Operíodo apocalíptico é geralmente situado entre os séculos II aC e

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Operíodo apocalíptico é geralmente situado entre os séculos II aC e
A INTERPRETAÇÃO ALEGÓRICA
JUDAICO-CRISTÃ DO CÂNTICO
DOS CÂNTICOS: REMANESCENTES
DE UM CONTEXTO APOCALÍPTICO*
Samuel de Jesus Duarte**
Resumo: as interpretações do livro Cântico dos Cânticos feitas
por judeus e cristãos nos períodos iniciais do Cristianismo até o período moderno são um exemplo da influência do contexto apocalíptico.
Comentadores como Aquiba, Gersonides, Orígenes, Jerônimo, se ocuparam em apresentar um sentido diferente do sentido literal. O contexto
apocalíptico dos séculos II a.C. ao século III colocou o fundamento
das interpretações alegóricas do Cântico: a necessidade de ultrapassar
o momento presente de grande sofrimento e chegar a um “momento
novo”. Esse sentimento encontrou no Cântico a realização do sonho
paradisíaco do Reino de Deus.
Palavras-chave: Cântico dos Cânticos. Interpretação Alegórica.
Apocalíptica. Antigo Testamento, Bíblia.
O
período apocalíptico é geralmente situado entre os séculos II a.C. e os
séculos III d.C. A característica fundamental desse contexto é a experiência de uma situação de grande sofrimento que traz como conseqüência
uma grande fragmentação social e uma expectativa de ultrapassar o “tempo
presente”. O livro do Cântico dos Cânticos provavelmente não foi escrito nesse período, no entanto, no contexto do séc. I se deu uma grande discussão a
respeito da santidade de tal livro. A interpretação alegórica salvaguardou a sua
“canonicidade”, delegando ao livro a função de representar, a partir daí, os desejos de uma relação harmoniosa, “paradisíaca”, entre Deus e seu povo (Deus e
Israel, Deus e a Igreja, Deus e a alma humana).
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É possível afirmar que nenhum outro livro da Bíblia e do mundo antigo tenha recebido tantas interpretações e com tamanha diversidade como tem
acontecido com o Cântico dos Cânticos. De acordo com Richard Norris, ao
lado de Gn 1, o texto da criação, e Ez 1, o carro de Javé, o Ct foi reconhecido
como o mais difícil texto da Bíblia (NORRIS, 2003, p. 10).
Antes de aprofundar o tema da história da interpretação do Cântico, é preciso considerar que para a maior parte da história da Igreja Cristã
(período antigo, medieval e até a Reforma), ele foi o livro sobre Cristo e a
Igreja. A partir do séc. XX é que ele, assim como o AT em geral, passou a
ser olhado em relação à cultura, à história e à literatura do mundo antigo.
Hoje se reivindica a cidadania do amor humano como objeto e meio da
revelação divina. Nos tempos atuais, o Cântico tem recebido interpretações que consideram mais o foco literário que o religioso ou teológico. No
entanto, se se quiser adentrar no seu sentido próprio não se pode desprezar
o modo como ele foi entendido durante todo esse tempo por judeus e
cristãos. Aliás, é preciso considerar que este livro só chegou até os tempos
atuais porque recebeu a autoridade de palavra de Deus tanto pelos rabinos
judeus quanto pelos cristãos. Essa constatação faz perceber que há, como
afirma Jean Emmanuel de Ena, um conflito de interpretações a respeito
dessa obra entre os comentários antigos e os modernos — esse conflito se
situa mais no campo epistemológico que no cronológico (ENA, 2004, p.
21). Os antigos o interpretaram alegoricamente e a maior parte dos autores
modernos rejeitam essa interpretação.
Para Paul Ricoeur a situação parece ser esta: enquanto a exegese contemporânea adota quase com unanimidade a explicação naturalista, – que ele
prefere chamar de erótica, segundo a qual o Cântico não é mais que um epitalâmio; – as explicações alegóricas caracterizam a maior parte das interpretações recebidas pelo Cântico (LACOCQUE; RICOEUR, 1998, p. 427).
As interpretações alegóricas do Cântico dos Cânticos manifestam a
grande influência do contexto apocalíptico nessa obra. A afirmação desse
livro como texto sagrado se deu no contexto da apocalíptica judaica e,
posteriormente, cristã. Nesse sentido, serão apresentadas algumas interpretações que o Cântico recebeu que comprovam os desdobramentos da
mentalidade apocalíptica.
HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO JUDAICA
O leitor religioso que se aproximar pela primeira vez do Cântico
sentirá um desconforto diante de uma linguagem erótica, cheia de imagens,
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diferente dos outros textos sagrados. Essa impressão não é nova. Basta
observar a história da interpretação do Cântico. Esse livro já recebeu tantas
interpretações que parece difícil se perguntar por seu sentido “literal”.
