A luz natural na Arquitetura Religiosa
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A luz natural na Arquitetura Religiosa
1 A luz natural na Arquitetura Religiosa dezembro/2014 A luz natural na Arquitetura Religiosa Luciana Mendes da Fonseca Viana – [email protected] Iluminação e Design de Interiores Instituto de Pós-Graduação e Graduação – IPOG Brasília, DF, 08 de abril de 2014 Resumo A arquitetura religiosa, desde os seus primórdios até a época atual, sempre representou a relação do homem com o sagrado, ou seja, a sua subordinação e respeito a um poder superior. Nesse contexto, a luz natural aparece como elemento magistral da simbologia arquitetônica. Na presente pesquisa, o tema é abordado visando desvendar até que ponto essa característica é parte de uma necessidade lumínica ou se, ainda hoje, mesmo com os recursos da iluminação artificial, a iluminação natural permanece sendo a essência do partido arquitetônico dessas edificações. Ao elucidar esse panorama da arquitetura religiosa, o objetivo é demonstrar como a luz natural segue imbuída de significados espirituais relativos à fuga das trevas e ao conforto da alma. Para isso, é apresentado um levantamento de obras icônicas ao longo da história e também de obras modernas e contemporâneas, que serviu de repertório para uma análise da linguagem luminosa nesses ambientes. Concluiu-se que a luz natural ainda é o alimento simbólico das almas que buscam nos templos religiosos a proximidade do sagrado. Palavras-chave: Arquitetura religiosa. Iluminação. Simbologia. Luz. Sagrado. 1. Introdução A arquitetura, em sua associação entre arte e técnica, é capaz de suscitar boas ou más sensações em seus usuários, de acordo com a intenção primordial do arquiteto e da relação do indivíduo com o espaço proposto por ele. A arquitetura religiosa, em particular, pela busca em materializar a cultura sacra de diversas sociedades, destacou-se continuamente através da história pelos enormes empreendimentos que sempre representou a subordinação e respeito humano a um poder superior. A centralização de todos os esforços e recursos disponíveis para a construção dos templos, igrejas e catedrais de todas as épocas e regiões do planeta reflete a importância da religião no cenário sociocultural. As imagens que nos cercam refletem aspectos da sociedade em que vivemos e, segundo o crítico de arte, historiador e romancista, John Berger (1999:10), “a maneira como vemos as coisas é afetada pelo que sabemos ou pelo que acreditamos”. Assim, carregada de intensa simbologia, a arquitetura dos ambientes de culto e de oração vem traduzindo de forma peculiar, ao longo de gerações, a relação do homem com o sagrado e, nesse interim, a luz – opondo-se metaforicamente às trevas do mundo – sempre foi forte elemento explorado pelo legado arquitetônico afim. Explícitas ou não, os signos à nossa volta nos transmitem mensagens e a arquitetura sagrada está repleta deles. Com o intuito de elucidar o desenvolvimento da arquitetura sagrada e sua relação com a luz natural, o presente artigo pretende apresentar um apanhado geral de edifícios religiosos, ao ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 8ª Edição nº 009 Vol.01/2014 dezembro/2014 2 A luz natural na Arquitetura Religiosa dezembro/2014 longo da história até algumas de suas expressões mais contemporâneas, todos de extrema relevância no cenário da humanidade. Antes, porém, necessário se faz entender a religiosidade inerente ao ser humano de qualquer época e, como o estudo da simbologia sacra revela que a luz simboliza a vida, a salvação e a felicidade, enquanto as trevas são, por conseguinte, símbolo do mal, da infelicidade, do castigo, da perdição e da morte. Assim, a iluminação de ambientes sagrados, não só cumpre uma função técnica, mas, essencialmente, uma função espiritual. 2. Religião 2.1. Definição Segundo o dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (1986), a religião pode ser assim apresentada: 1. Crença na existência de uma força ou forças sobrenaturais, considerada(s) como criadora(s) do Universo, e que como tal deve(m) ser adorada(s) e obedecida(s). 2. A manifestação de tal crença por meio de doutrina e ritual próprios, que envolvem, em geral, preceitos éticos. 3. Restr. Virtude do homem que presta a Deus o culto que lhe é devido. 4. Reverência às coisas sagradas. 5. Crença fervorosa; devoção, piedade. 6. Crença numa religião determinada; fé, culto. 7. Vida religiosa. 