Referências - ABRAPEE

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Referências - ABRAPEE
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ISSN 1413-8557
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE)
Semestral Journal of the Brazilian Association of Educational and School Psychology (ABRAPEE)
Revista Semestral de la Asociación Brasilera de Psicología Escolar y Educacional (ABRAPEE)
Volume 17 Número 2 Julho/Dezembro 2013
Volume 17 Number 2 July/December 2013
ABRAPEE
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Psicologia Escolar e Educacional
Volume 17, No. 2, 2013
Versão impressa ISSN 1413-8557
Versão eletrônica ISSN 2175-3539
EDITORA
Marilda Gonçalves Dias Facci Universidade Estadual de Maringá – PR
EDITORA ASSISTENTE
Silvia Maria Cintra da Silva
Universidade Federal de Uberlândia - MG
COMISSÃO EDITORIAL
José Fernando Bitencourt Lomônaco
Marilene Proença Rebello de Souza Mitsuko Aparecida Makino Antunes Universidade de São Paulo, São Paulo – SP
Universidade de São Paulo, São Paulo – SP
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo – SP
CONSELHO EDITORIAL
Albertina Mitjáns Martinez Acácia Aparecida Angeli dos Santos Alacir Villa Valles Cruces Alexandra Ayache Anache Anita Cristina Azevedo Resende
Célia Vectore Cristina Maria Carvalho Delou
Elenita de Rício Tanamachi Elvira Aparecida Simões de Araújo Eulália Henriques Maimone Eunice M. L. Soriano de Alencar Fátima Regina Pires de Assis
Fraulein Vidigal de Paula
Geraldina Porto Witter Glória Fariñas León
Guilhermo Arias Beaton
Herculano Ricardo Campos Iolete Ribeiro da Silva Iracema Neno Cecílio Tada João Batista Martins Jorge Castélla Sarriera Leandro Almeida Lino de Macedo Lygia de Sousa Viégas
Luciane Maria Schlindwein Marco Eduardo Murueta Maria Cristina Azevedo Rodrigues Joly
Maria Regina Maluf Marilena Ristum Marisa Lopes da Rocha
Marta Ofelia Shuare Mercedes Villa Cupolillo
Regina Lúcia Sucupira Pedroza Rita Laura Avelino Cavalcante Sônia Mari Shima Barroco
Tânia Suely Azevedo Brasileiro 4
Universidade de Brasília, Brasília - DF
Universidade São Francisco, Itatiba – SP
Centro Universitário de Santo André, Santo André - SP
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande - MS
Universidade Federal de Goiás, Goiânia – GO
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia - MG
Universidade Federal Fluminense, Niterói - RJ
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Bauru - SP
Universidade de Taubaté, Taubaté - SP
Universidade de Uberaba, Uberaba - MG
Universidade Católica de Brasília, Brasília - DF
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo –SP
Universidade de São Paulo, São Paulo - SP
Universidade Camilo Castelo Branco, São Paulo – SP
Universidade de Havana, Havana - Cuba
Universidade de Havana, Havana - Cuba
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal – RN
Universidade Federal do Amazonas, Manaus - AM
Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho - RO
Universidade Estadual de Londrina, Londrina – PR
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS
Universidade do Minho, Braga - Portugal
Universidade de São Paulo, São Paulo – SP
Universidade Federal da Bahia, Salvador – BA
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis – SC
Universidade Nacional Autônoma do México - México
Universidade São Francisco, Itatiba – SP
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo – SP
Universidade Federal da Bahia, Salvador – BA
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro – RJ
Universidade Lomosóf de Moscou - Rússia
Centro Universitário da Zona Oeste, Campo Grande - Rio de Janeiro, RJ
Universidade de Brasília, Brasília – DF
Universidade Federal de São João del-Rei, São João del-Rei - MG
Universidade Estadual de Maringá, Maringá - PR
Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho – RO
Psicologia Escolar e Educacional
Volume 17, No. 2, 2013
Versão impressa ISSN 1413-8557
Versão eletrônica ISSN 2175-3539
CONSULTORES Ad Hoc
Alessandra Turini Bolsoni-Silva
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Assis - SP
Carmem Taverna
Pontifícia Universidade Católica, PUC, São Paulo - SP
Cláudia Aparecida Valderramas Gomes Universidade Estadual Paulista, UNESP, Assis - SP
Cynthia Pereira de Medeiros
Universidade de São Paulo, USP, São Paulo - SP
Eni de Fátima Martins
Universidade Federal de Uberlândia, UFU, Uberlândia - MG
Fátima Regina Pires de Assis
Pontifícia Universidade Católica, PUC, São Paulo - SP
Herculano Ricardo Campos
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN, Natal - RN
Joana de Jesus de Andrade
Universidade de São Paulo, USP, São Paulo - SP
José Juliano Cedaro
Universidade Federal de Rondônia, UNIR, Porto Velho - RO
Luciana Vieira Caliman
Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Rio de Janeiro - RJ
Lygia de Souza Viégas
Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA
Marcelo Ustra Soares
Faculdade Metodista de Santa Maria, FAMES, Santa Maria - SCl
Marcos Maestri
Universidade Estadual de Maringá, UEM, Maringá - PR
Maria de Lima Salum e Morais
Instituto de Saúde, IS, São Paulo - SP
Maria Júlia Lemes Ribeiro
Universidade Estadual de Maringá, UEM, Maringá - PR
Maria Teresa Assunção de Freitas
Universidade Federal de Juiz de Fora, UFJF, Juíz de Fora - MG
Maria Virgínia Machado Dazzani
Universidade Federal da Bahia, UFBA, Salvador - BA
Mercedes Villa Cupolillo
Centro Universitário Estadual da Zona Oeste, UEZO, Campo Grande - Rio de Janeiro - RJ
Mona Bittar
Universidade Federal de Goiás, UFG, Goiânia - GO
Noeli Assunta Oro Tomio
Centro Universitário Dinâmica das Cataratas, UDC, Foz do Iguaçu - PR
Paula Inez Cunha Gomide
Universidade Tuiuti do Paraná, UTP, Curitiba - PR
Raul Aragão Martins
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Assis - SP
Maria Terezinha Bellanda Galuch
Universidade Estadual de Maringá, UEM, Maringá - PR
Zaira Fatima de Rezende Gonzalez LealUniversidade Estadual de Maringá, UEM, Maringá - PR
Zilda Aparecida Pereira Del Prette
Universidade Federal de São Carlos, UFSCAR, São Carlos – SP
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Psicologia Escolar e Educacional
Volume 17, No. 2, 2013
Versão impressa ISSN 1413-8557
Versão eletrônica ISSN 2175-3539
Secretária Executiva
Eliane da Costa Lima
Colaboradores
Elis Bertozzi Aita
Fabíola Batista Gomes Firbida
Adriana Gonzaga Cantarelli
Naiara Tais de C. Henrique
Lais Fernanda da Silva
João Gabriel Gomes da Silva
Tradução Espanhol
Sáshenka Meza Mosqueira
Tradução Inglês
Miguel Nenevé
Revisão de Português
Raul Pimenta
Versão eletrônica
Site da ABRAPEE - www.abrapee.psc.br
SciELO - Scientific Electronic Library Online: www.scielo.br
PEPSIC - Periódicos Eletrônicos em Psicologia: www.bvs-psi.org.br
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www.bvs-psi.org.br
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Humanidades
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El Caribe, España y Portugal)
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SCOPUS / Elsevier
EDUBASE (FE/UNICAMP)
Diagramação
Gerson Mercês
Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional
Rua Aimbere, 2053
Vila Madalena, São Paulo.
CEP 01258-020
Telefone (11) 3862-5359.
Impressão
Sthampa Gráfica e Editora
Endereço eletrônico: [email protected]
Endereço eletrônico da Revista: [email protected]
Revisão Normas APA
Camila da Silva Oliveira
Tiragem: 500 exemplares
Psicologia Escolar e Educacional./ Associação Brasileira de
Psicologia Escolar e Educacional.- v. 1, n. 1. 1996Campinas: ABRAPEE, 1996.
Quadrimestral: 1996-1999.
Semestral: 2000ISSN 1413-8557
l. Psicologia educacional. 2. Psicologia escolar.
3. Educação. 4. Brasil. I. Associação Brasileira de Psicologia
Escolar e Educacional.
Apoio:
6
ABRAPEE
Scientific Electronic Library Online
Programa de
Pós-Graduação em
Psicologia - UEM
Expediente
A revista Psicologia Escolar e Educacional é um veículo de divulgação e debate da produção científica na área
específica e está vinculada à Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE). Seu objetivo
é constituir um espaço acadêmico para a apresentação de pesquisas atuais no campo da Psicologia Escolar e
Educacional e servir como um veículo de divulgação do conhecimento produzido na área, bem como de informação
atualizada a profissionais psicólogos e de áreas correlatas. Trabalhos originais que relatam estudos em áreas
relacionadas à Psicologia Escolar e Educacional serão considerados para publicação, incluindo processos básicos,
experimentais, aplicados, naturalísticos, etnográficos, históricos, artigos teóricos, análises de políticas e sínteses
sistemáticas de pesquisas, entre outros. Também, revisões críticas de livros, instrumentos diagnósticos e softwares.
Com vistas a estabelecer um intercâmbio entre seus pares e pessoas interessadas na Psicologia Escolar e
Educacional, conta com uma revisão às cegas por pares e é publicada semestralmente. Seu conteúdo não reflete
a posição, opinião ou filosofia da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional. Os direitos autorais
das publicações da revista Psicologia Escolar e Educacional são da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e
Educacional, sendo permitida apenas ao autor a reprodução de seu próprio material, previamente autorizada pelo
Conselho Editorial da Revista. São publicados textos em português, espanhol, francês e inglês.
Psicologia Escolar e Educacional is a journal, associated to the Brazilian Association of Educational and School
Psychology (Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional - ABRAPEE), for the communication and
debate of the scientific production in its area of specificity. Its objective is to provide a medium for the presentation
of the latest research in the field of Educational and School Psychology, for spreading knowledge, which is being
produced in the area, as well as updated information to psychologists and other professionals in correlated areas.
Original papers, which report studies related to Educational and School Psychology may be considered for publication,
including, among others: basic processes, experimental or applied, naturalistic, ethnographic, historic, theoretical
papers, analyses of policies, and systematic syntheses of research, and also critical reviews of books, diagnostic
instruments and software. As a means of establishing an interchange among peers, as well as people who are
interested in Educational and School Psychology, it employs a double blind review by peers and it is published
semiannually. Its contents do not, in any way, reflect the positions, opinions or philosophy of the Brazilian Association
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Psychology are property of the Brazilian Association of Educational and School Psychology, and each author will only
be allowed to reproduce his or her own material, with prior permission from the Editorial Board. Texts in Portuguese,
Spanish, French, and English are published.