Já por volta do ano 100 d.C., o Rabi Aquiba proibia o seu uso profano
(LONGMAN III, 2001, p. 20)1. Ele afirmava: “Quem quer que seja que
cantar o Cântico com voz trêmula numa taverna e tratá-lo como cançoneta
não terá parte no mundo que vem” (LONGMAN III, 2001, p. 20). Essa
parece ter sido a primeira proibição a respeito da interpretação do Cântico.
A mesma aponta para uma interpretação “erótica”. Ainda é muito discutida
a data da formação do Cântico, da mesma forma, antes de Aquiba não se
encontram testemunhos de interpretação do referido texto. Para Roland
E. Murphy, a primeira explicação do Ct é incerta e essa denúncia do Rabi
Aquiba sobre o uso do Ct em banquetes não significa necessariamente uma
interpretação não alegórica (SCHWAB, 2002, p. 7).
Os judeus interpretaram alegoricamente o Cântico como sendo a expressão do amor entre Deus e Israel2, de Moisés por Israel e também do Messias por Israel (o amado é figura do messias, daí o uso do Cântico na festa da
páscoa). No entanto, autores, como Weston W. Fields, tentam demonstrar
que não há registro de alegorização no primeiro período da interpretação judaica. Apesar disso, pode-se afirmar que o Cântico entrou ou pelo menos
permaneceu no cânon das Escrituras judaicas por causa da interpretação alegórica. O método alegórico ganhou ascendência sobre todas as metodologias
relativas ao Ct. É preciso destacar que a própria Bíblia Hebraica apresenta textos que expõem interpretações alegóricas; pode-se citar como exemplo Jz 9, o
apólogo de Joatão3. No entanto, está claro que o livro do Cântico em si não
apresenta sinais de que foi escrito para ser lido alegoricamente, ou seja, num
sentido diferente do que as suas palavras apresentam.
No Targum do Cântico (PELLETIER, 1989, p. 385-386),4 o tradutor o converteu numa alegoria sobre as relações entre Deus e Israel,
desde o Êxodo até a chegada do Messias. Sua data provável parece ser o
séc. VII d.C. e deixa transparecer uma apologética anticristã e ao mesmo
tempo repele interpretações esotéricas judias5. A introdução ao Targum
coloca o Cântico no conjunto dos dez cânticos que foram completados
neste mundo. Este conjunto é iniciado com o Cântico de Adão no Sl 92 e
termina com Is 20,29, o cântico para a libertação do Exílio. O Cântico dos
Cânticos é o nono da lista, e é apresentado como o maior de todos e está
conectado à figura de Salomão. O Targum lê o Cântico como a história
da redenção que começa com o Êxodo e termina com a seção da descrição
do período messiânico (7,14 – 8,7), mas com dois “flashbacks” (8,8-10 e
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8,11-14) para os dias antes da consumação da história (LONGMAN III,
2001, p.25).
O Targum é muito detalhado e complexo para dar algum tipo de
descrição corrente. Pode-se observar a interpretação targúmica de 1,2-9: a
amada, Israel, começa pedindo ao amado, Deus, para beijá-la. Israel deseja
se relacionar com Deus. Ela elogia sua reputação e pede a ele para entrar
em seu quarto. O quarto é a Palestina, a Terra Prometida. A abertura faz
referência ao Êxodo do Egito. O beijo é a dádiva da Torá e a Revelação de
Deus no Sinai. Apesar disso, no deserto eles pecaram adorando o bezerro
de ouro. A confissão da negritude é um reconhecimento do pecado de
idolatria. Os vv. 7-8 descrevem Moisés falando sobre a futura fidelidade de
Israel ao Senhor e sua advertência para eles. No v. 9 a referência à amada
como égua do Faraó traz à mente a travessia do Mar Vermelho (LONGMAN III, 2001, p.20).
Textos apócrifos do judaísmo, como Apocalipse de Esdras ou Quarto livro de Esdras, utilizam uma terminologia usada pelo Cântico: jardim,
lírio, paloma para fazer referência a Israel. Parece que o uso abusivo do
livro em bodas e “tavernas” e a dificuldade de valorizar de modo positivo o
amor carnal fez com que alguns rabinos questionassem a sua canonicidade
e Aquiba proibisse (séc. II) o seu uso profano. Sacrificou-se o sentido óbvio, mas salvou-se a canonicidade (LERA, 1999, p. 16). Para aqueles que
negavam a autoridade do Cântico Aquiba afirmou: “Deus proibiu — nenhum homem em Israel deve afirmar que o Cântico não mancha as mãos,
todos os anos não valem o dia em que o Cântico foi dado a Israel. Todos
os escritos são santos, mas o Cântico é o Santo dos Santos” (LONGMAN
III, 2001, p.21).
