0 -1,0 2009 -0,9 -0,9 -0,8 -0,7 Promedio -1,3 -1,5 -1,0 -1,2 Fuente: Secretaría del Trabajo y Previsión Social. El mecanismo de control se estableció en medio de la crisis de la deuda externa del país en los años ochenta: durante el gobierno del Presidente Miguel de la Madrid se de- Livro.indb 55 03/02/2011 11:34:03 56 cidió no permitir que las empresas estatales demandaran incrementos que les permitiera recuperar el poder adquisitivo de los salarios; por tanto, los trabajadores que optaran por esta vía se les declararía no válida la huelga, con lo que perderían los ingresos en el lapso que se mantuviera cerrada la empresa. El caso paradigmático de esta política fue aplicado al Sindicato Único de los Trabajadores de la Industria Nuclear en 1983. Actualmente el control sobre las empresas estatales se continúa ejerciendo; por ejemplo, en 2009 se aplicó esta política al Sindicato Mexicano de Electricistas, cerrando la empresa Luz y Fuerza del Centro, liquidando a los trabajadores. Esta acción sistemática del sector público en contra del movimiento obrero ha reducido el número de huelgas estalladas, que pasó de 230 en 1983 a 21 en 2008. Esto ha provocado que el derecho de huelga, como mecanismo para hacer valer los derechos de los trabajadores (título octavo de la Ley Federal del Trabajo), haya quedado cuestionado. Livro.indb 56 03/02/2011 11:34:03 57 Tabla 3 – Huelgas Estalladas por Central Obrera Integrantes del Congreso del Trabajo Confederaciones Nacionales Período Total 1983 Sindicatos Nacionales Autónomos y Asociaciones Sindicales Autónomas Independientes del Congreso del Crabajo No especificada 11 55 1 Subtotal CTM CROC CROM Otras 1 230 174 111 23 7 22 1984 221 185 139 29 6 4 7 36 0 1985 125 90 64 12 6 3 5 35 0 1986 312 264 219 24 5 10 6 44 4 1987 174 150 123 10 5 2 10 23 1 1988 132 111 86 9 2 7 7 21 0 1989 118 94 71 9 5 5 4 23 1 1990 150 130 100 14 5 6 5 19 1 1991 136 114 87 8 7 5 7 22 0 1992 156 136 99 16 5 3 13 20 0 1993 155 144 98 22 12 5 7 11 0 1994 116 94 57 16 10 6 5 22 0 1995 96 83 50 13 6 11 3 13 0 1996 51 42 27 6 4 4 1 9 0 1997 39 34 22 5 1 5 1 5 0 1998 33 27 16 7 2 2 0 6 0 1999 32 25 16 2 5 2 0 7 0 2000 26 22 8 5 2 4 3 4 0 2001 35 30 12 9 6 2 1 5 0 2002 45 37 19 7 3 1 7 8 0 2003 44 39 16 8 4 7 4 5 0 2004 38 30 13 4 1 5 7 8 0 2005 50 42 22 5 5 4 6 8 0 2006 55 47 27 9 5 4 2 8 0 2007 28 21 14 3 0 1 3 7 0 2008 21 13 10 0 0 1 2 8 0 Fuente: Secretaría del Trabajo y Previsión Social y la J.F.C y A. En el caso de México, la movilización obrera no ha sido homogénea, ya que se ha concentrado en el centro del país y en algunas entidades federativas del oriente, y ha estado presente en tan sólo una entidad del norte del país, tal Livro.indb 57 03/02/2011 11:34:04 58 como puede observarse en el Mapa 1. Esta situación deriva de la forma cómo el movimiento obrero se ha organizado históricamente; además responde a la forma cómo se realizó el primer proceso industrializador del país. Mapa 1 – Trabajadores Involucrados en Revisiones Salariales en la Jurisdicción Federal por Entidad Federativa Fuente: Elaboración Propria del Autor con base en Datos de la Secretaría del Trabajo y Previsión Social. Conviene señalar que, adicionalmente a la falta de efectividad en las negociaciones salariales, el movimiento obrero organizado ha permitido la flexibilización de los contratos sectoriales, al no establecerlos en forma precisa. Pérez Pérez (2002) señala que las nuevas formas de organización del trabajo y la existencia de sindicatos pasivos son elementos fundamentales para la creación de flexibilidad laboral. También define dos tipos de flexibilidad basados en la regionalización del país: máxima flexibilidad y flexibilidad moderada. La máxima flexibilidad es característica de las empresas exportadoras del norte del país, en las que se dan políticas unilaterales, nuevas formas de organización del trabajo, así como sindicatos pasivos. Asimismo, en esta región existe una clase obrera con bajos índices de organización contractual y laboral, debido a la reciente industrialización de la zona. Como resultado, se crea una política estatal que atrae la inversión basada en bajos salarios y flexibilidad laboral. Por otra parte, la flexibilidad moderada se da en la antigua industria reconvertida y en la paraestatal, y tiene una base sindical pasiva e independiente. La política estatal en las regiones de flexibilidad moderada es menos rígida que en el primer caso, como consecuencia Livro.indb 58 03/02/2011 11:34:04 59 de una clase obrera más experimentada y con mayores lazos a la sindicalización. La industria automotriz, así como la banca, son ejemplos de este tipo de flexibilidad. En la industria automotriz se aceptó con relativa facilidad la transformación en las relaciones laborales a través del abaratamiento y el uso intensivo de la fuerza laboral, acompañados de la reducción y la flexibilización en la negociación colectiva, así como de la flexibilización del mercado y de la desindicalización. Por otra parte, mediante la relación sindicato-patrón en la banca, no es posible llegar a acuerdos que permitan hacer mejoras en la productividad. (PÉREZ PÉREZ, 2002). En este sentido, se puede argumentar que el papel de los sindicatos es fundamental para la flexibilidad laboral, ya que ésta requiere de pactos entre empresas y sindicatos, que fomenten la participación activa de los trabajadores en la toma de decisiones y en la organización del trabajo. Sin los acuerdos a los que empresarios y trabajadores puedan llegar, no será posible tener un cambio en las condiciones y en la estructura del trabajo. De este modo, la flexibilidad laboral implica una reestructuración en la organización del trabajo y el capital. Los cambios en la estructura laboral consisten en nuevas formas de contratación, cambios en las modalidades de remuneraciones y sindicatos más abiertos a las negociaciones. De esta manera, la flexibilidad laboral requiere, además de cambiar la organización del trabajo, cambiar las relaciones dentro de los sindicatos, así como un cambio de las relaciones entre centrales obreras y sindicatos. En el caso de los contratos colectivos no suele haber especificaciones acerca de la organización del trabajo, ya que tienden a concentrarse en asuntos como los salarios, las prestaciones y la duración de la jornada laboral. Por otra parte, un aspecto negativo de este tipo de contratos en México es la generalización en las negociaciones por parte de las centrales obreras, sin tomar en cuenta las distintas ramas industriales, ni la relación entre los trabajadores y su ámbito laboral. Actualmente, los sindicatos acatan lo estipulado por la central, sin poder negociar con las empresas, lo que limita el grado de flexibilidad del trabajo, aun cuando algunos sindicatos no acatan a ninguna central, como es el caso del Sindicato de Telefonistas de la República Mexicana o el de Petróleos Mexicanos. En este sentido, si los contratos se firmaran con base en las actividades de las empresas, sería posible tener una mayor flexibilidad ajustada a las necesidades de cada rama. Dentro del esquema de flexibilización se han sumado los esquemas de contratación laboral, lo que se conoce como el espacio de la flexibilidad numérica, que consiste en incrementar la cuota de capital variable, movilizado en el proceso de producción a través de cambios en la organización. Mediante la flexibilidad numérica, la empresa es capaz de modificar el número de trabajadores en función de las variaciones de la demanda externa de sus productos. De esta forma, la variación en el personal ocupado por tipo de industria, así como el número de trabajadores eventuales, indican el grado de flexibilidad numérica en una industria. En el caso mexicano, dentro de la industria manufacturera, es el ramo de los Livro.indb 59 03/02/2011 11:34:04 60 textiles y las prendas de vestir el que presenta la mayor flexibilidad numérica. En contraste, la división de alimentos, bebidas y tabaco es la menos flexible. Los resultados presentados son un reflejo del tipo de demanda que los bienes de ambas ramas tienen. Mientras que los alimentos son bienes con una demanda más rígida, los textiles y la ropa presentan mayor elasticidad con respecto al ingreso. A lo anterior se ha sumado el que las empresas hacen uso de la flexibilidad funcional de los trabajadores, que consiste en el uso de un mismo trabajador en distintas etapas del proceso productivo. Como consecuencia de la flexibilidad funcional, la presencia del trabajador en la empresa se da en distintos turnos, horarios, departamentos y puestos. Así como la flexibilidad numérica se encuentra en función de la demanda final de los productos de la empresa, la flexibilidad funcional depende de los cambios tecnológicos. Los cambios en la jornada laboral y los cambios en el número de personal correspondiente a cada puesto de la empresa son indicadores de la flexibilidad funcional. Las horas-hombre trabajadas, al mantenerse constantes, muestran la poca flexibilidad funcional de la industria manufacturera. Ante la falta de logros en materia salarial el movimiento obrero organizado se ha centrado en la reducción de los riesgos de trabajo, que es una parte clave de la legislación laboral en México (título noveno de la legislación). Para ello se ha diseñado un esquema detallado de los mismos, y se han establecido en las empresas las comisiones de higiene y seguridad, lo que ha servido para que entre 2000 y 2008 se haya reducido el número de defunciones por accidentes de trabajo de 1,740 a 1,412 , y para que se hayan reducido las enfermedades de trabajo, aun cuando los accidentes de trabajo y los accidentes en trayecto han aumentado. Livro.indb 60 03/02/2011 11:34:04 Livro.indb 61 2000 356.725 91.807 5.557 1.740 1.299 431 10 Accidentes en trayecto Enfermedades de trabajo Defunciones Accidentes de trabajo Accidentes en trayecto Enfermedades de trabajo 2001 3 354 1.145 1.502 5.520 84.078 324.150 413.748 12.224.231 Fuente: Instituto Mexicano del Seguro Social. 454.089 Accidentes de trabajo 12.418.761 Riesgos de Trabajo Trabajadores expuestos Concepto 4 308 1.049 1.361 4.511 80.325 302.970 387.806 12.112.405 2002 4 323 1.100 1.427 7.811 72.448 278.525 358.784 12.088.468 2003 8 287 1.069 1.364 7.418 70.906 282.469 360.793 12.348.259 2004 Tabla 4 – Trabajadores Expuestos, Riesgos de Trabajo y Defunciones 2005 3 255 1.109 1.367 7.292 70.353 295.594 373.239 12.735.856 2006 2 257 1.069 1.328 4.715 73.573 309.539 387.827 13.578.346 2007 3 227 1.049 1.279 2.691 86.167 361.244 450.102 14.424.178 2008 6 279 1.127 1.412 3.681 92.074 411.179 506.934 14.260.309 61 03/02/2011 11:34:04 62 La Caída de la Negociación Colectiva y el Empoderamiento de las Relaciones Individuales de Trabajo La flexibilización del mercado de trabajo ha dado por resultado el empoderamiento de las relaciones individuales de trabajo. Las normas de las relaciones individuales de trabajo se encuentran contenidas en el Titulo Segundo de la Ley Federal del Trabajo. En este caso se pueden señalar algunos elementos clave: Artículo 20.- Se entiende por relación de trabajo, cualquiera que sea el acto que le dé origen, la prestación de un trabajo personal subordinado a una persona, mediante el pago de un salario. Contrato individual de trabajo, cualquiera que sea su forma o denominación, es aquél por virtud del cual una persona se obliga a prestar a otra un trabajo personal subordinado, mediante el pago de un salario. La prestación de un trabajo a que se refiere el párrafo primero y el contrato celebrado producen los mismos efectos. (MÉXICO, 2010). En los siguientes párrafos se precisan este tipo de relaciones en donde se han realizado algunas modificaciones: • Trabajo infantil (Artículo 22) Este concepto fue modificado ya que la edad mínima para trabajar conforme a la versión original era de doce años, en tanto que en la actual es de catorce; esto da como resultado que de acuerdo a la ENOE del Segundo Trimestre de 2008 se protege a 4,5 millones de menores, para que puedan cumplir con su educación básica, que es de 9 años (6 de primaria y 3 de secundaria). La intención de esta reforma fue redefinir el trabajo infantil; sin embargo, hasta la fecha se estima que el trabajo infantil es de 2,4 millones de niños, lo que muestra que aun cuando la reforma legal se dio, no se han establecido mecanismos para la observancia de la ley. • Contrato por escrito (Artículo 24) Se establece la necesidad de estipular por escrito la relación laboral y la forma como ésta se cubrirá, para evitar abusos sobre el trabajador; sin embargo, la porción de trabajadores que cuentan con un contrato escrito es de apenas 34 por ciento de la población ocupada. • Estabilidad en el trabajo (Capítulo II del Título II) Este apartado es uno de los puntos más controversiales de la legislación Livro.indb 62 03/02/2011 11:34:04 63 laboral, ya que en principio, se establece en el artículo 35 que las relaciones de trabajo pueden ser por obra o tiempo determinado o por tiempo indeterminado, y que a falta de estipulaciones la relación será por tiempo indeterminado. No obstante, en la práctica se observa que a los trabajadores se les contrata por tiempo determinado, cuando ésta debería ser la excepción, y que tales empresas, en sus nuevas contrataciones, celebran “contratos a prueba” con sus trabajadores, dejándolos en un ámbito de incertidumbre laboral. Tampoco es nada raro, en la actualidad, que las empresas subcontratistas o agencias de colocación de personal (outsourcing) eludan sus responsabilidades laborales violatorias del principio de estabilidad en el empleo. • Conviene señalar que el contrato a prueba no se encuentra validado en nuestra legislación – lo que incluye es por obra determinada, por tiempo determinado y por tiempo indeterminado. Sin embargo, existe un debate al respecto en el que se señala que lo que no está prohibido explícitamente está permitido. Bajo esta premisa, algunos juristas han validado lo que es denominado “periodo de prueba”, que da elementos para una contratación sin garantía de percibir los beneficios de ley, y sobretodo cuestiona el principio de estabilidad en el trabajo. En lo referente a la subcontratación, la Ley Federal del Trabajo sí contempla, dentro de su articulado, a la figura del intermediario, que “es la persona que contrata o interviene en la contratación de otra u otras, para que presten servicios a un patrón”. (MÉXICO, 2010). Además, la norma laboral también establece el principio de la responsabilidad solidaria, mediante el cual las empresas clientes de las agencias de colocación de personal también son responsables de las obligaciones laborales frente a dichos trabajadores. Sin embargo, no todos los derechos de los trabajadores se encuentran salvaguardados en esta forma de contratación, sobre todo el referente a la estabilidad en sus empleos, ya que mueven a los trabajadores de empresa en empresa, y muy a menudo se encuentran sujetos a la temporalidad contractual continua; por tanto, en ningún caso tienen la seguridad de la permanencia. De acuerdo a las estadísticas de la Encuesta Nacional de Ocupación y Empleo en 2009, de los 28,9 millones de trabajadores remunerados, 18,5 millones, es decir, 62 por ciento tenían una permanencia en el trabajo por abajo de cinco años. (véase Gráfico 6). Livro.indb 63 03/02/2011 11:34:04 64 Gráfico 6 – México: Antigüedad en el Trabajo de los Asalariados, 2009 Fuente: Elaboración Propria del Autor con base en la Encuesta Nacional de Ocupación y Empleo. En la contratación individual han surgido nuevas formas de contratación que no implican ningún tipo de relación laboral con la empresa, por ejemplo, en las estaciones de servicio de la empresa Petróleos Mexicanos, a los trabajadores se les da la oportunidad de laborar bajo el acuerdo que se conoce como derecho de piso, que consiste en que los trabajadores puedan despachar la gasolina y prestar cualquier otro tipo de servicio a los clientes que acuden a la estación, pero no perciben ningún sueldo, obteniendo sus ingresos de las propinas obtenidas de los clientes. Otra modalidad de la contratación individual es la surgida en la cadena Wal-Mart de México, en la cual no se tiene empleados sino asociados, de tal manera que la relación de trabajo es diferente a la estipulada en la Ley. Por otra parte, en la modalidad de honorarios asimilables se obtiene una contratación limitada, ya que parte del sueldo o salario se paga de acuerdo a la legislación vigente con todos los derechos de ley, pero la porción más importante de la percepción se paga como honorarios, es decir, fuera de la relación laboral. La relación de trabajo, mientras subsiste, atraviesa por una serie de vicisitudes relacionadas con el principio de la estabilidad en el empleo, que en ocasiones son favorables o desfavorables para cualquiera de las partes que intervienen en ella. La primera de ellas es la suspensión de las relaciones de trabajo de manera temporal, cesando las obligaciones recíprocas, por un lado, de prestar el servicio Livro.indb 64 03/02/2011 11:34:04 65 el trabajador y, por el otro, de pagar el salario el patrón. El artículo 42 de la Ley Federal del Trabajo establece siete causales de suspensión de la relación de trabajo, entre las que se encuentran: la enfermedad del trabajador, el arresto, la prisión preventiva seguida de sentencia absolutoria etc. Desaparecidas las causas temporales de suspensión se reanuda la relación laboral, respetándose, así, el principio de la estabilidad en el empleo. En otras ocasiones se va más allá de la suspensión, sobreviniendo un acontecimiento diferente, denominado terminación de las relaciones de trabajo, mismo que impide la continuación de la prestación del servicio. Son causas de terminación de las relaciones de trabajo, de conformidad con el artículo 53 de la Ley Federal del Trabajo, entre otras: el mutuo consentimiento, la muerte del trabajador, la terminación de la obra, la incapacidad física o mental del trabajador que haga imposible la prestación del servicio etc. En estos supuestos, aunque verdaderamente se acaba la relación de trabajo, ésta se da por causas naturales no imputables a ninguna de las partes, por lo que el principio de la estabilidad en el empleo permanece a salvo. La rescisión de la relación de trabajo, sin responsabilidad para el trabajador, constituye otra vicisitud, por la que atraviesa dicha relación. En el artículo 51 de nuestra legislación laboral se establecen nueve causas, por las que el trabajador puede separarse de su trabajo, sin ser su responsabilidad, lo que implica que el patrón ha incurrido en el incumplimiento del contrato en contra del trabajador, por ser él quien ha violentado el principio de la estabilidad en el trabajo. La falta de probidad del patrón, reducir el salario del trabajador, no cubrir el salario en el lugar y fechas convenidas etc., son algunas de las causales de esta ruptura. Esta separación del trabajador, sin ser el responsable, rompe dramáticamente el principio de la estabilidad en el empleo. Sin embargo, quizá la menos deseada de las vicisitudes por las que atraviesa la relación de trabajo la constituye el despido. Entiéndese por despido, al acto unilateral en virtud del cual el patrón da por terminada la relación de trabajo, invocando una causa grave de incumplimiento que se imputa al trabajador. El despido se da, en este caso, cuando es el propio trabajador quien cae en incumplimiento de su contrato, incurriendo en alguna de las quince causales establecidas en el artículo 47 de la Ley Federal del Trabajo, sin responsabilidad para el patrón. La desobediencia del trabajador al patrón, tener más de tres faltas injustificadas en un período de 30 días, las faltas de probidad cometidas por el trabajador, concurrir en estado de embriaguez a sus labores, entre otras, son las causales que le permiten al patrón romper con el principio de estabilidad en el empleo. Por otra parte, el empoderamiento de las relaciones de trabajo individuales ha llevado a un cambio en el lugar de desempeño de la actividad, tal como puede observarse en el Cuadro 5, en donde se muestra la inestabilidad del lugar de trabajo. Livro.indb 65 03/02/2011 11:34:05 66 Tabla 5 – México: Redefiniendo el Lugar de Desempeño de la Actividad 2005 2006 2007 2008 2009 26.230.272 27.592.042 28.104.010 28.905.410 28.779.312 En domicilios particulares 3.692.782 3.809.031 3.999.996 4.043.648 4.102.509 De manera itinerante, circulando, o sin limitarse a un solo espacio físico 1.519.694 1.510.935 1.486.786 1.505.103 1.598.279 Total de trabajadores subordinados no agropecuarios En puestos fijos o semifijos 152.264 161.085 166.360 187.596 192.572 En el lugar de la obra 384.191 461.750 585.990 575.525 566.639 17.460.672 18.386.810 18.772.819 19.404.839 19.102.725 En las instalaciones de otras empresas o instituciones donde se les envía 747.017 771.266 792.781 799.196 757.225 Lugares y/o condiciones no especificadas 276.499 339.880 337.372 342.417 299.129 Trabajadores subordinados remunerados en actividades agropecuarias 1.997.153 2.151.285 1.961.906 2.047.086 2.160.234 33,4% 33,4% 33,2% 32,9% 33,6% En establecimientos o instalaciones controladas por la unidad económica para la que trabaja % de trabajadores fuera de establecimientos Fuente: Elaboración Propria con base en la Encuesta Nacional de Ocupación y Empleo. Reformas a la Legislación Laboral La posición gubernamental ha sido la de promover un esquema de trabajo en donde se flexibilice la contratación individual, legalizando algunos de los mecanismos que se han venido utilizando ilegalmente por las empresas, como lo son el contrato a prueba, la reducción de requerimientos de capacitación, la flexibilización de la forma cómo se lleva a cabo la negociación colectiva y la reducción de los mecanismos de protección de los trabajadores para lograr la equidad, como es el derecho de huelga. A continuación se describen sucintamente los elementos de la propuesta gubernamental que se ha denominado Iniciativa de los Sectores, y que ha sido avalada por el Congreso del Trabajo, que agrupa a los sindicatos afines al gobierno3: Nuevas modalidades de contratos individuales de trabajo. Se establecerían nuevas modalidades de contratos individuales de trabajo, como serían los “contratos a prueba” o 3 Este resumen está basado en las palabras del Dr. Álvaro Castro Estrada, Subsecretario del Trabajo, Seguridad y Previsión Social de la Secretaría del Trabajo y Previsión Social, en ocasión del Seminario “Panorama Laboral 20072008”. México, D. F., 21 de noviembre de 2007. Livro.indb 66 03/02/2011 11:34:05 67 “de capacitación inicial”. Asimismo, se regularían expresamente las relaciones de trabajo “por temporada”, que aunque en la Ley vigente se infiere su existencia, con la reforma se hace explícita su regulación. La relación de trabajo con período de prueba se daría hasta por 30 días como regla general y por 180 días para puestos de dirección, gerenciales o para labores técnicas o profesionales especializadas, lo que amplía las posibilidades de contratación. El contrato de “capacitación inicial”, sería aquél mediante el cual el trabajador adquiriría los conocimientos o habilidades necesarios para una actividad determinada, percibiendo un salario acorde con la categoría del puesto que desempeñe. Este tipo de contrato, tendría una duración de hasta de tres meses –por regla general– y hasta de seis meses cuando se trate de trabajadores para puestos de dirección, gerenciales y demás personas que ejerzan funciones de dirección o administración en la empresa o bien para labores técnicas o profesionales especializadas. Con este tipo de contratos, se pretende romper el círculo vicioso de “no tengo trabajo por no estar capacitado y no tengo capacitación porque no tengo trabajo.” Distribución de la jornada de trabajo. Se contemplaría que patrones y trabajadores puedan convenir la ampliación de la jornada diaria de trabajo, así como un programa de acumulación mensual de horas laborables o “banco de horas”, a fin de permitir a los trabajadores el reposo acumulado de varios días a la semana, sin contravenir las exigencias del artículo 123 constitucional, fracción XXVII, inciso a). Simplificación de las obligaciones patronales en materia de capacitación y adiestramiento. Se modificaría integralmente el capítulo relativo a la capacitación y el adiestramiento de los trabajadores, denominándolo “De la Productividad, Formación y Capacitación de los Trabajadores”. Se prevé que sólo las empresas que tengan más de 20 trabajadores deben integrar las comisiones mixtas de productividad, capacitación y adiestramiento. Se suprimirían diversas obligaciones en esta materia, entre las que destacan: Registrar ante la Secretaría del Trabajo y Previsión Social los planes y programas de capacitación y adiestramiento de las empresas; el procedimiento de autorización y registro ante la Secretaría del Trabajo y Previsión Social por parte de las instituciones o escuelas que deseen impartir capacitación o adiestramiento; y el registro de constancias de habilidades laborales. Livro.indb 67 03/02/2011 11:34:05 68 Medidas para incrementar la productividad y la competitividad del país. Se suprimiría el “escalafón ciego” y de esta forma se privilegiaría a la capacitación como el principal criterio para el ascenso de los trabajadores a puestos vacantes o de nueva creación, por sobre la antigüedad de los trabajadores. Se favorecería la “multihabilidad” como un factor que permitiría a los trabajadores percibir ingresos mayores, es decir, se podrá convenir que los trabajadores desempeñen labores o tareas conexas o complementarias a su labor principal, siempre que reciban el ajuste salarial correspondiente. Registro sindical. La iniciativa contempla que el registro de los sindicatos pueda cancelarse por no proporcionar informes a las autoridades del trabajo, respecto a su actuación como sindicato, y por no informar cada seis meses de las altas y bajas de sus miembros. La Junta de Conciliación y Arbitraje correspondiente tendría conocimiento sobre la cancelación de registro de un sindicato, a solicitud de integrantes del propio sindicato y de toda persona con interés jurídico. Requisitos para la firma de un contrato colectivo de trabajo. Se contempla que cuando un sindicato vaya a celebrar un contrato colectivo de trabajo, debe formular la solicitud por escrito, la misma que contendrá la firma de los representantes del sindicato y de los trabajadores que representa; y deberá acompañar las constancias vigentes relativas a su inscripción que hayan sido expedidas por la autoridad registradora. En caso contrario, no se podrá hacer válido el contrato colectivo. Fortalecer la justicia laboral. El principio de la conciliación se incorporaría expresamente en el proceso laboral. Durante todo el procedimiento y hasta antes de dictarse el laudo, las Juntas intentarían que las partes resolvieran los conflictos mediante la conciliación. Para apoyar en estas tareas se incorporaría a los “funcionarios conciliadores” como parte del personal jurídico de las Juntas. Se tiene previsto que el personal jurídico de las Juntas de Conciliación y Arbitraje cuenten con título y cédula de licenciado en derecho, que se hayan distinguido en estudios de derecho del trabajo y gocen de buena reputación. Desde luego, la “iniciativa de los sectores” contempló en sus artículos transitorios que el personal jurídico de las Juntas de Conciliación y Arbitraje que no cuente con el título y la cédula profesional, tendría un término de cinco años para obtenerlo, contado a partir de la vigencia de las reformas. Livro.indb 68 03/02/2011 11:34:05 69 En abril de 2010, la posición gubernamental se configuró dentro de la iniciativa de Reforma Laboral, dada a conocer por la Secretaría de Trabajo y Previsión Social. En dicha iniciativa se mantiene claramente la misma línea planteada anteriormente, donde se maneja como eje principal la expansión del trabajo decente, incorporando condiciones mínimas en las relaciones laborales, como lo son la dignidad humana, la no discriminación, el acceso a la seguridad, el salario remunerador, la capacitación y productividad, la seguridad e higiene, la libertad de asociación y autonomía, la democracia sindical, el derecho de huelga y la contratación colectiva . Asimismo, como ya se mencionaba, se pretende flexibilizar el mercado laboral, incorporando nuevas modalidades de contratación individual: periodos de prueba, capacitación inicial, y trabajo de temporada. Por otra parte, se elimina el descuento obligatorio de las cuotas sindicales, y se suprime la cláusula de exclusión por separación, para evitar que los trabajadores sean despedidos por el hecho de renunciar a su sindicato. Para reforzar el cumplimiento de la normatividad, se propone incrementar el monto de las sanciones a los patrones que infrinjan la Ley Federal del Trabajo, pasando de un rango de 3 a 315 veces el salario mínimo, a uno de 50 a 5,000 veces el salario mínimo. La Posición de los Sindicatos Independientes y de Algunos Partidos Políticos En contraposición al punto de vista gubernamental, se ha presentado una propuesta alternativa, que centra su desarrollo en términos de fortalecer la negociación colectiva, eliminar la discrecionalidad, desaparecer la segmentación de la legislación laboral entre trabajadores del servicio del Estado y del sector privado, preservar el derecho de huelga, y actualizar la institucionalidad en organismos, tales como el Registro Público de Asociaciones y Contratos Colectivos, y el Instituto para los Salarios Mínimos, Productividad y Reparto de Utilidades. Los puntos fundamentales de su propuesta son4: Preservar las garantías vigentes y garantizar la participación de los trabajadores en la firma de la negociación colectiva, mediante una Asamblea en la que estén presentes al menos una tercera parte de los trabajadores. Esta pretensión se canaliza por conducto del Registro Público Nacional de Organizaciones Sindicales y Contratos Colectivos que es una instancia neutral y profesional encabezada por personas de reconocido prestigio, quienes reciben las constancias iniciales, garantizando que se respete el derecho que pudiesen tener 4 Los puntos fundamentales de esta propuesta se obtuvieron de la Iniciativa de Decreto, por el que se reforman diversas disposiciones de la Ley Federal del Trabajo, presentada por la Unión Nacional de Trabajadores y un conjunto de partidos representados en la Cámara de Diputados. Livro.indb 69 03/02/2011 11:34:05 70 otras organizaciones sindicales que pretendan también la firma del Contrato Colectivo, desahogándose, en caso de controversia, una consulta entre los trabajadores a fin de determinar cuál de ellas representa al mayor número de trabajadores. Estas consultas realizadas en plazos reducidos y precisos culmina con la notificación del emplazamiento a huelga. La intención de la propuesta busca evitar contratos de protección al firmarse éstos al margen de la voluntad de los trabajadores, el respeto de la voluntad mayoritaria o incluso, el deseo de los trabajadores de no pertenecer a sindicato alguno, evitando emplazamientos fantasmas que pongan en riesgo las fuentes de trabajo; pero sobre todo, fortaleciendo la negociación colectiva legitima como instrumento fundamental de concertación entre patrones y trabajadores. En esta propuesta, ocupa un lugar esencial el Registro Público mencionado, toda vez que es fundamental que exista un organismo que resuelva las controversias gremiales con neutralidad y rapidez a fin de garantizar que la negociación colectiva desde su inicio, lo cual redundará en beneficio de trabajadores y patrones. Preservar el Derecho de Huelga. La iniciativa busca garantizar un procedimiento de huelga con apoyo real de los trabajadores, mediante la presentación del emplazamiento a un juez laboral. Se mantiene el derecho de huelga en los términos vigentes con la garantía de que este derecho no podrá ser motivo de chantaje a empresas o de actos de simulación, como sucede en la práctica, en la que los patrones firman los contratos colectivos sin conocimiento o apoyo de los trabajadores, simplemente porque compran a un líder que firma el emplazamiento o el contrato sin conocimiento de sus destinatarios. La iniciativa garantiza un procedimiento eficaz para que la titularidad de los contratos sea reconocida a quienes cuentan con la mayoría, superando la práctica actual, tanto por la tardanza de los juicios, como por la violencia de las consultas, así como por la parcialidad evidente de las juntas de conciliación y arbitraje, en las que los patrones y líderes demandados suelen ser juez y parte. Cancelación del Registro de los Sindicatos. En materia de cancelación de registros, no se contemplan nuevas causales. Por el contrario, se respeta el derecho de asociación mediante un simple procedimiento de inscripción en el Registro Público Nacional de Organizaciones Sindicales y Contratos Colectivos, evitándose los controles vigentes orientados a Livro.indb 70 03/02/2011 11:34:05 71 condicionar la personalidad jurídica de los sindicatos. Sólo en caso de controversia, se establece un procedimiento orientado a consultar a los trabajadores, mediante el voto universal y secreto, bajo la supervisión del órgano neutral que es el Registro Público Nacional. Derecho a determinar el radio de acción de los sindicatos. Se establece en el artículo 470 de la Ley Federal de Trabajo, que los sindicatos tienen derecho a determinar libremente su radio de acción, como lo ha recomendado la propia OIT, siendo congruente con el derecho de libertad sindical que establece el artículo 123 constitucional. Rescisión de la relación laboral. Esta iniciativa conserva las reglas vigentes en materia de despido, agregando solamente la causal de hostigamiento sexual. Es importante destacar que el texto vigente ha sido producto del carácter protector de la Ley Federal del Trabajo, por lo que modificarlo redundaría en perjuicio de los trabajadores. Fijación de la jornada laboral. Se conserva la regulación actual de la fijación de la jornada de trabajo, tomando en cuenta que la ley actual otorga la suficiente flexibilidad para su distribución en diferentes días, a fin de facilitar el descanso a los trabajadores. Se adiciona dentro del artículo 65 de la Ley Federal de Trabajo la posibilidad de intervención del juez laboral, a fin de evitar que las jornadas laborales puedan generar quebranto en la salud de los trabajadores. Normas de trabajo. En esta iniciativa se propone un cambio de redacción que perfeccione las definiciones, de modo que puedan regularse debidamente la infinidad de simulaciones patronales que se dan en perjuicio de los trabajadores, a través de las llamadas empresas de servicios o subcontratistas, que han afectado sensiblemente la responsabilidad patronal. Estabilidad en el empleo. Se conservan los principios vigentes en materia de estabilidad en el empleo, señalándose en el artículo 38 de la Ley Federal de Trabajo, que el trabajo por tiempo indeterminado puede ser continuo o discontinuo; el trabajo por tiempo indeterminado discontinuo es aquél que se desarrolla de manera permanente por temporadas en ciertos períodos del año. En estos casos, los trabajadores tendrán los mismos derechos y obligaciones que los trabajadores por Livro.indb 71 03/02/2011 11:34:05 72 tiempo determinado de carácter continuo, en proporción al tiempo trabajado Como se puede observar, las propuestas no son complementarias, sino que apuntan en direcciones diferentes. En un caso se pretende avanzar hacia un fortalecimiento de las relaciones individuales como un mecanismo de flexibilización; en tanto, en el otro caso se pretende fortalecer las relaciones colectivas del trabajo. Es un debate que se ha prolongado y que puede aún tomar un tiempo para llegar a un acuerdo, siempre en la expectativa de que ninguna parte imponga su posición por la vía de los hechos. Una Perspectiva Hacia el Futuro El mercado laboral mexicano ha estado moldeado por la baja creación de empleos en la economía, los cuales son insuficientes para absorber la expansión de la población económicamente activa, a través de trabajos decentes. Ante esta situación de baja demanda de empleo, se ha precarizado el mercado laboral y se ha potenciado la emigración hacia Estados Unidos. La baja creación de empleo está asociada a dos factores fundamentales: Bajo nivel de inversión en la economía, lo que ha provocado un lento crecimiento del aparato productivo y, por ende, del empleo. Esta situación ha prevalecido en los últimos veinte años, desde la aparición de la crisis de la deuda, que rompió el esquema de generación de ganancias que alentaba al crecimiento de la economía y no ha logrado ser sustituido por un esquema funcional que permita impulsar un mayor crecimiento económico. Débil marco institucional, que genera incertidumbre en el mercado laboral, ya que no dota a los trabajadores ni a los patrones, de reglas que permitan asegurar estabilidad en los ingresos de los trabajadores y flexibilizar la contratación por parte de los trabajadores. Estos dos elementos permiten elaborar una agenda de política laboral en torno a la filosofía de la flexiguridad, ya que queda claro que sin mayor creación de empleo no se puede reordenar el mercado de trabajo, y sin instituciones adecuadas puede ser que la flexibilización sea excesiva, perjudicando a los trabajadores. Dentro de los elementos que podría contener una agenda, se encuentran los siguientes: Livro.indb 72 03/02/2011 11:34:05 73 Nueva políticas creadoras de empleo. Hasta el momento, la estructura de las políticas públicas hacia el mercado laboral se pueden resumir en políticas de vinculación, capacitación, apoyo a emprendedores y subsidios marginales para reducir el costo inicial del empleo. Sin embargo, éstas han sido a todas luces insuficientes, lo que se ha traducido en una segmentación en donde el mercado informal ocupa hoy el 30 por ciento de la población ocupada. Queda claro que el problema de la creación de empleo no se resuelve en el propio mercado laboral, ya que es consecuencia de lo que sucede en la economía en su conjunto, por lo que se requiere de una alta demanda agregada, de un cierto nivel de integración del mercado interno, de tecnologías que favorezcan el uso del capital humano y de acuerdos institucionales en el mercado laboral que propicien la creación de empleo. Desde esta perspectiva, los subsidios al empleo son irrelevantes si no existe demanda agregada para que los empresarios inviertan y generen empleos. En este sentido, las mejores políticas creadoras de empleo son aquellas que estimulan el crecimiento sostenido de las economías, tal como se ha mostrado en los países emergentes de Asia, en donde la expansión de empleos es de las más altas del mundo. Para sustentar estas políticas, los asiáticos han recurrido a políticas industriales que permitan la construcción de escenarios de crecimiento en plazos de al menos dos décadas, lo cual ha creado certidumbre entre los empresarios para invertir y crear empleos. La creación de empleos debe ser una tarea de Estado, es decir, todo el aparato público debe estar enfocado a coordinar sus políticas para promover la inversión y el empleo; para ello el sector público debe convertirse en el gran coordinador del esfuerzo: utilizar su presupuesto para generar nuevos empleos. El Estado es el agente con mayor capacidad para lograr este objetivo; por ejemplo, en países industriales como Estados Unidos se alienta a las empresas a desarrollar proyectos para el gobierno, induciendo a los pequeños empresarios a convertirse en proveedores gubernamentales5, para lo que reservan alrededor de 300 mil millones de dólares para este propósito, a lo que se suma una serie de estímulos para la creación de nuevas empresas y para la operación de las ya existentes. Rediseño de la Seguridad Social. En países con mercados laborales segmentados, debe pensarse en reconstruir la institucionalidad, ya que la informalidad es consecuencia de la falta de cumplimiento de la ley; hacerla prevalecer requiere que la misma sea coherente con el objetivo de crear un ambiente de seguridad para los participantes en este mercado, por ello se requiere pensar en una modernización del sistema de seguridad social a lo largo de la vida. En este sentido, una reforma de la seguridad social debiera incluir la visión del ciclo de vida, compensaciones familiares desde la niñez, una línea de pobreza que determinara el nivel de transferencias necesario para mantener un nivel de ingreso mínimo, un sistema 5 Federal Procurement Data System-Next Generation Federal Procurement, by State Summary Fiscal Year 2006. Livro.indb 73 03/02/2011 11:34:05 74 de seguros de riesgo de trabajo, de enfermedades, de maternidad, de invalidez; apoyos para la vivienda, un seguro para el desempleo y un sistema de pensiones de tipo ciudadano. Fortalecimiento de la organización de los trabajadores. Un mercado laboral disperso da como resultado pocos acuerdos para incrementar la productividad, por lo que es necesario promover una mayor sindicalización de los trabajadores. Establecimiento de un Consejo Económico y Social como un mecanismo de aliento al diálogo entre los agentes. El Consejo permitiría, a través del diálogo, establecer acuerdos que impulsaran una ruta definida de políticas sociales para resguardar los niveles de vida; éste podría restituir el mecanismo de acuerdos entre grupos sociales que se habían establecido en torno a los Pactos entre Sectores, que en su momento lograron estabilizar la economía. Hoy día, la Secretaría de Desarrollo Social tiene un papel limitado ante la aplicación de esquemas focalizados, mientras que la Secretaría de Trabajo se ha enfocado a mantener la calma social. La institucionalidad actual parece ya superada, por lo que es clara la necesidad de contar con una más amplia, que sea capaz de definir dinámicamente los niveles de bienestar; el consejo podría ser la instancia encargada de reformar todo el sistema de seguridad social. Combinación de esquemas público-privados para establecer el piso social básico. La tarea de modificación del mercado laboral requiere de un esfuerzo colectivo. No se puede pensar en pasar de la situación de no observancia de la ley a un esquema en donde todo se cumpla simplemente por decreto, es necesario lograr alianzas y diseñar nuevos instrumentos acordes con los propósitos de una nueva cultura del bienestar, en donde un componente básico requiere ser la solidaridad social basada en acuerdos público-privados que garanticen niveles de vida mínimos para todos. Un ejemplo puede ser la constitución de una pensión ciudadana, complementada con fondos de pensiones personales que alentarían a los ciudadanos al ahorro adicional, cuestión que no ha sido impulsada con el sistema actual. Fortalecimiento de las finanzas públicas para atender los problemas del mercado laboral. En México, el papel rector del sector público ha quedado relegado por la falta de recursos. Con ingresos por impuestos cercanos a tan sólo 12 por ciento del Producto Interno Bruto, la capacidad de gestión social del Estado queda como un buen propósito, pero en la práctica no le permite atender plenamente a esta necesidad. La reforma fiscal aprobada en 2007 resulta a todas Livro.indb 74 03/02/2011 11:34:05 75 luces insuficiente para poner en marcha un proyecto de reestructuración institucional, limitándose a administrar a una sociedad segmentada y sin un perfil definido de bienestar para el futuro. Una nueva legislación acorde con una nueva institucionalidad. En la perspectiva de una nueva institucionalidad, se requeriría adaptar la legislación vigente, de acuerdo a los principios de seguridad con flexibilidad, lo que conformaría al nuevo paradigma del desarrollo económico, político y social. REFERÊNCIAS AUER, P.; EFENDIOGLU, U.; LESCHKE, J. Active labour market policies around the world coping with the consequences of globalization. Geneve: ILO, 2004. BÁEZ, M. R. 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Livro.indb 77 03/02/2011 11:34:06 Livro.indb 78 03/02/2011 11:34:06 TRÊS DÉCADAS DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO BRASIL: CONTEXTOS, RESULTADOS E DESAFIOS Regina Coeli Moreira Camargos1 Rafael Soares Serrao2 As Negociações Coletivas no Período de 1978 a 1989 Entre 1978 e 1989 as negociações coletivas no Brasil gravitaram em torno das sucessivas políticas salariais praticadas durante o regime militar e a Nova República. Ao longo desse período o movimento sindical conseguiu driblar, nas mesas de negociação, com relativo sucesso, as rígidas regras impostas por essas políticas, ora obtendo índices de reajustes superiores aos previstos em lei, ora reduzindo a periodicidade com que os reajustes ocorriam. Sem dúvida, este foi o “caldo de cultura” que favoreceu a consolidação de uma cultura negocial no seio do sindicalismo brasileiro3. Entretanto, o movimento sindical não se limitou a tratar dessa questão nos seus dissídios e negociações. Estudos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e de pesquisadores como o sociólogo Amaury de Souza e o jurista Cid Sitrângulo, mostram que houve um adensamento temático dos acordos e convenções coletivas. Esses estudos revelam a presença de outras cláusulas de natureza salarial em acordos e convenções pesquisados, entre elas a concessão de adicional de férias, complementação de décimo terceiro salário e adicionais de turno, por tempo de serviço e por assiduidade. Em relação ao tema Condições de Trabalho, os estudos mostram a existência de várias cláusulas sobre estabilidade provisória para gestantes, acidentados no exercício da atividade laboral e dirigentes sindicais, alimentação, assistência médica e odontológica complementar e proteção e segurança no trabalho. 1 Economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) -, técnica do Escritório Regional de Minas Gerais e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Email: [email protected]. 2 Sociólogo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) -, técnico do setor de Pesquisas Sindicais, pesquisador do projeto Observatório das Metrópoles/Núcleo São Paulo do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica (PUC)/SP, mestrando em Arquitetura e Urbanismo/ Habitat da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Email: [email protected] 3 Para uma discussão detalhada acerca do enfrentamento, pelo movimento sindical, das políticas salariais durante o regime militar, ver Oliveira (1985). Livro.indb 79 03/02/2011 11:34:06 80 Sobre o tema Normas de Trabalho, constam cláusulas relacionadas ao horário e à duração do trabalho, inclusive à redução da jornada. Surgem, também, cláusulas relacionadas aos chamados Assuntos Sindicais, entre elas propaganda sindical, criação de comissões paritárias de negociação e conciliação, regras para eleição de delegados sindicais, livre acesso dos dirigentes sindicais nos locais de trabalho, liberação do ponto para os dirigentes sindicais e obrigatoriedade de participação de empregados sindicalizados nas Comissões Internas de Prevenção de Acidentes de Trabalho (CIPAS). Os estudos em questão também mostram que desde o final de década de 70 começaram a surgir nos acordos e convenções cláusulas que previam a ampliação do prazo da licença-maternidade. Anos mais tarde, a Constituição de 1988 ampliou o prazo da licença maternidade de três para quatro meses, estendendo esse benefício a todas as trabalhadoras. Outra cláusula que constava nos acordos e convenções coletivas no final da década de 70 e que se tornou um direito para o conjunto da classe trabalhadora na Constituição de 1988 foi o adicional de férias. Esse processo de adensamento temático dos acordos e convenções coletivas no período 1979-1989 está relacionado, primeiramente, à retomada do ativismo sindical no País após os anos mais duros do regime militar e ao protagonismo por ele assumido na luta pela redemocratização do País. Em segundo lugar, a inclusão de novas conquistas trabalhistas nos instrumentos normativos pode ser vista como resultado de uma estratégia que buscava ampliar o espaço de intervenção dos sindicatos na negociação coletiva, em face das restrições impostas pelas políticas salariais. Por fim, a transformação de conquistas negociadas em direitos coletivos é parte do próprio processo de aperfeiçoamento do direito do trabalho. Resultados das Negociações Coletivas na “Década Liberal” A década de 90 representou a interrupção da trajetória virtuosa cumprida pelo sindicalismo brasileiro e isso se deveu à conjugação de fatores de natureza econômica e política, amplamente comentados na bibliografia especializada existente no País sobre o mundo do trabalho. Um desses fatores – e, talvez, um dos mais importantes - foi a elevação pronunciada e sistemática das taxas de desemprego e a queda na taxa de formalização do emprego. A Tabela 1 ilustra o comportamento, em termos absolu- Livro.indb 80 03/02/2011 11:34:06 81 tos, do desemprego e da informalidade em quatro diferentes anos (1985, 1989, 1996 e 1999) e mostra a variação anual média desses indicadores nos períodos 1985/1989, 1989/1996 e 1996/1999. Os dados são da Pesquisa de Emprego e Desemprego da Região Metropolitana de São Paulo. Tabela 1 - População Economicamente Ativa por Posição na Ocupação – Região Metropolitana de São Paulo - 1985-1999 (Em Mil Pessoas) Especificações Anos Variação anual média (em %) 1985 1989 1996 1999 85/89 89/96 Ocupados 5.711 6.553 7.116 7.251 3,5 1,2 96/99 0,6 - Assalariados formais (1) 3.529 4.115 3.672 3.546 3,9 -1,6 -1,2 - Informais (2) 3,0 1.331 1.619 2.220 2.429 5,0 4,6 - Demais 851 819 1.224 1.276 -0,9 5,9 1,4 - Desempregados 794 624 1.266 1.734 -5,8 10,6 11,1 Fontes: Elaboração do Escritório Regional do DIEESE em Minas Gerais Baseada nos Dados de Convênio DIEESE e Fundação SEADE; Pesquisa de Emprego e Desemprego; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Censos Demográficos de 1980 e 1991. Notas: (1) Assalariados do setor privado com carteira e do setor público (2) Assalariados do setor privado sem carteira e autônomos Nota: Estimativas de 1985 e 1989 feitas por meio de interpolação intercensitária. A Tabela 1 mostra o crescimento simultâneo do desemprego e da informalidade na década de 90, embora se observe que esta última ampliava sua participação na ocupação total desde meados da década de 80. A escalada do desemprego e o crescimento da informalidade solaparam drasticamente o poder sindical, tendo efeitos prolongados sobre a capacidade de mobilização dos trabalhadores e sobre a contratação coletiva. As estratégias sindicais, de um modo geral, visaram deter as ofensivas empresariais contra os direitos trabalhistas, conter a queda do nível de emprego e a precarização das condições de trabalho. Além do mais, os sindicatos enfrentaram a fragmentação de suas bases ocasionada pela massiva adoção da terceirização pelas empresas, como forma de redução de custos fixos. Por outro lado, a privatização de grandes empresas nos setores de infraestrutura – siderurgia, telecomunicações e energia elétrica - teve impactos dramáticos sobre o sindicalismo ligado às estatais, que foi umas das pontas de lança do ativismo sindical nos anos 80. Além das privatizações, houve intensa reestruturação de Livro.indb 81 03/02/2011 11:34:06 82 empresas estatais nos setores produtivos e financeiros, que teve desdobramentos importantes sobre os trabalhadores e o movimento sindical. É preciso destacar, também, que o Estado brasileiro assumiu uma postura fortemente antitrabalhista e antissindical em toda a década de 90. No primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, a reforma trabalhista era uma das peças centrais do programa de ajustamento macroeconômico, sendo vista como uma das condições prévias para estimular a retomada da capacidade de investimento da iniciativa privada no País. A investida estatal contra os direitos trabalhistas endossou as ofensivas patronais que visavam à flexibilização ou retirada de conquistas adquiridas, reforçando, assim, a natureza defensiva das estratégias sindicais nas negociações coletivas. Em relação aos resultados das negociações coletivas nos anos 90, cabe dizer que não é tarefa fácil avaliá-los, pois são escassas as informações sistematizadas sobre este tema na bibliografia especializada existente sobre o mundo do trabalho no período. Existem, entretanto, dados elaborados pelo DIEESE para o triênio 19931996 que indicam as tendências das negociações coletivas que começavam, então, a se delinear. (DIEESE, 1999). Há, também, um conjunto de informações acerca dos resultados das negociações coletivas realizadas por algumas categorias de ponta do sindicalismo, entre 1992 e 1998, que constam de uma pesquisa feita pelo sociólogo Antônio Carvalho Neto. (CARVALHO NETO, 2001). O estudo do DIEESE traz os principais resultados obtidos nas negociações coletivas realizadas por diversas categorias profissionais, no período compreendido entre 1993 e 1996. Para tanto, a instituição analisou os documentos provenientes das negociações coletivas realizadas por essas categorias e que constam no Sistema de Acompanhamento de Contratações Coletivas (SACC) mantido pela instituição. O estudo do DIEESE procurou identificar os aspectos das relações de trabalho mais afetados pelos processos de reestruturação empresarial ocorridos no início dos anos 90 e avaliar como eles estavam sendo tratados nas negociações coletivas. O estudo captou as tendências iniciais dos processos de negociação coletiva nos primeiros anos da década de 90, que se caracterizou por mudanças significativas no ambiente político e econômico do País. Os principais resultados apurados pelo estudo do DIEESE foram: Livro.indb 82 03/02/2011 11:34:06 83 1. Verificou-se uma relativa estagnação no conteúdo dos convênios coletivos firmados, embora isso não tenha levado a um retrocesso em relação ao patamar já conquistado, a despeito das adversidades enfrentadas pelo movimento sindical nas negociações. 2. Num grupo restrito de acordos e categorias observou-se a inclusão de cláusulas referentes a mudanças tecnológicas e organizacionais, à terceirização, à prevenção de acidentes de trabalho e de doenças profissionais e a fóruns de discussão e negociação no âmbito das empresas. Essas cláusulas refletem as tentativas dos sindicatos de interferirem nos processos de reestruturação das empresas. 3. Houve, também, um crescimento significativo do número de cláusulas referentes à participação nos lucros ou resultados, em virtude do fim da política salarial, em 1995. 4. Algumas convenções coletivas incluíram cláusulas referentes a alterações no regime da jornada de trabalho, também conhecida como Banco de Horas, cuja negociação, à semelhança da participação nos lucros ou resultados, ocorre no âmbito das empresas. Segundo o DIEESE, a jornada foi o aspecto do processo de trabalho mais afetado pelas mudanças produtivas e organizacionais ocorridas na década de 90. 5. Houve, também, aumento no número de cláusulas relacionadas às demissões, visando assegurar compensações aos trabalhadores demitidos. Um número muito restrito de instrumentos normativos contemplou garantias à preservação do nível de emprego ou alguma forma de estabilidade temporária a trabalhadores em situações específicas como vésperas de aposentadoria, retorno de licença maternidade e retorno de afastamento pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). 6. Raramente foram encontradas cláusulas sobre organização dos trabalhadores nos locais de trabalho ou referentes ao acesso dos sindicatos às informações das empresas. Entretanto, observou-se disseminação de cláusulas que previam formas de solução extrajudicial dos conflitos trabalhistas. Isso pode indicar, por um lado, que o movimento sindical apostava em novas formas de solução dos conflitos. Mas, por outro lado, pode ter sido consequência de um Livro.indb 83 03/02/2011 11:34:06 84 indesejável afastamento dos órgãos estatais de mediação e arbitragem trabalhista – Ministério e Justiça do Trabalho – em relação ao movimento sindical, dado o contexto político da época. 7. O estudo argumenta, por fim, que dada a natureza dos temas que passaram a ocupar a agenda sindical do período, tais como a PLR e o Banco de Horas, a negociação coletiva por empresa assumiu maior evidência, mas isso não implicou o seu predomínio sobre a negociação por setor. Com base nos resultados apurados pelo DIEESE para o triênio 1993-1996, é possível dizer que nas negociações coletivas ocorridas na década de 90 tratou-se, ao mesmo tempo, de preservar as conquistas obtidas nos anos 80 e de dar respostas a problemas que emergiram no cenário econômico da chamada “década liberal”. É preciso ressaltar que, em virtude das elevadas taxas de desemprego, havia enormes dificuldades para a realização de greves. Sem o combustível das greves, os processos de negociação coletiva perderam boa parte de sua força. Finalmente, em relação ao estudo do DIEESE, cabe ressalvar que como os resultados acima mencionados se referem a um curto período de tempo, eles devem ser usados com a devida cautela. O sociólogo Antônio Carvalho Neto oferece outra visão sobre como o movimento sindical enfrentou as adversidades da década de 90. Ele analisa as negociações coletivas realizadas por algumas categorias de ponta do sindicalismo, durante o período compreendido entre 1992 e 1998, entre elas, os trabalhadores em telecomunicações, os bancários dos setores privado e estatal, os químicos da região do ABC e de São Paulo e os metalúrgicos do ABC, de São Paulo e de Betim. (CARVALHO NETO, 2001). A pesquisa envolveu a análise dos acordos e convenções coletivas de trabalho, firmados por essas categorias no período em questão, além de entrevistas com dirigentes sindicais. Como a pesquisa feita por Carvalho Neto (2001) compreendeu um período de tempo mais longo, ela foi capaz de capturar com mais precisão as mudanças ocorridas nos processos de negociação das categorias analisadas, dados os desafios postos pelo ambiente político e econômico da década liberal. Além do mais, por se tratar de categorias importantes do sindicalismo brasileiro, os resultados apurados pelo autor trazem boas surpresas. Entretanto, também ensejam reflexões sobre as diferenças existentes no âmbito do sindicalismo brasileiro em relação ao Livro.indb 84 03/02/2011 11:34:06 85 poder de contratação coletiva. Carvalho Neto (2001) detectou, ao analisar os documentos resultantes das negociações coletivas – acordos e convenções -, que à exceção dos bancários do segmento estatal, todas as categorias analisadas haviam conseguido manter o poder de compra dos salários entre 1992 e 1998, mesmo após o fim da política salarial. Em todos os setores analisados por Carvalho Neto (2001) a participação nos lucros ou resultados se impôs como o principal tema da negociação coletiva e, surpreendentemente, o autor constatou que a maioria dos sindicalistas entrevistados a consideravam uma oportunidade, e não um problema. Essa oportunidade se relacionava à possibilidade de que a negociação sobre a participação nos lucros ou resultados favorecesse a discussão de temas mais complexos, como organização nos locais de trabalho. Em relação aos demais temas pesquisados, Carvalho Neto (2001) constatou que: 1. Não houve retrocesso em relação aos benefícios sociais concedidos aos trabalhadores, na forma de auxílios diversos (alimentação, creche, educação etc.), mas também não houve ampliação dessas conquistas. 2. A flexibilização da jornada de trabalho ocorreu por empresa e, na percepção dos dirigentes sindicais entrevistados, a negociação sobre esse tema não representou, necessariamente, um retrocesso, pois também propiciou o fortalecimento da ação sindical no interior das empresas. 3. Houve redução nos percentuais pagos a título de horas extras na maioria dos acordos analisados, que previam majorações mais elevadas que as definidas em lei. O que se viu, na maioria dos casos, foi a equiparação entre a lei e o contrato. 4. Houve algumas conquistas importantes para trabalhadores que foram demitidos pouco tempo antes de sua aposentadoria (indenizações, pagamento do plano de saúde pela empresa até a aposentadoria etc) e para trabalhadores afastados por motivo de doença profissional (complementação do auxílio-doença do INSS, pelas empresas, concessão de auxílio alimentação durante o período de Livro.indb 85 03/02/2011 11:34:07 86 afastamento, entre outras). 5. Houve avanços importantes em cláusulas que tratam da prevenção de acidentes de trabalho, de doenças profissionais, do custeio de tratamento de saúde para trabalhadores vítimas de Lesões por Esforços Repetitivos (LER). 6. Houve avanços nas questões que tratam das relações entre empresas e sindicatos, com a criação de formas diretas de representação de interesses nos locais de trabalho, como comissões e grupos de trabalho. O autor explica esse fato em função da necessidade de aproximar os sindicatos dos locais de trabalho no contexto dos processos de reestruturação das empresas. 7. Por fim, o autor detectou nos acordos pesquisados um número significativo de cláusulas relacionadas a tentativas de intervenção dos sindicatos nos processos de reestruturação das empresas, como aquelas que tratam de limites à terceirização e de negociação prévia sobre a introdução de inovações tecnológicas e gerenciais. A conclusão do autor, em face desses resultados, é que “a década de 90 não foi uma década perdida [para] as negociações coletivas”, em que pese o cenário extremamente desfavorável aos trabalhadores. (CARVALHO NETO, 2001, p. 270). Para o autor, o sindicalismo de ponta no Brasil [...] não só deu sinais de que está muito vivo, como foi além da dura luta de resistência para não perder o que conquistou nos anos 80, chegando a garantir alguns avanços significativos e mesmo certo poder de intervenção em uma realidade que lhe é ainda mais desfavorável que a enfrentada pelo sindicalismo dos países mais desenvolvidos. (CARVALHO NETO, 2001, p. 271). Os resultados das negociações coletivas na década de 90 apurados por Carvalho Neto, embora sejam positivamente surpreendentes, também sinalizam que se ampliou a diferenciação do poder contratual no interior do movimento sindical, colocando, de um lado, os setores de ponta e, de outro, os setores com menor poder de barganha. Livro.indb 86 03/02/2011 11:34:07 87 Essa diferenciação impôs à ação sindical uma lógica particularista, com consequências negativas sobre a solidariedade de classe e o papel da vanguarda social do movimento sindical. As Negociações Salariais após o Plano Real Após quase 30 anos (1965-1994) de políticas salariais, os reajustes salariais dos trabalhadores brasileiros, a partir de 1995, passaram a ser definidos exclusivamente pela livre negociação. Exceção foi mantida para o reajuste anual do salário mínimo, que continuou a ser definido em lei. Em 1º de julho de 1995 ocorreu o último reajuste automático de salários, que pôs fim a um longo ciclo de indexação formal de salários e deu início a um novo momento na história da negociação salarial no País. Para o movimento sindical o começo dessa nova fase ocorreu sob circunstâncias muito desfavoráveis. A combinação entre as oscilações no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), os altos índices de desemprego, o processo de reestruturação produtiva e a negociação salarial sem regras pré-definidas influenciou os resultados das negociações salariais nos primeiros anos pós-Plano Real. Além do mais, é preciso considerar que, a despeito do efetivo sucesso do Plano Real em debelar a escalada dos preços, a “cultura inflacionária” marcou profundamente as relações trabalhistas no País. Portanto, era de se esperar que houvesse, nos primeiros anos pós o Plano Real, uma forte reação patronal diante da tentativa dos sindicatos em manter o poder aquisitivo dos salários, no contexto de um desempenho econômico modesto e instável. A Tabela 2 mostra a distribuição dos reajustes obtidos pelas unidades de negociação (acordos e convenções coletivas) acompanhadas pelo DIEESE entre 1996 e 1999, tendo com referência o INPC-IBGE. Livro.indb 87 03/02/2011 11:34:07 88 Tabela 2 - Distribuição dos Reajustes Salariais em Comparação com o INPC-IBGE - Brasil – 1996 a 1999 Variação 1996 1997 1998 1999 nº % nº % nº % nº % Acima do INPC 120 51,9 184 39,1 141 43,5 111 35,1 Mais de 5% acima 15 6,5 17 3,6 8 2,5 1 0,3 De 4,01% a 5% acima 10 4,3 7 1,5 3 0,9 0 - De 3,01% a 4% acima 13 5,6 16 3,4 3 0,9 6 1,9 De 2,01% a 3% acima 22 9,5 19 4,0 12 3,7 7 2,2 De 1,01% a 2% acima 33 14,3 43 9,1 23 7,1 21 6,6 De 0,01% a 1% acima 27 11,7 82 17,4 92 28,4 76 24,1 Igual ao INPC 9 3,9 73 15,5 64 19,8 46 14,6 De 0,01% a 1% abaixo 19 8,2 138 29,4 84 25,9 80 25,3 De 1,01% a 2% abaixo 35 15,2 37 7,9 18 5,6 31 9,8 De 2,01% a 3% abaixo 15 6,5 19 4,0 12 3,7 28 8,9 De 3,01% a 4% abaixo 8 3,5 6 1,3 3 0,9 15 4,7 De 4,01% a 5% abaixo 9 3,9 4 0,9 2 0,6 2 0,6 Mais de 5% abaixo 16 6,9 9 1,9 0 - 3 0,9 Abaixo do INPC 102 44,2 213 45,3 119 36,7 159 50,3 Total 231 100,0 470 100,0 324 100,0 316 100,0 Fontes: DIEESE – Sistema de Acompanhamento de Salários (SAS). A Tabela 2 mostra que 1999 foi o ano mais difícil para as negociações salariais no período em tela, pois 50% das unidades de negociação analisadas previram reajustes salariais abaixo da variação do INPC-IBGE. O melhor ano da série para os reajustes salariais foi 1996, quando 51,9% das unidades de negociação registraram ganhos reais. Não obstante esses momentos extremos, todo o período foi marcado por um número expressivo de unidades de negociação que registraram reajustes salariais abaixo do INPC-IBGE. Este dado ilustra nitidamente as dificuldades enfrentadas pelas entidades sindicais em suas negociações salariais nos primeiros anos que se seguiram ao Plano Real. O segundo período a ser analisado compreende os anos de 2000 a 2003, também marcado por fortes oscilações no desempenho da economia e por um “repique” inflacionário em 2002 e 2003. Livro.indb 88 03/02/2011 11:34:07 89 No início da nova década havia indícios de recuperação da economia e do mercado de trabalho que se refletiram nos resultados das negociações salariais, como mostra a Tabela 3. Tabela 3 - Distribuição dos Reajustes Salariais em Comparação com o INPC-IBGE - Brasil – 2000 a 2003 Variação 2000 2001 2002 2003 nº % nº % nº % nº % 190 51,5 214 43,2 124 25,8 103 18,8 6 1,6 7 1,4 0 - 3 0,5 De 4,01% a 5% acima 3 0,8 3 0,6 2 0,4 1 0,2 De 3,01% a 4% acima 19 5,1 3 0,6 2 0,4 1 0,2 De 2,01% a 3% acima 28 7,6 26 5,3 3 0,6 9 1,6 De 1,01% a 2% acima 46 12,5 47 9,5 12 2,5 14 2,6 De 0,01% a 1% acima 88 23,8 128 25,9 105 21,9 75 13,7 Igual ao INPC 56 15,2 97 19,6 133 27,7 126 23,0 De 0,01% a 1% abaixo 60 16,3 99 20,0 74 15,4 51 9,3 De 1,01% a 2% abaixo 30 8,1 51 10,3 64 13,3 63 11,5 De 2,01% a 3% abaixo 13 3,5 11 2,2 43 9,0 43 7,8 De 3,01% a 4% abaixo 5 1,4 8 1,6 15 3,1 35 6,4 De 4,01% a 5% abaixo 6 1,6 4 0,8 18 3,8 33 6,0 Mais de 5% abaixo 9 2,4 11 2,2 9 1,9 94 17,2 Acima do INPC Mais de 5% acima Abaixo do INPC 123 33,3 184 37,2 223 46,5 319 58,2 Total 369 100,0 495 100,0 480 100,0 548 100,0 Fontes: DIEESE – Sistema de Acompanhamento de Salários (SAS). Em 2000, o DIEESE registrou uma considerável melhoria nos ganhos salariais em relação ao ano anterior, pois o percentual de negociações com reajustes acima do INPC-IBGE passou de 35% para 52%. Porém, a recuperação econômica ocorrida no primeiro ano da nova década foi abortada, entre outros fatores, pelo “apagão” no setor hidrelétrico. Ademais, a partir de 2002, a inflação voltou, gradativamente, a atingir patamares elevados, em decorrência, inclusive, das incertezas e especulações que caracterizaram o cenário político e econômico da sucessão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do primeiro ano do mandato do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Em 2003, o INPC-IBGE acumulado em algumas datas-bases superou a casa dos 20%. A Tabela 3 ilustra o impacto sobre as negociações salariais de todo esse movimento de idas e vindas no campo econômico. Livro.indb 89 03/02/2011 11:34:07 90 Em 2002 e 2003 as entidades sindicais novamente enfrentaram dificuldades para obter bons resultados em suas negociações salariais, sendo que, em 2003, 58% das unidades de negociação analisadas pelo DIEESE registraram reajustes abaixo do INPC-IBGE. Por fim, o último período relevante para a análise dos resultados das negociações salariais vai de 2004 a 2008. Findo o primeiro ano do primeiro mandato do Presidente Lula, dissiparam-se as incertezas no meio empresarial em relação à condução da política macroeconômica que, no essencial, preservou um manejo mais conservador das políticas monetária e fiscal, baseado na geração de superávits primários, no aumento das reservas cambiais e no controle da inflação por meio da manutenção de taxas de juros elevadas. A partir de 2004, a economia começou a dar sinais de recuperação mais consistentes, em face das boas condições da economia internacional, da gradativa retomada do fomento estatal ao desenvolvimento econômico e da ampliação dos programas públicos de geração e distribuição de renda, entre os quais a política de recuperação do salário mínimo é uma das peças centrais. Ademais, o ambiente político tornou-se mais favorável à interlocução entre o Estado e o movimento sindical, sendo a política de reajuste do salário mínimo objeto de negociação entre o governo e as centrais sindicais. A melhoria no cenário político e econômico se refletiu nas negociações salariais, cujos resultados tiveram melhorias bastante expressivas, tal como mostra a Tabela 4. Livro.indb 90 03/02/2011 11:34:07 91 Tabela 4 - Distribuição dos Reajustes Salariais em Comparação com o INPC-IBGE - Brasil – 2004 a 2008 Variação 2004 2005 2006 2007 2008 nº % nº % nº % nº % Acima do INPC 361 54,9 459 71,7 565 Mais de 5% acima 1 0,2 1 0,2 14 86,3 627 87,7 548 77,6 2,1 10 1,4 2 De 4,01% a 5% acima 23 3,5 3 0,5 17 0,3 2,6 8 1,1 5 0,7 De 3,01% a 4% acima 30 4,6 19 3,0 46 7,0 20 2,8 28 4,0 De 2,01% a 3% acima 54 8,2 52 8,1 130 19,8 93 13,0 65 9,2 De 1,01% a 2% acima 96 14,6 162 25,3 187 28,5 254 35,5 202 28,6 De 0,01% a 1% acima 157 23,9 222 34,7 171 26,1 242 33,8 246 34,8 Igual ao INPC 172 26,1 104 16,3 70 10,7 59 8,3 74 10,5 De 0,01% a 1% abaixo 69 10,5 58 9,1 20 3,1 26 3,6 73 10,3 De 1,01% a 2% abaixo 33 5,0 12 1,9 0 - 3 0,4 9 1,3 De 2,01% a 3% abaixo 14 2,1 2 0,3 0 - 0 - 1 0,1 De 3,01% a 4% abaixo 4 0,6 2 0,3 0 - 0 - 0 - De 4,01% a 5% abaixo 1 0,2 2 0,3 0 - 0 - O - Mais de 5% abaixo 4 0,6 1 0,2 0 - 0 - 1 0,1 Abaixo do INPC 125 19,0 77 12,0 20 3,1 29 4,1 84 11,9 Total 658 100,0 640 100,0 655 100,0 715 100,0 706 100,0 Fontes: DIEESE – Sistema de Acompanhamento de Salários (SAS). A partir de 2004, ampliou-se continuamente o percentual de unidades de negociação que registraram reajustes salariais acima do INPC-IBGE acumulado nas datas-base, embora, na maior parte do período analisado, os ganhos reais se situem em patamares modestos – de 0,01% a 1% acima do INPC-IBGE. Em 2005, 2006 e 2007, a ampla maioria das unidades de negociação registrou ganhos reais de salários e, mesmo em 2008, cujo último trimestre foi marcado pelo início de uma crise econômica internacional, os resultados das negociações salariais foram favoráveis aos trabalhadores. O Gráfico 1 resume os resultados das negociações salariais no período 19962008, em relação ao INPC-IBGE. Livro.indb 91 03/02/2011 11:34:07 92 Gráfico 1 - Distribuição dos Reajustes Salariais em Comparação com o INPC-IBGE - Brasil – 1996 a 2008 Fonte: DIEESE. Aqui cabe comentar, brevemente, a relação entre a política de valorização do salário mínimo e os resultados das negociações dos pisos salariais das diversas categorias de trabalhadores. Tal relação, aparentemente, é ambígua, pois, no período de 2004 a 2008, segundo dados do DIEESE, os valores dos pisos se aproximaram cada vez mais do valor do salário mínimo. A Tabela 5 ilustra esta afirmação. Livro.indb 92 03/02/2011 11:34:07 93 Tabela 5 - Distribuição dos Pisos Salariais por Faixas de Salário Mínimo Vigente na Data-base - Brasil – 2004 a 2008 Ano e Pisos Salariais Faixas de salário mínimo 2004 % 2005 % acumul. % 2006 % acumul. % 2007 % acumul. % 2008 % acumul. % % acumul. 1,00 0,9 0,9 1,1 1,1 2,7 2,7 3,4 3,4 5,8 5,8 1,01 a 1,25 23,5 24,4 25,3 26,3 48,0 50,7 52,9 56,3 50,4 56,2 1,26 a 1,50 21,6 46,0 23,7 50,0 21,9 72,6 20,9 77,2 21,0 77,1 1,51 a 1,75 16,7 62,7 19,1 69,1 9,3 81,9 10,4 87,6 13,1 90,2 1,76 a 2,00 15,4 78,1 11,4 80,6 6,6 88,5 4,2 91,8 4,6 94,9 2,01 a 2,25 10,2 88,3 5,6 86,2 2,4 90,9 2,5 94,3 2,2 97,1 2,26 a 2,50 2,5 90,7 4,5 90,7 2,9 93,8 1,1 95,4 0,6 97,8 2,51 a 2,75 3,4 94,1 3,2 93,9 1,8 95,6 0,9 96,3 1,0 98,7 2,76 a 3,00 0,6 94,8 0,8 94,7 0,9 96,5 1,4 97,7 0,0 98,7 Mais de 3,00 5,2 100,0 5,3 100,0 3,5 100,0 2,3 100,0 1,3 100,0 100,0 - 100,0 - 100,0 - 100,0 - 100,0 - Total Fonte: SAS-DIEESE. Obs.: para cada unidade de negociação foi considerado apenas um piso salarial, que corresponde ao menor valor fixado para o desempenho das atividades-fim das empresas. A tendência mostrada na Tabela 5 é que ao passo em que diminui o percentual de pisos salariais cujo valor ultrapassa três salários mínimos vigentes em cada data-base (de 5,2%, em 2004, para 1,3%, em 2008), amplia-se expressivamente o percentual de pisos na faixa de 1,01 a 1,25 salários mínimos (de 23,5% em 2004 para 50,4% em 2008). Essa tendência pode ensejar a conclusão de que a política de valorização do salário mínimo tem tido um efeito negativo sobre o reajuste dos pisos salariais. De fato, essa tendência corrobora o fato de que os salários pagos no País são muitos baixos e mostra que as entidades sindicais não conseguiram, no período em tela, incorporar aos pisos os mesmos percentuais de reajuste aplicados ao salário mínimo. Mas isso não significa que a política de valorização do salário mínimo atue em detrimento da negociação dos pisos salariais. Ao contrário, tal política tem forçado as empresas a “correrem atrás” do reajuste do mínimo no momento em que negociam o reajuste dos pisos salariais de seus empregados. Ou seja, o valor nominal do salário mínimo é um parâmetro inescapável que passou a orientar as decisões empresariais e as próprias estratégias sindicais. Livro.indb 93 03/02/2011 11:34:07 94 Mais ainda, o percentual de reajuste anual do salário mínimo pode se tornar uma referência, nas negociações coletivas, para a correção dos valores dos pisos, de forma a se evitar que o valor nominal dos pisos se aproxime em demasia do salário mínimo. Se isso ocorrer e mantida a atual política de ganhos reais para o salário mínimo, é possível que, em médio prazo, ocorra uma melhoria nos valores nominais dos pisos salariais. Isto é, uma vez que as empresas absorvam a política de recuperação do salário mínimo, num contexto de crescimento econômico, pode ocorrer um gradativo descolamento entre este e o valor nominal dos pisos de seus empregados. As consequências desse movimento são incontestáveis sobre a ampliação da massa salarial da economia. O balanço do período 2004 a 2008 indica que num contexto onde se conjugaram a estabilidade econômica e a retomada do crescimento econômico e em que o Estado promoveu políticas ativas de distribuição de renda, a reposição das perdas inflacionárias se tornou o patamar mínimo para as negociações salariais. Ou seja, o conflito distributivo entre capital e trabalho, nesse contexto, se deslocou para outro campo onde o que está em jogo é a apropriação dos ganhos de produtividade obtidos pelas empresas. Negociação Coletiva: Restrições e Desafios Nas três décadas que se seguiram ao final dos anos 70 a negociação coletiva consolidou-se como uma prática trabalhista corriqueira para a definição de reajustes salariais e de outras questões relacionadas às condições de trabalho no Brasil. Mais ainda, tornou-se uma das principais formas de ação sindical para a defesa do poder de compra dos salários, para a conquista de novos direitos ou aperfeiçoamento de direitos previstos em lei, particularmente nos momentos em que existiram fortes restrições à realização de greves, dadas as adversidades do ambiente econômico e político. Não obstante os êxitos alcançados – não isentos de custos, obviamente -, a prática da negociação coletiva se encontra restringida no País por uma série de empecilhos legais. De acordo com José Francisco Siqueira Neto, a negociação coletiva é uma prática que depende, entre outros fatores, das condições em que atuam os agentes negociadores. (SIQUEIRA NETO, 1994). Se há restrições à organização e à manifestação dos agentes, há, consequentemente, constrangimentos ao exercício da negociação e limites aos seus resultados. Livro.indb 94 03/02/2011 11:34:08 95 Siqueira Neto considera o enquadramento sindical compulsório um dos principais entraves ao desenvolvimento das negociações coletivas no Brasil, pois ele limita fortemente a liberdade de organização sindical e impede que a negociação coletiva ocorra em diversos níveis e âmbitos – por ramo de atividade e setor econômico, entre regiões e no interior de uma empresa, via organização nos locais de trabalho -, em consonância com as diferentes realidades vivenciadas pelas diversas categorias de trabalhadores e com as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, nas últimas décadas. Além disso, Siqueira Neto (1994) menciona outros limites legais à efetividade do potencial de solução de conflitos da negociação coletiva no País. Um deles é a limitação do período de negociação a uma determinada época do ano, a menos que se haja estabelecido uma cultura de negociação mais sistemática entre as partes. Além do mais, o período definido em lei para a consumação de todo o processo negocial pode ser insuficiente, conforme a complexidade das questões a serem tratadas e as dificuldades encontradas pelas partes para chegarem ao acordo. Outro limite é o fato de que os instrumentos normativos, findo o seu prazo de vigência, podem ter seu efeito suspenso, anulando-se a validade de conquistas e direitos já previstos, a menos que haja o ajuizamento do dissídio coletivo. Como a Emenda Constitucional nº 45 estabeleceu o princípio do comum acordo para instauração dos dissídios, o impasse numa negociação constitui-se em fator de pressão sobre os sindicatos, que os obriga, muitas vezes, a celebrarem acordos insatisfatórios. Outro obstáculo crucial ao desenvolvimento da negociação coletiva no Brasil é a existência de uma lei de greve conservadora e excessivamente formalista, que dificulta o exercício do direito de greve pelos trabalhadores. Um dos principais problemas identificados pelo autor na lei de greve brasileira é que ela “embute uma indisfarçada obsessão por transformar o exercício regular de um direito em delito, [empregando] vários ardis para poder proferir um julgamento sumário, transformando o direito de greve em exercício abusivo”. (SIQUEIRA NETO, 1994, p. 250). Por fim, as restrições ao pleno desenvolvimento da negociação coletiva no Brasil advêm da não-ratificação, pelo Poder Legislativo, das principais convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) condizentes com um sistema democrático de relações de trabalho. Entre elas se destaca a Convenção 158, que estabelece critérios para o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador, visando restringir a demissão imotivada. Livro.indb 95 03/02/2011 11:34:08 96 Outra questão que tem impactos importantes sobre a eficácia da negociação coletiva como forma de solução dos conflitos trabalhistas é a terciarização, que deslocou o eixo dos sistemas econômicos da indústria para os serviços. A negociação coletiva é uma prática sindical relacionada ao crescimento da classe trabalhadora inserida em grandes unidades industriais integradas. A grande indústria moderna propiciou um ambiente favorável à organização dos trabalhadores em sindicatos relativamente homogêneos e espacialmente próximos uns dos outros, favorecendo, dessa maneira, a ação coletiva e a constituição de vínculos identitários entre eles. Esses elementos influenciam a eficácia dos processos de negociação coletiva, pois propiciam a discussão de temas comuns a uma ampla parcela dos trabalhadores, a partir dos quais é possível estabelecer alguns parâmetros mínimos para a realização do trabalho assalariado – salários, contrato de trabalho, jornada, processos produtivos, tecnologia e qualificação profissional, entre outros. Inversamente, a predominância assumida pelo setor de serviços leva à intensa fragmentação dos trabalhadores segundo tipos de empresas e de contratos de trabalho, de patamares salariais e demais condições de trabalho. Além do mais, promove a dispersão geográfica das unidades produtivas. Ademais, a mão-de-obra sindicalizada liberada do setor industrial não necessariamente se ressindicaliza ou, então, passa a se associar a sindicatos mais frágeis e com menor tradição política. Mesmo no interior de sindicatos tradicionais do setor de serviços ocorre um processo interno de desmembramento das categorias que tem como consequência a pulverização dos processos de negociação coletiva e a crescente diferenciação entre os convênios coletivos de trabalho celebrados. Em face dessas mudanças, a negociação coletiva perdeu parte de seu poder para fixar as condições gerais de exercício do trabalho assalariado. É preciso considerar que apenas a superação das restrições legais ao exercício da negociação coletiva não garantirá a ampliação das conquistas trabalhistas, dadas as profundas desigualdades existentes no País ao nível do mercado de trabalho e da organização sindical. Não obstante, a superação das atuais restrições legais à negociação coletiva pode criar certas condições institucionais que favoreçam a ampliação da capacidade contratual do conjunto do movimento sindical brasileiro. Livro.indb 96 03/02/2011 11:34:08 97 AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de registrar seus agradecimentos a Miguel Huertas e Crystiane Peres, técnicos do DIEESE, por suas contribuições à discussão dos resultados das negociações salariais no período 1996-2008. REFERÊNCIAS CARVALHO NETO, A. Relações de trabalho e negociação coletiva na virada do milênio: estudo em quatro setores dinâmicos da economia brasileira. Belo Horizonte: Vozes, 2001. DIEESE. Balanço das negociações em 2003. São Paulo, 2004. ______. Balanço das negociações em 2004. São Paulo, 2005. ______. Balanço das negociações em 2005. São Paulo, 2006. ______. Balanço das negociações de reajustes salariais em 2006. São Paulo, 2007. ______. Balanço das negociações de reajustes salariais em 2007. São Paulo, 2008. ______. O comportamento das negociações coletivas nos anos 90: 19931996. São Paulo: Papirus, 1999. (Pesquisa DIEESE, n. 15). ______. Quadro das cláusulas introduzidas em negociações coletivas (1970 – 1999). São Paulo, 2003. OLIVEIRA, C. P. R. de. Política salarial no Brasil (1964-1984): idas e vindas do corporativismo estatizante. 