La revista Psicología Escolar y Educacional es un medio de divulgación de debates de producción científica en
su área específica y está vinculada a la Asociación Brasilera de Psicología escolar y Educacional (ABRAPEE). Su
objetivo es constituir un espacio acadêmico para la presentación de investigaciones actuales en el campo de la
Psicología Escolar y Educacional y servir como un vehiculo de divulgación del conocimiento producido en el área,
además de informaciones actualizadas a profesionales psicólogos y de áreas relacionadas. Trabajos originales que
relaten estudios en áreas relacionadas a la Psicología Escolar y Educacional serán considerados para publicación,
incluyendo procesos básicos, experimentales, aplicados, naturalísticos, etnográficos, históricos, artículos teóricos,
análisis de políticas y síntesis sistemáticas de investigaciones, entre otros, además de revisiones críticas de libros,
instrumentos de diagnóstico e software. Con el objetivo de establecer un intercambio entre pares y personas
interesadas en Psicología, la revista tiene una revisión “a ciegas” hecha por pares y por consiguiente, los contenidos
no reflejan la posición, opinión o filosofía de la Asociación Brasilera de Psicología Escolar y Educacional. Los derechos
autorales de las publicaciones de la revista Psicología Escolar y Educacional son de la Asociación Brasilera de
Psicología Escolar y Educacional, siendo permitido apenas al autor la reproducción de su propio material, mediante
autorización previa del editor de la Revista. Son publicados textos en portugués, español, francés e ingles.
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Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) ● Volume 13, Número 1, Janeiro/Junho de 2009
Psicologia Escolar e Educacional
PUBLICAÇÃO SEMESTRAL
Volume 17
Número 2
2013
ISSN 1413-8557
Editorial
Artigos
Papers
Publicaciones
205
Estresse e estilo parental materno no transtorno de déficit de atenção e
hiperatividad
Stress and maternal parental style in attention deficit hyperactivity disorder
Estrés y estilo parental materno en el trastorno de déficit de atención e
hiperactividad
Joseana Azevedo Bargas
Marilda Emmanuel Novaes Lipp
215
Premissas em torno da desvalorização do magistério em análise: pelo que
lutamos?
Analysis of assumptions about devaluation of teaching profession: what do we
fight for?
Premisas sobre la devaluación del magisterio en análisis: ¿por qué luchamos?
Bruno Deusdará
Marisa Lopes da Rocha
223
Produção Científica sobre o Teste de Cloze
Scientific Production on Cloze Test
Producción científica sobre el Test de Cloze
Adriana Cristina Boulhoça Suehiro
233
O Conceito de consciência em Vigotski: uma aproximação pela comparação de
duas leituras
The concept of consciousness in Vygotsky: an approximation by comparing
two readings
El concepto de conciencia en Vigotski: una aproximación mediante
comparación de dos lecturas
Cláudio Henrique Pedrosa
239
A Psicologia da Educação nos cursos de graduação em Psicologia de Belo
Horizonte/MG
Educational Psychology in Belo Horizonte´s undergraduate programs
La psicología de la educación en cursos de Pre Grado en Psicología de Belo
Horizonte/MG
Rita de Cássia Vieira
Ellen Rose Fernandes Figueiredo
Laís Gonçalves de Souza
Marina Castana Fenner
9
249
Atribuição de estados mentais e linguagem: um estudo de intervenção
Attribution of mental states and language: A study of intervention
Atribución de estados mentales y lenguaje: un estudio de intervención
Simone Ferreira da Silva Domingues
Maria Regina Maluf
259
Contexto escolar: práticas educativas do professor, comportamento e
habilidades sociais infantis
Teacher´s educational practices and child behavior: the influence of multiple
variables
La práctica educativa del profesor y comportamiento infantil: la influencia de
múltiplas variables
Alessandra Turini Bolsoni-Silva
Maria Luiza Mariano
Sonia Regina Loureiro
Caroline Bonaccorsi
271
Psicologia e Educação: repercussões no trabalho educativo
Psychology and Education: repercussions on educational work
Psicología y Educación: repercusiones en el trabajo educativo
Karla Paulino Tonus
279
Intervenção no uso de estratégias de aprendizagem diante de dificuldades de
aprendizagem
Intervention in the use of learning strategies in face of learning difficulties
Interveción en el uso de estrategias de aprendizaje frente a dificultades de
aprendizaje
Andrea Regina Teixeira
Paula Mariza Zedu Alliprandini
289
Desenvolvimento da subjetividade: análise de histórias de superação das
dificuldades de aprendizagem
Subjectivity development: analyzing histories of overcoming learning difficulties
Desarrollo de la subjetividad: análisis de historias de superación de
dificultades de aprendizaje
Maristela Rossato
Albertina Mitjáns Martínez
299
Escuta afetiva: possibilidades de uso em contextos de acolhimento infantil
Affective listening: possible uses in childcare contexts
Escucha afectiva: posibilidades de uso en contextos de acogida infantil
Aline Jacob Trivellato
Cíntia Carvalho
Celia Vectore
10
309
A relação entre aprendizagem e desenvolvimento na compreensão de
professores do Ensino Fundamental
The relationship between learning and development in the understanding of
elementary school teachers
La relación entre aprendizaje y desarrollo de profesores
de la Enseñanza Básica
Nilza Sanches Tessaro Leonardo
Valéria Garcia da Silva
319
A docência universitária como locus de pesquisa da psicologia do
desenvolvimento adulto
University teaching as alocus of research for adult developmental psychology
La docencia universitaria como locus de investigación de la psicología del
desarrollo adulto
Maria Helena Fávero
Regina da Silva Pina Neves
329
Professores sabem o que é bullying? Um tema para a formação docente
Do teachers know what is bullying? A teacher training issue
¿Profesores saben qué es bullying? Un tema para la formación docente
Elizângela Napoleão da Silva
Ester Calland de S. Rosa
339
Intervenção educativa para resolver un caso de bullying
Educational intervention to resolve a case of bullying
Intervención educativa para resolver un caso de acoso escolar
Roberto Yescas Sánchez
Resenha
Review
Reseña
355
Ensinar com ética
Teach with ethics
Enseñar con ética
Geraldina Porto Witter
História
History
Historia
359
Homenagem a Yvonne Khouri
Tribute to Yvonne Khouri
Homenaje a Yvonne Khouri
Carmem Silvia Rotondano Taverna
Sérgio Antônio da Silva Leite
11
363
Homenagem a Samuel Pfromm Netto
Tribute to Yvonne Khouri
Homenaje a Yvonne Khouri
José Fernando Bitencourt Lomonaco
Relato de Práticas Profissionais
Report on Educational Practices
Relato de Práctica Profesional
365
Oficinas em Instituições de Educação Infantil: compromisso ético da
vinculação pesquisa-extensão
Workshops in Early Childhood Education Institutions: ethical commitment of
the linkage research-extension
Talleres en las instituciones de educación de la primera infancia: el
compromiso ético de la vinculación de la investigación-extensión
Lauren Beltrão Gomes
Simone Dill Azeredo Bolze
Carina Nunes Bossardi
Beatriz Schmidt
Maria Aparecida Crepaldi
Mauro Luís Vieira
Informativo
Informative
369
Notícias bibliográficas
Bibliographic notes
Noticias bibliográficas
371
Normas Editoriais
Instructions to authors
Instructiones a los autores
12
Editorial
A ABRAPEE está em festa porque temos vários acontecimentos a comemorar neste segundo
semestre de 2013.
O primeiro deles se refere ao sucesso do XI CONPE. No período de 14 a 17 de agosto deste
ano a ABRAPEE realizou em Uberlândia (MG) o XI Congresso Nacional de Psicologia Escolar e Educacional –
CONPE. Esta edição contou com 1.168 inscritos de todo o país. Em relação aos trabalhos apresentados, tivemos
oito conferências, sendo três de pesquisadores do México e de Cuba; 261 comunicações científicas; 73 mesasredondas e simpósios; 90 painéis; 38 minicursos e 51 “Partilhando experiências”; uma exposição sobre a história da
ABRAPEE; lançamento de livros e de “Referências para a atuação de psicólogos na Educação Básica”; e ainda, dois
fóruns de debates e uma reunião do NPC 3 – Psicologia Educacional na América Latina, da União Latino-Americana
de Psicologia.
Foi um evento muito importante, no qual foram socializadas pesquisas de participantes de todas as
regiões do Brasil, demonstrando quanto há de preocupação com a relação entre Psicologia e Educação. Aproveitamos
a oportunidade para agradecer o envolvimento de todos com o Congresso e reiterar que foram momentos muito
bons esses dias que passamos juntos em Uberlândia. Também não poderíamos deixar de agradecer a equipe
da Universidade Federal de Uberlândia e os dirigentes daquela universidade pelo apoio que deram ao evento. A
ABRAPEE está muito grata a todos.
Na Assembleia Geral da ABRAPEE ocorrida no CONPE foi decidido que a partir de 2014 a Revista
Psicologia Escolar e Educacional passará a ter periodicidade quadrimestral, devido ao grande número de manuscritos
recebidos. Esta decisão da Assembleia necessita ser festejada, pois possibilitará que a ciência seja difundida mais
rapidamente.
O processo de editoração de uma revista científica exige cuidado, dedicação e compromisso da
equipe responsável. Assim, tanto as dificuldades como os méritos são partilhados coletivamente e, neste sentido, a
conquista da avaliação no Qualis CAPES, em que nossa Revista passou para A2, precisa ser comemorada não só
pela equipe editorial, mas também pelos autores que colaboram conosco, pelos pareceristas, além dos associados
da ABRAPEE e nossos leitores.
Acreditamos que as três notícias supracitadas indicam alguns aspectos que merecem destaque: o
crescimento do interesse pela área de Psicologia Escolar e Educacional; o aumento da produção na área e o afluxo
desta produção para esta Revista; a valorização da interlocução científica, aliada à necessidade de publicações no
âmbito acadêmico.
Os temas dos artigos deste número refletem a pluralidade que tem caracterizado a Revista: os
processos educativos nos diferentes níveis de ensino, a docência, propostas de intervenção, ensaios teóricos e
assuntos polêmicos, como o bullying. O leitor também encontrará uma homenagem a Yvonne Khouri e Samuel
Pfromm Neto, grandes nomes da Psicologia brasileira.
Com votos de que a Psicologia Escolar e Educacional continue instigando estudos, pesquisas,
projetos de extensão universitária e demais práticas profissionais, desejamos a todos uma boa leitura.
Marilda Gonçalves Dias Facci – Editora
Silvia Maria Cintra da Silva – Editora Assistente
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Estresse e estilo parental materno no transtorno de
déficit de atenção e hiperatividade
Joseana Azevedo Bargas
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Marilda Emmanuel Novaes Lipp
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Resumo
Este estudo avaliou a influência do estresse e do estilo parental materno sobre o estresse dos filhos avaliados pela instituição onde os dados
foram coletados como portadores de TDA/H. Participaram 25 mães e os respectivos filhos, estes com idade média de 9,4 anos. As crianças
foram avaliadas pela Escala de Estresse Infantil, e as mães, pelo Inventário de Sintomas de Estresse para Adulto de Lipp e Inventário de Estilos
Parentais de Gomide. Os resultados mostraram que esta população apresenta alto nível de estresse (estilo parental classificado como de risco),
que a sintomatologia do estresse materno tem relação com o subtipo de TDA/H e que e os sintomas de desatenção são potencializados pelo
estresse. Não foi encontrada relação significativa entre estresse materno e infantil.
Palavras-chave: Stress, transtorno da falta de atenção com hiperatividade, estilo parental.