Entre os anos 70 e 132 d.C. os comentários judeus se concentraram
nas relações entre a Shekiná e a comunidade de Israel. Na Idade Média,
muitos judeus fizeram uma interpretação apocalíptica do Cântico retomando uma tradição que começou na época do imperador Adriano quando muitos judeus foram martirizados (inclusive Aquiba) ou sofreram tribulações. Esses comentaristas procuravam levar esperança às comunidades
judias. Do lado asquenazita, (Alemanha e França) tem-se os comentários
de Rashi6 e seu neto Rashbam (sécs. XI e XII). Na linha sefardita, os comentários de Abraham ibn Ezra (comentário filológico, explicativo e alegórico). Ibn Ezra parece defender uma interpretação literal e foi tachado
de racionalista.
Pode-se observar que na Tradição judaica desenvolveram-se majoritariamente duas correntes de interpretação: a interpretação alegórica,
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como mostra o Targum, e a interpretação mística filosófica. No século XIII
Yosef ibn Caspi, Mosé ibn Tibbon e Immanuel ben Salomón apresentaram
uma interpretação de tipo filológico, ou seja, o Ct apresenta as relações
entre o intelecto agente e o intelecto paciente. Como representante dessa
corrente cita-se o rabino aristotélico Levi ben Gershon (Gersonides). Ele
fez uma distinção entre o intelecto material, intelecto adquirido e intelecto ativo. O último e o primeiro lugar para Deus é a capacidade que suas
criaturas têm de conhecer. O intelecto adquirido é o conhecimento que
é acumulado durante a vida. Levi lê o Cântico como uma alegoria em
dois níveis. O homem representa o intelecto ativo e a mulher o intelecto
material; o Cântico mostra os dois em diálogo, e sua união é nos seres humanos a maior perfeição e a maior felicidade. O segundo nível apresenta a
discussão da relação entre as faculdades da alma e o intelecto material. Ao
lado das principais características do amado (Intelecto Ativo) e da amada
(Intelecto Material), Gershon também identifica as características menores
neste drama da união misticamente, epistemologicamente. Jerusalém é o
ser humano e as filhas de Jerusalém são as faculdades da alma. Sião é o pináculo de Jerusalém e as filhas de Sião são as faculdades que estão fechadas
ao intelecto. Estas identificações acabam traindo a abordagem de Gershon
para o Cântico (LONGMAN III, 2001, p.27).
Já no século XVI, Isaac Abravanel, seu filho Leon Hebreo, E. F. K.
Rosenmüller (séc. XVII), G. Kuhn (séc. XX) defendem que o Cântico é
um poema de amor entre Salomão e a sabedoria personificada. M. Mendelssohn (séc. XVIII) fez um comentário literal inclusive com notas filológicas. S. Löwisohn (séc. XIX) defende que no Cântico tem-se o triunfo
do amor puro e verdadeiro de um pastor e uma pastora diante da proposta
sedutora do rei Salomão (LERA, 1999, p. 17).
Na história da interpretação do Cântico no judaísmo, foram apresentadas outras propostas. Recebeu interpretações da tradição mística judaica,
aliás, por isso foram feitas restrições à sua leitura – era o texto daqueles que tinham atingido uma ascensão suficiente na via espiritual. Foi interpretado pela
Merkaba7 e, mais tarde, pela Cabala8. Por último recebeu dentro do judaísmo
interpretações mais intimistas, familiares, como no hino Lekha Dodi, onde o
shabbat aparece como a amada (PELLETIER, 1995, p. 52-54).
HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO CRISTÃ
O Cântico foi entendido alegoricamente na maior parte da história
da interpretação cristã. Esta foi uma herança recebida do judaísmo, uma
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vez que o cristianismo foi inicialmente uma facção judaica. Nesta linha encontra-se o comentário ao Cântico de Santo Hipólito, na primeira metade
do séc. III. No entanto, o cristianismo foi se diferenciando do judaísmo à
medida que foi se arraigando no mundo greco-romano e recebendo influências do estoicismo e das interpretações alegóricas que estes faziam dos
mitos gregos. O cristianismo também herdou do estoicismo9 certo apreço
pela renúncia sexual. Recebeu também muitas marcas do gnosticismo10.
De um modo geral, os padres irão considerar o Cântico dentro da trilogia:
Provérbios, Qohélet e Cântico. Estes três foram atribuídos a Salomão. A
interpretação tipológica enxergou no Cântico a relação de Cristo com a
Igreja (Hipólito), de Cristo com a alma numa visão antropológica (Gregório de Nissa, séc. IV; Nilo de Ancira, séc. V, Gregório de Elvira), e de
Cristo com a natureza humana (Apônio, séc. V). No entanto, Teodoro de
Mopsuéstia e Joviniano já defendiam uma interpretação literal do Cântico
(LERA, 1999, p. 17-18).