8. Qualquer filiação a um sistema específico de pensamento ou crença que envolve uma posição filosófica, ética, metafísica, etc. 9. Modo de pensar ou de agir; princípios. Diante dessa definição, podemos colocar que a Religião é um dos campos da cultura humana mais tradicional da humanidade. Presente nas diversas civilizações desde os primórdios da história, ela pode ser definida como o conjunto de crenças relacionadas ao sobrenatural, ou seja, aquilo que se encontra além do entendimento do que é humano. De fato, tudo o que se apresenta como desconhecido e, até dado momento da história, como não desvendado pela ciência, sempre é alvo de perguntas sequiosas por respostas. É inerente ao homem a constante investigação a respeito de sua essência, seja ela material ou, no caso em debate, espiritual. Constantemente requisitada, o papel da religião nesse contexto e em sua essência, portanto, é explicar os questionamentos do ser humano sobre sua própria existência: de onde viemos, por que estamos aqui e para onde vamos depois da morte. Por esse motivo, a religião se desenrola num sentimento natural que busca, na reverência a um Ser Supremo, a resposta a essas indagações. O fato é que o ser humano sempre buscou acreditar em algo que lhe fosse superior, expressando essa crença na relação de submissão para com o que se acha acima dele. Muito por temer o que lhe espera depois da morte, o homem incessantemente procurou pertencer a alguma religião e traçar sua conduta dentro dos padrões morais e éticos estabelecidos, seja ela qual for. Assim, o respeito pela Inteligência Divina, pelo “sagrado” e pelo “divino” se manifesta na forma de rituais, seitas, cultos, códigos morais, fé e doutrina que, juntos, almejam dirigir o ser humano a uma conduta melhor. O fim da religião é, por assim dizer, a salvação da alma. Os homens a buscam tendo em vista a garantia da consciência tranquila, do dever cumprido, do bem estar advindo da prática constante do amor ao próximo. ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 8ª Edição nº 009 Vol.01/2014 dezembro/2014 3 A luz natural na Arquitetura Religiosa dezembro/2014 2.2. Origem Segundo afirma Ambrogio Donini, “a religião não nasceu com o homem” (DONINI, 1965, p.19). Durante milhares de séculos, no primeiro período da Pré-História, o homem experimentou uma vivência muito próxima da animalidade: não havia divisão do trabalho, nem chefes, nem laços sociais; reinava a promiscuidade sexual; o instrumento de trabalho eram as próprias mãos; alimentavam-se do que a natureza os oferecia; a comunicação era realizada por sinais. Assim, pela inconsciência de sua relação com outros homens e com a própria natureza, o homem primitivo se mostrou incapaz de fazer qualquer relação de sua existência com qualquer tipo de crença religiosa. Necessário se fazia que o homem tivesse uma base social mais sólida para que a religião pudesse nascer. Na medida em que os grupos humanos passaram a se organizar em comunidades numa forma de vida mais sedentária, possibilitada pelo domínio da caça e da pesca e, posteriormente, do fogo, as primeiras manifestações religiosas surgiram, inicialmente associadas à idéia de sonho, morte, ritual e magia. Mircea Eliade, filósofo e historiador das religiões, em seu livro Tratado de História das Religiões, afirma que “todas as definições do fenômeno religioso apresentadas até hoje mostram uma característica comum: à sua maneira, cada uma delas opõe o sagrado e a vida religiosa ao profano e à vida secular” (ELIADE, 1993: 7). Trata-se da crença e submissão do homem a um Poder Supremo em contraposição a uma experiência de vida unicamente material. Maurilio Adriani, em História das Religiões, afirma acerca desse mesmo assunto que ainda in illo tempore, delineou-se, pela primeira vez, a separação violenta e quase incolmatável entre a estirpe dos Imortais, dos deuses – assim chamados porque imunes ao pesado destino da morte – chefiados pelo Céu-pai e pela Terra-mãe, e a linhagem dos mortais – não por acaso assim chamados devido ao seu inelutável destino –, da decadência, da corrupção e da dissolução; daí, da consciência desta separação imensa, o “temor de Deus”, a admiração, a reverência e o medo, a submissão, a oração e todo o conjunto de gestos que tem como resultado as formas ainda rudimentares do rito, isto é, o culto pelos homens das Potências divinas superiores. E já temos, neste esboço, a fisionomia da religião “primitiva”. (ADRIANI, 1988: 12). 2. Arquitetura religiosa 2.1. Arquitetura como fenômeno cultural A cultura pode ser definida como a expressão do comportamento social de um povo. Ela traduz e exprime o conjunto de hábitos e aptidões do homem enquanto membro de uma sociedade, baseada num complexo de características que compreende a moral, as crenças, as leis, os costumes e os conhecimentos que ditam, de certa forma, a conduta do indivíduo no grupo ao qual pertence, segundo Tylor (apud LARAIA, 2002: 25). O homem, em sua relação com o mundo, não responde unicamente a instintos, mas sim, e essencialmente, a seu aprendizado como reflexo dos padrões culturais da sociedade em que vive. E, na arquitetura, essa abordagem segue a mesma lógica. Um edifício nada mais é do que uma realização humana que materializa o conceito de determinada cultura. Diferentemente dos animais, que também ordenam o ambiente, criam lugares, e estabelecem ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 8ª Edição nº 009 Vol.01/2014 dezembro/2014 4 A luz natural na Arquitetura Religiosa dezembro/2014 limites, mesmo que abstratos, aos seus territórios, o homem, além disso, imprime em suas construções atributos socioculturais próprios, inerentes ao seu modo de ver o mundo e, por isso, passíveis de alterações conforme a evolução de cada grupo em seu meio cultural. Assim, o fenômeno arquitetônico é genuinamente uma manifestação cultural, pois reflete em sua concretização o modo de vida, as idéias e os sentimentos de um povo, mais do que simplesmente circunstâncias de