Stress and maternal parental style in attention deficit hyperactivity disorder
Abstract
In this study we evaluate the influence of stress and of maternal parenting style on the stress level of children evaluated by institution where data
were collected as bearers of ADHD. The participants were 25 mothers and their children (average age 9.4 years). The children were assessed by
the Children Stress Scale and their mothers by Lipp Stress Symptoms inventory for Adult and with the Gomide Parenting Styles Inventory . The
results show that this population presents a high level of stress, parental style classified as at-risk. It also revealed that the symptomatology of
maternal stress is related to the subtype of ADHD and that symptoms of inattention are potentiated by excessive stress. No significant relationship
between maternal stress and childhood stress was found.
Key words: Stress, attention deficit disorder with hyperactivity, parenting style.
Estrés y estilo parental materno en el trastorno de
déficit de atención e hiperactividad
Resumen
Este estudio evaluó la influencia del estrés y del estilo parental materno sobre el estrés de los niños evaluados por la institución donde se
recolectaron datos de portadores de TDA/H. Participaron 25 madres y sus respectivos hijos, estos con edad promedio de 9,4 años. Se evaluó
a los niños con la Escala de Estrés Infantil y a las madres con el Inventario de Síntomas de Estrés para Adulto de Lipp e Inventario de Estilos
Parentales de Gomide. Los resultados mostraron que este grupo presenta alto nivel de estrés (estilo parental clasificado como de riesgo), que la
sintomatología del estrés materno tiene relación con el subtipo de TDA/H y que los síntomas de falta de atención son potencializados por estrés.
No se encontró relación significativa entre estrés materno e infantil.
Palabras Clave: Estrés, trastorno de falta de atención con hiperactividad, estilo parental.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 205-213.
205
Introdução
As várias fases de desenvolvimento intelectual,
emocional e afetivo trazem consigo a oportunidade de o
indivíduo desenvolver seu potencial genético, porém essas
etapas são marcadas por múltiplas situações geradoras de
tensão, muitas vezes incapacitantes para as crianças e para
o seu frágil mecanismo de combate ao estresse (Maturano, 2008). Os Transtornos de desenvolvimento constituem
uma ameaça potencial para o aparecimento de problemas
emocionais, comportamentais e estresse. Um dos principais transtornos neuropsicológico da infância é o TDA/H
- Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, cuja
incidência é estimada em 3% a 5% entre as crianças em
idade escolar no Brasil (Benzick, 2000). Estas crianças apresentam dificuldades de adaptação ao meio em que vivem,
nem sempre conseguindo corresponder às expectativas dos
adultos, e muitas vezes são descritas como preguiçosas,
mal-educadas, desobedientes e inconvenientes. O impacto
causado atinge a criança e todas as pessoas envolvidas
com ela, como sua família e a escola. Geralmente os pais
sentem-se perdidos no manejo com essas crianças, necessitando de intervenções que os capacitem para essa ação.
O modo como os pais irão relacionar-se com seus filhos faz
acentuada diferença no prognóstico do quadro e também
no nível de estresse da díade mãe-filho (Bignotto, 2000).
Como já observaram Johnston e Mash (2001), compreender
a influência das práticas parentais no desenvolvimento das
crianças com TDA/H pode fornecer uma informação significativa quanto ao tipo de intervenção a ser realizado para
promover uma boa adaptação dessas crianças. Há muito
já se tem ciência de quanto o estilo parental influencia o
desenvolvimento e a consolidação das funções de regulação, no geral. Nos casos de TDAH, em que essas funções
são frequentemente prejudicadas, ainda mais importante se
torna os pais desenvolverem práticas que venham a colaborar para um melhor funcionamento de seus filhos (Darling
& Steinberg, 1993). Diversas pesquisas buscam analisar
a influência de práticas parentais no funcionamento de
crianças com TDA/H. Campbell (2002) pesquisou como o
processo de socialização na família pode contribuir para o
surgimento, agravamento e manutenção de comportamentos caracterizados como TDA/H. Adicionalmente, um estudo
realizado por Ellis e Nigg (2009) indicou correlação entre
inconsistência na disciplina materna e o tipo combinado de
TDA/H, e também com todos os tipos de comportamento dos
filhos com TDA/H (transtorno desafiador opositivo, conduta
de desordem, desatenção e hiperatividade-impulsividade).
A conclusão foi que aspectos específicos da parentalidade
estão relacionados ao TDA/H, independentemente da classificação dos comportamentos. Conforme observaram Ellis e
Nigg (2009), as pesquisas na área indicam que a falta de estratégias dos pais e estilos parentais deficitários parecem se
relacionar com a exacerbação de sintomas de TDA/H. A esta
conclusão chegou também Kunrath, (2006), cuja pesquisa
revelou que, em termos gerais, os pais, estressados pela
dificuldade referente à educação de seus filhos, utilizavam-
206
-se demais de estratégias coercitivas do que indutivas, o que
apontava a necessidade de orientar os pais dessas crianças
no sentido de colocar em prática métodos mais eficazes de
educar os filhos (Kunrath, 2006). Adicionalmente,
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a pesquisa de Ramos-Quiroga, Vidal e Casas (2013) mostrou a
necessidade de uma visão multiprofissional na educação e
tratamento de crianças com TDA/H no tocante à educação
parental.������������������������������������������������
Pesquisas
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adicionais são necessárias para identificar se de fato a falta de estratégias de coping dos pais
se relaciona com o estresse dos filhos e se contribui para o
agravamento dos sintomas de TDA/H.
O estresse
De acordo com Lipp (1996), o estresse é uma reação
do organismo com componentes físicos e/ou psicológicos,
causada pelas alterações psicofisiológicas que ocorrem
quando a pessoa se confronta com uma situação amedrontadora ou que a faça muito feliz. Esta reação produz desequilíbrio no funcionamento global do ser humano, e quando
excessiva, enfraquece seu sistema imunológico, deixando-o
sujeito a infecções e doenças. O processo de estresse se
desenvolve em quadro fases: alerta, resistência, quase-exaustão e exaustão (Lipp, 2001).
O desenvolvimento infantil gera mudanças físicas,
cognitivas, emocionais, afetivas e sociais. Segundo Lipp
(2000a), as mudanças inerentes ao desenvolvimento levam
as crianças a enfrentar situações de estresse. O processo de
estresse pode desencadear-se quando a criança não possui
repertório de enfrentamento para lidar com as demandas
do meio (Lipp, 2008). Os transtornos de desenvolvimento
constituem uma ameaça potencial para o aparecimento de
problemas emocionais e comportamentais e de estresse,
e um desses transtornos neuropsicológicos da infância é o
TDA/H (Rohde, 2003). No caso especifico deste transtorno,
a literatura indica uma interação entre a presença de TDA/H
na criança e o estresse materno. Yousefia, Far e Abdolahian
(2011) verificaram em uma pesquisa que mães de filhos
com TDA/H possuem um nível de estresse mais elevado
e tendem a utilizar estilo parental mais coercitivo e punitivo
do que as mães cujos filhos não têm esse transtorno. Os
autores concluíram que o nível de estresse afeta a escolha
do modo de tratar os filhos com TDA/H, e que o uso de punição e disciplina errática das mães pode levar a surgirem
ou se exacerbarem nos filhos comportamentos agressivos
ou de oposição. Os resultados levam à conclusão de que o
comportamento negativo dos pais em relação aos filhos com
TDA/H tem relação com níveis elevados de cortisol e de estresse, e também com comportamentos de oposição. Altos
níveis de crítica parental suscitaram uma maior resposta do
cortisol. Isto ressalta a importância da interação entre pais
e filhos para a prevenção de problemas de comportamento.
Segundo Lipp e Romano (1987), a criança reage
com sensações físicas e psicológicas quando se vê diante
de um evento estressor. Os distúrbios psicológicos mais
comuns são depressão, enurese, dificuldades de relaciona-
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 205-213.
mento, comportamento agressivo, desobediência inusitada,
ansiedade, choro excessivo, gagueira, terror noturno, dificuldades escolares, pesadelos, introversão súbita e insônia. Os
distúrbios físicos são asma, dores de cabeça, tique nervoso,
dores abdominais, diarreia, náusea, hiperatividade, ranger
de dentes, tensão muscular, distúrbio de apetite, enurese
noturna, gagueira, doenças dermatológicas e outros. No
caso da criança portadora de TDA/H, os sintomas de estresse se somam às dificuldades típicas do quadro de TDA/H.
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
- TDA/H
O TDA/H é uma síndrome heterogênea, de etiologia
multifatorial, dependendo de fatores genéticos e adversidades biológicas e psicossociais. A literatura na área aponta
alguns dos fatores psicossociais que poderiam estar relacionados ao desenvolvimento ou agravamento do transtorno,
entre eles, aspectos específicos da parentalidade como
inconsistência na disciplina maternal, conforme sugerem
Ellis e Nigg (2009), além de alto nível de estresse das mães,
apontado por Yousefia e cols. (2011). Adicionalmente, Campbell (2002) sugere que o processo de socialização na família pode contribuir para o surgimento, agravamento e manutenção de comportamentos característicos do TDA/H. Taylor
e Sonuga-Barke (2008) encontraram em sua pesquisa uma
relação significativa entre expressão negativa de emoções
dos pais e TDA/H nos filhos.
Segundo Cypel (2007), é muito complexa a discussão
sobre as causas implicadas na determinação da desatenção
e hiperatividade, e o mais provável é que uma somatória
de fatores desencadeantes origine o distúrbio atencional e
hiperatividade. O diagnóstico do TDA/H sustenta-se sobre
dois pilares: a) os dados da história clínica da criança; b)
avaliações neuropediátricas e neuropsicológicas. O DSM-IV(1994) define este transtorno como um problema de
saúde mental, considerando-o um distúrbio bidimensional,
que envolve a atenção e a hiperatividade/impulsividade. A
característica essencial é um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade, mais frequente e severo do que
aquele tipicamente observado em crianças de mesma idade
que estejam em nível equivalente de desenvolvimento. Seu
diagnóstico é baseado em sintomas descritos no DSM-IV,
que classifica estes pacientes em três tipos: a) TDA/H com
predomínio de sintomas de desatenção; b) TDA/H com predomínio de sintomas de hiperatividade/impulsividade; c)
TDA/H combinado.
Segundo Barkley (1997), o déficit mais importante no
TDA/H, independentemente da hiperatividade e da desatenção, é um defeito na inibição da conduta, o que tem grande
impacto no funcionamento cotidiano (pragmático), nas praxias do desempenho escolar, social, etc. Como praxias o
autor entende a memória de trabalho (verbal e não verbal),
o controle do afeto, a motivação, o estado de alerta e tudo o
que afete o autocontrole e a capacidade de conduta dirigida
para metas.
A orientação terapêutica para um prognóstico favorável ao desenvolvimento dessa criança envolve um trabalho
que deve ser realizado junto à criança, à família e à escola
através de psicoeducação, e tem sido indicada como necessária a terapia cognitiva comportamental, associada ou não
ao uso de medicações (Cypel, 2007).
Relação entre pais e filhos
A educação dos filhos sempre foi uma tarefa complexa para os pais, e quando a criança tem TDA/H é, sem
dúvida, uma tarefa mais dificultosa e perturbadora (estímulo
estressor) para qualquer família. A relação familiar é o fator
mais importante em termos de prognóstico, da forma como
se expressam os sintomas e dos problemas que lhe são associados. A família pode ter o papel de proteção, contenção
e apoio, mas pode também ser um elemento potencializador
de dificuldades e de estresse dos filhos.