Hipólito (± 200 d.C.) foi o primeiro a deixar um exemplo de exegese cristã do Cântico; ele o interpretou tipologicamente. Os dois principais
papéis – do esposo e da esposa – são, prioritariamente, o objeto dessa investigação tipológica. O esposo é identificado com Cristo e a esposa com
a Igreja. Faz um longo desenvolvimento apoiado em Ct 1,3 procurando
identificar o ungüento – identificado com o esposo. Com esse propósito
Hipólito começa a revistar todo o conjunto da história bíblica para enumerar e evocar, de uma parte os que receberam esse ungüento (Abraão,
Isaac, Jacó, Tamar, José, Moisés, Aarão, Finéias, Josué, Davi, Salomão, Daniel, Ananias, Azarias, Misael, José), e, de outra parte os que o recusaram
(Caim, Esaú, Judas). As “jovens filhas” do epitalâmio eram o tipo de cada
geração santa que atravessa a história humana, sem ruptura, do Antigo ao
Novo Testamento. A leitura de Hipólito é fundamentalmente uma leitura bíblica, no sentido mais amplo de uma história total da humanidade.
A grande figura feminina do Ct, também foi entendida nessa perspectiva.
Ele a entendeu de forma profundamente original. Em alguns casos a alma
crente é chamada a se reconhecer na mulher do Ct. Mas, no geral, a esposa
é uma coletividade, ou; mais precisamente, ela é um povo que se define
numa e para uma história (PELLETIER,1989, p. 217-227).11
Orígenes (185 – 253/54) foi, nas palavras de H. Crouzel, o escritor
mais profícuo da Antiguidade (ENA, 2004, p. 105). Ele foi um exegeta
cuja preocupação principal, senão única, era a transmissão da Palavra de
Deus. E procurou fazer isso o mais fielmente possível. Exemplo disso é a
Hexapla, trabalho crítico de cerca de trinta anos (215-245) com o objetivo
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de ajudar na pregação e na catequese. Nas palavras de Jerônimo, o mestre
de Alexandria comentou, de fato, toda a Escritura de três formas diferentes: comentários exegéticos para os pontos difíceis, homilias para o povo e
amplos comentários para todos os seguidores e até mesmo perseguidores
(ENA, 2004, p. 105-106).
Orígenes, também chamado de Adamantius, nasceu de pais cristãos
em Alexandria. Após o martírio de seu pai em 202, compreendeu que o
sustento para sua família estava no ensino. Com o apoio do Bispo Demetrius, coordenou a escola de catequese. Enquanto isso procurava aprofundar nos estudos teológicos, de um modo especial, na exegese bíblica.
Quando ele e Demetrius se separaram ele se estabeleceu na Cesaréia Marítima onde foi ordenado presbítero por bispos palestinos que admiraram
suas exposições das Escrituras. Entre os muitos comentários ao AT e ao
NT, os comentários sobre o Cântico se destacam na obra de Orígenes.
Estes foram escritos em Atenas e Cesaréia. Destes permaneceram, ao lado
do prefácio de Orígenes, apenas os primeiros três livros (comentários a Ct
1,1 – 2,15) na tradução latina feita por Rufino de Aquiléia (410 d.C.). Durante a perseguição do imperador Décio (251-), Orígenes foi aprisionado
e torturado por causa de sua fé e morreu em Tiro logo depois de ter sido
libertado (NORRIS, 2003, p. 301). Ele foi educado na tradição grecoromana, mas em certo ponto de sua vida adotou um estilo de vida ascético
radical que incluía a negação, pelo menos explicitamente, da influência
intelectual pagã. Essa mentalidade levou-o a se castrar.
No que diz respeito à sua interpretação do Cântico, R. E. Murphy
e outros comentadores pontuaram que Orígenes certamente entendeu o
Cântico como cântico de casamento humano. No entanto, a “noiva” e o
“noivo” são imediatamente espiritualizados em suas obras; eles são identificados, respectivamente, com Jesus Cristo e a Igreja ou, pelo menos ocasionalmente, com a alma humana individual. Ele passa rapidamente pelo
sentido “literal” por entender que esse sentido parece ter recursos que não
aproveitam ao leitor tanto quanto outras histórias. Diante disso, ele acredita que é preciso trazer para o Cântico um sentido espiritual.12
É preciso entender que Orígenes compreende exegese literal de forma diferente dos exegetas modernos. Para os modernos, o sentido literal
é aquele que o autor tinha em vista. Para Orígenes, essa leitura não representa a intenção do autor, mas a materialidade do que é dito, é a figura
empregada. O sentido alegórico ou espiritual é o que significa a figura.
Assim, para ele o Ct é um epitalâmio, ou cântico de núpcias, composto por Salomão à maneira de um drama. Os personagens são o esposo
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e a esposa acompanhados pelos amigos do esposo e pelas “jovens filhas”
(ORIGENES,; BRESARD; CROUZEL; BORRET, 1991-1992, p. 1819.). A interpretação alegórica do Ct feita por Orígenes se encontra dentro
da tradição que atravessa os dois Testamentos: a união conjugal de Javé com
Israel, transpondo para o NT, a união de Cristo com a Igreja. Mas, além
desse sentido eclesial, Orígenes vê também, na esposa, a alma fiel criando
o tema do casamento místico (ORIGENES,; BRESARD; CROUZEL;
BORRET, 1991-1992, p. 27).