1985. 197 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Departamento de Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1985. SIQUEIRA NETO, J. F. Contrato coletivo de trabalho: requisitos e condicionantes para sua implementação no Brasil. In: OLIVEIRA, C. A. et al. O mundo do trabalho: crise e mudança no final do século. Campinas: Scritta, 1994. SITRÂNGULO, C. J. Conteúdo dos dissídios coletivos de trabalho: 1947- Livro.indb 97 03/02/2011 11:34:08 98 1976. São Paulo: LTr, 1978. SOUZA, A. de. A nova política salarial e as negociações coletivas de trabalho no Brasil, 1979-1982: um estudo exploratório. Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, 1983. Mimeografado. Livro.indb 98 03/02/2011 11:34:08 NEGOCIAÇÕES COLETIVAS EM NOVO POLO AUTOMOTIVO: MMC E SIMECAT Alexander Dias Siqueira1 Rosana Ribeiro 2 Introdução Este capítulo compreende um estudo de caso voltado à análise das negociações coletivas entre o Sindicato dos Metalúrgicos de Catalão (SIMECAT) e a Mitsubishi Motors Corporation Automotores do Brasil S/A (MMC). Nele investigamos, por meio de alguns instrumentos coletivos, o modo como surgiu e se desenvolveu o processo de negociação coletiva entre esta empresa e o sindicato nascente, bem como os demais processos que se somaram à definição dos três acordos coletivos celebrados entre 2005 e 2007. A evidência empírica básica da pesquisa compõe-se de três acordos e suas respectivas pautas de reivindicações, duas convenções e entrevistas. A análise da base de dados é feita por meio do esquema de classificação de cláusulas segundo o objeto temático desenvolvido por Horn (2003). Este esquema permite uma análise fiel do escopo temático dos instrumentos coletivos, seja ao longo do tempo, seja entre diferentes unidades de negociação. Ainda com base em Horn (2003), comparamos as cláusulas classificadas com a legislação estatal respectiva. Esta comparação permitirá verificar se, e em que medida, os acordos do SIMECAT com a MMC criaram regras adicionais à vasta legislação estatal que caracteriza o sistema brasileiro de relações de emprego, além de indicar se os acordos estão, ou não, sendo utilizados pelos empregadores para o ajuste de regras de seu interesse. O capítulo é composto por seis seções. Na primeira seção apresentamos uma breve história da chegada da empresa no município de Catalão e da constituição da nova unidade de negociação. Na segunda seção apresentamos a evidência empírica básica da pesquisa e a metodologia de classificação de cláusulas coletivas sob a ótica do escopo temático e da comparação com a legislação estatal. Na terceira, apresentamos como se deu a dinâmica de formulação das pautas de negociações e apontamos a importância das comparações nas relações de trabalho, isto é, o uso de outros acordos mais maduros como referência. Por último, apresentamos os resultados dos acordos no que tange ao escopo temático e à comparação com a legislação. 1 Mestre pelo IE/UFU 2 Doutora pelo IE/UFRJ Livro.indb 99 03/02/2011 11:34:08 100 MMC e SIMECAT: Origens e Constituição A partir da década de 90 do século XX consolidou-se no País a abertura comercial, e simultaneamente a indústria nacional enfrentou graves problemas de competitividade em relação aos padrões de produção internacionais. Nesse quadro temos o reaquecimento da demanda doméstica e a ampliação do percentual de veículos importados na frota nacional. O resultado final foi um grave descompasso entre exportação e importação de veículos, num contexto de elevação do déficit da balança comercial. No intuito de contornar o agravamento no setor externo o Governo criou o Regime Automotivo Brasileiro por meio de Medida Provisória editada em dezembro de 19953. O principal objetivo desse Regime foi vincular o volume de importações, a expansão da produção local e o montante de exportações. Contudo, inexistia qualquer preocupação em estimular o repasse de tecnologia do exterior para o País. (BOTELHO, 2002). Diante dessas transformações e estímulos surgiu um novo surto de investimentos na indústria automotiva nos anos 90, que foi desencadeado por influência de fatores internos e externos como: a recuperação da demanda interna, a estabilidade de preços, a política de atração de novas montadoras, a consolidação do Mercosul, a concorrência acirrada entre as montadoras locais e os novos rivais, a instabilidade do oligopólio mundial e a estratégia de internacionalização das montadoras globais. (RIBEIRO; CUNHA, 2007b). Esse novo surto de investimento foi marcado por um processo de “desconcentração concentrada” na medida em que a indústria permaneceu concentrada no Sudeste e no Sul, bem como no Paraná, em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. Todavia, a novidade do período foi a instalação da Ford na Bahia, e da MMC no município de Catalão, em Goiás. (POSTHUMA, 2000). A MMC contou com estímulos oferecidos pelo Regime Automotivo, mas também com incentivos estaduais e municipais para sua instalação em Goiás. Dentre os estímulos fiscais recebidos destacam-se o Fundo de Participação e Fomento à industrialização do Estado de Goiás (FOMENTAR)4 e o Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO)5. 3 A partir do Regime Automotivo, a alíquota de importação se elevou de 20% para 70%, além do que as montadoras já instaladas poderiam importar com imposto aduaneiro de 30%, desde que, para cada veículo importado outro fosse exportado. (CARDOSO, 2000). 4 Esse fundo foi criado em 1984 e concedia às indústrias instaladas em Goiás a isenção de 70% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) por um prazo de 10, 7 ou 5 anos. Os financiamentos foram concedidos em parcelas iguais e fixas acrescidas de juros de 2,4% a.a, sem correção monetária. 5 Esse fundo, previsto na Constituição Federal de 1988, porém regulamentado em 1989, tem como objetivo o desenvolvimento econômico e social do Centro-Oeste brasileiro por meio de programas de financiamento das atividades produtivas dos setores agropecuário, industrial, agroindustrial, mineral, infraestrutura, turismo, comércio e serviços. A União disponibiliza 3% do produto da arrecadação do Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza e do Imposto sobre Produtos Industrializados. Livro.indb 100 03/02/2011 11:34:08 101 Esses incentivos também ajudaram na configuração do setor agroindustrial no Estado de Goiás. O desenvolvimento desse setor, por sua vez, gerou condições para a criação de atrativos para outros investimentos, sobretudo pela formação de um mercado consumidor não desprezível. O município de Catalão, em particular, tem na estrutura de seu Produto Interno Bruto uma grande contribuição do setor industrial, principalmente de empresas vinculadas aos segmentos minero-metal-mecânico. Ou seja, o município se localiza numa região de fronteira mineral. (SILVA SÓ, 2004). Entretanto, a estrutura industrial desse município tem pontos de convergência com o agronegócio, na medida em que os produtos industriais dessa região têm forte interação com o mercado regional da fronteira agropecuária fornecendo insumos, máquinas agrícolas e veículos. Vale mencionar, ainda, que Catalão é rico em diversas jazidas minerais, porém inexistem recursos minerais utilizados em larga escala pelo setor automobilístico. Noutras palavras, a base de recursos minerais de Catalão não influenciou a decisão de instalação da MMC no ano de 1998. (GUIMARÃES; RIBEIRO, 2006). Dentre os fatores que são apontados para a instalação dessa montadora em Catalão estão os incentivos fiscais federais, estadual e municipal; a ausência de tradição sindical; o elevado nível de escolaridade dos jovens locais; a inserção do município numa privilegiada malha rodo-ferroviária que facilita a movimentação de componentes, peças e produtos; o elevado índice de venda de veículos 4 por 4 na região Centro-Oeste. Outro ponto importante se refere ao processo de produção da MMC, que não contempla os setores mais sofisticados de uma empresa automotiva. Neste caso, a companhia não necessita de uma mão-de-obra qualificada e experiente que dificilmente seria encontrada em Catalão. Por outro lado, a MMC é uma montadora brasileira de capital 100% nacional. Estruturada sob a forma de quotas, tem um contrato de produção e venda dos veículos da marca Mitsubishi. A empresa nacional paga royalties à Mitsubishi japonesa e adquire 40% das peças de plantas localizadas no exterior. A MMC tem baixo índice de nacionalização e importa componentes e peças-chave na montagem de um veículo como motor, caixa de câmbio, estamparia, chassis, equipamentos eletrônicos etc. Somente os itens de menor valor agregado são adquiridos no mercado nacional. Além disso, a baixa produção de componentes dos veículos torna a MMC praticamente uma plataforma de montagem. Diante disso, não é difícil compreender por que a empresa não enfrentou maiores dificuldades de instalação em Catalão, que conta com uma importante rede rodo-ferroviária que facilita o transporte de peças e componentes importados e o deslocamento dos veículos produzidos na fábrica. (RIBEIRO; CUNHA, 2007b). Livro.indb 101 03/02/2011 11:34:09 102 No ano de 2007, a MMC e as empresas contratadas geraram 1.752 empregos diretos, sendo que 600 postos de trabalhos são oriundos das contratantes. No mais, o total de empregos indiretos atinge cerca de 5.000 postos de trabalho. Ou seja, num município com cerca de 75.000 habitantes, o volume de empregos gerados em função da instalação da MMC e seus impactos sobre os segmentos de serviços e comércio não são desprezíveis para a realidade local. Um dos motivos apontados para a instalação de manufaturas em locais sem tradição manufatureira é a ausência de cultura sindical. Entretanto, no caso da MMC, em janeiro de 2005, o Sindicato dos Metalúrgicos de Catalão (SIMECAT) foi criado, e esse motivo começou a se erodir6. O elevado nível de escolaridade dos operários da fábrica somado ao descontentamento e as poucas chances de mobilidade ocupacional existentes da fábrica contribuíram positivamente para a criação do sindicato. Em dezembro de 2005, o SIMECAT contava com 710 associados e o número de trabalhadores na categoria girava em torno de 2.500 trabalhadores. Porém, no ano de 2007, o número de filiações saltou para 1.112, sendo que 64% são trabalhadores da MMC. O sindicato no estágio atual é filiado à Força Sindical e conta com a assessoria técnica do Dieese em suas negociações coletivas. A partir da criação desse sindicato se desenrolaram os primeiros acordos coletivos com a MMC, que são objetos de investigação deste capítulo. Dados e Metodologia A evidência empírica básica da pesquisa compôs-se de três acordos coletivos e suas respectivas pautas de reivindicações, uma convenção coletiva e de entrevistas com os sindicalistas do SIMECAT, bem como com o técnico do Dieese que acompanha as negociações entre o Sindicato e a MMC. O critério de definição das pessoas entrevistadas tomou como referência as sete pessoas que compõem a mesa de negociação dos acordos coletivos. As entrevistas orientaram-se por um conjunto de questões relativas à relação sindicato-empresa, sindicato-trabalhador e empresa-trabalhadores, tendo como referência os processos de negociação coletiva e os acordos coletivos. O roteiro de questões foi aplicado no mês de setembro de 2008, sendo entrevistados o técnico do Dieese, o presidente e dois dirigentes do sindicato7. A investigação centrou-se no estudo dos acordos coletivos celebrados en6 Para maiores detalhes sobre a criação do Sindicato, ver Ribeiro e Cunha (2007b). 7 Em que pese a insistência em entrevistar o lado patronal sobre as negociações coletivas na MMC, isso não foi possível. Na melhor das respostas, um diretor afirmou que estas são informações estratégicas da empresa. Em várias outras situações, nas quais foram procurados o Gerente de Recursos Humanos e o advogado da empresa que acompanham as negociações, eles nunca estavam em condições de nos atender. Livro.indb 102 03/02/2011 11:34:09 103 tre a MMC e o SIMECAT, desde o primeiro instrumento coletivo, e das pautas de reivindicações respectivas. Convém ressaltar que além da MMC, os acordos contemplam as demais empresas parceiras no processo de produção dos veículos da marca Mitsubishi, ou seja, a circunscrição da unidade de negociação abrange também as empresas HPE componentes plásticos, RCM engenharia e Weldmatic. A análise dos dados da amostra foi feita após a classificação das cláusulas segundo o escopo temático. A metodologia de classificação de cláusulas baseia-se em Horn (2003). Quatro níveis de agregação são reunidos no esquema de Horn (2003, 2004). A Figura 1 busca fornecer a dimensão desses níveis. Figura 1 - Níveis de Agregação do Esquema de Classificação de Cláusulas segundo o Escopo Temático Fonte: Elaboração Própria dos Autores. O primeiro nível, que consiste da sua unidade básica, é o tópico temático da cláu- Livro.indb 103 03/02/2011 11:34:09 104 sula.8 O tópico temático é a unidade que caracteriza uma norma específica aplicável à relação de emprego. Os tópicos com escopo temático semelhante são reunidos em grupos temáticos que compreendem o segundo nível de agregação do esquema.9 O grupo temático caracteriza-se por um conjunto de normas confinantes, relativas ao conteúdo dos tópicos temáticos constantes em cada grupo. O terceiro nível de agregação reúne os grupos temáticos semelhantes em temas. Os temas compreendem normas de conteúdo diverso, mas que dizem respeito a um aspecto específico da relação de emprego. O tema intitulado ‘remuneração’, por exemplo, abrange todos os tópicos e grupos que se referem a este aspecto da relação de emprego. Por fim, no quarto nível de agregação, os temas dividem-se em normas substantivas e normas de procedimento. Como todas as variáveis são mensuradas em escala nominal, indicadores para um determinado acordo baseiam-se, antes de tudo, numa contagem de frequência dos códigos em cada acordo, ou seja, o próprio esquema de classificação oferece uma noção preliminar sobre o escopo temático dos acordos. Por exemplo: quanto mais tópicos temáticos o esquema possuir sobre remuneração, maior deverá ser a frequência de cláusulas classificadas nesse tema. No caso do primeiro nível de agregação da metodologia de classificação, que se refere ao tópico temático da cláusula coletiva, se faz necessário um reordenamento do conteúdo dessas cláusulas. Esse procedimento é relevante, pois tomar as cláusulas coletivas conforme sua redação e ordem originais pode acarretar sérios problemas metodológicos para a análise comparativa do conteúdo dos acordos ao longo do tempo e entre diferentes unidades de negociação As cláusulas originais, de modo geral, não são comparáveis. É o que ocorre, por exemplo, quando o acordo A inclui uma cláusula que estipula regras sobre mais de um tópico temático específico, ao passo que estas mesmas regras (idênticos tópicos temáticos e conteúdo normativo) são arranjadas em mais de uma cláusula no acordo B. Essa situação poderia acarretar um erro de interpretação quanto à extensão da cobertura temática dos acordos. Não obstante ambos os acordos estipularem regras idênticas, poder-se-ia deduzir, com base exclusivamente no número de cláusulas, que o acordo B abrange uma maior variedade de tópicos temáticos em virtude de possuir mais cláusulas. O procedimento analítico correto, neste caso, consistiria em comparar o conteúdo de uma única cláusula no acordo A com o conteúdo de mais de uma cláusula no acordo B. (HORN, 2004). Deste modo, o conteúdo dos acordos coletivos deve ser rearranjado, tanto 8 Por exemplo: as cláusulas que fixam uma percentagem de reajuste dos salários nominais vinculada ao aumento no custo de vida são classificadas no tópico temático (010101), “reajuste salarial baseado no aumento do custo de vida”. 9 Por exemplo: todas as cláusulas sobre reajuste de salários nominais são reunidas no grupo temático “Reajuste dos salários nominais” (grupo 0101), que compreende, dentre outros, os seguintes tópicos: reajuste salarial baseado no aumento do custo de vida, salários mínimos e reajuste salarial do novo empregado. Livro.indb 104 03/02/2011 11:34:09 105 quanto possível, com o intuito de individualizar as regras segundo seu tópico temático específico. Em particular, esse procedimento evita que normas sobre diferentes tópicos temáticos permaneçam mescladas em uma mesma cláusula. Segundo Horn (2003), no procedimento de classificação das cláusulas segundo o escopo temático, dois tipos de ajustamento são de particular interesse. Primeiro, se a cláusula original consistir de um composto de normas sobre diferentes tópicos temáticos, seu conteúdo deve ser separado em tantas normas individuais quantos forem os tópicos temáticos. À guisa de ilustração, o acordo coletivo celebrado em 2005 entre o SIMECAT e a MMC trazia a seguinte cláusula: Homologação de rescisão: As rescisões dos contratos de trabalho, independente do tempo de serviço do empregado, deverão ser homologadas na entidade sindical 01 (um) dia após o término do aviso prévio trabalhado ou em até 10 (dez) dias após a comunicação da dispensa no caso de aviso prévio indenizado. As empresas pagarão para a entidade sindical uma taxa de homologação de: a) Para trabalhadores associados ao sindicato: R$ 10,00 (dez reais); b) Para trabalhadores não associados ao sindicato: R$ 15,00 (quinze reais). (SIMECAT, 2005). Após a classificação essa cláusula foi desdobrada em três tópicos temáticos. A primeira parte foi classificada no código 050201, cujo tópico temático se refere à “Assistência do sindicato” e no código 050202, que se refere à “Data limite para pagamentos após rescisão do contrato de trabalho”. A segunda parte foi classificada no grupo 0903, que se refere às “Finanças do sindicato de empregados”, em código que foi criado (090308). O tópico temático foi denominado “Taxas de homologação de rescisão de contrato”. Neste caso, convém ressaltar que, ao longo da classificação dos instrumentos coletivos que compõem a base de dados deste artigo, algumas categorias foram acrescentadas ao esquema de classificação de Horn (2003), ou seja, foram utilizados os códigos do esquema original, mas também foram gerados novos códigos. Isso é natural que ocorra à medida que o esquema de classificação é aplicado a novas bases de dados. Enfim, como é possível perceber, após o rearranjo o conteúdo de cada norma passou a corresponder a um tópico temático específico. Segundo, se o conteúdo de mais de uma cláusula corresponder a um mesmo tópico temático ele deve ser combinado para resultar em uma única cláusula. Por exemplo, o acordo coletivo celebrado em 2005 entre o SIMECAT e a MMC trazia as seguintes cláusulas: Auxílio Alimentação: Aos trabalhadores empregados nas empresas signatárias deste Acordo Coletivo de Trabalho, fica assegurado o Auxílio Alimentação no valor nominal de R$ 50,00 (cinqüenta reais) mensais, a partir de 30 de janeiro de 2006 [...] Livro.indb 105 03/02/2011 11:34:09 106 Despesas com Alimentação: Fica limitado a 3,5% (três vírgula cinco por cento) do salário nominal, a parte do trabalhador no custeio de sua alimentação na empresa. (SIMECAT, 2005). O critério de decisão foi de que estas cláusulas deveriam ser classificadas em um único tópico temático (010502) referente a “Alimentação”. Entretanto, nada impede que seja criado um novo código referente a despesas com alimentação na empresa. Durante a classificação das cláusulas coletivas também é comum que surjam alguns problemas de confiabilidade na mensuração quando a regra impõe dúvidas sobre qual código deve ser utilizado. Em suma, como consequência do reordenamento o número de cláusulas tal como disposto originalmente no acordo poderá ser diferente do número de cláusulas após os ajustes, ainda que o conteúdo normativo do acordo seja exatamente o mesmo antes e após seu reordenamento. Após a classificação segundo o escopo temático, a cláusula classificada torna-se a unidade de investigação. Neste estudo, a expressão “cláusula” refere se às normas dos instrumentos coletivos após o reordenamento de seu conteúdo. São estas cláusulas que foram utilizadas na comparação com a legislação. Tendo em vista a amplitude da legislação que regula as relações de trabalho no Brasil, a análise, sob a ótica do escopo temático, por si só não permite concluir sobre a capacidade regulatória das negociações coletivas sem que se comparem os resultados dos acordos coletivos com a legislação. A questão central consiste em verificar se, e em que medida, as negociações coletivas de trabalho criaram regras adicionais à vasta legislação estatal que caracteriza o sistema brasileiro de relações de trabalho. Como regras adicionais devem-se considerar tanto as regras sobre aspectos das relações de trabalho que não são cobertos pela legislação estatal quanto as regras cujo conteúdo difere das normas estatais que tratam do mesmo objeto. Neste capítulo investigamos também em que medida os acordos coletivos de trabalho na MMC geraram regras adicionais à legislação estatal no período entre 2005 e 2007. O foco da análise concentra-se no conteúdo das regras substantivas10 em comparação com a legislação estatal. Desde logo registramos que foi levada em consideração toda a legislação trabalhista (inclusive os Precedentes Normativos e as Súmulas do TST) e também 10 De acordo com Wood et al. (1975). Dunlop (1993) oferece uma definição descritiva de regras substantivas, em normas que governam a relação de emprego e regras de procedimento em normas que administram as regras substantivas. Flanders (1970) apresenta uma dicotomia similar e sugere que as regras de procedimento regulam, entre outros aspectos, o comportamento das partes, incluindo a possibilidade de assistência a terceiros e o uso de árbitros. Livro.indb 106 03/02/2011 11:34:09 107 a legislação previdenciária em alguns casos. Neste sentido, são consideradas tanto as normas emanadas dos poderes Executivo e Legislativo quanto as emanadas do Poder Judiciário, neste caso aplicáveis apenas quando se recorre aos tribunais. A referência à comparação foi a legislação vigente em agosto de 2008. Os acordos, entretanto, compreendem o período entre 2005 e 2007. Cabe ressaltar este dado, pois não houve grandes modificações na legislação do trabalho durante esse período, particularmente na legislação que contempla os tópicos presentes nos acordos. O fato é que mudanças na legislação podem, por exemplo, alterar o conjunto de regras adicionais de um determinado acordo. Imaginemos que um acordo A no ano t-i traga uma cláusula que, comparada à legislação daquele ano, fosse classificada como uma cláusula sem norma estatal comparável, beneficiando os empregados. Entretanto, no ano t há uma mudança na legislação e com isso há a incorporação daquela regra existente no acordo A. A comparação daquele mesmo acordo com a legislação no ano t levaria a dizer que a cláusula agora apenas reproduz a lei. Com isso, um mesmo acordo comparado em momentos diferentes com as legislações vigentes poderia trazer resultados não uniformes. Por isso é preciso deixar claro que a legislação utilizada na comparação refere-se às normas vigentes em 2008. Apesar de se estabelecer um problema11, esta premissa não invalida o estudo comparativo das cláusulas coletivas em relação à legislação estatal, ao contrário, apenas justifica sua constante reavaliação. Além disso, ao se confrontar o estudo do ano t com o estudo do ano t-i, podemos induzir algumas conclusões sobre o papel da legislação na regulação do emprego. Por exemplo, se o acordo A no ano t-i apresentou um maior número de cláusulas adicionais em relação ao que se observou sobre esse mesmo acordo no ano t, deve haver fortes evidências de que houve algum grau de relaxamento na legislação entre esses períodos. De modo sintético, o esquema de comparação permite identificar se houve, ou não, fortalecimento das negociações coletivas como método de regulação das relações de emprego. De um lado, um número crescente de regras adicionais nos acordos coletivos indica fortalecimento. Por outro, se o alargamento do escopo temático das negociações for caracterizado por uma alta proporção de cláusulas cujo conteúdo já se encontre na legislação, dificilmente poderemos sustentar uma hipótese de fortalecimento das negociações coletivas. Nunca é demais ressaltar, porém, que incorporar cláusulas que estejam na lei e assegurar seu cumprimento 11 O problema surge, por exemplo, se for confrontado o resultado da comparação de um acordo A com a legislação do ano t com o resultado da comparação de um acordo B com a legislação do ano t-i. Por outro lado, o confronto entre o resultado da comparação de um mesmo acordo com a legislação de anos distintos pode estabelecer um guia sobre o papel desempenhado pela legislação estatal na regulação da relação de emprego ao longo do tempo. Neste caso um acordo fixo no tempo é o parâmetro para a análise. Livro.indb 107 03/02/2011 11:34:09 108 pode ser positivo quando se está em áreas onde as relações de trabalho ainda se encontram em estágios iniciais. Imaginando um país de dimensões continentais como o Brasil, marcado por intensas desigualdades regionais, é possível afirmar que o cumprimento da lei, em algumas situações, representa um grande avanço. Em síntese, a metodologia para a mensuração das cláusulas substantivas dos acordos coletivos em comparação com a legislação inicia-se pela distinção entre dois tipos primordiais de normas jurídicas: normas de conduta e normas de organização. De acordo com Horn (2003), as normas de conduta estabelecem os direitos e obrigações dos agentes sociais, ao passo que as normas de organização consistem em regras subsidiárias que auxiliam na formulação e na eficácia das normas de conduta. Existem três dimensões básicas para a análise do conteúdo das cláusulas substantivas em comparação com a legislação estatal a serem consideradas ao se projetarem categorias para a classificação de cláusulas. Horn (2003) formulou essas três dimensões como questões, tal como segue abaixo. Em seguida, apresenta um quadro-resumo das dimensões da análise das cláusulas substantivas em comparação com a legislação. Além disso, o Quadro 1 detalha a metodologia que compõe o estudo comparativo entre as clausulas do acordo coletivo e a legislação existente. 1. A cláusula substantiva do acordo coletivo estabelece uma norma imperativa? 2. Qual das partes da relação de emprego se beneficia da cláusula substantiva? 3. Qual a relação entre os vínculos lógicos que estabelecem direitos e obrigações em uma cláusula de acordo coletivo e na norma estatal relacionada? Além disso, o Quadro 1 detalha a metodologia que compõe o estudo comparativo entre as clausulas do acordo coletivo e a legislação existente. Livro.indb 108 03/02/2011 11:34:09 109 DIMENSÃO Norma imperativa? Beneficiário da cláusula Vínculos lógicos CARACTERIZAÇÃO Sim Cláusulas que fixam regras de cumprimento obrigatório Não Cláusulas que consistam de mera declaração de intenção Empregado Quando o direito ajustado na cláusula substantiva for favorável ao empregado Empregador Quando o direito ajustado na cláusula substantiva for favorável ao empregador Cláusula sem norma estatal comparável Cláusulas substantivas que convencionam regras cujo objeto temático não é regulado na legislação estatal Cláusula mais ampla Cláusulas substantivas que estipulam normas que, do ponto de vista dos empregados, são mais favoráveis do que as previstas na legislação estatal Cláusula operacional¹ Cláusulas substantivas relacionadas a normas estatais que não são plenamente operacionais e que requerem um complemento normativo para torná-las eficazes. Cláusula que reproduz a norma estatal Cláusulas substantivas 'igual a lei' presumem a existência de regras estatais que focalizam o mesmo objeto temático da cláusula coletiva. Estas cláusulas simplesmente reproduzem a legislação estatal Cláusula disputável Duas classes de regras compõem a categoria 'disputável'. A primeira classe consiste de direitos dos empregadores em conflito com direitos dos empregados já assegurados na legislação. A segunda classe compreende direitos dos empregados cujo conteúdo seja mais restrito do que o de normas fixadas pela legislação estatal. Em ambos os casos, as cláusulas 'disputáveis' produziriam uma redução no conjunto de direitos dos empregados já garantidos em lei. 1 Durante a mensuração das cláusulas substantivas dos acordos coletivos, Horn (2003) identificou três classes de norma estatal “não-operacional”, a saber: i) norma estatal que proíbe determinada conduta, a não ser que esta conduta seja permitida em regra coletiva; ii) norma estatal de enunciado impreciso. A imprecisão pode ocasionar disputas através do ajuste de cláusulas que estipulem meios de aplicação da norma estatal; e iii) norma estatal que explicita mais de uma alternativa de aplicação, em cujo caso os acordos coletivos podem elucidar qual alternativa deverá, quer seja obrigando as partes a uma das alternativas, quer seja fixando requisitos para o emprego de cada alternativa. Quadro 1 - Dimensões da Análise das Cláusulas Substantivas em Comparação com a Legislação Fonte: Horn (2003). Livro.indb 109 03/02/2011 11:34:09 110 Os possíveis resultados das três questões formuladas anteriormente podem ser combinados e originarem 11 categorias de classificação das cláusulas de acordos coletivos, tal como exposto no Quadro 2. Neste, apresentamos o esquema de classificação das cláusulas coletivas em comparação com a legislação estatal. Dimensões da análise • Não há norma estatal que focalize o mesmo objeto da cláusula Categorias/ códigos ‘Sem norma estatal’, beneficiando os empregados 1 • Cláusula estipula direitos mais amplos ‘Mais ampla’ do que os da legislação estatal comparável 2 • Cláusula estipula regras que tornam operacional a legislação estatal comparável ‘Operacional’, beneficiando os empregados 3 • Cláusula reproduz a legislação estatal ‘Igual à lei’, beneficiando os empregados 4 • Não há norma estatal que focalize o mesmo objeto da cláusula ‘Sem norma estatal’, beneficiando os empregadores 5 • Cláusula estipula regras que tornam operacional a legislação estatal comparável ‘Operacional’, beneficiando os empregadores 6 • Cláusula reproduz a legislação estatal ‘Igual à lei’, beneficiando os empregadores 7 • Cláusula estipula direitos de empregadores em conflito com direitos de empregados previstos na legislação estatal ‘Disputável’ I 8 • Cláusula estipula direitos de empregados menos favoráveis do que os da legislação estatal ‘Disputável’ II 9 Cláusulas não-imperativas que beneficiam os empregados Cláusulas não-imperativas que beneficiam os empregados 10 Cláusulas não-imperativas que beneficiam os empregadores Cláusulas não-imperativas que beneficiam os empregadores 11 Cláusulas imperativas que beneficiam os empregados Cláusulas imperativas que beneficiam os empregadores Quadro 2 - Esquema de Classificação das Cláusulas Substantivas em Comparação com a Legislação Estatal Fonte: Horn (2003). Livro.indb 110 03/02/2011 11:34:09 111 As categorias 1 a 9 referem-se a cláusulas substantivas imperativas, enquanto as categorias 10 e 11 referem-se a cláusulas não-imperativas. (Quadro 2). As categorias foram agrupadas de acordo com a parte que realmente se beneficia da regra convencionada. As categorias 1 a 4 abrangem as cláusulas substantivas imperativas que beneficiam os empregados, e as categorias 5 a 9, as cláusulas que beneficiam os empregadores. Uma distinção similar é encontrada nas categorias 10 e 11. Segundo Horn (2003), em cada grupo de cláusulas imperativas as categorias foram definidas com base nos resultados possíveis para os vínculos lógicos entre direitos (ou obrigações) nas cláusulas coletivas e direitos (ou obrigações) na legislação estatal. Principais Influências nas Negociações Coletivas do Novo Polo Automotivo Em toda sua trajetória de constituição o SIMECAT teve contribuições importantes da Força Sindical (FS) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas (CNTM). Tais contribuições são reconhecidas pelos dirigentes sindicais, segundo os quais o apoio e participação da FS e da CNTM ao longo das negociações coletivas com a MMC foram fundamentais à definição do Acordo Coletivo de 2005. Segundo o presidente do SIMECAT, o Acordo Coletivo de 2005 reproduziu muitas cláusulas presentes na Convenção do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de São Paulo (SITIMESP), que também é associado à Força Sindical e à CNTM. Mais ainda, afirma que o grande objetivo do SIMECAT em relação aos acordos coletivos firmados com a MMC seria torná-los cada vez mais próximos dos direitos alcançados pelos metalúrgicos de São Paulo. Evidentemente, havia o reconhecimento de que isso seria um processo, dado que na ocasião do primeiro acordo do SIMECAT, o Sindicato ousava seus primeiros passos, enquanto o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo já possuía uma longa tradição em negociações. Isso pode ser percebido por meio da comparação entre os instrumentos coletivos. No que se refere à utilização da Convenção de São Paulo como um parâmetro (cláusulas copiadas literalmente e cláusulas semelhantes), o presidente do SIMECAT chega afirmar que eles simplesmente tomaram essa convenção e copiaram várias cláusulas para a pauta de reivindicações do SIMECAT. Note-se um exemplo: Livro.indb 111 03/02/2011 11:34:09 112 Convenção SP – As empresas concederão, em caráter excepcional, na forma do art. 144, da CLT, um Abono especial, desvinculado do salário, de 30% (trinta por cento), que será pago nas datas abaixo e da seguinte forma [...] Acordo SIMECAT – As empresas concederão aos seus empregados, em caráter especial e eventual, na forma do art. 144 da CLT, um Abono especial, totalmente desvinculado do salário, equivalente a 24% (vinte e quatro por cento) do salário base vigente em 31 de outubro de 2005, em 02 (duas) parcelas, na forma e condições a seguir [...]. (SITIMESP, 2004). Desconsiderando-se a capacidade de barganha e as condições econômicas existentes nos dois casos comparados, que sem dúvida se refletem nos percentuais do abono, além de algumas pequenas alterações na elaboração da frase, há fortes evidências de que esta cláusula foi copiada da Convenção de São Paulo para o Acordo de Catalão. Segundo o dirigente do SIMECAT, foi exatamente isso que aconteceu neste caso. Esta confirmação permite afirmar, de forma mais acurada, a existência de influência da Convenção sobre o Acordo. Segundo o presidente do SIMECAT, a Convenção de São Paulo foi o grande parâmetro para a elaboração do acordo de 2005. Pelo menos 11 tópicos temáticos contemplam cláusulas com um elevado grau de semelhança, ou seja, aproximadamente 32,35% do acordo são compostos por cláusulas que foram baseadas na Convenção de São Paulo. Além disso, excetuando-se a cláusula sobre Comissão de Conciliação Prévia, que foi proposta pelo próprio Presidente do SIMECAT, a maioria das cláusulas restantes foi elaborada com base em orientações dos sindicalistas de São Paulo. Inclusive, a cláusula sobre PLR existente no Acordo do SIMECAT, sem cláusula comparável na Convenção de São Paulo, foi uma sugestão de um sindicalista paulista. Portanto, esses elementos confirmam as informações fornecidas pela direção sindical, que afirma a forte participação da Força Sindical no processo de barganha e o uso da Convenção Coletiva dos Metalúrgicos de São Paulo como um parâmetro para a negociação do primeiro acordo do SIMECAT. Interpretação dos Resultados dos Acordos Coletivos Neste estudo, a amplitude do escopo temático nos acordos foi medida por meio da frequência de cláusulas classificadas em cada tema. A principal constatação foi de que não houve maiores alterações no tamanho e no escopo temático Livro.indb 112 03/02/2011 11:34:10 113 dos acordos firmados entre 2005 e 2007, em que pesem algumas mudanças relevantes no conteúdo normativo desses acordos. (Tabela 1). Tabela 1 – Frequência de Cláusulas por Temas nos Acordos do SIMECAT Acordo Remuneração Duração do Trabalho Férias e Licenças Remuneradas Segurança no emprego e Rescisão do Contrato de Trabalho Cláusulas de procedimento Total 2005 18 1 2 5 8 34 2006 19 1 2 3 7 32 2007 19 1 2 3 7 32 Fonte: Acordos Coletivos de Trabalho do SIMECAT. No tema “Remuneração”, os acordos de 2006 e 2007 trouxeram uma novidade, que foi o cartão de compras descontado em folha no valor de R$ 100,00 e R$ 200,00, respectivamente. Já no tema “Segurança no emprego e rescisão do contrato de trabalho”, além das cláusulas constantes nos acordos de 2006 e 2007, o acordo de 2005 contemplava duas cláusulas no grupo “procedimentos administrativos para rescisão do contrato”: uma no tópico “Assistência do Sindicato” e outra no tópico “Data limite para pagamentos após rescisão do contrato de trabalho”. Estas foram as únicas modificações que ocorreram entre os acordos. No restante, as regras acordadas mantiveram-se exatamente as mesmas, isto é, houve uma cópia literal, com ajustamentos em alguns casos. Nos três acordos, a maioria das cláusulas classificadas foi de cláusulas substantivas, aproximadamente 80% do total, com maior frequência de cláusulas classificadas no tema remuneração, 53% das cláusulas presentes no Acordo Coletivo de 2005, e 59% nos dois acordos seguintes. Os tópicos temáticos cobertos pelos acordos estudados incluem cláusulas que se referem à remuneração, duração do trabalho, férias e licenças remuneradas, segurança no emprego e rescisão do contrato de trabalho. (Quadro 3). Livro.indb 113 03/02/2011 11:34:10 114 Cláusulas substantivas Remuneração Reajuste dos salários nominais baseado no aumento do custo de vida Reajuste dos salários nominais de empregado admitido após a última data-base de revisão de dissídio (empregado novo) Salários mínimos Salário de admissão Deduções em folha Critério de cálculo da remuneração em casos especiais Compensações de jornada* Taxa geral (horas extras) Domingos, feriados, descanso semanal Adicional noturno Cláusulas de procedimento Relações sindicais Liberação de dirigente sindical Contribuição de empregadores a sindicato de empregados Contribuição para custeio do sistema confederativo Taxas de homologação de rescisão de contrato* Delegados sindicais Procedimentos de negociação e de resolução de conflitos Cumprimento do instrumento coletivo Procedimentos para criação de CCP Normas complementares sobre o instrumento coletivo Período de vigência Validade de disposições normativas de instrumento anterior Remuneração extraordinária Alimentação Transporte Seguro de vida* Creche Complementação do auxílio-doença PLR Duração do trabalho Redução ou supressão de jornada Férias e Licenças remuneradas Estudante Requisição de documentos exigidos por lei Segurança no emprego e Rescisão do Contrato de Trabalho Acidente e auxílio-doença Empregado próximo da aposentadoria Assistência do sindicato Data-limite para pagamentos após rescisão do contrato de trabalho Normas especiais * Tópicos acrescentados ao esquema original de classificação de cláusulas Quadro 3 - Tópicos Temáticos Cobertos pelos Acordos entre o SIMECAT e a MMC no Período de 2005 a 2007 Fonte: Elaboração Própria dos Autores. Livro.indb 114 03/02/2011 11:34:10 115 Considerando-se a média dos três acordos, a maioria das cláusulas, aproximadamente 78%, referia-se a normas que governam a relação de emprego, isto é, normas substantivas, enquanto um percentual bem menor, em torno de 22%, dizia respeito a normas de procedimento. As cláusulas substantivas envolveram temas como remuneração, duração do trabalho, férias e licenças remuneradas, segurança no emprego e rescisão do contrato de trabalho. Já as cláusulas de procedimento contemplaram temas como relações sindicais, procedimentos de negociação e de resolução de conflitos, além de normas complementares sobre o instrumento coletivo. A leitura dos acordos, sob a ótica do escopo temático, mostrou que a maioria das cláusulas classificadas dizia respeito a cláusulas substantivas, particularmente no tema remuneração. Além disso, verificamos que o número de tópicos temáticos que caracterizou o primeiro instrumento coletivo manteve-se praticamente constante nos anos seguintes, indicando uma inércia das cláusulas acordadas. Apesar de não haver mudanças no escopo temático dos acordos, houve algumas mudanças significativas no conteúdo normativo de algumas cláusulas acordadas, destacando-se, em primeiro lugar, o foco das negociações. Assim como em 2005, em 2006 e 2007 o foco foram as cláusulas relativas à remuneração. Foi o que ocorreu com a cláusula sobre cesta básica. Em 2005, o valor acordado da cesta foi de R$ 50,00. Em 2006 conseguiram uma cesta de R$ 60,00, e em 2007 houve um ganho expressivo, com o valor da cesta atingindo R$ 100,00. Considerando-se a inflação acumulada em outubro de 2006 e outubro de 2007, de 2,71% e 4,78%, respectivamente, é razoável dizer que a magnitude do benefício ampliou-se, o que não deixa de ser uma conquista muito importante. De modo similar, o valor fixado para os pisos salariais sempre esteve acima do salário mínimo oficial. O salário mínimo medido para os meses de outubro de 2005, 2006 e 2007 foram de R$ 300,00, R$ 350,00 e R$ 380,00. Já os valores acordados para os pisos na MMC nesses períodos foram de R$ 620,00, R$ 650 e R$ 700,00. Portanto, bem superiores ao salário mínimo do período correspondente. Os reajustes salariais de 2006 e 2007 mais do que superaram a inflação acumulada no período dos acordos, permitindo, desta forma, aumentos reais de salários. Esse ganho foi de 2,29% em 2006 e de 2,67% em 2007. Também chamou a atenção nos acordos de 2006 e 2007 a extensão de alguns benefícios antes limitados à MMC e à HPE para a RCM e a Weldmatic. Na primeira negociação coletiva, o SIMECAT enfrentou a resistência das empresas Livro.indb 115 03/02/2011 11:34:10 116 contratadas que desejavam que cada processo de negociação fosse estabelecido empresa por empresa. Os dirigentes sindicais afirmam que essas empresas alegaram que não poderiam arcar com vários benefícios obtidos pelos trabalhadores da MMC. De fato, o primeiro acordo trazia uma série de cláusulas discriminando a regra de acordo com a empresa. No acordo de 2006, contudo, já foi possível incorporar os benefícios de pagamento de horas extras à Weldmatic, e no acordo de 2007 os trabalhadores da RCM, apesar de não terem sido incluídos nos mesmos critérios de pagamento de horas extras das demais empresas, tiveram um critério de pagamento mais amplo do que o previsto na legislação estatal. O mesmo ocorreu no caso do adicional noturno, que nos acordos de 2005 e 2006 era pago na forma da lei para a RCM e a Weldmatic. Em 2007, a Weldmatic foi incorporada nos critérios de pagamento da MMC e da HPE, e a RCM passou a estabelecer critérios mais amplos de pagamento em relação à legislação estatal. Alguns pontos emblemáticos da reforma legal dos anos 1990 e que merecem destaque neste estudo dizem respeito às normas de conteúdo flexível - Abono, PLR e Comissão de Conciliação Prévia (CCP), presentes nos acordos de 2005, 2006 e 2007. No caso do abono, alguns estudos (KREIN, 2002) destacam-no como uma estratégia empresarial a ser utilizada com vistas a substituir a remuneração salarial. De fato, o abono não é salário fixo, ou seja, ele pode vir a ser retirado ou ter seus valores reduzidos com maior facilidade. Confirmando essa possibilidade, se no acordo de 2005 o abono foi de 24% do salário, em 2006 esse percentual caiu para 13%, com certa recuperação em 2007, quando alcançou 20% do salário. Algo semelhante ocorreu com a Participação nos Lucros e Resultados (PLR). No acordo de 2006 houve uma pequena correção nos valores a serem pagos, enquanto o valor negociado em 2007 não alcançou nem o valor pago no acordo de 2005. Isso, entretanto, não foi visto de forma totalmente negativa pelos trabalhadores, visto que a empresa reduziu as exigências para que o trabalhador fizesse jus à gratificação. Já a CCP, incorporada no Acordo de 2005, apesar de continuar existindo formalmente nos acordos de 2006 e 2007, na prática nunca teve instaurada uma comissão. Isso revela, senão uma despreocupação do sindicato nas questões concernentes aos conflitos de trabalho, pelo menos uma imprudência em não manter uma comissão preparada para solucionar potenciais conflitos do trabalho. O Livro.indb 116 03/02/2011 11:34:10 117 mesmo vale para a empresa que, segundo os sindicalistas, também não revelou interesse em ativar a comissão. Em suma, o escopo temático não se ampliou nos acordos estudados, porém algumas conquistas são observadas, como a elevação no valor da cesta básica. Uma possível explicação para esse congelamento do escopo temático se deve à opção dos sindicalistas em estender as cláusulas relativas aos trabalhadores da MMC para os operários das empresas contratadas. Os dirigentes sindicais foram exitosos nessa tentativa e, atualmente, os trabalhadores da empresa contratante e das contratadas têm várias cláusulas comuns no acordo coletivo No que se refere às cláusulas classificadas nos acordos da MMC em comparação com a legislação estatal, a evidência analisada sugere que os acordos coletivos desempenharam uma importante função regulatória, fazendo crescer o conjunto de direitos dos empregados. Os dados demonstram, ainda, que esta não foi a única função de interesse desempenhada pelos acordos coletivos, que, em alguma medida, também foram utilizados pelos empregadores para o ajuste de regras de seu interesse. Cláusulas adicionais compreendem as cláusulas substantivas imperativas classificadas em uma das seguintes categorias: ‘sem norma estatal’, beneficiando os empregados; ‘mais ampla’; ‘sem norma estatal’, beneficiando os empregadores; ‘disputável’ I; e ‘disputável’ II. As cláusulas classificadas nas categorias ‘igual à lei’ e as cláusulas não-imperativas são exemplos manifestos de cláusulas não-adicionais. Já as cláusulas ‘operacionais’ formam um caso limítrofe. Segundo Horn (2003), embora possam ser encontradas, em escopo e conteúdo na legislação estatal, as normas inscritas neste tipo de cláusula não consistem de mera cópia da lei, mas provêm de uma escolha entre alternativas de aplicação da legislação estatal. No acordo de 2005, aproximadamente 74% das cláusulas coletivas compreendiam cláusulas adicionais. A maioria delas composta por cláusulas mais amplas (35%) e por cláusulas sem norma estatal comparável, beneficiando empregados (31%). Entretanto, os resultados mostram que o acordo também foi utilizado pela MMC para o ajuste de regras de seu interesse, com 8% de cláusulas que estipulavam direitos de empregados menos favoráveis do que os da legislação estatal, e 4% de cláusulas não-imperativas que beneficiavam a empresa. As cláusulas não-adicionais envolveram aproximadamente 19% do acordo, sendo que deste percentual 15% foram compostos de cláusulas que reproduziram a lei, beneficiando os empregados. Houve, ainda, em torno de 8% de cláusulas que estipularam regras que tornaram operacional a legislação estatal comparável, beneficiando os Livro.indb 117 03/02/2011 11:34:10 118 empregados. Os acordos de 2006 e 2007 conservaram essas características, elevando, contudo, o percentual de cláusulas adicionais para 76%. Importante de se observar é que, com o SIMECAT, houve uma ampliação da regulação do emprego por meio da negociação coletiva, pois, ainda que o escopo temático da Convenção do SIMELGO tenha se apresentado mais amplo, havia ali um conjunto significativo de cláusulas não-adicionais (51%), comparado com o número de cláusulas adicionais ((45%). Além disso, 19% das cláusulas na Convenção do SIMELGO traziam regras favoráveis ao empregador. Um quadro comparativo com a percentagem de cláusulas, segundo as categorias, para os acordos do SIMECAT e a Convenção do SIMELGO segue abaixo: Tabela 2 - Percentagem de Cláusulas, segundo as Categorias, nos Acordos do SIMECAT e na Convenção do SIMELGO CÓDIGO CATEGORIAS SIMECAT SIMELGO 2005 2006 2007 2004 1 Sem norma estatal 31% 36% 36% 24% 2 Mais ampla 35% 32% 32% 7% 3 Operacional 8% 8% 8% 5% 4 Igual a lei 15% 16% 16% 39% 5 Sem norma estatal 0% 0% 0% 0% 6 Operacional 0% 0% 0% 10% 7 Igual a lei 0% 0% 0% 0% 8 Disputável I 0% 0% 0% 2% 9 Disputável II 8% 8% 8% 12% 10 Cláusulas não-imperativas que beneficiam empregados 0% 0% 0% 7% 11 Cláusulas não-imperativas que beneficiam empregadores 4% 4% 4% 5% Fontes: Acordos Coletivos SIMECAT 2005, 2006 e 2007 e Convenção SIMELGO 2004. Estes resultados confirmam a importância do SIMECAT no processo de negociação com a MMC. Com a instituição do sindicato houve um salto significativo no número de regras adicionais acordadas e também se reduziu o espaço ao poder discricionário do empregador. Ademais, mesmo quando se observa um elevado percentual de cláusulas que apenas reproduzem a legislação, é preciso ter cautela porque um modelo de relações de trabalho como o brasileiro, em que o poder discricionário do empregador desafia a preponderância da lei, o instrumento de negociação passa a ser um interlocutor importante no cumprimento da legislação. Essa afirmação se torna ainda mais emblemática quando se considera o caso de um greenfield, como Catalão, município que, quando abrigou uma montadora, Livro.indb 118 03/02/2011 11:34:10 119 encontrava-se ainda na “pré-história” das relações de emprego. Entretanto, dois pontos chamam a atenção, ambos ligados ao cenário macroeconômico vigente à época da instalação da MMC em Catalão e da realização do primeiro acordo entre essa empresa e o SIMECAT. No primeiro caso, o que se deve destacar é que, mesmo em um cenário recessivo – marcado pelo processo de desconcentração industrial e pela reestruturação produtiva das empresas, visando reduzir custos, bem como pelas mudanças na legislação do trabalho –, a MMC conseguiu ampliar a produção e o seu capital utilizando-se de um modelo híbrido de produção, isto é, que emprega, ao mesmo tempo, equipamentos modernos com outros tecnologicamente defasados, técnicas gerenciais tayloristas e técnicas modernas. Isto foi possível pela forte vinculação dos produtos oferecidos pela empresa com o agronegócio, em alta no período. No segundo caso, destaca-se a recuperação do crescimento econômico e o bom desempenho do setor automobilístico a partir de 2004. Em ambas as situações, a empresa encontrava-se em expansão da produção e do emprego. Significa dizer que, considerando-se as limitações de oferta de trabalho em um município do tamanho de Catalão, isso possibilitaria um maior poder de barganha aos trabalhadores, cujo desdobramento estaria no resultado das negociações. Feitas estas ponderações, o que as vias factuais mostram é que, mesmo diante de uma série de contratendências e do refluxo do movimento sindical no País, os trabalhadores da MMC conseguiram articular a criação de um sindicato dos metalúrgicos que representasse efetivamente a categoria local. Em que pesem todas as consequências já apresentadas neste trabalho sobre a descentralização das negociações, o fato é que, no caso dos metalúrgicos de Catalão, o acordo realizado diretamente com a empresa foi benéfico aos trabalhadores, pois possibilitou a incorporação de um conjunto de regras adicionais à legislação estatal, ainda que o escopo temático da negociação se apresentasse menos amplo. Considerações Finais O estudo desenvolvido neste capítulo se concentrou num greenfield do setor automotivo. A escolha decorreu da importância que as negociações coletivas neste setor assumiram no Brasil, sobretudo, a partir da década de 80. Uma das novidades dos anos 90 foi a intensificação do deslocamento da indústria automotiva da região metropolitana de São Paulo em direção aos estados da região Sul e Sudeste. Livro.indb 119 03/02/2011 11:34:10 120 A instalação de planta automotiva em Goiás e na Bahia representa uma novidade ainda maior em termos da tradicional localização geográfica do setor automotivo. No caso da MMC em Catalão/GO, os principais motivos apontados para sua instalação estão relacionados às características da mão-de-obra local, sem cultura sindical e com predisposição a baixos salários; ao elevado nível de escolaridade dos trabalhadores; ao quantitativo de jovens com pouca experiência de trabalho, o que favorece os baixos salários; à localização privilegiada de Catalão numa malha rodo-ferroviária que facilita a movimentação de componentes, peças e produtos da empresa; ao elevado índice de venda do produto 4 por 4 no Centro-Oeste, e às políticas de incentivos fiscais dos governos estadual e municipal. Transcorridos seis anos da instalação da empresa no município goiano, em 2004 a SIMECAT tornou-se o responsável pela representação dos trabalhadores da MMC nas negociações coletivas, tendo-se firmado o primeiro acordo em 2005. Este acordo, bem como os de 2006 e 2007, foram objeto de análise deste estudo. Convém relembrar que desde sua implantação em 1998, a empresa foi ampliando sua planta produtiva, motivada pelo crescimento das vendas. Estas cresceram ao longo das negociações, puxando também o aumento do emprego na fábrica. Em 2006, a montadora já era responsável por aproximadamente 50% das receitas do município de Catalão e, mesmo no período mais crítico para o setor automotivo, como foi 1998 e 1999, a MMC se expandiu. Neste caso, o ritmo da empresa deveu-se ao seu mercado consumidor em expansão, particularmente devido ao bom desempenho do agronegócio nesse período. Após 2004, entretanto, o cenário nacional foi favorável. Isso é importante porque essas condições influenciam no resultado da barganha. Em 2005, realizou-se a primeira barganha entre SIMECAT e MMC. O estudo revelou forte influência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo nessa negociação. Essa influência pode ser apreendida por meio da comparação entre a pauta de reivindicações do SIMECAT e a Convenção Coletiva dos Metalúrgicos de São Paulo, bem como nas entrevistas realizadas junto aos sindicalistas. Nas negociações realizadas nos anos seguintes o sindicato ganhou maior autonomia na elaboração de sua pauta de reivindicações que se concentrou, sobretudo, em questões locais como: remuneração e extensão de direitos antes limitados à MMC às empresas subcontratadas (HPE, RCM e WELDMATIC). No que se refere à leitura dos acordos sob a ótica do escopo temático, a maioria das cláusulas classificadas dizia respeito a cláusulas substantivas, particular- Livro.indb 120 03/02/2011 11:34:10 121 mente no tema remuneração. Verificou-se, ainda, que o número de tópicos temáticos que caracterizaram o primeiro instrumento coletivo manteve-se praticamente constante nos anos seguintes, indicando uma inércia das cláusulas acordadas. Não obstante, houve algumas mudanças significativas no conteúdo normativo de algumas cláusulas acordadas (como por exemplo: cesta básica, pisos salariais, extensão de benefícios antes restritos à MMC às subcontratadas etc.). Isto, segundo os sindicalistas, foi coerente com a nova postura do Sindicato (maior autonomia) e com a luta para a manutenção de direitos já conquistados em acordos anteriores. Portanto, em que pese a manutenção das cláusulas, houve variações no conteúdo normativo. Essas variações traduzem ganhos que a leitura do escopo temático não permite evidenciar. Daí a importância de se comparar as cláusulas classificadas nos acordos com a legislação estatal. No acordo celebrado entre o SIMECAT e a MMC em 2005, aproximadamente 74% das cláusulas coletivas compreendiam cláusulas adicionais, a maioria delas composta por cláusulas mais amplas (35%) e por cláusulas sem norma estatal comparável, beneficiando empregados (31%). Entretanto, os resultados também mostram que o acordo foi utilizado pela MMC para o ajuste de regras de seu interesse, com 8% de cláusulas que estipulavam direitos de empregados menos favoráveis do que os da legislação estatal, e 4% de cláusulas não-imperativas que beneficiavam a empresa. As cláusulas não-adicionais envolveram aproximadamente 19% do acordo, sendo que, deste percentual 15% foram compostos de cláusulas que reproduziram a lei, beneficiando os empregados. Houve, ainda, em torno de 8% de cláusulas que estipularam regras que tornaram operacional a legislação estatal comparável, beneficiando os empregados. Os acordos de 2006 e 2007 conservaram essas características, elevando, ainda, o percentual de cláusulas adicionais para 76%. Estes resultados confirmaram a importância do SIMECAT no processo de negociação com a MMC. Com a instituição do sindicato, houve um salto significativo no número de regras adicionais acordadas e também se reduziu o espaço ao poder discricionário do empregador. Ademais, mesmo quando se observam cláusulas que apenas reproduzem a legislação, é preciso ter cautela, pois, num modelo de relações de trabalho como o brasileiro, em que o poder discricionário do empregador desafia a preponderância da lei, o instrumento de negociação passa a ser um interlocutor importante no cumprimento da legislação. Essa afirmação se torna ainda mais emblemática quando se considera o caso de um greenfield, como Catalão, ainda na “pré-história” das relações de emprego quando abrigou uma montadora na cidade. Livro.indb 121 03/02/2011 11:34:10 122 Enfim, mesmo diante de uma série de contratendências e do refluxo do movimento sindical no País, os trabalhadores da MMC conseguiram articular a criação de um sindicato dos metalúrgicos que representasse efetivamente a categoria local. Em que pesem todas as consequências já apresentadas neste estudo sobre a descentralização das negociações, o fato é que, no caso dos metalúrgicos de Catalão, o acordo realizado diretamente com a empresa foi benéfico aos trabalhadores, pois possibilitou a incorporação de um conjunto de regras adicionais à legislação estatal, ainda que o escopo temático da negociação se apresentasse menos amplo. REFERÊNCIAS BOTELHO, A. Reestruturação produtiva e produção do espaço: o caso da indústria automobilística instalada no Brasil. Revista do Departamento de Geografia, v. 15, p. 55-64, 2002. CARDOSO, A. M. Trabalhar, verbo transitivo: destinos profissionais dos deserdados da indústria automobilística. Rio de Janeiro: FGV, 2000. DUNLOP, J. T. Industrial relation systems. Boston: HBS Press, 1993. FLANDERS, A. Management and Unios: the theory and reform of industrial relations. London: Faber and Faber, 1970. GUIMARAES, E. N.; RIBEIRO, R. A. A nova fronteira industrial do sudeste de Goiás. 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Livro.indb 123 03/02/2011 11:34:11 Livro.indb 124 03/02/2011 11:34:11 PARTE 2 RELAÇÕES DE TRABALHO: TRANSFORMAÇÕES E PARTICULARIDADES NA AMÉRICA LATINA E NA EUROPA Livro.indb 125 03/02/2011 11:34:11 Livro.indb 126 03/02/2011 11:34:11 PERSPECTIVAS DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL NO COMEÇO DO SÉCULO 21 Marcio Pochmann1 O tema das relações de trabalho parece voltar ao centro do debate sobre políticas regulatórias após a grande noite de predomínio do pensamento neoliberal. O forçado Consenso de Washington apontava para um mundo superior, com plena desregulamentação do trabalho. A grande crise do capital globalizado, em 2008, indicou os limites das políticas neoliberais, bem como a regressão imposta ao mundo do trabalho pelo avanço da concentração econômica pelas grandes corporações transnacionais. O movimento desencadeado pelas nações para a defesa da produção do emprego diante do agravamento da recessão internacional abre a nova perspectiva para a regulação das relações de trabalho. É neste contexto que o presente estudo pretende contribuir no debate a respeito de inovações no padrão de regulação das relações de trabalho no Brasil. Para isso, aponta, inicialmente, breve descrição das principais especificidades de regulação das relações de trabalho e, na sequência, rápida descrição sobre as tentativas recentes de reformação do padrão regulatório do trabalho no País. A última parte, antes das considerações finais, trata do novo emprego assalariado formal e da ocupação nos pequenos empreendimentos que terminam por reposicionar o trabalho no Brasil emergente por nova regulação social e trabalhista. Deve-se destacar que as informações estatísticas utilizadas foram compatibilizadas e sistematizadas a partir da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia de Estatística e da Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego. Especificidades das Relações de Trabalho e Gradualismo Regulador De maneira geral, as relações de trabalho nos países que conformam a periferia do capitalismo mundial não registram idêntica trajetória de avanços conforme 1 Professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Livro.indb 127 03/02/2011 11:34:11 128 observada em alguns poucos países desenvolvidos. Por conta disso, as relações de trabalho no Brasil apresentam especificidades que não devem ser menosprezadas no âmbito da reprodução das principais características do subdesenvolvimento (disparidade na produtividade setorial e regional e parcela significativa da população prisioneira de condições precárias de vida e trabalho)2. Três são as principais especificidades que marcam a evolução das relações de trabalho no Brasil3. A primeira resulta tanto da longa transição da sociedade agrária como da rápida e incompleta passagem pela sociedade urbano-industrial. Enquanto o primitivismo da sociedade agrária durou 430 anos (1500-1930), a sociedade urbano-industrial predominou por menos de sessenta anos (1930-1980). Na sociedade agrária brasileira houve a convivência do anacronismo no uso do trabalho forçado com condições de vida extremamente precárias, limitadas pela prevalência de produtividade nacional praticamente estagnada por longo período. Jornadas de trabalho longas e expectativa da média de vida da população trabalhadora inferior a quarenta anos impuseram a conformação de uma sociedade de extremos entre a elite aristocrática e a massa restante miserável da população. Na sociedade urbano-industrial as transformações no mundo do trabalho foram intensas, porém desacompanhadas das reformas civilizatórias do capitalismo contemporâneo, ou seja, das reformas agrárias, tributárias e sociais. Em virtude disso, o salto nos ganhos de produtividade terminou sendo apropriado por parcela ínfima da população, sobretudo a elite branca proprietária e a que emergia do acesso – ainda que limitado – ao sistema educacional portador de passaporte para as melhores oportunidades de trabalho e vida. A segunda especificidade nas relações de trabalho do Brasil deriva do predomínio de regimes políticos não democráticos, geralmente conduzidos pelo conservadorismo autoritário, avesso a avanços sociais e trabalhistas rápidos e imediatos. Exemplos disso podem ser constatados na própria experiência nacional de regulação lenta e tardia das relações de trabalho, a começar pela longa transição do trabalho escravo. O Brasil foi um dos poucos países com passado escravista que ao alçar a condição de independência nacional (1822) não interrompeu o trabalho forçado. Os 66 anos de independência nacional convividos com a escravidão (1822 - 1888) se deram no contexto de negociações graduais e pontuais em torno do lento e administrado abandono sem rupturas da escravidão. Inicialmente, em 1850, com o fim do tráfico negreiro (Lei Eusébio de Queirós), poste 2 Sobre a problemática do subdesenvolvimento, ver: Furtado (1980); Arrighi (1997); Robinson (1981) e Amin (1976). 3 Para maiores detalhes a respeito da perspectiva do trabalho no desenvolvimento brasileiro ver: Pochmann (2010). Livro.indb 128 03/02/2011 11:34:12 129 riormente sucedido da introdução de legislação esparsa de contenção do uso de mão-de-obra escrava (leis do ventre livre, em 1871, e dos sexagenários, em 1885). Na sequência, a demora em 55 anos para a implantação de um código de trabalho específico ao emprego assalariado no Brasil (1888-1943). A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que representou muito mais do que a racionalização de um conjunto de mais de cinco mil leis em vigência no início da década de 1940, se deu durante a vigência de regime autoritário (Estado Novo, 1937-1945) e atingiu menos de 15% dos trabalhadores brasileiros. Destaca-se que a CLT de 1943 voltou-se somente aos empregados assalariados urbanos, enquanto até 1960 o Brasil foi majoritariamente dependente do trabalho agropecuário. O ingresso dos empregados rurais na CLT se deu a partir da década de 1960, com gradual e limitada cobertura dos direitos sociais e trabalhistas, também conduzido pelo regime autoritário (ditadura militar, 1964-1985). Somente com a Constituição Federal de 1988 os trabalhadores rurais terminaram sendo plenamente incorporados ao sistema de proteção social e trabalhista vigente no Brasil. Noutras palavras, o trabalho livre no Brasil demorou exatamente um século (1888-1988) para ser efetivamente aplicado nas relações de trabalho assalariadas. Para os empregados rurais, em especial, isso somente se completou quando passaram a representar uma parcela ínfima do conjunto das classes trabalhadoras. Por fim, a terceira especificidade nas relações de trabalho no Brasil decorre da singularidade da conformação das classes trabalhadoras durante o ciclo de industrialização nacional (1930-1980). O movimento migratório campo-cidade não foi geralmente espontâneo e acompanhado de certa mobilidade social, ao contrário da experiência europeia de regressão social representada pelo movimento de expulsão do trabalho no meio rural e pela transição da condição de servo para a de operário nos séculos 18 e 19. Diante de condições extremamente precárias no campo brasileiro, a transferência para as cidades representou a possibilidade de ter oportunidades de vida e trabalho inexistentes no meio rural. Mas o enorme fluxo migratório para as cidades concentrado no tempo e sem planejamento governamental implicou caos urbano, com favelização das moradias, configuração de um gigantesco excedente de mão-de-obra metropolitana desempregada e subocupada e, ainda, a transposição da pobreza rural para o meio urbano convivendo com sinais exteriores crescentes de riqueza concentrada em pequenos circuitos sociais. Livro.indb 129 03/02/2011 11:34:12 130 Dificuldades Recentes no Avanço Regulatório do Mercado de Trabalho Desde antes do esgotamento do ciclo de industrialização nacional, a partir da década de 1980, o Brasil já apontava para a passagem para a sociedade pós-industrial, com avanço dos postos de trabalho crescentemente influenciados pelo setor terciário da economia. Isso, evidentemente, não indica a perda de importância dos setores industriais e agropecuários na geração de riqueza, mas apenas indica o vetor de onde provém a maior parte das ocupações que podem ser em maior e melhor qualidade dependendo do ritmo de expansão econômica e do perfil da produção (agrária, industrial ou financeira). Três décadas após a identificação da crescente importância ocupacional do setor terciário na economia nacional, observa-se alguma semelhança com a trajetória de regulação do passado: lentidão e legislação pontual e gradual. Durante a vigência recente do regime democrático que acompanha o Brasil na passagem do século 20 para o 21, assistiu-se a três momentos políticos voltados às mudanças no padrão de regulação das relações de trabalho. O primeiro ocorreu na segunda metade da década de 1980, com a Assembleia Nacional Constituinte, responsável fundamentalmente pelo aperfeiçoamento do código de trabalho (CLT) aos empregados já incorporados e a inclusão de adicionais de trabalhadores historicamente excluídos. Acordos conservadores realizados entre parcela da representação de trabalhadores e do empresariado impediram consagrar na Constituição de 1988 a regulação das relações de trabalho contemporâneas com o avanço do trabalho pós-industrial. O segundo momento político se deu na primeira metade da década de 1990, quando o pensamento neoliberal predominou. O Fórum Nacional do Trabalho de formato tripartite e paritário durante o breve governo do presidente Itamar (1993-1994) não conseguiu convergir para uma proposta nova de regulação das relações de trabalho. O fracasso deste Fórum foi sucedido durante a segunda metade da década de 1990, por diversas modalidades de desregulamentação e rebaixamento do patamar das relações de trabalho no Brasil. O terceiro momento político, também de formato tripartite e paritário, ocorreu na primeira metade de 2000, logo no início do primeiro mandato do governo do presidente Lula. No contexto pós-neoliberal não houve convergência necessária entre as partes representadas no Fórum do Trabalho para que houvesse Livro.indb 130 03/02/2011 11:34:12 131 mudanças no padrão regulatório das relações de trabalho, tão-somente para interromper o movimento maior de desregulamentação e precarização das condições de trabalho. Na recente marcha de expansão significativa do emprego formal terminaram sendo implementadas algumas políticas para os pequenos negócios (lei geral da micro e pequena empresa e do empreendedor individual). A despeito disso, o Brasil segue à margem de regulação nas relações de trabalho adequada à nova fase de dinamismo do trabalho no setor terciário (terceirização e demais formas de exercício do trabalho imaterial)4. Reposicionamento do Trabalho nas duas Últimas Décadas Entre 1988 e 2008, o Brasil gerou 28,4 milhões de novos postos de trabalho. Deste total, 15,8 milhões foram empregos assalariados com carteira assinada (55,6% do total), o que permitiu fazer com que a taxa de formalização no total da ocupação crescesse 12,2%, passando de 40,2%, em 1988, para 45,1%, em 2008, segundo a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD), publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Não obstante o desempenho econômico desfavorável ao longo do período (alta inflação, baixo dinamismo econômico e desemprego expressivo), o Brasil evitou o aprofundamento do grau de desestruturação do seu mercado de trabalho, sobretudo a partir do ano 2000. A recente e crescente expansão dos empregos formais tem refletido a retomada contínua do crescimento econômico pelo mercado interno, especialmente pela recuperação dos investimentos. Mesmo assim, o perfil do emprego gerado nos últimos anos apresenta características distintas daquele que predominou durante o ciclo de industrialização nacional (1933-1980). Sobre isso, aliás, a primeira parte trata de descrever os principais aspectos do saldo dos empregos gerados entre 1988 e 2008. Na sequência, procura-se analisar brevemente a evolução dos postos de trabalho informais durante o mesmo período de tempo que atingiu a 12,6 milhões de novas ocupações. Tendo em vista algumas especificidades identificadas, percebe-se como se mantém a dinâmica ocupacional ainda à margem das atuais políticas de regulação social e trabalhista. 