Referências - ABRAPEE
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1 2 ISSN 1413-8557 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) Semestral Journal of the Brazilian Association of Educational and School Psychology (ABRAPEE) Revista Semestral de la Asociación Brasilera de Psicología Escolar y Educacional (ABRAPEE) Volume 17 Número 2 Julho/Dezembro 2013 Volume 17 Number 2 July/December 2013 ABRAPEE 3 Psicologia Escolar e Educacional Volume 17, No. 2, 2013 Versão impressa ISSN 1413-8557 Versão eletrônica ISSN 2175-3539 EDITORA Marilda Gonçalves Dias Facci Universidade Estadual de Maringá – PR EDITORA ASSISTENTE Silvia Maria Cintra da Silva Universidade Federal de Uberlândia - MG COMISSÃO EDITORIAL José Fernando Bitencourt Lomônaco Marilene Proença Rebello de Souza Mitsuko Aparecida Makino Antunes Universidade de São Paulo, São Paulo – SP Universidade de São Paulo, São Paulo – SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo – SP CONSELHO EDITORIAL Albertina Mitjáns Martinez Acácia Aparecida Angeli dos Santos Alacir Villa Valles Cruces Alexandra Ayache Anache Anita Cristina Azevedo Resende Célia Vectore Cristina Maria Carvalho Delou Elenita de Rício Tanamachi Elvira Aparecida Simões de Araújo Eulália Henriques Maimone Eunice M. L. Soriano de Alencar Fátima Regina Pires de Assis Fraulein Vidigal de Paula Geraldina Porto Witter Glória Fariñas León Guilhermo Arias Beaton Herculano Ricardo Campos Iolete Ribeiro da Silva Iracema Neno Cecílio Tada João Batista Martins Jorge Castélla Sarriera Leandro Almeida Lino de Macedo Lygia de Sousa Viégas Luciane Maria Schlindwein Marco Eduardo Murueta Maria Cristina Azevedo Rodrigues Joly Maria Regina Maluf Marilena Ristum Marisa Lopes da Rocha Marta Ofelia Shuare Mercedes Villa Cupolillo Regina Lúcia Sucupira Pedroza Rita Laura Avelino Cavalcante Sônia Mari Shima Barroco Tânia Suely Azevedo Brasileiro 4 Universidade de Brasília, Brasília - DF Universidade São Francisco, Itatiba – SP Centro Universitário de Santo André, Santo André - SP Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande - MS Universidade Federal de Goiás, Goiânia – GO Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia - MG Universidade Federal Fluminense, Niterói - RJ Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Bauru - SP Universidade de Taubaté, Taubaté - SP Universidade de Uberaba, Uberaba - MG Universidade Católica de Brasília, Brasília - DF Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo –SP Universidade de São Paulo, São Paulo - SP Universidade Camilo Castelo Branco, São Paulo – SP Universidade de Havana, Havana - Cuba Universidade de Havana, Havana - Cuba Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal – RN Universidade Federal do Amazonas, Manaus - AM Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho - RO Universidade Estadual de Londrina, Londrina – PR Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS Universidade do Minho, Braga - Portugal Universidade de São Paulo, São Paulo – SP Universidade Federal da Bahia, Salvador – BA Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis – SC Universidade Nacional Autônoma do México - México Universidade São Francisco, Itatiba – SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo – SP Universidade Federal da Bahia, Salvador – BA Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro – RJ Universidade Lomosóf de Moscou - Rússia Centro Universitário da Zona Oeste, Campo Grande - Rio de Janeiro, RJ Universidade de Brasília, Brasília – DF Universidade Federal de São João del-Rei, São João del-Rei - MG Universidade Estadual de Maringá, Maringá - PR Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho – RO Psicologia Escolar e Educacional Volume 17, No. 2, 2013 Versão impressa ISSN 1413-8557 Versão eletrônica ISSN 2175-3539 CONSULTORES Ad Hoc Alessandra Turini Bolsoni-Silva Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Assis - SP Carmem Taverna Pontifícia Universidade Católica, PUC, São Paulo - SP Cláudia Aparecida Valderramas Gomes Universidade Estadual Paulista, UNESP, Assis - SP Cynthia Pereira de Medeiros Universidade de São Paulo, USP, São Paulo - SP Eni de Fátima Martins Universidade Federal de Uberlândia, UFU, Uberlândia - MG Fátima Regina Pires de Assis Pontifícia Universidade Católica, PUC, São Paulo - SP Herculano Ricardo Campos Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN, Natal - RN Joana de Jesus de Andrade Universidade de São Paulo, USP, São Paulo - SP José Juliano Cedaro Universidade Federal de Rondônia, UNIR, Porto Velho - RO Luciana Vieira Caliman Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Rio de Janeiro - RJ Lygia de Souza Viégas Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA Marcelo Ustra Soares Faculdade Metodista de Santa Maria, FAMES, Santa Maria - SCl Marcos Maestri Universidade Estadual de Maringá, UEM, Maringá - PR Maria de Lima Salum e Morais Instituto de Saúde, IS, São Paulo - SP Maria Júlia Lemes Ribeiro Universidade Estadual de Maringá, UEM, Maringá - PR Maria Teresa Assunção de Freitas Universidade Federal de Juiz de Fora, UFJF, Juíz de Fora - MG Maria Virgínia Machado Dazzani Universidade Federal da Bahia, UFBA, Salvador - BA Mercedes Villa Cupolillo Centro Universitário Estadual da Zona Oeste, UEZO, Campo Grande - Rio de Janeiro - RJ Mona Bittar Universidade Federal de Goiás, UFG, Goiânia - GO Noeli Assunta Oro Tomio Centro Universitário Dinâmica das Cataratas, UDC, Foz do Iguaçu - PR Paula Inez Cunha Gomide Universidade Tuiuti do Paraná, UTP, Curitiba - PR Raul Aragão Martins Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Assis - SP Maria Terezinha Bellanda Galuch Universidade Estadual de Maringá, UEM, Maringá - PR Zaira Fatima de Rezende Gonzalez LealUniversidade Estadual de Maringá, UEM, Maringá - PR Zilda Aparecida Pereira Del Prette Universidade Federal de São Carlos, UFSCAR, São Carlos – SP 5 Psicologia Escolar e Educacional Volume 17, No. 2, 2013 Versão impressa ISSN 1413-8557 Versão eletrônica ISSN 2175-3539 Secretária Executiva Eliane da Costa Lima Colaboradores Elis Bertozzi Aita Fabíola Batista Gomes Firbida Adriana Gonzaga Cantarelli Naiara Tais de C. Henrique Lais Fernanda da Silva João Gabriel Gomes da Silva Tradução Espanhol Sáshenka Meza Mosqueira Tradução Inglês Miguel Nenevé Revisão de Português Raul Pimenta Versão eletrônica Site da ABRAPEE - www.abrapee.psc.br SciELO - Scientific Electronic Library Online: www.scielo.br PEPSIC - Periódicos Eletrônicos em Psicologia: www.bvs-psi.org.br REBAP - Rede Brasileira de Bibliotecas da Área de Psicologia: www.bvs-psi.org.br Indexadores CLASE - Citas Latinoamericanas em Ciências Sociales y Humanidades DOAJ (Directory of Open Access Journals) INDEX - Psi Periódicos (CFP) LILACS (BIREME) PSICODOC REDALYC (Red de Revistas Científicas de America Latina y El Caribe, España y Portugal) SciELO - Scientific Electronic Library Online SCOPUS / Elsevier EDUBASE (FE/UNICAMP) Diagramação Gerson Mercês Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional Rua Aimbere, 2053 Vila Madalena, São Paulo. CEP 01258-020 Telefone (11) 3862-5359. Impressão Sthampa Gráfica e Editora Endereço eletrônico: [email protected] Endereço eletrônico da Revista: [email protected] Revisão Normas APA Camila da Silva Oliveira Tiragem: 500 exemplares Psicologia Escolar e Educacional./ Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional.- v. 1, n. 1. 1996Campinas: ABRAPEE, 1996. Quadrimestral: 1996-1999. Semestral: 2000ISSN 1413-8557 l. Psicologia educacional. 2. Psicologia escolar. 3. Educação. 4. Brasil. I. Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional. Apoio: 6 ABRAPEE Scientific Electronic Library Online Programa de Pós-Graduação em Psicologia - UEM Expediente A revista Psicologia Escolar e Educacional é um veículo de divulgação e debate da produção científica na área específica e está vinculada à Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE). Seu objetivo é constituir um espaço acadêmico para a apresentação de pesquisas atuais no campo da Psicologia Escolar e Educacional e servir como um veículo de divulgação do conhecimento produzido na área, bem como de informação atualizada a profissionais psicólogos e de áreas correlatas. Trabalhos originais que relatam estudos em áreas relacionadas à Psicologia Escolar e Educacional serão considerados para publicação, incluindo processos básicos, experimentais, aplicados, naturalísticos, etnográficos, históricos, artigos teóricos, análises de políticas e sínteses sistemáticas de pesquisas, entre outros. Também, revisões críticas de livros, instrumentos diagnósticos e softwares. Com vistas a estabelecer um intercâmbio entre seus pares e pessoas interessadas na Psicologia Escolar e Educacional, conta com uma revisão às cegas por pares e é publicada semestralmente. Seu conteúdo não reflete a posição, opinião ou filosofia da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional. Os direitos autorais das publicações da revista Psicologia Escolar e Educacional são da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, sendo permitida apenas ao autor a reprodução de seu próprio material, previamente autorizada pelo Conselho Editorial da Revista. São publicados textos em português, espanhol, francês e inglês. Psicologia Escolar e Educacional is a journal, associated to the Brazilian Association of Educational and School Psychology (Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional - ABRAPEE), for the communication and debate of the scientific production in its area of specificity. Its objective is to provide a medium for the presentation of the latest research in the field of Educational and School Psychology, for spreading knowledge, which is being produced in the area, as well as updated information to psychologists and other professionals in correlated areas. Original papers, which report studies related to Educational and School Psychology may be considered for publication, including, among others: basic processes, experimental or applied, naturalistic, ethnographic, historic, theoretical papers, analyses of policies, and systematic syntheses of research, and also critical reviews of books, diagnostic instruments and software. As a means of establishing an interchange among peers, as well as people who are interested in Educational and School Psychology, it employs a double blind review by peers and it is published semiannually. Its contents do not, in any way, reflect the positions, opinions or philosophy of the Brazilian Association of Educational and School Psychology. Copyrights on the publication of the Journal of Educational and School Psychology are property of the Brazilian Association of Educational and School Psychology, and each author will only be allowed to reproduce his or her own material, with prior permission from the Editorial Board. Texts in Portuguese, Spanish, French, and English are published. La revista Psicología Escolar y Educacional es un medio de divulgación de debates de producción científica en su área específica y está vinculada a la Asociación Brasilera de Psicología escolar y Educacional (ABRAPEE). Su objetivo es constituir un espacio acadêmico para la presentación de investigaciones actuales en el campo de la Psicología Escolar y Educacional y servir como un vehiculo de divulgación del conocimiento producido en el área, además de informaciones actualizadas a profesionales psicólogos y de áreas relacionadas. Trabajos originales que relaten estudios en áreas relacionadas a la Psicología Escolar y Educacional serán considerados para publicación, incluyendo procesos básicos, experimentales, aplicados, naturalísticos, etnográficos, históricos, artículos teóricos, análisis de políticas y síntesis sistemáticas de investigaciones, entre otros, además de revisiones críticas de libros, instrumentos de diagnóstico e software. Con el objetivo de establecer un intercambio entre pares y personas interesadas en Psicología, la revista tiene una revisión “a ciegas” hecha por pares y por consiguiente, los contenidos no reflejan la posición, opinión o filosofía de la Asociación Brasilera de Psicología Escolar y Educacional. Los derechos autorales de las publicaciones de la revista Psicología Escolar y Educacional son de la Asociación Brasilera de Psicología Escolar y Educacional, siendo permitido apenas al autor la reproducción de su propio material, mediante autorización previa del editor de la Revista. Son publicados textos en portugués, español, francés e ingles. 7 8 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) ● Volume 13, Número 1, Janeiro/Junho de 2009 Psicologia Escolar e Educacional PUBLICAÇÃO SEMESTRAL Volume 17 Número 2 2013 ISSN 1413-8557 Editorial Artigos Papers Publicaciones 205 Estresse e estilo parental materno no transtorno de déficit de atenção e hiperatividad Stress and maternal parental style in attention deficit hyperactivity disorder Estrés y estilo parental materno en el trastorno de déficit de atención e hiperactividad Joseana Azevedo Bargas Marilda Emmanuel Novaes Lipp 215 Premissas em torno da desvalorização do magistério em análise: pelo que lutamos? Analysis of assumptions about devaluation of teaching profession: what do we fight for? Premisas sobre la devaluación del magisterio en análisis: ¿por qué luchamos? Bruno Deusdará Marisa Lopes da Rocha 223 Produção Científica sobre o Teste de Cloze Scientific Production on Cloze Test Producción científica sobre el Test de Cloze Adriana Cristina Boulhoça Suehiro 233 O Conceito de consciência em Vigotski: uma aproximação pela comparação de duas leituras The concept of consciousness in Vygotsky: an approximation by comparing two readings El concepto de conciencia en Vigotski: una aproximación mediante comparación de dos lecturas Cláudio Henrique Pedrosa 239 A Psicologia da Educação nos cursos de graduação em Psicologia de Belo Horizonte/MG Educational Psychology in Belo Horizonte´s undergraduate programs La psicología de la educación en cursos de Pre Grado en Psicología de Belo Horizonte/MG Rita de Cássia Vieira Ellen Rose Fernandes Figueiredo Laís Gonçalves de Souza Marina Castana Fenner 9 249 Atribuição de estados mentais e linguagem: um estudo de intervenção Attribution of mental states and language: A study of intervention Atribución de estados mentales y lenguaje: un estudio de intervención Simone Ferreira da Silva Domingues Maria Regina Maluf 259 Contexto escolar: práticas educativas do professor, comportamento e habilidades sociais infantis Teacher´s educational practices and child behavior: the influence of multiple variables La práctica educativa del profesor y comportamiento infantil: la influencia de múltiplas variables Alessandra Turini Bolsoni-Silva Maria Luiza Mariano Sonia Regina Loureiro Caroline Bonaccorsi 271 Psicologia e Educação: repercussões no trabalho educativo Psychology and Education: repercussions on educational work Psicología y Educación: repercusiones en el trabajo educativo Karla Paulino Tonus 279 Intervenção no uso de estratégias de aprendizagem diante de dificuldades de aprendizagem Intervention in the use of learning strategies in face of learning difficulties Interveción en el uso de estrategias de aprendizaje frente a dificultades de aprendizaje Andrea Regina Teixeira Paula Mariza Zedu Alliprandini 289 Desenvolvimento da subjetividade: análise de histórias de superação das dificuldades de aprendizagem Subjectivity development: analyzing histories of overcoming learning difficulties Desarrollo de la subjetividad: análisis de historias de superación de dificultades de aprendizaje Maristela Rossato Albertina Mitjáns Martínez 299 Escuta afetiva: possibilidades de uso em contextos de acolhimento infantil Affective listening: possible uses in childcare contexts Escucha afectiva: posibilidades de uso en contextos de acogida infantil Aline Jacob Trivellato Cíntia Carvalho Celia Vectore 10 309 A relação entre aprendizagem e desenvolvimento na compreensão de professores do Ensino Fundamental The relationship between learning and development in the understanding of elementary school teachers La relación entre aprendizaje y desarrollo de profesores de la Enseñanza Básica Nilza Sanches Tessaro Leonardo Valéria Garcia da Silva 319 A docência universitária como locus de pesquisa da psicologia do desenvolvimento adulto University teaching as alocus of research for adult developmental psychology La docencia universitaria como locus de investigación de la psicología del desarrollo adulto Maria Helena Fávero Regina da Silva Pina Neves 329 Professores sabem o que é bullying? Um tema para a formação docente Do teachers know what is bullying? A teacher training issue ¿Profesores saben qué es bullying? Un tema para la formación docente Elizângela Napoleão da Silva Ester Calland de S. Rosa 339 Intervenção educativa para resolver un caso de bullying Educational intervention to resolve a case of bullying Intervención educativa para resolver un caso de acoso escolar Roberto Yescas Sánchez Resenha Review Reseña 355 Ensinar com ética Teach with ethics Enseñar con ética Geraldina Porto Witter História History Historia 359 Homenagem a Yvonne Khouri Tribute to Yvonne Khouri Homenaje a Yvonne Khouri Carmem Silvia Rotondano Taverna Sérgio Antônio da Silva Leite 11 363 Homenagem a Samuel Pfromm Netto Tribute to Yvonne Khouri Homenaje a Yvonne Khouri José Fernando Bitencourt Lomonaco Relato de Práticas Profissionais Report on Educational Practices Relato de Práctica Profesional 365 Oficinas em Instituições de Educação Infantil: compromisso ético da vinculação pesquisa-extensão Workshops in Early Childhood Education Institutions: ethical commitment of the linkage research-extension Talleres en las instituciones de educación de la primera infancia: el compromiso ético de la vinculación de la investigación-extensión Lauren Beltrão Gomes Simone Dill Azeredo Bolze Carina Nunes Bossardi Beatriz Schmidt Maria Aparecida Crepaldi Mauro Luís Vieira Informativo Informative 369 Notícias bibliográficas Bibliographic notes Noticias bibliográficas 371 Normas Editoriais Instructions to authors Instructiones a los autores 12 Editorial A ABRAPEE está em festa porque temos vários acontecimentos a comemorar neste segundo semestre de 2013. O primeiro deles se refere ao sucesso do XI CONPE. No período de 14 a 17 de agosto deste ano a ABRAPEE realizou em Uberlândia (MG) o XI Congresso Nacional de Psicologia Escolar e Educacional – CONPE. Esta edição contou com 1.168 inscritos de todo o país. Em relação aos trabalhos apresentados, tivemos oito conferências, sendo três de pesquisadores do México e de Cuba; 261 comunicações científicas; 73 mesasredondas e simpósios; 90 painéis; 38 minicursos e 51 “Partilhando experiências”; uma exposição sobre a história da ABRAPEE; lançamento de livros e de “Referências para a atuação de psicólogos na Educação Básica”; e ainda, dois fóruns de debates e uma reunião do NPC 3 – Psicologia Educacional na América Latina, da União Latino-Americana de Psicologia. Foi um evento muito importante, no qual foram socializadas pesquisas de participantes de todas as regiões do Brasil, demonstrando quanto há de preocupação com a relação entre Psicologia e Educação. Aproveitamos a oportunidade para agradecer o envolvimento de todos com o Congresso e reiterar que foram momentos muito bons esses dias que passamos juntos em Uberlândia. Também não poderíamos deixar de agradecer a equipe da Universidade Federal de Uberlândia e os dirigentes daquela universidade pelo apoio que deram ao evento. A ABRAPEE está muito grata a todos. Na Assembleia Geral da ABRAPEE ocorrida no CONPE foi decidido que a partir de 2014 a Revista Psicologia Escolar e Educacional passará a ter periodicidade quadrimestral, devido ao grande número de manuscritos recebidos. Esta decisão da Assembleia necessita ser festejada, pois possibilitará que a ciência seja difundida mais rapidamente. O processo de editoração de uma revista científica exige cuidado, dedicação e compromisso da equipe responsável. Assim, tanto as dificuldades como os méritos são partilhados coletivamente e, neste sentido, a conquista da avaliação no Qualis CAPES, em que nossa Revista passou para A2, precisa ser comemorada não só pela equipe editorial, mas também pelos autores que colaboram conosco, pelos pareceristas, além dos associados da ABRAPEE e nossos leitores. Acreditamos que as três notícias supracitadas indicam alguns aspectos que merecem destaque: o crescimento do interesse pela área de Psicologia Escolar e Educacional; o aumento da produção na área e o afluxo desta produção para esta Revista; a valorização da interlocução científica, aliada à necessidade de publicações no âmbito acadêmico. Os temas dos artigos deste número refletem a pluralidade que tem caracterizado a Revista: os processos educativos nos diferentes níveis de ensino, a docência, propostas de intervenção, ensaios teóricos e assuntos polêmicos, como o bullying. O leitor também encontrará uma homenagem a Yvonne Khouri e Samuel Pfromm Neto, grandes nomes da Psicologia brasileira. Com votos de que a Psicologia Escolar e Educacional continue instigando estudos, pesquisas, projetos de extensão universitária e demais práticas profissionais, desejamos a todos uma boa leitura. Marilda Gonçalves Dias Facci – Editora Silvia Maria Cintra da Silva – Editora Assistente 13 14 Estresse e estilo parental materno no transtorno de déficit de atenção e hiperatividade Joseana Azevedo Bargas Pontifícia Universidade Católica de Campinas Marilda Emmanuel Novaes Lipp Pontifícia Universidade Católica de Campinas Resumo Este estudo avaliou a influência do estresse e do estilo parental materno sobre o estresse dos filhos avaliados pela instituição onde os dados foram coletados como portadores de TDA/H. Participaram 25 mães e os respectivos filhos, estes com idade média de 9,4 anos. As crianças foram avaliadas pela Escala de Estresse Infantil, e as mães, pelo Inventário de Sintomas de Estresse para Adulto de Lipp e Inventário de Estilos Parentais de Gomide. Os resultados mostraram que esta população apresenta alto nível de estresse (estilo parental classificado como de risco), que a sintomatologia do estresse materno tem relação com o subtipo de TDA/H e que e os sintomas de desatenção são potencializados pelo estresse. Não foi encontrada relação significativa entre estresse materno e infantil. Palavras-chave: Stress, transtorno da falta de atenção com hiperatividade, estilo parental. Stress and maternal parental style in attention deficit hyperactivity disorder Abstract In this study we evaluate the influence of stress and of maternal parenting style on the stress level of children evaluated by institution where data were collected as bearers of ADHD. The participants were 25 mothers and their children (average age 9.4 years). The children were assessed by the Children Stress Scale and their mothers by Lipp Stress Symptoms inventory for Adult and with the Gomide Parenting Styles Inventory . The results show that this population presents a high level of stress, parental style classified as at-risk. It also revealed that the symptomatology of maternal stress is related to the subtype of ADHD and that symptoms of inattention are potentiated by excessive stress. No significant relationship between maternal stress and childhood stress was found. Key words: Stress, attention deficit disorder with hyperactivity, parenting style. Estrés y estilo parental materno en el trastorno de déficit de atención e hiperactividad Resumen Este estudio evaluó la influencia del estrés y del estilo parental materno sobre el estrés de los niños evaluados por la institución donde se recolectaron datos de portadores de TDA/H. Participaron 25 madres y sus respectivos hijos, estos con edad promedio de 9,4 años. Se evaluó a los niños con la Escala de Estrés Infantil y a las madres con el Inventario de Síntomas de Estrés para Adulto de Lipp e Inventario de Estilos Parentales de Gomide. Los resultados mostraron que este grupo presenta alto nivel de estrés (estilo parental clasificado como de riesgo), que la sintomatología del estrés materno tiene relación con el subtipo de TDA/H y que los síntomas de falta de atención son potencializados por estrés. No se encontró relación significativa entre estrés materno e infantil. Palabras Clave: Estrés, trastorno de falta de atención con hiperactividad, estilo parental. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 205-213. 205 Introdução As várias fases de desenvolvimento intelectual, emocional e afetivo trazem consigo a oportunidade de o indivíduo desenvolver seu potencial genético, porém essas etapas são marcadas por múltiplas situações geradoras de tensão, muitas vezes incapacitantes para as crianças e para o seu frágil mecanismo de combate ao estresse (Maturano, 2008). Os Transtornos de desenvolvimento constituem uma ameaça potencial para o aparecimento de problemas emocionais, comportamentais e estresse. Um dos principais transtornos neuropsicológico da infância é o TDA/H - Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, cuja incidência é estimada em 3% a 5% entre as crianças em idade escolar no Brasil (Benzick, 2000). Estas crianças apresentam dificuldades de adaptação ao meio em que vivem, nem sempre conseguindo corresponder às expectativas dos adultos, e muitas vezes são descritas como preguiçosas, mal-educadas, desobedientes e inconvenientes. O impacto causado atinge a criança e todas as pessoas envolvidas com ela, como sua família e a escola. Geralmente os pais sentem-se perdidos no manejo com essas crianças, necessitando de intervenções que os capacitem para essa ação. O modo como os pais irão relacionar-se com seus filhos faz acentuada diferença no prognóstico do quadro e também no nível de estresse da díade mãe-filho (Bignotto, 2000). Como já observaram Johnston e Mash (2001), compreender a influência das práticas parentais no desenvolvimento das crianças com TDA/H pode fornecer uma informação significativa quanto ao tipo de intervenção a ser realizado para promover uma boa adaptação dessas crianças. Há muito já se tem ciência de quanto o estilo parental influencia o desenvolvimento e a consolidação das funções de regulação, no geral. Nos casos de TDAH, em que essas funções são frequentemente prejudicadas, ainda mais importante se torna os pais desenvolverem práticas que venham a colaborar para um melhor funcionamento de seus filhos (Darling & Steinberg, 1993). Diversas pesquisas buscam analisar a influência de práticas parentais no funcionamento de crianças com TDA/H. Campbell (2002) pesquisou como o processo de socialização na família pode contribuir para o surgimento, agravamento e manutenção de comportamentos caracterizados como TDA/H. Adicionalmente, um estudo realizado por Ellis e Nigg (2009) indicou correlação entre inconsistência na disciplina materna e o tipo combinado de TDA/H, e também com todos os tipos de comportamento dos filhos com TDA/H (transtorno desafiador opositivo, conduta de desordem, desatenção e hiperatividade-impulsividade). A conclusão foi que aspectos específicos da parentalidade estão relacionados ao TDA/H, independentemente da classificação dos comportamentos. Conforme observaram Ellis e Nigg (2009), as pesquisas na área indicam que a falta de estratégias dos pais e estilos parentais deficitários parecem se relacionar com a exacerbação de sintomas de TDA/H. A esta conclusão chegou também Kunrath, (2006), cuja pesquisa revelou que, em termos gerais, os pais, estressados pela dificuldade referente à educação de seus filhos, utilizavam- 206 -se demais de estratégias coercitivas do que indutivas, o que apontava a necessidade de orientar os pais dessas crianças no sentido de colocar em prática métodos mais eficazes de educar os filhos (Kunrath, 2006). Adicionalmente, ���������������������� a pesquisa de Ramos-Quiroga, Vidal e Casas (2013) mostrou a necessidade de uma visão multiprofissional na educação e tratamento de crianças com TDA/H no tocante à educação parental.������������������������������������������������ Pesquisas ����������������������������������������������� adicionais são necessárias para identificar se de fato a falta de estratégias de coping dos pais se relaciona com o estresse dos filhos e se contribui para o agravamento dos sintomas de TDA/H. O estresse De acordo com Lipp (1996), o estresse é uma reação do organismo com componentes físicos e/ou psicológicos, causada pelas alterações psicofisiológicas que ocorrem quando a pessoa se confronta com uma situação amedrontadora ou que a faça muito feliz. Esta reação produz desequilíbrio no funcionamento global do ser humano, e quando excessiva, enfraquece seu sistema imunológico, deixando-o sujeito a infecções e doenças. O processo de estresse se desenvolve em quadro fases: alerta, resistência, quase-exaustão e exaustão (Lipp, 2001). O desenvolvimento infantil gera mudanças físicas, cognitivas, emocionais, afetivas e sociais. Segundo Lipp (2000a), as mudanças inerentes ao desenvolvimento levam as crianças a enfrentar situações de estresse. O processo de estresse pode desencadear-se quando a criança não possui repertório de enfrentamento para lidar com as demandas do meio (Lipp, 2008). Os transtornos de desenvolvimento constituem uma ameaça potencial para o aparecimento de problemas emocionais e comportamentais e de estresse, e um desses transtornos neuropsicológicos da infância é o TDA/H (Rohde, 2003). No caso especifico deste transtorno, a literatura indica uma interação entre a presença de TDA/H na criança e o estresse materno. Yousefia, Far e Abdolahian (2011) verificaram em uma pesquisa que mães de filhos com TDA/H possuem um nível de estresse mais elevado e tendem a utilizar estilo parental mais coercitivo e punitivo do que as mães cujos filhos não têm esse transtorno. Os autores concluíram que o nível de estresse afeta a escolha do modo de tratar os filhos com TDA/H, e que o uso de punição e disciplina errática das mães pode levar a surgirem ou se exacerbarem nos filhos comportamentos agressivos ou de oposição. Os resultados levam à conclusão de que o comportamento negativo dos pais em relação aos filhos com TDA/H tem relação com níveis elevados de cortisol e de estresse, e também com comportamentos de oposição. Altos níveis de crítica parental suscitaram uma maior resposta do cortisol. Isto ressalta a importância da interação entre pais e filhos para a prevenção de problemas de comportamento. Segundo Lipp e Romano (1987), a criança reage com sensações físicas e psicológicas quando se vê diante de um evento estressor. Os distúrbios psicológicos mais comuns são depressão, enurese, dificuldades de relaciona- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 205-213. mento, comportamento agressivo, desobediência inusitada, ansiedade, choro excessivo, gagueira, terror noturno, dificuldades escolares, pesadelos, introversão súbita e insônia. Os distúrbios físicos são asma, dores de cabeça, tique nervoso, dores abdominais, diarreia, náusea, hiperatividade, ranger de dentes, tensão muscular, distúrbio de apetite, enurese noturna, gagueira, doenças dermatológicas e outros. No caso da criança portadora de TDA/H, os sintomas de estresse se somam às dificuldades típicas do quadro de TDA/H. O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade - TDA/H O TDA/H é uma síndrome heterogênea, de etiologia multifatorial, dependendo de fatores genéticos e adversidades biológicas e psicossociais. A literatura na área aponta alguns dos fatores psicossociais que poderiam estar relacionados ao desenvolvimento ou agravamento do transtorno, entre eles, aspectos específicos da parentalidade como inconsistência na disciplina maternal, conforme sugerem Ellis e Nigg (2009), além de alto nível de estresse das mães, apontado por Yousefia e cols. (2011). Adicionalmente, Campbell (2002) sugere que o processo de socialização na família pode contribuir para o surgimento, agravamento e manutenção de comportamentos característicos do TDA/H. Taylor e Sonuga-Barke (2008) encontraram em sua pesquisa uma relação significativa entre expressão negativa de emoções dos pais e TDA/H nos filhos. Segundo Cypel (2007), é muito complexa a discussão sobre as causas implicadas na determinação da desatenção e hiperatividade, e o mais provável é que uma somatória de fatores desencadeantes origine o distúrbio atencional e hiperatividade. O diagnóstico do TDA/H sustenta-se sobre dois pilares: a) os dados da história clínica da criança; b) avaliações neuropediátricas e neuropsicológicas. O DSM-IV(1994) define este transtorno como um problema de saúde mental, considerando-o um distúrbio bidimensional, que envolve a atenção e a hiperatividade/impulsividade. A característica essencial é um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade, mais frequente e severo do que aquele tipicamente observado em crianças de mesma idade que estejam em nível equivalente de desenvolvimento. Seu diagnóstico é baseado em sintomas descritos no DSM-IV, que classifica estes pacientes em três tipos: a) TDA/H com predomínio de sintomas de desatenção; b) TDA/H com predomínio de sintomas de hiperatividade/impulsividade; c) TDA/H combinado. Segundo Barkley (1997), o déficit mais importante no TDA/H, independentemente da hiperatividade e da desatenção, é um defeito na inibição da conduta, o que tem grande impacto no funcionamento cotidiano (pragmático), nas praxias do desempenho escolar, social, etc. Como praxias o autor entende a memória de trabalho (verbal e não verbal), o controle do afeto, a motivação, o estado de alerta e tudo o que afete o autocontrole e a capacidade de conduta dirigida para metas. A orientação terapêutica para um prognóstico favorável ao desenvolvimento dessa criança envolve um trabalho que deve ser realizado junto à criança, à família e à escola através de psicoeducação, e tem sido indicada como necessária a terapia cognitiva comportamental, associada ou não ao uso de medicações (Cypel, 2007). Relação entre pais e filhos A educação dos filhos sempre foi uma tarefa complexa para os pais, e quando a criança tem TDA/H é, sem dúvida, uma tarefa mais dificultosa e perturbadora (estímulo estressor) para qualquer família. A relação familiar é o fator mais importante em termos de prognóstico, da forma como se expressam os sintomas e dos problemas que lhe são associados. A família pode ter o papel de proteção, contenção e apoio, mas pode também ser um elemento potencializador de dificuldades e de estresse dos filhos. Segundo Costa, Teixeira e Gomes (2000) e Gomide (2003), os pais, buscando que seus filhos sigam princípios morais e desenvolvam independência, autonomia e responsabilidade, direcionam o comportamento deles no sentido de que possam exercer adequadamente o papel social quando jovens e adultos. As estratégias e técnicas utilizadas pelos pais para orientar o comportamento dos filhos são denominadas práticas educativas parentais, e o conjunto dessas práticas denomina-se Estilo Parental (Gomide, 2003), que é o modo como os pais gerenciam as questões de poder, hierarquia e apoio emocional no relacionamento com os filhos. Atualmente na literatura não se encontram estudos sobre os estilos parentais empregados por pais de crianças com TDA/H. Gomide (2006) considera como práticas educativas positivas a Monitoria positiva e o Comportamento moral A Monitoria positiva corresponde a comportamentos parentais de atenção às atividades e à adaptação dos filhos (regras claras, frequência equilibrada da atenção, demonstração segura do afeto, acompanhamento e supervisão das atividades escolares e de lazer). O Comportamento moral, obtido pelo exemplo dos pais, refere-se ao desenvolvimento do senso de justiça, empatia e responsabilidade, generosidade e do conhecimento do certo e do errado. As práticas educativas negativas o abuso físico e psicológico, o relaxamento da disciplina, a monitoria negativa (supervisão estressante), a negligência e a punição inconsistente. O abuso físico e psicológico é caracterizado pela imposição de disciplina com base em práticas corporais negativas, que são consideradas um fator de risco para o desenvolvimento de problemas sociais e psicológicos (condutas antissociais e distúrbios psiquiátricos). O abuso psicológico caracteriza-se principalmente pela ameaça, chantagem de abandono e humilhação da criança. O desenvolvimento da autonomia e das relações sociais é prejudicado, podendo causar baixa autoestima e depressão. O estudo de Manso (2004) apontou a importância de fatores econômicos e cultu- Estresse e Estilo Parental no TDA/H * Joseana Azevedo Bargas & Marilda Emmanuel Novaes Lipp 207 rais no nível de estresse na família que se reflete no método de educar os filhos. O autor encontrou que quanto mais intenso o nível de estresse familiar maior era a ocorrência de violência contra a criança. O relaxamento da disciplina se caracteriza pelo relaxamento das regras estabelecidas, e é considerado um fator de risco para os problemas de conduta e delinquência. As regras são estabelecidas, os pais ameaçam, e quando se deparam com comportamentos de oposição dos filhos, abrem mão de seu papel educativo. A monitoria negativa ou supervisão estressante se traduz pelo excesso de instruções e regras, não importando o seu cumprimento, e torna hostil o ambiente familiar. A negligência se caracteriza pela falta de atenção e afeto. Os pais negligentes não são responsivos, retiram-se de situações difíceis e ignoram a maioria dos comportamentos e atividades das crianças. Sentimentos de insegurança, vulnerabilidade e dificuldade nos relacionamentos sociais acabam sendo gerados por esta negligência. A punição Inconsistente é um tipo de punição que interfere sobretudo na percepção que a criança desenvolve sobre si, pois, ao utilizarem essa prática, os pais se orientam pelo seu humor no momento de punir ou reforçar, e não pelo ato praticado pela criança. O estilo parental de risco para o desenvolvimento de comportamentos antissociais pelas crianças é caracterizado pela utilização, por parte pais, de práticas parentais consideradas negativas, como. por exemplo, negligência, punição inconsistente e abuso físico, em detrimento das positivas. Ao contrário, o uso das práticas consideradas positivas (comportamento moral e monitoria negativa) em vez das negativas caracteriza um estilo parental ótimo (Gomide, 2006). Segundo Gomide (2006), os estilos parentais exercem influência no desenvolvimento de características pessoais das crianças e adolescentes. Tais características são determinantes para a adaptação da criança às diversas mudanças (biológica, social e cognitiva) com que se depara nesse período da vida. Desse modo, é possível compreender a influência dos estilos parentais no nível de estresse apresentado pelas crianças e adolescentes com TDA/H, já que a relação familiar é um fator importante em termos de prognóstico, da forma como se expressam os sintomas e dos problemas que lhe são associados. Acredita-se que, no contexto do TDA/H, os pais menos estressados capacitem seus filhos para lidar melhor com os fatores estressores da vida, ou seja, estas crianças seriam menos estressadas, pois receberiam uma criação que proporciona autoestima, autoconfiança, habilidades sociais, entre outras características positivas. Um estudo que mostra a relação entre níveis de estresse, prática parental e comportamentos integrantes do TDA/H é o publicado por Christiansen, Oades, Psychogiou, Hauffa e Sonuga-Barke (2010). Esses autores avaliaram o nível de cortisol salivar de crianças com e sem o TDA/H durante sessões 208 experimentais eliciadoras de estresse emocional, nas quais os pais faziam ou três elogios ou três críticas aos filhos na presença deles. Os resultados indicaram que crianças com TDA/H foram mais sensíveis ao estresse representado pelas críticas e comentários negativos dos pais do que as outras. Especificamente, comportamentos de oposição sofreram aumento na presença de críticas e reclamações de pais que já haviam sido avaliados pelos filhos como muito críticos. O Centro Nacional de Recursos sobre o TDA/H (2013) reconhece que alguns estilos parentais podem aumentar os sintomas de hiperatividade, desatenção e impulsividade em crianças com déficit de atenção e hiperatividade, porém o centro afirma que os estilos parentais podem não ser a única causa do TDA/H. A literatura existente aborda inúmeras influências que o estilo parental pode exercer sobre o desenvolvimento da criança, mas pesquisas que visem relacionar o estilo parental com TDA/H e estresse são poucas. Entre as existentes encontra-se a pesquisa de Yousefia e cols. (2011). Este trabalho visou comparar estresse entre as mães com crianças de TDA/H e mães de crianças normais. O estudo incluiu crianças de cinco a doze anos de idade que tinham sido encaminhadas a clínicas de psiquiatria infantil. Os resultados mostraram que houve diferença significativa entre o nível de estresse de mães de crianças com TDA/H e mães de crianças normais. Houve uma diferença significativa também de estilos parentais entre filhos de mães de TDA/H e mães de crianças sem o transtorno. Assim, quanto maior o estresse dos pais, mais arbitrário e errático será o estilo parental. Estes dados confirmam os de autores anteriores, tais como os de Anastopoulos, Guevremont, Shelton e Dupaul (1992); Baker, (1994); Baldwin, Brown e Milan (1995); Barkley, Fischer, Edelbrock e Smallish (1990); Beck, Young e Tarnowski (1990); Breen e Barcley (1988); Pisterman, Fireston e MC Garth (1992); Harrison e Sofronoff (2002); Jennifer (2010); Johnston e Mash (2001); Mash e Johnston (1983) e Wood (2007) Esses pesquisadores verificaram alta relação entre a existência de filhos com TDA/H e estresse familiar. Há ainda o trabalho, já mencionado, de Christiansen e cols. (2010), que concluíram, com base em seus dados, que o comportamento negativo dos pais para com os filhos com TDA/H tem relação com níveis elevados de cortisol e de estresse dos filhos, e também com comportamentos de oposição. Altos níveis de crítica parental suscitaram uma maior resposta do cortisol. Adicionalmente, Bignotto (2010) também encontrou uma associação significativa entre o estresse materno e o dos filhos, em um estudo que verificou a eficácia do treino de controle do estresse infantil. Embora esses estudos mostrem associações entre estilo parental, estresse e TDA/H, ainda não existem dados que permitam afirmar com certeza a existência desta associação. O presente trabalho teve por objetivo aprofundar o conhecimento sobre a relação entre o estilo parental, o estresse e o TDA/H em uma amostra de crianças. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 205-213. Método Participantes O desenvolvimento deste estudo teve a participação de 25 crianças com diagnóstico de TDA/H, com idades variando de 7 a 13 anos, de ambos os sexos, que cursavam escolas da rede particular e municipal do Interior do Estado de São Paulo e de suas respectivas mães. Todas as crianças estavam em atendimento no Projeto Casulo – “Centro de Atenção à Aprendizagem e ao Comportamento Infantil”. Foram excluídas as que possuíam diagnóstico de intelectualmente deficiente (QI inferior a 70), conforme avaliação prévia feita pela instituição, ou distúrbio psiquiátrico grave. Foram excluídas as mães que possuíam distúrbio psiquiátrico grave previamente diagnosticado. Desse modo, a amostra ficou composta por 25 mães e seus filhos, estes com a média de idade de 9,4 anos (DP= 1.47), sendo 84% do sexo masculino e 16% do sexo feminino. �������������������������������������������������� A hipótese diagnóstica foi levantada pela instituição. Dentre as crianças, 20% eram do subtipo de TDA/H desatento, 20% eram crianças hiperativas e 60% eram do subtipo combinado. Material Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o preenchimento da ficha de identificação das mães (data de nascimento, idade, profissão, estado civil, escolaridade), procedeu-se à coleta de dados utilizando-se: a)- o ISSL - Inventário de Sintomas de estresse para Adultos (Lipp, 2000b), que avaliou a presença ou não de estresse, os tipos de sintomas físicos e psicológicos apresentados e a fase do estresse em que as mães se encontravam: alerta, resistência, quase exaustão e exaustão; b)- a ESI - Escala de Estresse Infantil (Lipp & Lucarelli, 1997), instrumento que tem por objetivo verificar a presença de estresse em crianças de seis a catorze anos de idade, de ambos os sexos, constituindo-se de 35 itens em escala Likert de zero a quatro pontos, relacionados a sintomas físicos, psicológicos, psicológicos com componentes depressivos e psicofisiológicos de estresse; e c)- Inventário de Estilos Parentais (Gomide, 2006), em que existe um questionário específico para mães, um para os pais e um para os filhos. O IEP contempla 42 situações que avaliam sete variáveis (duas práticas educativas positivas e cinco negativas). Os escores do IEP revelam o estilo parental adotado pelos pais (pai e mãe separadamente), que pode ser: estilo parental ótimo; estilo parental regular, acima da média; estilo parental regular, abaixo da média; e estilo parental de risco. No presente trabalho os estilos foram classificados como estilo parental bom, estilo parental regular (abaixo da média, indicando a importância de os pais participarem de grupos de treinamento de pais) e estilo parental de risco para o desenvolvimento de comportamentos antissociais. Procedimento Foi realizada uma reunião com a equipe multidisciplinar do Projeto Casulo, a fim de definir o objetivo e a metodologia da pesquisa e fazer o levantamento das crianças e das mães que preenchiam o critério de inclusão para participar do estudo. As crianças selecionadas já tinham o diagnóstico de TDA/H feito por avaliações neuropsicológicas, neurológicas, fonoaudiológicas e pedagógicas. As mães das crianças selecionadas foram convidadas a participar de um encontro que ocorreu na instituição. Todas as mães que compareceram à reunião aceitaram participar da pesquisa, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e preencheram a ficha de identificação. A coleta de dados foi feita na instituição com a aplicação do Inventário de Sintomas de Estresse para Adultos e do Inventário de Estilos parentais materno. As crianças selecionadas foram convidadas a participar da pesquisa. A aplicação da Escala de Estresse Infantil ocorreu individualmente nos dias em que elas se submetiam a intervenções na instituição Método de análise dos dados Na comparação das variáveis categóricas entre os grupos com e sem estresse e entre os tipos de transtorno TDA/H foi utilizado o teste Qui-Quadrado de Pearson, ou o teste exato de Fisher, com valores esperados menores que 5. Para comparar as variáveis contínuas entre os grupos com e sem estresse foi utilizado o teste de Mann-Whitney, devido à ausência de distribuição normal das variáveis; e na comparação entre os tipos de transtorno TDA/H e a faixa etária da criança, foi utilizado o teste Kruskal-Wallis. O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5%. Resultados e discussão os resultados indicaram um alto índice de estresse nesta amostra, pois 72% das mães e também das crianças apresentaram sintomas de tensão excessiva. Dentre as mães com estresse, 60% estavam na fase de resistência, que é a fase intermediária do processo do estresse, com a prevalência de 72% de sintomas psicológicos. Estes dados confirmam o trabalho de Yousefia e cols. (2011), que apontaram o fato de mães de crianças com TDA/H mostrarem tendência a experimentar um alto nível de estresse, cuja consequência direta foi a de afetar o estilo parental que elas adotam e, por conseguinte, o nível de estresse dos filhos. Dentre as crianças, 36% estavam na fase de resistência e 47% apresentavam predominância dos sintomas psicológicos. Estes resultados confirmam achados de outras pesquisas, que mostram que pais mais estressados tendem a ter filhos com mais sintomas de estresse (Bignotto, 2010; Manso, 2010). Segundo Lazarus (1966) e Ellis (1973), as diversas formas de apoio social que as crianças recebem, Estresse e Estilo Parental no TDA/H * Joseana Azevedo Bargas & Marilda Emmanuel Novaes Lipp 209 principalmente o dos pais, podem influenciar os fatores de vulnerabilidade ao estresse infantil. Estes achados receberam confirmação no estudo de Christiansen e cols. (2010), que encontraram aumentos de cortisol salivar em crianças nos momentos de desafio, quando os pais as criticavam ou demostravam emoções negativas em relação ao desempenho dos filhos. Pesquisas mostram que pais de crianças com TDA/H, quando comparados com pais de crianças sem diagnóstico psiquiátrico, relatam maior nível de estresse ligado ao manejo da criança e maior discordância entre os cônjuges a respeito das práticas educativas (Campbell 2000). Campbell (2002) enfatizou que o processo de socialização na família pode contribuir para o surgimento, agravamento e manutenção de comportamentos característicos de TDA/H. Segundo Rohde e Matos (2003), diversos conflitos nas relações familiares são gerados quando surgem sintomas de dificuldades de atenção, hiperatividade e impulsividade. Esta visão é também partilhada por outros autores, como Ellis e Nigg (2009), em cujo entendimento aspectos ��������������������������� específicos da parentalidade como, por exemplo, inconsistência na disciplina maternal, estão relacionados ao TDA/H independentemente da classificação dos comportamentos. Como postula Ellis (1973), provavelmente não são os acontecimentos em si o que provoca as emoções, mas a maneira como eles são interpretados. Deste modo, acredita-se que as mães têm grande dificuldade em entender e aceitar as dificuldades de seus filhos, interpretando, de forma errada, a incompetência como desobediência a exercer algumas atividades, o que potencializa tanto o seu estresse como o estresse nas crianças. Os dados indicam ser necessário que as mães aprendam a distinção entre desobediência e incompetência (dificuldade). Sabe-se que a maioria dos comportamentos da criança com TDA/H ocorrem em razão de suas dificuldades, e não de teimosia. Quando aprendem a fazer esta distinção as mães conseguem reduzir punições inadequadas e orientar a criança para desenvolver comportamentos mais assertivos, promovendo um desenvolvimento favorável de suas potencialidades (Benzick, 2000). No presente estudo verificou-se que o maior número de crianças com sintomas de estresse era do subtipo de TDAH combinado, seguido pelas crianças hiperativas, e que o estresse parece atingir menos as crianças do subtipo desatento. Encontrou-se associação significativa entre subtipo de TDA/H e tipo de sintoma de estresse materno (p=0009), indicando que a desatenção é um estímulo menos estressante para as mães com filhos desatentos, as quais apresentavam um grau menor de sintomas de estresse de natureza psicológica. Todas as crianças desatentas tinham mães com sintomas psicológicos, enquanto que 80% das crianças hiperativas possuíam mães com sintomas físicos e 90% das crianças com TDA/H combinado tinham mães com sintomas psicológicos, conforme mostra a tabela 1. Possivelmente isto se deve ao fato de que crianças com hiperatividade motora sofrem um desgaste físico maior, o que poderia potencializar os sintomas físicos. Outro resultado importante refere-se à intensidade dos sintomas do estresse infantil. Com base nos dados referentes às respostas dadas na questão 3 “Tenho dificuldade de prestar atenção” da Escala de Estresse Infantil, observou-se que 71,43% das crianças que não tinham estresse afirmavam sentir apenas “um pouco” de dificuldades atencionais, enquanto 72,22% das crianças com estresse indicaram sentir “sempre” dificuldades atencionais. Como se pode ver na tabela 2, esta diferença é significativa (p= 0.001), ou seja, existe uma diferenciação entre as crianças com e sem sintomas de estresse na percepção da intensidade do sintoma de desatenção. Tabela 1. Comparação entre tipos de sintomas ISSL e subtipo de TDA/H. Sintomas ISSL Desatento Hiperativo Combinado Psicológico 100,00% 20,00% 90,91% Físico 0 80,00% 9,09% Teste Exato De Fisher: p=0.009 Tabela 2. Relação entre dificuldades atencionais e estresse infantil. Dificuldade atencional Crianças s/ estresse Crianças c/ estresse Um pouco 71,43% 0 Bom 28,57% 11,11% Regular 0 16,67% De risco 0 72,22% Teste exato de Fisher: p = 0.001 210 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 205-213. Este achado pode ser de utilidade, uma vez que abre caminho para futuras intervenções que objetivem o treino do controle do estresse, o que tornaria possível diminuir os sintomas de desatenção de uma maneira não medicamentosa. Este conhecimento poderá ter consequências para as áreas de reabilitação cognitiva, educacional, familiar e social. Atualmente a reabilitação cognitiva para o TDA/H é feita com base na técnica de treino de função cognitiva, objetivando a neuroplasticidade, técnica de compensação de função cognitiva que busca compensar os déficits com a utilização de apoios externos, orientações psicoeducativas para a família e a escola, e terapia cognitivo-comportamental. O treino do controle de estresse seria mais uma ferramenta para a reabilitação na busca de auxiliar o desenvolvimento destas crianças desatentas e melhorar sua qualidade de vida. Na área educacional, a diminuição dos sintomas de desatenção poderia facilitar o processo de ensino e aprendizagem, uma vez que a criança estaria mais atenta e um maior número de informações seria codificado, armazenado e posteriormente evocado, podendo ajudar na diminuição do fracasso escolar. Por isso é importante uma intervenção para instrumentalizar as crianças a lidar com este estresse e possivelmente diminuir este sintoma de desatenção O teste de Kruskal-Wallis revelou não haver diferença significativa quando se comparam o tipo de TDA/H e a idade da criança (p=0.533). Quanto à classificação do estilo parental, houve predomínio do estilo parental de risco, seguido pelos estilos regular, bom e ótimo, sendo que 81% das mães que possuíam estilo parental de risco também apresentavam sintomas de estresse, resultado que independe do subtipo de TDA/H. Constatou-se também que o número de crianças com estresse aumenta à medida que diminui a utilização, por parte das mães, de práticas parentais consideradas positivas. Durante a coleta de dados foi possível mais uma vez verificar a desorientação das mães no tocante tanto ao manejo do estresse como a estratégias assertivas para conduzir a educação de seus filhos, mostrando grande dificuldade de adaptação. Esta realidade é preocupante, já que o prognóstico favorável do TDA/H depende muito da relação entre a criança e sua mãe, pois quando os estilos parentais são adequados, auxiliam no enfrentamento dos problemas e favorecem o desenvolvimento da criança. Conclusão Inúmeros autores têm sugerido, com base em suas pesquisas, que os pais de crianças com TDA/H necessitam, como prioridade para o desenvolvimento adequado dessas crianças, aprender a utilizar práticas parentais na forma de estratégias educativas que demonstrem aceitação e compreensão das dificuldades envolvidas no transtorno e que envolvam o apoio emocional de seus filhos (Darling & Steinberg, 1993; Johnston & Mash, 2001; Kunrath, 2006). Ramos-Quiroga e cols. (2013), adicionalmente, enfatizam a necessidade de um tratamento muldimodal para promover uma boa adaptação dessas crianças Conclui-se que crianças com TDA/H e suas mães apresentam alto nível de estresse, estilo parental materno classificado como de risco para o desenvolvimento de comportamentos antissociais e que a sintomatologia do estresse materno tem relação com o subtipo de TDA/H. Nesta amostra também se concluiu que a desatenção é um estimulo menos estressante que a hiperatividade, sendo que os sintomas de desatenção são potencializados pela tensão excessiva. Desse modo acredita-se que programas que instrumentalizem as mães e as crianças a manejarem o estresse podem trazer grandes benefícios para a qualidade de vida destas pessoas, através da minimização dos sintomas de desatenção e utilização de práticas parentais positivas. Embora a amostra utilizada tenha sido pequena, espera-se que os dados desta pesquisa possam contribuir, mesmo que modestamente, para uma melhor compreensão do nível de estresse envolvendo esta população e um melhor entendimento do impacto dos estilos parentais no nível de estresse dos filhos, para melhor elucidação quanto aos efeitos do subtipo de TDA/H da criança na natureza da sintomatologia materna. Consequente e adicionalmente, também se espera que educadores e outros profissionais que lidam com essa população se conscientizem da capacidade do estresse infantil de potencializar os sintomas de desatenção na criança portadora de TDA/H e, consequentemente, de que a desatenção pode ser reduzida promovendo-se um ambiente menos estressante em casa e na escola. Como recomendam vários autores, entre eles Fisher (1990); Kunrath, (2006); Ramos-Quiroga e cols. (2013), o tratamento do TDA/H envolve uma abordagem multifocal, englobando intervenções psicossociais e psicofarmacológicas. As pesquisas indicam a necessidade de apoio para os pais, potencializando os recursos existentes dentro dessas famílias, para que todos possam melhor lidar com as dificuldades inerentes ao TDA/H. Assim sendo, pesquisadores devem continuar a estudar esta questão, assim como avaliar novas situações e, ainda, propor a elaboração de estratégias que se construam de formas cada vez mais eficazes de auxiliar na tarefa de educar os filhos, principalmente os portadores de TDA/H. Os dados desta pesquisa, assim como os de outras anteriores encontrados na literatura, levam ainda a questionar se o estresse leva a um estilo parental de risco ou o estilo parental de risco levaria ao estresse. Para responder a esta questão se fazem necessárias pesquisas com um número maior de participantes e que estas avaliem outros fatores envolvidos no estresse dos pais. Importante também é averiguar se os comportamentos envolvidos no TDA/H podem ser aliviados com a mudança de práticas parentais negativas por meio da educação dos pais. Se isto for cientificamente comprovado, deverão ser objeto de tratamento não só os portadores do transtorno, mas também seus pais. Estresse e Estilo Parental no TDA/H * Joseana Azevedo Bargas & Marilda Emmanuel Novaes Lipp 211 Referências American Psychiatric Association (1994). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (4a ed.). Washington, DC: Author. Anastopoulos, A. D., Guevremont, D. C., Shelton, T. L., & Dupaul, G. J. (1992). Parenting estresse among families of children with attention deficit hyperactivity disorder. Journal of Abnormal Child Psychology, 20(5), 503-520. Baldwin, K., Brown, R. T., & Milan, M. A. (1995). Predictors of estresse in caregivers of attention deficit hyperactivity disordered children. The American Journal of Family Therapy, 23(2), 149-160. Baker, D. B. (1994). Parenting estresse and ADHD: A comparison of mothers and fathers. Journal of Emotional & Behavioral Disorders, 2(1), 46-51. Barkley, R. A. (1997). ADHD and the nature of self-control. New York: Guilford Press. Costa, F. T., Teixeira, M. A., & Gomes, W. B. (2000). 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Procedia - Social and Behavioral Sciences 30, 1666 – 1671 Wood, J. M. (2007). Examining estresse among parents of children with attention deficit Hyperactivity Disorder (Eds.). New York: University of Rochester. Recebido em: 15/02/2012 Reformulado em: 26/03/2013 Aprovado em: 02/10/2013 Sobre as autoras Joseana Azevedo Bargas ([email protected]) Mestre pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Correspondência: Rua José Martins Amorim, 112, apto 14B, Pq. Colinas da Mantiqueira, São João da Boa Vista, São Paulo, SP. CEP: 13874-370. Marilda Emmanuel Novaes Lipp ([email protected]) Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Correspondência para Marilda Emmanuel Novaes Lipp: Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências da Vida - Programa de Pós Graduação em Psicologia. Av. John Boyd Dunlop s/nº - Prédio dos Ambulatórios de Especialidades. Jardim Ipaussurama, Campinas, SP. CEP: 13060-904. Este trabalho é resultado da dissertação de Metrado em Psicologia da primeira autora na PUC-Campinas. Para a sua realização, contou-se com o apoio financeiro da CNPQ na forma de bolsa para a primeira autora. Estresse e Estilo Parental no TDA/H * Joseana Azevedo Bargas & Marilda Emmanuel Novaes Lipp 213 Premissas em torno da desvalorização do magistério em análise: pelo que lutamos? Bruno Deusdará Universidade do Estado do Rio de Janeiro - RJ Marisa Lopes da Rocha Universidade do Estado do Rio de Janeiro – RJ Resumo Neste texto pretendemos interrogar certos “consensos” que se estabelecem em torno da desvalorização do magistério, de modo que se possa ampliar o campo das lutas vinculadas à invenção de outros modos de trabalhar e viver na escola. A partir de uma perspectiva micropolítica e com base nas contribuições de Foucault e Deleuze, vimos discutindo a desvalorização do magistério em suas implicações com a institucionalização da produção de saberes e do trabalho de formação. Como conclusão, evidenciamos que, sob uma aparente convergência, residem diferentes leituras do que se passa e dos consequentes desafios cotidianos na singularização das práticas, acarretando desdobramentos e interferências nas políticas públicas. Palavras-chave: Trabalho docente, desvalorização, micropolítica. Analysis of assumptions about devaluation of teaching profession: what do we fight for? Abstract In this paper we intend to discuss some consensus around devaluation of teaching in the scope of the struggles involved in other forms of living and working at school. From a micro-politics view, the contributions of Foucault and Deleuze, we also discuss the devaluation of the teaching profession in the process of knowledge and job training institutionalization.In conclusion we show that, under the apparent convergence reside different readings of what is happening and the consequent challenges in everyday practice, encouraging developments and interference in public policy. Keywords: Teaching work, devaluation, micro-politics. Premisas sobre la devaluación del magisterio en análisis: ¿por qué luchamos? Resumen En este texto se tiene la intención de interrogar ciertos “consensos” que se establecieron en relación a la devaluación del magisterio, de manera que se pueda ampliar el campo de las luchas relacionadas a la invención de otras formas de trabajar y vivir en la escuela. Desde una perspectiva micropolítica, a partir de aportaciones de Foucault y Deleuze, se viene discutiendo la devaluación del magisterio en su repercusión para la institucionalización de la producción de saberes y del trabajo de formación. Como conclusión se demuestra que bajo la aparente convergencia residen diferentes lecturas de lo que sucede y de los consecuentes desafíos cotidianos en la singularización de las prácticas, favoreciendo despliegues y interferencia en las políticas públicas. Palabras clave: trabajo docente, desvalorización, micropolítica. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 215-222. 215 Considerações inicias Quando o tema em pauta é educação, as opiniões apresentam-se nos mais variados matizes. É, no mínimo, curioso perceber que, não obstante a enorme variedade de divergências, haveria, em alguns pontos, convergência de opiniões. Entre essas opiniões aparentemente consensuais, desejamos destacar aqui aquelas que têm apontado para um processo crescente de desvalorização do magistério. É preciso esclarecer que não pretendemos refletir acerca das causas históricas dessa desvalorização. Interessa-nos suspeitar das premissas que se fixam e, por consequência, se naturalizam, quando se diz, por exemplo, que a educação não vai bem porque hoje em dia não se respeita mais o professor. Em nossa opinião, se é verdade que as opções macroeconômicas têm feito os governos, nas diferentes esferas, sobreporem seus próprios interesses políticos e econômicos aos dos professores, os estudantes ou da educação como um todo, é verdade também que a necessária e urgente reposição das perdas salariais acumuladas nos últimos anos, por si só, não asseguraria todas as mudanças que desejamos. Parece-nos necessário avançar nos diversos campos de luta. Se reconhecemos a necessidade de repor as perdas salariais, entre outros pontos das reivindicações dos sindicatos e dos movimentos sociais, que se mantiveram combativos nesses anos de “inverno”, e participamos efetivamente das lutas em torno das reivindicações, de que avanços falamos? Muitos afirmam que ir adiante significa retomar as condições e o respeito devidos ao magistério. Ora, saudosismos à parte, o que se pretende restituir como valor perdido? Que imagens da profissão docente habitam as premissas que sustentam a vontade de retomar valores e reviver situações anteriores como possibilidade de mudança dos impasses atuais? No desenho do panorama dos questionamentos que motivam a produção deste texto, cabe destacar que as polêmicas acerca da institucionalização das práticas de formação não são novas e vêm, ao longo do tempo, apresentando variações no campo das chamadas ciências humanas. A título de ilustração, transcrevemos a seguir um trecho de um livro inquietante, intitulado “A sociedade sem escolas”, de Ivan Illich (1973), cujas afirmações são ainda extremamente atuais: Muitos estudantes, especialmente os mais pobres, percebem intuitivamente, o que a escola faz por eles. Ela os escolariza para confundir processo com substância. Alcançando isto, uma nova lógica entra em jogo: quanto mais longa a escolaridade, melhores os resultados; ou, então, a graduação leva ao sucesso. O aluno é, assim, “escolarizado” a confundir ensino com aprendizagem, obtenção de graus com educação, diploma com competência, fluência no falar com capacidade de dizer algo novo. Sua imaginação é “escolarizada” a aceitar serviço em vez de valor. Identifica erroneamente cuidar da saúde com tratamento médico, melhoria da vida comunitária com assistência social, segurança com proteção 216 policial, segurança nacional com aparato militar, trabalho produtivo com concorrência desleal. Saúde, aprendizagem, dignidade, independência e faculdade criativa são definidas como sendo um pouquinho mais que o produto das instituições que dizem servir a estes fins; e sua promoção está em conceder maiores recursos para administração de hospitais, escolas e outras instituições semelhantes (Illich, 1973, p. 21). Cabe salientar que, a nosso ver, o conjunto das propostas constantes no referido livro configura um indicador das tensões mundialmente vivenciadas nos anos sessenta e setenta. Não obstante, não é por corresponder aos embates de uma conjuntura que já não é a nossa - uma vez que não vivemos hoje com tamanha intensidade as efervescências sociais – que o trecho acima deixará de ser intrigante. É perturbador – e, por isso, torna-se imprescindível como reflexão – imaginar que estamos “escolarizando” ao confundir notas e rendimentos com os processos vivenciados. É inquietante pensar que a escola não cessa de nos convocar a “recuperar” alunos, quando os problemas atribuídos a eles individualmente acabam por corresponder a efeitos produzidos por nossas próprias práticas. Façamos Veiga-Neto (2006) entrar em cena para um diálogo com Illich, ao afirmar que “a educação escolar pode funcionar como uma arena para as lutas permanentes de invenção e imposição de sentidos, seja pela manutenção, seja pela mudança dos regimes de verdade e das ordens discursivas que os alojam” (Veiga-Neto, 2006, p. 88). O confronto entre essas duas posições, antes de nos convocar a tomar partido, parece abrir um cenário de questionamentos que faz do trabalho na escola um exercício simultâneo de lutas – haja vista a metáfora da “arena” – e de desconfianças – já que é preciso suspeitar do que estamos produzindo na escola como possibilidade de renovação das nossas próprias apostas/lutas. É nos interstícios dessa polêmica que tal empreendimento, inspirado na genealogia foucaultiana, encontraria uma “massa” de textos e práticas acumulados, material ao qual o historiador do presente compareceria com parcimônia e suspeita. Ele começaria nos interrogando o que estamos ajudando a fazer de nós mesmos - como psicólogos ou como professores - e de nossos alunos na escola. Confessa não estar interessado nas origens da profissão docente, mas nos arranjos que essa atividade compõe. Substitui questões como “O que é o trabalho do professor?” por outras, por exemplo, “Como certos sentidos sobre o magistério se tornaram verdadeiros?”; ou “Que efeitos essa verdade produz?”. O propósito do presente artigo consiste em pensar o que se configura hoje como “desvalorização do magistério”, considerando-se os contornos do trabalho docente no cotidiano escolar. Nosso desafio é, através de uma abordagem micropolítica das práticas de formação em que cabe interrogar de que modo os processos de institucionalização se atualizam na escola, compreender a aposta predominante em uma “revalorização” do lugar de professor. Ao mesmo tempo, a atenção aos processos de institucionalização, Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 215-222. em vez de neutralizar as tensões que afetam a todos e a cada um, pode favorecer a criação de um campo coletivo de análise-intervenção que interfira nas condições a favor da ampliação da qualidade de vida no exercício do magistério. Institucionalização das práticas de formação: ou “como certos sentidos se tornaram verdadeiros?” Em Foucault (1973/2005) o tema da verdade é tratado sempre em articulação com os processos que a instituem como tal. A premissa no referido tratamento é a de que não há correspondência unívoca entre os saberes e o mundo que, segundo a versão ocidental, esses saberes viriam representar; ou seja, para Foucault (2005), os saberes não seriam conteúdos que “reapresentariam” um mundo precedente. Essa negativa tem uma dupla motivação: incide tanto sobre o pressuposto de que o saber se reduziria a um conteúdo, quanto sobre aquele que procuraria garantir uma relação de anterioridade do mundo em relação ao saber. Em relação ao primeiro aspecto, isto é, a rejeição dos saberes como conteúdos, recorremos ao Deleuze (1986/2005), leitor de Foucault. Segundo o referido autor, essas “camadas sedimentares” que seriam os saberes são formadas de regiões de visibilidades e campos de legibilidade. Deleuze, na mesma obra, propõe uma sistematização das duas “metades” do saber, com inspiração em Hjelmslev, afirmando que conteúdo não se reduz a significado. Segundo ele, as regiões de visibilidade, ou “conteúdo”, e os campos de legibilidade, ou “expressão”, conteriam uma forma e uma substância. Seus exemplos remetem às análises foucaultianas das práticas de encarceramento e vigilância: o conteúdo teria como forma a prisão e como substância, os “presos”, que são “vistos” a partir de certa condição; já a expressão teria como forma o direito penal, e como substância, a “delinquência” enquanto objeto dos discursos. Esses exemplos nos interessam, sobretudo, por evidenciarem o grau das relações estabelecidas entre visibilidades e enunciabilidades. Embora se acredite haver correspondência entre o que se diz e o que se vê, Foucault definirá essa aparente correspondência como efeito das práticas. A respeito dessa questão, Deleuze (1986/2005) nos diz: Há uma abundância de questões que constituem, de cada vez, o problema da verdade. O Uso dos Prazeres tira a conclusão de todos os livros precedentes quando mostra que o verdadeiro só se dá ao saber através de “problematizações” e que as problematizações só se criam a partir das “práticas”, práticas de ver e práticas de dizer. Essas práticas, o processus e o procedimento (procédé) constituem os processos (procédures) do verdadeiro, “uma história da verdade”. Mas é preciso que as duas metades do verdadeiro entrem em relação, problematicamente, no próprio instante em que o problema da verdade exclui sua correspondência ou sua conformidade (Deleuze, 1986/2005, p. 72-73). Desvalorização do magistério: análises * Bruno Deusdará & Marisa Lopes da Rocha Se não há conformidade entre “ver” e “falar”, como se dá a relação problemática entre essas “duas metades do verdadeiro”? Esse questionamento, em alguma medida, remete-nos ao segundo aspecto anunciado no início deste item, já que os efeitos de verdade são correlatos das relações de poder. Desse modo, os saberes, como formações históricas, são inseparáveis das condições de sua emergência. Para Foucault, a “vontade de saber” não se reduz à natureza humana. Com Nietzsche, Foucault (1973/2005) dirá que o ato de conhecer é, em algum sentido, uma violência, já que não haveria qualquer relação de continuidade entre a coisa conhecida e o saber produzido sobre ela. Essa não continuidade entre conhecimento e mundo é sustentada, por um lado, na consideração de que o mundo não teria uma predisposição para ser conhecido, e, por outro, a “vontade de saber” não se atualizaria como dimensão instintiva: O conhecimento foi, portanto, inventado. Dizer que ele foi inventado é dizer que ele não tem origem. É dizer, de maneira mais precisa, por mais paradoxal que seja, que o conhecimento não está em absoluto inscrito na natureza humana. O conhecimento não constitui o mais antigo instinto do homem, ou, inversamente, não há no comportamento humano, no apetite humano, no instinto humano, algo como um germe do conhecimento (Foucault, 1973/2005, p.16). Neste trecho a abordagem foucaultiana parece nos oferecer uma síntese de sua concepção sobre a relação entre o saber e o mundo, remetendo-nos aos jogos de força que se constituem sócio-historicamente. Aqui nos interessa pensar nos desdobramentos das questões, enfatizando, a partir da concepção de que as relações entre o saber e o mundo se dão por in(ter)venção, os processos de institucionalização da produção de conhecimento. Vejamos, então, de que modo os pressupostos explicitados anteriormente se atualizam nas análises dos processos de institucionalização. Ao retomar a ideia recorrente segundo a qual o século XVIII teria sido o momento da emergência dos saberes técnicos, Foucault (2002) vai propondo uma análise que parece desmontar a versão “oficial” dessa emergência. Não se trata, como argumenta ele, de fazer convergir um conjunto de iniciativas, ou de um movimento em direção única, um progresso em que a ignorância estaria cedendo lugar ao conhecimento. Ao contrário, a existência de saberes é múltipla: em vez da suposta convergência, os saberes variariam segundo as regiões geográficas, a dimensão das oficinas e das indústrias nas quais eram produzidos, etc., conformando uma dispersão entre os saberes. Tal dispersão indicaria o funcionamento da produção de conhecimento, “numa sociedade em que o segredo do saber tecnológico valia riqueza e em que a independência desses saberes, uns em relação aos outros, significava também a independência dos indivíduos” (Foucault, 2002, p. 214) Nesse contexto em que a multiplicidade de saberes encontra-se em luta - uma luta econômico-política, já que 217 esse saber-segredo significava “riqueza” material e “independência” individual -, desenvolvem-se processos de “anexação, de confisco, de apropriação dos saberes menores, mais particulares, mais locais, mais artesanais, pelos maiores” (Foucault, 2002, p.215). Esses processos contarão com um grau de intervenção do Estado, mesmo que indiretamente. A intervenção do Estado nessa luta dos saberes se dará, segundo o autor, a partir de quatro procedimentos. O primeiro deles consiste em desqualificar os saberes dispendiosos economicamente, os saberes irredutíveis. Esse procedimento de desqualificação irá produzir a eliminação de saberes que não tenham sido produzidos no interior de um campo de regras institucionalmente reconhecido, dando consistência à dicotomia saberes teóricos / saberes da prática, bastante familiar ao racionalismo ocidental. O segundo procedimento reside em pretender romper as barreiras do segredo, permitindo o intercâmbio entre os saberes. Para isso é preciso criar escalas de correspondência entre saberes, é preciso torná-los intercambiáveis, ajustáveis uns aos outros. Com efeito, tais procedimentos de ajustes e correspondências produzirão, ao lado da desqualificação / eliminação dos saberes da prática, um grau de normalização dos saberes. Ao criar formas de correspondência, ou seja, ao quebrar as fronteiras produzidas pelo segredo, de um lado, pretende-se constituir universalidade, ampliando as regiões sobre as quais os saberes passam a incidir, e, de outro, assiste-se ao desenvolvimento de novas formas de controle da produção de conhecimento. A lógica universalizante de produção de conhecimento subjacente à normalização dará lugar, simultaneamente, a um terceiro procedimento: o de classificação hierárquica dos saberes. Uma vez desqualificados e eliminados os saberes tidos como “menores” e estabelecidos os procedimentos de normalização, promove-se uma hierarquização dos saberes, de modo que possam se diferenciar aqueles que seriam mais específicos de outros, mais gerais. Essa hierarquização parece proceder a operações de abstração. O quarto procedimento é o da centralização dos saberes. Parece garantir-se a axiomatização, produzindo uma organização interna dos saberes. Os quatro procedimentos assim descritos fazem do século XVIII o momento em que, a despeito de uma versão “oficial”, que asseguraria a evolução da sua produção, isto é, um avanço gradual do conhecimento sobre a ignorância, jogos de forças acabam por produzir disciplinamento dos saberes. O século XVIII foi o século do disciplinamento dos saberes, ou seja, da organização interna de cada saber como uma disciplina tendo, em seu campo próprio, a um só tempo critérios de seleção que permitem descartar o falso saber, o não-saber, formas de normalização e de homogeneização dos conteúdos, formas de hierarquização e, enfim, uma organização interna de centralização dos saberes em torno de um tipo de axiomatização de fato. Logo, organização de cada saber como disciplina e, de outro lado, escalonamento dos saberes disciplinados 218 do interior, sua intercomunicação, sua distribuição, sua hierarquização recíproca numa espécie de campo global ou de disciplina global a que chamam precisamente a ‘ciência (Foucault, 2002, p. 217-218). Essa análise histórica da institucionalização dos saberes parece nos abrir um campo de interrogações sobre os procedimentos de disciplinamento que dão um cadenciamento à formação escolar que as vozes em torno da denúncia de “desvalorização do magistério”, pelo menos a princípio, não iluminam. O nosso desafio nas lutas sociais residiria, então, em não nos restringirmos às denúncias. Se, por um lado, é possível operar com elas a nosso favor, dando a conhecer as condições de precariedade às quais nos submetemos cotidianamente, por outro, não podemos ignorar que a denúncia de “desvalorização do magistério” pode ser capturada pela expectativa de que “revalorizar” significaria a restituição de um lugar de destaque para o professor, resolvendo muitas das tensões vivenciadas na escola. Nesse contexto, a suposta manutenção de um lugar para o professor parece alimentar-se de alguns dos procedimentos de disciplinamento descritos anteriormente, sobretudo a desqualificação dos saberes da prática. De que modo tais procedimentos podem criar efeitos indesejáveis para o agenciamento de novas práticas para uma nova Educação? Podemos pensar na fragilização do poder de intervenção da comunidade escolar na invenção do cotidiano pela cristalização no uso do tempo-espaço da formação que dá um aspecto repetitivo ao trabalho docente, o qual se torna entediante para o aluno, provocando tensão na relação entre os educadores e as famílias, sendo estas desqualificadas quanto aos saberes produzidos em condições que não as dos rituais acadêmicos. São relações despotencializadoras em que se espera a resolução dos “problemas” diagnosticados por uma lógica que, desqualificando a produção coletiva da vida escolar, legitima as marcas de assujeitamento (Rocha, 2001). Afirma este autor: Isso se dá na medida em que é justamente na ordem da hierarquia, das dicotomias teoria e prática, pensador e técnico, professor e aluno, ensino e aprendizagem, que se constroem as segmentações entre as políticas educacionais de gabinete, as condições cotidianas do trabalho escolar (caracterizado pelo isolamento e assoberbamento de tarefas) e a própria formação dos profissionais da educação, que não se estabelece através da construção de análises no dia-a-dia educacional (Rocha, 2004, p.187). Assim, a mesma lógica que, na escola, tem sido responsável por enredar a comunidade em rituais escolarizados dos saberes e códigos há muito estabelecidos como objetivos, coerentes, verdadeiros e válidos para o aprimoramento do homem e a preparação para a vida, atualiza-se na formação docente, enfatizando uma noção de competência como execução eficiente do previsto. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 215-222. Nesse quadro, parece emergir outro conjunto de questões que nos conduzem a pensar os efeitos dos procedimentos de disciplinamento dos saberes na constituição de um “território” para o trabalho docente (Rocha, 2007). Contornos do trabalho docente: ou “que efeitos essa verdade produz?” Neste item vamos argumentar no sentido de pôr em suspenso os efeitos emergidos a partir do século XVIII que estão implicados com a institucionalização dos saberes sustentada no exercício de disciplinamento da formação e do trabalho docente. Em tal processo, a formação teria como meta a erudição, em que se atualiza a expectativa de acúmulo de um saber-repetição, através do agenciamento de porta-vozes dispostos a consumir esses saberes (Rocha, 1998). Isso implica rituais de ensino-aprendizagem circunscritos a uma organização do tempo e do espaço vinculados à sala em que se realiza a aula. Nem a função pedagógica que atravessa a escola tradicional, nem a Escola Nova e o tecnicismo contemporâneo, modificaram nas grandes redes de ensino público, as condições e expectativas dos corpos dispostos em série, do silêncio, da atenção ao professor, das avaliações, enfim, dos modos de controle que delimitam o que é trabalho do professor e o que é trabalho do aluno. Queremos refletir acerca dos contornos do trabalho docente de hoje, analisando que dimensão das atividades de formação extrapola as imagens classicamente identificadas com ele. Se nos constituímos numa complexa rede dialógica a partir da qual sentidos e práticas produzem a realidade, que critérios podemos utilizar para estabelecer em que consiste o trabalho docente? Talvez devêssemos olhar para a escola. Que limites damos à nossa atividade profissional? Por que definimos que, ao menos em grande parte, nosso trabalho se restringiria à sala de aula, se, para que uma aula aconteça é fundamental que diferentes ações sejam processadas? Os efeitos da lógica de disciplinamento dos saberes, por um lado, reduzem-se às coordenadas de espaço-tempo da sala de aula e, por outro, implicam-nos com a desqualificação de um conjunto de atividades por nós desenvolvidas que estão relacionadas com as práticas de formação, mas não ganham visibilidade como trabalho (Deusdará, 2006). Que outra concepção de produção de saber é preciso desenvolver para que tais atividades sejam qualificadas? Ou ainda, como afirmar a formação como ato, considerando-se as suas condições de realização? Ampliar a dimensão de intervenção do professor e do aluno em cena não traria novas perspectivas para um pensar/fazer inventivo? Que tal nos depararmos com um Foucault-professor que discute “o que é um curso”? Convidamos o leitor a uma incursão na primeira aula do curso ministrado por M. Foucault nos anos de 1975 e 1976, no Collège de France, intitulado “Em Defesa da Sociedade” (Foucault, 2002). Nessa aula o autor nos fala da dinâmica dos cursos no Collège de Desvalorização do magistério: análises * Bruno Deusdará & Marisa Lopes da Rocha France: ele se utiliza dos seminários como forma de prestar contas publicamente de sua atividade de pesquisa. A esse respeito ele propõe o seguinte questionamento: “De que maneira se pode manter a par aqueles que podem se interessar por ela [a pesquisa] e aqueles que têm alguns motivos de estar ligados a essa pesquisa?” (Foucault, 2002, p.3). Como não ler nesse questionamento também um convite à reflexão acerca das formas de institucionalização dos saberes de que tratará em aulas posteriores do curso? Como não nos perguntar também acerca das nossas implicações com isso, ou seja, com uma luta pela ativação de dispositivos de produção e de publicização das pesquisas? O que se constitui como uma aula-pesquisa? Não seria fazer da sala de aula um possível laboratório de experimentação de ideias, compartilhamento, algo como saberes em discussão, provocação, desafio do outro a pensar a história do já constituído e suas implicações no presente, pois Foucault está falando do fazer, de convocar o pensamento, e não somente de divulgar pesquisas. Na escola esse questionamento parece inverter-se. Não nos perguntamos mais como podemos nos dirigir àqueles aos quais nossos saberes podem interessar. Não nos interrogamos mais acerca dos possíveis motivos de estarmos ligados. De certa forma, o vínculo que nos mantém em cena parece naturalizar-se, quando o que está em jogo é despertar o interesse do aluno para compor a cena. A abertura para alternativas a essa naturalização dos vínculos que nos ligam na escola demanda o investimento em outras formas de apropriação do espaço-tempo. Nesse ponto, Foucault nos surpreende ao ressaltar que se sente obrigado a dizer o que está fazendo - não para conquistar seguidores, mas talvez para fazer do vínculo um dispositivo de movimento, sempre se esforçando para continuar a dirigir-se a alguém, para fazer bons encontros. Foucault faz uma observação simples que dá visibilidade à dimensão do outro numa prática de aula-pesquisa e isso nos chama a atenção: “Considero-me absolutamente obrigado, de fato, a dizer-lhes aproximadamente o que estou fazendo, em que ponto estou, em que direção vai este trabalho; e, nessa medida, igualmente, considero-os inteiramente livres para fazer, com o que eu digo, o que quiserem” (Foucault, 2002, p.4). No trecho acima, parece falar o Foucault que lemos em “A Arqueologia”, tão implicado com o tema das descontinuidades, já que as continuidades somos nós que construímos inventando sentidos, fortalecendo modos de fazer e de entender o que se passa. Isso, certamente, não se faz fora das condições e circunstâncias em que vivemos, fora de uma história que vimos produzindo com o(s) outro(s). Ele saberia então que não está oferecendo caminhos a serem seguidos. Haveria sempre pequenas rupturas, desvios, distorções, pois, uma vez que nos inscrevemos na alteridade, é esse outro que compõe comigo um território de indagação. Quando é que a sala de aula se constitui em um espaço-tempo que implica num coletivo, que convida a pensar? 