É surpreendente que Orígenes tenha dedicado tanta atenção a um
livro que, numa leitura superficial, comunicava pouco proveito espiritual.
Tem-se conhecimento de dez volumes de comentários ao Cântico bem
como um grande número de homilias. A atenção dada a este livro continuou na Idade Média com forte ênfase no celibato. E é compreensível
porque alguns podem encontrar esta atitude próxima à obsessão como
expressão da repressão; mas, pode ser entendida também pelo receio de
que o Cântico fosse mal compreendido pelos não iniciados (ORIGENES,;
BRESARD; CROUZEL; BORRET, 1991-1992, p. 10-17).
Orígenes foi fortemente influenciado pelo neoplatonismo e pela especulação gnóstica. Essas correntes enxergavam corpo e alma como duas
entidades separadas. Ambos foram criados por Deus, mas o corpo ocupava uma posição secundária, como uma espécie de “cárcere” da alma. Para
promover a alma, o corpo precisaria ser subjugado e eventualmente eliminado na morte. Ele foi também influenciado por duas outras fontes: por
Hipólito, a quem visitou no ano 215, e, pelo contato que teve com vários
rabinos, incluindo Hillel (com quem aprendeu hebraico). Esse contato foi
favorecido por ter vivido um bom tempo na cidade de Cesaréia. R. Kimelman observa não só uma influência dos rabinos na obra de Orígenes, mas
também debates entre eles. De maneira especial, houve um debate entre
Orígenes e R. Yohanan a respeito dos símbolos da interpretação alegórica
do Ct. Orígenes identifica o vinho com a Lei e os Profetas e o leite com
Jesus. R. Yohanan, diferentemente, identifica o leite com a Torá oral e o
vinho com a Torá. A influência de Orígenes foi imensa. Sua compreensão
do Cântico, em particular, permaneceu através dos séculos. Endel Kallas
observa a respeito da sua popularidade durante a Idade Média. A Patrologia Latina lista trinta e três comentários sobre o Cântico entre os séculos IV
e XI, enquanto há só seis comentários à Carta aos Gálatas e nove à Carta
aos Romanos (LONGMAN III, 2001, p. 28-30. ENA, 2004, p. 105-141).
Orígenes retomou a interpretação eclesial de Hipólito e a completou por uma aplicação à alma individual que interiorizou a exegese alegóri28
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ca concernente ao mistério de Cristo e da Igreja. Ele colocou alguns temas
que os comentadores posteriores irão desenvolver: o casamento místico,
ferida de amor, sentidos espirituais, entre outros. No século IV tivemos
muitos autores que foram influenciados por Orígenes: Apponius, Gregório
de Elvira, Cirilo de Alexandria, Gregório de Nissa, Hilário de Poitiers, Ambrósio, Rufino (ORIGENES; BRESARD; CROUZEL; BORRET, 19911992, p. 55-58).
Jerônimo foi o responsável pela introdução e popularização da abordagem alegórica de Orígenes na Igreja Latina. Viveu de 331 a 420 e é mais
conhecido por seu trabalho na Vulgata Latina. Como Orígenes, abraçou a vida
ascética e aprendeu hebraico com os rabinos. Viveu muito tempo em Belém e
com isso pôde aprofundar na literatura bíblica. Ao fazer o programa de estudo
para sua discípula Paula, sugeriu a leitura do Cântico depois da leitura de todos
os outros livros da Bíblia (LONGMAN III, 2001, p. 31).
Justo de Urgel (séc. VI) e Gregório Magno (+604) anunciam as interpretações místicas medievais. A amada é vista como a Virgem Maria nos comentários de Anselmo de Laon, Bernardo de Claraval, Beda, o Venerável, Ricardo de S. Vítor, Nicolas de Lyra. Pode-se tomar Bernardo de Claraval como
exemplo de interpretação alegórica da Baixa Idade Média. Ele continuou a
tradição de Hipólito, Orígenes e Jerônimo. Foi abade do mosteiro cisterciense
de Claraval e responsável pela expansão da ordem na Europa. Sua preocupação
era propagar o interesse pela vida contemplativa e seu tratamento ao Cântico
demonstra seu desejo. Bernardo escreveu 86 homilias sobre o Cântico entre
os anos 1135 e sua morte em 1153. Mesmo assim, ele cobriu só até 3,1, – em
média duas homilias por versículo. Na primeira homilia, Bernardo colocou as
bases para sua abordagem. Ele observou que as considerações do Cântico são o
melhor exemplo para estudar a Bíblia. Endereçou suas homilias à maturidade
espiritual (monges) e não às massas. Sugere que antes do Cântico é preciso
meditar Qohélet (Eclesiastes) e Provérbios. O Cântico mostra a união da alma
com Deus. A amada é a alma individual que deseja Deus, – e o noivo é Deus
(LONGMAN III, 2001, p. 32).