4 Mais informações podem ser encontradas em: Pochmann (2009a); Pochmann (2009b) e Pochmann e (2008). Livro.indb 131 03/02/2011 11:34:12 132 O Avanço do Novo Emprego Assalariado Formal A expansão do emprego formal não ocorreu de forma homogênea em todo o território nacional. A região Sudeste, que respondia por 57,3% do total da ocupação formal do país em 1988, gerou apenas 43,3% dos quase 16 milhões de novos empregos. Por isso, o Sudeste passou a representar 51,7% do emprego formal em 2008. Em compensação, as demais regiões geográficas aumentaram as suas participações relativas no total do emprego formal entre 1988 e 2008, conforme o Gráfico 1. Enquanto a região Nordeste respondeu por 20,3% de todos os novos postos de trabalho com carteira assinada, a região Sul contribuiu com 17,6%, o Centro-Oeste com 11,2%, e o Norte com 7,9%. Se considerada também a massa de rendimento das novas ocupações formais, percebe-se que o emprego que mais cresceu nas grandes regiões não foi o de maior remuneração. Na região Nordeste, por exemplo, registrou aumento relativo de 11,4% no total da ocupação, enquanto a massa de rendimentos cresceu 1,5% no total do País. Gráfico 1 - Brasil – Evolução na Composição do Total do Emprego Formal por Grande Região Geográfica em 1988 e 2008 (em %) Fonte: Elaboração Própria do Autor a partir da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), Publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Já na região Norte, o aumento de 47,2% na sua participação relativa no total do emprego formal em 47,2% foi acompanhado do crescimento de 58,1% no rendimento total. Na região Centro-Oeste, o peso relativo no total do emprego aumentou 34,4% e na massa de rendimentos o crescimento foi de 47,1%, seguido da região Sul com elevações de 1,2% na participação relativa do emprego formal, e de 10,6% na massa de rendimentos. Livro.indb 132 03/02/2011 11:34:12 133 Gráfico 2 - Brasil – Evolução na Composição da Renda Total do Emprego Formal por Grande Região Geográfica em 1988 e 2008 (em %) Fonte: Elaboração Própria do Autor a partir da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), Publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A região Sudeste, contudo, reduziu a sua participação relativa tanto no total do emprego formal em 9,8% como na massa de rendimentos em 10,6%. Ou seja, maior perda relativa na massa de rendimentos do que nos empregos formais, o que indica que grande parte dos 6,8 milhões de novos postos de trabalho gerados na região Sudeste entre 1988 e 2008 não conseguiu reproduzir idêntico padrão de remuneração vigente até a década de 1980. Gráfico 3 - Brasil – Saldo no Total de Emprego Formal Gerado por Setor de Atividade Econômica entre 1988 e 2008 (em Milhão) Fonte: Elaboração Própria do Autor a partir da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), Publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Livro.indb 133 03/02/2011 11:34:12 134 Duas razões podem ajudar a entender a evolução diferenciada das ocupações e das remunerações dos empregados no mercado de trabalho formal durante as duas últimas duas décadas. De um lado, o dinamismo gerador de emprego formal fortemente concentrado no setor terciário, que terminou sendo responsável por 90,5% do total do emprego gerado entre 1988 e 2008. O comércio respondeu por 27,2% e os serviços por 63,3% dos 15,8 milhões dos novos postos de trabalho com carteira assinada gerados em duas décadas. O setor primário e secundário da economia criou poucos postos de trabalho formais, 0,7 milhão na agropecuária e 0,8 milhão na indústria de transformação e construção civil no mesmo período de tempo. Parte das ocupações criadas no setor de serviços parece ter tido alguma relação com a terceirização dos empregos formais, sobretudo pela reestruturação industrial ocorrida durante as duas últimas décadas, seja com o deslocamento geográfico de empresas (guerra fiscal), a internacionalização de capital e as fusões e aquisições. Desta forma, percebe-se que a remuneração percebida pelos empregados formais tendeu a ser, em média, inferior à paga pelo segmento de manufatura. Gráfico 4 - Brasil – Saldo do Emprego Formal Gerado por Tamanho de Estabelecimento entre 1988 e 2008 (em Milhão) Fonte: Elaboração Própria do Autor a partir da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), Publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). De outro lado, percebe-se a força da geração dos empregos formais centrada nos empreendimentos de menor tamanho em termos de trabalhadores ocupados. Os empreendimentos com menos de 50 empregados com carteira assinada foram responsáveis pela abertura de 51,3% do total dos postos de trabalho entre 1988 e 2008, enquanto as empresas com 500 ou mais trabalhadores contribuíram com 27,8% do total de 15,8 milhões de novas vagas. Livro.indb 134 03/02/2011 11:34:12 135 Gráfico 5 - Brasil – Composição do Total do Emprego Formal por Tamanho de Estabelecimento segundo Região Geográfica em 1988 e 2008 (em %) Fonte: Elaboração Própria do Autor a partir da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), Publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Com isso, as empresas com até 49 empregados aumentaram a participação relativa no total da ocupação em 34,3%, passando de 27,7%, em 1988, para 37,2%, em 2008. As empresas na faixa de 50 e 499 empregados reduziram em 25% a participação relativa no mesmo período de tempo (de 31,6% para 27,3%), assim como os grandes empregadores (500 e mais empregados) com queda de 12,8% na ocupação formal total (de 40,7% para 35,5%). Gráfico 6 - Brasil – Participação dos Empregados com Carteira Assinada em Estabelecimentos com até 49 Trabalhadores no Total do Emprego Formal por Grande Região Geográfica em 1988 e 2008 (em %) Fonte: Elaboração Própria do Autor a partir da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), Publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Livro.indb 135 03/02/2011 11:34:13 136 A região Nordeste foi a que mais aumento no emprego formal apresentou entre as empresas com até 49 empregados, com crescimento de 48,6% entre 1988 e 2008 (de 20,8% para 30,9%). Em posição oposta, a região Sudeste foi a que cresceu menos o emprego formal relativamente nas empresas com menos de 50 empregados (31,2%). Gráfico 7 - Brasil – Participação dos Empregados com Carteira Assinada em Estabelecimentos de 50 até 499 Trabalhadores no Total do Emprego Formal por Grande Região Geográfica em 1988 e 2008 (em %) Fonte: Elaboração Própria do Autor a partir da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), Publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). No segmento ocupacional de 50 a 499 empregados, observa-se que entre 1988 e 2008, a região Nordeste foi a que registrou menor redução relativa do emprego formal no total dos postos gerados (-10,2%). A região Norte foi, em compensação, a que maior queda relativa apresentou no mesmo período de tempo (-25,2%). Gráfico 8 - Brasil – Participação dos Empregados com Carteira Assinada em Estabelecimentos com 500 e mais Trabalhadores no Total do Emprego Formal por Grande Região Geográfica em 1988 e 2008 (em %) Fonte: Elaboração Própria do Autor a partir da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), Publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Livro.indb 136 03/02/2011 11:34:13 137 Por fim, constata-se também que nas empresas com 500 ou mais empregados, a região Norte foi a única que elevou a participação relativa no total da ocupação formal gerada entre 1988 e 2008. As demais regiões geográficas do País reduziram a participação relativa no saldo do emprego formal, sendo a região Sudeste com menor queda (14,2%) e o Centro-Oeste com a maior redução (20%) no mesmo período de tempo. Dinamismo das Ocupações à Margem da Legislação Social e Trabalhista As ocupações que se encontram à margem da legislação social e trabalhista constituem um segmento heterogêneo de postos de trabalho. Em conformidade com a classificação das ocupações disponível, o conjunto de postos de trabalho não regulamentados conforma-se com empregados assalariados despossuídos de contratação formal de trabalho, os empregadores e os trabalhadores por conta própria sem contribuição à previdência social. Esse segmento heterogêneo de ocupações pode ser ainda dividido por tamanho do empreendimento. O primeiro, até 10 postos de trabalho, e o segundo com 11 ou mais ocupações. Ao se desconsiderar do total dos 92,4 milhões de ocupados no Brasil em 2008, os postos de trabalho não expostos diretamente à dinâmica privada de contratação e demissão (21,8 milhões de vagas), como no caso dos funcionários públicos (6,4 milhões), dos trabalhadores domésticos (6,6 milhões) e dos ocupados não remunerados e envolvidos em atividades próprias de produção, consumo e construção não agrícola (8,8 milhões), chega-se ao universo de 70,6 milhões de ocupações (76,4% do total da ocupação nacional). No âmbito das ocupações submetidas mais diretamente à dinâmica do setor privado, encontram-se os empregados (47,8 milhões), os empregadores (4,1 milhões) e os trabalhadores por conta própria (18,7 milhões). Neste segmento de trabalhadores ocupados no setor privado, identificam-se 38,4 milhões de ocupados pertencentes a empreendimentos com até 10 ocupações, o que equivale a 54,4% de todos os postos de trabalho, e a 57,2% do total da massa de rendimento. Do total dos postos de trabalho em empreendimentos com menos de 11 ocupações, somente 29,4% possuíam algum grau de proteção estabelecido pela atual legislação social e trabalhista. No caso dos ocupados por conta própria, só 16,7% possuíam alguma proteção social e trabalhista, enquanto 40,8% dos empregados assalariados estavam registrados por contrato de trabalho formal. Entre os empregadores eram 55,8% com contribuição à previdência social em 2008. Livro.indb 137 03/02/2011 11:34:13 138 No segmento de pequenos empreendimentos (de até 10 postos de trabalho), as ocupações se dividiam em 18,7 milhões de trabalhadores por conta própria (48,7%), em 16,5 milhões de empregados assalariados (43%) e em 3,2 milhões de empregadores (8,3%). Enquanto os empregados em pequenos negócios representavam 27,1% do total de trabalhadores assalariados do País, os empregadores respondiam por 78% do total de empresários e os postos de trabalho por conta eram todos constituídos por pequenos negócios. Em 2008, o rendimento médio mensal do conjunto dos ocupados nos pequenos empreendimentos foi de 902 reais, sendo de R$ 633,03 para os empregados assalariados, de R$ 2.607,00 para empregadores e de R$ 807,34 para os trabalhadores por conta própria. O total da massa de rendimentos do segmento ocupacional de pequenos empreendimentos era composto por 26,1% da renda dos empregadores, por 27,3% dos salários dos empregados e por 46,6% das remunerações dos trabalhadores em conta própria. Do conjunto dos postos de trabalho do segmento econômico com até 10 ocupações no Brasil, observa-se que 22,7% (8,7 milhões de pessoas) encontravam-se na condição de pobreza absoluta (rendimento de até meio salário mínimo mensal). Dos pobres ocupados em pequenos empreendimentos, 62,4% estavam ocupados por conta própria, 36% eram empregados e 1,6% eram empregadores. No caso da ocupação por conta própria, a taxa de pobreza absoluta era de 24%, enquanto entre os empregados era de 17,4% e, ainda, entre empregadores de 3,5%. Gráfico 9 - Brasil – Distribuição do Total da Ocupação e da Massa de Rendimentos dos Empreendimentos Privados com até 10 Postos de Trabalho por Grandes Regiões Geográficas (em %) entre 1988 e 2008 Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nos Dados do IPEA; PNAD/IBGE e RAIS/MTE. Livro.indb 138 03/02/2011 11:34:13 139 Com relação à distribuição do total das ocupações e massa de rendimento dos empreendimentos com até dez ocupados por grandes regiões geográficas brasileiras, percebe-se a importância relativa do Sudeste, que respondeu por quase 40% do total dos postos de trabalho e quase 46% da massa de rendimento. Na sequência aparece a região Nordeste, a região Sul, a região Centro-Oeste e a região Norte. Em relação à jornada de trabalho, observa-se que, em 2008, 15,4 milhões de ocupados em empreendimentos com até 10 ocupações (40,3% do total) possuíam jornadas de trabalho superior a 44 horas semanais. No caso dos trabalhadores por conta própria, são 38,5% com jornada de trabalho acima de 44 horas semanais, enquanto entre os empregadores havia 59,4% com atividades laborais superiores a 44 horas semanais e entre os empregados assalariados 38,1% com tempo de trabalho superior ao tempo legal de trabalho. No quesito etário, percebe-se que 57,6% dos ocupados em pequenos empreendimentos encontravam-se na faixa etária de 25 a 49 anos de idade, com 18,7% com até 24 anos de idade e 23,7% com 50 anos ou mais de idade. Entre os trabalhadores por conta própria, 57,1% tinham entre 25 e 49 anos, 34,1% com 50 anos e mais de idade e 8,8% até 24 anos de idade, enquanto para os empregadores 67,7% estavam na faixa etária de 25 a 49 anos, 28,3% com 50 anos ou mais de idade e 4% com até 24 anos de idade. Nos empregados, 53,7% tinham entre 25 e 49 anos de idade e 36,6% com até 24 anos de idade e, ainda, 9,7% com 50 anos ou mais de idade. Considerando-se a escolaridade, constata-se que somente 10,8% dos ocupados em empreendimentos com até 10 ocupados encontravam-se na faixa de escolaridade compatível com o ensino superior (completo ou incompleto). Os demais trabalhadores ocupados possuíam escolaridade do ensino fundamental (48,2%) e do ensino médio (41%). No caso dos empregados, 34,8% tinham apenas o ensino fundamental, 35,7% o ensino médio, e 29,5% o ensino superior, enquanto os empregadores se dividiam entre 51,9% com ensino superior, 31,2% com ensino médio, e 16,9% com ensino fundamental. Já os trabalhadores por conta própria tinham 32,4% com o ensino fundamental, 35,2% o ensino médio e 32,4% o ensino superior. Por setor de atividade econômica, nota-se que o segmento dos pequenos negócios registrou maior concentração ocupacional no ramo do Comércio, Alojamento e Alimentação, com 40,2% do total dos postos de trabalho, seguido da Educação, Saúde e demais serviços coletivos (16,5%), da Indústria (14,8%), da Construção Civil (14,7%), Transporte e Comunicação (6,5%) e outras atividades Livro.indb 139 03/02/2011 11:34:13 140 (7,3%). Para os empregados, o setor do Comércio, Alojamento e Alimentação absorve 43,6% das ocupações, seguido da Indústria (14,2%), da Educação, da Saúde e dos demais serviços coletivos (12,4%) e Construção Civil (11,8%), enquanto para os empregadores também o ramo do Comércio, Alojamento e Alimentação responde pela maior parte das vagas (48,7%), acompanhado da Indústria (14%), da Educação, da Saúde e dos demais serviços coletivos (11,8%) e Construção Civil (10%). Para as ocupações por conta própria, Comércio, Alojamento e Alimentação concentram 35,1% do total dos postos de trabalho, seguidos da Educação, da Saúde e dos demais serviços coletivos (21,3%), da Construção Civil (18,6%), Indústria (15,5%), Transporte e Comunicação (8,5%) e Outros Serviços (1%). Gráfico 10 - Brasil – Saldo dos Postos de Trabalho Gerados por Empreendimentos de até 10 Ocupados ou mais entre 1988 e 2008 (em Milhão) Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nos Dados do IPEA; PNAD/IBGE e RAIS/MTE. Na comparação do ano de 2008 com o de 1988, constata-se a geração líquida de 12,6 milhões à margem da legislação social e trabalhista. Quase 80% dessas novas ocupações geradas informalmente ocorreram em empreendimentos com até 10 ocupações. Nas 10 milhões de novas oportunidades de trabalho sem proteção social e trabalhista criadas em empreendimentos de até 10 ocupações entre 1988 e 2008, 49,1% eram de emprego assalariado (4,9 milhões de ocupações), 38,4% por conta própria (3,8 milhões de ocupações) e 12,5% com empregador (1,2 milhão de ocupações). Nos empreendimentos de até 10 ocupações, a taxa de desproteção social é muito mais intensa que nos empreendimentos com 11 ou mais postos de trabalho. Menos de 15% dos empregadores com 11 ou mais ocupados não contribuíam com a previdência social em 2008, enquanto 1/5 dos trabalhadores não possuía registro contratual. Livro.indb 140 03/02/2011 11:34:13 141 No caso dos empreendimentos com até 10 ocupações, a taxa de desproteção atingiu quase 45% dos empregadores e 60% dos empregados. Para os que trabalham por conta própria a desproteção ultrapassou 80% do total. Em virtude das significativas transformações por que passam os pequenos negócios, fruto das alterações no quadro geral da economia e da sociedade brasileira, urge recompor o conjunto de políticas públicas específicas para esse segmento do mercado de trabalho. De um lado, devido à herança do quadro econômico e social desfavorável dos anos oitenta e noventa, responsável pela ampliação do papel dos pequenos negócios no abrigo do excedente da força de trabalho na forma de atividades laborais voltadas a diferentes estratégias de sobrevivência (produção, vendedores ambulantes, prestadores de serviços de qualquer natureza, inclusive ilegais). O resultado foi o menor desemprego aberto no País, embora ocorresse o rebaixamento do nível de rendimento geral dos ocupados e a precarização dos postos de trabalho. De outro lado, devido ao movimento geral de reestruturação das grandes empresas privadas (reengenharia, terceirização, entre outros), bem como a reformulação do papel do Estado (descentralização de responsabilidades, privatização, terceirização, entre outros), houve a expansão dos pequenos negócios, nem sempre associada à baixa remuneração e precariedade dos postos de trabalho. Ou seja, a oportunidade de novos negócios de mais alta tecnologia e produtividade em baixa escala de produção e prestação de serviços em conformidade com melhores remunerações e condições de trabalho. Gráfico 11 - Brasil – Taxa de Desproteção Social e Trabalhista nos Postos de Trabalho em Empreendimentos do Setor Privado com até 10 ou mais Ocupações em 2008 (em %) Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nos Dados do IPEA; PNAD/IBGE e RAIS/MTE. Livro.indb 141 03/02/2011 11:34:13 142 Assim, a profusão do segmento dos pequenos negócios tornou-se ainda mais heterogênea, conforme se procurou apresentar sinteticamente. Mesmo com expansão média anual do Produto Interno Bruto de apenas 2,6% nas duas últimas décadas, a ocupação não agrícola aumentou 2,4% ao ano, em média. No segmento de pequenos negócios do setor privado não agrícola, o crescimento médio anual da ocupação foi de 4,1%. A se manter a mesma taxa de expansão média anual da ocupação em empreendimentos privados não agrícolas com até 10 trabalhadores, verificada entre 1989 e 2008 (4,2%), o Brasil deverá gerar, até 2020, 19,3milhões de novos postos de trabalho. Deste total, 55% (10,7 milhões) deverão ser de responsabilidade dos pequenos negócios (até 10 trabalhadores). Cabe destacar, contudo, que o forte ritmo na geração de novos postos de trabalho nos pequenos negócios ocorreu diferenciadamente em termos de proteção social e trabalhista. Para cada grupo de dez postos de trabalho abertos pelos pequenos negócios, somente quatro foram protegidos pela legislação trabalhista em vigor entre os anos de 1989 e 2008. Por isso, a presença de ocupações precárias e de baixa remuneração continua a ser um dos problemas estruturais que atingem os pequenos negócios no Brasil. Em se mantendo a mesma taxa media anual de formalização nos postos de trabalho nos empreendimentos com até 10 ocupações (5,3%), o Brasil poderá deter, em 2020, 61,1% do total das vagas ainda sem proteção social e trabalhista. Em síntese, há possibilidade de geração de cerca de 19,3 milhões de novas ocupações no setor não agrícola até 2020, sendo mais da metade de responsabilidade dos empreendimentos até 10 ocupados. Desse universo, somente 5,7 milhões poderão ter alguma forma de proteção social e trabalhista. Diante disso, o Brasil precisa rever o papel do conjunto das políticas públicas voltadas aos empreendimentos com até 10 ocupados. A reordenação das políticas macroeconômicas e sociais capaz de atender à plenitude das especificidades dos pequenos empreendimentos constitui o desafio inadiável em termos de escala e orientação de ações coordenadas no campo tributário, creditício, comercial, tecnológico e assistência técnica, previdência social, formação e qualificação de mão-de-obra e relações de trabalho. Considerações Finais Conforme foi possível acompanhar nas páginas anteriores, o Brasil apresenta uma trajetória de especificidades importantes na regulação das relações de trabalho. A ausência histórica de rupturas e reformas abruptas indica para o pre- Livro.indb 142 03/02/2011 11:34:13 143 domínio do caráter conciliador e postergador de mudanças profundas no padrão de regulação das relações de trabalho ao longo do tempo. Isso pode ser observado no movimento regulatório do trabalho na passagem da sociedade agrária e escravista para a sociedade urbano-industrial e salarial, cuja transição para o trabalho livre demorou quase sete décadas desde a Independência nacional (1822-1888) e, a partir disso, um século (1988-1988) para incorporar plenamente os empregados rurais no código do trabalho assalariados (CLT). Neste sentido, constata-se nos dias de hoje também a presença de traços semelhantes frente ao avanço das relações de trabalho pós-industrial que seguem sem a regulação adequada, quando não inexistente. Se consideradas as duas últimas décadas, nota-se que parte significativa da expansão da ocupação encontrou-se associada diretamente à dinâmica do setor terciário e ao comportamento dos pequenos empreendimentos no Brasil. Quase 4/5 dos postos trabalho gerados pertencem ao setor terciário da economia, bem como duas a cada grupo de três ocupações abertas no segmento privado não agrícola foram provenientes dos empreendimentos com até 10 trabalhadores. Frente a isso se constata que parcela significativa das ocupações dos pequenos negócios ocorreu à margem da legislação social e trabalhista. Ademais, os postos de trabalho abertos incorporaram pessoas de maior escolaridade, porém acompanhados da redução do rendimento médio real. Diante da elevada heterogeneidade do segmento dos pequenos empreendimentos, que reúnem desde atividades associadas à estratégia de sobrevivência a ocupações modernas e vinculadas ao comportamento das grandes empresas nacionais e internacionais, percebe-se o quanto cabe ao País reavaliar o conjunto de ações regulatórias às relações de trabalho no setor terciário e nos pequenos empreendimentos. Os avanços realizados até o momento, como a legislação para micro e pequenas empresas e empreendedor individual são importantes, seguindo a tradição histórica de regulação pontual e gradual dos novos fenômenos. Se projetado no tempo o potencial de expansão das novas ocupações no setor terciário e no âmbito dos pequenos negócios no Brasil, conclui-se que há urgência e muito a ser feito, pois do contrário, a marca específica do conservadorismo e do atraso nas relações de trabalho poderá se manter inalterada. Livro.indb 143 03/02/2011 11:34:14 144 REFERÊNCIAS AMIN, S. O desenvolvimento desigual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1976. ARRIGHI, G. A ilusão do desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1997. FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico. São Paulo: Paz e Terra, 1980. POCHMANN, M. Desenvolvimento e perspectivas novas para o Brasil. São Paulo: Cortez, 2010. ______. Força de trabalho e tecnologia no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2009a. ______. Qual desenvolvimento?. São Paulo: Publisher, 2009b. ______. A superterceirização do trabalho. São Paulo: LTr, 2008. ROBINSON, J. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. Livro.indb 144 03/02/2011 11:34:14 CAMBIOS INSTITUCIONALES Y MERCADO LABORAL: PERÚ 1990 – 2009 Norberto E. García1 Introducción El propósito de este trabajo es verificar los principales cambios institucionales registrados en el mercado laboral peruano y establecer hasta que punto los mismos han influido en el comportamiento de dichos mercados. Para ese propósito, la sección II sintetiza la evolución económica de Perú en 1990-2009. La sección III releva, muy brevemente, los principales cambios institucionales de derecho y de hecho que afectaron el funcionamiento de los mercados laborales en el período 1990-2009. La sección IV sintetiza la incidencia de esos cambios en el comportamiento de los mercados laborales peruanos en 1990-2009, con atención a la profunda segmentación que los caracteriza. La sección V plantea las principales conclusiones. Es importante señalar que, dado que no se dispone de series anuales con información completa para los mercados laborales para todo el período analizado, se descansa en hipótesis no testeadas econométricamente. La evolución Económica de Perú en 1990-2009 El período 1980-1990 Entre 1950 y 1980, la economía peruana creció a un ritmo de 5.2 por ciento anual. Perú se encuentra en ese período entre los países con mayor crecimiento de la PEA en América Latina. La PEA total creció en ese período a una tasa de 2.1 por ciento, mientras que la PEA urbana, revelando la presión de las migraciones rural-urbanas, lo hizo a un ritmo de 3.8 por ciento. El empleo formal urbano creció en ese período por encima de la tasa previa, a un ritmo de 4.2 por ciento anual. A pesar de ello, el escaso tamaño de los segmentos modernos urbanos relativizan ese dinamismo: el empleo formal, incluyendo más de 16 por ciento de empleo público representaba en 1950 un 35 por ciento del empleo total, y el empleo informal urbano un 24 por ciento. El desempleo abierto urbano se hallaba en 8 por ciento. El empleo agrícola creció mucho más lentamente, a un ritmo de 0.7 por ciento anual. El sector agrícola absorbía en 1980 el 42 por ciento de la PEA total, con 32 por ciento inserto en agricultura tradicional y 10 por ciento en la agricultura comercial moderna2. 1 Economista, Universidad Nacional, Argentina; Master, Universidad de Chile, Ph.D. Cand. University of Cambridge (aprobé los exámenes pero no presenté la tésis). 2 Todas las cifras mencionadas provienen de PREALC (1981). La base estadística son Censos de Población, Censos Económicos y Encuestas de Hogares. Livro.indb 145 03/02/2011 11:34:14 146 Es importante destacar la fuerte heterogeneidad productiva que caracteriza a la economía. El rasgo estilizado es el predominio de muy elevadas diferencias de productividad entre segmentos. (PINTO, 1965). La economía peruana de ese período es muy escasamente diversificada y con un rol predominante de la producción de commodities. La escasa diversificación de la producción impedía la difusión de los aumentos de productividad hacia todas las actividades de la economía. Los segmentos de muy baja y muy alta productividad absorbían una proporción importante de la población activa, reflejándose así en las condiciones de vida, distribución del ingreso y pobreza. Esas diferencias de productividad podían alcanzar un ratio de 25 a uno, si se comparaba la productividad en sectores la industria fabril con la de los minifundistas en la sierra peruana. Ese ratio era aún mucho mayor, si se comparaba la productividad en la Minería – actividad muy intensiva en capital – con la de los minifundistas en la sierra peruana. La heterogeneidad productiva reflejaba diferencias de accesos a recursos en general – capital, educación, calificación, capacidad de gestión etc. Por consiguiente, esas diferencias en acceso a recursos explicaban también la segmentación del mercado laboral. En la medida que existía esa fuerte diferencia de acceso a recursos, el mercado laboral de las actividades de más baja productividad no podía integrarse plenamente al mercado laboral de las actividades con pleno acceso a recursos y de mayor productividad. Una consecuencia de la heterogeneidad productiva es que no existía un mercado laboral homogéneo y único. Así, por ejemplo, un desastre natural que afectara significativamente el ingreso laboral del segmento del campesinado minifundista ubicado en la sierra rural, no afectaba significativamente la tasa de salarios de entrada en las actividades de mayor productividad en los grandes centros urbanos. Recíprocamente, un aumento del desempleo abierto urbano no afectaba el crecimiento del ingreso del campesinado minifundista de la sierra peruana. Esto no significa que existieran compartimientos estancos, si no que el impacto de cualquier cambio o shock era mediatizado por este tipo de segmentación. Recordemos que en ese período se trataba de una economía cerrada, en la que el crecimiento dependía esencialmente del comportamiento de los segmentos modernos de la economía. Era también una economía con fuerte intervención del Estado, con una elevada cantidad de empresas públicas productoras de bienes y servicios y regulaciones y políticas públicas que incidían en la formación de precios y salarios – incluyendo el tipo de cambio. Hacia principios de los años 1980, las divisas eran generadas esencialmente por las exportaciones de la minería metálica, la pesca y la producción de harina de pescado. La tributación era también sensible a lo Livro.indb 146 03/02/2011 11:34:14 147 generado por estas actividades. Por consiguiente, lo producido por estas actividades y los precios de estos commodities en mercados externos, incidían tanto sobre la restricción de divisas como sobre la restricción fiscal. Esto explica porqué el crecimiento de Perú era muy sensible a la producción y precios de dichos commodities. En los años 1980 Perú sufre tres shocks de alta intensidad: la crisis de la deuda externa, el fenómeno del Niño y las consecuencias sobre decisiones de inversión y crecimiento del conflicto generado por la Administración García. Perú había acumulado un considerable stock de deuda externa, por lo que con la crisis de la deuda externa de 1982-83, es uno de los países más afectados. El shock generado por la fuerte alza en la tasa de interés de los EEUU en 1982 y las políticas de ajuste interno, reducen significativamente el ritmo de crecimiento durante varios años y la tasa de inflación permanece a niveles elevados. A esto se le agrega a mediados de los años 1980 el impacto negativo del fenómeno del Niño, particularmente serio en comparación con otros períodos, que provoca inundaciones y sequías que dañan la producción agropecuaria, afectan la infraestructura y el transporte de bienes. Esto agudiza la desaceleración del crecimiento y añade presiones a la tasa de inflación. El tercer shock proviene del conflicto generado por una Administración que intenta sustraer a la economía del ajuste impuesto por el repago de la deuda externa, implementar una redistribución de ingresos, intervenir el mercado cambiario y escalar el enfrentamiento con el sector privado hasta amenazar con estatizar los grandes bancos. Este conflicto afecta decisivamente las decisiones de inversión privada y el crecimiento y reduce la tributación, con lo que el Gobierno hace uso de la emisión para mantener un gasto público creciente. El resultado es la aparición de múltiples mercados negros y una tasa de inflación creciendo a tal velocidad, que a fines de los años 1980 y primeros meses de los años 1990 Perú se encuentra ya en una franca hiperinflación que roza el 2000 por ciento anual, con los salarios reales contraídos al menor nivel registrado en su historia estadísticamente registrada. Los tres shocks previos afectan el funcionamiento de la economía y el crecimiento económico. Con ello, afectan la capacidad de creación de empleos en actividades de mayor productividad. Pero la PEA mantiene la inercia de su muy elevado crecimiento. El resultado es un espectacular crecimiento de la informalidad – que hacia fines de los años 80 supera el 51 por ciento – y en menor medida del empleo agrícola tradicional de muy baja productividad.3 3 En este trabajo, todas las cifras de informalidad corresponden a estimaciones oficiales del Programa de Estadísticas y Estudios Laborales del Ministerio de Trabajo y Promoción del Empleo. Livro.indb 147 03/02/2011 11:34:14 148 El rasgo que caracteriza a la economía peruana, tanto en 1950-80 como en 1980-90, es el predominio de la producción de commodities y la muy débil diversificación de la inversión y producción. Este rasgo es importante para explicar las altas diferencias de productividad, porque sin una diversificación significativa de la producción es por definición mucho más difícil que se difundan los aumentos de productividad hacia todas las actividades económicas. El Período 1990-2000 A principios de los años 90, una nueva administración política pone en marcha simultáneamente un programa de shock para detener la hiperinflación, y un programa de reformas estructurales, orientadas a abrir la economía y eliminar la intervención del Estado en la misma. El programa de shock es exitoso, pero afecta el empleo y no logra situar el tipo de cambio real a un nivel competitivo. La informalidad vuelve entonces a crecer por estos shocks. El programa de reformas estructurales es muy drástico: abre simultáneamente la cuenta comercial externa y la cuenta de capitales de la balanza de pagos, privatiza en pocos años la casi totalidad de empresas públicas, y desregula o reduce significativamente la regulación en casi todos los mercados – incluyendo el mercado laboral. Inicialmente estos dos gigantescos shocks internos afectan la actividad económica, pero en poco tiempo, las expectativas generadas por operar en un contexto de libre mercado después de muchos decenios de regulación estatal, impulsan las decisiones de inversión privada, y la economía peruana retoma un crecimiento elevado en 1993-97. En 1998-99 Perú sufre el rebote de las crisis del sudeste de Asia que afecta decisivamente el ingreso de capitales de corto plazo, una de las fuentes de financiamiento del sistema bancario. El Banco Central de la Reserva no logra amortiguar el impacto y por el contrario, adopta desafortunadamente medidas que conducen a la interrupción de la cadena de pagos en el sector privado. Esto genera en muy poco tiempo una recesión muy seria, que afecta a Perú en 1998-2000. Esta recesión genera más informalidad que desempleo. El empleo informal crece hasta representar en el 2000 un 55.0 por ciento de la PEA. Un rasgo decisivo del comportamiento a largo plazo de la economía peruana es el muy lento crecimiento de la productividad total. Como se desprende Livro.indb 148 03/02/2011 11:34:14 149 del Tabla 1, el crecimiento acumulado de la productividad total en 1970-2000 es o negativo o cercano a cero, dependiendo de las estimaciones. En ambos casos, refleja una pérdida de competitividad significativa, respecto a los países con los cuales Perú compite, cuya productividad crecía anualmente a tasas significativas en esos tres decenios. Tabla 1 - Crecimiento de la Productividad Total 1950-2000 (Variación anual promedio en %) Beltrán y Vega Seminario Centeno (1998) (1989) Vega Centeno (1997) Vallejos y Valdivia (1999) Calvo y Bonilla (1998) 1.5 1.1 2.7 ... 2.0 1.3 1.7 ... PERÍODO IPE 1950-60 1.5 P(1)P 1.0 1960-69 1.4 P(2)P 2.5 1970-80 -0.8 P 0.3 1.1 -0.8 -0.6 ... 1981-90 -3.9 -3.6 0.3 P(4)P -2.4 -4.0 P(5)P ... 1991-2000 1.0 3.4 P(6)P ... -0.4 P(7)P 1.8 P(8)P 1.8 P(9)P (3)P (1) 1951-60; (2) 1961-70; (3) 1971-80; (4) 1981-88; (5) 1980-90; (6) 1991-95; (7) 199196; (8) 1991-98; (9) 1993-96 Fuente: Datos del IPE 2001. Esto es de gran importancia para entender la magnitud del shock que supuso abrir la economía sin un tipo de cambio competitivo y con una productividad total muy rezagada, respecto a los países competidores. Ambas cosas señalan que la competitividad de Perú era muy débil durante los primeros años de la apertura – razón por la cual el crecimiento de la inversión privada en 1991-97 se orientó en buena parte hacia no transables, excepto la Minería y otros sectores productores de commodities. Esa muy débil competitividad presionó también al Gobierno a adoptar medidas inmediatas y sin costos fiscales para mejorar la competitividad de las empresas, y el principal candidato era la desregulación del mercado laboral. Hacia el 2000, la economía seguía estando muy débilmente diversificada y los commodities representaban un 69 por ciento de las exportaciones, una alta proporción de la tributación, y cumplían por lo tanto un rol decisivo para la dinámica del gasto y crecimiento económico. Casi diez años después de la apertura económica, la economía peruana seguía caracterizada por una muy débil diversificación, altas diferencias de productividad y segmentación de mercados. Livro.indb 149 03/02/2011 11:34:14 150 El Período 2001-2009 El período 2001-09 se caracteriza por un significativo esfuerzo de penetración y diversificación de mercados externos. Tanto la Administración Toledo como la Administración García impulsan políticas macroeconómicas estables, dan claras señales de priorizar el esfuerzo exportador y logran acuerdos de libre comercio con diversos países. Impulsadas en parte por la bonanza en mercados externos y en parte por el esfuerzo para promoverlas, las exportaciones a precios constantes crecen en 2001-08 a un ritmo de 8 por ciento anual (26 por ciento anual en dólares corrientes); en particular, las exportaciones no tradicionales se diversifican y crecen a una tasa aún más elevada. Hacia el 2008, las exportaciones totales ascendían a 31.5 miles de millones de dólares y las no tradicionales representaban un 24.5 por ciento de ese total, debido a la fuerte alza de precio de los metales que aumenta el valor de las tradicionales (véase Tabla 2 adjunto). Las exportaciones se habían elevado desde el 11 por ciento del PIB en 1990 y 13 por ciento en el 2000, hasta casi 25 por ciento del PIB en el 2008. El dinamismo de las exportaciones se transmite a las restantes variables del gasto, lo que impulsa el crecimiento del PIB a un ritmo de casi 7 por ciento anual entre el 2002 y el 2008. En el 2008, Perú alcanza la tasa record de 9.9 por ciento de crecimiento anual. La recesión global interrumpe este notable impulso de crecimiento, ya que provoca una contracción de las exportaciones del orden de 20 por ciento, más intensa en las no tradicionales, y hace que el país crezca sólo 1.4 por ciento en el 2009. El Gráfico 1 adjunto señala con nitidez como, considerando incluso el índice de volumen físico del PIB, limpio de efecto precio, se visualiza una notable aceleración de su crecimiento a partir del 2002, que se detiene bruscamente por la recesión global en el 2009. Un hecho importante es que el acelerado crecimiento del 2001-08 incluye un significativo aumento de la productividad total, a un ritmo de aproximadamente 2.6 por ciento anual. (GARCÍA, 2008). Esto no es sólo reflejo del crecimiento de las exportaciones no tradicionales, si no del aumento de la inversión privada e innovaciones asociadas, y de una mayor diversificación de la producción que permite difundir los aumentos de productividad. Con esto, en las tres últimas décadas, sólo en 1993-97 y en 2001-08 se registra un crecimiento significativo de la productividad total. La ausencia de un crecimiento sostenido de la productividad total es en parte no despreciable explicada por la ausencia de políticas deliberadas y potentes, que estimulen la adopción de innovaciones, la capacitación laboral y la calidad de la educación. Livro.indb 150 03/02/2011 11:34:14 151 Tabla 2 - Exportaciones en Miles de Millones de Dólares 1990-2008 Total % XNT % PIB 1990 3.279.8 31.1 11.0 2000 6.954.9 31.0 13.0 2002 7.713.9 30.4 13.6 2008 31.529.4 24.5 24.7 Fuente: Banco Central dela Reserva de Perú. Series Estadísticas. Disponibles en: <www.bcrp.gob.pe>. Gráfico 1 - Perú: Índice del Volumen Físico del PIB 1991-2009 Fuente: INEI. Cuentas Nacionales. Disponibles en: <www1.inei.gob.pe>. Livro.indb 151 03/02/2011 11:34:15 152 Los Principales Cambios Institucionales en el Mercado Laboral Los principales cambios institucionales en el mercado laboral pueden agruparse en: i) la reforma laboral de principios de los años 1990; ii) el nuevo régimen laboral agrario del año 2000; iii) la nueva ley laboral para Micro y Pequeña Empresa (MYPE) del 2003; iv) la segunda reforma de la ley de MYPE del 2008; v) los cambios a las disposiciones del salario mínimo y vi) el fortalecimiento de la inspección del trabajo. Jaramillo (2004) señala, acertadamente, que la tendencia en materia de reforma laboral es una constatada en numerosos países de América y Europa – Perú no es un caso aislado. La Reforma de Principios de los Años 1990 La reforma laboral de inicios de los 1990’s es un proceso que se inicia en 1991 y se despliega en varios años hasta culminar, con las últimas medidas, en 1995. Los principales cambios que introduce son los siguientes: i). En el terreno colectivo, se modificaron las normas correspondientes a la constitución de representaciones de trabajadores, los procedimientos de negociación y el derecho a huelga. Entre las normas más importantes en ese sentido, se puede mencionar que se impuso un límite mínimo en el número de trabajadores necesarios para constituir un sindicato: 20 trabajadores para sindicato de empresa y la mitad de los trabajadores para sindicato de actividad. Asimismo, se eliminaron los beneficios de protección frente al despido (fuero sindical), a los dirigentes sindicales. Finalmente, se anuló la negociación laboral a nivel de rama y solo se permitió la negociación por empresa u obra4/. Finalmente, se ampliaron las causas de cese colectivo (despidos masivos mayores al 10% de personal de la planta, sin pago de indemnización alguna), incorporándose una modalidad asociada a “causas económicas.” ii).Por otro lado, en el plano de los derechos individuales, se produjeron importantes cambios en los mecanismos de despido y de contratación de trabajadores. Los más importantes de estos cambios se muestran en el cuadro 3 siguiente y se comentan a continuación. Uno de los principales cambios, siguiendo la experiencia española, es la introducción de variadas modalidades de contratación temporal o de corto plazo. Aparecen así nuevas formas de contratación, con la finalidad de flexibilizar la relación 4 El caso mas notorio en este proceso fue el los trabajadores de construcción civil, cuyas obras en general no duran mas de seis meses, con lo cual, las posibilidades de organizarse y negociar se redujeron. Livro.indb 152 03/02/2011 11:34:15 153 Cuadro 1 – Síntesis de la Reforma Laboral: Derechos Individuales de los Trabajadores Fuente: Chacaltana y García (2004) laboral. Para ello, una de las primeras acciones a ser tomadas fue flexibilizar las condiciones y requisitos exigidos para la contratación temporal de mano de obra, proceso que hasta entonces era bastante dificultoso. Así, a las ya existentes modalidades de contratación de naturaleza temporal o accidental, se añadió la posibilidad de contratar por obra o servicio (contratos específicos, intermitentes o de temporada), y esto podía hacerse “cuando así lo requieran las necesidades del Livro.indb 153 03/02/2011 11:34:15 154 mercado o mayor producción de la empresa”5. Asimismo, la duración máxima del uso de estos contratos temporales paso de 2 años a 5 años por trabajador aunque cuando se trata de contratos por obra o servicio específico, no hay plazo límite. iii). En cuanto a los procedimientos de despido, probablemente el hecho mas importante fue la eliminación de la estabilidad laboral absoluta, derecho que incluso había adquirido rango constitucional en 1979. La estabilidad laboral absoluta implicaba que era nulo el despido arbitrario de manera que el despido sólo procedía cuando existían “causas justas” demostrables judicialmente por el empleador. Las razones de “causas justas” de despido eran taxativas, su número reducido, y sólo se aplicaban en casos extremos, como por ejemplo, faltas graves derivadas de la conducta del trabajador6. Con la reforma, se creó la figura del despido arbitrario, es decir, se eliminó la nulidad del despido injustificado y consecuentemente la estabilidad laboral absoluta. Esta fue reemplazada por el derecho a la estabilidad laboral relativa, definida como una protección contra el despido arbitrario equivalente a una indemnización de una y media remuneración ordinaria mensual por cada año completo de servicios, sujeta a un tope de doce remuneraciones mensuales en total. Simultáneamente, se amplió el abanico de “causas justas” de despido incorporándose algunas asociadas a problemas de conducta y a la incapacidad productiva del trabajador. iv). Se ampliaron las posibilidades de capacitación laboral juvenil, que por no tener carácter laboral, no obligan al pago de beneficios sociales, aún cuando mantienen la obligación de asegurar una cobertura de salud al joven participante. Antes de la reforma, los contratos de capacitación para el trabajo sólo existían a través de la forma de prácticas preprofesionales, mecanismo aplicable sólo para estudiantes de educación superior. Con la reforma se estableció que las prácticas preprofesionales no sólo se aplicaran para estudiantes sino también para egresados de educación superior. Al mismo tiempo para quienes no tuvieran educación superior, se crearon los Convenios de Formación Laboral Juvenil (CFLJ) aplicable a jóvenes entre 16 y 25 años y, para los jóvenes con formación técnica, se crearon los Contratos de Aprendizaje (CA)7. 5 En relación a los costos asociados a la contratación temporal, en la actualidad los trabajadores de este régimen tienen los mismos derechos y beneficios que los trabajadores con contrato indeterminado (permanentes). La única diferencia radica en que, en caso de rompimiento arbitrario del contrato, el empleador está obligado a otorgar al trabajador temporal una indemnización equivalente a una y media remuneración por cada mes dejado de trabajar de acuerdo a su contrato. 6 Se exceptuaban de este beneficio a ciertos trabajadores como por ejemplo, a los que ocupaban puestos de confianza y a aquellos que tenían menos de tres meses de antigüedad en el empleo, a los cuales se les consideraba en periodo de prueba y cuyo número no podía exceder el 10% del total de trabajadores permanentes de la empresa 7 Cabe señalar que simultáneamente a la creación de estos mecanismos, se establecieron limitaciones a su uso: la duración máxima de los CFLJ y los CA es de 36 meses y es obligatoria su inscripción en un registro especial del MTPS, luego del pago de una tasa mínima. Livro.indb 154 03/02/2011 11:34:15 155 v). Se ampliaron las posibilidades de subcontratación laboral. En primer lugar, se modificaron las normas de subcontratación a través de terceros (intermediación). Antes sólo se permitía la participación de trabajadores pagados por terceros en una empresa, “cuando los servicios eran actividades complementarias, como mantenimiento, limpieza, vigilancia, seguridad, eventos temporales y otros análogos”. Con la reforma laboral (DL. 728), se crearon las cooperativas de trabajo y fomento del empleo y las empresas de servicios especiales (llamadas services en Perú) y la innovación consistió en que los trabajadores provenientes de estos “services” o cooperativas, podían prestar no solo servicios complementarios sino también servicios esenciales temporales. El argumento es que este mecanismo permite que las empresas usuarias “concentren sus recursos en aquellas actividades que por su especialización les generen mayores beneficios”. En segundo lugar, actualmente, se puede subcontratar directamente - no solo a través de mecanismos de comisión o destajo que ya existían- sin también a través del uso de los denominados contratos de locación de servicios utilizando el Registro Único de Contribuyentes (RUC). Aunque esta no es una modalidad laboral propiamente dicha – sino civil y por tanto no permitida para incorporar trabajadores - ha sido una de las modalidades mas utilizadas por las empresas en los últimos 10 años. vi). Estos cambios determinaron una reducción importante en la capacidad de los trabajadores para organizarse y negociar de manera colectiva sus salarios y condiciones de trabajo. vii). Mas importante aún, todo esto ocurrió en el contexto de un claro debilitamiento de la Autoridad Administrativa del Trabajo – el Ministerio de Trabajo – cuyo presupuesto y personal se redujo a menos de la cuarta parte en unos pocos años. En particular, sufrió una reducción cuantitativa y cualitativa la inspección del trabajo, con consecuencias notables de aumento del incumplimiento de las normas laborales. Una hipótesis a considerar es que dado que el Gobierno publicitó esta reforma señalando las ventajas de la desregulación, una consecuencia no planeada fue el aumento del incumplimiento de las nuevas normas, hecho viable por la significativa reducción de la inspección laboral y la idea explicitada por el Gobierno de que las pequeñas empresas eran importantes para el empleo aun cuando no cumplieran con las normas laborales. viii). La reforma fijó la Compensación por Tiempo de Servicio (CTS) en 30 días por año, equivalentes a 8.33 por ciento del salario anual. La CTS es un aporte que efectúa la empresa para constituir un fondo individual capitalizable al que puede acceder el trabajador en caso de despido. No obstante, a través de varias leyes, el objetivo de la CTS fue desnaturalizado al permitirse retiros de parciales Livro.indb 155 03/02/2011 11:34:15 156 de estos fondos para la adquisición de vivienda, para bienes durables y para situaciones de enfermedad o accidentes. La reforma laboral iniciada en 1991 y desplegada en 1991-05, logra una flexibilización laboral significativa y reduce abruptamente la capacidad de negociación sindical. Estos hechos se manifiestan en la reducción de los costos laborales no salariales y en la mayor capacidad de manejo del personal por parte de las empresas pero afectan las relaciones laborales y también, decisivamente, la formación de salarios. Después de la reforma laboral los salarios reales crecen en 1995-2008 muy lentamente en Perú, significativamente por debajo de la productividad. El Régimen Laboral Agrario del 2000 La ley No 27360 del 2000 estableció un régimen de promoción al sector agrario, incluyendo las actividades agroindustriales que se desarrollen fuera de Lima y Callao (excluyendo ciertas agroindustrias que usan determinados insumos). Además de establecer incentivos tributarios y de otra índole, introdujo un régimen laboral agrario, vigente hasta Diciembre del 2010. El régimen laboral agrario contempló originalmente (2000) que los trabajadores tienen derecho a percibir una remuneración diaria no menor a s/ 16.- o mensual no menor a s/ 480.-, siempre que laboren más de 4 horas diarias. Dentro de esta remuneración se incluye la Compensación por Tiempo de Servicio o CTS (aporte de las empresas para cuando el trabajador quede cesante) y las Gratificaciones de Julio y Diciembre (15 días y 15 días) por lo que se trata de un salario integrado. Considerando este hecho, su nivel en la práctica fue fijado por debajo de la remuneración mínima vital general. Dado que la CTS y las gratificaciones equivalen, sumadas, a 25 por ciento del salario base8, implícitamente esta Ley descansaba en un salario base de s/ 384. - La ley dispuso que esos s/16 diarios o s/480 mensuales, se actualizarán en la misma proporción que el reajuste del mínimo. Adicionalmente, el trabajador agrario tiene derecho a un seguro de salud en base a un aporte del empleador de 4%, a 15 días de vacaciones por año y a una indemnización por despido arbitrario de 15 días por año con un tope de 180 remuneraciones diarias – o las fracciones correspondientes. El monto de salario agrario de s/16.- diarios o s/ 480.- mensuales, fue reajustado en el 2003 en 12.2 % de acuerdo al reajuste del mínimo, lo que lo elevó a s/ 539.- mensuales. Fue 8 Las gratificaciones equivalen a 16.7 % del salario y la CTS a 8.3 por ciento. La suma es entonces 25%. Livro.indb 156 03/02/2011 11:34:15 157 reajustado nuevamente en el 2005 en 8.7 %, lo que volvió a elevarlo a aproximadamente s/ 585.- Estos 585.- soles se descomponen en: i) Salario base: s/ 468. - ; ii) CTS y dos Gratificaciones anuales: s/ 117.El salario base en el régimen agrícola era en el 2007 de s/ 468.- comparado con el mínimo de s/ 500.- del régimen general. Esto implica que el mínimo general de s/ 500.- era un 6.8 por ciento más elevado que el salario base del salario integral agrícola. A fines del 2007 con vigencia a partir de principios del 2008, la remuneración mínima general fue reajustada en 10 por ciento, a s/ 550.- Consecuentemente, el salario base del régimen agrícola fue reajustado a s/ 514.8, cifra en la que permanece hasta la actualidad. La Reforma Laboral para la MYPE de la Ley 28015 del 2003 Hacia el 2000, la importancia de la Micro y Pequeña Empresa (MYPE) para la generación de empleo era evidente. Generaba aproximadamente un 19 por ciento del empleo total del país. También era relevante lograr su formalización, ya que una proporción muy alta de la micro y pequeña empresa era desde un punto de vista tributario y laboral informal. Cobra así fuerza la idea de establecer un régimen especial de promoción para las MYPE, que abarcara diferente facetas importantes para su desarrollo – acceso a capacitación e innovaciones, acceso a compras estatales, régimen tributario, régimen laboral especial etc. EL Ministerio de Trabajo y Promoción Social elabora y presenta un proyecto de ley, que es notablemente modificado por el Ministerio de Economía y Fomento y otros Ministerios, hasta reducirlo en lo esencial a un cambio en el régimen laboral y tributario. La ley es promulgada en el 2003. Se esperaba que con estos incentivos se incrementara significativamente la formalización de MYPE informales. En lo relativo a las normas laborales, la ley establece un régimen laboral excepcional para las MYPE. Entre los cambios respecto al régimen laboral general, sobresalen los siguientes: i) La nueva ley define como microempresa a aquellas con 1 a 10 trabajadores y con ventas anuales máximas de 150 Unidades Impositivas Tributarias (UIT). Define como pequeña empresa a aquellas con 1 a 50 trabajadores y con ventas anuales de entre 150 y 850 UIT. ii) Para estas empresas, dispone un régimen laboral especial por un plazo de diez años. Livro.indb 157 03/02/2011 11:34:15 158 iii) La remuneración no debería ser inferior al mínimo legal, la jornada normal de ocho horas, el horario de trabajo debía respetarse, el sobre tiempo era legislado de manera similar al régimen general y lo mismo el descanso semanal y feriados. iv) Se reducían las vacaciones a 15 días por año y fracción adicional por año de servicio con un tope. v) Para el caso del despido injustificado se admitía una indemnización de 15 remuneraciones diarias, más un adicional creciente con el número de años de servicio con un tope de 180 remuneraciones diarias. vi) El seguro de salud no era obligatorio y tampoco el pago de pensiones. vii) Las MYPE quedaban exentas de cotizar para fines de capacitación al SENATI en el caso de la industria y al SENSICO en el caso de la construcción. viii) Los trabajadores de las MYPE quedaban exentos de participar en las utilidades de las empresas dispuestas por ley en Perú. ix) El aporte a la CTS se establece en 30 días por año, aproximadamente un 8.33 por ciento del salario anual, a ser depositado semestralmente por las empresas en la cuenta del trabajador. x) La ley establecía un registro en el Ministerio de Trabajo, en el que las MYPE debían inscribirse, para gozar de las ventajas laborales y tributarias de la nueva ley. xi) Se trasladaron todas las funciones y el organigrama de promoción de las MYPE al Ministerio de Trabajo. xii) A raíz de ese traslado, el nuevo nombre fue Ministerio de Trabajo y Promoción del Empleo (MTPE), con un Vice Ministerio de Promoción del Empleo, del cual dependían todas las unidades y entidades de promoción de las MYPE. La segunda Reforma Laboral para la MYPE del 2008 Las reformas previstas por la ley 28015 generaron con el tiempo cierta desazón en dos grupos diferenciados. En el sector público, se tomó conciencia de que el número de MYPE inscriptas en el registro de la ley 28015 era Livro.indb 158 03/02/2011 11:34:15 159 pequeño en relación a los cientos de miles de unidades MYPE del país. En los medios empresariales, se señalaba que una de las razones que explicaba su escasa acogida, era el carácter temporal del régimen especial – vencido el cual se regresaba a la legislación general del trabajo. En el 2007, dentro del propio MTPE se analizaba nuevamente la necesidad de una política de promoción que apuntara a elevar la productividad y competitividad del segmento MYPE, y reducir su mortalidad. En ese año, sólo un tercio de las MYPE alcanzaban a cumplir los tres años de vida, con una tasa de mortalidad mucho mayor a la de las empresas grandes y pequeñas. Se revitalizó la idea de un enfoque integral, que abarcara políticas de promoción en diferentes planos, incluyendo acceso a financiamiento, nuevas normas tributarias simplificadas, simplificación de trámites y registros contables, acceso a innovaciones y capacitación, estimulo a la formación de clusters y a la subcontratación, apoyo para el acceso a la seguridad en salud y pensiones, normas laborales más afinadas que diferenciaran las microempresas de subsistencia familiar de aquellas con potencial competitivo, etc. El Congreso había aprobado facultades delegadas especiales al Poder Ejecutivo para la aprobación de leyes exentas de ser específicamente debatidas en el Congreso que reflejaban temas necesarios para la aprobación del TLC con EEUU. La causa invocada fue el apuro para cumplir con el plazo previsto en numerosos temas esenciales para la firma del TLC. Dentro de los temas incorporados a las facultades delegadas, se incluyó el nuevo proyecto de promoción de MYPE. El nuevo proyecto sufrió un trámite bastante accidentado, ya que una vez propuesto por el MTPE, en el Consejo de Ministros enfrento la oposición y propuestas de enmiendas o modificaciones de varios Ministerios importantes. De hecho, hubo una confrontación institucional que provocó una modificación significativa a este proyecto – dejando de lado muchos de los aspectos promocionales y enfatizando, al igual que lo sucedido en el 2003, la reducción de costos laborales, esta vez por una vía inesperada. La confrontación llegó a un terreno más serio que en el 2003, ya que en el Congreso se planteó y aprobó una ley que trasladaba todas las funciones y organigrama vinculados a las MYPE, desde el MTPE al Ministerio de la Producción. Como esto se efectuó sin consulta alguna al MTPE, el proceso culminó con la renuncia del Ministro de Trabajo. Después de este accidentado curso, el nuevo proyecto de ley, aprobado en el 2009, incluía temas no previstos en el proyecto original del MTPE y no incluía la mayoría de los temas de promoción y acceso a recursos para las MYPE. Livro.indb 159 03/02/2011 11:34:16 160 En lo laboral, el nuevo proyecto aprobado comprendía lo siguiente: i) La definición de MYPE fue ampliada radicalmente. Se definía como microempresa a las unidades de hasta 20 trabajadores y se amplió también el monto de ventas contenido en la ley 28015. Similarmente, se definía como pequeña empresa a las unidades de 1 a 100 trabajadores y el monto de ventas máximo se elevó desde 850 a 1700 UIT anuales. Esta última cifra era equivalente en el 2008 a aproximadamente 2.15 millones de dólares anuales, lo que para la economía peruana implica un nivel de ventas de una empresa mediana o grande. Consiguientemente, por esta vía, se ampliaba el acceso al régimen especial de MYPE a empresas que en la práctica no eran MYPE sino empresas medianas. De hecho, al establecer estos nuevos límites, las empresas con más de 100 ocupados que quedaban sujetas al régimen laboral general, representaban menos del 5 por ciento del empleo del país. Todo el resto estaba cubierto por el régimen especial MYPE y por el régimen especial agrario y agroindustrial. ii) El régimen laboral MYPE fue establecido como permanente, a diferencia del régimen anterior que era temporal. Esto fue una consecuencia de la idea que al ser temporal, no incentivaba la inscripción en ese régimen. Se agregó al carácter definitivo del régimen, un plazo de cinco años a cada empresa para inscribirse en el régimen permanente. iii) La jornada laboral, horario y sobre tiempo quedaban igual al régimen especial del 2003, con la excepción de que no se aplicaba sobre tasa alguna por trabajo nocturno. iv) Se mantenían las normas de vacaciones e indemnización por despido sin causa justificada y la exención a participar en las utilidades de las empresas contempladas ya en el régimen especial del 2003. v) El aporte por CTS es eliminado para las microempresas (1 a 20 trabajadores) y reducido a la mitad (15 días por año o aproximadamente 4.16 por ciento del salario anual) para las empresas definidas como pequeñas (1 a 100 trabajadores). vi) A diferencia del régimen del 2003, se establece un aporte para el seguro de salud, una parte del cual era efectuado por el Estado; y el remanente, de un costo muy bajo, Livro.indb 160 03/02/2011 11:34:16 161 Tabla 3 - Perú. Monto y Composición de los Costos no Laborales. 2002-08 (En porcientos) 2002 Gratificaciones anuales Vacaciones Cesantía (1) Salud Pensiones Accidentes laborales (2) Subsidio Familiar (3) Capacitación laboral Solidaridad Total A cargo del trabajador A cargo del empleador 16.7 8.3 8.3 9.0 11.1 1.3 5.5 0.8 2.0 63.0 11.1 51.9 Post Reforma MYPE 2008 16.7 4.2 ……. 3.1 (4) 11.1 ……. 5.5 ……. 40.6 11.1 29.5 Fuente: García (2005) y Estimaciones Efectuadas para Este Trabajo. Notas: (1) Aporte para la CTS (2) Promedio de aportes a aseguradoras (3) Corresponde al 10 % adicional sobre el salario mínimo para los trabajadores con cargas familiares. La cifra del cuadro se calculó en base al promedio de remuneraciones asalariados, y el número de asalariados con al menos un hijo menor de 18 años. (4) Estimado en base a un aporte de 30 soles por empleador y un salario medio vigente en el tramo de pequeña y mediana empresa hasta 100 ocupados. por el beneficiario – microempresario, familiares o trabajadores. También se dispuso la obligatoriedad del aporte a pensiones. El cofinanciamiento del seguro de salud era particularmente atractivo para empresarios y trabajadores del segmento MYPE que en la práctica no imponían al sistema de seguros de salud. Fue posible incluirlo en este proyecto porque en forma coetánea, en el Gobierno se estaban aprobando varias iniciativas en la dirección de establecer un seguro de salud universal en Perú para todos los habitantes. vii) Se habilitó un registro para la inscripción simplificada de las MYPE para acceder a los beneficios de la nueva ley, que de hecho operaba como primer paso hacia la formalización. Livro.indb 161 03/02/2011 11:34:16 162 viii) Se trasladaron todas las funciones, responsabilidades y organigrama de promoción y supervisión de las MYPE al Ministerio de la Producción. La Tabla 3 estima el descenso de costos laborales no salariales generado por la reforma del 2008 del régimen especial para MYPE. Como se desprende de dicho Cuadro, el descenso en los costos laborales no salariales a cargo del empleador es significativo: desde un 51.9 por ciento a un 29.5 por ciento post reforma. Conviene recordar que si bien el régimen es llamado para la micro y pequeña empresa, el cambio de definición de tamaño, ampliando el tipo de empresa considerada legalmente como MYPE, deja afuera a sólo a 2 por ciento de las empresas (las grandes) y 6 por ciento del empleo. Como se desprende de lo expuesto, los cuatro cambios más importantes del nuevo régimen laboral especial fueron: a) la notable ampliación en la definición de tamaño de MYPE, que permitía en los hechos a la mediana empresa acceder a este régimen especial con menores costos laborales; b) el carácter permanente del régimen especial en reemplazo de la temporalidad; c) la reducción del aporte de las empresas por la CTS y d) el acceso a bajo costo al seguro de salud para los empresarios, sus familiares y los trabajadores, con un aporte estatal para reducir el monto mensual de cotización del beneficiario. Esto último fue en la práctica uno de los grandes atractivos del nuevo régimen. Una prueba de ello es que a partir de su aprobación el número de MYPE inscritas en el registro del régimen especial, creció rápidamente. En la práctica, la aprobación de este nuevo régimen especial antes de firmar el TLC con EEUU, benefició principalmente a empresas pequeñas y medianas ya que les proveyó de una legislación laboral menos exigente y de menores costos, para mejorar su competitividad poco antes de aprobarse legalmente dicho tratado9. Los Cambios en el Régimen del Salario Mínimo El régimen de salario mínimo sufrió grandes alteraciones de hecho, provenientes de tres grandes factores. El primero, hasta el 2007, el criterio de reajuste del mínimo nominal y el período de vigencia, dependía en los hechos de decisiones político – administrativas, y por lo tanto variaban a lo largo del tiempo. El segundo, las aceleraciones y desaceleraciones inflacionarias sumadas a la discre9 Por las razones expuestas, varios analistas consideran la reforma aprobada del régimen especial MYPE del 2008, como una reforma laboral “encubierta” en la que el “anzuelo” es el acceso subsidiado a la seguridad en salud, necesaria para la competitividad de empresas pequeñas y medianas ante la inminente firma del TLC con EEUU. (A diferencia de la reforma inicialmente proyectada en el MTPE que era una estrategia de promoción). Livro.indb 162 03/02/2011 11:34:16 163 cionalidad en materia de reajustes nominales, condujo a una pronunciada caída del mínimo real particularmente intensa durante la hiperinflación de fines de 1989 y comienzos de 1990. De allí en adelante se verifica una lenta y errática recuperación, sin que nunca alcanzara a retomar los niveles reales alcanzados en 1980. El tercer factor fue el cambio legal en la cobertura de efectiva del salario mínimo que sufrió modificaciones importantes. Respecto a los cambios de cobertura, recordemos que el salario mínimo legal general no rige para las actividades exportadoras no tradicionales, que se manejan con un mínimo más bajo. En el 2000 se dispuso que para el sector agropecuario y agroindustrial un régimen diferente de salario base inferior al mínimo al que se le agregaba un 8.3 por ciento de aporte por la CTS y las gratificaciones de Julio y Diciembre (15 días y 15 días), lo que representa un costo adicional de 16.7 por ciento del salario base. En el año 2000, el Gobierno provisional que sucede al Presidente Fujimori, aprueba la reinstalación del Consejo Nacional del Trabajo, como entidad tripartita en la cual tiene lugar del diálogo social a nivel macro. Entre las funciones otorgadas a ese Consejo, se encuentra el análisis, discusión y aprobación de un salario mínimo vital. No obstante, es recién en el 2007 que se logra aprobar, por primera vez en Perú, un criterio o regla de reajuste y un plazo de vigencia, de modo de establecer un mecanismo institucional libre de interferencias político-institucionales. La regla de reajuste está dada por la tasa esperada de inflación subyacente10/ para los dos años siguientes, más el crecimiento de la productividad total registrado en los dos años anteriores a la fijación. El plazo de vigencia se establece en dos años. La tasa de inflación subyacente esperada es la proyectada oficialmente por el Banco Central de la Reserva. Se mantiene un adicional de 10 por ciento del mínimo, para los trabajadores con cargas familiares. El mecanismo de reajuste, al descansar en la tasa de inflación subyacente esperada para los siguientes dos años, contemplaba una cláusula de salvaguardia, usual cuando se utiliza la inflación esperada a dos años plazo. Esa cláusula de salvaguardia, llamada cláusula gatillo, establecía que cuando la inflación subyacente efectiva superaba significativamente la inflación subyacente esperada, el Consejo podía aprobar automáticamente un reajuste suplementario por la diferencia, sin esperar al vencimiento del plazo de vigencia de dos años. Eso fue lo que ocurrió en el 2008, año en que se verificaron bruscas alzas en 10 La inflación subyacente es calculada por el BCRP como aquella libre de una parte significativa de la volatilidad en los precios de alimentos y combustibles. Es por lo tanto una proxy de la tendencia de mediano plazo. Livro.indb 163 03/02/2011 11:34:16 164 el precio de alimentos – maíz y trigo importado, y otros alimentos – y combustibles, que provocaron una súbita aceleración de precios al consumidor cercana a 7 por ciento anual, muy por encima de la meta de 2 por ciento anual del BCRP. Las Centrales Sindicales solicitaron la aplicación de la cláusula gatillo en Setiembre del 2008. En ese mismo mes, el Ministerio de Economía anunció públicamente que la economía peruana no tendría problemas con la recesión internacional que estaba ya avanzando, y que cabría esperar una desaceleración del crecimiento desde el casi 10 por ciento anual estimado para el 2008 a un 7 por ciento para el 2009. Pero los empresarios, que contaban con información efectiva de lo que estaba sucediendo en el exterior y de la brusca caída o anulación de pedidos de compra por exportaciones, previeron un panorama mucho más adverso y se negaron a aprobar el reajuste de la cláusula gatillo. El Gobierno se plegó a la posición empresarial a pesar de sus declaraciones de que la recesión global no afectaría a Perú. Se produjo entonces un forcejeo que, complicado por los temas que emergieron con la recesión global, terminó con el retiro de las Centrales Sindicales del Consejo y el virtual cese de actividades del Consejo todo el 2009 y lo que va del 2010. En consecuencia, no sólo se dejó de lado la cláusula gatillo, si no también el reajuste bianual que debía ser debatido a fines del 2009 para entrar en vigencia a principios del 2010. El Gobierno fue en el 2010 más explícito: declaró que no debía reajustarse el salario mínimo en circunstancias que el país estaba recién saliendo de una desaceleración del crecimiento. Con esto el propio Gobierno destruyó el mecanismo de reajuste del salario mínimo creado por él mismo a fines del 2007, y lo hizo a pesar de que Perú no sufrió en el 2009 una contracción del PIB – sólo una abrupta desaceleración de su alto crecimiento previo. Conviene agregar que en la práctica, la evasión del salario mínimo es elevada – en el 2006 aproximadamente un 32 por ciento de los asalariados se encontraba por debajo del mismo. Esto se explica esencialmente por el hecho de que el salario mínimo es muy elevado para el muy bajo nivel de la productividad en el segmento de la microempresa (menos de 10 ocupados), que da empleo a la mayor parte de los asalariados. Este hecho es particularmente difundido entre las microempresas de fuera de Lima Metropolitana, que son las que registran menores niveles de productividad. El Fortalecimiento de la Fiscalización Laboral La capacidad de aplicar la ley es tan importante como su aprobación. En la práctica, sobre todo a partir de la reforma laboral iniciada en 1991, se había ido generando un clima de permitir el no cumplimiento de la legislación. Este clima Livro.indb 164 03/02/2011 11:34:16 165 se intensificó cuando en la práctica, la capacidad de fiscalización y control del Ministerio de Trabajo fue desmontada drásticamente en 1991-94, al rebajarse su presupuesto y recortarse su personal – entre ellos el cuerpo de inspectores laborales que fue reducido en 80 por ciento. Durante las negociaciones (2005-07) del tratado de libre comercio (TLC) con EEUU, el primer tratado de comercio negociado por Perú, surgió el tema de las normas laborales. El tratado, a solicitud del Gobierno de los EEUU, establecía nítidamente dos principios: i) el respeto a los derechos humanos en el campo del derecho laboral, establecidos en lo que es conocido como las normas fundamentales del trabajo de OIT; ii) el cumplimiento de la legislación laboral nacional en cada país. En la práctica, esto suponía un grado mayor de enforcement al vigente en Perú, donde la aplicación y cumplimiento de la legislación laboral nacional era sumamente laxo. Dado que tanto funcionarios del Gobierno, como representantes de las organizaciones de trabajadores y empresarios de EEUU viajaron a Perú frecuentemente para constatar el cumplimiento de las leyes laborales nacionales, la negociación del TLC condujo a la necesidad de fortalecer la inspección del trabajo. En un período relativamente corto de tiempo el número de inspectores laborales se elevó en más de 500 por ciento a más de 500 funcionarios. A ello se le agregó una capacitación especial relativamente intensa, y campañas de información preventiva por los medios de difusión para alertar a las empresas de la nueva estrategia de fiscalización del cumplimiento de la legislación laboral. Simultáneamente, la Superintendencia Nacional de Tributación (SUNAT), que posee una capacidad de fiscalización más potente que el MTPE, incluyó en sus sistemas de verificación el cumplimiento de las leyes laborales. En el 2008 se habilitó desde el MTPE el sistema de planilla laboral electrónica, en la que deben estar registrados los trabajadores de cada empresa. La combinación de todas estas acciones condujo a resultados más positivos en materia de cumplimiento, aún cuando es todavía muy temprano para evaluar resultados definitivos. Hacia el 2008, estaban registradas en planillas electrónicas alrededor de 142 mil empresa, el grueso de ellas micro y pequeñas empresas. Livro.indb 165 03/02/2011 11:34:16 166 El Impacto de los Cambios Institucionales Período 1990-2000 Son muy escasos los estudios que han intentado evaluar el impacto cuantitativo del proceso de reformas, sobre todo porque este proceso se extiende en el tiempo, como fue expuesto, desde 1991 hasta 2008. Esto hace muy difícil aislar su incidencia de las causadas por otras múltiples variables en la evolución del mercado laboral. Un dato adicional, es que las encuestas de hogares para medir empleo se amplían a nivel urbano total y nacional recién en 1996. Esto explica porqué el análisis efectuado para los años 90 descansa en las cifras de empleo e ingresos laborales de Lima Metropolitana – que por otra parte representaba una porción muy elevada del empleo nacional urbano. Sin duda, la intensidad y profundidad de la reforma laboral que se desplegó entre 1991 y 1995 tuvo como principales consecuencias flexibilizar el mercado laboral y reducir los costos laborales. Como veremos, tuvo también otras repercusiones, algunas de ellas no deseadas. Respecto al empleo, como se observa en el Gráfico 2, el mismo sigue ajustadamente antes y después de las reformas de 1991-95 el comportamiento del PIB, lo que está indicando que las reformas no afectaron significativamente en forma directa esa correlación. En 1990-92, tanto el PIB como el empleo permanecen prácticamente estancados como consecuencia del impacto del programa de shock para detener la hiperinflación. En 1993-97, el PIB ser recupera y crece significativamente a una tasa de 7 por ciento anual y el empleo lo sigue de cerca creciendo a un ritmo de 5.4 por ciento anual. En 1997-99 la economía sufre el rebote de la crisis asiática y un serio daño al financiamiento de las empresas, lo que provoca una recesión, manifestada en un estancamiento del PIB mientras el empleo sigue creciendo pero explicado por el aumento de la informalidad, que se eleva notablemente de 48 a 54 por ciento entre 1997 y 1999. Es importante retener un rasgo estilizado de los mercados laborales segmentados de Perú. Frente a shocks negativos o positivos, estos no se manifiestan mucho sobre la tasa de desempleo, y en cambio el ajuste tiene lugar vía cambios en la proporción de Livro.indb 166 03/02/2011 11:34:16 167 Grafico 2 – Lima: Evolución del PBI, el Empleo, y el Ingreso Laboral: 1990-1999 (1990=100) Fuente: Encuesta de Hogares MTPE-INEI (ENAHO). empleo informal, en el ingreso laboral informal y en los salarios reales. Así, en el período que se viene analizando, el shock registrado en 1990-92 no eleva la tasa de desempleo, pero si aumenta la informalidad y genera una seria caída de salarios reales. Respecto a estos últimos, observando el Gráfico 2, se constata como el ingreso laboral medio cae sostenidamente en términos reales hasta 1993, y de allí en adelante se recupera pero más lentamente que el empleo. Es probable que este comportamiento haya estado influido por la reforma de 1991-95 que, como veremos, debilitó la formación de salarios. Cabe tener en cuenta que con la hiperinflación de 1989-90. El salario mínimo se había reducido a menos de 20 por ciento de su valor real en 1980, hecho que sin duda afectó también la formación de salarios. Los efectos de la reforma laboral se manifestaron no tanto en el empleo agregado, si no en su composición, y en otras variables que afectan la calidad del empleo, las relaciones laborales y la formación de salarios. Livro.indb 167 03/02/2011 11:34:16 168 Observando el Cuadro 5 adjunto, se concluye que uno de los efectos más significativos de la reforma laboral es el cambio de composición del empleo por tipo de contrato laboral. Entre 1991 y el 2000, la proporción de asalariados con contrato laboral estable e indefinido, cae abruptamente de 41 por ciento a 21.3 por ciento. A la inversa, los asalariados con contrato no estable (que incluye todas las formas de contratación temporal o eventual) se elevan desde 25.8 por ciento del total de asalariados en 1991 a casi 32 por ciento en el 2000. Pero el cambio más importante tiene lugar en los asalariados sin contrato laboral o “en negro”: la proporción de los mismos crece rápidamente desde 33.2 a casi 47 por ciento del total de asalariados. Este último indicador, que refleja el aumento del empleo “en negro”, está manifestando un efecto no buscado de la reforma laboral de 1991-95. En la medida que se introducen legalmente múltiples contratos de menor duración y costos, se abandona la tarea de fiscalización del Ministerio de Trabajo expuesta en una sección previa, y se legitima por parte del Gobierno la idea de que la estabilidad laboral es dañina; la consecuencia es un fuerte crecimiento del personal asalariado no sujeto a contratos laborales – un aumento de la informalidad legal laboral en actividades formales – y desprotegida entonces de normas salariales, condiciones de trabajo y de seguridad social. También es importante notar que hacia el 2000 la mayor proporción de los asalariados sin contrato se ubica en el tramo de empresas de menos de 10 ocupados y de 10 a 49 ocupados – micro y pequeña empresa. A la inversa, la mayor proporción de contratos no estables se concentra en las empresas de mayor tamaño pequeñas, medianas y sobre todas las grandes – 100 y más ocupados. Por consiguiente, el debilitamiento de las normas laborales y de la fiscalización, indujeron dos tipos de respuestas en el mercado laboral formal en Perú. Por una parte, facilitaron a las micro y pequeñas empresas elevar la evasión laboral, lo que explica el alza de la proporción de sin contrato en estos tamaños de empresas. Por la otra, la habilitación de múltiples contratos no estables, dio lugar al reemplazo de personal estable por este nuevo tipo de contratos en el estrato de empresas medianas y sobre todo grandes. Estos dos grandes cambios afectaron las relaciones laborales y, sin duda, la formación de salarios en los diversos estratos de empresas – reflejada en la mayor lentitud de la recuperación del ingreso laboral real en 1993-99 La Tabla 4 siguiente nos informa de otros cambios que tienen lugar, como consecuencia de las variaciones en la actividad económica y del efecto de la reforma laboral de 1991. El primero de ellos, explicado por la aceleración y posterior contracción del crecimiento económico, es el lento descenso de la proporción de empleo informal en 1990-97, y un abrupto aumento en 1997-99, de tal magnitud que hacia fines de los 1990’s la proporción de informalidad era superior a la de 1990 y llegaba a 54 por ciento. Livro.indb 168 03/02/2011 11:34:16 169 Tabla 4 - Asalariados Privados según Modalidad Contractual y Tamaño de Establecimiento. 1991-2000. (En porcientos) Lima 1991 Lima 2000 Perú Urbano (2000) Con Contrato Estable - 41.0 24.8 21.3 -Con Contrato No Estable 25.8 29.8 31.9 -Sin Contrato (1) 33.2 45.4 46.8 - Total 100.0 100.0 100.0 Estable No Estable Sin Contrato (1) 1. <10 ocupados 24.4 19.3 72.6 2. 10 a 49 ocupados 18.3 27.2 20.1 3. 50 a 99 ocupados 9.5 11.4 2.6 4. 