Segundo Costa, Teixeira e Gomes (2000) e Gomide
(2003), os pais, buscando que seus filhos sigam princípios
morais e desenvolvam independência, autonomia e responsabilidade, direcionam o comportamento deles no sentido de que
possam exercer adequadamente o papel social quando jovens
e adultos. As estratégias e técnicas utilizadas pelos pais para
orientar o comportamento dos filhos são denominadas práticas
educativas parentais, e o conjunto dessas práticas denomina-se Estilo Parental (Gomide, 2003), que é o modo como os
pais gerenciam as questões de poder, hierarquia e apoio
emocional no relacionamento com os filhos. Atualmente na
literatura não se encontram estudos sobre os estilos parentais empregados por pais de crianças com TDA/H.
Gomide (2006) considera como práticas educativas
positivas a Monitoria positiva e o Comportamento moral
A Monitoria positiva corresponde a comportamentos
parentais de atenção às atividades e à adaptação dos filhos
(regras claras, frequência equilibrada da atenção, demonstração segura do afeto, acompanhamento e supervisão das
atividades escolares e de lazer).
O Comportamento moral, obtido pelo exemplo dos
pais, refere-se ao desenvolvimento do senso de justiça, empatia e responsabilidade, generosidade e do conhecimento
do certo e do errado.
As práticas educativas negativas o abuso físico e
psicológico, o relaxamento da disciplina, a monitoria negativa (supervisão estressante), a negligência e a punição
inconsistente.
O abuso físico e psicológico é caracterizado pela imposição de disciplina com base em práticas corporais negativas, que são consideradas um fator de risco para o desenvolvimento de problemas sociais e psicológicos (condutas
antissociais e distúrbios psiquiátricos). O abuso psicológico
caracteriza-se principalmente pela ameaça, chantagem de
abandono e humilhação da criança. O desenvolvimento da
autonomia e das relações sociais é prejudicado, podendo
causar baixa autoestima e depressão. O estudo de Manso
(2004) apontou a importância de fatores econômicos e cultu-
Estresse e Estilo Parental no TDA/H * Joseana Azevedo Bargas & Marilda Emmanuel Novaes Lipp
207
rais no nível de estresse na família que se reflete no método
de educar os filhos. O autor encontrou que quanto mais
intenso o nível de estresse familiar maior era a ocorrência de
violência contra a criança.
O relaxamento da disciplina se caracteriza pelo relaxamento das regras estabelecidas, e é considerado um
fator de risco para os problemas de conduta e delinquência.
As regras são estabelecidas, os pais ameaçam, e quando
se deparam com comportamentos de oposição dos filhos,
abrem mão de seu papel educativo.
A monitoria negativa ou supervisão estressante se
traduz pelo excesso de instruções e regras, não importando
o seu cumprimento, e torna hostil o ambiente familiar.
A negligência se caracteriza pela falta de atenção e
afeto. Os pais negligentes não são responsivos, retiram-se
de situações difíceis e ignoram a maioria dos comportamentos e atividades das crianças. Sentimentos de insegurança,
vulnerabilidade e dificuldade nos relacionamentos sociais
acabam sendo gerados por esta negligência.
A punição Inconsistente é um tipo de punição que
interfere sobretudo na percepção que a criança desenvolve
sobre si, pois, ao utilizarem essa prática, os pais se orientam
pelo seu humor no momento de punir ou reforçar, e não pelo
ato praticado pela criança.
O estilo parental de risco para o desenvolvimento de
comportamentos antissociais pelas crianças é caracterizado
pela utilização, por parte pais, de práticas parentais consideradas negativas, como. por exemplo, negligência, punição
inconsistente e abuso físico, em detrimento das positivas.
Ao contrário, o uso das práticas consideradas positivas
(comportamento moral e monitoria negativa) em vez das negativas caracteriza um estilo parental ótimo (Gomide, 2006).
Segundo Gomide (2006), os estilos parentais
exercem influência no desenvolvimento de características
pessoais das crianças e adolescentes. Tais características
são determinantes para a adaptação da criança às diversas
mudanças (biológica, social e cognitiva) com que se depara
nesse período da vida. Desse modo, é possível compreender a influência dos estilos parentais no nível de estresse
apresentado pelas crianças e adolescentes com TDA/H, já
que a relação familiar é um fator importante em termos de
prognóstico, da forma como se expressam os sintomas e
dos problemas que lhe são associados.
Acredita-se que, no contexto do TDA/H, os pais
menos estressados capacitem seus filhos para lidar melhor
com os fatores estressores da vida, ou seja, estas crianças
seriam menos estressadas, pois receberiam uma criação
que proporciona autoestima, autoconfiança, habilidades sociais, entre outras características positivas. Um estudo que
mostra a relação entre níveis de estresse, prática parental
e comportamentos integrantes do TDA/H é o publicado
por Christiansen, Oades, Psychogiou, Hauffa e Sonuga-Barke (2010). Esses autores avaliaram o nível de cortisol
salivar de crianças com e sem o TDA/H durante sessões
208
experimentais eliciadoras de estresse emocional, nas quais
os pais faziam ou três elogios ou três críticas aos filhos na
presença deles. Os resultados indicaram que crianças com
TDA/H foram mais sensíveis ao estresse representado pelas
críticas e comentários negativos dos pais do que as outras.
Especificamente, comportamentos de oposição sofreram
aumento na presença de críticas e reclamações de pais que
já haviam sido avaliados pelos filhos como muito críticos.
O Centro Nacional de Recursos sobre o TDA/H (2013)
reconhece que alguns estilos parentais podem aumentar os
sintomas de hiperatividade, desatenção e impulsividade em
crianças com déficit de atenção e hiperatividade, porém
o centro afirma que os estilos parentais podem não ser a
única causa do TDA/H. A literatura existente aborda inúmeras influências que o estilo parental pode exercer sobre o
desenvolvimento da criança, mas pesquisas que visem relacionar o estilo parental com TDA/H e estresse são poucas.
Entre as existentes encontra-se a pesquisa de Yousefia e
cols. (2011). Este trabalho visou comparar estresse entre as
mães com crianças de TDA/H e mães de crianças normais.
O estudo incluiu crianças de cinco a doze anos de idade que
tinham sido encaminhadas a clínicas de psiquiatria infantil.
Os resultados mostraram que houve diferença significativa
entre o nível de estresse de mães de crianças com TDA/H e
mães de crianças normais. Houve uma diferença significativa
também de estilos parentais entre filhos de mães de TDA/H
e mães de crianças sem o transtorno. Assim, quanto maior
o estresse dos pais, mais arbitrário e errático será o estilo
parental. Estes dados confirmam os de autores anteriores,
tais como os de Anastopoulos, Guevremont, Shelton e Dupaul (1992); Baker, (1994); Baldwin, Brown e Milan (1995);
Barkley, Fischer, Edelbrock e Smallish (1990); Beck, Young
e Tarnowski (1990); Breen e Barcley (1988); Pisterman,
Fireston e MC Garth (1992); Harrison e Sofronoff (2002);
Jennifer (2010); Johnston e Mash (2001); Mash e Johnston
(1983) e Wood (2007) Esses pesquisadores verificaram alta
relação entre a existência de filhos com TDA/H e estresse
familiar. Há ainda o trabalho, já mencionado, de Christiansen
e cols. (2010), que concluíram, com base em seus dados,
que o comportamento negativo dos pais para com os filhos
com TDA/H tem relação com níveis elevados de cortisol e
de estresse dos filhos, e também com comportamentos de
oposição. Altos níveis de crítica parental suscitaram uma
maior resposta do cortisol. Adicionalmente, Bignotto (2010)
também encontrou uma associação significativa entre o estresse materno e o dos filhos, em um estudo que verificou a
eficácia do treino de controle do estresse infantil.
Embora esses estudos mostrem associações entre
estilo parental, estresse e TDA/H, ainda não existem dados
que permitam afirmar com certeza a existência desta associação. O presente trabalho teve por objetivo aprofundar
o conhecimento sobre a relação entre o estilo parental, o
estresse e o TDA/H em uma amostra de crianças.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 205-213.
Método
Participantes
O desenvolvimento deste estudo teve a participação
de 25 crianças com diagnóstico de TDA/H, com idades variando de 7 a 13 anos, de ambos os sexos, que cursavam
escolas da rede particular e municipal do Interior do Estado
de São Paulo e de suas respectivas mães. Todas as crianças estavam em atendimento no Projeto Casulo – “Centro
de Atenção à Aprendizagem e ao Comportamento Infantil”.
Foram excluídas as que possuíam diagnóstico de intelectualmente deficiente (QI inferior a 70), conforme avaliação
prévia feita pela instituição, ou distúrbio psiquiátrico grave.
Foram excluídas as mães que possuíam distúrbio psiquiátrico grave previamente diagnosticado.
Desse modo, a amostra ficou composta por 25
mães e seus filhos, estes com a média de idade de 9,4 anos
(DP= 1.47), sendo 84% do sexo masculino e 16% do sexo
feminino. ��������������������������������������������������
A hipótese diagnóstica foi levantada pela instituição. Dentre as crianças, 20% eram do subtipo de TDA/H
desatento, 20% eram crianças hiperativas e 60% eram do
subtipo combinado.
Material
Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido e o preenchimento da ficha de identificação
das mães (data de nascimento, idade, profissão, estado civil,
escolaridade), procedeu-se à coleta de dados utilizando-se:
a)- o ISSL - Inventário de Sintomas de estresse para Adultos
(Lipp, 2000b), que avaliou a presença ou não de estresse,
os tipos de sintomas físicos e psicológicos apresentados e
a fase do estresse em que as mães se encontravam: alerta,
resistência, quase exaustão e exaustão; b)- a ESI - Escala
de Estresse Infantil (Lipp & Lucarelli, 1997), instrumento que
tem por objetivo verificar a presença de estresse em crianças de seis a catorze anos de idade, de ambos os sexos,
constituindo-se de 35 itens em escala Likert de zero a quatro
pontos, relacionados a sintomas físicos, psicológicos, psicológicos com componentes depressivos e psicofisiológicos
de estresse; e c)- Inventário de Estilos Parentais (Gomide,
2006), em que existe um questionário específico para mães,
um para os pais e um para os filhos. O IEP contempla 42
situações que avaliam sete variáveis (duas práticas educativas positivas e cinco negativas). Os escores do IEP revelam
o estilo parental adotado pelos pais (pai e mãe separadamente), que pode ser: estilo parental ótimo; estilo parental
regular, acima da média; estilo parental regular, abaixo da
média; e estilo parental de risco.
No presente trabalho os estilos foram classificados
como estilo parental bom, estilo parental regular (abaixo da
média, indicando a importância de os pais participarem de
grupos de treinamento de pais) e estilo parental de risco
para o desenvolvimento de comportamentos antissociais.
Procedimento
Foi realizada uma reunião com a equipe multidisciplinar do Projeto Casulo, a fim de definir o objetivo e a metodologia da pesquisa e fazer o levantamento das crianças e das
mães que preenchiam o critério de inclusão para participar
do estudo. As crianças selecionadas já tinham o diagnóstico
de TDA/H feito por avaliações neuropsicológicas, neurológicas, fonoaudiológicas e pedagógicas.