W. E. Phipps afirma que o menosprezo de Bernardo em relação à
sexualidade e sua abordagem alegórica do Cântico é resultado não só da
tradição interpretativa, mas também do seu desprezo pela “carne” e pelas
mulheres. O lado escuro da sua sublimação da sexualidade veio na sua
violenta reação contra os inimigos da fé. Isso pôde ser ilustrado em sua determinação para ver Pedro Abelardo fora da Igreja (PHIPPS, 1974, p. 91).
Após o renascimento a teologia mística de Frei Luis de Leon, Juana Inês de la Cruz, Tereza de Jesus e João da Cruz utiliza o Cântico dos
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Cânticos para falar da experiência da alma com Cristo. Lutero não aceitou
a interpretação alegórica do Cântico, mas também não aceitou a interpretação literal. Endel Kallas reivindica que M. Lutero, mais que qualquer
outro durante a Reforma, revelou grande respeito e admiração pelo Ct.
De fato, o reformador permaneceu sozinho como único expositor bíblico
dentro dos círculos protestantes que preparou algum estudo formal sobre o
Ct. Em sua leitura do Ct (c. 1530), Lutero expressou sua insatisfação com
as anteriores interpretações cristãs e judaicas. Ele estava atento à novidade
desse caminho: “nós nunca devemos concordar com aqueles que pensam
que o Ct é uma história de amor entre a filha do Faraó e Salomão”. Lutero
exemplificou sua leitura do Ct na história escrita para o Imperador Maximiliano. Na verdade, Lutero assumiu que o assunto do Ct são as experiências pessoais de Salomão como governante de Israel, expressado numa
linguagem simbólica. O Ct trata do status do seu reino político. O estilo
da identificação de Lutero moldou para ele uma forma de interpretar os
textos. Ele interpreta 1,2 “beije-me com os beijos de tua boca”, como representação do relacionamento que existia entre o Senhor Deus e o povo
sob a popular e responsável liderança de Salomão. Ct 1,4, “o rei fez-me
entrar em seus aposentos”, é entendido para significar como Deus consola
Salomão no acerto de todos os males que ele experimentou no governo.
Apesar de Kallas defender que essa não é uma leitura alegórica, antes um
sentido figurativo, a técnica de leitura do texto como código simbólico é
idêntica a das últimas gerações de intérpretes (SCHWAB, 2002, p. 16-17).
O calvinista Castellion (séc. XVI) teve que abandonar a jurisdição de
Calvino por defender no Cântico um diálogo entre Salomão e sua amada.
Johannes Cocceius via no Cântico um relato profético da história da Igreja.
Bossuet (séc. XVII) faz uma interpretação mista afirmando que o Cântico celebrava o casamento de Salomão com a filha do Faraó, mas, o seu sentido real
era o do amor divino. John Wesley (1703-1791) representa a perspectiva que
continua a desprezar a leitura literal ou natural do Cântico.
A Igreja e a Sinagoga durante muito tempo apresentaram uma restrição em relação ao corpo. Muitos afirmam que essa restrição é influência
da filosofia platônica. Se o físico é mal o Cântico só pode ser tratado de
duas formas: deve ser retirado do cânon, e, uma vez que essa alternativa
não é possível, resta a segunda que é a interpretação alegórica. O renascimento-iluminismo, com forte influência da Reforma, insistiu no retorno
às fontes. O iluminismo insistiu que uma interpretação deve ser estabelecida pelo argumento literário. O racionalismo (séc. XVIII) recusou a interpretação alegórica e até mesmo a canonicidade do Cântico. A descoberta
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de outros textos (egípcios, mesopotâmicos, ugaríticos) apresenta outros
testemunhos antigos a respeito do amor humano. J. G. Herder e Thomas
Percy no séc. XVIII criticaram a leitura alegorizante do Ct. Whitman, no
séc. XIX, escreveu Leaves of Grass, que contém explícitas passagens sexuais.
George R. Noyes (1798-1868) afirmou que o Ct não tinha um sentido
explicitamente moral ou religioso (SCHWAB, 2002, p. 18).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os exemplos de interpretação bíblica, citados nesse artigo, demonstram que os comentadores judeus e cristãos no período que vai do início
do Cristianismo até o período moderno privilegiaram uma leitura alegórica do Cântico dos Cânticos. Essa forma de interpretação foi decorrente
da tentativa de resguardar a autoridade religiosa de um texto que, aparentemente, não tinha uma “mensagem religiosa”. O cerne dessa chave de
leitura vem do contexto da apocalíptica. Nesse contexto as esperanças
são escassas pela força dos sofrimentos experimentados pelas pessoas. A experiência do sofrimento, alimentada por um sentimento religioso,
deixa surgir uma expectativa de um mundo vindouro, geralmente apresentado como um paraíso.
O caráter apocalíptico das Escrituras sempre encontrou na imagem do
paraíso, do jardim do Éden, do casal primordial o sonho de uma relação harmoniosa com Deus. Nesse sentido foi visto que o Targum entendeu o livro do
Cântico como último momento da libertação de Israel iniciada no livro do
Êxodo. Também a teologia cristã enxergou em Jesus o “noivo” da humanidade.