100 y más ocupados 47.8 42.1 4.6 Total 100.0 100.0 100.0 Tamaño/Contratos (2000) Fuente: Chacaltana y García (2004) en base a INEI, MTPS; ENAHO, 3er trimestre de cada año. (1) Sin Contrato: definidos como aquellos asalariados privados que la ENAHO identifica como sin contrato y que simultáneamente, no registran cotización a la seguridad social. Livro.indb 169 03/02/2011 11:34:16 170 Tabla 5 - Indicadores Seleccionados Mercado Laboral 1991 1993 1995 1997 1999 Informal 52.4 51.1 49.6 47.5 54.0 Formal 47.6 48.9 50.4 52.5 46.0 Asalariado Privado 42.3 44.3 44.7 43.6 52.5 Asalariado Público 11.9 10.0 9.2 6.8 9.1 Independiente 31.7 29.4 30.6 33.0 30.8 Resto 14.1 16.2 15.5 16.7 7.6 Estable/contrato indefinido 41.0 33.5 28.3 25.5 24.8 Comisionistas,destajo, honorarios 8.6 9.8 11.3 11.4 11.0 Tipo de Empleo (%) Tipo de Contrato (%) Services y cooperativas 7.1 2.7 5.4 3.8 3.0 Practicantes,Formación Laboral 0.2 0.3 0.5 1.3 0.8 Período de prueba 0.0 6.7 1.2 0.8 0.2 Eventual/plazo 9.9 12.2 15.6 16.0 14.8 Sin Contrato 33.2 34.8 37.7 41.2 45.4 Duración del empleo (meses) 69.1 52.0 48.0 42.0 46.6 Afiliación a Sindicatos (%) 36.4 28.1 19.3 5.5 7.7 Fuente: Chacaltana y García (2004) en base a Encuestas de Hogares, MTPE-INEI. El fuerte incremento de la informalidad tuvo que ver con la recesión de fines de los años 90, y con el hecho de que el mercado laboral peruano tiene un umbral determinado por el elevado crecimiento de la PEA Urbana. Así, en esa fecha el crecimiento de la PEA Urbana se hallaba entorno a 3.2 por ciento. Dada una elasticidad empleo producto que se movía entorno 0.75, esto significaba que la economía debía crecer por encima de un umbral de 4.6 por ciento anual para absorber el crecimiento de la PEA. Si se contraía el crecimiento muy por debajo de ese umbral, se elevaba abruptamente la proporción de informalidad. El umbral fue descendiendo a medida que la tasa de crecimiento de la PEA Urbana se fue desacelerando, pero se mantuvo por encima del 4 por ciento anual hasta el 2009. El segundo ajuste detectado en la Tabla 5 es el descenso en la duración del empleo. La misma cae de 69 meses en 1991 a 46.6 meses en 2000. Esto es también Livro.indb 170 03/02/2011 11:34:17 171 un indicador del aumento de inestabilidad en el empleo y apunta hacia una mayor rotación laboral y mayor número de episodios de salida de empleos del sector moderno y entrada a empleos informales. Esto fue acompañado con un aumento en el número de horas trabajadas. Hacia el 2000, 43 por ciento de los asalariados trabajaban más de 48 horas semanales – particularmente en el sector de microempresa. Este fenómeno se extiende hasta la actualidad. El tercer cambio significativo, es la enorme caída en la tasa de afiliación sindical: la misma decrece de 36.4 por ciento en 1991 a 7.7 por ciento en el 2000, reflejando como la reforma deteriora notablemente la capacidad de negociación sindical. Este hecho también influyó en la formación de salarios. El cuarto cambio es la caída en la participación del empleo público – aunque el Cuadro registra sólo lo acaecido en el Gobierno Central. Si se computa la privatización de empresas públicas, la caída es mucho mayor. El quinto fenómeno registrado en la Tabla 5 es la significativa estabilidad de la proporción de trabajadores independientes, la mayoría de ellos de bajos ingresos. Como se observa en ese cuadro, esa proporción se mantiene en la década de los años 1990 en torno a 31 por ciento. Este es también un rasgo estilizado del comportamiento de los mercados laborales en Perú: la alta proporción de trabajadores independientes no asalariados que permanece a un nivel significativo a lo largo el tiempo – con o sin reformas. En síntesis, el mercado laboral formal se hizo más flexible y competitivo. Pero la composición del empleo cambió fuertemente en los años 90, hacia una mayor informalidad, hacia una mayor proporción de ocupados con contratos de corta duración o sin contrato, hacia una menor protección social y hacia un contexto más negativo en materia de relaciones laborales y negociación sindical. Respecto al crecimiento de la productividad total, las estimaciones a nivel macro del mismo señalan, como cabría esperar, que la misma crece significativamente en 1993-97 durante el sub período de alto crecimiento – y cae abruptamente a partir de la recesión 1998-99. Chacaltana y García (2004) agregan una información relevante. El fuerte incremento en el uso de contratos de corta duración y de personal sin contrato, posee una repercusión sobre el crecimiento de la productividad al interior de las empresas. A medida que la planta de personal de una empresa ocupa más contratados de corta duración, se torna menos posible invertir masivamente en Livro.indb 171 03/02/2011 11:34:17 172 capacitación. La razón es bien simple. Las empresas tienden a capacitar al personal estable que va a permanecer en la empresa. En la medida que se incrementa mucho el personal no estable, se reducen proporcionalmente las posibilidades de capacitación. Esto tiene una lógica económica. Si una proporción muy alta del empleo de la empresa se encuentra con contratos de corta duración, la tasa de rentabilidad de la inversión en capacitación debería ser desmesuradamente elevada a corto plazo para justificar la capacitación de personal no estable. Como en Perú la tasa de rentabilidad a corto plazo de la capacitación no es desmesuradamente elevada, el fuerte cambio de composición hacia contratos laborales no estables contribuyó a afectar el crecimiento potencial de la productividad a nivel micro-económico. Cuando se afecta el crecimiento potencial de la productividad a nivel microeconómico, después de un cierto rezago – que puede implicar varios años – esto tenderá a incidir en el crecimiento efectivo de la productividad total a nivel macroeconómico. El testeo de la hipótesis previa vía series de tiempo es imposible por la ausencia de información. Pero es factible una aproximación. Así Chacaltana y García (2004), en base a una regresión de datos de empresas de un panel cross-section, usando datos anuales de Encuestas a Empresas del Ministerio de Industria efectuadas 1997-98, estiman una elasticidad productividad/capacitación a nivel micro de 0.089 y un efecto negativo significativo sobre la productividad de la rotación laboral explicada por el gran uso de contratos no estables. Esto estaría sugiriendo que si se duplicara el gasto anual en capacitación por empresa, se haría viable un aumento de 8.9 por ciento en la productividad. Esta cifra se ubica en el tramo superior del rango de estimaciones similares efectuadas para otros países, lo que estaría confirmando que a fines de los años 1990, el débil gasto en capacitación de las empresas era una restricción significativa para el aumento de la productividad a nivel microeconómico, y que no era ajeno a este problema la gran proporción de contratos inestables. El Período 2000- 2009 Los efectos de la recesión 1998-99 se extienden hasta el 2000. A partir de ese año se inicia una recuperación orientada por la política macro-económica, y del 2002 en adelante, por un notable esfuerzo de aumento y diversificación de las exportaciones, aprovechando la bonanza de mercados externos. Dos Administraciones políticas sucesivas, desarrollan una variedad de esfuerzos, políticas y acuerdos de comercio y transmiten al sector privado la prioridad otorgada a la penetración de mercados externos. Las expectativas empresariales respecto a la viabilidad de un crecimiento orientado por exportaciones se desarrollan velozmente. El impul- Livro.indb 172 03/02/2011 11:34:17 173 so exportador se difunde y abarca no sólo a los commodities mineros exportados tradicionalmente por Peru, si no que se extiende a productos agrícolas, agroindustriales e industriales, cuyas exportaciones crecen muy velozmente en 2002-2008 – como ya se expusiera en una sección previa. Este impulso exportador incide paulatinamente sobre otras variables de gasto y se alcanza así el período de más alta aceleración del crecimiento económico de la historia peruana: aproximadamente un 7 por ciento anual entre el 2002 y el 2008, con una aceleración que eleva la tasa de crecimiento desde el 4 al 10 por ciento anual entre el 2001 y el 2008. Gráfico 3 - PIB, Empleo Formal, Empleo Total y Remuneraciones 2001-08 Fuente: INEI/MTPE. Serie 1: PIB Serie 2: Empleo Formal en empresas de 10 ocupados y más Serie 3: Empleo Total Nacional Serie 4: Promedio de Remuneraciones Reales en empresas de 10 y más. Livro.indb 173 03/02/2011 11:34:17 174 Este impulso es interrumpido abruptamente en el 2009 por la crisis mundial. El Gráfico 3 resume el crecimiento del PIB, del Empleo Formal, del Empleo Total y del promedio de las Remuneraciones Reales en 2001-08. La notable dinámica del crecimiento se manifestó en una aceleración significativa de la creación de empleos. En particular, el empleo formal en empresas de 10 ocupados y más, crece fuertemente a un ritmo de casi 5 por ciento anual, por encima del crecimiento del empleo total que crece a una tasa de aproximadamente 3.0 por ciento anual, lo que impulsó una significativa reducción del empleo informal. La productividad total también se eleva con la aceleración del crecimiento económico, alcanzando un crecimiento de entre 2 y 2.6 por ciento anual en 200208. (GARCÍA, 2008). A pesar del aumento del empleo y de la productividad, los salarios reales siguen un curso diferente. El crecimiento es muy poco significativo. El promedio de remuneraciones (ejecutivos, empleados y obreros) en empresas de más de 10 ocupados crece a un ritmo de 0.8 por ciento anual entre 2001 y 2008. El salario real obreros crece en el mismo período a un ritmo ligeramente más elevado, 1.4 por ciento. El salario mínimo se recupera en términos reales en 2002-08 pero aún así su valor sigue siendo menos de un tercio del registrado en 1980. Las diferenciales de ingresos por tamaño de empresa (véase Tabla 6 siguiente) seguían siendo en el 2006 muy elevadas, y más elevadas aún en relación al ingreso medio de los trabajadores independientes de menos calificación e ingreso. Usando información de planillas electrónicas del Ministerio de Trabajo que abarcaban en el 2008 aproximadamente 155 mil empresas del país, puede concluirse que la proporción de contratos estables de plazo indefinido se recuperó ligeramente respecto al año 2000. En el año 2008 dicho indicador llegaba al 46 por ciento del total de asalariados contratados en comparación con el 40 por ciento verificado en el 2000 si se deja de lado los asalariados sin contrato - por definición las empresas registradas en las planillas electrónicas no reportan el empleo sin contrato laboral o “en negro” mientras en la Tabla 4 anterior el empleo “en negro” está incluido en el cálculo. La incidencia del régimen laboral agrario y agroindustrial establecido en el 2000, facilitó sin duda la contratación de trabajadores a bajo costo en los sectores agrícola y agroindustrial de exportación. La evidencia disponible señala el rápido Livro.indb 174 03/02/2011 11:34:17 175 crecimiento del empleo en las regiones de la costa, fuera de Lima Metropolitana, donde cobraba impulso la dinámica exportadora. El crecimiento del empleo en estas regiones tuvo lugar a un ritmo aún más elevado que en Lima Metropolitana. No obstante, al igual que en el resto del país, las remuneraciones reales no crecieron al mismo ritmo. Tabla 6 - Perú: Ingreso Mensual Promedio según Segmento Laboral, 2006 P/ (En Nuevos Soles) Segmento laboral Ingreso laboral promedio 1/ Independientes no calificados 387.6 hasta S/.400 mensuales 156.9 Más de S/.400 mensuales 818.0 Microempresa 2/ 561.4 De 2 a 4 trabajadores 528.2 De 5 a 9 trabajadores 742.0 Pequeña empresa 792.4 10 a 19 trabajadores 725.6 20 a 34 trabajadores 802.3 35 a 49 trabajadores 1100.0 Mediana Empresa 1270.7 50 a 79 trabajadores 1309.4 80 a 149 trabajadores 1327.1 150 a 199 trabajadores 1013.6 Gran Empresa 1701.7 200 a 299 trabajadores 1642.4 300 y más trabajadores 2166.1 Fuente: INEI - Encuesta Nacional de Hogares, IV trimestre 2006. Elaboración: MTPE - Programa de Estadísticas y Estudios Laborales (PEEL). Notas técnicas: P/ Cifras preliminares 1/. No se considera a los trabajadores familiares no remunerados (TFNR) 2/. La microempresa incluye a los independientes que utilizan trabajadores familiares no remunerados (TFNR) y también a los T.F.N.R. que laboran en microempresas. Livro.indb 175 03/02/2011 11:34:17 176 Tabla 7 - Composición del Empleo en 2006. (En porcientos) Número de Trabajadores 1/ Número de Trabajadores (%) Número de asalariados 2/ Número empresas 3/ Sector público 1,075,102 7.5 1,075,102 - Micro empresa 2,772,202 19.3 2,050,772 805,693 92.8 De 2 a 5 trabajadores 2,150,736 15.0 1,530,436 716,912 82.6 De 6 a 9 trabajadores 621,467 4.3 520,336 88,781 10.2 1,073,180 7.5 1,037,728 57,210 6.6 De 10 a 19 trabajadores 539,776 3.8 507,906 41,521 4.8 De 20 a 49 trabajadores 533,405 3.7 529,822 15,688 1.8 Mediana y grande 4/. 1,347,040 9.4 1,347,040 5,024 0.6 De 50 y más trabajadores 1,347,040 9.4 1,347,040 5,024 0.6 Independientes sin TFNR 2,592,643 18.1 - Independientes con TFNR 2,431,910 17.0 - T.F.N.R. 2,500,490 17.4 - 549,660 3.8 - 14,342,226 100.0 867,926 Composición Pequeña empresa Trabajador del hogar TOTAL Número empresas (%) 100 Fuente: INEI - ENAHO Continua, IV Trimestre 2006. Resultados Preliminar. Notas técnicas: 1/ Incluye a los empleadores. 2/ Incluye a empleados y obreros 3/ Se obtuvo dividiendo la PEA ocupada entre el punto medio de cada intervalo. 4/ MTPE. Oficina de Estadística e Informática. Hoja de Resumen de Planilla 2006 P El impacto de la ley 28015 del 2003 con el régimen especial a la micro y pequeña empresa, no parece haber sido muy significativo, a juzgar por el bajo número de MYPE inscriptas en el registro correspondiente del MTPE – aproximadamente 17.000 hasta el 2007 sobre un universo superior a 860 mil de MYPE. No puede evaluarse plenamente la incidencia de la segunda reforma al régimen Livro.indb 176 03/02/2011 11:34:17 177 especial MYPE, desarrollada en el 2008 y aprobada en el 2009, por el muy escaso tiempo transcurrido. Pero es posible señalar que las MYPE registradas en el régimen especial crecieron a 80 mil a principios del 2010 y que esa segunda reforma colocó en posición bastante más competitiva a empresas pequeñas y medianas que debían enfrentar el TLC con EEUU. Un punto a destacar es que en 2000-08 se registran significativas mejoras en protección social. La cobertura de los regímenes de acceso a salud se eleva desde un 35 por ciento en el 2000 a 43 por ciento en el 2008 y es decisión de Gobierno seguir priorizando el aumento de esa cobertura. En Pensiones, el avance es más lento: desde un 27 por ciento en el 2000 a un 32 por ciento en el 2008. No obstante, después de 7 años de rápido crecimiento, casi un 30 por ciento de la PEA seguía en el sector rural, el grueso de ella ocupada en labores de minifundio de muy baja productividad. Las diferencias de productividad y de oportunidades entre los ocupados en el minifundio rural en la Sierra o en la Amazonía y los insertos en la industria, comercio o servicios en áreas urbanas desarrolladas, seguían tan elevadas como dos decenios atrás, antes de la apertura económica. La Tabla 7 explica porqué a pesar de las muy altas tasas de crecimiento del empleo total y formal, la composición del empleo en Perú siguió exhibiendo un grado elevado de precariedad. La muy baja dimensión inicial de los segmentos de mayor productividad – el empleo vinculado a la pequeña, mediana y gran empresa – explica porqué a pesar de las muy elevadas tasas de absorción en estos estratos en el 2002-08, la composición del empleo seguía estando esencialmente caracterizada por el predominio del empleo de baja productividad: el empleo independiente de bajos ingresos, los trabajadores familiares no remunerados y el empleo en microempresas rural y urbanas. Así, como se desprende de la Tabla 8, el empleo de trabajadores independientes y los trabajadores familiares no remunerados, más el trabajo doméstico, representaban en el 2006 el 56 por ciento del empleo total. El empleo en microempresas, con 92.8 por ciento de los establecimientos del país, constituía el 19.3 por ciento del empleo total. Mientras que la pequeña, mediana y gran empresa, generaban sólo el 16.9 por ciento del empleo total – con el 6.2 por ciento de los establecimientos. Por consiguiente, pese a los indudables y significativos avances registrados por el alto crecimiento del período 2001-08, el mercado laboral peruano seguía caracterizado por grandes diferencias de productividad entre el sector de la pe- Livro.indb 177 03/02/2011 11:34:18 178 queña, mediana y gran empresa, de mayor productividad relativa, y el registrado en el vasto contingente laboral inserto en las microempresas rural urbanas u ocupados como trabajadores independientes, familiares sin remuneración o trabajadores domésticos. En el 2009, el crecimiento del empleo total y sobre todo el del empleo formal se desacelera bruscamente, como consecuencia de la contracción de la tasa de crecimiento económico desde el 10 por ciento en 2008 a 1.4 por ciento en el 2009. Esto es provocado por una enorme caída de las exportaciones, del orden de 20 por ciento, que afecta en mayor medida a las no tradicionales, y por el cambio de expectativas empresariales causado por la crisis global. Como en otras oportunidades, el desempleo abierto no se incrementa significativamente – si lo hace el empleo informal. Conclusiones Es útil comenzar la reflexión sobre la incidencia de las reformas legales y de hecho, con un dato de la realidad. Como se señalara previamente, un 56 por ciento del empleo del país está explicado por trabajadores independientes rurales y urbanos, trabajadores familiares, muchos de los cuales laboran con trabajadores independientes, trabajadores domésticos y ocupados en microempresas de menos de 10 ocupados. Por consiguiente, los cambios en la legislación laboral no inciden directamente sobre este vasto contingente de la población ocupada, excepto para el 10 por ciento de las microempresas (> de 10 ocupados) que están registradas en el MTPE. De hecho entonces, los cambios institucionales no afectan directamente a todo el empleo si no a una proporción significativamente menor del empleo del país – aproximadamente a un 39 por ciento del empleo total, si se sustrae lo expuesto y el empleo público. La profunda reforma a la legislación laboral de 1991-95, en conjunto con el abandono de la función de fiscalización por parte de el MTPE, la aprobación del régimen laboral agrario y agroindustrial, y el régimen laboral especial para MYPE, tuvieron una significativa incidencia en los mercados laborales formales. Por un lado contribuyeron a flexibilizarlos significativamente y a reducir los costos no laborales. Por el otro, debilitaron significativamente las relaciones laborales y la formación de salarios. A partir de estas reformas, las remuneraciones reales crecen muy lentamente en Peru, por debajo del crecimiento de la productividad. Las tendencias descriptas en el párrafo previo, contribuyeron a mejorar la Livro.indb 178 03/02/2011 11:34:18 179 competitividad de las empresas peruanas en un período histórico en que enfrentaban el desafío de integrarse a mercados mundiales. Pero es útil recordar que no se desarrollaron con una intensidad similar otras políticas para fortalecer la competitividad del país, como la capacitación y adopción de innovaciones en la empresa, el desarrollo de la infraestructura productiva – que registra un considerable atraso en Perú – y otras orientadas a elevar la productividad. Es recién en 2003-2008 que se verifica un esfuerzo significativo y sistemático para mejorar la infraestructura productiva, y se establecen pequeños fondos para acceder a innovaciones de cobertura muy limitada. La capacitación laboral, sigue siendo un tema de entidades privadas y no existe un sistema de incentivos a la capacitación en la empresa. Esto es particularmente grave en un país que se caracteriza por una débil calidad de la educación primaria y secundaria. El problema que se genera cuando las mejoras de competitividad descansan sólo en medidas que afectan el mercado laboral, emerge del hecho que la competitividad es un concepto relativo y dinámico. Si, por ejemplo, en China, EEUU, Taiwan y Corea del Sur - países que compiten con Perú en diversos mercados internos y externos de Perú – el crecimiento de la productividad alcanza tasas del orden de 2 a 4 por ciento anual durante períodos prolongados, esto implica una presión equivalente hacia el descenso de los costos totales por unidad producida, que son los relevantes para fines de competitividad. Una estrategia para enfrentar ese descenso en costos totales por unidad de los competidores, que descanse sólo en reducir costos laborales y flexibilizar crecientemente el mercado laboral, se ve compelida – como sucedió en Perú – a aplicar sucesivas reformas y reducciones en costos laborales para enfrentar el aumento de la competitividad externa. Claramente, esta estrategia de competitividad no es viable a mediano plazo porque no es factible ni deseable reducir periódicamente las condiciones de vida y de trabajo de los trabajadores afectados. Es decir, a la inversa de la estrategia basada en el crecimiento de la productividad, se agota apenas se pone en práctica. Por consiguiente, la principal lección del enfoque de competitividad adoptado por Perú, es que el mismo no es sostenible en el tiempo. Es imprescindible desarrollar en su reemplazo, una estrategia de competitividad orientada a diversificar la producción y promover y difundir aumentos de productividad significativos. (GARCÍA, 2004). Esto se visualiza mejor en la siguiente expresión: Livro.indb 179 03/02/2011 11:34:18 180 CLU = CLH / PT (1) CLH = Costo Laboral Total/ Horas Trabajadas (2) PT = Producto/ Horas trabajadas (3) Por definición, el Costo Laboral por Unidad Producida (CLU) relevante para fines de competitividad, es igual al costo laboral por unidad de trabajo (CLH) dividido por la Productividad (PT). La estrategia adoptada en Perú descansó en reducir el numerador, pero la manera en que lo hizo – múltiples contratos de corta duración más aumento del personal sin contrato – inhibió el aumento del gasto en capacitación de las empresas – afectando negativamente el crecimiento del denominador. Más importante aún: al enfatizar durante decenios el tema de reducción de costos laborales, sacó del foco de atención de las empresas el aumento persistente de la productividad como fuente de la competitividad. El aumento de la productividad comienza aparecer en 2002-08 no como objetivo explícito de las políticas públicas si no como un resultado de la bonanza en mercados externos que estimula a las empresas a desarrollar un esfuerzo exportador y con ello, empieza a obligarlas a ajustar tipificación de productos, calidad y productividad a los requerimientos de mercados externos. Al descansar principalmente en la flexibilidad del mercado laboral y reducción de los costos laborales para fines de competitividad, la estrategia adoptada tuvo que provocar ajustes de alta intensidad para obtener resultados significativos. Estos ajustes de alta intensidad, deterioraron y precarizaron significativamente los mercados laborales formales de Perú y afectaron decisivamente, hasta la actualidad, la formación de salarios. Un resultado no buscado de esta estrategia, fue que las Centrales Sindicales del país desarrollaron plataformas de fuerte oposición a la integración en la globalización, exactamente porque la estrategia de competitividad descansaba en el debilitamiento de la capacidad de negociación sindical y la precarización de los mercados de trabajo formales. Por otra parte, también es cierto que el empleo crece rápidamente en 200208 y que varios de los signos de deterioro y precarización comienzan a revertirse en ese período. Las reformas laborales facilitaron a las empresas su inserción en el impulso exportador registrado en 2002-08, aunque una de las causas del mismo se Livro.indb 180 03/02/2011 11:34:18 181 halle en el extraordinario dinamismo de los mercados mundiales en ese período. En este plano, el factor decisivo no es el abaratamiento de la mano de obra respecto al capital, si no la incidencia de las reformas laborales sobre las expectativas y decisiones empresariales, que hace que se sientan más confiados para aumentar el empleo sabiendo que el costo es bajo y que en cualquier momento pueden prescindir de una fracción del mismo pagando una indemnización accesible. Lo expuesto sugiere que hacia el futuro, si Perú desea seguir compitiendo en mercados internacionales y en su mercado interno, se verá crecientemente forzado a desarrollar una estrategia de competitividad diferente a la implementada en 1990-2008. Que haga mucho más énfasis en la diversificación de productos, en el aumento de la productividad y en las mejoras de calidad, lo que conduce a la organización de clusters o consorcios, redes y cadenas productivas orientadas a competir – y a una política de tipo de cambio real competitivo. Los futuros Gobiernos tendrán que desarrollar enfoques pedagógicos al respecto, para que el grueso de los empresarios internalicen el aumento de la productividad y la mejora de la calidad como las principales fuentes de la competitividad y dejen de concentrar su atención en la reducción de costos laborales y flexibilidad del mercado laboral. El aumento de la productividad requerirá de una menor proporción de contratos inestables y sobre todo en negro y un mejoramiento de las relaciones laborales lo que implica que hacia el futuro, un aumento de la flexibilidad dependerá de lo pactado en el marco de la negociación – aunque será necesario mantener una vía expedita para el despido. Es decir, los futuros Gobiernos deberán reemplazar el mensaje central hacia los empresarios, que fue colocado en la cabeza de los mismos por los gobiernos pasados. Claro está, esto también implica un cambio de filosofía respecto a la estrategia de crecimiento: pasar de la fe plena en la libertad de los mercados, a un enfoque que combine el comportamiento de los mercados con una intervención selectiva del Estado vía políticas públicas. Aunque hay muchos indicios de que esto se ha ido ya captando en importantes sectores de opinión, no está todavía claro que los futuros Gobiernos puedan articular fácilmente este nuevo enfoque estratégico, por la inercia generada por el modelo vigente. Finalmente, cualquiera sea la estrategia de competitividad que se adopte, es imprescindible integrar al crecimiento a los segmentos más rezagados de los mercados laborales peruanos: la población ocupada en minifundios de muy baja productividad en la Sierra y en la Amazonía. El enfoque explícito de políticas públicas en 1990-2008, ha sido enfocar el problema como un tema de políticas y programas sociales – nutrición, salud materno-infantil, agua potable, obras sanitarias, salud adulta, educación etc. – de lucha contra la pobreza, y dejar que el ajuste de los mer- Livro.indb 181 03/02/2011 11:34:18 182 cados vaya paulatinamente integrando económicamente estos vastos segmentos a la sociedad. Pero los esfuerzos desplegados por ONG’s privadas, demostraron en los últimos cinco años que con un conjunto de innovaciones tecnológicas muy simples y de muy bajo costo – riego por goteo, semillas para nuevos cultivos, carpas transparentes para conservar calor, capacitación del campesino en nuevas técnicas, crianza de conejos y aves, capacitación en ventas a mercados cercanos, etc. – es factible cuadruplicar el rendimiento de la superficie cultivada en predios pequeños de entre 1000 y 2000 metros cuadrados y con ello, cuadruplicar el ingreso familiar. Alrededor de 40 mil familias campesinas minifundistas han logrado estos avances, sin apoyo del Estado, con esta estrategia de prestar atención al aumento de la productividad en el minifundio – y no sólo descansar en programas y políticas sociales. Esto es una evidencia que el enfoque de políticas sociales asistenciales, debe ser complementado por programas de desarrollo de la productividad y de los rendimientos con innovaciones muy simples, que en definitiva son el principal vehículo para otorgar la ciudadanía a estos segmentos marginados. REFERÊNCIAS CHACALTANA, J.; GARCÍA, N. Estabilidad laboral, capacitación y productividad. In: ______. Políticas de empleo en Perú. Lima: CIES, 2004. Tomo I y II. GARCÍA, N. Incentivos al aumento de la productividad: capacitación y adopción de innovaciones en la empresa. [S.l.]: Consejo Nacional del Trabajo, 2008. ______. Mercado laboral y competitividad: Perú 1990-2004. Santiago: CEPAL, 2005. (Serie Macroeconomía del Desarrollo, n. 41). ______. Productividad, competitividad y empleo: un enfoque estratégico. In: ______. Políticas de empleo en Perú. Lima: CIES, 2004. Tomos I y II. JARAMILLO, M. La regulación del mercado laboral en Perú. Lima: GRADE, 2004. PINTO, A. Concentración del progreso técnico y de sus frutos en el desarrollo latinoamericano. Ciudad de México: FCE, 1965. (El Trimestre Económico, n. 125). PREALC. Dinámica del subempleo en América Latina. Santiago, 1981. (Estudios de la CEPAL, n. 10). Livro.indb 182 03/02/2011 11:34:18 EL FUNCIONAMIENTO DEL MERCADO DE TRABAJO Y LA SITUACIÓN SOCIAL EN ARGENTINA ENTRE 2004 Y 2009 Fernando Groisman1 Introducción Es inevitable referirse al mercado de trabajo a la hora de brindar un panorama acerca de la situación social en Argentina en los últimos años. La sostenida recuperación del empleo y la mejora en los ingresos laborales justifican este abordaje. Una forma directa de hacerlo es examinando la evolución de los indicadores laborales que sintetizan el funcionamiento de este mercado. Asimismo, la investigación se enriquece cuando se introduce como unidad de análisis a los hogares. Desde esta perspectiva es posible examinar el derrotero que ha seguido la participación de las personas en la actividad económica, atendiendo a la posición que ocupan en la estructura familiar y/o en razón de su aporte a los presupuestos familiares, entre otras dimensiones de análisis posible. En este documento se recurrió a esta perspectiva de análisis, que goza aun de menor difusión relativa.2 Su utilización permitió obtener información relevante, respecto del tipo de vinculación que establecieron los hogares con el mercado de trabajo. Las características del proceso de recuperación económica, luego de la crisis de 2001, hacen que el análisis propuesto sea oportuno. En efecto, durante esos años la expansión del empleo y el aumento de los salarios contribuyeron a sostener el crecimiento de la economía, y prácticamente constituyeron los mecanismos principales para el logro de mejoras en las condiciones de vida. Por otra parte, el cambio en las normas laborales parece haber incidido también en la mejora de la calidad del empleo. La sanción de un nuevo régimen laboral en 2004 – Ley 25877 – retomó gran parte de los principios de protección al trabajo derogados por las sucesivas reformas en la Ley de Contrato de Trabajo.3 1 Investigador del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas de Argentina (CONICET) y de la Universidad de Buenos Aires (UBA) 2 Entre otros ver Arriagada (2007) y OIT (2009). 3 Las relaciones laborales en Argentina se rigen por la Ley de Contrato de Trabajo Nro. 20744 de 1974. Esa norma presume que todos los contratos son en principio celebrados por tiempo indeterminado y fija la obligación de registrar la relación laboral. El empleo público, el trabajo agrario y el empleo doméstico cuentan con regulaciones específicas al igual que otros sectores de actividad como el de la construcción. Al margen de esas particularidades, la norma constituye la referencia legal para el conjunto de las relaciones laborales en el país. Durante las últimas dos décadas se instrumentaron numerosas modificaciones con el propósito de alterar las cargas sociales, el carácter de indeterminación del plazo y/o las incumbencias y alcances de la negociación colectiva, entre otros aspectos sustantivos. Entre las más sobresalientes, cabe mencionar: ley 24013 de 1991; ley 24465 de 1995; ley 25013 de 1998; ley 25250 de 2000 y ley 25877 de 2004. Para una revisión de las normas laborales puede consultarse Goldín (2008). Livro.indb 183 03/02/2011 11:34:18 184 La fuente de información utilizada en este documento es la Encuesta Permanente de Hogares (EPH)– que releva el Instituto Nacional de Estadísticas y Censos (INDEC). La EPH se realiza en las principales ciudades del país, abarcando a alrededor del 70% del total de la población urbana. Desde 2003 la encuesta recoge la información en forma continua, produciendo estimaciones trimestrales para algunas variables y semestrales para otras. En este documento se ha recurrido a las bases de microdatos correspondientes a los primeros trimestres de los años 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 y 2009. Se excluyó del análisis al período 2002-2003 que conforma la etapa de salida o “rebote”, respecto del piso que representó la crisis de 2001 en Argentina.4 Ello permite focalizar la atención en los cambios acaecidos en la sociedad argentina, una vez alcanzado cierto umbral de crecimiento. El documento brinda así un panorama sucinto de la situación social y sus cambios en el período 2004-2009. La investigación reveló que la expansión de los puestos de trabajo registrados en la seguridad social –los empleos de mejor calidad– fue de una magnitud muy relevante y alcanzó a sectores sociales tradicionalmente postergados. Entre 2004 y 2009 la proporción de la población urbana, la cual residía en hogares que dependían esencialmente del trabajo de sus miembros, pero en los que ninguno de ellos se desempeñaba en un puesto de trabajo asalariado registrado, se redujo del 36% al 26%. No obstante, los resultados obtenidos ponen de relieve también la presencia de segmentación en la estructura social argentina, que requieren la instrumentación de políticas para su corrección. El documento se encuentra organizado en cinco secciones. En la siguiente se describe el funcionamiento del mercado de trabajo durante el período, mientras que en la tercera sección se discute la dependencia de los hogares, respecto del mercado de trabajo. En la cuarta sección se ensaya una caracterización de la situación social argentina, a partir de una tipología de hogares que toma en consideración las fuentes de ingresos y la inserción ocupacional de sus integrantes. Por último, se presentan las conclusiones. El Funcionamiento del Mercado de Trabajo en el Quinquenio 2004-2009 Entre el primer trimestre de 2004 y el mismo período del año 2007 la oferta laboral mostró un comportamiento creciente en el tiempo, pasando de una tasa de variación anual de 0,68% entre 2004 y 2005 a una de 2,72% entre 2006 y 2007. Este indicador 4 El Producto Interno Bruto (PIB) en el primer trimestre de 2004 se encontraba levemente por debajo del valor que exhibió a comienzos de 2001, previo a la abrupta caída posterior. Para un análisis de las características macroeconómicas del período puede consultarse Cetrángolo; Heymann y Ramos (2007). Livro.indb 184 03/02/2011 11:34:19 185 se contrajo – y se redujo en valores absolutos – durante el año siguiente y volvió a incrementarse hacia el 2009. Globalmente, el aumento de la oferta de trabajo durante el trienio 2004-2007 fue inferior a la creación de empleo, lo cual explicó la progresiva reducción de la tasa de desocupación. Entre 2007 y 2008 el aumento del empleo se desaceleró, aunque ello no condujo a un aumento de la desocupación por el mencionado encogimiento en la cantidad de activos que más que compensó la disminución en la creación de puestos de trabajo. Hacia el primer trimestre de 2009, el empleo volvió a expandirse y similar comportamiento mostró la oferta laboral. Ver cuadro 1. Este panorama laboral fue consistente con la evolución del Producto Interno Bruto (PIB), que creció a tasas del 8-9% entre 2004 y 2007, para luego seguir una trayectoria algo más modesta.5 Tabla 1 – Indicadores Seleccionados del Mercado de Trabajo. Grupos de población Trim 1 2004 Trim 1 2005 Trim 1 2006 Trim 1 2007 Trim 1 2008 Activos 100 100,7 102,6 105,5 104,8 Trim 1 2009 107,5 Ocupados 100 102,3 106,2 111,1 112,1 114,9 Asalariados (excluye planes) 100 105,8 112,8 120,9 125,3 128,0 Registrados 100 105,0 116,5 127,7 139,3 144,1 No registrados 100 106,8 107,9 112,1 106,7 106,8 No asalariados 100 99,9 100,5 104,6 101,1 105,8 Planes de empleo 100 74,1 57,9 32,0 14,7 10,2 Industria 100 111,6 111,4 114,6 117,7 119,6 Construcción 100 99,9 113,3 130,3 125,1 133,3 Servicio doméstico 100 111,3 119,0 124,7 124,9 126,5 Comercio 100 99,7 102,0 109,5 109,3 110,5 Transporte 100 107,2 108,5 114,0 116,6 121,8 Servicios sociales 100 102,5 105,4 106,0 106,0 106,9 Sector público 100 94,2 101,4 98,2 101,3 107,1 Servicios modernos 100 106,3 108,5 118,0 117,1 125,5 Bajo 100 106,5 106,8 115,1 113,6 115,7 Alto 100 105,2 117,9 125,8 135,0 138,3 Jefe 100 106,5 109,3 116,2 117,6 120,0 Conyuge 100 105,5 113,6 121,2 130,9 134,6 Resto de miembros 100 104,8 118,0 128,4 133,9 136,7 No registrado 100 114,1 104,4 111,0 100,4 98,6 Registrado 100 103,8 107,5 113,8 112,1 114,4 No registrado 100 105,0 104,4 112,5 109,5 104,6 Registrado 100 104,5 114,9 122,1 134,3 141,6 Total de ocupados Rama de actividad Asalariados (excluye beneficiarios de planes de empleo) Nivel educativo Posición en el hogar Posición en el hogar y nivel educativo Jefe de baja educación Jefe de alta educación Sigue 5 Producto en alguna medida la crisis económica internacional. Para ver los efectos sobre el mercado de trabajo puede consultarse ILO (2009). Livro.indb 185 03/02/2011 11:34:19 186 Tabla 1 – Indicadores Seleccionados del Mercado de Trabajo. Grupos de población Trim 1 2004 Trim 1 2005 Trim 1 2006 Trim 1 2007 Trim 1 2008 Trim 1 2009 No registrado 100 Registrado 100 107,6 98,6 118,3 123,8 101,3 97,9 105,9 157,8 189,7 176,9 No registrado Registrado 100 106,9 100 100,9 134,2 119,6 134,0 116,0 114,9 125,8 137,4 148,2 No registrado 100 Registrado 100 101,0 105,7 114,3 107,8 113,2 98,8 118,6 134,5 162,0 165,7 No registrado Registrado 100 104,6 116,3 116,1 109,9 109,6 100 110,9 131,2 150,1 169,2 171,4 No registrado 11,3% 12,2% 10,5% 10,4% 9,1% 8,7% Registrado 13,4% 13,2% 12,8% 12,6% 12,0% 12,0% Cónyuge de baja educación Cónyuge de alta educación Resto de miembros de baja educación Resto de miembros de alta educación Distribución de asalariados Jefe de baja educación Jefe de alta educación No registrado 5,8% 5,8% 5,4% 5,4% 5,1% 4,8% Registrado 18,8% 18,6% 19,1% 19,0% 20,2% 20,8% No registrado 5,8% 5,9% 5,0% 4,8% 4,5% 4,8% Registrado 2,1% 2,3% 2,3% 2,7% 3,1% 2,9% No registrado 2,6% 2,6% 3,1% 2,6% 2,8% 2,4% Registrado 9,3% 8,9% 9,5% 9,7% 10,2% 10,8% No registrado 9,7% 9,3% 9,1% 9,2% 8,3% 8,6% Registrado 3,3% 3,1% 3,5% 3,7% 4,3% 4,3% Cónyuge de baja educación Cónyuge de alta educación Resto de miembros de baja educación Resto de miembros de alta educación No registrado 7,9% 7,8% 8,2% 7,6% 6,9% 6,8% Registrado 9,9% 10,4% 11,5% 12,3% 13,4% 13,3% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% Total Fuente: Elaboración Propia sobre Datos de EPH-INDEC. 100,0% Finalizacióm La evolución sectorial del empleo revela el importante dinamismo que tuvieron la construcción y el servicio doméstico, ramas en las que la presencia de trabajadores con bajo nivel educativo es muy elevada. En 2007 el volumen de ocupados en la primera de esas ramas fue 30% superior al vigente en 2004, mientras que en la segunda este valor trepó al 24,7%. Los sectores de la industria manufacturera, transporte y comunicaciones y los servicios modernos también mostraron un crecimiento significativo. Razonablemente, la disminución en la creación de puestos de trabajo que se constató entre 2007 y 2008 se reflejó en las ramas que habían mostrado una fuerte expansión en los años previos, como construcción y servicio doméstico, a las que se agregaron comercio y servicios sociales (educación y salud). (Ver Tabla 1). Livro.indb 186 03/02/2011 11:34:19 187 Globalmente, en el quinquenio bajo análisis, la expansión del empleo respondió mayoritariamente a la creación de puestos de trabajo asalariados. Entre puntas del período los asalariados se habían expandido un 28%, mientras que aquellos que estaban ocupados en puestos no asalariados lo habían hecho un 5,8%. En la creación de los puestos de trabajo asalariados, prevalecieron aquellos registrados en la seguridad social (son los que se encuentran declarados por las empresas y por lo tanto quienes los ocupan gozan de la protección de las normas laborales, muestran mayor estabilidad6 y además suelen obtener salarios superiores). Puede apreciarse que entre 2004 y 2009 estos trabajadores se incrementaron el 44,1%, mientras que los no registrados lo hicieron el 6,8%. Se desprende de ello que las condiciones laborales mejoraron en forma sustantiva. Cabe acentuar que la cantidad de asalariados no registrados se incrementó sólo hasta el 2007 – acumulando un incremento del 12% respecto de 2004– para luego disminuir en valores absolutos al año siguiente y mantenerse en el mismo nivel hacia el 2009. La desaceleración en la creación del empleo a expensas de los puestos de trabajo no registrados se combinó con el aumento de la tasa de registración, fenómeno interesante de señalar, ya que ha sido frecuente en la historia económica de Argentina que la tasa de registración caiga en los contextos de incertidumbre económica. Finalmente, debe señalarse que, a lo largo de ese período, se produjo una progresiva reducción de los ocupados en planes de empleo. En el primer trimestre de 2009 sólo persistían en esa condición un 10% de los beneficiarios existentes en el primer trimestre de 2004. Dado el gran dinamismo que exhibió el empleo asalariado registrado, resulta apropiado analizar si se constataron diferencias en el acceso a esos puestos de trabajo, por parte de ciertos grupos de la población. Ello va a permitir contar con algunos indicios acerca de la influencia que ha tenido la etapa expansiva sobre la estructura social. Como es usual, un primer corte consiste en distinguir a los individuos según el nivel educativo. Se conformaron dos grupos: aquellos con bajo nivel educativo –que no finalizaron la escolarización secundaria– y los que completaron ese nivel. Se verifica que los individuos con alta educación, que ocupaban puestos asalariados, incrementaron su volumen en un 38% entre 2004 y 2009, mientras que los de menor nivel educativo lo hicieron sólo en 15,7% (valor que en realidad ya se había alcanzado en 2007, cuando llegó al 15,1%). (Ver Tabla 1). En otras palabras, las probabilidades de acceder a un puesto asalariado para aquellos con bajo nivel educativo fueron relativamente menores. 6 Ver Groisman (2010a). Livro.indb 187 03/02/2011 11:34:19 188 Al recurrir a la posición de las personas en el hogar, también se hallaron diferencias. Entre extremos del período, las categorías que concentraron las mayores ganancias de empleo fueron los cónyuges no jefes, con un 34,6%, y el resto de los miembros del hogar (compuesto mayoritariamente por hijos) con el 36,7%. Por su parte, los jefes de hogar lograron un incremento de 20% entre puntas. Si bien estos últimos suelen exhibir tasas de empleo elevadas, su menor expansión no puede atribuirse a ello. Interesa enfatizar, además, que entre los jefes fueron los que tenían alto nivel educativo, quienes lograron un acceso mayor a los puestos de trabajo registrados. Entre sus cónyuges la registración fue algo más intensa para los de menor nivel educativo, mientras que entre los restantes miembros la situación fue similar a la observada para los jefes. La explicación de esas diferencias puede hallarse en la inserción económica, según la rama de actividad. En efecto, alrededor de un 40% de los jefes de baja educación, se encontraban empleados en la construcción, el servicio doméstico (básicamente las jefas mujeres) y el comercio, mientras que este porcentaje se reducía a menos de la mitad para los jefes con mayor nivel educativo. Similar comportamiento se constató para los miembros que no son jefes ni cónyuges, aunque con alguna diferencia en su intensidad. Justamente, debe tenerse en cuenta que en estos sectores económicos la incidencia del empleo registrado es muy baja. (Ver tabla 2 y tabla 3). Tabla 2 – Tasas de Registración en el Empleo Asalariado seguún Posición en el Hogar y Nivel Educativo y Rama de Actividad. Excluye Beneficiarios de Planes de Empleo. Posición en el hogar y nivel educativo Trim 1 2004 Trim 1 2005 Trim 1 2006 Trim 1 2007 Trim 1 2008 Trim 1 2009 Jefe de baja educación 54,3% 51,9% 55,0% 54,9% 57,0% 57,9% Jefe de alta educación 76,3% 76,2% 78,0% 77,7% 79,8% 81,3% Cónyuge de baja educación 26,4% 28,3% 31,0% 35,8% 41,0% 37,4% Cónyuge de alta educación 78,1% 77,1% 75,4% 79,0% 78,6% 82,0% Resto de miembros de baja educación 25,5% 25,1% 27,7% 28,7% 34,0% 33,4% Resto de miembros de alta educación 55,6% 57,1% 58,5% 61,8% 65,8% 66,2% Industria 66,6% 64,5% 65,7% 67,7% 71,1% 72,0% Construcción 23,8% 21,1% 25,4% 32,1% 35,8% 40,5% Servicio doméstico 6,4% 4,9% 6,6% 9,5% 12,6% 12,7% Comercio 48,2% 49,0% 51,7% 53,5% 55,2% 54,6% Transporte 50,0% 51,6% 56,4% 60,9% 62,5% 60,4% Servicios sociales 67,1% 66,4% 69,1% 67,8% 71,6% 74,0% Sector público 90,0% 91,4% 90,5% 91,6% 92,9% 92,7% Servicios modernos 64,0% 65,3% 70,9% 70,1% 73,5% 73,7% Rama de actividad Fuente: Elaboración Propia sobre Datos de EPH-INDEC . Livro.indb 188 03/02/2011 11:34:19 189 Tabla 3 – Distribución del Empleo Sectorial según Posición en el Hogar y Nivel Educativo Posición en el hogar y nivel educativo Trim 1 2004 Trim 1 2005 Trim 1 2006 Trim 1 2007 Trim 1 2008 Trim 1 2009 Industria 21,4% 20,9% 20,3% 20,4% 20,3% 18,7% Construcción 10,2% 11,2% 13,1% 14,5% 12,2% 12,5% Servicio doméstico 12,3% 12,6% 14,0% 13,3% 14,0% 13,9% Comercio 18,5% 17,3% 16,1% 16,6% 16,9% 18,2% Transporte 11,3% 12,6% 10,9% 12,0% 11,8% 12,4% Servicios sociales 9,1% 8,5% 8,8% 8,5% 8,6% 8,4% Sector público 11,5% 10,2% 10,8% 9,1% 10,6% 11,1% Jefe de baja educación Servicios modernos 5,8% 6,8% 6,0% 5,6% 5,5% 4,9% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% Industria 17,8% 16,6% 16,3% 14,5% 15,9% 16,5% Construcción 2,9% 2,2% 1,8% 3,4% 3,3% 4,4% Servicio doméstico 2,5% 3,2% 3,8% 3,1% 3,2% 2,7% Comercio 15,4% 15,6% 16,0% 15,3% 16,6% 15,2% Jefe de alta educación Transporte 7,9% 8,1% 7,5% 8,1% 7,2% 6,9% Servicios sociales 12,7% 12,9% 14,0% 12,9% 13,7% 13,8% Sector público 27,5% 27,8% 29,2% 29,1% 27,9% 27,8% Servicios modernos 13,3% 13,7% 11,5% 13,6% 12,2% 12,8% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% Industria 9,4% 12,2% 11,6% 11,9% 10,6% 14,8% Construcción 3,9% 3,8% 5,6% 4,9% 7,5% 7,2% Servicio doméstico 42,7% 47,0% 43,8% 44,9% 40,8% 40,1% Comercio 14,7% 11,7% 14,6% 13,9% 15,4% 13,9% Transporte 3,1% 2,4% 3,0% 3,2% 3,4% 3,5% Servicios sociales 10,5% 10,2% 8,3% 8,3% 9,0% 8,0% Sector público 11,7% 9,3% 9,2% 9,0% 9,6% 8,3% Cónyuge de baja educación Servicios modernos 3,9% 3,5% 3,7% 4,0% 3,7% 4,2% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% Industria 8,0% 8,7% 7,4% 7,5% 7,8% 8,3% Construcción 0,9% 0,7% 1,2% 1,0% 1,3% 1,8% Servicio doméstico 4,9% 5,7% 5,0% 6,2% 5,5% 4,7% Comercio 13,2% 15,2% 14,3% 13,3% 14,7% 11,7% Cónyuge de alta educación Transporte 2,2% 2,5% 2,6% 3,3% 2,7% 2,9% Servicios sociales 22,7% 20,3% 22,3% 20,6% 19,9% 20,7% Sector público 36,9% 37,3% 35,6% 37,0% 37,6% 40,8% Servicios modernos 11,2% 9,6% 11,5% 11,1% 10,4% 9,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% Industria 17,8% 21,9% 21,9% 19,5% 19,3% 18,8% Construcción 14,4% 13,5% 15,5% 17,8% 15,4% 16,2% Servicio doméstico 14,0% 11,5% 13,2% 13,2% 13,2% 13,9% Comercio 27,7% 29,6% 26,2% 29,0% 28,6% 26,5% Transporte 8,0% 7,9% 7,9% 6,9% 7,7% 7,0% Resto de miembros de baja educación Sigue Livro.indb 189 03/02/2011 11:34:19 190 Tabla 3 – Distribución del Empleo Sectorial según Posición en el Hogar y Nivel Educativo Posición en el hogar y nivel educativo Trim 1 2004 Trim 1 2005 Trim 1 2006 Trim 1 2007 Trim 1 2008 Servicios sociales 5,7% 5,1% 5,9% 5,2% 6,7% 6,8% Sector público 4,5% 4,5% 3,6% 3,3% 3,5% 4,8% Servicios modernos Trim 1 2009 8,0% 6,0% 5,9% 5,2% 5,7% 6,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% Industria 14,2% 16,4% 15,0% 16,1% 14,6% 14,5% Construcción 4,6% 3,0% 3,8% 4,3% 3,9% 4,0% Servicio doméstico 4,7% 4,1% 4,7% 4,5% 4,4% 5,0% Comercio 27,1% 26,4% 26,4% 26,4% 27,1% 25,7% Resto de miembros de alta educación Transporte 6,9% 7,7% 7,3% 6,2% 6,7% 7,0% Servicios sociales 15,3% 14,1% 13,9% 13,4% 13,4% 13,2% Sector público 16,2% 15,7% 16,6% 15,6% 16,1% 17,3% Servicios modernos 11,1% 12,6% 12,4% 13,6% 13,7% 13,3% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% Finalizacióm Fuente: Elaboración Propia sobre Datos de EPH-INDEC. La descomposición de la variación de la tasa de registración arroja que de los 6,4 p.p. en que se incrementó (descontando los efectos de estructura), prácticamente 3 puntos fueron aportados por los miembros que no eran jefes ni cónyuges (de los cuales 1,9 p.p. correspondieron a los de mayor educación y 1 p.p. a los de baja educación). El aporte de cónyuges fue de 1,4p.p. (0,9 p.p. para los de baja educación y 0,5 p.p. para los de alto nivel educativo) y finalmente 2,1 p.p. aportaron los jefes de hogar (0,9 p.p. los que tenían baja educación y 1,2 p.p. los de mayor nivel educativo). Ver Tabla 4. Ello pone de relieve la importancia de los trabajadores que no son jefes de hogar en la mejora global de los indicadores de calidad del empleo. La menor contribución relativa de los jefes, y entre éstos de los de menor nivel educativo, aun cuando son los que proveen los mayores ingresos de los hogares, requiere mayor investigación. Tabla 4 – Descomposición de la Tasa de Tegistración en el Empleo Asalariado Tasa de empleo registrado (excluye beneficiarios de planes de empleo) Dif. Anual (p.p.) Dif. Entre extremos Trim 1 2004 Trim 1 2005 Trim 1 2006 Trim 1 2007 Trim 1 2008 Trim 1 2009 58,6% 56,4% 58,7% 60,0% 63,2% 64,0% -0,4% 2,3% 1,3% 3,2% 0,8% 7,2% Descomposición de la diferencia en la tasa de registración entre 2004 y 2009 Efecto estructura educ. y posición en el hogar 0,6% Efectos tasas específicas por grupos Jefe de baja educación 0,9% Sigue Livro.indb 190 03/02/2011 11:34:19 191 Tabla 4 – Descomposición de la Tasa de Registración en el Empleo Asalariado Trim 1 2004 Trim 1 2005 Trim 1 2006 Trim 1 2007 Trim 1 2008 Trim 1 2009 Cónyuge de baja educación 0,9% Cónyuge de alta educación 0,5% Resto de miembros de baja educación 1,0% Resto de miembros de alta educación 1,9% Total efectos tasas específicas por grupos 6,4% Residuo 0,1% Finalizacióm Fuente: Elaboración Propia sobre Datos de EPH-INDEC. Dado ese comportamiento diferencial en el acceso al empleo, según posición en el hogar de los individuos, procede adentrarse en la exploración de los vínculos que exhiben las familias con el mercado de trabajo. La Dependencia del Mercado de Trabajo: un Análisis a nivel de Los Hogares Es posible cuantificar el grado de dependencia de los hogares, respecto de los ingresos laborales obtenidos por la inserción ocupacional de sus miembros. En el Cuadro 5 se aprecia que alrededor de 8 de cada 10 hogares obtuvieron ingresos monetarios, como resultado de actividad laboral de alguno de sus integrantes. La proporción de aquellos hogares que dependían exclusivamente del mercado de trabajo fue de 58,6% en 2004 y se redujo al 52,6% en 2009, mientras que la proporción de hogares que sólo accedieron a ingresos no laborales (básicamente jubilaciones o pensiones) se mantuvo estable. Ambos comportamientos advierten acerca de la expansión en la cobertura del sistema previsional. La estratificación de los hogares según el nivel educativo alcanzado por los jefes de hogar permite concluir que el cambio en el agregado obedeció fundamentalmente a lo acontecido en el segmento de menores recursos. (Ver Tabla 5). Livro.indb 191 03/02/2011 11:34:20 192 Tabla 5 – Hogares y Fuentes de Ingresos según Nivel Educativo del Jefe de Hogar Distribución de los hogares Trim 1 2004 Trim 1 2007 Trim 1 2009 Solo perciben ingresos no laborales 18,9% 17,6% 17,6% Solo perciben ingresos laborales 58,6% 54,8% 52,6% Perciben ambos tipos de ingresos 22,5% 27,6% 29,8% Total 100,0% 100,0% 100,0% Solo perciben ingresos no laborales 21,7% 21,1% 21,0% Solo perciben ingresos laborales 55,6% 47,9% 43,6% Perciben ambos tipos de ingresos 22,7% 31,1% 35,5% Total 100,0% 100,0% 100,0% Solo perciben ingresos no laborales 17,0% 15,4% 16,1% Solo perciben ingresos laborales 61,2% 60,8% 60,8% Perciben ambos tipos de ingresos 21,8% 23,8% 23,2% Total 100,0% 99,9% 100,0% Total de hogares Jefe de nivel educativo bajo Jefe de nivel educativo medio Jefe de nivel educativo alto Solo perciben ingresos no laborales 11,7% 9,4% 10,0% Solo perciben ingresos laborales 65,2% 68,4% 66,1% Perciben ambos tipos de ingresos 23,2% 22,3% 24,0% Total 100,1% 100,0% 100,0% Participación de ingresos laborales 79,8% 80,7% 81,3% Participación de ingresos no laborales 20,2% 19,3% 18,7% Total 100,0% 100,0% 100,0% Participación de ingresos laborales 75,4% 75,9% 76,3% Participación de ingresos no laborales 24,6% 24,1% 23,7% Total 100,0% 100,0% 100,0% Participación de ingresos laborales 80,0% 81,6% 83,2% Participación de ingresos no laborales 20,0% 18,4% 16,8% Total 100,0% 100,0% 100,0% Participación de ingresos laborales 85,9% 87,0% 86,4% Participación de ingresos no laborales 14,1% 13,0% 13,6% Total 100,0% 100,0% 100,0% Composición del ingreso total familiar Jefe de nivel educativo bajo Jefe de nivel educativo medio Jefe de nivel educativo alto Fuente: Elaboración Propia sobre Datos de EPH-INDEC. Cabe destacar que, aun cuando se produjo un incremento en los hogares que combinaron ingresos laborales y no laborales, la composición de los ingresos monetarios del hogar se mantuvo estable. En efecto, puede constatarse que Livro.indb 192 03/02/2011 11:34:20 193 prácticamente no se redujo la participación del ingreso laboral – de alrededor del 80 % – en el presupuesto de los hogares. Ese porcentaje es creciente con el nivel educativo del jefe, expresando la mayor incidencia de las jubilaciones en los ingresos de los hogares de escasos recursos. Esos valores confirman la centralidad del mercado de trabajo, para entender el nivel de bienestar al que pueden aspirar los hogares en Argentina. En el Tabla 6a puede considerarse que dos terceras partes del ingreso no laboral provenían de jubilaciones. Ese porcentaje no sufrió modificaciones en el quinquenio que va del 2004 al 2009. Entre los ingresos laborales del hogar, se puede verificar también la leve incidencia que ejerció el ingreso aportado por segundas ocupaciones. Tabla 6 – Composición del Ingreso Laboral y no Laboral de los Hogares según Nivel Educativo del Jefe de Hogar Ingreso laboral y no laboral Trim 1 2004 Trim 1 2007 Trim 1 2009 Ingreso de ocupaciones principales 93,9% 93,2% 93,8% Ingreso laboral de segundas ocupaciones 6,1% 6,8% 6,2% 100,0% 100,0% 100,0% Total de hogares Total ingreso laboral Ingreso de jubilaciones 65,3% 62,6% 65,8% Resto de ingreso no laboral 34,7% 37,4% 34,2% Total ingreso no laboral 100,0% 100,0% 100,0% Ingreso de ocupaciones principales 94,5% 94,9% 95,3% Ingreso laboral de segundas ocupaciones 5,5% 5,1% 4,7% 100,0% 100,0% 100,0% Jefe de nivel educativo bajo Total ingreso laboral Ingreso de jubilaciones 72,8% 69,2% 71,7% Resto de ingreso no laboral 27,2% 30,8% 28,3% Total ingreso no laboral 100,0% 100,0% 100,0% Ingreso de ocupaciones principales 95,8% 94,6% 94,9% Ingreso laboral de segundas ocupaciones 4,2% 5,4% 5,1% 100,0% 100,0% 100,0% Jefe de nivel educativo medio Total ingreso laboral Ingreso de jubilaciones 53,4% 56,3% 56,7% Resto de ingreso no laboral 46,6% 43,7% 43,3% Total ingreso no laboral 100,0% 100,0% 100,0% 90,7% Jefe de nivel educativo alto Ingreso de ocupaciones principales 91,2% 89,5% Ingreso laboral de segundas ocupaciones 8,8% 10,5% 9,3% 100,0% 100,0% 100,0% Total ingreso laboral Ingreso de jubilaciones 64,1% 54,4% 63,9% Resto de ingreso no laboral 35,9% 45,6% 36,1% Total ingreso no laboral 100,0% 100,0% 100,0% Fuente: Elaboración Propia sobre Datos de EPH-INDEC. Livro.indb 193 03/02/2011 11:34:20 194 Considerando la posición en el hogar, el aporte de la ocupación principal del jefe de hogar es ampliamente mayoritario, siendo superior a la sumatoria de las contribuciones de los restantes miembros del hogar. (Ver Tabla 8). Aun así, y en sintonía con la evolución del empleo, comentada en la sección precedente, su participación decreció 5,5 p.p. (del 59,9% al 54,4%), a expensas del incremento, relativo a las contribuciones realizadas por los restantes miembros, especialmente por los miembros no cónyuges. La reducción relativa de la participación de los ingresos aportados por los jefes se produjo en forma generalizada en todos los estratos de hogares. Se recordará que la evolución del empleo tendió a favorecer a los miembros no jefes, y entre esos a los de mayor educación en las ocupaciones registradas. En el análisis según el nivel educativo del jefe de hogar, se aprecian algunas diferencias que deben ser enfatizadas. Tabla 7 – Composición del Ingreso Laboral de los Hogares Procedente de las Ocupaciones Principales de sus Miembros según Nivel Educativo del Jefe de Hogar Ingreso laboral de las ocupaciones principales Trim 1 2004 Trim 1 2007 Trim 1 2009 Total de hogares Ingreso laboral de jefes no registrados 9,3% 8,4% 6,7% Ingreso laboral de jefes registrados 36,7% 35,0% 35,4% Ingreso laboral de jefes cuentapropias 11,0% 9,8% 9,4% Ingreso laboral de jefes patrones 6,7% 7,7% 6,4% Ingreso laboral de cónyuges no registrados 3,7% 2,5% 2,5% Ingreso laboral de cónyuges registrados 10,6% 11,3% 12,7% Ingreso laboral de cónyuges cuentapropias 2,9% 2,8% 2,9% Ingreso laboral de cónyuges patrones 1,4% 1,5% 1,7% Ingreso laboral de resto de miembros no registrados 5,8% 5,8% 5,6% Ingreso laboral de resto de miembros registrados 9,4% 12,2% 13,5% Ingreso laboral de resto de miembros cuentapropias 2,2% 2,1% 2,3% Ingreso laboral de resto de miembros patrones 0,3% 0,9% 0,7% 100,0% 100,0% 100,0% Ingreso laboral de jefes no registrados 13,3% 11,5% 8,7% Ingreso laboral de jefes registrados 26,6% 27,5% 26,9% Ingreso laboral de jefes cuentapropias 12,8% 10,5% 9,9% Ingreso laboral de jefes patrones 3,8% 4,5% 3,7% Ingreso laboral de cónyuges no registrados 5,0% 3,4% 3,8% Ingreso laboral de cónyuges registrados 6,4% 7,4% 8,9% Ingreso laboral de cónyuges cuentapropias 2,9% 2,4% 2,6% Ingreso laboral de cónyuges patrones 0,5% 0,8% 1,0% Ingreso laboral de resto de miembros no registrados 10,5% 9,8% 10,3% Ingreso laboral de resto de miembros registrados 14,8% 17,7% 20,2% Total Jefe de nivel educativo bajo Ingreso laboral de resto de miembros cuentapropias 3,1% 3,5% 3,2% Ingreso laboral de resto de miembros patrones 0,3% 1,2% 0,7% Sigue Livro.indb 194 03/02/2011 11:34:20 195 Tabla 7 – Composición del Ingreso Laboral de los Hogares Procedente de las Ocupaciones Principales de sus Miembros según Nivel Educativo del Jefe de Hogar Ingreso laboral de las ocupaciones principales Ingreso laboral de ocupaciones principales Trim 1 2004 Trim 1 2007 Trim 1 2009 100,0% 100,0% 100,0% Jefe de nivel educativo medio Ingreso laboral de jefes no registrados 7,8% 6,9% 6,0% Ingreso laboral de jefes registrados 39,1% 37,0% 39,8% Ingreso laboral de jefes cuentapropias 11,0% 9,3% 8,4% Ingreso laboral de jefes patrones 8,2% 9,4% 7,8% Ingreso laboral de cónyuges no registrados 3,5% 2,1% 2,0% Ingreso laboral de cónyuges registrados 12,7% 13,4% 14,9% Ingreso laboral de cónyuges cuentapropias 2,8% 2,9% 3,1% Ingreso laboral de cónyuges patrones 1,6% 1,4% 1,7% Ingreso laboral de resto de miembros no registrados 3,9% 4,2% 3,1% Ingreso laboral de resto de miembros registrados 7,1% 11,6% 10,4% Ingreso laboral de resto de miembros cuentapropias 2,0% 1,4% 1,5% Ingreso laboral de resto de miembros patrones 0,3% 0,7% 1,0% 100,0% 100,0% 100,0% Ingreso laboral de ocupaciones principales Jefe de nivel educativo alto Ingreso laboral de jefes no registrados 5,5% 6,0% 4,6% Ingreso laboral de jefes registrados 47,6% 42,9% 41,9% Ingreso laboral de jefes cuentapropias 8,8% 9,6% 9,7% Ingreso laboral de jefes patrones 9,2% 10,4% 8,4% Ingreso laboral de cónyuges no registrados 1,9% 1,9% 1,4% Ingreso laboral de cónyuges registrados 14,0% 14,2% 15,3% Ingreso laboral de cónyuges cuentapropias 2,9% 3,4% 3,1% Ingreso laboral de cónyuges patrones 2,6% 2,5% 2,9% Ingreso laboral de resto de miembros no registrados 1,6% 2,1% 2,0% Ingreso laboral de resto de miembros registrados 4,5% 5,2% 7,9% Ingreso laboral de resto de miembros cuentapropias 1,2% 1,1% 2,2% Ingreso laboral de resto de miembros patrones 0,3% 0,7% 0,4% 100,0% 100,0% 100,0% Ingreso laboral de ocupaciones principales Fuente: Elaboración Propia sobre Datos de EPH-INDEC. Finalizacióm Puede observarse que, mientras que en los hogares del estrato bajo los ingresos aportados por el jefe de hogar oscilaron alrededor del 50%, en los hogares con jefes de mayor nivel educativo esa incidencia estuvo alrededor del 60%. La segunda característica a remarcar es la baja contribución de los miembros cónyuges en los hogares con jefe de baja educación. Efectivamente, su aporte fue de alrededor del 15% del ingreso laboral total del hogar, contra un 20% en el caso de los hogares con jefes de mayor nivel educativo. Livro.indb 195 03/02/2011 11:34:20 196 Según el tipo de inserción ocupacional, la principal fuente de provisión de ingresos laborales para el conjunto de los hogares fueron los puestos de trabajo registrados. Esa incidencia que fue del 56,6% en 2004 trepó al 61,7% en 2009, lo cual es consistente con el aumento de la tasa de registración. Ese aumento relativo se produjo a expensas de la contribución proveniente de las posiciones asalariadas precarias, que redujeron su incidencia en 4,1 p.p. (del 18,8% al 14,7%). Interesa destacar que ese aumento se produjo en los tres estratos de hogares, pero fue más intenso para los hogares del estrato inferior. Ello obedeció al aumento de la participación relativa de los miembros no jefes. Precisamente, en la combinación de los aportes, según posición del hogar e inserción ocupacional, se confirma que los jefes disminuyeron su contribución en todas las categorías de ocupación, y quienes concentraron esas ganancias fueron los restantes miembros en posiciones registradas: 4 p.p. para los hijos y 2 p.p. para los miembros cónyuges. Aun cuando los hogares del estrato inferior se vieron beneficiados por el acceso a puestos registrados, debe señalarse que la brecha, que todavía en 2009 separaban a los hogares de menores recursos del resto, es elevada. En estos últimos hogares, la contribución de los trabajadores registrados fue 9 puntos inferior a la que mostraron los hogares con jefes de nivel educativo alto y medio, y el aporte proveniente de posiciones no registradas fue el doble del que exhibieron los hogares con jefe de nivel educativo medio, y estuvo cerca de triplicar el que mostraron los hogares del estrato superior. Es útil complementar este análisis con la identificación de las fuentes de las que dependen los hogares. En efecto, ello aportará información sobre el grado en que los hogares pueden apropiarse de diferentes fuentes de ingreso. En el cuadro 7 se presenta esta información y allí se aprecia que entre el 75% (en 2004) y el 73% (en 2009) de los hogares obtuvieron sus ingresos de una sola fuente (de ocupaciones registradas, no registradas, por cuenta propia o empleadores). Este resultado refleja que las posibilidades que tienen los hogares para elaborar estrategias que les permitan combinar el tipo de ocupación, a la que logran acceder sus miembros, son limitadas. La situación en 2009 indica que el 41% de los hogares recibía ingresos exclusivamente de posiciones registradas, un 16% sólo de posiciones no registradas, 12% de ocupaciones por cuenta propia y 3% en calidad de patrones o empleadores. Ver cuadro 7. Es de resaltar la notable caída de los hogares que dependían sólo de los ingresos provenientes de ocupaciones no registradas: éstos se redujeron en 8 p.p. Las familias que dependían exclusivamente de ingresos por ocupaciones por cuenta propia cayeron en cerca de 2 p.p., mientras que crecieron en 7 p.p. las que obtuvieron sus ingresos de ocupaciones registradas en la seguridad social. No hubo cambios de relevancia en la distribución de los hogares, según combinación de fuentes. Si bien en los tres grupos de hogares aumentó la Livro.indb 196 03/02/2011 11:34:20 197 proporción de hogares que dependían exclusivamente de ingresos provenientes de puestos registrados, el aumento fue mayor para los que tenían jefes con bajo nivel educativo. No obstante, todavía en 2009 sólo un tercio de estos hogares se encontraba en esa situación, contra prácticamente el 50% en los hogares con jefe de nivel medio y 53,8% en los hogares con jefe de alto nivel educativo. Tabla 8 – Distribución de los Hogares según Inserción Ocupacional de sus Miembros (en %) Inserción ocupacional Trim 1 2004 Trim 1 2007 Trim 1 2009 Total de hogares No registrados 24,4 19,5 16,2 Cuentapropias 14,1 12,7 12,3 Patrones 2,5 2,8 3,3 Registrados 34,3 37,4 41,3 Total una única fuente 75,3 72,3 73,0 No registrados y cuentapropias 6,0 4,9 4,2 No registrados y registrados 9,1 11,3 10,8 No registrados y patrones 1,0 1,3 0,9 Registrados y patrones 1,0 1,4 1,5 Registrados y cuentapropias 5,4 6,5 6,7 Patrones y cuentapropias 0,6 0,4 0,4 Total dos fuentes diferentes 23,1 25,9 24,5 Patrones, cuentapropias y registrados 0,0 0,1 0,1 Patrones, cuentapropias y no registrados 0,1 0,2 0,2 Registrados, cuentapropias y no registrados 1,2 1,2 1,6 Registrados, patrones y no registrados 0,2 0,3 0,2 Total tres fuentes diferentes 1,5 1,8 2,1 Registrados, patrones, no registrados y cuentapropias 0,0 0,0 0,0 Total 100 100 100 Jefe de nivel educativo bajo No registrados 32,4 26,6 22,8 Cuentapropias 14,8 14,3 13,7 Patrones 1,4 1,7 1,8 Registrados 25,5 28,9 31,9 Total una única fuente 74,1 71,5 70,3 No registrados y cuentapropias 8,1 6,5 6,1 No registrados y registrados 9,8 13,0 12,7 No registrados y patrones 0,7 1,3 1,1 Registrados y patrones 0,3 0,5 0,8 Registrados y cuentapropias 4,9 5,2 5,4 Patrones y cuentapropias 0,3 0,2 0,2 Total dos fuentes diferentes 24,2 26,7 26,4 Patrones, cuentapropias y registrados 0,0 0,0 0,1 Patrones, cuentapropias y no registrados 0,1 0,1 0,3 Registrados, cuentapropias y no registrados 1,4 1,4 2,2 Registrados, patrones y no registrados 0,3 0,2 0,3 Total tres fuentes diferentes 1,8 1,8 2,9 Sigue Livro.indb 197 03/02/2011 11:34:20 198 Tabla 8 – Distribución de los Hogares según Inserción Ocupacional de sus Miembros (en %) Inserción ocupacional Trim 1 2004 Trim 1 2007 Registrados, patrones, no registrados y cuentapropias 0,0 0,0 Trim 1 2009 0,0 Total 100 100 100 Jefe de nivel educativo medio No registrados 17,1 13,4 12,0 Cuentapropias 13,9 11,4 10,2 Patrones 3,2 3,7 4,4 Registrados 42,7 44,3 49,0 Total una única fuente 76,8 72,9 75,5 No registrados y cuentapropias 3,7 3,7 2,6 No registrados y registrados 8,9 10,0 9,4 No registrados y patrones 1,3 1,4 0,9 Registrados y patrones 1,7 2,1 1,7 Registrados y cuentapropias 5,6 7,4 7,8 Patrones y cuentapropias 0,8 0,6 0,4 Total dos fuentes diferentes 22,1 25,2 22,9 Patrones, cuentapropias y registrados 0,0 0,2 0,0 Patrones, cuentapropias y no registrados 0,1 0,1 0,1 Registrados, cuentapropias y no registrados 1,0 1,2 1,0 Registrados, patrones y no registrados 0,1 0,4 0,2 Total tres fuentes diferentes 1,2 1,9 1,4 Registrados, patrones, no registrados y cuentapropias 0,0 0,0 0,0 Total 100 100 100 Jefe de nivel educativo alto No registrados 8,9 8,1 5,1 Cuentapropias 12,0 10,0 11,8 Patrones 5,3 4,3 5,5 Registrados 51,0 51,5 53,8 Total una única fuente 77,2 74,0 76,2 No registrados y cuentapropias 2,4 2,3 1,5 No registrados y registrados 6,9 8,7 7,8 No registrados y patrones 1,4 1,0 0,4 Registrados y patrones 2,4 2,9 3,1 Registrados y cuentapropias 7,1 8,6 8,4 Patrones y cuentapropias 1,2 1,0 0,9 Total dos fuentes diferentes 21,4 24,4 22,2 Patrones, cuentapropias y registrados 0,0 0,4 0,1 Patrones, cuentapropias y no registrados 0,0 0,4 0,2 Registrados, cuentapropias y no registrados 1,2 0,5 0,8 Registrados, patrones y no registrados 0,2 0,3 0,0 Total tres fuentes diferentes 1,3 1,6 1,1 Registrados, patrones, no registrados y cuentapropias 0,1 0,1 0,1 Total 100 100 Fuente: Elaboración Propia sobre Datos de EPH-INDEC. Livro.indb 198 100 Finalizacióm 03/02/2011 11:34:21 199 El Análisis de la Situación Social en Argentina Con base en los resultados discutidos con anterioridad, se procedió a clasificar a la población en diferentes grupos, atendiendo a tres dimensiones que contribuyen a calificar el grado de dependencia de los hogares respecto del mercado de trabajo: a. la participación de los ingresos laborales en el total de los ingresos monetarios del hogar; b. la categoría de inserción ocupacional del jefe de hogar; c. la presencia de otros miembros del hogar ocupados en puestos de trabajo registrados. Con el propósito de ponderar el estado de subordinación al mercado de trabajo, se decidió excluir como variable de estratificación al nivel educativo. Las tendencias reseñadas en las secciones previas brindan sentido a los criterios utilizados para esta clasificación. Así, se recordará que el ingreso laboral resultó ser el componente principal del ingreso monetario de los hogares, al que a su vez contribuye mayoritariamente el jefe de hogar. Asimismo, se discutió que en el período analizado aumentó globalmente la registración de los puestos de trabajo, exhibiendo mayor intensidad entre los miembros no jefes. La utilización de estos criterios permitirá ofrecer un panorama sucinto de la situación social y sus cambios en el período 2004-2009. Se conformaron nueve grupos que, aun cuando no responden en forma lineal a una escala jerárquica, reflejan diferentes grados de inclusión/exclusión social. (Ver Tabla 8). Los primeros cuatro grupos concentran a aquellos hogares que exhibirían una elevada vulnerabilidad social. Efectivamente, en los primeros dos grupos se encuentran aquellas familias en las que el empleo de sus miembros es la única fuente de ingresos (grupo 1) o la mayoritaria – mayor al 50% de los ingresos del hogar – (grupo 2); en ambos casos, el jefe de hogar no está ocupado en un puesto de trabajo registrado – ni tampoco es empleador y además no hay en esas familias otros miembros en puestos de trabajo registrados. Ambos conjuntos concentraban al 36% de la población en 2004, cifra que se redujo al 26% en 2009. Esa sensible disminución se produjo enteramente por lo acontecido en el primero de los grupos (aquellos que sólo disponen de ingresos laborales), que redujo su peso relativo en alrededor de 12 p.p., mientras que el segundo grupo lo Livro.indb 199 03/02/2011 11:34:21 200 incrementó en 2 p.p. Este último comportamiento es consistente con el aumento de las jubilaciones entre los sectores de menores recursos. Tabla 9 – Distribución de la Población según Tipología de Hogares. Grupos Definición Trim 1 2004 Trim 1 2005 Trim 1 2006 Trim 1 2007 Trim 1 2008 Trim 1 2009 1 Depende exclusivamente del mercado de trabajo, jefe no es patrón ni asalariado registrado y no hay miembros registrados en el hogar. 26,8% 25,2% 21,4% 17,4% 15,5% 14,7% 2 No depende exclusivamente del mercado de trabajo, jefe no es patrón ni asalariado registrado y no hay miembros registrados en el hogar. 9,2% 9,7% 11,7% 11,6% 11,4% 11,4% 3 No hay miembros ocupados en los hogares 10,8% 10,2% 10,2% 9,8% 9,7% 9,9% 4 Depende en forma secundaria del mercado de trabajo 6,3% 7,1% 6,0% 6,8% 6,3% 6,0% 5 El jefe de hogar es un asalariado registrado y no hay otros miembros en esa condición 21,3% 21,7% 21,7% 22,4% 22,9% 22,2% 6 El jefe es asalariado no registrado o no está ocupado y hay otros miembros en el hogar como asalariados registrados 8,3% 8,9% 9,4% 11,0% 11,8% 12,5% 7 El jefe es cuentapropia con otros miembros en el hogar como asalariados registrados 3,9% 3,5% 4,0% 4,3% 4,3% 4,8% 8 El jefe es asalariado registrado y hay otros miembros asalariados registrados 9,4% 9,8% 11,5% 12,0% 13,3% 14,0% 9 El jefe es empleador 3,9% 3,9% 4,1% 4,7% 4,9% 4,6% Total 100% 100% 100% 100% 100% 100% Fuente: Elaboración Propia sobre Datos de EPH-INDEC. Los grupos 3 y 4 comprenden a aquellos individuos residentes en hogares, en los que los ingresos monetarios que prevalecen son no laborales que, se recordará, se componen fundamentalmente de jubilaciones y pensiones. Esos grupos mantuvieron prácticamente sin cambios su participación en torno al 16% en forma conjunta. El grupo 5 aglutina a aquellos integrantes de hogares en los que es el jefe el único que cuenta con una ocupación registrada en la seguridad social. Este conjunto de hogares comprende a poco más del 20% del total de la población y exhibió entre extremos un leve incremento de alrededor de 1 p.p. El grupo 6, a diferencia del anterior, cuenta con otros miembros registrados pero impone la condición que el jefe no esté ocupado o lo esté pero en un puesto no registrado. La participación relativa de este segmento se incrementó en 4,2 p.p., pasando del Livro.indb 200 03/02/2011 11:34:21 201 8,3% en 2004 al 12,5% en 2009. Ello refleja el fuerte impacto de la registración de puestos ocupados por miembros no jefes. El grupo 7 se define en forma similar al grupo 6, pero imponiendo la condición de que el jefe revista en una ocupación por cuenta propia. Nótese que en este caso el incremento es inferior a 1 p.p., entre extremos del período. El grupo 8 reúne a todos aquellos hogares cuyo jefe ocupa un puesto de trabajo registrado y además cuentan con otro integrante que también desempeña en un puesto de trabajo de similar condición. Este segmento, que en 2004 agrupaba al 9,4% de la población, incrementó su incidencia al 14%. Finalmente el grupo 9 concentra a aquellos hogares cuyo jefe es patrón o empleador. Este estrato mantuvo una participación que varió del 3,9% al 4,6%. Una manera de aproximarse a una validación de la clasificación propuesta es a través de la comparación entre los grupos confeccionados de una serie de atributos sociodemográficos asociados a situaciones de vulnerabilidad social. (Ver Tabla 10). Tabla 10 – Características Seleccionadas de los Grupos de Hogares Confeccionados. Trim 1 de 2009 Grupos brecha de ingreso per cápita relativo al promedio tamaño del hogar cantidad de jubilados/ pensionados % de hogares con jefatura femenina % de hogares con jefes de bajo nivel educativo tasa de empleo niños menores de 10 años %de empleo industrial % de empleo en la construcción % de empleo en servicio doméstico % de empleo en comercio 29,9% 1 0,67 3,3 0,0 28,5% 59,4% 56,5% 0,62 12,2% 15,5% 13,5% 2 0,68 4,1 0,2 40,7% 73,3% 48,0% 0,78 10,0% 18,0% 13,9% 32,9% 3 0,84 1,8 0,8 54,1% 62,9% na 0,12 na na na na 4 0,95 3,1 0,4 50,8% 63,1% 41,9% 0,38 12,2% 8,5% 17,6% 24,8% 5 1,15 3,3 0,0 25,8% 39,8% 52,4% 0,66 18,7% 6,0% 6,6% 18,7% 6 0,93 4,1 0,4 47,5% 65,3% 53,3% 0,50 16,2% 7,0% 7,4% 21,8% 7 1,08 4,1 0,0 14,2% 50,4% 71,8% 0,51 13,5% 10,8% 5,1% 24,7% 8 1,42 3,8 0,0 16,9% 31,0% 70,9% 0,55 14,9% 4,1% 1,8% 15,9% 9 1,65 3,4 0,0 13,6% 33,2% 66,7% 0,47 18,9% 8,8% 2,1% 32,0% Fuente: Elaboración Propia sobre Datos de EPH-INDEC. Se destaca la fuerte correspondencia entre el ordenamiento de los grupos sociales construidos y el ingreso per cápita familiar. En efecto, se aprecia que los grupos 1 y 2 muestran un valor inferior al ingreso promedio –en torno al 67-68%–, los grupos 3 y 4 se ubican también por debajo del promedio aunque la distancia respecto de esa referencia es algo menor mientras que los grupos 5, 6 y 7 están en torno al valor promedio. Claramente los grupos 8 y 9 exhiben marcas que superan holgadamente el valor promedio. Ello confirma la oportuna creación, desde fines de 2009, de un subsistema no contributivo denominado “Asignaci- Livro.indb 201 03/02/2011 11:34:21 202 ón Universal por Hijo para Protección Social”. Este programa consiste en una transferencia de ingresos destinada a aquellos niños, niñas y adolescentes que no tengan otra asignación familiar prevista por la ley y pertenezcan a grupos familiares que se encuentren desocupados o se desempeñen en la economía informal (es decir que no estén registrados en la seguridad social). La tipología de hogares también refleja la fuerte asociación con el nivel educativo del jefe de hogar: en los grupos 1 y 2 el 59% y 73%, respectivamente, son hogares cuyos jefes que no finalizaron el nivel de educación medio mientras que en el extremo opuesto – en los grupos 8 y 9 – estos porcentajes fueron de 31% y 33% respectivamente. Asimismo, despunta el hecho de que la jefatura femenina exhibió una incidencia mayor en los agrupamientos inferiores, especialmente en el grupo 2, donde trepó al 41%, mientras que en los grupos 8 y 9 éstos porcentajes fueron del 17% 14% respectivamente. No sorprende tampoco que este indicador sea elevado en los grupos 3 y 4, ya que se trata de hogares compuestos por población jubilada o pensionada en los que la mayor expectativa de vida de las mujeres es consistente con la prevalencia de la jefatura femenina (obsérvese el menor tamaño relativo de esos hogares). Las tasas de empleo en los hogares de los grupos 1 y 2 son inferiores a las de los grupos superiores y ello es reflejo combinado, tanto de las menores oportunidades de empleo para este grupo como de una desigual exposición a las restricciones que enfrentan sus miembros, para incorporarse a la oferta laboral. Préstese atención en relación a ese último punto, que la presencia de niños menores de 10 años es más numerosa en los hogares de los grupos 1 y 2. Finalmente, en términos de la inserción sectorial que logran los miembros de estos hogares se aprecia el importante peso de construcción y servicio doméstico para los hogares de los grupos 1 y 2, que se ubica en torno del 30% respecto de porcentajes del orden del 6% y 11%, para los grupos 8 y 9 respectivamente. Comentarios Finales La clasificación de la población según su pertenencia a diferentes tipos de hogares permite identificar algunos elementos relevantes a la hora de evaluar los cambios en la situación social argentina entre 2004 y 2009. Entre ellos se destaca el fuerte impacto que tuvo la creación de puestos de trabajo que cumplen con los estándares legales. Puede estimarse que, si se atiende al aumento de la participación relativa de los grupos 6, 7 y 8, alrededor de un 10% de la población total se benefició de la expansión de los puestos de trabajo registrados en la seguridad social. En segundo lugar corresponde resaltar el positivo impacto de políticas que contribuyeron a mejorar los ingresos de los hogares de menores recursos, por Livro.indb 202 03/02/2011 11:34:21 203 ejemplo a través de la ampliación del número de beneficiarios del sistema previsional. Téngase en cuenta que al menos un 2,2% de la población – considerando sólo el aumento de la participación relativa del grupo 2 – se vio favorecida. No obstante, al cabo de estos cinco años de expansión económica, persiste un déficit de integración social. En 2009 un cuarto de la población urbana de Argentina residía en hogares en los que ningún miembro se desempeñaba en un puesto de trabajo registrado en la seguridad social. Asimismo, el hecho de que la mayoría de los hogares obtenga sus ingresos monetarios de una única fuente laboral es reflejo de segmentación en la distribución de oportunidades en la sociedad argentina. Este cuadro de situación impone la necesidad de instrumentar políticas específicas tendientes a mejorar el panorama social. Entre éstas ocupan un lugar destacado aquellas tendientes a reducir los índices de empleo no registrado en sectores, en los que se insertan los trabajadores de menor nivel educativo: el servicio doméstico, la construcción y el comercio minorista. Asimismo, la baja tasa de actividad en los hogares más pobres sugiere la necesidad de instrumentar mecanismos, que faciliten la incorporación plena de los miembros adultos de esos hogares al mercado de trabajo. En este sentido son relevantes tanto la mejora en las condiciones de la oferta laboral – por ejemplo vía capacitación laboral – y la provisión de centros de cuidado infantil así como las políticas de estímulo a la instalación de unidades económicas productivas en zonas segregadas espacialmente.7 Finalmente, cabe resaltar que, en la transición, las políticas de transferencia de ingresos han mostrado ser mecanismos idóneos para sostener los niveles de bienestar de aquellos hogares privados de empleos de buena calidad. REFERÊNCIAS ARRIAGADA, I. (Ed.). Familias y políticas públicas en América Latina: una historia de desencuentros. Santiago de Chile: CEPAL, 2007. (Serie Libros de la CEPAL, 96). CETRÁNGOLO, O. D.; HEYMANN, Y. A.; RAMOS. Macroeconomía en recuperación: la Argentina post- crisis. In: KOSACOFF, B. (Ed.). Crisis, recuperación y nuevos dilemas: la economía argentina. Buenos Aires: CEPAL, 2007. GOLDÍN, A. Normas laborales y mercados de trabajo argentino: seguridad y flexibilidad. Santiago de Chile: CEPAL, 2008. (Serie Macroeconomía del desarrollo, 74). 7 Acerca de la segregación residencial véase Groisman (2010b). Livro.indb 203 03/02/2011 11:34:21 204 GROISMAN, F. Inestabilidad de ingresos y desigualdad durante la reciente fase de recuperación económica en Argentina. Buenos Aires: ASET, 2010a. (Estudios del Trabajo, 36). ______. La persistencia de la segregación residencial socioeconómica en Argentina. Estudios Demográficos y Urbanos, v. 25, n. 2, p. 74, Ciudad de México, 2010b. ILO. World of work report 2009: the global jobs crisis and beyond. Geneva, 2009. OIT. Trabajo y familia: hacia nuevas formas de conciliación con corresponsabilidad social. Santiago, 2009. Livro.indb 204 03/02/2011 11:34:21 LA TRANSFORMACIÓN DE LAS RELACIONES LABORALES EN ESPAÑA EN LA PERSPECTIVA EUROPEA Santos M. Ruesga1 Introducción Llevamos ya más de treinta años de procesos de reforma política e institucional, particularmente en lo que a regulación del mercado laboral se refiere, que es el más in-tenso que ha vivido España en su historia contemporánea. En concreto, con el Real De-creto Ley 17/1977 de 4 de marzo sobre Relaciones de Trabajo, se iniciaba el desmontaje del entramado que había construido la Dictadura del General Franco en sus cuarenta años largos de historia y se abría camino a un nuevo marco de relaciones laborales basado en los modelos democráticos de la Europa comunitaria. Este decreto, promulgado con anterioridad a las primeras elecciones democráticas celebradas en el país, en junio del mismo año, inicia la marcha hacia la constitución de un sistema libre de relaciones labora-les, al reconocer la libre constitución y actuación de organizaciones sindicales y patronales y el derecho de ambas a promover conflictos colectivos en defensa de sus respectivos intereses. A partir de aquí el mercado de trabajo español ha experimentado una profunda transformación, tanto en su vertiente cuantitativa como en su estructura interna de funcio-namiento, al compás del cambio institucional que ha vivido el país, pero también de su desarrollo económico, con las correspondientes fluctuaciones cíclicas. Estas transforma-ciones, desde el punto de vista del desarrollo económico del país, no son un tema baladí. En todas las economías, independientemente de su nivel de desarrollo, el trabajo es la fuente fundamental de generación de valor añadido en los procesos productivos. Por eso, las rentas del trabajo constituyen la parte fundamental del Producto Interior Bruto (PIB), al tiempo que la prestación laboral es la fuente fundamental de recursos para la mayor parte de la población del país y para todos ellos. Por tal cúmulo de razones cabe señalar que la dinámica del mercado laboral es una pieza singular en el proceso de desarrollo socioe-conómico nacional. Se pretende analizar de forma descriptiva en este trabajo la trayectoria de transfor-mación que ha experimentado este mercado laboral, su estructura y dinámica, siguiendo un esquema en el que se considerarán los cambios habidos en sus componentes funda-mentales: oferta y demanda laborales y salarios y los desequilibrios que en su interacción se generan, deteniéndose también en el marco 1 Doutor em Ciências Econômicas pela Universidad Autónoma de Madrid Livro.indb 205 03/02/2011 11:34:21 206 institucional que regula estas relaciones de trabajo y aproximándose al efecto de dicho sistema de relaciones laborales en el ámbito macroeconómico. Una Secuencia Temporal Cambiante La historia laboral, tanto en su vertiente estrictamente de mercado como en el plano institucional, ha trazado un recorrido cambiante en estos últimos treinta años, al compás del ciclo económico nacional-internacional, pero también con profundas transformaciones en la dimensión político institucional. En grandes líneas y atendiendo a la dinámica de ambos elementos, la del propio mercado laboral y la institucional, se podrían identificar seis etapas en este período de tres décadas: 1. Entre 1977 y 1985 existe largo período de ajuste en el plano económico y laboral así como de definición y asentamiento del marco de relaciones labo-rales, siguiendo el modelo europeo en un contexto de concertación social muy intensa. 