necessidades físicas e materiais. A arquitetura, por assim dizer, no dizer de Rapoport (1984), torna tangível os significados ao concretizar os ideais e crenças de um grupo. E, nesse contexto, o significado espiritual, entre os aspectos culturais presentes nas sociedades, sempre apresentou grande relevância e ênfase especial nas manifestações e realizações de qualquer período histórico. Para Amos Rapoport, também sobre as origens culturais da arquitetura, o ambiente construído representa a expressão física dos sistemas e esquemas de ordenação de qualquer cultura específica. E, nesse ponto, o sagrado teria papel central na articulação de suas prioridades. Em todas as situações tradicionais e particularmente naquelas que estão nas origens da arquitetura, os esquemas de ordenação são frequentemente baseados no sagrado, uma vez que a religião e o rito são o centro (embora outros esquemas também desempenhem seu papel). Se os meios ambientes construídos são humanizados, locais onde se pode viver, então, para a maioria dos povos tradicionais, eles devem ser, por definição, consagrados ou santificados. Uma vez que o mundo tem uma visão religiosa das sociedades tradicionais, o meio ambiente construído – que engloba as idéias – deve englobar o sagrado já que isso representa o significado mais importante. (RAPOPORT, 1984: 33). Logo, a manifestação do sagrado através da simbologia, dos rituais, do misticismo e da religião, enquanto expressões da crença de determinado povo e sua subordinação a um poder maior, são diretrizes fortíssimas que induzem o comportamento social e, consequentemente, suas prioridades construtivas. A arquitetura, nesse cenário, sempre foi instrumento-chave utilizado desde épocas remotas para expressar, através de significativas construções, o destaque da religião em inúmeras civilizações por todo o mundo. Devido ao seu papel central na cultura da grande maioria dos povos, desde sempre se buscou conferir à arquitetura religiosa os melhores recursos, as maiores proporções, a melhor localização e os materiais mais resistentes. Tudo isso porque as construções ligadas ao misticismo e à religiosidade eram, ao contrário das demais construções, feitas para durarem, ou seja, para resistir aos efeitos do tempo. A intenção era a de se preservar, através da arquitetura, as suas tradições e crenças para as gerações futuras. Com vistas à perenidade, portanto, a arquitetura religiosa sempre foi alvo dos maiores esforços e das melhores tecnologias e materiais disponíveis. A hierarquia construtiva em questão se revela nitidamente pelos exemplares que resistiram ao passar do tempo em toda a história da arquitetura, de tal modo que sua própria divisão remete às edificações do campo religioso. Tanto é verdadeiro que o ícone representativo das arquiteturas egípcia, grega, romana, gótica, barroca, dentre outras, não são, senão, os templos, igrejas ou catedrais de cada caso. Não que as outras tipologias arquitetônicas, como a residencial, comercial ou pública, não ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 8ª Edição nº 009 Vol.01/2014 dezembro/2014 5 A luz natural na Arquitetura Religiosa dezembro/2014 tivessem importância ou relevância enquanto expressão cultural, mas a intenção de continuidade e durabilidade para as gerações futuras era de tal forma evidente nas construções religiosas que comumente se dedicou todos os meios e recursos disponíveis em cada época para esse fim. Essas edificações de cunho místico, ritual ou religioso, independentemente de seu período histórico ou localização geográfica, por conseguinte, sempre foram as mais notáveis e podiam ser distinguidas pelo tamanho, pela forma, pela tecnologia, pelos materiais, pela localização e/ou pela decoração adotadas. Todo esse conjunto de características era abordado com tamanha primazia e tenacidade que a construção sagrada ocupou tradicionalmente a posição de figura representativa da arquitetura ao longo da história. 2.2. A luz no desenvolvimento da arquitetura religiosa As realizações humanas, intelectuais ou concretas, sempre expressaram e, igualmente, continuam e continuarão expressando a cultura de determinada sociedade. Fazendo parte da manifestação cultural através da história, a arquitetura não deixaria de imprimir em seus feitos os atributos inerentes à tradição, aos costumes e às crenças do povo a qual pertencia. Nesse contexto, tal como a arte, a economia, a filosofia e a ciência, a religião, como já destacado anteriormente, é parte integrante e inseparável da cultura humana. Através do tempo, as formas religiosas predominantes demonstraram sempre seu poder. Nos diversos estágios culturais de qualquer povo, o vínculo da religião ao poder político e social permitiu a ela designar expressiva importância aos temas religiosos, assim como destinar os maiores esforços para a edificação dos espaços associados ao seu fim. Dessa forma, a arquitetura e a engenharia, por meio de sua arte e técnica, respectivamente, sempre foram instrumentos fortíssimos de promoção e reafirmação do poder detido pela religião. Considerado a forma mais primitiva de construção ligada à crença religiosa, os stonehenges (2800-1100 a.C.) são enormes estruturas megalíticas de pedra localizadas