A grande mensagem do Cântico dos Cânticos foi identificada, nessa
perspectiva alegórica, como a força do amor que é capaz de vencer as dificuldades do tempo presente e alcançar o “momento novo”, o tempo de
um “novo céu e uma nova terra”. Nesse aspecto, independente da chave
de leitura – alegórica, espiritual, política, sociológica, psicológica – o livro
do Cântico continua a alimentar os sonhos e as esperanças que apontam
sempre para um mundo melhor e mais feliz.
THE ALLEGORICAL INTERPRETATION JEWISH-CHRISTIAN
THE SONG OF SONGS: REMNANTS OF AN APOCALYPTIC
CONTEXT
Abstract: the interpretations of the book The Song of Songs made by Jews and
Christians in the early periods of the Christianism to the modern period are
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an example of the influence of apocalyptic context. Exegetes such as Aqiba,
Gershom, Origen, Jerome presented a different meaning of the literal sense. The
apocalyptic context of the second and third centuries BC influenced the foundation of the Song’s allegorical interpretations: the need to surpass the present
moment of great suffering and come to a “new moment”. This feeling found in
the Song the accomplishment of the paradisiacal dream of the Kingdom of God.
Keywords: The Song of Songs. Allegorical Interpretation. Apocalyptic. Old
Testament. Bible.
Notas
1 Segundo MAZZAROLO, a escola de rabi Hillel preferiu interpretar alegoricamente o Ct como sendo a relação amorosa entre Deus e Israel (MAZZAROLO, 2000, p. 24-5).
2 De acordo com Anne-Marie Pelletier nós só temos registro de discussões
ocorridas no fim do séc. I na chamada Assembléia de Jâmnia onde se discutia
se o Ct “manchava as mãos” ou não. Nessa discussão o Talmude (Tratado
Yadaim III, 5) apresenta a afirmação de Rabbi Aquiba segundo a qual “ninguém em Israel jamais contestou que o Ct manha as mãos, porque o mundo
inteiro não é comparável ao dia que o Ct foi entregue a Israel, porque se todas
as Escrituras são santas, o Ct é a mais santa”. Diante dessa problemática, o Ct
foi entendido a partir de leituras espirituais, principalmente, para mostrar o
amor entre Deus e Israel (PELLETIER,1989, p. 380-2).
3 Tremper Longman III acha necessário distinguir entre “allegorical piece of
literature” e “allegorical interpretive strategy”. A primeira forma apresenta os
textos bíblicos que já manifestam no momento de sua composição a intenção
de serem lidos alegoricamente. A segunda opção começa com os mitos gregos. Os deuses gregos tinham seus caprichos e muitas vezes praticavam ações
imorais. Por este motivo a teologia de Homero foi ridicularizada por Platão e
outros. A alegoria como “strategy of interpretation” surgiu como uma tentativa
de salvar Homero, para defender a sobriedade e profundidade da religião dos
mitos dos caprichos e defeitos dos deuses (LONGMAN III, Tremper, 2001,
p. 23-4).
4 O texto do Targum é extremamente parafrasístico e a leitura do poema é
histórica pois traça a história de Israel desde a primeira etapa com Moisés até
a época do Talmude.
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5 De acordo com o trabalho de Loewe foi observado que o Targum apresenta
evidências de uma tendência anti-mística. Parece que ele ofereceu uma leitura
que deslocava de leituras judaicas vistas como problemáticas ou perigosas.
Loewe cita como exemplo o “Shi’ur Komah”. Com este texto percebemos que
a abordagem mística do Cântico era antiga (o Shi’ur Komah parece ser um
produto do Período Tanaítico 10-220 d.C.). No entanto, temos mais evidências dessa abordagem no período medieval, particularmente entre os rabinos
que seguem o trabalho de Maimônides (LONGMAN III, 2001, p. 26).
6 Salomão ben Isaac (Rashi) escreveu um comentário cujo interesse era associar
a herança do Talmude e do Midrash a uma nova aproximação exegética mais
filológica e mais fiel à letra do texto. Sua obra é também um testemunho
notável de uma síntese das novas exigências e possibilidades da exegese e uma
inteligência espiritual tradicional (PELLETIER, 1989, p. 387).
7 A Merkaba era uma corrente gnóstica que tinha como ponto de partida o
primeiro capítulo do livro de Ezequiel, onde é apresentado o carro celeste
(“merkaba”) e onde é designado, em termos enigmáticos, um ser com a aparência de um homem (1,26) que está sentado sobre o trono divino. Além de
Ez 1 esta corrente utiliza também o Ct 5 onde se encontra a descrição do
corpo do amado (PELLETIER, 1989, p. 388-90).
8 A Cabala, principalmente no seu desenvolvimento do séc. XVI coloca o Ct
no centro de suas referências. O livro Bahir elabora, num texto difícil, um
discurso da shekiná que cria o Ct. O corpo da doutrina cabalística, mística e
esotérica da Escola de Provença com Isaac L’Aveugle e da Escola da Espanha
com Nahhmanide e Aboulafia no curso do séc. XIII, têm relações estreitas
com o Ct (PELLETIER, 1989, p. 390-92).