2. Entre 1986 y 1991 se produce una fuerte expansión económica y de empleo, con intensificación de la temporalidad en relación con las políticas activas de mercado de trabajo, implantadas en el período anterior, todo ello en un contexto de crisis en el proceso de concertación social previo. 3. De 1992 a 1996 se produce un período de fuerte impulso reformista, modifi-cando aspectos institucionales básicos, modificando la legislación laboral y reorientando las políticas activas de mercado de trabajo en un contexto económico de intensa recesión hasta 1995 y en ausencia de diálogo social efectivo. 4. Entre 1997 y 2004 se produce un cambio en la orientación política del go-bierno elegido en las urnas que abrirá camino a un período de reformas la-borales, de signo diverso, inicialmente con apoyo en el diálogo social que se irá diluyendo y enmarcando en una dinámica económica expansiva. Con una singularidad en la dinámica del mercado laboral, que es la incorporación de una oferta creciente de trabajo inmigrante que alcanzará al final de pe-riodo cerca del 10 por ciento de la población ocupada. Livro.indb 206 03/02/2011 11:34:22 207 5. De 2005 hasta la actualidad, se retoma el impulso reformador en el mercado laboral, apoyado en una amplia y continuada participación de los interlocuto-res sociales, en un contexto económico-laboral fuertemente expansivo, que sigue apoyándose en la expansión de la oferta de mano de obra inmigrante. 6. 2008 significa la quiebra completa del funcionamiento alcista del mercado de trabajo. La crisis económica se materializa en la destrucción de más de dos millones de empleos netos y la tasa de desempleo pasa de estar en el entorno de la media europea a rondar el veinte por ciento. Siguiendo este sintético esquema temporal de la evolución de la dinámica laboral de España, vamos a analizar la misma y los hechos principales acaecidos en el período. Treinta Años en la Dinámica del Mercado Laboral Español El mercado laboral español siempre ha adolecido de una muy baja tasa de actividad. Tal situación se mantuvo, incluso empeoró, hasta bien entrados los años ochenta del pasado siglo; desde entonces se ha producido un cambio paulatino e intenso que ha su-puesto un aumento de casi diez millones de personas en el volumen de la población activa, contando desde 1977 a 2009, es decir un crecimiento de de casi un sesenta por ciento en un período de treinta años. En este contexto, la estructura del mercado laboral español, en sus especificidades, responde, en primer lugar, a las características demográficas del país y a su evolución más reciente, pero también a diversas singularidades económicas y socioculturales que explican la dinámica del mercado en los últimos años. En otro lugar, Ruesga (2005, p. 108-109) he señalado que desde mediados de los setenta del pasado siglo comienza a estancarse la dinámica de fuerte crecimiento demográfico que se había producido en las décadas anteriores. Desde el punto de vista del mercado laboral, tal estancamiento no se observará de forma clara hasta pasada otra década, bien entrados los años ochenta. Y en ese contexto, dos acontecimientos políticos son fundamentales para entender las transformaciones que sufre el Livro.indb 207 03/02/2011 11:34:22 208 mercado de trabajo español: la reinstauración del régi-men democrático a partir de 1977 y posteriormente el ingreso de España a la Unión Eu-ropea (UE). Veamos cómo evoluciona la dinámica del mercado laboral, analizando sus compo-nentes – oferta y demanda. La base de la oferta de trabajo de un país dado está determi-nada, en primera instancia, por su población y su estructura de edades, de lo que deriva el potencial de mano de obra disponible para trabajar. Estadísticamente hablando, la oferta de trabajo se identifica con la población activa. Su dinámica está condicionada, en primera instancia, por el saldo neto del crecimiento vegetativo más el resultado de los flujos migratorios (inmigración menos emigración). Años Población mayor de 16 años Población activa Tasa de actividad Población ocupada Tasa de ocupación Población desempleada Tasa de paro Tasa de dependencia* Tabla 1 - Evolución del Mercado Laboral Español 1977 25.724,55 13.283,48 51,64 12.594,40 48,96 689,10 5,19 30,09 1985 28.582,38 14.009,13 49,01 11.004,03 38,50 3.005,08 21,35 33,04 1990 30.429,73 15.465,40 50,82 12.954,93 42,57 2.510,48 16,23 34,40 1994 31.556,45 16.087,73 50,98 12.207,63 38,69 3.880,08 24,11 35,51 2007 37.662,88 22.189,90 58,92 20.356,00 54,05 1.833,90 8,26 32,91 2009 38.431,58 23.037,48 59,94 18.887,97 49,15 4.149,50 18,01 32,67 Fuente: Elaboración Propia del Autor sobre Datos EPA (INE). *Tasa de dependencia = (mayores de 65 años) / (población activa) x100 La oferta efectiva de trabajo está delimitada por múltiples factores socioeconómi-cos, culturales e institucionales que contribuyen a explicar la existencia de diferentes tasas de actividad para países distintos e incluso para cada territorio regional dentro de un mismo país o para colectivos poblacionales diversos. Entre tales factores que inciden en la definición de la tasa de actividad se pueden señalar desde las normas que regulan las diferentes formas de acceso a la situación de inactividad percibiendo una prestación social –jubilación u otras formas– o hábitos y costumbres que marcan pautas de comportamiento para grupos poblacionales específicos, hasta diferentes instituciones económicas (instrumentos fiscales, subsidio de desempleo etcétera), que también contribuyen a definir la actitud de las personas en su acceso al mercado laboral. Este tipo de variables influyen no solo en la disponibilidad absoluta de la población ante el trabajo remunerado sino Livro.indb 208 03/02/2011 11:34:22 209 tam-bién en el número de horas de trabajo que cada individuo está dispuesto a ofrecer a cam-bio de una remuneración dada. Las tendencias demográficas en España en los últimos años señalan una conver-gencia acelerada hacia las pautas europeas de bajo crecimiento vegetativo. La tasa de crecimiento vegetativo (tasa de natalidad menos tasa de mortandad) ya era similar a la media comunitaria a principios de los años noventa del siglo XX, cuando tan sólo quince años antes la superaba en más de seis puntos porcentuales. Y es que la natalidad en España ha experimentado un acusado descenso al compás de la incorporación de la mu-jer al mercado laboral. La ausencia de instrumentos de apoyo a la natalidad ha redundado en un elevado coste demográfico en el país, como contrapartida a la incorporación de la mujer española al mercado laboral, que va convergiendo hacia estándares europeos. Tan sólo a partir de la intensificación de entrada de población inmigrante, a partir de la segunda mitad de la década de los años noventa del siglo XX y sobre todo en la primera década del siglo siguiente, el crecimiento de la población española se ha animado, pudiendo recuperar ritmos por encima de la media de los países comunitarios. Esto ha significado que la población, en términos absolutos, vuelva a crecer cuando ya parecía que se había in-troducido en una senda regresiva. En relación con la evolución de la oferta de trabajo en España, la primera nota a destacar es que la tasa de actividad de la población ha sido tradicionalmente muy baja con relación a los parámetros de la UE. El principal factor explicativo está relacionado con el reducido nivel de actividad laboral (para el mercado) de las mujeres españolas. La tasa de actividad femenina, en cualquier contexto espacial, va descendiendo de forma intensa al compás de la industrialización y urbanización; en el caso español en los años sesenta y setenta del siglo XX. En España, también es preciso considerar la influencia de un entorno cultural, de raíces profundamente católicas, que facilitó la salida de la mano de obra femenina desde la actividad en el mundo rural a las labores domésticas en la urbe, eso sí, en un contexto de escasez de demanda laboral, lo que también contribuyo a impulsar la emigración al exterior de una parte de la población potencialmente activa femenina. No será hasta ya bien entrada la década de los ochenta, cuando la población femenina inicie un proceso de vuelta al mercado, que en las condiciones sociales del país, contribuirá a acelerar el descenso de las tasas de natalidad y a la regresión del volumen de población. En los últimos años hasta 2007, con dos décadas de crecimiento económico casi ininte-rrumpido, se ha producido una intensa reorientación de las tendencias en el mercado la-boral. Ello está redundando en un notable crecimiento de la oferta de trabajo, que acerca su estructura a las pautas habituales de los europeos. Livro.indb 209 03/02/2011 11:34:22 210 Tabla 2 - Características de la Oferta de Trabajo (Población Activa) % sobre el total Valor absoluto % sobre el total Valor absoluto % sobre el total Valor absoluto % sobre el total 2009 Valor absoluto 2007 % sobre el total 1994 Valor absoluto 1990 % sobre el total 1985 Valor absoluto 1977 Características Total 13.283 100,0 14.009 100,0 15.465 100,0 16.088 100,0 22.190 100,0 23.037 100,0 Varones 9.528 71,7 9.770 69,7 10.088 65,2 10.061 62,5 12.802 57,7 12.938 56,2 Mujeres 3.755 28,3 4.239 30,3 5.377 34,8 6.027 37,5 9.387 42,3 10.099 43,8 16-24 años 2.823 21,3 2.890 20,6 3.025 19,6 2.769 17,2 2.434 11,0 2.223 9,7 25-54 años 8.418 63,4 9.222 65,8 10.570 68,3 11.649 72,4 17.350 78,2 18.173 78,9 55 años o más 2.042 15,4 1.898 13,5 1.871 12,1 1.669 10,4 2.406 10,8 2.641 11,5 Fuente: Elaboración Propia del Autor sobre EPA (INE). Como resultado del proceso demográfico descrito, la población activa española en-vejece de forma intensa; y ni tan siquiera el flujo de inmigración registrado a partir de 1995 parece alterar, de forma significativa, tal tendencia. Este rasgo de la oferta de trabajo, no muy diferente a lo que está ocurriendo en el resto de los países de la UE, introduce problemas graves de disponibilidad de mano de obra, al tiempo que genera fuertes incer-tidumbres sobre el sistema protección social, particularmente sobre el futuro de las pen-siones (públicas y privadas), en tanto que la esperanza de vida de los españoles se alarga de modo continuo, con niveles absolutos de los más elevados en el contexto mundial. Otro rasgo significativo de la estructura de la oferta laboral hace referencia al acor-tamiento que se viene produciendo desde hace lustros del período de vida activa de los españoles. Se retrasa la edad de entrada al mercado laboral, por imperativos legales (alargamiento de la escolarización obligatoria hasta los dieciséis años) o sociales (fuerte expansión de la demanda de servicios educativos). Y por el lado opuesto, se reduce pau-latinamente la edad de retiro de la actividad laboral, a través de mecanismos diversos de jubilación anticipada (voluntaria o a través de programas de reconversión empresarial). Eso significa una menor oferta potencial de trabajo y un saldo decreciente en la relación activos/pasivos del sistema de Seguridad Social. Parece, no obstante que en los años más recientes, se podría estar frenando esa tendencia. Posiblemente comienzan a hacer efecto los esfuerzos realizados en aras de alargar la vida laboral, en coherencia con las políticas establecidas en la Estrategia de Lisboa2. 2 Al amparo de dicha estrategia, establecida en 2000 y revisada, en la cuantificación y ordenación de sus objetivos en el año 2005, se establecía alcanzar una tasa de empleo para los mayores de cincuenta y cinco años, por encima del cincuenta por ciento, como media para el conjunto de los países de la UE en el año 2010. Livro.indb 210 03/02/2011 11:34:22 211 A destacar también, sobre todo a partir de los años noventa, el aumento relativo de la oferta de trabajo femenino, muy acusado en términos relativos, debido a los intensos cambios socioculturales que ha experimentado el país en las tres últimas décadas, que han contribuido a dinamizar la incorporación de las mujeres en el mercado de laboral. Esto significa también un cambio intenso en la estructura del mercado laboral y la expansión de nuevas actividades productivas auspiciadas por tal fenómeno de la feminización de la oferta laboral. En el resto de la UE también se está registrando un proceso de feminización en sus respectivos mercados laborales, pero no con tanta intensidad como en el caso español. Por último, conviene señalar cómo en la última década se ha producido un cambio significativo en la estructura demográfica a causa de la fuerte presencia que han adquirido entre la población los trabajadores extranjeros. Se ha pasado de una cifra relativa del 1,3 por ciento de extranjeros en la ocupación a otra superior al diez por ciento, un fenómeno sin parangón entre los países de la UE aunque no represente la cifra relativa de trabaja-dores foráneos más elevada de este espacio. A éstos habría que añadir la cifra no bien estimada de extranjeros en situación irregular que trabajan, que supone un volumen de mano de obra mal contabilizada, por razones obvias de ocultación, en los mecanismos habituales de estimación de estimación de estas variables A efectos de comparaciones internacionales3, la demanda de trabajo se mide por el número de personas que realizan algún tipo de trabajo remunerado, con una hora o más de trabajo semanal. Este valor representa el stock de demanda de trabajo en un momento del tiempo y para un lugar dado. La demanda laboral está determinada, cuantitativamente hablando, por la cantidad de bienes y servicios que se producen en un período concreto, en un espacio concreto; pon la intensidad laboral de los sistemas productivos4 – la cantidad de trabajo utilizado por unidad de producto generado, en relación con otros factores de producción–; y con el tipo de jornada laboral realizada. Estos tres factores determinan la cantidad de empleo que las empresas ponen a disposición de la oferta laboral. De forma gráfica se puede observar lo que ha ocurrido con la demanda de trabajo en España, analizando la evolución de la tasa de empleo en las últimas décadas. Dicha tasa viene dibujando una senda de crecimiento sostenido desde 1994, en consonancia con el ciclo económico expansivo, con tasas de crecimiento 3 Según los estándares establecidos por las sucesivas Conferencias Estadísticas de la Oficina Internacional del Trabajo, asumidos por la oficina estadística de la Unión Europea (Eurostat). 4 Obviamente, tal intensidad está en relación con los precios relativos de los factores productivos y con la tecnología disponible, en un contexto dado. Ambos factores, demanda de bienes y servicios e intensidad laboral definen el número de puestos de trabajos que las empresas crean. Livro.indb 211 03/02/2011 11:34:22 212 del PIB superiores de forma continua a la media registrada por el conjunto de la UE. Ese aumento notable sufre una quiebra a partir de 2007 con la aparición de la virulenta crisis económica y su plasmación radical en el empleo. A pesar de esta evolución, subsisten diferencias importantes en cuanto al nivel de empleo en relación con las principales economías de la UE y del resto de los países desarrollados. La tasa de empleo se sitúa en España casi cinco puntos por-centuales por debajo de la media europea, una diferencia que se ha venido reduciendo de forma intensa en las últimas dos décadas pero que aún sigue siendo singular. Tales diferencias en cuanto al nivel de la tasa de empleo con respecto a la UE vie-nen explicadas fundamentalmente por el comportamiento de la tasa de empleo femenino. Aunque se ha reducido, el diferencial entre las tasas de empleo masculina y femenina en España sigue siendo de los más elevados de Europa, situándose en la actualidad en más de diez puntos porcentuales. La tasa de empleo masculino se sitúa un punto porcentual por debajo de la media europea y, sin embargo, la femenina aún se mantiene más de ocho puntos porcentuales por debajo de la respectiva media comunitaria. El crecimiento del empleo experimentado por España en los últimos años no oculta las diferencias aún importantes que nos separan de los estándares medios de la UE. La tasa de empleo media se encuentra aún lejos de la meta establecida para el año 2010 por la Agenda de Lisboa: un setenta por ciento. Tabla 3 - Distribución Sectorial del PIB y del Empleo (% sobre Total) Empleo (puestos de trabajo equivalentes a tiempo completo) VAB Años 1977 1985 1990 1994 2007 2009 1977 1985 1990 1994 2007 2009 Agrario 6,3 6,0 4,9 3,5 2,7 2,4 20,4 16,4 11,0 8,8 4,5 4,5 Energía 5,3 6,0 5,6 6,1 2,6 2,5 27,6 1,4 1,1 1,0 0,7 0,7 Industria 26,3 25,2 21,9 19,0 14,7 12,6 22,0 21,5 19,9 15,1 14,3 10,3 Construcción 8,3 6,9 9,7 8,5 11,8 10,7 10,1 7,0 9,4 8,5 13,8 Servicios 53,8 55,9 57,8 62,9 68,1 71,7 41,8 53,2 57,0 61,8 65,9 70,3 De mercado 43,5 43,2 43,9 48,1 53,4 55,5 .. 36,3 38,5 41,5 47,8 50,2 De no mercado 10,3 12,7 13,8 14,7 14,7 16,2 16,8 18,5 20,3 18,1 20,0 .. Fuente: Elaboración Propia del Autor sobre Datos Contabilidad Nacional Trimestral (INE). Los problemas del mercado laboral español en cuanto a generación de empleo no son sólo de orden cuantitativo sino también, de modo creciente, en algunos aspectos y en los últimos años, de carácter cualitativo. Nuestro sistema laboral se caracteriza por la existencia de una profunda dualidad en el tratamiento de la oferta laboral por parte de la demanda, según género y edad, entre otras líneas de segmen- Livro.indb 212 03/02/2011 11:34:22 213 tación del mercado. Como se ha señalado, las mujeres padecen aún una sistemática discriminación laboral que se manifiesta tanto en el acceso al mercado como en menores niveles salariales. Las mujeres se integran en menor cuantía en el mercado laboral en las edades más tempranas y comienza a declinar su presencia mucho antes (entre los veinticinco y los treinta años) que los hombres (a partir de los cuarenta y cinco años). La edad también introduce una brecha de segmentación importante en el mercado de trabajo español. Jóvenes y mayores muestran una intensidad de inserción relativa en el mercado laboral mucho menor que la población adulta, poniendo de manifiesto la presencia de rechazo (discriminación) en el contexto de los mercados regulados que articulan nuestro sistema de relaciones laborales. El crecimiento del empleo de las últimas décadas se ha sustentado fundamental-mente en la creación de puestos de trabajo de baja calificación, que se han ido ocupando en una buena proporción por mano de obra inmigrante, con efectos negativos en la diná-mica de crecimiento de la productividad del trabajo y en la productividad total de los facto-res en el conjunto del tejido productivo español. Pero tal fenómeno no se puede entender como la causa, sino más bien al contrario, como el resultado de la evolución de un sistema productivo que está generando mucho empleo, en detrimento de la productividad del sistema5. Y es que, en lo que se refiere a la demanda laboral, se ha producido un profundo cambio sectorial, a expensas de lo que ha ocurrido en el tejido productivo español, también a partir de los años sesenta y de forma muy intensa en la última década del pasado siglo. Desde el punto de vista de la demanda de trabajo, pasa de ser una economía básicamente agraria hasta prácticamente mediados de los años sesenta a una economía ya altamente terciarizada en la primera mitad de los años noventa, es decir, en veinticinco años la economía española describe unas fases de transición o cambio sectorial que en las economías desarrolladas habían requerido de un período de tiempo más dilatado. El cambio es mucho más intenso en términos de mano de obra ocupada que de valor añadi-do a causa de la intensa capitalización que experimenta el sector agrario. La terciarización del empleo ha introducido, además, cambios sustanciales en la elasticidad producto-empleo, es decir, en la dinámica de creación de empleo, y transfor-maciones notables en la práctica de las relaciones laborales en tanto que ha afectado desde la estructura empresarial vigente en las economías industriales o agrarias hasta los comportamientos sociolaborales de los asalariados. El mercado de trabajo terciarizado, o cuaternarizado, demanda también soluciones 5 Sobre la evolución del sistema productivo español con referencia a la dinámica productiva se puede consultar el trabajo dirigido por el profesor Francisco Pérez del Instituto Valenciano de Investigaciones Económicas. (PÉREZ, 2006). Livro.indb 213 03/02/2011 11:34:23 214 reguladoras distintas a las vigentes en otras estructuras laborales6. En ese sentido, el cambio sectorial experimentado, hacia la cons-trucción y ciertos subsectores de servicios, ha favorecido la creación de empleo, dado que tales sectores son los más intensivos en la utilización del factor trabajo. La evolución del empleo está fuertemente relacionada con la marcha de la actividad económica. En este sentido, el primer elemento a considerar en el orden económico hace referencia a la marcha del ciclo económico. Su dinámica está relacionada, de un lado, con la propia senda de la economía mundial y las respuestas a los procesos críticos de la misma –políticas de estabilización y contracción monetaria etcétera– y, de otro, secuen-cialmente más intenso, con la presencia desde 1986 de España en la hoy denominada UE y los avatares económico-institucionales de ese espacio de integración. La integración de España en la UE constituye el otro hito singular en estos primeros estadios del proceso de transformación económica y laboral, en tanto que significa la consolidación de la apertura comercial de la economía española hacia este espacio de integración. El efecto inmediato de la integración se deja notar en la balanza de pagos, particularmente la industrial, que experimenta un deterioro importante, poniendo de manifiesto las carencias de competitividad del tejido productivo español. Sin duda, tal impacto ponía de relieve ya entonces, la necesidad de proceder a modificar las pautas de comportamiento del sector empresarial español, al tiempo que acumulaba más demandas para la reforma del funcio-namiento del mercado laboral. En buena medida, el impacto de la integración europea conducirá a la reforma laboral de 1994. Y al margen de la tendencia cíclica general de la demanda de trabajo, las tasas de empleo masculino y femenino han seguido una tendencia diferente en las últimas décadas; en el primer caso se observa un comportamiento procíclico, es decir la tasa tiende a aumentar en las fases expansivas de la economía y a reducirse en las fases depresivas, siendo más acusado este carácter en el caso español que en el del conjunto de la UE a causa de la intensa temporalidad que caracteriza al empleo en España. La tasa de empleo femenino, por el contrario, viene mostrando una tendencia creciente, en los últimos treinta años, más intensa en el mercado laboral español que en el europeo, en su conjunto, con tan sólo ligeros retrocesos en las fases contractivas del ciclo económico. Por otro lado, la dinámica de generación de empleo está también relacionada con los cambios que se producen en la relación capital-trabajo en el tejido productivo. El efecto de incorporación de nuevas tecnologías al tejido productivo es doble: por un lado permite acelerar el proceso de crecimiento de la productividad global del sistema, facilitando la ganancia de competitividad interna y externa a las empresas y, por otro y en sentido contrario, lleva consigo una disminución de la demanda unitaria de trabajo. En términos de empleo, el resultado neto depende 6 Sobre los cambios que induce el paso a la “cuaternarización” véase Laan y Ruesga (1997). Livro.indb 214 03/02/2011 11:34:23 215 de ambos flujos: aumento de la demanda agregada al ganar en competitividad y descenso de la demanda unitaria al aumentar la productividad de los factores, en particular del trabajo, lo que llevaría a un descenso en la elasticidad empleo-producto. En última instancia, el crecimiento económico en España se está apoyando en la creación de empleo de baja cualificación o, lo que es lo mismo, la expan-sión productiva no es debida al crecimiento de la productividad impulsada por un más rápido ascenso e incorporación de I+D+i. Ello no redunda positivamente en la competitivi-dad de las empresas españolas, tanto en el exterior como en el interior y, a medio plazo, cuestiona incluso el crecimiento futuro de la economía. Tabla 4 - Distribución de la Población Ocupada (% sobre Total) 1990 1994 2007 2009 99,7 99,6 86,3 86,1 0,3 0,4 13,7 13,9 Trabajadores por cuenta propia 25,6 25,7 17,6 16,9 Empleador 3,8 4,6 5,5 5,7 Empresario sin asalariados o trabajador independiente 15,8 16,0 10,6 10,2 Miembro de cooperativa 0,8 1,0 0,4 0,2 Por nacionalidad Españoles Extranjeros Por situación profesional Ayuda familiar 5,3 4,1 1,1 0,9 Asalariados 74,1 74,0 82,3 83,0 Sector público 16,8 17,7 14.3 16,2 Sector privado 57,3 56,3 68,0 66,8 0,2 0,3 0,0 0,1 7,4 8,1 7,4 8,0 2 Técnicos y profesionales científicos e intelectuales 9,3 10,0 12,4 13,7 3 Técnicos y profesionales de apoyo 15,2 6,6 11,9 12,3 10,9 9,3 9,3 Otra situación Por tipología de ocupaciones 1 Dirección de las empresas y de la administración pública 4 Empleados de tipo administrativo 5 Trabajadores de servicios de restauración, personales, protección y vendedor de comercio 20,0 13,9 15,4 17,0 6 Trabajadores cualificados en agricultura y pesca 11,1 6,8 2,5 2,5 7 Artesanos y trabajadores cualificados de industrias manufactureras, construcción y minería, excepto operadores 25,4 18,2 16,5 13,9 8 Operadores de instalaciones y maquinaria: montadores 5,2 11,0 9,2 8,5 9 Trabajadores no cualificados 6,1 14,2 15,0 14,2 0 Fuerzas armadas 0,4 0,3 0,4 0,6 Fuente: Elaboración Propia del Autor con base en EPA (INE). Livro.indb 215 03/02/2011 11:34:23 216 El otro componente de la demanda de trabajo lo constituye la jornada de laboral. La jornada de trabajo para los asalariados está regulada doblemente en España, no así para otras categorías ocupacionales, de no asalariados. De un lado, el Estatuto de los Traba-jadores establece los límites máximos de la jornada ordinaria de trabajo para los trabaja-dores por cuenta ajena (cuarenta horas semanales), desde 1983; asimismo, regula el número máximo de horas extraordinarias a realizar (ochenta horas a lo largo del año) y, por último, establece los períodos mínimos de descanso. De otro lado, la negociación colectiva establece la jornada que se ha de realizar en cada ámbito concreto de negocia-ción, respetando, obviamente, los máximos y mínimos establecidos en el Estatuto de los Trabajadores. No obstante, los datos estadísticos señalan que la jornada efectiva de trabajo en España se sitúa entre las más altas de los países de la UE. Si bien la jornada media muestra niveles inferiores al límite máximo establecido para los asalariados en el Estatuto de los Trabajadores, considerando tan solo los asalariados tiempo completo, los datos superan ese mínimo legal7. Las estadísticas sobre jornada efectivamente trabajada que facilita la Encuesta de Población Activa muestran que algunos colectivos realizan jornadas muy largas con respecto a la jornada establecida como máxima. De manera destacada ocurre entre los trabajadores por cuenta propia, particularmente empleadores y autó-nomos. Pero también son frecuentes entre los asalariados las largas jornadas, habiéndose extendido en el sector privado la práctica de horas extras sin remuneración. Una de las características más singulares del mercado laboral español, por el lado de la demanda, por sus efectos sobre su propia estructura y sobre otras variables socioe-conómicas, hace referencia a los cambios habidos en el nivel relativo de estabilidad en el empleo. En la actualidad, mientras dos terceras partes de la población ocupada gozan de una elevada estabilidad en el empleo, el otro tercio está sometido a un importante grado de rotación derivado de las condiciones flexibles de acceso al mismo, que se han ido ex-pandiendo en las últimas décadas. Ello ha configurado una intensa dualidad en el mercado, marcando dos segmentos claramente diferenciados en cuanto a las características de los empleos en cada uno de los segmentos: el de empleo estable y el de empleo más flexible. 7 Las razones de este hecho están, por tanto, relacionadas con la fuerte expansión del trabajo temporal (que acapara las necesidades de flexibilidad productiva de las empresas españolas); la propia regulación de trabajo a tiempo parcial en España (modificada en varias ocasiones con el objetivo de potenciar el uso de esta modalidad contractual entre los asalariados) y los diferenciales de renta de las familias con respecto a otros países europeos (la renta disponible es más baja y por ello se requiere el concurso del salario a tiempo completo de dos o más miembros de la familia, a diferencia la situación en otros países comunitarios). (RUESGA BENITO, 2007). Livro.indb 216 03/02/2011 11:34:23 217 Tabla 5 - Empleos Flexibles en la UE (%) sobre Total Ocupación Empleo a Empleo temporal Trabajo autónomo tiempo parcial España UE-15 España UE-15 España UE-15 1987 15,6 .. 5,6 .. 18,8 1990 29,9 .. 4,8 … 16,7 1995 35,0 11,5 7,2 15,6 16,2 9,0 2000 32,4 13,6 8,0 17,5 12,2 8,2 2005 32,1 14,4 12,2 19,7 11,2 9,4 2008 29,3 14,4 11,8 20,4 10,7 9,1 Fuente: Elaboración Propia sobre Datos EPA y Eurostat. En este marco analítico conviene hacer referencia a cómo la flexibilidad laboral en España ha venido impulsada de forma intensa, aunque de forma asimétrica, por la refor-ma del nuevo marco institucional desarrollado desde 1980 en adelante8. Las formas de flexibilidad desarrolladas en España desde los primeros años de la transición democrática, tras la primera reforma laboral (1983-84), (RUESGA; VALDÉS DAL RÉ; ZUFIAUR NARVAIZA, 2005) se han concentrado en la flexibilidad cuantitativa externa, y, particular-mente en la contratación, es decir en el inicio de la relación laboral, lo que ha sido consi-derado como un proceso de flexibilización asimétrico con consecuencias desestabilizado-ras para el funcionamiento del mercado laboral (dualizando el mercado de los asalariados, con impactos negativos sobre la productividad del trabajo, etcétera). En efecto, a partir de la reforma del Estatuto de los Trabajadores, promulgada en 1983, por la que se introducen incentivos a la contratación temporal, la cifra de empleos temporales sobre el total de asa-lariados creció espectacularmente, convirtiéndose tal camino en el mecanismo fundamen-tal de flexibilidad cuantitativa del mercado laboral español. Posteriores reformas de la regulación del mercado han tratado o bien de abrir el ámbito de la flexibilidad cuantitativa externa a otras partes de la relación laboral (despidos colectivos, por ejemplo), o bien incentivar la contratación por tiempo indefinido, o bien impulsar la flexibilidad cuantitativa interna, actuando sobre la jornada (contratación a tiempo parcial, ordenación irregular de la jornada etcétera), o bien promover otras formas de flexibilidad (salarial o funcional). Y ya sea por lo limitado de tales reformas e incentivos o porque, como apuntan algunos trabajos recientes, se ha instalado en el mercado laboral español una especie de “cultura 8 Para un análisis “in extenso” de la reforma laboral en España, desde diversos ángulos analíticos se puede consultar Ruesga; Valdés dal Ré y Zufiaur Narvaiza (2005). Livro.indb 217 03/02/2011 11:34:23 218 la temporalidad”9 que resulta sumamente difícil de erradicar, el resultado es que la contratación temporal en España sigue afectando a un tercio de los asalariados españo-les10. Como resultado de toda esta dinámica de transformaciones en el mercado laboral español se ha ido perfilando en el mismo un alto nivel de dualidad que diferencia entre los ocupados con empleo estable, con mayor o menor grado de protección legal (mercado primario), y un amplio segmento de ocupados con formas más flexibles (mercado secun-dario) sujeto a los vaivenes de la demanda específica de cada mercado particular. En este segundo mercado se desenvuelven desde los asalariados temporales a los trabajadores a tiempo parcial, pasando por los autónomos insertos en sucesivas cadenas de subcontratación y, en el último eslabón, los trabajadores irregulares (“sin papeles”, “ilega-les”, “ocultos”, “piratas”, etcétera). En la perspectiva comparada, el mercado laboral espa-ñol supera en más de diez puntos porcentuales en importancia relativa (respecto al total del empleo) en estas formas de flexibilidad a la media del mercado europeo. En el caso de la población asalariada tal proceso de flexibilización ha conducido a una situación en la que soportan una elevada y creciente rotación de la mano de obra. Cerca de la tercera parte de la población asalariada ocupada permanece menos de dos años en el mismo empleo, lo que contrasta de forma notable con la situación existente a este respecto hace tres décadas. Este modo de flexibilización de la relación laboral a través de la temporalidad contractual puede estar teniendo efectos perversos en el terreno de la acumulación de capital humano en las empresas, en suma, en su dinámica de productividad laboral y total. Tabla 6 - Distribución de la Población Ocupada Asalariada según el Tiempo de Permanencia en el Empleo Actual (% sobre Total) 2006 Tiempo de permanencia Porcentaje sobre el total Menos de 3 meses 6,4 De 3 a 5 meses 4,6 De 6 a 11 meses 6,6 De 1 a 2 años 10,9 De 2 a 3 años 8,5 De 3 a 6 años 17,2 6 años o más 45,9 Fuente: Elaboración Propia sobre Datos EPA. 9 Véase Toharia (2005). 10 Tras el acuerdo suscrito en 1997 entre los interlocutores sociales, para la Estabilidad en el Empleo, se produjo una cierta inflexión a la baja de las cifras de temporalidad en el mercado laboral español. Sin embargo, tal efecto duró pocos años, pues a partir de 2002 se produce un nuevo ascenso de la tasa de temporalidad hasta llegara a un treinta y cinco por ciento de los ocupados asalariados. Cabe atribuir este ascenso al comportamiento de la contratación en las administraciones y organismos públicos donde se ha experimentado un crecimiento intenso de la temporalidad frente a un ligero descenso en el sector privado. Livro.indb 218 03/02/2011 11:34:23 219 Los mercados laborales mantienen niveles de desequilibrio en su funcionamiento, entre oferta y demanda, observables en diferentes planos analíticos: a) cuantitativo, que hace referencia al exceso de oferta sobre la demanda, situación habitual en los mercados, con mayor o menor intensidad; b) espacial, relativo a los comportamientos diferenciados de los mercados laborales según áreas geográficas y c) ocupacional, que expresa dife-rencias entre oferta y demanda por tipos de ocupaciones, que es, en definitiva el ámbito donde se articulan y definen los mercados de trabajo. Pueden, sin duda, identificarse otros planos analíticos, pero éstos son los fundamentales a efectos de entender la dinámica y resultados de los mercados de trabajo nacionales11. Tal es el caso del comportamiento del mercado de trabajo español, que muestra una reducción sustancial del nivel estadístico del desempleo a partir de 1994, habiendo disminuido desde entonces la tasa de paro en quince puntos porcentuales. Durante dos décadas la tasa de paro en España se situó en la cabecera de los países occidentales, mostrando un profundo desequilibrio en el mercado de trabajo nacional. Pero todo lo ga-nado se perdió casi en su totalidad en el breve periodo que va desde 2007 a 2009, donde se pasó de tasas de desempleo por debajo de los dos dígitos a acercarse peligrosamente al veinte por ciento. El desempleo es un fenómeno heterogéneo que afecta de manera diferente a distin-tos colectivos y territorios. En el caso español, el desempleo afecta en mayor medida a mujeres, jóvenes y trabajadores con menor nivel de cualificación y, actualmente, a los trabajadores inmigrantes, mostrando de forma muy gráfica las líneas de segmentación del mercado laboral español. Más allá de los desequilibrios cuantitativos de los mercados laborales, se observan otros tipos de “patologías” en su funcionamiento, con importantes implicaciones tanto para su propia dinámica, más o menos armónica, como para el desa-rrollo con estabilidad del propio orden socioeconómico. Una de tales patologías hace refe-rencia a las importantes diferencias espaciales, que se observan tanto en la estructura como en la dinámica del mercado de trabajo. 11 Durante los años ochenta del pasado siglo una abundante literatura económica se concentró en la estimación de la tasa natural de paro en los países desarrollados; particularmente, en el caso europeo esta tasa parecía adaptarse a una realidad donde la tasa estimada de paro se mantenía durante un largo periodo en cifras muy elevadas. Se analizaron múltiples factores para explicar el porqué de una tasa de equilibrio de paro elevada y con tendencia ascendente; en general las explicaciones giraron en torno a la presencia de diferentes instituciones que conferían mayor rigidez al funcionamiento del mercado de trabajo (sindicatos, normas laborales, subsidio de desempleo, etcétera); en suma, ponían el énfasis en factores por el lado de la oferta. (GREEN, 2001). Cuando a partir de mediados de los noventas la tasa de paro inicio una senda descendente, el debate se centró en determinar cuáles eran las causas de la volubilidad de dicha tasa y de su posible variación a la baja, ofreciéndose múltiples interpretaciones; ello ha llevado a que “se haya puesto en cuestión la utilidad de la NAIRU como concepto” (GREEN, 2001) para explicar la causalidad del desempleo y su dinámica. Livro.indb 219 03/02/2011 11:34:23 220 En el contexto español se puede comprobar cómo las diferencias regionales en cuanto a la utilización del recurso trabajo disponible no han sufrido alteraciones significati-vas en estas dos últimas décadas; no habiendo cambiado de forma significativa las posi-ciones relativas, al menos en lo que hace a las posiciones de cabecera y postreras. Así, tradicionalmente, las tasas de empleo más reducidas se sitúan en Andalucía, Extremadura y Asturias, mientras que las más elevadas las registran Baleares, Madrid, Cataluña, Navarra y La Rioja. Tales diferenciales se observan también, con tendencias semejantes, al analizar algunas de las características de la demanda de trabajo, como el nivel de flexi-bilidad del empleo, registrándose niveles superiores en las regiones con mayores des-equilibrios laborales y menor tasa de empleo. En el orden interpretativo de tales diferencias en el comportamiento de los mercados laborales espaciales, las variaciones en cuanto a la estructura sectorial del producto tiene escaso poder interpretativo; habría que acudir al análisis de las diferentes capacidades productivas del conjunto de los tejidos regionales, en definitiva a los factores que afectan a la dinámica de la productividad del trabajo, para obtener una explicación más relevante de tales diferencias12. La importancia del trabajo en una economía no es debida tan solo a la cuantía del mismo disponible y utilizado sino que también y, de modo destacado, depende de sus cualidades desde la perspectiva del sistema productivo. Así pues la cualificación del tra-bajo se puede observar desde una doble perspectiva: de un lado, en las características de la oferta y, de otro, en el contenido cualitativo de la demanda laboral, de los puestos de trabajo. Las diferencias entre una y otra definen los desajustes ocupacionales que pueden existir en un mercado de trabajo, desequilibrio que puede contribuir a explicar, al menos en parte, la persistencia de elevadas tasas de desempleo, si tal desequilibrio crece con el tiempo. Una forma de aproximarse a las características de la oferta en materia de cualifica-ción consiste en medir el nivel educativo de la población, asumiendo que el nivel formativo reglado alcanzado por la población activa es una variable proxy de la cualificación de la mano de obra. Bajo esta perspectiva, lo que se observa en el caso español es un fuerte crecimiento del nivel cualitativo de la oferta laboral (al menos en lo que a educación formal se refiere). Así, en el período 1987-1996, la población activa (oferta) con estudios universitarios aumento en casi cinco puntos porcentuales, en tanto que la ocupación (de-manda) lo hizo en casi seis, estableciéndose un desajuste al final del periodo de 1,3 puntos porcentuales. Al final del periodo, la oferta y la demanda de trabajo con estudios superiores se situaba, respectivamente, en un 32,1 y un 35,4 por ciento de los totales respectivos, con un desfases entre ambas inferior al punto porcentual. A pesar de las diferentes 12 Véase Informe de la Comisión de Expertos para el Diálogo Social (2005). Livro.indb 220 03/02/2011 11:34:23 221 categorías utilizadas por la EPA para los dos periodos considerados, parece que el desajuste, medido en estos términos, habría disminuido ligeramente en la última década. En todo caso estos datos lo que ponen de manifiesto es una ralentización en el avance de la cualificación de la demanda de trabajo, cuestión que se ponía de manifiesto más arriba, al analizar las características de la demanda de trabajo. Con otros formas de medición las conclusiones, podrían ser semejantes a las aquí expresadas13. Tabla 7 - Oferta y Demanda de Trabajo por Nivel Educativo % de Personas con Estudios Universitarios y Otros Superiores sobre Total 1987 1996 2007 2009 Demanda de trabajo (población activa) 10,6 15,6 31,8 32,1 Oferta de trabajo (población ocupada) 11,0 16,9 32,9 35,4 Fuente: Elaboración Propia del Autor sobre Datos EPA (INE). Retribuciones y los Costes Salariales Como se ha dicho, el coste del trabajo es una de las partidas más significativas de los costes de producción de la mayoría de las empresas, al tiempo que constituye la fuente fundamental de ingresos para la mayor parte de la población. Por ello, desde la pers-pectiva empresarial, una gestión eficiente tratará de minimizar el coste del trabajo utilizado para cada unidad producida (coste laboral unitario, CLU), mientras que en la óptica del trabajador, su objetivo será obtener el máximo posible de renta total en términos reales (compensación real por empleado, CRE). Los primeros, los empresarios, habrán de con-templar por tanto, el total de costes que implica para la empresa la utilización de cada unidad de trabajo en relación con su rendimiento; en el segundo, los trabajadores, su refe-rencia estará en el total de ingresos obtenidos por cada unidad de trabajo con relación a la evolución de los precios al consumo. 13 Véase Consejo Económico y Social (2005). Livro.indb 221 03/02/2011 11:34:23 222 Tabla 8 - Tasa Anual Acumulada de Incremento en el Periodo 1995-2009 (en %) Remuneración real por empleado Unión Europea-15 España 9,1 -0,9 Costes laborales unitarios reales Unión Europea-15 España -2,0 -6,4 Fuente: Elaboración Propia del Autor sobre Datos Eurostat. Las diferencias entre las dinámicas respectivas de estas dos variables, compensa-ción real por asalariado y coste laboral unitario, se explican por la productividad del factor trabajo. Esto permite entender la singularidad que se produce en el caso español con res-pecto la situación media de los países de la UE-15. En España, tanto la remuneración real por empleado como los costes laborales unitarios han descendido en la última década, en tanto que en el conjunto de la UE-15, las remuneraciones han crecido en este período y los CLU han disminuido ligeramente en términos reales. Dada la vinculación de la dinámica salarial con la marcha de la productividad aparente del factor trabajo, observable y contrastable en el caso español,14 el estancamiento de ésta explicaría la depreciación salarial registrada en ese lapso temporal. En suma, el avance de los empleos temporales y de baja cualificación arrastra consigo una caída de los salarios reales medios y un avance relativo de la posición competitiva de las empresas españolas vía costes, que, sin embargo, no ha de ser suficiente para competir internacionalmente en los mercados de bienes y servicios intensivos en el uso del factor trabajo. Otro aspecto relevante a señalar, referido a la evolución salarial, hace referencia a las diferencias que se registran en entre diferentes categorías de trabajadores, en función de diferentes líneas de segmentación que operan en los mercados laborales. Una primera se refiere a las diferencias salariales en razón del género. Recientes estadísticas señalan que el salario medio de los varones en 2004 era un 15,7 por ciento mayor que el de las mujeres. Y el segundo aspecto singular en este terreno se refiere a las diferencias salaria-les en razón de la cualificación. Sabido es que la cualificación es un factor determinante de la remuneración salarial, en tanto que una mayor cualificación reflejaría un mayor po-tencial productivo por parte del trabajador que la posee. 14 Véase Ruesga y Silva Bichara (2006). Livro.indb 222 03/02/2011 11:34:24 223 Las instituciones laborales El marco regulatorio de las relaciones laborales se asienta en un modelo de tipo eu-ropeo continental, apoyado sobre una sólida base normativa, construida a partir de 1977, sobre la base de un proceso robusto y continuo –con altibajos– de diálogo social. El mo-delo se asienta, por tanto, sobre tres pilares básicos: a) Una extensa regulación normativa que abarca prácticamente todos los ámbitos de la relación laboral. No obstante, a medida que el modelo ha ido desarrollán-dose, con reformas de la normativa de por medio, han ido aumentando los ámbitos laborales cuya regulación se traslada desde la normativa (regulación legal) hacia la negociación colectiva (regulación convenida), siguiendo pautas habituales en los países centroeuropeos. De esta forma el mecanismo de la negociación colectiva (de alcance inicialmente microeconómico) ha ido ganan-do relevancia en el caso español, como modulador incluso de la propia regula-ción de las relaciones laborales en general, dado el carácter de eficacia gene-ralizada que los convenios colectivos tienen en la legislación española y las crecientes atribuciones conferidas a este instrumento en las sucesivas reformas laborales habidas, hasta alcanzar la propia praxis del diálogo social. b) El diálogo social, desarrollado de forma intensa y extensa, desde inicios de la transición política en 1977. A través de sucesivos pactos sociales de diferente alcance y contenido, los interlocutores sociales (organizaciones empresariales y sindicatos) han tenido una presencia decisoria en las sucesivas reformas de la legislación laboral (aunque no en todas las ocasiones), en el diseño e incluso en la aplicación de las políticas económicas de alcance más general y, con incidencia más o menos explícita en el tejido de las relaciones laborales. c) Las políticas de mercado laboral, tanto activas como pasivas. La política económica desarrollada a lo largo de este periodo en España acentúa también los requerimientos de una reforma laboral que contribuya a la generación de empleo, dado que, salvo en los años más recientes, aquella –la política económica– tuvo un efecto contractivo sobre la actividad productiva, a la búsqueda del equilibrio macroeconómico. No obstante, la entrada en el euro y la estabilidad macroeconómica Livro.indb 223 03/02/2011 11:34:24 224 subsiguiente han derivado en una larga época de bajos tipos de interés que han contribuido de forma singular al dinamismo económico de los últimos diez años.15 En consecuencia, el mercado laboral español ha estado sometido los últimos treinta años a un proceso continuado de cambios y, al tiempo, de reformas en su regulación legal. Este proceso constituye una realidad que ha ido trasladando impulsos de muy distinto signo al sistema económico y que, en sus grandes coordenadas, ha seguido pautas simi-lares a las desarrolladas en los diversos procesos de reforma del marco de relaciones laborales que han tenido lugar en la mayoría de los países europeos. En el caso español, se podrían distinguir tres fases en el proceso de reforma laboral llevado a cabo en las tres últimas décadas: 1ª FASE: Consolidación democrática (1977-1982) 2ª FASE: Ajuste y reforma (1982-91) 3ª FASE: Reformas consecutivas: 1º PERIODO: 1992-96 2º PERÍODO: 1997-2004 3º PERIODO: 2004- actualidad Si hubiera que sintetizar estos procesos de reforma, cabría señalar que han estado caracterizados por una búsqueda permanente de mayor flexibilidad en las relaciones la-borales, aunque tales intentos de flexibilización se han traducido en cambios en la regula-ción de muy distinto tipo en los diferentes países europeos. En general, el objetivo de estos procesos de reforma de las relaciones laborales ha estado centrado en la búsqueda de un sistema productivo con una mayor capacidad de adaptación a los rápidos cambios que se producen en las cantidades y cualidades de la demanda de bienes y servicios, a instancias, en buena medida, del acelerado proceso de cambio técnico. Esa volatilidad de la demanda ha introducido en las empresas una mayor exigencia de flexibilidad que se ha trasladado, casi de forma inmediata, al sistema de relaciones laborales. La inestabilidad de la demanda a la que se enfrentan las empresas, exige de ellas una capacidad productiva cambiante en términos de cantidad y de cualidad, exigencia que las diversas estrategias empresariales han ido convirtiendo en plantillas variables en su cantidad y sujetas a un proceso continuo de cualificación y recalificación. 15 Un análisis más detallado de la incidencia de la política económica sobre el proceso de reforma laboral se puede encontrar en Segura (2004). Livro.indb 224 03/02/2011 11:34:24 225 En una primera etapa legislativa, se desarrollan las normas de carácter democrático en el campo de las relaciones laborales, acorde con los principios establecidos en la Constitución Española de 1978, al tiempo que se va derogando la normativa vigente du-rante el régimen autoritario anterior. Esta legislación se materializa en 1980, con la pro-mulgación del Estatuto de los Trabajadores. Tal norma, junto con las posteriores Básica de Empleo (1981) y Orgánica de Libertad Sindical (1986), constituye el tronco básico de la legislación laboral española, que se irá completando con otros instrumentos jurídicos. Livro.indb 225 Norma Fecha R.D.L. /1977 4/03/1977 Modificaciones introducidas. Relaciones de Trabajo Ley 8/1980 10/03/1980 Estatuto de los Trabajadores Ley 14/1983 29/06/1983 Reducción de la jornada laboral máxima Ley 32/1984 2/08/1984 Flexibilización de la contratación temporal; fomento de la contratación temporal con subvenciones Ley 10/94 19/05/1994 Medidas urgentes de fomento de la ocupación. Ley 11/94 19/05/1994 Flexibilidad de la relaciones laborales individuales (entrada, interna y de salida) y potenciación de la negociación colectiva y mejora de sus contenidos. Ley 14/94 1/06/94 Supresión del monopolio del INEM en materia de contratación y creación de Empresas de Trabajo Temporal (ETT´s) Ley 31/1995 8/11/195 Ley de prevención de riesgos laborales Ley 63/1997 26/12/1997 Medidas para el fomento de la contratación indefinida (procede del Acuerdo sobre Estabilidad en el Empleo) R.D.L. 15/1998 27/11/1998 Nueva regulación del contrato a tiempo parcial (Acuerdo sobre el Trabajo a Tiempo Parcial) Ley 12/2001 9/07/2001 Medidas urgentes contra las excesivas tasas de temporalidad y modificación de la regulación de la contratación a tiempo parcial R.D.L. 5/2002 24/05/2002 Reforma protección por desempleo (denominado “decretazo”) Ley 32/2002 5/07/2002 Igualdad de género R.D.L. 45/2002 12/12/2002 Medidas Urgentes para la reforma del sistema de protección por desempleo y mejora de la ocupabilidad. Sigue 03/02/2011 11:34:24 226 R.D.L 5/2006 9/06/2006 Reforma mercado laboral (procede del Acuerdo para la mejora del Crecimiento y el Empleo). Incluye medidas para la promoción de la contratación indefinida, mejorar la utilización de la contratación temporal, las prestaciones del Fondo de Garantía Salarial y la transparencia en la subcontratación de obras y servicios, la protección por desempleo de colectivos específicos y su delimitación respecto de la cesión ilegal de trabajadores Cuadro 1 - Principales Reformas de la Legislación Laboral Fuente: Elaboración Propia del Autor a partir de Sala Franco (2005). La secuencia temporal de las sucesivas reformas –cambios legislativos– muestra, no obstante, objetivos instrumentales cambiantes en el tiempo. Si bien el objetivo final de todo el proceso de reforma es la búsqueda de mayores tasas de creación de empleo, los objetivos instrumentales son diversos. Existen diferencias importantes en este terreno entre los diferentes hitos legislativos que conforman la reforma laboral en España a lo largo del periodo analizado. La primera modificación del Estatuto de los Trabajadores, en 1984, tiene un solo objetivo instrumental definido: la instauración de un régimen de flexibilidad contractual que promueva la creación de empleo. Se legisla el contrato temporal de fomento de empleo, subvencionándose la contratación por tiempo definido y suprimiendo, prácticamente, la causalidad a la que venía estando sujeta la realización de contratos temporales. El efecto de esta reforma hacia una flexibilidad parcial y sesgada (en el con-trato) fue una espectacular expansión de los contratos temporales que alcanzan en un corto espacio de tiempo los niveles más elevados de toda la Europa comunitaria, con dife-rencias acusadas. La segunda reforma legislativa, en 1994, tratará de reaccionar contra los “excesos” generados en materia de contratación temporal, que había introducido una fuerte dualidad en el mercado laboral entre contratados fijos y temporales. Se da por acabado el meca-nismo de subvención a los contratos temporales – reinstalando el principio de causalidad en la contratación temporal – y, en segundo lugar, se propician reformas laborales que tratan de dotar de mayor flexibilidad al marco regulatorio en otros ámbitos de la relación laboral: flexibilidad durante la prestación –flexibilidad funcional o geográfica– y al final de la misma – despido –. No obstante, esa reforma introduce también otros elementos de flexibilidad en la contratación, no contemplados hasta entonces (empresas de trabajo temporal, de cesión de trabajo y agencias privadas de colocación) que incidirán sobre las características de la temporalidad (mayor rotación de las plantillas). Livro.indb 226 03/02/2011 11:34:24 227 El tercer episodio de reforma laboral, en 1997, en este caso pactada con los interlo-cutores sociales, incide aún más contra los excesos de la temporalidad, instaurando –a través del Pacto para la Estabilidad en el Empleo– una nueva figura contractual subven-cionada para promover la contratación por tiempo indefinido.16 En la cuarta reforma labo-ral de calado profundo, llevada a cabo en 2001-2002, promulgada tras el fracaso de intento de concertación social, se centró en “la lucha contra lo que denomino en su Exposición de Motivos excesiva temporalidad existente”17. La reforma contiene como elemento esencial una nueva regulación del contrato a tiempo parcial, que flexibiliza su uso, y completa con el denominado “decretazo”, en el cual se modifica el sistema de protección por desempleo, dificultando las condiciones de acceso al mismo. La última reforma de calado llevada a cabo, hasta la fecha, es la que se recoge en el Real Decreto Ley (RDL) 5/2006. Es el fruto del proceso de concertación social iniciado en julio de 2004 que incorpora un abanico amplio de acuerdos sobre reformas en el mercado laboral, que van desde pactos sobre formación profesional hasta la modificación de los incentivos a la contratación indefinida, pasando cambios importantes en la fijación del Salario Mínimo Garantizado. (CONSEJO ECONÓMICO Y SOCIAL, 2006). En la vertiente estricta del marco regulatorio de las relaciones laborales, la reforma se concreta en el acuerdo de 9 mayo de 2006, reflejado en el RDL citado, en el que se recogen tres tipos de medidas, básicamente: 1) sobre fomento de la contratación indefinida, 2) sobre y 3) sobre mejora de los mecanismos de inspección del trabajo. Es en esta perspectiva temporal en la que se puede introducir la idea de proceso de ida y vuelta, en la medida en que los objetivos instrumentales originales, flexibilidad en la contratación, se rechazan en el periodo más reciente, alterándose la orientación de las modificaciones legislativas hacia una mayor estabilidad en el empleo, acompañándose de mayor flexibilidad en otros ámbi-tos de la relación de trabajo. En síntesis, se podría afirmar que las reformas laborales habidas han estado guiadas por un criterio de corte cuantitativista, por el lado del empleo, considerando como prioridad absoluta el incremento del volumen de trabajo contratado (de personas ocupa-das) y no tanto la calidad del mismo. En segundo lugar, entrando en el detalle de los con-tenidos, se ha hecho un especial hincapié en aumentar la flexibilidad externa de la relación laboral (los mecanismos regulatorios de la entrada y la salida de la actividad) en de-trimento de la flexibilidad interna, en el 16 El contrato de fomento del empleo estable se subvenciona a través de la reducción en el monto de indemnización por despido para los trabajadores acogidos a esta nueva figura contractual; de hecho supone en la práctica el intercambio de algo más de estabilidad por algo más de flexibilidad en el despido. 17 Sala Franco (2005, p. 266). Y, el profesor Sala Franco continúa afirmando que “Sin embargo, las medidas adoptadas en esta línea fueron claramente insuficientes, tratándose de reformas de deta-lle”. Livro.indb 227 03/02/2011 11:34:24 228 ámbito de la empresa. Incluso durante un lapsus largo de tiempo las denominadas políticas activas del mercado de trabajo han estado actuando, en parte, al servicio de este enfoque, subvencionando, por ejemplo, la contra-tación por tiempo definido. Bien es verdad que a partir de 1994 se ha intentado frenar el avance de la temporalidad, con no demasiado éxito, en aras, sobre todo, de eliminar los efectos de segmentación generados en el mercado laboral y las sinergias perversas sobre la dinámica de la productividad del trabajo. En un segundo nivel, la flexibilidad externa se ha reforzado de forma singular tras la vigencia de la Ley 45/2002, que autoriza a la empresa a llevar a cabo un a modo de despido-express, reconociendo la improcedencia del cese y poniendo a disposición del trabajador la indemnización legislada para esta categoría de despido (45 días por año de antigüedad, con máximo de 42 meses de percepción). Con este cambio legislativo se introduce la posibilidad del despido “acausal”, en definitiva el despido libre con indemni-zación. Esta línea de reformas ha arribado en una nueva situación regulatoria, radical-mente distinta de la existente en los albores del régimen democrático, allá por 1978, de modo tal que no sería hoy muy ajustado a la realidad seguir afirmando que el sistema español de relaciones laborales sigue siendo muy rígido, altamente protector del empleo. Las dificultades de las empresas para ajustar sus plantillas a la coyuntura de la demanda, se han reducido de forma notable, de modo tal que contamos con un acelerado incremen-to del número de despidos en los últimos años, incluso en una fase de crecimiento económico18. A pesar de lo que siguen señalando los informes de la OCDE sobre la rigi-dez en el empleo, en el caso español, la situación dista bastante de lo que parecen poner de manifiesto –en términos comparativos- los indicadores que elabora esta institución19. 18 Véase a este respecto lo que señalan Malo y Toharia (2007, p. 8-9). En Comisión de Expertos para el Diálogo Social (2005, p. 136): se apunta también como “el número de despidos ha crecido de forma notable en los últimos años”. 19 Los indicadores que elabora este organismo son de carácter nominalista, apoyándose en la letra de las respectivas le-gislaciones en materia de contratación, despido u otros elementos que inciden en el grado de flexibilidad de las relacionales laborales; además, se definen con una interpretación altamente subjetiva, sobre la aportación de cada ítem considerado al grado de rigidez de las relacionales laborales. La práctica efectiva en cada caso concreto, que podría indicar de modo más real las dificultades de las empresas para adecuarse a la evolución de sus demandas, no se contemplan. Otros índices elaborados con la misma finalidad cambian bastante esta percepción de máximo grado de rigidez laboral (particularmente en lo que a ajuste de plantillas se refiere). Y, en cualquier caso, la propia OCDE ha calificado la posición española como intermedia en el ranking de protección del empleo fijo. (OCDE, 2004, p. 72). O más tarde ha reconocido de forma explícita: “en 1994 la OCDE presentó el informe Jobs Study, analizando las causas del alto desempleo en Europa. Este estudio identificaba como inapropiadas las regulaciones laborales y la legislación como factores determinantes del alto desempleo. La OCDE recomendó la desregulación y la liberalización de las instituciones laborales como remedio. Sin embargo, nuevas investigaciones empíricas han explorado la influencia de las instituciones laborales sobre el desempleo y han confirmado solo parcialmente las recomendaciones del Jobs Study. En una reevaluación, la OCDE ahora concluye que diferentes combinaciones de instituciones puede impulsar un buen comportamiento del mercado de trabajo. Como en los países es-candinavos, Austria es un país con fuertes instituciones laborales y un bajo nivel de desempleo.” (STIGLBAUER, 2006, p. 58). Otros informes abundan en esta perspectiva; véase a este respecto, por ejemplo, UGT (2010) e Gaelle y Scarpetta (2004). Livro.indb 228 03/02/2011 11:34:24 229 El resultado de esta línea de desarrollo de las reformas laborales habidas es que se han intensificado (o ha contribuido a exacerbar) las características de un modelo pro-ductivo de baja productividad. Dicho de otro modo, se ha optado por una estrategia de competencia en costes laborales absolutos, tratando de reducir el coste por hora, y no, como debiera entenderse desde una perspectiva del desarrollo a medio/ largo plazo, de costes laborales unitarios, es decir impulsando su reducción a través del incremento de la productividad. La escasa intensidad inversora en investigación, desarrollo tecnológico e innovación (I+D+i) por parte de las empresas españolas muestra sus preferencias por los ajustes de costes nominales, más que por la estrategia de control de los costes unitarios. El deterioro creciente de la competitividad internacional de la economía española es una consecuencia de tal comportamiento empresarial. Denominación del Pacto Social Año Tipo y contenido del acuerdo Entidades que suscriben el acuerdo Unión General de Trabajadores (UGT) y Confederación Española de Organizaciones Empresariales (CEOE) Acuerdo Básico Interconfederal 1978 Definición del marco de relaciones laborales democrático, que influirá en los contenidos laborales de la CE-78. Acuerdo Marco Interconfederal 1980 Acuerdo salarial Comisiones Obreras (CCOO), UGT y CEOE Acuerdo Básico para el Empleo 1981 Acuerdo salarial CCOO y CEOE Acuerdo Interconfederal 1982 Acuerdo salarial CCOO y CEOE Acuerdo Económico y Social 1985 Acuerdo salarial CCOO, UGT y CEOE Acuerdo para la Estabilidad en el Empleo 1997 Medidas para impulsar la estabilidad en el empleo CCOO, UGT y CEOE Acuerdo para la solución extrajudicial de conflictos laborales 1998 Establecimiento de mecanismos de arbitraje para la solución de conflictos laborales al margen de los tribunales CCOO; UGT y CEOE Establecen acuerdos salariales para el año en curso CCOO, UGT y CEOE Acuerdo Nacional para la Negociación Colectiva 2000-2008 Acuerdo para la mejora del Crecimiento y el empleo 2006 CCOO, UGT, CEOE y Gobierno Sigue Livro.indb 229 03/02/2011 11:34:24 Acuerdo para el Empleo y la Negociación Colectiva 2010 Establecen acuerdos salarias para un periodo de tres años CCOO, UGT y CEOE Cuadro 2 - Principales Acuerdos Sociales Suscritos en España Fuente: Elaboración Propia del Autor. El método desarrollado en España, al igual que en la mayoría de los países de la UE-15, para ir modificando el marco regulador de las relaciones laborales, ha consistido en la práctica del dialogo social, entendido como un procedimiento de debate y puesta en común entre empresarios y sindicatos, con la presencia, en ocasiones, del gobierno ac-tuando como juez y parte. Instrumento que ha sido y es fundamental, no sólo para la mo-dificación del marco de regulación de las relaciones laborales, sino también para la propia estabilidad del sistema político y económico, aspecto este último puesto de manifiesto en las duras condiciones políticas y económicas de la transición española (1976-86).20 Incluso en los momentos en los que la concertación está ausente, se erige en la protagonista del momento, precisamente por su ausencia.21 Fue un papel, el de la concertación social, singular en términos de estabilidad política y social, que fue preciso para afianzar una dinámica de crecimiento continuado de la formación bruta de capital, vía atracción de in-versiones externas o vía estimulo al ahorro interno. Adicionalmente, desde la perspectiva del ajuste del mercado de trabajo y de la subsiguiente política económica de equilibrio aplicada, la concertación social introduce moderación salarial de manera más o menos sistemática y asume, al menos implícitamente y en parte, el contenido de las diferentes reformas estructurales, que también habrán de redundar en moderación relativa de los costes laborales. 20 Buena parte del proceso de transformación de las normas laborales ha sido concertado entre empresarios y trabajadores con los distintos gobiernos que en ese período hay en España. Connotación que afecta a la regulación, a los cambios en la regulación y a la política de rentas que condiciona el desarrollo de la política social o del Estado del Bienestar y que tiene como consecuencia el logro de un elevado nivel estabilidad social y política, factor indispensable para la propia transición política. 21 Como ocurre en la reforma de 1994, promulgada sin el beneplácito sindical, que dio lugar, posteriormente, a una huelga general. Durante los 10 años de transición laboral, difícilmente podría explicarse el relativo clima de paz social reinante –aparte del episodio de intento de Golpe de Estado de febrero de 1981– sin acudir a la concertación social que impulsó las primeras fases de la reforma laboral y apoyó, en buena medida, la política económica de ajuste. Téngase en cuenta que estas primeras etapas de la reforma laboral, en paralelo a la transición a la democracia, se llevaron a cabo en un contexto de fuerte desequilibrio en el mercado de trabajo, con tasas de desempleo que alcanzaron en 1985 casi un veinticuatro por ciento. Livro.indb 230 03/02/2011 11:34:25 231 DIALOGO SOCIAL EN ESPAÑA 1ª FASE: Moderación salarial y construcción del Estado de Bienestar (1977-88) 2ª FASE: Ruptura del diálogo social (1988-1996) 3ª FASE: Diálogo social con reparos (1997-2004) 4ª FASE: Reconstrucción del diálogo social integral (2004- 2008) 5ª FASE: Ruptura del diálogo social (2009) Cuadro 3 – Diálogo Social en España Fuente: Elaboración Propria del Autor. Así pues, la concertación social ha definido, por un lado, las pautas fundamentales de la regulación del mercado laboral y sus sucesivas reformas – con excepciones de des-acuerdo de los interlocutores con el gobierno, que han acabado en reformas no pactadas – y por otro, ha marcado la pauta de la moderación sa larial característica esencial del comportamiento de los mercados laborales en las últimas tres décadas. Los diferentes acuerdos alcanzados con dimensión nacional han participado de estas dos dimensiones reguladora y salarial. En un segundo plano, se ha de hacer también mención a la concer-tación social institucionalizada que se materializa en el continuo proceso de diálogo entre los interlocutores sociales que se lleva a cabo o bien, con carácter general, en el Consejo Económico y Social o bien, con carácter más específico, según funciones o territorio, en diferentes organismos de las Administraciones publicas en cuyos consejos están presentes los interlocutores sociales (Consejo del INEM, de la Seguridad Social...) o en los Consejos Económicos y Sociales de la Comunidades Autónomas. Las diferencias en los resultados que derivan de distintos tipos de negociación colectiva se pueden apreciar en el incremento salarial resultante de los convenios negociados en el ámbito empresarial y aquellos otros que lo son en un ámbito superior (en un sector económico, para una pro-vincia, una comunidad autónoma e incluso en todo el estado). En aquellos se observa como el crecimiento salarial pactado en los convenios de empresa suele ser ligeramente inferior a los registrados en los convenios de ámbito superior. Una cuestión adicional que muestra la experiencia pasada relativa a los instru-mentos de la reforma laboral: se ha podido comprobar que la eficacia en su aplicación ha sido siempre más elevada en los episodios de reforma logrados a través del diálogo social y con acuerdos entre los interlocutores sociales, que cuando los cambios se han llevado a cabo a través de decisiones unilaterales de los gobiernos de turno. (RUESGA, 2005). Livro.indb 231 03/02/2011 11:34:25 232 El tercer elemento importante que incide en este proceso de cambio en las relacio-nes laborales es la política laboral.22 En dos planos diferenciados: uno, primero, de cambio normativo para introducir modificaciones importantes en la relación laboral y otro, se-gundo, de implementación y desarrollo de las políticas laborales activas. Es decir, inter-venciones arbitrarias desde el ámbito de lo público para modificar ciertos aspectos de la dinámica laboral, bien desde el lado de la demanda incentivando la generación de empleo o bien, desde el lado de la oferta, fundamentalmente con la cualificación de la mano de obra, es decir, mejorando el capital humano. Desde el punto de vista de las modificaciones estructurales de las relaciones laborales, la línea de actuación no es muy distinta a la que se promueve en el resto de los países europeos, aunque sí con matices diferenciales importantes. El punto de arranque es la puesta en práctica de las políticas de oferta que se generalizan no solo en el ámbito europeo, sino también en otras áreas y países. No obstante, la ausencia de una política propia por parte de la UE, no ha de signi-ficar la inexistencia de una política laboral comunitaria.23 En éste como en otros muchos ámbitos de la política comunitaria, prima el principio de subsidiariedad y el diseño, la eje-cución y la financiación de las acciones políticas corren a cargo de las administraciones nacionales y regionales hasta, incluso, de las locales. La acción política comunitaria implica el diseño de estrategias comunes (mediante la definición de objetivos y el diseño de líneas de acción), la coordinación de las actuaciones nacionales y el seguimiento de su aplicación y la evaluación de los resultados alcanzados. La sensibilidad comunitaria en el terreno de la política laboral es relativamente reciente y se retrotrae al inicio de la década pasada. La política de estabilidad monetaria, en previsión de la creación de la Unión Monetaria, con los desafíos que lleva consigo en materia de empleo y, sobre todo, los altos niveles de desempleo, cosechados desde la década de los años setenta en la generalidad de los países europeos, requerían una respuesta política coordinada en el propio ámbito europeo. El debate condujo a la incorporación del empleo como un nuevo capítulo del Tra-tado (Título VIII), en Ámsterdam (1997), donde se identifica como una cuestión de interés común, invitando a los Estados miembros a desarrollar una estrategia coordinada para el empleo, en el ámbito europeo. Se reconoce el carácter estructural del paro en el Tratado de Maastricht y, a partir de aquí, se entiende como necesaria la realización de actuaciones públicas para revertir la situación, mediante estrategias de estabilidad macroeconómica, y políticas expresas contra el 22 Una revisión de este proceso se puede consultar en Ruesga (2002). Y uno de los primeros balances sobre este tema se encuentra en Fina Sanglas (1999). 23 Atendiendo a los datos presupuestarios, las políticas de mercado de trabajo, tanto activas como pasivas, son de carácter estrictamente nacional. Salvo el gasto que la Unión dedica al Fondo Social Europeo y a algunos programas comunitarios específicos, no se encuentran otras partidas del presupuesto comunitario orientadas a modificar las condiciones de desequilibrio de los mercados laborales. Extractado de: Ruesga; Pérez Ortiz y Silva Bichara (2005). Livro.indb 232 03/02/2011 11:34:25 233 desempleo. Es en la Cumbre de Luxemburgo, a finales de 1997, cuando se adopta la Estrategia Europea de Empleo. El objetivo fundamental se planteaba avances decisivos en el plazo de cinco años, que se cumplieron en el pasado 2002, especialmente en lo que se refiere al desempleo de larga duración y al desempleo de los jóvenes. En esta Cumbre se establece una Estrategia Europea de Empleo, en la que se definen los cuatro principios de actuación básicos que habrán de orientar su acción en el futuro: 1. Empleabilidad: necesidad de introducir mejoras en la capacidad de inserción pro-fesional, con el fin de llenar el vacío técnico; prevenir el desempleo de larga dura-ción y favorecer la inclusión de los grupos más desfavorecidos. Sustitución de polí-ticas pasivas por activas. 2. Desarrollo del espíritu de empresa: estimular el empleo autónomo, reduciendo la burocracia y señalando nuevas fuentes de empleo (desarrollar el potencial de acti-vidad del sector servicios) 3. Adaptabilidad: fomentar la capacidad de adaptación de los trabajadores y de las empresas a los cambios en el mercado laboral (modernizar la organización del trabajo, contando con los interlocutores sociales). 4. Igualdad de oportunidades: facilitar la entrada de más mujeres en el mercado de trabajo y la igualdad de trato en dicho mercado, y conciliación de la vida laboral con la familiar. Con posterioridad, en la Cumbre de Lisboa, 2000, y reuniones ulteriores de Jefes de Estado se han ido estableciendo un conjunto de objetivos para el decenio que se ini-ciaba, acompañados de una redefinición de la Estrategia Europea para el Empleo, in-sertándola en un marco más general de crecimiento y estabilidad económicos. Algunas Reflexiones sobre el Futuro del Mercado Laboral Español De la lectura de las páginas anteriores, se puede extraer una secuencia sintética de la evolución y de la situación actual de mercado de trabajo español. A partir de ahí, des-arrollando un esfuerzo sintético, es factible esbozar algunas de Livro.indb 233 03/02/2011 11:34:25 234 las líneas futuras de desarrollo del mercado y apuntar los retos que en el marco institucional aún están pen-dientes, en aras de alcanzar un mejor equilibrio interno en el propio mercado de trabajo y de dotarle de mayores cotas de eficiencia en su contribución al desarrollo económico ge-neral. La oferta tiene aún, en el plano cuantitativo, varías incógnitas a despejar. De un lado, la aún baja tasa de actividad femenina, que, de seguir las pautas de acercamiento a los estándares europeos aportará en los próximos años un contingente nutrido de mano de obra para integrar en el mercado laboral. En esta misma línea cabe esperar un aumento también de la tasa de empleo de la población activa mayor de cincuenta años, frenándose las salidas del mercado hacia la inactividad a edades tempranas. Y, por último, nos queda la incógnita de lo qué ocurrirá con el flujo de población inmigrante, tan activo en la última década. Aunque parece haberse frenado, al menos en términos relativos, el contingente anual de población que inmigra, no quiere ello decir que el flujo desaparezca de facto: al menos seguirá alimentándose de procesos de reagrupamiento familiar y, también de nuevas entradas, en tanto siga en expansión el actual modelo productivo sectorial, de demanda de mano obra no cualificada, de difícil concertación con la oferta nativa. En el terreno salarial, mientras la creación de empleo se concentre en los puestos de trabajo poco cualificados, el nivel salarial medio puede seguir una senda descendente, así como la participación de las rentas del trabajo en el PIB. Sólo la mejora en la cualifica-ción puede trasladar impulsos positivos al nivel salarial medio. No obstante, hay espacio para que desde el ámbito de la concertación social se promueva el crecimiento salarial (decretando mayores mínimos o pactando niveles superiores en los suelos de los conve-nios) lo que podría constituir, manejado adecuadamente, un estimulo a la innovación y cualificación de los puestos de trabajo, en suma a la búsqueda de mayores cotas de pro-ductividad. La reforma laboral sigue abierta y, sobre todo, tiene que seguir abordando los desequilibrios que aún persisten, en particular la dualización en la que está inmerso el mercado de trabajo español. La agenda de la reforma laboral aún tiene entre sus manos temas de singular trascendencia, que van desde la reducción de la temporalidad (más allá de los logros obtenidos tras las modificaciones legales introducidas con el último acuerdo social) hasta la siempre postergada reforma de la regulación de la negociación colectiva, en aras de alcanzar mayores cotas de productividad y de retribuciones salariales, y tra-tando de ordenar de manera más eficiente las relaciones laborales internas, en la pers-pectiva de ambos interlocutores sociales. Y, en el entreacto, a medida que la demanda de trabajo vaya transformando sus cualidades a instancia de un mayor esfuerzo en I+D+i, los interlocutores Livro.indb 234 03/02/2011 11:34:25 235 sociales y la polí-tica laboral han de incrementar los recursos invertidos en una mayor cualificación profe-sional de la mano de obra, la nativa y la importada recientemente y aún por llegar, así como en mejorar la eficiencia de las actuaciones, públicas y privadas, a ello encaminadas. REFERÊNCIAS CONSEJO ECONÓMICO Y SOCIAL. España 2004: memoria sobre la situación socioe-conómica y laboral. Madrid, 2005. ESPAÑA. Ministerio de Trabajo e Inmigración. Disponible en: <http://www. mtas.es/estadisticas/index.htm>. Acceso en: 2010. EUROPEAN COMISSION. Disponible en: <http://europa.eu.int/comm/employment_social/employment_analysis/index_en.htm>. Acceso en: 2010. FINA SANGLAS, L. Políticas activas y pasivas de empleo en la Unión Europea: os planes nacionales de acción para el empleo. 