no sul da Inglaterra. Dispostos de maneira a formar um círculo, os famosos blocos de pedra, verticalmente posicionados, foram erguidos há aproximadamente 4000 anos e, apesar da ação das intempéries, permanecem de pé ainda hoje. Os stonehenges são, provavelmente, a primeira manifestação construtiva humana em que a forma circular aparece. Associada aos ciclos lunares e à trajetória solar, o posicionamento desses círculos de pedra, erigidos numa época em que as forças necessárias para levantar blocos de pedra de cerca de 20 toneladas se limitavam ao trabalho humano e manual, revela a força do misticismo sobre a luz solar que levaram à sua construção. Pesquisas sugerem seu uso simultâneo para observações astronômicas e para rituais e sacrifícios, revelando, portanto, sua função religiosa. ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 8ª Edição nº 009 Vol.01/2014 dezembro/2014 6 A luz natural na Arquitetura Religiosa dezembro/2014 Figura 1: Stonehenge, sul da Inglaterra Fonte: http://www.sacred-destinations.com/england/stonehenge Da mesma forma, as pirâmides egípcias (2.500 a.C) exigiram grande dedicação e habilidade humana para transportar, arrastar e levantar grandes pedras de modo a compor estruturas monumentais. Associadas à crença na vida após a morte, as pirâmides tinham a finalidade de abrigar e proteger o corpo mumificado do faraó e todos os seus pertences, riquezas e objetos de uso pessoal. Quanto às pirâmides, é o alinhamento das mesmas, fiel aos pontos cardeais, que demonstra também uma relação com o Sol e com a trajetória da luz ao longo do dia. Partindo para a Grécia Antiga, Bruno Zevi (1978), ao abordar a história das concepções espaciais da arquitetura, ressalta a glória da escala e das proporções humanas dos edifícios gregos, mas considera as construções religiosas gregas meramente escultóricas, ao passo que não eram concebidas como espaço para os fiéis, mas sim como morada dos deuses, e os ritos aconteciam do lado de fora, de forma a propiciar a contemplação da obra-prima plástica à distância. O Parthenon, por exemplo, localizado na Acrópole (“cidade alta”), em Atenas, Grécia, foi orientado de modo a receber a luz do Sol da manhã a iluminar as estátuas em seu interior. Figura 2: Parthenon, Atenas, Grécia Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Partenon ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 8ª Edição nº 009 Vol.01/2014 dezembro/2014 7 A luz natural na Arquitetura Religiosa dezembro/2014 Já na análise da arquitetura romana, Zevi (1978) afirma que o espaço interior aparece de maneira grandiosa e altamente cenográfica. A arquitetura resultante da composição de elementos tornados tão característicos, como frontões, colunas e cúpulas, marcou a produção edilícia desse período. Tido por ele como estático, o espaço das construções da Antiga Roma são caracterizados pela simetria, escala monumental e grandiosidade. Figura 3: Cúpula e óculo do Panteão, Roma, Itália Fonte: Do autor (2011) A grande cúpula do Panteão (125 d.C.), na Itália, Roma, propõe uma iluminação zenital que traz a luz para dentro da edificação. Essa proposta romana permitia a incidência direta da luz do Sol em estátuas de divindades localizadas em seu interior, conferindo um misticismo ímpar ao politeísmo da Roma Antiga. Sua arquitetura interior é ainda mais maravilhosa do que se pode supor pelo lado externo e tem sua natureza técnica descrita pelas seguintes palavras do historiador de arte, E. H. Gombrich: Seu interior é uma gigantesca rotunda com teto em abóboda e uma abertura circular no topo, através da qual se vê o céu aberto. Não tem janelas, mas do alto todo o recinto recebe luz abundante e uniforme. Conheço poucos edifícios que transmitam uma impressão de tão serena harmonia. Não existe a menor sensação de peso opressivo. O enorme zimbório parece pairar livremente sobre nós como uma segunda abóboda celeste. (GOMBRICH, 1999:121). O declínio do Império Romano, advindo de eventos comerciais e econômicos, foi acompanhado pelo avanço do cristianismo e, a ascensão desse último significou o fim do mundo antigo. Logo, os Imperadores que detinham o poder, agora convertidos à nova fé, começaram a autorizar a construção de igrejas, mais uma vez domados pelo tradicional intuito de produzirem empreendimentos de arquitetura e engenharia ainda maiores do que os construídos no passado. Só que agora, segundo Gombrich (1999), havia um novo propósito: construir espaços internos maiores a fim de que toda a congregação que se reunia pudesse “assistir ao serviço religioso”. E o trabalho com a luz, nesse contexto e seguindo a classificação da História da Arquitetura proposta pelo célebre estudioso do assunto Leonardo Benevolo (1972), variou de acordo com os sucessivos valores figurativos das escolas bizantina, românica e gótica que exprimiram em seus edifícios religiosos íntima vinculação ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 8ª Edição nº 009 Vol.01/2014 dezembro/2014 8 A luz natural na Arquitetura Religiosa dezembro/2014 com a realidade da crença à qual pertenciam. Rica e temida, a Igreja detinha também, grande poder político, e usava essa faculdade para demonstrar, através da arquitetura de suas igrejas, catedrais e basílicas, sua imponência e destaque na sociedade da época. Figura 4: Santa Sofia, Constantinopla (atual Istambul). Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Bas%C3%ADlica_de_Santa_Sofia A Igreja de Santa Sofia (532-37), construída sob o domínio de Justiniano, é o mais grandioso exemplo da arquitetura bizantina. De arquitetura espaçosa e monumental, Santa Sofia aborda o uso característico da abóboda, e seu interior é cuidadosamente decorado com mosaicos cuja qualidade cromática é o “objeto imediato das percepções sensíveis” (BENEVOLO, 1972, p. 78). Procópio assim descreve a manifestação da luz em seu interior: A Igreja tornou-se um espetáculo de grande beleza, estupenda para aqueles que a veem, e também inacreditável para aqueles que ouvem falar dela, pois se eleva a uma altura que alcança o céu... ao mesmo tempo em que olha para o restante da cidade baixo... Ela sutilmente combina sua massa com a harmonia de suas proporções, não havendo nela nenhum excesso ou deficiência... É consideravelmente mais nobre do que aquelas igrejas que são monumentais, e aluz e os reflexos dos raios solares emitidos pelo mármore são abundantes. De fato, você poderia dizer que, apesar de o espaço não ser iluminado pelo sol que vem de fora, a radiância gerada dentro dele é tão grande que banha todo o santuário. (PROCOPIUS apud ADDIS,2009:66). Assim, a profusão da luz nas igrejas bizantinas garantiria que os mosaicos, as esculturas de mármore em seu interior, as refulgentes paredes douradas, e todos os demais elementos decorativos que visualmente narravam os ensinamentos da igreja e de sua verdade sagrada fossem “divinamente” iluminados às mentes dos fiéis. A arquitetura românica também veio a se estabelecer por meio de grandiosas construções religiosas. A igreja românica passou a adotar, ainda que não em todos os casos, a forma de uma cruz em planta pelo acréscimo de uma galeria transversal (transepto), marcando de maneira acentuada a simbologia do Cristianismo. Tanto o interior quanto o exterior das igrejas românicas transmitem ainda, de acordo com Gombrich (1999), a sensação de “robustez compacta”. Com poucas janelas, mal iluminadas e obscuras, suas possantes e ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 8ª Edição nº 009 Vol.01/2014 dezembro/2014 9 A luz natural na Arquitetura Religiosa dezembro/2014 pesadas paredes lembram muito as fortificações medievais. A iluminação interior ficou comprometida por um significado maior, ou seja, a ideia de que a Igreja deveria cumprir, aqui na Terra, o papel de combater as forças das trevas. Daí o aspecto de fortaleza das imensas montanhas de pedra erigidas pela Igreja em terras de camponeses e guerreiros, assim como o coloca Gombrich (1999). No entanto, a decoração dessas igrejas com esculturas que representavam símbolos cristãos ou fatos extraídos da bíblia passaram a ocupar não somente o seu interior, mas também as suas fachadas, aproveitando a luz do sol presente do lado de fora para dar dramaticidade e destaque para a mesma, pois, no entender do mesmo historiador de arte, essas imagens perduravam nos fiéis de modo mais poderoso do que as palavras do pregador. E essa realmente era a intenção. Figura 5: Igreja de St-Trophime, Arles, França Fonte: http://www.panoramio.com/photo/743334 A arquitetura gótica, por sua vez, abandonou as estruturas pesadas e maciças, características do período românico, e buscou sistemas estruturais mais leves e graciosos. A verdade é que, segundo Gombrich (1999), se os pilares e os arcos eram suficientes para sustentar a edificação, as imensas paredes de pedra do período românico foram tidas, como enchimento supérfluo. Zevi (1978) considera a abordagem gótica de negação das paredes como a realização de uma continuidade espacial entre exterior e interior. Partindo para uma construção de pouco peso, o ideal dos arquitetos góticos era inteiramente novo e propunha um tipo de igreja de pedra e vidro, cujas grandes aberturas traziam luz e cor para o recinto interno, antes caracterizado como sombrio e escuro nas antigas igrejas. É difícil imaginar a impressão que esses edifícios devem ter causado àqueles que só tinham conhecido as pesadas e sombrias estruturas do estilo românico. Aquelas igrejas mais antigas, em sua força e poder, talvez transmitissem algo da “Igreja Militante” que oferecia abrigo e proteção contra as investidas do mal. As novas catedrais propiciavam aos fiéis o vislumbre de um mundo diferente. [...] As paredes ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 8ª Edição nº 009 Vol.01/2014 dezembro/2014 10 A luz natural na Arquitetura Religiosa dezembro/2014 das novas igrejas não eram frias nem assustavam. Eram formadas de vitrais policromos que refulgiam como rubis e esmeraldas. Os pilares, nervuras e rendilhados despediam cintilações douradas. Tudo o que era pesado, terreno ou trivial fora eliminado. Os fiéis que se entregavam à contemplação de tanta beleza podiam sentir que estavam mais próximos de entender os mistérios de um reino afastado do alcance da matéria. (GOMBRICH,1999:188-189). Ao lado dos vitrais e rosáceas, que transformaram radicalmente o interior das catedrais conferindo iluminação e misticismo às mesmas, a verticalidade