219 Nesse aspecto, ele coloca a seu público sua disposição de refletir, compartilhando uma caixa de ferramentas. Isto é o que chamamos de formação em ato! Parece-nos oferecer evidências das críticas que fará nas aulas seguintes sobre as operações com que está às voltas para construir um caminho possível de entendimento. Concomitantemente, o que fica em questão é o disciplinamento dos saberes: seleção dos saberes válidos diante de uma região de saberes falsos, de normalização e homogeneização dos conteúdos de uma disciplina, de hierarquização e centralização. Ele parece também saber que, como autor a quem se atribui uma série de reflexões, ele não é, ele funciona, (re)faz; e esse funcionamento abrangeria não apenas o que ele próprio diz, mas tudo o que é feito com ele. Foucault é também o que dizemos dele e o que fazemos com ele, já que, assim como as ferramentas se marcam dos usos que fazemos delas, os autores parecem se impregnar dos discursos a cada vez que deles fazemos uso, assim como do que circula em torno deles e das apropriações que são feitas. Ao contrário do que é pensado comumente, dar uma aula, fazer circular um determinado assunto, é pôr em funcionamento um dispositivo, e não somente falar de um conteúdo. É perder o controle, pois no momento em que a aula cria sintonia a produção se torna coletiva. O que é, então, essa aula, senão pôr em jogo saberes, uma certa genealogia? Ele põe em questão o poder como exercício, que ele ativa quando entra em cena nos seminários do mesmo modo que nas lutas que vão se travando (por lugares na sala, pelo horário e os usos decorrentes dos seminários, etc.). Mesmo antes de falar sobre ela, vai aparecendo uma genealogia do exercício de poder que tem o seminário como um dispositivo; uma genealogia como tática que faz intervirem, a partir das discursividades locais descritas pela arqueologia, os saberes dessujeitados que daí se desprendem. Ao ser indagado sobre a atividade do professor, Deleuze (1996, p. 69) fala de ensaio e inspiração, de fascínio e acolhimento à matéria da qual tratamos, evidenciando que “se não tivermos ensaiado o bastante, não estaremos inspirados. Uma aula quer dizer momentos de inspiração, senão não quer dizer nada.” No abecedário letra P declara: É preciso estar totalmente impregnado do assunto e amar o assunto do qual falamos. Isso não acontece sozinho. É preciso ensaiar, preparar. É preciso ensaiar na própria cabeça, encontrar o ponto em que... É muito divertido, é preciso encontrar... É como uma porta que não conseguimos atravessar em qualquer posição. (...) O que faz parte do papel do professor é o que eu disse sobre o ensaio anterior e a inspiração. Esse é o papel do professor (Deleuze, 1996, p.71). Voltemos ao trecho bastante provocativo, em que Foucault nos “decreta” livres para usarmos seu referencial como acharmos melhor. Impossível não atribuir também a esse trecho um sarcasmo, presente em vários momentos de seu texto. Somos livres para usá-lo como achamos melhor não porque tenhamos um decreto seu, mas porque o uso 220 que fazemos dos saberes se dá sempre em condições que nunca são correspondentes àquelas em que esses saberes são elaborados pelo seu autor. É preciso sempre fazer acertos, desdobramentos, pensar em mais um critério, confrontar com outras coisas, enfim, colocar em cena um conjunto de saberes que tradicionalmente são vistos como secundários, ou seja, tudo aquilo que a gente deve colocar em notas de rodapé ou nos capítulos de metodologia. As circunstâncias são sempre empurradas para o canto, onde não nos seria possível pôr em xeque as influências e continuidades que reivindicamos para nos legitimar como enunciadores do discurso de uma disciplina. Talvez Foucault estivesse nos provocando, e a polarização não residisse numa condição de estar preso ou livre, mas nas lutas que travamos com os saberes, através de dispositivos que tragam para a “cena” os saberes sujeitados, justamente os que fazem da aula intervenção, encontro, autoria de muitos, e do trabalho docente um exercício ético-estético, ativando condições de emergência de saberes. Como? Ensaiar é trabalho, inspirar é condição para que uma aula aconteça. Fazendo deslizar os contornos do trabalho docente: ou “a formação como acontecimento” Este texto é motivado por uma inquietação: uma suposta convergência entre os atores sociais envolvidos com a temática da Educação apontando a “desvalorização do magistério” como um indicador importante para pensar a situação atual. Essa inquietação nos levou a interrogar quais seriam as premissas em torno da construção de alternativas para a Educação. Nossa aposta inicial residiria em apontar que, sob uma aparente convergência, residem diferentes leituras do que se passa e dos consequentes desafios em questão. Retomamos as análises de Foucault acerca da institucionalização dos saberes em curso no século XVIII para pensar com que processos estamos nos implicando ao encaminhar nossas lutas nos pautando apenas por um denuncismo que almeja dar destaque à figura do professor e às condições de trabalho. Voltamos a evidenciar que não se trata de desqualificar tais reivindicações, pois essas lutas são fundamentais; mas pretender recuperar um valor perdido para o magistério sem levar em consideração a dimensão micropolítica nos associa aos procedimentos de desvalorização dos saberes da prática, o que tem possibilitado poucas alianças efetivas no cotidiano escolar. Em seguida, colocamos em discussão contornos que habitualmente atribuímos ao trabalho docente. Com isso, buscamos discutir os efeitos de sentido produzidos por discursos, ao apagar uma dimensão importante das atividades de trabalho do professor vinculadas ao exercício ético-estético que desafiam o acolhimento das diversidades e diferenças como parte do processo de ensinar-aprender. Tais práticas reivindicam uma política de formação no curso das ações e da vida que coloque em cena coletivos em pesquisa-intervenção, demandado outro uso qualitativo do Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 215-222. tempo e do espaço. Parece-nos interessante ressaltar que as denúncias de desvalorização do magistério, para que possam abrir outros caminhos de discussão e potencializar uma intervenção coletiva nas tensões geradas no cotidiano, devem, de algum modo, apontar para o conjunto de atividades que são silenciadas, tais como selecionar/escrever textos, criar materiais, planejar estratégias e engendrar alternativas no que tange não apenas aos conteúdos, mas também às atitudes, entre outras. Nosso propósito aqui é incrementar discussões a partir das quais seja possível analisar não apenas as premissas que subjazem à suposta convergência de opiniões em torno da “desvalorização do magistério”, permitindo pensar que processos de produção de verdade estão implicados ao assumirmos tal questão como indicador da crise e disparador de lutas. Foi nesse sentido que argumentamos que o eixo da desvalorização do magistério, de algum modo, precisa estar associado a um conjunto de outras propostas de intervenção micropolítica, tais como a valorização dos encontros que viabilizam ensaios e inspiração, como diz Deleuze, ou produções que façam diferença como em Foucault. Avaliação, condições de trabalho, velhas e novas tecnologias, leitura, escrita, fracasso escolar são temáticas que devem ser problematizadas pela comunidade escolar, fazendo deste exercício uma luta coletiva por uma nova Educação. Consideradas como horas de trabalho tanto quanto os momentos de interação professor-aluno em sala de aula, o objetivo é que tais proposições favoreçam práticas de intervenção no cotidiano escolar, afirmando uma atuação que não se restrinja à ação dos professores. Os desafios cotidianos há muito estão postos e exigem práticas singulares que só podem ser produzidas pelos implicados, favorecendo desdobramentos e interferências nas políticas públicas, em uma concepção de público que fala de todos a partir de cada um, de qualquer um que se disponha a fazer parte do campo de experimentação como um ato potencializador de mudanças. Se as denúncias constituem uma tática necessária, sobretudo em países como o Brasil, em que os poderes responsáveis não têm sido capazes de garantir a todos as condições socioeconômicas básicas de sobrevivência, ao colocar em discussão o exercício de direitos fundamentais, isto parece intensificar nosso desafio em procurar construir alianças para a construção de alternativas. “Existem momentos em que estas simplificações são necessárias. Para de tempos em tempos mudar o cenário e passar do pró ao contra, um tal dualismo é provisoriamente útil” (Foucault, 1979/1998, p. 238). Prossegue o autor: Referências Deleuze, G. (1996). O Abecedário. Entrevista com Claire Parnet. Recuperado: 02 ago 2010. Disponível: http://www.scribd.com/ doc/7134415/o-Abecedario-de-Gilles-Deleuze-TranscricaoCompleta Deleuze, G. (2005). Foucault. (3a ed., Claudia Sant’Anna Martins, trad.). São Paulo: Brasiliense. (Trabalho original publicado em 1986) Deusdará, B. (2006). Imagens da alteridade no trabalho docente: enunciação e produção de subjetividade. Dissertação de Mestrado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ. Foucault, M. (1998). Microfísica do poder (Roberto Machado, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes. (Trabalho original publicado em 1979) Foucault, M. (2002). Em Defesa da Sociedade (Maria Ermatina Galvão, trad.). São Paulo: Martins Fontes. Foucault, M. (2005). A Verdade e as formas jurídicas. (3a ed., Roberto C. de M. Machado & Eduardo J. Morais, trads.). Rio de Janeiro: Nau. (Trabalho original publicado em 1973) Illich, I. (1973). A sociedade sem escolas. (2a ed., Lúcia Mathilde Endlich Orth, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes. Rocha, M. L. (1998). Para além das evidências, dos princípios e dos valores instituídos no fazer pedagógico. Cadernos Transdisciplinares do Instituto de Psicologia da UERJ, 1, 71-80. Rocha, M. L. (2001). Formação e prática docente: implicações com a pesquisa-intervenção. Em I. Maciel (Org.), Psicologia e Educação: novos caminhos para a formação (pp. 175-191). São Paulo: Ciência Moderna. Rocha, M. L. (2004). A Formação a Interface Psicologia/Educação: novos desafios. Em D. Mancebo & A. M. Jacó-Vilela (Orgs.), Psicologia Social: abordagens sócio-históricas e desafios contemporâneos (2a ed. pp. 185-196). Rio de Janeiro: EdUERJ. Rocha, M. L. (2007). A formação como acontecimento: solidão, pensamento e autogestão. Em A. M. Machado, Â. M. D. Fernandes & M. L. da Rocha (Orgs.), Novos possíveis o encontro da psicologia com a educação (pp. 37-48). São Paulo: Casa do Psicólogo. Veiga-Neto, A. (2006). Na oficina de Foucault. Em W. O. Kohan & J. Gondra (Orgs), Foucault 80 anos. Belo Horizonte: Autêntica. É preciso passar para o outro lado – o “lado correto” – mas para procurar se desprender destes mecanismos que fazem aparecer dois lados, para dissolver esta falsa unidade, a “natureza” ilusória deste outro lado de que tomamos o partido. É daí que começa o verdadeiro trabalho, o do historiador do presente (Foucault, 1979/1998, p. 239). Desvalorização do magistério: análises * Bruno Deusdará & Marisa Lopes da Rocha 221 Recebido em: 27/03/2012 Reformulado em: 07/08/2012 Aprovado em: 17/11/2012 Sobre os autores Bruno Deusdará ([email protected]) Doutor em Psicologia Social (UERJ) Endereço: R. Mariz e Barros, 1098 / 307 - Tijuca - Rio de Janeiro – RJ, CEP: 20.270-002. Marisa Lopes da Rocha ([email protected]) Doutora em Psicologia (PUC-SP) Endereço: R. Mario Bouças Coimbra, 10, Bl 2, apto 501 - Jacarepaguá - Rio de Janeiro – RJ. CEP: 22743-675 222 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 215-222. Produção Científica sobre o Teste de Cloze Adriana Cristina Boulhoça Suehiro Universidade Federa do Recôncavo da Bahia – BA Resumo O presente estudo investigou a produção científica sobre o Cloze publicada entre os anos de 2002 e 2012. Foram focalizados 14 periódicos, nos quais 32 artigos foram analisados com base em alguns critérios estabelecidos por Witter e outros considerados relevantes pela autora. Os dados evidenciaram um aumento das publicações a partir de 2007, sendo os anos de 2007 e 2008 os mais férteis. Observou-se que o relato de pesquisa foi a forma mais utilizada e que o Sudeste foi a região que mais publicou nesse período. Houve ainda a predominância de autorias múltiplas e femininas e de pesquisas que associaram outros testes ou escalas ao Cloze, portanto, houve relações com outros construtos. Os resultados apontaram também a predominância de pesquisas no contexto educacional e com universitários, baseadas no emprego da técnica tradicional, com a supressão de todo quinto vocábulo do texto e correção literal. Palavras-chave: Bibliometria, compreensão de leitura, remediação de leitura. Scientific Production on Cloze Test Abstract In this study we investigate the scientific production on Cloze test, between the years 2002 and 2012. Fourteen journals were used, from which 32 articles were analyzed on the basis of certain criteria set by Witter and others considered relevant by the author. The data evidenced an increase in publications since 2007. The years 2007 and 2008 were the most productive. The research report was the most used form and the southeastern region the one which most published in that period. There was still the predominance of multiple and feminine authorship and studies that employed other tests to the Cloze, and therefore revealed a relationships with other constructs. The results also pointed to the predominance of research in educational context with university student, based on the use of traditional technique, with the deletion of every fifth word of the text and literal correction. Keywords: Bibliometric, reading comprehension, remedial reading. Producción científica sobre el Test de Cloze Resumen El presente estudio investigó la producción científica sobre el Cloze entre los años 2002 y 2012. Se enfocaron 14 periódicos de los cuales se analizaron 32 artículos con base en algunos criterios establecidos por Witter y otros considerados relevantes por la autora. Los datos mostraron un aumento en las publicaciones desde 2007, siendo los años de 2007 y 2008 los más proficuos. Se observó que el relato de investigación fue la forma más utilizada y que el Sudoeste fue la región que más publicó en este período. Asimismo, hubo predominancia de autoría múltiple y femenina, así como de investigaciones que asociaron otros tests o escalas al Cloze y, por lo tanto, hubo relaciones con otros constructos. Los resultados indicaron también para la predominancia de investigaciones en contexto educacional y con universitarios, basadas en el uso de la técnica tradicional con supresión de todos los quintos vocablos del texto y corrección literal. Palabras clave: Bibliometria, compresión de lectura, remediación de la lectura. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 223-232. 223 Introdução A técnica de Cloze foi desenvolvida por Taylor, em 1953, e consiste na organização de um texto do qual se omitem alguns vocábulos e no qual se pede ao leitor que, após sua leitura integral, preencha as lacunas com as palavras que melhor completem o sentido do texto. A alta aceitação da técnica tem sido demonstrada pelas inúmeras publicações discorrendo sobre o leque de possibilidades de utilização desse recurso (Bensoussan, 1990; Kletzien, 1991; Kopke Filho, 2001; Pinto, Alvarenga, & Kock, 1997; Santos, 1990; Vicentelli, 1999). Considerada como um procedimento simples e flexível, que não coloca intermediários entre o leitor e o texto, porque o texto é o próprio teste, a preparação dessa técnica segue regras que variam em função do objetivo para o qual o texto será utilizado. Os parâmetros mais frequentes na omissão sistemática das palavras consistem na retirada de todo quinto, sétimo ou décimo vocábulo, na supressão de uma categoria gramatical (adjetivos, substantivos, verbos ou outras), ou ainda na eliminação aleatória de 20% dos vocábulos do texto (Bormuth, 1968; Braga, 1981; Giordano, 1985; Grant, 1979; Helfeldt & Henk, 1985; Hines & Warren, 1978; Porter, 1979; Riley, 1986; Santos, 2004; Zucoloto, 2001). Além da variação na utilização dos parâmetros de omissão das palavras, há também diferenças relativas à sua apresentação. De acordo com Santos (2004), o texto de Cloze é geralmente apresentado por escrito, sendo a palavra omitida substituída por um traço de tamanho sempre igual, tal como propõe Taylor (1953), ou proporcional ao tamanho do vocábulo omitido, como sugerido por Bormuth (1968). Isso porque, de acordo com Bormuth (1968), os resultados obtidos com a utilização do traço proporcional apresentam um índice mais alto de correlação com outras medidas de compreensão em leitura. Quanto à estruturação do texto, Bitar (1989) salienta que várias são as diversificações sofridas em relação à forma tradicional proposta por Taylor. Entre as variações surgiram o Cloze lexical, o Cloze gramatical, o Cloze de múltipla escolha e o Cloze Cumulativo. No Cloze lexical, somente os itens lexicais do texto são omitidos, enquanto no Cloze gramatical se omitem todos os itens relacionais (palavras que não têm significado próprio e servem para conectar outras palavras estruturando o texto sintaticamente), ou seja, preposições, conjunções, entre outros. No que se refere ao Cloze de múltipla escolha, são oferecidas múltiplas alternativas para o preenchimento da lacuna; finalmente, no Cloze cumulativo há a omissão sistemática de uma única palavra, a qual é substituída por uma palavra sem sentido. Destarte, nesta variação, a tarefa do leitor é identificar a palavra sem sentido cada vez que ela apareça no texto. Em seu estudo, Bitar (1989) comparou instrumentos de diagnóstico em leitura quanto ao tipo de teste e ao critério 224 de correção utilizado entre eles e verificou o comportamento dos leitores ao solucionar cada um deles. Sessenta crianças de segunda, terceira e quarta séries do conhecido na época como primeiro grau responderam a quatro testes de compreensão em leitura, a saber, o teste de atividades tradicionais, o teste de Cloze convencional, o teste de Cloze gramatical e, por fim, o teste de Cloze lexical. Os dados encontrados evidenciaram que o teste de Cloze convencional e o teste de atividades tradicionais se correlacionaram quando os textos empregados exigiam o uso da capacidade interpretativa do leitor, além da capacidade de compreensão. Os resultados sugeriram, ainda, que o Cloze convencional indicou com maior consistência o grau de maturidade do leitor. Não obstante, a autora ressalta a necessidade de se aprofundar a investigação para averiguar sua eficiência em relação ao teste de Cloze lexical. Já o teste de Cloze gramatical, segundo as análises, favoreceu o mascaramento das reais habilidades de leitura. No que se refere ao comportamento dos leitores na resolução das tarefas, Bitar (1989) observou uma consistência para cada nível de desempenho considerado. No que se refere à estruturação do texto, além dos parâmetros de omissão das palavras, é preciso considerar também a questão de sua dificuldade e dos itens ou palavras omitidas. Quanto à dificuldade, verifica-se que o assunto abordado no texto também é um aspecto que deve ser considerado, tendo em vista que foram encontradas diferenças de desempenho com relação a essa variável; logo, sob essa perspectiva, a familiaridade com o assunto aumenta a probabilidade de acerto das respostas dadas, o que introduz uma variável interveniente na comparação dos desempenhos obtidos pelos indivíduos durante a realização da técnica (Cohen, 1975; Oliveira, Boruchovitch, & Santos, 2009; Page, 1975). Ao lado disso, Santos (1991) verificou que os erros cometidos pelos leitores ocorriam com maior frequência em palavras de determinadas classes gramaticais. Das categorias mais difíceis às mais fáceis, observou adjetivos, advérbios, substantivos, verbos, pronomes, contrações, conjunções, preposições e artigos. A autora concluiu que as categorias com forte carga semântica (adjetivos, substantivos, verbos e advérbios) tenderam a se mostrar mais difíceis do que as categorias de relatores, como artigos e pronomes, por exemplo. A técnica de Cloze, como meio de avaliação da compreensão da leitura, apresenta também outras vantagens. Uma delas é o fato de o leitor contar com o contexto como único apoio e não se correr o risco de que ele use palavras-chaves da pergunta para adivinhar a resposta a ser dada, evitando, dessa forma, a utilização de perguntas cuja compreensão poderia ser mais difícil do que a própria leitura (Bensoussan, 1990; Garrido, 1988; Pellegrini, 1996; entre outros). Outra vantagem está relacionada à utilização da técnica como um meio de desenvolvimento da compreensão da leitura, ao permitir ao aluno adivinhar as palavras que são omitidas no texto, graças ao seu domínio das estruturas semântico-sintáticas da linguagem e a seus conhecimentos Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 223-232. anteriores acerca do conteúdo do texto (Bitar, 1989; Giordano, 1985; Santos, 1990, 1991). Tendo em vista as vantagens da técnica de Cloze, muitas pesquisas têm sido realizadas. Entre elas estão as ligadas à validação do instrumento, bem como as relacionadas à compreensão e à inteligibilidade (Carelli, 1992; Garrido, 1979; Haugh; 1975; Oliveira, Boruchovitch, & Santos, 2007; Rankin; 1970; Zucoloto & Sisto, 2002). Também há outras referentes à intervenção e ao processo de remediação da leitura (Braga, 1986; Coelho & Correa, 2010; Hussein, 2008; Sampaio & Santos, 2002; Santos, 1994; Santos & Oliveira, 2010), entre muitos outros temas. A maioria dos estudos publicados tem sido realizada com universitários (Arouca, 1997; Bensoussan, 1990; Bitar, 1989; Capovilla & Santos, 2001; Oliveira & Santos, 2008; Oliveira, Suehiro & Santos, 2004; Rinaudo & Olmos, 1996; Santos, 1991; Santos, 1997; Santos, Suehiro & Oliveira, 2004; Santos, Vendramini, Suehiro & Santos, 2006; Vicentelli, 1999; Witter, 1996). Em menor número encontram-se alguns que têm focalizado a população adolescente e infantil (Bampi, 2000; Bitar, 1989; Braga, 1981; Carelli, 1992; Castelo Branco, 1992; Castro, 1981; Joly, 1999; Joly & Lomônaco, 2003; Neves, 1997; Oliveira, Boruchovitch, & Santos, 2007; Santos, 2004, 2005; Santos & Oliveira, 2010; Suehiro & Santos, 2009; Zucoloto, 2001; Zucoloto & Sisto, 2002). Dentre os estudos realizados com a população adolescente e infantil, a maioria tem se dedicado ao processo de remediação em preferência a investigações que verifiquem a compreensão em leitura e atestem a validade do instrumento para a avaliação dessa habilidade, possibilitando o uso adequado da técnica e das informações que dela provêm e garantindo-lhe maior legitimidade. De modo geral, esses estudos têm evidenciado que a técnica de Cloze é um instrumento que possibilita, de maneira eficiente, o treinamento em habilidades que favorecem a compreensão em leitura (Bampi, 2000; Braga, 1981; Carelli, 1992; Castro, 1981; Joly, 1999; Joly & Lomônaco, 2003; Santos, 2004). Apesar da importância e da facilidade de emprego dessa técnica e das inúmeras pesquisas realizadas com seu emprego, foi localizado apenas um estudo que se deteve à análise da produção científica voltada ao Cloze. Aliás, embora haja consenso quanto à relevância da análise da produção científica, poucos estudos específicos sobre a produção da psicologia têm sido realizados e registrados na literatura brasileira. As pesquisas que têm se debruçado sobre a produção científica nessa área do conhecimento têm revelado, por um lado, que a Região Sudeste tem se firmado como o grande berço da produção do país, e, por outro, que os manuscritos divulgados - em sua maioria, relatos de pesquisa - são escritos predominantemente por mulheres e em sistema de coautoria (Aguiar Netto, 1988; Cunha, Suehiro, Oliveira, Pacanaro, & Santos, 2009; Oliveira e cols., 2007; Oliveira, Cantalice, Joly, & Santos, 2006; Souza Filho, Belo, & Gouveia, 2006; Suehiro, Cunha, Oliveira & Pacanaro, 2007; Suehiro, Cunha, & Santos, 2007; Suehiro, Gaino, & Meireles, 2008, no prelo; Suehiro, Rueda, Oliveira, & Paca- Teste de Cloze * Adriana Cristina Boulhoça Suehiro naro, 2009; Suehiro & Rueda, 2009; Yamamoto, Souza, & Yamamoto, 1999). O único estudo localizado, em que o Cloze foi foco de análise e que faz algumas considerações quanto às publicações com o mesmo foi o de Cunha (2009). A autora recuperou 52 trabalhos que utilizaram a técnica de Cloze no período de 1976 a 2007. O ano com maior concentração de pesquisas foi o de 2000. Dos trabalhos produzidos com a técnica, 50% foram realizados a partir de então, e o tipo de estruturação do texto ou modalidade mais utilizada foi a tradicional. A autora ressalta, ainda, que dos 52 trabalhos analisados, 47 foram realizados no contexto educacional e, em sua maioria, com estudantes universitários. No que se refere à relação do Cloze com outros testes, questionários, escalas e provas, os resultados evidenciaram que nas pesquisas em que houve correlação com a escrita utilizou-se a produção de textos escritos com tema livre, tema estabelecido e à vista de uma gravura e a Escala de Avaliação de Dificuldades na Aprendizagem da Escrita (ADAPE). Testes de múltipla escolha, de desempenho verbal, de descrição, questões sobre as dificuldades percebidas e sobre as estratégias utilizadas para a sua superação foram empregados quando se avaliou a interpretação de textos. O teste de criatividade de Torrance, o de criticidade e o de criatividade também aparecem entre os instrumentos associados ao Cloze, assim como a Escala de Estratégias de Leitura, de estratégias de aprendizagem e de avaliação de estilos cognitivos. Houve ainda o uso de questionários como o de caracterização do comportamento de ler, de caracterização dos tipos mais frequentes de avaliação utilizados no Ensino Superior e de questões objetivas de matemática, assim como provas de raciocínio indutivo, lógico-dedutivo e de conhecimentos gerais. Outros tipos de resultados também foram correlacionados com o Cloze, tais como os resultados do vestibular, as médias acadêmicas, o Desenho da Figura Humana (de Koppitz), o método qualitativo de análise de Witter e o desempenho em jogos, assim como exercícios de relaxamento. De acordo com Cunha (2009), seus resultados corroboram a versatilidade e utilidade da técnica, pois o teste assumiu diversos formatos nas pesquisas recuperadas. Do mesmo modo, tais achados ratificaram a utilidade do teste de Cloze tanto para o diagnóstico da compreensão em leitura, utilizado em 71,5% das pesquisas, quanto para o desenvolvimento de programas de intervenção e remediação, que representou 21,5% dos trabalhos analisados. Diante do exposto, considera-se que, independentemente do meio de divulgação, pesquisas sistemáticas sobre a produção científica de um determinado tema ou assunto são imprescindíveis para revelar o “estado da arte” do conhecimento em um campo de estudo e promovem crescimento, uma vez que sua divulgação facilita o acesso ao conhecimento em diversas áreas. Ao lado disso, possibilitam o levantamento de possíveis diretrizes para novos temas de pesquisas e de distribuição de fomento (Freitas, 1998; 225 Witter, 1996, 1999, 2006). Considerando esses aspectos, o presente estudo objetivou analisar a produção científica sobre o teste de Cloze, entre 2002 e 2012, em periódicos científicos de psicologia. Método O estudo foi realizado em três etapas. A primeira focalizou todos os periódicos disponibilizados no Scientific Electronic Library Online (SciELO) e nos Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PEPSIC); a segunda, apenas aqueles nos quais foram encontrados artigos que focalizavam o Teste de Cloze na época da coleta de dados (março de 2012); e a terceira, apenas aqueles que disponibilizavam online os textos completos. Para a recuperação desses textos foram considerados os termos: “Teste de Cloze”, “Cloze”, “Cloze Test” e “Técnica de Cloze”. Nessa terceira etapa foram analisados os seguintes periódicos: Arquivos Brasileiros de Psicologia (publicação quadrimestral), Paidéia (não há informação no site quanto a peridiocidade da publicação), Psicologia: Ciência e Profissão (publicação trimestral), Psicologia Escolar e Educacional (publicação semestral), Psicologia em Estudo - Maringá (publicação quadrimestral), Psicologia: Reflexão e Crítica (publicação quadrimestral), Psic: Revista de Psicologia da Vetor Editora (publicação semestral), Psico-USF (publicação semestral), Psico (publicação trimestral), Psicologia: Teoria e Pesquisa (publicação trimestral), Interação em Psicologia (publicação semestral), Estudos de Psicologia - Campinas (publicação trimestral), Psicologia em Pesquisa (publicação semestral) e Fractal: Revista de Psicologia (publicação semestral). Fonte A amostra do estudo foi composta por 32 artigos recuperados em 14 periódicos que focalizavam o Teste de Cloze entre 2002 e 2012. Procedimento Os artigos foram analisados na íntegra com base em alguns critérios estabelecidos por Witter (1999) e outros considerados relevantes pela autora. Os itens pesquisados foram: (a) a quantidade de artigos publicados por revista e por ano; (b) a distribuição da produção por origem (Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste, Norte, parcerias nacionais e internacionais); (c) a natureza da autoria (individual ou múltipla), bem como o gênero dos autores; (d) a distribuição do tipo de trabalho (relato de pesquisa de campo ou manuscrito teórico); (e) contextos e populações nas quais o instrumento tem sido aplicado; (f) correlação com outros instrumentos (testes, escalas, questionários, entre outros); (g) objetivos dos estudos (diagnóstico - compreensão e inteligibilidade; intervenção e processo de remediação da leitura; validação 226 da técnica); (h) estruturação do texto (Cloze Tradicional, Cloze lexical, Cloze gramatical, Cloze de múltipla escolha e Cloze Cumulativo); (i) parâmetros na omissão sistemática das palavras (retirada de todo quinto, sétimo ou décimo vocábulo; supressão de uma categoria gramatical (adjetivos, substantivos, verbos, entre outras) ou eliminação aleatória de 20% dos vocábulos do texto); (j) critérios de correção (correção literal ou utilização de sinônimos). O levantamento de todos os dados foi realizado pela autora da pesquisa e reavaliado por uma pessoa externa ao estudo, separada e concomitantemente, para dar confiabilidade à avaliação. O índice de concordância ficou acima de 90%. Resultados e discussão Considerando-se o objetivo do estudo, num primeiro momento verificou-se a quantidade de artigos publicados por periódico e por ano. A Tabela 1 apresenta os resultados desse levantamento. Observou-se que das 14 revistas analisadas, nove publicaram apenas um artigo sobre o Teste de Cloze nos últimos dez anos. O maior número de publicações ocorreu nos periódicos ‘Psic: Revista de Psicologia da Vetor Editora’ (n=6; 18,8%), ‘Estudos de Psicologia – Campinas’ (n=5; 15,6%) e ‘Psicologia: Reflexão e Crítica’(n=5; 15,6%). Quanto à frequência de publicação por ano, verificou-se um incremento no número de artigos publicados a partir de 2007, sendo os anos de 2007 e 2008 os mais profícuos (n2007= 5; 15,6%; n2008= 8; 25,0%). O aumento no número de publicações especialmente nos últimos três anos do estudo também foi verificado por outras pesquisas como por exemplo a de Oliveira, Santos e cols. (2007), ao investigarem a produção científica em avaliação psicológica no contexto escolar no período de 1995 a 2004, a de Suehiro, Gaino e cols., (2008) e a de Suehiro e Rueda (2009). Apesar dos diversos estudos que têm comprovado a versatilidade da técnica e sua utilidade para diferentes objetivos, entre os quais a remediação e o desenvolvimento da compreensão em leitura (Bampi, 2000; Braga, 1981; Carelli, 1992; Castro, 1981; Cunha, 2009; Joly, 1999; Joly & Lomônaco, 2003; Santos, 2004; entre outros), uma das habilidades mais requisitadas no ensino formal e na vida cotidiana dos indivíduos, considera-se que a técnica ainda tem sido muito pouco explorada no Brasil, o que pode ser comprovado pelo número de artigos ainda restrito no período de dez anos analisado (N=32). A baixa produção relativa ao teste é preocupante especialmente porque sua utilização torna-se ainda mais relevante em um contexto no qual diversos dados têm apontado para o fato de que os estudantes, independentemente da etapa de escolaridade na qual se encontrem, compreendem muito pouco do que leem e não têm o hábito de leitura (Carvalho, 2001; Oliveira, 2005; Ribeiro, 2006; Ministério da Cultura, 2011). Para avaliar a origem da produção, levantou-se a procedência dos artigos. Para tanto, avaliou-se a região, o país e as parcerias regionais e internacionais realizadas. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 223-232. Tabela 1. Distribuição geral da quantidade de artigos publicados por revista e por ano (N=32). Periódicos 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Total % Arquivos Brasileiros de Psicologia 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 3,1 Estudos de Psicologia - Campinas 0 0 1 0 1 0 1 1 1 0 5 15,6 Fractal: Revista de Psicologia 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 3,1 Interação em Psicologia 1 1 1 0 0 0 1 0 0 0 4 12,5 Paidéia 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 1 3,1 Psicologia: Ciência e Profissão 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 1 3,1 Psicologia Escolar e Educacional 0 0 0 0 0 2 1 0 0 0 3 9,4 Psicologia em Estudo/Maringá 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 3,1 Psicologia em Pesquisa 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 3,1 Psicologia: Reflexão e Crítica 1 0 0 1 1 0 0 1 1 0 5 15,6 Psicologia: Teoria e Pesquisa 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 3,1 Psic 0 0 0 0 1 2 3 0 0 0 6 18,8 Psico 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 3,1 Psico-USF 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1 3,1 Total 3 1 2 2 3 5 8 4 3 1 9,4 3,1 6,2 6,2 9,4 15,6 25 12,5 9,4 3,1 32 100 % Quanto a este aspecto faz-se necessário ressaltar que se consideraram como “parcerias” os textos elaborados entre pesquisadores de diferentes regiões do Brasil e de países distintos. Quando os estudos foram produzidos por pesquisadores de diferentes instituições, porém da mesma região, foram considerados referentes à região da qual os autores eram provenientes. Os resultados referentes à origem da produção indicaram, por um lado, que a Região Sudeste foi a que mais contribuiu para a divulgação dos conhecimentos produzidos sobre o Cloze ao longo do período analisado, representando a quase totalidade das produções focalizadas (n= 31; 96,9%). Por outro, evidenciaram que as regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte não contribuíram com nenhuma publicação sobre o assunto nos últimos dez anos. A única modificação no cenário em relação a estudos anteriores em produção científica está no fato de que a Região Nordeste começa a figurar nesse novo contexto sob a forma de parceria com outras regiões (n=1; 3,1%). O fato de o Sudeste figurar como a região de maior produção do conhecimento no país corrobora os resultados obtidos por diversas pesquisas que se detiveram na análise da produção científica, refletindo uma tendência observada na psicologia como um todo (Oliveira e cols., 2007; Souza Filho e cols., 2006, Suehiro & Rueda, 2009, Suehiro e cols., 2008, no prelo; entre outros). Quanto ao tipo de autoria (individual ou múltipla), verificou-se que os artigos foram escritos, na maioria, por mais de um autor (n=29; 90,6%), assim como constatado por Souza Filho e cols. (2006), Oliveira e cols. (2007) e Suehiro e Rueda (2009). A média de autores por artigos foi 2,28, senTeste de Cloze * Adriana Cristina Boulhoça Suehiro do o mínimo um e o máximo oito. Ao se considerar a amostra total observou-se que a maior parte dos autores foi do sexo feminino (n=73; 94,8%), sendo que na totalidade dos artigos analisados, o primeiro autor também foi do sexo feminino. Os achados com relação à superioridade feminina na autoria dos trabalhos que têm sido divulgados corroboram a hegemonia verificada em diversos estudos acerca da produção científica no país (Cunha e cols., 2009; Souza Filho e cols., 2006; Suehiro, Cunha, Oliveira e cols., 2007; Suehiro & Rueda, 2009; Yamamoto e cols., 1999). Ademais, cumpre ressaltar o fato de que, desde a sua criação, a Psicologia têm se constituído como uma profissão tipicamente feminina, o que faz com que essas constatações pareçam algo natural (Bock, 2003; Castro & Yamamoto, 1998). No que se refere à análise por tipo de trabalho, buscou-se investigar a modalidade na qual o manuscrito se enquadrava. Para tanto, consideraram-se as categorias relato de pesquisa de campo e manuscrito teórico. Os resultados evidenciaram que todo o material publicado se referia a relatos de pesquisa, confirmando os achados de Souza Filho e cols. (2006), Oliveira e cols. (2007) e Suehiro e Rueda (2009). Dentre os artigos analisados, 31 referem-se ao contexto escolar, sendo que a maioria focalizou o Ensino Fundamental (n=15; 47%), vindo a seguir o Ensino Superior (n=14; 43,7%). Sobre o Ensino Médio foram encontrados artigos (6,2%). Do total de artigos, a maioria (n=16; 50,0%) se propôs avaliar a relação do Teste de Cloze com outros construtos, associando-o a outros testes, escalas, questionários, entre outros. São eles, a Escala de Avaliação de Dificuldades 227 Os dados dispostos na tabela 2 evidenciaram que a maioria das produções envolveu a relação do Cloze - portanto, também da leitura - com outros construtos (n=16; 50,0%). Seguiram-se as produções sobre a intervenção e o processo de remediação da leitura (n=6; 18,7%) e sobre o diagnóstico (n=5; 15,6%). Do mesmo modo, os achados referentes ao objetivo dos estudos recuperados aqui e os formatos diversificados que a técnica pode assumir, corroboram os de Cunha (2009), tendo em vista que os objetivos de diagnóstico da compreensão em leitura (n=5; 15,6%) e de programas de intervenção e remediação (n=6; 18,7%) figuram entre os mais frequentes. Além da predominância daqueles que se basearam no Cloze Tradicional (n= 28; 84,8%), com parâmetro de omissão sistemática de todo quinto vocábulo do texto (n= 31; 96,8%) e correção literal (n=20; 63,7), ou seja, aquela na qual se considera correta toda palavra exatamente igual à suprimida. Esses resultados corroboram a aplicabilidade do Cloze como técnica de avaliação e remediação da compreensão em leitura, como demonstraram diversos estudos, podendo ser visualizados na tabela 3 (Bampi, 2000; Braga, 1981; Carelli, 1992; Castro, 1981; Coelho & Correa, 2010; Hussein, 2008; Joly, 1999; Joly & Lomônaco, 2003; Oliveira, Boruchovitch e cols., 2007; Santos & Oliveira, 2010; Oliveira & Santos, 2008; Santos, 2004; Zucoloto & Sisto, 2002). na Aprendizagem da Escrita (ADAPE), o WISC III; o Teste de Desempenho Escolar (TDE); o Teste de Reconhecimento de Palavras (EREP); a produção de textos escritos com tema estabelecido; questões sobre as dificuldades percebidas e sobre as estratégias utilizadas para a sua superação; a Escala de Estratégias de Leitura; a Escala de Atitudes de Leitura; a Escala de Avaliação da Escrita (EAVE); a Escala de Estratégias de Aprendizagem e a Escala Beck de Desesperança. Houve ainda o uso de questionários como o de caracterização dos tipos mais frequentes de avaliação utilizados no Ensino Superior; de questões objetivas de matemática e de caracterização das condições de estudo, assim como tarefas de consciência fonológica e de consciência morfológica. Além destes, foram correlacionados com o Cloze as médias acadêmicas ou notas escolares e o desempenho em jogos. Essa tendência em relação ao contexto no qual a técnica tem sido empregada, às etapas de escolarização focalizadas nos estudos, bem como aos testes, escalas, questionários e demais critérios externos correlacionados com o Cloze já havia sido evidenciada por Cunha (2009) e por outros estudos, como os de Bitar (1989), Oliveira, Suehiro e Santos (2004) e Santos e cols. (2006). Os resultados concernentes aos objetivos das produções podem ser visualizados na tabela 2. Tabela 2. Distribuição das produções em função dos seus objetivos (N=32). Objetivo F % Diagnóstico, compreensão e inteligibilidade 5 15,6 Intervenção e processo de remediação da leitura 6 18,7 Relação com outros construtos 16 50,0 Validação da técnica 4 12,5 Produção científica 1 3,1 Total 32 100 Tabela 3 - Distribuição da produção por estruturação do texto e correção empregados (N=31). Estruturação do Texto F % 28 84,8 Lexical 0 0 Sinônima Gramatical 0 0 Múltipla escolha 3 9,2 Cumulativo 1 3,0 Não se aplica 1 3,0 33 100 Tradicional Total 228 Correção F % 21 63,7 1 3,0 Não há relato 10 30,3 Não se aplica 1 3,0 33 100 Literal Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 223-232. À guisa de conclusão O objetivo do presente estudo foi realizar um levantamento dos trabalhos publicados sobre o Teste de Cloze no período de 2002 a 2012, em duas bases de dados online. Isso porque se considerou que o acesso a produções em bases de dados desse tipo tem permitido uma disseminação muito mais rápida do conhecimento produzido nas diversas áreas do conhecimento. O número de estudos aqui recuperado pode ser considerado ainda pequeno, especialmente ao se considerar a importância da compreensão em leitura para qualquer cidadão. Ao lado disso, é preciso ressaltar que apesar de o Cloze ser um instrumento de fácil aplicação e não ser restrito aos psicólogos, no que se refere especificamente à Psicologia, muito ainda há para se explorar, especialmente no que concerne à sua cientificidade. Outro dado que chama a atenção é o fato de que o Ensino Médio tem sido muito pouco pesquisado, o que, em consonância com as atuais avaliações do governo brasileiro, ressalta a importância de estudos com essa população. As categorias de análise focalizadas neste estudo foram: quantidade de artigos publicados por revista e por ano; distribuição da produção por origem; natureza da autoria e gênero dos autores; distribuição do tipo de trabalho; contextos e populações nas quais o instrumento tem sido aplicado; correlação com outros instrumentos; objetivos dos estudos; estruturação do texto e, por fim, parâmetros na omissão de palavras e critérios de correção. Embora se tenham empregado categorias amplamente difundidas para estudos desse porte e outras relevantes para o estudo da técnica, considera-se que devem ser realizadas pesquisas mais aprofundadas sobre o objetivo dos estudos, mais especificamente sobre suas evidências de validade e as análises realizadas, e ainda sobre os resultados obtidos. Neste sentido, em face das limitações desta pesquisa - como o foco em apenas duas bases de dados online e a quantidade ainda restrita de estudos voltados para a análise da produção científica que possibilitem maior respaldo para seus achados - considera-se que estudos com um maior aprofundamento devem ser realizados levando em consideração as possibilidades de investigação citadas anteriormente. Pesquisas desse porte são relevantes não apenas por possibilitarem o desenho e o desenvolvimento da área, mas, sobretudo, por funcionarem como um indicativo das lacunas que precisam ser preenchidas, contribuindo assim para a disseminação, a qualidade e o progresso do conhecimento produzido. Referências Aguiar Netto, M. C. (1988). A produção do conhecimento psicológico fora do espaço acadêmico. Em Conselho Federal de Psicologia (Org.), Quem é o psicólogo brasileiro (pp.123-137). São Paulo: Edicon. e Educacional, 1(2), 51-58. Bampi, M. L. F. (2000). 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Recebido em: 03-04-2012 Reformulado em : 01-08-2012 25-10-2012 Aprovado em:17-11-2012 Sobre a autora Adriana Cristina Boulhoça Suehiro ([email protected]) Psicóloga. Doutora em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco e docente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Líder e pesquisadora do Laboratório de Instrumentação e Avaliação Psicológica da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (LABIAP). Endereço: Avenida Carlos Amaral, 1015. Cajueiro, Santo Antônio de Jesus – BA. CEP: 44574-490 232 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 223-232. O Conceito de consciência em Vigotski: uma aproximação pela comparação de duas leituras Cláudio Henrique Pedrosa Núcleo da Abrapso em Goiânia – GO Resumo Este trabalho apresenta uma comparação entre dois artigos que tratam da consciência na obra de Vigotski: “Conceito de consciência em Vigotski” e “A consciência na obra de L. S. Vigotski: análise do conceito e implicações para a psicologia e a educação”, publicados respectivamente em 2006 e 2010, os quais destacam a importância de Vigotski na conceituação da consciência como objeto de uma psicologia que superasse sua crise paradigmática. Ao realizar uma comparação estrutural entre os dois textos, com recurso à crítica de leitor proposta por Vigotski em “Psicologia da Arte”, este estudo constata a relevância dos dois trabalhos para o fortalecimento do campo teórico inaugurado pelo pensador soviético. Conclui-se com a proposta de uma reordenação lógica entre os dois textos que leve em conta o grau de complexidade e os arranjos internos de suas argumentações. Faz-se assim uma pequena contribuição à obra de Vigotski, amplamente utilizada na educação, porém pouco reconhecida na história da Psicologia. Palavras-chaves: Vygotsky, consciência, história da Psicologia. The concept of consciousness in Vygotsky: an approximation by comparing two readings Abstract This paper presents a comparison of two articles about the consciousness in the Vygotsky`s work. The texts Conceito de consciência em Vigotski and A consciência na obra de L. S. Vigotsy: análise do conceito e implicações para a psicologia e a educação, published respectively in 2006 and 2010, emphasize the importance of Vygotsky to the concept of consciousness as the object of a psychology that would overcome its paradigm crisis. When performing a structural comparison between the two texts, by using the reader´s criticism proposed by Vygotsky in “Psychology of Art”, this study notes the importance of the two works to strengthen the theoretical field inaugurated by Vygotsky. We conclude by proposing a logical re-ordering between the two texts, taking into account the complexity and the internal arrangements of their arguments. It may be a small contribution to Vygotsky´s work, widely used in education, but little recognized in the history of Psychology. Keywords: Vygotsky, conscience, History of Psychology El concepto de conciencia en Vigotski: una aproximación mediante comparación de dos lecturas Resumen Este trabajo presenta una comparación entre dos artículos que tratan de la conciencia en la obra de Vigotski. Los textos Concepto de conciencia en Vigotski y La conciencia en la obra de L. S. Vigotski: análisis del concepto e implicaciones para la psicología y la educación, publicados respectivamente en 2006 y 2010, destacan la importancia de Vigotski en la conceptualización de la conciencia como objeto de una Psicología que supere su crisis paradigmática. Este estudio, al realizar una comparación estructural entre los dos textos recurriendo a la crítica de lector propuesta por Vigotski en “Psicología del Arte”, constata la relevancia de los dos trabajos para el fortalecimiento del campo teórico inaugurado por Vigotski. Se concluye proponiendo una reordenación lógica entre los dos textos teniendo en cuenta el grado de complejidad y las disposiciones internas de sus argumentos. Así, se presenta una pequeña contribución a la obra de Vigotski ampliamente utilizada en la educación sin embargo poco reconocida en la historia de la Psicología. Palabras Clave: Vigotski; conciencia; historia de la Psicología. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 233-238. 233 Introdução O objetivo específico deste texto é estabelecer uma discussão comparativa entre dois artigos em língua portuguesa que tratam do problema conceitual da consciência na obra de Vigotski, a saber, os artigos Conceito de consciência em Vigotski e A consciência na obra de L. S. Vigotski: análise do conceito e implicações para a psicologia e a educação, dos quais o primeiro é de autoria de Gisele Toassa (2007) e o segundo foi escrito por Lia Lordelo & Robinson Tenório (2010). O objetivo geral que se pretende dessa discussão é contribuir com o campo dos estudos relativos à teoria de Vigotski, já amplamente conhecida como um instrumental valioso para o entendimento dos processos educacionais em torno dos quais a Psicologia vem sendo chamada a se pronunciar, mas ainda pouco reconhecida na História da Psicologia. Não visamos aqui estabelecer uma comparação pueril ou ingênua, em termos de qual texto é o melhor ou de qual é mais recomendável, mas, antes, valorizar os dois trabalhos, ordenando sua contribuição no campo histórico da Psicologia, tomando-os como ferramentas para ampliação das discussões ainda incipientes acerca da importância devida a L. S. Vigotski como historiador e como epistemólogo da Psicologia, conforme demonstrou Lordelo (2011). Tampouco é nosso objetivo instaurar um terceiro ponto de vista, mais amplo ou profundo, a partir do qual os dois trabalhos venham a ser julgados quanto à sua aproximação, em termos de precisão e acerto, do conceito mesmo de consciência na obra de Vigotski. Antes, estabelecemos os dois textos como parâmetros recíprocos, procurando avaliar seus consensos e suas discordâncias por meio de um diálogo entre ambos, aplicando - um pouco fora de lugar - aquilo que Vigotski chamou de “crítica de leitor” (Cf. Bezerra, 1999; Vigotski, 1999). Ainda com esse mesmo espírito - um tanto deslocado e despojado de grandes pretensões - não tentaremos dissecar o contexto de produção dos dois textos ou analisar as implicações dos enunciados constitutivos dos textos. Ficarão de fora desta análise questões como: quem são os autores e autoras dos textos? Com quem dialogam nesses textos? Que vozes anteriores às suas estarão repercutindo? Que vozes estarão silenciando? Em que momento histórico suas ideias estão sendo expostas? Qual o peso institucional dos veículos em que essas ideias estão sendo postas em circulação?. Enfim, várias perguntas que poderiam conduzir a reflexões interessantes ficarão de fora deste trabalho, em parte pelo limite de tempo e espaço, em parte pela opção metodológica. Para sermos fiéis a essa opção metodológica, seguiremos com Vigotski (1999) o mesmo método utilizado para abordar a Psicologia da obra de arte indo “da forma da obra de arte, passando pela análise funcional de seus elementos e da estrutura para a recriação da resposta estética”. Ainda que não estejamos visando ao “estabelecimento de leis gerais” nesta análise comparativa, podemos adotar esse mesmo esquema “forma-estrutura-função” para gerar algum entendimento das obras acadêmicas. 234 É preciso reconhecer que o objeto de análise submetido por Vigotski à “crítica de leitor”, a obra de arte, mantém suas especificidades, sobretudo no que concerne à finalidade estética e ao caráter ficcional, em contraste com a obra científica, que é produzida sob regras bastante distintas. Não obstante, em face de sólidas e recentes inquietações sobre as aproximações entre arte e ciência, interrogando-nos “Até que ponto a dimensão estética está presente e é importante na atividade dos cientistas” (Massarani, Moreira, & Almeida, 2011, p. 7), não consideramos totalmente impróprio o uso desse método de análise para estudar produções científicas, como o que tentamos nestas páginas. Seguindo essa proposta, pretendemos nos deter primeiro na forma e função dos textos, consideradas aqui como uma disposição intencional do respectivo material argumentativo. Em seguida, queremos desenvolver uma reflexão em torno do efeito que cada um dos textos, por suas propriedades, poderia imprimir em um leitor, concebido não como um apreciador da estética, mas como um interessado no campo temático constituído pela Psicologia de Vigotski. 1. A falta de consciência da Psicologia sobre a consciência em Vigotski Antes de nos determos na comparação, cabe uma breve observação sobre a importância do conceito de consciência para a Psicologia de Vigotski, e de modo mais dialético, sobre a importância da Psicologia de Vigotski para a sobrevivência do conceito de consciência no âmbito da Psicologia moderna. Infelizmente, seria exagero falar em consenso geral, pois casos como o do Manual de Shcultz e Schultz (2006), que consegue realizar uma história da Psicologia moderna passando ao largo das contribuições de Vigotski, não são raros na “história” da História da Psicologia. Densas incursões pela epistemologia da Psicologia como as empreendidas por Figueiredo (2008) e Japiassu (2001) deixam de lado o projeto de Vigotski, que deveria ser tido como um ponto de inflexão, a julgar pelas leituras mais recentes da importância do psicólogo soviético como proponente de uma metodologia e de uma epistemologia para a Psicologia. Para Lia Lordelo (2011), embora tenha se tornado mais conhecido por suas contribuições conceituais para a Psicologia da Educação, “Vigotski deixou outro legado teórico importante, o qual diz respeito ao estudo da história da psicologia enquanto ciência e à crítica das ideias psicológicas em voga no início do século XX” (Lordelo, 2011, p. 537). Ademais, segundo observa a pesquisadora e educadora Zoia Prestes, falando do período entre 1925 e 1930, “os estudos do grupo liderado por Vigotski provocam uma revolução na interpretação da consciência como uma forma especial de organização do comportamento do homem” (Prestes, 2010, p. 31). Apesar de ter sido negligenciado e jogado no ostracismo, o trabalho de Vigotski sobre a produção da consciência individual como um processo histórico e social, revestido de objetividade suficiente para suportar uma investigação Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 233-238. científica, escapava ao mesmo tempo do reducionismo positivista e do racionalismo idealista - aspectos característicos das opções disponíveis à época os quais, segundo nos contam os historiadores da epistemologia da psicologia, ora a mantinham presa no campo das ciências naturais, ora se perdiam na estratosfera da especulação metafísica (Japiassu, 2001; Mariguela, 1999). Transpor esse dualismo e debruçar-se sobre a consciência como um fenômeno unitário e concreto representava um desafio. É ainda Zoia Prestes quem nos conta, seguindo declarações de Leontiev (citado por Prestes, 2010), que o desafio assumido pelo grupo “era penetrar nos estudos sobre a consciência como uma realidade própria da psicologia, desvendar a consciência como uma forma especificamente humana da psiquê e apresentar sua característica substancial.” (Prestes, 2010, p.63). Diante dessas observações sobre a força da contribuição teórico-metodológica de Vigotski e a contrastante ausência de referências à psicologia soviética posterior a Pavlov nos manuais de Psicologia Geral, é difícil resistir à tentação de formular uma afirmação irônica a respeito da falta de consciência da Psicologia acerca do conceito de consciência na Psicologia vigotskiana. Feitas essas breves observações com a finalidade de destacar a importância do projeto de uma nova psicologia que visava ultrapassar as barreiras conceituais impostas pelo método tradicional e a relevância da consciência nesse projeto, tomada como um objeto concreto e perscrutável, ainda que complexo e dinâmico, passamos à exploração dos artigos já referidos. 2. Vigotski e aproximações consciência: duas diferentes Por ordem cronológica, o artigo de Gisele Toassa, de 2006, veio a público antes do texto de Lia Lordelo e Robinson Tenório, publicado em 2010, num contexto que se caracteriza “pela escassez de trabalhos de natureza teórico-crítica sobre as reflexões produzidas por Vigotski, no âmbito da Psicologia enquanto ciência” (Lordelo & Tenório, 2010, p. 80); contudo, ao contrário do que se poderia esperar, o segundo texto não faz qualquer referência ao primeiro. Ao nos debruçarmos sobre os títulos, encontramos no primeiro uma estrutura sintética, quase lapidar, conceito de consciência em Vigotski (Toassa, 2006); e no segundo, a exposição um pouco mais detalhada de um compromisso ou de um interesse específico: A consciência na obra de L.S. Vigotski: análise do conceito e implicações para a Psicologia e a Educação. O segundo texto, cujo título explicita um compromisso da reflexão teórica com as possibilidades de sua aplicação na prática, ou ao menos sua aplicação em campos de conhecimento (e prática?) específicos, faz um percurso demarcado pelos seguintes tópicos: Introdução, no qual se apresentam os objetivos, a justificativa e o percurso metodológico do texto; Transformação no conceito vigotskiano de consciência, no qual são analisadas as mudanças nos Consciência em Vigotski: aproximações * Cláudio Henrique Pedrosa termos que fundamentam a proposições teóricas de Vigotski acerca da consciência, primeiro como construto mais intimamente ligado ao paradigma reflexológico, inaugurado por Pavlov e consolidado por Bekhterev (1923, citado por Vigotski, 2004), posteriormente voltado “para uma concepção semiótica ou mediacional” (Lordelo & Tenorio, 2010, p. 81). Concepção mais evidentemente marcada por uma relação dialética entre a consciência e a experiência social. Em certa medida, essa dialética já poderia ser antevista no A consciência como problema da psicologia do comportamento (Vigotski, 1925/2004). O Tópico seguinte, no texto de Lordelo e Tenório (2010) A consciência no espelho: uma nova epistemologia para a psicologia discute a analogia proposta por Vigotski entre a relação da consciência com o mundo real e a relação da imagem refletida no espelho com o objeto real que dá origem à imagem. Em resumo, a consciência é como a imagem de um objeto no espelho, que não tem as mesmas qualidades do objeto, mas que tem qualidades próprias que nos permite afirmar sua existência objetiva. A imagem no espelho possui existência e realidade distintas do objeto, mas ainda assim está submetida a leis materiais. Assim também é a consciência. Nesse trecho ����������������������������� Lordelo e Tenorio (2010) ���� procuram chamar atenção para “os significados que a metáfora do espelho carrega no contexto das reflexões epistemológicas de Vigotski”������������������������������������������ (p.�������������������������������������� ����������������������������������������� 83)���������������������������������� implicando uma atenção aos condicionantes históricos da produção do conhecimento, e não somente aos condicionantes psicogenéticos. Por fim, um último tópico deste texto (antes da Conclusão, na qual será reapresentado todo o percurso de modo mais sucinto), intitula-se Algumas implicações para a educação ou um outro Vigotski. Neste tópico Lordelo e Tenório destacam a recorrência do uso de Vigotski para legitimar um conjunto de problemas teóricos parciais, relacionados à linguagem, à resolução de problemas e à aprendizagem no âmbito da Psicologia e da educação escolar. Em contraste com esse uso, procuram deter-se sobre um Vigotski diferente. “Este pesquisador, sobre o qual nos debruçamos aqui, elaborou reflexões de cunho epistemológico e metodológico que amparam problemas atuais dentro das ciências humanas de modo geral e, mais especificamente, na psicologia e na pedagogia” (2010, p. 84) entretanto, recusa-se à tarefa de extrair da reflexão apresentada “orientações sobre como agir numa situação específica, por exemplo, em sala de aula.” (Lordelo e Tenório, 2010, p. 84), busca aproximações via marxismo entre Vigotski e Paulo Freire e enuncia “algumas reflexões das quais a educação possa se beneficiar” (2010, p. 84.). em torno da prática de ensino e da escola como espaços historicamente privilegiados para desenvolvimento da consciência. Em seguida vem a Conclusão, que, como já dissemos, sintetiza o texto e reapresenta as implicações do trabalho de Vigotski para o campo da Educação e da Psicologia. O texto de Toassa não é tão sintético, nem tão fácil de seguir, não só pela ausência nele de tópicos ou subtítulos que demarquem sua estrutura, mas também pela presença de índices e referências de uma leitura histórica mais de- 235 talhada e por um mergulho mais profundo na estrutura do conceito de consciência. Podemos dizer que a densidade dos textos é inversa à simplicidade dos seus títulos. Enquanto o texto de Lordelo e Tenório se detém sobre um aspecto interno das modificações do conceito de consciência na teoria de Vigotski, numa espécie de desenvolvimento “psicogenético” do conceito em Vigotski, o texto anterior, de Toassa, procura compreender esse desenvolvimento em termos de uma gênese sócio-histórica. Nessa perspectiva, Vigotski não só é apresentado como sujeito a condições históricas específicas, mas principalmente é visto como sujeito de transformações históricas: Leningrado, II Congresso Nacional de Psiconeurologia, 6 de janeiro de 1924. Um recém-chegado da Bielo-Rússia apresenta a comunicação intitulada “Os métodos de investigação reflexológicos e psicológicos” (…) O texto apresentado [no II Congresso] demarca a primeira posição de Vigotski no campo metodológico, já imersa num debate que se revelaria crucial para o desenvolvimento de seu enfoque: o introspeccionismo subjetivista versus a ciência dos reflexos, objetivista; a psicologia é ferramenta de uma sociedade que se reconstrói na luta de forças revolucionárias e contra-revolucionárias. A nova ciência ganha conotações político-ideológicas e se expande dos laboratórios experimentais para as aplicações sociais. (Toassa, 2006, p. 60-61) Outro aspecto relativo às formas dos dois textos comparados é que em Toassa (2006) verificamos uma tendência mais analítica, explorando o conceito de consciência em seus elementos fundamentais, ao passo que Lordelo e Tenório (2010) optam por uma forma mais condensada ou sintética, explorando aspectos gerais da proposta conceitual de Vigotski. Mesmo destoantes no grau de detalhamento ou de profundidade da descrição, ambos referem-se à importância do papel protagonizado por Vigotski e a psicologia sócio-histórica no cenário da psicologia russa; e, se tradicionalmente tem sido negligenciado o compromisso de Vigotski com o socialismo, sobretudo em algumas traduções de suas obras, como demonstrou Zoia Prestes (2010), com os textos discutidos aqui isso não ocorreu. Ambos posicionam Vigotski explicitamente no campo do marxismo, enfatizando seu compromisso com o modo de produção socialista: “Vigotski é um autor marxista conquanto muito distante de extrações deterministas do marxismo, como aquelas de Stálin ou Kautsky. Suas falas são pesadas na crítica à forma de vida burguesa e entusiástica no planejamento de uma sociedade socialista” (Toassa, 2006, p. 80). A isso complementam Lordelo e Tenório, buscando associá-los ao teórico marxista Paulo Freire: “Embora não devamos equivaler o conceito de consciência psicológica (tal qual proposto por Vigotski) ao de consciência crítica de Freire, há, pelo menos, uma influência em comum a ambos os autores: o marxismo” (2010, p. 84). Ambos os textos sugerem o marxismo como um fator co- 236 mum em vista do qual o conceito de consciência torna-se tão importante, embora Toassa não estabeleça comparações entre a consciência freireana e a consciência em Vigotski. Ambos também apontam a proximidade inicial que Vigotski manteve com o campo da reflexologia, no estudo da consciência. Primeiro Toassa afirma que “é com a terminologia da ciência dos reflexos que ele sintetiza algumas de suas primeiras ideias sobre a consciência, linguagem e inconsciente” (Toassa, 2006, p. 62), e depois, Lordelo e Tenório reafirmam: “Utilizando a linguagem da corrente que criticava, ele define a consciência como ‘um mecanismo de transmissão entre sistemas de reflexos’” (Lordelo & Tenório, 2010, p. 81, grifos nossos). Mais adiante acrescentam: “(…) o mecanismo através do qual ele propõe que se estude a consciência é tão reflexológico quanto o do estudo de um comportamento qualquer.” (Lordelo & Tenório, 2010, p. 81) Enquanto neste texto Lordelo e Tenório enfatizam a metáfora do espelho e sua implicação para uma epistemologia da consciência, no texto anterior, de Toassa, a via da análise histórica resulta numa apreensão da consciência em três sentidos específicos: um relativo à tomada de consciência da realidade externa e interna - implicado com o domínio das formas semióticas de mediações cognitivas e afetivas, incluindo a autopercepção ou a tomada de consciência do “eu”; um sentido relacionado à consciência como atributo dos conteúdos ou dos fenômenos psíquicos; e o sentido da consciência como sistema psicológico. (Toassa, 2006, pp.72-78). 3. A cisão do espelho: materialidade da consciência ou reflexo do real? Talvez seja neste ponto que se encontre a maior divergência entre os dois textos. Se antes a relação entre os dois poderia ser de concordância, ou de lacunas de aprofundamento, aqui se estabelece um claro distanciamento. Esse distanciamento aparece na medida em que, segundo Toassa, a metáfora da consciência como um reflexo no espelho é insuficiente para representar a complexidade do processo de conscientização em Vigotski. (…) o processo de criação de um sentido, de uma interpretação para o mundo e suas relações já seria uma forma de criação de novas combinações: não é a realidade que simplesmente “se reflete” na consciência, mas também o indivíduo que a reconstitui ativamente e nela interfere, produzindo uma nova versão da realidade externa e das próprias vivências representadas na palavra. Diferentemente de outras teorias da Psicologia, o sistema da consciência para o autor não equivale à percepção, (…).(Toassa, 2006, p.72-73) Claro que uma leitura cuidadosa de Lordelo e Tenório (2010) vai nos colocar diante de uma série de ressalvas sobre os riscos de limitação acarretados pelo uso de metáforas. Vemos também uma perspectiva a respeito da metá- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 233-238. fora do espelho, em que esta serviria apenas para ilustrar o reconhecimento da natureza ou de uma realidade específica e material da consciência, em sentido contrário à suposição de sua imaterialidade. Podemos dizer que o uso da analogia com o espelho intenta simplesmente destacar sua realidade material, e não apresentar a consciência como estático espelho da natureza. Se isso acontece, é apenas como resíduo ou efeito colateral; mas é com a eliminação desses resíduos que o texto de Toassa (2006) parece comprometido, quando rejeita a ideia de “consciência” como imagem projetada passivamente no cérebro. “O caráter voluntário e criativo da atividade cerebral permite, assim, dizer que a realidade reflete-se não apenas no, mas também pelo cérebro.” (p.78, grifo no original). Acrescenta o autor: “Este processo desenvolve-se graças à mediação da experiência acumulada e sintetizada na linguagem” (idem). É a linguagem (que Zoia traduziu por fala), em seu diálogo intenso com o pensamento, que vai constituir a consciência como uma faculdade tão genuinamente humana. Conclusão Enfim, trata-se aqui de um par de textos com algumas concordâncias e diferenças significativas, marcadas não só pelo número de páginas (25 e 8) - o que pode ser entendido como efeito de formatação - mas, sobretudo, pelo peso ou densidade com que cada um aporta no campo de discussão, com que cada um contribui para o entendimento da consciência como um objeto psicológico e para a consolidação da psicologia sócio-histórica. O primeiro texto (Toassa, 2006) reflete uma postura mais atenta aos meandros históricos que emolduram o surgimento da psicologia de Vigotski e, nela a formulação do conceito de consciência. O segundo (Lordelo & Tenório, 2010), mesmo não possuindo a densidade formal do primeiro, reúne material suficiente para compor uma significativa contribuição ao campo. A sistematização em tópicos e a expressão de uma limitada cobertura do campo (denunciada pela omissão de um texto similar publicado anteriormente) tornam esse texto mais indicado para um leitor iniciante, cuja zona de desenvolvimento atual ainda esteja relativamente restrita. Por outro lado, a recuperação do plano histórico, o aprofundamento da análise conceitual, a transcendência da consciência como representação estática, são aspectos que colocam o texto de Toassa como recurso de desenvolvimento mais apropriado para interlocutores com maior domínio das questões relativas campo teórico em estudo. Não obstante, é defensável que a leitura de ambos os textos seja indicada para qualquer leitor, de nível avançado ou não, pois mesmo o texto mais complexo pode funcionar como motor do desenvolvimento, em termos equivalentes aos da zona de desenvolvimento próximo; contudo, a despeito da cronologia dos textos, uma análise do tempo lógico – ou seja, da ordem de encadeamento de seus argumentos e razões (Goldschimit, 1968) – faz crer que os textos seriam Consciência em Vigotski: aproximações * Cláudio Henrique Pedrosa mais bem aproveitados se lidos em ordem inversa à cronologia de sua publicação. Referência bibliográfica Bezerra, P. (1999). Um crítico muito original. Em L. Vigotski, A tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca (pp. ix-xv). São Paulo: Martins Fontes. Figueiredo, L. C. (2008). Matrizes do Pensamento Psicológico (14a ed.). São Paulo: Vozes. Goldschmidt, V. (1968) Tempo histórico e tempo lógico na interpretação dos sistemas filosóficos. Em V. 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Endereço: Rua R-03, Quadra 02; Lote 25. - Vila Itatiaia, Goiânia – GO, CEP: 74260-690. 238 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 233-238. A Psicologia da Educação nos cursos de graduação em Psicologia de Belo Horizonte/MG Rita de Cássia Vieira Universidade Federal de Minas Gerais - MG Ellen Rose Fernandes Figueiredo Universidade Federal de Minas Gerais - MG Laís Gonçalves de Souza Universidade Federal de Minas Gerais - MG Marina Castana Fenner Universidade Federal de Minas Gerais - MG Resumo O binômio formação/atuação profissional do psicólogo educacional/escolar é o que se discute neste texto. O debate é feito com base numa pesquisa que investigou o processo de formação desenvolvido nos cursos de Psicologia das instituições de ensino superior de Belo Horizonte/ MG. O método utilizou-se de um conjunto de procedimentos: entrevistas com coordenadores de curso e professores da área em questão; análise de matrizes curriculares, ementas e planos de ensino; buscas nos sites das instituições estudadas; pesquisa bibliográfica. Os dados foram analisados com base na análise de conteúdo. Os resultados, apesar de revelarem um processo de formação em mudança, também apontaram permanências e desafios que vêm sendo alvo de intenso debate na área da psicologia educacional/escolar. Palavras-chave: Formação do psicólogo, atuação do psicólogo, psicologia escolar. Educational Psychology in Belo Horizonte´s undergraduate programs Abstract In this work we discuss the binary training/professional performance of educational psychologist. The debate is based on a research on the process developed in the undergratuate Psychology programs of Belo Horizonte/MG. The method used was a series of procedures: interviews with course coordinators and teachers of the area, analysis of curricular matrices, lesson plans and summaries, search the websites of the institutions studied and literature. We analyzed data based on content analysis. The results, although revealing a formation process of change, also pointed out the continuities and challenges which have been targets of intense debate in the field of educational psychology. Keywords: Psychologist education, psychologist performance, school psychology. La psicología de la educación en cursos de Pre Grado en Psicología de Belo Horizonte/MG Resumen El binomio formación/actuación profesional del psicólogo educacional/escolar es el tema discutido en este texto. El debate tiene por base una investigación del proceso de formación desarrollado en los cursos de Psicología de instituciones de enseñanza superior de Belo Horizonte/MG. El método se sirvió de un conjunto de procedimientos: entrevistas con coordinadores de curso y profesores del área en cuestión; análisis de matrices curriculares, programas y planes de enseñanza; buscas en los sitios de las instituciones estudiadas; investigación bibliográfica. Los datos se analizaron sobre la base del análisis de contenido. Los resultados, al paso que revelan un proceso de formación en transformación, también señalaron permanencias y desafíos que han sido objetos de intenso debate en el área de la psicología educacional/escolar. Palabras clave: Formación del psicólogo, actuación del psicólogo, psicología escolar. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 239-248. 239 Introdução Uma das profissões que mais crescem, estudam e pensam seus rumos no Brasil (Yamamoto & Costa, 2010), a profissão de psicólogo é também aquela que lida com um quadro de sérias dificuldades e desafios no que se refere à formação. Evidenciam-se deficiências generalizadas no processo formativo, tanto no âmbito teórico quanto no da prática (Campos, 2007; Marinho-Araújo, 2009; Rodrigues, Itaborahy, Pereira, & Gonçalves, 2008, dentre outros). A despeito de mudanças já visíveis, persiste na formação em Psicologia a tendência a um modelo clínico, fundamentado em uma visão curativa e individualizada dos processos psicológicos. Embora a formação e a atuação sejam dimensões inseparáveis e devam sempre ser pensadas em termos de articulação, o que se constata é que esse viés da formação tem implicações diversas. A significativa distância entre o que se aprende nos cursos de graduação e as demandas apresentadas pelo mercado de trabalho na atualidade destaca-se como uma dessas decorrências. No âmbito da Psicologia da Educação, os desafios se acentuam quando se constata a perda de espaço do psicólogo nesse campo, com uma expressiva queda no percentual dos que atuam na área, em instituições educacionais ou em escolas (Bastos & Gondim, 2010). O estudante de Psicologia desconhece as possibilidades de atuação nesse âmbito (Souza Filho, Oliveira, & Lima, 2006), e, ao inserir-se como psicólogo nesse campo, passa a atuar de forma descontextualizada, em conformidade com uma crítica que vem sendo realizada há décadas. Essa crítica, inaugurada com os clássicos textos de Patto (1984, 1991), denuncia, em linhas gerais, a existência de práticas desenvolvidas pelos profissionais da Psicologia nos espaços educativos/ escolares de forma simplista, reducionista, excludente e culturalmente descontextualizada. Sem desconsiderar a legitimidade de muitas situações expostas por essa vertente crítica, o estudo de Vieira (2012) contribuiu no sentido de indicar que esse ponto de vista é passível de ser contestado. Nesse estudo a autora apresenta um exemplo no qual, apesar de num tempo e condições sociais adversas, psicólogos atuaram de forma a incluir em suas práticas uma preocupação cada vez maior com a interpretação sociocultural dos processos psicológicos e com a inclusão escolar e social dos sujeitos atendidos. A autora também comprova que apenas uma sólida formação teórico-técnica, adquirida com base numa associação entre ensino, pesquisa e extensão, é capaz de oferecer ao psicólogo condições de refletir e desenvolver práticas críticas (Meira & Antunes, 2003) alinhadas com as atuais demandas sociais brasileiras e que favoreçam mudanças nos processos educativos. A despeito de toda a sua complexidade, a educação, com os diversos contextos onde ela se dá, além da escola, é um espaço privilegiado de reflexão e crítica, uma área vital para fomentar processos de mudança individuais, grupais e sociais. Assim, é preciso que o psicólogo se qualifique 240 para enfrentar as diferentes demandas que lhe são dirigidas nesses contextos. Sua formação deve se pautar por uma articulação entre teoria, pesquisa e prática, e propiciar reflexões sobre as implicações políticas, culturais e ideológicas do fazer psicológico. Além disso, deve também favorecer o encaminhamento de processos de mudança onde estes se fizerem necessários, buscando soluções para um tempo em que vivemos “um desafio perene: integrar pesquisa científica, Psicologia e o que caracteriza o Brasil” (Botomé, 2007, p. 30). Integrando as estruturas curriculares dos cursos de graduação em Psicologia, as disciplinas que apresentam vinculação com o âmbito da Educação deveriam se propor a se constituir em espaços amplos de interlocução entre esses dois campos disciplinares. Nesse processo, elas deveriam promover a indispensável articulação entre o conhecimento teórico obtido em sala de aula e as intrincadas situações que os contextos educativos irão apresentar ao futuro psicólogo. Não obstante, como observa Larocca (2000), percebe-se nesses currículos uma perspectiva que ignora a inter-relação dialética existente entre saber e fazer, entre teoria e prática, do que decorre a necessidade de resgatar a práxis “como trabalho vivo, movimento dialético entre ação e reflexão” (Larocca, 2000, p. 64). Nessa perspectiva, ao focalizar as dimensões ensino e psicologia da educação, algumas perguntas são centrais: como o saber constituído por esse campo vem sendo ensinado nos cursos de Psicologia? Esse ensino tem contribuído para a prática do psicólogo? Foi a partir dessas questões que se pensou em investigar o processo de formação que vem sendo desenvolvido nos cursos de Psicologia nas instituições de ensino superior de Belo Horizonte, com foco na área da Psicologia da Educação e nas disciplinas afins a essa área. Para tanto, foram investigados todos os cursos de graduação em Psicologia ofertados na capital mineira. A pesquisa partiu da hipótese de que a inexistência de uma estrutura curricular equilibrada, que trate de forma igualitária os campos do saber envolvidos na constituição da ciência psicológica, assim como a forma de propor e operacionalizar as disciplinas relacionadas à Psicologia e à Educação, os estágios - enfim, toda a estruturação do curso nessa área - esteja contribuindo significativamente para legitimar as práticas que ainda hoje vêm sendo criticadas. Método Foi realizada ampla revisão bibliográfica que englobou diversos aspectos relativos à formação e à atuação do psicólogo no âmbito da Educação. A pesquisa de campo focalizou todas as instituições de ensino superior belo-horizontinas que oferecem graduação em Psicologia, num total de 08 (oito), sendo uma pública e 07 (sete) privadas, conforme mostra a tabela 1. Foram entrevistados todos os coordenadores dos cursos e mais 14 (quatorze) professores que lecionavam Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 239-248. Tabela 1. IES e cursos de psicologia da cidade de Belo Horizonte, participantes da pesquisa. IES Identificação/ Ano de inicio do curso Carga horária Carga horária das disciplinas afins à área da educação 1 FCMMG Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (2009) 4880h 220h 2 FEAD-MG Faculdade de Estudos Administrativos de Minas Gerais (2005) 4000h 360h 3 FPAS Faculdade Pitágoras de Belo Horizonte (2005) 4050h 80h 4 FUMEC Universidade FUMEC (1972) 4000h 324h 5 NP Centro Universitário Newton Paiva 4100h 108h 6 PUC Minas Campus Coração Eucarístico Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1959) 4100h ---------- 6 PUC Minas Campus São Gabriel Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2000) 4100h 384h 7 UFMG Universidade Federal de Minas Gerais (1963) 4050h 300h 8 UNA Centro Universitário UNA 4760h 308h 08 IES 09 cursos -------- -------- disciplinas da área da psicologia da educação e afins1. Esses sujeitos foram inicialmente contatados via e-mail e/ou telefone e convidados por escrito a participar da pesquisa, após leitura e assinatura do TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido). Como principal instrumento de coleta de dados, optou-se nesse estudo pela realização de entrevistas individuais semiestruturadas. Em sua maioria, essas entrevistas foram realizadas pessoalmente, gravadas e transcritas em sua literalidade. Por motivos operacionais, algumas delas foram encaminhadas à equipe de pesquisa via correio eletrônico. 1 Neste estudo, ao nos referirmos à área da Psicologia da Educação, não estamos nos referindo somente às disciplinas tradicionalmente denominadas “Psicologia da Educação” e “Psicologia Escolar”, mas também a outras disciplinas correlatas – aqui denominadas disciplinas afins. Estas, no decorrer das entrevistas com os coordenadores, foram por eles indicadas como disciplinas em que eram trabalhados conteúdos relacionados à interface Psicologia e Educação. Nesse grupo encontram-se, por exemplo, disciplinas como “Processos Psicológicos Básicos” e “Desenvolvimento Humano”, dentre outras, consideradas como disciplinas de formação geral. Elas concentram-se nos períodos iniciais dos cursos, ao passo que as disciplinas específicas estão inseridas a partir do sexto período. Com o objetivo de se construir primeiramente uma visão global dos cursos, os coordenadores foram entrevistados em primeiro lugar. Para eles, foi utilizado um roteiro que privilegiou os seguintes aspectos: 1. Currículos (estrutura curricular atual do curso / ênfases / matrizes teóricas enfatizadas / mudanças curriculares / implicações das mudanças curriculares no processo de formação do psicólogo / articulação ensino-pesquisa-extensão na formação do psicólogo); 2. Psicologia da Educação (implicações quantitativas e qualitativas das mudanças curriculares no ensino de psicologia da educação / disciplinas da área / articulação ensino-pesquisa-extensão na área); 3. Mudanças necessárias para uma formação de qualidade na área em estudo. Para os professores das disciplinas da área e afins, o roteiro da entrevista buscou avaliar preferencialmente as seguintes temáticas: 1. Disciplina (encaminhamento / carga horária / conteúdos ministrados); 2. Receptividade dos alunos; 3. Psicologia da Educação (formação do aluno para atuar na área). Complementarmente, foram recolhidas e analisadas matrizes curriculares vigentes dos cursos, ementas e planos de ensino. Foram realizadas ainda pesquisas nos sites das Psicologia Educacional na graduação em Belo Horizonte * Rita de Cássia Vieira, Ellen R. F. Figueiredo, Laís G. de Souza & Marina Castana Fenner 241 instituições com o intuito de se obter o maior número possível de dados sobre a temática investigada. Os dados coletados na fase documental e empírica da pesquisa foram analisados com base na análise de conteúdo (Bardin, 1979; Franco, 2005). Resultados e discussão Em Minas Gerais, mais especificamente em Belo Horizonte, os cursos de formação de psicólogos foram iniciados no ano de 1959. Atualmente, oito instituições ofertam o curso de Psicologia, e o curso mais recente foi implantado em 2009. No total, são ofertadas anualmente 1.484 vagas, distribuídas entre essas instituições em turnos diurnos e noturnos. Cada curso gira em torno de uma carga horária mínima de 4.220 horas (MEC, 2011), conforme anteriormente mostrado na tabela 1. A maioria desses cursos vem passando por mudanças em sua estrutura curricular, em decorrência da Resolução nº. 8, de 07 de maio de 2004 (MEC, 2004), que instituiu as diretrizes curriculares nacionais para a graduação em Psicologia, em substituição ao currículo mínimo de 1962. As novas diretrizes estabeleceram um núcleo comum de formação em Psicologia – definido por um conjunto de competências, habilidades e conhecimentos – e propuseram a criação de ênfases curriculares, com o intuito de superar o dualismo ente formação generalista e especialista (Brasileiro & Souza, 2010). Dessa forma, durante a graduação, uma parte da formação é destinada ao desenvolvimento de competências e habilidades desse núcleo comum e outra parte ao desenvolvimento de repertórios referentes às ênfases, que são escolhidas pelas próprias instituições. Essa escolha é feita de acordo com as especificidades e necessidades regionais de formação, concentrando os estudos e estágios em algum domínio da Psicologia (MEC/CNE/CES, Parecer 0062/2004). As ênfases curriculares adotadas pelos cursos de Psicologia estudados concentram-se em três áreas tradicionais de atuação do psicólogo: a organizacional, a clínica e a de saúde. Esses dados coincidem com aqueles obtidos na pesquisa sobre a profissão do psicólogo no Brasil realizada pelo Grupo de Trabalho Psicologia, Organizações e Trabalho da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia entre 2006 e 2008 e publicada recentemente (Bastos & Gondim, 2010). De acordo com esse estudo, a principal área de inserção dos psicólogos brasileiros continua a ser a clínica, vindo em segundo lugar a área da saúde, e em terceiro, a organizacional/trabalho. Chama a atenção o fato de que, dentre as instituições pesquisadas, somente uma oferece ênfase à área da Educação. Essa oferta se alinha com o quadro nacional apresentado pelo recente estudo de Bastos e Gondim (2010), que constatou uma redução significativa do número de profissionais atuando na área. No que se refere às ênfases, a estruturação dos cursos estudados estaria, então, seguindo uma lógica mercadológica e preparando melhor os 242 psicólogos para atuarem em campos de trabalho onde eles estariam sendo mais demandados; no entanto se faz necessária outra ótica: a mesma pesquisa (Bastos & Gondim, 2010) observa que a fragilidade de condições do mercado leva o psicólogo a transitar por duas, três e às vezes até mais áreas de atuação. Esse fato implica em se pensar numa certa fluidez entre os limites teórico-práticos de algumas áreas, o que certamente recairia numa perspectiva de formação abrangente que permitiria ao psicólogo realizar com competência seu trânsito entre uma área e outra. Antes de tudo, porém, uma discussão importante para o processo formativo, como propõem Yamamoto e Costa (2010), seria uma rediscussão do tradicional conceito de área. Ao atentar pelas exigências sociais da atualidade, essa perspectiva parece ter sido considerada pelas instituições de Belo Horizonte ao proporem as suas ênfases. De acordo com os coordenadores de curso entrevistados, essa escolha se deu em função, principalmente: (1) da tradição do curso; (2) das características da instituição em questão, do corpo docente e dos programas de pós-graduação (3) dos estágios e projetos de extensão preexistentes; e (4) das demandas sociais. (...) O curso de Psicologia daqui sempre teve uma tradição na clínica, uma clínica mais particular. Então, historicamente é importante ter uma ênfase em Psicologia Clínica, embora hoje ela não é voltada para consultório somente, ela tem uma visão ampliada também. E com a mudança da Psicologia ao longo do tempo, né, foi necessário, claro que foi, é, outras áreas importantes, então a gente fez essa segunda ênfase, que é chamada Psicologia, Organizações e Sociedade, onde é mais uma Psicologia aplicada, ligada às diferentes organizações e instituições. Então é para acompanhar realmente as mudanças na sociedade. A relação entre ênfase e estágio precisa ser destacada. É sabido que os estágios exercem papel fundamental na formação de qualquer profissional, constituindo-se nos primeiros contatos dos alunos com a prática profissional. São essas experiências que colocam o estudante diante de situações capazes de promover reflexões sobre a sua profissão e sua preparação profissional, além de fortalecer a identidade do profissional na área de escolha (Sousa, 2004). O estágio na vida acadêmica é a oportunidade que o aluno tem de se distanciar dos riscos de ter na sua atuação atitudes alienadas, baseadas apenas em conhecimentos teóricos e abstratos (Novaes, 2008), percepção que é visível no relato dos professores, como se vê no exemplo abaixo: A formação do psicólogo é muito baseada em informação, informar na sala de aula sobre teorias, você tem quantidade de informações muito grande que são passadas... De modo que a pessoa aprende pouco a como fazer, a como usar, como aplicar, como analisar, como lê. O como é pouco trabalhado, mas o como é muito importante na hora da prática profissional. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 239-248. Foi provavelmente pensando na necessidade de se articular o saber com o fazer no processo de formação que as novas diretrizes (MEC, 2004) determinam que os estágios supervisionados sejam relacionados à ênfase escolhida. Dada a estruturação dos cursos de Belo Horizonte no que se refere às ênfases, é de se supor, inicialmente, que a formação dos psicólogos para atuar na área educacional tende a ficar ainda mais comprometida, uma vez que os estágios nessa área, em cursos com outras ênfases, ficaram restritos apenas aos estágios básicos do núcleo comum: O que acontece hoje - estágios básicos - nós temos na área educacional também, mas os estágios quando entra no 10° período são mais específicos das ênfases, eles não têm braço na educacional, então nesse ponto, o lado educacional fica mais fragilizado. Por outro lado, algumas denominações de ênfases merecem ser destacadas, a exemplo de “Psicologia e intervenções nas instituições e organizações”, “Psicologia e processos da saúde”, “Psicologia e processos de gestão”. Numa análise bastante superficial, a julgar exclusivamente por essa nomenclatura, pode-se supor que os conteúdos apresentados pelas disciplinas que as compõem também estariam alinhadas com a necessidade apontada por Bastos e Gondim (2010) de rediscutir o conceito de área como espaço delimitado de conhecimentos específicos. Provavelmente, foi pensando nessa direção que todos os coordenadores entrevistados afirmaram que a atual estrutura curricular adotada trata de forma equilibrada os diferentes saberes e áreas de atuação do psicólogo. Para tanto o Ministério da Educação - MEC (2004) advoga que “O subconjunto de competências definido como escopo de cada ênfase deverá ser suficientemente abrangente para não configurar uma especialização em uma prática, procedimento ou local de atuação do psicólogo”. Embora não seja esta a proposta do MEC, percebe-se que as ênfases curriculares têm restringido as opções dos alunos, que acabam por concentrar seus estudos em campos de atuação específicos, que na maioria das vezes são as tradicionais áreas da clínica, saúde e organizações. Isso provavelmente está acontecendo devido às dificuldades que as instituições têm encontrado para romper com o modelo de formação que vem sendo oferecido. Os próprios coordenadores de curso advertiram que a escolha das ênfases foi pautada na estrutura que o curso já possuía – formação do corpo docente e núcleos de pesquisas e estágios já existentes. Uma das coordenadoras (C6) mencionou que essa nova proposta curricular do MEC tem um ar mais contemporâneo em relação às propostas anteriores, uma vez que amplia a ideia de formação para além da sala de aula. Como exemplo disso ela cita as Atividades Complementares de Graduação (ACG’s), as quais ela supõe que incentivam a participação dos alunos em atividades extraclasse – como projetos de pesquisa e extensão, eventos científicos e grupos de estudo – visto que contabilizam créditos ao currículo. Apesar de bem recebida, a operacionalização da troca curricular tem sido um desafio para as instituições formadoras, como observa uma das entrevistadas: (...) operacionalizar um currículo novo não é fácil. É muito complicado. Ao mesmo tempo nós temos correndo um outro em paralelo, então eu tenho dois currículos. Na hora que eu monto horários eu tenho que pensar em dois currículos. Esses desafios referentes à implantação das novas diretrizes curriculares também foram abordados pelo coordenador e pelos professores do curso de psicologia da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) no trabalho de Brasileiro e Souza (2010). Embora reconheçam as contribuições das diretrizes de 2004, os profissionais entrevistados nessa investigação enfatizam as dificuldades em definir as ênfases e em articular os conteúdos teóricos e práticos nos períodos iniciais, principalmente pelo fato de a instituição ter um quadro reduzido de professores. Uma das coordenadoras das IESs de Belo Horizonte pontuou que, embora julgue necessário atualizar o currículo, a proposta de uma formação generalista é mais interessante. Ela também mencionou que tem encontrado várias dificuldades em encaminhar essas mudanças, principalmente por se tratar de uma instituição de ensino particular, em que as alterações se refletem diretamente nas finanças da faculdade. Segundo ela, a questão das ênfases tem restringido a oferta de disciplinas, o que tem causado descontentamento entre os alunos; porém, para ela, essa dificuldade tem sido sanada quando os estudantes ingressam no campo de estágio, que é bastante amplo e diversificado. A análise das matrizes curriculares dos cursos também evidenciou esse desafio relativo à oferta de disciplinas específicas das ênfases, a qual se apresentou bastante precária. Os estágios específicos de cada ênfase estão bem delimitados nas oito instituições pesquisadas e iniciam-se, na maioria dos cursos, entre o oitavo e o nono período. Em quatro das nove matrizes curriculares investigadas não se encontrou distinção entre essas disciplinas específicas, diferentemente do verificado nos estágios. Das cinco instituições que ofertam disciplinas específicas da ênfase, apenas uma oferta essas disciplinas no décimo período e uma oferece apenas uma disciplina no oitavo e nono período e duas no décimo. Em apenas três instituições é ofertada mais de uma disciplina específica para cada ênfase em mais de um período. Após as mudanças curriculares, o espaço destinado às disciplinas da interface Psicologia e Educação permaneceu o mesmo em sete cursos investigados, sendo que em um desses cursos a carga horária das disciplinas foi reduzida. Não obstante, cumpre ressaltar que entre essas instituições o número de disciplinas relacionadas à área da Educação varia bastante, de modo que há cursos que ofertam apenas uma disciplina, enquanto outros ofertam seis. Dos dois cursos restantes, um não teve mudança curricular, pelo fato de ter sido criado em 2009 e já em consonância com as Psicologia Educacional na graduação em Belo Horizonte * Rita de Cássia Vieira, Ellen R. F. Figueiredo, Laís G. de Souza & Marina Castana Fenner 243 novas diretrizes curriculares do MEC, e o outro aumentou o número de disciplinas relacionadas à área. Chama a atenção o fato de que um desses cursos enfatizava os processos educacionais, ênfase que foi extinta na última modificação de currículo, devido à falta de procura dos alunos. Não obstante, a coordenadora do curso ressaltou que essa alteração foi importante para a área da Educação, uma vez que as disciplinas da ênfase foram todas diluídas no núcleo de formação comum. A extinção dessa ênfase muito possivelmente está vinculada ao desconhecimento dos estudantes acerca das possibilidades de atuação no âmbito da educação, fato já comprovado por várias pesquisas (Asbahr, Martins & Mazzolini, 2011; Correia, Lima, & Araújo, 2001; Souza Filho e cols., 2006; Vieira, 2012, dentre outros). Como já mencionado, essas disciplinas listadas por coordenadores de curso de professores englobam: (1) disciplinas específicas na interface da Psicologia com a Educação; e (2) disciplinas de formação geral que abarcam temas relacionados à Educação. Dentro do primeiro grupo foram incluídas as disciplinas “Psicologia e Educação” e “Psicologia Escolar”, e no segundo, o das disciplinas afins, encontram-se disciplinas como “Processos Psicológicos Básicos” e “Desenvolvimento Humano”, entre outras. As disciplinas de formação geral concentram-se nos períodos iniciais, ao passo que as disciplinas específicas estão inseridas na grade a partir do sexto período. Essa forma de estruturação do curso pode dificultar a articulação entre os saberes durante a graduação. Se por um lado as disciplinas específicas da área da educação estão próximas do momento em que o aluno inicia seus estágios, por outro elas ficam isoladas das demais disciplinas afins a essa área. Outra implicação é que isso também pode fazer com que o aluno se interesse pelas áreas que, cronologicamente, são apresentadas por primeiro no curso. No que diz respeito à carga horária destinada às disciplinas da área em estudo, nove dos quatorze professores entrevistados consideraram-na suficiente para ministrar os conteúdos da ementa. Esses professores afirmaram que isto só é possível porque se pode articular o conteúdo da sua disciplina com o de outras e, quando isso não ocorre, é necessário reduzir os conteúdos ou fazer outros ajustes para conseguir atingir a proposta. Isso se comprova também na fala daqueles professores que consideraram a carga horária insuficiente (P1; P5; P7.2 e P8.2), quando apontam dificuldade em articular o conteúdo com outras disciplinas e a necessidade de extrapolar a carga horária para atender ao objetivo da matéria: Eu acho que se o resto do curso, de alguma forma trouxesse as articulações dessa disciplina pra uma reflexão constante, talvez a carga horária fosse suficiente. Mas se você for pensar que às vezes se quebra, e às vezes vai ser retomado só num momento muito posterior, eu acho que aí é insuficiente (...). Esses dados demonstram a transdisciplinaridade como um imperativo na educação contemporânea. Mais do que necessária do ponto de vista operacional, a transdiscipli- 244 naridade, de acordo com Santos (2008), permite uma compreensão mais ampliada acerca da realidade, sem romper com a ideia de disciplina, visto que a principal característica dessa tendência é a articulação entre as diferentes áreas do conhecimento. Santos (2008) ressalta ainda que o grande desafio desse olhar transdiciplinar é percorrer os diferentes saberes sem hierarquizá-los. Essa proposta transdisciplinar se conecta com as proposições apresentadas pelo paradigma crítico-reflexivo em educação (Larocca, 2000), que, entre outros aspectos, aponta a necessidade de formar sujeitos críticos e com condições de refletir constantemente sobre suas práticas, vinculá-las aos seus conhecimentos teóricos e, a partir daí, fazer propostas que se traduzam em transformações nos processos educativos e sociais. Formar sujeitos socioculturais capazes de articular o conhecimento teórico obtido em sala de aula com as intrincadas situações que os contextos educativos irão lhes apresentar seria resgatar a práxis “como trabalho vivo, movimento dialético entre ação e reflexão” (Larocca, 2000, p. 64). Ao que tudo indica, as diretrizes curriculares de 2004 se pautam por uma formação baseada nessa nova forma de conceber o mundo; contudo, como o campo da Psicologia é uma área que, desde o seu nascimento, vive em permanente crise, em decorrência da sua ampla diversidade teórica e metodológica (Figueiredo, 2009), promover uma formação que perpasse pelos diferentes campos do saber psicológico é um desafio enorme para as instituições que ofertam o curso. Quanto à receptividade dos alunos às disciplinas da área, a opinião dos professores apresentou-se bastante dividida. Cinco dos entrevistados disseram que as disciplinas são bem recebidas, sendo que desses cinco, três ministram disciplinas de desenvolvimento humano. Esse destaque dado às disciplinas de desenvolvimento humano no âmbito da Educação também foi constatado em um estudo desenvolvido por Senna e Almeida (2007) com psicólogos da rede pública de ensino do Distrito Federal. Nessa pesquisa, a maioria dos entrevistados considerou a formação teórica como a que mais contribuía para sua atuação no contexto escolar, sobretudo no que se refere aos conteúdos relacionados à Psicologia do Desenvolvimento e à Psicologia da Infância. Apesar de essas disciplinas tratarem dos processos de desenvolvimento e aprendizagem, as autoras chamam a atenção para o fato de que elas, isoladamente, não fornecem os elementos necessários para a atuação do psicólogo na escola. Este mesmo estudo (Senna & Almeida, 2007) abordou aspectos da formação e atuação dos psicólogos para atuarem na área da educação, investigando, sobretudo, a postura adotada por esses profissionais para suprir as lacunas deixadas durante a graduação. Por isso, um dado importante encontrado nesse estudo foi que a maioria dos psicólogos entrevistados buscava respaldo nas teorias clínicas para atuarem no contexto escolar. Um trabalho realizado com psicólogos da rede particular de ensino de Uberlândia, MG (Souza, Ribeiro, & Silva, 2011) também constatou que vários desses profissionais combinavam diferentes teorias Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 239-248. psicológicas para intervirem nas escolas, muitas vezes partindo de pressupostos epistemológicos contraditórios. Ambos os estudos evidenciaram o fato de os psicólogos não terem acesso a um conhecimento mais consistente sobre o campo teórico e prático da Psicologia da Educação durante a graduação. Souza e cols. (2011) observam que a atuação deficiente ocorre não apenas pelo fato de os cursos de Psicologia não oferecerem uma formação sólida na área, mas também devido ao desinteresse dos estudantes pelo campo da educação. As autoras afirmam ainda que o interesse pela área surge à medida que os profissionais se inserem no mercado de trabalho e finalizam apontando “a necessidade de um maior investimento das instituições formadoras e dos profissionais atuantes, para ampliar o campo de atuação do psicólogo escolar e possibilitar práticas emancipatórias” (Souza e cols., 2011, p.53). No presente estudo, seis dos catorze professores entrevistados, ou seja, praticamente 50%, alegaram que é necessário fazer um esforço inicial para que os alunos se deixem envolver pela matéria. Na tentativa de explicar esse aparente desinteresse dos alunos pelas disciplinas relacionadas à área da educação, alguns professores apontaram as seguintes causas: (1) muitos alunos acham que a área de atuação do psicólogo da Educação se restringe à escola e à educação infantil; (2) há a crença de que as disciplinas específicas da interface Psicologia e Educação repetem os conteúdos de Psicologia Genética, vistos em Desenvolvimento Humano; e (3) os alunos possuem outras áreas de interesse, sobretudo a da clínica: Percebo que, a princípio, existe uma resistência às disciplinas situadas na interface da Psicologia e Educação. A principal queixa é relativa a uma repetição de conteúdo no campo das Psicologias Genéticas, ou seja, muitas vezes os alunos se queixam de que já estudaram muito Piaget ou Vigotski. Os professores por nós entrevistados apresentaram diferentes maneiras de encaminhar suas disciplinas: uns preferem adotar uma perspectiva crítica, promovendo discussões ao longo do semestre acerca do papel do psicólogo no espaço educacional; outros optam por apresentar a diversidade teórica e as inúmeras possibilidades de atuação no campo da Educação; também há aqueles que buscam articular trabalhos teóricos e práticos. Todos esses modos de viabilizar o ensino não são excludentes, apenas referem-se a aspectos que os professores buscam priorizar e enfatizar na disciplina. Embora nas últimas décadas os psicólogos educacionais tenham sofrido muitas críticas referentes à sua atuação - predominantemente direcionada para áreas clínica e psicométrica -, esta última não ocupa mais o lugar de destaque dentro da área da Educação nos cursos de Psicologia em Belo Horizonte. Dos vinte e três professores entrevistados, nenhum mencionou a psicometria como conhecimento fundamental para o psicólogo atuar no contexto educacional/ escolar; apenas um deles chamou a atenção para o fato de que a formação em Psicologia tem negligenciado a psico- metria e observou que esta área não se resume a uma mera aplicação de testes. Segundo ele, a psicometria é um campo de saber muito mais amplo, e o desconhecimento disso tanto pelos alunos quanto pelos profissionais de Psicologia tem contribuído para que esta área seja alvo de inúmeras críticas. Essa visão acerca da psicometria também é compartilhada por Vieira (2012), que observa a necessidade de o psicólogo conhecer esse campo. Ao se qualificar para uso de testes de maneira contextualizada, a autora observa que estes podem se configurar em aliados e coadjuvantes na prática cotidiana. Os coordenadores entrevistados foram unânimes em apontar a importância de se associar pesquisa, ensino e extensão para uma formação de qualidade, não somente para o campo da Educação, mas para todas as áreas de atuação. Segundo eles, a pesquisa despertaria nos alunos o interesse pela investigação e ajudaria na construção de uma prática psicológica mais crítica e reflexiva; por sua vez, a extensão proporcionaria aos alunos a possibilidade de atuar diretamente na sociedade. Para os cursos que não possuem tradição em pesquisa, os coordenadores salientaram a importância dos trabalhos de conclusão de curso, vistos como uma das poucas oportunidades que os alunos têm para exercitar sua prática investigativa durante a graduação. A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão como dimensão fundamental no processo formativo é defendida por estudiosos da área (Cruces, 2010; Senna & Almeida, 2007). Para esses autores, é preciso haver um resgate urgente da pesquisa, “necessária a uma boa prática” (Gomes, 1996, p. 37), e a construção de um processo integrado entre esta, o ensino e a extensão. Ademais, a graduação não seria somente o alvo: Marinho-Araújo e Neves (2007) salientam a necessidade de se ampliar a formação para além da graduação, numa formação continuada, o que também já vem sendo alvo de atenção por parte do Conselho Federal de Psicologia - CFP. Tendo em vista essa necessidade e a emergência de áreas específicas de atuação do psicólogo, no ano de 2000 o CFP estabeleceu normas e procedimentos necessários para conceder aos psicólogos o registro de especialista em determinados campos da Psicologia. Dentre as especialidades aprovadas pela resolução n.º 014/00, três relacionam-se à área da Educação: Psicologia Escolar/Educacional, Psicopedagogia e Psicomotricidade. Embora essa resolução tenha sido substituída pela de n.º 013/2007, as especialidades relacionadas à Educação e a forma de obtenção do título de psicólogo especialista permaneceram. Assim, a partir dessas resoluções, o MEC reconhece a importância de os profissionais da psicologia manterem-se em um processo contínuo de formação. Os dados levantados nesta pesquisa realizada em Belo Horizonte não deixam dúvidas quanto à necessidade apontada pelas autoras acima (Marinho-Araújo & Neves, 2007). O estudo revelou a existência de apenas dois cursos de especialização na área da psicologia educacional, o que, possivelmente, diz de uma deficiência neste processo, ainda que relativa à oferta de cursos. Psicologia Educacional na graduação em Belo Horizonte * Rita de Cássia Vieira, Ellen R. F. Figueiredo, Laís G. de Souza & Marina Castana Fenner 245 Em outra perspectiva, dos 14 (catorze) professores entrevistados, cinco acreditam que a formação do psicólogo para atuar no contexto educativo/escolar tem caminhado em direção à superação das críticas de uma atuação descontextualizada; porém eles alertam que muito ainda precisa ser feito. Durante a entrevista, uma professora afirmou que sempre trabalha nas disciplinas referentes à Psicologia da Educação com uma perspectiva crítica, voltada para as demandas sociais e políticas públicas educacionais. Nessa mesma perspectiva, outro professor alegou que hoje a própria demanda modificou-se e a escola já não quer um psicólogo para fazer atendimento clínico, mas necessita de um profissional para fazer um trabalho mais coletivo e integrado. Tendo em vista as modificações na atuação dos psicólogos no contexto educacional brasileiro, Martínez (2007) apresenta as diversas possibilidades de ação que o profissional de psicologia pode desenvolver dentro das escolas. Entre elas, a autora destaca as funções emergentes, que incluem: participação na elaboração e operacionalização das propostas pedagógicas; caracterização da população estudantil; implementação de políticas públicas - entre outras. Todas essas propostas vão ao encontro de uma atuação psicológica contextualizada e comprometida com as demandas coletivas. Dentre as melhorias fundamentais à formação do psicólogo para atuar no contexto educacional brasileiro, quatro dos catorze professores entrevistados em nossa pesquisa salientaram a necessidade de se articular de modo mais eficaz o tripé ensino-pesquisa-extensão durante a graduação. Três ressaltaram a importância de estabelecer diálogos com outras áreas do conhecimento, visto que o meio educacional/ escolar exige que o psicólogo atue conjuntamente com outros profissionais da Educação e outros três professores falaram da necessidade de ampliar as ofertas de estágio na área. Ainda quanto à questão das melhorias, três dos entrevistados destacaram a importância de o psicólogo educacional ter sua identidade profissional bem definida, pois, segundo ele, esta é uma das condições essenciais para o trabalho em equipes multiprofissionais. Considerações finais A pesquisa veio confirmar alguns fatos comprovados por outros estudos e até mesmo discutidos pela literatura específica do campo da Psicologia Educacional/Escolar. Nessa perspectiva, destacam-se as mudanças estruturais já perceptíveis nas concepções dos cursos, impulsionadas por debates intensos e, sobretudo, pela implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia de 2004. Ficaram explícitas as dificuldades que as instituições vêm enfrentando para operacionalizar as orientações propostas nas Diretrizes. A oferta das ênfases pelos cursos é uma dessas questões, possibilitando várias reflexões. Ao proporem uma formação organizada com base num núcleo comum que apresente os conteúdos básicos necessários 246 para atuação profissional, aliada a uma formação que contemple as especificidades do campo, as Diretrizes traçam orientações que visam garantir ao aluno e futuro psicólogo o desenvolvimento de competências e qualificações que o habilitem a articular seus conhecimentos de forma a utilizá-los nos mais diversos contextos. Há uma orientação também para que as ênfases não se configurem em especializações. Retomando-se a hipótese investigativa já apresentada neste trabalho, pode-se afirmar que essa hipótese foi confirmada. Com base no fato de que formação e atuação são dimensões intrinsecamente articuladas e indissociáveis, tem-se que a oferta das ênfases pelos cursos estudados é uma questão que possibilita várias reflexões. Ao não contemplarem o campo da Educação como uma ênfase, não estariam esses cursos trabalhando no sentido de continuidade da tão criticada fragilidade na formação para a área? No campo das permanências, ficou evidenciado que os cursos ainda apresentam lacunas no processo formativo: há necessidade de maior articulação entre conteúdos teóricos e práticos, e os campos de estágio na área educacional necessitam de ampliação - o que foi reivindicado como melhoria pelos entrevistados. A recorrente problemática referente à falta de definição da identidade do psicólogo que atua no contexto educacional - apontada como um fator necessário para sua futura inserção no mercado de trabalho - também se evidenciou nessa pesquisa como um fator a ser observado no processo formativo. No campo dos desafios, a pesquisa indicou mudanças necessárias para uma formação de qualidade na área em estudo. Dialogar com outras áreas do conhecimento é uma necessidade, visto que o âmbito educacional é complexo e multifacetado, exigindo do psicólogo atuação em parceria com outros profissionais da Educação. Nessa perspectiva, a transdisciplinaridade impõe-se como imperativo aos cursos de graduação e poderá favorecer ao futuro psicólogo não apenas transitar com desenvoltura entre diversas áreas de atuação, mas principalmente ajudá-lo a ter uma visão contextualizada dos fenômenos psicológicos. Outro desafio que se impõe para os cursos e – claro - para o campo da psicologia educacional/escolar é viabilizar a necessária indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, fundamental para uma formação de qualidade. Demarca-se, neste contexto, um momento especial na realidade brasileira, onde a proposta central é a de uma educação para todos. O psicólogo hoje é solicitado a intervir em contextos educativos/escolares plurais. Essa demanda exige um profissional capaz de lidar com sujeitos também culturalmente plurais e ao mesmo tempo singulares em sua humanidade. Para responder a essas atuais exigências com qualidade, é preciso haver um preparo que comece na graduação e continue como um modelo de formação continuada, capaz de qualificar o psicólogo para atuar na complexidade dos contextos educativos/escolares. Revelando um processo de formação em mudança, a pesquisa indicou também que muitas respostas sobre os rumos desse processo ainda estão por vir. Fica no ar a pergunta se realmente essa formação garantirá ao psicólogo Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 239-248. condições de atuar de forma consistente nessa realidade que se apresenta. Referências Asbahr, F. S. F., Martins, E., & Mazzolini, B. P. M. (2011). 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Figueiredo, Laís G. de Souza & Marina Castana Fenner 247 Souza Filho, M., Oliveira, J. S. C., & Lima, F. L. A. (2006). Como as pessoas percebem o psicólogo: um estudo exploratório. Paidéia, 16(34), 253-261. Souza, C. S., Ribeiro, M. J., & Silva, S. M. C. (2011). A atuação do psicólogo escolar na rede particular de ensino. Psicologia Escolar e Educacional, 15(1). Recuperado: 24 out 2011. Disponível: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141385572011000100006&lng=en&nrm=iso. Vieira, R. (2012). O psicólogo na educação: fazeres possíveis. São Paulo: Annablume. Yamamoto, O. H., & Costa, A. N. F. (2010). (Orgs.). Escritos sobre a profissão de psicólogo no Brasil. Natal: EDUFRN. Recebido em: 25/04/2012 Reformulado em: 20/08/2012 Aprovado em: 25/10/2012 Sobre as autoras Rita de Cássia Vieira ([email protected]) Pesquisadora, psicóloga e coordenadora técnica do Laboratório de Psicologia e Educação Helena Antipoff da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (Laped/FaE/UFMG). Doutora em Educação pela UFMG. Endereço para correspondência: Faculdade de Educação da UFMG/DECAE/Laped/sala 1671 Av. Antonio Carlos 6627 – Campus Pampulha CEP 31270-901 – B.H. – Minas Gerais Ellen Rose Fernandes Figueiredo ([email protected]) Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, membro do Laboratório de Psicologia e Educação Helena Antipoff (Laped/FaE/UFMG). Bolsista Fapemig de Iniciação Científica. Endereço: Rua R, no. 70 – Bairro Tirol – Contagem/MG Laís Gonçalves de Souza ([email protected]) Graduanda em Psicologia pela UFMG, membro do Laboratório de Psicologia e Educação Helena Antipoff(Laped/FaE/UFMG). Bolsista Fapemig de Iniciação Científica. Endereço: Av.Judith Naves de Lima n.243, ap.C, Funcionários, Contagem/MG, Marina Castana Fenner ([email protected]) Graduanda em Psicologia pela UFM, membro do Laboratório de Psicologia e Educação Helena Antipoff(Laped/FaE/UFMG). Bolsista Fapemig de Iniciação Científica. Endereço: R.Ordália, 174 Glória30870-300 Belo Horizonte/Minas Gerais Agradecemos o apoio financeiro da FAPEMIG (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais) para a realização desta pesquisa. 248 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 239-248. Atribuição de estados mentais e linguagem: um estudo de intervenção Simone Ferreira da Silva Domingues Universidade Cruzeirodo Sul – Universidade Guarulhos - SP Maria Regina Maluf Universidade de Sao Paulo - SP Resumo A presente pesquisa teve por objetivo verificar os efeitos de uma intervenção sobre a habilidade de atribuição de estados mentais de crença e foi desenvolvida em três fases: pré-teste, intervenção e pós-teste. As crianças selecionadas foram escolhidas aleatoriamente para compor o grupo experimental e o grupo controle. A pesquisa foi feita com 44 crianças de ambos os sexos, de três a quatro anos de idade. A intervenção foi baseada na explicação de tarefas de crença falsa e acompanhada por demonstrações com a ajuda de gestos e de objetos, além da fala explicativa. Os resultados indicaram que as crianças do grupo experimental se beneficiaram com o procedimento de intervenção. As atividades favoreceram o surgimento da habilidade de atribuição de estados mentais de crença. Esses resultados dão sustentação às hipóteses que apontam a existência de uma relação entre a habilidade de atribuição de estados mentais e o desenvolvimento da linguagem. Palavras–chave: Teoria da mente, crenças, desenvolvimento da linguagem. Attribution of mental states and language: A study of intervention Abstract In this study we investigate the effects of an intervention on the ability of attributing mental states of belief. We developed the work in three phases: pre-test, intervention and post-tests. The selected children were assigned randomly to compose the experimental group and control group. Forty-four children of both sexes, 3 to 4 years old, participated in the study. The intervention was based on the explanation of false belief tasks and was supported by demonstrations with the help of gestures and objects, and explanatory speech. The results indicated that children in the experimental group benefited from the intervention procedure. The activities encouraged the emergence of the ability to attribute mental states of belief. These findings support the hypotheses that point to the existence of a relationship between the ability of attributing mental states and language development. Keywords: Theory of mind, beliefs, language development. Atribución de estados mentales y lenguaje: un estudio de intervención Resumen Este estudio tuvo por objetivo verificar los efectos de una intervención sobre la habilidad de atribución de estados mentales de creencia y se desarrolló en tres fases: pre-test, intervención y post-test. Los niños seleccionados fueron asignados al azar para formar el grupo experimental y el grupo control. La investigación se llevó a cabo con 44 niños de ambos sexos de 3 a 4 años de edad. A intervención tuvo por base la explicación de tareas de creencia falsa y fue acompañada por demostraciones con ayuda de gestos y de objetos, además de discurso explicativo. Los resultados indicaron que los niños del grupo experimental se beneficiaron del procedimiento de intervención. Las actividades favorecieron la aparición de la habilidad de atribución de estados mentales de creencia. Estos resultados sustentan hipótesis que indican la existencia de una relación entre la habilidad de atribución de estados mentales y el desarrollo de lenguaje. Palabras clave: Teoría de la mente, creencias, desarrollo del language. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 249-257. 249 Introdução Numerosos estudos sobre o desenvolvimento da compreensão da mente do outro são encontrados na literatura psicológica sob a designação de teoria da mente, significando o entendimento que as crianças elaboram, durante os primeiros anos de vida, a respeito das emoções, intenções e crenças das pessoas com as quais interagem em seu cotidiano (Astington, Harris, & Olson, 1988; Baron-Cohen, Leslie, & Frith, 1985; Wimmer & Perner, 1983). As pesquisas sobre o desenvolvimento da teoria da mente são de grande importância, dadas as suas implicações na compreensão do desenvolvimento social da criança e suas possibilidades de aplicação na educação infantil, sobretudo em crianças de três a seis anos de idade. Ao longo dos anos 80 e 90 vários estudos foram realizados para investigar a habilidade de compreensão da mente do outro (Deleau, 1996; Dias, 1993; Jenkins & Astington, 1996; Roazzi & Santana, 1999; Siegal & Beattie, 1991) e se consolidaram utilizando o paradigma da crença falsa desenvolvido por Wimmer e Perner (1983). Assim, por exemplo, uma criança mostra que compreende a crença falsa de outra criança quando, observando a realidade, diz: “ele pensa que o chocolate está no armário, mas não está lá, porque a mãe dele o guardou noutro lugar”. A criança neste exemplo demonstra compreender que as pessoas têm representações da realidade e que essas representações podem ser falsas. A compreensão a respeito do que outras pessoas pensam é uma habilidade que se desenvolve durante os primeiros anos de vida e é essencial para a adaptação social da criança. Esse desenvolvimento parece estar relacionado à linguagem e vem sendo estudado em distintas culturas e idiomas (Antonietti, Liverta-Sempio, & Marchetti, 2006; Astington & Baird, 1995; Maluf, Gallo-Penna, & Santos, 2011; Souza, 2008). Nas pesquisas de tipo experimental a relação entre teoria da mente e linguagem é estudada, sobretudo, por meio da aplicação de tarefas de crença falsa (Domingues & Maluf, 2008; Rakh, Kornilov, Reich, Babyonyshev, & Grigorenko (2011). Alguns estudos experimentais encontrados na literatura, feitos com grupo experimental e grupo controle, demonstram que as crianças do grupo experimental que vivenciam atividades de conversas sobre personagens de histórias de livros ou vídeos apresentam um desempenho melhor nas tarefas de crença falsa, quando comparadas com crianças do grupo controle que não passaram por essas atividades (Appleton & Reddy, 1996; Clements, Rustin & McCallum, 2000; Guajardo & Watson, 2002). Dois desses estudos experimentais encontrados na literatura (Appleton & Reddy, 1996; Clements, e cols., 2000), que tratam do desenvolvimento da teoria da mente mediante aplicação de tarefas de crença falsa e conversação com as crianças, despertaram nosso interesse e estão na origem da presente pesquisa, uma vez que não foram identificados trabalhos de intervenção similares realizados com crianças brasileiras. 250 No estudo de Appleton e Reddy (1996) foi aplicado em crianças de três anos um procedimento de intervenção em que o experimentador explica a reação de surpresa de um protagonista em uma situação de crença falsa. A intervenção teve como objetivo favorecer a compreensão das crianças em tarefas tradicionais de crença falsa. O estudo foi realizado com 47 participantes com idade média de três anos e seis meses. Além da tarefa de crença falsa utilizada no pré-teste, foi aplicada a escala British Picture Vocabulary Scale (BPVS). As crianças foram alocadas aleatoriamente no grupo controle ou no grupo experimental. O grupo experimental participou de oito sessões de discussões promovidas em torno de quatro videoclipes, de curta duração, por um período de duas semanas, em sessões de dez a quinze minutos. No programa de intervenção um adulto explicava a reação de surpresa de um ator que aparecia nas cenas dos videoclipes, após a inesperada transferência de um objeto. Foram quatro cenas diferentes, em que um protagonista desempenhava ações motivado por uma crença falsa quanto à localização de um objeto e manifestava expressão de surpresa. Cada intervenção envolvia lembrança do evento inicial e sua sequência, questionamento factual sobre o evento e explicação dos pensamentos e ações do protagonista do vídeo. As crianças do grupo controle participavam de quatro sessões de dez a quinze minutos com o pesquisador, mas as sessões se limitavam à leitura de histórias de alguns livros. Ambos os grupos foram submetidos a um pós-teste, com tarefas de crença falsa, imediatamente após a quarta sessão de intervenção e a quarta sessão de leitura. Os resultados evidenciaram que os procedimentos de intervenção que consistiram em promover conversas e explicações para descrever a inesperada transferência de local do objeto contribuíram para o desenvolvimento da habilidade de atribuir crença falsa ao outro. Esses resultados mostraram também que as crianças que conversaram mais durante as sessões de intervenção obtiveram melhor desempenho nas tarefas de avaliação após o procedimento. Duas semanas após o primeiro pós-teste as crianças foram reavaliadas com os mesmos instrumentos. Esse segundo pós-teste mostrou que os resultados obtidos se mantiveram duas semanas após o experimento. O outro estudo que investigou o efeito de uma intervenção na compreensão da crença falsa foi o realizado por Clements e cols. (2000). Participaram 91 crianças, com idade entre dois anos e dez meses meses e cinco anos, as quais foram divididas em três grupos: um grupo participou de uma “intervenção explicação”, outro participou de uma “intervenção prática”, e o terceiro foi mantido como grupo controle. Foram realizadas duas sessões de intervenção com os grupos experimentais. O grupo “intervenção explicação” recebeu explicações detalhadas sobre a situação de crença falsa e sobre suas respostas erradas ou corretas. Ao grupo da “intervenção prática” era apenas informado se as suas respostas estavam corretas ou incorretas. As crianças do grupo controle ouviram uma história neutra. Os resultados indicaram que apenas o grupo que recebeu a interven- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 249-257. ção em “explicação” teve uma melhora significativa no julgamento e justificativa das futuras ações de um protagonista em uma situação de crença falsa. Esses resultados sugerem que a explicação sobre os princípios subjacentes à situação de crença falsa é mais eficiente para levar a uma melhora no desempenho na tarefa do que apenas a informação sobre a resposta da criança estar correta ou não. Os procedimentos utilizados nessas pesquisas e os resultados obtidos nos levaram a perguntar pelos possíveis resultados de aplicações similares a crianças brasileiras da mesma faixa etária que frequentam classes de educação infantil. A presente pesquisa teve como objetivo verificar os efeitos de um procedimento de intervenção experimental com uso de linguagem explicativa de estados mentais, sobre a compreensão da crença falsa, em crianças de três e quatro anos de idade. Partiu-se da hipótese de que as conversações com crianças em situações lúdicas nas quais são explicitados estados mentais de crença dos personagens com uso de verbos mentais têm efeito positivo no desempenho de tarefas de crença falsa. Método Para medir o impacto do programa de intervenção sobre a compreensão de crença falsa utilizou-se um delineamento experimental com pré-teste, intervenção e dois pós-testes. O segundo pós-teste foi aplicado com o objetivo de verificar se os resultados obtidos permaneciam três semanas depois da aplicação do pós-teste 1. O projeto recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Foi obtido o consentimento livre e esclarecido dos responsáveis pelas crianças e mantido o anonimato destas. Participantes Participaram da pesquisa 44 crianças de três anos a quatro anos e onze meses que frequentavam uma creche na cidade de São Paulo. A creche atende a população do bairro, constituída predominantemente por famílias de baixa renda. Duas tarefas de crença falsa foram aplicadas como pré-teste e seleção dos participantes. Foram selecionadas para a pesquisa as crianças que não acertaram nenhuma dessas duas tarefas e foram excluídas as que mostraram acertos, uma vez que acertar tarefas de crença falsa indicava algum nível de capacidade de atribuição desse estado mental. As tarefas aplicadas foram: a dos Smarties (Perner, Leekam, & Wimmer, 1987) e a de Sally e Ann (Baron-Cohen e cols., 1985), ambas na forma adaptada por Dias, Soares e Sá (1994). As 44 crianças selecionadas foram escolhidas aleatoriamente para comporem o grupo experimental (GE) e o grupo controle (GC). O GE foi composto por 22 crianças, sendo 11 meninas e 11 meninos, de 3 anos e 5 meses a 4 anos e 7 meses (M = 3 anos e 9 meses). O GC foi composto por 22 crianças, sendo 12 meninas e 10 meninos, com os mesmos extremos na faixa etária, com média de idade de 3 anos e 5 meses. A aplicação do teste t permitiu aceitar a equivalência dos grupos quanto à idade ( t = 1,676 e p = 0,101). Instrumentos O procedimento de intervenção em crença falsa foi baseado no estudo de Appleton e Reddy (1996) e utilizou quatro histórias que permitiam verificar se a criança mostrava habilidade de atribuição de crença falsa aos personagens (Anexo 1). Para o pós-teste 1 foram utilizadas duas tarefas de crença falsa, semelhantes às aplicadas no pré-teste: a tarefa da caixa de fósforos (Hogrefe, Wimmer, & Perner, 1986) e a tarefa utilizada por Avis e Harris (1991). A tarefa 1, designada como predição de conduta do tipo conteúdo inesperado, tem como estrutura apresentar à criança uma caixa de fósforos com rótulo que indica o conteúdo da caixa; mas ao abri-la, a criança constata a presença de outro conteúdo. Pergunta-se à criança o que diria um amiguinho que desconhecesse o conteúdo da caixa, quando perguntado sobre seu conteúdo. A tarefa 2, designada como predição de conduta do tipo história de engano, tem como estrutura e conteúdo a participação de dois personagens, brincando cada qual com um objeto. O personagem 1 guarda seu objeto num determinado lugar e sai de cena; o personagem 2 aproveita a ausência do primeiro, pega o objeto guardado e o esconde em outro local. O personagem 1 volta para recuperar o objeto. A criança deve predizer se ele vai procurar o objeto onde o deixou ou onde o personagem 2 o escondeu (Anexo 2). No pós-teste 2 as crianças foram avaliadas com as tarefas da caixa de lápis de cor (Perner e cols., 1987) e do garoto Maxi, aqui denominado João (Wimmer & Perner, 1983). A tarefa 3 tem como estrutura e conteúdo a apresentação, à criança, de duas caixas. Uma caixa tem um rótulo que indica o conteúdo da caixa (lápis de cor) e a outra caixa é igual, mas sem rótulo, toda branca. O experimentador pega a primeira caixa e pergunta à criança o que há no seu interior. Quando a criança responde corretamente, uma vez que ela conhece o rótulo, o experimentador abre a caixa e mostra que ela está vazia. Em seguida ele pega a segunda caixa, sem rótulo, e pergunta à criança o que há no interior da caixa. Em geral as crianças tentam adivinhar ou dizem que não sabem. O experimentador então abre a caixa e mostra que ela contém lápis de cor. Ele então pergunta: “O que você acha que diria seu amiguinho se perguntarmos para ele o que há nesta caixa?”. Espera-se que a criança compreenda que o amiguinho que desconhece o conteúdo das caixas não será capaz de predizer o conteúdo da caixa sem rótulo. Esse tipo de tarefa é designado como predição de conduta do tipo conteúdo inesperado. A tarefa 4 tem como estrutura e conteúdo a participação de dois personagens que estão brincando, cada qual com um objeto. O Atribuição de estados mentais * Simone Ferreira da Silva Domingues & Maria Regina Maluf 251 personagem 1 guarda seu objeto num determinado lugar e sai de cena; o personagem 2 aproveita a ausência do primeiro, pega o objeto guardado e o esconde em outro local. O personagem 1 volta para recuperar o objeto. A criança deve dizer se o personagem 1 vai procurar o objeto onde o deixou ou onde o personagem 2 o escondeu. Esse tipo de tarefa é designado como predição de conduta com tipo história de engano (Anexo 2). O primeiro pós-teste foi aplicado no dia seguinte à quarta e última sessão de intervenção, começando sempre com as primeiras crianças que haviam passado pela experiência e intercalando com as crianças do grupo controle. O segundo pós-teste foi aplicado três semanas após o primeiro pós-teste. Nas avaliações de crença falsa, para cada tarefa foi atribuído 1 (um) ponto para a resposta correta e 0 (zero) para a resposta incorreta. Procedimento de intervenção Antes de iniciar o estudo o pesquisador frequentou a creche pelo período de um mês, com o objetivo de familiarizar as crianças com sua presença. Após esse período deu início à aplicação das tarefas de crença falsa do pré-teste. As tarefas foram aplicadas de forma individual e nas dependências da creche. A intervenção foi aplicada em quatro sessões individuais, com duração de dez a quinze minutos, no período de duas semanas, sendo duas sessões por semana. Em cada uma delas foi utilizada uma história e entregue o material para manuseio da criança. As sessões foram gravadas em áudio e complementadas com anotações sobre os comportamentos não verbalizados das crianças. Para contar as histórias foi utilizado um cenário, montado numa casinha de madeira medindo 67cm de largura, 49cm de profundidade e 44cm de altura. Nela eram colocados os protagonistas, o que permitia criar um cenário lúdico que agradava às crianças participantes (figura 1). Em todas as sessões, o experimentador contava a história e depois conversava com a criança sobre a trama. O experimentador interagia com a criança manipulando os diferentes materiais e personagens e falava com ela utilizando termos de atribuição de estados mentais de desejo, intenção e crença, como querer, gostar, acreditar e pensar. Antes de iniciar a história o pesquisador conversa com a criança sobre o material do cenário, pergunta se ela conhece e sabe nomear os objetos e permite que ela os manipule. Em seguida solicita que a criança preste atenção à história que ele vai contar para que depois possam conversar sobre ela. Como ilustração apresenta-se aqui uma sessão de intervenção utilizando a história do trenzinho: Este bonequinho chama-se Carlos e ele gosta muito de brincar de trenzinho. Ele estava brincando com seu trenzinho no chão da sala. Aí, ele ficou com sede, pegou o trenzinho e foi até a cozinha pegar um refrigerante. Ele colocou o trenzinho em cima da mesa, pegou a garrafa de refrigerante e voltou para a sala. Sentou no sofá para tomar o refrigerante. Enquanto isso, o seu amigo entrou na cozinha e viu o trenzinho em cima da mesa. Ele pegou o trenzinho, colocou no assento da cadeira e foi embora. Aí o Carlos acabou de tomar o refrigerante e lembrou-se do trenzinho que havia deixado em cima da mesa, lá na cozinha. Aí ele foi buscar o trenzinho na cozinha, e quando ele foi pegar o trenzinho, que deixou em cima da mesa, o trenzinho não estava mais lá. Ele ficou surpreso! Manipulando o boneco, o pesquisador perguntava: “Por que o Carlos achava que o trenzinho estava em cima da mesa? Aguardava a resposta da criança e continuava, questionando, sempre no sentido de recuperar os elementos da história e com o objetivo de chegar ao desfecho, onde ocorre a atribuição de crença falsa. “Por que o Carlos voltou para buscar o trenzinho na cozinha”? Mas quando ele chegou à cozinha, ele ficou surpreso porque o trenzinho não estava lá. O que você acha que aconteceu”? Caso a criança não respondesse, o experimentador fornecia a resposta correta, manipulando o boneco e os objetos: Como ele deixou na cozinha, ele pensava que ainda estivesse lá, pois ele não sabia que o amigo dele tinha colocado o trenzinho no assento da cadeira. Por que ele não sabia? Onde ele estava quando o amigo pegou o trenzinho? Figura 1. Cenário utilizado na intervenção 252 Quando a criança, espontaneamente, não mostrava compreensão de crença falsa, o experimentador fornecia a resposta correta, explicando no contexto da história. “Quando o amigo pegou o trenzinho Carlos não viu, porque naquele momento ele estava na sala. Assim, ele acreditava que o trenzinho continuava em cima da mesa, onde ele o deixado”. Com as crianças do grupo controle foram utilizadas outras atividades, com o objetivo de controlar o chamado efeito de Hawthorne, decorrente do simples fato de estar participando de atividades de intervenção. Foram utilizadas Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 249-257. quatro atividades que não incluíam linguagem, de modo a não concorrer para o desenvolvimento da habilidade de compreender e atribuir estados mentais. As atividades propostas e realizadas pelas crianças foram: desenho, massinha, colagem e quebra-cabeça. Foram realizadas quatro sessões com duração aproximada de dez minutos. Em cada sessão foi entregue o material para o manuseio da criança, atividade que ocorreu ao longo de duas semanas, com a realização de duas sessões por semana. A tabela 1 apresenta as idades e número de acertos nas tarefas de crença falsa das crianças do grupo experimental (GE) e do grupo controle (GC), no pós-teste 1 e no pós-teste 2. Como se pode verificar na tabela 1, no pós-teste 1 quatro crianças do grupo experimental (GE) acertaram a tarefa 1 e uma criança do grupo controle acertou essa tarefa. Na tarefa 2, treze crianças do grupo experimental (GE) deram a resposta correta, ou seja, compreenderam a falsa crença do personagem da história, enquanto somente duas crianças do grupo controle (GC) deram indício dessa compreensão. Foi feito um tratamento estatístico para comparação dos escores obtidos no pós-teste 1 pelo grupo experimental (GE) e pelo grupo controle (GC), aplicando-se o teste do x2 (qui-quadrado). Resultados Tabela 1. Escores das crianças do grupo experimental (GE) e do grupo controle (GC) nas tarefas de crença falsa 1,2,3 e 4, aplicadas no pós-teste 1 e no pós-teste 2 Grupo Experimental Grupo Controle Pós- Pós- Pós- Pós- Teste 1 Teste 2 Teste 1 Teste 2 Criança Idade T1 T2 T3 T4 Criança Idade T1 T2 T3 T4 1 3;5 0 0 0 0 1 3;5 0 0 0 0 2 3;6 0 0 0 0 2 3;6 0 0 0 0 3 3;6 0 1 1 1 3 3;6 0 0 0 0 4 3;7 0 0 0 0 4 3;6 0 0 0 0 5 3;8 1 1 0 0 5 3;7 0 0 0 0 6 3;10 0 0 0 0 6 3;8 0 0 1 0 7 3;11 0 1 1 1 7 3;9 1 0 0 0 8 3;11 0 0 0 1 8 3;10 0 0 0 0 9 4;0 0 1 0 1 9 3;10 0 0 0 0 10 4;0 0 1 1 0 10 3;10 0 0 0 0 11 4;0 0 1 0 1 11 3;10 0 0 0 0 12 4;1 0 0 1 0 12 3;10 0 0 ///// 13 4;1 0 1 0 0 13 3;11 0 0 0 0 14 4;2 0 0 0 0 14 3;11 0 0 0 0 15 4;2 0 1 0 1 15 4;0 0 1 0 0 ///// 16 4;3 0 0 1 0 16 4;0 0 0 0 0 17 4;4 1 1 1 1 17 4;1 0 0 0 0 18 4;4 0 1 1 1 18 4;1 0 0 0 0 19 4;5 1 1 1 0 19 4;5 0 0 0 0 20 4;5 0 1 1 1 20 4;5 0 0 0 0 21 4;6 1 0 0 0 21 4;6 0 0 0 0 22 4;7 0 1 1 1 22 4;7 0 1 1 1 4 13 10 10 1 2 2 1 Total de Acertos Total de Acertos Atribuição de estados mentais * Simone Ferreira da Silva Domingues & Maria Regina Maluf 253 Na tarefa 1, a baixa frequência dos resultados (GE= 4 e GC=1) não permitiu conclusões baseadas em análise estatística. Em valores brutos o GE teve mais acertos do que o GC. Na tarefa 2, o valor do teste x² = 12,239 (p = 0,000), apresentou diferença significativa entre os resultados obtidos pelas crianças do grupo experimental (GE) e do grupo controle (GC). Observa-se que existe diferença significativa no desempenho entre os dois grupos (p = 0,001). Conclui-se que houve um efeito positivo do procedimento de intervenção, uma vez que o grupo experimental (GE) obteve desempenho significativamente melhor que o grupo controle (GC). Em síntese, pode-se afirmar que os resultados indicaram efeitos do procedimento de intervenção sobre a habilidade de atribuição de estados mentais de crença na tarefa 2, que envolve predição de conduta com história de engano, e na tarefa 1, que envolve predição de conduta com conteúdo inesperado. De acordo com o delineamento do estudo, o pós-teste 2 foi aplicado três semanas depois do pós-teste 1, com o objetivo de verificar se haviam se mantido os efeitos obtidos após a intervenção. Como se pode observar na tabela 1, dez crianças do grupo experimental (GE) mostraram acertos na tarefa 3 e duas crianças do grupo controle (GC) apresentaram acertos na mesma tarefa. O valor do teste x² no cruzamento de escores obtidos pelas crianças dos grupos experimental e controle, com a tarefa 3, mostrou um valor de 6,894 (p = 0,009). Observa-se diferença significativa no desempenho entre os dois grupos (p < 0,01), permitindo concluir que houve um efeito positivo do procedimento de intervenção, uma vez que o grupo experimental (GE) obteve desempenho significativamente melhor que o do grupo controle (GC). Na tarefa 4, dez crianças do grupo experimental (GE) obtiveram acerto, enquanto somente uma criança do grupo controle acertou a mesma tarefa. O valor do teste x² = 9,345 (p = 0,002), no cruzamento de escores obtidos pelas crianças do grupo experimental (GE) e do grupo controle (GC), com a tarefa 4, sugere diferença significativa entre os dois grupos (p < 0,01). Conclui-se que houve um efeito positivo do procedimento de intervenção, uma vez que o grupo experimental (GE) obteve desempenho, significativamente, melhor que o grupo controle (GC). Esses resultados permitem afirmar que os efeitos da intervenção se mantiveram após três semanas, para as crianças do grupo experimental (GE), sugerindo que os ganhos permaneceram. Em síntese, é possível afirmar que as crianças se beneficiaram com o procedimento de intervenção que envolveu conversações com o uso de verbos mentais. As atividades realizadas favoreceram o surgimento da habilidade de atribuição de estados mentais de crença e esses efeitos se mantiveram no grupo experimental (GE) após três semanas. Esse achado deu sustentação à nossa hipótese de que o procedimento de intervenção que utiliza conversações com crianças em situações lúdicas nas quais são explicitados 254 estados mentais de crença dos personagens, com uso de verbos mentais, produz efeito positivo no desempenho de tarefas de crença falsa. Discussão A presente pesquisa teve como objetivos verificar o efeito de um procedimento de intervenção experimental com uso de linguagem explicativa de estados mentais, sobre a compreensão da crença falsa, em crianças de 3 e 4 anos de idade e testar se esse efeito se mantém após três semanas. Os resultados indicaram que as crianças do grupo experimental (GE) se beneficiaram com o procedimento de intervenção e que as atividades realizadas favoreceram o surgimento de respostas corretas nas tarefas que avaliam a habilidade de atribuição de estados mentais de crença. Ademais, os efeitos se mantiveram após três semanas. Esses achados permitiram aceitar a hipótese da pesquisa, de que crianças que frequentam classes de educação infantil podem beneficiar-se de interações linguísticas realizadas em situações lúdicas durante as quais são explicados estados mentais de crença dos personagens, com uso intencional de verbos mentais. A ênfase na narrativa e a frequência de conversas sobre estados mentais com as crianças parecem ter beneficiado seu desempenho nas tarefas de crença falsa. Esses resultados estão de acordo com outros encontrados na literatura (Antonietti e cols., 2006; Astington & Baird, 1995; Rakhlin e cols., 2011). De modo mais específico, confirmaram os achados dos estudos de Appleton e Reddy (1996) e de Clements e cols. (2000), ponto de partida deste estudo. Os autores mostraram que a linguagem utilizada em contextos de conversação foi proveitosa para favorecer a compreensão social sob a forma de habilidade de atribuição de estados mentais de crença. Muitos pesquisadores argumentam que a linguagem oral desempenha um papel causal no desenvolvimento da compreensão de crença falsa; no entanto persistem discussões sobre o papel preciso que a linguagem desempenha, devido à possibilidade de ela ser operacionalizada e avaliada de diferentes maneiras (Deleau, Maluf, & Panciera, 2008). Neste estudo, considerou-se a linguagem oral tal como ela se mostra em contextos de conversações, que habitualmente ocorrem na família e na escola. Nessas condições foi possível concluir que conversações realizadas com as crianças, sobre eventos que implicam ações mentais, podem favorecer o desenvolvimento da habilidade de atribuir crença ao outro, sendo essa aquisição de grande importância para a adaptação social das crianças. Como afirma Bruner (2001), na linguagem cotidiana pouco se fala sobre termos mentais - como pensar, acreditar e lembrar. O que se verifica é que esses termos passam o tempo todo despercebidos, sendo utilizados somente em algumas situações. “Usar estas palavras requer que a criança entenda não apenas as palavras, mas sua contextualização na sociedade ao seu redor” (Bruner, 2001, p.108). Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 249-257. Estudos futuros sobre as relações entre linguagem e o desenvolvimento da atribuição de estados mentais deverão esclarecer essa importante relação, com o uso de procedimentos que permitam separar, para fins de análise, as diferentes dimensões da linguagem. Os resultados do presente estudo permitiram concluir que o conhecimento do modo como as crianças adquirem noções sobre estados mentais, em situações de conversação, é da maior importância para a educação familiar e escolar. O estudo também permite recomendar que essa estratégia seja utilizada, tanto na família quanto na escola, para favorecer a compreensão social nos primeiros anos de vida. da Mente” (pp. 93-130). São Paulo: Vetor. Dias, M. G. B. B. (1993). O desenvolvimento do conhecimento da criança sobre a mente. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 9(3), 587600. Dias, M. G. B. B., Soares, G. B., & Sá, T. P. (1994). Conhecimento sobre a mente e compreensão sobre as intenções do experimentador. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 10(2), 221-229. Referências Domingues, S. F. S., & Maluf, M. R. (2008). Compreendendo estados mentais: Procedimentos de pesquisa a partir da tarefa original de crença falsa. Em T. M. Sperb & M. R. Maluf (Orgs.), Desenvolvimento sociocognitivo: Estudos brasileiros sobre “Teoria da Mente” (pp. 11-31). São Paulo, SP: Vetor. Antonietti, A., Liverta-Sempio, O., & Marchetti, A. (Eds.). (2006). Theory of mind and language in developmental contexts. New York: Springer Science. Guajardo, N. R., & Watson, A. C. (2002). Narrative discourse and theory of mind development. Journal of Genetic Psychology, 163, 305-325. Astington, J. W., & Baird, J. A. (Eds.). (1995). Why language matters Hogrefe, G., Wimmer, H., & Perner, J. (1986). Ignorance versus false for theory of mind. Oxford, NY: Oxford University Press. Astington, J. W., Harris, P. L., & Olson, D. R. (Eds). (1988). Developing theories of mind. New York: Cambridge University Press. Appleton, M., & Reddy, V. (1996). Teaching three year-olds to pass false belief tests: A conversational approach. Social Development, 5(3), 275-291. Avis, J. & Harris, P.L. (1991). Belief-Desire reasoning among Baka children: Evidence for a universal conception of mind. Child Development, 2, 40-47. Baron-Cohen, S., Leslie, A. M., & Frith, U. (1985). Does the autistic child have a ‘theory of mind’? Cognition, 21, 37-46. Bruner, J. (2001). A cultura da educação. Porto Alegre: Artmed Editora. Clements, W. A., Rustin, C. L., & McCallun, S. (2000). Promoting the transition from implicit to explicit understanding: A training study of false belief. Developmental Science, 3(1), 81-92. belief: a developmental lag in attribution of epistemic states. Child development, 57, 567-586. Jenkins, J. M., & Astington, J. W. (1996). Cognitive factors and family structure associated with theory of mind development in young children. Developmental Psychology, 32(1), 70-78. Maluf, M. R., Gallo-Penna, E. C., & Santos, M. J. (2011). Atribuição de estados mentais e compreensão conversacional: Estudo com pré-escolares. Paidéia, 21(48), 41-50. Perner, J., Leekman, S., & Wimmer, H. (1987). Three-year-old´s difficulty with false belief: The case for a conceptual deficit. British Journal of Developmental Psychology, 5, 125-137. Rakhlin, N., Kornilov, S. A., Reich, J., Babyonyshev, M., Koposov, R., & Grigorenko, E. L. (2011). The relationship between syntactic development and theory of mind: Evidence from a smallpopulation study of a developmental language disorder. Journal of Neurolinguistics, 24, 476-496. Roazzi, A., & Santana, S. M. (1999). Teoria da mente: efeito da idade, do sexo e do uso de atores animados e inanimados na inferência de estados mentais. Psicologia: Reflexão e Crítica, 12(2), 307-330. Deleau, M. (1996). L’attribution d’états mentaux chez des enfants sourds et entendants : une approche du rôle de l’experience langagière sur une théorie de l’esprit. Bulletin de Psychology, 50(427), 48-56. Siegal, M., & Beattie, K. (1991). Where to look first for children`s knowledge of false beliefs. Cognition, 38, 1-12. Deleau, M., Maluf, M. R., & Panciera, S. D. P. (2008). O papel da linguagem no desenvolvimento de uma teoria da mente: Como e quando as crianças se tornam capazes de representações de estados mentais. Em T. M Sperb & M. R. Maluf (Orgs.), Desenvolvimento sociocognitivo: Estudos brasileiros sobre “Teoria Souza, D. H. (2008). De onde e para onde? As interfaces entre linguagem, teoria da mente e desenvolvimento social. Em T. M. Sperb & M. R. Maluf (Orgs.), Desenvolvimento sociocognitivo: Estudos brasileiros sobre “Teoria da Mente” (pp. 33-54). São Paulo: Vetor Atribuição de estados mentais * Simone Ferreira da Silva Domingues & Maria Regina Maluf 255 Wimmer, H., & Perner, J. (1983). Beliefs about beliefs: Representation and constraining function of wrong beliefs in young children`s understanding of deception. Cognition, 13, 103-128. Anexos fica surpreso por não encontrar o lápis e o papel do desenho sobre a mesa. Material: O cenário será composto por uma maquete de casa, feita em madeira, dois bonecos, um telefone, uma folha de papel, lápis de cor e um armário com gaveta. Anexo 1 – Descrição das 4 histórias e material que compôs os cenários Anexo 2 – Tarefas de crença falsa, materiais e procedimentos Primeira história - cena do refrigerante Pedro põe o refrigerante em cima da mesa e vai ao quintal, para jogar bola. Enquanto ele está jogando bola, João entra na cozinha, pega o refrigerante e o coloca no armário da cozinha. Pedro para de jogar bola e volta à cozinha para tomar seu refrigerante; olha na mesa e fica surpreso porque não encontra o refrigerante, lá. Material - O cenário será composto por uma maquete de casa, feita em madeira, dois bonecos, uma garrafa de refrigerante, um armário, uma bola, uma mesa. Tarefa 1 A tarefa utilizada foi a da caixa de fósforos (Hogrefe, Wimmer & Perner, 1986), que consiste na seguinte situação: Segunda história - cena do trenzinho Carlos está sentado na sala brincando com seu trenzinho. Ele sai da sala com seu trenzinho na mão e vai para a cozinha pegar um refrigerante. Enquanto pega o refrigerante, põe o trenzinho em cima da mesa. Depois que pega o refrigerante, volta para a sala. Um amigo chega na cozinha e vê o trenzinho em cima da mesa, pega o trenzinho e o coloca no assento da cadeira. Carlos volta para a cozinha à procura de seu trenzinho que ficara sobre a mesa. Quando chega na cozinha, ele olha para a mesa e fica surpreso, pois o trenzinho não está mais lá. Material - O cenário será composto por uma maquete de casa, feita em madeira, dois bonecos, um trenzinho, uma garrafa de refrigerante, uma mesa, uma cadeira e um sofá. tem dentro. Nesse momento, o experimentador faz uma pergunta: “O que ele(a) vai dizer que tem dentro da caixinha, assim que eu perguntar a ele(a), como fiz com você?” “Por que ele(a) dirá isso?” “Você se lembra quando eu mostrei esta caixa a você e perguntei o que tinha dentro dela, o que você respondeu? O que realmente tinha na caixa?” Terceira história - esconde-esconde Bruno e Mateus estão brincando de esconde-esconde. Bruno fica de costas, fecha seus olhos e começa bater cara, contando até dez. Mateus se esconde atrás do sofá. Bruno inicia a procura e vê que Mateus está atrás do sofá. Nesse instante, toca a campainha e Bruno vai em direção à porta, para atendê-la, Mateus vê que seu amigo foi até a porta, sai correndo e se esconde atrás do armário. Bruno volta e vai em direção ao sofá para procurar Mateus, surpreendendo-se, porque ele não se encontra lá. Material - O cenário será composto por uma maquete de casa, feita em madeira, dois bonecos, um sofá, um armário. Quarta história - cena do desenho Felipe está sentado à mesa, desenhando. O telefone toca e ele vai atender, deixando o desenho e o lápis sobre a mesa. Maurício entra na sala e vê o lápis e o papel do desenho sobre a mesa. Ele os pega da mesa e os coloca dentro da gaveta. Felipe volta, após sua conversa ao telefone, e 256 O experimentador mostra uma caixa de fósforos para a criança e pergunta o que há dentro da caixa. Quando a criança responde - fósforos -, o experimentador abre a caixa e mostra para a criança outra coisa diferente (refrigerante), que está na caixa, e a fecha. Logo em seguida, ele fala que irá jogar com um amigo(a) da criança e lhe mostrará a caixa de fósforos e perguntará para seu amigo(a) o que Material para tarefa: 1 caixa de fósforos e garrafa de refrigerante. Tarefa 2 A tarefa utilizada na pesquisa foi a de Avis e Harris (1991), que consiste na seguinte situação: A criança assiste a um boneco fazendo comida. Após o cozimento, ele coloca a comida em uma tigela e cobre com uma tampa e sai da cozinha. Em sua ausência a criança é incitada pelo aplicador a remover a tigela com a comida e esconder em uma panela. Uma vez que a criança esconde a comida, o experimentador faz a seguinte pergunta para a criança: “Qual o primeiro lugar em que o boneco vai procurar a comida, assim que ele voltar? Na tigela ou na panela?” O experimentador pede para a criança justificar sua resposta. Material para tarefa 2: boneco, comidinha, tigela com tampa e panela com tampa. Tarefa 3 A tarefa utilizada foi adaptada da tarefa de Perner, Leekam e Wimmer, (1987). Versão original (Perner, Leekam & Wimmer, 1987): Consiste em mostrar, primeiramente, para a criança, uma caixa de “band-aid” vazia e outra caixa igual sem marcas, toda branca, mas com “band-aid” em seu interior. Depois, Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 249-257. Maxi ajuda a sua mãe a guardar as compras, coloca seu chocolate no armário verde e sai da cozinha. Na sua ausência, sua mãe pega o chocolate para colocar um pouco na torta. Depois ela coloca o chocolate no armário azul e sai para comprar ovos. Maxi retorna e quer comer seu chocolate. Nesse momento, o investigador pergunta a criança: “Onde Maxi procurará pelo chocolate? Por quê?” as caixas são fechadas e o boneco é colocado em cena. Na tarefa de predição, a criança deve predizer em qual caixa o boneco procuraria o “band-aid”. Na tarefa de explicação, o boneco começa a olhar a caixa marcada, mas vazia. Solicitase, então, à criança que explique porque o boneco estaria olhando para a caixa vazia. Versão utilizada: Versão utilizada: O experimentador mostra, primeiramente, para a criança, uma caixa de lápis de cor, vazia, e pergunta o que há dentro. Quando a criança responde, lápis, o experimentador abre a caixa e mostra para a criança que ela está vazia. Ele pega outra caixa igual sem marcas, toda branca, mas com lápis de cor no seu interior e pergunta o que há dentro. Depois que a criança responde, o experimentador abre a caixa e mostra que ela contém lápis de cor. Depois, as caixas são fechadas e entra em cena um o boneco. O pesquisador solicita à criança que diga em qual caixa o boneco vai procurar o lápis de cor. Depois pergunta: “Porque ele foi procurar nesta caixa?” “Onde estão de verdade os lápis?” João foi fazer compras com sua mãe. Quando voltou, sua mãe pediu para que ele a ajudasse a guardar as compras no armário. João coloca os sucrilhos e o leite no armário e sai para brincar na rua. Na sua ausência, sua mãe pega os sucrilhos e o leite e os guarda em outro armário e sai para comprar ovos, para fazer um bolo. João volta para casa e quer comer seus sucrilhos com leite. Nesse momento, o investigador pergunta à criança: “Qual o primeiro lugar em que João vai procurar o sucrilhos e o leite, assim que ele voltar? No armário em que ele guardou as compras ou onde sua mãe colocou?” O experimentador pede para a criança justificar sua resposta. Material - 1 caixa de lápis de cor, outra caixa de lápis de cor encapada (sem marcas) e um boneco. Material - 1 caixa de sucrilhos, 1 de leite, uma boneca, um bonequinho, 2 armários e um fogão. Tarefa 4 A tarefa utilizada foi adaptada da tarefa de Wimmer e Perner (1983) Procedimento de análise das tarefas - para cada resposta não-esperada ou incorreta, foi atribuído 0 (zero) e para cada resposta esperada ou correta foi atribuído o valor 1 (um). Versão original (Wimmer & Perner, 1983): Recebido em: 25/04/2012 Reformulado em: 22/08/2012 19/11/2012 Aprovado em: 23/01/2013 Sobre as autoras Simone Ferreira da Silva Domingues ([email protected] / [email protected]) Universidade Cruzeiro do Sul / Universidade Guarulhos Maria Regina Maluf ([email protected]) Trabalho derivado da tese de doutorado intitulada Teoria da mente: um estudo de intervenção aplicado em crianças de 3 a 4 anos que contou com auxilio financeiro da CAPES. Endereço para correspondência: Rua 26 de abril, 118 – apto. 604C –Penha - São Paulo/SP – CEP 03651020 Atribuição de estados mentais * Simone Ferreira da Silva Domingues & Maria Regina Maluf 257 Contexto escolar: práticas educativas do professor, comportamento e habilidades sociais infantis Alessandra Turini Bolsoni-Silva Universidade Estadual Paulista - SP Maria Luiza Mariano Universidade Estadual Paulista - SP Sonia Regina Loureiro Universidade de Sao Paulo - SP Caroline Bonaccorsi Universidade Estadual Paulista - SP Resumo Práticas educativas, problemas de comportamento e habilidades sociais infantis são questões que têm sido pouco estudadas no contexto escolar. Objetivou-se comparar as práticas educativas de professores do ensino regular e do especial com os comportamentos infantis em grupos diferenciados por problemas de comportamento e pelo sexo das crianças. Participaram quinze professoras e vinte e oito alunos (seis a nove anos), distribuídos em dezoito do ensino regular (infantil e fundamental) e dez do ensino especial. Procedeu-se à avaliação com os professores por meio de um questionário (Q-RSH-Pr) e de entrevista semiestruturada (RE-HSE-Pr). Verificou-se, com diferenças significativas, que os meninos e as crianças com problemas de comportamento apresentaram mais dificuldades e suas professoras relataram utilizar mais práticas negativas de educação, e que as meninas apresentaram mais habilidades sociais. Não se encontraram diferenças nas comparações entre o ensino regular e o especial. A comparação entre as práticas educativas dos professores e os comportamentos das crianças no contexto escolar é útil para intervenções. Palavras-chaves: Educação, distúrbios do comportamento, habilidades sociais. Teacher´s educational practices and child behavior: the influence of multiple variables Abstract Educational practices, behavior problems and children´s social skills have been more studied in family context than in school context. This study aimed to compare, from the verbal report, educational practices of regular and special teacher in relation to children´s behavior, concerning groups differentiated by reference indication of behavior problems in the classroom by the teacher and sex of the children. This study surveyed fifteen teachers and twenty-eight students (6-9 years), who were grouped in regular teaching (n = 18, kindergarten, elementary) and especial teaching (n = 10). The assessment with teachers was proceeded by using a questionnaire (Q-RSH-Pr) and a semi-structured interview (RE-HSE-Pr). We observed that there is a significant difference: boys as well as children with behavior problems presented more difficulties than others. Their teachers revealed that they use more negative Keywords: Education, behavior disorders, social skills. La práctica educativa del profesor y comportamiento infantil: la influencia de múltiplas variables Resumen Prácticas educativas, problemas de comportamiento y habilidades sociales infantiles han sido poco estudiados en el contexto escolar. El estudio tuvo el objetivo de comparar prácticas educativas escolares positivas y negativas; el repertorio conductual respectivo a habilidades sociales e indicadores de problemas de comportamiento; de niños de educación especial y regular, diferenciando grupos de niños que tengan o no problemas de comportamiento y, entre niños y niñas. Participaron de esta investigación 15 profesoras y sus alumnos distribuidos en educación regular (infantil, básica) y especial. La evaluación se realizó con profesores por medio de cuestionario y entrevista semi–estructurada. Los grupos de educación regular y especial no presentaron diferencias en las comparaciones de grupo, los niños y las niñas indicadas con problemas de comportamiento presentaron más problemas de conducta y sus profesoras informaron el uso de más prácticas negativas de educación, las niñas presentaron más Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 259-269. 259 habilidades sociales lo que sugiere la necesidad de intervención y nuevos estudios. Palabras clave: Educación, trastornos de la conducta, habilidades sociales. Introdução Os comportamentos das crianças são complexos e multideterminados, e para o seu entendimento é necessário avaliar o contexto em que ocorrem. Neste sentido, destaca-se que no ambiente familiar as práticas educativas podem tanto promover habilidades sociais como favorecer o surgimento de problemas de comportamento. O ambiente escolar, quando comparado ao familiar, tem sido menos investigado no que se refere às práticas educativas, e o repertório infantil tem justificado estudos neste sentido, embora queixas já estejam bem documentadas. No contexto escolar, Del Prette e Del Prette (2001), tendo conduzido estudo com uma amostra de professores de uma escola pública, referiram que mais da metade dos professores relatou acontecimentos semanais de conflitos interpessoais como ameaças, xingamentos, agressões físicas, gritos e discussões entre os alunos, além de outras ocorrências diárias envolvendo, em média, cinco a seis alunos agressivos em cada sala. Referiram também pouca efetividade nas tentativas de manejo dessas situações. Por outro lado, todas as habilidades das crianças foram avaliadas como superiores à média, especialmente habilidades sociais como ter boas maneiras, cooperar, compartilhar, desculpar-se, ouvir o outro, pedir favor ou ajuda, fazer perguntas e a elas responder, sendo as classificadas como as mais baixas atribuídas às habilidades de enfrentamento em situações de conflito potencial, como expressar desagrado, corrigir informação, negociar e discordar. Os autores apontaram, a partir dos resultados obtidos, que os professores têm uma compreensão equivocada das habilidades sociais, restrita às habilidades de comunicação e de civilidade, em detrimento de habilidades de enfrentamento e de resolução de problemas das crianças. Então eles sugerem, para os professores, um treinamento sobre manejo dos comportamentos de seus alunos e investimentos no ensino de habilidades sociais infantis, além de habilidades de enfrentamento em situações conflituosas dentro do contexto escolar. No contexto familiar, a influência das práticas educativas no surgimento e manutenção de problemas de comportamento já está bastante documentada na literatura (Bolsoni-Silva & Marturano, 2007, 2008; Ferreira & Marturano, 2002; D’Ávila-Bacarji, Marturano, & Elias, 2005; Rosa, Garcia, Domingos, & Silvares, 2001; Weber, Prado, Viezzer, & Bandenburg, 2004). Bolsoni-Silva, Villas Boas, Romera e Silveira (2010) encontraram a mesma tendência nas interações e repertórios de famílias de crianças com necessidades educacionais especiais (de linguagem e auditiva), ou seja, as práticas positivas foram associadas às habilidades sociais infantis positivas, e as práticas negativas, aos problemas de comportamento. 260 Sabe-se que mães e professores podem julgar diferentemente os comportamentos das crianças (Achenbach, Mcconaughy, & Howell, 1987; Bolsoni-Silva, Marturano, Figueiredo, & Manfrinato, 2006; Feitosa, 2003; Gagnon, Vitaro, & Tremblay, 1992; Satake, Yoshida, Yamashita, Kinukawa, & Takagishi, 2003; Kumpulainen e cols., 1999), pois seus ambientes são distintos, apresentando demandas e exigências próprias, o que justifica avaliações em ambos os contextos para melhor compreender as interações estabelecidas entre os adultos e as crianças e os comportamentos das crianças. Quanto às relações entre práticas educativas e comportamentos infantis no contexto escolar, os estudos são mais escassos. As práticas educativas do professor são mediadas pela cultura, pelo contexto, pela singularidade da história de vida e pela relação estabelecida (Del Prette & Del Prette, 2001). Bolsoni-Silva e cols. (2010), em revisão de literatura (192 resumos publicados entre o ano de 1986 e junho de 2006) sobre intervenções para reduzir ou prevenir problemas de comportamento, encontraram que apenas 4,2% dos estudos incluíam avaliação e intervenção com professores apesar de inúmeros estudos, de modo geral, terem ressaltado a importância das práticas positivas do professor na promoção de habilidades sociais e na redução de problemas de comportamento. Pesquisas no contexto escolar têm atestado a importância da comunicação na prevenção de problemas de comportamento (Howie, Lukacs, Pastor, Reuben, & Mendola, 2010), no estabelecimento de regras (Gomes, 2003), no treino em resolução de problemas (Allen & Blackston, 2003), na identificação e reforçamento de comportamentos esperados (Barnett, Bauer, Ehrhardt, Lentz, & Stdlar, 1996), no oferecimento de suporte (Greene & Ollendick, 1993), no estabelecimento de estratégias de manejo positivas (Webster-Stratton, Reid, & Stoolmiller, 2008) e no envolvimento com a família (Webster-Stratton e cols., 2008). Na opinião de muitos professores, seria ideal usar a criatividade e a amizade nas interações estabelecidas com os alunos (Oliveira & Wechsler, 2002). O estudo de Reis e Camargo (2008), ao entrevistar alunos com TDAH, deixa clara a importância de os professores identificarem precocemente as dificuldades dessas crianças, de modo que possam propor atividades estimulantes e diferenciadas para os alunos, garantindo, assim, a aprendizagem de todos. Tais atividades poderiam prevenir problemas de comportamento, pois as crianças seriam capazes de realizá-las com menos dificuldades e de maneira lúdica. As práticas educativas positivas dos professores podem ser detalhadas com base nos estudos de Coolahan, Fantuzzo, Mendez, & McDermott (2000), Del Prette e Del Prette (2002), Gomes (2003), Vila (2005) e Zanotto (2000) como assinalado a seguir. Além do comunicar-se efetivamente com o aluno (olhar para os alunos, falar, ouvir, iniciar comunicação, buscar aproximação, responder perguntas), outros comportamentos são também importantes, como: a) elogiar e ser afetivo (elogiar, expressar sentimentos positivos, dar feedback positivo a comportamentos esperados e agradecer a elogios, apoiar o aluno apesar do seu erro e encorajá-lo a novas tentativas, ser amistoso com o aluno e demonstrar reciprocidade Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 259-269. quando o aluno é afetuoso, promover situações lúdicas); b) fazer e receber críticas, ouvir e expressar opiniões e alterar o próprio comportamento; c) propor situações-problema, estabelecer regras e incentivar seu cumprimento. Castro e Bolsoni-Silva (2008) afirmam que o professor, enquanto mediador das relações estabelecidas na sala de aula, pode manter, fortalecer ou até desestimular comportamentos ligados à interação criança-criança e criança-professor, influenciando tanto os aspectos acadêmicos quanto os sociais. Os resultados desse estudo, feito a partir de observação direta, apontaram que os professores incentivavam bons comportamentos das crianças e essas demonstravam contentamento; no entanto, quando as crianças tinham comportamentos que os professores desaprovavam, eles agiam com agressividade (gritando, por exemplo), e nesses momentos as crianças também agrediam. Verificou-se que tanto as crianças como os professores tinham repertório para interagir positivamente em momentos que não estavam relacionados a estabelecer limites, pois nesses momentos tanto crianças como professores agiam com agressividade. Na mesma direção, Fonseca (2012), ao descrever estudos de casos de crianças com e sem problemas de comportamento nos ambientes escolar e familiar, encontrou que: a) as professoras identificaram um número maior de comportamentos problemáticos em comparação com as famílias; b) as crianças com problemas de comportamento também apresentavam déficits de desempenho acadêmico a partir do TRF; c) todas as crianças apresentavam bom escore de habilidades sociais; d) todos os familiares apresentaram déficits de práticas positivas e muitas práticas negativas ao educar as crianças, mas essas últimas destacavam-se nas interações com as crianças classificadas como clínicas para problemas de comportamento; e) diferentemente, as professoras apresentavam mais práticas positivas que negativas na forma de interagir com os alunos, principalmente práticas que envolviam comunicação e negociação, aparecendo com menos frequência comportamentos de expressão de afeto/ sentimentos positivos; f) as professoras relataram usar mais práticas positivas e menos negativas com as crianças sem problemas de comportamento, ocorrendo o contrário com as crianças com problemas de comportamento. Mariano (2011), ao investigar práticas educativas e comportamentos infantis junto a 16 professoras e seus alunos, encontrou que elas apresentavam práticas positivas de interação, sobretudo as de comunicação, mas as qualidades dessas práticas eram diferentes conforme identificavam as crianças com e sem problemas de comportamento. Para as crianças que elas consideravam problemáticas, o conteúdo da comunicação era corrigir os comportamentos, e com o grupo considerado sem problemas, elas conversavam sobre assuntos de interesse das crianças. Notou-se que elas relataram agir de maneira diferente conforme a criança, mas eram mais positivas com as crianças que apresentavam os comportamentos esperados. Segundo Bandeira e Gaglia (2006), para serem bem-sucedidas, as crianças precisam ter comportamento assertivo, pois esse comportamento contribui para melhorar a comunicação interpessoal, expressar sentimentos e necessidades. Por outro lado, cabe ao professor identificar a importância de tais comportamentos para o desenvolvimento da criança, buscando estimulá-los mesmo em situações que envolvam estabelecer limites. Dada a complexidade das demandas do ambiente escolar envolvendo o ensino formal e o desenvolvimento pessoal das crianças quanto à socialização, pode-se pensar que os professores se beneficiariam da aprendizagem e aprimoramento das suas práticas educativas quanto ao que pode auxiliar em suas ações dos psicólogos escolares em suas ações. Daí a importância de uma adequada formação dos professores, especialmente no que tange a lidar com as diferenças e com novas estratégias para o ensino de conteúdo acadêmico e social. Nessa direção, o estudo de Longarezi e Alves (2009) foi capaz de promover discussões sobre a importância de os professores serem afetivos com seus alunos e de ensiná-los a ser autônomos. Almeida, Alves, Neves, Silva e Pedroza (2007), a partir de entrevistas conduzidas com 30 professores, verificaram que eles pouco se lembravam do que haviam aprendido sobre psicologia, o que indica a necessidade de rever os cursos de licenciatura; mas também alertam que tais conteúdos, imprescindíveis para o ensino acadêmico e social dos alunos, dificilmente serão utilizados de maneira eficiente pelo professor em sala de aula, o que poderá maximizar problemas de interação com os alunos. Respaldando esses achados, Paiva e Del Prette (2009) verificaram que os professores considerados facilitadores no processo ensino-aprendizagem acreditavam que o conteúdo acadêmico estava relacionado também ao repertório de habilidades sociais. Uysal e Ergenekon (2010), Para sugerir habilidades sociais em ambientes naturais e ensiná-las aos indivíduos que apresentam deficiências sociais, Uysal e Ergenekon fizeram um estudo com professores para identificar suas práticas de ensino sobre habilidades sociais em Educação Especial. Os resultados demonstraram que os professores estavam tendo sérios problemas e inadequações em relação ao ensino dessas habilidades. Os autores concluiram que, para garantir o aprendizado de crianças com necessidades educacionais especiais, o ensino das habilidades sociais precisa ser conduzido de forma sistemática. Com esse objetivo os professores participaram de uma intervenção para aprenderem a ensinar habilidades sociais a seus alunos. Os autores verificaram que o repertório de habilidades sociais das crianças aumentou após esse ensino aos professores. Com sentido semelhante, destaca-se o estudo de Del Prette, Del Prette, Garcia, Bolsoni-Silva e Puntel (1998), que ensinou aos professores diversas habilidades sociais para melhorar suas interações com as crianças. Com relação à interação entre pais e filhos, Bolsoni-Silva e Loureiro (2011) propuseram a seguinte classificação para as habilidades sociais educativas parentais (HSE-P): comunicação (conversar, perguntar); expressão de sentimentos e enfrentamento (expressar sentimentos positivos, negativos e opiniões, demonstrar carinho, brincar); e estabelecimento de limites (identificar comportamentos social- Prática Educativa do Professor e Comportamento Infantil * Alessandra Turini Bolsoni-Silva, Maria L. Mariano, Sonia R. Loureiro & Caroline Bonaccorsi 261 mente habilidosos e não habilidosos, estabe lecer regras, ter consistência, cumprir promessas, identificar erros e pedir desculpas). Tais categorias, elaboradas a partir do relato espontâneo de mais de 200 cuidadores, permitiram elaborar e validar um instrumento, denominado de Roteiro de Habilidades Sociais Educativas Parentais (RE-HSE-P), que avalia funcionalmente a frequência e a qualidade de práticas educativas positivas, negativas, habilidades sociais infantis e problemas de comportamento (Bolsoni-Silva, Loureiro, & Marturano, 2011). Dadas as características das interações estabelecidas entre professores e alunos, guardadas as peculiaridades do contexto, pode-se pensar que, de um modo geral, as categorias amplas, relativas às práticas educativas (positivas e negativas), problemas de comportamento e habilidades sociais infantis, além de variáveis contextuais, possam também ser avaliadas no ambiente escolar de forma a identificar interações promotoras ou não do desenvolvimento das crianças. As relações entre habilidades sociais e problemas de comportamento não apresentam resultados unívocos. Alguns estudos identificaram relação inversa (Bolsoni-Silva & Loureiro, 2011; Cia & Barham, 2009) e outros não, como o estudo de Pierson, Carter, Lane, e Glaeser (2004) e Fonseca (2012). Pierson e cols. (2004) investigaram esse tema com 90 estudantes na transição entre dois períodos escolares quanto aos repertórios de habilidades sociais e de problemas de comportamento no que refere ao conceito de autodeterminação. Os autores encontraram relação positiva entre habilidades sociais e autodeterminação, mas não quanto a problemas de comportamento. Outro ponto a ser destacado diz respeito ao sexo. Geralmente os meninos são mais indicados para atendimento psicológico (Massola & Silvares, 1997), embora haja evidências de que eles não apresentam mais problemas que as meninas (Marturano, Parreira, & Benzoni, 1997). Tais indicações podem estar relacionadas à maior frequência de problemas de externalização (agressividade e desobediência, por exemplo) em meninos e de internalização em meninas (timidez, tristeza, por exemplo) (Patterson, Reid, & Dishion, 2002), sendo que esses últimos causam menor desconforto para os agentes educativos. A literatura não é consensual sobre a relação entre os comportamentos de habilidades sociais e problemas de comportamento. Diversos estudos descrevem ou os comportamentos das crianças ou as práticas educativas dos professores, mas poucos são os que buscam avaliar concomitante esses comportamentos, ou seja, as interações sociais estabelecidas entre professores e alunos dos ensino regular e especial. É por exte contesto que se justifica o presente estudo, com delineamento transversal de comparações entre grupos de crianças diferenciados pelo sexo e pela presença de problemas de comportamento. Teve-se como objetivo comparar as práticas educativas de professores do ensino regular e do especial (positivas e negativas) com os comportamentos infantis relativos 262 às habilidades sociais e a problemas de comportamento das crianças. Estas foram divididas em grupos diferenciados pela presença de indicação, pelo professor, de problema de comportamento, e pela diferenciação do sexo das crianças. Método Participantes Foram participantes quinze professoras (cinco professoras do ensino especial, cinco do fundamental e cinco do infantil) e 28 alunos (dezoito do ensino regular e dez do ensino especial). Caracterizando as professoras quanto ao tempo de docência, verificou-se que este variou entre cinco e vinte anos de exercício na rede municipal de ensino de uma cidade do Centro-Oeste Paulista, sendo que para duas delas faltavam apenas seis meses para aposentadoria (média: sete anos; desvio padrão: sete anos). Suas idades variavam entre 23 e 50 anos (média de 33,56 anos) e todas tinham formação em Pedagogia. Os critérios de seleção dos professores foram: concordar espontaneamente em participar da pesquisa, ter vínculo efetivo com a rede municipal de ensino, dar aulas para os alunos do 1º ano e possuir tempo de serviço entre três e dez anos. Foram excluídos professores substitutos e/ ou eventuais na escola participante e os que não assinaram previamente o termo de consentimento para participar da pesquisa. Por sua vez, os alunos tinham idade entre seis e nove anos. Quinze deles apresentavam problemas de comportamento e treze não os apresentavam, de acordo com a informação verbal das professoras, quando lhes foi solicitado que indicassem crianças que, na opinião delas, apresentavam ou não comportamentos tidos como problemas na sala de aula. Quanto ao sexo, doze crianças eram do sexo masculino e dezesseis do sexo feminino. Para verificar se os grupos de crianças distribuídas entre ensino regular (n = 10) e especial (n = 18) eram homogêneos quanto ao sexo, foi feita a análise estatística Crosstabs e não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (p = 0,208 para meninos e p = 0,143 para meninas). As dificuldades apresentadas pelas crianças do ensino especial foram documentadas por avaliações sistemáticas médicas e educacionais: síndrome de Down (n = 1), autismo (n = 1), distúrbios da fala e de comportamento (n = 2); dificuldades de aprendizagem (n = 3) e dificuldades de socialização - timidez ou hiperatividade (n = 3). As outras três crianças que integravam a amostra do ensino especial não estavam acompanhando as salas regulares e foram encaminhadas para a Sala de Recursos (ensino especial). Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 259-269. Destaca-se que todas as crianças do ensino especial também frequentavam o ensino regular. Todas as crianças do ensino infantil tinham seis anos e todas as do ensino fundamental estavam com sete anos. As idades das crianças no ensino especial eram: seis anos (n = 4), sete anos (n = 3), oito anos (n = 2) e nove anos (n = 1). Local A coleta de dados ocorreu em 10 escolas da rede municipal de uma cidade do Centro-Oeste do Estado de São Paulo. Instrumentos O Roteiro de Entrevista de Habilidades Sociais Educativas para Professores – RE-HSE-Pr (Adaptação de Bolsoni-Silva e cols., 2011) é um roteiro de entrevista composto por questões que se referem à forma como o(a) professor(a) se comporta com relação a seu aluno(a), e vice-versa. Não há respostas certas ou erradas, pretende-se apenas conhecer sobre o relacionamento entre o professor e o aluno. Ao final são investigados seus níveis socioeconômicos e educacionais. Nas questões há perguntas sobre: a) frequência com que aparece o comportamento mencionado; e b) características desses comportamentos. Quanto à frequência, o respondente deverá escolher apenas uma das alternativas: frequentemente, se o comportamento acontecer muitas vezes durante a semana; algumas vezes, se o comportamento acontecer poucas vezes durante a semana ; e quase nunca ou nunca, se o comportamento aparecer a cada quinze dias ou um mês ou mais. O instrumento permite obter escores sobre as práticas educativas (positivas e negativas), problemas de comportamento e habilidades sociais infantis, além de variáveis contextuais. O alpha para os 78 itens que compõem o instrumento, na versão professores, foi de 0,724. O Questionário de Respostas Socialmente Habilidosas – versão professores (QRSH-PR) possui uma lista de comportamentos socialmente habilidosos, constando de vinte e quatro itens, com uma escala de três pontos (2 = se aplica; 1 = se aplica em parte; 0 = não se aplica), cujos escores são somados, fornecendo o escore total da criança avaliada. Estudos sobre as propriedades psicométricas do instrumento realizados por Bolsoni-Silva, Marturano e Loureiro (2009) indicaram boa consistência interna e validades de constructo, concorrente e preditiva. O instrumento permite organizar os dados em três fatores: Sociabilidade e Expressividade Emocional (tem relações positivas, mostra interesse pelos outros, faz amigos, expressa frustração, comunica-se, expressa desejos, expressa direitos, expressa carinho, brinca com colegas, usualmente fica de bom humor, faz elogios, cumprimenta, interage de forma não verbal, participa de grupos); Iniciativa Social (toma a palavra, expressa opiniões, participa de temas de discussão, toma iniciativas, negocia e convence, presta ajuda); e Busca de Suporte (procura atenção, faz pedido, faz perguntas). Procedimentos de coleta de dados Inicialmente o projeto foi encaminhado ao comitê de ética da universidade em que foi realizada a pesquisa, o qual concedeu aprovação (Processo no. 2567/46/01/09). Na sequência, foi encaminhada à Secretaria da Educação um pedido de autorização para a execução da pesquisa em escolas sob sua jurisdição, pedido que também foi deferido. Na escola as professoras participaram de uma reunião para a apresentação do projeto e resolução de dúvidas. Aquelas que preencheram os requisitos e aceitaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e indicaram uma criança que consideravam ter problemas de comportamento e uma que consideravam sem problemas de comportamento, ambas da turma em que lecionavam. Tal medida foi tomada visando ter nas três amostras equilíbrio quanto à indicação ou não de problemas de comportamento para cada uma das professoras. As professoras responderam aos instrumentos em horário previamente combinado e nos seus horários de reunião (HTPC) ou extraclasse, em locais de sua preferência dentro da escola. As entrevistas foram gravadas com seu consentimento. Procedimentos de tratamento e análise de dados Os dados foram categorizados conforme instruções próprias dos instrumentos e submetidos à análise estatística (SPSS). Foram conduzidos testes não paramétricos para as comparações de grupos quanto ao tipo de ensino, a ter ou não indicação escolar de problema de comportamento e quanto ao sexo da criança (Testes Mann-Whitney). Resultados Essa seção apresenta primeiramente os resultados de comparações dos grupos diferenciados pelo tipo de ensino destacando as habilidades sociais e as práticas educativas, como mostra a tabelas 1. Verifica-se que nas comparações dos grupos ensino especial e regular não foram observadas diferenças estatisticamente significativas quanto aos comportamentos das professoras e crianças. A análise feita pelas professoras das comparações relativas aos grupos diferenciados pela indicação de crianças com problemas de comportamento e de crianças sem problemas de comportamento são apresentadas na tabela 2. Notou-se que, em relação ao grupo com indicador escolar de problemas de comportamento, as professoras relataram utilizar mais práticas negativas de educação, o que traz um impacto para o total negativo, que é a soma conjunta das práticas negativas e dos problemas de comportamento. Por outro lado, em relação ao grupo sem problemas de comportamento verificou-se a presença de mais habilidades sociais Prática Educativa do Professor e Comportamento Infantil * Alessandra T. Bolsoni-Silva, Maria L. Mariano, Sonia R. Loureiro & Caroline Bonaccorsi 263 Tabela 1. Resultados na comparação entre os Grupos Ensino Especial (EE) e Ensino Regular (ER), no que se refere às classificações do RE-HSE-Pr e do QRSH-Pr(TesteMann-Whitney). Categorias dos Instrumentos Ensino Especial Ensino Regular (n = 10) (n = 18) p Médias (DesviosPadrão) RE-HSE-Pr Habilidadessociaisinfantis 11,10 (3,07) 12,40 (4,74) 0,879 Habilidade social educativa 8,80 (3,58) 9,30 (3,67) 0,820 Práticanegativa 7,90 (3,73) 8,45 (7,13) 0,705 Problema de comportamento 0,90 (1,20) 2,30 (2,05) 0,066 Contexto 11,30 (4,47) 11,05 (4,10) 0,970 Total positivo 31,20 (7,35) 32,75 (9,63) 0,820 Total negativo 8,80 (4,69) 10,75 (8,28) 0,910 QRSH-Pr Fator 1 20,40 (6,36) 20,05 (7,73) 0,939 Fator 2 8,30 (3,65) 8,28 (2,99) 0,790 Fator 3 5,10 (1,29) 5,05 (1,35) 0,775 Total 35,10 (9,78) 34,44 (9,15) 0,595 Tabela 2. Resultados na comparação entre osGrupos Problemas de comportamento e semproblemas de comportamento no que se refere às classificações do RE-HSE-Pr e do QRSH-Pr (Testet de Student). Categorias dos Instrumentos Problema (n = 15) Semproblema (n = 13) p Médias (DesviosPadrão) RE-HSE-Pr Habilidadessociaisinfantis 11,06 (3,77) 13,00 (4,66) 0,260 Habilidade social educativa 9,94 (3,57) 8,21 (3,51) 0,203 Práticanegativa 11,50 (6,00) 4,57 (3,88) 0,003 Problema de comportamento 2,31 (2,09) 1,29 (1,59) 0,141 Contexto 10,25 (3,19) 12,14 (4,96) 0,234 Total positivo 31,25 (7,02) 33,36 (10,72) 0,771 Total negativo 13,81 (7,30) 5,86 (4,40) 0,003 QRSH-Pr 264 Fator 1 17,33 (7,44) 23,46 (5,36) 0,023 Fator 2 9,20 (2,48) 7,23 (3,63) 0,152 Fator 3 5,60 (0,51) 4,46 (1,66) 0,071 Total 33,27 (9,13) 36,31(9,38) 0,474 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 259-269. Tabela 3.Resultados na comparação entre osGrupos de meninos e de meninas no que se refere às classificações do REHSE-Pr e do QRSH-Pr(Testet de Student). Categorias dos Instrumentos Meninos (n = 12) Meninas (n = 16) p Médias (DesviosPadrão) RE-HSE-Pr Habilidadessociaisinfantis 10,15 (3,58) 13,35 (4,29) 0,051 Habilidade social educativa 9,77 (3,72) 8,65 (3,52) 0,437 Práticanegativa 10,85 (6,49) 6,29 (5,22) 0,065 Problema de comportamento 2,77 (2,13) 1,12 (1,41) 0,020 Contexto 10,85 (3,11) 11,35 (4,89) 0,674 Total positivo 30,77 (6,77) 33,35 (10,20) 0,476 Total negativo 13,62 (7,64) 7,41 (5,81) 0,029 QRSH-Pr Fator 1 18,33 (7,54) 21,56 (6,76) 0,191 Fator 2 8,33 (3,17) 8,25 (3,28) 0,981 Fator 3 5,33 (1,15) 4,88 (1,41) 0,349 Total 32,75 (9,67) 36,13 (8,88) 0,352 condizentes com o Fator 1 do QRSH-Pr - Sociabilidade e Expressividade Emocional – envolvendo os seguintes componentes: tem relações positivas, mostra interesse pelos outros, faz amigos, expressa frustração, comunica-se, expressa desejos, expressa direitos, expressa carinhos, brinca com colegas, usualmente fica de bom humor, faz elogios, cumprimenta, interage de forma não verbal, participa de grupos. As comparações relativas aos grupos diferenciados pelo sexo das crianças são apresentadas na tabela 3. Verificou-se, com diferenças significativas, que as meninas foram avaliadas pelos professores no RE-HSE-Pr como mais habilidosas que os meninos e estes como mais problemáticos quanto ao comportamento e com maior escore de total negativo que aquelas. Interessante notar que tanto os meninos como as meninas, segundo a avaliação das professoras, apresentaram repertório de habilidades sociais (QRSH-Pr), e as professoras relataram usar habilidades sociais educativas para interagir com as crianças de ambos os sexos. Discussão Considera-se que os resultados da presente pesquisa ajudaram a caracterizar categorias de comportamentos da interação professor-aluno, diferenciando modalidades de ensino, crianças com problemas de comportamento e meninos e meninas. Interessante notar que as comparações entre os grupos de crianças do ensino especial e regular não diferiram nem no tocante às práticas educativas (positivas e negativas) nem quanto ao repertório comportamental das crianças (habilidades sociais e problemas de comportamento). Dessa forma, com base nesses dados e dentro dos seus limites, não se pode afirmar que as crianças que frequentam salas de recurso (Ensino Especial) apresentam mais problemas de comportamento, o que sugere a não associação entre necessidades educacionais especiais e problemas de comportamento. Comparativamente a dados obtidos no contexto familiar, pode-se relatar o estudo de Bolsoni-Silva e cols. (2010), o qual demonstrou que os pais de crianças com deficiência auditiva ou de linguagem, quando interagiam de maneira positiva, promoviam habilidades sociais nos filhos, e quando utilizavam frequentemente práticas negativas, estimulavam problemas de comportamento. Tais relações são bem documentadas no caso do contexto familiar (Patterson, DeBaryshe, & Ramsey, 1989; Patterson e cols., 2002), mesmo na ausência de alguma necessidade educativa especial. Dada a disponibilidade de poucos dados que avaliem concomitantemente práticas dos professores e comportamentos das crianças, ao se fazer a comparação com dados do contexto familiar pode-se especular que o mesmo padrão obtido Prática Educativa do Professor e Comportamento Infantil * Alessandra T. Bolsoni-Silva, Maria L. Mariano, Sonia R. Loureiro & Caroline Bonaccorsi 265 com os pais parece também ocorrer com os professores no contexto escolar, evidenciando que as práticas educativas e os comportamentos das crianças parecem independer da existência ou não de uma necessidade especial associada. As crianças indicadas como problemáticas quanto ao comportamento de fato apresentaram maior frequência de comportamentos negativos, confirmando a suposição das professoras. Este resultado sugere que as professoras são boas avaliadoras dos comportamentos das crianças, o que está concordância com o constatado em outros estudos (Gresham, Noell, & Elliott, 1996). Destaca-se ainda que embora os resultados sejam concordantes quanto à associação dos problemas de comportamento a práticas negativas de educação (Patterson e cols., 2002; Weber e cols., 2004), não se pode afirmar que os problemas de comportamento são mais frequentes quando há baixa frequência de habilidades sociais educativas (práticas positivas). Tais associações já foram demonstradas em estudos conduzidos a partir do contexto familiar (Bolsoni-Silva & Loureiro, 2011) e da escola, em aspectos como o estabelecimento de regras (Gomes, 2003), o treino na resolução de problemas (Allen & Blackston, 2003), a identificação e reforçamento de comportamentos alvo (Bauer e cols., 1996), o oferecimento de suporte (Greene & Ollendick, 1993) e o estabelecimento de estratégias de manejo positivas (Webster-Stratton, Reid, & Stoolmiller, 2008) que são comportamentos que poderiam ser associados ao repertório de habilidades sociais educativas do professor. Não obstante, com base nos estudos de Del Prette e Del Prette (2001), Castro e Bolsoni-Silva (2008), Mariano (2011) e Fonseca (2012), pode-se supor que, se as crianças possuem um bom repertório de habilidades sociais, estas podem não estar sendo devidamente estimuladas no contexto escolar, o que pode estar favorecendo as manifestações de agressividade e desobediência (consideradas problemas de comportamento) para obter atenção, resolver problemas e livrar-se de tarefas que elas consideram difíceis. Quanto aos professores, embora possuam boas práticas positivas, podem estar falhando no uso contingente a comportamentos que desaprovam, o que ocorre em situações de estabelecimento de limites. Consequentemente, podem estar, inadvertidamente, dando aos alunos exemplo de agressividade, levando-os a pensar que podem usar da agressividade para resolver problemas e obter atenção. Conforme os autores acima mencionados, as professoras são capazes de agir de maneira diferenciada conforme a criança, sugestão dada por Reis e Camargo (2008), mas parecem estar fazendo isto de uma maneira que dificulta mais as interações estabelecidas com as crianças que apresentam comportamentos considerados inapropriados. De todo modo, o fato de as professoras apresentarem práticas positivas de educação sugere a presença de recursos que podem ser potencializados por intervenções que visem reduzir problemas de comportamento das crianças e práticas educativas negativas dos professores. Tais afirmativas são concordantes com Uysal e Ergenekon (2010), os quais apontam que as intervenções 266 junto aos professores poderiam ajudá-los a identificar e valorizar comportamentos de habilidades sociais das crianças. Tendo-se em vista o suporte de estudos mencionados (Coolahan e cols., 2000; Del Prette & Del Prette, 2002; Gomes, 2003; Oliveira & Wechsler, 2002; Vila, 2005; Zanotto, 2000), considera-se que seria importante também, para a formação continuada dos professores, ajudá-los-los a usar as práticas educativas positivas/habilidades sociais educativas (de comunicação, afeto e expressividade) de que já fazem uso em outros contextos para as situações de estabelecimento de limites. A aprendizagem de novos recursos pedagógicos que tenham como foco a definição clara das regras, tal como se colocam nos jogos e brincadeiras que fazem parte do cotiano das crianças, poderá, de modo criativo, ajudar nas interações no contexto escolar, favorecendo que os professores sejam bons modelos de comportamento de autocontrole e resolução de problemas, podendo estimular os alunos na mesma direção. Por outro lado, a maior clareza por parte dos professores poderá também facilitar a identificação e ajudar as crianças que já apresentam, especialmente na primeira infância, dificuldades de interações sociais. No que se refere ao repertório de habilidades sociais das crianças, nota-se que parte dele foi mais frequente no grupo sem dificuldade de comportamento, o que está em concordância com os estudos desenvolvidos no contexto familiar por Bolsoni-Silva e Loureiro (2011) e com Cia e Barham (2009). Os itens que diferenciaram os grupos correspondem à subescala do QRSH-Pr (Sociabilidade e Expressividade Emocional - tem relações positivas, mostra interesse pelos outros, faz amigos, expressa frustração, comunica-se, expressa desejos, expressa direitos, expressa carinhos, brinca com colegas, usualmente fica de bom humor, faz elogios, cumprimenta, interage de forma não verbal, participa de grupos); por outro, a medida de habilidades sociais a partir do RE-HSE-Pr no contexto escolar, não diferenciou os grupos com e sem dificuldade de comportamento. Pode-se pensar que as crianças com problemas de comportamento podem ter repertório de habilidades sociais, mas não estariam sendo valorizadas e/ou estimuladas a comportarem-se dessa forma (Del Prette & Del Prette, 2001), por isso não estariam aparecendo na fala das participantes. Adicionalmente, como demonstrado por Bolsoni-Silva e cols. (2011), o uso de entrevistas e escalas, ainda que ambas mensurem a partir do relato verbal, permite obter dados diferentes e complementares quando o relato é dirigido e não dirigido. De todo modo, esses dados sugerem que é necessário utilizar mais de um instrumento de avaliação e a avaliação em mais de um contexto, de forma a complementar a avaliação dos comportamentos de interesse e ampliar a compreensão sobre os recursos e dificuldades das crianças. A análise da diferenciação pelo sexo das crianças levou a constatar que os meninos apresentaram mais indicadores de problemas de comportamento, o que esta em concordância com o estudo de Marturano e cols. (1997) e em discordância com o estudo de Patterson e cols. (2002). As professoras relataram utilizar mais práticas negativas com meninos do que com meninas, possivelmente devido ao Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 259-269. tipo de problema externalizante de comportamento mais frequentemente apresentado por eles em comparação com as meninas, entre as quais predominam os internalizante. Não obstante, nesse estudo os problemas comportamentais não foram categorizados em externalizantes e internalizantes, tendo a afirmativa acima um caráter mais especulativo que demonstrativo. Destaca-se ainda que as meninas apresentaram, segundo suas professoras, mais habilidades sociais, o que pode ter funcionado como comportamento funcionalmente equivalentes (Goldiamond, 2002), mantendo a frequência baixa de comportamentos considerados problemáticos. Considera-se que o presente estudo, por ter sido conduzido com um pequeno número de participantes, na condição natural em que estes foram identificados e sem um maior rigor quanto à homogeneidade dos grupos, é preciso ser visto como preliminar e exploratório. A principal contribuição dos dados está em ter evidenciado no contexto escolar – portanto, com alta validade ecológica -, comparações entre práticas educativas dos professores e os comportamentos das crianças, campo que carece de dados que possam funcionar como pistas para o manejo das complexas interações estabelecidas. São necessários novos estudos que, com maior número de participantes, controlem variáveis como a sobreposição de características relativas às dificuldades comportamentais, o sexo das crianças e as modalidades de ensino, de modo a caracterizar de forma mais ampla e precisa as práticas educativas dos professores. Considerações finais Dada a escassez da literatura sobre práticas educativas do professor e o repertório infantil avaliados no mesmo contexto, as contribuições deste estudo, ainda que preliminar, abre perspectiva para novos estudos no nosso contexto. Destaca-se que no contexto escolar as práticas negativas de educação mostraram-se relacionadas a mais problemas comportamentais das crianças, tal como já se verificou no ambiente familiar. Problemas de comportamento e habilidades sociais parecem ser comportamentos funcionalmente equivalentes e os meninos parecem ter mais dificuldades de interação social que as meninas. Como desdobramento do estudo, depreende-se dos dados a necessidade de intervenções nas escolas, sobretudo para promover habilidades sociais dos meninos e ajudar os professores a utilizarem menos práticas negativas de educação. Referências Achenbach, T. M., Mcconaughy, S. H., & Howell, C. T. (1987). Child/ adolescent behavioral and emotional problems: Implications of cross-informant correlations for situational specificity. Psychological Bulletin, 101, 213-232. Allen, S. J., & Blackston, A. R. (2003). 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Recebido em: 20/05/2012 Reformulado em: 10/10/2012 21/01/2013 Aprovado em: 05/05/2013 Sobre as autoras Alessandra Turini Bolsoni-Silva ([email protected]) Universidade Estadual Paulista. Livre Docente Maria Luiza Mariano ([email protected]) Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem Endereço: Avenida Pinheiro Machado, 2-45, Bauru-SP- 17060810 Sonia Regina Loureiro ([email protected]) Universidade de São Paulo. Doutora. Endereço: R.Anita Garibaldi, 1419-Ribeirão Preto-SP-14085-480 Caroline Bonaccorsi ([email protected]) Universidade Estadual Paulista - SP. Psicóloga Endereço: Rua Sérvio Túlio Carrijo Coube, 3-33, Bauru- SP- 17012-632 Prática Educativa do Professor e Comportamento Infantil * Alessandra T. Bolsoni-Silva, Maria L. Mariano, Sonia R. Loureiro & Caroline Bonaccorsi 269 Psicologia e Educação: repercussões no trabalho educativo Karla Paulino Tonus Universidade Nove de Julho – SP Resumo Este trabalho resultou de indagações a respeito da contribuição da Psicologia da Educação para o trabalho educativo. Entende-se que um dos modos de efetivar tal contribuição é a inserção da disciplina Psicologia da Educação na grade curricular dos cursos de formação de professores. Neste artigo defende-se que o ensino de Psicologia se desenvolva numa perspectiva crítica, em que o homem seja concebido como constituído historicamente. A ênfase nesta perspectiva deveu-se à análise da literatura que oferece embasamento teórico às práticas educativas orientadas pela Psicologia da Educação. O objetivo é oferecer elementos para se pensar uma educação dirigida ao homem concreto como uma das contribuições que a Psicologia pode oferecer a um trabalho educativo comprometido com a superação do subjetivismo. Palavras chave: Formação de professores, educação, psicologia da educação. Psychology and Education: repercussions on educational work Abstract This work is the result of an investigation concerning the educational psychology´s contribution to educational work. We understand that one means of such contribution is through the subject “educational psychology” in teacher’s professional courses. We argue that the psychology teaching is materialized by means of a critical perspective, in which one presents man as historically constituted. The focus on this perspective proceeds from an analysis about the basis that offers a theoretical approach to the educational praxis oriented by educational psychology. We propose to offer elements to think about a guided education to a concrete man . We believe that this is one of the contributions that the psychology can offer to educational work committed to overcoming in a subjectivism. Key words: Teacher education, educational psychology. Psicología y Educación: repercusiones en el trabajo educativo Resumen Este trabajo es resultado de indagaciones sobre la contribución de la psicología de la educación al trabajo educativo. Se entiende que una de las formas de realizar tal contribución es a través de la disciplina “psicología de la educación” en cursos de formación de profesores. En este artículo se defiende que la enseñanza de psicología sea objetivada por una perspectiva crítica, que presenta la concepción de hombre históricamente constituido. El énfasis en esta perspectiva procede del análisis de la literatura acerca de los fundamentos que ofrecen base teórica a las prácticas educativas orientadas por la psicología de la educación. El objetivo es aportar elementos para pensar en la educación dirigida al hombre concreto como una de las contribuciones que la psicología puede ofrecer al trabajo educativo comprometido con la superación del subjetivismo. Palabras clave: Formación de profesores, educación, psicología educacional. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 271-277. 271 1. Introdução A nossa experiência na docência da disciplina Psicologia e Educação1 nos cursos superiores de formação de professores, especialmente no de Pedagogia, tem nos levado a refletir sobre a relevância, para a construção do trabalho educativo, dos conhecimentos acumulados pela psicologia da educação. Principalmente, tem nos provocado a indagar se o aluno do curso de Pedagogia, futuro professor, compreende a importância desta disciplina para a sua formação e, sobretudo, como ela poderá realmente colaborar em sua atividade docente, em termos de qualidade e coerência teórico-metodológica. A não apropriação2, pelos professores em formação, das teorias psicológicas apresentadas nos cursos de formação de professores é um dos fatos que nos levam a questionar o objetivo da disciplina Psicologia e Educação nos referidos cursos, pois entendemos que tal objetivo precisa ser revisto e direcionado para a efetiva construção do trabalho educativo numa perspectiva crítica, uma vez que, de outro modo, só serviria para “psicologizar” problemas dos alunos. Afirmamos que a não apropriação das teorias apresentadas na disciplina Psicologia e Educação, constituinte da grade curricular dos cursos de formação de professores (com especial destaque para o de Pedagogia) é um fato que constatamos quando realizamos pequenas sondagens iniciais, com vistas à estruturação desta questão3. Com o objetivo de justificar nossa ênfase na necessidade de uma práxis educativa pela mediação dos conteúdos da disciplina Psicologia da Educação na perspectiva sócio-histórica, analisaremos neste artigo as relações estabelecidas historicamente entre a Psicologia e a Educação. Esta análise deverá ser feita com a mediação, sobretudo, da compreensão de homem presente nestas relações. A concepção de homem destaca-se como a principal categoria de análise, da qual decorrem as implicações educacionais conforme os pressupostos filosóficos que a norteiam. Não obstante, devemos estar alerta quanto aos princípios do pensamento crítico, pelo qual pretendemos nos pautar. Neste sentido, compreender as relações entre a Psicologia e a Educação requer que olhemos para esta relação buscando enxergar além de suas aparências, visando entender aos conteúdos ideológicos presentes nas concepções historicamente elaboradas pela Psicologia da 1 Utilizaremos o termo “psicologia e educação” para nos referirmos às disciplinas que tratam da relação entre esses dois campos do conhecimento e que podem apresentar nomes distintos conforme a instituição de ensino que as trazem em sua grade curricular, ex: “Psicologia da Educação I/II”, “Desenvolvimento e Aprendizagem”, “Psicologia do Desenvolvimento”, “Psicologia e Educação” etc. 2 Neste trabalho, a termo “apropriação das teorias” assume o significado de utilização de uma teoria como mediadora do trabalho educativo. Assume-se, ademais, a importância da existência de um único referencial teórico da psicologia na construção do trabalho do professor. 3 Devido ao limite de laudas que precisamos considerar na elaboração deste artigo, não vamos apresentar os dados de que dispomos. O leitor interessado pode consultar nossa tese de doutoramento indicada nas referências. 272 Educação, os quais são impostos conforme os ideais vigentes na sociedade. A Psicologia, enquanto ciência, veio conferir à Pedagogia um status científico no final do século XIX, época em que havia se tornado independente da Filosofia4, fato possibilitado pelo início das atividades do laboratório de Leipzig na Alemanha, por Wilhelm Wundt, em 1879 (Schultz, 1975). A Psicologia passou então a utilizar-se do método experimental das ciências naturais. Nesse mesmo final de século, a Educação também buscava distanciar-se do caráter especulativo da filosofia, e a Psicologia veio a contribuir neste sentido, com pesquisas experimentais e teorias, conferindolhe caráter científico. O desenvolvimento da ciência psicológica é marcado por distintas maneiras nas concepções da relação homem-mundo, das categorias de sujeito e objeto. Tais concepções distinguem-se pelo fato de serem ou não críticas e históricas. Scalcon (2002) apresenta três grandes concepções no âmbito da Psicologia, as quais repercutem de maneiras específicas na educação e serão descritas adiante. 2. Concepções teóricometodológicas em Psicologia Em um primeiro momento tem-se o objetivismo, inaugurando a cientificidade no estudo da consciência (psicologia fisiológica de Fechner e Wundt) e, posteriormente, no estudo do comportamento (Titchener, Thorndike, Setchenov, Pavlov). O objetivismo cientificista encontra-se no método de investigação dos fenômenos psicológicos, entretanto, parte do pressuposto idealista de que o conhecimento é predeterminado nas estruturas internas do indivíduo, que poderia ter apenas a ideia do que seria a realidade, e não propriamente conhecer a realidade como ela é. No rol das concepções objetivistas encontram-se, entre outras, as teorias de Galton e Binet, Dewey, Watson, Skinner (Scalcon, 2002), que exerceram forte influência na educação e, consequentemente, contribuíram para corroborar a visão de homem imposta na época (início do século XX). A autora (ibid.) esclarece a relação entre psicologia científica, psicologia escolar e classes sociais: A partir da estruturação de uma psicologia científica, tratouse de criar instrumentos de adaptação dos indivíduos a uma nova ordem social, selecionando-os e orientando-os através do trabalho e da escola, seleção essa que passou a ser realizada com base em estudos voltados para a mensuração das faculdades mentais. 4 A necessidade de independência da Psicologia em relação à Filosofia ocorre por conta da dominação dos princípios positivistas que regulam as ciências a partir do século XIX; entretanto, como veremos ao longo de todo este trabalho, a Psicologia jamais se dissociará da Filosofia, uma vez que ambas articulam-se na compreensão a respeito da constituição humana. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 271-277. A maior preocupação dos psicólogos centrou-se na tarefa de construir métodos e testes capazes de classificar os indivíduos em idade escolar e pré-escolar, visando à mensuração das capacidades produtivas. Portanto, tratou-se muito mais de encontrar justificativas para a divisão social em classes, logo, para o fracasso escolar, profissional e social, mas de modo que o mito da igualdade de oportunidades fosse mantido. (p. 28-29). A este respeito, Patto (2000, p. 58) afirma que, influenciada pelos ideais liberais propagados a partir da Revolução Francesa (1789), pela teoria da evolução natural e pelo cientificismo, a Psicologia Diferencial, a nosso ver, preocupada em estabelecer as diferenças entre pessoas de classes sociais distintas, “tornou-se especialmente apta a desempenhar seu primeiro e principal papel social: descobrir os mais e os menos aptos a trilhar a ‘carreira aberta ao talento’ supostamente presente na nova organização social [...]”. A segunda concepção psicológica apresentada por Scalcon (2002) no tocante à visão de homem e suas repercussões na educação denomina-se subjetivismo, que também é de origem idealista. Embora apresentadas em segundo lugar, estas posições, a partir de um determinado momento, passaram a coexistir, ou seja, passaram a apresentar-se simultaneamente. O subjetivismo tem como importante referencial a filosofia de Emanuel Kant, que propõe ser a consciência o resultado de sensações subjetivas. Esta concepção está presente nas psicologias existencial-humanista e Gestalt – principais representantes do idealismo no âmbito da Psicologia. A concepção subjetivista, ao opor-se ao objetivismo, apresenta uma forma diferente de entender a educação e sua importância; deste modo, em oposição à escola tradicional, preocupada com o conteúdo e a rigidez moral, desenvolve-se o movimento da Escola Nova, que tem o propósito de oferecer ao aluno autodesenvolvimento, realização pessoal e liberdade numa sociedade capitalista em plena ascensão. Segundo Scalcon (2002) (p. 32-33), tanto a Psicologia Objetivista quanto a Subjetivista, à parte as distinções na compreensão da posição do sujeito e do objeto na relação com o conhecimento, assemelham-se na concepção de que a existência seja determinada pela consciência. Podemos até mesmo afirmar que as vertentes objetivistas/cientificistas partem de uma concepção idealista, tal como as vertentes subjetivistas. O interacionismo é, segundo Scalcon (������������� 2002��������� ), a terceira concepção psicológica que procura explicar a constituição humana e a relação entre sujeito e objeto. O interacionismo, concepção epistemológica desenvolvida por Jean Piaget, representa uma tentativa de manter o objetivismo na Psicologia com estudos científicos sobre o desenvolvimento da inteligência. A construção do conhecimento, tema central do interacionismo, depende da ação do sujeito em relação ao ambiente; sujeito e ambiente são tomados, portanto, em separado. Embora parta do princípio de que o ambiente é condição essencial ao desenvolvimento cognitivo, a ênfase é dada ao sujeito que realiza a ação de adaptar-se ao meio — inversamente à concepção de que o meio (sociedade) Psicologia e trabalho educativo * Karla Paulino Tonus constitui condição para a estruturação da inteligência (consciência), uma vez que, ao apresentar condições adversas, faz com que o homem o adapte a si, às suas necessidades. A repercussão educacional do interacionismo pressupõe uma prática voltada para a descoberta, a ação, a autonomia e a transmissão de valores liberais. Em síntese, ressalta-se que nenhuma das concepções apresentadas pela autora leva em conta a dimensão histórico-social da constituição humana e, embora aparentemente apresentem formas diferenciadas na elaboração de respostas acerca desta constituição, ao analisar suas essências verifica-se que se assemelham por representarem concepções acríticas – portanto, liberais - acerca de tal constituição. Também no sentido de apontar o idealismo presente na Psicologia, Tuleski (2004) afirma que esta ciência surgiu em meio às contradições da sociedade burguesa, quando a burguesia deixava de ser uma classe revolucionária e se consolidava enquanto classe dominante, opondo-se à sua própria história ao deixar de participar da linha do desenvolvimento histórico. A autora (Tuleski, 2004) ressalta ainda a [...] aparente contradição existente nas diversas correntes da psicologia burguesa entre o estabelecimento de uma linha de desenvolvimento genérica e natural para todos os indivíduos e, ao mesmo tempo, a naturalização das diferenças individuais, as quais são tratadas, ora como diferenças saudáveis e normais, que produziriam a também salutar e produtiva divisão social do trabalho, ora como diferenças patológicas e desviantes para as quais deveriam ser buscadas formas de tratamento. (TuleskiI, 2004, p. 127). Neste sentido, concordamos com a afirmação da autora (ibid.) de que a Psicologia, já em seu nascimento, comprometida com os ideários burgueses e contrarrevolucionários, desconsidera o homem como síntese de múltiplas determinações e passível de transformações, uma vez que, ao compreender o psiquismo como categoria natural, estaria ajudando a burguesia a impedir uma nova revolução. No texto em que discorre sobre as transformações históricas da consciência, Leontiev (s/d) afirma que a Psicologia deve considerar, sim, as particularidades do psiquismo humano, mas deve entendê-las como particularidades que dependem do caráter geral da consciência, o qual, por sua vez, é determinado pelas situações concretas da vida dos indivíduos. No mesmo texto (Leontiev, s/d) o autor denuncia que o interesse da Psicologia em investigar as aptidões e propriedades psicológicas do homem está direcionado em sentido oposto ao processo das transformações da consciência. Neste sentido, afirma: Por este fato, inverte todos os elementos: para ela, o determinado é o determinante, a consequência é a causa. Acaba mesmo por encontrar os motivos da atividade humana nos sentimentos subjetivos, nos sentimentos e emoções do interesse ou do desejo. Prosseguindo a sua 273 análise nesta direção, acaba por encontrar a fonte destes sentimentos nas emoções e desejos inatos do homem, isto é, nas particularidades dos seus instintos. (p. 147) De acordo com Leontiev (s/d), a Psicologia deve superar a oposição dualista entre atividade interna e atividade externa, que representa a concepção idealista que a permeia. Por outro lado, uma concepção histórica em Psicologia poderá fazer com que esta ciência não se separe dos problemas da vida, ao contrário, ajude a resolvê-los e auxilie na construção da vida do homem livre. Encontramos esta mesma proposição no texto em que Bock (2000) expõe partes de sua tese de doutorado, na qual pesquisou o significado atribuído pelos psicólogos ao fenômeno psicológico. A naturalização do fenômeno psicológico representa, para a autora, um dos grandes problemas da Psicologia a ser superado quando este fenômeno for compreendido a partir da perspectiva histórica. Tomando como pressuposto o postulado marxista de que “não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência” (Marx & Engels, 2002), a Psicologia Sócio-Histórica considera o conceito de condição humana, ao invés de natureza humana, que parte do princípio da existência, a priori, de uma essência universal. Conforme a autora, por considerar a condição humana, a Psicologia Sócio-Histórica - que entendemos ser a concepção teórica que busca a superação das limitações apresentadas pelas psicologias objetivista, subjetivista e interacionista -, concebe o homem como ser em constante movimento que transforma sua realidade ao longo do tempo e é também por ela transformado. Para autora, a condição humana representa o fato de que as formas de satisfação das necessidades humanas são construídas junto com outros homens. Assim sendo, a concepção de natureza humana não ajuda em nada, uma vez que empobrece a compreensão a respeito do homem e de seu desenvolvimento. O Barão de Munchhausen, personagem de histórias infantis alemãs, é tomado, a exemplo do que faz M. Löwy, (citado por Bock, 2000), como a expressão das ideias liberais, uma vez que transmite a ideologia da autonomia individual, da independência do homem em relação à realidade social, da autodeterminação, etc. O individualismo, o principal conceito do liberalismo, é uma noção que foi naturalizada. A noção de indivíduo está relacionada à ascensão da burguesia e das revoluções burguesas, que acabaram por favorecer o capitalismo, em que, supostamente, o homem é livre para produzir e consumir. Ao longo do tempo o individualismo torna-se um valor central e mesmo uma referência para as produções científicas e culturais. Na visão liberal de homem, o psiquismo é compreendido de maneira abstrata e naturalizante, ao passo que, na visão sócio-histórica, os elementos do psiquismo são forjados nas relações com o mundo físico e social. Bock (2000) esclarece que a figura do Barão de Munchhausen inspirou as concepções da Psicologia da Educação, as podem se identificar com as já citadas neste texto: o objetivismo cientificista, o subjetivismo e o interacionismo. 274 Tais concepções acarretam consequências5 para os alunos, para a educação e para a própria sociedade, consequências que a Psicologia tem ajudado a legitimar. Para que a figura do Barão de Munchhausen deixe de inspirar teorias e práticas na Psicologia da Educação, é preciso rejeitar a naturalização do fenômeno psíquico para este poder ser compreendido como instância socialmente constituída. 3. Psicologia, formação de professores e educação escolar Antes de adquirir status científico e de se denominar propriamente “Psicologia”, no Brasil esta área do conhecimento já se manifestava em ideias psicológicas na educação. Klein (2000) identifica a educação como o espaço em que a Psicologia se fez mais marcadamente presente em seu início no Brasil. Também Antunes (2003), ao analisar as articulações entre a Psicologia e a Educação no Brasil, verifica a inserção de ideias psicológicas na educação desde o período colonial, principalmente nas obras escritas por jesuítas. Os temas que se destacam são: aprendizagem, determinantes do desenvolvimento emocional, cognitivo, motor e sensorial infantil, utilização de prêmios e castigos, personalidade. A autora (Antunes, 2003) destaca ainda que, embora muitas dessas ideias fossem bastante originais, elas estavam articuladas aos interesses do sistema colonial, ou ainda, por outro lado, representavam o confronto com esses interesses. No século XIX, com a instalação dos cursos superiores no Brasil, a Psicologia surge permeando as questões educacionais nas teses inaugurais dos estudantes dos cursos de medicina. Com o funcionamento das Escolas Normais, a Psicologia aparece enquanto conteúdo, principalmente no que se refere ao desenvolvimento infantil e aos processos de aprendizagem. Segundo Antunes (2003), embora a Psicologia viesse a fazer parte da grade curricular das Escolas Normais por meio de projeto de Lei em 1892, os conteúdos referentes ao fenômeno psíquico já aparecem em outras disciplinas, especialmente na de Filosofia. Ainda no século XIX, as preocupações com o analfabetismo, as epidemias, as condições de saneamento, a habitação e a educação solicitavam intervenções para a superação dessas condições. Fatores como o conhecimento dos fenômenos psicológicos enquanto instrumento de controle e prevenção, e a necessidade de controlar o comportamento das pessoas que, por viverem em condições desfavoráveis, poderiam organizar e compor movimentos transformadores, conferiam à Psicologia bastante relevância. 5 Práticas educativas decorrentes da concepção de que o determinante do sucesso ou fracasso escolar é o desenvolvimento natural do aluno é um exemplo de como a naturalização do fenômeno psíquico representa uma barreira ao desenvolvimento pleno mediado pela educação escolar. O atual fenômeno da medicalização de crianças que apresentam dificuldades escolares é um exemplo de como os argumentos recaem sobre os indivíduos e, com isso, impedem uma compreensão mais ampla, pautada na análise de vários fatores que compõem a realidade escolar. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 271-277. A Psicologia tornou-se ainda mais necessária à educação quando se iniciou o movimento da Escola Nova, época que coincide com o projeto de uma nova nação e com a necessidade de emergência de um novo homem, que fosse produtivo em suas relações de trabalho. Com o movimento da Escola Nova a criança passa a ser vista como naturalmente boa, entretanto, passível de ser corrompida. A escola deveria manter na criança suas características positivas -como bondade, espontaneidade e pureza. Surge a necessidade de compreender e - agora também assegurar o desenvolvimento infantil, tarefa para a qual a Psicologia foi chamada. Antes disso, no ensino tradicional a concepção de homem era a de que este possuía uma natureza corrompida, mas com elementos passíveis de serem aperfeiçoados. O conhecimento era o instrumento de controle, e o professor, o modelo de perfeição. Como esclarece Patto (2000), a Psicologia do Desenvolvimento Infantil subsidiaria uma nova pedagogia, que, oposta ao modelo impositivo, privilegiaria a participação ativa do aluno no processo de ensino e aprendizagem. De acordo com a autora (Patto, 2000, p. 48) “os pedagogos liberais do início do século XX, estavam carregados de um humanismo ingênuo mas bem intencionado que os levava a acreditar na possibilidade de uma sociedade de classes igualitária [...]”. A Escola Nova acreditava na possibilidade de promover socialmente os mais aptos, independentemente de sua classe social, conforme propunham os ideais tidos como democráticos. Isto evidencia a relevância do pensamento crítico no processo de conhecimento das teorias, já que o pensamento crítico possibilita a compreensão das abstrações presentes no fenômeno, abrindo a possibilidade de se superarem as aparências para se compreender a essência. Nas duas concepções de educação (a tradicional e a nova) percebemos a mesma visão de homem, segundo a qual este é dotado de uma natureza humana e já nasce com as características essenciais de seu psiquismo, que se atualizarão naturalmente com o tempo. A Psicologia e a Educação tornam-se, segundo Bock (2003), “cúmplices” ao compreenderem o fenômeno humano como algo dado a despeito de qualquer condição social, ao entenderem a natureza humana como a-histórica. Esta cumplicidade reflete-se em atitudes de culpabilização do aluno por sua própria condição, o que implica a crença de que o fracasso escolar é de responsabilidade do aluno. Assim, as condições sociais e culturais são minimizadas e a educação é compreendida como fenômeno neutro e isolado do contexto. Afirma a citada autora: A principal consequência de qualquer situação de cumplicidade é defender os interesses daquele com o qual se é cúmplice. Aqui se dá a mesma situação: os interesses das camadas dominantes ficam garantidos. [...] A educação é divulgada como processo baseado e produtor de igualdade social. [...] As desigualdades sociais são compreendidas, então, como falta de empenho ou de dedicação à educação. (Bock, 2003, p 87-88). Psicologia e trabalho educativo * Karla Paulino Tonus As Escolas Normais, conforme aponta Antunes (2003), constituíram-se como um fértil terreno para a pesquisa e o ensino em Psicologia da Educação, possibilitando inclusive o desenvolvimento da psicologia em geral, pois, muitas das modalidades de atuação em psicologia originaram-se das demandas educacionais. A pesquisa tinha como foco principal o desenvolvimento de técnicas como testes de nível mental, aptidão, vocabulário e testes pedagógicos, reflexo do objetivismo na psicologia. Antunes (2003) ressalta que já havia a tentativa de adaptação desses testes à realidade brasileira. Essas pesquisas deram origem aos vários laboratórios de psicologia que foram fundados no Brasil a partir da década de 1930. O ensino de Psicologia da Educação abordava principalmente as questões referentes ao desenvolvimento infantil e à aprendizagem, conhecimentos importantes para elaboração de técnicas de ensino e procedimentos didáticos. Ainda hoje, nos cursos de formação de professores a Psicologia da Educação visa contribuir para o conhecimento dos processos de desenvolvimento e aprendizagem para que se possa orientar o ensino conforme as características pertinentes a essas dimensões. A Psicologia da Educação, enquanto disciplina, vem tendo como objetivo preparar os futuros professores para compreenderem o desenvolvimento “normal” da criança e estarem atentos ao que possa ser indicativo de “desvios de comportamento”. Estar atento a tais “desvios” significa apontá-los como responsáveis pelas dificuldades de aprendizagem que o aluno possa ter. Alvite (1981) faz a crítica ao psicologismo presente na educação com o intuito de oferecer embasamento à didática do professor, numa perspectiva liberal e exclusivista; melhor dizendo, a Psicologia (entendida como explicação dos mecanismos internos ao indivíduo) explica as atitudes do professor e do aluno. Sobre isso, é oportuno citar o que a autora já denunciava e que, tantos anos depois ,mostra-se ainda mais intenso: Vale ressaltar a necessidade de se rever os métodos de fazer psicologia e de ensiná-la. Necessário se faz, também, que se revejam as práticas pedagógicas que se originam dela e que formam técnicos manipuladores do comportamento humano, seres alienados e conformistas, adaptados a um meio ambiente onde predominam as desigualdades e as injustiças, reprodutoras da ideologia dominante. (p. 35). Saviani (2004) distingue o aluno empírico do aluno concreto. O aspecto empírico refere-se à compreensão do indivíduo em sua aparência, conforme as características que podem ser descritas (o que ele é física e cognitivamente, seu rendimento e seu comportamento etc.); e o aspecto da concretude refere-se à compreensão do indivíduo em seu vir-a-ser, como síntese de múltiplas determinações. Nossos estudos nos permitem compreender que as teorias usualmente mais aceitas em Psicologia da Educação consideram o aluno como indivíduo empírico, dotado apenas das características imediatamente observáveis, como já pronto. Ainda conforme os apontamentos de Antunes (2003) sobre o caminho percorrido pela Psicologia da Educação 275 no Brasil, na década de 1970 começaram a surgir críticas referentes à utilização e interpretação dos testes e suas consequências para os alunos. Os resultados desses testes faziam incidir sobre o aluno a responsabilidade por seus problemas escolares, uma vez que confirmavam, cientificamente, seus déficits intelectuais. Segundo esta autora, a expressão “problemas de aprendizagem” denota que a fonte dos problemas é a criança, e que mais adequado seria dizer “problemas escolares”, visto se tratar de uma condição que é determinada por vários fatores, de ordem tanto individual como escolar e social, mas que é tratada apenas como individual. Corroborando as colocações de Bock (2003), a autora aponta ainda: As condições sociais e, sobretudo pedagógicas eram negligenciadas. As decorrências dessa prática foram nocivas para um grande contingente de crianças, condenando-as às classes especiais que, em nome de um atendimento diferenciado, acabavam por relegá-las a uma condição pedagógica paliativa, confirmando o diagnóstico realizado, produzindo a deficiência mental e reproduzindo estigmas e preconceitos. (Antunes, 2003, p 164). Facci (2004 a) afirma que grande parte dos psicólogos que atuam nas escolas orientam seus trabalhos segundo os ideários liberais, que atribui ao indivíduo as causas do sucesso e do insucesso tanto na escola quanto na sociedade. Assim, conforme a autora, “o trabalho do psicólogo na escola tem buscado a harmonia social, o ajustamento e o enquadramento dos homens às normas sociais estabelecidas” (p. 100). Alvite (1981) compreende que a Psicologia tem sido utilizada com vistas à adaptação e integração dos indivíduos à sociedade e às instituições, tendo sido transformada, junto com a pedagogia, em instrumento de alienação. Segundo a autora, o psicologismo só será superado quando os psicólogos a assumirem como ciência concreta. Para Bock (2003), adotar concepções que compreendam o indivíduo no seu vir-a-ser no mundo e nas relações sociais, compreender a visão política da educação e dedicar-se ao estudo dos resultados subjetivos da experiência escolar são possíveis direções para que a Psicologia rompa com a cumplicidade ideológica em favor da ideologia dominante. O rompimento com esta cumplicidade é, a nosso ver, um compromisso que a Psicologia Sócio-Histórica assume ao substituir o termo “natureza humana” por “condição humana”. Por ocasião do X Congresso Nacional de Psicologia Escolar e Educacional (CONPE), em Julho de 2011, na cidade de Maringá, PR, tivemos a oportunidade de conhecer trabalhos realizados que representam o rompimento com o que a autora (idem) denomina “cumplicidade ideológica”. Tais trabalhos indicam a possibilidade de fortalecimento de uma psicologia com interfaces que favoreçam teorias e práticas críticas no âmbito escolar e educacional; contudo, nossas observações como professora e orientadora de estágio em cursos de Pedagogia nos permitem afirmar que tais teorias 276 e práticas precisam, ainda, ser apropriadas por professores da rede regular de ensino. 4. Considerações finais A Psicologia oferecida nos cursos de formação de professores perpetua uma perspectiva subjetivista, transmitindo a ideia de que no ensino básico a condição educacional do aluno é de responsabilidade dele mesmo,6 o que reflete a individualização dos problemas escolares e a desconsideração das origens sociais e históricas de sua condição. Segundo Tanamachi e Meira (2003, p. 16-17), numa perspectiva subjetivista, a dificuldade em aprender é tida como consequência de hereditariedade, de fatores emocionais e comportamentais, orgânicos, socioculturais e maturacionais. Esta compreensão corrobora nossa concepção de que a Psicologia, em cumplicidade com a ideologia dominante, sob o paradigma subjetivista, ainda não tem dado conta de contribuir para a verdadeira emancipação humana por meio da educação escolar, o que vem reforçar nossa hipótese de que a Psicologia Sócio-Histórica pode e deve ser transmitida aos professores em formação, essencialmente por conta de sua compreensão a respeito da constituição humana. Goulart (2001) aponta que a concepção estabelecida e aceita de que a Psicologia da Educação é uma ciência capaz de individualizar e resolver problemas escolares vem sendo historicamente construída pelo caminho percorrido pela própria Psicologia da Educação. No Brasil este caminho tem sido marcado pelo seu compromisso com a ideologia burguesa, mediante o favorecimento dos interesses da classe dominante e a manutenção da desigualdade social presente no sistema capitalista, por meio de teorias e métodos que reforçam o individualismo, o fracasso escolar e o agrupamento conforme as capacidades intelectuais - como fazem algumas abordagens de desenvolvimento humano e os testes psicológicos utilizados na mensuração das capacidades escolares, por exemplo. Esta ênfase nas características individuais retira da educação escolar o seu papel essencial na constituição do homem. Nossa posição é de que a Psicologia da Educação, enquanto disciplina de cursos de formação de professores, só prosseguirá no caminho da emancipação humana quando romper com a reverência à individualidade, característica própria dos ideários psicológicos e educacionais predominantes na atualidade. Neste sentido, por enfatizar a importância da mediação social na constituição do psiquismo e o impacto da educação escolar sobre o desenvolvimento afetivo-cognitivo, que entendemos ser a Psicologia Sócio-Histórica a 6 Conforme explica Patto (2000), as explicações da Psicologia para o fracasso escolar, embora mudem a ênfase, responsabilizam as características individuais e ambientais do aluno, como, exemplo, a inteligência, as aptidões, fatores orgânicos e emocionais, dificuldades econômicas e familiares. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 271-277. concepção teórica que oferece condições para se pensar a educação escolar e o fenômeno humano como sínteses de múltiplas determinações. Os pressupostos desta teoria, ao serem fielmente transmitidos em cursos de formação de professores, poderão auxiliá-los na realização de um trabalho educativo voltado à promoção do desenvolvimento humano. 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Disponível: http://www.conpe.com.br/wp-content/uploads/2011/02/conpe_ programacao.pdf. Tanamachi, E. R., & Meira, M. E. M. (2003). A atuação do psicólogo como expressão do pensamento crítico em Psicologia e Educação. Em M. E. M. Meira, M. A. M. Antunes (Orgs.), Psicologia Escolar: práticas críticas (pp. 11-62). São Paulo: Casa do Psicólogo. Facci, M. G. D. (2004) Teorias educacionais e teorias psicológicas – em busca de uma Psicologia marxista da educação. Em N. Duarte (Org.), Crítica ao fetichismo da individualidade. Campinas, SP: Autores Associados. Tuleski, S. C. (2004). Reflexões sobre a gênese da Psicologia Científica. Em N. Duarte (Org.), Crítica ao fetichismo da individualidade. Campinas, SP: Autores Associados. Recebido em: 02-05-2012 Reformulado em: 10-11-2012 Aprovado em: 21-11-2012 Sobre a autora Karla Paulino Tonus ([email protected]) UNINOVE Endereço: Rua Bartolomeu de Gusmão, 5-76 - CEP 17017-336, Jardim América, Bauru, SP Este trabalho representa um segmento do 2º capítulo da Tese intitulada “Psicologia e Educação – aproximação e apropriação”, apresentada ao programa de Pós Graduação em Educação Escolar da Universidade Estadual Paulista, UNESP – campus Araraquara, como pré-requisito para a obtenção do título de doutor . Psicologia e trabalho educativo * Karla Paulino Tonus 277 Intervenção no uso de estratégias de aprendizagem diante de dificuldades de aprendizagem Andrea Regina Teixeira Prefeitura Municipal de Cambé - PR Paula Mariza Zedu Alliprandini Universidade Estadual de Londrina - PR Resumo Este estudo teve como objetivo verificar se a intervenção no uso de estratégias de aprendizagem promove nos alunos com dificuldades de aprendizagem um maior controle e reflexão sobre o seu próprio processo de aprendizagem. Participaram desta pesquisa dez alunos no préteste e pós-teste. A intervenção foi realizada em dezoito encontros de uma hora cada. Foram trabalhados os temas: as estratégias de controle de atenção, do comportamento e ambiente; organização das ideias; seleção e ajustes do tempo; e controle dos pensamentos e de distrações. Para a coleta de dados no pré e pós-teste foi aplicada individualmente uma entrevista estruturada e adaptada por Boruchovitch (1995). Os resultados evidenciam aumento na frequência do uso das estratégias de aprendizagem em sala de aula, no estudo em casa e na realização de tarefas escolares. A intervenção no uso de estratégias de aprendizagem pode contribuir para que os alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem possam melhorar o desempenho escolar. Palavras-chave: estratégias de aprendizagem; dificuldades de aprendizagem; intervenção. Intervention in the use of learning strategies in face of learning difficulties Abstract This study had the aim to verify if the intervention in the use of learning strategies promotes in students with learning difficulties a greater control and reflection over their own learning process. 10 students participated in the pretest and 10 participated in the post test. The intervention was conducted in 18 sessions of 1 hour each. The strategies on focus were related to attention control, behavior and environment; organization of ideas, selection and adjustments of time, and control of thoughts and distractions. For the pre and post test data collection, a structured interview, adapted by Boruchovitch (1995), was applied. The results show an increase in the frequency of learning strategies use in the classroom, home study and in accomplishing school tasks. The intervention in the use of learning strategies may represent a contribution to students with learning difficulties in helping them improve school performance. Key words: Learning strategies; learning difficulties; intervention. Interveción en el uso de estrategias de aprendizaje frente a dificultades de aprendizaje Resumen Este estudio tuvo como objetivo verificar si la intervención en el uso de estrategias de aprendizaje promueve mejoría en el aprendizaje de los alumnos. Participaron de esta investigación 14 alumnos en el pre-test y 10 en el post-test. La intervención se llevó a cabo en 18 encuentros de 1 hora. Se trabajaron las estrategias de control de atención, del comportamiento y ambiente; organización de ideias, selección y ajustes del tempo, además de control de pensamientos y de distracciones. Para recoger datos pre y post-test se administró individualmente una entrevista estructurada y adaptada por Boruchovitch (1995). Los resultados mostraron un aumento en el número de alumnos que pasan a utilizar las estrategias de aprendizaje en salón de clases, en el estudio en casa y en la realización de tareas escolares. La intervención en el uso de estrategias de aprendizaje puede ayudar a los alumnos que presentan dificultades de aprendizaje a mejorar el rendimiento escolar. Palabras Clave: Estrategias de aprendizaje; dificultades de aprendizaje; intervención. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 279-288. 279 Introdução A Psicologia Cognitiva, baseada na Teoria do Processamento de Informação, destaca a importância de uma prática pedagógica que leve em consideração o ensino de estratégias cognitivas e metacognitivas, conteúdos processuais e condicionais, juntamente com os conhecimentos declarativos, mais privilegiados pelos professores, tendo em vista a promoção da aprendizagem autorregulada entre os estudantes desde o início da escolarização formal (Boruchovitch, 2004; Dembo, 2000; Hacker, 1998; Hong & O’neil, 2001; Pozo, 1996; Symons, Snyder, Cariglia-Bull, & Pressley, 1989; Woolfolk, 2000). Segundo Boruchovitch (1999), pesquisas têm sugerido que por meio do ensino das estratégias de aprendizagem é possível ajudar os alunos a exercerem maior controle e refletir sobre o seu próprio processo de aprendizagem. Por outro lado, é necessário que o estudante se dedique a estudar. O conhecimento de estratégias de aprendizagem por parte do estudante influencia diretamente o que ele sabe, pode e quer estudar. A autora ressalta ainda que o treinamento em estratégias de aprendizagem tem sido um procedimento bem-sucedido de modo geral, pois é capaz de produzir uma melhora imediata, tanto no uso das estratégias envolvidas quanto no rendimento escolar geral dos alunos. Afirma ainda existirem variáveis que interferem em seu uso, como a ansiedade, a motivação, as crenças sobre inteligência, a autoeficácia, as atribuições de causalidade, depressão infantil e outros fatores. As estratégias de aprendizagem vêm sendo definidas como sequências de procedimentos ou atividades que se escolhem com o propósito de facilitar a aquisição, o armazenamento e/ou a utilização da informação. Em nível mais específico, pode ser considerado como estratégia de aprendizagem qualquer procedimento adotado para a realização de uma determinada tarefa (Da Silva & De Sá, 1997). Pozo (1996), baseando-se na definição de Nisbett, Schucksmith e Dansereau, reafirma que estratégias de aprendizagem são procedimentos e atividades utilizados com o objetivo de facilitar a aquisição, o armazenamento e a utilização da informação. Existem diversas classificações e diferentes tipos de estratégias de aprendizagem; todavia, a literatura vem empregando o termo estratégia de aprendizagem para designar tanto as estratégias de aprendizagem cognitivas quanto as metacognitivas. Segundo Dembo, citado por Boruchovitch (1999), as estratégias cognitivas são ensaio (repetir, copiar, sublinhar), elaboração (parafrasear, resumir, anotar e criar analogias) e organização (selecionar ideias, usar roteiros e mapas). As estratégias metacognitivas referem-se ao planejamento (estabelecer metas), monitoramento (autotestagem, atenção, compreensão e uso de estratégias) e regulação (ajustar velocidade, reler, rever, uso de estratégias, ajustar ambiente). Simão (2005) destaca que a aprendizagem escolar encontra-se fortemente dependente do domínio das habilidades de suas estratégias. O anseio de que essas estratégias sejam inseparáveis do processo de ensinar e aprender 280 exige do professor que saiba combinar o ensino dos conteúdos com as técnicas, os procedimentos e as estratégias, no conjunto de situações concretas que encontra. Dessa maneira, pode-se afirmar que a aprendizagem acontece por um processo cognitivo imbuído de afetividade, relação e motivação. O fator psicológico tem se revelado tão importante que, nas intervenções em estratégias de aprendizagem, acaba recebendo uma atenção especial. Tem sido sugerido que o ensino de estratégias cognitivas e metacognitivas seja acompanhado pelo ensino de estratégias afetivas, visando acentuar a motivação do aluno e modificar variáveis psicológicas e motivacionais que sejam incompatíveis com o uso eficiente destas estratégias (Boruchovitch, 1994). Ao se pensar em motivação no contexto escolar, deve-se ter em mente que as atividades ali desenvolvidas possuem muitos diferenciais em relação à motivação em outras áreas, como lazer e esporte. Nas atividades ou tarefas escolares, o aspecto motivacional é responsável por iniciar e manter certos comportamentos, como estudar para garantir uma nota boa na prova, esforçar-se para aprender conteúdos que não têm interesse, entre outros. De fato, o esforço e a persistência em face das dificuldades ou fracassos são úteis para inferir se há ou não motivação, perceber seu nível naquele momento e interferir, se necessário for (Bzuneck, 2001). Estudos recentes divulgados por diversos pesquisadores confirmam os benefícios de intervenções pedagógicas e psicopedagógicas voltadas para o desenvolvimento cognitivo como forma de se evitar o fracasso escolar (Almeida, 2002; Guthrie, Wigfield, & Vonsecker, 2000; Pressley & Woloshyn, 1995; Sadler, 2001; Vauras, Kinnunen, & Rauhanummi, citado por Boruchovitch, 2004). Almeida (2002) adverte que o objetivo da intervenção em estratégias de aprendizagem é fazer aumentar o conhecimento do aluno acerca das estratégias de aprendizagem existentes de modo a ajudá-lo a aplicar a melhor estratégia que esteja de acordo com seu estilo. Também afirma que a intervenção em estratégias de aprendizagem deve ampliar o conhecimento dos alunos sobre elas, de modo a assegurar a flexibilidade no seu uso, bem como contribuir para aumentar o autoconhecimento e a autorregulação dos estudantes. Pressley e cols., citados por Boruchovitch (2007), definiram nove pontos que devem ser levados em conta ao se realizar uma intervenção em estratégias de aprendizagem, que serão brevemente descritos a seguir: ensinar somente uma estratégia de aprendizagem de cada vez, incluindo informações metacognitivas sobre o porquê, o onde e o quando aplicá-la; fornecer explicações pormenorizadas de cada nova estratégia, modelando-a; repetir a modelagem e a explicação, eliminando possíveis dúvidas; criar contextos diversificados, nos quais se possam praticar as estratégias ensinadas; incentivar o monitoramento da compreensão do estudante acerca de como está fazendo e o que está pensando quando está usando as estratégias; prover oportunidades que favoreçam a capacidade do estudante de generalizar o uso das estratégias aprendidas para outras Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 279-288. situações para as quais elas sejam adequadas; aumentar a motivação dos estudantes e promover o processamento profundo e reflexivo da informação. Um estudo proposto por Loranger (1994) analisou as estratégias de estudo dos estudantes para determinar se os alunos bem-sucedidos diferiam dos alunos sem êxito na qualidade de seu processamento de informações. O estudo foi baseado no modelo proposto por Pressley, Borkowski e Schneider (1989), o qual sugere que bons processadores de informações usam estratégias para tarefas acadêmicas, como saber como e quando usar essas estratégias. O estudo constatou que, na maior parte do tempo, os alunos bem-sucedidos foram motivados para ter sucesso e usar estratégias para atingir esse objetivo. Conforme mostra Boruchovitch (1993), alunos com baixo rendimento escolar podem beneficiar-se muito de intervenções em estratégias de aprendizagem. Estes alunos podem aprender a ampliar anotações de aulas, sublinhar partes relevantes de um texto, monitorar a compreensão na hora da leitura, usar técnicas de memorização, fazer resumos, planejar, controlar cognições negativas e estados afetivos motivacionais disfuncionais, entre outras estratégias. Saber utilizar as estratégias de aprendizagem pode se tornar um diferencial nos resultados desses alunos. Rogers (2010) aponta que, apesar de haver diversas pesquisas que investigam o uso de estratégias de aprendizagem, pouco tem sido escrito sobre o efeito das estratégias de aprendizagem em habilidades produtivas e menos ainda sobre o efeito do treinamento no uso de estratégias metacognitivas e, ainda, sobre como ela deve ser implantada nas salas de aula. Assim, considerando a importância e necessidade de aprofundamento desta temática, o objetivo da presente pesquisa foi verificar se a intervenção no uso de estratégias de aprendizagem promove nos alunos com dificuldades de aprendizagem um maior controle e reflexão sobre o seu próprio processo de aprendizagem. Como decorrência, a intervenção no uso de estratégias de aprendizagem poderá promover a aprendizagem e possibilitar que esses alunos acompanhem o grupo de alunos em sala de aula, no turno regular. Método 1. Participantes Participaram desta pesquisa na situação do pré-teste catorze alunos que frequentavam as aulas de reforço escolar da 4ª série do Ensino Fundamental, compreendidos na faixa etária de nove a doze anos. Na situação da intervenção e do pósteste, participaram dez alunos. Para a análise dos dados apresentados neste trabalho, consideram-se apenas os dados dos dez alunos que participaram do pré-teste, da intervenção e do pós-teste, sendo excluídos os dados dos quatro alunos que participaram apenas do pré-teste. 1.2 Instrumento Para a coleta de dados foi aplicada uma entrevista estruturada e adaptada por Boruchovitch (1995), constituída por duas partes: a) dados demográficos da amostra (parte I); b) dados relativos às estratégias de aprendizagem (parte II, questões abertas). As dezesseis perguntas abertas relativas às estratégias de aprendizagem foram traduzidas e adaptadas de SELF-REGULATED LEARNING INTERVIEW SCHEDULE (Zimmermam Martinez-Pons, citado por Boruchovitch, 1995). Esse instrumento tem como objetivo investigar o uso de estratégias de aprendizagem por parte dos alunos em situações de: a) aprendizagem em sala de aula, b) estudo em casa, c) realização de tarefas escolares em casa. Para maior compreensão dos resultados, as questões que fazem parte do instrumento estão apresentadas a seguir. São elas: 1: “Vamos imaginar que a sua professora esteja dando uma aula de Português e ela avise que vai dar um teste sobre aquela matéria. Você tem alguma maneira que possa ajudá-lo a aprender e a lembrar o que esta sendo dado na aula? Conte para mim o que você faz.” 2: “Alguns alunos às vezes percebem que a matéria que a professora está dando é muito difícil e que eles não estão conseguindo entender nada. Isso acontece com você? Você tem alguma maneira que possa ajuda-lo a entender melhor esta matéria tão difícil?” 3: “Vamos imaginar que a sua professora lhe peça que escreva uma redação ou texto sobre sua família, sobre o que você fez no final de semana ou sobre as coisas de que você gosta. A professora lhe avisa que a redação vai valer nota. Você tem alguma maneira ou método que possa ajudá-lo a planejar e a escrever melhor a sua redação? O que é que você faz?” 4: “Vamos imaginar que a sua professora lhe passe um dever de casa de Matemática que você terá de fazer sem a ajuda dela. Você tem alguma maneira ou método que possa ajudá-lo a fazer esse dever de forma certa? O que é que você faz?”. 5: “A maioria dos professores costuma dar provas que valem nota ou conceito. As suas notas ou conceitos são usados para decidir se você vai ou não passar de ano. Você tem alguma maneira que possa ajudá-lo a se preparar, por exemplo, para a sua prova de Português? O que é que você faz?”. 6: “Às vezes você precisa decorar alguma informação para se sair bem na prova. Você tem alguma maneira que possa ajudá-lo a se lembrar melhor? Conte para mim o que você faz.” 7: “Quando você está estudando para uma prova e percebe que não vai haver tempo para você aprender tudo que precisa para se sair bem no dia seguinte, o que você faz?”. 8: “Quando você está fazendo uma prova e percebe que realmente não sabe como responder algumas questões, o que é que você faz?”. Intervenção e estratégias de aprendizagem * Andrea Regina Teixeira & Paula Mariza Zedu Alliprandini 281 9: “Você costuma fazer alguma coisa com as questões que você errou? O que é que você faz?”. 10: “Muitas vezes os alunos não fazem seus deveres de casa porque há uma porção de outras coisas que eles gostariam de fazer, como jogar bola, assistir televisão, brincar com os amigos. Isso acontece com você?”. 11: “Muitas vezes os alunos acham que aquilo que estão estudando é muito chato. Isso acontece com você? Você tem alguma maneira de fazer aquela matéria que está desinteressante ficar mais agradável? O que é que você faz?”. 12: “Quando você está estudando, onde você costuma ficar? Por que você escolhe este lugar?”. 13: “Quando você acaba de fazer um dever de casa, você faz alguma coisa para ver se fez o dever de maneira correta? O que é que você faz?”. 14: “Quando está fazendo uma prova de Português ou Matemática, você faz alguma coisa para ter certeza de que suas respostas estejam corretas antes de entregar a prova ao professor? O que é que você faz?”. 15:“Alguns alunos às vezes percebem que não conseguem entender nada ou quase nada do que estão lendo. Isso acontece com você? O que você costuma fazer para ajudar a entender melhor aquilo que você está lendo?”. 16: “Alguns alunos às vezes percebem que, quando a professora está falando, eles estão pensando em outra coisa e não sabem o que ela está falando. O que você costuma fazer para ajudá-lo a prestar atenção ao que a professora está falando?” 1.3 Procedimento Inicialmente foi solicitada a autorização da diretoria da escola para desenvolver o presente trabalho, e, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos pais ou responsáveis, o presente trabalho foi iniciado, atendendo a todos os procedimentos éticos estabelecidos pela Resolução do CNS 196/96. O presente trabalho foi constituído de três momentos: o primeiro foi a aplicação do instrumento, considerado como pré-teste; no segundo foi realizada a intervenção; e no terceiro momento foi reaplicado o mesmo instrumento, considerado como pós-teste. A partir dos dados obtidos, na situação do pré-teste foram trabalhadas as estratégias de: controle da atenção, do comportamento e do ambiente; organização mental das ideias; seleção e ajustes em função do tempo; controle dos pensamentos e de distrações, momento considerado como intervenção. A proposta foi trabalhar com textos já utilizados pela professora na sala regular, relendo, interpretando e produzindo histórias a partir deles, buscando desenvolver as estratégias anteriormente citadas. O processo de intervenção foi desenvolvido no período de nove semanas, durante o qual eram realizados dois encontros semanais, no contraturno, totalizando dezoito encontros, com duração de uma hora cada um. 282 Nos seis primeiros encontros foram trabalhados os seguintes textos: “Os doze trabalhos de Hércules” de Monteiro Lobato, “A Mosca” de Neil Philip, “A Aposta” de Luciana M. M. Passos, “A Velha e os Ladrões” de Isabel Solé. Durante os encontros foram trabalhadas as estratégias de aprendizagem cognitivas (sublinhar, anotar, escrever, revisar, reescrever, conferir, pedir ajuda, reler cuidadosamente, corrigir por iniciativa própria, associações com o lúdico, entre outras). Do 7º ao 12º encontro foi incluído, durante as atividades, o uso de estratégias metacognitivas como: por que, onde e quando aplicá-las; fornecer explicações pormenorizadas de cada nova estratégia, modelando-a; repetir a modelagem e a explicação, eliminando possíveis dúvidas; criar contextos diversificados, nos quais se pudessem praticar as estratégias ensinadas; incentivar o monitoramento da compreensão do aluno acerca de como está fazendo e o que está pensando quando está usando as estratégias; promover oportunidades que favoreçam a capacidade do aluno de generalizar o uso das estratégias aprendidas para outras situações nas quais elas sejam adequadas; aumentar a motivação dos estudantes e promover o processamento profundo e reflexivo da informação. Nestes encontros foram trabalhados os seguintes textos: H1N1, Cão, Cão, Cão, de Millôr Fernandes; Sistema Monetário Brasileiro; desenhos para produção de texto e histórias da Turma do Sítio do Pica-pau Amarelo, de Monteiro Lobato. Durante os seis últimos encontros o trabalho foi realizado de forma a abranger as seguintes estratégias: 1) ensaio, que envolve repetir ativamente, tanto pela fala como pela escrita, o material a ser aprendido; 2) elaboração de estratégias, que implicou a realização de conexões entre o material novo a ser aprendido e o material antigo e familiar (por exemplo, reescrever, resumir, criar analogias, tomar notas que vão além da simples repetição, criar e responder perguntas sobre o material a ser aprendido); 3) organização, que se referiu à imposição de estrutura ao material a ser aprendido; 4) monitoramento da compreensão, que implicou que o aluno estivesse constantemente com a consciência realista de quanto ele estava sendo capaz de captar e absorver do conteúdo que estava sendo ensinado (por exemplo, tomar alguma providência quando se percebia que não entendeu, autoquestionamento para investigar se houve compreensão, usar os objetivos a serem aprendidos como uma forma de guia de estudo, estabelecer metas e acompanhar o progresso em direção à realização dos mesmos, modificar estratégias utilizadas, se necessário); e 4) as estratégias afetivas, que se referiram à eliminação de sentimentos desagradáveis, que não condiziam com a aprendizagem (por exemplo, estabelecimento e manutenção da motivação, manutenção da atenção e concentração, controle da ansiedade, planejamento apropriado do tempo e do desempenho). Para essas estratégias de aprendizagem foram utilizados os textos “Os Bichos da Minha Casa”, de Clarice Lispector, e “Três Pescadores” (notícia de revista) além de desenhos para construção de texto e sequências de desenhos para elaboração de frases. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 279-288. Ao final, o mesmo instrumento utilizado na situação de pré-teste foi reaplicado, de forma a atender ao objetivo proposto no presente trabalho. Resultados e discussões Inicialmente, a partir das respostas apresentadas pelos participantes na aplicação do instrumento, tanto na situação de pré quanto na de pós-teste, foram criadas as categorias de resposta relacionadas às estratégias de aprendizagem. Na sequência, as categorias de respostas apresentadas foram tabuladas e transformadas em frequência e porcentagem. A tabela 1, apresentada a seguir, descreve as frequências e porcentagens obtidas a partir das categorias de respostas apresentadas pelos alunos pesquisados na situação de pré e pós-teste em relação a cada pergunta do instrumento aplicado. Ao analisar os resultados relativos às questões 1, 2, 3, 5, 12, 15 e 16, apresentados na tabela 1, é possível observar que, na situação do pré-teste, poucos alunos (entre 10% e 30%) relataram prestar atenção às situações de estudo em sala de aula, à compreensão de conteúdo, à escrita de uma redação, à preparação para testes e à organização do ambiente de estudo, e a maioria (entre 40% a 50%) respondeu que não faz nada nesses momentos, não se prepara, ou não sabe o que faz, deixando claro que, além de não utilizarem as estratégias de aprendizagem, não possuem motivação suficiente para se dedicar aos estudos. Na situação do pós-teste, o nível de atenção dos alunos variou entre 10% a 50%, em especial no contexto de sala de aula, mas também na organização do ambiente de estudo, ao evitar distrações (50%). Estes resultados permitem inferir que a intervenção desenvolvida com estes alunos possibilitou um maior controle e reflexão sobre o processo de aprendizagem. Tabela 1. Questões, categorias de resposta, frequência e porcentagem de respostas de alunos nas situações de pré e pós-teste. Questões Categorias 3. Redação 4. Dever de casa de matemática 5. Preparação para os testes Pós-teste % Freq. % 2 20 4 40 Perguntar para a professora 1 10 0 0 Ler 2 20 1 10 Estudar a matéria/decorar 1 10 5 50 Não sei/nada 4 40 0 0 Pedir ajuda/perguntar 3 30 7 70 Prestar atenção 1 10 0 0 Ler 1 10 2 20 Nada 5 50 Pedir ajuda -- -- 2 20 Escrever 1 10 1 10 Organizar o pensamento 2 20 3 30 Preocupações estética/ gramática 1 10 0 0 Prestar atenção 1 10 2 20 Planejar a atividade 0 0 2 20 Não sei/nada 5 50 0 0 Conferir 2 20 2 20 Resolver 0 0 1 10 Pedir ajuda 4 40 7 70 Não sei/nada 4 40 0 0 Decorar a matéria 1 10 3 30 Estudar bastante/Ler 4 40 6 60 Copiar a matéria 0 0 1 10 Prestar atenção 1 10 0 0 Não sei/nada 4 40 0 0 1. Aprendizagem em sala de aula 2. Compreensão do conteúdo Pré-teste Freq. Prestar atenção Intervenção e estratégias de aprendizagem * Andrea Regina Teixeira & Paula Mariza Zedu Alliprandini 1 10 283 (continuação) 6. Decorar 7. Administração de tempo 8. Resolução de problemas 9. Correção de questões erradas 10. Motivação para o dever de casa 11. Motivação para estudar matéria desinteressante 12. Organização do Ambiente de estudo 13. Auto-avaliação da realização do dever de casa 14. Conferência da prova português ou matemática 15. Dificuldades na leitura 16. Prestar atenção professora Decorar 4 40 6 60 Estudar 2 20 4 40 Não sei/nada 4 40 0 0 Não se prepara para a prova 5 50 0 0 Selecionar/ajustar o tempo 1 10 1 10 Comportamento inalterado 2 20 5 50 Pedir ajuda a para a professora 2 20 4 40 Pedir ajuda ao professor 1 10 3 30 Deixar em branco 5 50 3 30 Chutar 3 30 1 10 Deixar por último para resolver 0 0 2 20 Não sei/nada 1 10 1 10 Fazer a correção 0 0 7 70 Alterar comportamento 4 40 0 0 Não sei/Nada 6 60 3 30 Sim 6 60 7 70 Não 4 40 3 30 Associar com o Lúdico 1 10 1 10 Concentrar/calma 1 10 1 10 Não sei/Nada 8 80 8 80 Condições físicas 2 20 2 20 Evitar distrações 2 20 5 50 Presença de distrações 2 20 0 0 Relação com ooutro 4 40 3 30 Pedir ajuda 2 20 4 40 Conferir sozinho 2 20 5 50 Nada 6 60 1 10 de Revisar 7 70 10 100 Não sei/nada 3 30 0 0 Pedir ajuda 2 20 4 40 Prestar atenção 1 10 1 10 Reler cuidadosamente 4 40 5 50 Nada 3 30 0 0 Evitar distrações 3 30 4 40 Controlar do pensamento 1 10 1 10 Concentrar no professor 3 30 2 20 Não sei/nada 3 30 1 10 Ficar quieto 0 0 2 20 Quanto à motivação do aluno para aprender, Leite, Ruiz, Ruiz, Aguiar e Oliveira (2005) ressaltam que a motivação é, e sempre será, uma grande aliada na aprendizagem, pois sem motivação o processo de aprendizagem perde o seu significado. Para Sisto, Boruchovitch, Fini, Brenelli & Martinelli (2001), a motivação está diretamente ligada à aprendizagem; é a iniciação e manutenção de comportamento com o objetivo de atingir uma meta. Os dados apresentados mostram inicialmente um número acentuado de 284 alunos não usa estratégias de aprendizagem, evidenciando uma desmotivação em desenvolver habilidades e estratégias para a aprendizagem e a necessidade de que o professor conheça melhor os fatores que influenciam a motivação em sala de aula e busquem formas para promovê-la. Com relação a perguntar/pedir ajuda ao professor apresentado nos resultados das questões 1, 2, 3, 4, 7, 8, 13 e 15 na situação do pré-teste, os resultados evidenciam uma frequência entre 10% e 40%, o que deixa explícita a Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 279-288. dificuldade dos alunos participantes em pedir ajuda ao professor, e talvez até uma falta de interação entre eles. Após a intervenção, a frequência do uso dessa estratégia ficou entre 20% e 70%, evidenciando que alguns alunos que antes não utilizavam esta estratégia passam a utilizá-la em algumas situações. Costa (2000), baseado nos estudos de Barnett, Darcie, Holland e Kobasegawa (1982), Nelson Le Gall e Gumerman (1984) e Newman (1990), ressalta que procurar ajuda, além de ser mais uma estratégia no repertório do aluno, envolve também o processo de interação social que acontece em sala. As crianças frequentemente temem a reação dos professores e colegas, principalmente quando o esperado é que elas saibam como resolver a questão sem ajuda adicional. Segundo Costa (2000), procurar ajuda é considerado como uma das mais importantes estratégias existentes, pois possibilita que o aluno aprenda outras habilidades. A criança que pergunta e obtém assistência quando é necessária, além de resolver suas dificuldades acadêmicas, adquire conhecimentos e habilidades que poderão ajudá-la futuramente. Destarte, passar a utilizar esta estratégia de pedir ajuda pode ter favorecido uma maior interação dos alunos no contexto de sala de aula e ter ajudado na resolução de suas dificuldades acadêmicas. Ribeiro (2003), baseado nos estudos de Brown, ressalta que reconhecer a dificuldade na compreensão de uma tarefa, ou tornar-se consciente de que não se compreendeu algo, é uma habilidade que parece distinguir os bons dos maus leitores. Os primeiros sabem avaliar as suas dificuldades e/ou falta de conhecimento, o que lhes permite, nomeadamente, superá-las, recorrendo, muitas vezes, a inferências feitas a partir daquilo que sabem. Esta autora chama, assim, a atenção para a importância do conhecimento, não só sobre aquilo que se sabe, mas também sobre aquilo que não se sabe, evitando assim o que designa de ignorância secundária: não saber que não se sabe. Quando os alunos que respondem no pré-teste (questões 13, 14 e 15) fazem uma releitura do assunto em questão (entre 20% a 70%), deixam explícita a utilização da estratégia de repetição, que, segundo Boruchovitch (2007), é usada para reter a informação por um período de tempo mais longo. Repetir ou ensaiar a informação que está na memória de curta duração são exemplos de algumas estratégias que as pessoas usam para reter melhor a informação. Algumas destas estratégias são automáticas e inconscientes. A repetição (ensaio) não é ensinada de forma estruturada em sala de aula, mas é adquirida espontaneamente já no início da educação escolar. No pós-teste, os resultados indicam um aumento na frequência do uso desta estratégia (50% a 100%), sendo que agora eles o fazem de maneira consciente, o que pode trazer benefícios para o processo de aprendizagem. Ribeiro (2003), baseado nos estudos de Flavell e Wellman, ressalta que, para a memorização ou a recordação se tornarem possíveis, o sujeito deve aprender a identificar em que situações há necessidade de recorrer a determinadas ações ou estratégias (sensibilidade) e desenvolver o conhecimento sobre a influência das variáveis que envolvem esse processo. Assim, se for devidamente utilizada, esta estratégia poderá trazer êxito para esses alunos. Os resultados apresentados pelos alunos neste trabalho, em relação às categorias de estudar/decorar a matéria nas questões 1, 5 e 6, variaram entre 10% a 40%, o que mostra falta de interesse desses alunos com relação aos estudos, pois não são capazes de reler a matéria. Na situação de pós-teste esse número variou entre 30% e 60%, evidenciando um aumento no uso desta estratégia após a intervenção. Segundo Costa (2000), pesquisas realizadas (Britton & Tesser, por exemplo) para examinar a administração de tempo de estudantes mostram que o planejamento de longa extensão, utilizado por alunos que planejam seu tempo com bastante antecedência como metas para o trimestre, conseguem obter maior desempenho acadêmico. Esses resultados mostram implicações positivas, pois manejar o tempo de forma adequada é uma meta que pode ser ensinada. Alunos que praticam a administração de tempo têm maior clareza sobre a estruturação do tempo e possuem melhor desempenho escolar. Os dados obtidos na questão 7, quando comparados os resultados na situação de pré em relação ao pós-teste, evidenciam a necessidade de que o uso desta estratégia seja mais bem trabalhada, de forma a promover um melhor desempenho escolar. A questão 12 trata da organização do ambiente, e as respostas mostram que 20% das crianças no pré-teste escolhem para a realização das atividades de estudo locais mais calmos sem presença de coisas que provoquem distração, sendo que no pós-teste esse número aumenta para 50%. Costa (2000) relata que uma investigação realizada por Patton, Stinard e Routh e Mercuri sobre as condições do local de estudo que mais agradam aos estudantes revelou que essas variam conforme o tipo de tarefa (somente ler, ler e escrever, escrever e matemática). Locais calmos são escolhidos quando a atividade envolve somente leitura. Idealmente, os professores funcionam como mediadores da aprendizagem e agem como promotores da autorregulação, ao possibilitarem a emergência de planos pessoais. De acordo com Brown, citado por Ribeiro (2003), eles assumem um papel fundamental na preparação dos alunos para planejar e monitorar as suas próprias atividades. Para estimular a metacognição, o professor tem toda a vantagem de multiplicar as situações abertas de investigação, resolver problemas complexos nos quais o sujeito deva escolher entre várias alternativas e antecipar as consequências destas escolhas. Só este gênero de atividade pode dar ao aluno, sobretudo se tem dificuldades, a oportunidade de conduzir de maneira refletida as suas próprias operações cognitivas (Grangeat, citado por Ribeiro, 2003). O fato de as estratégias de aprendizagem terem sido cuidadosamente detalhadas em função da especificidade das situações propostas no pré-teste fez surgir uma quantidade expressiva de estratégias de aprendizagem (controlar a atenção, o comportamento e o ambiente; procurar assistência social; ler e escrever mecanicamente; organizar mentalmente as ideias; preocupar-se com a estética, a técnica e a gramática; conferir/checar; ler; selecionar e fazer ajustes em função do tempo; comportar-se de forma inalterada; Intervenção e estratégias de aprendizagem * Andrea Regina Teixeira & Paula Mariza Zedu Alliprandini 285 “chutar”; corrigir por iniciativa própria; fazer associações com o lúdico; evitar distrações; distrair-se com coisas; conferir várias vezes a prova; pedir ao professor que a confira; reler cuidadosamente; controlar os pensamentos; concentrar-se na figura e na postura do professor). Não obstante, convém destacar que, apesar de terem relatado um total de 19 estratégias de aprendizagem, os alunos mencionraam utilizá-las pouco frequentemente, de modo que muitas vezes as utilizavam sem saber como deveriam fazê-lo de maneira eficaz. De acordo com os dados apresentados, após a intervenção as crianças começaram a prestar mais atenção à explicação da professora, aumentando a porcentagem de 10%, no pré-teste, para 40% no pós-teste. Também começaram a estudar novamente a matéria dada, para aprender em sala de aula (o nível aumentou de 10% a 40% no pré-teste para 30% a 60% no pós-teste), com o diferencial de que agora elas já sabem que estão utilizando uma estratégia que as ajudará na aprendizagem. Quanto à compreensão do conteúdo, houve um aumento no número de crianças (de 20% para 70%) que revelaram pedir ajuda. A estratégia de pedir ajuda torna a criança mais ativa e disposta para o aprendizado. O nível de atenção na hora de escrever uma redação aumentou (de 10% para 20%), com a diferença de que agora as crianças planejam a atividade a ser realizada. Na hora do dever de casa, as crianças se mostraram mais ativas (de 40% para 70%), pois pedir ajuda envolve iniciativa e demonstra mais segurança, porque muitas vezes as crianças não pedem ajuda por sentir vergonha de não saber resolver as atividades propostas. No tocante à correção das questões erradas da prova, a maioria das crianças relata fazer a correção (70%) no pós- teste, o que não aconteceu no resultado da aplicação do instrumento no pré-teste (10%). Corrigir as questões erradas da prova também é uma forma de aprendizado. O nível de preparação para testes aumentou significativamente (de 10% para 60%); agora as crianças sabem que, se estudarem corretamente, conseguirão se sair bem nos testes e provas. Antes do processo de intervenção, as crianças disseram que decoravam a matéria (entre 10% e 40%), porém não sabiam o significado; agora elas reafirmam que decoram a matéria (de 40% a 60%), porém com o conhecimento sobre ela, além de afirmarem que a estudavam (40%). Ainda em relação ao item decorar, no pré-teste 40% das crianças relatam que não faziam nada, e no pós-teste esta porcentagem caiu para 0%, sendo que 40% relataram que estudavam e 60% que decoravam, o que evidencia que alguns alunos passaram a usar estas estratégias de aprendizagem que antes não utilizavam. A instrução no uso de estratégias de aprendizagem procurou assegurar um ensino progressivo e adequado à série e à idade dos alunos. Em todos os encontros, além de se ensinarem as estratégias de planejamento, leitura e produção de textos (ensino explícito e autorregulação), os aspectos motivacionais e afetivos também foram trabalha- 286 dos, como recomenda a literatura da área à luz da Psicologia Cognitiva, com base na Teoria do Processamento da Informação. Este encaminhamento baseou-se na proposta de Costa e Boruchovitch (2009), que indicam que o principal objetivo das estratégias de aprendizagem é ensinar a pensar. O que se quer é educar o aprendiz para obter autonomia, independência e senso crítico. Assim, a estratégia deve ser dinâmica e sofrer constantes reavaliações, além de, no momento exato da sua aplicação, ser observada e reestruturada quando necessário. De forma geral, os dados do pré-teste desta pesquisa possibilitaram observar que muitas vezes os alunos utilizam as estratégias de aprendizagem sem saber que as estão utilizando. Como citado anteriormente, essas crianças procuram locais mais tranquilos para estudar, muitas vezes releem a matéria e a decoram, mas não fazem isto como uma forma de estratégia, pois relatam também que muitas vezes não sabem o que fazer em determinadas situações de estudo em sala de aula. Se soubessem realmente utilizar as estratégias de aprendizagem, não ficariam sem saber o que fazer em momentos de preparação para testes ou em situações de estudo em sala de aula. Assim, a utilização ineficaz das estratégias de aprendizagem não produz efeito positivo na aprendizagem. Os alunos, de forma geral, não se questionam nem refletem sobre o que fazer para aprender mais e melhor. Isso acontece porque a aprendizagem ocorre de forma automática e muitas vezes os fatores subjacentes ao processo da boa aprendizagem passam despercebidos, porém a consciência dos elementos que interferem na aprendizagem eficiente só emerge quando o aluno assume um comportamento intencional para conseguir êxito (Da Silva e De Sá, citado por Rios, 2006). Assim as estratégias de aprendizagem devem ser entendidas não somente como uma forma de conduta de estudo, mas também como um processo de autoconhecimento a respeito de si mesmo e de próprias capacidades. Ensinar o uso de estratégias de aprendizagem para alunos com dificuldades de aprendizagem é de extrema relevância, pois interfere diretamente na autoestima deles. Quando o aluno melhora o seu desempenho escolar, passa a acreditar em suas potencialidades e, dessa forma, passa a desenvolvê-las. Apesar de a instrução em estratégias de aprendizagem ser uma área relativamente nova, com metodologias diversas, ela pode oferecer importantes contribuições para a educação: primeiramente, porque a instrução em estratégias de aprendizagem relaciona e esclarece a inter-relação entre elementos cognitivos, motivacionais e afetivos presentes no processo e nos resultados da aprendizagem (Da Silva & De SÁ, 1997); além disso, demonstra que é possível, no âmbito escolar, ensinar ao estudante como aprender de forma mais eficiente e ter mais controle sobre sua motivação e suas emoções, aumentando a confiança na própria capacidade cognitiva e potencializando o seu rendimento acadêmico. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 279-288. Considerações finais Em linhas gerais, os resultados apresentados pelos alunos após a intervenção no uso de estratégias de aprendizagem evidenciam que o objetivo foi atingido, uma vez que os alunos pesquisados que apresentavam dificuldades de aprendizagem passaram a ter um maior controle e reflexão sobre o seu próprio processo de aprendizagem. As crianças começaram a prestar mais atenção à explicação da professora, estudar a matéria dada novamente e até decorar a matéria para que a aprendizagem em sala de aula ocorresse. O mesmo pode ser inferido quanto à compreensão do conteúdo e preparação para testes. Os resultados da presente pesquisa indicam que a intervenção em estratégias de aprendizagem fornece subsídios para que o aluno se torne mais ativo para o aprendizado, no que diz respeito não apenas às estratégias cognitivas, mas também às estratégias metacognitivas. Assim como os autores anteriormente citados, ressalta-se a necessidade de o professor compreender melhor os processos cognitivos de seus alunos, bem como a importância de ensinar os alunos a usar de maneira efetiva e eficiente as estratégias de aprendizagem, fatores que podem levar à promoção de uma aprendizagem mais dinâmica e significativa para seus alunos. Referências Almeida, L. S. (2002). Facilitar a aprendizagem: ajudar os alunos a aprender e a pensar. Psicologia Escolar e Educacional, 6(2), 155165. Boruchovitch, E. (1993). A psicologia cognitiva e a metacognição: novas perspectivas para o fracasso escolar brasileiro. Tecnologia Educacional, 22, 22-28. Boruchovitch, E. (1994). As variáveis psicológicas e o processo de aprendizagem: uma contribuição para a psicologia escolar. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 10(1), 129-139. Boruchovitch, E. (1995). A identificação e o estudo das variáveis associadas ao fracasso escolar brasileiro. 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Desenvolvimento da subjetividade: análise de histórias de superação das dificuldades de aprendizagem Maristela Rossato Universidade de Brasília - DF Albertina Mitjáns Martínez Universidade de Brasília - DF Resumo Este artigo discute a subjetividade numa perspectiva sistêmica e processual, orientado pela Teoria da Subjetividade desenvolvida por González Rey, analisada na trajetória escolar de estudantes identificados com dificuldades de aprendizagem. Tem por objetivo analisar como ocorre o movimento da subjetividade no processo de superação das dificuldades de aprendizagem escolar. A pesquisa foi realizada com três estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental, por meio de Estudo de Caso Múltiplo. Foram utilizados sistemas conversacionais, instrumentos apoiados em indutores escritos e indutores não escritos, momentos informais, análise documental e observações no ambiente escolar. Concluímos que a superação das dificuldades de aprendizagem pode se dar pelo reconhecimento do sujeito no estudante, pela vivência de condições favorecedoras à produção de sentidos subjetivos e pela reconfiguração de elementos da subjetividade do estudante. Essas reflexões deram sustentação para definirmos o desenvolvimento da subjetividade como mudanças subjetivas que impactam, ganham certa estabilidade e são capazes de desencadear outras mudanças, gerando novos níveis qualitativos de organização subjetiva. Palavras-chave: Subjetividade, distúrbios de aprendizagem, desenvolvimento. Subjectivity development: analyzing histories of overcoming learning difficulties Abstract In this article we discuss the subjectivity from a systemic and processing perspective, under the Theory of Subjectivity developed by González Rey ,analyzed in the educational trajectory of students identified with learning difficulties. Our goal is to analyze how the movement of subjectivity occurs in the processes of overcoming school learning difficulties. The research was conducted with three students from the early years of elementary school, through Multiple Case Study. We used conversational systems, instruments supported by written and unwritten inductors, informal moments, document analysis and observations in the school environment. We conclude that overcoming learning difficulties can be attained by the recognition of the student as subject, by the experiencing of conditions in favor of subjective sense production and by the reconfiguration of elements of subjectivity in students. These reflections may give support to define the development of subjectivity and subjective changes that impact and gain some stability, capable of triggering other changes, creating new levels of qualitative subjective organization. Keywords: Subjectivity, learning disabilities, development. Desarrollo de la subjetividad: análisis de historias de superación de dificultades de aprendizaje Resumen Este artículo discute la subjetividad analizada en la trayectoria escolar de estudiantes identificados con dificultades de aprendizaje bajo perspectiva sistémica y procesal, orientado por la Teoría de la Subjetividad desarrollada por González Rey. Tiene como objetivo analizar como ocurre el movimiento de la subjetividad en el proceso de superación de las dificultades de aprendizaje escolar. La investigación se realizó con tres estudiantes de los primeros años de la Enseñanza Básica a través del Estudio de Caso Múltiplo. Se utilizaron sistemas conversacionales, instrumentos respaldados en inductores escritos e inductores no escritos, momentos informales, análisis documental y observaciones en ambiente escolar. Las conclusiones indican que la superación de las dificultades de aprendizaje puede suceder debido al reconocimiento del sujeto en el estudiante, por vivir condiciones favorecedoras de producción de sentidos subjetivos y por la reconfiguración de elementos de la subjetividad del estudiante. Estas reflexiones ofrecen subsidios para definir el desarrollo de la subjetividad como cambios subjetivos que impactan y que adquieren cierta estabilidad, capaces de desencadenar otros cambios, generando nuevos niveles cualitativos de organización subjetiva. Palabras clave: Subjetividad, trastornos del aprendizaje, desarrollo. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 289-298. 289 Introdução Compreender as fronteiras entre mudança e desenvolvimento da subjetividade requer um olhar sensível do pesquisador, amparado por um rigor teórico que lhe possibilite produzir inteligibilidade em meio à complexidade humana e seus processos evolutivos. As discussões apresentadas neste artigo são decorrentes de uma pesquisa realizada com estudantes das séries iniciais do ensino fundamental que teve por objetivo compreender como a subjetividade do estudante se movimenta no processo de superação das dificuldades de aprendizagem escolar. As dificuldades de aprendizagem são apontadas pela escola quando o estudante não consegue cumprir as exigências das características que assumem os processos de ensinar e aprender sem, na maioria dos casos, considerar a multiplicidade de fatores – inclusive da própria escola – que podem estar no entorno do problema (Rossato & Mitjáns Martínez, 2011). Mais do que compreender como esses julgamentos são construídos e seus impactos no processo de ensinar e aprender, a pesquisa perseguiu casos de estudantes que, da mesma forma que foram apontados com dificuldades, foram reconhecidos pela escola por terem-nas superado. Os processos envolvidos na superação das dificuldades de aprendizagem foram investigados e analisados no movimento da subjetividade dos estudantes, considerando as ações, as relações e as concepções envolvidas na produção dos sentidos subjetivos em diferentes momentos da pesquisa. Vale destacar que não foi realizado nenhum trabalho que envolvesse supostos processos cognitivos relacionados às dificuldades apontadas pela escola, ou seja, não houve, nem da parte da escola, nem da parte das pesquisadoras, ação interventiva com objetivo de superar as dificuldades. A superação das dificuldades de aprendizagem resultou das mudanças ocorridas na organização da subjetividade dos estudantes, mobilizada por fatores diversos, como veremos no decorrer do artigo. A metodologia utilizada na pesquisa possibilitou analisar a subjetividade dos estudantes em diferentes momentos, permitindo que comparações entre os momentos inicial, intermediário e final fossem feitas. Somente com uma compreensão da subjetividade como um sistema complexo, submetido permanentemente à tensão das rupturas ou das criações que tornam sua expressão imprevisível, transcendendo as representações estático-descritivas da psique, uma pesquisa dessa natureza pôde ser realizada. A Teoria da Subjetividade de González Rey (1995, 2003a, 2003b) constituiu a base teórica da pesquisa por ser, em essência, uma teoria que busca compreender a subjetividade reconhecendo o valor da história e da cultura, possibilitando, com isso, olhar o estudante em seus processos singulares. Mais especificamente, a teoria citada permitiu: (a) compreensão da subjetividade como sistema complexo, dinâmico e em permanente mobilidade; (b) concepção do sujeito que ensina e que aprende constituído na inter-relação tensa e contraditória entre a subjetividade individual e a subjetividade social; (c) produção contínua de novos sentidos 290 subjetivos capazes de entrar no sistema de configurações subjetivas; (d) possibilidades de reconfiguração subjetiva e mudanças nos núcleos das configurações subjetivas. A relação complexa e dinâmica entre o social e o individual é uma das marcas que a distinguem de outras teorias que abordam a subjetividade. A subjetividade social existe em inter-relação com a subjetividade individual, sem que a primeira represente a soma da segunda, permitindo compreender a dimensão subjetiva – sentidos subjetivos e configurações subjetivas – dos processos e instituições sociais, nos diferentes contextos e momentos históricos em que se organiza, desentranhando os processos geradores das configurações subjetivas dos grupos sociais e o modo como estes se presentificam nos processos individuais. A subjetividade individual se organiza em torno de elementos essenciais na sua compreensão e desenvolvimento: o sujeito e a personalidade que interagem numa relação em que um é momento constituinte do outro sem que seja diluído por ele. O reconhecimento do caráter ativo, gerador, reflexivo e criativo do sujeito coloca a relação com o social em permanente estado de tensão e rupturas, podendo gerar novas unidades de subjetivação individual e social. Já a personalidade, é considerada, nessa abordagem teórica, como um sistema subjetivo auto-organizador da experiência constituída na história do sujeito, um sistema de configuração de configurações. Por ser um sistema autônomo, possui a plasticidade que lhe permite mudanças contínuas por meio da configuração entre o histórico e o atual, revelando-se também gerador de sentidos na história do sujeito. As configurações subjetivas são formas complexas de organização dos sentidos subjetivos produzidos nos processos de subjetivação individual e social, tendo caráter organizador e, ao mesmo tempo, gerador dos sentidos subjetivos, que são produções dos sujeitos resultantes dos desdobramentos simbólico-emocionais produzidos em nível individual, mas também pelas unidades sociais que atuam nos espaços da subjetividade social (González Rey, 2003a). Desenvolvimento e mudança da subjetividade foram tomados na pesquisa por meio de algumas especificidades. O conceito de mudança presente na Teoria da Subjetividade de González Rey foi analisado a partir da conceituação de circuito tetralógico proposta por Morin, Ciurama e Motta (2003) – ordem-desordem-interações/reencontros-organização – estabelecendo, com isso, uma dinâmica mutacional de impactos no sistema, mesmo que sejam de superfície. A representação proposta pelo autor direciona o olhar para uma mudança que contém em si uma perspectiva que se distingue do olhar linear e vertical, mas a concebe processualmente, de forma que início e fim constituem partes integrantes do mesmo processo. As interações/reencontros se relacionam tanto com a ordem e a desordem quanto com a organização, na qual estaria uma nova ordem que é provocadora de desordens. Morin (2003a) define esse processo com a ideia de circuito, que pode ser definido como uma sucessão de fenômenos periódicos – sentido em que organização não significa cada coisa em seu lugar, mas um sistema em movimento. O caráter organizador dos sentidos subjetivos Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 289-298. atribuído às configurações subjetivas, como vimos anteriormente, expõe a profunda mobilidade que inerentemente caracteriza o sistema de configurações, mais conhecido como personalidade. A organização contém em si o princípio de unidade complexa, “ela deve ser pensada de maneira não reducionista, mas articuladora, não simplificante, mas multirramificada; ela comporta de maneira nuclear as ideias de reciprocidade, de ação e de retroação” (Morin, 2003b). Essa relação tetralógica e sistêmica possui em si mesma um caráter original, pois, quanto mais complexa se torna a organização, mais a ordem se mistura à desordem, provocando os acasos e antagonismos e tornando a ordem das organizações frágeis, relativas, perecíveis, mas também evolutivas e construtivas. A desordem está presente na organização de forma potencial e ativa, possibilitando a emergência do novo, da mudança. “A desordem não é perseguida pela organização: ela é ali transformada, permanece virtualizada, pode se atualizar, prepara em segredo sua vitória” (Morin, 2003b, p. 166). Ordem, desordem e organização se coproduzem de forma simultânea e recíproca nas interações e reencontros, característicos dos processos de mudanças. Nesse sentido, organização implica em mudanças, conquanto estas não garantam o desenvolvimento da subjetividade, já que são geradas pelo caráter organizador das configurações. Essa não causalidade entre mudança e desenvolvimento pode ser identificada também em nível macro, como na política, economia, educação, em diversos setores da sociedade nos quais mudanças são propostas e efetivadas a todo o momento sem que promovam o desenvolvimento dos sistemas – político, econômico, educacional – tanto que muitos problemas tornaram-se historicamente crônicos, embora mudanças estejam continuamente sendo promovidas. O grande desafio contido nesse conjunto de reflexões apresentado até aqui está em conhecer as circunstâncias e as características das mudanças que teriam natureza desenvolvimental. O desenvolvimento de um sistema (subjetividade) ocorre por forças que incluem o funcionamento do próprio sistema (González Rey, 1995; Morin, 2003a). Considera-se, então, que no funcionamento dos sistemas o foco de análise está na estrutura organizacional, e quanto maior sua complexidade, mais ordem e desordem tendem a estar intimamente ligadas. No caso de desenvolvimento, o foco de análise está na complexidade do processo de mudança desse sistema, pois, como já foi afirmado, nem todas as mudanças promovem desenvolvimento. González Rey (1995, 2004a, 2007, 2008) considera que o desenvolvimento é singular, processual e holístico, e resulta da integração dos sentidos subjetivos produzidos de forma viva, dinâmica e contraditória nas várias esferas da vida do sujeito e no confronto entre a subjetividade individual e a subjetividade social. As considerações anteriores intensificam uma particularidade do desenvolvimento da subjetividade: o desenvolvimento da subjetividade acontece quando distintos processos de subjetivação – subjetividade social, personalidade, sujeito – são capazes de integrar-se de forma recíproca, ou seja, quando é possível analisar a Desenvolvimento da subjetividade * Maristela Rossato & Albertina Mitjáns Martínez subjetividade social, a personalidade e o sujeito de forma individualizada e relativamente independente; mas para uma análise do desenvolvimento da subjetividade é necessário adentrar no movimento que um é capaz de promover no outro. Método González Rey (2002, 2003a, 2005) desenvolveu o que denomina Epistemologia Qualitativa como possibilidade para a pesquisa da subjetividade na forma como a concebe, pois, do contrário, não seria possível estudá-la como sistema complexo e histórico em processo contínuo de mobilidade. A expressão cunhada por González Rey Epistemologia Qualitativa conduz a outra compreensão do qualitativo, desde sua base epistemológica, e para isso o autor busca referências no marxismo, na epistemologia histórica francesa, na teoria da complexidade, nos trabalhos de P. Feyerabend, entre outros (González Rey, 2004b). O qualitativo, aqui, está longe das definições tradicionais, como forma de explicar o quantitativo, e caminha no sentido de gerar explicações para os processos que não são diretamente acessíveis pela experiência nem podem ser fragmentados em variáveis ou controlados. Os aspectos centrais da definição da Epistemologia Qualitativa são: a) o caráter construtivo-interpretativo da produção do conhecimento; b) a pesquisa como processo de comunicação e diálogo; c) legitimação do singular como instância de produção do conhecimento científico. O caráter construtivo-interpretativo da produção do conhecimento coloca o conhecimento como uma produção do pesquisador a partir do conjunto das informações produzidas na pesquisa, e não como apropriação da realidade. Essa forma de trabalhar com o conhecimento coloca-o na condição de permanente construção, como resultado da produção humana, uma vez que a realidade não é um sistema meramente externo. Na pesquisa como um processo de comunicação e diálogo a ênfase na comunicação está centrada no fato de esta permear grande parte dos problemas de natureza social e humana. A comunicação é a via que pode converter os participantes em sujeitos envolvidos com o problema investigado a partir de seus interesses, desejos e contradições. O estabelecimento de uma relação dialógica entre os participantes da pesquisa e o pesquisador permite a abertura de uma via comunicacional em que fluam melhor as informações que os sujeitos podem prestar. A legitimação do singular como instância de produção do conhecimento científico fundamenta-se na intensa valorização atribuída ao aspecto teórico na pesquisa, que aqui não é compreendido como uma contraposição ao empírico, mas como a construção permanente de modelos de inteligibilidade que deem suporte ao processo de construção do conhecimento. Na Epistemologia Qualitativa a análise das informações é realizada desde as primeiras atividades de pesquisa, 291 uma vez que é responsável por gerar novas demandas de instrumentos e investigações que serão confrontadas com as anteriores, consolidando e abrindo novos caminhos investigativos. Trata-se da análise das informações formais e informais que vão se configurando desde os primeiros movimentos do pesquisador, rompendo com a dicotomia teórico e empírico e considerando o conhecimento como uma produção humana. A análise das informações por meio do princípio construtivo-interpretativo é processual e faz parte de todos os momentos da pesquisa, visando ao desenvolvimento de modelos teóricos capazes de expressar e sistematizar as informações. A construção de modelos teóricos é influenciada pela teoria geral do pesquisador sobre o tema estudado, mas se traduz como sua própria produção. Os modelos teóricos podem ser considerados como a gênese de uma teoria na qual são integrados novos elementos relativos ao problema estudado. Na Epistemologia Qualitativa a informação não é considerada em si mesma, mas é algo que pode ser convertido em indicador do sistema subjetivo que envolve o participante da pesquisa ou os espaços e instituições onde se encontra inserido. Essa é uma característica dessa forma de pesquisa qualitativa pela qual uma informação, além de não ter valor em si mesmo, pode desconstruir análises já consolidadas, exigindo a retomada do processo. Isso expressa o caráter construtivo-interpretativo da produção do conhecimento “como um processo de consistência interna, regulado por suas próprias necessidades, em que o papel ativo do pesquisador ocupa lugar essencial” (González Rey, 2002, p. 127). Participantes Os participantes da pesquisa eram de uma escola pública que atende estudantes do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, localizada no Plano Piloto, Brasília-DF. A escola recebia estudantes moradores das quadras próximas à escola e estudantes moradores de regiões administrativas situadas fora do Plano Piloto que, em sua maioria, são filhos de pessoas que trabalham nas quadras próximas da escola. Este local foi escolhido por indicação de uma das equipes especializadas1 da Secretaria de Educação do DF. De acordo com a equipe, na escola indicada havia uma concentração significativa de estudantes que “não eram moradores das quadras” e que apresentavam muitas dificuldades de aprendizagem, representando um diferencial em relação às demais escolas do Plano Piloto. Os professores que atuavam nessa escola eram, em sua maioria, efetivos da Secretaria de Educação, com carga horária de 36 horas semanais. Destas 36 horas, onze eram reservadas para a coordenação pedagógica, como um tempo em que podiam estudar, participar de reuniões, cursos, 1 Estas equipes eram formadas por: Orientador Educacional, Professor Classe A com formação em Pedagogia, Professor Classe A, com formação em Psicologia, Professor de Psicologia Classe A ou Analista de Educação com formação em Psicologia. 292 encontros pedagógicos e preparar suas aulas em conjunto com outros professores. Aos estudantes eram oferecidas cinco horas diárias de aula, além das atividades promovidas pela Escola-Parque (atividades artísticas, culturais, esportivas) no contraturno do horário de frequência à Escola Classe. A pesquisa foi desenvolvida por meio de estudo de caso múltiplo com três estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental que, conforme relato inicial dos professores, possuíam histórias de múltiplas repetências e eram reconhecidos na escola como estudantes com dificuldades de aprendizagem escolar2 sem que houvesse, nesse momento, questionamentos quanto à complexidade que envolve essa expressão. A pesquisa foi realizada em três momentos distintos: no início da pesquisa, com todos os estudantes indicados pela escola com dificuldades de aprendizagem; após seis meses, com cinco desses estudantes que haviam apresentado melhora na qualidade de aprendizagem, conforme resultado das avaliações realizadas pelos professores; e após o transcurso de mais seis meses, com apenas três estudantes (dois mudaram de cidade e não puderam continuar no grupo), para identificar a estabilidade que as mudanças tinham assumido. A seguir uma descrição dos três participantes da pesquisa (nomes fictícios), com informações sobre as respectivas trajetórias escolares. Conforme documentação escolar, João ingressou na primeira série em 2004, com sete anos, no Nordeste do Brasil, onde morava com parentes, e, na metade do ano de 2005, estando na segunda série, veio para Brasília, para morar com sua mãe e padrasto. Na ocasião a escola resolveu colocá-lo como ouvinte na primeira série, por julgar que não apresentava condições de acompanhar a série em que estava matriculado. Cursou por dois anos seguidos a 2ª série. Em 2008 frequentou a terceira série, e em 2009, com 12 anos de idade, cursou a quarta série3. Em 2007 foi encaminhado pela professora para a equipe multidisciplinar da SEED/GDF, com o objetivo de realizar avaliação diagnóstica, por suspeita de TDAH. As suspeitas não foram confirmadas, evidenciando-se que sua capacidade intelectual encontrava-se acima da média para o grupo de sua faixa etária (Relatório de Encaminhamento). Em Brasília, esteve em todos os anos matriculado na escola onde a pesquisa foi realizada, por ser próxima do local de trabalho de sua mãe, deslocando-se todos os dias da região do entorno para o Plano Piloto. No período em que não está na escola ou realizando atividades extras, também ofertadas pela escola - como atendimento em Altas Habilidades (desenho), Laboratório de Aprendizagem e Escola Parque -, fica na 2 Uma discussão mais ampla sobre dificuldades de aprendizagem e a multiplicidade de fatores associados pode ser vista em Rossato & Mitjáns Martínez (2011). 3 Embora à época da pesquisa a Lei Nº 11274/2006, PL 144/2005, a Lei 11.114/2005, o Parecer CNE/CEB Nº 6/2005, a Resolução CNE/CEB Nº 3/2005 e o Parecer CNE/CEB Nº 18/2005 já previssem o Ensino Fundamental de nove anos, alterando a nomenclatura de série para ano, na escola em que a pesquisa foi realizada essa mudança ainda não havia sido adotada, permanecendo a nomenclatura série. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 289-298. casa de uma pessoa conhecida da família esperando a mãe sair do trabalho. Da parte da mãe, João é filho único; não conhece pessoalmente seu pai biológico nem seus irmãos que moram fora de Brasília, conversam apenas por telefone, esporadicamente. As dificuldades registradas nos documentos da escola e expressas pela professora no momento inicial da pesquisa referiam-se à resolução de problemas e à interpretação e produção escrita, além de problemas de relacionamento com os colegas. Fernanda, conforme sua documentação escolar, iniciou a 1ª série em 2004, com sete anos de idade. Por dois anos seguidos cursou a 2ª série e, por mais dois anos seguidos, a 3ª série. Em 2009 frequentou a 4ª série, então com 12 anos de idade, apresentando dois anos de defasagem na relação idade-série. Está na escola onde a pesquisa foi realizada desde 2006 e nos anos anteriores esteve em duas escolas diferentes. Fernanda é negra e, desde 2004, mora num abrigo para crianças, com um irmão mais novo, por terem sido retirados judicialmente da guarda da mãe. Visita a mãe e os irmãos menores, que moram com a mãe, em alguns finais de semana. Durante a semana, nos horários em que não está na escola, faz balé duas vezes por semana e frequenta a Escola-Parque uma vez por semana. Nos demais períodos, Fernanda fica no abrigo, onde estuda, faz tarefas da escola e algumas atividades domésticas, todas supervisionadas por sua responsável legal. As dificuldades reconhecidas pela escola – constantes na documentação e referidas pela professora no início da pesquisa – concentravam-se em Língua Portuguesa e em disciplinas curriculares que exigiam leitura e compreensão de textos - como Ciências, Geografia e História. Daniel, conforme a documentação escolar, iniciou a 1ª série em 2006, com sete anos de idade; frequentou a 2ª série em 2007 e, no ano de 2008, momento em que a pesquisa foi iniciada, estava frequentando a 3ª série, sempre na mesma escola. Reside numa região administrativa próxima do Plano Piloto, de onde a mãe o leva de carro próprio para frequentar a escola. Mora com seu pai e sua mãe, ambos profissionais liberais, e uma irmã mais velha. Nos relatórios das séries anteriores, apesar da aprovação como resultado final em todos os anos, encontramos registros de dificuldades em Matemática e Língua Portuguesa, ambas as áreas também apontadas pela professora no início da pesquisa, associadas a falta de atenção na realização das atividades, falta de responsabilidade com as atividades de casa e resistência em rever seus erros. Instrumentos Todos os instrumentos foram elaborados especialmente para essa pesquisa considerando as particularidades dos seus participantes, sendo utilizados como indutores da expressão do outro na produção das informações, e não como fonte de dados. Como instrumentos da pesquisa foram utilizados os numerados e descritos a seguir. Desenvolvimento da subjetividade * Maristela Rossato & Albertina Mitjáns Martínez 1. Sistemas Conversacionais: permitem ao pesquisador deslocar-se da posição de quem pergunta, como realizado nas entrevistas, e produzir uma dinâmica com um clima favorável para a informação; foram realizados com professores, a direção, a equipe pedagógica e familiares dos estudantes; 2. Instrumentos apoiados em indutores não escritos, cujo uso facilita a expressão de informações singulares, principalmente quando se trata de crianças; podem ser enriquecidos com elementos produzidos a partir de outros instrumentos; foram utilizados desenhos, histórias interativas, completamento oral de frases ilustradas, construção da linha da vida escolar; 3. Instrumentos apoiados em indutores escritos – usados com o objetivo de oportunizar a expressão dos participantes; porém, por serem estudantes que apresentavam certa resistência à escrita, foi utilizada apenas uma redação descritiva sobre como se percebiam na escola e um completamento de frases; 4. Momentos informais - que foram definidos tanto a partir das relações espontâneas com os participantes quanto em decorrência da interação com os instrumentos da pesquisa, pelos indutores diretos e indiretos ali contidos; 5. Análise documental: os documentos (pasta do estudante com documentos relativos à sua história escolar e fichas do conselho de classe) foram utilizados como fonte de informação na caracterização do sujeito; 6. Observação: foi utilizada como recurso para perceber o movimento dos sujeitos na relação com o outro (professores expressando suas opiniões sobre os estudantes, professores conversando com estudantes, reação dos estudantes diante da postura assumida pelo professor a seu respeito, reação dos estudantes diante da postura assumida pelo professor diante dos colegas, reação dos estudantes na ausência dos professores, reação dos estudantes junto aos colegas da escola, estudantes expressando sua opinião sobre os professores, etc.), levantando ou reforçando indicadores formulados no processo da pesquisa. Procedimentos Diante da análise das informações de cada instrumento, foram produzidos indicadores que, no confronto com os indicadores produzidos em outros instrumentos, geraram hipóteses que foram sendo confrontadas com a produção dos pesquisadores em momentos diversos da pesquisa. Um indicador, na Epistemologia Qualitativa, constitui-se de 293 momentos que adquirem significação pela interpretação do pesquisador. Não é uma categoria para ser usada como referência, com finalidade descritiva, e não tem relação direta com os elementos tomados em separado, mas ganha significado pela relação que o pesquisador é capaz de estabelecer com outros conjuntos de elementos identificados a partir dos instrumentos utilizados, produzindo hipóteses. A criação das hipóteses, em confronto com a teoria geral do pesquisador, produziu núcleos teóricos de análise integrados ao processo geral de construção do conhecimento, dentro de uma lógica configuracional que esteve orientada pelas relações dos pesquisadores com o problema estudado. Esse confronto foi contínuo durante a pesquisa e serviu para sinalizar a necessidade de reformular hipóteses, para reconstruir alguns núcleos teóricos de análise já elaborados e mesmo para reformular os indutores de alguns instrumentos. Os resultados serão orientados pelo modelo construtivo-interpretativo em que as informações (dados) não têm valor por si mesmas, mas adquirem solidez pela interpretação do pesquisador, resultante do processo de construção de indicadores e hipóteses em confronto com sua teoria geral. Resultados e discussões Os fundamentos da Epistemologia Qualitativa (González Rey, 2002, 2003a, 2005), descritos anteriormente, dão suporte ao modelo de pesquisa qualitativa adotado. O material empírico produzido no campo não é portador de uma verdade contida nele mesmo, que ganhe legitimidade pela sua descrição; ao contrário, trata-se da construção de modelos teóricos sobre a informação produzida dando visibilidade a um nível ontológico não acessível à observação imediata. É por meio da “construção teórica de sentidos subjetivos e de configurações subjetivas envolvidas nos diferentes comportamentos e produções simbólicas do homem” (González Rey, 2005, p. 116) que os resultados da pesquisa podem ser expressos. Os resultados apresentados a seguir são construções da trajetória escolar e das relações com diversos grupos sociais dos quais fazem parte os três participantes da pesquisa – João, Fernanda e Daniel –, expressão do movimento da subjetividade no processo de superação das dificuldades de aprendizagem escolar. A análise dos casos foi um recorte de tempo da história de cada um dos participantes, onde fios do passado foram alçados para serem entretecidos com o presente, gerando um espaço dialógico em que os sentidos subjetivos produzidos nesse tempo em movimento puderam emergir. No processo construtivo-interpretativo de análise foram identificados dois eixos explicativos do movimento da subjetividade no processo de superação das dificuldades de aprendizagem: (a) a constituição do sujeito no confronto com o outro; (b) a mudança na personalidade gerada pelas reconfigurações subjetivas e o impacto na produção qualitativa de sentidos subjetivos. 294 Em primeiro lugar, a constituição do sujeito no confronto com o outro se mostrou central nos processos de aprendizagem escolar dos participantes da pesquisa, demarcando o espaço do outro (mais experiente) no processo de aprendizagem e desenvolvimento humano. Nos três casos investigados, o movimento da subjetividade identificado no período em que a aprendizagem dos estudantes apresentou-se próxima ao esperado pela escola esteve relacionado aos sentidos subjetivos produzidos na relação com o outro. No caso de João, esse outro foi representado pela professora Ana e pela mãe; no caso de Fernanda e Daniel, o outro foi representado pela professora Rosane. Nos três casos analisados, o outro, em circunstâncias distintas, gerou emoções que possibilitaram a produção de sentidos subjetivos mobilizadores dos sujeitos. A simples presença do outro não garante a produção de sentido subjetivo, ao contrário, o outro tem importância no desenvolvimento pela qualidade dos sentidos subjetivos que é capaz de produzir, pois os sentidos subjetivos se produzem na geração do espaço simbólico-emocional particular em cada sujeito (Mitjáns Martínez, 2005). As mudanças na condição de sujeito foram identificadas em dois dos participantes da pesquisa como resultantes da reconfiguração da natureza dos sentidos subjetivos produzidos no confronto com o outro, diante dos novos arranjos relacionais que se constituíram na dinâmica entre os estudantes. No caso de João, a mãe, por orientação da orientadora educacional da escola, parou de confrontá-lo quanto aos sentimentos em relação ao seu pai biológico, respeitando a emocionalidade produzida por ele. Este fato desencadeou a produção de sentidos subjetivos em relação ao outro que possibilitaram um processo de reaproximação com a mãe e com outras pessoas da escola das quais antes insistentemente mantinha distância. Os sentidos subjetivos que passou a produzir na relação com a orientadora educacional e com a nova professora impactaram profundamente os sentidos subjetivos da aprendizagem escolar. No meio do primeiro ano da investigação houve uma mudança estrutural na escola para receber um estudante com comportamento atípico, e João, por já ter um histórico escolar com problemas de comportamento, foi remanejado para outra turma. Essa nova professora foi quem, pela primeira vez desde que João chegara à escola, levantou a hipótese de que ele poderia ter altas habilidades para o desenho e que esse seria seu recurso principal de aprendizagem, ao contrário do rótulo de dificuldades de aprendizagem que lhe era atribuído. A dinâmica relacional estabelecida com sua professora no primeiro ano da investigação foi a fonte dos sentidos subjetivos favorecedores da aprendizagem escolar de Fernanda. Essa professora não a via com piedade pela sua história de vida, mas como alguém que precisava se desenvolver com autonomia, já que não poderia contar com o apoio de sua família; via nela alguém que precisava desenvolver recursos psicológicos para enfrentar a vida sozinha, que precisava se constituir como sujeito de sua aprendizagem e desenvolvimento. A produção dos sentidos subjetivos segue desdobramentos e entrelaçamentos que nunca são Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 289-298. universais, mas que posicionam a pessoa como sujeito de seu próprio desenvolvimento, e, nesse sentido, o outro tem importância para o desenvolvimento quando se converte em uma fonte de produção de sentido subjetivo, numa relação dialógica (González Rey, 2004a). A conquista do reconhecimento da condição de sujeito, identificada em João e Fernanda, ocorre quando a pessoa adquire condições de definir seus objetivos de vida e é capaz de segui-los por meio de sua atividade volitiva com independência, criatividade e congruência (González Rey, 1995). No caso de Daniel, uma mudança de atitude da professora, no final do primeiro ano da pesquisa, diante da informação de que estaria vivenciando problemas familiares, gerou um novo espaço simbólico-emocional entre ambos: a professora diminuiu o nível de exigência e passou a valorizar mais suas produções e, com isso, Daniel passou a sentir-se acolhido pela professora, ou seja, passou a produzir sentidos subjetivos favoráveis à sua aprendizagem, reconhecendo nela uma ensinante capaz de perceber seu potencial. O tempo de convivência nessa nova dinâmica relacional, desencadeadora da produção de sentidos subjetivos favorecedores da aprendizagem escolar, foi de apenas três meses, pois, com a mudança de professora na passagem de ano, as supostas dificuldades de aprendizagem voltaram a existir. Esse fato demonstra que as mudanças precisam adquirir certa estabilidade para que caracterizem reconfigurações no sistema subjetivo. A tentativa de construir uma identidade de sujeito da aprendizagem foi interrompida quando se rompeu a dinâmica simbólico-emocional produtora dos novos sentidos subjetivos que sustentavam a aprendizagem escolar. O sujeito é uma confluência das configurações subjetivas constituídas em sua história que expressam a produção simbólico-emocional de cada pessoa. O pensamento, a reflexão e as decisões dão legitimidade ao sujeito singular, possibilitando-lhe integrar a complexidade da vida social sem perder a capacidade de continuar gerando espaços próprios de subjetivação (González Rey, 2005, 2006, 2007). Essa possibilidade de geração de espaços próprios de subjetivação foi identificada em João e Fernanda, mas, como vimos anteriormente, não foi identificada em Daniel. Em segundo lugar, o outro eixo de análise pauta-se pela mudança na personalidade gerada pelas reconfigurações subjetivas e o impacto na produção qualitativa de sentidos subjetivos. Vale destacar que os sentidos subjetivos são irrepetíveis, ou seja, sempre são novas produções, por isso imprimimos o termo qualitativo para demarcar a importância dessas produções. As configurações subjetivas caracterizam-se pela possibilidade de integrar elementos dinâmicos e contraditórios, os quais podem converter-se em sentidos subjetivos dominantes. González Rey (1995, 2004a) destaca alguns desses elementos que podem estar implicados nas reconfigurações subjetivas, tornando-as potencialmente mobilizadoras do sistema subjetivo, elementos que, na pesquisa realizada, foram analisados pelas informações do campo empírico. O primeiro elemento é a qualidade das formas e sentidos sociais e culturais das atividades, já que muitas delas Desenvolvimento da subjetividade * Maristela Rossato & Albertina Mitjáns Martínez são movidas pela automação gerada pela rotina criada na vida das pessoas. A diferença entre os dois tipos de ação é determinada pela influência do momento de vida das pessoas e pelos sentidos subjetivos produzidos diante das formas e sentidos sociais que as ações assumem na realidade individual; ou seja, os sentidos subjetivos das ações e relações, produzidos no confronto entre a subjetividade individual e a subjetividade social, são marcados pela organização simbólico-emocional de cada sujeito. No caso de Fernanda, o sentido subjetivo produzido na relação com a professora - que considerou sua entrada na adolescência e o fato de não poder contar com uma família que a apoiasse em seu desenvolvimento -, gerou condições para que Fernanda se constituísse independentemente de suas condições familiares, possibilitando reconfigurações que abriram caminhos para seu desenvolvimento subjetivo. Os sentidos subjetivos produzidos na convivência com a professora reconfiguraram subjetivamente seu sistema de autovaloração, possibilitando a consolidação de uma identidade até então muito frágil, resultante dos sentidos subjetivos produzidos diante das histórias de abandono e rejeição por ela vividas. O caso de João também é ilustrativo dessa condição para o desenvolvimento: o sujeito João deixou de integrar a subjetividade social da escola como um estudante com dificuldades e problemas de comportamento, um estudante que não é morador da quadra4 e passou para o grupo de elite da escola, como um estudante que tem altas habilidades, o que, sem dúvida, no confronto com a subjetividade individual, possibilitou a produção de novos sentidos subjetivos favorecedores de seu desenvolvimento subjetivo. A questão da temporalidade é de extrema importância para pensar numa reconfiguração subjetiva, uma vez que, como já vimos, a mudança se dá num contínuo movimento de ordem/desordem/interações-reencontros/organização, principalmente no que se refere à relação entre os sentidos subjetivos e as configurações subjetivas. As relações e ações do sujeito em desenvolvimento vão modificando seu sentido psicológico ao longo do tempo. O caso de Daniel é ilustrativo de como o rompimento de uma emocionalidade pode interromper um processo de mudança, ao contrário do que ocorreu com Fernanda e João, que, mesmo quando as condições passaram a ser outras – novas professoras no ano de 2009 – as reconfigurações que movimentaram o desenvolvimento continuaram ativas. O sentido subjetivo não conscientizado pelo sujeito é o terceiro elemento que merece destaque no processo de reconfiguração subjetiva, pois muitos dos sentidos subjetivos produzidos nas ações e relações não são conscientizados pelo sujeito nem são movidos pela intencionalidade do outro. O outro pode criar situações que envolvam emocionalmente o sujeito, mas não pode controlar o que vai 4Referente às quadras do Plano Piloto, Brasília-DF. João morava numa das regiões administrativas - RA e deslocava-se para o Plano Piloto junto com a mãe, que trabalha numa das residências da quadra onde fica localizada a escola. Destaca-se que os moradores das quadras geralmente possuem condições sócias econômicas significativamente superiores às dos moradores das RAs. 295 ser produzido subjetivamente por ele. O caso de João, por exemplo, demonstrou que a produção de sentidos subjetivos não é conscientizada pelo sujeito. João conseguia identificar a emocionalidade gerada diante da negação do pai biológico pela sua família, mas não os sentidos subjetivos que eram produzidos nessas relações, e isto gerava a rejeição do outro. A emocionalidade produzida pelo sujeito pode ser conscientizada por ele, diferentemente dos sentidos subjetivos das ações e relações, não sendo possível, inclusive, diferenciar se foram positivos ou negativos, nem conhecer os desdobramentos gerados nas configurações subjetivas diante do confronto com sentidos subjetivos produzidos em outras ações e relações. As formações motivacionais complexas podem participar do desenvolvimento por se constituírem como uma integração de sentidos subjetivos direcionados a uma ação reflexiva e intencional do sujeito, compondo o quarto elemento presente no processo de reconfiguração subjetiva. As motivações de Fernanda em torno de uma vida independente, as motivações de Daniel em satisfazer o pai e as motivações de João para conquistar a valorização dos seus desenhos foram mobilizadores da produção de sentidos subjetivos de diferentes procedências que integraram suas respectivas configurações subjetivas. Projetivamente, poder-se-ia inferir que a temporalidade é um fator considerável na organização de uma nova configuração subjetiva pela ordem/desordem/ interação/organização necessária à ocorrência da mudança. O último elemento destacado refere-se ao alto nível de individualização do sujeito, expresso em sua iniciativa e criatividade. O pensamento, a reflexão e as decisões tomadas pelo individuo singular legitimam sua condição de sujeito e possibilitam que entre na dinâmica complexa da vida social e seja capaz de gerar espaços próprios de subjetivação. Fernanda passou a perceber suas qualidades de sujeito e investir mais nelas, e João passou a reconhecer no outro a possibilidade de produzir espaços de ação subjetivada. Por meio dos casos analisados, evidenciou-se que as mudanças subjetivas se convertem em desenvolvimento quando integram a organização das configurações subjetivas e geram novos caminhos para que outras mudanças aconteçam. Os três casos analisados permitiram sistematizar uma compreensão do desenvolvimento da subjetividade, destacando-se a importância da produção contínua e irrepetível dos sentidos subjetivos, tanto na constituição do sujeito como nas reconfigurações subjetivas que se integram na personalidade. A produção de novos sentidos subjetivos, tomada na centralidade do processo de desenvolvimento da subjetividade, apresenta-se como uma possibilidade de rompimento com o determinismo humano e com a personalidade fixa. Embora sujeito e personalidade sejam constituidores da subjetividade individual, a subjetividade social não está isenta desse processo, ao contrário, o sujeito se integra à subjetividade social gerando novos focos de subjetivação, não de forma intencional e direta, mas de um momento no movimento de um sistema complexo, que não responde de maneira direta nem linear à intencionalidade humana. 296 O confronto do sujeito com a subjetividade social traduz-se num espaço gerador de conteúdos simbólico-emocionais produtores de sentidos subjetivos, demarcando a constituição do sujeito numa matriz relacional. As ���������� experiências vividas pelo sujeito produzem uma variedade de sentidos subjetivos que alimentam e desenvolvem as configurações subjetivas, as quais, mesmo diante dessa mobilidade, mantêm núcleos estáveis de produção subjetiva. Os núcleos, organizados pelos sentidos subjetivos dominantes, dão integridade à configuração, onde um novo sentido subjetivo, que assuma papel dominante, pode mobilizar mudanças no núcleo de uma configuração. Em dois participantes da pesquisa, João e Fernanda, o movimento da subjetividade, pela complexidade envolvida nas mudanças subjetivas e pela relativa estabilidade adquirida na organização do sistema, possibilitou o desenvolvimento da subjetividade necessário à superação das dificuldades de aprendizagem; portanto, quanto a Fernanda e João, podemos afirmar que a superação das dificuldades de aprendizagem decorrentes do desenvolvimento da subjetividade envolveu uma reorganização estável da personalidade e das qualidades do sujeito, assumindo novos níveis qualitativos de organização subjetiva. No caso de Daniel, o movimento da subjetividade não chegou a gerar mudanças complexas que ganhassem estabilidade durante o período investigado, uma vez que, quando a emocionalidade produtora dos sentidos subjetivos se rompeu, houve também uma involução na qualidade que acreditávamos ter alcançado sua aprendizagem. O caso de Daniel mostra que, no momento em que a emocionalidade geradora de uma mudança se interrompe, pode haver involução nos níveis de organização subjetiva que se anunciavam até então, demonstrando que os sentidos subjetivos precisam de certo tempo, estabilidade e intensidade para se integrarem às configurações subjetivas e provocarem mudanças mais complexas. Considerações finais Ao final desse artigo, como contribuição teórica, defendemos que a superação das dificuldades de aprendizagem requer o desenvolvimento da subjetividade. Definimos o desenvolvimento da subjetividade como mudanças subjetivas que impactam e que ganham certa estabilidade, sendo capazes de desencadear outras mudanças e gerar novos níveis qualitativos de organização subjetiva. A análise do desenvolvimento da subjetividade requer adentrar no movimento contínuo de produção de sentidos subjetivos para identificar os impactos, as rupturas e as construções que estes são capazes de desencadear no sujeito. No tocante às dificuldades de aprendizagem, estas ocorrem a partir da negação do sujeito do aprender, da ausência de condições que favoreçam a produção de sentidos subjetivos capazes de promover a aprendizagem escolar a partir da existência de configurações subjetivas geradoras de danos que comprometem a produção de sentidos subjetivos favoráveis ao aprender escolar. O contexto de análise Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 289-298. da superação das dificuldades é muito mais amplo do que os problemas expressos pelos estudantes no contexto escolar, pois há um sistema subjetivo envolvido. A superação requer uma reorganização subjetiva dos sentidos que, de alguma forma, estejam vinculados à aprendizagem escolar. Como contribuição prática, produzimos um olhar que permite compreender as dificuldades de aprendizagem de um modo que extrapola a mera ação cognitiva do estudante. A análise apresentada neste artigo coloca em discussão o trabalho desenvolvido pelas escolas diante das dificuldades de aprendizagem, que muitas vezes se constituem em mais do mesmo, desconsiderando a complexidade de um problema que extrapola o espaço de ação do estudante. As ações dos professores que desencadearam as mudanças subjetivas que, por sua vez, impactaram a aprendizagem dos estudantes, não foram planejadas e intencionais, mas poderiam tê-lo sido. Os casos relatados na pesquisa revelam a importância dos processos subjetivos envolvidos no ensinar e no aprender. São ações pedagógicas que promovem a constituição e o reconhecimento do sujeito e possibilitam aos estudantes experiências simbólico-emocionais produtoras de sentidos subjetivos favorecedores da aprendizagem escolar. Consideramos, por fim, que os conhecimentos produzidos podem ser significativos para os programas de formação de professores, para a formulação de propostas pedagógicas para as escolas, para a proposição de políticas públicas, entre outros fins. & A. Mitjáns Martínez (Eds.), O outro no desenvolvimento humano (pp. 1-27). São Paulo: Pioneira Thompson Learning. González Rey, F. (2004b). O social na psicologia e a psicologia social: a emergência do sujeito. Petrópolis, RJ: Vozes. González Rey, F. (2005). Pesquisa Qualitativa e Subjetividade: os processos de construção da informação. São Paulo: Pioneira Thomson Learning. González Rey, F. (2006). O sujeito que aprende: desafios do desenvolvimento do tema da aprendizagem na psicologia e na prática pedagógica. Em M. C. Tacca (Ed.), Aprendizagem e trabalho pedagógico (pp. 29-44). Campinas, SP: Alínea. González Rey, F. (2007). Psicoterapia, Subjetividade e PósModernidade. Uma aproximação histórico-cultural. São Paulo: Pioneira Thomson Learning. González Rey, F. (2008). Subjetividad social, sujeto e representaciones sociales. Perspectivas em Psicologia, 4(2), 225-243. Mitjáns Martínez, A. (2005). A Teoria da Subjetividade de González Rey: uma expressão do paradigma da complexidade na Psicologia. Em F. González Rey (Ed.), Subjetividade, Complexidade e Pesquisa em Psicologia (pp.1-26). São Paulo: Pioneira Thomson Learning. Referências Morin, E. (2003a). O método – 1. A natureza da natureza. Porto Alegre: Sulina. González Rey, F. (1995). Comunicación personalidad y desarrollo. Ciudad de La Habana, Cuba: Editorial Pueblo y Educación. Morin, E. (2003b). O método – 5. A humanidade da humanidade. Porto Alegre: Sulina. González Rey, F. (2002). Pesquisa Qualitativa em Psicología: caminhos e desafios. São Paulo: Pioneira Thompson Learning. Morin, E., Ciurama, E., & Motta, R. D. (2003). Educar na era planetária: O pensamento complexo como método de aprendizagem pelo erro e incerteza humana. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO. González Rey, F. (2003a). Sujeito e subjetividade: uma aproximação histórico-cultural. São Paulo: Pioneira Thomson Learning. González Rey, F. (2003b). Epistemología Cualitativa y Subjetividad. São Paulo: EDUC. Rossato, M., & Mitjáns Martínez, A. (2011) A superação das dificuldades de aprendizagem e as mudanças na subjetividade. Em A. Mitjáns Martínez & M. C. V. Tacca (Eds.), Possibilidades de aprendizagem: ações pedagógicas para alunos com dificuldade e deficiência (pp. 71-107). Campinas, SP: Alínea. González Rey, F. (2004a). O sujeito, a subjetividade e o outro na dialética complexa do desenvolvimento humano. Em L. M. Simão Desenvolvimento da subjetividade * Maristela Rossato & Albertina Mitjáns Martínez 297 Recebido em: 01/06/2012 Reformulado em:13/12/2012 Aprovado em: 23/01/2013 Sobre as autoras Maristela Rossato ([email protected]) Endereço: Condomínio Mansões Entre Lagos, Etapa 4, Conjunto H, Casa 8 Sobradinho, Brasília – DF, CEP 73225-903. Albertina Mitjáns Martínez ([email protected]) Endereço: SQS 407, Bloco R, Apto 206, Brasília – DF, CEP 70258-180 Trabalho derivado da Tese de Doutorado “O movimento da subjetividade no processo de superação das dificuldades de aprendizagem escolar”. As discussões sobre dificuldades de aprendizagem foram publicadas em Rossato, M., & Mitjáns Martínez, A. (2011). A superação das dificuldades de aprendizagem e as mudanças na subjetividade. Em A. Mitjáns Martínez & M. C. V. Tacca (Eds.), Possibilidades de aprendizagem: ações pedagógicas para alunos com dificuldade e deficiência (pp. 71-107). Campinas, SP: Alínea. 298 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 289-298. Escuta afetiva: possibilidades de uso em contextos de acolhimento infantil Aline Jacob Trivellato Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Paranaíba – MS Cíntia Carvalho Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Paranaíba - MS Celia Vectore Universidade Federal de Uberlândia - MG Resumo O presente estudo teve como objetivo conhecer o processo de acolhimento a partir do relato das crianças acolhidas e de educadoras de uma instituição localizada numa cidade do Interior do Estado do Mato Grosso do Sul. Participaram cinco crianças e cinco educadoras. Para a coleta de dados foram organizadas 27 oficinas com as crianças, que foram divididas em dois grupos, e entrevistas semiestruturadas com as educadoras. Os resultados mostram a importância da escuta atenta às crianças, pois possibilita as narrativas de suas vivências. Quanto às educadoras, observou-se que a interação com as crianças se dá, prioritariamente, nos cuidados básicos. Sugere-se a criação de políticas para a capacitação dessas profissionais, além de estratégias que resgatem a história de vida das crianças acolhidas, já que as rotinas institucionais e a complexidade do processo de acolhimento acabam por desconsiderar esse importante aspecto da construção humana. Palavras-chave: Crianças, abrigos, educadores. Affective listening: possible uses in childcare contexts Abstract In this work we study the process of hosting children, based on the reports of children received and on teachers of an institution located in a town in the state of Mato Grosso do Sul. Five children and five teachers were listened to. For data collection we organized 27 workshops with the children, who were divided into two groups, and semi-structured interviews with the teachers. The results show the importance of the careful listening to children, as it allows the narratives of their experiences. Regarding the educators it was observed that interaction with children occurs primarily in basic care. It is suggested the need for policies to train these professionals, and strategies to rescue the life story of the children hosted, since the institutional routines and complexity of host eventually disregard this important aspect of human construction. Keywords: Children, shelters, educators. Escucha afectiva: posibilidades de uso en contextos de acogida infantil Resumen Se trata de estudio que tuve como objetivo comprender el proceso de acogida a partir del relato de niños acogidos y de educadoras de una institución ubicada en una ciudad en el interior del Estado de Mato Grosso do Sul. Participaron cinco niños y cinco educadoras. Para la recolección de datos se organizaron 27 talleres con los niños divididos en dos grupos y entrevistas semi-estructuradas con las educadoras. Los resultados muestran la importancia de la escucha atenta a los niños, ya que permite narrativas de sus vivencias. En cuanto a las educadoras se observó que la interacción con los niños se da principalmente en cuidados básicos. Se nota la necesidad de políticas para capacitar a los profesionales, además de estrategias que recuperen la historia de vida de los niños acogidos, una vez que las rutinas institucionales y la complejidad del proceso de acogida acaban ignorando este importante aspecto de la construcción humana. Palabras clave: Niños, abrigos, educadores. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 299-307. 299 Introdução Historicamente, desde os períodos da colonização portuguesa até os dias de hoje é possível reconhecer que a infância brasileira, especialmente a das crianças abandonadas, é marcada por episódios ou períodos em que a negligência e os maus-tratos se fazem presentes na rotina de suas vidas. Tal situação, a despeito de iniciativas e políticas,que culminaram com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA (1990) e com a Lei n.° 12.010, conhecida como Lei Nacional da Adoção (2009), ainda se apresenta de modo expressivo, em nível nacional. Fatores como pobreza, estrutura familiar constituída de violência física e psicológica, negligência, abandono e dependência química (IPEA, 2004) figuram entre as causas principais que levam ao abandono e, consequentemente, à institucionalização das crianças, quando a família não consegue cumprir sua função básica, representada pela garantia da integridade física e psicológica dos filhos (Lei Nacional da Adoção, 2009). A suspensão do poder familiar ocorre até a situação ser revertida, o que significa o oferecimento dos cuidados primordiais. A partir de 2009, com a nova Lei Nacional da Adoção, as crianças impossibilitadas do convívio familiar passaram a ser atendidas em instituições de acolhimento, anteriormente denominadas de abrigos. Tais instituições têm como característica principal serem de caráter temporário, já que todos os esforços devem ser empreendidos para possibilitar o retorno ao lar. A complexidade, o histórico e as múltiplas variáveis que se apresentam nessas instituições têm sido amplamente discutidos na literatura pertinente, como nos estudos de Prada, Williams e Weber, (2007), Ayres, Cardoso e Pereira, (2009), Cintra e Souza, (2010) e Nascimento, Lacaz e Travassos (2010), entre outros. É essencial propiciar um atendimento de qualidade aos acolhidos, pois outras são seres humanos em constante crescimento e formação (Cavalcante, Magalhães, & Pontes, 2007). Além disso, é necessário criar mecanismos sociais que garantam a provisoriedade da medida (Siqueira & Dell’Aglio, 2010). Azôr (2005) identificou, em seu estudo em uma instituição de acolhimento, uma permanência média de cerca de 14 anos das crianças e adolescentes ali acolhidos. Neste contexto, a grande pergunta é: como promover um espaço de qualidade para essas crianças oriundas de situações tão adversas? Responder a essa questão não é tarefa fácil. Estudos anteriores (Carvalho & Vectore, 2008; Sousa, 2006; Tomás, 2010) têm mostrado quão complexo é o universo das instituições de acolhimento, que enfrentam dilemas básicos, relativos a questões como os vínculos e suas rupturas, o desenvolvimento infantil em espaços coletivos, com poucas possibilidades para a construção de individualidades, a formação insuficiente das mães sociais e/ou educadoras e a própria gestão da instituição, que, se alicerçada em ações desencontradas dos atores responsáveis, pode dificultar o estabelecimento de um perfil institucional adequado. 300 Com o intuito de lançar luzes nas questões acima referidas, várias ações têm sido descritas na literatura que, se efetivadas em contextos de acolhimento, podem garantir, pelo menos em parte, a qualidade do atendimento a ser dispensado a quem se encontra sob os seus cuidados. Nesse sentido, Nogueira (2011) enfatiza os percalços relativos ao acolhimento de bebês, e Rossetti-Ferreira, Serrano e Almeida (2011) expõem a importância da adequação do relacionamento entre os educadores e os acolhidos, corroborando o argumento de Martins (2005), segundo a qual “o que está em causa é a construção de relações estáveis, contínuas, que tenham significado pessoal para as partes envolvidas e funcionem como referência ou organizador da compreensão que o menor tem do mundo envolvente” (p.8). A multiplicidade dos aspectos ou contextos presentes no acolhimento influencia a vivência institucional da criança acolhida. A interação de tais fatores e os seus impactos podem ser compreendidos pela visão sistêmica adotada na Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano de Bronfenbrenner (Bronfenbrenner, 1996; Bronfenbrenner & Ceci, 1994; Bronfenbrenner & Morris, 1998) e explicitada para contextos de acolhimento por Rosa, Santos, Melo e Souza (2010), Siqueira e Dell’Aglio (2006) e Yunes, Miranda e Cuello (2004). A partir da perspectiva acima apontada, a criança acolhida pertence diretamente ao microssistema, que no caso é a instituição de acolhimento (Yunes e cols., 2004), que está sujeita a interferência de contextos mais abrangentes, pertencentes ao macrossistema, ao mesossistema e ao exossistema (Bronfrenbrenner, 1996). Ademais, pela fragilidade de dessas instituições, que não têm “voz”, muitas vezes o que ocorre é o acolhimento inadequado, o qual reproduz o abandono anteriormente sofrido. De fato, várias inadequações podem ser observadas nos espaços de acolhimento, entre elas a inexistência ou a insuficiência de momentos propiciadores do afloramento da subjetividade infantil, que pode ser manifestada pelas múltiplas linguagens disponíveis à criança (Malaguzzi, 2007), como a ludicidade, o contar e o recontar de histórias, entre outras. Por outro lado, a ampla literatura psicológica, em suas diferentes abordagens, mostra o descompasso entre esse cotidiano restrito e as possibilidades efetivas do desenvolvimento global e harmonioso do ser humano (Bruner, 1999; Piaget, 1970; Vygotsky, 2007; Wallon, 1968). A despeito das suas dificuldades e complexidades, as instituições de acolhimento podem ser contextos de desenvolvimento humano, conforme estudos já relatados (Azôr, 2005; Rosa e cols., 2010). Para tanto, uma das possibilidades seria a mudança de paradigma na compreensão da criança acolhida, passando do enfoque das suas carências para o de suas potencialidades. Entender as crianças como capazes, escutá-las e dar voz às suas experiências são atitudes que podem contribuir para a manifestação de aspectos importantes da sua subjetividade e ser um ponto de partida para intervenções promotoras do desenvolvimento infantil. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 299-307. A Escuta Psicológica, regulamentada pela Resolução CFP N.º 010/2010, é um instrumento pertinente para o trabalho das instituições de acolhimento. Andrade e Morato (2004) argumentam que “a garantia do espaço de escuta como lugar para a subjetividade na instituição pode, pela transformação de seus participantes, levar a transformações institucionais” (p. 352). Diante do exposto, tem-se que o presente estudo se justifica pelo fato de que, ao propor atividades lúdicas atreladas a uma escuta sensível, aqui denominada de escuta afetiva, pela possibilidade de acolhimento das falas das crianças, sem preconceitos, julgamentos e interpretações de quem ouve (Barbier, 2002), foi possível conhecer as histórias e singularidades das crianças institucionalizadas (Arpini, 2003; Marmelstejn, 2006; Tinoco, 2001), além de reconhecer as particularidades e necessidades das educadoras. Método Caracterização da instituição de acolhimento Os dados foram coletados em uma instituição que mantém acolhidas dez crianças. O número de acolhidos pode variar para mais ou para menos, pela transitoriedade característica destas instituições. A rotina das educadoras envolve cuidados com as crianças, com ênfase na alimentação e higiene, além da limpeza da casa e das roupas, entre outros aspectos da vida em instituições desse tipo. A rotina institucional é organizada considerando-se o horário escolar, compreendido pelos períodos matutino e vespertino. Assim, após a chegada da escola, as crianças tomam banho, jantam, assistem televisão e dormem por volta das sete e trinta da noite. As crianças recebem, esporadicamente, visitas de pessoas da comunidade; as da família são comumente esperadas aos sábados, das 13 às 16 horas. Aos domingos não há atividades direcionadas pelas educadoras ou outros profissionais e raras veze as crianças são levadas para passear fora da instituição. Participantes Participaram deste estudo cinco crianças de idade entre quatro e nove anos, divididas em dois grupos: o grupo 1 (João e Maria) e o grupo 2 (Calvin, Cindy e Tina); e cinco educadoras, com idade entre 38 e 62 anos e experiência na função variável de dez até menos de um ano, oriundas de uma instituição de acolhimento localizada em uma cidade do Interior do Estado do Mato Grosso do Sul. Instrumentos Para a coleta de dados foram utilizados os seguintes instrumentos: - Entrevistas semiestruturadas com as educadoras, visando explorar entre outros, os seguintes aspectos: formação; experiência e/ou treinamento para o exercício da função; facilidades e dificuldades encontradas no exercício profissional; percepção das crianças acolhidas. - Observações da rotina institucional: realizadas na instituição, por meio de registros cursivos de dois períodos, matutino e vespertino, num total de oito horas. - Contos de Fadas dos Irmãos Grimm: Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, Sete Corvos, além de outras histórias infantis, como Chapeuzinho Amarelo (Chico Buarque), Mania de Explicação (Adriana Falcão), A menina e o pássaro encantado (Rubem Alves). Esclarece-se que a escolha do trabalho com os contos de fadas se justifica por ser este um importante recurso de promoção da identificação das crianças com alguns personagens, o que contribuiu para a protagonização de suas vivências. As crianças podem se tornar protagonistas pelo desvio que fazem do esperado da história, direcionando a narrativa para situações da própria vida. Trata-se do “desvio da canonicidade quando as crianças usam expressões que lhes chamam atenção para recriar novas situações, transformando a cultura do adulto em cultura infantil” (Kishimoto, 2007, p. 440), por meio da aprendizagem. - Atividades lúdicas: baseadas prioritariamente nas sugestões presentes no material do Instituto Fazendo História (2008), como “Carteira de Identidade”, “Descobrindo minhas medidas”, “Medo, medinho, medão”, “São tantas emoções”, “Pessoinha”, “Jamais Esquecerei”, “Árvore genealógica”, “Casinha Feliz”, “Repórter por um dia”, “Sonhos”, entre outras. - Álbuns: construídos junto às crianças e organizados com capa de material resistente, folhas em branco para registrar acontecimentos, vivências, fotos, historinhas, desenhos, gravuras, colagens, incluindo informações como seus dados pessoais, os dados dos familiares, dos amigos, da instituição e da escola, fotos legendadas de familiares, amigos e educadoras; brincadeiras preferidas, depoimentos de pessoas significativas, motivo do acolhimento, lembranças significativas; perspectivas futuras, etc. A importância deste instrumento está na possibilidade de registrar, com a autorização e parceria das crianças, aspectos referentes à sua própria história. Cada registro proporciona uma experiência única de manifestação da subjetividade infantil, como enfatiza o Instituto Fazendo História (2008). Neste estudo, foi estabelecido que cada álbum deveria permanecer com a criança ou ser-lhe entregue no momento da desinstitucionalização. Procedimentos 1 A coleta de dados teve início na instituição após autorização do juiz responsável pela Vara da Infância e Juventude, o consentimento do responsável legal pela instituição - no caso, a Secretaria de Assistência Social do município -, a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa Escuta afetiva em instituições * Aline Jacob Trivellato, Cíntia Carvalho & Celia Vectore 301 da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (protocolo n.° 1914 CAAE 0004.0.049.000-11) e a assinatura do Termo de consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes e responsáveis. Todos os dados descritos neste estudo foram coletados entre outubro de 2010 e maio de 2011. Após a definição dos participantes, as crianças foram divididas em dois grupos - grupo 1 e grupo 2 -, sendo realizadas vinte e sete oficinas com cada um, com duração média de uma hora. As oficinas ocorreram aos domingos e consistiram de ações promotoras de uma vinculação adequada entre a pesquisadora e os participantes, a partir do uso de brincadeiras e jogos diversos, leituras de histórias infantis e dramatizações. Sinteticamente, foram tratados os seguintes temas: preferências diversas das crianças; vínculos, por meio da escrita de uma carta escrita a uma pessoa querida; construção da identidade; vivências durante o processo de acolhimento; representações quanto ao futuro, sonhos, desejos, visão de si. Todas as atividades foram registradas pelas crianças, com o auxílio da pesquisadora, com vistas à produção do álbum de cada participante, com as suas histórias, fragmentos e subjetividades. As oficinas foram audiogravadas para posterior transcrição e análise dos dados. Resultados Após a realização das atividades na instituição - especialmente as entrevistas com as educadoras e as oficinas com as crianças -, foram realizadas as transcrições e a análise minuciosa dos dados obtidos, cujo conteúdo (Bardin, 2008) possibilitou o reconhecimento de algumas categorias, que serão descritas a partir de dois blocos identificados, como: 1. Entrevista com as educadoras, e 2. Atividades com as crianças. 1. Entrevista com as educadoras Os dados oriundos das entrevistas com as educadoras podem ser contemplados a partir das seguintes dimensões: (a) Formação e contratação para a função de educadora; e (b) Percepções do trabalho: facilidades e desafios. (a) Formação e contratação para a função de educadora Todas as educadoras do estudo já tinham experiência em cuidar de crianças, devido a empregos anteriores como babá, merendeira, etc., mas mão tinham nenhuma qualificação ou capacitação em serviço para o trabalho com acolhidos. Entre os critérios mencionados para a contratação estavam gostar de crianças e manter sigilo quanto aos acontecimentos da casa, conforme se depreende das falas abaixo: Pesquisadora: Teve alguma exigência para trabalhar na instituição? Educadora 4: Aqui não, a única coisa que disseram é que tinha que gostar muito de criança, que não podia bater. 302 Educadora 2: Teve, a única exigência que eles fez (sic) foi que, o que entrá (sic) aqui, fica aqui, entendeu? É importante destacar que gostar de crianças, independentemente de se ter a formação necessária para o exercício da função, não se traduz necessariamente no oferecimento de um atendimento de qualidade. A Lei N.º 7.644, de 18 de dezembro de 1987, prevê o treinamento de educadores e mães sociais em abrigos. De acordo com a referida lei, mães sociais são mulheres contratadas para trabalhar em casas-lares que acolham no máximo dez crianças, oportunizando assim condições semelhantes às de uma residência comum e de uma convivência familiar. Nenhuma educadora do presente estudo conhecia tal lei. (a) Percepções do trabalho: desafios e prazeres No tocante à maneira como percebem os seus trabalhos, foi possível constatar que algumas educadoras manifestam sentimentos de menoscaso e tristeza, relativos à pouca valorização dada pela instituição, conforme o excerto abaixo: Pesquisadora: A senhora sente que seu trabalho é valorizado? Educadora 3: Não. Não. Não. Pesquisadora: Por que a senhora acha isso? Educadora 3: Porque eu acho que a gente precisa ter mais apoio. Porque todo mundo que fica de fora acha fácil, mas não é! (começa a chorar). Além dos sentimentos acima mencionados, as educadoras se queixam do modo como é conduzida a gestão da instituição, que permite a exacerbação de conflitos interpessoais oriundos do não cumprimento de horários, de divisões julgadas injustas das tarefas, etc., sem o devido encaminhamento, conforme fragmento abaixo: Pesquisadora: A senhora gostaria de falar mais alguma coisa? Educadora 2: querê (sic) eu queria, que mudasse outros funcionários aqui. Mas não tem jeito! (…) A pessoa entra aqui e fala: “Ah, eu adoro criança! Nossa, eu tenho paixão por criança”, depois que entra aqui, não quer saber de nada com as crianças. Aqui tem que trabalhá (sic) gente forte mesmo. Eu sei que… não é fácil, tem que ter vontade! As educadoras relatam prazer em trabalhar com crianças, principalmente com os bebês, além do gosto em limpar a casa, cuidar da alimentação e da higiene das crianças, mas mencionam a necessidade de oferecer cuidados que preservem a singularidade das crianças, o que não é considerado no contexto estudado, segundo se observa na fala abaixo: Pesquisadora: Acha que a casa acolhe as particularidades de cada criança? As coisinhas que ela tem e que são só dela? Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 299-307. Educadora 1: Não (...) as coisinhas delas não têm separação, as roupa não têm separação, se serve na outra, veste (...). Mas eu não acho muito certo. 2. Atividades com as crianças A partir dos relatos das crianças foi possível identificar a ocorrência de dimensões envolvendo o processo de acolhimento, como: (a) Apreço pelas atividades proporcionadas pelas oficinas; (b) Conflitos; (c) Protagonização das crianças, detalhadas abaixo. (a) Apreço pelas atividades proporcionadas pelas oficinas No que tange às oficinas realizadas, os dados indicam uma expressiva adesão das crianças a essas atividades, conforme se depreende da fala abaixo: João: por que você só vem de domingo? Pesquisadora: porque em dia de semana vocês têm aula. João: não, por que você não vem de sábado e domingo pra fazê (sic)? (Oficina 15 – Grupo 1) e suas vivências cotidianas na instituição de acolhimento e no contexto familiar. Em relação à vivência na instituição de acolhimento, observa-se: Pesquisadora: E como você se sentiu quando entrou aqui na casa? João: ruim. Pesquisadora: por que ruim? João: porque é muito ruim tá (sic) trancado aqui, não podê (sic) ir na rua pra brincá (sic)... (Oficina 21 – Grupo 1) Por outro lado, no que concerne à vivência em contexto familiar, podem se constatar as dificuldades enfrentadas pelas crianças, expostas a um ambiente com drogas ilícitas e à violência doméstica, conforme se depreende dos excertos abaixo: Pesquisadora: a maconha é uma planta. João: daí planta, seca e faz o negócio lá. Pesquisadora: você conhece? João: eu não. Já vi. Pesquisadora: já viu? Onde? João: na minha casa. Não é? (pedindo confirmação de Maria) Pesquisadora: na sua casa? E o que você achava disso? João: eu não achava nada. Maria: aí a gente cherava (sic) aquele cheiro fazia até mal. (Oficina 12 – Grupo1) (b) Conflitos Os conflitos entre os participantes ocorreram principalmente pela divergência de ideias e divisão de materiais. Houve situações de disputa, ora com agressões físicas, ora com agressões verbais, como pode ser observado a seguir: Pesquisadora: Tina, a cola é dos três. Tina: é só pra um. Pesquisadora: não é não. Tem que dividir. Tina: não divide. (Oficina 22 – Grupo 2) Tina: sabe por que eu não fui lá? Porque quando eu tava com a minha mãe, quando eu vim pro abrigo, minha mãe tinha me batido. Pesquisadora: Ah é? E aí? Como foi isso? Tina: ela bateu aqui, ó (próximo ao olho)- (Oficina 17 – Grupo 2) Pesquisadora: que cor que você quer? Maria: eu quero esse amarelo. João: então vai tomá (sic) no cu! (Oficina 24- Grupo 1) Pesquisadora: e agora aqui? O que quer que eu escreva? João: vou dá um pau na Maria, que vou deixá (sic) ela de cama. Pesquisadora: o que quer que eu escreva? Maria: meu melhor lugar. (João começa a bater em Maria) Maria: para! Pesquisadora: João, não! Você está machucando ela. Por que faz isso? Machuca, João! Por que você está nervoso? Eu sei que às vezes a gente fica nervoso com alguma coisa, mas se bater, pode machucar! (João para de bater)- (Oficina 20 – Grupo 1) (c) Protagonização das crianças A protagonização das crianças pode ser observada nos registros dos seus desenhos, nas histórias por elas recontadas e em outras atividades realizadas, em que puderam narrar espontaneamente aspectos de seus sentimentos Discussão A compreensão do universo infantil estudado foi possibilitada pelo conhecimento e entendimento do ambiente institucional no qual as crianças estavam inseridas, conforme indica a Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano de Bronfenbrenner (Bronfenbrenner, 1996). Isto permite refletir sobre a importância de a instituição possuir o seu histórico, a sua identidade, os seus objetivos no atendimento às crianças, pois tais dados possibilitam um melhor esclarecimento das formas estruturais e relacionais adotadas no seu funcionamento (Gulassa, 2006). Embora a instituição mantenha uma estrutura física adequada para o acolhimento infantil, ajustando-se aos padrões estabelecidos pelo IPEA (2004), com delimitações Escuta afetiva em instituições * Aline Jacob Trivellato, Cíntia Carvalho & Celia Vectore 303 definidas (quarto, sala, cozinha, banheiros, etc.), observa-se ainda a necessidade de um espaço e de acomodações suficientes para garantir o atendimento personalizado, o relacionamento interpessoal ininterrupto e projetos de ações dirigidos a cada acolhido, conforme enfatiza Oliveira (2006). Acrescenta-se ainda a importância de se garantir que a individualidade e a subjetividade não sejam diluídas em um contexto em que tudo é de todos e nada é de ninguém. Tal fator se constitui como um dos requisitos para um acolhimento de melhor qualidade para as crianças. Nesse sentido, embora os profissionais encarregados do cuidado infantil gostem e tenham prazer boa vontade no cuidado às crianças, falta ainda compreensão acerca do desenvolvimento infantil. Como as crianças estão em situação de acolhimento e apartadas de seus responsáveis, o acolhimento deve não somente atende às necessidades físicas, mas também abranger todos os outros aspectos necessários à construção humana, especialmente os psicológicos, já que as crianças tendem a repetir nas relações institucionais suas vivências anteriores de abandono (Marques, Cano, & Vendruscolo, 2007). Carvalho e Manita (2010) apontam como fonte de insatisfação entre os acolhidos a impossibilidade de terem ao seu alcance objetos pessoais. Além disso, Negrão e Constantino (2011) alertam que muitas ações engendradas no contexto institucional fragilizam ou impedem a emancipação dos acolhidos. Os resultados indicam o pouco destaque dado à formação profissional, quer como critério a ser considerado na contratação das educadoras, quer como iniciativas para a capacitação em serviço dessas profissionais. O que se tem é a ênfase no “gostar de crianças”, independentemente da formação para devidamente atendê-las, desconsiderando-se as exigências éticas e técnicas e o perfil pessoal (aspectos emocionais) necessários para o exercício adequado da função, segundo esclarece Teixeira (2011). Além disso, Costa e Rossetti-Ferreira (2009) alertam para a necessidade de pensar diversas formas de acolhimento, capazes de garantir a “qualidade de ambientes, de pessoal, de capacitação inicial e em serviço, de conhecimentos técnicos, etc.” (p.117). Em síntese, a capacitação deve permitir a desconstrução do conceito idealizado e romantizado da infância, permitindo que os profissionais possam lidar com comportamentos difíceis apresentados pelas crianças. Tais comportamentos podem ser observados nas falas e as ações de João, que, ao expressar seus ressentimentos, demonstra seus poucos recursos relacionados às habilidades sociais, acabando por exacerbar os conflitos existentes naquele espaço institucional. Em se tratando das atividades realizadas junto às crianças, priorizou-se o trabalho com grupos pequenos, para proporcionar maior integração com a pesquisadora. Esta ação possibilitou uma maior atenção às crianças e o aparecimento e solução de possíveis conflitos entre elas (Cruz, 2010; Oliveira-Formosinho, 2008). De fato, o adequado manejo dos conflitos possibilita a transformação dos relacionamentos, por meio da negociação e da consideração de diferentes pontos de vista que são 304 importantes para o desenvolvimento infantil pela capacidade de vislumbrar outras perspectivas, além de suas próprias (Rinaldi, 1999). Não obstante, Barros e Fiamenghi (2007) lembram que as crianças acolhidas estão, normalmente, expostas a um número maior de situações geradoras de agressividade, por serem obrigadas a conviver rotineiramente com outras crianças e, desde muito cedo, precisarem resguardar o que é seu, como os brinquedos, os sentimentos e até mesmo a própria vontade, o que evidencia a importância de uma adequada mediação dos conflitos infantis pelo adulto nesses contextos. No que diz respeito à escuta afetiva, sensível, de caráter empático e sem julgamentos (Barbier, 2002), os dados mostram que os participantes a exercitam de modo adequado. As educadoras sentiram-se à vontade para relatar suas vivências e dificuldades e expressar os sentimentos relacionados ao trabalho. Neste sentido, é importante destacar que houve vários momentos de choro, o que sugere a necessidade de um espaço apropriado para tais manifestações, baseado em um efetivo trabalho pela ou com a equipe técnica da instituição. Daí decorre a necessidade de capacitar todos os profissionais atuantes nesses contextos. Em relação às crianças, no início se portaram de modo defensivo, com comportamentos sugestivos de desconfiança, próprios da insegurança dos primeiros contatos; entretanto, ao se vincularem adequadamente com a pesquisadora, manifestaram liberdade em expressar-se, brincar e falar de momentos bons e dolorosos de suas vivências. Além disso, embora não tenha sido o objetivo do estudo quantificar os comportamentos exibidos pelas crianças, observou-se que, ao longo das oficinas, houve uma diminuição dos conflitos, maior respeito às regras durante as atividades e o apreço pela construção do álbum de sua história, demonstrando o gosto das crianças em mostrá-lo às outras pessoas e contar-lhes um pouco de sua própria vida. Malaguzzi (1999) afirma que o trabalho junto à criança deve possibilitar o sentimento de prazer na realização das atividades, na investigação de suas hipóteses e, principalmente em se perceberem como protagonistas em suas realizações. Assim, as brincadeiras, as atividades mediadas pela literatura infantil e os recursos mediacionais (Vectore, 2011) podem contribuir com intervenções psicológicas capazes de fazer aflorarem as subjetividades, aspecto fundamental e não raras vezes negligenciado em contextos de acolhimento. Considerações finais Conhecer as interações tecidas numa instituição de acolhimento a partir das vivências das crianças e das educadoras mostrou a complexidade e a multiplicidade de variáveis que estão presentes nesse contexto, além de lançar luzes sobre a necessidade contínua de intervenções direcionadas tanto para quem trabalha quanto para quem recebe os cuidados. Para tanto, é importante considerar desde a integração entre a rede de cuidado à infância, muitas Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 299-307. vezes desarticulada por diferentes motivos, e os cuidados que deveriam estar focados na qualidade do atendimento às crianças, o qual exige, entre outras coisas, a formação, o acompanhamento do trabalho das educadoras, pois algumas formas de “educar” estão emaranhadamente associadas às suas vivências socioafetivas e educacionais singulares e não podem ser desconsideradas, conforme já afirmaram estudos anteriores (Gulassa, 2010; Sousa, 2006). No caso da escuta realizada com as crianças, o álbum personalizado, as atividades e narrativas infantis demonstraram ser importantes instrumentos de expressão de conteúdos singulares daquelas crianças, devido à possibilidade de identificar elementos por vezes perdidos que, por isso mesmo, é importante preservar durante o processo de acolhimento institucional (Instituto Fazendo História, 2008). Alguns aspectos das produções realizadas no álbum demonstraram baixa autoestima, insegurança emocional ou dificuldades específicas, como na escrita, o que sugere a necessidade de um acompanhamento mais efetivo das condições e dificuldades enfrentadas pelas crianças na escola, encorajando-as a desenvolver vínculos positivos quanto à construção da língua escrita. No desenrolar das oficinas junto às crianças, dados referentes à sua história familiar e escolar não puderam ser inseridos em seus álbuns, devido à indisponibilidade ou inexistência de registros. É importante salientar a importância dessas informações para a construção de um ser humano, já que se trata de um sujeito histórico. O trabalho ora relatado destaca a necessidade de novos estudos para uma compreensão mais abrangente do processo de desenvolvimento em ambientes coletivos. Além disso, é necessário criar e adotar políticas públicas que possam efetivamente contribuir para a formação e reconhecimento de educadoras e mães sociais, de maneira a terem nessa profissionalização condições dignas de sobrevivência. Por fim, destaca-se a necessidade de formação da equipe multiprofissional para o devido atendimento e entendimento do processo de acolhimento, com conteúdos capazes de abarcar a multiplicidade e complexidade de aspectos que se apresentam em tal processo. Em especial, acredita-se que os cursos de graduação em Psicologia, principalmente os que tenham como ênfase a formação do psicólogo escolar e educacional, devem estar atentos a essa inserção, com disciplinas que contemplem a legislação e as políticas públicas relacionadas à infância, como por exemplo, o conhecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, as propostas do SUAS (Sistema Único de Assistência Social) e do PNCFC (Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária), entre outros procedimentos. Vale ainda destacar a iniciativa do Conselho Regional de Psicologia - 6ª Região, de promover fóruns de debate sobre a atuação dos psicólogos nos serviços de acolhimento institucional para crianças e adolescentes, pois contribui com práticas cada vez mais pertinentes, visando à melhoria da qualidade no atendimento às crianças institucionalizadas. Referências Arpini, M. (2003). Repensando a Perspectiva Institucional e a Intervenção em Abrigos para Crianças e Adolescentes. 