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Neste último caso, o foco e o investimento do trabalho sindical se voltam para os interesses clássicos do emprego e dos direitos trabalhistas adquiridos e consagrados no marco regulatório formal (leis, estatutos, costumes etc.). A empresa ou a organização passa a ser o principal locus de atuação do sindicato e também parâmetro contra o qual ele mede as suas realizações, suas vitórias e derrotas. O fenômeno de constituição de redes de trabalhadores em empresas multinacionais – incluindo nesse grupo empresas brasileiras que se internacionalizam e se tornam multinacionais quando se instalam em outros países – parece estar próximo desse segundo perfil, embora seja uma resposta à globalização e se autorrepresente como uma superação do sindicalismo tradicional, ainda muito apegado a um ponto de vista local e incapaz de enxergar as conexões econômicas e técnicas que estão para além da empresa (ou da fábrica). (MUNCK, 2000; WATERMAN, 2005; WATERMAN; WILLS, 2001). Resta saber se tal sindicalismo cosmopolita consegue fugir, de fato, de uma lógica administrativa e gerencial, recuperando sua vertente valorativa como ator coletivo a propor alternativas solidárias de organização produtiva e social, ou se acaba capturado pela pauta de uma reforma empresarial empurrada por atores sociais externos ao mundo do trabalho. Como em todas as principais economias do mundo, o sindicalismo no Brasil se vê corroído pela desafetação de suas bases, talvez mais moral do que quantitativa. Porém, essas circunstâncias não levaram forçosamente ao imobilismo ou 1 Trabalho anteriormente apresentado no 33.° Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), em Caxambu, outubro de 2009. 2 Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH)-USP. Livro.indb 239 03/02/2011 11:34:26 240 à insistência em um discurso politizado e doutrinário, completamente avesso às possibilidades de atuação dentro da ordem. Ao contrário, os últimos anos têm assistido a um notável esforço do movimento sindical em acompanhar as políticas públicas e influir, sempre que o assunto se refira direta ou indiretamente ao emprego, salário ou renda, na direção que essas políticas venham a tomar. Com a administração Lula (de 2002 até o presente), tal tendência se viu reforçada. Dentre as várias formas de intervenção nessa esfera, pode-se mencionar a participação no Sistema Público de Emprego, em particular os programas de qualificação profissional, subordinados ao referido sistema. No âmbito da relação privada entre empregados e patrões, o exemplo é a participação em redes de trabalhadores de empresas multinacionais. A seu modo, ambas as iniciativas terminam por interferir – direta ou indiretamente – nas estratégias de gestão das empresas. A hipótese aqui sustentada é de que, diante de tais iniciativas, as políticas de recursos humanos se veem frente a balizas que podem dificultar ou favorecer a adoção de um modelo global de Gerência de Recursos Humanos3. Neste texto, será a experiência das redes o alvo da análise. Obtenção de Dados Para a confecção deste trabalho foram utilizadas basicamente duas fontes de informação: entrevistas e participação direta em reuniões das redes. Foram feitas entrevistas com representantes de Recursos Humanos (RH) de duas grandes empresas da área químico-farmacêutica, ambas de capital alemão e com expressiva presença nesse segmento em nível mundial. Elas serão identificadas como Empresa A e Empresa B. Também foram realizadas entrevistas com sindicalistas do setor e com um pesquisador de uma Organização Não-Governamental (ONG). Foram acompanhados dois encontros das redes, um de cada empresa, ambos em São Paulo, transcorridos entre abril e junho de 2009. O Pano de Fundo das Redes de Trabalhadores de Empresas Multinacionais: A Responsabilidade Social As redes de trabalhadores organizadas em nível internacional (regional por ora; global na intenção) são parte de um repertório que inclui outras iniciativas onde os sindicatos buscam estar presentes e atuar de maneira concertada com 3 A sigla em inglês é International Human Ressource Management (IHRM), sem correspondência em português. Livro.indb 240 03/02/2011 11:34:26 241 Estados, empresas e organismos sociais diversos, inserindo uma “cunha” social ou trabalhista nas instituições que, de uma forma ou de outra, tentam fazer face à globalização. Essas instituições são, preferencialmente, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização das Nações Unidas (ONU) e as federações sindicais internacionais (ou, como alguns designam, “sindicatos globais”). O discurso que permeia tais instituições é o da responsabilidade social corporativa, ele próprio um elemento derivado de uma preocupação maior com a responsabilidade social ou ética no comércio e na economia de maneira mais ampla. Não se sabe ao certo qual é o impacto preciso que o chamado mercado ético ou de produtos éticos4 tem hoje em dia vis-à-vis ao comércio normal. Estatísticas mencionam que esse tipo de comércio já cobre de 1% a 4% do comércio global. (WICK, 2003). Seja como for, é certo que ele se expande e invade inadvertidamente o mundo do trabalho por conta, entre outras coisas, da sua associação com o tema da responsabilidade social das empresas. A responsabilidade social corporativa é parte de um contexto mais largo que engloba a responsabilidade social e do comércio, onde a busca por um tratamento preferencial para os produtos éticos é pedra de toque. Várias iniciativas podem ser declinadas como estando dentro do espírito da responsabilidade social corporativa ou empresarial. A seguir, listam-se algumas delas. I) Consumo Ético e Comércio Equitativo: a ideia subjacente é de que o comércio justo ajuda a melhorar a renda e os benefícios sociais das populações mais pobres que se dedicam à produção desses bens, sobretudo na agricultura. As organizações e as empresas que promovem o comércio justo tinham, inicialmente, como alvo preferencial essas populações. Contudo, ao longo do tempo, foram incluídas também as atividades industriais, uma vez que era incontornável a importância desse setor para o desenvolvimento dos países da periferia ou do Terceiro Mundo. Por outro lado, as famílias do Primeiro Mundo orientariam suas preferências de consumo para empresas que trabalham com produtos oriundos do fair trade. Essa orientação seria, sobretudo, por razões de consciência, não por razões econômicas. As razões incluem o respeito aos direitos humanos no trabalho, a intolerância com relação ao trabalho infantil, ao trabalho escravo, a não discriminação a imigrantes (ao contrário, favorecendo ativamente, em alguns casos, o aproveitamento de imigrantes em sua força de trabalho), o uso de fontes alternativas 4 Isto é, itens produzidos de maneira ética (para uma melhor compreensão do que comporta praticamente este termo, ver parágrafo adiante). Livro.indb 241 03/02/2011 11:34:26 242 de energia não agressivas ao meio ambiente, o emprego de produtos e matériasprimas não poluentes, a preocupação com a sustentabilidade etc. II) A cláusula social da OMC: a regulamentação do comércio mundial é vista por uns como ingerência indevida ao livre comércio, enquanto que, para outros, ela poderia trazer sanções comerciais aos países que têm dificuldade de competir. Aqui reside um problema complicado, pois cláusulas sociais para o comércio podem significar protecionismo dos países mais ricos contra os países em vias de desenvolvimento. A mesma cautela aparece no momento de definir a forma de ação adequada contra os países que não adotam o direito à livre negociação (prevista pela OIT): embora a favor da inclusão da cláusula, alguns se mostram contrários a boicotes a esses países. Argumentam eles que uma coisa é favorecer o surgimento de mecanismos de representação dos trabalhadores onde estes não existam; outra muito diferente é criar esses mecanismos, o que já seria uma ingerência indevida da empresa. Por outro lado, em países com tradição corporativista-populista, a liberdade de associação sempre foi vista com desconfiança, dada a identificação com uma possível estratégia de criar sindicatos paralelos que dividam e fragmentem o movimento sindical. Outros ainda chamam a atenção para o fato de que a OMC não seria o fórum mais adequado para veicular cláusulas trabalhistas, uma vez que sua atuação está associada justamente à globalização neoliberal, fonte das mazelas dos trabalhadores no mundo. (O’BRIEN, 2000). A Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres (CIOLS) é a favor de uma cláusula social no âmbito da OMC, mas essa posição é – ou pelo menos era – polêmica. Os críticos chamam a atenção para a vista grossa da OMC em relação aos tratados bilaterais de comércio e ao estabelecimento de zonas francas nos países do Terceiro Mundo, iniciativas que não levam em conta os standards mínimos de condições de trabalho tais como previstos, por exemplo, pela OIT (ver abaixo). III) Códigos de Conduta: são instrumentos, no âmbito da empresa, que asseguram normas mínimas de uso do trabalho, evitando as suas formas mais opressoras e eticamente condenáveis. Estas últimas podem ser entendidas por: discriminação ou assédio; trabalho infantil ou forçado; ambiente insalubre ou perigoso; desrespeito à jornada de trabalho; desrespeito às leis de maneira geral; recusa ao direito de reunião e associação; perseguição e controle dos empregados; ausência de capacitação e de promoção; trabalho informal; não informação; inexistência de aviso prévio, entre outras que poderiam entrar nesse rol. A título de contra- Livro.indb 242 03/02/2011 11:34:26 243 ponto, pode ser identificado aí o conjunto de reivindicações que conformavam as bandeiras democráticas do momento de retomada do sindicalismo brasileiro, trinta anos atrás. Os códigos de conduta podem ser fruto de uma iniciativa da própria empresa interessada, de organismos internacionais, de associações ou de organizações representativas dos próprios interessados (ONG’s e sindicatos). Quando é iniciativa da própria empresa, isto é, voluntário, o código de conduta não contempla necessariamente (ou, melhor dizendo, obrigatoriamente), a presença e participação sindicais. Aliás, uma das sérias objeções endereçadas aos códigos de conduta voluntários é o fato de apresentar-se algumas vezes como substituto do sindicato ou de outro órgão de representação de classe, na medida em que os acordos e contratos coletivos seriam, neste caso, considerados impertinentes, porquanto a empresa já teria o seu próprio código de práticas do trabalho. Quanto aos organismos internacionais, os mais importantes códigos de conduta são aqueles saídos da ONU - Pacto Global, de 1999; Desafios do Milênio; Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - Linhas Diretivas da OCDE para Empresas Multinacionais, de 1999 e 2000; OIT - Declaração sobre os Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho, de 1998; CIOSL - Código Básico de Prática Trabalhista, de 1997, entre outros. Seu alvo preferencial são os setores mais frágeis em termos de organização sindical; aqueles cuja presença de representantes dos trabalhadores é inexistente ou combatida pelo patronato. Entram nessa definição os setores têxteis de confecção e de calçados, onde a presença de mão-de-obra ainda é significativa, além de concentrada principalmente nos países do Terceiro Mundo. Prestam-se, sobremaneira, à subcontratação, pela possibilidade de sublocar partes da produção para oficinas pequenas e às vezes até domésticas. Em suma, setores de mão-de-obra intensiva, cuja cadeia produtiva é fortemente internacionalizada, imperando na maioria dos sítios um trabalho de baixa qualidade (informalidade, baixa ou nenhuma regulação em termos de duração, intensidade, saúde e segurança, trabalho infantil etc.). IV) Acordos-Marco: são aqueles que são assinados entre empresas multinacionais e as federações globais de sindicatos, organizadas por ramos de atividade, e que buscam extrair um código de conduta social para a empresa e seus fornecedores, onde quer que ela se localize (matriz, filiais ou subsidiárias). Em outras palavras, buscam a constituição de um acordo-marco global para a empresa em questão. Pressupõem uma relativa presença sindical capaz de forçar à montagem, efetivação e acompanhamento dos acordos (diferente, portanto, dos códigos de conduta descritos acima, onde a participação sindical não é condição necessária). Livro.indb 243 03/02/2011 11:34:26 244 Qual o Significado da Responsabilidade Social para a Empresa? Pode-se dizer que o maior temor, para a estratégia de negócios de uma grande empresa global, é ter seu nome associado a uma prática injusta, ecologicamente danosa ou socialmente irresponsável. A marca conta porque a guerra midiática é utilizada como arma competitiva, além de prover argumentos para a consciência crítica da opinião pública. Neste sentido, qualquer um dos enquadramentos éticos – Comércio Equitativo, Cláusula Social da OMC, Códigos de Conduta ou AcordoMarco – é importante para a empresa. O peso de cada um daqueles instrumentos, contudo, varia de acordo com o ramo de atividade, o porte, a origem do capital e o histórico das relações de trabalho. Eles constituem, antes de tudo, uma referência posta por atores sociais originalmente estranhos à empresa, com relação à qual ela não pode mais tergiversar, sob pena de abalar sua imagem corporativa (quando uma grande empresa emite um código de conduta de maneira unilateral, portanto, isso pode estar indicando não uma escolha voluntária, mas uma exigência da situação). Um indicador geralmente utilizado no sentido de medir o aprofundamento do conteúdo democrático dos acordos e sua efetividade prática é verificar o grau de independência das auditorias e de seu monitoramento: quanto mais distantes da própria empresa, maior a possibilidade de isenção. No entanto, nem sempre é fácil discernir o quanto as empresas de auditora formalmente independentes estão de fato desvinculadas dos interesses das grandes corporações, pois estes podem se esconder de diversas maneiras, dado o poder de pressão que exercem no mercado. Ademais, é preciso especificar detalhadamente em que consistem tais auditorias, pois elas devem contemplar um acompanhamento rigoroso não apenas da empresa, mas também de suas subcontratantes, e não limitar-se a umas poucas inspeções, com intervalos bem dilatados no tempo entre uma e outra. Assim, uma constatação teoricamente relevante que esses movimentos recentes permitem adiantar é que uma determinada modalidade de questão social, que ecoa fora dos muros da fábrica, tem demonstrado algum poder de pressão sobre as políticas internas da empresa. De algum modo, essa nova arena – a do embate ético – recupera alguma margem de manobra para uma intervenção política saída dos atores coletivos tradicionais do mundo do trabalho. Porém, nem tudo são flores no caminho da responsabilidade social. Este não é um tema isento de conflitos. Há um conjunto de objeções, políticas e de concepção, que a fórmula esboçada acima – com tudo o que a ela ficou associado – enfrentou no passado e que, de algum modo, transfere-se para o presente. Livro.indb 244 03/02/2011 11:34:27 245 Os Problemas no Caminho O primeiro dilema real que as campanhas do comércio ético e da responsabilidade social devem enfrentar diz respeito a um argumento da divisão internacional do trabalho: bater nas multinacionais e suas fornecedoras atuando no Terceiro Mundo pode significar supressão de postos de trabalho – formal ou informal, mas de toda forma melhores do que os oferecidos pelas empresas locais – e, por isso, colocar os trabalhadores contra as ONG’s e os sindicatos. Esse tipo de dilema esteve muito presente no início dos movimentos de resistência internacional à globalização, no âmbito sindical. Havia ainda o receio, no rescaldo das polarizações saídas do ambiente da Guerra Fria, de que o ataque às organizações nacionais pudesse fazer parte de um jogo de influências políticas no tabuleiro do equilíbrio de poder das organizações mundiais de sindicatos. O próprio desenvolvimento do processo de integração das economias encarregou-se de dirimir tal receio, e a desconfiança em relação às ONGs aos poucos também foi se transformando de uma atitude de desconfiança inicial até uma postura, que prevalece atualmente, de franca colaboração. (JAKOBSEN, 1998). É preciso lembrar que durante o período de repressão à organização sindical em alguns países do sudeste asiático, as ONG’s funcionaram efetivamente como equivalentes funcionais do sindicato, com papel de organização e mobilização entre os trabalhadores. (WEBSTER; LAMBERT, 2005). Esse lado ativo e partisan das ONGs relativiza a queixa de que eventualmente a sua atuação nas relações de trabalho pode ser uma forma velada de buscar substituir os sindicatos. Pode-se perceber que esse tipo de queixa vem caminhando pouco a pouco para o descrédito5. De todas as fontes potenciais de conflitos elencadas acima – a competição por empregos baratos, a competição organizacional entre estruturas sindicais e o papel das ONGs -, certamente o argumento da divisão internacional do trabalho é o que se mostra mais sensível e persistente. As objeções de cunho mais prático não questionam doutrinariamente a responsabilidade social, o comércio ético ou os códigos de conduta das empresas. Eles fustigam o alcance real dessas iniciativas e o grau de comprometimento delas com os seus parceiros do lado trabalhista. Nesse caso, as posturas críticas substituem uma posição de recusa total por uma espécie de ceticismo ativo, isto é, optaram por acompanhar à risca a implementação e difusão das normas sociais ao longo da cadeia produtiva. 5 Entre outras razões, pelo fato de que algumas das novas ONGs são formadas ou incluem egressos do próprio movimento sindical. Livro.indb 245 03/02/2011 11:34:27 246 As Fontes de Regulamentação e os Interesses em Jogo: Empresas e Sindicatos no Brasil São dois os principais conjuntos de normas internacionais sobre os direitos do trabalho: as convenções da OIT e as Diretrizes da OCDE. Nas primeiras, os signatários são os países, não as empresas. As convenções não têm força legal; são antes sugestões que podem ou não ser acolhidas pelos governos. Para que sejam incorporadas no arcabouço regulatório local é preciso que sejam aprovadas pelo Congresso Nacional. Elas são apreciadas separadamente e tratam de temas tais como o trabalho infantil ou forçado; a liberdade sindical; as formas de discriminação no trabalho em suas diversas variantes; saúde e segurança, entre outras. A Convenção 87, que trata da liberdade sindical, nunca foi aprovada, pois é incompatível com a unicidade da representação, que ainda vigora formalmente. O problema maior, quanto a esse tema, reside no interior do próprio lado sindical, pois as principais centrais têm visões divergentes sobre o assunto. Com respeito às convenções que foram aprovadas, contudo, a força constrangedora se faz presente e pode ser invocada pela parte prejudicada. Já no caso da OCDE, onde o Brasil não é membro, mas tem o estatuto de convidado (juntamente com outros países da América Latina), as empresas de origem dos países-membros aqui instaladas devem ter as suas dez diretrizes dos direitos dos trabalhadores acompanhadas e verificadas internamente. A responsabilidade por essa tarefa é delegada a um “ponto de contato nacional”, cuja indicação é feita pelo Ministério de Fazenda. As denúncias de violação das diretrizes são recebidas por essa espécie de “antena” da OCDE, estando credenciadas a fazê-las as federações de ramo de atividade e as centrais sindicais do País, chamadas Federações de Segundo Grau. O Ponto de Contato Nacional não é um órgão com poder de sanção, mas apenas administrativo. Tanto as convenções da OIT como as Diretrizes da OCDE, como se pode perceber, pressupõem uma forte formalização e densidade da representação coletiva do trabalho – centrais e federações sindicais são os interlocutores escolhidos. Com essa exigência, a convergência organizacional entre as centrais (principalmente a CUT e a Força Sindical) passa a ser uma decorrência natural6, uma vez que é o próprio processo de negociação em nível internacional que solicita uma voz mais ou menos unificada (veja-se o problema da Convenção 87 da OIT) pelo lado trabalhista. Os acordos-marco assinados por grandes empresas com as federações globais de ramo de atividade não parecem ser uma realidade que tenha se estendi 6 Uma visão de dentro que aborda indiretamente essa questão pode ser encontrada nas entrevistas de Geraldino dos Santos (Força Sindical) e Carlos Alberto Grana (CUT) em Estanque et al. (2005). Livro.indb 246 03/02/2011 11:34:27 247 do para as suas subsidiárias no Brasil. Um receio pode estar na possibilidade de propalar o padrão de relações com os empregados que vigoram na matriz para as subsidiárias no Sul. Por outro lado, o argumento formal aventado por essas últimas é de que o movimento sindical no Brasil é muito fragmentado e carece de unidade de representação, sendo, portanto, um obstáculo para o estabelecimento de acordos com alto poder de incidência entre as partes: as empresas podem estar localizadas em municípios cuja base sindical não se filia a uma federação que, por seu turno, esteja vinculada a uma central que possua uma política de apoio e de estímulo a esse tipo de iniciativa, por exemplo. O próprio desenho institucional do lado trabalhista dificultaria o acordo-marco. Seja como for, as filiais ou subsidiárias das grandes empresas internacionais têm à disposição um trunfo estratégico, que é o de poder manipular, segundo a conveniência, duas estruturas organizacionais – a nacional e a internacional: invoca-se o padrão corporativo (o anátema de burocrática e vetusta para a estrutura sindical, no que se refere à negociação, também deve ser adicionado aqui) para minar a viabilidade do padrão internacional de parceria e de responsabilidade social; alternativamente, essa mesma estrutura mantém comodamente à distância o padrão europeu de relações do trabalho, benéfico para os trabalhadores do Sul7. Do ponto de vista dos sindicatos, tanto do Norte quanto do Sul, há, por seu turno, bases objetivas de convergência. Os sindicatos dos países desenvolvidos têm interesse em que salários e condições de trabalho não funcionem como atrativo para a deslocalização da produção das matrizes para áreas do globo desprotegidas, onde o poder trabalhista é fraco ou nulo. Já os sindicatos dos países periféricos têm interesse na extensão do padrão europeu de relações de trabalho e emprego para a região, por intermédio de acordos internacionais com empresas que sejam feitos tendo por base um patamar por cima. Mas, no caso do Brasil, essa aparente convergência esbarra em problemas estruturais, devidos à própria organização, conforme já se fez menção acima. Quando uma empresa metalúrgica alemã com implantação em todos os estados brasileiros adquiriu uma antiga planta de fabricação de elevadores, no Rio de Janeiro, seus ex-trabalhadores não foram aproveitados, o que gerou uma mobilização e, depois, uma organização que acabou induzindo à formação de uma rede nacional da empresa, evoluindo, em seguida, para uma rede internacional. Uma das maiores dificuldades foi justamente administrar os pertencimentos coletivos, pois cada uma (a atual e a antiga empresa que foi incorporada) era ligada a um sindicato diferente, com um contrato de trabalho diferente. 7 “Sul” aqui é entendido não na sua acepção geográfica, mas em sua acepção econômica na divisão internacional do trabalho: países do Sul = periferia; países do Norte = centro do capitalismo. Livro.indb 247 03/02/2011 11:34:27 248 Às dificuldades devidas à organização sindical, devem-se adicionar as variações de orientação política no interior das centrais. Dentro da Central Única dos Trabalhadores (CUT) há correntes controlando sindicatos que veem na negociação com empresas uma modalidade condenável de colaboração, porque coloca a entidade exercendo um papel que não é o dela. Fato recente transcorrido com o Sindicato de Metalúrgicos de Campinas demonstra o quanto essa fonte de tensão pode abortar a tentativa de um acordo: depois de a direção internacional da empresa (autopeças, capital alemão, partidária da responsabilidade social) ter evoluído para a proposição de instauração de um fórum que incluísse os seus empregados, a fim de discutir questões internas, a ideia não foi avante por causa da recusa do sindicato em negociar com a direção da empresa. Em suma, para que haja um acordo-marco, as condições a serem preenchidas deveriam ser as seguintes: em primeiro lugar, é imprescindível que o sindicato tenha recursos de poder que sejam reconhecidos pela outra parte, isto é, é preciso que seja fortemente representativo. Nas palavras de um dos entrevistados, o interlocutor só negocia com quem tiver algo para negociar. Em segundo lugar, pelo lado dos empresários, é preciso que haja disposição para levar a cabo um contrato internacional. Finalmente, é preciso que as empresas gozem de estabilidade nos países em que estão implantadas como subsidiárias. As Normas Sociais Internacionais e o Trabalho Qual é o grau de interferência que os acordos-marco acabariam tendo na vida produtiva das empresas, isto é, em seu processo de trabalho? Para responder a essa pergunta é preciso considerar dois níveis distintos: o primeiro é o das políticas ou estratégias de gestão seguidas por essas empresas; o segundo é saber em que medida tais políticas são 1) convergentes com as normas sociais ou protocolos contidos nos acordos; 2) relativamente convergentes com eles; 3) incompatíveis com eles. Como as chamadas Boas Práticas de Produção (Good Manufacturing Practices) em geral contêm uma série de sugestões que estão também previstas nas normas sociais encontradas em acordos-marco, em códigos de conduta e nas resoluções dos organismos internacionais, é de se supor que não deveria haver muita turbulência entre as primeiras e as segundas. As grandes empresas multinacionais, em geral, incorporam os padrões gerenciais das boas práticas, fazendo deles parte de sua política interna de recursos humanos. Resta saber se essa política é internacional, deslocando-se também para as suas subsidiárias no Sul. Neste último caso, poderíamos falar de um isomorfismo matriz-subsidiária quanto às relações de trabalho. Livro.indb 248 03/02/2011 11:34:27 249 Por outro lado, é lícito conjecturar que se há uma boa governança corporativa, ela deve integrar a observância da regulamentação oriunda das instituições internacionais, inclusive quanto a sua política interna no relacionamento com os empregados. Essa situação é idealmente diferente entre as pequenas e médias empresas de capital nacional, pouco ou nada internacionalizadas, pois a possibilidade de haver uma afinidade eletiva entre as normas sociais e as políticas internas de gestão do pessoal são menores aí: não havendo uma política definida de recursos humanos do tipo boas práticas, não há por que cobrar uma coerência com as normas sociais porventura seguidas por elas. Estas últimas tendem a afetá-las quando aquelas empresas se veem diante da contingência de operar como fornecedoras das grandes. As redes de trabalhadores de empresas multinacionais são instâncias criadas por iniciativa bipartite (empresas e trabalhadores) e têm uma relação muito próxima com os acordos-marco: quando tais acordos não existem, o intuito é trabalhar para o seu estabelecimento; quando eles já existem, a preocupação é mantê-los e estendê-los. É interessante ver as redes de trabalhadores como uma espécie de meio caminho até o acordo-marco. A pergunta de como os acordos-marco podem afetar a política interna das empresas pode ser respondida em dois âmbitos diferentes, ainda que complementares: 1) o da política de gestão (ou recursos humanos), como já se referiu acima, e 2) o das relações de emprego. Com respeito às relações de emprego, entra em cena a questão do possível conflito entre a regulação normativa local (no caso, nacional) e a regulação internacional, conforme já referido. Onde as relações de emprego teriam mais chance de apresentar grandes divergências entre o ideal (contido nas cláusulas sociais dos documentos da OIT e da OCDE) e o praticado, seria justamente entre as pequenas e médias, não nas grandes, onde a representação por local de trabalho, as condições de saúde e segurança, os benefícios e outros são mais facilmente seguidos. Com relação às subcontratadas, o raio de incidência dos acordos é inversamente proporcional à sua aproximação do polo da grande empresa: quanto mais próxima da grande empresa, maiores as chances de seu sistema de relações de trabalho ser afetado, enfraquecendo-se à medida que se aproxima dos elos externos da cadeia, onde justamente o poder de constrangimento dos acordos se dilui. Tecnicamente, a relação entre cliente e fornecedor é uma relação entre dois entes privados diferentes, ou seja, entre empresas diferentes. Uma regra que inci- Livro.indb 249 03/02/2011 11:34:27 250 disse nessa relação estaria estendendo seu âmbito de aplicação para além da organização e estaria considerando, por tabela, uma acepção estendida desta última. Esse é um passo significativo para uma cultura empresarial (como a brasileira), com grande dificuldade de colocar os assuntos das relações industriais em um plano coletivo. Na entrevista com o representante da Empresa A, por exemplo, ficou explícita a incompatibilidade entre a empresa e o sindicato empresarial que a representa na negociação coletiva - o CEAG-10, grupo das empresas do ramo químico na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP): “A Empresa A delega ao CEAG-10 [a negociação com os sindicatos de trabalhadores], mas a Empresa A não se senta à mesa de negociação com o CEAG-10”. É importante o envolvimento dos sindicatos nos acordos, pois eles são a maior garantia de que as boas práticas de produção sejam efetivamente aplicadas e, sobretudo, de que sejam estendidas ao longo da cadeia produtiva. Os sindicatos têm o papel histórico de acolchoar certas práticas oportunistas e deletérias, tanto no âmbito interno (organização) quanto no âmbito intraorganizações, atuando como um agente civilizatório, por assim dizer, enquanto as preocupações mais urgentes das empresas dizem respeito à economia de custos, ao crescimento dos lucros e à redução das incertezas. Contudo, problemas de coordenação entre subsidiárias e matrizes, e entre clientes e fornecedores (qualidade, prazos, escala etc.), poderiam ser mais facilmente equacionados na presença de uma prática contínua de negociação. Os acordos-marco poderiam acabar funcionando nessa direção, adicionando um elemento de confiabilidade nas relações interempresas, da mesma forma que já o faz na relação entre capital e trabalho. Os sindicatos poderiam ajudar a administrar os problemas nas cadeias produtivas, limpando o terreno, por exemplo, quando se tratar de vigiar o emprego das boas práticas. Por hipótese, se eventualmente o setor de compras não verifica de maneira previdente a origem de certos produtos dos fornecedores e suas condições de produção, ONGs ou sindicatos, desde que comprometidos no acordo, poderiam funcionar como sinalizadores de práticas condenáveis de uso do trabalho na cadeia produtiva. Os atores sociais, nesses casos, fariam o trabalho que funcionalmente estaria atribuído ao setor de compras da empresa. Outra visão enfatiza, ao contrário, a responsabilidade das empresas numa esfera que é precipuamente dela – as relações econômicas com subsidiárias e fornecedoras – e onde o sindicato não deveria interferir além da exigência de aplicação das regras gerais da OIT (consideradas mais protetoras para o trabalho). Livro.indb 250 03/02/2011 11:34:27 251 No que concerne propriamente às relações de trabalho, o interesse reside em medir o grau de influência das normas sociais saídas de acordos-marco – ou, a rigor, de qualquer outro instrumento regulatório – nas políticas de recursos humanos das empresas. Vendo na perspectiva da subsidiária – como é o caso deste estudo exploratório – a pergunta atualiza uma antiga questão, muito debatida quando a temática dos transplantes dos modelos de produção estava em plena voga, que é o da transferência dos métodos de gestão de produção e do trabalho da matriz para a filial no terceiro mundo. Com a difusão dos programas de qualidade total e, mais recentemente, as políticas de recursos humanos de alta performance – e que no Brasil têm sido traduzidos pela sua variante de boas práticas de produção – como políticas corporativas em tese globalmente integradas, haveria que desagregar como que a primeira onda da segunda. A primeira seria aquela onde os problemas estariam concentrados nas questões de convergência, adaptação ou hibridação, grau de centralização, inovação ou divergência de padrões de gerência global da matriz quando transferidos para a subsidiária, ou seja, problemas internos à organização. A segunda onda seria aquela onde as questões bastante similares surgem da necessidade de adequação (onde não há) das normas sociais internacionais à política de recursos humanos, sendo que, neste último caso, o vetor da mudança é externo à organização. Nas abordagens com responsáveis de RH nas duas empresas da amostra há um esforço em marcar a compatibilidade da orientação oriunda da responsabilidade social com as políticas já adotadas pelas subsidiárias no Brasil, embora não se faça menção explícita a nenhum instrumento de gestão em particular. Em todo o caso, é lícito adiantar a hipótese de que os acordos-marco aprofundam as mudanças de tipo mais sistêmico nas empresas, prevendo a participação da força de trabalho, a representação sindical, a melhoria do ambiente de trabalho e também o grau de envolvimento (commitment) dos empregados, além de orientar-se para programas assistenciais no bairro (caso da Empresa B, tanto na planta de São Paulo quanto no Rio de Janeiro). Com respeito à inovação propriamente dita, intervém outro componente, próprio do setor: o ramo químico-farmacêutico é dominado por grandes grupos multinacionais, e o estímulo ao desenvolvimento interno do produto é muito baixo, uma vez que boa parte das matérias-primas é importada. Mas é possível observar uma preocupação com a capacitação mínima do pessoal operário (Empresa B) quando da incorporação do novo plano de cargos e salários, matéria de acirrada discussão no momento da pesquisa de campo, uma vez que ele visa elevar o patamar de qualificação em diversos âmbitos (escolaridade, experiência, disciplina, cursos etc.), relacionando-o a uma nova grade de postos de trabalho. Livro.indb 251 03/02/2011 11:34:27 252 Até aqui mencionou-se a relação da responsabilidade social com as “boas práticas”, e destas últimas com a rede de fornecedores. Mas a relação entre responsabilidade social e a organização do trabalho ainda permanece um tanto vaga: afinal, no que exatamente a aplicação das normas sociais propostas pelos organismos internacionais interfere no dia-a-dia do trabalho? Pode-se tentar responder a esta pergunta da seguinte maneira: o elo está no aprofundamento da produção enxuta (lean production) em sua versão high road. Se, como afirmam alguns autores da literatura gerencial - para uma visão geral, veja-se Appelbaum et al. (2000) é possível desagregar um high road de um low road na trajetória de implantação dos sistemas de produção baseados nas ideias gerais da produção enxuta, então fica nítida a correlação entre essas ideias e certas proposições contidas nas Normas Sociais, que são reapropriadas pelas empresas. As evidências vêm das indicações contidas nos códigos de conduta ou nas tratativas entre empresa e rede de trabalhadores (a fonte são as próprias publicações dessas redes) que permitem verificar, em seu conjuno, o reforço do ideal da empresa como um ente mais que econômico, ou seja, como um ente social que promove integração e adesão aos seus valores. Sobre o que versam esses códigos ou essas tratativas? Entre os muitos aspectos que eles cobrem, convém deter-se em alguns princípios gerais desses códigos. Eles enfatizam o desacordo com respeito a determinadas posturas oportunistas, consideradas como não desejáveis e como objeto de sanção: tais posturas variam desde a concorrência desleal (portanto, um tópico que está na esfera do mercado de produtos), até o comportamento de desconsideração para com a sociedade (o que pode ser entendido de diversas maneiras e ser aplicado a diversas interpretações), passando pela condenação do segredo e da ocultação de posturas que atentam contra os interesses da empresa ou que ponham em dúvida a dedicação do empregado a ela. Enfim, em seu conjunto, tais normas reforçam os vínculos não apenas contratuais dos empregados, mas também de comprometimento com a empresa, isto é, de filiação a ela. No conjunto, essas indicações podem ser lidas como partes de um discurso que transfere a questão social para um assunto privado. Não sendo uma decorrência direta das normas sociais do tipo “Dez Diretrizes dos Direitos dos Trabalhadores da OCDE” nem da “Declaração sobre os Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho da OIT”, do “Pacto Global” ou “Desafios do Milênio”, da ONU, a invocação fácil a essas normas para legitimar o discurso de integração empregado-empresa, contudo, é o que permite inferir uma adequação entre ambos, reforçando nessa medida uma determinada postura no chão de fábrica. Livro.indb 252 03/02/2011 11:34:27 253 A prova de que os sindicatos não estão à vontade e pressentem as dificuldades relacionadas com a aceitação das normas sociais como forma de capturar o seu consentimento pode ser encontrada na advertência de que, sempre que possível, o movimento sindical deve preferir a legislação à autorregulação. Em outras palavras, os sindicatos devem sempre preferir acordos que comprometam os governos e as instâncias estatais, ao invés do voluntariado. (OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2004). Isso é o reconhecimento do perigo de acordos do tipo “Códigos de Conduta” resvalarem de uma regulação pública para uma regulação privada, isto é, confinada ao âmbito da empresa. Mas a advertência limita-se aos aspectos formais do acordo e não entra na realidade da organização e da gestão dos recursos humanos, que permanecem um campo em disputa. Tudo se passa como se o bem-vindo reconhecimento da organização por local de trabalho8, reivindicação histórica do movimento sindical cutista e ainda uma bandeira pertinente, fosse suficiente para garantir a independência dos papéis de trabalhador e de colaborador como duas identidades distintas ou duas culturas de classe9. As Boas Práticas de Produção, assim como as orientações do Recursos Humanos de Alta Performance ou Gestão Internacional de Recursos Humanos, ao contrário, caminham no sentido de fundir as duas identidades. As Empresas do Ramo Químico no Contexto da Responsabilidade Social O ramo químico-farmacêutico é muito concentrado, quase integralmente formado por gigantes de negócios globais, grande parte de origem europeia. No Brasil, suas subsidiárias são grandes empresas, às quais está associada uma posição pró-ativa em termos de responsabilidade social quando comparada com a de outros ramos de atividade. Não costuma haver grandes problemas internos em termos de relações de trabalho, de condições de saúde e segurança, ou de queixas quanto à discriminação10. Ao contrário, elas parecem querer se colocar na vanguarda da nova preocupação ética. A Bayer, por exemplo, foi uma das primeiras empresas no Brasil a explicitar um compromisso de conduta empresarial, ou seja, a fazer um pronunciamento público que responde a algumas das preocupações da agenda da responsabilidade social. Isso pode ser atribuído, em alguma medida, 8 Todos os documentos sindicais fazem menção a esse reconhecimento como sendo um dos grandes avanços de iniciativas tais como a das redes de trabalhadores e a da busca por acordos-marco globais. Sendo uma realidade consolidada há muito tempo nos contratos coletivos dos sindicatos europeus, a ideia é de que a organização por local de trabalho seria transferida quando esses acordos fossem ratificados pelos parceiros no Sul. 9 Uma excelente demonstração da existência social de duas culturas de classe associadas a gerações de trabalhadores está em Beaud e Pialoux (1999). 10 Os problemas estão concentrados na cadeia produtiva. Livro.indb 253 03/02/2011 11:34:27 254 à cultura empresarial nos países de origem e também ao peso do movimento sindical ali. Um dos pontos positivos da constituição das redes é que ela ajuda a consolidar a ideia de discutir os problemas internos das empresas de um ponto de vista menos oficialista, onde o sindicato tradicionalmente tem pouca penetração. As reuniões da rede são realizadas dentro da empresa, dela participando, pelos estatutos, as comissões de fábricas (no caso de existirem11), dirigentes dos sindicatos e trabalhadores eleitos ou escolhidos especialmente para esse fim. Sindicalistas da CUT buscam inserir uma cláusula em que os dirigentes do sindicato devem ser necessariamente funcionários da empresa, com isso evitando um distanciamento entre base e cúpula. O que unifica o discurso tanto de sindicalistas quanto de empresários, no caso das redes de trabalhadores, é o conceito de diálogo social. Ambos reivindicam a fidelidade aos princípios da responsabilidade social em sentido amplo e ao código de conduta – quando este existe – em sentido estrito. Este último prevê a participação de empregados e a constituição de canais de comunicação internos para possibilitar um bom ambiente de trabalho. Há iniciativas práticas nessa direção, como um esforço em direção ao entendimento de que o diálogo social não é mera fachada: a AkzoICI (antiga Akzo-Nobel), por exemplo, instituiu um concurso interno de projetos em que são selecionados seis projetos mundiais. No caso de ter seu projeto escolhido, o funcionário é premiado e o projeto financiado. Isso reforça a credibilidade do programa de diálogo, além de indicar que ele pode ser sustentável a longo prazo12. Programas desse tipo não são, evidentemente, novos no panorama dos recursos humanos no Brasil. Eles sempre existiram, e com mais ênfase no período de redemocratização, a fim de disputar a atenção do trabalhador no momento em que o movimento sindical se mostrava ativo e capaz de cativar a audiência para a necessidade de liberdade de organização, expressão e reivindicação. Eram conhecidos então como políticas participativas. Agora, essas políticas não são reativas; elas estão integradas em um arcabouço mais coerente, que unifica as iniciativas dentro da fábrica (como mais democracia e possibilidade de expressão do “peão”) com iniciativas fora da fábrica, na comunidade e na sociedade civil, tanto local quanto supranacional. Tudo coberto pelo manto do discurso da ética, tendo a responsabilidade social como conversor prático desse discurso. Uma unidade da Empresa B, localizada na periferia do Rio de Janeiro, financia uma fábrica de vassouras para a comunidade local; essa mesma unidade provê um “sopão” no mesmo local, além de manter um programa especial fo11 Nas empresas alemãs as comissões são parte do organograma da própria empresa. Existe há muito tempo na Bayer. 12 Este exemplo foi extraído da publicação CNQ-CUT de Stifung (2008). Livro.indb 254 03/02/2011 11:34:27 255 cado para o pessoal que manipula produtos agrotóxicos. A unidade do mesmo grupo, em São Paulo, mantém uma linha de apoio a iniciativas voluntárias de seus empregados, desde que voltadas para melhoramento da qualidade de vida tanto dos funcionários quanto da população moradora da comunidade (bairro) onde a fábrica está instalada. Uma dessas iniciativas foi o projeto de construção de uma quadra de futebol no bairro. A Empresa B deu suporte ao projeto, desde que a quadra pudesse ser utilizada por todos os seus empregados. O autor, morador da área, líder comunitário e funcionário da empresa, era também dirigente do sindicato dos químicos. Esse tipo de atividade filantrópica não é apenas cosmético ou complementar, nem vive somente das chances de renúncia fiscal que podem estar associadas a ela. Mais do que isso, parece ser uma atividade que, nas palavras do discurso da responsabilidade social, agrega valor, isto é, figura na contabilidade simbólica como um ganho de credibilidade (o que reforça a marca) e de imagem (já que a empresa é identificada como ambiental ou socialmente responsável), o que pode ter implicações econômicas sérias, sobretudo por default. O Sindicato das Indústrias do Setor Farmacêutico (Sindusfarma) possui uma cartilha sobre responsabilidade social e ética, a qual é hoje uma norma adotada por todas as filiadas. Essa cartilha elenca as condutas internas e externas que a empresa deve seguir. As externas referem-se à postura de responsabilidade social e promoção do voluntariado, já mencionadas. As internas regulam a vida social intramuros e funcionam como guias de orientação para as políticas de RH, porém não no sentido do relacionamento com a força de trabalho – aliás, não há nenhuma menção de como deve ser organizado o trabalho no processo de produção. Trata-se de diretivas gerais e de princípios, tais como o combate ao nepotismo interno, a instituição de ouvidorias, a instituição de conselhos de ética (onde os sindicalistas pressionam para a participação de empregados nele), a denúncia de discriminação racial, de gênero, de opção sexual ou de comportamento13, de trabalho não decente (trabalho escravo, precário, superexplorado etc.), ao longo da cadeia de fornecedores, preocupação com a saúde e a segurança, entre outros. Nenhuma palavra sobre o ritmo de trabalho, a intensificação, o stress derivado da carga de cobrança pela performance ou qualquer outro tópico que tradicionalmente se considerava como condições de trabalho. Além disso, as famosas pesquisas de clima levadas a efeito pelo RH antecipam, para a direção, as insatisfações que antes iam parar na comissão de fábrica ou em qualquer grupo de representação 13 Matéria da revista Exame, “As 100 melhores empresas”, relata o caso de um trabalhador da Novartis que usava brinco e que, graças à política afirmativa da empresa, deixou de se sentir discriminado. Num sentido mais profundo, o que essas experiências de ação afirmativa mostram é que o filtro moral representado pela comunidade (de moradia ou mesmo do local de trabalho) é confrontado pela política de direitos humanos no trabalho. O trabalhador não se sente mais constrangido pelo grupo e, dentro da empresa, ele é uma pessoa livre – mas livre também de grupos de referência imediatos e como que automáticos. Livro.indb 255 03/02/2011 11:34:27 256 dos empregados, diluindo o seu potencial reivindicativo e esvaziando o próprio papel da organização autônoma dos empregados. O sindicato só fica advertido de que as condições de trabalho constituem um problema real no momento em que os trabalhadores são demitidos e acorrem ao departamento jurídico para fazer a homologação, quando então as queixas são levantadas. Caso contrário, é como se esse tipo de problema tivesse saído do raio de visibilidade. Situação análoga ocorre com as Lesões por Esforços Repetitivos (LER). Enfim, no dizer de um sindicalista, o código de conduta “é abrangente, não entra nos detalhes”. Sua esperança é de que os direitos humanos no trabalho sejam uma espécie de janela de oportunidade, um conjunto geral de noções cujo sentido pode ser disputado, nada impedindo, a princípio, que aquelas antigas denúncias do movimento fossem retomadas sob uma nova bandeira. Mesmo que isso signifique conviver em uma mesma rede ou numa reunião em um comitê com representantes dos funcionários, com pessoal de escritório para quem o chamamento recíproco de colaborador é tão natural quanto seria exótico o correspondente de companheiro. Mas as raízes dessa mudança cultural são mais profundas. Ao lado dos deslocamentos no discurso é preciso também adicionar um dado de base: o setor químico vem passando por profunda reestruturação há mais de década e meia14. Fusões, aquisições, fechamento de fábricas, relocalizações, mudança do padrão tecnológico, focalização e subcontratação (outsourcing) e uma persistente queda nos postos de trabalho do setor devem ser considerados como elementos que ajudam a compreender o apelo ético dos códigos de conduta, já que uma boa parte de seus empregados está localizada em escritórios (ao menos em São Paulo, onde está a base de representação do sindicato dos químicos) e não faz parte do núcleo duro do operariado industrial. A título de ilustração, a Novartis hoje conta com 900 empregados no escritório e apenas 250 na produção, em São Paulo. Rigorosamente falando, são apenas três as empresas químicas remanescentes na base municipal com contingente propriamente operário: a Companhia Paulista de Cartuchos (CPC), a Nitroquímica e a Braskem. Bayer, Whitehall e outras estão paulatinamente retirando a sua área produtiva da capital. Nesse contexto, a linguagem do colaborador substituindo a do companheiro parece não trazer surpresas. Na verdade, além do deslocamento para o interior, outro dado de base do ramo é a sua segmentação: às multinacionais, todas grandes empresas (onde as redes estão implantadas), opõem-se as médias e pequenas, estas sim, com contingente menor de serviço e maior de produção, 14 Uma boa apresentação do setor e que permite vislumbrar o momento de passagem de uma “velha” categoria para uma “nova” categoria está em Fontes (2002). Livro.indb 256 03/02/2011 11:34:28 257 a maioria de capital nacional e distribuída por vários subsetores: plástico, cosméticos, higiene e limpeza, e outros. Nessas empresas não se fala em códigos de conduta, muito menos em redes de trabalhadores. Mesmo a subcontratação das pequenas e médias pelas grandes – um caso muito comum era a de embalagens plásticas para a indústria farmacêutica – parece hoje estar revertendo em direção à implantação de seções antes terceirizadas dentro da grande empresa (caso de embalagens). As Redes de Trabalhadores no Ramo Químico As redes de trabalhadores de empresas multinacionais começaram a se constituir no Brasil ainda na década de 1990. Elas começaram como uma organização de plantas de uma mesma empresa no território nacional e em seguida se espalharam, em alguns casos, para o continente. Quando se trata de uma empresa de capital internacional, o mais importante é conseguir o engajamento dos trabalhadores da matriz na rede, pois é lá que se tomam as decisões corporativas que afetam o funcionamento das filiais ao redor do mundo. As dificuldades, contudo, de organização dizem respeito a como as redes são montadas. A base é o sindicato da categoria que representa os trabalhadores da empresa, no caso o Sindicato dos Químicos. Mas, no Brasil, dependendo da central sindical à qual estejam filiados os sindicatos de outras localidades, a dinâmica e até mesmo a constituição das redes pode ficar comprometida por causa de disputas políticas entre as centrais com diferentes visões sobre a participação, sobre o que negociar, as prioridades a constarem da pauta etc. Redes de empresas multinacionais também existem em outros países. Neste sentido, um dos objetivos das redes nacionais é a aproximação com elas (caso da Rede da Dow Chemical no Brasil e nos EUA), eventualmente criando uma rede global de empresa ou juntando-se a ela, no caso de esta já existir. As redes com alcance internacional geralmente contam com o suporte de centrais e sindicatos dos países de origem dessas empresas. Já aquelas que, conquanto empresas multinacionais, permanecem em âmbito nacional, contam com o apoio – quando existe – apenas das entidades locais. Como o trânsito entre sindicato e central é – no caso, por exemplo, da CUT, que representa os principais sindicatos do ramo químico – muito fluido, os apoios de um e outro, no fundo se contrabalançam, com o primeiro cedendo algum suporte material e o segundo complementando, ou vice-versa. Livro.indb 257 03/02/2011 11:34:28 258 As experiências pioneiras de redes sindicais no ramo químico são da Basf e da Bayer. A primeira completou, no ano de 2009, dez anos de existência, e é também a mais estratégica, pois encontra-se organizada em nível continental, com representantes das fábricas localizadas na Argentina, Chile e Peru, além do Brasil. As avaliações em geral concordam em identificar um comportamento diferenciado: enquanto as empresas alemãs e europeias em geral15 são mais acostumadas a empreender conversações no chão de fábrica, as norte-americanas apresentam uma tolerância menor. Os sindicalistas têm consciência de que o modelo alemão16 está sob ataque hoje por causa dos supostos custos elevados relacionados à proteção social e ao arcabouço regulatório naquele país. Por isso, as redes, tal como eles a concebem, correm o risco de perder muito do seu apelo e interesse, o que faz com que busquem alianças com o movimento sindical daquele país, e particularmente com as redes mundiais daquelas empresas. Outro problema diz respeito à diversidade de setores de atividade que estão representados em um mesmo grupo. Isso ocorre com a holandesa Unilever, que no Brasil possui fábricas de alimentos, material de limpeza e cosméticos, e química. Atualmente a rede se encontra parada ali. Do ponto de vista das reivindicações históricas do sindicalismo do ramo químico, é instrutivo observar a aceitação da decomposição dos seus vários subsetores em unidades autônomas de negociação (farmacêutica, plásticos, cosméticos, agroquímicos, fertilizantes, petroquímica etc.). Neste sentido, existe uma regressão em relação a algumas iniciativas tomadas há cerca de quinze anos que incluíam a compreensão de que o sindicato deveria mais e mais abranger, como base de sua representação, todos os setores que formassem a cadeia produtiva do ramo. A justificativa era de que, assim procedendo, seria possível mostrar as interrelações técnicas e econômicas entre aqueles setores, subsidiando, desta forma, uma pauta onde os mais tradicionais e atrasados fossem vinculados, enquanto clientes, aos mais modernos e sofisticados (exemplo: o polipropileno numa ponta e os plásticos na outra). Um sindicalismo baseado no ramo, e não na categoria profissional, era a justificativa para investir em negociações amplas. Era igualmente a justificativa para absorver sindicatos afins, como o sindicato dos plásticos, que se fundiu ao sindicato dos químicos em 1994, por exemplo. (FONTES, 2002). Numa visão alternativa, a fusão teria sido um mero artifício de sobrevivência, tendo em vista a crise de sustentação dos sindicatos diante do desemprego e dos custos de manutenção da máquina; em suma, um rearranjo institucional obedecendo a uma lógica 15 O Comitê Europeu de Empresa, com representantes da empresa e dos trabalhadores, é uma figura inexistente no Brasil e uma referência para o movimento sindical. 16 Modelos nacionais de emprego e trabalho tais como o alemão são considerados inadequados para a nova economia. Eles são excessivamente rígidos na proteção do emprego e na contratação coletiva. (JÜRGENS; KRZYWDZINSKI; TEIPEN, 2006). Livro.indb 258 03/02/2011 11:34:28 259 de racionalização gerencial. Vistos da ótica de hoje, esses argumentos parecem ganhar um sentido mais plausível do que no passado recente. Eles se juntam, por outro lado, com argumentos atuais que enfatizam a complexidade das realidades dos diferentes setores: os acordos coletivos do ramo, em São Paulo, estão caminhando para negociações em separado (químicos e farmacêuticos, desde o início dos anos 2000, têm datas-base diferentes), assim como as redes de trabalhadores caminham para um contrato coletivo nacional de empresa, em nome da possibilidade de neles desenvolver uma “reflexão sobre temas mais complexos.” (STIFUNG, 2008, p. 17). Se a diversidade de realidades do mundo do trabalho exige resposta descentralizada dos sindicatos, a tensão reside exatamente nos limites a serem traçados entre aquela diversidade percebida e a exigência de flexibilidade oriunda do ambiente econômico onde as empresas estão inseridas. Outro aspecto importante a notar é que, muitas vezes, dado o bloqueio de um bom canal de comunicação entre empregados e patrões, a constituição da rede de empresa acaba funcionando muito mais como um elemento de distensão das relações de trabalho, fazendo as vezes da negociação coletiva quando esta última é ausente ou frágil (Dow Química). As reivindicações das redes incorporam, assim, muito das reivindicações constantes das bandeiras históricas do sindicalismo cutista, tais como a OLT e reuniões periódicas entre empregados e gerência, ou de cunho mais tradicional, como a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA). Muitas delas, contudo, incorporam também temas de uma nova agenda, tais como o assédio moral e a diversidade no local de trabalho, entendida aí a inclusão de deficientes físicos e de mulheres (Novartis). A seguir, serão elencados os casos de redes sindicais em duas das principais empresas do setor. 1) Empresa A Teve início em 1999. É considerada a referência brasileira em diálogo social ou responsabilidade social corporativa. Não existe ainda, neste momento, uma rede mundial de trabalhadores da empresa, estando ela limitada por enquanto ao continente latino-americano e organizada na forma de uma coordenação. A empresa está representada pela diretoria de recursos humanos para a América do Sul e mais um gerente de recursos humanos, enquanto que pela coordenação comparecem dois trabalhadores eleitos de dois países da América do Sul. Em âmbito nacional existe o Comitê da Intersindical Nacional dos Trabalhadores da Empresa A. Pela estrutura sindical ainda vigente, os sindicatos não são obrigados a se filiar às centrais sindicais, fazendo-o por escolha através de assembleias com Livro.indb 259 03/02/2011 11:34:28 260 a categoria. Assim, o Comitê da Intersindical da Empresa A pode acolher sindicatos de várias orientações, ligados ou não às centrais sindicais. O principal resultado oferecido pela rede até aqui foi a disseminação de comissões de fábrica em unidades onde não havia. Essas comissões são previstas não apenas na produção (chão de fábrica), mas também nos escritórios. Um documento acordado entre as partes estabelece que as decisões saídas do diálogo social devem ter validade indeterminada e somente podem ser modificadas por consenso entre as partes, como se fossem de fato matéria de negociação coletiva direta. Outro traço que reforça o seu caráter constrangedor é a preocupação com a formalização das decisões e debates levados a efeito ali: os diálogos são transplantados para atas, lavradas pelos representantes17. Do ponto de vista da normatização das relações de trabalho, o ponto alto seria a criação de um Acordo-Marco Global. Dos outros tópicos que são negociados nos encontros da rede, além daqueles tradicionalmente associados ao “trabalho decente”, é importante iluminar dois deles, que estão associados à negociação coletiva em sentido mais estrito: o combate à terceirização (ou subcontratação do trabalho), entendida como uma forma de precarização, e a participação nos lucros e resultados. Para o RH da Empresa A, salários são assunto que não deve constar da pauta das redes – nesse ponto demonstrando uma enfática coincidência com a Empresa B -, porém a Participação nos Lucros e Resultados (PLR), sim. Os primeiros devem ser discutidos no âmbito das convenções coletivas de categoria, enquanto que a PLR, ao contrário, caberia dentro de um código de conduta. Como a PLR envolve metas que não podem ser generalizadas para todas as empresas, tal compreensão sugere que esse adicional da remuneração vem sendo incorporado como instrumento de gestão de recursos humanos, e, por essa via, pode entrar como componente agregado do diálogo social da empresa. 17 A preocupação com a formalização deve ser entendida no seu contexto nacional. O sistema de relações de trabalho sempre foi muito legalista no Brasil. É da cultura corporativa entre empresários e sindicalistas que, à menor discordância na perseguição de um acordo entre as partes, o recurso à Justiça do Trabalho seja o artifício mais corriqueiro e o mais à mão dentre outras fórmulas possíveis de conciliação disponíveis. Daí a importância da formalização de um acordo que tem como garantia não o poder coercivo do Estado, mas a palavra dos próprios atores coletivos. A literatura brasileira de relações de trabalho chamou a essa tendência, verificada a partir de meados dos anos 1990, de nova contratualidade. (PAOLI, 1994; VÉRAS, 2007). O avanço do neoliberalismo, contudo, terminou por neutralizá-la e renovou o apelo ao legalismo como anteparo de proteção mais imediato para o mundo do trabalho. Livro.indb 260 03/02/2011 11:34:28 261 Acordos de redução da jornada de trabalho também podem ser objeto de negociação entre a direção geral do grupo e sindicatos dos mais variados locais no mundo, levando mais uma vez a um impulso importante de normatização, embora se circunscreva à empresa, e não ao ramo de atividade. Aqui se toca em um ponto sensível do significado e alcance dos acordos coletivos. Os sindicalistas (sobretudo os da CUT) entendem que o reconhecimento da legitimidade dos acordos de empresa não compromete a compreensão de um sistema coletivo democrático de relações de trabalho, e não significa, portanto, a subscrição da agenda flexibilizante que valoriza a descentralização e a fragmentação. Na visão deles, o acordo de nível micro não pode ser derrogatório dos acordos macro (de ramo de atividade ou interprofissional) e, por conseguinte, não corre o risco de abalar direitos previstos em âmbitos inclusivos de negociação. Mas os críticos não estão muito convencidos dessas boas intenções, na medida em que cada passo no sentido de negociar medidas pontuais e específicas na verdade pode ser um passo na direção de negociar direitos. De todo o modo, haveria que desagregar entre as matérias que seriam objeto de um acordo global da empresa: enquanto a possibilidade de modificar determinadas disposições da legislação local não é bem vista, a implantação de princípios gerais contidos na política de recursos humanos utilizada na matriz pode ser interessante para os sindicalistas do Sul, pois preveem cláusulas mais avançadas do que o padrão encontrado nas firmas brasileiras. 2) Empresa B A rede teve início em 2004 e a periodicidade dos encontros é anual. Também é um exemplo de diálogo social. Até o momento não se espalhou para além das fronteiras nacionais, embora seja parte de sua estratégia no curto prazo. Este seria um primeiro passo antes de se pensar na possibilidade de um acordo-marco. Comparativamente, a Empresa A estaria mais perto desse alvo do que a Empresa B, pois ali a organização da rede, além de ser mais longeva, alcança uma maior abrangência territorial. O principal resultado líquido que ela apresenta é a melhoria do canal de comunicação entre o sindicato e a empresa. Mas há também resultados mais concretos a serem elencados: a elaboração de um código de conduta para contratação de terceiros; a revisão do plano de cargos e salários, o qual era motivo de queixa pelos trabalhadores por causa de distorções que acarretavam; e o tratamento do plano de saúde dos aposentados. Problemas internos de uma determinada unidade – caso dos problemas relativos à eleição da comissão de fábrica no Rio de Livro.indb 261 03/02/2011 11:34:28 262 Janeiro – acabam encontrando uma resolução no âmbito da rede, e não da relação entre empregados e representantes da direção daquela unidade do grupo em particular. Embora a rede tenha atuação apenas nacional, tal fato deve ser colocado em perspectiva: primeiro, a Empresa B sempre foi considerada uma empresa com a qual os sindicatos do ramo químico não têm um relacionamento fácil (isso varia segundo a orientação política do sindicato em cada localidade onde a empresa se situa); em segundo lugar, o grupo tem, nos últimos tempos, incorporado empresas com culturas diferentes (a mais recente aquisição foi uma empresa farmacêutica, também de capital alemão, situada na zona sul da cidade de São Paulo), com histórico de recusa ao reconhecimento da influência sindical. Por isso, os passos dados até aqui têm um significado próprio de avanço, e a rede, neste caso, contribui mais para distender as relações de trabalho com a empresa, as quais se encontravam emperradas no âmbito da negociação coletiva, do que propriamente para dar passos mais ousados. Esses passos incluiriam, por exemplo, os direitos humanos no trabalho e a responsabilidade social corporativa, temas presentes como política do grupo na matriz. As comissões de fábrica são uma realidade estatutária da Empresa B e anteriores à penetração sindical nelas. A comissão de fábrica alemã é atuante na rede, e isso contribui para dar um ar de respeitabilidade e aumentar a legitimidade de sua atuação diante dos executivos responsáveis pelo diálogo, pelo lado da empresa. Hoje, o representante da comissão de fábrica no Brasil é membro automático da rede. Essa foi uma decisão tomada em 2008. Diferentemente da Empresa A, a Participação nos Lucros e Resultados (PLR) não entra na pauta temática das reuniões, pois é considerada juntamente com tópicos tais como: plano de saúde para aposentados, plano de cargos salários e a própria questão salarial, um assunto “superado” pela nova agenda do diálogo social. A manutenção de um intercâmbio de informações permanente entre os trabalhadores da empresa no Brasil e na Alemanha é outro propósito da rede. O seu reforço e formalização também fazem parte da pauta, o que inclui a confecção de um estatuto e de um código de conduta com regimento interno próprio, reconhecidos pelos dois lados. O avanço, nas redes, das reivindicações de participação, transparência, negociação permanente, assim como a adoção de temas como direitos humanos no trabalho e inclusão social, indicam o grau de penetração do vocabulário do sindicato-cidadão no mundo sindical. (VÉRAS, 2007). Mas, além desse lado, digamos, doutrinário e abstrato, há elementos na reivindicação sindical que, se concretizados, apontam para a inserção de fato de um elemento estranho à política Livro.indb 262 03/02/2011 11:34:28 263 privada e unilateral das firmas, até aqui concebidas como únicas responsáveis por decisões internas: tal é o caso do plano de cargos e salários, em geral concebido como assunto que compete exclusivamente à área interna de recursos humanos (Bayer, Braskem), ou a proposta de uma PLR negociada nacionalmente (Braskem, Dupont, Dow Química, Quattor), assim como um plano salarial unificado (caso da Braskem) ou, ainda, a participação no conselho de administração da empresa (Braskem). 3) Outras redes Empresa brasileira originária do setor petroquímico, a Empresa C está em processo de internacionalização e de reestruturação local, com anúncio de fechamento de unidades no Brasil, o que causa apreensão e mina o ambiente interno. Para fazer face a esses problemas, a rede preocupou-se em criar um boletim nacional que circulasse entre os trabalhadores das diversas unidades do grupo (uma política de comunicação, segundo os sindicalistas). A extensão internacional da rede não é ainda um levantamento de informações. A prioridade é a estruturação propriamente da rede, com mecanismos de sustentação financeira que lhe permitam autonomia. Por enquanto, são os sindicatos os responsáveis por bancar as redes e, por isso, sua viabilidade organizacional depende da compreensão mais ou menos benevolente deles, o que envolve orientações políticas e prioridades estratégicas de suas diretorias, entre outros fatores. Tal como nas redes das outras empresas, problemas internos são o principal alvo da rede de trabalhadores da Empresa C: melhoria das condições de trabalho, qualidade de vida de seus empregados, má vontade com a representação sindical na fábrica, PLR nacional, aposentadoria especial (por causa do enquadramento da categoria), saúde e segurança no trabalho. Já a Empresa D, de origem norte-americana, é uma das gigantes do ramo químico no mundo e possui oito unidades no Brasil. A criação da rede teve um impulso de fora para dentro, pois foram os sindicatos americanos que sugeriram aos seus colegas brasileiros a sua formação. Tal como no caso da Empresa C, a rede luta para se estabelecer autonomamente e com isso possibilitar um funcionamento regular, por exemplo, com encontros entre representantes das várias unidades. De novo, quesitos ligados a saúde e segurança são elencados como os mais urgentes, além da necessidade de comunicação entre os trabalhadores das diversas plantas. A recusa da empresa tem sido vista como um traço de cultura gerencial nacional (as firmas americanas não aceitam o diálogo social), daí ser considerado já um avanço o estabelecimento de uma coordenação nacional de trabalhadores Livro.indb 263 03/02/2011 11:34:28 264 da empresa para discutir unificadamente com os representantes do grupo no Brasil. A tentativa de limitar toda a negociação em esfera local, descentralizada, pode ser uma característica das relações industriais norte-americanas. Outras redes de empresas acusam as fricções mais comuns: problemas de comunicação (criação de boletins), de estruturação (financiamento) e postura antissindical (perseguição aos líderes sindicais) despontam na lista. A pauta dos encontros das redes inclui o combate à terceirização; defesa da saúde e do meio ambiente; PLR; instituição de um código de conduta; uniformização de procedimentos de negociação e de benefícios (quando adicionais noturnos variam entre as unidades); planos de previdência da empresa; instituição de comissões de trabalhadores nas fábricas; diálogo com as matrizes e trocas de experiências com trabalhadores de unidades no exterior. Pode-se perceber que muitos itens são típicos de negociação coletiva da categoria. Outras queixas mais específicas recaem na inconstância da representação da empresa nos encontros do diálogo social com a frequente mudança dos interlocutores; não reconhecimento por parte da matriz do grupo; pulverização da representação trabalhista, quando a empresa tem participação em ramos de atividade além do químico (o que pode acarretar não apenas mudança de competência de confederação, mas por vezes de central – isso aconteceu no caso de um grupo econômico que tem fábricas não apenas no complexo químico, mas também no setor de alimentação e bebidas: a rede é também clivada pelo setor ou ramo de atividade em que a empresa está localizada na organização das relações industriais do País). Em um caso a designação “rede” foi substituída por “comitê” – comitê de trabalhadores – mas o significado era o mesmo. De um modo geral, o grande desafio dos sindicalistas é angariar adeptos à ideia das redes entre as suas próprias hostes. Como pode parecer uma iniciativa muito distante do dia-a-dia do trabalhador, abstrata até, os dirigentes devem se esforçar para mostrar as conexões entre uma pauta geral de reivindicações que engloba as unidades no Brasil e no exterior, e as demandas locais, específicas de cada planta, convencendo desse modo as bases a se engajarem na luta pela sua implementação. Pode-se concluir com a observação de que a experiência da organização de redes no ramo químico ainda é bastante incipiente e heterogênea (a qual se estende a unidades de um mesmo grupo em território nacional), além de reproduzir alguns elementos típicos da pauta clássica da negociação coletiva. Por sua vez, os sindicatos enxergaram aí uma oportunidade, seja para atualizar velhas dívidas das relações industriais (déficit de participação nas decisões das firmas e inexistência de organização por local de trabalho, por exemplo), seja para tentar inserir seu próprio ponto de vista em uma globalização que os privava cada vez mais de relevância econômica e política. Livro.indb 264 03/02/2011 11:34:28 265 REFERÊNCIAS APPELBAUM, E. et al. Manufacturing advantage: why high performance work systems pay off. Ithaca: Cornell University Press, 2000. BEAUD, S.; PIALOUX, M. Retour sur la condition ouvrière. Paris: Fayard, 1999. ESTANQUE, E. et al. Mudanças no trabalho e ação sindical: Brasil e Portugal no contexto da transnacionalização. São Paulo: Cortez, 2005. FONTES, P. (Ed.). A química da cidadania. São Paulo: Viramundo, 2002. JAKOBSEN, K. Nuevos rumbos em la ORIT?. In: CASTRO, M. S. P.; WACHENDORFER, A. (Ed.). Sindicalismo y globalización: la dolorosa inserción en un mundo incierto. 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Livro.indb 266 03/02/2011 11:34:28 HETEROGENEIDADE DO TRABALHO COMO CONTRAPONTO À TESE DO INFOTAYLORISMO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Luís Fernando Santos Corrêa da Silva1 Introdução No Brasil, os call centers se tornaram um dos grandes mercados empresariais durante a última década. A ampliação do acesso aos serviços de telecomunicações, consequencia da privatização do sistema Telebras, levou as empresas a optar por formas alternativas ao atendimento presencial, de modo a reduzir custos operacionais com infraestrutura e locomoção de pessoal. Diversos serviços antes prestados através do atendimento face a face passaram a ser centralizados em call centers ligados a variados segmentos de mercados. Como exemplos de serviços prestados por call centers podem-se citar: serviços de suporte técnico, fidelização de clientes, pesquisas de mercado, processamento de solicitações, cobranças, venda de produtos ou serviços, atendimentos a clientes de serviços de telecomunicações, serviços bancários e de operadoras de cartões de crédito, entre outros. O surgimento desse mercado empresarial deu origem a um novo cenário de trabalho, que passou a assumir destacada importância empregatícia nos últimos anos. Segundo expectativa da Associação Brasileira de Telesserviços (ABT), o Brasil deve alcançar, no ano de 2010, a marca de um milhão de empregos diretos em call centers. Devido ao elevado índice de formalização das contratações, a força de trabalho empregada em call centers passaria a representar aproximadamente 2% do emprego formal brasileiro2. Antes de sua consolidação, no Brasil, o mercado de call centers já despertava o interesse dos estudiosos do trabalho pelo mundo. Na Europa, por exemplo, os call centers se tornaram objeto de investigações que discutiam a introdução dos 1 Sociólogo, professor assistente da Universidade Federal da Fronteira Sul (Campus Erechim/RS) e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É também colaborador do grupo de pesquisas Trabalho na Sociedade Contemporânea/UFRGS – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Disponível em: <http://www.ufrgs.br/ppgsocio>. 