As mães das crianças selecionadas foram convidadas a participar de um encontro que ocorreu na instituição.
Todas as mães que compareceram à reunião aceitaram participar da pesquisa, assinaram o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido e preencheram a ficha de identificação.
A coleta de dados foi feita na instituição com a aplicação
do Inventário de Sintomas de Estresse para Adultos e do
Inventário de Estilos parentais materno.
As crianças selecionadas foram convidadas a participar da pesquisa. A aplicação da Escala de Estresse Infantil
ocorreu individualmente nos dias em que elas se submetiam
a intervenções na instituição
Método de análise dos dados
Na comparação das variáveis categóricas entre os
grupos com e sem estresse e entre os tipos de transtorno
TDA/H foi utilizado o teste Qui-Quadrado de Pearson, ou o
teste exato de Fisher, com valores esperados menores que
5. Para comparar as variáveis contínuas entre os grupos
com e sem estresse foi utilizado o teste de Mann-Whitney,
devido à ausência de distribuição normal das variáveis; e
na comparação entre os tipos de transtorno TDA/H e a faixa
etária da criança, foi utilizado o teste Kruskal-Wallis. O nível
de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5%.
Resultados e discussão
os resultados indicaram um alto índice de estresse
nesta amostra, pois 72% das mães e também das crianças
apresentaram sintomas de tensão excessiva. Dentre as
mães com estresse, 60% estavam na fase de resistência,
que é a fase intermediária do processo do estresse, com a
prevalência de 72% de sintomas psicológicos. Estes dados
confirmam o trabalho de Yousefia e cols. (2011), que apontaram o fato de mães de crianças com TDA/H mostrarem
tendência a experimentar um alto nível de estresse, cuja
consequência direta foi a de afetar o estilo parental que elas
adotam e, por conseguinte, o nível de estresse dos filhos.
Dentre as crianças, 36% estavam na fase de resistência e 47% apresentavam predominância dos sintomas
psicológicos. Estes resultados confirmam achados de outras
pesquisas, que mostram que pais mais estressados tendem
a ter filhos com mais sintomas de estresse (Bignotto, 2010;
Manso, 2010). Segundo Lazarus (1966) e Ellis (1973), as
diversas formas de apoio social que as crianças recebem,
Estresse e Estilo Parental no TDA/H * Joseana Azevedo Bargas & Marilda Emmanuel Novaes Lipp
209
principalmente o dos pais, podem influenciar os fatores de
vulnerabilidade ao estresse infantil. Estes achados receberam confirmação no estudo de Christiansen e cols. (2010),
que encontraram aumentos de cortisol salivar em crianças
nos momentos de desafio, quando os pais as criticavam ou
demostravam emoções negativas em relação ao desempenho dos filhos.
Pesquisas mostram que pais de crianças com TDA/H,
quando comparados com pais de crianças sem diagnóstico
psiquiátrico, relatam maior nível de estresse ligado ao manejo da criança e maior discordância entre os cônjuges a
respeito das práticas educativas (Campbell 2000). Campbell
(2002) enfatizou que o processo de socialização na família
pode contribuir para o surgimento, agravamento e manutenção de comportamentos característicos de TDA/H. Segundo
Rohde e Matos (2003), diversos conflitos nas relações familiares são gerados quando surgem sintomas de dificuldades de atenção, hiperatividade e impulsividade. Esta visão
é também partilhada por outros autores, como Ellis e Nigg
(2009), em cujo entendimento aspectos
���������������������������
específicos da parentalidade como, por exemplo, inconsistência na disciplina
maternal, estão relacionados ao TDA/H independentemente
da classificação dos comportamentos.
Como postula Ellis (1973), provavelmente não são os
acontecimentos em si o que provoca as emoções, mas a maneira como eles são interpretados. Deste modo, acredita-se
que as mães têm grande dificuldade em entender e aceitar
as dificuldades de seus filhos, interpretando, de forma errada, a incompetência como desobediência a exercer algumas
atividades, o que potencializa tanto o seu estresse como
o estresse nas crianças. Os dados indicam ser necessário
que as mães aprendam a distinção entre desobediência
e incompetência (dificuldade). Sabe-se que a maioria dos
comportamentos da criança com TDA/H ocorrem em razão
de suas dificuldades, e não de teimosia. Quando aprendem
a fazer esta distinção as mães conseguem reduzir punições
inadequadas e orientar a criança para desenvolver comportamentos mais assertivos, promovendo um desenvolvimento
favorável de suas potencialidades (Benzick, 2000).
No presente estudo verificou-se que o maior número
de crianças com sintomas de estresse era do subtipo de
TDAH combinado, seguido pelas crianças hiperativas, e
que o estresse parece atingir menos as crianças do subtipo desatento. Encontrou-se associação significativa entre
subtipo de TDA/H e tipo de sintoma de estresse materno
(p=0009), indicando que a desatenção é um estímulo menos
estressante para as mães com filhos desatentos, as quais
apresentavam um grau menor de sintomas de estresse de
natureza psicológica. Todas as crianças desatentas tinham
mães com sintomas psicológicos, enquanto que 80% das
crianças hiperativas possuíam mães com sintomas físicos e
90% das crianças com TDA/H combinado tinham mães com
sintomas psicológicos, conforme mostra a tabela 1.
Possivelmente isto se deve ao fato de que crianças
com hiperatividade motora sofrem um desgaste físico maior,
o que poderia potencializar os sintomas físicos.
Outro resultado importante refere-se à intensidade
dos sintomas do estresse infantil. Com base nos dados
referentes às respostas dadas na questão 3 “Tenho dificuldade de prestar atenção” da Escala de Estresse Infantil,
observou-se que 71,43% das crianças que não tinham estresse afirmavam sentir apenas “um pouco” de dificuldades
atencionais, enquanto 72,22% das crianças com estresse
indicaram sentir “sempre” dificuldades atencionais. Como
se pode ver na tabela 2, esta diferença é significativa (p=
0.001), ou seja, existe uma diferenciação entre as crianças
com e sem sintomas de estresse na percepção da intensidade do sintoma de desatenção.
Tabela 1. Comparação entre tipos de sintomas ISSL e subtipo de TDA/H.
Sintomas ISSL
Desatento
Hiperativo
Combinado
Psicológico
100,00%
20,00%
90,91%
Físico
0
80,00%
9,09%
Teste Exato De Fisher: p=0.009
Tabela 2. Relação entre dificuldades atencionais e estresse infantil.
Dificuldade atencional
Crianças s/ estresse
Crianças c/ estresse
Um pouco
71,43%
0
Bom
28,57%
11,11%
Regular
0
16,67%
De risco
0
72,22%
Teste exato de Fisher: p = 0.001
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Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 205-213.
Este achado pode ser de utilidade, uma vez que abre
caminho para futuras intervenções que objetivem o treino do
controle do estresse, o que tornaria possível diminuir os sintomas de desatenção de uma maneira não medicamentosa.
Este conhecimento poderá ter consequências para as áreas
de reabilitação cognitiva, educacional, familiar e social. Atualmente a reabilitação cognitiva para o TDA/H é feita com
base na técnica de treino de função cognitiva, objetivando a
neuroplasticidade, técnica de compensação de função cognitiva que busca compensar os déficits com a utilização de
apoios externos, orientações psicoeducativas para a família
e a escola, e terapia cognitivo-comportamental. O treino
do controle de estresse seria mais uma ferramenta para a
reabilitação na busca de auxiliar o desenvolvimento destas
crianças desatentas e melhorar sua qualidade de vida. Na
área educacional, a diminuição dos sintomas de desatenção
poderia facilitar o processo de ensino e aprendizagem, uma
vez que a criança estaria mais atenta e um maior número de
informações seria codificado, armazenado e posteriormente
evocado, podendo ajudar na diminuição do fracasso escolar.
Por isso é importante uma intervenção para instrumentalizar
as crianças a lidar com este estresse e possivelmente diminuir este sintoma de desatenção
O teste de Kruskal-Wallis revelou não haver diferença significativa quando se comparam o tipo de TDA/H e a
idade da criança (p=0.533).
Quanto à classificação do estilo parental, houve
predomínio do estilo parental de risco, seguido pelos estilos regular, bom e ótimo, sendo que 81% das mães que
possuíam estilo parental de risco também apresentavam
sintomas de estresse, resultado que independe do subtipo
de TDA/H. Constatou-se também que o número de crianças
com estresse aumenta à medida que diminui a utilização,
por parte das mães, de práticas parentais consideradas
positivas. Durante a coleta de dados foi possível mais uma
vez verificar a desorientação das mães no tocante tanto
ao manejo do estresse como a estratégias assertivas para
conduzir a educação de seus filhos, mostrando grande dificuldade de adaptação. Esta realidade é preocupante, já que
o prognóstico favorável do TDA/H depende muito da relação
entre a criança e sua mãe, pois quando os estilos parentais
são adequados, auxiliam no enfrentamento dos problemas e
favorecem o desenvolvimento da criança.
Conclusão
Inúmeros autores têm sugerido, com base em suas
pesquisas, que os pais de crianças com TDA/H necessitam,
como prioridade para o desenvolvimento adequado dessas
crianças, aprender a utilizar práticas parentais na forma
de estratégias educativas que demonstrem aceitação e
compreensão das dificuldades envolvidas no transtorno e
que envolvam o apoio emocional de seus filhos (Darling &
Steinberg, 1993; Johnston & Mash, 2001; Kunrath, 2006).
Ramos-Quiroga e cols. (2013), adicionalmente, enfatizam a
necessidade de um tratamento muldimodal para promover
uma boa adaptação dessas crianças
Conclui-se que crianças com TDA/H e suas mães
apresentam alto nível de estresse, estilo parental materno classificado como de risco para o desenvolvimento de
comportamentos antissociais e que a sintomatologia do
estresse materno tem relação com o subtipo de TDA/H.
Nesta amostra também se concluiu que a desatenção é um
estimulo menos estressante que a hiperatividade, sendo que
os sintomas de desatenção são potencializados pela tensão
excessiva. Desse modo acredita-se que programas que
instrumentalizem as mães e as crianças a manejarem o estresse podem trazer grandes benefícios para a qualidade de
vida destas pessoas, através da minimização dos sintomas
de desatenção e utilização de práticas parentais positivas.
Embora a amostra utilizada tenha sido pequena,
espera-se que os dados desta pesquisa possam contribuir,
mesmo que modestamente, para uma melhor compreensão
do nível de estresse envolvendo esta população e um melhor entendimento do impacto dos estilos parentais no nível
de estresse dos filhos, para melhor elucidação quanto aos
efeitos do subtipo de TDA/H da criança na natureza da sintomatologia materna. Consequente e adicionalmente, também
se espera que educadores e outros profissionais que lidam
com essa população se conscientizem da capacidade do estresse infantil de potencializar os sintomas de desatenção na
criança portadora de TDA/H e, consequentemente, de que a
desatenção pode ser reduzida promovendo-se um ambiente
menos estressante em casa e na escola.
Como recomendam vários autores, entre eles Fisher
(1990); Kunrath, (2006); Ramos-Quiroga e cols. (2013), o
tratamento do TDA/H envolve uma abordagem multifocal,
englobando intervenções psicossociais e psicofarmacológicas. As pesquisas indicam a necessidade de apoio para os
pais, potencializando os recursos existentes dentro dessas
famílias, para que todos possam melhor lidar com as dificuldades inerentes ao TDA/H.