e majestade de suas estruturas exibiam a tentativa de proximidade com Deus. Apoiada, assim, em forte simbolismo teológico, as catedrais góticas se voltam para o alto, projetando-se na direção do céu. A luz penetra o seu espaço interior, banhando os fiéis do efeito místico da mesma, como é nítido observar nos vitrais de Sainte-Chapelle (1248), em Paris, França. Figura 6: Vista interna dos vitrais de Sainte-Chapelle, Paris Fonte: http://www.sacred-destinations.com/france/paris-sainte-chapelle Enquanto na Idade Média a vida do homem era centrada em Deus, no período posterior, que ficou conhecido como Renascença, o homem passa a ser a figura principal (antropocentrismo). O expressivo desenvolvimento artístico, científico e intelectual do período fez com que o movimento do humanismo se estabelecesse através da valorização das ações e capacidades humanas ao passo que a religião perdeu a centralidade que outrora detinha. Nos séculos XII e XIII das grandes catedrais, a Europa era um continente de pequenos povoados de arquitetura humilde que contrastava com as catedrais e castelos que representavam o centro do poder e da religiosidade da época. Entretanto, a partir do século XIV, os burgos e as cidades se desenvolveram e foram convertidos em grandes centros de comércio. E, conforme ocorriam mudanças na sociedade, elas também foram absorvidas pela arquitetura das cidades em permanente expansão. “Conforme as cidades se tornavam mais prósperas e os Estados diminuíam seus vínculos com a igreja estabelecida, edificações específicas foram sendo criadas” (ADDIS, 2009: 158-159). As igrejas passaram a não mais ser as principais ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 8ª Edição nº 009 Vol.01/2014 dezembro/2014 11 A luz natural na Arquitetura Religiosa dezembro/2014 tarefas dos arquitetos, pois outros edifícios urgiam ser projetados e construídos nesse novo contexto: palácios, universidades, teatros, portos, prefeituras, prédios públicos em geral. Addis (1999) afirma que, durante o Renascimento (1400-1630), resultante da “prosperidade econômica combinada com uma revolução cultural”, o crescimento do comércio gerou um excedente de capital que financiou empreendimentos construtivos cada vez maiores. Para o autor, cidades italianas, como Veneza, Milão, Gênova e Florença, competiam entre si usando os edifícios como meio de exibir suas habilidades e de demonstrar seu orgulho cívico (ADDIS, 2009: 117). Apesar da nova postura mais racional e antropocêntrica da arte renascentista, influenciada pelo humanismo, a arquitetura mais importante continuou cristã, porém assumiu um novo estilo, distinto do gótico. Como o próprio significado da palavra “renascença” (nascer de novo ou ressurgir), a idéia de um renascimento nas artes pretendia “ressuscitar” a grandeza da idade clássica. Por esse motivo, Brunelleschi, arquiteto pioneiro do renascimento, buscou nas formas da arquitetura clássica a referência para criar novos modos de harmonia e beleza. Seu trabalho atingiu notabilidade e reconhecimento especialmente pelo projeto e execução da cúpula da Catedral de Santa Maria Del Fiore (1420-36), em Florença. Figura 7: Vistas de Santa Maria Del Fiore, Florença, Itália Fonte: http://www.sacred-destinations.com/italy/florence Assim, os principais traços da arquitetura religiosa renascentista foram o repertório clássico da Antiguidade greco-romana, a funcionalidade, a racionalidade e a busca da beleza pelo gerenciamento harmonioso das proporções. A reflexão matemática desenvolvida sobre a métrica espacial explora formas geométricas e relações de ordem e disciplina, desenvolvendo uma nova espacialidade do ambiente interior. Para Zevi (1978), o homem possui agora o segredo do edifício, prevalece a consciência de uma arquitetura que não oculta mistérios ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 8ª Edição nº 009 Vol.01/2014 dezembro/2014 12 A luz natural na Arquitetura Religiosa dezembro/2014 religiosos, mas que pode ser apreendida de maneira precisa e racional O estilo que sucedeu à Renascença é conhecido como Barroco. Gombrich (1999) afirma que a maneira pela qual os elementos clássicos eram fundidos num novo padrão nas fachadas das igrejas barrocas era visto pelos críticos como falta de gosto, daí terem usado a expressão “barroco” (que significa absurdo ou grotesco) para definir esse estilo. As fachadas da Igreja de Il Gesù (1575-7) e da Igreja de Santa Inês (1652), ambas em Roma, na Itália, claramente rompe com as normas clássicas gregas e romanas, e mesmo com as regras renascentistas. A duplicação das colunas, juntamente com o uso de volutas, curvas e espirais, revela a intenção de imbuir o edifício de maior riqueza e variação através do ornamento. Evitando a monotonia, os arquitetos barrocos queriam se libertar da geometria elementar e da estaticidade. A dinâmica volumétrica explorada pelo uso de paredes onduladas, assim como a decoração e os efeitos de luz que conferiam dramaticidade, dentro e fora das igrejas, caracteriza, de acordo com a análise espacial de Zevi (1978), o movimento e a interpenetração própria do barroco. Figura 8: Igreja de Santa Inês, Praça Navona, Roma Fonte: http://www.gothereguide.com/piazza+navona+rome-place/ De um modo geral, a partir do século XVI, com o início do processo de reformas religiosas que vieram questionar os abusos cometidos pela Igreja Católica, uma mudança na visão de mundo foi proposta. Addis (2009) afirma que, desde então, com o surgimento do Protestantismo após a Reforma da Igreja, a riqueza excedente deixou de ser destinada à arquitetura religiosa e se direcionou para a construção de prédios públicos e mercados públicos. Como coloca Addis (2009), era chegada a Era da Razão. Embora a Igreja Católica nunca tenha interrompido a construção de igrejas como forma de expansão de sua crença e preservação de seus fiéis, na medida em que ela deixava de ser a força motriz da sociedade, outros edifícios também tiveram sua arquitetura ressaltada e procuraram se destacar no cenário urbano, fazendo com que as construções religiosas cristãs perdessem a supremacia que possuíam antes. A partir do século XVII, não mais somente os espaços religiosos seriam edificados visando à grandiosidade e à expressão, mas também aqueles de função política, administrativa, institucional e mesmo residencial. ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 8ª Edição nº 009 Vol.01/2014 dezembro/2014 13 A luz natural na Arquitetura Religiosa dezembro/2014 Gradativamente, a Igreja foi perdendo parte de sua importância cultural na sociedade. A diminuição da escala de seus edifícios e sua dispersão no meio urbano são fatores que confirmam essa condição. Com o Movimento Moderno, o ornamento foi questionado em favor de uma arquitetura mais funcional e com fachadas mais limpas. Para os modernistas, o princípio de que “a forma segue a função” levou-os à defesa de que o funcionalismo/formalismo eram os geradores da expressão estética e, “ao eliminarem todos os ornamentos, os arquitetos modernos romperam, de fato, com a tradição de muitos séculos” (GOMBRICH, 1999: 559). A premissa de racionalidade e aversão ao ornamento, juntamente com a negação das referências históricas, também teve repercussão na arquitetura religiosa. As construções voltadas a atender à religião passaram por profundas transformações. Aqueles que se interessavam pelas idéias e propostas dos modernistas financiaram uma arquitetura cada vez mais livre das tipologias pré-estabelecidas de cada religião, primando cada vez mais pela expressão através da simplicidade. No modernismo, as formas passaram a se desvincular dos padrões predominantes. Não mais existiria a clareza na associação do espaço religioso à identidade de determinada crença, como antes acontecia. Os templos, igrejas, e lugares sagrados estariam agora marcados pela arquitetura de obras cada vez mais singulares e inusitadas. A capela de Notre-Dame-du-Haut (1950-1955), em Ronchamp, na França, de Le Corbusier, é um exemplar dessa nova abordagem. Diferenciado da arquitetura religiosa tradicional, Ronchamp se localiza no alto de uma colina e se destaca por sua plasticidade formal e pela abordagem da luz em seu interior. De aspecto robusto externamente, a capela em seu interior revela uma linha de luz que separa suas paredes da sua cobertura, que parece flutuar. Além disso, as nuances cromáticas produzidas pela luz que atravessa as suas aberturas cria uma interessante atmosfera introspectiva, revelando mais uma vez a presença simbólica da luz natural no ambiente religioso. Figura 10: Interior da Capela de Notre-Dame-du-Haut, em Ronchamp, França Fonte: http://www.archdaily.com.br/br/01-16931/classicos-da-arquitetura-capela-de-ronchamp-slash-le-corbusier Figura 9: Capela de Notre-Dame-du-Haut, em Ronchamp, França Na Catedral Metropolitana de Brasília (1959-1970), em Brasília, Brasil, de Oscar Niemeyer, a Fonte: http://www.greatbuildings.com/buildings/Notre_Dame_du_Haut.html estrutura composta por dezesseis colunas de concreto cria vãos que são fechados com vitrais coloridos. Além disso, para se acessar a nave da catedral, foi construída uma passagem subterrânea, já que seu piso principal situa-se a três metros do chão. Pensada como ambiente sombrio e escuro, a passagem precede e contribui para o contraste gerado pela intensa iluminação natural do interior da nave: o “espetáculo religioso” (BOTEY,1996: 164). ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 8ª Edição nº 009 Vol.01/2014 dezembro/2014 14 A luz natural na Arquitetura Religiosa dezembro/2014 Figura 11: Nave da Catedral Metropolitana de Brasília Fonte: http://brasiliabsb.com/foto_catedral_wide.htm Com o questionamento do Movimento Moderno, em fins da década de 1960, a padronização e a mesmice foram criticadas num cenário em que prevaleceu uma produção arquitetônica diversificada e heterogênea, movimento denominado Pós-Modernismo. Os arquitetos pósmodernos assumiram rumos diversos e de clara intenção de produzir algo distinto e de notório destaque. Essa valorização da aparência, expressa na criação de cenários de formas arquitetônicas heterogêneas, celebra a arquitetura contemporânea como manifestação do espetáculo. A busca pela evidência e pela produção de algo nunca antes visto fez com que as construções religiosas assumissem volumetrias e composições formais de significativo destaque. É o que podemos observar na Igreja na Água (1985-88), em Hokkaido, no