9 O estoicismo do período do Império Romano tinha muito apreço pela antropologia “platônica”: “somente a alma é verdadeiramente humana e capaz
de igualar-se a Deus; o corpo é a prisão da alma, as experiências físicas não
passam de torturas, e os deveres da vida política são males necessários” (KOESTER, 2005, p. 358).
10 O gnosticismo foi um “movimento do mundo helenístico, amplamente ramificado, que acolhia influências de diversas religiões e correntes espirituais,
difundindo-se antes e durante o cristianismo primitivo. Logo depois, vinculou-se de múltiplas maneiras a elementos cristãos, levando à formação de
número maior de comunidades cristãs-gnósticas” (LOHSE, 2000, p. 243).
11 Pelletier apresenta ainda vários outros exemplos da interpretação tipológica
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de Hipólito. Nessa interpretação ocupam lugares eminentes as figuras judaico-cristãs. Em Ct 1,9 ele identifica as quatro rodas do carro do Faraó com os
quatro evangelistas. Os sessenta bravos de 3,7 são os sessenta pais que constituem a genealogia de Adão a José. Entende 3,5, na busca noturna da amada,
a mesma unidade através da figura de Eva, que é ao mesmo tempo o ponto de
partida, onde a relação do homem com Deus foi arruinada, e o ponto de chegada, onde essa relação é refeita nas mulheres – nova Eva – que procuram, de
noite, o corpo de Jesus. De acordo com Longman, Hipólito entendeu os dois
seios da amada em 4,5 como o Antigo e o Novo Testamento (LONGMAN
III, 2001, p. 28).
12 Orígenes defende seus princípios hermenêuticos no Peri archon. Esses princípios são baseados em dois axiomas. O primeiro: a Escritura é divina. O segundo: a Escritura foi divinamente codificada com um sentido implícito. Para
Orígenes a Bíblia tem um uso triplo. Ele classifica esses três sentidos como
corpo, alma e espírito. O sentido somático é o sentido literal. O homem simples pode ser edificado com essa “carne da Escritura”. No entanto, há muitas
passagens bíblicas que não tem esse sentido somático. O segundo sentido é
para o homem que fez algum progresso, que pode ser edificado em sua alma.
Ele afirma que esse sentido é “para nós”. No terceiro sentido a natureza pode
ser edificada pela lei espiritual. Esse é o sentido pneumático e celestial, destinado a quem quer obter a herança eterna. (SCHWAB, 2002, p. 14-5).
Referências
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KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento – história, cultura e religião
do período helenístico. São Paulo: Paulus, 2005.
LACOCQUE, André; RICOEUR, Paul. Penser la Bible. Paris: Éditions du Seuil,
1998.
LERA, Jeremías. El Cantar de los Cantares a lo largo de la historia. Reseña Biblica,
n. 22, p. 13-22, 1999.
LONGMAN III, Tremper. Song of Songs. Cambridge: Grand Rapids, 2001.
LOHSE, Eduard. Contexto e Ambiente do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2000.
MAZZAROLO, Isidoro. Cântico dos Cânticos – uma leitura política do amor.
Porto Alegre: MAZZAROLO Editor, 2000.
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Medieval Commentators. Cambridge: Eerdmans, 2003.
ORIGENES et al. Commentaire sur le Cantique des Cantiques. Paris: Ed. du
Cerf, 1991-1992. 2v.
PELLETIER, Anne-Marie. Lectures du Cantique des Cantiques. De l’enigme du
sens aux figures du lecteur. Roma: Editrice Pontificio Istituto Biblico, 1989.
­­PELLETIER, Anne-Marie. O Cântico dos Cânticos. São Paulo: Paulus, 1995.
PHIPPS, W. E. The Plight of the Song of Songs. Journal of the American Academy of Religion, v. 42, p. 82-100, 1974.
SCHWAB, George M. The Song of Song’s Cautionary Message Concerning Human Love. New York: Peter Lang Publishing, 2002.
* Recebido em: 01.11.2010.
Aprovado em: 22.11.2010.
** Mestre e Doutor em Teologia Bíblica pela PUC-Rio. Graduado em
Teologia pelo Seminário Maior Imaculado Coração de Maria da
Arquidiocese de Montes Claros – MG. Licenciado em Filosofia pela
Faculdade Batista da Bahia. Professor de Bíblia, Grego e Hebraico no
Seminário Maior Imaculado Coração de Maria. Professor de Filosofia
do Direito, Filosofia, Sociologia Jurídica, Sociologia e Antropologia
nos cursos de Direito, Pedagogia, Engenharia Civil e Jornalismo da
FUNORTE-SOEBRAS. Professor de Filosofia da Educação, Sociologia
e Ética da UNIPAC-Montes Claros. E-mail: [email protected]
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