Assim sendo, pesquisadores devem continuar a estudar esta questão, assim como avaliar novas situações e,
ainda, propor a elaboração de estratégias que se construam
de formas cada vez mais eficazes de auxiliar na tarefa de
educar os filhos, principalmente os portadores de TDA/H. Os
dados desta pesquisa, assim como os de outras anteriores
encontrados na literatura, levam ainda a questionar se o estresse leva a um estilo parental de risco ou o estilo parental
de risco levaria ao estresse. Para responder a esta questão
se fazem necessárias pesquisas com um número maior de
participantes e que estas avaliem outros fatores envolvidos
no estresse dos pais. Importante também é averiguar se os
comportamentos envolvidos no TDA/H podem ser aliviados
com a mudança de práticas parentais negativas por meio da
educação dos pais. Se isto for cientificamente comprovado,
deverão ser objeto de tratamento não só os portadores do
transtorno, mas também seus pais.
Estresse e Estilo Parental no TDA/H * Joseana Azevedo Bargas & Marilda Emmanuel Novaes Lipp
211
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Recebido em: 15/02/2012
Reformulado em: 26/03/2013
Aprovado em: 02/10/2013
Sobre as autoras
Joseana Azevedo Bargas ([email protected])
Mestre pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Correspondência: Rua José Martins Amorim, 112, apto 14B, Pq. Colinas da Mantiqueira, São João da Boa Vista, São Paulo, SP. CEP: 13874-370.
Marilda Emmanuel Novaes Lipp ([email protected])
Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Correspondência para Marilda Emmanuel Novaes Lipp: Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências da Vida - Programa
de Pós Graduação em Psicologia. Av. John Boyd Dunlop s/nº - Prédio dos Ambulatórios de Especialidades. Jardim Ipaussurama, Campinas, SP.
CEP: 13060-904.
Este trabalho é resultado da dissertação de Metrado em Psicologia da primeira autora na PUC-Campinas. Para a sua realização, contou-se com
o apoio financeiro da CNPQ na forma de bolsa para a primeira autora.
Estresse e Estilo Parental no TDA/H * Joseana Azevedo Bargas & Marilda Emmanuel Novaes Lipp
213
Premissas em torno da desvalorização do magistério
em análise: pelo que lutamos?
Bruno Deusdará
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - RJ
Marisa Lopes da Rocha
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – RJ
Resumo
Neste texto pretendemos interrogar certos “consensos” que se estabelecem em torno da desvalorização do magistério, de
modo que se possa ampliar o campo das lutas vinculadas à invenção de outros modos de trabalhar e viver na escola. A partir
de uma perspectiva micropolítica e com base nas contribuições de Foucault e Deleuze, vimos discutindo a desvalorização do
magistério em suas implicações com a institucionalização da produção de saberes e do trabalho de formação. Como conclusão,
evidenciamos que, sob uma aparente convergência, residem diferentes leituras do que se passa e dos consequentes desafios
cotidianos na singularização das práticas, acarretando desdobramentos e interferências nas políticas públicas.
Palavras-chave: Trabalho docente, desvalorização, micropolítica.
Analysis of assumptions about devaluation of teaching profession:
what do we fight for?
Abstract
In this paper we intend to discuss some consensus around devaluation of teaching in the scope of the struggles involved in other
forms of living and working at school. From a micro-politics view, the contributions of Foucault and Deleuze, we also discuss the
devaluation of the teaching profession in the process of knowledge and job training institutionalization.In conclusion we show
that, under the apparent convergence reside different readings of what is happening and the consequent challenges in everyday practice, encouraging developments and interference in public policy.
Keywords: Teaching work, devaluation, micro-politics.
Premisas sobre la devaluación del magisterio en análisis:
¿por qué luchamos?
Resumen
En este texto se tiene la intención de interrogar ciertos “consensos” que se establecieron en relación a la devaluación del
magisterio, de manera que se pueda ampliar el campo de las luchas relacionadas a la invención de otras formas de trabajar y
vivir en la escuela. Desde una perspectiva micropolítica, a partir de aportaciones de Foucault y Deleuze, se viene discutiendo la
devaluación del magisterio en su repercusión para la institucionalización de la producción de saberes y del trabajo de formación.
Como conclusión se demuestra que bajo la aparente convergencia residen diferentes lecturas de lo que sucede y de los
consecuentes desafíos cotidianos en la singularización de las prácticas, favoreciendo despliegues y interferencia en las políticas
públicas.
Palabras clave: trabajo docente, desvalorización, micropolítica.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 215-222.
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Considerações inicias
Quando o tema em pauta é educação, as opiniões
apresentam-se nos mais variados matizes. É, no mínimo,
curioso perceber que, não obstante a enorme variedade de
divergências, haveria, em alguns pontos, convergência de
opiniões. Entre essas opiniões aparentemente consensuais,
desejamos destacar aqui aquelas que têm apontado para
um processo crescente de desvalorização do magistério.
É preciso esclarecer que não pretendemos refletir acerca das causas históricas dessa desvalorização. Interessa-nos
suspeitar das premissas que se fixam e, por consequência, se
naturalizam, quando se diz, por exemplo, que a educação não
vai bem porque hoje em dia não se respeita mais o professor.
Em nossa opinião, se é verdade que as opções macroeconômicas têm feito os governos, nas diferentes esferas, sobreporem seus próprios interesses políticos e econômicos aos dos
professores, os estudantes ou da educação como um todo, é
verdade também que a necessária e urgente reposição das
perdas salariais acumuladas nos últimos anos, por si só, não
asseguraria todas as mudanças que desejamos. Parece-nos
necessário avançar nos diversos campos de luta.
Se reconhecemos a necessidade de repor as perdas salariais, entre outros pontos das reivindicações dos
sindicatos e dos movimentos sociais, que se mantiveram
combativos nesses anos de “inverno”, e participamos efetivamente das lutas em torno das reivindicações, de que
avanços falamos? Muitos afirmam que ir adiante significa
retomar as condições e o respeito devidos ao magistério.
Ora, saudosismos à parte, o que se pretende restituir como
valor perdido? Que imagens da profissão docente habitam
as premissas que sustentam a vontade de retomar valores e
reviver situações anteriores como possibilidade de mudança
dos impasses atuais?
No desenho do panorama dos questionamentos que
motivam a produção deste texto, cabe destacar que as polêmicas acerca da institucionalização das práticas de formação
não são novas e vêm, ao longo do tempo, apresentando variações no campo das chamadas ciências humanas. A título
de ilustração, transcrevemos a seguir um trecho de um livro
inquietante, intitulado “A sociedade sem escolas”, de Ivan Illich (1973), cujas afirmações são ainda extremamente atuais:
Muitos estudantes, especialmente os mais pobres,
percebem intuitivamente, o que a escola faz por
eles. Ela os escolariza para confundir processo
com substância. Alcançando isto, uma nova lógica
entra em jogo: quanto mais longa a escolaridade,
melhores os resultados; ou, então, a graduação
leva ao sucesso. O aluno é, assim, “escolarizado” a
confundir ensino com aprendizagem, obtenção de
graus com educação, diploma com competência,
fluência no falar com capacidade de dizer algo novo.
Sua imaginação é “escolarizada” a aceitar serviço em
vez de valor. Identifica erroneamente cuidar da saúde
com tratamento médico, melhoria da vida comunitária
com assistência social, segurança com proteção
216
policial, segurança nacional com aparato militar,
trabalho produtivo com concorrência desleal. Saúde,
aprendizagem, dignidade, independência e faculdade
criativa são definidas como sendo um pouquinho mais
que o produto das instituições que dizem servir a
estes fins; e sua promoção está em conceder maiores
recursos para administração de hospitais, escolas e
outras instituições semelhantes (Illich, 1973, p. 21).
Cabe salientar que, a nosso ver, o conjunto das propostas constantes no referido livro configura um indicador
das tensões mundialmente vivenciadas nos anos sessenta
e setenta. Não obstante, não é por corresponder aos embates de uma conjuntura que já não é a nossa - uma vez que
não vivemos hoje com tamanha intensidade as efervescências sociais – que o trecho acima deixará de ser intrigante.
É perturbador – e, por isso, torna-se imprescindível como
reflexão – imaginar que estamos “escolarizando” ao confundir notas e rendimentos com os processos vivenciados. É
inquietante pensar que a escola não cessa de nos convocar
a “recuperar” alunos, quando os problemas atribuídos a eles
individualmente acabam por corresponder a efeitos produzidos por nossas próprias práticas.
Façamos Veiga-Neto (2006) entrar em cena para um
diálogo com Illich, ao afirmar que “a educação escolar pode
funcionar como uma arena para as lutas permanentes de
invenção e imposição de sentidos, seja pela manutenção,
seja pela mudança dos regimes de verdade e das ordens
discursivas que os alojam” (Veiga-Neto, 2006, p. 88).
O confronto entre essas duas posições, antes de
nos convocar a tomar partido, parece abrir um cenário de
questionamentos que faz do trabalho na escola um exercício
simultâneo de lutas – haja vista a metáfora da “arena” – e de
desconfianças – já que é preciso suspeitar do que estamos
produzindo na escola como possibilidade de renovação das
nossas próprias apostas/lutas.
É nos interstícios dessa polêmica que tal empreendimento, inspirado na genealogia foucaultiana, encontraria
uma “massa” de textos e práticas acumulados, material ao
qual o historiador do presente compareceria com parcimônia
e suspeita. Ele começaria nos interrogando o que estamos
ajudando a fazer de nós mesmos - como psicólogos ou como
professores - e de nossos alunos na escola. Confessa não
estar interessado nas origens da profissão docente, mas
nos arranjos que essa atividade compõe. Substitui questões
como “O que é o trabalho do professor?” por outras, por
exemplo, “Como certos sentidos sobre o magistério se tornaram verdadeiros?”; ou “Que efeitos essa verdade produz?”.
O propósito do presente artigo consiste em pensar o
que se configura hoje como “desvalorização do magistério”,
considerando-se os contornos do trabalho docente no cotidiano escolar. Nosso desafio é, através de uma abordagem
micropolítica das práticas de formação em que cabe interrogar de que modo os processos de institucionalização se
atualizam na escola, compreender a aposta predominante
em uma “revalorização” do lugar de professor. Ao mesmo
tempo, a atenção aos processos de institucionalização,
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 215-222.
em vez de neutralizar as tensões que afetam a todos e a
cada um, pode favorecer a criação de um campo coletivo de
análise-intervenção que interfira nas condições a favor da
ampliação da qualidade de vida no exercício do magistério.
Institucionalização das práticas de formação: ou
“como certos sentidos se tornaram verdadeiros?”
Em Foucault (1973/2005) o tema da verdade é tratado sempre em articulação com os processos que a instituem como tal. A premissa no referido tratamento é a de
que não há correspondência unívoca entre os saberes e o
mundo que, segundo a versão ocidental, esses saberes viriam representar; ou seja, para Foucault (2005), os saberes
não seriam conteúdos que “reapresentariam” um mundo
precedente. Essa negativa tem uma dupla motivação: incide
tanto sobre o pressuposto de que o saber se reduziria a um
conteúdo, quanto sobre aquele que procuraria garantir uma
relação de anterioridade do mundo em relação ao saber.