Japão, de Tadao Ando. Nesse projeto, Tadao Ando propõe um parede por detrás do altar trabalhada com a transparência do vidro, que permitiu um panorama do ambiente externo da igreja. Assim, as paredes laterais, piso e teto que juntos emolduram um cenário composto pela vegetação circundante, pelo lago artificial criado por um riacho das proximidades, e pela cruz que emerge de suas águas e tem sua imagem refletida na mesma superfície. A água, em especial, mas também a luz incidente e os seus consequentes reflexos nos espaços interno e externo, induzem à reflexão sobre a limpeza e purificação propiciada pelo exercício da prece e da submissão do homem a um Deus que lhe é superior. Figura 12: Igreja na Água ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 8ª Edição nº 009 Vol.01/2014 dezembro/2014 Fonte: http://www.flickr.com/photos/ellens_album/225870495/in/set-72157594233789919/ 15 A luz natural na Arquitetura Religiosa dezembro/2014 Analisando o produção arquitetônica da década de 90 até os dias atuais, temos a Arquitetura Religiosa Contemporânea sendo marcada por arquitetura proeminente e heterogênea, num cenário em que concorre por magnitude e excelência, de modo a propiciar no ser humano o interesse para os assuntos espirituais e sagrados através do convite arquitetônico à meditação. E, na maioria dos casos, esse convite é reforçado pelo apelo simbólico da luz natural em seus recintos, fonte inesgotável de possibilidades e de experiências sensitivas, como pode ser observado na Igreja do Jubileu (2003), em Roma, na Itália, de Richard Meier; e no Templo da Paz (2002), em Curitiba, Brasil, de Manoel Coelho. Figura 13: Igreja do Jubileu Fonte: http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/richard-meier-igreja-e-18-03-2004.html Figura 14: Vista lateral do Templo da Paz Fonte: http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/manoel-coelho-arquitetura-amp-design-templo-ecumenico-.html ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 8ª Edição nº 009 Vol.01/2014 dezembro/2014 16 A luz natural na Arquitetura Religiosa dezembro/2014 Nesses dois exemplos, a luz natural é filtrada por elementos construtivos ou é encaminhada por eles. A antiga cúpula é reinterpretada de modo a permitir a participação da abóboda celeste no espaço interno, banhando de luz e feixes luminosos a experiência sensorial de quem por ali estiver, transmitindo um sentido de iluminação que afasta as trevas e nos aproxima, assim, do poder divino. No entender de Brandston (2010), “a luz é a mais veloz viajante no tempo”. E o autor prossegue afirmando que: A luz permite ver não somente através dos nossos sentidos, mas também através da nossa alma. É uma palavra que evoca uma grande gama de sentimentos, que variam de pessoa para pessoa. Para um filósofo, luz é uma metáfora para conhecimento; para o cientista, um componente fundamental de seu trabalho; para um artista cênico, uma ferramenta para manipular emoções. Ela foi definida por Maxwell e pintada por Caravaggio. Para o resto de nós, que enxergamos, a luz é o principal meio pelo qual adquirimos informação. Luz é energia – e é através dela que toda a vida é medida. (BRANDSTON, 2010:23). Assim, podemos compreender como a luz, no âmbito da arquitetura, define crenças e culturas, tendo o poder de acalmar, inspirar, confortar e sensibilizar quando explorada para esse fim. 3. Conclusão Como foi possível observar, a luz é elemento chave na produção arquitetônica de uso religioso. Na célebre antítese entre o bem e o mal, a luz sempre triunfa como representante das divindades benignas e do poder em geral se contrapondo às trevas que remetem ao seu oposto. E, assim, diversos monumentos, templos, igrejas, capelas e santuários trazem na sua essência o trabalho místico da luminosidade. A luz é entendida como manifestação divina e é reconhecida ao longo do tempo como símbolo religioso e assim permanece até os nossos dias. Corretamente explorada, ela é capaz de dotar a arquitetura dos edifícios religiosos de significado, emoções e sensações, de modo a traduzir na Terra a busca do ser humano por sua aproximação a um poder que lhe é superior. Ainda que as possibilidades de iluminação com as diversas fontes de luz artificial disponíveis atualmente sejam infindáveis, a luz natural ainda é vista como fenômeno natural purificador e sublime: insubstituível portanto. Referências ADDIS, Bill. Edificação: 3000 anos de projeto, engenharia e construção. Porto Alegre: Bookman, 2009. ADRIANI, Maurilio. História das Religiões. Lisboa: Ed 70, 1988. BENEVOLO, Leonardo. Introdução à arquitetura. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1972. BERGER, John. Modos de ver. 1999,10 ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 8ª Edição nº 009 Vol.01/2014 dezembro/2014 17 A luz natural na Arquitetura Religiosa dezembro/2014 BOTEY, Josep Ma. Oscar Niemeyer. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1996. BRANDSTON, Howard M. Aprender a ver: a essência do design da iluminação. São Paulo: De Maio Comunicação e Editora, 2010. DONINI, Ambrogio. Breve história das religiões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. ELIADE, Mircea. 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