2 Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, o Brasil possuía, no ano de 2008, um contingente de aproximadamente 39,4 milhões de trabalhadores formais. Livro.indb 267 03/02/2011 11:34:28 268 princípios tayloristas na organização do processo de trabalho. Segundo autores como Kerst e Holtgrewe (2001), a aplicabilidade do taylorismo nos call centers é limitada, visto que a necessidade por qualidade na comunicação com o cliente demanda trabalhadores com capacidades cognitivas elevadas, assim como maiores níveis de flexibilidade na organização do trabalho, vis-à-vis às linhas de montagem tayloristas. Recentemente, estudo realizado por Hualde e Micheli (2009) sobre o mercado de trabalho mexicano em setores de tecnologia de informação concluiu que os call centers expressam, contraditoriamente, por um lado, demanda por interação complexa e força de trabalho qualificada e, por outro, pressão por redução dos custos operacionais, devido à competição interempresarial. Segundo Hualde e Micheli (2009), este quadro condiciona o desenvolvimento de estratégias diferenciadas para enfrentar a concorrência interna ao segmento de atuação da empresa. Face ao exposto, observa-se que o teleatendimento e os call centers se constituíram em um desafio teórico para os estudiosos do trabalho. As características intrínsecas a esse cenário de emprego, como, por exemplo, o uso intensivo de tecnologias informacionais para a execução das tarefas, a realização de trabalho fragmentado e, em alguns casos, repetitivo, além do controle eletrônico a que os teleoperadores são submetidos, levaram estudiosos brasileiros do trabalho a relacionar as formas de organização do trabalho encontradas nessas empresas ao taylorismo, agora numa versão revigorada e interconectada à realidade tecnológica atual. O conceito de infotaylorismo expressaria o taylorismo renovado, no qual os call centers seriam a principal referência empírica. (VENCO, 1999; OLIVEIRA, 2004; BRAGA, 2007). Entretanto, considera-se que a defesa da tese do infotaylorismo sustentada por esses estudiosos apresenta limites teóricos importantes, seja devido à tentativa de resgatar um conceito utilizado como paradigma explicativo da sociedade industrial, agora adaptado ao contexto da sociedade da informação, seja devido à possibilidade de generalização para todo o mercado de trabalho dos call centers dos achados dos estudos de caso que dão suporte à tese. Neste sentido, o propósito deste artigo é discutir os limites da tese do infotaylorismo aplicado à organização do trabalho em call centers, utilizando, como contraponto, respostas teóricas alicerçadas nas noções de heterogeneidade do trabalho e “emprego trampolim”. Tais noções serão apresentadas mais adiante no texto, visto que, num primeiro momento, considera-se necessário situar a tese do infotaylorismo no debate contemporâneo da Sociologia do Trabalho brasileira. Livro.indb 268 03/02/2011 11:34:29 269 Organização do Trabalho em Call Centers e a Tese do Infotaylorismo No Brasil, a maioria dos estudos realizados sobre a organização do processo de trabalho em call centers se insere no âmbito da tese da precarização generalizada do trabalho. Os estudos sobre precarização do trabalho no Brasil tiveram início em meados da década de 1990, investigando principalmente o processo de reestruturação produtiva industrial e as privatizações do período. O esgotamento desses processos, ao menos em termos da possibilidade de agregar novidades empíricas aos achados das pesquisas já existentes, levou os estudiosos do trabalho a testar a tese da precarização do trabalho nos novos cenários de emprego, sobretudo no setor de tecnologia da informação. Cabe destacar que a tese da precarização generalizada do trabalho não é uma novidade, tendo sido desenvolvida, em outros termos, na década de 1970, por Harry Braverman. Apoiado na teoria marxista, o autor argumenta, em seu livro “Trabalho e Capital Monopolista”, que o desenvolvimento do capitalismo acarretaria a degradação do trabalho. Para Braverman (1974), a degradação do trabalho observada na indústria, em virtude da aplicação do taylorismo como forma de organização da produção, estaria se difundindo no setor de serviços, visto que o mesmo também seria passível de divisão entre concepção e execução, rotinização das tarefas e intenso controle dos trabalhadores. Apoiados na tese bravermaniana de degradação do trabalho no capitalismo, bem como na tese que lhe é herdeira, a da precarização generalizada do trabalho, os estudiosos do trabalho, no Brasil, passaram a tomar os call centers como a linha de montagem taylorista da sociedade da informação, assumindo uma leitura estrutural e generalizada das formas possíveis de organização do trabalho nessas empresas. A partir de então, um novo conceito passou a ser utilizado para designar a forma de organização do trabalho nos cenários de emprego do setor de serviços intensivos na utilização de tecnologias informacionais: o infotaylorismo. No âmbito dos estudos do trabalho, a primeira investigação brasileira sobre o mercado de call centers foi realizada por Selma Venco, no final da década de 1990. O estudo da autora desenvolve o argumento de que a organização do trabalho, em um call center de uma instituição financeira, seria caracterizada pelos mesmos princípios tayloristas observados na indústria. Aspectos observados por Venco nas atividades de teleatendimento, como a divisão entre execução e concepção, controle dos tempos e movimentos e a seleção científica dos trabalhadores, estariam de acordo com os princípios tayloristas de organização do trabalho. (VENCO, 1999). Livro.indb 269 03/02/2011 11:34:29 270 Segundo Venco (1999), o taylorismo nos call centers seria possibilitado pelo alto grau de informatização do processo de trabalho, viabilizando o aumento da produtividade e o controle eletrônico do trabalho executado. Nos call centers, os sistemas de software seriam os instrumentos que conformam a organização do trabalho. O software: [...] distribui as chamadas telefônicas aos operadores há mais tempo ociosos, orienta sobre procedimentos, mensura o tempo de duração das ligações, emite relatórios de produtividade, registra o tempo de permanência e de interrupções nos postos de atendimento e, sobretudo, grava todos os atendimentos efetuados. (VENCO, 1999, p. 69). Venco (1999) argumenta que os sistemas de software registram todas as atividades realizadas no posto de trabalho, intensificando o ritmo do trabalho realizado e tornando possível o controle dos trabalhadores. Venco (1999) também destaca que o software possibilita avaliar o desempenho dos trabalhadores através de variáveis quantitativas. Por seu turno, os scripts padronizados de atendimento seriam utilizados para uniformizar as falas dos operadores, fornecendo orientações acerca das rotinas de trabalho. Segundo a autora, o scritp padronizado tornaria o trabalho rotineiro e repetitivo, tendo em vista que as possibilidades de originalidade e de autonomia de fala no contato com o cliente seriam limitadas por essa ferramenta. Também assumindo a tese da precarização generalizada do trabalho e o conceito de infotaylorismo, a pesquisadora Sirlei Oliveira realizou, em meados da década de 2000, estudo sobre as relações de trabalho na cadeia produtiva da telefonia fixa do Estado de São Paulo. Segundo Oliveira (2004), os call centers apresentam relações de trabalho baseadas na busca por uma produtividade precisa, articulada a uma racionalização crescente do trabalho. Na mesma linha de Venco (1999), nesse estudo Oliveira (2004) argumenta que os trabalhadores em call centers estão submetidos a intenso controle do trabalho realizado: seriam determinados o ritmo, as cadências e os procedimentos, não deixando espaço para uma possível autonomia dos teleoperadores. Em relação à atividade do teleoperador, Oliveira (2004, p. 268) destaca que: É um ofício que se exerce a partir de restrições quase que absolutas no que diz respeito à gestão do tempo e à intensificação do trabalho. O atendente submete-se a “fiscalização eletrônica” desde a movimentação no PA até o registro da quantidade de atendimentos realizados que é impresso não por ele, mas pela máquina. Livro.indb 270 03/02/2011 11:34:29 271 Conforme ressalta Oliveira (2004, p. 271), na empresa investigada a qualidade nos serviços prestados e a humanização do trabalho estariam colocadas em segundo plano, visto que a aliança entre a empresa de telefonia fixa contratante dos serviços e a empresa de call centers seguiu a “lógica que interessa às grandes empresas”, visto que aumentou as possibilidades de redução de pessoal e de controle de custos através da racionalização extrema do trabalho e aplicação de princípios tayloristas. Ainda no âmbito dos estudos que sustentam a tese do infotaylorismo, artigo publicado por Ruy Braga classifica os call centers como a face negativa do trabalho informacional. Segundo Braga (2007, p. 363), a organização do trabalho nos call centers seria condicionada por “pressão do fluxo informacional”, provocando a rotinização da comunicação e subordinação a um script de atendimento pré-definido. Para Braga (2007), as formas de organização do trabalho encontradas nos call centers seriam evidências da possibilidade de adaptação do taylorismo ao trabalho intelectual. Segundo Braga (2007, p. 364): Em última instância, trata-se de um tipo de trabalho que testemunha como nenhum outro a taylorização do trabalho intelectual e do campo das relações de serviço: uma comunicação instrumental sob a coação do fluxo informacional e prisioneira do script tendente a transformar o teleoperador em um autômato inquieto. Braga (2007) sustenta que a aplicação do taylorismo nos call centers teria como objetivo a intensificação do ritmo do trabalho através da instrumentalização da comunicação, visando à redução de custos operacionais. Recentemente, o lançamento do livro “Infoproletários”, organizado por Ricardo Antunes e Ruy Braga, retomou o debate sobre a introdução do taylorismo nas empresas de call centers. O livro reúne artigos de pesquisadores marxistas que analisam o emprego em call centers sob diversos aspectos, como as formas de organização do trabalho, a construção de identidades coletivas, a nova divisão sexual do trabalho, entre outros. O ponto de convergência entre esses autores seria a possibilidade de constituição de um novo proletariado, diferente do predominante nas sociedades industriais. Segundo Antunes e Braga (2009), o proletariado, ator coletivo emancipador da teoria marxista, na atualidade passaria a emergir de um novo lócus, como resultado das contradições capitalistas relativas à sociedade da informação. Livro.indb 271 03/02/2011 11:34:29 272 Considera-se que os estudiosos brasileiros do trabalho em call centers desenvolveram uma abordagem que generaliza os achados de estudos de caso e que não problematiza as diferenças inerentes aos segmentos que compõem o mercado. Este entendimento, totalizante em seus fundamentos, obscurece a possibilidade de compreensão de diferenças que supostamente possam ser encontradas no âmbito da pesquisa empírica sobre os call centers. Cabe destacar que a escolha de uma abordagem generalizante para analisar o mercado de call centers não é aleatória. Os estudos que sustentam conceitualmente o infotaylorismo derivam de abordagens teórico-metodológicas fundamentadas no marxismo e visam a reforçar a tese da degradação do trabalho no capitalismo. No Brasil, como referido anteriormente, esta tese está articulada com a perspectiva teórica que sustenta a precarização generalizada do trabalho. É necessário, num primeiro momento, estabelecer um diálogo crítico que evidencie seus limites. A utilização do termo “precarização”, que significa piora processual das condições de trabalho ao longo do tempo, mostra-se conceitualmente inadequada neste caso, visto que os call centers são um novo cenário de emprego e, por conta disso, a ação do tempo como elemento de sustentação de uma pretensa piora das condições de trabalho não parece razoável. Inclusive, muitos dos trabalhadores de call centers vivenciam sua primeira experiência no mercado de trabalho, não havendo um passado laboral em suas trajetórias. Por outro lado, caso o conceito de “precarização” seja entendido como degradação das condições estruturais do mercado de trabalho brasileiro nos últimos anos, cabe indagar sobre o passado do emprego no País e a qual modelo nãoprecário o mesmo se refere, bem como se o emprego não-precário, em algum momento, foi o modelo típico de inserção na estrutura ocupacional. O emprego industrial, sabidamente mais estável, nunca representou mais que a quarta parte do mercado de trabalho brasileiro (POCHMANN, 2001) e, como indicam dados governamentais, o mercado de trabalho brasileiro sempre conviveu com elevados índices de informalidade. Assim, no Brasil, o emprego formal estável sempre foi para poucos. Neste caso, a inadequação do conceito de “precarização”, para a análise do objeto a que se propõe, ultrapassa a dimensão meramente semântica. Sobre o taylorismo, pode-se afirmar que, no Brasil, foi adotado como modelo de organização do processo de trabalho, mas, diferentemente dos países da Europa central, esteve distante de se constituir como paradigma explicativo da era industrial. Neste sentido, as questões que se impõem saber são: qual passado do mercado de trabalho brasileiro é utilizado como referência empírica para sustentar Livro.indb 272 03/02/2011 11:34:29 273 a tese da precarização generalizada de trabalho nos anos recentes? Qual o poder heurístico do (info)taylorismo, paradigma explicativo da sociedade industrial, para analisar o emprego na sociedade da informação e em novos cenários de emprego como os call centers? Estas são questões que se impõem àqueles que sustentam as teses da precarização generalizada do trabalho e do infotaylorismo, mas que ainda não fazem parte da agenda dos estudiosos vinculados a tais perspectivas analíticas. Novos Rumos: A Sociologia da Heterogeneidade do Trabalho e o Conceito de “Emprego Trampolim” como Contraponto ao Infotaylorismo A resposta teórica que proponho à tese da precarização generalizada do trabalho combina as dimensões macro e micro que compõem a dinâmica das relações de trabalho. No âmbito da pesquisa sociológica, chamo-a de “Sociologia da heterogeneidade do trabalho”. Ela está fundamentada na necessidade de contemplar nos modelos de análise, por um lado, aspectos estruturais do mercado de trabalho (dimensão macro) e, por outro, as estratégias empregatícias que os atores sociais desenvolvem no decorrer de suas trajetórias ocupacionais (dimensão micro). Portanto, a Sociologia da heterogeneidade do trabalho é uma tentativa de conciliar polos tradicionalmente opostos na pesquisa sociológica: a) condicionamento estrutural e b) ação voluntária dos agentes sociais. Neste contexto, cabe à pesquisa sociológica averiguar qual o peso dessas duas dimensões nas situações concretas que se propõe investigar. Contudo, convém ressaltar que o termo “Sociologia da heterogeneidade do trabalho” foi utilizado pela primeira vez por Bruno Lautier, em artigo publicado na Revista Latino-Americana de Estudios del Trabajo, do ano de 1999, para sustentar a importância da realização de pesquisas que contemplem os aspectos microssociológicos inerentes às relações de trabalho. Entende-se, assim como Lautier, que uma eventual “Sociologia da heterogeneidade do trabalho” deve contemplar tais aspectos relativos à microssociologia, mas que também não deve abandonar a análise macrossociológica, pois esta última possibilita a investigação dos processos de mudança na estrutura ocupacional das sociedades que estão relacionados a eventos de maior abrangência e amplitude. Portanto, a heterogeneidade seria compreendida como uma categoria de análise que ultrapassaria as clivagens macro e micro, podendo ser utilizada seja no desvendamento de padrões relativos ao mercado de trabalho como um todo (em nível global, nacional, Livro.indb 273 03/02/2011 11:34:29 274 setorial etc.) e seus processos de mudança e/ou conservação, como suas dualidades e incongruências, seja na interpretação de aspectos relativos à subjetividade do trabalhador ou sua trajetória ocupacional. Caberia esclarecer que adotar a ideia de heterogeneidade como categoria de análise não implica aderir ao determinismo tecnológico como argumento. A heterogeneidade não é produto do desenvolvimento tecnológico, mas sim da complexificação das sociedades contemporâneas. Considera-se que o desenvolvimento tecnológico não se configura como processo autônomo, mas permeado por interesses e questões políticas que estabelecem a mediação entre seus fins e as formas concretas de sua apropriação. No caso do objeto empírico aqui analisado, os call centers, também é importante ressaltar que a tecnologia não está sendo considerada como o motor de uma possível heterogeneidade do trabalho no âmbito micro. A articulação entre as tecnologias informacionais e as diversas variáveis de natureza organizacional, que derivam da tomada de posição em termos de gestão do negócio, parecem estabelecer a mediação entre níveis mais ou menos elevados de heterogeneidade, na organização do processo de trabalho. Os resultados de estudos por mim realizados em call centers ligados a segmentos de mercado como provedor de serviços de Internet, distribuidora de energia elétrica, empresas de telecomunicações, empresas de cartões de crédito e de cobrança, sugerem que as formas de organização do trabalho nas empresas de teleatendimento estão distantes da possibilidade de generalização. Nos call centers investigados, o taylorismo está longe de ser o modelo hegemônico de organização do trabalho, visto que os mesmos apresentam padrões heterogêneos de organização do trabalho conjugando tarefas com conteúdo complexo e simplificado, ritmo e repetitividade do trabalho variáveis segundo o tipo de atividade, aspectos que em alguns casos apresentam-se como a realidade de diversas atividades relacionadas ao teleatendimento. (SILVA, 2004, 2006). No estudo realizado no ano de 2004 constatou-se que não é possível afirmar que o taylorismo seja a forma predominante de organização do trabalho em um call center que prestava serviços a um provedor de Internet e a uma empresa de telecomunicações. No caso de um tipo específico de operação, o teleatendimento receptivo3, haveria uma orientação para pressupostos de flexibilidade, visto que o trabalho realizado é orientado pela demanda de serviços. A maior ou menor procura por alguns tipos de serviços determina, em última instância, a quantidade de teleoperadores relacionados a uma atividade, ao ritmo, às pausas e à repetitivi3 No teleatendimento receptivo é o cliente que demanda certo tipo de produto ou serviço quem toma a iniciativa do contato telefônico. Livro.indb 274 03/02/2011 11:34:29 275 dade do trabalho. Já no telemarketing ativo4, normalmente relacionado à venda de produtos e serviços, há maior espaço para a padronização da fala do teleoperador, além de ser possível maior intensificação do ritmo do trabalho. (SILVA, 2004). No mesmo estudo constatou-se que atributos pessoais que possuem forte vinculação com os processos de socialização individual, tais como fatores comportamentais, habilidades comunicacionais, mas também qualificação técnica e formal, seriam impreteríveis, tanto para a admissão quanto para o desempenho da atividade de teleoperador, aspecto que contraria a lógica do taylorismo, que não demandaria perfis sócio-ocupacionais possuidores de tais atributos.5 (SILVA, 2004). Passados dois anos da realização da investigação anteriormente citada, em estudo realizado em call centers que atuam em três diferentes segmentos de mercado, constatou-se que as empresas adotam variadas estratégias de flexibilidade laboral no processo de organização do trabalho. Tais estratégias eram orientadas ora pela qualidade dos serviços prestados aos clientes, ora pela redução de custos operacionais. O estudo foi realizado em três empresas prestadoras de serviços de call center situadas na Região Metropolitana de Porto Alegre-RS, atuando nos seguintes segmentos de mercado: a) distribuidora de energia elétrica; b) recuperação de crédito e help desk; c) cartões de crédito. (SILVA, 2006). Os achados de pesquisa indicaram que o call center que prestava serviços para uma distribuidora de energia elétrica adotava estratégia de flexibilidade laboral que seguia a lógica da qualidade do atendimento prestado ao cliente. Aspectos como o tipo de subcontratação estabelecida, em regime de terceirização parcial, que requer maior envolvimento da empresa contratante na prestação do serviço, bem como a presença de agência de regulamentação no setor6 em que o call center encontra-se inserido, condicionavam a adoção de tal lógica e influenciavam positivamente as condições de trabalho. Observou-se também que o call center não utilizava script padronizado de atendimento, apresentava menor quantidade de ligações atendidas por um teleoperador e tempos médios de ligação mais longos, bem como apresentou, entre as três empresas investigadas, o maior tempo médio de emprego entre os entrevistados. 4 No telemarketing ativo é o teleoperador que toma a iniciativa do contato telefônico, dando início à conversação. 5 O “trabalhador bovino”, de Frederick Taylor, é o exemplo clássico do perfil sócio-ocupacional possuidor de pouca ou nenhuma qualificação e seria predominante nas linhas de montagem tayloristas. 6 A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) avalia periodicamente a qualidade dos serviços prestados pelo call center, através do cumprimento dos indicadores estabelecidos por uma resolução normativa de 2004. Tal medida visa a padronizar os serviços de teleatendimento prestados pelas concessionárias ou permissionárias encarregadas da distribuição de energia elétrica, estabelecendo: disponibilidade para atendimento nas 24 horas do dia, sete dias por semanas; obrigatoriedade de gravação em meio magnético de uma amostra diária dos atendimentos para fins de monitoramento e fiscalização da qualidade do atendimento prestado; índices máximos de abandonos e de chamadas ocupadas calculados a partir de fórmula estabelecida pela ANEEL; atendimento em, no máximo, dois sinais sonoros e tempo máximo em espera para atendimento de, no máximo, 30 segundos. Livro.indb 275 03/02/2011 11:34:30 276 Já o call center que prestava serviços de recuperação de crédito e help desk, adotava a estratégia que seguia a lógica da redução dos custos laborais para as atividades que necessitam de menor especialização. Operações relacionadas à prestação de informações, pesquisa e qualificação de serviços de menor complexidade e de maior repetitividade, eram desempenhadas por teleoperadores contratados como estagiários, sem vínculo por Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), predominantemente jovens, possuidores de menor escolaridade e em primeira inserção no mercado de trabalho, enquanto que a operação relacionada à recuperação de crédito, de maior complexidade e que possibilitava maiores margens de ação e negociação ao teleoperador, era desempenhada por empregados possuidores de contratos de trabalho por tempo indeterminado, com maior escolaridade e remuneração mais elevada. O caso deste call center é emblemático e demonstra que a heterogeneidade nas condições de trabalho não está presente apenas no mercado de call centers como um todo, mas também no interior de uma mesma empresa. Em relação ao call center que prestava serviços para empresas de cartões de crédito, foi possível afirmar que a estratégia de flexibilidade laboral adotada efetiva-se a partir de polivalência dos teleoperadores no interior de uma mesma empresa-cliente. Ou seja, o teleoperador era contratado para prestar serviços a somente uma empresa-cliente, mas estava apto a realizar atendimentos de variadas naturezas, como venda de cartões de crédito para titulares e dependentes, seguro em caso de perda do cartão, entre outros. Portanto, a estratégia de flexibilidade laboral utilizada seria mais restrita comparativamente aos outros dois call centers estudados. O call center apresentou o menor tempo médio de emprego entre os teleoperadores entrevistados, bem como maior intensificação do ritmo de trabalho e repetitividade das tarefas devido ao tipo de atividade desempenhada, relacionada ao telemarketing ativo. Neste mesmo estudo buscou-se identificar o sentido que os teleoperadores atribuíam às tarefas que desempenhavam. Através de uma pergunta de múltipla escolha aplicada por questionário, solicitou-se que os teleoperadores indicassem a palavra que melhor definiria o trabalho que realizavam. Livro.indb 276 03/02/2011 11:34:30 277 Gráfico 1 - Entre as Palavras Abaixo, Qual Melhor Define seu Trabalho? Fonte: Silva (2006). Distribuidora de energia elétrica: n = 51; Recuperação de crédito e help desk: n = 53; Cartões de crédito: n = 108 O call center que prestava serviços para empresas de cartões de crédito apresentou o maior índice de teleoperadores que consideravam seu trabalho criativo/ intelectual (47%). É possível supor que a necessidade de vender o produto torne necessária a criatividade nos diálogos com o cliente. Já o maior percentual de teleoperadores que consideram seu trabalho técnico/complexo foi observado no call center especializado em recuperação de crédito e help desk (26%). A prestação de suporte técnico, que é a atividade-fim do help desk, justificaria o índice mais elevado entre as três empresas analisadas. Nos três call centers analisados, os percentuais de teleoperadores que definem seu trabalho como rotineiro/repetitivo Livro.indb 277 03/02/2011 11:34:30 278 variou entre 26% e 37% dos entrevistados, sendo o maior percentual observado no call center da empresa de distribuição de energia elétrica (37%). O estudo concluiu que as estratégias de flexibilidade laboral presentes nas empresas investigadas configuram-se a partir de variadas condições de emprego e formas de organização do trabalho. Observou-se, também, que as relações de trabalho são condicionadas tanto por questões estruturais do mercado de trabalho quanto pelo perfil das empresas, no que se refere às peculiaridades do gerenciamento da força de trabalho. (SILVA, 2006). Por seu turno, a percepção dos trabalhadores sobre o trabalho que realizam se configurou num paradoxo, visto que no call center da empresa distribuidora de energia elétrica, que apresentou os melhores indicadores nas condições de emprego e formas mais participativas de organização do trabalho, foi encontrado o maior percentual de teleoperadores que consideram seu trabalho rotineiro/repetitivo. Concluída a pesquisa que tratava das estratégias de flexibilidade laboral adotada nos três call centers da Região Metropolitana de Porto Alegre, restava investigar os motivos que levavam os teleoperadores com melhores condições de trabalho e emprego a considerar seu trabalho mais rotineiro e repetitivo, comparativamente aos teleoperadores das outras duas empresas. Como o questionário padronizado aplicado na pesquisa contemplava dados relativos à satisfação com o emprego, buscou-se estabelecer relação entre o perfil sócio-ocupacional dos trabalhadores e sua percepção sobre aspectos de satisfação com o emprego, mais especificamente com relação a: 1) oportunidade de aprender; 2) atividade interessante; 3) oportunidades de promoção e; 4) reconhecimento dos méritos. Neste sentido, buscou-se, através da realização de análise de regressão linear, determinar em que medida as variáveis relativas ao perfil sócio-ocupacional dos teleoperadores, como sexo, idade, escolaridade, faixa de rendimentos, tempo de emprego, tipo de atividade realizada e complexidade do atendimento, se relacionam à satisfação com o emprego. No estudo, o grau de satisfação com o emprego foi definido como percepção subjetiva do empregado em relação à sua ocupação. Entre diversas possibilidades de tentar apreender a satisfação com o emprego, foram selecionados quatro indicadores: trabalho interessante, oportunidade de aprender, reconhecimento dos méritos e oportunidade de promoção. A escolha dos quatro indicadores sustentou-se nos objetivos do estudo, que visava avaliar a influência do perfil sócio-ocupacional do empregado no seu grau de satisfação. Livro.indb 278 03/02/2011 11:34:30 279 Gráfico 2 - Grau de Satisfação dos Empregados - Trabalho Interessante Fonte: Silva e Mocelin (2009). A satisfação relacionada à possibilidade de realização de trabalho interessante apresentou índices relativamente elevados. Somente 26 teleoperadores se disseram insatisfeitos com esse quesito. Em contrapartida, constataram-se índices semelhantes entre entrevistados que disseram estar razoavelmente satisfeitos ou satisfeitos com esse aspecto, reunindo o total de 182 entrevistados. O indicador relativo à satisfação com a oportunidade de aprender foi o que apresentou maior percentual de entrevistados, bem como o menor percentual de insatisfação. Neste sentido, acredita-se que as frequentes mudanças tecnológicas e de conteúdo do trabalho realizado, em muitos casos de natureza técnica, colaborem para os elevados índices de satisfação encontrados. Livro.indb 279 03/02/2011 11:34:30 280 Gráfico 3 - Grau de Satisfação dos Empregados - Oportunidade de Aprender Fonte: Silva e Mocelin (2009). Em relação à satisfação com o reconhecimento dos méritos, foi possível constatar índice de insatisfação mais elevado vis-à-vis aos aspectos anteriores. Constatou-se também que, quanto maior o tempo de emprego, maior a insatisfação com relação ao reconhecimento dos méritos. Isto se explica na medida em que, passado algum tempo, o teleoperador percebe limitada a possibilidade de carreira na empresa, pois não foi promovido ao cargo hierarquicamente superior, o de supervisor. Gráfico 4 - Grau de Satisfação dos Empregados - Reconhecimento dos Méritos Fonte: Silva e Mocelin (2009). Livro.indb 280 03/02/2011 11:34:30 281 Gráfico 5 - Grau de Satisfação dos Empregados - Oportunidade de Promoção Fonte: Silva e Mocelin (2009). Aspecto semelhante ao anterior, a satisfação em relação à oportunidade de promoção foi a variável que apresentou níveis mais reduzidos de satisfação. Somente 45 dos 207 entrevistados se disseram satisfeitos com as oportunidades de promoção. Por sua vez, o indicador “razoavelmente satisfeito” reuniu 95 entrevistados, e os insatisfeitos somaram 67. Assim como no caso da variável anterior (reconhecimento dos méritos), quanto maior o tempo de emprego maior a insatisfação com a oportunidade de promoção. Paralelamente à análise descritiva dos indicadores, o estudo se propôs realizar regressão múltipla linear, estabelecendo relação entre o perfil sócio-ocupacional dos entrevistados e seu grau de satisfação com o emprego. Com o intuito de tornar mais homogênea a variável dependente do estudo, as quatro variáveis relativas à satisfação com o emprego foram agrupadas em uma única variável, através de recurso à análise fatorial. As variáveis independentes, oriundas dos indicadores relativos ao perfil sócio-ocupacional dos entrevistados (sexo, idade, escolaridade, faixa de rendimentos, tempo de emprego, tipo de atividade realizada e complexidade do atendimento) foram relacionadas à satisfação com o emprego, esta a variável dependente do estudo. O R² obtido com o modelo foi de 0,200. Livro.indb 281 03/02/2011 11:34:30 282 Tabela 1 - Resumo da Regressão Modelo R R quadrado R quadrado corrigido Erro típ. da estimacão 1 ,448(a) ,200 ,167 ,90417969 Fonte: Tabulação de Dados. Em relação à significância, constataram-se melhores índices nas seguintes variáveis independentes: tempo de emprego (,000); faixa de rendimentos (,098); escolaridade (,132); e tipo de atendimento (,182). O modelo de regressão demonstrou que a variável que condiciona de modo mais significativo a satisfação com o emprego é o tempo de emprego, que possui uma relação inversa com a satisfação, ou seja, quanto maior o tempo de emprego, menor a satisfação com o emprego. A regressão demonstra que para cada unidade de tempo de emprego (meses) a satisfação com o emprego diminui 0,434. Tabela 2 – Coeficientes Obtidos na Regressão Modelo 1 Constante Coeficientes não estandarizados Coeficientes estandarizados t Sig. B Erro típ. Beta B Erro típ. -,711 ,478 -,452 ,636 Sexo ,191 ,166 ,082 1,153 ,250 Idade ,004 ,013 ,023 ,323 ,747 -,109 -1,512 ,132 Escolaridade -,100 ,066 Tipo de atividade ,246 ,184 Tempo de emprego -,042 ,007 Complexidade do atendimento ,194 ,193 ,080 1,005 ,316 Faixa de rendimento ,131 ,079 ,125 1,663 ,098 ,108 1,341 ,182 -,434 -5,618 ,000 Fonte: Silva e Mocelin (2009). Os resultados obtidos na pesquisa apontaram que o tempo de emprego é o principal indicador explicativo da (in)satisfação com o emprego. Neste sentido, Livro.indb 282 03/02/2011 11:34:30 283 quanto maior o tempo de permanência no emprego, maior a insatisfação com o mesmo, motivando o desligamento voluntário do trabalhador, sobretudo quando ele se qualifica ou encontra emprego melhor. O estudo constatou que os call centers tendem a se caracterizar, de fato, como ocupação ou emprego de passagem, ou seja, um emprego temporário para suprir uma situação que o próprio empregado considera como transitória. Assim, a recurso metodológico à Sociologia da heterogeneidade do trabalho permitiu o desenvolvimento do conceito de “emprego trampolim”, definido como postos de trabalho temporariamente ocupados pelos trabalhadores, mas que não são atrativos profissionalmente, sendo descartados quando o trabalhador encontra uma melhor oportunidade ou conclui seus estudos, sua formação técnica ou graduação. O ambiente favorável para a emergência do “emprego trampolim” congrega duas dimensões fundamentais: por um lado, exige um trabalhador jovem, escolarizado, qualificado, criativo e, por outro, oferece salários relativamente baixos, comparativamente aos requisitos de qualificação exigidos, poucas possibilidades de ascensão hierárquica, ritmo de trabalho intenso em alguns tipos de teleatendimento (sobretudo relacionados ao telemarketing ativo), flexibilidade em horários e preocupações com ergonomia. Condições estruturais do mercado de trabalho influenciam o aumento da taxa de rotatividade nas empresas, bem como a falta de identificação dos trabalhadores com a atividade que desempenham e com a sua categoria profissional. Tais condições influenciam a reelaboração dos sentidos do estar empregado e do estar desempregado, uma vez que o foco das estratégias que definem o “emprego trampolim” não estaria fundado na obtenção da estabilidade, e sim na superação transitória e individual das condições materiais e simbólicas dos atores sociais envolvidos. Considerações Finais A problematização proposta neste artigo é, antes de tudo, conceitual, e o que está em jogo é o poder heurístico do conceito de taylorismo, agora unido ao prefixo “info”, no intuito de analisar um mercado de trabalho situado na base da estrutura ocupacional da sociedade da informação. Desde o surgimento da Sociologia como disciplina científica, os sociólogos têm reafirmado a importância do rigor conceitual para o desvendamento da realidade social. Na Sociologia do Trabalho contemporânea isso não é diferente. Mais do que uma tentativa de explicação de um aspecto constituinte da vida social, discute-se o sentido da interpretação sociológica sobre o trabalho, suporte social estruturante das sociedades modernas. Livro.indb 283 03/02/2011 11:34:30 284 A abordagem generalizante do trabalho em call centers que se difundiu no Brasil durante a última década, sustentada na tese da precarização generalizada do trabalho, parece ter alcançado seu limite. Como contraponto, uma abordagem que assuma a heterogeneidade do trabalho como pressuposto nos modelos de análise permite que se articulem aspectos relativos às condições estruturais do mercado de trabalho e às estratégias empregatícias dos trabalhadores. Nesta proposta, as regularidades que por ventura sejam identificadas surgem no próprio processo de desvendamento da realidade, e não da tentativa de readequação conceitual do taylorismo. O recurso à heterogeneidade permite o desenvolvimento de novos conceitos, que surgiriam não só das regularidades, mas também das singularidades, seja de um segmento do mercado de trabalho, seja de uma ocupação específica, bem como incorporando a percepção dos trabalhadores. Estariam em evidência a possibilidade de produzir conhecimento sobre novas formas de uso e gestão do trabalho, novas estratégias de dominação social, bem como o sentido que os trabalhadores atribuem ao trabalho que realizam. Em relação aos call centers, passados mais de dez anos da privatização do monopólio estatal das telecomunicações no Brasil e da consequente expansão dos serviços, pode-se afirmar que a atividade de teleatendimento se consolidou como principal referência empírica na análise do processo de trabalho informacional. Por aliar, de um lado, trabalhadores razoavelmente instruídos quando comparados aos níveis gerais do mercado de trabalho, e, de outro, baixos índices de profissionalização, pode-se afirmar que o emprego em call centers se constitui num paradoxo. O perfil sócio-ocupacional dos teleoperadores não segue o padrão das atividades em que os trabalhadores estão coletivamente mais organizados, como nas empresas de setores tradicionais, nem mesmo segue o padrão do mercado de trabalho em geral, visto que apresenta especificidades vinculadas à natureza do trabalho executado em call centers e às aspirações dos trabalhadores. REFERÊNCIAS ANTUNES, R.; BRAGA, R. (Org.). Infoproletários: a degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo, 2009. BRAGA, R. Crônicas de autômato: o infotaylorismo como contratempo. In: MACIEL, M. L.; ALBAGLI, S. Informação e desenvolvimento: conhecimento, inovação e apropriação social. Brasília, DF: UNESCO, 2007. p. 355-384. Livro.indb 284 03/02/2011 11:34:30 285 BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. CASTELLS, M. A era da informação: economia, sociedade e cultura. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. V. 1: A sociedade em rede. HUALDE, A.; MICHELI, J. Mercados de trabalho nos setores de tecnologias da informação e comunicação no México. In: GUIMARÃES, S. M. K. (Org.). Trabalho, emprego e relações laborais em setores intensivos em conhecimento: Brasil, México e Canadá. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009. p. 103-126. LAUTIER, B. Por uma sociologia da heterogeneidade do trabalho. Revista Latinoamericana de Estúdios del Trabajo, São Paulo, ano 5, n. 9, p. 7-32, 1999. MOCELIN, D. G.; SILVA, L. F. S. C. da. O telemarketing e o perfil sócio-ocupacional dos empregados em call centers. Cadernos do CRH (UFBA), v. 21, n. 53, p. 365-387, 2008. OLIVEIRA, S. M. Reestruturação das telecomunicações no Brasil: uma re(visão) das estratégias de gestão da produção e das relações de trabalho na cadeia produtiva (estudo de caso da telefonia fixa em São Paulo – 1990-2003). 2004. f. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. POCHMANN, M. O emprego na globalização: a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo Editorial, 2001. SETOR de telesserviços prevê um milhão de empregos diretos até 2010. Disponível em: <http://www.calltocall.com.br/site/web/noticias.asp?id_noticia=3886>. Acesso em: jan. 2009. SILVA, L. F. S. C. da. A heterogeneidade como pressuposto: o trabalho em call centers. In: GUIMARÃES, S. M. K. (Org.). Trabalho, emprego e relações laborais em setores intensivos em conhecimento: Brasil, México e Canadá. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009. p. 127-144. ______. Novos cenários de emprego nas telecomunicações: trabalho e qualificação em um Call Center de Porto Alegre. 2004. Trabalho de Conclusão (Graduação em Ciências Sociais) - Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004. Livro.indb 285 03/02/2011 11:34:31 286 ______. Relações de trabalho em empresas de call center: flexibilidade laboral e perfis sócio-ocupacionais em cenário recente de emprego. 2006. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. VENCO, S. Telemarketing nos bancos: o emprego que desemprega. 1999. Dissertação (Mestrado em Educação) - Departamento de Ciências Sociais Aplicadas à Educação, Universidade de Campinas, Campinas, 1999. Livro.indb 286 03/02/2011 11:34:31 ORGANIZAÇÃO E PODER NO AMBIENTE DE TRABALHO NUM CONTEXTO DE LIBERALIZAÇÃO1 José Ricardo de Paula Xavier Vilela2 Antonio Carvalho Neto3 Mariana de Oliveira Vilela4 Introdução Vivemos num contexto de liberalização crescente desde o rompimento dos acordos de Bretton Woods, no início dos anos 1970, com a crise do sistema fordista de regulação e da proposta social-democrata de um capitalismo mais inclusivo e menos excludente. Os partidos de origem social-democrata que chegaram ao poder nos países centrais, depois de amargarem sucessivas derrotas tiveram de se adaptar à nova lógica liberal de menos Estado e mais mercado. Em alguns países a lógica liberal vigorou com mais força, em outros com menos força, mas, ainda assim, sempre suplantou a reação social-democrata nestes quase quarenta anos. A própria social-democracia liberalizou seu discurso, por assim dizer. Mesmo com a aguda crise de 2008, causada pelos desvarios especulativos de um mercado financeiro excessivamente desregulado, não há sinais significativos de que esse rumo liberal na economia e na política seja modificado. No Brasil a situação não é muito diferente, grosso modo, ainda que nos governos Lula tenha havido maior intervenção do Estado na execução de políticas públicas de distribuição de renda, como o Programa Bolsa Família e o aumento do salário mínimo acima da inflação. Neste quadro de continuada liberalização, a organização, aqui entendida como a grande empresa capitalista, vem ganhando força cada vez maior como lócus de poder. O que pretendemos neste estudo é discutir o poder nas 1 Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo apoio ao Núcleo de Estudos em Recursos Humanos e Relações de Trabalho (NERHURT) do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), de onde se originou este capítulo. 2 Mestre em Administração e Doutorando pelo PPGA da PUC Minas, pesquisador do NERHURT. 3 Doutor em administração, Coordenador do PPGA da PUC Minas; Coordenador da Divisão Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho (GPRT) da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração (ANPAD); coordenador do NERHURT. 4 Mestranda em Administração pelo PPGA da PUC Minas, pesquisadora do NERHURT. Livro.indb 287 03/02/2011 11:34:31 288 organizações a partir de uma visão que busca integrar o espaço macro das relações de trabalho (industrial relations na literatura internacional), sujeito aos determinantes socioeconômicos e políticos discutidos acima, ao espaço micro, de dentro da empresa, consubstanciado na gestão de recursos humanos. Pretendemos, aqui, dar um enfoque diferente e até certo ponto provocativo à discussão sobre poder nas organizações, normalmente tratado a partir do equilíbrio (ou não) de poder entre os atores sociais coletivos. Partindo do ponto de vista do indivíduo (que vai certamente refletir no coletivo), cientes do autoritarismo escravocrata que herdamos no Brasil, utilizaremos resultados de uma pesquisa onde foi aplicada a escala de autoritarismo de Theodor Adorno nos dirigentes de níveis tático e estratégico de cooperativas e de empresas em Minas Gerais para discutir o poder nas organizações. Qualquer tema que tenha como parte de seu conteúdo as relações de poder é complexo e extenso, em função dos diversos enfoques que a ele podem estar ligados e que são determinados pela origem (histórica, cultural, econômica e social) de quem o aborda. Não se pode deixar de considerar os enfoques produzidos em contextos diferentes, ainda que pelas mesmas razões tenhamos de realizar escolhas. Para contextualizar a discussão, uma abordagem compreensiva das relações de poder em organizações no Brasil deve considerar os autores que se dedicaram a analisar a sociedade brasileira na qual estão inseridas as organizações. Entre eles destacamos Roberto da Matta (1990, 1991, 1997), Raimundo Faoro (2001), Marilena Chauí (1986), Sérgio Buarque de Hollanda e Darcy Ribeiro, além de clássicos como Euclides da Cunha. O que se constata numa revisão desse tipo é que as organizações estão inseridas em uma sociedade “mestiça, múltipla, de ethos aristocrático, com marcas mais profundas deixadas pela escravidão do que nos demais países das Américas. Essa associação predispõe ao autoritarismo, à síndrome de distanciamento com relação ao poder.” (BERTERO, 2007, p. 36). Pesquisas realizadas nas grandes organizações brasileiras, ao abordarem as relações interpessoais, têm observado, tanto nas empresas quanto nas instituições políticas do País, comportamentos caracterizados pelo distanciamento do poder, personalismo e estilos pouco participativos de gestão (BARROS, 2004; BERTERO, 2007; HOFSTEDE, 1983) com extensão às organizações das características observadas nas relações sociais no País. Livro.indb 288 03/02/2011 11:34:31 289 Um estudo das relações de poder nas organizações deve incluir uma abordagem sobre relações autoritárias entre indivíduos no Brasil. Para essa discussão é realizada uma pequena revisão do referencial teórico que a sustenta. Assim, neste capítulo estudaremos o poder nas relações entre indivíduos, em geral e no trabalho, a partir de autores que pesquisaram o tema no plano internacional e no Brasil. Para situar a discussão no ambiente de trabalho será feita, também, uma breve revisão que buscará contextualizar a evolução na compreensão das relações de trabalho e do campo da gestão dos recursos humanos. Trata-se, aqui, de abordagem que vai ao encontro de importante corrente teórica de relações de trabalho que tem buscado analisar essas relações em conjunto com a gestão de recursos humanos, integrando a visão macro e micro. (KATZ; KOCHAN; WEBER, 1985; KOCHAN, 2000; KAUFMAN, 2002). Por fim, chamamos a atenção para o fato de que, para conduzir as discussões relativas às relações de poder, optamos por contextualizá-las, considerando as diferenças na estrutura organizacional e procurando não desconsiderar, como variável relevante, o comportamento autoritário dos indivíduos. Referencial Teórico Primeiramente, procuraremos recuperar o desenvolvimento do papel das pessoas nas empresas, utilizando para isso os estudos realizados sobre o desenvolvimento da gestão de recursos humanos, de um lado, e o das relações de trabalho, de outro, até o momento atual. Para facilitar a compreensão do quadro atual utilizaremos uma tipologia de gestão de recursos humanos que ajude a identificar as tensões existentes em cada modelo descrito para as organizações. Como a tensão em um relacionamento põe em evidência, para a sua resolução, as relações de poder, será feita, a seguir, uma abordagem sobre o tema do poder na literatura, inicialmente envolvendo as organizações em geral, e, depois, um breve apanhado das discussões envolvendo o poder no Brasil e nas organizações brasileiras. Devido à extensão do tema e à limitação de espaço neste capítulo, a abordagem deverá ser necessariamente sucinta, ficando como sugestão, para o leitor interessado em se aprofundar na matéria, referenciar-se à bibliografia citada. Livro.indb 289 03/02/2011 11:34:31 290 A Origens da Gestão de Recursos Humanos e das Relações de Trabalho Como veremos mais à frente neste texto, a maioria dos autores que conduziram as discussões sobre o poder nas organizações – pelo menos, os do mainstream das discussões, situada no campo funcionalista – teve como foco prioritário a estrutura. O indivíduo, ainda que considerado – uma vez que é ele quem exerce ou sofre os efeitos do poder – ficou relegado a um segundo plano nessa discussão. É uma tendência que pode ser identificada já no modo como os indivíduos foram considerados na evolução histórica do seu papel nas organizações. Kaufmann (2002) faz uma abrangente revisão das origens do campo acadêmico de estudos na área de gestão de recursos humanos. Toda a literatura sobre temas que basicamente são hoje objeto da gestão de recursos humanos, num primeiro período – até os primeiros anos da décasda 1920 – foi escrita por economistas, em revistas de Economia. Foi também nessas revistas que o autor identificou muitas referências a cursos sobre administração de pessoal, que eram ministrados por economistas, com temas basicamente na área que seria hoje considerada como relacionada à gestão de recursos humanos. O foco principal de preocupação dos economistas eram os problemas do trabalho – alto turnover, baixos salários, gerenciamento arbitrário e autoritário, jornada de trabalho excessivamente longa. A despeito disso, muitas das soluções propostas para os problemas do trabalho, identificados pelos economistas, vieram de outras áreas como Sociologia, Ciências Políticas e Administração – já que o trabalho era, desde então, considerado temática multidisciplinar. As soluções envolviam atores diferentes: empregadores, na forma de práticas mais eficazes de gerenciamento de pessoal; trabalhadores, na forma de sindicalização; e comunidade, que deveria proteger os seus trabalhadores através de leis trabalhistas. Paralelamente, o sucesso dos testes de aptidão aplicados pelo Exército norteamericano para o recrutamento de trabalhadores na Primeira Guerra Mundial também traz para a discussão os psicólogos industriais. O foco destes últimos estava na realização dos testes psicológicos, com o que chamaram a atenção dos homens de negócio e dos consultores – cuja preocupação estava voltada para a técnica e a implementação de práticas mais eficientes de gestão de recursos humanos. Na década de 1920, o termo mais utilizado para falar de todas essas áreas era Relações Industriais ou Industrial Relations (RI), compreendido como envolvendo as relações de negociação coletiva, dentre as quais se incluem as relações Livro.indb 290 03/02/2011 11:34:31 291 sindicais e as relações diretas do trabalhador com o empregador. O que se percebe é o termo RI envolvendo atividades multidisciplinares que podem ser subdivididas em dois grandes eixos: o primeiro, que diz respeito ao gerenciamento da força de trabalho dentro da organização, e o segundo, relacionado à atividade sindical. A partir das experiências de Elton Mayo, nos EUA, da década de 1930, sobre a relação entre melhores condições de trabalho e aumento da produtividade, começa-se a perceber uma separação entre os temas tratados pelos economistas do trabalho e a gestão de recursos humanos. Essa separação está representada nas décadas de 1940 e 1950 pelo human relations movement, e atinge o seu apogeu na década de 1970. Existem, ainda, duas outras razões que justificam essa separação: (1) a preocupação maior na economia neoclássica com o mercado, e menor com a ação das pessoas; e (2) a especialização e a funcionalização da administração de negócios, exigindo a especialização de pessoas no conhecimento específico para o atendimento às necessidades identificadas nessa área. Após a Segunda Guerra Mundial, começa-se a perceber o início do interesse de PhDs em Sociologia e Psicologia pela área de negócios. Mas, enquanto as discussões sociológicas progrediam, era possível constatar três fatores que dificultavam o progresso da Psicologia nesse campo: (1) o fato de que ela veio de uma área evidentemente fora da área de negócios; (2) o fato de que a preocupação dos psicólogos em geral com a área de psicologia industrial naquele momento era pequena; e (3) que os estudos em Psicologia estavam ligados a uma área considerada periférica para os assuntos de negócios. Na década de 1970, a crise econômica mundial motivou os estudiosos a pesquisarem as diferenças na forma de gestão de recursos humanos em países como o Japão. Surgiu, então, o enfoque sobre a cultura organizacional, que parte do pressuposto de que cada organização, cada empresa desenvolve uma cultura própria. Surgiram também autores que tratam da relação entre essa cultura organizacional e a cultura nacional do país onde as organizações foram geradas ou do país que as hospeda. O trabalho de Hofstede (1983) neste sentido é emblemático. Já nos dias atuais, Kochan (2000) estuda as RI nos países mais desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos. Kochan (2000) identifica mudanças importantes que estão ocorrendo, fundamentadas principalmente no papel exercido pelo conhecimento, pela informação e pelo próprio capital humano. Essas mudanças tendem a modificar o papel e o poder dos sindicatos, desviando o poder de sindicatos mais centralizados para representantes dos trabalhadores de cada empresa – principalmente no caso de empresas maiores. Também para o empregador as Livro.indb 291 03/02/2011 11:34:31 292 novas formas de estruturação dos negócios – como redes e parcerias estratégicas – têm diminuído o poder de um setor da economia de forma mais centralizada, derivando novamente para o gestor individual. Para Kochan (2000), a discussão atual sobre as RI deveria incluir outros atores que estão se mostrando relevantes no cenário do trabalho: as mulheres, os trabalhadores mais jovens, os ambientalistas, os estudantes e muitos outros movimentos sociais, como os de consumidores – ao contrário de se considerar somente os atores sociais coletivos tradicionais, os trabalhadores e os empregadores. Esses estudos permitem que se trace um paralelo entre o que foi desenvolvido para as RI e o conhecimento das relações de poder nas organizações – evoluindo de uma visão toda voltada para a estrutura para aquela que considera o indivíduo como o ator mais importante da investigação. A estrutura nunca foi abandonada como um dado relevante nesses estudos, mas sua importância tem sido relativizada, dependendo da linha teórica seguida pelo autor, como será visto. Para que esta discussão fique ainda mais clara, traçaremos, a seguir, a relação entre a estrutura das organizações e os modelos atuais de gestão de recursos humanos, com suas tensões, como foi proposto por Nizet e Pichoult (2007). Esse é o modelo que parece mais adequado para os objetivos propostos para este capítulo. Tipologia dos Modelos Atuais de Gestão de Recursos Humanos (GRH) e suas Tensões Nizet e Pichoult (2007) estabelecem uma relação entre a configuração da organização baseando-se nas clássicas cinco configurações propostas por Mintzberg (1995) e as diferentes formas utilizadas pelas organizações para lidar com o seu subsistema social. O resultado é uma tipologia também com cinco modelos, sumarizada como segue: (a) Modelo arbitrário: é o modelo mais encontrado em organizações familiares (ou que possuem poucos donos), principalmente nas fases iniciais de sua existência, mas que pode se estender por um longo período de seu crescimento enquanto o poder estiver ligado a uma liderança de caráter carismático – como essa terminologia é compreendida na definição weberiana. (WEBER, 1974). Possui práticas de Gestão de Recursos Humanos (GRH) que são definidas pelo dirigente da empresa, sem referência a qualquer critério pré-estabelecido, uma vez que o poder é exercido sem limites por um líder carismático; Livro.indb 292 03/02/2011 11:34:31 293 (b) Modelo objetivizador: as práticas se relacionam a critérios formalizados e impessoais, onde a padronização de procedimentos ou resultados é definida em convenções coletivas e aplicada indistintamente a todos os que compõem a organização. É o modelo preferencialmente encontrado em organizações burocráticas – também da forma como a burocracia foi definida por Weber (1974); (c) Modelo individualizador: as práticas são definidas por negociações interpessoais, sendo específicas para cada indivíduo – geralmente pessoas bem qualificadas – que as definem junto ao seu superior na escala hierárquica. É o modelo que se espera encontrar em uma adhocracia – da forma como esta foi definida por Mintzberg (1995); (d) Modelo convencionalista: também envolve profissionais bem qualificados, que definem coletivamente regras e procedimentos válidos para todos, e aos quais se submetem livremente. É o modelo que se espera encontrar em uma configuração profissional onde as normas são definidas em debates, nos quais se permite o contraditório, visando à coexistência de especialistas que possuem autonomia operacional – como acontece, por exemplo, em universidades e em hospitais; e (d) Modelo valorativo: supõe que os valores que mobilizam os trabalhadores da organização seriam mais legítimos ou importantes que práticas de GRH, afastando qualquer tentativa de implantação dessas práticas. É o mais encontrado em uma configuração “missionária” – como esta foi definida também por Mintzberg (1995). Poderemos supor que essas relações não sejam estanques e que, na prática do dia-a-dia das organizações algumas descontinuidades entre as configurações e o modelo de GRH sejam percebidas. Isso pode ocorrer em função de muitas variações como, por exemplo, a presença de programas de modernização de práticas de GRH, que não atingem a configuração da organização ou, ao contrário, de mudanças estruturais que são implantadas sem se abandonar práticas já estabelecidas de GRH. Entretanto, para efeitos práticos e didáticos, essa tipologia dos cinco modelos continua sendo útil. Como é possível encontrar em todo dado da realidade, em cada um desses modelos poderemos identificar tensões entre os indivíduos envolvidos no processo, tensões estas que são geradas a partir de suas próprias características. Nizet e Pichoult (2007) identificam em cada modelo um elemento que é nuclear para a tensão. A partir da compreensão da tensão é possível fazer uma pequena Livro.indb 293 03/02/2011 11:34:32 294 discussão sobre como os indivíduos envolvidos mobilizam elementos presentes no contexto para legitimar sua posição, permitindo estabelecer a relação do poder dentro das organizações com os modelos de gestão de recursos humanos. O conjunto final pode ser sumarizado da seguinte forma: (a) No modelo arbitrário: a tensão está entre a sujeição e a delegação. Aqui, temos a dependência – ou subordinação – do trabalhador ao dirigente empresarial, em tensão com a necessidade de implementar formas de participação e de delegação. A “confiança” é o elemento que está no centro dessa tensão: de um lado, o dirigente confia em alguns – aos quais tende a delegar poderes – e não confia em outros; por outro lado, subordinados procurarão “merecer” a confiança do líder buscando estabelecer com este relações de lealdade –, como foi identificado nas pesquisas de Barros (2004). Esse elemento central pode determinar o nível de confiança do gerente, aumentando a autonomia dos trabalhadores, ou a necessidade de adesão a um líder. Por isso mesmo, a sucessão do líder é o momento crucial no qual essa tensão pode ser evidenciada colocando em xeque a própria sobrevivência da organização; (b) No modelo objetivador: a tensão está entre a transparência (própria de uma estrutura impessoal) e a reapropriação do trabalho pelo trabalhador – melhor evidenciada pela resistência do trabalhador à racionalização do seu trabalho. Essa resistência pode ser identificada tanto em manobras individuais – que, no caso, podem ser anuladas pela estrutura – como em manobras coletivas que, consideradas mais estratégicas, visam a negociar as condições de trabalho. Essas últimas, se fracassadas num primeiro momento podem ser logo apropriadas pelo sindicato em ações coletivas mais organizadas. O elemento central que estaria em jogo aqui seria a neutralidade – elemento próprio de uma estrutura burocrática. A neutralidade como questão central pode tanto determinar a preocupação com racionalização e transparência, de um lado, como com o estabelecimento de mecanismos de defesa contra as intervenções da administração, de outro; (c) No modelo individualizador: a tensão estaria na autonomia controlada – melhor expressa na relação salarial do trabalhador. O caso mais típico para a exemplificação são as empresas de tecnologia da informação, onde pode não haver pressão relacionada à autorização formal para folgas ou ausências eventuais. Em contrapartida, há certa pressão para que os trabalhadores executem atividades que excedam as suas horas de trabalho – por exemplo, ajudando membros da equipe em atividades que devem ser executadas fora do turno normal ou em finais de semana – ou a reduzir o número de dias de férias efetivamente gozadas. O elemento central nas relações aqui seria a responsabilização do indivíduo com sua Livro.indb 294 03/02/2011 11:34:32 295 tarefa. A flexibilidade no horário, que se relaciona com a responsabilização, tanto pode tender para o aumento da autonomia do trabalhador como para o aumento do controle sobre seu trabalho e para a extensão de sua jornada de trabalho; (d) No modelo convencionalista: a tensão está entre a autoridade individual e a coletiva – e o elemento central para a compreensão das relações seria a questão do domínio. A dúvida – relacionada à questão do domínio – estaria no estabelecimento do limite entre práticas que são fruto de acordo e as que dependem da interferência de uma autoridade. Nizet e Pichoult (2007) propõem que nesse grupo (que é um tanto heterogêneo), profissionais cuja atividade envolve procedimentos formais (como juristas e contadores) tenderão a formalizar mais suas práticas do que profissionais como médicos e psicólogos que, pelas características de sua atividade, tendem a resistir às formalizações. No que se refere à gestão dos recursos humanos, a questão do domínio tanto pode derivar para um mínimo de convencionalismo que garanta uma maior autonomia aos profissionais quanto para uma tendência a minimizar as lacunas nas normas e na legislação, determinando um esforço voltado para a estruturação de normas de conduta – como ocorre com os códigos de ética; (e) No modelo valorativo: a tensão está entre a unidade e a diversidade – e o elemento central para a discussão é a questão da legitimidade. Questões como promoção, remuneração etc., não são consideradas como legítimas, pois o que importa para esses indivíduos são os valores que mobilizam os membros da organização. O desafio estaria em conciliar um objetivo comum com o compromisso, que é voluntário, dos indivíduos. Essa conciliação pode gerar desequilíbrios que podem comprometer ou o projeto coletivo ou os compromissos individuais. A questão central, estando na legitimidade do projeto, vai tencionar a discussão entre a priorização do desenvolvimento pessoal e das relações sociais, ou a priorização dos objetivos envolvidos na missão da organização. Essa tensão, associada com as modalidades observadas para o tratamento de todos os conflitos, nos remete para o próximo item, que se refere ao estudo das relações de poder dentro das organizações. O Poder nas Organizações Da mesma forma como ocorre no estudo da teoria das organizações, o estudo das relações de poder entre os indivíduos nessas mesmas organizações também admite diversos enfoques. Livro.indb 295 03/02/2011 11:34:32 296 O enfoque dominante no campo da administração é o sistêmico funcionalista, que tem em Talcott Parsons (1967, 1951) um de seus representantes mais importantes. Este autor diferencia quatro formas de exercício do poder: a persuasão, a ativação de compromissos, o incentivo e a coerção. Sem nos determos em discussão mais detalhada, podemos sumarizar sua abordagem dizendo que, para ele, o que produz o poder é a mobilização, por quem exerce o poder, do consentimento daquele sobre quem o poder é exercido. (FARIA, 2003). Outro enfoque muito utilizado e que orientou boa parte da discussão até meados do século XX, é o weberiano. Resgatando a sua abordagem sobre a burocracia, nesse enfoque é a posição ocupada por um indivíduo numa relação social a fonte de seu poder. Os conceitos mais importantes que são utilizados para a compreensão desse enfoque são os que envolvem a dominação, a obediência e a disciplina. (WEBER, 1974). Também vem de Weber a visão que deriva o poder do conhecimento das operações. Esse conhecimento confere, a quem o detém, a capacidade de controlar não os meios (como é o caso do capitalista), mas os métodos de produção – relacionando-o com as identidades ocupacionais que estão na base da vida subjetiva das organizações, conferindo a quem o detém algum nível de criatividade, de discernimento e os meios para o uso do poder. (HARDY; CLEGG, 1996). Uma consequência do enfoque weberiano (baseado na natureza hierárquica do poder), que foi apropriado por autores de orientação funcionalista, é que, derivado da estrutura organizacional, a autoridade, no exercício do poder, o transforma em um poder que é tomado como “legítimo”. Seu contraponto é o poder que é exercido fora das estruturas hierárquicas de autoridade, onde a dicotomia existente entre poder e autoridade está na origem do surgimento de outro tipo de poder que, por estar situado fora dessa estrutura será considerado como “ilegítimo”. Muitas discussões envolvendo política nas organizações têm como fundamento essa visão. (MINTZBERG, 1983; PETTIGREW, 1973). Essa dicotomia entre poder e autoridade em torno da legitimidade também está na base das discussões sobre o poder nas organizações, que envolve as contingências e a dependência de recursos. Nessas discussões, são vários os fatores identificados com a origem real do poder – ainda que este não seja visto como legítimo. Entre eles, encontram-se o controle da incerteza (CROZIER, 1981); o controle da informação (PETTIGREW, 1973); a especialização técnica, a credibilidade, a posição e o prestígio do indivíduo na estrutura (PETTIGREW, 1973); o acesso e a facilidade para contatos com membros do alto escalão, o controle do Livro.indb 296 03/02/2011 11:34:32 297 dinheiro, além dos mecanismos de recompensas e sanções. (FRENCH; RAVEN, 1975). Essa forma de exercício de poder seria a mais comumente observada entre membros de escalões inferiores na estrutura hierárquica, de acordo com essa linha de autores – daí, numa posição que se pode considerar como ideológica, cujo poder é descrito como ilegítimo. Mas as relações de poder também podem ser abordadas a partir do efeito que o poder exerce sobre o indivíduo nas organizações, e não somente a partir do agente que o exerce. Desde visões pragmáticas, como as desenvolvidas pela Escola de Relações Humanas – cujos representantes mais importantes foram Elton Mayo e Chester Barnard, nos Estados Unidos, até as análises atuais – o comportamento do indivíduo e sua relação com o meio é que têm sido objeto desses estudos. De maior importância nessa linha, pela produção acadêmica existente, são as correntes chamadas comportamentais. Dentre diversas, Faria (2003) destaca duas que estão entre as mais importantes, mas que partem de fundamentos opostos: uma primeira, derivada da psicologia behaviorista, que é representada por autores como Dahl (1957, 1963) e French e Raven (1975); e a outra baseada nos estudos de Vygotsky (1991), relacionada com o discurso e, portanto, com as relações entre os indivíduos. Mais recentemente, também enquadrados na linha comportamental, mas na ótica das consequências sobre quem o poder é exercido, estão incluídos os trabalhos de Foucault sobre o poder disciplinar, que tem sido cada vez mais utilizado nos estudos organizacionais. Alcapadini e Silva (2001) têm uma pesquisa realizada que utiliza os fundamentos foucaultianos sobre o poder disciplinar, onde observa que, conforme Foucault apontou, o regime de poder disciplinar transforma um poder que era claro e localizável em um poder que atinge toda a sociedade sem ser percebido. Com a disseminação da disciplina na empresa, percebemos que o foco do poder desaparece. (ALCAPADINI; SILVA, 2001, p. 13). Na mesma linha, se encontram os trabalhos de autores como Pagès et al. (2006), que abordam o poder que as organizações exercem sobre o indivíduo. Uma discussão mais extensa desse grupo de autores, apesar de interessante, não será realizada, pois foge ao escopo deste capítulo. Exercendo um papel ainda mais fundamental para os debates ocorridos durante todo o século XX, encontra-se o modelo construído a partir de Marx, para quem o poder é derivado da propriedade ou do controle dos meios de produção. Livro.indb 297 03/02/2011 11:34:32 298 As análises das relações de poder nesse modelo estão baseadas na dominação econômica e na subordinação que ocorre dentro das relações de produção. E a ênfase para o campo dos estudos organizacionais recai no papel da mudança como resultado final do processo social. A produção literária nesse campo é muito extensa, mas pode ser subdividida em dois grandes grupos, dentro da linha de nossa discussão – que procura tencionar o papel do indivíduo e o da estrutura – utilizando os paradigmas sociológicos de Burrel e Morgan (1979) para a análise das organizações: (a) o radical estruturalista enfatiza as relações estruturais do mundo social como o foco para a análise. A mudança é parte da ênfase nesse grupo, mas a visão comum dos teóricos dessa linha é a de que a sociedade contemporânea é caracterizada por conflitos que estão na origem das mudanças, as quais só ocorrerão por intermédio de crises econômicas e políticas. Além dos teóricos que estiveram na origem das revoluções socialistas da primeira metade do século XX, outros nomes recentes que se associam a esse paradigma são os de Althusser, Poulantzas e Dahrendorf, apenas para citar alguns. O outro paradigma é: (b) o radical humanista, cujas análises partem do homem e de sua subjetividade, também enfatiza a mudança, interessando-se pelos modos de dominação do homem, pela privação imposta aos indivíduos, e pela potencialidade existente no indivíduo para sua emancipação. Autores como Lukács e Gramsci, e aqueles autores ligados à que é conhecida como a “Escola de Frankfurt”, são os que melhor representam essa linha de abordagem – sendo estes últimos importantes em nossa discussão por estarem na base das pesquisas que produziram a Escala “F” de Theodor Adorno, que deu origem à escala utilizada para a pesquisa de autoritarismo, que será posteriormente discutida. Com isso, temos aqui um apanhado geral de como se conduziram as discussões sobre o poder nas organizações na literatura internacional. Mas essas discussões não passaram despercebidas por autores brasileiros que lidaram com o tema. Assim, é preciso rever, ainda que também sumariamente, como o tema foi abordado em nosso meio. O Poder nas Organizações no Brasil O poder na abordagem das relações entre indivíduos no campo da administração no Brasil tem sido secundário, realizado mais comumente com a finalidade pragmática de utilizá-lo como instrumento de gestão. Na tentativa de compreen- Livro.indb 298 03/02/2011 11:34:32 299 der aspectos como o autoritarismo, o distanciamento do poder, o personalismo e a baixa ocorrência de estilos mais participativos em nossas empresas, percebe-se uma tendência para a utilização de trabalhos de acadêmicos que se dedicaram a analisar a formação cultural de nossa sociedade. (BERTERO, 2007). Antropólogos, sociólogos e filósofos que buscaram compreender as relações sociais no Brasil têm caracterizado a sociedade brasileira como autoritária. (CHAUÍ, 1986; DAMATTA, 1991, 1997). Esse autoritarismo se expressa, entre outras coisas, pela criação da figura social do “senhor-cidadão”, que tem na cidadania um privilégio de sua classe ou uma concessão da classe dominante às demais. Diferenças e assimetrias sociais são transformadas em desigualdades, evidenciadas em relações hierárquicas de mando e obediência. Os indivíduos em nossa sociedade se distribuem em superiores e inferiores, ainda que essa posição possa mudar de uma relação para outra, e as relações entre eles ocorrem na forma de dependência, tutela, concessão e favor. O paternalismo e o clientelismo são considerados naturais, e são tomados como qualidades positivas do “caráter nacional”. As leis são armas usadas para manter privilégios, e não instrumentos para definição de direitos e deveres. São consideradas inúteis, passíveis de ser violadas, e não de serem contestadas ou transformadas, sendo que a violação é violentamente reprimida nas classes populares e permanece impune para os “indivíduos superiores.” (CHAUÍ, 1986). Essa divisão dentro da nossa sociedade foi extensamente abordada por DaMatta (1997), que evidencia “a casa e a rua” como duas categorias sociológicas fundamentais para a compreensão da sociedade brasileira, diferenciando a pessoa (da casa) do indivíduo (da rua). O discurso do dominador é mais da “rua”, carregado de componentes legais e de formalismos burocráticos, enquanto o dos subordinados é mais da “casa”, fundado na amizade e no compadrio e vazado de conotações morais. A separação autoritária das duas posições sociais fica evidente no “rito” do “Você sabe com quem você está falando?.” (DAMATTA, 1990). Fazendo a transposição do autoritarismo da sociedade para o estudo das organizações, Faria (1985) faz a escolha de colocá-lo no centro da teoria geral da Administração, elaborando-o dentro de seus diferentes enfoques. De acordo com esse autor, uma teoria aplicável sobre o poder acabaria por ser também uma teoria das organizações, na qual o autoritarismo envolveria relações não apenas econômicas, mas políticas e sociais. Nessa linha, alguns autores são já clássicos nos estudos sobre poder e organizações no Brasil, entre os quais podemos citar os trabalhos de Motta (1990) e Tragtenberg (1971, 1980), que devem ser pesquisados por quem se interessar em se aprofundar no tema. Livro.indb 299 03/02/2011 11:34:32 300 Mais recentemente, Barros (2004), estudando os sistemas de ação cultural nas organizações brasileiras, identifica que a herança autoritária do patriarcado rural, estendida às relações organizacionais, se manifesta nas formas de mandonismo, protecionismo e dependência – características de atitudes paternalistas. De acordo com seus estudos, os brasileiros funcionam orientados pela autoridade externa, e o liderado se habituou, desde as relações familiares, com uma estrutura hierarquizada de poder. A consequência disso é a transferência de responsabilidade para a liderança. Os líderes, por sua vez, interpretam essa postura como falta de segurança para assumir responsabilidades, o que determina o aumento de controle sobre as ações dos subordinados, fechando um círculo vicioso. O resultado é que existe uma forte tendência à concentração de poder nas empresas brasileiras, que é exercido de forma autoritária, mesmo que disfarçado em comportamentos inclusivos. O ethos autoritário é, então, considerado como central na determinação das relações que serão estabelecidas nas organizações no Brasil. Se considerarmos que o comportamento autoritário envolve características ligadas à personalidade, para se obter um estudo compreensivo dessa expressão nos relacionamentos é preciso identificar, nos indivíduos, características que possam propiciar o estabelecimento de relações autoritárias. Nessa linha, realizamos pesquisa para investigar aspectos da personalidade que estão ligados ao comportamento autoritário, envolvendo os mais altos níveis de direção de empresas e cooperativas do Estado de Minas Gerais. (VILELA, 2008). Uma das finalidades da pesquisa foi avaliar se as organizações que escolhem democraticamente seus dirigentes, como as cooperativas, tenderiam a escolher pessoas que possuíssem características de personalidade que tivessem o potencial de facilitar o estabelecimento de relações menos autoritárias. A pesquisa revelou que o nível de autoritarismo do grupo de dirigentes de cooperativas, na população estudada, é maior do que o observado entre os dirigentes de empresas. E, ainda, que o nível de autoritarismo dos gerentes – que é semelhante quando se compara gerentes de empresa e de cooperativa –, é maior que o nível de autoritarismo dos diretores de empresa. Os trabalhadores não foram objeto de investigação nesse primeiro momento, mas é possível se questionar se, a partir da teoria, não se poderiam esperar resultados semelhantes (esta pesquisa está sendo conduzida no momento por um dos autores deste capítulo, do mesmo grupo de pesquisa). Esse resultado está em desacordo com o que, a partir das informações anteriores e do senso comum, se esperaria encontrar – ou seja, que numa sociedade Livro.indb 300 03/02/2011 11:34:32 301 de ethos autoritário esse aspecto das relações deveria estar expresso na estrutura hierárquica. Isso reforça a necessidade de se compreender o indivíduo que está na estrutura, e não apenas a estrutura. Pensamos ser adequado no momento fazer um breve histórico sobre a Escala F de Adorno, que utilizamos na referida pesquisa, para que se possa compreender o tipo de informação que foi obtida. Breve Histórico da “Escola de Frankfurt” e da Escala “F” de Adorno No final da década de 1920, foi criado na Alemanha o Instituto de Pesquisa Social - Institut für Socialforschung (ISF), vinculado à Universidade de Frankfurt. O objetivo inicial era gerar conhecimento e compreensão sobre a vida social, em sua totalidade, sendo, por isso, desde o seu início, intensas as tentativas de integração do pensamento de Freud com o de Marx. Um dos motivos para essa aproximação foi compreender por que, durante a grande depressão dos anos 1930 – contrariando as previsões da teoria de Marx – a classe operária pensou e agiu contra os seus próprios interesses. Nesse contexto, a psicanálise é chamada para ajudar na explicação da ação, considerada irracional, da classe operária no apoio ao nazismo. (ROUANET, 1989). Nessa linha de investigação, em 1936, Horkheimer (que foi o segundo e mais influente diretor do ISF) publicou, a partir de uma pesquisa empírica realizada em associação com Erik Fromm (à época também membro do ISF), os Estudos sobre Autoridade e Família, uma reflexão teórica que se constituiu em uma das bases para outro estudo, de maior sofisticação metodológica e consequência teórica, que foi A Personalidade Autoritária. O contexto desse último trabalho é a década de 1940, já numa fase em que, com o pleno emprego nos Estados Unidos e com a sociedade da abundância no pós-guerra imediato, se percebia a assimilação operária ao capitalismo. A pergunta que motivava a investigação dos frankfurtianos nesse momento era: “como era possível que a maioria da população nos países industrializados do mundo pensasse e agisse num sentido favorável ao sistema que a oprime?”. Adorno e Horkheimer procuravam saber o porquê da livre escolha dos homens pelos seus próprios opressores, e o porquê de a vítima se tornar perseguidora de si mesma. Para eles, Marx teria confundido dominação com exploração, sendo a dominação um fenômeno anterior, mais complexo e mais difícil de ser resolvido, pois, se a Livro.indb 301 03/02/2011 11:34:32 302 exploração econômica pode ter um fim, o desejo de comandar e o de servir permanecem. (ROUANET, 1989). Para a produção de A Personalidade Autoritária Adorno se uniu, ao final da década de 1940, a psicólogos pesquisadores da Universidade de Berkerley, para um estudo empírico guiado pela hipótese de que as convicções sociais, políticas e econômicas do indivíduo formam um padrão coerente, que é a expressão de traços das camadas profundas da sua personalidade. A finalidade inicial do estudo era responder as seguintes perguntas: (1) Se existe um indivíduo potencialmente fascista, como ele é? (2) O que acontece para que pensamentos antidemocráticos se desenvolvam? (3) Quais são as forças constituintes dentro da pessoa? (4) Se essa pessoa existe, quão comum é sua existência em nossa sociedade? E, (5) se ela existe, quais foram os determinantes para o seu surgimento e qual será o curso de seu desenvolvimento?. (ADORNO et al., 1982). Com a finalidade de adaptação à realidade brasileira, a escala original de Adorno sofreu algumas alterações e o resultado foi denominado “Escala AUT®” (estatisticamente validada). Nas pesquisas realizadas em todo o mundo com base na escala “F” são consideradas escala original de Adorno aquelas que contenham no mínimo 12 itens da escala original (CARONE, 1995), como é o caso da escala AUT. Vilela (2008) a aplicou a 75 dirigentes e 158 gerentes de cooperativas, a 140 dirigentes e 650 gerentes de empresas privadas do Estado de Minas Gerais. Foram selecionadas empresas nas quais os dirigentes foram escolhidos para o cargo, eliminando, assim, os dirigentes que são donos das empresas ou que as herdaram, na tentativa de equiparar, sob esse aspecto, os dois grupos de dirigentes. O resultado mostrou que na casuística selecionada, usando a Escala “F” de Adorno adaptada, os dirigentes de sociedades cooperativas demonstraram personalidade que se expressava com características mais autoritárias do que a de dirigentes das empresas privadas. E que os gerentes, apesar de semelhantes nos dois grupos, possuíam características mais autoritárias do que os diretores de empresas. Uma discussão mais ampliada da escala foge ao escopo deste capítulo. No entanto, não se deve deixar de assinalar que sua aplicação só tem sentido – e deverá ser interpretada – dentro do referencial teórico da teoria crítica. Sem este cuidado, o que ela evidencia pode estar sujeito a confusões conceituais ou a usos ideológicos – como aconteceu com muitos dos pesquisadores que a utilizaram fora de contexto, desde que os seus resultados foram publicados na década de 1950. (CROCHIK, 1995, 2001; CARONE, 1995). Livro.indb 302 03/02/2011 11:34:32 303 Considerações Finais Do que foi visto até aqui, pode-se dizer que os estudos sobre as relações de poder nas organizações, na forma como existem hoje, têm consequências não apenas de ordem teórica, mas podem orientar discussões que terão consequências práticas, como, por exemplo, duas contidas no tema que tem interessado ao nosso grupo de pesquisa: uma relacionada à gestão da mudança organizacional; a outra, relacionada à compreensão das relações entre diversos atores organizacionais com a finalidade de repensar modelos de governança para determinadas organizações. Com relação ao primeiro item – o da mudança organizacional – é importante salientar que a não compreensão do relacionamento entre a estrutura e o modelo de gestão dos recursos humanos pode ser um fator importante para o insucesso de programas de mudança. Esses programas têm sido estabelecidos a partir de modelos genéricos, acompanhando os modismos próprios da área de administração, veiculados de forma também genérica por “gurus” e consultores que buscam a aplicação de “fórmulas” gerais que pensam poder servir para qualquer organização, ou por gestores ansiosos por aplicarem as novidades aprendidas nos MBAs de preparação de administradores, com visão mais pragmática e superficial. O outro aspecto – que se relaciona com os modelos de governança – também tem interessado ao nosso grupo de pesquisa. Autores como Jackson e Carter (1995) propõem uma reflexão baseada em Foucault que pode ser usada como ponte para a discussão sobre a governança como forma de poder. Pode-se sumarizar a discussão, em termos bem gerais, da seguinte forma: a governança corporativa, como aplicada atualmente nas organizações é, a partir de Foucault, o governo das pessoas, não o governo pelas pessoas, ou para as pessoas. (JACKSON; CARTER, 1995). Se existem informações cuja revelação é determinada pela legislação, pode-se dizer que todas as demais dependem de escolha. Para se conhecer bem uma organização, a pergunta relevante então deveria ser: quem tem o poder de escolher o que revelar, e quais são as bases dessa escolha? A partir daí, identificar quais as consequências dessa escolha e quais seriam as consequências caso a escolha recaísse sobre outros aspectos. Esse exercício pode nos mostrar como as “boas práticas” de governança corporativa se relacionam diretamente com as relações de poder nas organizações. Outra forma de se obter melhores insights sobre as relações de poder na governança pode ser o estudo do comportamento das estruturas de governança em organizações onde o componente político é mais claramente parte da estrutura – como ocorre nas organizações onde a associação é de pessoas, e não de capital. Livro.indb 303 03/02/2011 11:34:32 304 Nessas organizações (cooperativas, sindicatos, organizações não-governamentais e partidos políticos), existe processo político eletivo para os cargos de conselheiro e diretor, deixando claras as manobras políticas e as disputas de poder dentro do processo. Mas, para que o paralelismo possa ser útil como insight para os estudos nas empresas, seria importante que a organização de associação de pessoas a ser estudada tivesse objetivo econômico. Daí a escolha por estudar o tema em cooperativas. O leitor interessado em aprofundar essa discussão pode buscar em Turnbull (1995) alguns dos fundamentos mais interessantes. Podemos, então, concluir com a observação de que mudam as estruturas, mudam as relações que as pessoas estabelecem entre si e com as estruturas, mas as questões relativas ao poder continuam centrais tanto para a compreensão do que são essas estruturas quanto para qualquer projeto que pretenda interferir no processo de mudança para as pessoas – ou para as estruturas. REFERÊNCIAS ADORNO, T. W. Acerca de la relación entre sociología y psicología. In: JENSEN, H. Teoria crítica del sujeto. Buenos Aires: Siglo XXI, 1986. ADORNO, T. W. et al. The authoritarian personality. New York: W.W. Norton & Company, 1982. ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. ______. Sociologia e investigação social empírica. In: ______. Temas básicos de sociologia. São Paulo: Cultrix, 1977. ALCADIPANI, R.; SILVA, R. C. Manda quem pode, obedece quem tem juízo: a consolidação da disciplina através da participação na siderúrgica riograndense. 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Os modelos de gestão se modificam e adquirem novas roupagens em diferentes contextos para ligar os objetivos individuais dos trabalhadores aos da organização, tarefa permanente da área de recursos humanos, que passa a ser compartilhada por todos em função gerencial. As relações de poder no interior das organizações se redistribuem em moldes mais sutis e se tem dificuldade de identificar como se concretizam. Embora se fale do surgimento de novos modelos e de mudanças cada vez mais rápidas, muitas vezes há a simples reprodução de modelos já existentes. Rondeau (1999) observa que as organizações se subordinam a diferentes forças ambientais (econômicas, políticas, sociais, tecnológicas) que as levam a reagir introduzindo novas formas de gestão e organização do trabalho. Estão diretamente relacionadas às forças políticas que interagem neste cenário de desregulamentação dos mercados, de diminuição das estruturas de controle, antes inerentes ao Estado, que levam à reorganização e ao comprometimento das atividades em numerosos setores industriais com a formação de alianças estratégicas, fusões, aquisições, redes interorganizacionais; novas parcerias; reestruturações; organizações virtuais, dentre outras. Em consequência são questionadas políticas, estratégias e procedimentos. 1 Doutora em Economia do Trabalho e da Produção pela Université Pierre Mendes France – Grenoble – França. Professora do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (EA/UFRGS). 2 Doutor em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (EA/UFRGS) e pelo Institut d’Administration des Entreprises (IAE) da Université Pierre Mendes France – Grenoble – França. Livro.indb 309 03/02/2011 11:34:33 310 A organização do trabalho3 está ligada à estrutura de poder e de controle organizacional, ao conteúdo (por meio do desenho de tarefas e definição de postos) e às relações estabelecidas com as condições físicas do trabalho, as quais apresentam fronteiras difíceis de precisar. A organização do trabalho apresenta uma diversidade de elementos (tecnologia, força de trabalho, hierarquias etc.), que irão compor todas as estruturas e relações de trabalho nas organizações. (GUIMARÃES, 1995). Ferreira (2002) observa que a evolução dos modelos de organização do trabalho e a natureza das tecnologias4 envolvidas estão estreitamente ligadas ao contexto das sociedades industriais onde surgem. Para o autor, os conceitos de organização do trabalho e novas tecnologias devem ser estudados considerando a sua historicidade, comparando os modelos sempre com aqueles que o precedem, pois as tecnologias e a organização do trabalho são fatores interdependentes e intrínsecos a uma realidade que não pode ser desconsiderada. Assim, para melhor entender as mudanças que ocorreram na organização do trabalho no Brasil parece importante retornar ao processo de gestão do trabalho decorrente da história de sua formação e resultado de influências no seu modo de gestão, sobretudo do modelo americano que foi o orientador da gestão e das escolas de gestão brasileiras. Assim, faremos um breve retrospecto das mudanças correntes na organização do trabalho no contexto neoliberal, e finalizaremos com um exemplo de adoção numa empresa instalada no Brasil do modelo Toyota - que em grande parte tem inspirado as empresas de setores mais avançados, como é o caso do setor metal mecânico - e de como se dão as relações de poder nestas organizações. As Políticas de Recursos Humanos no Brasil O desenvolvimento dos modelos gerenciais é marcado por traços históricos e sociais do país ou região em que as organizações estão inseridas. Assim, para melhor compreender as políticas utilizadas pelas organizações, torna-se relevante conhecer o contexto histórico. Aqui buscamos detalhar alguns momentos importantes do desenvolvimento nacional e suas implicações para as práticas de gestão. 3 Entende-se por organização do trabalho “o conjunto de aspectos técnicos e sociais que intervêm na produção de determinado objeto, bem como a divisão do trabalho entre as pessoas, e entre estas e as máquinas [...] Ela é resultado de um conjunto de regras e normas, fruto de uma construção social, histórica e, portanto modificável que determina como se deve executar a produção ou o trabalho em determinada organização [...] dentro desta perspectiva é uma construção social, histórica, modificável e mutável.” (NOVICK, 2000, p. 126). 4 Ferreira (2002) entende como novas tecnologias não só as máquinas, ferramentas, materiais e energias empregados nos diferentes processos, mas também a energia, a informação e o conhecimento desenvolvido pelo homem ao longo de suas experiências. Livro.indb 310 03/02/2011 11:34:33 311 Com a Abolição da Escravatura (1888) e a Proclamação da República (1889), o País ingressa em um novo período político. A formação de uma nova estrutura de Estado exige alterações nas antigas estruturas da sociedade e das organizações existentes. Centraremos nossa análise a partir desse período, embora para analisarmos certos traços culturais algumas vezes tenhamos de voltar no tempo para resgatar elementos que os constituíram. Para um rápido retrospecto da história da gestão no Brasil é necessário retroceder ao final do século XIX e início do século XX. No período de 1888-1929, a economia mantém seu caráter agrícola na maior parte do País, com a população concentrada no meio rural, embora já se iniciem os ciclos migratórios. Surgem as primeiras obras de infraestrutura necessárias para o crescimento industrial. A organização do trabalho ainda apresenta traços do período anterior, marcado pelo escravismo. (TONELI; LACOMBE; CALDAS, 2002). Os antigos escravos, agora homens livres não dispunham de recursos que permitissem seu acesso aos bens necessários para a sobrevivência senão pela venda do seu trabalho, na qual não possuíam espaço para qualquer negociação, tendo de aceitar a compensação que o proprietário estivesse disposto a pagar a permanência do autoritarismo e, por vezes, da violência como forma predominante de relação de trabalho. De modo diferente ao que ocorre no restante do País, em São Paulo e no Rio de Janeiro o impulso para a industrialização é maior, expandindo-se rapidamente e consolidando a posição da burguesia empresarial brasileira, principalmente nos setores têxtil, vestuário, produtos alimentícios e oficinas de manutenção. Na região de São Paulo, os imigrantes europeus, e no Rio de Janeiro migrantes da zona rural e do Sul foram importantes para a formação da mão-de-obra operária. A intervenção do Estado é restrita, tanto em termos de ingerência nas atividades produtivas como na regulamentação das relações capital-trabalho. Ao redor das incipientes fábricas vão-se criando vilas operárias que, se por um lado contribuíram para a formação da identidade operária, por outro facilitaram o controle das empresas sobre as suas vidas. (FLEURY; FISCHER, 1992). As políticas de gestão assumem situações variadas de acordo com as características específicas da atividade. Em pequenas e médias empresas predomina o trabalho semiartesanal, gestão marcada pela pessoalidade e pouco distanciamento hierárquico e de qualificação entre patrões e empregados. No setor têxtil, com maior mecanização e arranjos organizacionais com mais empregados, a imposição coercitiva do trabalho, exercida em diversos níveis hierárquicos, intermedeia relações predatórias entre capital e trabalho. Na área de ferrovias a gestão era mais paternalista e com concessões e benefícios aos empregados. A preocupação com a administração nasce ligada à esfera pública e até o final da década de 1920 confunde-se com a ciência jurídica. A administração restringe- Livro.indb 311 03/02/2011 11:34:33 312 se à elaboração de leis e regulamentos e à estruturação dos recursos necessários para seu cumprimento. Esta concepção vai se alterar nos anos seguintes com o surgimento dos primeiros estudos de gestão no cenário mundial, principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos, quando se passa a considerar que as decisões jurídicas não são sempre a melhor resposta para problemas administrativos. (KEINERT; LAPORTA, 1994). É praticamente inexistente a preocupação com a gestão de recursos humanos. O legalismo presente na administração brasileira decorre do período de colonização portuguesa, que já carregava séculos de legislação romana. Embora tenha deixado o caráter legalista, a administração pública ainda apresenta fortes marcas deste período, que se mantém principalmente devido a traços culturais como o “jeitinho”, que possibilita que as regras sejam burladas sem que sejam questionadas ou alteradas. (FLEURY; FISCHER, 1992). O período entre 1930-1945 é marcado pela crise do café, decorrente da depressão de 1929, pela Revolução de 1930 e pela aceleração do processo de industrialização. Deve ser destacado que a indústria nacional se desenvolve em um modelo que se diferencia significativamente do tipo de mercado industrial ocidental em função do ampliado papel do Estado na Economia que foi vista como necessária para conseguir rápido desenvolvimento econômico por meio da industrialização a fim de substituir a necessidade de importações. No início do período de 1930-1937, a crise do café leva à migração massiva de trabalhadores do campo para as cidades em busca de oportunidades nos setores de serviços e indústria. Nas indústrias ocorre alguma estruturação das funções de recursos humanos (recrutamento e seleção) reproduzindo as relações da economia agrícola, paternalista e escravocrata, com péssimas condições de trabalho, baixa remuneração e treinamento praticamente inexistente. A intervenção do Estado nas áreas política, social e econômica marca a fase seguinte. É criado o Ministério do Trabalho Indústria e Comércio e instituídas regulações sobre as condições de trabalho, organização sindical e previdência social. A criação de uma área específica para a justiça do trabalho é exemplo da formalização do papel do Estado no cenário das relações de trabalho. (FLEURY; FISCHER, 1992). Com a reorganização e expansão do Estado surge uma demanda por habilidades de gestão que, somada ao crescimento da área de administração no cenário mundial, contribuiu para o fortalecimento desta no Brasil. A administração públi- Livro.indb 312 03/02/2011 11:34:33 313 ca ingressa em um período de racionalização, por influência das obras de Taylor, Fayol e Gulick. É exemplo da importação de elementos da administração científica a criação do Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT), fundado em 1931, e do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), em 1938. O DASP, baseado na racionalização e no treinamento técnico, serviria como braço administrativo do governo por meio da profissionalização do serviço público, da implantação de um sistema de ingresso por competição e promoção por mérito. A incorporação dos conceitos prescritivos da Escola Clássica marca a tentativa de organização da administração do serviço público no período. (KEINERT; LAPORTA, 1994). Com a industrialização há importantes mudanças na gestão de recursos humanos, embora com papel bastante limitado e burocrático. Nesse período são criados os departamentos de pessoal com a separação e centralização das atividades de recrutamento, seleção, remuneração e demissão. Ressalte-se que o surgimento do departamento ainda está ligado à necessidade de atender as exigências legais que começavam a surgir pela legalização da administração do trabalho, e não pela valorização destas atividades por parte das empresas. (TONELI; LACOMBE; CALDAS, 2002). O Estado passa a intervir em todas as instâncias da vida política, econômica e social do País e, a partir de 1937, com o regime de Vargas, formaliza-se seu papel como elemento onipresente das relações do trabalho. Organiza-se a Justiça do Trabalho e, em 1943, é promulgada a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), transformando em lei uma série de direitos do trabalhador, dando maior força para a legislação trabalhista. (FLEURY; FISCHER, 1992). A marca do surgimento das funções de recursos humanos de caráter legalista, secundário e com pouca influência na melhora da gestão de pessoas nas organizações está presente em muitas organizações até os dias atuais. O desenvolvimento da industrialização brasileira no período entre guerras impulsiona transformações importantes nas condições de organização de trabalho. (TONELLI; LACOMBE; CALDAS, 2003). O modelo taylorista passa a ser introduzido nas indústrias brasileiras, que buscam a separação entre planejamento e execução das tarefas e o aumento da produtividade com a especialização do trabalho. A forma de atuação requerida pelo modelo taylorista é nova e faz com que o corpo apareça como principal ponto de impacto dos prejuízos do trabalho, levando ao esgotamento físico não apenas os trabalhadores braçais, mas o conjunto dos operários da produção de massa. (DEJOURS, 1987). Um dos pontos críticos do taylorismo é a separação entre trabalho intelectual e manual. Em muitos casos a nova organização do trabalho acaba por limitar e, Livro.indb 313 03/02/2011 11:34:34 314 por vezes, eliminar a atividade mental dos operários. Além disso, a especialização do trabalhador reduz seu escopo de ação levando a intensa repetição das tarefas, o que resulta em problemas osteomusculares. Como uma forma de responder ao crescente número de problemas de saúde pela repetição das tarefas, no fim da guerra, em 1945, são instalados os primeiros laboratórios de ergonomia, formados por fisiólogos, psicólogos e engenheiros interessados em adaptar o trabalho ao homem. As primeiras pesquisas revelam a incompatibilidade de máquinas, ferramentas e sistemas à relação homem-máquina. Na década seguinte, intensificam-se as pesquisas sobre a ergonomia do trabalho, tendo como finalidade principal a melhor adaptação de máquinas e utensílios às atividades do homem. (GUIMARÃES, 1995). Com o fim da Segunda Guerra encerra-se, também, o Estado Novo e começa o processo de redemocratização. O Estado passa a investir na formação dos parques industriais do País via investimentos nos setores de base como mineração, petrolífero, geração e distribuição de energia elétrica, siderurgia e química, e também na formação profissional com a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e do Serviço Nacional do Comércio (SENAC). Os grandes empreendimentos industriais incorporam muitos trabalhadores não qualificados vindos do campo. Com a entrada de multinacionais são implantados modelos de gestão de recursos humanos mais organizados e formalizados que os existentes até então. (FLEURY; FISCHER, 1992). Nos anos 1950, durante a vigência do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, ocorreu um vigoroso impulso para a implementação do modelo fordista de organização e gestão do trabalho. Este processo, baseado na abertura ao investimento estrangeiro direto e em investimentos públicos em infraestrutura, desenvolveu-se principalmente nas indústrias voltadas à produção de bens de consumo duráveis, tendo à frente as indústrias ligadas ao complexo automotivo. Foram as montadoras e as indústrias de autopeças, instaladas principalmente na região do ABC paulista, que implementaram de forma vigorosa o modo fordista de produção de mercadorias, dando início, assim, a um novo modelo de organização produtiva no País. (ALVES, 2000). No final dos anos 1950 e nos anos 1960 são instaladas indústrias multinacionais, principalmente nos ramos automobilístico e químico, atraídas por isenções de incentivos à instalação e mão-de-obra barata e demanda reprimida do mercado interno. (FLEURY; FISCHER, 1992). O movimento sindical ganha maior liber- Livro.indb 314 03/02/2011 11:34:34 315 dade, embora permaneça dependente do Ministério do Trabalho para funcionar. Em alguns setores nos quais o segmento industrial já estava consolidado os sindicatos assumiram as lutas da categoria por melhores condições de trabalho, salários e benefícios. No entanto, esse processo ficou em grande parte restrito à Região Metropolitana de São Paulo, na qual a indústria automobilística é o setor-chave que dinamiza a economia, e a alguns segmentos do setor de serviços, como foi o caso dos bancários. Nesse período, a área de administração começa a se formar como campo de conhecimento, cresce a produção teórica, caracterizada pela tradução de textos e importação de conceitos para ajudar a delinear os contornos do campo. (KEINERT; LAPORTA, 1994). Ao voltar seu olhar prioritariamente para a produção estrangeira, os estudiosos da área de administração deixam de considerar aspectos da cultura nacional e estrutura social brasileira, reproduzindo o mesmo erro criticado por autores nacionais em outros campos científicos, como a Sociologia. (GUERREIRO - RAMOS, 1996). A importação e reprodução de conceitos estrangeiros podem ter contribuído para a formação do campo da administração no Brasil, no entanto a permanência dessa prática afirma o caráter “estrangeirístico” da produção científica e gestão nacional. Este modelo passa a ser utilizado em nível mundial a partir da década de 1950, mas só vai direcionar os estudos no Brasil na década de 1980. Nesse momento os pesquisadores da organização do trabalho buscam romper as barreiras que limitam o campo de pesquisa sobre o assunto, partindo para a compreensão dos estudos internacionais realizados e adotando os procedimentos sugeridos para tratamento interdisciplinar dos modelos de organização do trabalho existentes no País. (FLEURY; VARGAS, 1983). Na gestão das organizações, para acompanhar as transformações do ambiente e conseguir maior colaboração das pessoas, são introduzidas modificações na organização do trabalho, o que influencia a estruturação dos cargos. Além de ser responsável pela execução do trabalho, é exigido do trabalhador que desenvolva habilidades para o planejamento da tarefa, coordenação do trabalho dentro do fluxo da produção e resolução dos problemas encontrados. Somam-se a isso as formas mais flexíveis de organizar trabalho e produção entre os grandes processos de reestruturação dos anos 1980, que acabam por formar estruturas organizacionais reduzidas e planas, eliminando inúmeros postos de trabalho. (TONELLI; LACOMBE; CALDAS, 2003). Livro.indb 315 03/02/2011 11:34:34 316 Os estudos sobre ergonomia ampliam-se e o ergonomista passa a participar do processo de geração de projetos de sistemas, de estações de trabalho, de equipamentos, de tarefas, de organização do trabalho, do ambiente físico e espacial onde ele é realizado. As tecnologias da informação trazem novos desafios à ergonomia e à evolução tecnológica, ao promover mudanças na organização do trabalho, ampliando a preocupação da área para as qualidades individuais e as capacidades psíquicas dos trabalhadores. (GUIMARÃES, 1995). A partir dos anos 1990, os fatores econômicos e políticos, bem como as mudanças nas práticas de gestão em outros países levam os empresários e gestores brasileiros a buscarem estabelecer uma ligação maior do trabalhador com a empresa, vinculando-os ao seu negócio, objetivos e metas. Com a busca de um maior comprometimento dos funcionários, as organizações forçam os indivíduos a se dedicarem integralmente a elas. As estratégias de controle sobre o trabalho e o disciplinamento social tomam conta de outras dimensões da vida cotidiana – urbanismo, lazer, educação e saúde, entre outras. Não apenas o tempo de trabalho, mas também o próprio tempo livre dos trabalhadores passa a ser controlado pelas organizações. Ao mediar as relações entre capital e trabalho nas empresas as políticas de Recursos Humanos (RH) desempenham um papel relevante no processo de construção da identidade da organização. Os dogmas, os mitos e as crenças da organização estão presentes nas políticas e práticas de gestão de pessoal e medeiam a relação entre indivíduo e organização. Ao analisarmos as políticas implícitas e explicitas de RH, observando suas consistências e inconsistências, é possível interpretar os padrões culturais da organização e os traços gerais da cultura regional que ali estão expressos. Na próxima sessão abordaremos como a internacionalização dos mercados e as novas formas de contratos de trabalho têm se refletido nas relações de trabalho no Brasil. A Liberalização da Economia e as Forças que Regem o Trabalho No final do século XX e início do século XXI, as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICS) contribuíram para tornar a organização do trabalho mais mutável. As transformações decorrentes da evolução das tecnologias influenciaram profundamente a forma de organizar e gerir o trabalho pela reengenharia dos processos, teletrabalho, just-in-time etc. Livro.indb 316 03/02/2011 11:34:34 317 São importantes também as transformações sociais como a liberalização da economia, a diversificação da mão-de-obra; a contestação das estruturas de autoridade e que levam a uma modificação profunda do contrato social entre a organização e os trabalhadores: demissões em massa; precarização do emprego (temporário, contratual, partilhado…); polivalência funcional. As consequências sobre a organização do trabalho recaem em novas formas de mobilização: práticas de habilitação (empowerment); práticas de apropriação (grupos autônomos); de participação nos lucros e nos resultados, de envolvimento e comprometimento dos trabalhadores com as metas da organização e a remuneração variável, como as medidas de incentivos ao grupo, remuneração de acordo com as competências, entre outros. (RONDEAU, 1999). Para Rondeau essas forças se concretizam também em quatro grandes tendências em termos de gestão e resultados. A primeira, observada no início dos anos 1980, é a orientação para o cliente questionando os modos de análise da eficiência organizacional e pelo reconhecimento do cliente do que deve ser atendido quando das decisões organizacionais, como a qualidade total e a engenharia simultânea. As práticas de organização do trabalho restringem-se aos indicadores de desempenho (individual/grupal). A segunda é a orientação para o processo, que apresenta um impacto maior especialmente sobre a emergência das Novas Formas de Organização do Trabalho (NFOT). A reconcepção do trabalho é centrada na reengenharia de processos, na contabilidade por atividade e no Kaizen. A terceira tendência é o estabelecimento de padrões de desempenho em consequência da mundialização das economias e leva as organizações a adotarem práticas que produzam resultados vantajosos utilizando modelos de comparação de práticas de trabalho: padrões de classe mundial (como as normas ISO), melhores práticas (best practices). Essa orientação se traduz em uma sistematização da avaliação: medidas de gestão; auditorias de gestão; benchmarking. A orientação para o feedback decorre da constatação de que a organização pode ser concebida como uma “organização que aprende”. Representa um esforço organizacional para recolher, de forma sistemática, informações sobre seu próprio funcionamento e sobre o ambiente onde a organização se insere. Assim, a experiência da organização é a principal fonte de aprendizagem. O modelo de gestão é o da organização de aprendizagem (learning organization), melhoria contínua e vigilância organizacional. São adotados: grupos de solução de problemas, círculos de qualidade, Aprendizagem através de Resolução de Problemas (APP) e avaliação de desempenho 360º5. 5 Modelo de avaliação de desempenho onde todos os envolvidos (gestores, pares, subordinados etc.) participam do processo. Livro.indb 317 03/02/2011 11:34:34 318 Essas tendências de gestão demonstram que a organização não pode mais ser considerada como uma máquina eficiente, tampouco gerir na era do saber significa deter o controle total sobre a informação, uma vez que o ambiente é cada vez mais incerto e complexo. Os problemas de gestão que deverão ser enfrentados estão ligados mais à escolha da informação pertinente que a seu acesso. Segundo Rondeau (1999), o sucesso das organizações corresponde à sua massa crítica, seus recursos, especialidades e práticas que lhes conferem estabilidade e impacto e, ao mesmo tempo, à flexibilidade que ela é capaz de ter para ajustar constantemente a utilização de seus recursos segundo as necessidades do ambiente. Neste caso, a busca de flexibilidade se choca com a necessidade de continuidade para mobilizar as pessoas que fazem parte da organização, já que nesse modelo flexibilizado as pessoas não conseguem criar vínculos, pois são constantemente substituídas ou partem para outras experiências mais vantajosas. Configura-se, assim, um dos dilemas das organizações: como adequar a força de trabalho às oscilações da demanda e lançar mão de diferentes contratos de trabalho e ao mesmo tempo comprometer os funcionários com seu negócio. Estas considerações apresentadas acima podem ajudar a entender a forma pela qual a gestão, o poder e o controle se instauraram nas organizações, permitindo analisar as transformações/adaptações que as organizações brasileiras fizeram neste novo século e como os trabalhadores se adaptaram às mesmas, pressionados pela necessidade de manter empregos. O papel do sindicato não será discutido aqui, uma vez que outros artigos abordarão essa organização que também reflete as mudanças que foram ocorrendo no contexto internacional e brasileiro. A Globalização dos Mercados e o Desenvolvimento de Modelos de Produção A globalização, vista como uma necessidade de redistribuição e reestruturação da produção para a sobrevivência das organizações que alcançaram seu limite dentro do modelo fordista, é consequência das mudanças que vieram ocorrendo nas últimas décadas do século XX. Todo esse processo de mudanças busca justificar os novos empreendimentos do capital em nome da competitividade e da concorrência que alteraram o conjunto de aspectos técnicos e sociais da organização do trabalho, afetando também a divisão do trabalho entre as pessoas, e destas com as máquinas. Isso se reflete, como destaca Novick (2000), em uma alteração no conjunto de regras e normas, fruto de uma construção social e histórica, alterando a forma de execução da produção ou a forma do trabalho em determinada organização. (PICCININI; OLTRAMARI; ROCHA-DE-OLIVEIRA, 2007). Livro.indb 318 03/02/2011 11:34:34 319 Ao contrário do observado nos países desenvolvidos, o fordismo foi implementado no Brasil de forma parcial. A rede de proteção social que se expressava pelo Estado de bem-estar social restringiu-se ao operariado do ABC paulista, tendo por consequência um processo parcial de integração dos cidadãos ao mercado de trabalho e de consumo, levando à exclusão social um contingente significativo da sociedade brasileira. (SINGER, 1999; FARIA; KREMER, 2004). Cabe destacar que a tecnologia – aqui vista como um dos aspectos técnicos que tornaram possíveis os novos empreendimentos do capital – permitiu e continua possibilitando a obtenção de maiores ganhos em eficiência e custos, capacidade de resposta às variações da procura de produtividade, de qualidade e de inovação. A grande empresa do padrão fordista (voltada para a produção em série de produtos estandardizados, num contexto organizacional hierarquizado e rígido), cede lugar (ou convive com) às empresas enxutas, orientadas para uma produção diversificada e flexível, fortemente apoiada na tecnologia microeletrônica. (KOVÁCS, 2001). Em consequência, não há a predominância de um único modelo produtivo, como já destacado, entre outros, por Kovács e Castillo (1999) e Castells (2002). Essa mudança pode ser vista mais claramente na organização do trabalho, que vem se tornando flexibilizada, de modo a garantir a variação quantitativa e qualitativa do produto, a fim de adaptá-lo à instabilidade da demanda dos mercados. As diferentes tendências de modelos de produção e organização do trabalho interagem entre si, influenciam-se e se reorganizam originando novos modelos. Neste sentido, o sistema de produção flexível permite às grandes organizações ganhos em produtividade via terceirização, já que as pequenas empresas têm maior flexibilidade ampliando as suas possibilidades de sobrevivência no mercado global, mas com forte influência e poder das grandes empresas em rede. Elas concentram poder pelo controle das iniciativas de inovação e espaço nos mercados. Piccinini; Oltramari e Rocha-de-Oliveira (2007) destacam que a centralização do controle permanece e, em alguns casos se amplia, por meio da divisão internacional do trabalho. Os ganhos em produtividade são alcançados por meio da redução de custos da empresa central que se desverticaliza, o que pode implicar distintas condições de trabalho para os empregados das empresas subordinadas. Esses novos arranjos são dinâmicos e se desenvolvem nos mais diversos contextos culturais e institucionais. Porém, a forma como ocorrem e as suas implicações para os trabalhadores se fazem de forma distinta conforme a região ou país. Um dos fatores que marcam o caráter das relações que se formam nas redes é o espaço social, com destaque para as relações de trabalho e atuação go- Livro.indb 319 03/02/2011 11:34:34 320 vernamental que atingem diretamente a forma de gestão da empresa e a forma de organização do processo de trabalho. (PICCININI; OLTRAMARI; ROCHADE-OLIVEIRA, 2007). Assim, em cada região, em função de aspectos locais e de sua relação com outros países e regiões, são estabelecidas diferentes estratégias de atuação no mercado e de gestão da mão-de-obra. Quando se fala sobre as formas assumidas pela organização do trabalho no momento presente, costuma-se destacar as montadoras de automóveis que no século XX lideraram as mudanças na organização da produção. No entanto, é importante destacar que cada modelo (fordismo, toyotismo, volvismo) está ligado ao contexto social e cultural em que se desenvolve, mesmo que as empresa utilizem modelos “híbridos” de organização do trabalho. Vamos nos deter um pouco mais sobre o Sistema Toyota, pois é tido como uma das formas mais eficazes de organizar o trabalho apresentandose como um contraponto ao modelo fordista. (WOMACK; JONES; ROOS, 1992). O termo Sistema Toyota de Produção foi cunhado no final da década de 1980, a partir de uma pesquisa do Massachusetts Insitute of Technology (MIT), a qual deu origem ao livro “A máquina que mudou o mundo”, que mostrou um grande entusiasmo de seus autores quanto ao novo modelo de produção, acompanhado também de um deslumbramento mundial. Apesar da ideia de que haveria uma ruptura entre o modelo taylorista/fordista e a produção enxuta, o surgimento do Lean Manufacturing (Lean) teria sido, na verdade, uma adaptação do fordismo à economia japonesa pós-guerra. Na época, executivos da Toyota visitaram fábricas automobilísticas da Ford e perceberam que não seria viável implantar um sistema de produção em massa no Japão, pois o mercado estava reduzido e havia escassez de capital – impossibilitando altos investimentos em modernas tecnologias ocidentais – já existiam muitos fabricantes com marcas consolidadas no mercado mundial e a Toyota estava à beira da falência. Esta ameaça levou a empresa a anunciar o enxugamento do quadro funcional, gerando revolta entre os trabalhadores, porém o governo japonês havia endurecido as leis trabalhistas, dificultando a dispensa de empregados. Nas negociações a companhia e os trabalhadores fizeram um acordo que incluía demissão voluntária de um quarto dos funcionários, renúncia do presidente, emprego vitalício para os remanescentes, bônus e salários crescentes de acordo com o tempo de empresa, entre outros benefícios. (DENNIS, 2002). Assim, funcionários e empresa acordaram um tipo diferente de contrato, baseado em cooperação, flexibilidade e benefícios mútuos. Segundo Dennis (2002), os trabalhadores passaram a ser um custo fixo, por isso a empresa deveria usufruir da sua capacidade, estimulando seu desenvolvimento e aproveitando seus conhecimentos e experiência. Livro.indb 320 03/02/2011 11:34:34 321 Nessa conjuntura complexa e com uma comunidade de trabalhadores dispostos a se envolverem com a empresa, a Toyota desenvolveu seu modelo de produção, com dois pilares de sustentação: melhoria contínua e respeito pelas pessoas. A melhoria contínua corresponde à abordagem básica nos negócios, responsável por criar uma atmosfera de aprendizagem permanente e um ambiente que adota as mudanças, sendo este possível apenas onde há respeito pelas pessoas. Este modelo não diz respeito apenas às conhecidas ferramentas de gestão da produção, como just-in-time, kanban e kaizen, mas engloba todas as dimensões da organização e requer uma transformação cultural profunda e abrangente. (LIKER, 2005). Algumas características da produção enxuta são marcantes, como, por exemplo, a redução das perdas. Quatro elementos definem a base do modelo Lean: filosofia de longo prazo; processo; desenvolvimento do pessoal e fornecedores; e solução contínua de problemas básicos. A filosofia de longo prazo é baseada na ideia de gerar valor para o cliente, a sociedade e a economia sem preocupação excessiva com retorno financeiro de curto prazo. O processo certo produz os resultados certos: as ferramentas mais famosas do modelo – fluxo unitário de peças, sistemas puxados, nivelamento da carga de trabalho, controle visual, entre outras, aprimoram o processo produtivo a fim de reduzir as perdas e buscando sempre a qualidade. O desenvolvimento do pessoal e parceiros é o centro do modelo, pois é o envolvimento das pessoas que permitirá à empresa ter melhoria contínua e qualidade. Já a solução contínua de problemas básicos consiste em buscar a raiz dos problemas para não repeti-los no futuro e, então, fazer com que a empresa se torne uma organização de qualidade, apta a se reinventar e se adaptar ao ambiente em que está inserida. Apesar da ênfase dada às pessoas no modelo, tem-se questionado se este seria mesmo benéfico aos trabalhadores, proporcionando responsabilidade, aprendizagem, envolvimento, reconhecimento, encorajamento e autonomia. Kovács (1999) considera a produção enxuta como um “taylorismo interiorizado”, com excesso de trabalho, eliminação de movimentos e práticas inúteis, processos padronizados e destruição dos aspectos informais. Além disso, sugere que o Lean seria uma racionalização autogerida, podendo ser uma autoexploração através da sobrecarga de trabalho e horas extras, degradação das condições de trabalho, ritmo intensificado e pressão. Ainda há a questão das formas flexíveis de emprego, como terceirizados e temporários, muito presentes nas empresas que seguem o modelo. Como se sabe nessas modalidades de emprego há fragmentação das relações homogêneas de trabalho, dos lugares de execução do trabalho e das formas de controle do trabalho. (CERDEIRA, 2000). Livro.indb 321 03/02/2011 11:34:34 322 Boyer e Freyssinet (2001) criticam a proposta da existência de um “modelo japonês” e apresentam outros modelos produtivos desenvolvidos em diferentes sociedades e mesmo na japonesa, sobretudo durante o século XX. Constataram que a diversidade de condições macroeconômicas e sociais em que as empresas atuam e que as leva a definir diferentes estratégias particulares põe em causa a existência de um único modelo, o one best way. Contestam, também, que a indústria de automóveis tenha se desenvolvido em três fases, uma artesanal dirigida para uma clientela restrita, e que teria entrado em crise justamente por isso, levando à produção em massa que permitiu a uma grande parcela da população ter acesso a esse bem de consumo, e a lean production, que teria sido a resposta adequada à crise e a uma nova época. Observam que quando a Toyota sofreu uma grande crise, em 1990, teve de implantar mudanças no seu modelo de produção, assim como o modelo implantado pela Ford foi de difícil aplicação fora dos Estados Unidos; o sucesso de outras montadoras sugere que um modelo tem suas limitações dependendo das condições macroeconômicas e sociais em que se desenvolvem. São situações que se reproduzem e permitem ser chamadas de modelos de produção em que as montadoras adotam diferentes estratégias tanto de volume quanto de qualidade, de inovação ou de flexibilidade. Enfim, conforme Novick (2000), fica claro que a organização do trabalho, além dos aspectos técnicos e sociais que intervêm na produção de determinado objeto, bem como a divisão do trabalho entre as pessoas e entre estas e as máquinas, é resultado de um conjunto de regras e normas, fruto de uma construção social, histórica e, portanto, modificável, que leva a mudanças na produção ou no trabalho. Embora o modelo de especialização flexível da Toyota não seja o dominante em todas as empresas – que apresentam modelos híbridos de produção conforme destacado por Boyer e Freissinet (2001) – este se apresenta como o mais almejado pelas organizações. O toyotismo é visto como sinônimo de produzir melhor, com melhor qualidade, menor custo e um grande envolvimento dos trabalhadores considerados fundamentais no processo. Para exemplificar, apresentaremos um estudo realizado numa empresa transnacional do setor metal-mecânico de autopeças que busca se manter líder no seu segmento de mercado e que é fornecedora de juntas homocinéticas para grandes montadoras instaladas no Brasil e no exterior. Livro.indb 322 03/02/2011 11:34:34 323 Heterogeneização da Organização do Trabalho: Modelo Japonês em Planta Brasileira Em 2008, o Grupo Interdisciplinar de Estudos da Inovação e do Trabalho (GINEIT) do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) da Escola de Administração (EA) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) realizou um levantamento abrangendo todas as empresas do setor metal-mecânico do Rio Grande do Sul. Este estudo foi desenvolvido com o apoio do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico e Eletrônico do Estado do Rio Grande do Sul (SINMETAL) e teve retorno de 51% (46) das empresas cadastradas. Em 2001 já havia sido realizado este mesmo estudo e, posteriormente, os resultados comparados com os de 2008. Visava saber se e como as empresas implantavam políticas de flexibilização do trabalho e comparar com a de outro estudo feito pelo grupo. Os resultados desse levantamento foram apresentados em outros fóruns. Nessa segunda etapa havia uma questão para indicar o interesse das empresas em participar de um estudo aprofundado ao qual a Sulpeças6 se dispôs. A empresa desejava saber se e como os operadores estavam se adaptando ao modelo Lean implantado na fábrica dois anos antes. O Grupo de pesquisa desejava, também, conhecer em profundidade a aplicação do modelo e as estratégias de flexibilização adotadas pela empresa. Como as negociações levaram algum tempo, o período de campo coincidiu com o momento crítico dos primeiros meses da crise mundial ocorrida no final de 2008, quando a multinacional estava sentindo profundamente os seus efeitos, sobretudo no exterior. A Sulpeças atua em 31 países e emprega mais de 40 mil pessoas, sendo líder mundial em componentes e sistemas de transmissão e na produção de semieixos homocinéticos, entre outros. Possui duas plantas no Rio Grande do Sul, uma em Porto Alegre e outra na Região Metropolitana. Foi fundada em 1947, com capital nacional, porém ao longo dos anos foi se associando a grupos estrangeiros. Em 2000, uma empresa inglesa assumiu 100% do controle acionário, realizou investimento em tecnologia de última geração, desenvolvimento de novos produtos e expansão do mercado. No total, as duas plantas contam com 1.500 funcionários, sendo 900 na produção. Apesar de gozar de certa autonomia para tomar decisões, presta conta dos resultados para os Estados Unidos, que coordena as empresas das Américas, e em última instância para a matriz inglesa. Nos últimos anos passou por reestruturações no seu processo e na sua organização produtiva, adotando estratégias de flexibilização como terceirização, trabalho multifuncional ou polivalente e contrato de trabalho por tempo determinado, horas extras e estágios. A diferenciação dos tipos de contrato apareceu como uma tendência nas diversas empresas que responderam à primeira parte da pesquisa. 6 Nome fictício pelo qual a organização vai ser referenciada a seguir. Livro.indb 323 03/02/2011 11:34:34 324 Para aprofundar o conhecimento das práticas de gestão e flexibilização do trabalho nessa organização foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 20 operadores, sete gestores e um médico do trabalho. As entrevistas com os operadores ocorreram em dezembro de 2008 e janeiro de 2009, época de grande instabilidade no setor automobilístico e, por conseguinte, nas fornecedoras de peças para este setor. Naquele momento a empresa havia dado férias coletivas para parte de seus funcionários, operando em apenas um turno, quando normalmente opera em três, o que pode ter influenciado nas respostas dos entrevistados. O grupo dos gestores compreendia: dois chefes de departamento; um coordenador de recursos humanos; um analista de recursos humanos; um gerente de melhorias; e um gerente de manufatura. Estas entrevistas foram realizadas ao longo dos meses de março e abril de 2009. As entrevistas com os operadores seguiram um roteiro elaborado com questões abertas, com duas ou três alternativas, e questões para numeração por ordem de importância. Dos 20 entrevistados, 12 aceitaram que a entrevista fosse gravada e a duração média dessas foi de 34 minutos. As entrevistas com os gestores e o médico do trabalho foram baseadas em roteiros abertos, compostos por tópicos iniciais que foram complementados ao longo das entrevistas. Também foi questionada a trajetória profissional dos sujeitos entrevistados. A média de duração dessas entrevistas foi de 60 minutos. Os operadores atuavam em diversos setores da fábrica, como abastecedor de célula, operador de máquinas, montagem, inspeção final etc. A média de tempo de empresa é de 6,4 anos, sendo que muitos foram estagiários ou temporários antes de serem efetivados. A maioria dos entrevistados era jovem (cinco com até 24 anos e 12 de 25 a 39 anos, dois deles idade acima de 40 anos). Mesmo os mais jovens já tinham um tempo considerável de casa, nove estavam na empresa há mais de cinco anos, o que pode indicar que a Sulpeças mantém os funcionários e obedece ao princípio do modelo Lean de formar o pessoal internamente para que aprendam e sigam sua cultura desde cedo. A empresa utiliza os diferentes tipos de contrato de trabalho, sobretudo contrato por tempo determinado como período de teste para a efetivação dos trabalhadores que de fato incorporam os princípios estabelecidos pelo modelo adotado. A maioria dos trabalhadores é constituída de técnicos de nível médio, sendo mais comum a formação em mecânica. Alguns estão cursando, ou estudaram depois de entrar na empresa; sete têm o ensino médio completo; quatro fazem curso superior (engenharia, administração, informática), enquanto um relatou ter entrado há muito tempo com ensino fundamental e concluído o ensino médio Livro.indb 324 03/02/2011 11:34:34 325 por meio de programa de subvenção da organização e por exigência da mesma. A necessidade de qualificação tende a aumentar, visto que alguns anos atrás funcionários eram admitidos com ensino fundamental, e hoje é necessário ter curso técnico. É possível que a exigência por mais qualificação seja consequência, também, da implementação da produção enxuta, pois exige pessoas capacitadas e aptas a resolver problemas rapidamente. No entanto, um dos entrevistados que está fazendo curso superior observou que o seu trabalho poderia ser realizado por alguém com curso fundamental somente. A contratação de pessoal mais escolarizado, mesmo para postos que exigem pouca qualificação, pode ser devido à grande oferta de mão-de-obra e uma forma de afunilar os candidatos ao posto. Por outro lado, a organização deverá lidar com pessoal mais escolarizado e qualificado que pode ser mais contestador e apresentar mais reivindicações. Os gestores de produção salientaram que a empresa busca ter apenas pessoas com curso de nível médio, ofertando esta formação para quem não a possui – a busca pela excelência é característica fundamental do Lean. Também pensando em qualificação, abordaram a importância dos cursos técnicos, principalmente os de mecânica, eletrônica e computação. Um dos gestores lembrou que para conseguirem um bom técnico de eletrônica, hoje essencial para a empresa, oferecem vagas de estágio para estudantes da área7. Além disso, consideram qualificados todos os seus trabalhadores, seja por terem feito cursos, seja pela experiência. Traçando-se um paralelo entre a opinião dos gestores e o modelo de produção enxuta, percebe-se o constante aumento de exigência por qualificação – antes era possível ser admitido apenas com o ensino fundamental, hoje é exigido um curso técnico – mesmo que a atividade que vá desempenhar não exija este nível de conhecimento. O posicionamento da empresa em proporcionar excelência para seus trabalhadores, e ainda o pressuposto de que eles precisam ser mais qualificados por terem mais responsabilidades no andamento da produção pode ser encarado como sobrecarga de exigência física e até mesmo psicológica. A ampliação da qualificação é uma tendência geral no mercado brasileiro, e no caso em estudo a formação permanente pode ser um requisito para a manutenção e crescimento na empresa. Foi abordada também pelos gestores a importância do relacionamento interpessoal, pois os operadores devem trabalhar juntos, interagindo, comunicando-se – para o Lean, essa característica é básica para resolver problemas urgentes e ter um ambiente de trabalho propício à melhoria contínua e a excelência das pessoas. 7 Uma escola do SENAI funciona anexa ao prédio da fábrica. Os estudantes estagiam na empresa e muitos são aproveitados. Podem começar como temporários e posteriormente serem efetivados. Livro.indb 325 03/02/2011 11:34:35 326 (LIKER, 2005). Além disso, um dos gestores afirmou que de nada adianta ter um bom conhecimento técnico se o comportamento não for adequado, inclusive “uma pessoa é contratada por sua formação e habilidades técnicas, mas ela permanece no emprego por seu lado comportamental” (Chefe de departamento). Valorizam os trabalhadores proativos, dinâmicos e flexíveis por se adaptarem às mais variadas situações que surgem dentro da fábrica. Infere-se, assim, que a empresa segue as premissas da produção enxuta de que o trabalhador deve ser versátil, flexível e polivalente, e que em uma perspectiva enxuta existe uma “racionalização autogerida”, que pode ser uma “auto-exploração”, já que o trabalhador deve estar sempre pronto a trabalhar em ritmo intenso, resolver problemas e fazer sugestões. (KÓVACS, 1999). Os operadores consideram satisfatório e suficiente o treinamento oferecido, bem como o aprimoramento da segurança nas atividades e esclarecimento dos procedimentos, possibilitando que melhorem continuamente seu trabalho. Também um deles afirmou que os cursos servem tanto para atuar na empresa como na “vida lá fora”, como, por exemplo, os cursos de competência interpessoal. Esta ideia está de acordo com os preceitos do Lean, de contínuo desenvolvimento do pessoal da organização, seja como funcionário, seja como pessoa. Um dos gestores (chefe de departamento), ao comentar sobre os programas motivacionais, disse que a maior dificuldade é a transmissão dos objetivos do modelo Lean aos terceirizados, que não têm as mesmas perspectivas de salários, progressão etc., que os efetivos, além de considerar um grande desafio para o qual não encontrou resposta ou solução. A gestão de múltiplos contratos de trabalho tem sido um dos grandes desafios para a organização, pois é bastante diversa a vinculação dos trabalhadores que não dispõem de um contrato formal com a organização. A fragilidade do vínculo e as mudanças constantes fazem com que fiquem focados apenas na execução das tarefas sem se envolverem com os objetivos gerais e a cultura da organização. Segundo o coordenador de recursos humanos, o rodízio de funcionários é positivo. Mesmo quando os temporários não são efetivados (o percentual de efetivação é em torno de 40%), aqueles que saem, levam consigo uma grande experiência, podendo atuar em outras áreas e se relacionar com várias pessoas, vários perfis de equipe (neste caso refere-se somente àqueles com contrato temporário). Considera que o programa de estágios deve ser melhorado, pois a empresa tem um número muito grande de estagiários e não está conseguindo acompanhá-los adequadamente nas áreas em que atuam. Então, para dar maior apoio e fazer uma avaliação mais individualizada estão pensando em reduzir o número de estagiários. Livro.indb 326 03/02/2011 11:34:35 327 Um ponto de divergência entre os trabalhadores entrevistados refere-se à adaptação ao modelo – alguns os teriam incorporado muito rapidamente, enquanto outros afirmaram que tiveram dificuldades – mas todos disseram ter se adaptado por terem trabalhado anteriormente em indústrias, ou pela força de vontade, por já terem trabalhado em grupo, por trabalharem em uma área manual que não exige muitos conhecimentos, pelo apoio do pessoal experiente ou pela união do grupo de trabalho. Outro aspecto de discordância refere-se ao ritmo de trabalho. Embora 17 operadores tenham classificado o ritmo como intenso, três deles consideram “tranquilo”. É interessante que estes que consideram o trabalho tranquilo operam mais de três máquinas e um deles afirma que às vezes pode se enganar na execução das atividades. Somente quatro ressaltaram que o trabalho é repetitivo e um que o trabalho que realiza não precisaria de curso técnico. Entre aqueles que indicaram que o ritmo de trabalho é intenso, há os que ressaltem um lado positivo, “pela adrenalina”, por não sentir o tempo passar ou gostar de correr e buscar metas. Outros consideram que o ritmo se intensificou nos últimos anos tanto no volume quanto na otimização da produção, reduzindo o número de pessoas por célula e, assim, aumentando as tarefas para cada um. As metas de produção são específicas para cada célula e controladas hora a hora, bem como tendem a aumentar ao longo dos anos. Um dos operadores afirmou que alguns anos atrás, a meta diária era de 12 mil peças, ao passo que agora é de 20 mil, sem aumento do número de trabalhadores (o que foi confirmado pelo gerente de produção). Afirmam que as metas de produção são atingidas quase sempre nos setores em que trabalham e, para isso, precisam contornar problemas, como: algum operador da célula faltar ao trabalho; problema nas máquinas; ou falta de material. Muitos consideram difícil atingir as metas, por isso não podem parar, o ritmo é “alucinante” e qualquer parada ou falha precisa ser justificada. Quanto a este assunto, ainda há alguns comentários de que “o tempo é muito enxuto, qualquer falha leva tempo, que geralmente não dá pra recuperar”; “caso não corra, não dá”. Comparando as informações levantadas pelos trabalhadores com a teoria da produção enxuta, é possível destacar que são estabelecidas metas que devem ser sempre superadas; os trabalhadores têm autonomia para parar a produção para resolver problemas; detêm certo poder sobre o processo produtivo, pois a empresa depende deles para reduzir estoque, identificar problemas e solucioná-los; porém, não permitem a eliminação da sobrecarga de trabalho, como é proposto no Lean, já que os operadores têm que “correr” para alcançar as metas. Além Livro.indb 327 03/02/2011 11:34:35 328 disso, deve-se considerar que a instabilidade do mercado automotivo nos últimos anos e o excedente de mão-de-obra característico do mercado de trabalho brasileiro fazem com que as pessoas busquem se adaptar pelo risco de perderem o emprego. No caso da Sulpeças, o salário acima da média e o status da empresa na região tornam-se elementos adicionais no empenho dos trabalhadores para manterem seus empregos, configurando-se, assim, uma relação em que o poder está centrado na organização, enquanto os trabalhadores buscam se adaptar às novas demandas decorrentes das alterações no ambiente externo. Um dos operadores estava saindo para trabalhar em outra empresa, onde, segundo ele, se sente menos os efeitos das crises. Foi dos mais críticos, sobretudo quanto aos critérios de promoção, alegando que nunca se sabe porque alguém foi promovido ou recebeu aumento. Que os critérios não são claros. Este é um dos maiores motivos de insatisfação já detectado pelos gestores de Recurso a Humanos da empresa. Muitos entrevistados disseram que a empresa estimula que ofereçam sugestões, inclusive com retorno financeiro, e que grande parte das ideias são testadas e implementadas. Certos operadores falaram sobre o evento kaizen, realizado pouco tempo antes das entrevistas, permitindo diminuir o número de etapas de um processo produtivo de 11 para oito. Entre as principais sugestões que apresentaram quando incentivados a isso estão: a) a redução do ritmo de trabalho e da quantidade de máquinas que operam; b) diferença de ritmo entre células de trabalho que requer adaptação constante; c) aumento da produção reduziu alguns espaços dificultando o fluxo; d) maquinário muito antigo, muita variação de medição, supervisão confusa e que deveriam procurar melhorar a comunicação entre os colegas. Outro questionamento feito aos operadores foi sobre o que consideravam mais satisfatório no seu trabalho. Os mais citados foram a remuneração e os benefícios e, ainda, em ordem decrescente: o reconhecimento do trabalho pela empresa, a aprendizagem, o relacionamento com os colegas e a estabilidade. Deste modo, afere-se que os elementos mais satisfatórios para os entrevistados estão entre aqueles cuja responsabilidade é da gestão da empresa. Por outro lado, questionou-se sobre causas de insatisfação no trabalho, o que trouxe algumas respostas interessantes. Dos 20 entrevistados, dois disseram nunca terem ficado insatisfeitos e não terem do que se queixar. Os demais apresentaram como causas de insatisfação, por ordem decrescente: a) aprendizagem ou oportunidade de crescimento; b) remuneração; c) reconhecimento; d) relacio- Livro.indb 328 03/02/2011 11:34:35 329 namento com chefias; e) estabilidade; talvez esta última tenha sido mais citada devido ao cenário de crise na época das entrevistas. Dois aspectos que chamaram atenção foram a reclamação pelo fato de a empresa não oferecer transporte próprio para buscar e levar os funcionários8 e o favorecimento pessoal ou pessoalidade. Quanto a esse último item – favorecimento pessoal – houve concordância por parte de gestores que reconheciam esta insatisfação. No que se refere ao salário e à forma de atribuição, a maioria disse saber os critérios para o aumento de salário, uma vez que há um sistema de promoções. Entre os critérios citados destacam-se: trabalhar bem; saber fazer mais operações dentro da célula; envolvimento; dedicação; aprender rápido; escolaridade; assiduidade; competências técnicas e comportamentais; tempo de empresa e experiência. No entanto, estes nem sempre são respeitados. Foi muito destacado que alguns funcionários seriam favorecidos pela direção nos momentos de promoção sem que fossem claros os critérios utilizados. A pessoalidade é um traço marcante da cultura brasileira (CAVEDON, 2008) que se reflete nas relações de trabalho; se por um lado a pessoalidade aproxima as pessoas contribuindo para a formação de um ambiente informal, por outro torna a gestão menos objetiva, como é ressaltado pelos entrevistados que destacam a falta de critérios objetivos para promoções. O teto salarial foi lembrado em diversas entrevistas, com observações de que pode desmotivar, pois atualmente em cerca de dois anos chegam muito rápido ao teto e depois não existem mais possibilidades de promoção na categoria de operador. Alguns operadores disseram desconhecer a política de aumento de salários, enquanto outros afirmaram que não há critérios específicos, os quais poderiam ser pela qualificação ou por competências. Além disso, foram feitos alguns comentários a respeito do aumento espontâneo; o chefe escolhe os melhores trabalhadores e concede aumento e isso é visto como injusto por alguns, já que os critérios não são suficientemente claros. O assunto teto salarial também foi abordado junto aos gestores e, assim como na opinião dos operadores, não há um consenso se ele frustraria o trabalhador ou não, pois o teto é o máximo que se recebe em determinada função. Além do salário, a empresa oferece plano de saúde, ginástica laboral e auxílio para formação. O plano de saúde é administrado por uma empresa terceirizada, que cobre consultas, hospitais e laboratórios. A ginástica laboral está vinculada ao Plano de Participação nos Resultados (PPR), pois é valorizada a participação do 8 A fábrica é situada dentro do perímetro urbano de Porto Alegre, mas a maioria dos operários mora em cidades da Grande Porto Alegre. Livro.indb 329 03/02/2011 11:34:35 330 funcionário e há uma parcela de reconhecimento financeiro dentro dessa participação. Para o programa de auxílio à educação, definem como critério o vínculo com o negócio e da área de formação. Quanto à complexidade e tempo para realizar as atividades, três deles disseram não ter dificuldades. Para os demais as dificuldades mais citadas foram: atividades repetitivas; falta de autonomia; senso de importância do seu trabalho para a empresa; e relacionamento com chefias. Um dos entrevistados citou que teve problemas no ombro devido às atividades repetitivas. O médico do trabalho especializado em doenças osteomusculares foi enfático no sentido de que a maioria dos operadores tem esse tipo de problema e vários se submeteram a cirurgias, mas que há uma cultura na organização de que os problemas de saúde só são reconhecidos quando aparece sangue e estas são doenças silenciosas e pouco admitidas. Ele está fazendo uma campanha para que os gestores reconheçam a importância do problema. Quanto à supervisão do trabalho, as considerações dos operadores foram contraditórias, já que alguns afirmaram que o líder só aparecia quando era chamado, enquanto outros disseram que a chefia estava sempre por perto. Ainda houve relatos sobre o diário de bordo onde são especificados os problemas da produção e as quantidades produzidas, inspecionado pelo técnico de manufatura, pelo supervisor ou pelo analista de qualidade. A diferença nas respostas evidencia que o nível de controle/ autonomia varia de acordo com o setor, ou com o perfil do supervisor responsável. A autonomia dos trabalhadores é um requisito do Lean, com a intenção de resolver rapidamente os problemas que surgem durante o processo produtivo, através do senso de urgência dos trabalhadores, afinal uma parada pode interromper outras operações, gerando uma crise. (LIKER, 2005). No entanto, essa noção de urgência pode ser uma pressão psicológica sobre os trabalhadores, já que o andamento da produção passa a ser de responsabilidade deles. Se a empresa produzir menos do que deveria, o operador pode se sentir responsável. O trabalho em equipe também é uma forma de controle sobre o trabalho, apesar de sutil, pois o indivíduo quer se sentir incluído e valorizado, e as falhas seriam ruins para sua imagem perante o grupo. Assim, talvez a produção enxuta permita autonomia porque o próprio grupo é capaz de exercer controle sobre os seus membros, mesmo que eles não percebam – por isso dispensável a presença do supervisor. Além disso, se numa célula é produzida uma peça defeituosa, essa mesma peça fica exposta em local bem visível no chão e é fácil a identificação de onde Livro.indb 330 03/02/2011 11:34:35 331 ela vem, pois o espaço reproduz o ordenamento das células na fábrica. Se muitas peças estiverem em exposição significa que várias células apresentam problema de qualidade e o grupo todo fica exposto. No que se refere às dificuldades no trabalho dos gestores, destaca-se a necessidade de saberem lidar com funcionários que fazem muitas críticas ao trabalho e à própria empresa, o que acaba influenciando os colegas e, às vezes, atrapalhando a rotina do grupo. A solução encontrada por um dos entrevistados é conversar com os “críticos”, mostrando-lhes a repercussão que tal atitude pode ter na equipe. Então, surge uma demanda por habilidades interpessoais, de liderança dos gestores, já que é preciso estimular o grupo e mantê-lo homogêneo, além de propiciar um ambiente de trabalho que não desmotive os funcionários. Segundo um dos gestores, além da formação em engenharia, é fundamental desenvolver conhecimentos de gestão de pessoas, pois apenas o foco em resultados e produtividade não basta. Neste ponto, o modelo Lean preconiza pessoas trabalhando juntas, com respeito mútuo e confiança entre funcionários e empresa, comunicando-se e, principalmente, resolvendo problemas (LIKER, 2005), o que exigiria cooperação e dedicação ao trabalho, ou seja, mão-de-obra comprometida com a organização. Em contrapartida, Kóvacs (1999) afirma que o trabalho em equipe, tão valorizado na produção enxuta, é apenas mais uma forma de controle social, visto que os próprios colegas podem exercer pressão sobre o indivíduo e até mesmo excluí-lo do grupo. Tal necessidade também reflete o atual estágio das políticas de recursos humanos, onde a gestão de pessoas deixa de ser um departamento específico e passa a ser incorporado por todos aqueles que têm algum nível de gestão na organização. A habilidade para liderar e estimular os trabalhadores torna-se um requisito fundamental para os gestores. Ainda sobre habilidades humanas dos gestores entrevistados, destacou-se que a parte prazerosa do trabalho é programar algum processo e ver a equipe realizando de forma eficiente e eficaz, às vezes, inclusive, enfrentando obstáculos como a exiguidade de tempo. Isso deixa o grupo satisfeito e traz motivação aos operadores, além de reforçar o senso de equipe, tão estimado na produção enxuta. (LIKER, 2005). Dentre as conhecidas ferramentas do Lean, está o 5S (classificar, organizar, limpar, padronizar e disciplinar) como meio de manter o ambiente laboral em ordem e facilitar o andamento da produção. Na empresa o 5S é visto como elemento que proporciona limpeza e organização do espaço de trabalho, permitindo que o operador exerça suas atividades de forma saudável, segura e econômica. Com o local organizado se mantém a higiene, se revela e facilita a visualização de pontos Livro.indb 331 03/02/2011 11:34:35 332 de insegurança e, assim, a empresa economiza recursos que seriam gastos com acidentes de trabalho. Segundo um dos gestores entrevistados, o mais difícil do 5S é a disciplina, por requerer administração comprometida, treinamento adequado e uma cultura que perpetue essa disciplina. A razão de os teóricos da produção enxuta dar tanta atenção à excelência nas pessoas e à criatividade dos funcionários pode ser resumida nesta fala de um dos entrevistados: Então tem vários tipos de reuniões onde o principal item de colaboração é o operador, porque hoje não existe assim, como tu falou, o engenheiro pode ter conhecimento, o líder pode ter um nível x de conhecimento, o gerente também pode ter um nível de conhecimento, agora quem vive mesmo a operação é o operador, essa é a preciosidade, a jóia maior. (Chefe de Departamento). Certamente, quem executa o trabalho, quem fabrica os produtos que serão vendidos e trarão resultados para a organização é o operador, aquele que cuida das máquinas, abastece as células, percebe os problemas do maquinário e conhece suas responsabilidades e tarefas, sendo capaz de propor melhorias e inovações para o processo de que participa. A empresa depende dos operadores para reduzir estoque, identificar problemas e solucioná-los. (LIKER, 2005). Também falando de funcionários do chão de fábrica, abordou-se a questão da liderança das equipes de trabalho que são escolhidos pela direção. O gerente de fábrica ressaltou: [...] a questão de ser um líder, de tu teres uma liderança, é uma questão cada vez mais complicada, porque simplesmente o líder hoje não é aquele que sabe mais, só porque tu, naquela célula tu é o cara que operou todas as máquinas, conhece como operador de máquinas, não quer dizer que seja um ótimo líder. Muitas vezes, a gente ainda elege em função disso, simplesmente porque o fulano conhece todas as máquinas, ele vai ser o líder de 5 pessoas, muitas vezes tu tira aquela pessoa dali pra ser o cabeça dos 5, e ele bota toda célula a perder, ele não tem algo mais, que é ser um disciplinador, ser um exemplo, ser um coach, que é o cara que agrupa a equipe, que consegue levar a equipe pros seus exemplos e pra sua doutrina, é muito difícil isso, então muitas vezes até a própria equipe derruba o cara, é um negócio complicado, ser um líder, escolher um líder. Livro.indb 332 03/02/2011 11:34:35 333 [...] aí, às vezes a equipe fala e o gerente percebe quem é o líder nato, ou se já tem um líder eleito pela equipe, e aí sim, aí tu pinça aquele cara, trabalha ele, pra ver se ele tem uns adendos a mais na área de liderança, uma coisa é tu tá ali no meio, todo mundo te aceitar como tu sendo o cara que fala mais, o cara que fala com todo mundo, principalmente porque o cara tem o peito aberto, tá sempre na frente de tudo, mas aí tu tira ele daquela função, coloca ele na liderança, muitas vezes ele não gosta, aí ele ó... então tu tem que observar, então muitas vezes a equipe elege, mas além da equipe eleger, tu também tem que como gerente, ter a percepção de realmente identificar se o cara realmente tem perfil pra ser o líder de toda equipe, às vezes não é. O modelo Lean está sendo implantado também nas áreas administrativas – o Lean Office – e todas as gerências estudam o modelo Lean para discutir e esclarecer as dúvidas sobre o modelo que foi adotado em toda a fábrica. Grande parte da tecnologia data da época do desenvolvimento eletroeletrônico e eletromecânica que eles desenvolveram no Brasil. Ainda, o conceito de célula sempre existiu, porém vem mudando ao longo do tempo, seja com o conceito Toyota, seja com o Lean, que segue o conceito da automação. 100% do grupo adotam o conceito do Lean. O modelo Toyota de produção sempre esteve na empresa antes de 2000, e vem se remodelando ao longo dos tempos. No final da montagem, ou no final da célula de inspeção do produto contratam mão-de-obra terceirizada responsável pela medição de 100% de todos os produtos que saem por um período de três ou seis meses. Esse processo denomina-se safety launch, que é traduzido como “financiamento seguro”. Na área de RH a matriz define os grandes desafios para os próximos cinco anos, e com esses objetivos globais a diretoria brasileira faz o desdobramento local para a América do Sul. Depois são definidos os objetivos diários. Cada equipe define com o seu gestor os objetivos da sua área, fazendo o desdobramento individual. Todos sabem qual o seu papel na sua área, que é feita anualmente, mas na realidade é um processo de avaliação de desempenho. O processo de avaliação de desempenho se inicia no começo do ano, quando se definem os objetivos individuais para cada funcionário para o período. A empresa tem uma formatação de trabalho em equipes multidisciplinares. Com a inclusão do Lean nas práticas fazem uma reunião diária. Cada dia um representante do RH participa da reunião de toda a engenharia de produção, quando fica sabendo como está a manufatura, e apresenta as necessidades da área de recursos humanos, mostrando como podem ajudar no negócio e na produção. Livro.indb 333 03/02/2011 11:34:35 334 Embora a fábrica tenha certa autonomia, segue sempre as orientações da matriz, que são passadas em reunião semanal com o diretor-presidente , assim como todos os outros diretores de região. Nessa reunião são avaliados os resultados da semana e o progresso do negócio. A área de gestão de pessoas procura associar o modelo Lean à gestão por competências, ou seja, a partir da análise das competências que a pessoa tem hoje e de seu desempenho avaliam as condições de aspirações de carreira, formação escolar e competências complementares (idiomas, informática etc.), que possam contribuir para o desenvolvimento da carreira. É oferecida ao pessoal administrativo a possibilidade de desenvolvimento, no qual anualmente e pelo menos em três etapas formais a pessoa avalia os seus objetivos profissionais, as suas competências, tanto da parte comportamental quanto das competências técnicas e aspirações de carreira e o seu plano de desenvolvimento. Segundo a entrevistada da área, essas quatro etapas, se bem conduzidas, asseguram ao trabalhador a possibilidade de identificar as suas oportunidades na empresa e o que está faltando para se tornar elegível. A área de recursos humanos busca administrar todos os processos relacionados à comunicação, remuneração, treinamento e desenvolvimento. Segue a tendência de que para trabalhar num sistema integrado as pessoas devem sair dos limites da situação de lidar com processos e procurar entender a dinâmica dos processos interligados e como eles se comunicam entre si. Ao pensar em processos as pessoas podem desenvolver competências que reforçam sua atuação nas atividades que desempenham, bem como colaborar para fortalecer a cadeia de ligações e construir uma atuação mais completa. Como a organização está estudando e desenvolvendo um modelo Lean para a administração, pretendem que a fábrica inteira fique integrada dentro desse modelo de produção e de gestão. A cultura do Lean é muito difundida entre os operadores e gestores, no entanto apresentam-se contradições e o método de gerenciamento muitas vezes pode ser considerado híbrido, isto é, há também resquícios do modelo taylorista/ fordista. A cultura e a prática em função do Lean são muito fortes, e o retorno tende a ser positivo para a organização. As gerências pretendem que a cultura Lean seja uma marca da organização. No entanto, embora o modelo esteja cada vez mais difundido entre os trabalhadores, alguns aspectos da cultura nacional, como o personalismo e a tendência ao paternalismo, também marcam as relações de trabalho na organização e, sobretudo, a dificuldade de compatibilizar diferentes vínculos de trabalho com comprometimento e identificação com a organização por parte dos que mantêm vínculos flexíveis. Além disso, a existência de Livro.indb 334 03/02/2011 11:34:35 335 múltiplos contratos e as exigências de habilidade em gestão de pessoas aos gestores da manufatura mostra aspectos da atual tendência de gerenciamento. Assim, evidencia-se que, por mais que a empresa se empenhe na aplicação de um modelo de organização do trabalho “fechado”, este é influenciado por aspectos sociais, culturais e conjunturais que a organização apresenta. Considerações Finais Num retrospecto dos modelos de gestão constata-se que eles se modificam e adquirem novas roupagens, mas muitas vezes dentro de uma mesma lógica e objetivo principal, que é de ligar os interesses individuais dos trabalhadores aos da organização, tarefa permanente da área de recursos humanos, que passa a ser compartilhada por todos em função gerencial. Ao longo das diferentes etapas do desenvolvimento das práticas de Recursos Humanos as relações de poder se redistribuem em moldes mais sutis, sendo difícil identificar como se concretizam. Assim, temas como o comprometimento e a autogestão tornam-se importantes como formas de reforçar o vínculo do trabalhador com a organização. Rondeau (1999) lembra que embora se fale do surgimento de novos modelos e de mudanças cada vez mais rápidas, muitas vezes há a simples reprodução de padrões já existentes que correspondem aos interesses das organizações e que se subordinam a diferentes forças ambientais (econômicas, políticas, sociais, tecnológicas) que as levam a reagir introduzindo novas formas de gestão e organização do trabalho diretamente relacionadas às forças políticas que interagem neste cenário de desregulamentação dos mercados, de diminuição das estruturas de controle antes inerentes ao Estado. Essas novas formas levam à reorganização e comprometimento das atividades em numerosos setores industriais com a formação de alianças estratégicas, fusões, aquisições, redes interorganizacionais; novas parcerias; reestruturações; organizações virtuais, dentre outras. A organização do trabalho de cada período é resultado de um conjunto de regras e normas, produto de uma construção social e histórica. Desta forma, pode ser modificada de acordo com a forma de estruturação e o porte de cada organização, ligando-se estrutura de poder e de controle organizacional ao conteúdo e às condições físicas do trabalho. A organização do trabalho apresenta uma diversidade de elementos (tecnologia, força de trabalho, hierarquias etc.), que irão compor todas as estruturas e relações de trabalho nas organizações. Para solucionar os problemas que passam Livro.indb 335 03/02/2011 11:34:35 336 a enfrentar, os gestores buscam novas formas de organização do trabalho que respondam às transformações pelas quais passa uma sociedade onde os interesses econômicos, políticos e as mudanças tecnológicas influenciam cada vez mais as relações de trabalho e de poder nas organizações. Para podermos entender as mudanças que ocorreram na organização do trabalho no Brasil foram retornados o processo histórico de gestão do trabalho e as consequências dessa formação, sobretudo pela herança escravista e também pela influência do colonizador português. No início do processo desenvolvimentista o modelo de gestão estabelecido no País foi fortemente influenciado pela corrente americana que estruturou e orientou também a formação dos cursos de formação em administração no País. Além disso, outro traço marcante da gestão no Brasil é a participação do Estado, tanto no estímulo às organizações e ao próprio desenvolvimento do País como na legislação sindical em que o controle do Estado ficou evidente em vários períodos. Como o discurso predominante na área de produção industrial é de implantação do modelo de “produção enxuta”, lean production, lean manufacturing, trouxemos o exemplo de uma empresa em que foi realizada uma pesquisa para verificar como repercutiu a implantação do modelo, há cerca de dois anos, e os possíveis problemas já apontados por críticos do modelo. O modelo Toyota existia na empresa desde 2000, mas o lean production foi implantado há dois anos e foram observados reflexos desse processo, sobretudo no ritmo intenso, nas doenças osteo-musculares, apesar de não ter sido possível saber se houve reflexos na saúde mental dos operadores e demais funcionários. As entrevistas foram realizadas em meio à crise econômica mundial do final de 2008 e início de 2009, e que se refletiu na empresa. Embora a economia brasileira não tenha sofrido muito (se comparada à de outros países), essa empresa, por ser a filial de uma multinacional e por atuar diretamente ligada ao setor automotivo – um dos mais atingidos – teve um impacto bem maior no seu cotidiano do trabalho. O impacto da crise esteve presente na fala de quase todos os trabalhadores que apontavam receio e incerteza quanto ao futuro das atividades e a manutenção de seus empregos9. Este fato chama atenção para o mosaico de relações que se constroem na economia mundializada quando as relações de poder das redes organizacionais não seguem mais fronteiras geográficas e os impactos da economia de outro país podem afetar fortemente as empresas situadas no Brasil. 9 O fato de estarem empregados num período conturbado pode ter contribuído para que minimizassem as críticas ao sistema Lean e se empenhassem em alcançar as metas implantadas pela organização. Livro.indb 336 03/02/2011 11:34:35 337 Constatou-se que todos, em todos os níveis da organização, haviam incorporado o modelo Lean e demonstravam conhecer os seus princípios e as suas ferramentas. A maioria dos operadores e funcionários era bastante jovem, e sabese que quem inicia dentro dessa lógica tem mais facilidade em se adaptar até pelo fato de ter uma maior escolaridade, mas mesmo estes, como os funcionários mais antigos, criticavam, sobretudo, o ritmo do trabalho, embora aceitassem a necessidade de alcançar as metas para serem produtivos e úteis à organização. Como dentro desse modelo a figura dos terceirizados está presente em quase todos os setores da fábrica, o chefe de departamento tinha dificuldade em “passar” a mensagem da organização, uma vez que eles não desfrutavam do mesmo estatuto e dos mesmos benefícios dos efetivos. No entanto, a maioria inicia como contratado temporário e depois pode ser efetivada. Como a empresa oferece remuneração e benefícios aos que se destacam no setor e que são reconhecidos pelos funcionários, a queixa maior se refere ao sistema de promoções e de aumento de salários, considerado injusto e/ou difícil de reconhecer as razões de alguns receberem promoções. Outra queixa é o fato de a empresa não oferecer transporte aos trabalhadores quando muitos moram na Região Metropolitana. Observou-se que, mesmo que a empresa desfrute de uma tecnologia muito avançada, ainda persistem em paralelo tecnologias mais antigas e algumas formas de trabalho tayloristas, inclusive a gerência pretende uniformizar as tarefas elaborando manuais de trabalho para que o Lean seja considerado pela organização como o ideal de produção. REFERÊNCIAS ALVES, G. O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: FAPESP, 2000. AMATO NETO, J. Redes de cooperação produtiva e clusters regionais. São Paulo: Atlas, 2000. BOYER, R; FREYSSENET, M. 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