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Bairro: Jardim Redentora, Paranaíba/MS, CEP: 79500-000. Celia Vectore ([email protected]) Universidade Federal de Uberlândia, doutora em Psicologia. Rua: Delmira Cândida Rodrigues da Cunha, 1279, bairro Santa Mônica, Uberlânida/MG, CEP: 38408-208. Escuta afetiva em instituições * Aline Jacob Trivellato, Cíntia Carvalho & Celia Vectore 307 A relação entre aprendizagem e desenvolvimento na compreensão de professores do Ensino Fundamental Nilza Sanches Tessaro Leonardo Universidade Estadual de Maringá Valéria Garcia da Silva Universidade Estadual de Maringá Resumo Este estudo teve por objetivo investigar a compreensão de professores do Ensino Fundamental de escolas públicas de uma cidade do Paraná acerca da relação entre aprendizagem e desenvolvimento humano. Participaram da pesquisa quatorze professores. As informações foram coletadas por meio de entrevista semiestruturada, submetidas à análise de conteúdo e discutidas com base na abordagem histórico-cultural. Os dados mostram que a maioria dos educadores não relacionam aprendizagem com desenvolvimento humano e desconhecem como ocorrem esses processos. Também evidenciam que a maioria deles não apresenta uma abordagem teórica definida, utilizando-se de uma mesclagem de teorias. Com isto foi possível observar quão frágil está a formação dos professores participantes da pesquisa, assim como a sua valorização profissional e a falta de suporte teórico e técnico no cotidiano de sua função. Palavras-chave: Desenvolvimento, aprendizagem, Psicologia Histórico-Cultural. The relationship between learning and development in the understanding of elementary school teachers Abstract This study aimed to investigate the understanding of elementary school teachers in public schools in a city of Paraná, on the relationship between learning and human development. Fourteen teachers participated in the survey. Data were collected through semi-structured interview, subjected to content analysis and discussed based on the historical-cultural approach. The data show that most educators do not relate learning to human development, and are unaware of how these processes occur. Also showed that most of these do not present a theoretical defined, using a blend of theory. With this it was possible to observe how fragile is the training of teachers participating in the research, as well as its value as a professional and a lack of theoretical and technical support they face daily in their function. Keywords: Development, learning, Historic-cultural Psychology. La relación entre aprendizaje y desarrollo de profesores de la Enseñanza Básica Resumen Este estudio tuvo el objetivo de investigar la comprensión de profesores de la Enseñanza Básica de escuelas públicas de una ciudad de Paraná sobre la relación entre aprendizaje y desarrollo humano. Participaron de lainvestigacióncatorceprofesores. Las informaciones se recolectaron por medio de entrevista semi-estructurada, pasaron por análisis de contenido y fueron discutidas con base en el abordaje histórico-cultural. Los datos indican que la mayoría de los educadores no relacionan aprendizaje con desarrollo humano y desconocen como ocurren estos procesos. Asimismo, señalan que la mayoría de ellos no presenta un abordaje teórico definido valiéndose de una mezcla de teorías. A partir de los resultados fue posible observar lo frágil que está la formación de los profesores participantes de la investigación, así como también su valoración profesional y la falta de soporte teórico y técnico en el cotidiano de su función. Palabras clave: Desarrollo, aprendizaje, Psicología Histórico-cultural. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 309-317. 309 Introdução Psicologia Histórico-Cultural é a denominação dada à escola psicológica fundada por L. S. Vigostki, cujos principais fundamentos encontram-se no Materialismo Histórico-Dialético de Karl Marx. As primeiras pesquisas nesta abordagem tiveram início em 1920 com psicólogos e pedagogos que vieram a constituir um grupo de pesquisadores na antiga URSS, entre eles A. N. Leontiev e A. R. Luria (Tuleski 2008). Para essa perspectiva teórica, o ensino escolar pode ser considerado o instrumento mais apropriado para que a criança obtenha as capacidades essencialmente humanas, de modo especial se o ensino for devidamente organizado, condição na qual provocará níveis mais elevados de desenvolvimento psíquico. Neste sentido, a formação de conceitos mais elaborados, de acordo com essa perspectiva, é a finalidade principal do ensino escolar, pois este tem grande influência no desenvolvimento psíquico. Assim, a educação tem papel crucial no processo de aquisição de instrumentos culturais como a escrita e o sistema numérico, afinal é por meio das instituições escolares que ocorre a transformação da criança em homem cultural. A idade escolar é o momento efetivo da aprendizagem, proporcionando desenvolvimento intelectual e ampliação da consciência. A esse respeito Vigotski (2000) afirma que o ensino possibilita o “despertar” de processos internos de desenvolvimento; é o contato do indivíduo com o ambiente cultural que o transforma e é na relação com outras pessoas mais experientes que o desenvolvimento ocorre, especialmente pelo processo de imitação e mediação. Não obstante, para podermos esclarecer a questão da relação entre aprendizagem e desenvolvimento psíquico, precisamos conhecer quais as principais abordagens teóricas que tratam desta temática e quais as concepções de mundo e homem que estas trazem embutidas em seus pressupostos. Quanto a isso, Vigotski (2000) afirma que a primeira e mais difundida teoria acerca da relação entre desenvolvimento e aprendizagem considera estes dois processos como independentes entre si: o desenvolvimento da criança é visto como maturação natural das estruturas biológicas, enquanto a aprendizagem é o aproveitamento das oportunidades exteriores. Desta forma, o desenvolvimento segue normalmente e atinge níveis expressivos sem nenhum ensino, ou seja, a aprendizagem consolida as condições criadas pelo desenvolvimento, edificando-se sobre o processo de maturação. De acordo com essa vertente teórica, a relação entre desenvolvimento e aprendizagem é unilateral, isto é, coloca a aprendizagem em uma situação dependente do desenvolvimento, mas este em nada é modificado pela aquisição da aprendizagem. Essa teoria foi aprofundada principalmente dentro dos pressupostos estudados por Piaget. Este teórico postulou que a criança passa necessariamente por determinadas fases, independentemente de estar em processo de aprendizagem. Zoia (2009) colabora afirmando que, para essa visão teórica, a aprendizagem é um processo essencialmente pa- 310 ralelo ao processo de desenvolvimento da criança, mas não participa ativamente neste: a aprendizagem baseia-se nos recursos do desenvolvimento. Vigotski (2000) expõe que a segunda concepção acerca da relação entre desenvolvimento e aprendizagem é diametralmente oposta à que descrevemos acima. Essa teoria funde esses dois processos e os trata como idênticos. Ela tem suas bases no associacionismo coma reflexologia inicialmente exposto por William James e Thorndike. O processo de desenvolvimento do intelecto da criança é concebido como acumulação gradual de reflexos condicionados. Resumindo, temos a seguinte premissa: desenvolvimento é aprendizagem, aprendizagem é desenvolvimento. Segundo Vigotski (2000), na primeira teoria o nó da questão referente à relação entre aprendizagem e desenvolvimento não é desatado, mas cortado; e na segunda teoria temos a omissão desse nó, uma vez que os dois processos são concebidos como idênticos. Em suas reflexões, o autor expõe então uma terceira teoria, que apresenta uma nova concepção do processo de aprendizagem, caracterizando-se pelo surgimento de novas estruturas e aperfeiçoamento das antigas. Neste caso, a aprendizagem promove e desencadeia permanentemente o desenvolvimento de uma série de funções que se encontravam em fase de amadurecimento, conforme expõe o excerto a seguir: Descobrimos que a aprendizagem está sempre adiante do desenvolvimento, que a criança adquire certos hábitos e habilidades numa área específica antes de aprender a aplicálos de modo consciente e arbitrário (Vigotski, 2000, p. 322). Assim, a aprendizagem e o desenvolvimento não coincidem inteiramente, mas são dois processos que estão em complexas inter-relações. De acordo com Vigotski (2000, p.303), “[...] Um passo de aprendizagem pode significar cem passos de desenvolvimento” - criando assim a zona de desenvolvimento próximo. Fino (2001) afirma que o conceito de zona de desenvolvimento próximo traz um novo sentido à relação professor-aluno, pois devolve ao primeiro a importância de condutor do processo de aprendizagem e elucida seu papel no desenvolvimento psicológico dos alunos. A educação, quando organizada tendo em vista a zona de desenvolvimento próximo, promove desenvolvimento intelectual, à medida que propicia uma série de amadurecimentos de processos que sem a educação seriam impossíveis de desenvolver. Desta forma, a educação revela-se fundamental para o processo de desenvolvimento e aquisição das características históricas do homem. As funções psicológicas superiores1, por serem culturais, desenvolvem-se principalmente pelo ensino formal, sistematizado nos conteúdos escolares. 1 “ As funções psicológicas superiores consistem no controle consciente dos comportamentos da atenção, pensamento abstrato, capacidade de planejamento, memória lógica, entre outras funções psicológicas” (Vigotski, 2000). Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 309-317. Em concordância, Fino (2001) afirma que não há justificativa para o estudo do desenvolvimento psicológico desvinculado da compreensão das circunstâncias culturais nas quais os indivíduos estão envolvidos; assim,o desenvolvimento cognitivo aqui mencionado deve ser entendido como uma aquisição cultural e educacional permanente, sempre mediada por sujeitos que se encontram mais aprimorados nesta aquisição. Conforme afirma Saviani (2005), precisamos adotar metodologias que aperfeiçoem a prática educativa, levando em consideração a correta utilização do espaço escolar e a instrumentalização do educando, por meio do exercício da função efetiva da escola, que é transmitir o saber sistematizado. Neste sentido, Facci (2007) afirma que não devemos nos conformar em conviver com metodologias e teorias que valorizam demasiadamente o conteúdo cotidiano, a reflexão individualizada e a omissão, em preferência ao direcionamento do professor no processo ensino-aprendizagem. Com a secundarização do papel do professor e a falta de sua mediação, o processo de ensino-aprendizagem ocorre inadequada e lentamente, sendo preciso que a criança construa as informações que deveriam ser-lhe transmitidas. Desta forma cabe à escola a transmissão do conhecimento sistematizado, e não de qualquer tipo de conhecimento. A função da escola consiste em propiciar a aquisição dos conteúdos elaborados, organizados e clássicos, que são os conhecimentos que resistem ao tempo e se mantêm por sua importância para a humanidade. O saber fragmentado não deve ser a ênfase da escola, pois são os conteúdos clássicos e sistematizados que promovem transformações e o desenvolvimento cognitivo. Está em voga saber aproveitar o que o aluno já conhece, ou seja, os conteúdos que permeiam seu cotidiano, em detrimento do conhecimento científico e histórico, que, quando sistematizado e transmitido pelo processo de mediação, é o que provoca a transformação das estruturas psíquicas. Se a prática pedagógica permanecer somente no aproveitamento do conhecimento cotidiano e não superar esse nível de conhecimento, estaremos contribuindo para a estagnação dos alunos no que diz respeito à formação de suas funções psicológicas superiores e de conceitos científicos mais elaborados (Saviani 2005). Como podemos observar, compete à escola promover o aprendizado sistematizado do sujeito, realizando uma educação de qualidade e capaz de promover o desenvolvimento psíquico. Consideramos então que a escola deveria ser um espaço de reflexão e análise no qual possamos compreender os questionamentos e situações das pessoas envolvidas no processo escolar. Este trabalho de reflexão visa restituir ao professor a sua função de agente da educação e assim também restituir à criança o seu papel de aluno. Para compreendermos melhor como se encontra na atualidade o papel do professor como mediador na relação de aprendizagem-desenvolvimento conforme aponta a teoria adotada e como este profissional é devidamente preparado para exercer essa função, realizamos uma pesquisa com o intuito de verificar essas questões no Ensino Fundamental público, especialmente no município pesquisado. Método Para atingir os objetivos desta pesquisa escolhemos a técnica verbal de entrevista semiestruturada. Essa técnica deve ser aplicada de modo não rígido, podendo o entrevistador fazer adaptações. A ele caberá conduzir o diálogo e realizar as interferências oportunas de acordo com o andamento da entrevista. Por outro lado, devemos nos ater às respostas do entrevistado, com o cuidado de não distorcê-las, para que se confirmem as expectativas do entrevistador. As entrevistas foram analisadas mediante análise de conteúdo, que, segundo Bardin (1977), significa um conjunto de técnicas de análise das comunicações que visam obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens. Esse procedimento visa a organizar em categorias as informações contidas nas falas dos participantes, e para isso identificamos os aspectos centrais e sintetizamos o conteúdo em seus aspectos de destaque e, por fim, transformamo-los em porcentagem, apresentadas em tabelas. Pelo fato de os professores terem apresentado nas suas falas respostas que se encaixavam em mais de uma categoria, optamos por trabalhar considerando a frequência das respostas (F), e não o número participantes; por este motivo nas tabelas o número de respostas não coincide com o número de participantes. Participantes Participaram deste estudo quatorze professores do Ensino Fundamental do 1º ao 4º ano, de três escolas da rede pública de um município localizado no Estado do Paraná. Os participantes são treze profissionais do sexo feminino e um do sexo masculino, todos os quais têm formação superior, predominando o curso de pedagogia. Onze docentes possuem pós-graduação, embora todos tenham afirmado que aprimoraram seus estudos por meio das capacitações oferecidas pelo município. Quanto à idade, o grupo encontra-se entre vinte e sessenta anos. O tempo de experiência profissional varia entre cinco e trinta anos. Materiais Os materiais utilizados foram: - o documento de anuência do Departamento de Educação, que foi elaborado para informar a autorização do Departamento de Educação; - o termo de consentimento livre e esclarecido, o qual foi apresentado aos participantes, que, depois de tê-lo lido, receberam informações sobre os objetivos, e, como concordaram em participar da pesquisa, preencheram o documen- A relação entre aprendizagem e desenvolvimento * Nilza Sanches Tessaro Leonardo & Valéria Garcia da Silva 311 to declarando ter recebido informações sobre o propósito do estudo e o assinaram, dando assim seu consentimento; - A ficha de identificação dos participantes, que se destinava a obter informações sobre idade, sexo, experiência e formação acadêmica; e - o roteiro das entrevistas, que foi estruturado e elaborado pela pesquisadora de forma a atingir todos os objetivos da pesquisa. As entrevistas foram gravadas em fitas k7 e posteriormente transcritas. seguida solicitou-se que o participante preenchesse a ficha de identificação (idade, sexo, grau de escolaridade, etc). As informações obtidas com as entrevistas realizadas com os professores foram examinadas a partir da análise de conteúdo, sendo organizadas em categorias e apresentadas em tabelas para melhor visualização; em seguida elas foram discutidas ressaltando-se os aspectos que mais chamaram a atenção, num exercício de reflexão fundamentado no referencial teórico que embasa esta pesquisa. Resultados e discussões Procedimento Primeiramente fizemos contato com a secretária de educação do município em que pretendíamos realizar a pesquisa, a fim de solicitar a autorização para a coleta de dados prevista para este estudo. Neste contato foi esclarecido que os nomes do município, das escolas e dos participantes seriam mantidos em sigilo. Também foi explicado como seria realizado o trabalho (os objetivos, métodos, procedimentos). Informamos que o documento de autorização assinado seria encaminhado ao Comitê Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (Processo – Nº 074/2003). Após o parecer favorável do Comitê de Ética, entramos em contato com os professores das escolas que iriam participar da pesquisa e lhes disponibilizamos o conteúdo do documento. Neste momento destacamos que a participação seria voluntária, isto é, que o professor apenas participaria do estudo se fosse de sua vontade. Após o aceite e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foi feito o agendamento de datas e horários das entrevistas, respeitando-se a disponibilidade de cada participante. As entrevistas foram individuais e ocorreram na própria escola em que o professor trabalha. A entrevista foi realizada em apenas um encontro com cada participante, durou aproximadamente 60 minutos e foi gravada e posteriormente transcrita. Em 1. Compreensão do professor a respeito da relação entre aprendizagem e desenvolvimento humano. A princípio, em uma análise geral das respostas apresentadas pelos participantes acerca de sua compreensão a respeito da relação entre aprendizagem e desenvolvimento humano, observamos uma variedade de respostas, o que demonstra que os docentes entendiam de formas diferentes relação entre os conceitos de desenvolvimento e aprendizagem dos alunos. Os dados apresentados na tabela 1 evidenciam que a categoria predominante é aquela em que os participantes não responderam à questão, a qual se caracteriza por incluir respostas que não atendem ao que foi perguntado. Em sua maioria, os docentes procuraram responsabilizar alguém pelos processos de aprendizagem e desenvolvimento, geralmente a escola ou a família. Por fim, não descreveram como estes processos ocorrem ou não mencionaram como compreendiam a relação existente entre estes dois processos, como se pode observar na seguinte fala: Eu acho que para a criança aprender o que ela precisa está dentro de casa. Desde o seu nascimento ela já é estimulada, dependendo do comportamento de apoio dos pais (P6). Tabela 1. Compreensão do professor a respeito da relação entre aprendizagem e desenvolvimento humano. CATEGORIAS F % 1. Não responderam à questão 19 56,3 2. Os alunos aprendem por meio de recursos visuais, recursos concretos e também recursos lúdicos. 5 15,6 3. O desenvolvimento depende de métodos que privilegiem a oralidade. 4 12,5 4. Os alunos aprendem em grupo, um ajudando o outro e o professor funciona como facilitador. 3 9,4 5. O desenvolvimento proporciona a aprendizagem. 2 6,2 TOTAL 32 100 Nota: As porcentagens foram calculadas a partir do total de respostas referentes às distintas categorias, e não a partir do número de participantes. 312 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 309-317. Um dado que merece destaque é o fato de os docentes atribuírem à família a responsabilidade pelo aprendizado e desenvolvimento do aluno na escola, o que nos permite dizer que eles acabam por transferir à família atribuições que competem a eles mesmos. Ressalte-se que não desconsideramos a importância do papel dos pais no desenvolvimento da criança, porém o que não podemos deixar de contemplar é o que afirma Leontiev (2004, p.290), que afirma: As aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas não são simplesmente dadas aos homens nos fenômenos objetivos da cultura material e espiritual que os encarnam, mas são aí apenas postas. Para se apropriar destes resultados, para fazer deles as suas aptidões, “os órgãos da sua individualidade”, a criança, o ser humano, deve entrar em relação com os fenômenos do mundo circundante através de outros homens, isto é, num processo de comunicação com eles. [...] Pela sua função este processo é, portanto, um processo de educação. A esse respeito, Vigotski (2000) acredita que a aprendizagem depende da relação entre o aluno, o professor e o conhecimento, na qual o docente realiza as mediações que direcionam o aprendiz, fazendo com que o conhecimento que este não domina no momento possa ser internalizado por sua mediação. Não obstante, cumpre ressaltar que não percebemos na maioria das respostas dos docentes o estabelecimento de relação entre aprendizagem e desenvolvimento humano, pois em suas falas eles não explicitaram que estes processos são interligados por relações complexas. Nesse momento, contrariamente ao que foi apontado pelos participantes, Vigotski (1977) afirma: (...) aprendizado não é desenvolvimento, entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que de outra forma seriam impossíveis de acontecer. Assim o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas (p.47). Assim, de acordo com este autor, o processo de aprendizagem está ligado ao desenvolvimento, e é o processo de aprendizagem organizado e sistematizado que promove o desenvolvimento psíquico. A partir dessa compreensão de desenvolvimento, entendemos que, conforme defende Vigotski (2000), é por meio do conhecimento adquirido no mundo objetivo que se constrói o mundo subjetivo, é com a internalização dos conceitos e conhecimentos que principalmente a escola lhes permite adquirir, que os homens se constituem enquanto seres humanos, estruturando sua consciência e aprendendo a viver em sociedade. A escola é que proporciona essas transformações, à medida que fornece à criança parâmetros acerca de seus comportamentos e atividades, pois na escola ela tem sempre alguém que lhe indica o correto e o errado, o bom e o ruim, direcionando seu comportamento de acordo com normas gerais. Se no princípio o comportamento da criança era involuntário e instável, com a entrada na escola esse comportamento passa a ser consciente e organizado por regras comuns à coletividade (Vigotski, 2006). As respostas dos docentes que contemplam as categorias alunos aprendem por meio de recursos visuais, recursos concretos e também recursos lúdicos com 15,6% das respostas; o desenvolvimento depende de métodos que privilegiem a oralidade (12,5%); e os alunos aprendem em grupo, um ajudando o outro, e o professor funciona como facilitador (9,4%), reforçam o fato de que os docentes possuem uma compreensão superficial do processo de ensino-aprendizagem e nem mesmo se colocam como parte deste processo. Destacamos neste momento a importância do papel do professor neste processo, em que este assume a função de mediador, e não apenas de facilitador. É preciso considerar que há muita diferença entre o trabalho do professor que é formado para ser facilitador e o daquele que se propõe a orientar e direcionar o processo de aprendizagem. Na postura de facilitador o professor acredita que a aprendizagem depende mais do aluno. A importância de investigarmos a compreensão dos professores acerca da relação entre aprendizagem e desenvolvimento no processo de ensino está na influência que essa concepção exerce no trabalho do professor. Conforme afirma Facci (2007), a forma como o professor compreende a aprendizagem e o desenvolvimento infantil é que norteará suas ações pedagógicas, mesmo que ele não tenha consciência de sua própria compreensão. A categoria que merece destaque é: o desenvolvimento proporciona a aprendizagem, com 6,2% de respostas dos participantes. Este resultado nos mostra que alguns docentes entendem que, para aprender, a criança precisa primeiro se desenvolver, isto é, necessita de amadurecimento biológico, como pode ser verificado nas seguintes falas: Eu acredito que para a criança aprender ela tem que estar amadurecida (P11); Eu acho que as crianças aprendem de acordo com a idade, tem coisas que elas não conseguem aprender, cada idade tem coisas certas para trabalhar (P13). Este é um entendimento que vai ao encontro de uma concepção fundamentada no construtivismo piagetiano, conforme expõe Zoia (2009), segundo a qual o desenvolvimento é um processo espontâneo e deve ser compreendido em seu contexto biológico, ou seja, refere-se somente ao processo de maturação relacionada às leis naturais. Significa que o desenvolvimento deve atingir um determinado nível de maturação antes que a escola possa intervir para que a criança adquira o conhecimento. Destarte, no construtivismo o desenvolvimento representa um pressuposto, e não um resultado da aprendizagem. Em síntese, quanto à compreensão dos professores a respeito da relação entre aprendizagem e desenvolvimento humano, verificamos que eles apresentaram informações bastante difusas, ora reconhecendo ser sua a função de pro- A relação entre aprendizagem e desenvolvimento * Nilza Sanches Tessaro Leonardo & Valéria Garcia da Silva 313 Tabela 2. Referencial teórico que norteia a prática pedagógica dos docentes. CATEGORIAS F % 1. Construtivismo combinado com a pedagogia tradicional. 8 44,4 2. Construtivismo 4 22,2 3. Não responderam. 4 22,2 4. Construtivismo combinado com outros métodos (método fônico, método silábico). 2 11.2 TOTAL 18 100 Nota: As porcentagens foram calculadas a partir do total de respostas referentes às distintas categorias, e não a partir do número de participantes. mover o processo de aprendizagem e desenvolvimento, ora a atribuindo à família, aos métodos e ao desenvolvimento biológico da criança. Podemos concluir que, em sua maioria, os participantes não conseguiram verbalizar como compreendem o processo de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos e buscam culpados; culpam-se a si próprios, mas não demonstram como ocorrem estes processos, o que denota uma apropriação frágil de conceitos importantes para o exercício da profissão. Em seguida passamos à discussão dos resultados da próxima pergunta feita sos professores. 2. Referencial teórico que norteia a prática pedagógica dos docentes A respeito dos dados apresentados na tabela 2 podemos observar que, em relação às teorias pedagógicas que embasam o trabalho dos participantes em sala de aula, predominou a categoria O construtivismo combinado com a pedagogia tradicional, com 44,4% das respostas. A crença dos educadores na mesclagem de teorias com fundamentações tão opostas nos indica uma apropriação frágil, superficial, e a desvalorização do conhecimento teórico enquanto ferramenta importante para um adequado exercício da prática pedagógica. Facci (2007) colabora com a discussão ao afirmar que o construtivismo é fundamentado na Psicologia Genética de Jean Piaget. Este parte do pressuposto que a aprendizagem é decorrente da ação do indivíduo sobre o meio e que é o aluno quem direciona e constrói seu conhecimento, fundamentado na percepção que possui da realidade; a função do professor consistiria em facilitar esse processo, não lhe cabendo transmitir os conhecimentos científicos, apenas propor questionamentos para que os alunos desenvolvam suas percepções. Assim, para esta perspectiva teórica, a atividade de estudo encontra-se centrada na criança, em seus interesses, o que enfraquece o papel do professor e da instituição escolar. Na pedagogia tradicional o professor era considerado o intelectual que possuía o conhecimento das diversas áreas 314 do saber e assim direcionava o processo de aprendizagem tendo a função de transmitir os conteúdos científicos de forma ativa; assim, tanto o professor como o conhecimento eram valorizados e reconhecidos como aspectos centrais do processo de escolarização (Facci 2007). Desta forma tais propostas são associadas, mesmo com aspectos tão divergentes. Os docentes demonstraram acreditar que essa mesclagem teórica é positiva para o processo de aprendizagem. Os aspectos em que mais se ressaltam as divergências entre as teorias são especialmente as concepções de desenvolvimento e aprendizagem e o papel do professor. Neste sentido, os docentes realizam a combinação de diversas teorias sem se apropriar mais profundamente de nenhuma delas, o que, em nosso entendimento, prejudica a fundamentação do trabalho docente. O fragmento a seguir mostra este ecletismo dos docentes: Eu uso muito Piaget, Vigotski, que são os que a gente mais estuda Emilia Ferreiro, porque aqui é o construtivismo, então são esses que mais nos dão base. Tem uma parte do construtivismo que eu sou a favor e uma parte que eu sou contra, igual quando era o ensino tradicional, tinha a parte boa e a parte ruim. Então agora a gente não fica só no construtivismo, a gente, usa outros métodos também, o que a gente vê que não dá certo, a gente procura outro método. Eu acho que tem coisas que a criança tem que aprender no tradicional, como uma tabuada, trabalhar a memória, mas tem coisa que o construtivismo é excelente. (P3) Esta fala de um docente condiz com o que é apregoado em nossa sociedade, em que se enfatiza o ecletismo, a mesclagem de teorias e a informação fragmentada ao invés do conhecimento aprofundado. Diante desse contexto, objetiva-se mais dinamismo na atuação do professor, mais reflexão e criatividade, pois isto o liberta de uma postura autoritária, considerada tradicional. Consequentemente, os professores assumem didáticas mais liberais, com ênfase na oralidade, passando a dialogar mais com os alunos, e estes intervêm no ensino, tendo maior liberdade de tomar decisões. Assim as teorias psicológicas de cunho construtivista presentes são as que Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 309-317. conquistam os professores e demais profissionais da educação que atuam na prática pedagógica (Zoia, 2009). A respeito da categoria “Não responderam”, com representatividade de 22,2% das respostas, podemos afirmar que um número significativo de docentes não mostrou clareza a respeito da fundamentação teórica que norteia o seu trabalho. Quanto a isto, Facci (2007) contribui ao expor que a não definição de uma teoria é uma característica que se faz muito presente em nossa sociedade, com a valorização do ecletismo e da prática sem conexão com uma teoria. Como se trata de uma condição apregoada pela sociedade atual, esse esvaziamento teórico e a valorização da prática em si manifestam-se substancialmente na formação dos professores, desde sua graduação até aos cursos posteriores, como os de formação continuada e de especialização; porém atualmente não se pode mais conceber que a formação de professores restrinja-se a uma questão de técnicas para a solução de problemas previamente formulados. Os aspectos técnicos, embora necessários ao exercício da profissão docente, não são suficientes para a compreensão da realidade educacional. A respeito da importância de adotarmos uma prática respaldada por uma teoria bem adequada, Moraes (2004) afirma que a teoria pode nos oferecer as bases críticas para compreendermos muitas das informações que nos chegam como consenso. Pode também nos ajudar a entender que a harmonia que torna o pensamento conformista e unificado é construída ideologicamente e representa interesses políticos e socioeconômicos precisos, disfarçados sob um discurso apelativo que apregoa valores de apologia ao individualismo e ao consumo. Neste sentido, Moraes (2004) afirma que na atualidade há um movimento que prioriza a experiência imediata, a prática reflexiva. Nessa premissa, basta saber fazer; a teoria passou a ser considerada perda de tempo, e quando muito, aparece de forma fragmentada. Talvez o motivo mais direto desta regressão dos aspectos intelectuais e teóricos esteja na definição e efetivação das próprias políticas educacionais de âmbito nacional e internacional. Outra categoria que consideramos importante mencionar é: construtivismo combinado com outros métodos (método fônico, método silábico), representando 11,2% das respostas. Este resultado revela que alguns docentes se embasam não somente no construtivismo, mas também em outros métodos e práticas, sempre acreditando ser uma boa alternativa para prover o conhecimento aos seus alunos. A respeito da mesclagem de teorias e métodos na prática pedagógica, Miguel (2008) afirma que o ecletismo na educação significa se apropriar de algumas abordagens pedagógicas que são adjacentes, mas tal tarefa não é algo simples, é uma prática quase insustentável. Combinar diversas referências teóricas e a partir delas obter uma metodologia para ensinar não é tarefa coerente e representa um esfacelamento na formação do professor, resultando no seu despreparo profissional. Como solução, devemos retomar os conhecimentos clássicos por meio de leituras e estudos direcionados. Assimilar fórmulas educacionais prontas não funciona, pois estas não oferecem suporte consistente para a realidade complexa da educação, que deve se basear em teorias em sua totalidade (Miguel, 2008). Complementando, Moraes (2004) afirma que nos dias de hoje, com a realidade da escola, a proposta pedagógica que a envolve e o direcionamento cognitivo quase sempre a serviço dos ditames do mercado econômico, torna-se necessário um referencial teórico-crítico que forneça condições para refletir a respeito da realidade que circunda a educação e sejam possíveis apropriações que contemplem a totalidade. Considerações finais Com este artigo procuramos estudar a compreensão dos professores acerca da relação entre os processos de desenvolvimento e aprendizagem, bem como investigar quais teorias embasam o trabalho destes profissionais. O estudo permitiu observar quanto está frágil a formação do professor, assim como sua importância como profissional e a falta de suporte teórico e técnico que ele enfrenta cotidianamente em sua função. Por meio da teoria abordada neste trabalho, compreendemos a importância do professor enquanto mediador e da função da aprendizagem escolar como propulsora de desenvolvimento psíquico; no entanto, evidenciamos também os entraves que permeiam a obtenção de um ensino de qualidade. Com o intuito de camuflar as desigualdades da sociedade atual como raiz dos problemas escolares, emerge uma série de explicações simplistas, que atribuem à criança, à família ou ao professor a responsabilidade pelo caos na educação e na sociedade. O desrespeito pelo outro, a perda de referenciais de autoridade, o incentivo à competição desmedida e o individualismo são características desta sociedade que se manifestam em todas as instituições, inclusive na escola. O problema se agrava quando, para justificar as desigualdades sociais e as contradições, utilizamos explicações biologizantes ou preconceituosas, que nos impedem de analisar e compreender a sociedade em sua totalidade. A superação dessas explicações simplistas percebidas nas respostas dos professores exige compreender a relação dos homens com a sociedade construída a partir das necessidades destes ao longo da história. Exige também a consciência de que o desenvolvimento psíquico humano em sua plenitude não ocorre de forma espontânea, pois se os aspectos biológicos nos fornecem a chance de desenvolvimento, é a apropriação, a aprendizagem com o outro ser humano que nos garante avanços de desenvolvimento. Isto significa que as transformações humanas ocorrem primeiramente na coletividade, nas relações entre os homens, para depois serem internalizadas na condição de estrutura psíquica superior. A pesquisa nos possibilitou conhecer um pouco mais a realidade educacional no Brasil e nos mostrou que o conhecimento científico e o aprofundamento teórico vêm sen- A relação entre aprendizagem e desenvolvimento * Nilza Sanches Tessaro Leonardo & Valéria Garcia da Silva 315 do desconsiderados, pois os docentes não apresentam uma compreensão consistente no que concerne à relação entre desenvolvimento e aprendizagem e ao modo como ocorrem estes processos. Não obstante, por meio das entrevistas observamos que, em sua maioria, alguém é apontado como responsável pelos problemas de aprendizagem, e quem aparece como culpado são os alunos, os pais e os professores. Isto indica que há uma apropriação inadequada de conceitos fundamentais para o exercício da atividade docente. Neste sentido, verificamos que, em sua maioria, os professores não souberam definir qual a teoria que adotam em seu trabalho, ou mencionaram a mesclagem de teorias e métodos em sua prática, por acreditarem que tal combinação é algo positivo para o processo ensino-aprendizagem. Isto nos evidenciou quão difusa e pouco consistente se encontra a formação do professor na atualidade. Tal constatação nos preocupa, pois acreditamos que a prática não fundamentada em uma teoria solida resulta em esvaziamento e alienação do trabalho do professor, justamente por ser o referencial teórico a principal ferramenta de trabalho dos profissionais da educação. Ressaltamos aqui que não se trata de culparmos individualmente o professor, ao contrário, evidencia-se que nossa sociedade não valoriza o conhecimento científico e formações profissionais embasadas em fundamentos filosóficos mais aprofundados, o que culmina em cursos de graduação esvaziados e capacitações precárias, que não valorizam o conhecimento científico como propulsor de desenvolvimento. Neste sentido, a formação do professor deveria dar ênfase à solidificação do conhecimento científico para esse profissional, porém o que observamos é o esvaziamento de conteúdos, culminando em caos na função da escola, que deveria ser a de transmitir o conhecimento científico para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores dos alunos. Diante desse contexto, ressaltamos nosso desejo que esta pesquisa contribua para a implantação de um ensino que promova desenvolvimento e transforme a consciência humana no sentido de termos pessoas mais críticas; porém não temos ilusões a esse respeito, pois sabemos que isto seria uma mudança revolucionária. A educação é um aspecto, uma parcela de um todo muito maior, que é a sociedade, por isso é necessário um ensino que promova o desenvolvimento pleno do homem. Ela deve formar uma sociedade que contemple a igualdade entre os homens e condições mais justas de acesso aos bens produzidos historicamente, especialmente a cultura. Nesta perspectiva, é importante que outras pesquisas sejam desenvolvidas com esta temática, de modo a colaborar para a promoção de um ensino com mais qualidade nas escolas brasileiras. 316 Referências Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. São Paulo: Martins Fontes. Facci, M. G. D. 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Recebido em: 13/06/2012 Reformulado em: 19/05/2013 Aprovado em: 29/08/2013 Sobre as autoras Nilza Sanches Tessaro Leonardo ([email protected]) Doutora em Psicologia e docente do programa dePós Graduação em Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. Valéria Garcia da Silva ([email protected]) Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá e docente da Faculdade Ingá- Maringá. Endereço: Universidade Estadual de Maringá: Avenida Colombo, 5790 – CEP 87020-900 – Maringá – PR. A relação entre aprendizagem e desenvolvimento * Nilza Sanches Tessaro Leonardo & Valéria Garcia da Silva 317 A docência universitária como locus de pesquisa da psicologia do desenvolvimento adulto Maria Helena Fávero Universidade de Brasília Regina da Silva Pina Neves Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Resumo Descrevemos uma pesquisa didática sobre o ensino de matemática focado na mediação de campos conceituais do currículo do Ensino Fundamental, com 30 pedagogos e seis psicólogos, 35 mulheres e um homem, com idades entre 22 e 50 anos, estudantes de um curso de pósgraduação lato sensu em Psicopedagogia, visando capacitá-los a trabalhar com estudantes que apresentem dificuldades de aprendizagem e com professores. Coletamos dados sobre suas concepções a respeito da matemática, as competências e dificuldades na resolução de problemas focados no uso do conjunto numérico dos racionais e na compreensão de diferentes bases, a análise sobre a própria produção e sobre a produção do outro. Evidenciamos quatro proposições: A matemática é difícil; A matemática é angustiante; Os professores de matemática não promovem a aprendizagem; Eu não sou competente em matemática. Evidenciamos níveis de complexidade de resolução dos problemas e níveis de tomada de consciência ao longo do procedimento didático que nos permitem defender sua pertinência. Palavras-chave: Construção do conhecimento, matemática, ensino superior. University teaching as alocus of research for adult developmental psychology Abstract We describe a didactic research on the teaching of mathematics focused on the conceptual mediation of the elementary school curriculum, with 30 pedagogues and 6 psychologists, 35 women and 1 man, between 22 and 50 years old, students of a graduate course in Psycho-Pedagogy. The purpose is to enable them to intervene with students who present learning disabilities and with their teachers. We collected data concerning their conceptions on mathematics; their skills and difficulties when solving problems focused on the use of rational numbers and in comprehending the different bases; the analysis of their own production and of the production of others. We show four propositions: mathematics is hard; mathematics is distressing; mathematics teachers do not promote learning; “I’m not competent in mathematics”. We point out levels of complexity when solving problems and levels of awareness throughout the didactic procedure which allow us to argue in favor of its relevance. Keywords: Knowledge construction, mathematics, higher education. La docencia universitaria como locus de investigación de la psicología del desarrollo adulto Resumen Se describe una investigación didáctica sobre la enseñanza de matemática con foco en la mediación de campos conceptuales del currículo de la Enseñanza Fundamental. Se realizó con 30 pedagogos y 6 psicólogos, 35 mujeres y 1 hombre, entre 22 y 50 años, estudiantes de un curso de post-grado lato senso en Psicopedagogía buscando capacitarlos a intervenir en las dificultades de aprendizaje de estudiantes y en el trabajo de profesores. Se recogieron datos sobre: sus concepciones de matemática, las habilidades y dificultades en la resolución de problemas centrados en el uso del conjunto numérico de los racionales y en la comprensión de diferentes bases, el análisis sobre la propia producción y sobre la producción otros. Se presentan 4 proposiciones: la matemática es difícil, la matemática es angustiante, los profesores de matemática no promueven el aprendizaje, yo no soy competente en matemática. Se evidencia niveles de complejidad de resolución de problemas y niveles de toma de conciencia a lo largo del procedimiento didáctico que nos permiten defender su pertinencia. Palabras clave: Construcción del conocimiento, matemática, educación superior. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 319-328. 319 Introdução O desenvolvimento da tecnocência no século XX, sobretudo a partir dos anos 1960, passou a solicitar do adulto o desenvolvimento acelerado e múltiplo de competências particulares de acordo com as novas conceituações sobre trabalho e carreira, além da demanda cada vez mais acentuada do adulto especialista, colocando definitivamente em pauta a importância do estudo do desenvolvimento psicológico adulto (Alexander, Murphy, & Kuikowich, 2009). Muitos pesquisadores têm defendido, para esse estudo, uma abordagem inter e multidisciplinar, tal como se lê na proposta de Fávero (2007a): [...] o desenvolvimento do adulto apresenta fases e essas fases são caracterizadas pela união entre o aspecto cognitivo e o afetivo, entre o self e o outro. O adulto é, portanto, um construtor ativo de verdades múltiplas e polissêmicas: ser adulto significa estar em desenvolvimento no universo do desenvolvimento do pensamento coletivo, ou, em outros termos, estar em um meio de mediação semiótica. Assim, do ponto de vista teórico, isso implica considerar as representações sociais, a linguagem e a semiótica, a fim de articulá-las com a Psicologia do Desenvolvimento (Fávero, 2007a, p. 625-626, tradução nossa). Em conformidade com esta integração teórica e conceitual, Fávero (2012) propõe uma metodologia para a pesquisa de intervenção com adultos, partindo da seguinte premissa: [...] a questão do conhecimento e da relação entre o ser humano e o conhecimento deve se constituir no ponto de partida de qualquer discussão sobre as situações relacionadas à intervenção, uma vez que, explícita ou implicitamente, trata-se de lidar com campos conceituais, sejam eles relacionados à vida pessoal, ao cotidiano profissional ou a ambos (Fávero, 2012, p. 104). A implicação dessa premissa e da integração teórica já referida se explicita claramente na abordagem metodológica dessa autora: Assim, temos desenvolvido vários estudos nos quais adotamos as situações interativas e consideramos os produtos construídos nessa interação tanto do ponto de vista temático como do ponto de vista da influência recíproca no desenvolvimento de cada participante da interação. Em resumo, temos desenvolvido pesquisas de intervenção em um contexto de interação, isto é, em uma dinâmica sociocognitiva, considerando seus efeitos reguladores e como esses se integram ao processo de autorregulação próprio ao indivíduo. [...] Essa questão do papel do debate que expõe as similaridades e diferenças entre os participantes é um ponto-chave para nossa proposta metodológica, porque isso os leva a questionar-se uns aos outros, persuadir uns aos outros ou complementar os pontos 320 de vista, e para isso deverão ser encorajados a teorizar sobre os seus fundamentos. Ora, isso conduz à estruturação do pensamento e à tomada de consciência sobre seus próprios pontos de vista e como se relacionam com os pontos de vista do outro, assim como a tomada de consciência de outras perspectivas e como essas podem se operacionalizar em uma dada situação (Fávero, 2012, p. 106). Assim, podemos dizer que a proposta dessa autora se compatibiliza com os estudos sobre a educação universitária (Sternberg, 2003; Thompson, 2009), assim como com os estudos sobre o desempenho de novatos e especialistas em áreas específicas do conhecimento (Alexander e cols., 2009; Arnett, 2000; Lajoie, 2003; Sternberg, 2003), e com o aporte de Sinnot (2009) sobre o pensamento pós-formal do adulto que o capacita a interagir com diferentes paradigmas. Considerando tal convergência e compatibilidade, o estudo que descrevemos diz respeito a uma situação específica da docência universitária: a pesquisa de um procedimento didático relativo ao ensino de matemática para profissionais — psicólogos e pedagogos — no âmbito do Curso de Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional da Universidade de Brasília, no Distrito Federal, coordenado pela primeira autora. Articulamos, assim, o desenvolvimento psicológico de adultos, a especialização em psicopedagogia e a educação matemática. Três justificativas fundamentam essa articulação. Em primeiro lugar, tais profissionais atuam direta ou indiretamente na educação formal, seja na prática da orientação educacional e pedagógica, seja no atendimento de estudantes com dificuldades de aprendizagem e nas instâncias de avaliação da educação formal, como os conselhos de classe. Nossa segunda justificativa leva em consideração os resultados dos sistemas nacionais e internacionais de avaliação oficial que apontam a persistência do baixo desempenho dos estudantes em matemática (OECD, 2005; MEC, 2009), fato que, aliado à primeira justificativa, demanda competências particulares (ver Celeste, 2008). Em terceiro lugar, nosso foco se justifica em razão de nossos próprios estudos, sejam aqueles relacionados às práticas dos professores e professoras e aos modos de intervir nessa prática (Fávero, 2007a, 2011), sejam aqueles centrados na prática psicopedagógica (Fávero, 2007b; Fávero & Pimenta, 2006; Fávero & Pina Neves, 2011; Fávero & Soares, 2002; Pina Neves, 2008) e os relacionados às concepções sobre matemática e às competências e dificuldades de futuros especialistas em Psicopedagogia nessa área de conhecimento (Fávero & Pina Neves, 2009). Vamos retomar resumidamente esse último, uma vez que seus resultados foram decisivos para a inserção da matemática como disciplina no âmbito da especialização já referida. Fávero & Pina Neves (2009) propuseram duas tarefas sequenciais e distintas a um grupo de psicólogos e pedagogos, futuros especialistas em Psicopedagogia: 1) a resolução de um problema cuja solução exigia a busca de um padrão numérico e o domínio das quatro operações; 2) a análise dos registros produzidos por sete adolescentes Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 319-328. na resolução de três situações-problema. Procedendo à análise dos dados obtidos, evidenciamos que os futuros especialistas em psicopedagogia, em sua grande maioria, não apresentavam a compreensão do padrão numérico exigido na primeira tarefa e não propunham uma solução adequada para o problema; também não apresentavam competência para analisar a notação dos alunos nem para propor atividades que visassem ao desenvolvimento de competências conceituais em matemática. Durante a coleta de dados observaram-se comentários dos participantes, na sua grande maioria constituída de mulheres, referentes à aversão que sentiam em relação à matemática. Tal fato condiz com as análises dos dados oficiais brasileiros, os quais, como salienta Fávero (2012b), evidenciam que da última década do século passado para cá houve uma ampliação significativa do número de mulheres na Educação Básica e no Ensino Superior, a ponto de superarem os homens em escolaridade; no entanto, elas se mantêm em determinadas áreas de conhecimento, concentrando-se nas áreas das ciências humanas e biológicas, enquanto os homens se mantêm em maior número nas áreas das ciências exatas e tecnológicas (Godinho, 2005; Ristoff, 2006), separação que permanece nos cursos de pós-graduação (Chamon, 2005). Os estudos citados antes, assim como estes últimos, têm confirmado a pertinência da análise interdisciplinar de Fávero (2009b) quando chama a atenção para a persistência de um paradigma partilhado entre os profissionais da educação que sustenta uma ruptura entre filosofia e conhecimento científico. Fávero (2009b) sustenta que tal ruptura tem implicações na prática de ensino e na avaliação, uma vez que entende as áreas particulares do conhecimento como prontas e acabadas, devendo assim ser “repassadas” aos estudantes. Sendo assim, como argumenta essa autora, a mediação do conhecimento viabiliza-se prioritariamente através de regras em preferência aos campos conceituais, de modo que a interação do estudante — criança, adolescente ou adulto — com os instrumentos já convencionados de representação do conhecimento não é privilegiada. Em suma, segundo a análise de Fávero (2009b), ignora-se a relação entre o ensino formal e o desenvolvimento psicológico humano, portanto se ignora aquilo que poderia ser um instrumento privilegiado para o desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo. Essa situação está particularmente presente no ensino da matemática: ignora-se a importância dos registros construídos pelos estudantes para o processo de apreensão conceitual e de aquisição dos instrumentos já convencionados de representação do conhecimento (Berger, 2004; Fávero, 2009a; Wallen, Plass, & Brünken, 2005). Assim, não tínhamos dúvida sobre a pertinência da inserção, no curso de especialização e Psicopedagogia, da disciplina focada no estudo do desenvolvimento de competências conceituais em matemática. Não obstante, estávamos diante de um desafio: tratava-se de proceder à pesquisa de um procedimento didático que interviesse na formação do especialista adulto. Essa intervenção engendraria mudanças no seu modo de conceber a matemática, seu ensino e aprendizagem, por meio da própria mediação do campo conceitual do conhecimento matemático, focando pontos centrais do currículo do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Nosso objetivo era capacitá-los a intervir como psicopedagogos na mediação do conhecimento matemático, tanto na lida com dificuldades de aprendizagem em matemática quanto no trabalho com professores. Mantendo a convergência referida no início, consideramos, como defende Fávero (2012), os dois aspectos de uma pesquisa de intervenção: de um lado, o processo de tomada de consciência, por parte do sujeito, da relação entre seus próprios processos de regulação cognitiva, sua produção e um campo conceitual específico de conhecimento, e do outro, o processo de mediação viabilizado por um procedimento particular de interação na situação didática. Por implicação, nosso procedimento didático se alicerçou em dois aspectos teórico-metodológicos: o primeiro refere-se à elaboração de situações de aprendizagem para uma retomada de consciência dos adultos sobre suas próprias atividades e às ligações entre as propriedades de sua ação e aquelas da situação proposta; e o segundo aspecto está relacionado à consideração das filiações entre dificuldades e competências conceituais (Fávero, 2007a). Em outros termos, nosso procedimento visava engendrar o pensamento criativo (inventar, imaginar, supor que...), o pensamento analítico (criticar, avaliar, constatar, comparar...) e o pensamento prático (implementar, empregar...): o primeiro para gerar ideias, o segundo para avaliar essas ideias e o terceiro para implementá-las (Sternberg, 2003). Dessa forma, evitávamos o padrão da mera demonstração de procedimentos e regras no ensino da matemática para adotar as situações de resolução de problemas como meio de promover o pensamento matemático e, ao mesmo tempo, levar os estudantes a considerar tal procedimento como viável para aplicação em sua prática profissional e a reelaborar as suas crenças sobre a matemática, como propõem Shoenfeld (1983, 1992) e Francisco & Maher (2005). Em suma, tratamos nosso procedimento didático não só como um modo de obter não só dados de natureza didática, mas também dados sobre o desenvolvimento psicológico adulto e os modos de intervir e engendrar a elaboração de novos paradigmas em relação à matemática, seu ensino e sua aprendizagem. Por isso mesmo, assim como Fávero (2010a), tomamos a narrativa como um instrumento da mente no processo de construção da realidade à qual se integram as emoções concebidas como um fenômeno relacional e defendemos a autonomia potencial e a criatividade da consciência, enfatizando a não dissociação entre a cognição e a emoção, para incitarmos os participantes a expressar esta construção em relação à matemática através da proposta de frases incompletas. Docência universitária e pesquisa * Maria Helena Fávero & Regina da Silva Pina Neves 321 Método Participaram deste estudo trinta pedagogos e seis psicólogos (trinta e cinco mulheres e um homem), com idades entre 22 e 50 anos, estudantes de um curso de especialização em psicopedagogia clínica e institucional de uma universidade pública, os quais nos deram o consentimento para a coleta de dados para pesquisa. Desenvolvemos um procedimento didático de trinta e duas horas, divididas em oito dias de quatro horas cada, em oito semanas consecutivas, durante as quais retomamos a proposta de Fávero (2009a) para considerar: 1- a formação de conceitos e seu sistema lógico de representação; 2- a tomada de consciência destes conceitos e desta lógica; 3- a interação social que caracteriza a situação didática na qual são construídos. Operacionalizamos tal proposta considerando a avaliação como essa autora a defende, isto é, como uma etapa que alimenta a própria prática didática, levando em conta as três tarefas distintas e articuladas propostas por ela: 1- a avaliação das competências dos alunos e de suas dificuldades e a análise da relação entre competências e dificuldades; 2- a sistematização da prática didática e psicopedagógica em termos de objetivos e descrição das atividades propostas, levando em conta a avaliação e a análise referidas; 3- a análise minuciosa do desenvolvimento das atividades propostas. Assim, nosso procedimento de coleta de dados se deu ao longo do procedimento didático e, ao mesmo tempo, fez parte dele, compreendendo sete fases: 1ª - Proposta de três frases a serem completadas: 1- Na minha história escolar a matemática... ; 2- Os professores de matemática na minha vida escolar...; 3- Eu espero que a disciplina “desenvolvimento de competências matemáticas...” 2ª - Proposta de resolução de uma situação-problema na qual se exigia o uso do conjunto numérico dos racionais (situação individual), extraída do estudo de Pina Neves (2008, p.188): Eu gosto de lanchar na cantina da universidade; o que mais gosto é de comer um salgado e tomar um refrigerante. O salgado custa R$ 0,80 e o refrigerante custa R$ 0,50. Para eu comprar esse lanche todos os dias de aula do mês de maio necessitarei de X reais. Minha reserva para os lanches é de R$ 40,00. Será que vai dar para comprar também um picolé por dia que custa R$ 1,10? Se não der para comprar o picolé para todos os dias de aula, para quantos dias daria? 3ª - Discussão dos diferentes procedimentos de resolução e registros apresentados pelos estudantes, salientando a articulação entre competências e dificuldades conceituais (situação coletiva). 4ª - Proposta da situação-problema adaptada de um item do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM – de 2008 (situação individual). 322 Em cada parada ou pouso, para jantar ou dormir, os bois são contados, tanto na chegada quanto na saída. Nesses lugares, há sempre um potreiro, ou seja, determinada área de pasto cercada de arame, ou mangueira, quando a cerca é de madeira. Na porteira de entrada do potreiro, rente à cerca, os peões formam a seringa ou funil, para afinar a fila, e então os bois vão entrando aos poucos na área cercada. Do lado interno, o condutor vai contando; em frente a ele, está o marcador, peão que marca as reses. O condutor conta 50 cabeças e grita: - Talha! O marcador, com o auxílio dos dedos das mãos, vai marcando as talhas. Cada dedo da mão direita corresponde a 1 talha e da mão esquerda a 5 talhas. Quando entra o último boi, o marcador diz: - Vinte e cinco talhas! E o condutor completa: - E dezoito cabeças. Isso significa 1.268 bois. Para contar os 1.268 bois de acordo com o processo descrito acima, o marcador utilizou: Situação 1: 20 vezes todos os dedos da mão esquerda? Explique; Situação 2: 20 vezes todos os dedos da mão direita? Explique; Situação 3: todos os dedos da mão direita apenas uma vez ; Situação 4: todos os dedos da mão esquerda apenas uma vez; Situação 5: todos os dedos da mão esquerda e 5 vezes todos os dedos da mão direita. 5ª - Desenvolvida em dois tempos: 1- três frases de natureza metacognitiva a serem completadas referentes à 4ª fase: quando recebi a situação-problema eu pensei que...; quando recebi a situação-problema eu senti... ; avalie o que você apresentou como resultado (individual); 2- discussão dos diferentes procedimentos de resolução e registros, salientando a articulação entre competências e dificuldades conceituais (situação coletiva). 6ª - Desenvolvida por duplas de estudantes em dois tempos: 1- análise das competências e dificuldades conceituais de registros de estudantes de 5º ano do Ensino Fundamental; 2- análise das competências e dificuldades conceituais da produção dos colegas de curso na resolução da situação-problema proposta na 2ª fase. 7ª - A construção do “kit de matemática”, a qual foi desenvolvida ao longo do procedimento e para a qual os estudantes foram incentivados a reunir conjuntos de material de sucata, como tampinhas de garrafa, tampas de diferentes cores e tamanhos, contas diversas, botões, embalagens plásticas com as respectivas tampas, encartes de supermercados com preços de produtos diversos, etc. Cada participante deveria escolher um campo conceitual dentre os abordados em sala de aula e definir os aportes teóricos e metodológicos para sustentar a sua escolha das atividades a serem propostas com o material. Tratava-se de uma atividade de reflexão e busca de regularidades conceituais e didáticas – tendo como base as discussões realizadas em sala. Todas as narrativas incitadas pelas frases propostas, assim como as notações e registros das resoluções de problemas, foram coletadas para análise. Em integração com o procedimento didático, propusemos a leitura e discussão de textos sobre a relação entre psicologia do desenvolvimento e educação matemática, Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 319-328. entre os quais: Fávero e Soares (2002), Fernandes e Healy (2007), Godino, Vicenç, Wilhelmi e Arrieche (2009), Miguel (2005), Muniz (2009), Perego (2006), Pina Neves (2008), e Vergnaud (1996), Resultados e discussão Os dados obtidos na primeira fase foram submetidos à análise de conteúdo, tomando-se a proposição como unidade de análise (Fávero & Trajano, 1998). Quatro proposições foram evidenciadas: a matemática é difícil; a matemática é angustiante; os professores de matemática não promovem a aprendizagem; eu não me saio bem em matemática. Evidenciamos assim a predominância de concepções negativas em relação à matemática como disciplina da escolarização, como por exemplo: “na minha história escolar a matemática [...] foi a disciplina em que fui reprovada na 8ª série. Por causa da equação de 2º grau que nunca usei e nem nunca usarei”. Procedendo à análise dos registros obtidos na segunda fase, evidenciamos que cerca de 80% dos participantes não construíram uma estratégia adequada ao problema, mas todos apresentaram tentativas. Na figura 1 temos um exemplo, no qual se observa que a multiplicação e a divisão são evitadas. Esse dado é compatível com estudos anteriores desenvolvidos com estudantes adolescentes (Fávero, 2007b), com profissionais (Fávero & Pina Neves, 2009) e com a discussão de Muniz (2009). Na figura 2 temos outro exemplo: várias tentativas são elaboradas, riscadas, assinaladas como “errado”; e por fim, a resolução é finalizada na figura 3, em que se observa a expressão escrita: “UFAA!!!”, que parece se relacionar com os dados obtidos na primeira fase. Figura 2: Exemplo de resolução da 2ª fase. Figura 3: Exemplo de resolução da 2ª fase. Figura 1. Exemplo de resolução da situação-problema da 2ª fase. Na terceira fase se evidenciou o início da tomada de consciência sobre a relação entre a situação-problema proposta e os diferentes procedimentos de resolução e registros. Frases como “eu não tinha pensado nisso”; “nossa, eu fiz tão longo e não precisava” pontuaram a atividade. Na quarta fase todos apresentaram uma proposta de resolução. Evidenciaram-se três níveis de complexidade nas resoluções, aqui descritas do menor ao maior nível de complexidade: 1- tentativas de apropriação do significado da base 5 a partir do que era conhecido de agrupamento na Docência universitária e pesquisa * Maria Helena Fávero & Regina da Silva Pina Neves 323 base 10, o que não engendrou a solução adequada; 2- utilização do significado da base 5 por meio de um conjunto de referência como suporte - cinco dedos, bolinhas desenhadas ou uma aproximação do quadro valor lugar da base 5 - o que engendrou a solução adequada; 3- utilização do significado da base 5 por meio de multiplicações sucessivas, engendrando a solução adequada. Podemos afirmar que os resultados dessa fase evidenciam uma elaboração mais complexa do que aqueles obtidos na segunda fase, isto é, já mostram a pertinência do procedimento didático adotado no que se refere à tomada de consciência, pelos adultos, de novas possibilidades e o desenvolvimento de novas competências conceituais. Não obstante, vários estudantes ainda apresentam dificuldades na lida com diferentes bases, o que reafirma a necessidade de utilizar um conjunto de referência como apoio, tanto para seu procedimento de resolução como para a situação de ensino. Figura 4: Exemplo de resolução de nível 1 da 4ª fase. Figura 5: Exemplo de resolução de nível 2 da 4ª fase. 324 A análise das frases completadas no primeiro tempo da quinta fase evidenciou a permanência de duas das proposições da primeira fase: a matemática é difícil e a matemática é angustiante. Junto com essas foram evidenciadas mais duas: a situação-problema é desafiadora e é possível resolver a situação-problema, o que demonstra uma reelaboração da concepção sobre matemática e sobre a competência pessoal em relação a essa área do conhecimento. Assim, para a frase quando recebi a situação-problema eu pensei que..., obtivemos os seguintes exemplos: “como matemática me assusta, para mim é sempre difícil; “Fiquei surpresa pelo tipo de atividade, a princípio pensei que não soubesse realizá-la, porém, quando voltei à leitura percebi que era possível, que teria que seguir um passo a passo”; “Vontade de rir, estava diante do óbvio sem saber como resolver, algo que aparentemente não era difícil, mas que eu tinha dificuldade. Senti vontade de não fazer, mas continuei tentando e me senti aliviada por conseguir responder do meu jeito”; “ Muita angústia e desespero por não saber por onde começar. Demorou para a compreensão, ou melhor, ainda não sei se compreendi bem, pois não tenho certeza absoluta da resposta”; “Uma certa dificuldade em entender as perguntas, principalmente as situações 1 e 2. Seriam vinte vezes cada dedo da mão, resultando em cem dedos no total, ou seriam simplesmente vinte dedos?” Ainda na quinta fase, a análise dos dados obtidos por meio da solicitação avalie o que você apresentou como resultado revelou a tomada de consciência dos participantes por meio de suas elaborações metacognitivas. Quatro níveis de tomada de consciência foram evidenciados: 1- sobre a própria dificuldade, como, por exemplo: “continuo em dúvida”; 2- sobre a dificuldade e sobre o relato de pensamentos após a situação de sala de aula, sobre como elaborar um procedimento - por exemplo: “Comecei o raciocínio correto, mas na hora de perceber quantos dedos seriam utilizados não consegui visualizar a situação. Só percebi o erro quando cheguei em casa e fiz os desenhos das mãos”; 3- sobre a análise da própria produção passo a passo e/ou como o procedimento poderia ser melhorado, apontando novos modos de resolução, como apresentamos na figura 7; 4- sobre a análise da própria produção e sua generalização para a prática profissional - por exemplo: “Na reavaliação das respostas reafirmei a correção das respostas, no entanto, se tivesse que propor e resolver em uma sala de aula, representaria a resolução também através de desenhos das mãos ou pelo ábaco, estabelecendo trocas em que cada cinquenta unidades seriam trocadas por um único elemento representativo dessas cinquenta unidades (utilizaria tampinhas de cores diferentes para a unidade; grupos de cinquenta e grupos de duzentas e cinquenta”. A análise dos dados obtidos na sexta fase (anexo 1) evidenciou uma produção centrada nos níveis mais complexos de tomada de consciência já descritos para a quinta fase, agora em relação à análise dos registros de resolução do outro (estudantes e colegas): analisa a produção passo a passo e/ou como o procedimento poderia ser melhorado, apontando novos modos de resolução, e propõe Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 319-328. Figura 6: Exemplo de resolução de nível 3 da 4ª fase. procedimentos didáticos de intervenção. Exemplo: “o aluno construiu o conceito de adição, domina o algoritmo padrão, o conceito de reagrupamento, o valor posicional do número e a lógica do sistema de numeração decimal”. Em outros termos, a análise dos dados da sexta fase evidenciou a tomada de consciência sobre o fundamento matemático da resolução de problemas, apontando as competências e dificuldades evidenciadas nos registros, e a proposta de procedimentos para, a partir das competências, proceder à construção de situações didáticas a fim de intervir nas dificuldades. A análise da produção do “kit da matemática” mostrou que a maioria se restringiu à escolha do campo conceitual do número natural, fundamentando e propondo atividades relacionadas ao sistema numérico decimal (SND); poucos propuseram teórica e metodologicamente atividades com os números racionais (representações decimal e fracionária, ou operações) ou da área de geometria. Nossa hipótese para explicar tal dado é que muitos já haviam participado de cursos ditos de capacitação – sobretudo os pedagogos que trabalhavam, na época do estudo, no magistério dos primeiros anos do Ensino Fundamental – os quais, no geral, se restringem ao SND. As dificuldades observadas com relação aos demais conceitos abordados no nosso procedimento, particularmente a passagem do número natural para os racionais (representação fracionária e decimal), são as mesmas descritas nos estudos com professores (Leikin, 2005; Pina Neves, Figura 7: Exemplo de nível 2 de resolução da 4ª fase. Docência universitária e pesquisa * Maria Helena Fávero & Regina da Silva Pina Neves 325 2008) e nos sistemas oficiais de avaliação de estudantes, como já mencionado na introdução deste trabalho. Por isso mesmo entendemos que estes resultados confirmam a análise de Fávero (2009a) já referida, justifica o desafio de trabalhar com pedagogos e psicólogos em processo de especialização em psicopedagogia e, ao mesmo tempo, fundamenta a pertinência do nosso procedimento para o desenvolvimento de novas competências no adulto, que manteve um movimento contínuo entre a proposta de situações-problema, a discussão dos diferentes modos de elaborar resoluções e a análise de cada uma das resoluções propostas, considerando-se os registros, os algoritmos utilizados e a filiação entre competências e dificuldades em uma situação de interação. O desenvolvimento das competências descritas e a tomada de consciência confirmam a pertinência teórico-conceitual e metodológica deste procedimento para engendrar o pensamento criativo, o pensamento analítico e o pensamento prático que, em última análise, diz respeito à tese retomada abaixo: sobre a relação entre aquisição de conhecimento e construção da cidadania. A segunda consideração refere-se à questão da relação entre conhecimento e gênero. As concepções sobre a matemática evidenciadas em nosso estudo têm uma relação estreita com a escolha profissional, como já discutiu Fávero (2010b), a qual não pode mais ser ignorada: [...] de acordo com o raciocínio que temos desenvolvido — e isto é fundamental para uma mudança de perspectiva na análise do ensinar e do aprender —, tanto uma aprendizagem bem sucedida como a dificuldade vivida numa situação de aprendizagem nos fornecem dados sobre o desenvolvimento cognitivo. Em resumo, é esta ideia que está implicada quando se adota uma abordagem construtivista para a análise do ensinar e do aprender. Do mesmo modo, é essa ideia que está implicada quando se considera o ser humano um construtor ativo do seu desenvolvimento nessa mesma análise (Fávero, 2008, p. 24, grifos da autora)”. conservadora das áreas de conhecimento — bem diferente da proposição de uma ciência vista como uma práxis social como outra qualquer — que mantém a hegemonia das representações sociais de gênero e a hegemonia de uma classe social, uma vez que, no geral, evita as questões que discutimos no início, já que, em suma, isto implicaria em adotar uma prática de ensino que efetivamente contextualizasse o conhecimento científico do ponto de vista histórico, social e ideológico (Fávero, 2010b, p. 190-191). Conclusões O estudo aqui relatado sugere pelo menos três considerações que se articulam. A primeira delas diz respeito à prática docente universitária. Defendemos neste trabalho, em consonância com as teses dos autores aos quais fizemos referência, que é possível sistematizar a atividade docente de modo que sua prática possa gerar dados para sua própria avaliação e assim se fundamentar na pesquisa, rompendo com a concepção de que “na prática a teoria é outra”. Pelo contrário: tendo em conta o aporte teórico-metodológico que adotamos segundo o qual, como diz Fávero (2005), as ações humanas têm um fundamento que lhes dão significado, toda e qualquer prática docente, explícita ou implicitamente, fundamenta-se em uma teoria. O presente trabalho defendeu a tese de que essa teoria deve se construir na sistematização dos dados obtidos na prática, se de fato for almejado que ela viabilize a interação efetiva entre estudantes e conhecimento, entendendo-se que tal interação é importante para o desenvolvimento psicológico humano, portanto, importante também para a construção do pensamento crítico. Essa tese se coaduna com a análise mais ampla de Fávero (2009b) 326 [...] não temos receio de afirmar que a instituição escolar mantém uma prática que fundamenta um paradoxo exemplar: não se faz referência ao patriarcado e nem às suas premissas, mas seus significados são mediados e por isso mesmo ele é mantido, o que implica, como sabemos, em sérias consequências para o exercício da cidadania. Isto é o mesmo que dizer que a forma e o conteúdo da mediação das áreas de conhecimento nas instituições educacionais e aqui estamos incluindo a universidade, têm de um modo geral, ignorado sistematicamente as discussões e análises já produzidas sobre as ideologias de gênero e de ciência [...] o ponto central desta questão é a manutenção, por meio da mediação exercida pela educação formal, de uma visão A terceira consideração diz respeito à necessidade de se viabilizar um ensino para o adulto que leve em conta a sua capacidade de pensamento pós-formal, considerando-se, com Sinnott (2009), que sua essência é a capacidade para ordenar vários sistemas de operações formais ou sistemas de verdade, o que se compatibiliza com a abordagem de Fávero (2012b) adotada no presente trabalho, cujo relato evidencia que isso é factível. Partindo da integração teórico-metodológica, exposta na introdução, podemos dizer que a prática docente que sistematizamos contribuiu para o desenvolvimento de competências conceituais no adulto, evidenciando-se: o desenvolvimento da compreensão do papel da mediação, da representação e do registro na conceituação matemática; o desenvolvimento da compreensão da importância dessa mediação, da conceituação e da notação para o desenvolvimento psicológico, o que inclui a construção das concepções sobre matemática ao longo da história de escolarização de cada um; a tomada de consciência em relação à importância da discussão sobre o currículo de matemática da Educação Básica e sobre as práticas de avaliação vigentes; a tomada de consciência sobre a importância do debate sobre as Diretrizes Curriculares dos Cursos de Licenciatura em Matemática e Pedagogia e a prática da pesquisa na formação inicial e continuada de professores e profissionais que atuam direta ou indiretamente com a Educação. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 319-328. Referências Alexander, P. A., Murphy, P. K., & Kulikowich, J. M. (2009). Expertise and the adult learner: a historical, psychological and methodological exploration. Em M. Cecil Smith & N. DeFrates-Densch (Edits.), Handbook of research on adult learning and development (pp. 484-523). New York: Routledge; London: Taylor & Francis Group. Arnett, J. J. (2000). Emerging adulthood: a theory of development from the late teens through the twenties. American Psychologist, 55, 469-480. Berger, M. (2004). The functional use of mathematical sign. Educational studies in mathematics, 55, 81-102. Celeste, L. B. (2008). A Produção Escrita de alunos do Ensino Fundamental em questões de matemática do PISA. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Londrina, Londrina-PR. Chamon, M. (2005). Trajetória de feminização do magistério. Ambigüidades e conflitos. 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Quadra 107, lote 08, Edifício Park Boulevard, Bloco A, apt 201 Águas Claras, Distrito Federal CEP: 71.920.540 O estudo que descrevemos se insere no projeto maior - AS RELAÇÕES E SIGNIFICADOS DE GÊNERO NA CONSTRUÇÃO E NA MEDIAÇÃO DO CONHECIMENTO MATEMÁTICO (CNPq, 308849/2009-4), em desenvolvimento sob a coordenação da primeira autora. Agradecemos aos participantes deste estudo que, como profissionais cônscios da importância de se fazer da didática universitária um lócus de pesquisa, concordaram em participar deste trabalho. Uma versão preliminar deste estudo foi apresentada no CIAEM-IACME: FÁVERO, M. H.; PINA NEVES, R. S. A didática como lócus de pesquisa na educação matemática: a mediação do conhecimento com profissionais adultos. In: CIAEM-IACME - CONFERÊNCIA INTERAMERICANA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 13., 2011. Comité Interamericano de Educación Matemática, Anais... Recife, 26-30 junho 2011. Disponível em: <http://www.cimm.ucr.ac.cr/ocs/index.php/xiii_ciaem/xiii_ciaem/paper/viewFile/1589/212>. Acesso em: 10/05/2012. 328 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 319-328. Professores sabem o que é bullying? Um tema para a formação docente Elizângela Napoleão da Silva Universidade Federal de Pernambuco - PE Ester Calland de S. Rosa Universidade Federal de Pernambuco - PE Resumo A pesquisa, de cunho qualitativo, abordou o bullying na formação de professores, tendo como objetivo refletir a respeito das concepções sobre o fenômeno e do que eles consideram serem formas eficazes de intervenção diante dos casos ocorridos em escolas públicas do ensino fundamental, e ainda sobre as demandas para a formação docente. Foram entrevistados seis professores em uma escola municipal do Recife e seis licenciandos da Universidade Federal de Pernambuco. Como resultado, identificamos que os participantes tiveram dificuldade em definir o bullying e de caracterizar sua abrangência na escola. Consideram o tema relevante, embora apontem que está pouco presente nos cursos de formação. Quanto à intervenção, propõem o diálogo e o envolvimento de pais e de autoridades públicas. Conclui-se que o bullying é reconhecido como problema concernente às escolas e aos professores, porém não se constitui num tópico de estudo sistemático na formação de licenciados. Palavras-chaves: Bullying, formação de professores, ensino fundamental. Do teachers know what is bullying? A teacher training issue Abstract This qualitative research focused on how teacher education approaches bullying and aimed to identify what teachers think about this phenomena, how they interfere when it happens in elementary public schools and what do they expect to study about this theme during teacher training. Six trainees and six public school teachers were interviewed in Recife, Brazil. As results, we identified that the research participants found it difficult to characterize how bullying is present in schools. They consider that this is a relevant issue, even thou they recognize that their teacher education did not address this problem. When questioned about how to interfere, they proposed that dialogue is the best resource and that parents and other authorities must be involved. The study leads to conclude that bullying is recognized as a problem that concerns schools and teachers, but it has not been studied regularly in formal education or in teacher training. Keywords: Bullying, teacher education, elementary education. ¿Profesores saben qué es bullying? Un tema para la formación docente Resumen La investigación cualitativa enfocó el tema bullying en la formación de profesores y tuvo como objetivo reflexionar sobre las concepciones sobre el fenómeno, sobre lo que consideran medios eficaces de intervención ante casos ocurridos en escuelas públicas de enseñanza fundamental, así como sobre las demandas para la formación docente. Se entrevistó seis profesores en una escuela municipal de Recife y seis estudiantes de licenciatura en la Universidad Federal de Pernambuco. Los resultados identifican que los participantes tuvieron dificultades de definir bullying y de caracterizar su presencia y alcance en la escuela. Además, consideran el tema relevante, a pesar de indicar que está poco presente en los cursos de formación. En cuanto a formas de intervención proponen el diálogo y el envolvimiento de los padres de familia y otras autoridades públicas. Se concluye que el bullying es reconocido como problema que concierne a escuelas y profesores, sin embargo no se constituye un tópico de estudio sistemático en la formación de licenciados. Palabras Claves: Bullying. Formación de profesores. Enseñanza Fundamental. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 329-338. 