Em relação ao primeiro aspecto, isto é, a rejeição
dos saberes como conteúdos, recorremos ao Deleuze
(1986/2005), leitor de Foucault. Segundo o referido autor,
essas “camadas sedimentares” que seriam os saberes são
formadas de regiões de visibilidades e campos de legibilidade. Deleuze, na mesma obra, propõe uma sistematização
das duas “metades” do saber, com inspiração em Hjelmslev,
afirmando que conteúdo não se reduz a significado. Segundo ele, as regiões de visibilidade, ou “conteúdo”, e os
campos de legibilidade, ou “expressão”, conteriam uma forma e uma substância. Seus exemplos remetem às análises
foucaultianas das práticas de encarceramento e vigilância: o
conteúdo teria como forma a prisão e como substância, os
“presos”, que são “vistos” a partir de certa condição; já a expressão teria como forma o direito penal, e como substância,
a “delinquência” enquanto objeto dos discursos.
Esses exemplos nos interessam, sobretudo, por evidenciarem o grau das relações estabelecidas entre visibilidades e enunciabilidades. Embora se acredite haver correspondência entre o que se diz e o que se vê, Foucault definirá
essa aparente correspondência como efeito das práticas.
A respeito dessa questão, Deleuze (1986/2005) nos diz:
Há uma abundância de questões que constituem,
de cada vez, o problema da verdade. O Uso
dos Prazeres tira a conclusão de todos os livros
precedentes quando mostra que o verdadeiro só se
dá ao saber através de “problematizações” e que as
problematizações só se criam a partir das “práticas”,
práticas de ver e práticas de dizer. Essas práticas, o
processus e o procedimento (procédé) constituem os
processos (procédures) do verdadeiro, “uma história
da verdade”. Mas é preciso que as duas metades do
verdadeiro entrem em relação, problematicamente, no
próprio instante em que o problema da verdade exclui
sua correspondência ou sua conformidade (Deleuze,
1986/2005, p. 72-73).
Desvalorização do magistério: análises * Bruno Deusdará & Marisa Lopes da Rocha
Se não há conformidade entre “ver” e “falar”, como
se dá a relação problemática entre essas “duas metades
do verdadeiro”? Esse questionamento, em alguma medida,
remete-nos ao segundo aspecto anunciado no início deste
item, já que os efeitos de verdade são correlatos das relações de poder. Desse modo, os saberes, como formações
históricas, são inseparáveis das condições de sua emergência. Para Foucault, a “vontade de saber” não se reduz à
natureza humana.
Com Nietzsche, Foucault (1973/2005) dirá que o
ato de conhecer é, em algum sentido, uma violência, já
que não haveria qualquer relação de continuidade entre a
coisa conhecida e o saber produzido sobre ela. Essa não
continuidade entre conhecimento e mundo é sustentada, por
um lado, na consideração de que o mundo não teria uma
predisposição para ser conhecido, e, por outro, a “vontade
de saber” não se atualizaria como dimensão instintiva:
O conhecimento foi, portanto, inventado. Dizer que
ele foi inventado é dizer que ele não tem origem. É
dizer, de maneira mais precisa, por mais paradoxal
que seja, que o conhecimento não está em absoluto
inscrito na natureza humana. O conhecimento
não constitui o mais antigo instinto do homem, ou,
inversamente, não há no comportamento humano, no
apetite humano, no instinto humano, algo como um
germe do conhecimento (Foucault, 1973/2005, p.16).
Neste trecho a abordagem foucaultiana parece nos
oferecer uma síntese de sua concepção sobre a relação
entre o saber e o mundo, remetendo-nos aos jogos de força
que se constituem sócio-historicamente. Aqui nos interessa
pensar nos desdobramentos das questões, enfatizando, a
partir da concepção de que as relações entre o saber e o
mundo se dão por in(ter)venção, os processos de institucionalização da produção de conhecimento.
Vejamos, então, de que modo os pressupostos explicitados anteriormente se atualizam nas análises dos processos de institucionalização. Ao retomar a ideia recorrente
segundo a qual o século XVIII teria sido o momento da emergência dos saberes técnicos, Foucault (2002) vai propondo
uma análise que parece desmontar a versão “oficial” dessa
emergência. Não se trata, como argumenta ele, de fazer
convergir um conjunto de iniciativas, ou de um movimento
em direção única, um progresso em que a ignorância estaria
cedendo lugar ao conhecimento. Ao contrário, a existência
de saberes é múltipla: em vez da suposta convergência,
os saberes variariam segundo as regiões geográficas, a
dimensão das oficinas e das indústrias nas quais eram produzidos, etc., conformando uma dispersão entre os saberes.
Tal dispersão indicaria o funcionamento da produção de conhecimento, “numa sociedade em que o segredo do saber
tecnológico valia riqueza e em que a independência desses
saberes, uns em relação aos outros, significava também a
independência dos indivíduos” (Foucault, 2002, p. 214)
Nesse contexto em que a multiplicidade de saberes
encontra-se em luta - uma luta econômico-política, já que
217
esse saber-segredo significava “riqueza” material e “independência” individual -, desenvolvem-se processos de
“anexação, de confisco, de apropriação dos saberes menores, mais particulares, mais locais, mais artesanais, pelos
maiores” (Foucault, 2002, p.215). Esses processos contarão
com um grau de intervenção do Estado, mesmo que indiretamente. A intervenção do Estado nessa luta dos saberes
se dará, segundo o autor, a partir de quatro procedimentos.
O primeiro deles consiste em desqualificar os saberes dispendiosos economicamente, os saberes irredutíveis.
Esse procedimento de desqualificação irá produzir a eliminação de saberes que não tenham sido produzidos no interior de um campo de regras institucionalmente reconhecido,
dando consistência à dicotomia saberes teóricos / saberes
da prática, bastante familiar ao racionalismo ocidental.
O segundo procedimento reside em pretender romper as barreiras do segredo, permitindo o intercâmbio entre
os saberes. Para isso é preciso criar escalas de correspondência entre saberes, é preciso torná-los intercambiáveis,
ajustáveis uns aos outros. Com efeito, tais procedimentos de
ajustes e correspondências produzirão, ao lado da desqualificação / eliminação dos saberes da prática, um grau de normalização dos saberes. Ao criar formas de correspondência,
ou seja, ao quebrar as fronteiras produzidas pelo segredo,
de um lado, pretende-se constituir universalidade, ampliando as regiões sobre as quais os saberes passam a incidir, e,
de outro, assiste-se ao desenvolvimento de novas formas de
controle da produção de conhecimento.
A lógica universalizante de produção de conhecimento subjacente à normalização dará lugar, simultaneamente,
a um terceiro procedimento: o de classificação hierárquica
dos saberes. Uma vez desqualificados e eliminados os
saberes tidos como “menores” e estabelecidos os procedimentos de normalização, promove-se uma hierarquização
dos saberes, de modo que possam se diferenciar aqueles
que seriam mais específicos de outros, mais gerais. Essa
hierarquização parece proceder a operações de abstração.
O quarto procedimento é o da centralização dos saberes. Parece garantir-se a axiomatização, produzindo uma
organização interna dos saberes. Os quatro procedimentos
assim descritos fazem do século XVIII o momento em que, a
despeito de uma versão “oficial”, que asseguraria a evolução
da sua produção, isto é, um avanço gradual do conhecimento sobre a ignorância, jogos de forças acabam por produzir
disciplinamento dos saberes.
O século XVIII foi o século do disciplinamento dos
saberes, ou seja, da organização interna de cada
saber como uma disciplina tendo, em seu campo
próprio, a um só tempo critérios de seleção que
permitem descartar o falso saber, o não-saber,
formas de normalização e de homogeneização dos
conteúdos, formas de hierarquização e, enfim, uma
organização interna de centralização dos saberes
em torno de um tipo de axiomatização de fato. Logo,
organização de cada saber como disciplina e, de
outro lado, escalonamento dos saberes disciplinados
218
do interior, sua intercomunicação, sua distribuição,
sua hierarquização recíproca numa espécie de
campo global ou de disciplina global a que chamam
precisamente a ‘ciência (Foucault, 2002, p. 217-218).
Essa análise histórica da institucionalização dos saberes parece nos abrir um campo de interrogações sobre
os procedimentos de disciplinamento que dão um cadenciamento à formação escolar que as vozes em torno da
denúncia de “desvalorização do magistério”, pelo menos a
princípio, não iluminam. O nosso desafio nas lutas sociais
residiria, então, em não nos restringirmos às denúncias. Se,
por um lado, é possível operar com elas a nosso favor, dando a conhecer as condições de precariedade às quais nos
submetemos cotidianamente, por outro, não podemos ignorar que a denúncia de “desvalorização do magistério” pode
ser capturada pela expectativa de que “revalorizar” significaria a restituição de um lugar de destaque para o professor,
resolvendo muitas das tensões vivenciadas na escola.
Nesse contexto, a suposta manutenção de um lugar
para o professor parece alimentar-se de alguns dos procedimentos de disciplinamento descritos anteriormente, sobretudo a desqualificação dos saberes da prática. De que modo
tais procedimentos podem criar efeitos indesejáveis para o
agenciamento de novas práticas para uma nova Educação?
Podemos pensar na fragilização do poder de intervenção da comunidade escolar na invenção do cotidiano
pela cristalização no uso do tempo-espaço da formação que
dá um aspecto repetitivo ao trabalho docente, o qual se torna
entediante para o aluno, provocando tensão na relação entre os educadores e as famílias, sendo estas desqualificadas
quanto aos saberes produzidos em condições que não as
dos rituais acadêmicos. São relações despotencializadoras
em que se espera a resolução dos “problemas” diagnosticados por uma lógica que, desqualificando a produção coletiva
da vida escolar, legitima as marcas de assujeitamento (Rocha, 2001). Afirma este autor:
Isso se dá na medida em que é justamente na ordem da
hierarquia, das dicotomias teoria e prática, pensador
e técnico, professor e aluno, ensino e aprendizagem,
que se constroem as segmentações entre as políticas
educacionais de gabinete, as condições cotidianas
do trabalho escolar (caracterizado pelo isolamento
e assoberbamento de tarefas) e a própria formação
dos profissionais da educação, que não se estabelece
através da construção de análises no dia-a-dia
educacional (Rocha, 2004, p.187).
Assim, a mesma lógica que, na escola, tem sido
responsável por enredar a comunidade em rituais escolarizados dos saberes e códigos há muito estabelecidos como
objetivos, coerentes, verdadeiros e válidos para o aprimoramento do homem e a preparação para a vida, atualiza-se na
formação docente, enfatizando uma noção de competência
como execução eficiente do previsto.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 215-222.
Nesse quadro, parece emergir outro conjunto de
questões que nos conduzem a pensar os efeitos dos procedimentos de disciplinamento dos saberes na constituição de
um “território” para o trabalho docente (Rocha, 2007).
Contornos do trabalho docente: ou “que efeitos
essa verdade produz?”