329 Introdução O tema do bullying tem tido presença em manchetes de jornais, principalmente quando ocorrem desfechos trágicos. O termo bullying vem da palavra inglesa bully, que significa valentão e é utilizada de modo geral para dar nome “ao desejo consciente e deliberado de maltratar outra pessoa e colocá-la sob tensão” (Tatum e Herbert, citados por Pedra & Fante, 2008). O bullying se caracteriza pela ocorrência de ações agressivas, intencionais, repetitivas e sem motivação aparente que causam dor, angústia ou intimidação. Segundo Fante (2005), o que propicia a ocorrência do bullying é a existência de um desequilíbrio de poder entre o agressor e a vítima, e se deve ao fato de o agredido não conseguir se defender, por não ser tão forte quanto o agressor ou por possuir características psicológicas ou físicas que o tornam alvo de discriminação. Como características do bullying podem-se citar as agressões físicas, insultos, difamação, exclusão, isolamento, roubo de pertences, apelidos, humilhações, intimidações, discriminações, insinuações e ofensas. As vítimas desse fenômeno podem sofrer danos psíquicos difíceis de reparar, e eventualmente desenvolvem quadros depressivos, apresentam dificuldades em relacionar-se com outras pessoas, passam a ter dificuldades no aprendizado, podendo inclusive assumir a posição de agressores em novas situações de bullying (Lopes Neto, 2005) Alvos, autores e testemunhas enfrentam consequências físicas e emocionais a curto e longo prazo, as quais podem causar dificuldades acadêmicas, sociais, emocionais e legais. Evidentemente, as crianças e adolescentes não são acometidas de maneira uniforme, mas existe uma relação direta com a frequência, duração e severidade dos atos de bullying. É importante destacar, como o faz Lopes Neto, que no fenômeno bullying os participantes não se restringem às vítimas e aos agressores, mas também existem as testemunhas, pessoas que não sofrem e não praticam o fenômeno diretamente, mas presenciam quando ele ocorre, porém não fazem nada para ajudar as vítimas a defender-se, pois têm medo de também tornar-se alvo de ataques. O bullying pode ocorrer em diversos locais, contudo é no ambiente escolar que a incidência desse fenômeno é maior. A esse respeito, Pedra & Fante, (2008, p. 41) afirmam: Simplesmente, os que praticam bullying elegem um colega que tenha em seu aspecto físico ou psicológico traços que denunciam ser ele uma presa fácil aos ataques. Portanto o bullying nasce da recusa a uma diferença, da intolerância, do desrespeito ao outro. Geralmente, quem age como agressor em situações de bullying são pessoas arrogantes, que têm habilidades persuasivas e se divertem ridicularizando e provocando sofrimento em colegas a quem direcionam suas agressões de modo sistemático e aparentemente sem motivo. Essas características se contrapõem às das vítimas, que são usu- 330 almente retraídas e tímidas, têm baixa autoestima e tendem a ser submissas (Pedra & Fante, 2008). Devido à grande proporção que esse fenômeno está ganhando na sociedade, e particularmente no ambiente escolar, instaurou-se atualmente uma preocupação quanto à forma de lidar com o assunto. Em debates transmitidos pelos meios de comunicação de massa fica evidente a busca por ações e medidas efetivas que ajudem a combater o bullying. Nesta direção, a escola, que lida diretamente com alunos pré-adolescentes, adolescentes e jovens, torna-se o local onde se concentram as ações de enfrentamento do problema, pois estudos evidenciam que casos de bullying são mais frequentes entre alunos do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental (Pedra & Fante, 2008). Uma justificativa para essa concentração maior é o fato de ser este um período da vida em que os papéis sociais introjetados se manifestam com maior clareza. Não obstante, é importante frisar que antes de classificar um ato de violência como bullying deve-se analisar o contexto situacional, levando-se em consideração as características individuais das pessoas envolvidas, bem como os contextos familiar e escolar, pois estes núcleos sociais influenciam o comportamento do indivíduo. Nesta direção, vale a seguinte recomendação: Para prevenir e enfrentar o bullying ou qualquer outro tipo de violência que ocorre no contexto escolar, não se deve partir de receitas prontas e fechadas, pois cada escola possui uma realidade específica, onde são construídas relações diferenciadas entre os seus membros. Sendo assim, o bullying também irá se apresentar de formas diferentes em cada contexto, não devendo, portanto, ser avaliado de modo descontextualizado. (Freire & Aires, 2012, p. 57) Se este é um debate que concerne à sociedade como um todo, pois evidencia que as causas e consequências do fenômeno não se circunscrevem apenas a uma esfera intersubjetiva, ocasional ou própria dos processos de desenvolvimento humano, mais particularmente interessa a educadores, tanto os que atuam no campo escolar quanto aqueles em processo de formação profissional. Apesar de uma discussão mais ampla desenvolvida nos meios de comunicação, e da presença deste tema como parte da formação inicial de pedagogos, identificamos que esta temática tem se constituído num campo ainda incipiente de pesquisa acadêmica. Evidência disto é que, em levantamento sobre os trabalhos apresentados nos últimos cinco anos nas reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED)1 e no Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino (ENDIPE)2, nenhuma pesquisa apresentada naqueles fóruns de divulga1 Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (2011). Recuperado: 20 jun. 2011. Disponível: http://www.anped.org. br/ 2 Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino (2010). Recuperado: 20 jun. 2011. Disponível: http://www.fae.ufmg.br/ endipe/programacao.php Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 329-338. ção científica abordava o tema do bullying na formação dos professores. Em buscas realizadas no site da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) no período de 2007 a 2011 foram encontrados quatro artigos, publicados na Revista Psicologia Escolar e Educacional, que abordavam a violência na escola, e apenas um desses artigos se referia diretamente ao fenômeno do bullying. Segundo esse estudo, que tinha como foco a relação entre bullying, gênero e autoestima, A interação verificada entre sexo e papéis de bullying em relação à autoestima indica que, no grupo vítimas/ agressores, o sexo masculino apresentou média superior de autoestima em relação ao sexo feminino. Entre as meninas, baixos níveis de autoestima estão relacionados com o papel de vítima/agressor, o que não ocorre entre os meninos. Uma explicação para estes achados pode estar na diferença quanto aos fatores que influenciam a autoestima de meninos e meninas. (Bandeira & Hutz, 2010, p.136). Outra fonte pesquisada foi a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP), que nos cinco últimos anos registrou em seus anais somente uma pesquisa sobre o bullying. Esse estudo dava ênfase às questões afetivas dos adolescentes, concluindo que os professores e os pais devem dialogar com eles, buscando saber como eles se sentem, quais as dificuldades que estão enfrentando, pois assim eles, em ocorrendo o bullying, conseguiriam ajudá-los a lidar de modo mais satisfatório com a situação (Tognetta, 2005). No XX Encontro de Pesquisa Educacional do Norte e Nordeste (EPENN, 2011) foram encontrados três artigos no grupo de trabalho (GT) de Sociologia da Educação e um artigo no GT Psicologia da Educação que tinham o bullying como tema. Todos se referem a pesquisas empíricas em escolas, com temas que envolvem, por um lado, os tipos de violência identificados (Barbosa, Andrade, Montenegro, & Costa, 2011; Botelho, 2011), e por outro, a violência escolar na perspectiva do aluno (Ferreira & Coelho, 2011; Nascimento, Vieira, & Trindade, 2011). Na ótica de jovens estudantes de escolas públicas entrevistados, as práticas de bullying são Nocivas ao aluno, prejudiciais ao seu aprendizado e a sua permanência na escola podendo levá-lo ao adoecimento e até mesmo ao suicídio como forma de libertar-se do sofrimento. A intimidação, juntamente com a ameaça, a humilhação a agressão verbal, física e virtual são formas frequentes de ocorrência do bullying na escola (Nascimento e cols., 2011, p. 7). As discussões em torno da importância de o professor saber mais sobre bullying para intervir em situações de ocorrência do fenômeno também estão presentes no debate acadêmico, porém não há consenso entre os autores a esse respeito, tanto que lguns defendem a ideia de que não é Professores sabem o que é bullying? * Elizângela Napoleão da Silva & • necessário o professor saber especificamente o conceito de bullying para lidar com ele na sala de aula. Nesta direção, (Santos, 2007) afirma: Acreditamos que para se combater ou prevenir o bullying na sala de aula não é necessário o conhecimento do professor sobre o conceito de bullying, obviamente que se o professor conhecer o que é o bullying e suas conseqüências tudo será facilitado para se trabalhar a sua prevenção na sala de aula. O bullying, em um contexto geral nada mais é do que uma forma de desrespeito ao próximo, de não aceitação das diferenças e cabe ao professor trabalhar esses conceitos com seus alunos e para isso não é necessário que o professor saiba o que é o bullying. (p.18). Para fazer essa afirmação, Santos (2007) leva em consideração que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) orientam os professores a trabalharem os conteúdos de ética na sala de aula, o que deveria resultar na redução da prática do bullying. Em contraposição a essa afirmação, Toro, Neves, & Rezende (2010, p. 134) afirmam: “Faz-se necessária, portanto, a conscientização a respeito do bullying para que sejam realizadas intervenções criativas e bem contextualizadas, amparadas por relações de confiança”. Assim, neste debate identificamos uma posição segundo a qual se deve dar prioridade à educação para os direitos humanos e uma segundo a qual os professores precisam ser capazes de identificar ocorrências que caracterizam o bullying para que possam intervir de modo mais eficaz diante do problema. Pautados nessa segunda perspectiva, estudos realizados pela Associação Brasileira Multiprofissional da Proteção à Infância e Adolescência (ABRAPIA)3 e pela Plan Brasil4 apontam possíveis modos de intervir no ambiente escolar de modo a reverter situações de ocorrência de bullying. Essas organizações fizeram levantamentos de dados que permitiram conhecer as situações de bullying nas relações entre estudantes dentro das escolas. Como decorrência destes estudos, essas organizações criaram programas de redução da violência que visavam alertar e orientar estudantes, pais, gestores e docentes escolares sobre a ocorrência de bullying, as formas de reduzir sua frequência e as graves consequências que pode provocar nas pessoas envolvidas, nas instituições de ensino e no próprio processo de formação e de consolidação da cidadania. Outros estudos destacam que é importante fortalecer ações contra o bullying já existentes nas escolas, considerando-se os contextos locais e suas especificidades. Esse debate em torno das estratégias de como lidar com o bullying inclui demandas para a formação docente, o que nos motivou a levantar como o tema está sendo tratado 3 A pesquisa foi realizada em 2003 pela ABRAPIA, Organização não governamental idealizada pelo pediatra Lauro Monteiro e fundada no Rio de Janeiro em 1988. 4 Pesquisa realizada em 2009 pela Plan Brasil, uma organização não governamental de origem inglesa ativa há mais de 70 anos. Ester Calland de S. Rosa 331 pelas instâncias reguladoras da educação nacional e por órgãos representativos de docentes. Nas buscas realizadas no site do Conselho Nacional de Educação (CNE)5 foram encontrados artigos em forma de notícia que tinham o bullying como foco, porém constatamos que este órgão regulador não tem tratado do tema senão com um objetivo meramente informativo. Por sua parte, na página eletrônica da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE)6 não foi encontrado nada referente ao tema, mas no site da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)7 foi encontrada uma revista, intitulada Retratos da Escola, que trata da violência. Naquela publicação não encontramos nenhuma menção ao bullying, embora traga artigos que tratam da falta de segurança enfrentada pelos alunos ao irem à escola ou da violência que pode ocorrer dentro da escola. Em nosso levantamento, não identificamos nesses órgãos representativos de professores (a ANFOPE e a CNTE) e no órgão regulador de políticas nacionais para o ensino e formação docente (o CNE) nenhuma normatização ou alguma pauta de reivindicação para a formação de licenciados que tivesse como foco o bullying. Ademais, as discussões sobre o bullying não se restringem aos órgãos representativos de professores, pois esta questão é muito mais ampla. Exemplo disso é a proposição de alguns projetos de lei no Senado Federal que dão ênfase ao tratamento do bullying8. O Projeto de Lei nº 228/2010, em tramitação no Senado Federal, versa sobre a inclusão na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9.394/96) de dispositivos que assegurem a adoção de medidas de prevenção e combate a atos de intimidação e agressão nas escolas. Na Câmara dos Deputados há sete projetos de lei em tramitação que estabelecem ações com vista a coibir o bullying, entre os quais se destaca o de nº 6.935/2010, que criminaliza tal prática9. Em Pernambuco, foi aprovada a Lei n.º 13.995, de 22 de dezembro de 2009, que dispõe sobre a inclusão de medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate ao bullying escolar no projeto pedagógico elaborado pelas escolas públicas e privadas de Educação Básica10. 5 Conselho Nacional de Educação. (2011). Recuperado: 15 jun. 2011. Disponível: http://www.cnedu.pt/ 6 Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação. (2011). Recuperado: 17 jun. 2011. Disponível: http:// anfope.spaceblog.com.br/ 7 Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. Recuperado: 20 jun. 2011. Disponível: http://www.cnte.org.br/ 8 Portal de notícias do senado. Recuperado:15 abr. 2011. Disponível: http://www.senado.gov.br/noticias/senadoNaMidia/ noticia.asp?n=543293&t=1 9 Projeto de lei n. 6.935/2010, que busca a inclusão do art. 141A no Código Penal Brasileiro, com a seguinte redação: “Intimidar o indivíduo ou o grupo de indivíduos que de forma agressiva, intencional e repetitiva, por motivo torpe, cause dor, angústia ou sofrimento, ofendendo sua dignidade: Pena – detenção de um mês a seis meses e multa. Recuperado: 28 nov. 2011. Disponível: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/criminalizacao-dobullying-posicao-contraria/9950 10 Lei nº 13.995, de 22 de dezembro de 2009. Dispõe sobre a 332 Diante do exposto, entendemos que no âmbito educacional o tema não tem tido prioridade, o que dificulta a tomada de decisões tanto por parte de professores quanto de gestores educacionais para o enfrentamento do fenômeno de forma adequada e ampla. Diante da constatação de que este tema ainda não ganhou centralidade nas pesquisas no campo educacional nem na formulação de políticas públicas mais abrangentes, entendemos que várias dimensões do fenômeno ainda precisam ser objeto de reflexões e estudos mais sistemáticos. Neste contexto, o estudo relatado neste artigo teve como objeto investigar quais as demandas formativas de professores já formados ou em processo de formação inicial para lidar com jovens na faixa do segundo segmento do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) em termos de conhecimentos e maneiras de intervir nas situações de bullying na escola. A pesquisa empírica foi realizada em 2011 numa escola da rede municipal de ensino do Recife e na Universidade Federal de Pernambuco, com estudantes, docentes e coordenadores de cursos de licenciaturas diversas. O relato apresentado neste artigo é um recorte dessa investigação, com ênfase no que foi coletado junto a dois grupos de informantes: os estudantes de cursos de licenciatura e os docentes que atuam no segundo segmento do Ensino Fundamental. Metodologia A pesquisa realizada é de natureza qualitativa e exploratória e utilizou entrevistas como procedimento para coleta de dados, uma vez que esta abordagem favorece uma aproximação da forma como os professores regentes e estudantes de licenciaturas diversas falam sobre suas concepções de bullying e sobre as demandas formativas nessa área. Para Gil (1999), este tipo de estudo visa proporcionar ao pesquisador um maior conhecimento sobre o tema, de modo que esse possa formular problemas mais precisos ou criar hipóteses que possam ser pesquisadas em estudos posteriores. As pesquisas exploratórias visam proporcionar uma visão geral sobre determinado fato, do tipo aproximativo (Gil, 1999, p. 43). O presente estudo buscou identificar, por meio de levantamento bibliográfico, de análise de documentos oficiais de entidades representativas de professores e de entrevistas com estudantes e com professores licenciados em diversas áreas do conhecimento, quais as demandas formativas para lidar com jovens na faixa do segundo segmento do Ensino Fundamental (11-14 anos) em termos de conhecimentos e maneiras de intervir nas situações de bullying na escola. inclusão de medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate ao bullying escolar no projeto pedagógico elaborado pelas escolas públicas e privadas de Educação Básica do Estado de Pernambuco e dá outras providências. Palácio do Campo das Princesas. 2009. Recuperado: 28 nov. 2011. Disponível: http:// suelyedh.blogspot.com/2010/06/bullying-lei-ao-enfrentamentoviolencia.html Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 329-338. A coleta de dados, para a qual foi utilizada entrevista semiestruturada,11 envolveu a introdução de questões que não estavam previstas no roteiro inicial, mas surgiram de acordo com o que aconteceu no processo em relação às informações que se desejava obter, proporcionando assim um aprofundamento do tema pesquisado. As entrevistas foram audiogravadas em sistema digital (mp4) e posteriormente transcritas. As entrevistas com licenciandos foram realizadas na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)12, que possui ao todo 86 cursos de graduação distribuídos nos campi do Recife, de Caruaru e de Vitória de Santo Antão. Aquela instituição de ensino superior abriga cursos das mais diversas áreas do conhecimento, dentre os quais vinte e um são de licenciaturas diversas. Já as entrevistas com professores regentes com formação em diferentes licenciaturas ocorreram em uma escola municipal localizada na Zona Sul do Recife que atendia 787 alunos. A escolha dessa escola como campo de pesquisa deveu-se ao fato de nela ter ocorrido um caso de bullying que ganhou repercussão nacional, por ter tido um desfecho trágico, com agressões físicas contra uma jovem estudante nas imediações da escola13. Como decorrência do fato, houve intervenções por parte da Secretaria Municipal de Educação, que realizou uma série de palestras especificamente voltadas para o tema do bullying, envolvendo os professores da escola. Na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) foram entrevistados ao todo seis estudantes, distribuídos entre os que cursam licenciatura nas três áreas que organizam o currículo, que são a de ciências exatas (que compreende os cursos de Matemática, Física e química), a de ciências humanas (formada pelos cursos de Letras, História e Geografia) e a de ciências da saúde (cursos de Educação Física e Ciências Biológicas). Dos licenciandos entrevistados, quatro são do sexo masculino e dois do sexo feminino, com idades entre 21 e 26 anos. Os critérios para a escolha dos alunos entrevistados foram eles estarem cursando entre o sétimo e o nono períodos de seus respectivos cursos e terem experiência de estágio em escola. A razão dessa escolha foi a pressuposição de que os acadêmicos talvez já tivessem tratado do tema bullying em sala de aula ou vivenciado algum caso nos estágios em escolas públicas. Na escola, também foram entrevistados seis professores, sendo um de cada uma das disciplinas que compõem o currículo do segundo segmento do Ensino Fundamental, o qual inclui as disciplinas de Português, Educação Artística, Matemática, Ciências, História, Geografia e Educação Física. Não foi possível entrevistar a professora de Português, porque ela estava de licença e estava sendo substituída por um estagiário regente. Desses entrevistados, quatro eram do 11 A referida entrevista se encontra anexada ao final deste artigo no apêndice A. 12 Entrevistas realizadas em 2011. 13 Aluna é agredida a paulada por não comer merenda escolar em Recife. Recuperado: 20 nov. 2011. Disponível: http://www.paraiba. com.br/2011/05/18/59434-aluna-e-agredida-por-nao-comermerenda-escolar-em-recife-veja-video Professores sabem o que é bullying? * Elizângela Napoleão da Silva & • sexo feminino e dois do sexo masculino, incluídos na faixa etária entre 52 e 64 anos de idade. O critério utilizado para a escolha dos professores que atuam no segundo segmento do Ensino Fundamental a serem entrevistados era que cada um fosse de uma licenciatura diferente (para assim abranger todas as disciplinas curriculares) e que contassem pelo menos cinco anos de atuação na área de ensino. A proposta de entrevistar professores com alguma experiência docente se apoiou na suposição de que professores iniciantes talvez ainda não se tivessem se deparado com o fenômeno bullying em sua prática docente. Resultados e discussões Neste item são apresentados os resultados da pesquisa, os quais foram agrupados nas seguintes categorias: O conceito de bullying e a relevância do tema para os educadores; A abordagem do tema na formação inicial desses profissionais; As formas de intervenção que os docentes consideram mais eficazes. As categorias acima citadas foram elaboradas com os objetivos de verificar o que os estudantes das licenciaturas diversas e os professores do segundo segmento do Ensino Fundamental entendem como demandas para sua formação no tocante à questão do bullying e identificar como estão se preparando para lidar com o assunto e se eles possuem uma formação que favoreça a escolha de intervenções pedagógicas diante do problema. Conceito de bullying e sua relevância. Quando questionados a respeito do conceito de bullying e de sua relevância enquanto fenômeno presente nas escolas, os entrevistados deram respostas que variavam de posicionamentos relativamente superficiais e pouco delimitados até definições mais precisas e próximas do que afirmam os estudiosos da área, particularmente aquela postulada por Fante (2005, p. 28-29), quando afirma: (...) bullying é um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, adotado por um ou mais alunos contra outro(s), causando dor, angústia e sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos, levandoos à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais, são algumas manifestações do comportamento bullying. Os entrevistados, tanto os estudantes de licenciatura quanto os professores, quando definem o conceito de bullying, restringem-no a apelidos ou a algumas características isoladas do fenômeno, como, por exemplo, a provocação, a discriminação e zombaria, a perseguição, piadas, preconceito, agressões e brincadeiras grosseiras. Em alguns Ester Calland de S. Rosa 333 casos, os entrevistados associavam o bullying à violência, sem maior discriminação do fenômeno. Desse modo, consideramos que eles têm um entendimento fragmentado e pouco abrangente sobre o conceito de bulllying, que se caracteriza como um conjunto de ocorrências articuladas, e não como atos isolados de agressão. Não obstante, um professor definiu o significado do termo bullying de um modo mais amplo: “É uma palavra inglesa. Denegrir a reputação de alguém, diminuir a personalidade, através de crítica, de abuso. Essa palavra significa valentão, se aproveitar dos menos favorecidos fisicamente como um gordinho, baixinho”. Pelo menos um dos licenciandos conceituou o bullying de modo mais fundamentado ao falar que o fenômeno significa “desigualdade de poder, caso de saúde pública, acarreta danos psíquicos, agressões”. Em suas respostas, tanto os professores como os licenciandos passaram a impressão de que ainda não se haviam apropriado totalmente do tema, por isso, ao serem questionados sobre a relevância do bullying, também deram respostas vagas. Destacamos aqui duas falas contrastantes, a de um professor e a de um aluno de licenciatura. O primeiro deu uma explicação religiosa e moral para a questão, deixando claro que não vê a possibilidade de abordagem do bullying no ambiente escolar, pois, segundo ele, “o bullying não é um assunto que a escola ou a sociedade irá resolver, pois só Deus quando chegar no dia do juízo poderá resolver esse e outros problemas que afetam a humanidade”. Para esse participante da pesquisa, o bullying é um problema que a sociedade e a escola não poderão resolver e que, por isso mesmo, foge às possibilidades de uma intervenção pedagógica eficaz. Em contraste, um estudante de licenciatura afirmou: “É um caso de saúde pública. Garantir os direitos do cidadão e da coletividade. O bullying é um fenômeno decisório de influência enorme do processo ensino-aprendizagem do aluno. Deve-se atentar para os prejuízos psíquicos da pessoa”. Ao situar a questão como um fenômeno mais coletivo (de saúde pública) e capaz de intervir no processo de aprendizagem, relega tanto aos profissionais da saúde quanto aos de ensino a responsabilidade de conhecer e intervir no fenômeno. Nessa direção Lopes Neto (2005) afirma: “As instituições de saúde e educação, assim como seus profissionais, devem reconhecer a extensão e o impacto gerado pela prática de bullying entre estudantes e desenvolver medidas para reduzi-la rapidamente” (p. 170). Nesta mesma direção, o estudo de Freire e Aires (2012), citado anteriormente, recomenda não agir perante o bullying com receitas prontas, mas atentar para a questão de que o fenômeno deve ser avaliado sempre em seu contexto social, com suas devidas particularidades, as quais envolvem tanto a família quanto a escola. Além disso, num sentido mais amplo, os enfrentamentos que ocorrem nas situações de bullying podem evidenciar valores hegemônicos na sociedade que são reproduzidos numa instância 334 intersubjetiva, não se caracterizando exclusivamente como uma questão de natureza psicológica. Ao analisar a respostas dadas sobre o conceito de bullying nota-se que todos os entrevistados, apesar de afirmarem já terem ouvido falar sobre o bullying, ainda não tinham um conhecimento amplo sobre o assunto e por isso acabavam resumindo o bullying a agressões verbais ou físicas, perseguição e apelidos, ou simplesmente não emitiam opinião sobre o tema, por não saberem muita coisa a respeito ou por não quererem falar sobre o assunto. Nesta direção, podemos indicar que, à semelhança de outros problemas, como as discriminações de gênero e raça/etnia, o “silenciamento” acaba favorecendo uma omissão diante das vítimas e dos agressores, e a falta de informações parece favorecer posturas imobilistas diante das ocorrências na escola. O bullying na formação docente Dos seis entrevistados, apenas um professor afirmou ter estudado sobre o bullying durante a sua formação inicial, por meio de debates nas disciplinas de Psicologia Social e Prática de Ensino. Uma professora afirmou ter assistido a aulas em que “falavam sobre discriminação”, e os demais professores afirmaram não ter sido abordado o assunto em nenhuma momento de sua formação inicial para a docência. Como esse grupo já atuava na profissão havia mais de vinte anos, inferimos que sua formação inicial se dera num período em que a discussão sobre o bullying não se constituía num tema que fizesse parte do repertório de conteúdos tratados nos cursos de graduação de licenciandos. Por sua vez, os alunos de cursos de licenciatura entrevistados afirmaram ter sido tratado o assunto em disciplinas como Psicologia da Educação (quando se discute o desenvolvimento socioafetivo), Prática de Ensino e Didática. Somente um aluno disse não ter estudado esse assunto em nenhuma disciplina. Os demais haviam estudado o tema nas disciplinas de Psicologia da Educação, Didática, Prática de Ensino, Fundamentos da Educação, Sociologia, Filosofia, Direito à Cidadania. A incidência maior de referências ao estudo do tema ocorreu na disciplina Psicologia. Em relação aos conteúdos tratados, dois dos professores que haviam estudado o bullying em sua formação inicial disseram que o assunto fora abordado em forma de debates gerais em sala de aula. Desses dois educadores que haviam estudado o assunto, um afirmou não saber especificar o conteúdo e uma professora disse que o assunto fora tratado como discriminação, pois no tempo em que ela se formara o termo bullying não era conhecido. Por sua vez, quando questionados sobre que conteúdos envolviam o tema do bullying nas disciplinas acadêmicas, quatro alunos de licenciatura falaram que o assunto foi estudado em forma de debates, seminários ou discussões. Um estudante disse não ter estudado em nenhuma disciplina. Vale destacar a fala de um dos educandos, que explicou como a abordagem do bullying era feita nas disciplinas: “Elas (as disciplinas) têm em comum ressaltar o caráter Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 329-338. de alta relevância a observância do fenômeno no ambiente escolar, minuciando (sic) os possíveis desdobramentos caso ocorra, bem como quais seriam as posturas; medidas de intervenção e prevenção”. Desse depoimento destacamos o fato de que a abordagem do tema na formação inicial do estudante não se restringiu à dimensão cognitiva da questão, incidindo também na esfera atitudinal, o que reforça a ideia defendida por estudiosos da área de formação docente de que a identidade profissional não se constitui apenas de aspectos técnicos, mas envolve a pessoa do educador como um todo (Candau, 1997; Nóvoa, 1992; Sacristán, 1993;). Os licenciandos que afirmaram ter sido tratado o bullying através de discussões e debates afirmaram que o assunto surgira a partir do interesse deles mesmos, devido à vivência deles nos estágios, e não porque os professores tivessem o bullying como conteúdo programático já previsto para ser tratado em sala de aula. Se, por um lado, esses depoimentos evidenciam que a abordagem do tema foi ocasional e assistemática, por outro demonstram que a formação de professores, mesmo na etapa inicial, precisa considerar a experiência docente e os problemas que emergem do cotidiano escolar. Formas de intervenção Ao serem perguntados sobre suas intervenções diante da ocorrência de bullying na sala de aula, os professores entrevistados afirmaram que sua primeira reação é observar se as agressões são persistentes e em seguida dialogar com os envolvidos, buscando mostrar-lhes que estão agindo de modo errado. Se a conversa não surtir efeito, eles encaminham o caso para a direção da escola ou para outras autoridades, por exemplo, para o conselho tutelar. Sobre isso uma professora falou: “Observando a forma de agressividade a partir daí favorecer o encaminhamento para cada caso, por exemplo, o caso de chamar os pais, o caso de conversar, tem o caso de chamar a polícia, o conselho tutelar. Tem formas e até graus de agressividade do bullying”. Um professor disse: “Converso, explico por que não pode agredir, e se possível, eu repreendo mesmo de voz grossa”. Por sua vez, uma das professoras afirmou: “Intervenho todos os dias, todos os dias dizendo o que é bullying, quando eu vejo alguma brincadeira para menosprezar o outro, sempre reclamo. Nós temos um menino que ele é cego e mudo e eles chamavam ceguinho, ceguinho. Eu disse: por que ceguinho? Ele tem nome, o nome dele é Daniel14 e o nome dele é até bonito. Então eu chamei os pais dos meninos que o chamavam de ceguinho, conversei com os pais e os pais “acocharam” de um lado e eu “acochei” do outro e hoje os meninos não chamam mais ele de ceguinho”. Uma professora respondeu: “Conversando com os alunos, esclarecendo”. Por fim, outra professora afirmou: “Dialogo com o grupo ou particularmente com algum aluno 14 Nome fictício. Professores sabem o que é bullying? * Elizângela Napoleão da Silva & • orientando o que não deve fazer, como ele se sentiria... Chamando à confiança. Como é que ele se sentiria se fosse com ele, orientando a aceitar e valorizar o colega. Quando não tem solução, a gente parte pra família ou vem à coordenação, à direção, entendeu? Devemos ter palestras, cursos que abordem o tema”. Deste modo, identificamos que os professores assumem uma postura de reação somente diante do fenômeno, mas só reagem quando percebem que o bullying está acontecendo. Essa postura dos professores indica que, apesar de a escola ter em seu histórico um caso de bullying diagnosticado e, devido a esse fato, a Secretaria de Educação ter realizado na escola palestras sobre o tema, os docentes sentem carência de apoio no enfrentamento do problema, a ponto de sugerirem que a escola propicie mais debates, palestras e cursos sobre o tema. Em nenhum momento das entrevistas os professores se referiram à existência, na escola, de algum programa ou iniciativa de ação contínua que objetivasse a prevenção e o enfrentamento do bullying, além das palestras pontuais que foram oferecidas pela Secretaria de Educação, as quais parecem não ter sido suficientes para instrumentalizá-los para uma intervenção mais eficaz. Uma professora chegou a expressar o sentimento de que não estava preparada para intervir nesses casos ao afirmar: “A gente precisava de mais capacitação, apesar de que a gente teve uma muito boa aqui”. Por sua vez, quando questionados sobre as maneiras de intervenção diante do fenômeno, os estudantes de licenciaturas diversas tiveram respostas bem semelhantes às dos professores experientes. Todos afirmaram agir (nas situações de estágio) através de observações e conversas, e quando percebiam que essas conversas eram insuficientes para reverter a situação, levavam o caso para a direção da escola. Um dos licenciandos especifica qual o modo como pretende agir diante de possíveis casos de bullying: “Primeiramente repreenderia o causador do bullying e depois iria tentar conscientizá-lo juntamente com a turma de que aquilo é errado. O professor deve saber primeiramente os sinais ou indicadores do bullying para poder intervir caso precise, como também seus efeitos”. Outro aluno de licenciatura disse: “Conversava e punia; chamava pai e mãe”. Por sua vez, um terceiro licenciando respondeu: “Converso com os alunos pra eles entenderem que aquilo ali não é o certo. Acho que deve haver cursos de capacitação”. Por sua vez, um dos alunos de licenciatura disse: “Interviria através de diálogos com os envolvidos”. Outro estudante propôs uma intervenção mais pontual, com o acionamento de profissionais do campo da Psicologia: “A bem da verdade, a intervenção seria segmentada em etapas. Reconhecido o caráter intrínseco do fenômeno da desigualdade de poder, encetaria esforços no sentido da conversa com as partes, defendendo a vítima, na tentativa de equilíbrio na relação; no entanto, como sabido, devido ao aspecto reprodutor o agressor, pode ter sido uma vítima, então é necessário investigar esses aparentes pormenores, para intervir com maior propriedade. Segundo: após intervir Ester Calland de S. Rosa 335 no sentido de cessar com os constrangimentos e violência simbólica própria do fenômeno, na busca de um equilíbrio de forças, alçaria a possibilidade de, após uma conversa com as partes, de um acompanhamento psicológico, haja vista os possíveis e prováveis traumas”. Desse modo, todos falaram que tratam (ou tratariam) o bullying através de diálogos com os participantes do fenômeno ou com autoridades (pais, diretores das escolas) Quando o caso não é resolvido pela escola ou pelos pais, alguns sugerem acionar a polícia ou o conselho tutelar. Das propostas de intervenção apresentadas podemos inferir que tanto professores experientes quanto estudantes de licenciatura entendem que o bullying é um fenômeno que deve ser resolvido mediante o estabelecimento de uma relação de autoridade – de professor, de pai/ mãe, de diretor da escola, de polícia, de conselheiro tutelar. A autoridade, nesses casos, instaura-se mais pelo diálogo e pela repreensão verbal, e somente em casos mais extremos, com medidas repressivas. Nas falas aparecem tanto propostas de intervenção mais pontual, numa abordagem direta dos agressores, quanto formas de envolvimento do grupo/classe. Em ambos os casos, a estratégia central é “dar lição”, ou seja, o educador concentrar-se na capacidade argumentativa, sem que outros modos de envolvimento dos estudantes sejam apresentados. Podemos identificar limites no modelo proposto pelos participantes da pesquisa, pois este teria como resultado “a imposição heterônoma de valores e normas” (Puig, 1988, p.15), não contribuindo para a construção de relações que tenham como base o respeito mútuo, a reciprocidade, a cooperação e o juízo moral autônomo (Araújo, 1999, p.106). Além disso, os professores circunscrevem sua intervenção ao campo da admoestação, com apelo à autoridade própria ou de outros. Nesta direção, entendem que a questão pode ser resolvida através do convencimento ou da coerção; porém estudos em educação mora indicam que problemas que envolvem preconceitos e valores demandam estratégias que incidam não somente sobre os aspectos cognitivos, mas que ajudem na construção de novas sociabilidades e na mudança de atitudes (La Taille, 1999; Puig, 1988). Desse modo, parecem reproduzir com os estudantes na escola o modelo presente em seus processos de formação docente, ou seja, tratam a questão apenas no âmbito do debate, da informação, sem considerar aspectos de natureza mais socioafetiva. Mesmo o estudante que mencionou um possível apoio psicológico, não formulou sua proposta em termos mais amplos, mas fundamentou-a num atendimento individualizado e descontextualizado. Considerações finais O estudo que serviu de referência para este artigo (Silva & Rosa, 2011) evidencia, à semelhança do que é defendido também por outros autores, como Toro e cols. (2010), que os educadores sabem pouco sobre o fenômeno do bullying e que isso tem repercussões nos modos de eles 336 planejarem e realizarem suas intervenções pedagógicas neste campo. Evidencia, ainda, que o tema é pouco tratado, tanto nos processos de formação inicial quanto nos programas de formação continuada de professores e de outros profissionais da educação, como gestores e coordenadores pedagógicos, por exemplo. Por fim, os dados coletados também chamam a atenção para lacunas nos procedimentos didáticos adotados nos processos formativos dos educadores. Mesmo dentro dos limites de um estudo exploratório, podemos afirmar que o conjunto dos depoimentos coletados junto a professores e estudantes de licenciatura apontou a necessidade de rever os programas de formação inicial e continuada de professores para que estes atuem de modo mais eficaz diante de demandas do cotidiano escolar, como é o caso do bullying. Também indica que a realização pontual de debates ou de palestras é insuficiente para que s professores tenham melhores condições de intervir diante da ocorrência de bullying na escola. O que os professores devem saber sobre bullying não precisarem esperar que ele ocorra para então reagirem? Como podem organizar uma intervenção que seja de fato pedagógica? Que outras referências podem compor essa intervenção além do apelo à autoridade ou a um eventual sentimento de culpa por parte do agressor? Que aportes a Psicologia Educacional pode trazer para a formação docente neste campo? Essas são questões que emergem a partir do estudo aqui relatado e que certamente demandam novas investigações que contribuam para uma revisão dos modelos adotados nas instituições formadoras, como é o caso das universidades. Como nos lembra Nóvoa (1992), Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional (p. 25). Para finalizar, destacamos aqui a resposta do professor que propôs uma postura religiosa e determinista em relação ao bullying: a de que “só Deus poderá resolver esse problema quando chegar o juízo final”. Esse modo de compreender o fenômeno indica que o desafio da formação docente no que tange a essa problemática exige uma abordagem que supere uma perspectiva meramente informativa ou cognitivista da questão, já que a forma de compreender o bullying pode envolver atitudes e sentimentos que não se sustentam apenas na racionalidade. Essa reflexão nos leva também a questionar a principal estratégia de intervenção proposta pelo grupo de professores, já que aquela é pautada, basicamente, por um modelo racional, que não considera as dimensões atitudinal e afetiva na abordagem do fenômeno. Uma boa alternativa, já formulada e experimentada por organizações da sociedade civil, é incluir no currículo escolar a abordagem do problema bullying através da discussão de textos e de simulações, visando sensibilizar os alunos e alertá-los para que não sejam obrigados a sofrer em silêncio. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 329-338. O debate sobre o bullying e suas formas de intervenção, uma vez presente nos espaços formativos, tanto na formação inicial quanto na continuada, pode contribuir, enfim, para que se construa outro tipo de sociabilidade no espaço escolar, pautado por valores de solidariedade e de convivência respeitosa com as diferenças. Referências Oficial da União, seção 1. Lei nº 13.995, de 22 de dezembro de 2009. (2009). Dispõe sobre a inclusão de medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate ao bullying escolar no projeto pedagógico elaborado pelas escolas públicas e privadas de Educação Básica do Estado de Pernambuco e dá outras providências. Recife: Palácio do Campo das Princesas. Recuperado: 28 nov. 2011. Disponível: http:// suelyedh.blogspot.com/2010/06/bullying-lei-ao-enfrentamentoviolencia.html Araújo, U. F. de. (1999). O ambiente escolar e o desenvolvimento do juízo moral infantil. Em L. de Macedo (Org.), Cinco estudos de educação moral (pp. 105-136). 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Propõe a inclusão do art. 141A no Código Penal Brasileiro, com a seguinte redação: “Intimidar o indivíduo ou o grupo de indivíduos que de forma agressiva, intencional e repetitiva, por motivo torpe, cause dor, angústia ou sofrimento, ofendendo sua dignidade: Pena – detenção de um mês a seis meses e multa”. Recuperado: 28 nov 2011. Disponível: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/criminalizacaodo-bullying-posicao-contraria/9950 Puig, J. M. (1988). Ética e valores: métodos para um ensino transversal. São Paulo: Casa do Psicólogo. Sacristán, J. G. (1992). Consciência e ação sobre a prática como libertação profissional dos professores. Em A. Nóvoa (Org.), Profissão professor (pp. 63-91). Lisboa: Porto Editora. Santos, L. P. R. dos. (2007). O papel do professor diante do bullying na sala de aula. Bauru, SP: UNESP. Recuperado: 14 abr 2011. Disponível: http://www.fc.unesp.br/upload/pedagogia/TCC%20 Luciana%20Pavan%20%20Final.pdf Silva, E. N., & Rosa, E. C. (2011). 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Em que período do curso você está? 3. Já atuou como professor/estagiário em alguma escola? Pública ou privada? Quanto tempo? 4. Você sabe o que é bullying? 5. Quais os sinais ou indicadores levam a identificar o bullying? 6. Você acha o tema relevante, por quê? 7. Durante o seu curso você já ouviu falar sobre bullying? 8. Em que disciplinas você viu o tema? 9. De que forma era trabalhado o bullying? 10. Você acha que estaria preparado para fazer intervenções se houvesse casos de bullying no seu ambiente de trabalho? 11. De que forma você interviria? 12. O que você acha que professores precisam saber sobre bullying? Roteiro de entrevistas bullying professores formados. Nome: Idade: Sexo: 1. Você é professor de que disciplina? 2. Há quantos anos leciona? 3. Você sabe o que é bullying? 4. Quais os sinais ou indicadores levam a identificar o bullying? 5. Você acha o tema relevante, por quê? 6. Durante sua formação você teve disciplinas que falavam sobre o bullying? 7. Quais disciplinas? 8. De que forma era trabalhado o bullying nessas disciplinas? 9. Você fez capacitações depois do seu curso que traziam o tema bullying e suas formas de intervenções? 10. Você se sente preparado para intervir em casos de bullying? 11. De que forma você intervém/interviria? 12. O que você acha que professores precisam saber sobre bullying? Recebido em: 21/06/2012 Reformuladoem: 15/02/2013 Aprovado em: 29/04/2013 Sobre as autoras Elizângela Napoleão da Silva ([email protected]) Pedagoga - Centro de Educação- UFPE. Endereço: Rua Muniz Silva, 398, Ibura. CEP: 51230-460. Recife – PE Ester Calland de S. Rosa ([email protected]) Doutora em Psicologia Educacional - Profª do Departamento de Psicologia e Orientação Educacional - Centro de Educação - UFPE. Endereço: Praça Barreto Campelo, 1246, Torre. CEP: 50710-290. Recife – PE 338 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 329-338. Intervención educativa para resolver un caso de acoso escolar Roberto Yescas Sánchez Universidad Popular Autónoma del Estado de Puebla - México Resumen Se estudia un caso de acoso escolar en una preparatoria privada de la ciudad de Puebla, México, donde la enseñanza de la filosofía no era posible. La pregunta de investigación es: ¿Cómo resolver el problema del acoso escolar en el salón de clases durante la enseñanza de la filosofía, con el fin de lograr el propósito educativo de la asignatura? Es un estudio de investigación-acción participativa conformado por cuatro fases: diagnóstico de las causas del acoso escolar, diseño e implementación de un programa educativo y evaluación de los cambios sociales alcanzados. Los sujetos de estudio son 18 alumnos entre los 17 y 19 años de edad. Son seis los instrumentos utilizados de corte cualitativo. Los resultados muestran el logro de los tres objetivos para resolver el acoso escolar: establecimiento de nuevas relaciones sociales, eliminación de los prejuicios y resolución de los conflictos interpersonales. Palabras clave: acoso escolar, intervención educativa e investigación-acción participativa. Educational intervention to resolve a case of bullying Abstract A case of bullying in a private high school of Puebla City (Mexico) is studied, where the teaching of philosophy as a subject was not possible. The research question is: How to resolve the problem of bullying in the classroom during the teaching of philosophy in order to achieve the educational purpose of the subject? This study is an participatory action research, which consists of four phases: diagnosis of the causes of bullying, design and implementation of an educational program and evaluation of the obtained results on social change. The research subjects are 18 students aged between 17 and 19 years old. Six different qualitative tools were used. The results show the achievement of the three objectives for resolving bullying: establishment of new social relationship, elimination of prejudices and solving of interpersonal conflicts. Key words: bullying, educational intervention and participatory action research. Intervenção educativa para resolver um caso de bullying Resumo Estuda-se um caso de bullying em escola particular de segundo grau da cidade de Puebla, no México, onde o ensino de filosofia não era possível. A questão de pesquisa é: como resolver o problema de bullying em sala de aula durante o ensino de filosofia a fim de alcançar o objetivo educacional da disciplina? Trata-se de trabalho de pesquisa-ação participativa constituída por quatro fases: diagnóstico das causas do bullying, delineamento e implementação de um programa educacional e avaliação da mudança social alcançada. Os sujeitos do estudo foram 18 alunos entre 17 e 19 anos de idade. Foram utilizados seis instrumentos de cunho qualitativo. Os resultados mostraram que foram alcançados os três objetivos para enfrentar o bullying: estabelecer novas relações sociais, eliminar os preconceitos e resolução dos conflitos interpessoais. Palavras chave: bullying, intervenção educacional e pesquisa-ação participativa. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 339-354. 339 Introducción Cotidianamente, el tema de la violencia se hace presente en las noticias en sus distintos modos de expresión. Basta con remitirse a las notas periodísticas del día para informarse de un nuevo secuestro, asalto, robo o violación. Por si fuera poco, algunas de las expresiones de violencia no se agotan en los hechos reportados por los medios de comunicación; existen otras menos visibles para el ciudadano adulto común, como el acoso escolar. Es posible que en el país exista un número alto de casos de violencia en las escuelas, los cuales lamentablemente no suelen ser reportados, investigados o atendidos por el personal docente; se da mayor importancia a las dificultades de aprendizaje, los problemas de disciplina, la falta de participación de las familias o de los recursos humanos y materiales (Trianes, 2000 y Del Rey y Ortega, 2001). En la actualidad “es poco lo que se sabe en México sobre la violencia escolar; entre las escasas investigaciones se encuentra la de Gómez (1996) sobre primaria y la de Prieto (2003) sobre secundaria” (Prieto, 2005, p. 1006). La violencia escolar no solamente afecta a los alumnos, sino también los procesos educativos, su principal víctima. “Las consecuencias van desde la deserción escolar hasta la persistencia de altos índices de analfabetismo” (Kodato, 2004, p. 51). Estudios sociológicos ponen de manifiesto el aumento de la violencia en sus distintas formas y expresiones (Marín, 2002), creando así la necesidad de realizar estudios en los diferentes niveles educativos. El acoso escolar es un comportamiento violento, el cual se manifiesta a través de insultos, rechazo social, intimidación o agresiones físicas de unos alumnos hacia otros (Trianes, 2000). Se define: Como un fenómeno de grupo, donde la mayoría desempeña papeles entre los que se distinguen: el agresor –que puede ser cabecilla– o el seguidor; los observadores, que pueden ser pasivos, defensores de la víctima o alentar al agresor; y por último, la víctima misma, ya sea pasiva o provocadora (Prieto, Carrillo y Jiménez, 2005, p. 1032 ). De esta forma el fenómeno del acoso escolar se encuentra enmarcado en las interacciones sociales del grupo (Castells, 1998), donde la negociación no tiene lugar ante la presencia de un conflicto. Lograr resolver los conflictos de manera positiva, requiere de un proceso de formación e instrucción y en este caso, la educación en valores juega un papel importante (Salazar y Narejo, 2002). El presente trabajo aborda el problema del acoso escolar (bullying), en un salón de clases de una preparatoria privada de la ciudad de Puebla (México). La realización de este estudio se determinó a razón de la demanda impuesta por la docente de la asignatura de filosofía, quien argumentaba tener dificultades para impartir sus clases debido a la presencia del acoso escolar. Las llamadas de atención, cambiar a los alumnos de lugar y sacar 340 a algunos de ellos del salón de clases, eran las típicas acciones remediales para intentar solucionar el problema. Unas semanas después de iniciar las clases y de haber experimentado la problemática, la docente solicita la participación de un agente-investigador externo a la institución educativa, debido al desinterés y la falta de compromiso de las propias autoridades escolares. Lo que aquí se presenta es el reporte de una investigación-acción participativa, la cual pretende dar solución a una problemática social concreta, partiendo de un diagnóstico y continuando con el diseño, implementación y evaluación de un proyecto de intervención educativo. Los alcances del estudio son exploratorios y descriptivos, ya que se pretende conocer cuáles son y cómo se manifiestan las causas del acoso escolar. La finalidad es provocar un cambio social que le permita a la docente impartir sus clases. Por lo tanto, la pregunta de investigación es: ¿Cómo resolver el problema del acoso escolar en el salón de clases durante la enseñanza de la filosofía, con el fin de lograr el propósito educativo de la asignatura? Conocer las causas de cierto comportamiento humano no se limita a estudiar variables del individuo o del ambiente, sino el resultado de su proceso de interacción (Lewin, 1973). El término ambiente incluye tanto lo físico como lo social y se establece en distintos niveles de interacción con respecto al ser humano para su estudio. Son varios los autores que consideran la definición de Lewin sobre el comportamiento humano con el fin de establecer una propia; entre ellos se puede destacar a Urie Bronfenbrenner (1987) con su propuesta acerca de la ecología del desarrollo humano. Por su parte, psicólogos sociales como Philip Zimbardo (1972, citado por Myers, 2005) han demostrado experimentalmente la influencia del ambiente social para cambiar la conducta a partir del establecimiento de un juego de roles. En una situación cotidiana, entender un comportamiento particular, como el acoso escolar, no es una tarea sencilla debido a la falta de control sobre las variables involucradas. No obstante, la exploración de las principales causas implicadas a través de procesos metodológicos, facilita su comprensión y, en su caso, la toma de decisiones para provocar cambios en la misma. Trabajos como los de Marín (2002), Prieto (2005), Palomero y Fernández (2001), Geen (1990), Rojas (1995) y Prieto y cols. (2005), entre otros; han aportado distintas clasificaciones causales sobre el acoso escolar. A partir de la propuesta de Marín (2002), se pueden dividir las causas de la siguiente forma: a. a. • individual: Dimensión biológica: a partir de factores genéticos y factores neuroanatómicos relacionados con agentes farmacológicos. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 339-354. • b. b. Metodología Dimensión psicológica: se resalta las aportaciones de las posturas psicodinámica y la cognitivo-conductual. Nivel ambiental: se destacan varios factores. Dentro de los más estudiados se encuentran: los medios masivos de comunicación como la televisión y las desigualdades sociales, económicas y raciales. Asimismo, los altos índices de pobreza, desempleo y fragmentación familiar. Cabe señalar las aportaciones de Etxeberría (1998) sobre el contenido violento en los videojuegos. Si bien la propuesta de Lewin (1973) permite el acercamiento a la comprensión de cualquier comportamiento humano, para los fines de este trabajo y sus alcances, se destaca la construcción del conocimiento de la realidad como el elemento determinante del actuar humano. En términos filosóficos se hace referencia al juicio racional. El juicio racional inicia con el funcionamiento de los sentidos externos e internos, logrando así la percepción de una situación en particular con la finalidad de juzgarla como buena o mala y con base en ello, finalmente actuar. Durante todo este proceso el conocimiento se encuentra transversalmente presente: “dicho conocimiento proviene de la inteligencia, que solo rige a la voluntad; dicho fin es cierta cosa, considerada como objeto de la acción” (Barbedette, 1984, p. 63) Por su parte la ciencia cognoscitiva y sus diversas aportaciones para la educación (West, Farmer y Wolf, 1991) han definido el conocimiento como un producto del aprendizaje, el cual desempeña varias funciones: percepción, comprensión, aprendizaje y recuerdo. La percepción es la primera función y se caracteriza por ser activa, constructiva y selectiva con base en los conocimientos o esquemas cognitivos de cada sujeto (Estévez, 2002). “Los esquemas no son solo simples colecciones de información, sino información fuertemente interrelacionada que tiene ciertas propiedades que permiten al estudiante utilizarla en una variedad de actividades cognitivas complejas y planificadas, tales como hacer inferencias y evaluaciones” (Estévez, 2002, p. 53). En este sentido, la realidad en sí misma deja de ser la clave del actuar y en su lugar se coloca la realidad construida por el propio sujeto. Por ello, una de las funciones de la educación sería la construcción del conocimiento de la realidad y en otro nivel, el conocimiento sobre cómo actuar en ella. Con base en lo anterior, para resolver educativamente el problema planteado, se requiere conocer en primer lugar las causas del acoso escolar y con ello, establecer objetivos específicos para enfrentar dichas causas a través de un programa educativo particular. De esta forma se tiene la intención de alterar las estructuras cognitivas actuales de los sujetos involucrados para establecer nuevas formas de relacionarse socialmente con el otro. Intervención y acoso escolar * Roberto Yescas Sánchez Sujetos de estudio: El acoso escolar de la institución en la que se realiza el estudio, se reporta en varios grupos del periodo otoño 2009; sin embargo, sobresale un caso en especial, el salón de clases de sexto semestre. De acuerdo a los documentos oficiales de la escuela, la población presenta características socio-demográficas comunes. Se integra por 18 alumnos, 07 mujeres y 11 hombres, entre los 17 y 19 años de edad; con niveles socio-económicos medio y alto. En cuanto a su situación familiar, la coordinadora del grupo reporta la falta de compromiso por parte de los padres hacia los procesos educativos de sus hijos, debido a la nula respuesta cuando se les envían citatorios. En algunas investigaciones realizadas (Prieto, 2005; Rojas, 1995 y Palomero y Fernández, 2001) se resalta la situación familiar como uno de los factores de riesgo para el comportamiento violento de los alumnos. De hecho existen modelos familiares que lo fomentan más: desestructuradas, autoritarias, punitivas, permisivas, con disciplina inconsistente o alejadas socioestructuralmente de la organización escolar y sus objetivos (Palomero y Fernández, 2001). En este trabajo no fue posible abarcar el ambiente familiar. Como se ha mencionado, la única autoridad interesada y comprometida por realizar un cambio social en el salón de clases era la docente de filosofía; lo cual delimitaba la intervención a las horas de clase de la asignatura. Instrumentos: Los instrumentos son diseñados bajo un proceso de categorización, definiendo los elementos del acoso escolar, de acuerdo a las necesidades que presenta la investigación. Los resultados fueron utilizados para diagnosticar la situación inicial y, posteriormente, para medir el cambio social logrado a partir de la intervención educativa realizada. Son seis los instrumentos elaborados y cada uno de ellos se caracteriza de acuerdo a su objetivo, sujeto de observación y elementos estudiados (ver Tabla 1). La aplicación de la entrevista grupal solamente se contempla en la fase de evaluación. Procedimiento: Con base en los procesos metodológicos de la investigación-acción participativa (IAP), el estudio se conforma de tres momentos para su realización (Rubio, M. J. y Varas, J., 2004 y Hernández, R., Fernández, C. y Baptista, P., 2010): 341 Tabla 1. Conceptualización de los instrumentos Instrumento Objetivo Cuestionario sociométrico Diagnosticar las relaciones laborales, amistosas y las relaciones conflictivas, así como las causas que determinan cada una de ellas. Entrevista estructurada 1 Conocer la percepción de la violencia. Sujeto de observación Alumnos del grupo de sexto semestre. Coordinadora del grupo de sexto semestre. Elementos estudiados a. b. c. Relaciones laborales. Relaciones de amistad. Alumnos rechazados. a. b. Comportamiento violento. Frecuencia e intensidad de la violencia. Sujetos agresivos. Causas de la violencia. Sugerencias para el cambio. Acciones realizadas para atender la violencia. Disposición para el cambio. c. d. e. f. g. Entrevista estructurada 2 Conocer la percepción de la violencia. Cinco docentes, quienes imparten clases al grupo de sexto semestre. a. b. c. d. e. f. g. a. b. Conocer la percepción de la violencia. Alumnos del grupo de sexto semestre. Bitácora de observación Conocer la frecuencia de los actos violentos por parte de los sujetos agresivos durante una semana en las horas de la clase de la materia de filosofía. Alumnos del grupo de sexto semestre. Entrevista grupal Corroborar los cambios logrados a partir de la propia experiencia de los alumnos. Alumnos del grupo de sexto semestre. Cuestionario 1. Detección del problema: El objetivo es identificar el problema de investigación, la configuración del equipo de investigación y la primera aproximación al objeto de estudio. Como antecedente, se sabe que en una ocasión un alumno de este salón levantó una demanda debido a la paliza recibida por parte de su compañero de clases. Actualmente, la problemática ha aumentado y se ha consolidado en los patrones comportamentales de los individuos que la conforman. Las acciones del personal docente y administrativo son paliativas en el mejor de los casos. La docente de filosofía comenta que sus compañeros únicamente se interesan 342 Comportamiento violento. Frecuencia e intensidad de la violencia. Sujetos agresivos. Sujetos agredidos. Causas de la violencia. Disponibilidad para el cambio. Sugerencias para el cambio. d. e. f. Comportamiento violento. Frecuencia e intensidad de la violencia. Repercusiones personales debido a la violencia entre iguales. Participación en la violencia. Causas de la violencia. Sugerencias para el cambio. a. Comportamiento violento. a. Cambios logrados a partir de la intervención. c. en impartir sus clases y castigar a los alumnos, en caso de presentarse el acoso escolar. Un caso similar se presenta con los docentes españoles ante los malos tratos entre los alumnos: Muy frecuentemente abordan de forma inadecuada o no hacen nada ante el problema o responden con pautas de agresión similares a las de los alumnos; no mantienen suficientemente abiertos los canales de comunicación con los estudiantes y sus familias; se resisten a los cambios imprescindibles en aulas y centros para hacer frente al problema; desconfían de las tutorías e ignoran al Departamento de Orientación; no valoran la ayuda de los Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 339-354. expertos y presentan resistencias a la formación permanente (Palomero y Fernández, 2001, p. 27). Como punto de partida se concentra la atención en el comportamiento violento dentro del salón de clases. Finalmente, se decide denominar a la problemática social presentada como acoso escolar o bullying, a través del análisis de los hechos y las aportaciones teóricas consultadas. Siguiendo los procesos metodológicos de la IAP, se determina el equipo de investigación, conformado por la profesora de filosofía y el agente-investigador. En este momento, son dos preguntas las que orientan el inicio del diagnóstico: a. a. ¿Cómo se establecen las interpersonales entre los alumnos? relaciones De acuerdo a las aportaciones realizadas por Trianes (2000), en el acoso escolar se establecen tres roles: agresor, víctima y observador. La existencia de estos roles permite visualizar la presencia de una estructura social y a su vez, de una dinámica grupal propia que se mantiene en función de las relaciones sociales establecidas. La aplicación de la técnica sociométrica a través de un instrumento, permite descubrir y analizar las relaciones interpersonales y la situación concreta de una persona dentro del grupo (Moreno, 1954), logrando conocer así su propia dinámica. En este trabajo, se indagan las relaciones de amistad, laboral y de rechazo explícito sobre algunos alumnos. Asimismo, se adiciona un reactivo más, no contemplado en la técnica sociométrica, para explorar de manera cualitativa los motivos por los cuales las relaciones sociales se manifiestan de determinada forma. Con ello, se pretende conocer los esquemas cognitivos vinculados con la dinámica grupal del acoso escolar. b. b. ¿Cómo se percibe el acoso escolar en el salón de clases? La intención es conocer las causas y las manifestaciones del fenómeno a través de los ojos de los propios actores, de la coordinadora del grupo y de los cinco docentes que les imparten clases, incluyendo a la docente de filosofía. Otros elementos a considerar son las acciones realizadas para atender el problema y la disposición para lograr el cambio social. 2. Elaboración del proyecto de intervención: La intervención educativa se conforma por cuatro fases, donde el diseño e implementación de un programa educativo particular para resolver el acoso escolar se realiza a partir de los resultados del diagnóstico. Al final, la medición de los cambios sociales logrados se lleva a cabo por medio de una evaluación. Intervención y acoso escolar * Roberto Yescas Sánchez 3. Implementación del proyecto de intervención: A continuación se describen las cuatro fases del procedimiento: Fase 1: Diagnóstico: dinámica grupal y percepción del fenómeno. A partir de los resultados obtenidos (ver Tabla 1) se concluye con el siguiente diagnóstico: Se presenta acoso escolar, manifestándose en comportamientos violentos tanto de manera verbal (insultos, burlas, desacreditaciones) como física (empujones, jaloneos, golpes tipo zapes, patadas) con una frecuencia diaria y varias veces al día; además, con la posibilidad de incrementarse. Algunos de estos resultados son similares a los obtenidos en otro estudio. En el Informe del defensor del pueblo (citado en Trianes, Sánchez y Muñoz, 2001), fueron los maestros los cuestionados sobre las manifestaciones más frecuentes del bullying y dentro de la categoría A veces me ocurre, se resaltan los siguientes resultados: ignorarse (76.7%), esconder cosas (71.7%), hablar mal de los compañeros (67%), amenazar para meter miedo (67%), robar cosas (66%), insultar (63%), poner motes (62.7%), pegar (62.7%), romper cosas (60.7%), no dejar participar (60.3%), obligar a hacer cosas (33%), acosar sexualmente (15.7%) y amenazar con armas (10%). Los alumnos más agresivos son tres: Pedro, Juan y Pablo1 y, otros tres, son las principales víctimas: José, Carlos y Alberto. Con el apoyo de los resultados sociométricos (ver Tabla 2, alumnos rechazados), existen dos alumnos que son los más rechazados (Juan y Pedro), los motivos son: la violencia que ejercen hacia los demás, el ser mentirosos, orgullosos, callados y de mal carácter. Adicionamente, se conocen los liderazgos en las relaciones de tipo laboral (Juana y Alberto) y de amistad (Pedro, Ana y Pablo). Por último, es posible mencionar la existencia de la disposición para el cambio por parte de los alumnos, es decir, una disposición por querer manejar los conflictos de forma no violenta. En la Tabla 3 se resumen los hallazgos encontrados por cada uno de los instrumentos aplicados. Fase 2: Diseño del programa educativo. A partir de las tendencias de los resultados, se determinaron tres objetivos para enfrentar el acoso escolar. El primero de ellos fomenta el cambio en la dinámica grupal establecida, mientras que los dos últimos se concentran en establecer nuevos esquemas cognitivos: 1. 1. Integración social, por dos razones. La primera es por la existencia de subgrupos según cada tipo de 1 Por cuestiones de ética, los nombres de los sujetos de estudio fueron cambiados. 343 Tabla 2. Resultados sociométricos relaciones, los cuales tienen la característica de no relacionarse entre sí (ver Tabla 2, relaciones laborales y de amistad). La segunda razón es por el rechazo explícito de dos alumnos (Juan y Pedro), quienes fueron identificados por un alto número de compañeros que los rechazan. 344 2. 2. Conocimiento personal de sí mismo y de los demás, para eliminar los prejuicios existentes (ver los resultados de la entrevista a la coordinadora y a los profesores, asimismo los resultados de la observación-participante). Los alumnos se discriminan por diferencias socioeconómicas (el Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 339-354. Intervención y acoso escolar * Roberto Yescas Sánchez 345 No es diaria No ha incrementado Juan. Pablo. • • Diferencias socioeconómicas. Diferencias en capacidades cognitivas. • • Aumento de control. Suspensiones. • • Nula Disposición al cambio: Pláticas. • Acciones realizadas: • Sugerencias para el cambio: Existencia de subgrupos. • Causas de la violencia: Pedro. • Sujetos agresivos: • Intensidad: • Frecuencia: Comportamiento violento: • Agresión verbal Entrev. Coordinadora Comportamiento violento: • Empujones. • Insultos. • Desacreditaciones. • Burlas sarcásticas. • Esconden objetos del compañero. • Burlas al sexo opuesto. Frecuencia: • Diaria y varias veces al día. Intensidad: • Probablemente se ha incrementado. Sujetos agresivos: • Pedro. • Juan. • Pablo. Sujetos agredidos: • María. • Laura. • José. • Carlos. • Alberto. Causas de la violencia: • Existencia de subgrupos. • Diferencias socioeconómicas. • Diferencias en capacidades cognitivas. • Sentimiento de superioridad. • Machismo. Actitud al cambio: • Positivo, aunque limitado porque piensan que no pueden eliminar la violencia. Sugerencias para el cambio: • Más atención por parte de los maestros. • Más reportes. • Mayor control. • Trabajar con la familia. • Trabajar con valores. • Concientizar a los alumnos. • Establecimiento de límites. Entrev. Profesores Cuestionario alumnos Comportamiento violento: • Empujones. • Jaloneos. • Golpes (zapes, patadas, cachetadas) • Burlas. • Insultos. • Aventarse objetos. Frecuencia: • Diaria y varias veces al día. Intensidad: • Probablemente aumentado en los últimos meses. Afectación personal: • Los que se sienten agredidos. • Los que se sienten indiferentes. • Los que no son afectados pero les molesta que otros sí. Participación en la violencia: • Espectador. • Ayudar ocasionalmente • Los agredidos: José. • Los agresivos: Pedro, Juan, Javier, Pablo y José. Causas de la violencia: • Llevarse pesado/mal. • Considerar la violencia como algo divertido. • Falta de tolerancia. • Consideran la violencia un pasatiempo. • Mediante la acción de un líder. • Falta de respeto. Sugerencias para el cambio: • Hablar con sus compañeros. • Respetarse. • Aumento del control escolar • Marcar límites • Realizar actividades divertidas. Tabla 3. Resultados de los instrumentos para el diagnóstico. Relaciones laborales: • Liderazgo: Juana y Alberto. • Subgrupos: existencia de tres subgrupos sin interrelación entre ellos. • Motivos de relacionarse laboralmente: trabajador, responsable, colaborativo, listo, buen carácter. Relaciones de amistad: • Liderazgo: Pedro, Ana y Pablo. • Subgrupos: existencia de tres subgrupos. • Motivos de relacionarse amistosamente: buen carácter, empatía, intereses comunes. Alumnos rechazados: • Juan. • Pedro. Motivos de rechazo: abusa de los demás, algo orgulloso, mentiroso, callado, mal carácter. Conclusiones: • Relaciones laborales y de amistad, distintas y delimitadas. • Las relaciones laborales definen tres subgrupos. No existe interrelación grupal entre ellos. • Los líderes de amistad son fácilmente detectables por la cantidad de seguidores que tienen. • Asimismo, los alumnos rechazados se encuentran definidos por el alto número de compañeros que los rechazan. Sociometría 4 5 5 8 17 No. Callar al otro Groserías Golpes Burlas Apodos Actos violentos Descripción Callan a sus compañeros con la intención de limitar su participación en la clase. Las groserías forman parte del repertorio de palabras utilizadas por los jóvenes para interactuar. Sin embargo, tienden a ser utilizadas para ofender. Los golpes se utilizan como medio de socialización y de estatus social. Las burlas se presentan para clasificar a los alumnos. Los apodos forman parte de la interacción social cotidiana y tienden a clasificar a los compañeros. Comportamiento violento: Obs.-Participación rico y el pobre), apariencia física (el guapo y el feo) y por la desigualdad en las capacidades cognitivas (el listo y el tonto). 3. 3. Entre los supuestos amigos, Juan, Pedro y Pablo, se agreden verbalmente pero es una forma de llevarse, que ya tienen muy trabajada. Educación de valores éticos, con el fin de reforzar el punto anterior. Considerando el programa educativo original de la asignatura de filosofía, cada uno de los objetivos anteriores se materializan de forma distinta en las estrategias didácticas del programa. La intención es aprovechar las horas de clase para atender el problema del acoso escolar, con el fin de cumplir al mismo tiempo con el propósito educativo de la asignatura. En el Anexo 1 se presenta el programa educativo diseñado, donde se muestra la vinculación entre el propósito educativo, las temáticas, los objetivos para enfrentar el acoso escolar y las estrategias didácticas implementadas. Estas últimas se diseñaron bajo los lineamientos del desarrollo del pensamiento de orden superior abordado desde Mathew Lipman (1998 y Lipman, M., Sharp, A. M. y Oscayan, F. S., 1998) y el aprendizaje activo con influencias del curriculum High Scope, definido por David P. Weikart (2004). Espero que se pueda seguir educando en valores a estos alumnos. 2. Los profesores de otras asignaturas: El acoso escolar se redujo. Sin embargo, la causa por la cual se sigue presentando, es por la costumbre que tienen de comunicarse de forma violenta. Sugieren atender a los problemas personales y familiares de los alumnos agresivos (Pedro, Juan y Pablo) y seguir educando en valores para llegar una solución definitiva. La docente de la materia de historia dice: Ha disminuido mucho la frecuencia del acoso, ¡por fin están interesados en irse de la escuela! En entrar a otro nivel de estudios. Disminuyó este patrón de conducta… Como siempre los varones más fuertes siguen siendo los agresivos: Juan y Pedro. Fase 3: Implementación del programa educativo. Se aplica el programa educativo durante los tiempos determinados por cada temática. Al que de plano ya dejaron por la paz fue a José. Sí lo integraron, no del todo pero sí lo dejaron por la paz… Fase 4: Evaluación de los cambios alcanzados. A través de la segunda aplicación de los instrumentos, se confirman los cambios sociales logrados. Como era de esperarse, con base a los procesos metodológicos de la IAP, se descubrieron nuevas causas que soportan el acoso escolar, las cuales van más allá de las indagaciones iniciales, situándose en otros niveles de intervención. A continuación se presentan los resultados alcanzados según cada sujeto interrogado: El llevarse con ellos (con los agresivos) son las motivaciones de la violencia. La violencia, es la única manera que tienen Juan y Pedro para comunicarse con los demás… 1. Coordinadora del grupo: El acoso escolar disminuyó en frecuencia e intensidad y sólo se presenta la de tipo verbal. Dicho tipo de violencia se sigue manifestando por la costumbre tan arraigada que tienen Juan, Pedro y Pablo de hablar con groserías. Asimismo, observa mayor integración social y recomienda seguir educando en valores. Yo veía mucho como se golpeaban entre los alumnos. Todo el tiempo se decían “gata”, se decían “perra” y como que se minimizaban unos a otros. Trataban de ver quién era el superior: ver quién gritaba más, hablaba más, el que dijera la última palabra… Sugiero que la docente siga con el proyecto para solucionar definitivamente el problema. Por su parte, el docente de metodología comenta: Al final del último semestre se redujeron las agresiones. Comenta: La violencia disminuyó, se compactó el grupo, se unieron para bien, buscando solucionar y apoyar los problemas del otro en cuanto al dinero, los permisos, las calificaciones y hasta del famoso examen CENEVAL (Centro Nacional de Evaluación para la Educación Superior, A. C.) que tenían tanto miedo en realizar. 346 Siento que el acoso se presenta por varias causas, por ejemplo la baja autoestima de algunos alumnos. Algunos se dejan agredir por eso y otros agreden por quererse sentir superiores. Además, mucho de lo que hacen en el salón es lo que sucede en sus casas. 3. Alumnos a través del instrumento sociométrico: Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 339-354. Se presentan en los alumnos relaciones interpersonales distintas en cuanto a las de tipo laboral y amistosa. En las relaciones laborales se manifiesta un cambio en la existencia de los subgrupos, de tres ahora sólo existen dos y se caracterizan por ser subgrupos abiertos, es decir, se relacionan mutuamente. Con respecto a las relaciones de amistad, no se presentan líderes que sobresalgan por un gran número de seguidores, la distribución de preferencias sobre cada alumno es uniforme. De los alumnos rechazados en el diagnóstico (Juan y Pedro), ahora se encuentran definidos por un bajo número de compañeros que los eligieron. De hecho, algunos alumnos renunciaron al voto de rechazarlos, con la intención de conocerlos más. 4. Alumnos a través del cuestionario: Los alumnos reportan la presencia de agresiones entre los compañeros por nuevas causas como la necesidad de llamar la atención y crear una fuente de distracción, ya que la mayoría de las clases suelen ser aburridas. No obstante, disminuyeron las conductas violentas tanto en frecuencia como en intensidad. Los alumnos perciben mayor integración social debido al conocimiento personal alcanzado de sí mismos y de los demás y por la resolución de sus problemas interpersonales. Las sugerencias propuestas son: continuar promoviendo el conocimiento personal entre los compañeros de clases y la comunicación asertiva. 5. Alumnos a través de la bitácora de observación: Se observaron cambios en los actos violentos durante la clase de filosofía. Comparando los resultados anteriores con los obtenidos al final se tiene lo siguiente: los apodos disminuyeron de 17 a tres, las burlas de ocho a uno, los golpes de cinco a cero, las groserías se mantuvieron en la misma frecuencia de aparición (cinco) y el callar al otro de cuatro pasó a cinco. Se destacan cambios a nivel cualitativo en cuanto a las groserías y callar al otro. Las groserías se mantienen como una forma de expresión, sin acudir a ellas necesariamente para ofender al otro. El callar a otro, se usa para hacer respetar la participación del compañero en caso de que otro lo interrumpa. 6. Alumnos a través de la entrevista grupal: Los alumnos refieren la presencia de agresiones pero con menor intensidad y frecuencia. Además, las causas que las provocan son distintas a las iniciales, es decir, no son personales y graves como antes, ahora son sólo por diversión. Juan, identificado como uno de los más agresivos en el diagnóstico, comenta lo siguiente: Las agresiones siempre van a estar porque así somos, más bien soy el que molesto. Pero al final nos abrimos, platicamos Intervención y acoso escolar * Roberto Yescas Sánchez más con los demás. Con la gente que no te llevabas se logró conocerlos más. Por su parte José, una de las principales víctimas al inicio, menciona: Estuvo muy divertida la clase porque logramos acoplarnos tanto de forma sentimental como en la forma de ayudarnos mutuamente. Creo que las actividades que tuvimos nos sirvieron para integrarnos como grupo, no como los super amigos pero sí para tolerarnos, aceptar los diferentes puntos de vista y así llegar a una buena comunicación. La verdad sí voy añorar a mis compañeros. Siguiendo con los resultados, existe mayor integración en el salón de clases, incluso se manifiesta el interés por los problemas personales del otro. En este caso, los testimonios de dos alumnos confirman el resultado: Rosa, quien solía ser agredida, dice: Nos involucramos en los problemas personales de los demás. Por ejemplo, con el caso de la novia de Juan. Es decir, nos empezó a interesar los problemas que viven los demás. También, nos unimos más como grupo. Christian, un alumno que no resaltó por algún rol en particular, comenta: Creo que sí nos abrimos más porque empezamos a ver lo que otras personas hacían o no hacían y lo que les molestaba o no les molestaba. Todo eso hacía que los conocieras mejor para tratarlos de otra manera. También creo que como grupo nos unimos más. Las agresiones existen pero no es por algo personal sino sólo por una forma de llevarse con el otro. Asimismo se logró provocar cambios en las interacciones de los subgrupos existentes, ahora la diferencia entre uno y otro no se logra distinguir. Incluso la interacción social entre los alumnos se desarrolla fuera del salón de clases: Comenta Pedro, otro de los principales agresores del grupo: La agresión sigue porque así nos llevamos con los demás pero por lo menos ya no nos separamos entre nosotros: unos haya, otros acá y otros por allá. Estamos más acoplados, incluso durante el receso. Otro cambio que se menciona es la capacidad de tolerar las diferencias personales entre los alumnos, lo cual permite aceptar otros puntos de vista, desarrollar diferentes canales de comunicación entre los alumnos y por lo tanto, lograr la resolución de los problemas interpersonales: María, una de las alumnas que solía ser agredida, refiere lo siguiente: 347 El proceso provocó hablar de nuestros problemas personales con los demás para resolverlos. Ningún docente se había tomado la molestia antes. En general, los alumnos comentan que las estrategias didácticas del programa educativo ayudaron a lograr los cambios mencionados, ya que fueron interactivas, dinámicas y eliminaban la tensión que tenía al inicio de cada clase. Incluso se apoyaron del contenido de la materia para resolver sus problemas interpersonales Resultados El acoso escolar se mitigó en cuanto a sus motivos iniciales, frecuencia e intensidad, logrando así el propósito educativo de la asignatura de filosofía. Además, se encontraron nuevas causas que soportan este comportamiento en el salón de clases, los cuales van más allá de las posibilidades de intervención desde una asignatura en particular. El programa educativo diseñado logró eliminar las causas inmediatas que provocaban el acoso escolar en el salón de clases, al haber logrado los tres objetivos establecidos en la fase dos: a. a. Se establecieron nuevas relaciones sociales en el salón de clases. Ahora los subgrupos existentes se relacionan entre sí, los liderazgos de amistad no son claramente distinguibles y los alumnos rechazados no se determinan por un alto número de votos. En este último punto, los alumnos esperan conocerlos más a nivel personal, quizá para comprender su comportamiento en clase y apoyarlos en la medida de lo posible. b. b. Los prejuicios entre los alumnos desaparecieron al fomentarse el conocimiento personal de cada uno de ellos y del grupo en general. También se logró la aceptación de las diferencias personales, incluso se llegaron a preocupar por los problemas personales del otro. c. c. La resolución de los conflictos interpersonales fue posible a través de formas no violentas como la negociación, donde la comunicación abierta y el uso de ciertos valores fomentados durante las clases, fueron los medios para lograrlo. Las nuevas causas que mantienen el acoso escolar son: 348 a. a. Los alumnos se agreden como una forma de entretenerse durante las clases, ya que suelen ser aburridas. b. b. Los problemas familiares de algunos alumnos incitan el comportamiento violento hacia sus compañeros en clase. c. c. La necesidad de llamar la atención es satisfecha agrediendo al otro. Discusión De acuerdo a los lineamientos de la IAP, se atiende la necesidad social presentada a través de las manifestaciones más inmediatas del fenómeno, explorando las causas que lo provocan. Una vez realizado el diagnóstico, diseñado y aplicado el programa educativo y de haber evaluado los cambios alcanzados, el equipo de investigación tenía la intención de continuar la intervención para lograr una solución definitiva. Sin embargo no fue posible por razones evidentes: el grupo de alumnos se desintegró por ser su último semestre en la escuela. En este momento las autoridades correspondientes de la institución empezaron a mostrar interés por la investigación. Este hecho muestra la virtud de la IAP, al lograr que otros sujetos involucrados en el problema social se vayan interesando a lo largo del tiempo por participar en la solución. Otro hecho a resaltar con respecto al uso de la metodología, fue la posibilidad de realizar un cambio social a partir de un programa educativo adaptado a las necesidades y posibilidades de la intervención. En este punto, las estrategias didácticas fueron la clave para lograr dicho cambio. Como se mencionó, la permanencia del acoso escolar después de la intervención se debe a tres causas, las cuales se vinculan a factores individuales como los problemas personales y la necesidad de llamar la atención, y a factores ambientales como los problemas familiares y las clases aburridas. La atención a estos factores será una tarea pendiente para futuras investigaciones en esta escuela. En especial se hacen dos propuestas para ser consideradas en otras intervenciones: La primera se relaciona con explorar los factores del ambiente físico que promueven el acoso escolar en las instituciones educativas, ya que se observó durante la implementación de las estrategias didácticas un efecto positivo al momento de colocar en medio círculo las bancas. Comenta un alumno en la entrevista grupal: “las veces que nos ponían en medio círculo, se notaba la diferencia. Todos estábamos más calmados, atendiendo al docente y escuchábamos lo que decía”. La segunda propuesta es medir los elementos cognitivos, afectivos y comportamentales involucrados en el acoso escolar, con el fin de diseñar un programa educativo que atienda directamente las actitudes de los alumnos involucrados en el acoso escolar. En cuanto a los resultados de este trabajo, se lograron cambios en los esquemas cognitivos de los sujetos, en especial cuando dejaron de hacer prejuicios hacia sus com- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 339-354. pañeros de clase. Estudios reportados por Moscovici (1985) con respecto al juicio emitido por parte de una mayoría hacia una minoría, apoyan esta idea: Se actúa sobre el modo de percepción de un estilo particular, obligando a los sujetos a juzgarse y a juzgar a los demás mediante un número más o menos elevado de categorías. En la base de esta manipulación se halla la idea de que, en la vida real, los individuos racistas o dogmáticos se juzgan y, sobre todo, juzgan a los demás, en función de un número muy reducido de categorías. Al contrario, los individuos de espíritu más abierto emplearán un mayor número de categorías de juicio (Ricateau, 1971, citado por Moscovici, 1985, p. 91). El beneficio directo para la docente de la materia de filosofía, fue el desarrollo de los conocimientos filosóficos en los alumnos, cumpliendo así con el propósito de la asignatura y al mismo tiempo atendiendo un problema social en particular. Esto fue posible gracias al vínculo establecido entre el contenido de la materia y los asuntos de la vida diaria, en especial de los procesos sociales experimentados día con día en el salón de clases. Al respecto, se resaltan las aportaciones de la enseñanza situada, donde se establece la necesidad de vincular los procesos de aprendizaje a las necesidades particulares de los educandos ya que: “Todo conocimiento es situado, es parte y producto de la actividad, del contexto y de la cultura en que se desarrolla y utiliza” (Díaz-Barriga, 2006, p. 15) Finalmente, es importante mencionar que la educación para la paz requiere estructurar sus intenciones en soluciones concretas y prácticas y, en suma, evaluarlas para medir sus resultados. Actualmente existe un gran desarrollo de objetivos, contenidos, técnicas y actividades con respecto a los propósitos de la educación para la paz, pero muy poco sobre la evaluación de sus logros (Hicks, 1993). Referencias Barbedette, D. (1984). Ética o filosofía moral: conforme al pensamiento de Aristóteles y Santo Tomás. México: Tradición. Bronfenbrenner, U. (1987). La ecología del desarrollo humano: cognición y desarrollo humano. Barcelona: Paidós. Castells, M. (1998). La era de la información: Economía, sociedad y cultura. Madrid: Alianza. Del Rey, R. y Ortega, R. (2001). La formación del profesorado como respuesta a la violencia escolar: la propuesta del modelo de Sevilla Antiviolencia Escolar (SAVE). Revista Interuniversitaria de formación del profesorado, 41, 59-71. Obtenido el 20 de Agosto de 2010, desde http://dialnet.unirioja.es/servlet/ articulo?codigo=118102. Intervención y acoso escolar * Roberto Yescas Sánchez Díaz-Barriga, F. (2006). Enseñanza situada. Vínculo entre la escuela y la vida. México: McGraw-Hill Interamericana. Estévez, E. H. (2002). Enseñar a aprender: estrategias cognitivas. México: Paidós. Etxeberría, F. (1998). Videojuegos y educación. Comunicar, 10, 171-180. Obtenido el 10 de Agosto de 2010, desde http://www.revistacomunicar.com/index. php?contenido= detalles&numero=10&articulo=10-199826&mostrar=comocitar&idioma=en Geen, R.G. (1990). Human aggression. Philadelphia: Open university press. Hernández, R., Fernández, C. y Baptista, P. (2010). Metodología de la investigación. México: Mc Graw Hill. Hicks, D. (1993). Educación para la paz. Madrid: Morata/M.E.C. Kodato, S. (2004). Social Representations of Violence in Brazilian Public Schools. Obtenido el 20 de Agosto de 2010, desde http:// www.ces.uc.pt/lab2004/inscricao/ pdfs/grupodiscussao62/ SergioKodato.pdf Lewin, K. (1973). Dinámica de la personalidad. Madrid: Morata S. A. Lipman, M. (1998). Pensamiento complejo y educación. Madrid: Ediciones de la Torre. 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Establece argumentos filosóficos respecto a la naturaleza, la sociedad y el ser humano, a partir del reconocimiento, análisis y contraste de diversas posturas, métodos, objetos y problemas filosóficos, para transferirlos a una reflexión crítica de su entorno y vida cotidiana que concluya en la creación de una postura crítica, de tolerancia y reconocimiento de la diversidad etnolingüística y social. Tema y subtemas 1.Concepto de filosofía: 1.1.Características: asombro, duda, reflexión, pregunta, amor por la sabiduría, visión totalizadora y formas de expresión. 1.2.Importancia de la filosofía en la vida cotidiana. 2. Objeto de estudio y métodos de la filosofía: 2.1.Objeto de la filosofía – conocimiento de la realidad. 2.2.Métodos de la filosofía: socrático, cartesiano, fenomenológico, hermenéutico y dialéctico. 350 Objetivo atendido Estrategia didáctica • Conocimiento personal tanto de sí mismo, como de los demás. • Título: las características de la filosofía y mi vida. • Descripción: se realiza en el grupo un cuadro en el que cada alumno escribe un ejemplo de la situación en la que se ha experimentado cada característica de la filosofía. Con ello se dan a conocer elementos de la personalidad y vida de cada integrante del grupo. • Integración social. • Educación en valores éticos. • Título: descubriendo a la filosofía. • Descripción: se divide al grupo en 4 equipos de 4 ó 5 personas, colocando en cada equipo a las personas detectadas como agresores. En los equipos se integra a los líderes del trabajo. Se reparten 3 estaciones de actividades específicas en las que se responden preguntas por equipo y se presentan las respuestas en 3 productos: carteles al respecto de los tipos de ciencias, una canción con los pasos del método científico y un juego de memoria sobre la función de la filosofía. Al final de las actividades se hace un cierre en plenario en el que comparten con sus compañeros sus productos y lo que aprendieron. Con esta actividad se promueve el establecimiento de nuevos subgrupos y se practican valores como la solidaridad y la responsabilidad. • Integración social. • Conocimiento personal tanto de sí mismo, como de los demás. • Título: la ironía, un método para filosofar y conocernos. • Descripción: explicación mediante diapositivas de lo que es un método. Práctica de método socrático en la que los alumnos cuestionan a los principales agresores sobre un tema elegido, hasta que lleguen a decir que no saben nada. Después, se practica la mayéutica para construir el conocimiento. Esto permite fomentar el conocimiento personal de los participantes e integrar a los alumnos agresivos al grupo al lograr que los demás los perciban en una relativa vulnerabilidad cognitiva que posteriormente los ayude a participar juntos en la construcción del conocimiento. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 339-354. CONTINUACIÓN (continuación del Anexo1) 3.Disciplinas filosóficas, su objeto de estudio y relación con áreas de la cultura: 3.1.Ontología. 3.2.Epistemología. 3.3.Ética. 3.4.Estética. 3.5.Axiología. 3.6.Lógica. 3.7.Filosofía de la religión. 3.8.Filosofía de la ciencia. 3.9.Filosofía política. 3.10. Filosofía de la cultura. 4.Problemas filosóficos del conocimiento: 4.1.Racionalismo (Descartes). 4.2.Empirismo (Hume). 5.El pensamiento filosófico en la cultura mesoamericana. 6.Concepto de naturaleza para los presocráticos: 6.1.Milesios. 6.2.Heráclito. 6.3.Parménides. 7.La realidad: 7.1.Realidad espacio-temporal. 7.2.La sustancia. 7.3.El espacio y el tiempo. • Integración social. • Título: diciendo lo que veo, descubrimos los que somos. • Descripción: presentación con diapositivas de las disciplinas y su aplicación. Mediante problemas sociales o personales que el docente lleva escritos en fichas y se reparten a los alumnos, se pretende que cada uno de ellos relacione las disciplinas que mejor resuelvan los problemas asignados. Posteriormente, se les solicita a los alumnos juntar el mayor número de problemas clasificados, lo cual obliga a preguntarle a sus compañeros sobre los problemas que poseen para clasificarlo. Con esta actividad se fomenta la comunicación entre todos los integrantes del grupo. • Integración social. • Título: problemas disciplinares. • Descripción: el maestro propone una actividad de aprendizaje colaborativo, conformando 4 equipos, en cada uno se coloca un alumno agresivo. El maestro determina que en el grupo deben nombrar un secretario, un jefe, un recolector de datos y un analista. Se plantea un problema de lógica que deben solucionar a partir de preguntas realizadas al docente sobre datos de la persona involucrada en el problema. Mientras el recolector cuestiona los datos, el secretario toma notas, el analista y el jefe piensan sobre posibles soluciones. Al final deben entregar la solución del caso y el procedimiento utilizado. Durante la presentación de los resultados los jefes describirán el procedimiento implementado, pero algún integrante al azar será cuestionado en el momento para verificar su participación en la actividad. La presente estrategia didáctica promueve la participación de todos los integrantes del equipo para llegar a un acuerdo. • Educación en valores éticos. • Conocimiento personal tanto de sí mismo, como de los demás. • Título: valores mesoamericanos en nuestra vida. • Descripción: se presenta la cosmología maya con la explicación del Popol Vuh y la cosmología Náhuatl mediante la explicación de la simbología de la Virgen de Guadalupe. Se solicita al grupo hacer una lista de los valores más importantes de la filosofía mesoamericana y la representación gráfica de su persona con los materiales proporcionados por el docente. Dicha representación debe relacionarse con los dos valores más importantes para cada alumno y vincular cada uno con algún símbolo utilizado por la cultura náhuatl en el Popol Vuh o en la imagen de la Virgen. Posteriormente todos exponen su representación y se crea en grupo una conclusión del tema. • Integración social. • Título: la comunidad del origen del universo. • Descripción: comunidad de reflexión mediante la metodología de filosofía para niños, con roles de quién da turnos, quién resume a la mitad del proceso y quién da una conclusión. La pregunta detonante es ¿Cuál es para mí el origen del universo y por qué? • Integración social. • Conocimiento personal tanto de sí mismo, como de los demás. • Título: percibiendo la realidad. • Descripción: el docente realiza un ejercicio de percepción sensorial con distintos tipos de materiales para que los alumnos, con los ojos vendados, los toquen, huelan y prueben y así puedan adivinar de qué se trata. El docente elige tanto a los líderes del grupo como a los alumnos rechazados socialmente, para que sean ellos los que tengan que adivinar cada uno de los materiales. Esto permite que sus compañeros los conozcan en una situación distinta a la cotidiana. Intervención y acoso escolar * Roberto Yescas Sánchez 351 (continuación del Anexo1) 8.Dimensión social del ser humano. 8.1.Origen del estado, formas de gobierno y clases sociales. 9.Filosofía política: 9.1.Relación de fines y medios. 9.2.Relación entre sociedad y poder: Maquiavelo y Locke. 9.3.Contrato social y naturalismo: Rousseau. 10. Revaloración de las utopías: 10.1. Sociedad igualitaria. 10.2. Una sociedad amorosa. 10.3. Liberación y raza cósmica. 11. Filosofía y sociedad mexicana. 11.1. La sociedad en las culturas de Mesoamérica. 11.2. Sociedad del relajo. 352 • Integración social. • Título: autoridades de clase. • Descripción: Se selecciona a 4 alumnos, quienes son los líderes de amistad según los resultados del estudio sociométrico. Cada uno de ellos venda los ojos de 4 o 3 compañeros elegidos al azar. Posteriormente, los líderes intentan dirigir a su equipo para atravesar el salón. Previamente el maestro obstaculizará el trayecto definido. Al final, se comparte la experiencia de los equipos con respecto al tipo de autoridad ejercida por el líder. Se concluye la actividad con la vinculación del tema a partir de las posturas de Aristóteles y Platón. • Educación en valores éticos. • Título: la guerra y la paz. • Descripción: los alumnos se integran en equipos de tres personas de acuerdo a su preferencia, cada equipo elige tres valores que serán el marco de referencia con el que decidirán en la actividad, se les da como instrucción que quienes obtengan una puntuación mayor de 300 puntos tendrán un punto extra y quienes salgan en números negativos un punto menos. En una hoja cada equipo escribe X o Y dependiendo de su elección y de acuerdo a los valores dispuestos. Si los 6 equipos redactan X, la puntuación será -300 y si los equipos escriben Y tendrán puntos menores a 100. Sin embargo, si un equipo tiene X, su puntuación automática es de 100. El juego tiene la intención de fomentar el valor del trabajo colaborativo en una situación de conflicto, ya que el mejor resultado para todos los equipos es cuando seleccionan la letra Y. En el juego se analiza la guerra, representada con X por tener las mayores pérdidas y la ganancia más grande y única para un solo equipo. Por su parte la letra Y representa la paz, donde la ganancia es constante pero menor para todos. Posteriormente se relacionan las actitudes demostradas en el juego con el pensamiento maquiavélico de Locke y Rousseau. • Integración social. • Educación en valores éticos. • Conocimiento personal tanto de sí mismo, como de los demás. • Título: mi sociedad perfecta. • Descripción: se solicita la realización de una caracterización de una utopía (de una sociedad perfecta) de manera individual, con los siguientes criterios: 1. Número de habitantes. 2. Profesión. 3. Superficie territorial que ocupan y tipo de ecosistema en el que se encuentra. 4. Tradiciones y costumbres (considerando algunas de México). 5. Qué avances tecnológicos, sociales y/o culturales tienen? 6. Qué la hace perfecta? Después, los alumnos comparten al grupo su utopía con el fin de formar equipos de 4 personas de acuerdo a la similitud de su sociedad perfecta. Cada equipo debe elaborar una pequeña maqueta acerca de su utopía. Con esta dinámica se promueve la formación de nuevos equipos por similitudes, se abordan los valores que definen una sociedad perfecta, donde la violencia no existe y permite conocer los pensamientos, intereses y gustos de cada uno de los participantes. • Educación en valores éticos. • Conocimiento personal tanto de sí mismo, como de los demás. • Título: chistes muy mexicanos. • Descripción: se propone como dinámica buscar y contar chistes mexicanos que reflejen algún valor de la nacionalidad, para deducir las características comunes de los mexicanos. Posteriormente cada alumno relaciona, a través de un cuadro, las características que tiene su persona con las determinadas en el primer paso. Como cierre, se comparten las características y los valores individuales relacionados con los nacionales, donde se dan cuenta de las similitudes que tienen con sus compañeros y a su vez, con la sociedad en general. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 339-354. (continuación del Anexo1) • Integración social. • Educación en valores éticos. • Conocimiento personal tanto de sí mismo, como de los demás. • Título: la guerra húmeda. • Descripción: se organiza una guerra, la mitad del grupo en contra del otro. Los líderes de amistad son divididos en cada equipo. La guerra se realiza con globos de agua y gana el equipo que resulte menos mojado. La estrategia didáctica fomenta la integración de los alumnos, analizando los valores que deben desarrollarse para ser exitosos y se conocerán más de forma personal al planear estrategias de ataque. Al final de la guerra se concluye haciendo un análisis sobre las estrategias de colaboración que eligieron para ganar y la necesidad de valores como la solidaridad, subsidiariedad, el respeto al seguir las reglas de no agresión y la equidad, para realizar un trabajo que sea exitoso para todos. 13. Sentido del ser humano: 13.1. Sentido de vida. 13.2. Concepción del hombre desde la perspectiva mesoamericana. • Educación en valores éticos. • Conocimiento personal tanto de sí mismo, como de los demás. • Título: manos de vida. • Descripción: el docente solicita a los alumnos dibujar en una hoja el contorno de su mano izquierda, en el centro deben contestar ¿cuál es el sentido de mi vida?. En cada dedo, fuera de su contorno, colocan a la persona que podría ayudar a concretar su sentido de vida y por dentro, un objetivo específico que le permita lograr la realización de ese sentido. Posteriormente, el alumno analiza los valores implícitos en la definición de su sentido de vida y se comparten con el resto del grupo. 14. Condición afectiva del ser humano: 14.1. Sexo, amor y filosofía. 14.2. La esperanza. 14.3. El miedo. 14.4. La angustia. • Educación en valores éticos. • Conocimiento personal tanto de sí mismo, como de los demás. • Título: una comunidad que siente. • Descripción: el alumno elabora un cuadro sobre los momentos en los cuales ha experimentado amor, esperanza, miedo y angustia, con el fin de descubrir los valores implicados en cada experiencia. Después, se realiza un diálogo sobre los valores propuestos y su importancia en la vida afectiva. • Integración social. • Educación en valores éticos. • Título: construyendo un mundo. • Descripción: el docente establece 3 equipos para representar a tres países: uno desarrollado, otro subdesarrollado y uno más en vías de desarrollo. A cada equipo se le otorgan diversos materiales de acuerdo a su situación económica y social, con ellos deben construir una casa de acuerdo a sus condiciones. Durante la dinámica, cada equipo va a necesitar el apoyo de los otros y el docente hará la propuesta de pedir ayuda mediante dos alternativas de solución: una pacífica y la otra bélica. Al final, se analizan los valores proyectados en las alternativas elegidas y se fomenta la cooperación como una manera pacífica de llegar a una solución. • Integración social. • Educación en valores éticos. • Título: representamos lo que vale. • Descripción: se elabora una lista de valores y antivalores de la vida contemporánea y se establecen equipos formados por el docente para la realización de un sketch. El Sketch se determina con el valor o antivalor que más les interese y la manera de promoverlo en la sociedad, en caso de que éste corresponda a una forma de vida buena. Con la estrategia se intentan establecer nuevas relaciones sociales y se promueven los valores más importantes para una interacción social no violenta. 12. Problemas sociales contemporáneos: 12.1. Diversidad cultural. 12.2. El etnocentrismo. 12.3. Consecuencias sociales de la guerra y la paz. 15. Condición social del ser humano: 15.1. Lucha de clases. 15.2. Alienación. 15.3. Naturaleza del hombre. 16. Preocupación por la existencia del ser humano: 16.1. Existencia y esencia de Dios. 16.2. La muerte, la libertad, la nada, ipseidad. 16.3. El absurdo. 16.4. Transmutación de valores. 16.5. La muerte en la cultura mesoamericana. Intervención y acoso escolar * Roberto Yescas Sánchez 353 Recebido em: 11/06/2012 Reformulado em: 05/08/2013 Aprovado em: 29/08/2013 Acerca del autor Roberto Yescas Sánchez.([email protected] / [email protected]) Facultad de Educación de la Universidad Popular Autónoma del Estado de Puebla (UPAEP), Proyecto de investigación. Calle: Prolongación de Arteaga, no. 1028. Colonia: Trinidad de las Huertas. Código postal: 68120. Ciudad: Oaxaca. Estado: Oaxaca. País: México. Se agradece la participación y el apoyo recibido por parte de la Mtra. Selene Georgina López Reyes, quien es la docente de la materia de filosofía. 354 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 339-354. Resenha Ensinar com ética Teach with ethics Enseñar con ética Geraldina Porto Witter Universidade Camilo Castelo Branco Landrum, R.E., & McCarthy, M.A. (eds)(2012). Teaching Ethically: Challenges and Opportunities. Washington, DC: American Psychological Association, xii+ 214p. O livro foi organizado por R. Eric Landrum e Maureen A. McCarthy, professores-doutores que exercem a docência em universidades americanas, atuam em sociedades científicas e são produtores científicos com grande contribuição. Contaram com o apoio de outros doutores. Focam predominantemente o docente universitário, mas buscam raízes e indicam também a necessidade de formação ética em docência e pesquisa do professor. O livro focaliza o professor de Psicologia, mas a matéria aplica-se a docentes de todas as áreas. São ao todo dezessete capítulos organizados em quatro partes: 1) Preocupações pedagógicas (seis capítu¬los); 2) Comportamento dos estudantes (dois capítulos); 3) Considerações sobre classes diversificadas (três capítulos); e 4) Comportamento da instituição (seis capítulos). Há ainda uma introdução escrita pelos editores em que estes apresentam o livro e um índice de conteúdos e de autores que é muito útil. A bibliografia de suporte dos vários capítulos é atual, pertinente e de reconhecido valor. O primeiro capítulo da primeira parte foi redigido por Pusateri, e descreve como ético o professor que: a) evidencia isto propiciando um ensino eficiente; b)- busca ativamente melhorar e atualizar-se no conteúdo da matéria, na pedagogia e em métodos de avaliação da aprendizagem; c)- focaliza o que ensina dentro do contexto da programação geral; d)- colabora com os colegas. A seguir, Swenson e McCarthy, focam a ética na escolarização da pesquisa sobre ensino – aprendizagem que deve ser atividade obrigatória para todos os envolvidos no ensino. Saville trata da avaliação e dos modelos éticos. Já Weiten, Halpern, Burnstein focam a relação entre livro e ética, assunto pouco pesquisado, mas já suficiente para considerar ser ético não duplicar material, decidir não adotar livros, testar os textos a serem indicados, etc. Elison-Bowers e Snelson tratam da ética nos cursos online como a necessidade de pagar para usar os textos editorados. Apontam a necessidade de mudanças na prática docente. A questão de autoria pode ser resolvida escrevendo-se textos novos com a autorização do autor para citar obras suas, com o que se estará respeitando a lei. Já Gurung analisa o fato de que o ensino-aprendizagem e o consumo de conhecimento só são éticos se baseados em evidências decorrentes de pesquisas neste nível ou de revisões sistemáticas ou cientométricas da produção quer de conteúdo quer pedagógica. Se o professor não pesquisa evidências pode usar tecnologias que resultaram de estudos publicados, mas com muita cautela. O capítulo sétimo dá início à análise do comportamento ético dos alunos e foi redigido por Prohaska, que focaliza como problemas básicos o colar e o plagiar, incluindo-se no último caso o autoplágio. Lembra que as novas tecnologias têm se mostrado muito úteis na confirmação de plágio. São oferecidas estratégias para encorajar a ética no Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013, 355-358. 355 aluno. Entre elas, Scwartz, Tatum e Wells (capítulo oitavo) focalizam as vantagens e riscos do sistema de honrarias que, para evitar faltas éticas, precisa de comportamentos especiais do docente, assim como de códigos éticos e de critérios transparentes. A presença de classes diversificadas por razões variadas é hoje uma constante em muitos países, e as evidências de pesquisas mostram a eficiência de alguns procedimentos úteis para trabalhar ensino-aprendizagem com ética nestas circunstâncias como apresentam Domenech, Rodríguez e Bates. Lembram a necessidade de professores competentes e da atuação do psicólogo escolar. Vale destacar que o docente precisa ter competência multicultural, que envolve autoconhecimento, conhecimento científico e pedagógico, bem como capacidade de produção de pesquisas que gerem evidências; e finalmente, ter habilidade para trabalhar mudando sentimentos e valores dos alunos, valendo-se da Psicologia Cultural, que é de grande valia, pois implica em mudanças nesta área (Chew). Fechando esta parte, o leitor encontra o capítulo de Carrol, que destaca a ação do psicólogo escolar. Esse capítulo arrola princípios éticos que devem ser observados em várias circunstâncias. Começando a última e maior parte do livro, Wilson, Smalley e Yancey focam o relacionamento da instituição com o aluno, enfatizando os papéis do professor e a manutenção de fronteiras éticas nestas relações. Os princípios e regras se aplicam também às pessoas que assumem o papel de monitores. Além da relação de princípios, apresentam recomendações éticas para evitar problemas com orientando/monitorando e para a manutenção ética dos limites na relação. Peden e Keniston enfocam o que e quando o graduando precisa aprender sobre a ética em pesquisa. Afirmam que todos os estudantes de graduação precisam aprender sobre ética em pesquisa, aperfeiçoando o que aprenderam em nível mais elementar, antes do Ensino Superior, e que para ensinar pesquisa ética é preciso contar com professores atualizados nos dois aspectos. Apresentam uma programação sequencial de quatro anos com o conteúdo hierarquizado, de forma que o aluno incorpore em seu comportamento competências, habilidades e vivências, seja como profissional, como pesquisador ou em ambas as condições; ele pode inserir-se na comunidade acadêmica como pesquisador integrando-se na cultura científica ética. A presença de classes diversificadas por razões variadas é hoje uma constante em muitos países, e as evidências de pesquisas mostram a eficiência de alguns procedimentos úteis para trabalhar ensino-aprendizagem com ética nestas circunstâncias como apresentam Domenech, Rodríguez e Bates. Lembram a necessidade de professores competentes e da atuação do psicólogo escolar. Vale destacar que o docente precisa ter competência multicultural, que envolve autoconhecimento, conhecimento científico e pedagógico, bem como capacidade de produção de pesquisas que gerem evidências; e finalmente, ter habilidade para trabalhar mudando sentimentos e valores dos alunos, valendo-se da Psicologia Cultural, que é de grande valia, pois implica em mudanças nesta área (Chew). Fechando esta parte, o 356 leitor encontra o capítulo de Carrol, que destaca a ação do psicólogo escolar. Esse capítulo arrola princípios éticos que devem ser observados em várias circunstâncias. Começando a última e maior parte do livro, Wilson, Smalley e Yancey focam o relacionamento da instituição com o aluno, enfatizando os papéis do professor e a manutenção de fronteiras éticas nestas relações. Os princípios e regras se aplicam também às pessoas que assumem o papel de monitores. Além da relação de princípios, apresentam recomendações éticas para evitar problemas com orientando/monitorando e para a manutenção ética dos limites na relação. Peden e Keniston enfocam o que e quando o graduando precisa aprender sobre a ética em pesquisa. Afirmam que todos os estudantes de graduação precisam aprender sobre ética em pesquisa, aperfeiçoando o que aprenderam em nível mais elementar, antes do Ensino Superior, e que para ensinar pesquisa ética é preciso contar com professores atualizados nos dois aspectos. Apresentam uma programação sequencial de quatro anos com o conteúdo hierarquizado, de forma que o aluno incorpore em seu comportamento competências, habilidades e vivências, seja como profissional, como pesquisador ou em ambas as condições; ele pode inserir-se na comunidade acadêmica como pesquisador integrando-se na cultura científica ética. Brakke e Thompson focalizam as questões éticas na supervisão de estudantes envolvidos em programas na comunidade, fora dos muros da universidade. Isto requer conhecimento e competências específicas para se obter o desejado dentro dos parâmetros éticos. Muitas práticas específicas para tal supervisão já estão disponíveis. O supervisor precisa conhecer e adequar seus possíveis usos. No texto seguinte (capítulo 15), Vanderstoep e Trent-Brown descrevem como o docente pode cultivar eticamente a experiência colaborativa positiva em que graduandos se tornem bons assistentes de pesquisa. Descrevem três estratégias: 1)- cursos avançados de pesquisa para professores e orientadores com partes em comum e partes diferenciadas; 2)- estratégias para a condição de aprendiz; e 3)- criação de estudantes líderes.No penúltimo capítulo McCarthy discute a questão de autoria, em que é preciso considerar princípios gerais relativos a custo/ beneficio, fidelidade/responsabilidade e justiça/respeito. Especificam os comportamentos a que se pode atribuir crédito na pesquisa, com ênfase nas várias partes do discurso científico. Fecha a obra o texto da Komarraju e Handelsman sobre o preparo para ensinar tornando-se parte da cultura ética. Todos os professores, supervisores e pesquisadores precisam conhecer bem e manter-se atualizados quanto à ética em geral, e particularmente no que diz respeito à confidencialidade na relação com o orientando. O texto analisa a Cultura Ética Acadêmica que envolve a cultura acadêmica geral; definições de missão, valores, políticas de capacitação para docentes e alunos e estabelecimento de clima ético em cada departamento relacionado com o curso. Foca também o treino ético do professor como uma necessidade constante para garantir a qualidade e o clima adequado no curso. Os avanços nos princípios, nas normas e na legislação sobre Resenha ética no ensino e na pesquisa, bem como o surgimento de novas soluções e propostas, crescem rapidamente. Em comparação com o que se faz no Brasil. observa-se uma situação muito inferior em nosso país. Que bom seria se todos pudessem ter acesso ao conteúdo do presente livro. Aos poucos o sistema CEP/CONEP vem se aperfeiçoando, e é possível avançar mais rápido na área, desde que realmente haja consciência, competência e empenho em busca de padrões éticos mais elevados, em lugar de velhas respostas que as ciências já consideram obsoletas, algumas das quais já são até tidas como crime em alguns países, enquanto aqui parecem ignoradas por muitos. Recebido em: 03/07/2013 Aprovado em: 27/11/2013 Sobre a autora Geraldina Porto Witter ([email protected]) Doutora em Ciências, Livre-Docente em Psicologia Endereço: Av. Pedroso de Morais, 144, apto 302 – Pinheiros – São Paulo, SP. 05420-000. 357 História History Historia Homenagem a Yvonne Khouri (1923 - 2013) Tribute to Yvonne Khouri (1923 -2013) Homenaje a Yvonne Khouri (1923 - 2013) Carmem Silvia Rotondano Taverna Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Sérgio Antônio da Silva Leite Universidade Estadual de Campinas – SP É uma grande honra homenagear a Dra. Yvonne Khouri – Yvonne Alvarenga Gonçalves Khouri, cuja trajetória como psicóloga, educadora e ser humano é exemplo do compromisso da Psicologia com as questões sociais brasileiras, especialmente no campo da Educação. Paulistana, Yvonne formou-se na Faculdade de Saúde Pública da USP, em 1945, e concluiu o curso de especialização em Psicologia Clínica em 1959, na PUC/SP. Obteve o registro de psicólogo logo após a regulamentação da profissão, em 1962 (nº. 625), feita pelo MEC, e no Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, em 1975 (CRP06 – 1042). Na Secretaria da Educação da Prefeitura de São Paulo No final dos anos 1950, já trabalhando na Prefeitura de São Paulo, Yvonne Khouri assumiu a chefia do Setor de Psicologia Clínica do Serviço de Assistência ao Escolar do Departamento de Educação, Assistência e Recreio, da Secretaria de Educação e Cultura do município, e foi a responsável, anos depois, pela criação do Serviço de Psicologia Escolar. Nesse período cabia à Clínica Psicológica a tarefa de atender crianças e suas famílias encaminhadas pelas escolas e parques infantis, realizando diagnósticos e terapia. Além disso, a ela cabia também orientar professores quanto aos aspectos psicológicos do desenvolvimento infantil e oferecer cursos aos administradores escolares. Ao longo da década de 1960 a Secretaria da Educação e Cultura tornou-se mais complexa com a expansão do ensino primário, e em 1967 passou por uma reestruturação. O Departamento de Recreação e Assistência passou a ser denominado Departamento de Assistência Escolar, constituído pelas seguintes Divisões: Odontológica, de Nutrição e de Assistência Médica. Nesta, foi criada a Seção de Psicologia Clínica, responsável pelo funcionamento das clínicas psicológicas do Itaim e da Mooca, sob a chefia de Yvonne Khouri. Atenta às modificações que ocorreram no país e, consequentemente, na educação brasileira, na década de 1960 e início dos anos 1970 ela acompanhou estreitamente as transformações da escola pública, em especial o aumento significativo dos índices de reprovação de alunos na 1ª série. Sensível ao crescente aumento no número de encaminhamentos dessas crianças para atendimento psicológico, Yvonne Khouri buscou compreender, por meio de estudos e pesquisas, o denominado fracasso escolar. Em 1974 a psicóloga fez um levantamento da realidade escolar e suas necessidades, com vistas a estabelecer algum plano de ação para a Psicologia. Em seu estudo, que Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013, 359-362. 359 envolveu 1.184 crianças e teve como base os dados obtidos em entrevistas com pais das crianças atendidas nas clínicas psicológicas e em relatórios de professores, constatou que muitos dos denominados “distúrbios de escolaridade”, que correspondiam a 80% dos encaminhamentos, poderiam ser prevenidos ou minimizados mediante a ação do psicólogo na escola, e que esse serviço deveria priorizar a 1ª série, pois 57% das crianças encaminhadas frequentavam essa série. No ano seguinte realizou a pesquisa Avaliação do desenvolvimento intelectual de alunos de 1ª série do ensino de 1º grau da PMSP e suas relações com o fracasso escolar, com amostra de 10% da população escolar de 1ª série – meninos e meninas, entre 7 e 14 anos. Os estudos por ela orientados indicaram que o fracasso escolar era o motivo de cerca de 80% dos encaminhamentos, o que mostrava a necessidade de adequação dos programas e metodologias educacionais e de ações profiláticas na área da saúde mental do escolar, de sua família e da escola como instituição. Essas ações poderiam ser realizadas de modo integrado por psicólogos, pedagogos, professores e pais, na própria escola. Assim, além de manter o Serviço de Psicologia Clínica para alunos que necessitassem de diagnóstico psicológico e de psicoterapia, Yvonne Khouri propôs à Secretaria de Educação o Projeto Piloto de Psicologia Escolar, que foi instalado em julho de 1975. Era um projeto pioneiro, de abrangência comunitária, desenvolvido em escolas localizadas na periferia da cidade. Seu trabalho era um desafio, pois se confrontava com o encaminhamento dado pela Psicologia à época, colocando-se ao lado dos questionamentos que passaram a ser feitos em relação à profissão de psicólogo e ao encaminhamento dado pelo ensino de psicologia. Os psicólogos da prefeitura, os clínicos e os escolares, além de utilizar conhecimento e instrumental específico da área, precisariam compreender as relações entre escola e sociedade. Nessa perspectiva, os psicólogos escolares trabalhariam em ações integradas entre psicólogos, assistentes pedagógicos, orientadores educacionais, professores e pais e deveriam priorizar a ação com o grupo de alunos que chegava à escola – 1ª série – e com alunos que deixavam a escola (8ª série), auxiliando-os na escolha adequada de uma profissão ou de estudos posteriores. Também realizariam pesquisas no campo da Psicologia, além de acolherem estudantes em estágio. Contando com uma avaliação positiva, o serviço de psicologia escolar foi ampliado nos anos seguintes: em 1978, os psicólogos, em número de 80, atuavam em aproximadamente 160 escolas do I grau e de Educação Infantil. Yvonne Khouri valorizou o encontro dos psicólogos para a discussão crítica de seu trabalho, em espaço próprio; assim, em 1978 fundou e presidiu a Associação dos Psicólogos da Prefeitura – APP, com o objetivo de aglutinar não só os psicólogos da Secretaria da Educação, mas também aqueles que trabalhavam em outras secretarias. Vale lembrar que, durante todo esse período, ainda vigorava uma política autoritária nas instâncias públicas. Em 1979 aposentou-se da PMSP. Deixou seu exemplo, força, persistência e a confirmação da importância da 360 Psicologia na educação pública. Continuou companheira, respondendo prontamente aos pedidos de ajuda a ela feitos nos dez anos seguintes, até a extinção dos serviços de Psicologia na Secretaria da Educação. Na PUC-SP Como professora na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, cargo que ocupou desde 1963 no Centro de Educação, assumiu por duas gestões sua direção e a de representante junto ao Conselho Universitário (órgão máximo de deliberação da universidade). Também na PUC/ SP, no período de 1977 a 2000, chefiou o Departamento de Tecnologia da Educação, participou do Programa de Avaliação Institucional e coordenou a Comissão de Avaliação Institucional. Foi professora do Programa de Pós-Graduação em Educação em Currículo, tendo tomado a si a responsabilidade de formação de muitos mestres e doutores, lado a lado com outros educadores como, por exemplo, Paulo Freire, com quem partilhou seu trabalho e que muito contribuiu com sua experiência, conhecimento e compromisso social. Publicações Yvonne tem inúmeras publicações, nas quais participou direta ou indiretamente, no entanto duas merecem especial destaque, pela importância que tiveram para a categoria dos psicólogos, em especial para os profissionais que atuam na área da Educação e para a formação e o ensino de Psicologia. Khouri, Y. G. (Org.). (1984). Psicologia Escolar (Coleção Temas Básicos de Psicologia). São Paulo: EPU. Além de organizadora, Yvonne escreveu o prefácio, a introdução, a conclusão e dois capítulos da obra “Educação e Psicologia Escolar”. No prefácio e na introdução, Yvonne Khouri deixa bastante evidente sua posição ética e política quanto às questões da Educação e da Psicologia no âmbito educacional e escolar. Participante dos encontros e seminários realizados à época pelo Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo e pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, o qual presidia, tornou-se porta-voz dos psicólogos que atuavam na área. Ao organizar esse livro, evidenciou a necessidade “de definir claramente a contribuição [do psicólogo] à educação, dentro de sua especificidade profissional” e, “de aprofundar mais nossos conhecimentos sobre aspectos filosóficos, sociais e econômicos deste processo, aspectos estes que constituem um cenário que não deve ser perdido [...], pois este processo nos dará definições sobre o homem, a estrutura social, o comportamento e as relações humanas” (p. IXX). Na conclusão, reitera sua preocupação com a educação desumanizadora e mecanicista e seus anseios em relação História a ela e à possibilidade de trabalho para o psicólogo escolar. Escreveu ainda dois capítulos: Aspectos do desenvolvimento intelectual de crianças pertencentes a níveis socioeconômicos diferentes, no qual “enfatiza a necessidade da utilização de testes psicológicos numa modalidade libertadora, sem torná-los instrumentos que contribuam à discriminação de crianças”; e O autoritarismo na relação professor-aluno, no qual relata uma pesquisa com adolescentes e a sensibilização de professores. Neste último capítulo apresenta a escola como um centro de relações autoritárias, difíceis de serem enfrentadas pelo psicólogo, não só por sua estrutura administrativa e burocrática, mas também pelo fato de “o autoritarismo estar profundamente interiorizado em todos nós”. Para Yvonne Khouri, “só à medida que conseguimos entender o nosso autoritarismo temos condições para deixar de exercê-lo” (p.75). Em síntese, pode-se afirmar que, para Yvonne, embora seja difícil, não é impossível para o psicólogo, considerando as reais necessidades da escola, promover a dignidade de todos os envolvidos no processo educacional e buscar formas criativas de trabalho, assim como fizeram os autores que colaboraram nesse volume, ao relatarem suas experiências. Conselho Regional de Psicologia - 6ª Região (São Paulo), & Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo. (1986). Psicologia no ensino do 2º grau: uma proposta emancipadora. São Paulo: Edicon. A partir de 1980 o Sindicado dos Psicólogos e o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo assumiram a luta pela volta das disciplinas das áreas das ciências humanas – Psicologia, Filosofia e Sociologia – ao então ensino de 2º Grau. Para tanto, foi formada a Comissão de Ensino CRP-Sindicato, da qual Yvonne participou ativamente, junto com os colegas Carlos Rodrigues Ladeia, Regina Aparecida Loureiro Caroni e Sérgio Antônio da Silva Leite. Em sua fase inicial, a Comissão de Ensino desenvolveu amplo trabalho de articulação junto às entidades representantes dos filósofos e dos sociólogos e, principalmente, junto à CENP - Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Nesta instância foi formado um grupo de trabalho conjunto, com o objetivo de formular, em curto prazo, uma proposta de conteúdos programáticos para a disciplina Psicologia no 2º Grau. Dessa aproximação resultaram duas importantes consequências: a primeira foi que a SEE/SP incluiu as disciplinas das ciências humanas no concurso de ingresso de docentes, previsto para 1986, como realmente ocorreu; e segunda foi a realização do curso “Psicólogo – docente no ensino de 2º Grau”, no segundo semestre de 1995, nas dependências da CENP, com o objetivo de colaborar com o aprimoramento da ação educacional dos licenciados em Psicologia que já atuavam na área ou que tinham interesse em iniciar a atividade docente no Ensino Médio. Para tanto, foram convidados psicólogos e pesquisadores, que apresentaram, para os 250 psicólogos inscritos, análises sobre cada um dos onze temas propostos para o rol dos conteúdos programáticos da disciplina. A Comissão de Ensino, de posse desse rico material, decidiu reuni-lo em um livro para possibilitar uma ampla socialização dessa inédita experiência. Na apresentação do livro, elaborada pela Comissão de Ensino, fica expressa a intenção de que as disciplinas das ciências humanas, em especial a Psicologia, voltem-se para a “formação do sujeito crítico e participante, assegurando-lhe uma visão integrada de Homem e de mundo, para a qual as ciências humanas dão especial contribuição”. Na sequência, sugere que “o professor, ao mesmo tempo em que se questiona como reprodutor da ideologia dominante estará contribuindo, simultaneamente, para o nascimento de uma proposta curricular atenta aos elementos contraditórios do real, inserido no contexto mais amplo do processo social. Desta maneira é que se entende a ação transformadora da Educação”. A proposta previa como tema central o Homem como ser total que interage com o mundo. A questão norteadora dos temas escolhidos era: “O que determina a ação humana em nossa sociedade?”. Yvonne teve um papel fundamental na construção e desenvolvimento do trabalho acima resumido. No Sistema Conselhos de Psicologia Durante as décadas de 80 e 90 do século passado, Yvonne participou ativamente nos conselhos, atuando tanto no Conselho Regional de Psicologia de São Paulo quanto no Conselho Federal de Psicologia, chegando a assumir a presidência do CRP-SP, em um período de importantes realizações para a organização política da categoria, como a realização do I Congresso Nacional de Psicologia (I CNP). Dentre as inúmeras atividades desenvolvidas, algumas merecem destaque por sua abrangência e relevância. Além da sua participação na já citada Comissão de Ensino, relacionada com a disciplina Psicologia no 2º Grau, Yvonne também participou ativamente da Comissão de Psicologia Educacional, juntamente com outros colegas profissionais da área. Esta comissão começou, no início dos anos 1980, a articulação dos psicólogos no Estado de São Paulo que atuavam na área da Educação. Planejou e realizou as três versões do “Encontro de Psicólogos da Área da Educação”, nos anos de 1981, 1982 e 1983, respectivamente, nas dependências do Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo. Esse processo caracterizou-se como o movimento pioneiro que iniciou o trabalho de organização dos psicólogos escolares e educacionais, que hoje assume proporções nacionais. Destaca-se o I Encontro, de 1981, que foi precedido de uma ampla pesquisa elaborada pela comissão, sobre a atuação do psicólogo na área da Educação, no Estado de São Paulo, comissão na qual Yvonne teve um papel fundamental. Os dados foram apresentados e discutidos durante 361 o Encontro, que foi realizado nos dias 6 e 7 de dezembro daquele ano. Além disso, destaca-se o trabalho desenvolvido por Yvonne como membro da Câmara de Educação e Formação Profissional do CFP, que envolveu, no início dos anos 1990, um importante levantamento sobre o psicólogo, que gerou o livro “Psicólogo Brasileiro – Práticas Emergentes – desafios para a formação”, publicado em 1994. Toda a trajetória de Yvonne, bem como sua atuação no sistema conselhos, possibilitou sua indicação como membro da I Comissão de Especialistas de Psicologia, no MEC. Diante de tão ampla atuação, fica evidente a importância do papel da Dra. Yvonne Khouri na história da Psicologia, em São Paulo e no Brasil, em especial a da Psicologia Escolar. Não obstante, mais do que sua grande e importante produção profissional e acadêmica, destaca-se a sua figura humana - simples, sempre solidária, mas profundamente envolvida quando se tratava da defesa dos direitos dos setores menos privilegiados da população. Yvonne deixou uma grande lição para as gerações que se seguiram: a luta pela construção de uma Psicologia, como ciência e profissão, marcada pelo compromisso social – que marcou sua atuação como psicóloga e educadora. Referências Associação dos Psicólogos da Prefeitura de São Paulo. (1978). Anais do I Ciclo de Debates sobre o Atendimento Psicológico a Escolares. São Paulo: PMSP/APP. Conselho Federal de Psicologia, & Conselho Regional de Psicologia - 6ª Região. (1994). Uma profissão chamada Psicologia – CRP06, 20 ANOS. São Paulo: CRP06. Conselho Regional de Psicologia - 6ª Região, & Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo. (1986). Psicologia no ensino do 2º grau: uma proposta emancipadora. São Paulo: Edicon. KhourI, Y. G. (Org.) (1984). Psicologia Escolar (Coleção Temas Básicos de Psicologia). São Paulo: EPU. Khouri, Y. (2002). Entrevista concedida à Carmem Silvia R. Taverna. Projeto de Lei nº. 2549. (1956). Reorganiza o Departamento de Educação, Assistência e Recreio, desdobrando-o em Departamento de Educação e Departamento de Recreação e Assistência. Prefeitura Municipal de São Paulo: PMSP. Taverna, C. S. R. (2003). Um estudo histórico sobre a Psicologia Escolar na Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de São Paulo. Tese de doutorado, Programa de Estudos PósGraduados em Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo-SP. Sobre os autores Sérgio Antônio da Silva Leite ([email protected]) Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, doutorado em psicologia. Cidade Universitária Zeferino Vaz Barão Geraldo, CEP: 13081-970 - Campinas, SP Carmem Silvia Rotondano Taverna ([email protected]) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-doutorado em psicologia. Rua Monte Alegre, 984 - Perdizes, São Paulo - SP, 05014-901. História História History Historia Homenagem a Samuel Pfromm Netto Tribute to Samuel Pfromm Netto Homenaje a Samuel Pfromm Netto José Fernando Bitencourt Lomonaco Universidade de São Paulo – SP Vítima de longa e cruel enfermidade, faleceu no dia 17 de novembro de 2012 o Prof. Samuel Pfromm Netto, de quem tive a honra de ter sido aluno, colega de trabalho e amigo de longa data. Meu primeiro contato com o Prof. Samuel ocorreu no curso de graduação, em que dele recebi meus primeiros ensinamentos nas áreas da Psicologia da Aprendizagem e da Psicologia da Adolescência, esta última, uma de suas paixões. Penso que todos que o conheceram hão de concordar comigo quanto ao enorme entusiasmo demonstrado por ele em suas aulas. Transparecia em suas palavras e em seu tom de voz uma firme convicção de estar transmitindo aos seus alunos importantes conhecimentos oriundos da ciência psicológica. Aí residia uma faceta peculiar de sua personalidade: uma grande intolerância com o bla-blá-blá sem fundamento e com meras opiniões pessoais não fundamentadas na pesquisa empírica, e principalmente uma grande aversão à contaminação dos conhecimentos psicológicos oriundos de trabalhos de pesquisas sérios com as ideologias de plantão, com a mistura nefasta, no seu entender, de predisposições ideológicas que conduziam o pensamento em uma direção determinada e cegavam o aluno e/ou o estudioso para as descobertas e conclusões dos trabalhos empíricos de campo ou oriundos de laboratórios psicológicos. Outro aspecto bastante característico do Prof. Samuel consistia em uma surpreendente atualização a respeito dos assuntos de seu interesse. Impressionava-nos como alunos o grau do conhecimento sobre as publicações mais recentes, geralmente textos norte-americanos, que o professor parecia haver lido e comentava conosco, além de - é claro - recomendar-nos enfaticamente a sua leitura. Ficávamos imaginando o tamanho de sua biblioteca e o tempo despendido pelo professor em suas múltiplas leituras. Não se pense, todavia, que apenas os textos mais atuais constituíam objetos de suas leituras. Ao lado destes e - penso eu - com igual interesse e muito afinco, Samuel Pfromm Netto garimpava (o termo garimpar parece-me refletir bem a tarefa a que ele se propunha) trabalhos dos pioneiros da Psicologia brasileira, e sentíamos nele uma profunda consideração pelas obras desses autores, que na maioria das vezes eram um tanto simplórias quando comparadas aos trabalhos mais recentes, mas que o pesquisador tratava com muito carinho, se assim se pode dizer, e muito respeito. Quem lê um de seus livros mais conhecidos – Psicologia da Adolescência – pode aquilatar o quanto dos trabalhos desses pioneiros o Prof. Samuel levantou e considerou nesta obra. E aí temos outra característica marcante de sua personalidade acadêmica: a de historiador da Psicologia brasileira. Não sem razão, fazia parte do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. À parte o já dito, vamos conhecer um pouco mais de Samuel Pfromm Netto. Nasceu em Piracicaba, em 3 de março de 1932. Seus ascendentes maternos eram católicos luso-brasileiros e os paternos luteranos alemães. Formou-se professor primário pela antiga Escola Normal de Piracicaba, em 1949 e, ainda muito jovem, trabalhou como radialista e como jornalista no antigo “Jornal de Piracicaba”, na função de revisor. Cursou Pedagogia na USP, onde se formou em 1959; no ano seguinte foi convidado pelo Dr. Arrigo Leonardo Angelini para trabalhar na antiga Cadeira de Psicologia Educacional. Doutorou-se na própria USP e fez estudos pós-graduados nos EUA, Europa e Japão. Escreveu e publicou aproximadamente quatro dezenas de livros e um número também muito extenso de estudos ao longo dos últimos 50 anos. Dentre suas obras podemos destacar: “Psicologia da Adolescência”, livro que teve sete edições e, por muito tempo, foi o único (ou, pelo menos, um dos únicos) livro sobre o assunto no nosso meio, “Comunicação de Massa” (1972), “Tecnologia da Educação e Comunicação de Massa” (1977), “Psicologia da Aprendizagem e do Ensino” (1987), “Psicologia: Introdução e Guia de Estudo” (1990) com 23 edições, “Telas que Ensinam” (1998), etc. Fez parte como associado Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013, 363-364. 363 e, frequentemente, como integrante da diretoria, de várias associações culturais, como a Associação de Psicologia de São Paulo (antiga Sociedade de Psicologia de São Paulo), a Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), na qual se fez sempre presente com suas colaborações, a Academia Cristã de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Foi membro fundador da Academia Paulista de Psicologia, em que ocupava a cadeira n.º 5, cujo patrono é José Rodrigo de Arruda, por sinal, seu antigo professor na Escola Normal de Piracicaba, autor, segundo Samuel, de um notável compêndio de Psicologia editado pela Saraiva e pioneiro, em nosso meio, de estudos sobre aprendizagem de idiomas estrangeiros. No tocante ao seu trabalho profissional, atuou a maior parte de sua vida como professor no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, nos cursos de graduação e pós-graduação. Depois de aposentado pela USP exerceu o magistério no programa de pós-graduação em Psicologia Escolar da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Em ambas as instituições orientou grande número de dissertações de mestrado e teses de doutorado. Por ocasião de sua morte dirigia a PNA – Pfromm Netto & Associados, com sede na Capital Paulista. Outro aspecto de sua contribuição para a Psicologia brasileira que merece ser ressalvado para conhecimento e reconhecimento das novas gerações de psicólogos foi sua efetiva atuação - juntamente com outras figuras históricas da nossa Psicologia, tais como Arrigo Leonardo Angelini, Odete Lourenção van Kolck, Oswaldo de Barros Santos e tantos outros - no sentido não só da criação do primeiro curso de Psicologia do Brasil, o Curso de Psicologia da USP, mas também do reconhecimento legal da profissão de psicólogo por meio da aprovação da Lei 4.119, de 1962. Samuel, ao lado desses e de muitos outros pioneiros, também se empenhou ativamente pela criação do Conselho Federal de Psicologia, do qual, aliás, foi conselheiro por muitos anos. Interessou-se pela informática educativa nos anos 70 e 80 e colaborou com a Secretaria Especial de Informática do Governo Federal no planejamento e na criação dos primeiros centros de informática educativa no país. Sua experiência neste período é bem retratada no livro “Telas que Ensinam”, publicado em 1998. Muito embora os interesses e os conhecimentos do Prof. Samuel fossem muito amplos e diversificados, é possível identificar claramente uma área do conhecimento psicológico na qual investiu o melhor de seus esforços, qual seja a área da Psicologia Educacional e, por extensão, Escolar. Numa entrevista concedida à Dra. Geraldina Porto Witter, sua amiga e colega, publicada na Revista de Psicologia Escolar e Educacional da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), justifica o interesse por esta área como natural, pois decorrente de sua formação como professor normalista e, posteriormente, como pedagogo. Quando instado pela entrevistadora a apontar as características da Psicologia Escolar no Brasil de hoje, assim se manifesta o entrevistado: “Vejo aspectos positivos e negativos na Psicologia Escolar brasileira de nossos dias. Primeiro os positivos. Graças principalmente à ABRAPEE ... temos hoje uma produção e uma publicação de pesquisas das mais expressivas, em comparação com a que tínhamos nas décadas passadas. Boa parte dessa produção obedece aos melhores padrões da literatura internacional e se debruça ... sobre a realidade de professores e alunos brasileiros em escolas brasileiras. Noto também um aumento expressivo de contribuições, muito raras no passado, da pesquisa empírica sobre distúrbios e problemas de aprendizagem com embasamento científico sério, ao contrário de uma certa linha de superficialidade e desconhecimento brutal do complexo de fatores, condições e componentes não só psicológicos e sociais, como bioquímicos, genéticos, neurais e traumáticos e de relacionamento interpessoal, que nos fornecem um quadro de referência muito mais seguro para fins de prevenção, intervenção e atuação junto a escolares e professores. Temos hoje muito mais consciência do alerta feito por Bronfenbrenner (desde a década de 70) ... sobre a progressiva deterioração na sociedade das condições indicadas pelas pesquisas como críticas, tanto para um desenvolvimento saudável na infância como para a manutenção da saúde física e mental e das competências humanas ao longo da vida (...).” “Em contrapartida, há os aspectos negativos. Apesar dos múltiplos esforços no sentido de pôr um psicólogo escolar em cada escola (...) ressentimo-nos ainda de uma certa timidez, de um certo pudor despropositado quanto à necessidade de fazermos nosso próprio marketing, de organizar lobbies, de mobilizar pessoas e sociedades para dotar nossas escolas de bons serviços e profissionais competentes no âmbito da Psicologia Escolar. Por falar em profissionais competentes, é bem sabido que deixa a desejar, em numerosos cursos, a preparação desses profissionais, que é mínima ou nula, ou que se desloca do aprendizado de conhecimentos e habilidades (sem dúvida mais trabalhoso) para o caminho fácil da contestação barata, das arengas político-doutrinárias e da maledicência mal disfarçada que perdem de vista a própria psicologia ...” Assim, continuava o Prof. Samuel com sua peculiar inflamação na defesa de seus pontos de vista. Assertivo, mas sempre educado, elegante e respeitoso com as pessoas. A morte privou-nos de sua presença, mas felizmente suas palavras e suas ideias continuarão ressoando em nós por meio de seus inúmeros escritos. Sobre o autor José Fernando Bitencourt Lomonaco ([email protected]) Professor Associado no Instituto de Psicologia da USP, membro titular da Academia Paulista de Psicologia. Av. Prof. Mello Moraes, 1721, Cidade Universitária, 05508-900 - São Paulo, SP 364 História Relato de Prática Profissional Oficinas em Instituições de Educação Infantil: compromisso ético da vinculação pesquisa-extensão Workshops in Early Childhood Education Institutions: ethical commitment of the linkage research-extension Talleres en las instituciones de educación de la primera infancia: el compromiso ético de la vinculación de la investigación-extensión Lauren Beltrão Gomes Universidade Federal de Santa Catarina Simone Dill Azeredo Bolze Universidade Federal de Santa Catarina Carina Nunes Bossardi Universidade Federal de Santa Catarina Beatriz Schmidt Tribunal de Justiça do Estado do Paraná Maria Aparecida Crepaldi Universidade Federal de Santa Catarina Mauro Luís Vieira Universidade Federal de Santa Catarina A pesquisa científica envolve, além do rigor metodológico, comprometimento com princípios éticos e responsabilidade social. Durante ou após a realização da pesquisa é importante considerar o papel ativo dos participantes no processo de produção do conhecimento (Szymanski & Cury, 2004). Assim, as universidades têm se preocupado em realizar projetos que ampliem conhecimentos e prestação de serviços à comunidade (Rodrigues, Pereira, & Souza, 2011). No tocante à criança, dois campos propícios favorecem a adoção do princípio de produção e aplicação do conhecimento de modo simultâneo: a família e a escola. Uma relação dinâmica entre esses contextos traz implicações decisivas ao desenvolvimento infantil saudável e ao sucesso escolar, de modo que a existência de canais de comunicação e de espaços de integração entre a família e a escola é positiva para a criança (Dessen & Polonia, 2007; Silveira & Wagner, 2009). Em termos teóricos, a perspectiva sistêmica tem se mostrado eficiente para entender as inter-relações entre os contextos de inserção da pessoa (Dessen & Costa Jr., 2005). Nesse sentido, o “Ciclo de Oficinas sobre Psicologia do Desenvolvimento em Instituições de Educação Infantil” é um projeto de extensão realizado por alunos de pós-graduação e de graduação em Psicologia com a finalidade de Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 365-367. 365 promover o debate com familiares de pré-escolares e profissionais da Educação Infantil acerca de aspectos individuais e sociais de temas ligados à infância e aos cuidadores. Essa atividade está vinculada ao projeto de pesquisa “Transmissão intergeracional da violência: a relação do conflito conjugal e parental com a agressividade entre pares de crianças de quatro a seis anos” (TIV), desenvolvido desde 2009 por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina em parceria com pesquisadores de duas instituições canadenses (Universidade de Montreal e Universidade do Quebec, em Montreal). Foram entrevistados 150 casais (pais e mães) de crianças de idade entre quatro e seis anos e 54 professores, com o objetivo de estabelecer um elo entre violência conjugal, violência parental e agressividade das crianças com seus pares, propondo um modelo de transmissão intergeracional de estratégias de gestão de conflitos. São parceiras desse projeto 26 Instituições de Educação Infantil (IEIs) (dezesseis públicas e dez privadas) situadas em quatro municípios do Estado de Santa Catarina. Os pesquisadores ofereceram oficinas a todas as IEIs participantes. Sete instituições públicas localizadas em um dos municípios nos quais se desenvolveu o projeto TIV, manifestaram seu aceite. Tendo-se identificado as principais demandas sinalizadas por educadores das IEIs, tiveram início as oficinas, as quais tiveram como temas o desenvolvimento da agressividade na infância e a imposição de limites ao comportamento agressivo, bem como a importância da boa relação entre a família e a escola para o desenvolvimento saudável das crianças. Entre os meses de março e outubro de 2012 realizou-se uma oficina em cada uma das sete IEIs. Tal atividade contou com pelo menos dois ministrantes, alunos de pós-graduação e de graduação em Psicologia, e teve cerca de uma hora e trinta minutos de duração. Participaram 135 pessoas, sendo a maioria mães (65%). Os pais, embora em número menor (10,4%), também se fizeram presentes. Os profissionais das instituições corresponderam a 24,6% do total de participantes. Em uma das IEIs, conforme solicitação da direção, apenas professores e membros da coordenação participaram da oficina. Crianças também estiveram presentes, em virtude de muitos pais não contarem com cuidador para os filhos no período dos encontros. Para envolvê-las em atividades e garantir a atenção dos pais, foram oferecidos materiais para desenho e pintura, paralelamente às oficinas. Os coordenadores propunham a dinâmica inicial apresentando um vídeo que trazia cenas de um contexto familiar conflituoso, em que os pais enfrentavam dificuldades em lidar com o comportamento agressivo dos filhos. A seguir, os participantes eram questionados sobre suas percepções acerca do vídeo, buscando-se refletir a respeito dos comportamentos que a criança pode manifestar em diferentes fases do desenvolvimento e atitudes a serem tomadas em cada situação. Procurou-se debater sobre até que ponto e em quais circunstâncias a agressividade faz parte dos processos de adaptação e maturação da criança, evitando-se a armadilha 366 de entender todos os comportamentos agressivos como patológicos (Picado & De Rose, 2009). Para tanto, foram utilizados exemplos de situações reais trazidos por participantes e ministrantes, bem como histórias em quadrinhos que expressavam, ilustrativamente, a importância do diálogo entre pais e filhos, de dizer “não” e de permitir que as crianças tomem pequenas decisões. Ao final, discutiu-se sobre as funções e os papéis da família e da escola como contextos de desenvolvimento fundamentais para a trajetória de vida das pessoas. Embora houvesse planejamento prévio, os ministrantes procuraram estar atentos às demandas de cada grupo, de forma a nortear a oficina em função da realidade local, identificando potencialidades e recursos familiares, institucionais e comunitários. Pais e professores relataram que os assuntos abordados foram úteis para lidar com a criança no dia a dia e evidenciaram a necessidade de aprofundar discussões sobre temas como limites, disciplina, agressividade e formas de agir nas diferentes fases da trajetória desenvolvimental infantil. Esse procedimento vai ao encontro do princípio segundo o qual os participantes têm papel ativo no processo da produção e socialização do conhecimento (Szymanski & Cury, 2004). Conclui-se que o projeto de extensão atingiu seu objetivo central: tornar dinâmica a produção do conhecimento gerado pela pesquisa científica entre pesquisadores de distintos níveis (professores, alunos de pós-graduação e de graduação), famílias e instituições participantes, a fim de alavancar mudanças nas práticas parentais e educacionais, no sentido de promover o desenvolvimento infantil. A partir do pressuposto anunciado no início deste relato sobre a responsabilidade ética e social da produção científica, evidencia-se a importância de criar e fortalecer ações que favoreçam a comunicação entre a academia e a população investigada. Assim, possibilita-se a aplicabilidade prática do conhecimento científico por meio de cursos ou palestras aos participantes de pesquisas, o que também contribui para a formação profissional dos estudantes e a promoção da cidadania de todos os atores envolvidos no processo de produção do conhecimento. Agradecimentos: À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPQ). Às Secretarias Municipais de Educação, às instituições de educação infantil, às famílias participantes e aos pesquisadores e colaboradores envolvidos na pesquisa intitulada “A transmissão intergeracional da violência: a relação do conflito conjugal e parental com a agressividade entre pares de crianças de quatro a seis anos”, notadamente Elisangela Boïng, Natália Pinheiro Scatamburlo, Rovana Kinas Bueno e Liziara Portela. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 365-367. Referências Dessen, M. A., & Polonia, A. C. (2007). A família e a escola como contextos de desenvolvimento humano. Paidéia, 17(36), p. 21-32. Rodrigues, M. R. F., Pereira, B. K., & Souza, R. L. (2011). A estratégia de mediação na intervenção do projeto de extensão “competências de bebês”. Revista Diálogos: pesquisa em extensão universitária, 15(1), 52-62. Dessen, M. A., & Costa Jr., Á. L. (Orgs.). (2005). A ciência do desenvolvimento humano: tendências atuais e perspectivas futuras. Porto Alegre, RS: Artmed. Silveira, L. M. O. B., & Wagner, A. (2009). Relação família-escola: práticas educativas utilizadas por pais e professores. Psicologia Escolar e Educacional, 13(2), 283-291. Picado, J. R., & De Rose, T. M. S. (2009). Acompanhamento de Préescolares Agressivos: Adaptação na Escola e relação professorAluno. Psicologia, Ciência e Profissão. 29(1), 132-145. Szymanski, H., & Cury, V. E. (2004). A pesquisa intervenção em psicologia da educação e clínica: pesquisa e prática psicológica. Estudos de Psicologia, 9(2), 355-364. Recebido em: 17/10/2012 Reformulado em: 01/11/2012 Aprovado em: 29/01/2013 Sobre os autores Lauren Beltrão Gomes ([email protected]) Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Mestre em Psicologia (UFSC), Doutoranda em Psicologia (UFSC) Endereço: Rua Regente Feijó, 251/102, Itoupava Seca, Blumenau, Santa Catarina, Brasil, CEP 89035-410. Simone Dill Azeredo Bolze ([email protected]) Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Mestre em Psicologia (UFSC), Doutoranda em Psicologia (UFSC) Endereço: Rua Desembargador Pedro Silva, 1952/102/T3, Coqueiros, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, CEP 88080-700. Carina Nunes Bossardi ([email protected]) Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Mestre em Psicologia (UFSC), Doutoranda em Psicologia (UFSC) Endereço: Rua Capitão Romualdo de Barros, 776/BlA-204, Carvoeira, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, CEP 88040-600. Beatriz Schmidt ([email protected]) Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ/PR), Mestre em Psicologia (UFSC), Psicóloga Judiciária (TJ/PR) Endereço: Rua Visconde de Guarapuava 140/03, Brejatuba, Graratuba, Paraná, Brasil, CEP 83280970, Maria Aparecida Crepaldi ([email protected]) Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutora em Saúde Mental pela Universidade de Campinas (UNICAMP), Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Endereço: Rua Volny Martins 115/04, Córrego Grande, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, CEP 88037-245, Mauro Luís Vieira ([email protected]) Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo (USP), Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Campus Universitário – Trindade, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, CEP 88049-900, Oficinas em Educação Infantil * Lauren B. Gomes, Simone Dill A. Bolze, Carina N. Bossardi, Beatriz Schmidt, Maria A. Crepaldi & Mauro Luís Vieira 367 Notícias Bibliográficas Bibliographic notes Noticias bibliográficas Barroco, Sonia Mari Shima; Leonardo; Nilza Sanches Tessaro Silva; Tânia dos Santos Alvarez. (2012). Educação Especial e Teoria Histórico-Cultural: em defesa da humanização do homem. Maringá: EDUEM, 258p. O presente livro apresenta textos que discutem as contribuições da Psicologia Histórico-Cultural e do marxismo para se compreender a Educação Especial e nela intervir. Os autores, ao abordarem a educação de pessoas cujo desenvolvimento é dificultado por deficiências ou necessidades educacionais especiais, defendem que todos os indivíduos devem se apropriar dos conhecimentos das diferentes áreas de saber. A coletânea pode auxiliar na instrumentalização e atuação de profissionais envolvidos com o processo educacional, que tem como tarefa primordial desenvolver o que é propriamente humano no ser. Barros, Carlos César; Sekkel, Marie Claire. (orgs).(2013). Licenciatura em psicologia - temas atuais. São Paulo:Zagodoni, 160 p. Esta obra se apresenta para o público brasileiro no contexto da homologação do Parecer 338/2009 do Conselho Nacional de Educação, que alterou as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia. Conforme preveem essas Diretrizes, os ingressantes, a partir do segundo semestre de 2013, deverão ter garantida a opção pela Licenciatura, o que tem mobilizado afetos e ideias de psicólogos, professores, coordenadores de cursos de Psicologia e outros representantes da sociedade ante a urgência de debater o tema. Este livro foi concebido com o intuito de contribuir com essa discussão dando voz a pesquisadores que trabalham e refletem sobre a educação brasileira e o lugar da Psicologia nesse processo, motivados por muitas interrogações práticas e teóricas, como: seria a Psicologia importante para a Educação? Devemos ensinar psicologia no Ensino Médio? Que psicologia ensinar? Cotrin, Jane Teresinha Domingues. (2013). Psicologia e Educação Especial: perspectivas históricas e políticas. Cuiabá:Editora da Universidade Federal de Mato Grosso (EDUFMT),180p. Este livro é fruto de uma pesquisa cujo objetivo foi compreender como a Psicologia, enquanto área de conhecimento e prática profissional, inseriu-se na Educação Especial. Constiui-se de um estudo histórico-crítico sobre como, nas primeiras décadas do século XX (1900, 1910, 1920 e 1930), as ciências psicológicas compreenderam o fenômeno da deficiência mental e nele intervieram. A história revelou que as primeiras e principais práticas efetivadas com crianças consideradas deficientes mentais se basearam na psicometria e na psicomotricidade, e foram engendradas e solidificadas dentro do ideário político e social do início do século XX. Collares, Cecília Azevedo Lima; Moysés, Maria Aparecida Affonso e Ribeiro, Mônica Cintrão França (orgs). (2013). Novas capturas, antigos diagnósticos na era dos transtornos. Campinas, SP, Mercado das Letras, 344p. A coletânea foi elaborada a partir das apresentações no II Seminário Internacional, com textos que os palestrantes elaboraram para o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade. Os capítulos tratam dos processos de medicalização e patologização da vida e da política, que são crescentes no mundo contemporâneo, assumindo proporções surpreendentes. Os autores assumem concepções contra-hegemônicas e difundem críticas e possibilidades diferentes de compreensões e intervenções na formação dos futuros profissionais. Duarte, Newton. (2013). A individualidade para-si. 3ª ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados, Cortez, 254 p. Na 3ª edição da obra de Newton Duarte foram preservadas a estrutura, as categorias centrais, as principais obras de referência e a perspectiva teórica do marxismo, porém foram acrescentados novos parágrafos e totalmente substituídas as considerações finais, o que conduz a uma forma de exposição do raciocínio significativamente modificada ao longo de todo o texto. Neste sentido, com base nos pressupostos da dialética que fundamentam o direcionamento teórico-metodológico do próprio autor, cabe reiterar que a alteração da forma não deixa intacto o conteúdo, o que permite dizer que não se trata do mesmo livro, embora este continue sendo, em sua essência, uma obra imperdível sobre a constituição dos seres humanos. Gatti, Bernardete. (2013). O Trabalho Docente - Avaliação, Valorização, Controvérsias. Campinas, SP: Autores Associados, 256 p. Como indica o título, este livro pretende aprofundar as discussões sobre os fatores associados ao trabalho docente, bem como vários aspectos que envolvem a compreensão desta questão, entre eles os referentes à avaliação do trabalho docente e sua valorização. Aborda ainda as grandes controvérsias que esse tema tem gerado. A questão da valorização social de professores, grosso modo, vincula-se a aspectos idealizados da profissão, à carreira e/ou ao salário, em detrimento da atribuição do valor profissional, e secundariza a formação a ela associada; Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013. 369 portanto essa valorização tem componentes associados à formação desses profissionais enquanto detentores de cultura, de conhecimentos e de formas de agir a partir de capacidades profissionais específicas que conduzem a uma ação que pode ser caracterizada como comprometida com o desenvolvimento efetivo das crianças e jovens em sua escolarização. Jannuzzi, Gilberta de Martin; Caiado, Katia Regina Moreno (orgs.). (2013). APAE: 1954 a 2011 algumas reflexões. Campinas, SP: Autores Associados, 80 p. Nesta obra Gilberta e Katia procuram entender como a educação dos considerados excepcionais foi construída como rede paralela à educação regular, herança que permanece e parece dificultar a aceitação da escola regular pública não só como espaço de direito, mas também como o local mais adequado para a escolarização de alunos com deficiência. Demonstram que as organizações sociais surgem como movimentos, agrupamentos, instituições ou associações, num tempo e num lugar, impulsionadas por pessoas que são sensíveis aos problemas desses alunos e julgam não terem esses problemas o tratamento adequado do poder estabelecido. Leite, Sérgio Antônio da Silva (org.). (2013). Afetividade e letramento na educação de Jovens e Adultos-EJA. São Paulo: Cortez Editora, 232 p. A obra, organizada pelo professor Sérgio Leite, reúne textos de autoria das pedagogas Daniela Gobbo Donadon Gazoli, Flávia Regina de Barros e Lúcia Maria de Santis Barella que relatam práticas bem-sucedidas nessa área da educação. Entre os temas discutidos no livro, destaca-se a questão da afetividade, dimensão que marca a relação entre professores e alunos. Apresenta a mediação pedagógica exercida pelo professor em sala de aula fundamental para o êxito do processo educacional e a especificidade do adulto enquanto sujeito que aprende. Entre as práticas bem-sucedidas das quais trata a obra podemos mencionar o uso de diferentes gêneros textuais próximos do cotidiano dos alunos como estratégia para o letramento. É, então, um livro dirigido especialmente a educadores e estudantes, que visa, em última instância, contribuir para a reflexão e prática dos profissionais da área. de que o desenvolvimento das funções psicológicas superiores está vinculado à educação escolar, ao processo de transmissãoapropriação dos conhecimentos científicos e evidencia a unidade entre os pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural e da Pedagogia Histórico-Crítica. Conforme afirma Newton Duarte, ”O que está em tela é a relação entre a organização coletiva da classe trabalhadora com vistas à superação revolucionária da sociedade capitalista e a formação de um tipo de psiquismo sem o qual se torna quase impossível a compreensão da realidade social para além das aparências cotidianas”. Marin, Alda Junqueira (org. ). (2013). Escolas, organizações e ensino. Araraquara: J. M. Editora, 224p. Elaborado com o apoio do Grupo de Pesquisa Docência em suas Múltiplas Dimensões, este livro contribui para a compreensão da vida escolar, demonstrando-se fundamental para os que se dedicam à educação. As análises críticas e as ajudas que os estudos trazem auxiliam na percepção de aspectos diferenciados, e ao mesmo tempo permitem que se tenha uma amostra das inumeráveis interferências que existem ou que podemos exercer sobre o ensino, dando enfoque às ações docentes na atividade educativa. Ribeiro, Maria Júlia Lemes (2012). Educação especial e inclusiva: teoria e prática sobre o atendimento à pessoa com necessidades especiais. Maringá: EDUEM, 226 p. Esta obra apresenta a sistematização de investigações e práticas de pesquisadores, pós-graduandos e graduandos acerca da temática Educação Especial e Inclusiva. Os autores são vinculados a seis universidades públicas, a saber: Universidade Estadual de Londrina, Universidade Federal de Rondônia, Universidade Estadual do Paraná, Universidade de São Paulo, Universidade Estadual Paulista e Universidade Estadual de Maringá. Conforme sugere o título, os pesquisadores, em seus textos, contemplando o contexto histórico e social, compartilham a busca de subsídios teóricos que respaldem a apresentação de estratégias efetivas para a promoção de uma educação de qualidade para todos os escolares. A meta é contribuir com outros profissionais de áreas afins da Educação e da Psicologia na construção de uma nova história para as pessoas com necessidades especiais. Martins, Lígia Márcia. (2013). O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia históricoCultural e da pedagogia histórico-crítica. Campinas, SP: Autores Associados, 336p. Este livro discorre sobre as funções psicológicas superiores, como elas se formam e se desenvolvem. A autora defende a tese 370 Noticias bibliograficas Normas Editoriais Instructions to authors Instructiones a los autores INFORMAÇÕES GERAIS A Revista Psicologia Escolar e Educacional, editada pela ABRAPEE – Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional - publica manuscritos referentes à atuação, formação e história da Psicologia no campo da educação, textos de reflexão crítica sobre a produção acadêmicocientífica e relatos de pesquisas nas áreas de Psicologia Escolar e Educacional bem como na sua interface com a Educação. ORIENTAÇÕES EDITORIAIS A Revista Psicologia Escolar e Educacional publica somente artigos inéditos. Os originais serão submetidos à avaliação da Comissão Editorial e/ou de pareceristas ad hoc, garantido anonimato tanto dos autores dos originais, quanto dos pareceristas. As normas adotadas são as da APA (American Psychological Association), exceto em situações específicas em que houver necessidade de assegurar o cumprimento da revisão cega por pares, regras do uso da língua portuguesa, normas gerais da ABNT, procedimentos internos da revista, inclusive características de infra-estrutura operacional. TIPOS DE TEXTOS PUBLICADOS Serão aceitos manuscritos redigidos em português, espanhol e inglês nas seguintes categorias: 1. Estudos Teóricos/Ensaios – trabalhos teóricos e/ou de revisão de literatura que questionam modos de pensar e formas de atuação tradicionais e conduzam a novas elaborações (até 25 laudas, em espaço duplo); 2. Relatos de Pesquisa – relatos sucintos de pesquisas realizadas, de caráter qualitativo e/ou quantitativo, apresentados de acordo com a seguinte seqüência: introdução, método, resultados, discussão e referências. Anexos, quando houver e não forem muito extensos para serem publicados, deverão ser apresentados após as referências (de 20 a 25 laudas, em espaço duplo). 3. História e Memória – reimpressão ou impressão de trabalhos ou documentos de difícil acesso, relevantes para a pesquisa e a preservação da história da Psicologia Escolar e Educacional, entrevistas com personagens relevantes da área e trabalhos originais sobre esta história; memória de eventos relevantes realizados pela ABRAPEE. 4. Relatos de Práticas Profissionais – apresentação de procedimentos e tecnologias educacionais, propostas visando melhor equacionamento de problemas psicoeducacionais e/ ou melhor atuação do psicólogo escolar, vivências do autor, apresentação de novos instrumentos no campo da Psicologia Escolar e quaisquer outras sugestões relevantes para a área (até cinco laudas); 5. Resenhas – apreciação de livros ou coletâneas de relevância para a área de Psicologia Escolar e Educacional publicados recentemente (até cinco laudas). APRESENTAÇÃO DE MANUSCRITOS Os manuscritos originais deverão ser encaminhados em uma via impressa em papel e uma em CD ROM, em espaço duplo, em fonte tipo Times New Roman, tamanho 12, não excedendo o número de laudas da categoria em que o trabalho se insere, paginado desde a folha de rosto identificada, a qual receberá número de página 1. A página deverá ser tamanho A4, com formatação de margens superior e inferior (2,5 cm), esquerda e direita (3 cm). A gravação do arquivo em CD Rom deverá ser em extensão .doc. Em caso de reformulação, a nova versão deverá ser encaminhada por correio eletrônico. A formatação do texto e das páginas obedecerá às mesmas características da primeira versão. Todo encaminhamento à revista deverá ser acompanhado de carta assinada pelos autores, na qual estará explicitada a intenção de submissão do trabalho para publicação e a autorização para sua publicação, caso aprovado pelo Conselho Editorial. Deverá constar também a afirmação de que o manuscrito respeita os procedimentos éticos exigidos em trabalhos de pesquisa. O seguinte modelo de carta de encaminhamento de manuscrito poderá ser utilizado pelo autor: Modelo de carta de encaminhamento de manuscrito Local, data À Comissão Editorial Prezados(as) Senhores(as) Encaminho(amos) à Comissão Editorial da Revista Psicologia Escolar e Educacional para apreciação, uma via impressa em papel e uma em CD ROM do manuscrito intitulado (digite o título do manuscrito) que acredito(amos) poder ser enquadrado na categoria (especificar o tipo de manuscrito). Declaro(amos) que o presente trabalho é inédito e original, não está sendo submetido à qualquer outra revista (nacional ou internacional) para publicação, atende a todos os procedimentos éticos e conta com minha (nossa) autorização para ser publicado. Atenciosamente Nome(s) do(s) signatário(s) e assinatura(s) Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013. 371 A apresentação dos trabalhos deve seguir os seguintes passos: 1. Folha de rosto sem identificação do nome do autor (ou autores) contendo apenas: 1.1. Título pleno em português, não devendo exceder 12 palavras. 1.2. Sugestão de título abreviado para cabeçalho, não devendo exceder quatro palavras. 1.3. Título pleno em inglês, compatível com o título em português. 2. Folha de rosto com identificação do nome do autor (ou autores) contendo: 2.1. Título pleno em português, não devendo exceder 12 palavras. 2.2. Sugestão de título abreviado para cabeçalho, não devendo exceder quatro palavras. 2.3. Título pleno em inglês, compatível com o título em português. 2.4. Nome de cada autor, seguido por afiliação institucional e titulação por ocasião da submissão do trabalho. 2.5. Indicação do endereço para correspondência postal e eletrônica, seguido do endereço completo de todos os autores, de acordo com as normas dos Correios. 2.6. Indicação do endereço para correspondência com o editor referente à tramitação do manuscrito, incluindo fax, telefone e endereço eletrônico. 2.7. Se apropriado, parágrafo reconhecendo apoio financeiro, colaboração de colegas e técnicos, origem do trabalho (por exemplo, anteriormente apresentado em evento, derivado de tese ou dissertação, coleta de dados efetuada em instituição distinta daquela informada no item 2.4) e outros fatos de divulgação eticamente necessária. 2.8 Endereço postal completo e endereço eletrônico de todos os autores. 3. Folha contendo Resumo, em português: O resumo deve ter o máximo de 150 palavras. Ao resumo devem seguir-se três palavras-chave para fins de indexação do trabalho. As palavras deverão possibilitar a classificação do trabalho com adequada precisão, permitir que ele seja recuperado conjuntamente com trabalhos semelhantes e evocar termos que, possivelmente, seriam considerados por um pesquisador ao efetuar um levantamento bibliográfico. No caso de relato de pesquisa, o resumo deve incluir: descrição do problema investigado, características pertinentes da amostra, método utilizado para a coleta de dados, apresentação dos resultados e discussão dos mesmos. O resumo de um estudo teórico/ensaio deve incluir: tópico tratado (em uma frase), objetivo, tese ou construto sob análise ou organizador do estudo, fontes usadas (p. ex. observação feita pelo autor, literatura publicada) e conclusões. 372 4. Folha contendo Abstract, em inglês, compatível com o texto do resumo: O Abstract deve obedecer às mesmas especificações para a versão em português, seguido de três keywords, compatíveis com as palavras-chave e com o Thesaurus da APA. 5. Texto propriamente dito: Em todas as categorias do original, o texto deve ter uma organização de reconhecimento fácil, sinalizada por um sistema de títulos e subtítulos que reflitam esta organização. No caso de relatos de pesquisa o texto deverá, obrigatoriamente, apresentar: introdução, método, resultados e discussão e referências. As notas não bibliográficas deverão ser reduzidas a um mínimo e dispostas ao pé das páginas, ordenadas por algarismos arábicos que deverão aparecer imediatamente após o segmento de texto ao qual se refere a nota. Os locais sugeridos para inserção de figuras e tabelas deverão ser indicados no texto. As citações de autores deverão ser feitas de acordo com as normas da APA, exemplificadas ao final deste texto. No caso de transcrição na íntegra de um texto, a transcrição deve ser delimitada por aspas ou pela citação em itálico não acompanhada de aspas. As citações deverão sempre ser seguidas do número da página do original consultado. Uma citação literal com 40 ou mais palavras deve ser apresentada em bloco próprio, começando em nova linha, com recuo de cinco espaços da margem, na mesma posição de um novo parágrafo. O tamanho da fonte deve ser 12, como no restante do texto. 6. Referências, ordenadas de acordo com as regras gerais que se seguem. Trabalhos de autoria única e do mesmo autor são ordenadas por ano de publicação, a mais antiga primeiro. Trabalhos de autoria única precedem trabalhos de autoria múltipla, quando o sobrenome é o mesmo. Trabalhos em que o primeiro autor é o mesmo, mas co-autores diferem, são ordenados por sobrenome dos co-autores. Trabalhos com a mesma autoria múltipla são ordenados por data, o mais antigo primeiro. Trabalhos com a mesma autoria e a mesma data são ordenados alfabeticamente pelo título, desconsiderando a primeira palavra se for artigo ou pronome, exceto quando o próprio título contiver indicação de ordem; o ano é imediatamente seguido de letras minúsculas. Quando repetido, o nome do autor não deve ser substituído por travessão ou outros sinais. A formatação da lista de referências deve ser apropriada à tarefa de revisão e de editoração - além de espaço duplo e tamanho de fonte 12, parágrafo normal com recuo apenas na primeira linha, sem deslocamento das margens; os grifos devem ser indicados por um traço sob a palavra (p. ex., sublinha). A formatação dos parágrafos com recuo e dos grifos em itálico é reservada para a fase final de editoração do artigo. 7. Anexos: apenas quando contiverem informação original importante, ou destacamento indispensável para a compreensão de alguma seção do trabalho. Recomenda-se evitar anexos. Normas Editoriais 8. Figuras: incluindo legenda, uma por página em papel, ao final do trabalho. Para assegurar qualidade de reprodução, as figuras contendo desenhos deverão ser encaminhadas em qualidade para fotografia; as figuras contendo gráficos não poderão estar impressas em impressora matricial. Como a versão publicada não poderá exceder a largura de 8,3 cm para figuras simples, e de 17,5 cm para figuras complexas, o autor deverá cuidar para que as legendas mantenham qualidade de leitura, caso redução seja necessária. 9. Tabelas, incluindo título e notas, uma por página em papel e por arquivo de computador. Na publicação impressa, a tabela não poderá exceder 17,5 cm de largura x 23,7 cm de comprimento. Ao prepará-las, o autor deverá limitar sua largura a 60 caracteres, para tabelas simples a ocupar uma coluna impressa, incluindo 3 caracteres de espaço entre colunas da tabela, e limitar a 125 caracteres para tabelas complexas a ocupar duas colunas impressas. O comprimento da tabela não deve exceder 55 linhas, incluindo título e rodapé(s). Para outros detalhamentos, especialmente em casos excepcionais, o manual da APA deve ser consultado. Tipos Comuns de Citação no Texto Citação de artigo de autoria múltipla 1. Dois autores O sobrenome dos autores é explicitado em todas as citações, usando e ou & conforme abaixo: “ A revisão realizada por Guzzo e Witter (1987)” mas “a relação do psicólogo-escola pública foi descrita com base num estudo exploratório na região de Campinas” (Guzzo & Witter, 1987)” 2. De três a cinco autores O sobrenome de todos os autores é explicitado na primeira citação, como acima. Da segunda citação em diante só o sobrenome do primeiro autor é explicitado, seguido de “e cols.” e o ano, se for a primeira citação de uma referência dentro de um mesmo parágrafo: Vendramini, Silva e Cazorla (2000) verificaram que [primeira citação no texto] Vendramini e cols. (2000) verificaram que [citação subsequente, primeira no parágrafo] Vendramini e cols. verificaram [omita o ano em citações subsequentes dentro de um mesmo parágrafo] Na seção de Referências todos os nomes são relacionados. 3. Seis ou mais autores No texto, desde a primeira citação, só o sobrenome do primeiro autor é mencionado, seguido de “e cols.”, exceto se este formato gerar ambiguidade, caso em que a mesma solução indicada no item anterior deve ser utilizada: Rosário e cols. (2008). Na seção Referências todos os nomes são relacionados. Citações de trabalho discutido em uma fonte secundária O trabalho usa como fonte um trabalho discutido em outro, sem que o trabalho original tenha sido lido (por exemplo, um estudo de Taylor, citado por Santos, 1990). No texto, use a seguinte citação: Taylor (conforme citado por Santos, 1990) acrescenta que a avaliação da compreensão em leitura... Na seção de Referências informe apenas a fonte secundária, no caso Santos, usando o formato apropriado. Exemplos de Referência 1. Trabalho apresentado em congresso, mas não publicado Serpa, M.N.F. & Santos, A.A.A. (1997, outubro). Implantação e primeiro ano de funcionamento do Serviço de Orientação ao Estudante. Trabalho apresentado no XI Seminário Nacional das Universidades Brasileiras, Guarulhos - São Paulo. 2. Trabalho apresentado em congresso com resumo publicado em publicação seriada regular Tratar como publicação em periódico, acrescentando logo após o título a indicação de que se trata de resumo. Silva, A.A. & Engelmann, A. (1988). Teste de eficácia de um curso para melhorar a capacidade de julgamentos corretos de expressões faciais de emoções [Resumo]. Ciência e Cultura, 40 (7, Suplemento), 927. 3. Trabalho apresentado em congresso com resumo publicado em publicação especial Tratar como publicação em livro, informando sobre o evento de acordo com as informações disponíveis em capa. Todorov, J.C., Souza, D.G. & Bori, C.M. (1992). Escolha e decisão: A teoria da maximização momentânea [Resumo]. Em Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), Resumos de comunicações científicas, XXII Reunião Anual de Psicologia (p. 66). Ribeirão Preto: SBP. Witter, G.P. (1985). Quem é o psicólogo escolar: Sua atuação prática. [Resumo]. Em Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), XVII Reunião Anual de Psicologia, Resumos (p. 261). Ribeirão Preto: SBP. 4. Teses ou dissertações não publicadas Polydoro, S.A.J. (2001). O trancamento de matrícula na trajetória acadêmica do universitário: Condições de saída e de retorno à instituição. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013. 373 5. Livros Solé, I. (1998). Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artes Mdicas. 6. Capítulo de livro. Anderson, R.C. & Pearson, P.D. (1984). A schema-theoretic view of basic processes in reading comprehension. Em P.D. Pearson, R. Barr, M.L. Kamil & P. Mosenthal (Orgs.) Handbook of reading research (Vol. 1, pp 251-291). New York: Longman. Pasquali, L. (1996). Teoria da resposta ao item - IRT: uma introdução Em L. Pasquali (Org.), Teoria e métodos de medida em ciências do comportamento (pp. 173-195). Brasília, INEP. 7. Livro traduzido, em língua portuguesa Salvador, C.C. (1994). Aprendizagem escolar e construção de conhecimento. (E.O. Dihel, Trad.) Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1990) Se a tradução em língua portuguesa de um trabalho em outra língua é usada como fonte, citar a tradução em português e indicar ano de publicação do trabalho original. No texto, citar o ano da publicação original e o ano da tradução: (Salvador, 1990/1994). 8. Artigo em periódico científico Kintsch, W. (1994). Text comprehension, memory, and learning. American Psychologist, 49 (4), 294-303. 9. Obra no prelo Não forneça ano, volume ou número de páginas até que o artigo esteja publicado. Respeitada a ordem de nomes, é a ultima referência do autor. Sonawat, R. (no prelo). Families in India. Psicologia: Teoria e Pesquisa. 10. Autoria institucional American Psychiatric Association (1988). DSM-III-R, Diagnostic and statistical manual of mental disorder (3a ed. revisada). Washington, DC: Autor. PROCEDIMENTOS DE SUBMISSÃO E AVALIAÇÃO DOS MANUSCRITOS Os manuscritos que se enquadrarem nas modalidades de trabalho especificadas acima, passarão pelas seguintes etapas de avaliação: 1.Encaminhamento para emissão de parecer a dois membros do Conselho Editorial da revista e/ou consultores ad hoc. 2.Recepção dos pareceres, com recomendação para aceitação (com ou sem modificações) ou rejeição. No caso de aceitação com modificações, os autores serão informados das sugestões (cópias dos pareceres serão enviados aos autores) 3. No caso de aceitação para publicação, a Comissão Editorial reserva-se o direito de introduzir pequenas alterações para efeito de padronização, conforme os parâmetros editoriais da Revista. 4. O processo de avaliação utiliza o sistema de revisão cega por pares, preservando a identidade dos autores e consultores. 5. A decisão final acerca da publicação ou não do manuscrito é sempre da Comissão Editorial. DIREITOS AUTORAIS O autor principal da matéria receberá, no mínimo, três exemplares da edição em que esta foi publicada. Os originais não-publicados não serão devolvidos. A reprodução total ou parcial (mais de 500 palavras do texto) pode ser feita, desde que citada a fonte. ENVIO DE MANUSCRITOS A remessa de manuscritos para publicação, bem como toda a correspondência de seguimento que se fizer necessária, deve ser enviada para a Revista Psicologia Escolar e Educacional, conforme endereços abaixo relacionados: Universidade Estadual de Maringá Programa de Pós-Graduação em Psicologia A/C Profa. Dra. Marilda Gonçalves Dias Facci – Editora Responsável Av. Colombo, 5.790 – CEP 87020-900 Jardim Universitário. Maringá – Paraná. Endereço eletrônico: [email protected] 374 Normas Editoriais