Neste item vamos argumentar no sentido de pôr em
suspenso os efeitos emergidos a partir do século XVIII que
estão implicados com a institucionalização dos saberes
sustentada no exercício de disciplinamento da formação
e do trabalho docente. Em tal processo, a formação teria
como meta a erudição, em que se atualiza a expectativa de
acúmulo de um saber-repetição, através do agenciamento
de porta-vozes dispostos a consumir esses saberes (Rocha,
1998). Isso implica rituais de ensino-aprendizagem circunscritos a uma organização do tempo e do espaço vinculados
à sala em que se realiza a aula. Nem a função pedagógica
que atravessa a escola tradicional, nem a Escola Nova e o
tecnicismo contemporâneo, modificaram nas grandes redes
de ensino público, as condições e expectativas dos corpos
dispostos em série, do silêncio, da atenção ao professor, das
avaliações, enfim, dos modos de controle que delimitam o
que é trabalho do professor e o que é trabalho do aluno.
Queremos refletir acerca dos contornos do trabalho
docente de hoje, analisando que dimensão das atividades
de formação extrapola as imagens classicamente identificadas com ele. Se nos constituímos numa complexa rede
dialógica a partir da qual sentidos e práticas produzem a realidade, que critérios podemos utilizar para estabelecer em
que consiste o trabalho docente?
Talvez devêssemos olhar para a escola. Que limites
damos à nossa atividade profissional? Por que definimos
que, ao menos em grande parte, nosso trabalho se restringiria à sala de aula, se, para que uma aula aconteça é
fundamental que diferentes ações sejam processadas? Os
efeitos da lógica de disciplinamento dos saberes, por um
lado, reduzem-se às coordenadas de espaço-tempo da sala
de aula e, por outro, implicam-nos com a desqualificação de
um conjunto de atividades por nós desenvolvidas que estão
relacionadas com as práticas de formação, mas não ganham visibilidade como trabalho (Deusdará, 2006). Que outra concepção de produção de saber é preciso desenvolver
para que tais atividades sejam qualificadas? Ou ainda, como
afirmar a formação como ato, considerando-se as suas condições de realização? Ampliar a dimensão de intervenção do
professor e do aluno em cena não traria novas perspectivas
para um pensar/fazer inventivo?
Que tal nos depararmos com um Foucault-professor
que discute “o que é um curso”? Convidamos o leitor a uma
incursão na primeira aula do curso ministrado por M. Foucault nos anos de 1975 e 1976, no Collège de France, intitulado “Em Defesa da Sociedade” (Foucault, 2002). Nessa
aula o autor nos fala da dinâmica dos cursos no Collège de
Desvalorização do magistério: análises * Bruno Deusdará & Marisa Lopes da Rocha
France: ele se utiliza dos seminários como forma de prestar
contas publicamente de sua atividade de pesquisa.
A esse respeito ele propõe o seguinte questionamento: “De que maneira se pode manter a par aqueles que
podem se interessar por ela [a pesquisa] e aqueles que têm
alguns motivos de estar ligados a essa pesquisa?” (Foucault,
2002, p.3). Como não ler nesse questionamento também um
convite à reflexão acerca das formas de institucionalização
dos saberes de que tratará em aulas posteriores do curso?
Como não nos perguntar também acerca das nossas implicações com isso, ou seja, com uma luta pela ativação de
dispositivos de produção e de publicização das pesquisas?
O que se constitui como uma aula-pesquisa? Não seria fazer
da sala de aula um possível laboratório de experimentação
de ideias, compartilhamento, algo como saberes em discussão, provocação, desafio do outro a pensar a história do já
constituído e suas implicações no presente, pois Foucault
está falando do fazer, de convocar o pensamento, e não
somente de divulgar pesquisas.
Na escola esse questionamento parece inverter-se.
Não nos perguntamos mais como podemos nos dirigir àqueles aos quais nossos saberes podem interessar. Não nos interrogamos mais acerca dos possíveis motivos de estarmos
ligados. De certa forma, o vínculo que nos mantém em cena
parece naturalizar-se, quando o que está em jogo é despertar o interesse do aluno para compor a cena. A abertura
para alternativas a essa naturalização dos vínculos que nos
ligam na escola demanda o investimento em outras formas
de apropriação do espaço-tempo. Nesse ponto, Foucault
nos surpreende ao ressaltar que se sente obrigado a dizer
o que está fazendo - não para conquistar seguidores, mas
talvez para fazer do vínculo um dispositivo de movimento,
sempre se esforçando para continuar a dirigir-se a alguém,
para fazer bons encontros.
Foucault faz uma observação simples que dá visibilidade à dimensão do outro numa prática de aula-pesquisa
e isso nos chama a atenção: “Considero-me absolutamente
obrigado, de fato, a dizer-lhes aproximadamente o que estou fazendo, em que ponto estou, em que direção vai este
trabalho; e, nessa medida, igualmente, considero-os inteiramente livres para fazer, com o que eu digo, o que quiserem”
(Foucault, 2002, p.4).
No trecho acima, parece falar o Foucault que lemos
em “A Arqueologia”, tão implicado com o tema das descontinuidades, já que as continuidades somos nós que construímos inventando sentidos, fortalecendo modos de fazer
e de entender o que se passa. Isso, certamente, não se faz
fora das condições e circunstâncias em que vivemos, fora
de uma história que vimos produzindo com o(s) outro(s). Ele
saberia então que não está oferecendo caminhos a serem
seguidos. Haveria sempre pequenas rupturas, desvios, distorções, pois, uma vez que nos inscrevemos na alteridade, é
esse outro que compõe comigo um território de indagação.
Quando é que a sala de aula se constitui em um espaço-tempo que implica num coletivo, que convida a pensar?
219
Nesse aspecto, ele coloca a seu público sua disposição de refletir, compartilhando uma caixa de ferramentas.
Isto é o que chamamos de formação em ato! Parece-nos
oferecer evidências das críticas que fará nas aulas seguintes
sobre as operações com que está às voltas para construir
um caminho possível de entendimento. Concomitantemente,
o que fica em questão é o disciplinamento dos saberes: seleção dos saberes válidos diante de uma região de saberes
falsos, de normalização e homogeneização dos conteúdos
de uma disciplina, de hierarquização e centralização.
Ele parece também saber que, como autor a quem
se atribui uma série de reflexões, ele não é, ele funciona,
(re)faz; e esse funcionamento abrangeria não apenas o que
ele próprio diz, mas tudo o que é feito com ele. Foucault é
também o que dizemos dele e o que fazemos com ele, já
que, assim como as ferramentas se marcam dos usos que
fazemos delas, os autores parecem se impregnar dos discursos a cada vez que deles fazemos uso, assim como do que
circula em torno deles e das apropriações que são feitas. Ao
contrário do que é pensado comumente, dar uma aula, fazer
circular um determinado assunto, é pôr em funcionamento
um dispositivo, e não somente falar de um conteúdo. É perder o controle, pois no momento em que a aula cria sintonia
a produção se torna coletiva. O que é, então, essa aula,
senão pôr em jogo saberes, uma certa genealogia? Ele põe
em questão o poder como exercício, que ele ativa quando
entra em cena nos seminários do mesmo modo que nas lutas que vão se travando (por lugares na sala, pelo horário e
os usos decorrentes dos seminários, etc.). Mesmo antes de
falar sobre ela, vai aparecendo uma genealogia do exercício
de poder que tem o seminário como um dispositivo; uma
genealogia como tática que faz intervirem, a partir das discursividades locais descritas pela arqueologia, os saberes
dessujeitados que daí se desprendem.
Ao ser indagado sobre a atividade do professor, Deleuze (1996, p. 69) fala de ensaio e inspiração, de fascínio
e acolhimento à matéria da qual tratamos, evidenciando que
“se não tivermos ensaiado o bastante, não estaremos inspirados. Uma aula quer dizer momentos de inspiração, senão
não quer dizer nada.” No abecedário letra P declara:
É preciso estar totalmente impregnado do assunto e
amar o assunto do qual falamos. Isso não acontece
sozinho. É preciso ensaiar, preparar. É preciso ensaiar
na própria cabeça, encontrar o ponto em que... É
muito divertido, é preciso encontrar... É como uma
porta que não conseguimos atravessar em qualquer
posição. (...) O que faz parte do papel do professor é
o que eu disse sobre o ensaio anterior e a inspiração.
Esse é o papel do professor (Deleuze, 1996, p.71).
Voltemos ao trecho bastante provocativo, em que
Foucault nos “decreta” livres para usarmos seu referencial
como acharmos melhor. Impossível não atribuir também a
esse trecho um sarcasmo, presente em vários momentos de
seu texto. Somos livres para usá-lo como achamos melhor
não porque tenhamos um decreto seu, mas porque o uso
220
que fazemos dos saberes se dá sempre em condições que
nunca são correspondentes àquelas em que esses saberes
são elaborados pelo seu autor. É preciso sempre fazer acertos, desdobramentos, pensar em mais um critério, confrontar
com outras coisas, enfim, colocar em cena um conjunto de
saberes que tradicionalmente são vistos como secundários,
ou seja, tudo aquilo que a gente deve colocar em notas de
rodapé ou nos capítulos de metodologia. As circunstâncias
são sempre empurradas para o canto, onde não nos seria
possível pôr em xeque as influências e continuidades que
reivindicamos para nos legitimar como enunciadores do discurso de uma disciplina.
Talvez Foucault estivesse nos provocando, e a polarização não residisse numa condição de estar preso ou livre,
mas nas lutas que travamos com os saberes, através de dispositivos que tragam para a “cena” os saberes sujeitados,
justamente os que fazem da aula intervenção, encontro,
autoria de muitos, e do trabalho docente um exercício ético-estético, ativando condições de emergência de saberes.
Como? Ensaiar é trabalho, inspirar é condição para que uma
aula aconteça.
Fazendo deslizar os contornos do trabalho
docente: ou “a formação como acontecimento”
Este texto é motivado por uma inquietação: uma
suposta convergência entre os atores sociais envolvidos
com a temática da Educação apontando a “desvalorização
do magistério” como um indicador importante para pensar a
situação atual. Essa inquietação nos levou a interrogar quais
seriam as premissas em torno da construção de alternativas
para a Educação. Nossa aposta inicial residiria em apontar
que, sob uma aparente convergência, residem diferentes
leituras do que se passa e dos consequentes desafios em
questão. Retomamos as análises de Foucault acerca da
institucionalização dos saberes em curso no século XVIII
para pensar com que processos estamos nos implicando
ao encaminhar nossas lutas nos pautando apenas por um
denuncismo que almeja dar destaque à figura do professor
e às condições de trabalho. Voltamos a evidenciar que não
se trata de desqualificar tais reivindicações, pois essas lutas
são fundamentais; mas pretender recuperar um valor perdido para o magistério sem levar em consideração a dimensão
micropolítica nos associa aos procedimentos de desvalorização dos saberes da prática, o que tem possibilitado poucas
alianças efetivas no cotidiano escolar.
Em seguida, colocamos em discussão contornos
que habitualmente atribuímos ao trabalho docente. Com
isso, buscamos discutir os efeitos de sentido produzidos
por discursos, ao apagar uma dimensão importante das
atividades de trabalho do professor vinculadas ao exercício
ético-estético que desafiam o acolhimento das diversidades
e diferenças como parte do processo de ensinar-aprender.
Tais práticas reivindicam uma política de formação no curso das ações e da vida que coloque em cena coletivos em
pesquisa-intervenção, demandado outro uso qualitativo do
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 215-222.
tempo e do espaço. Parece-nos interessante ressaltar que
as denúncias de desvalorização do magistério, para que
possam abrir outros caminhos de discussão e potencializar
uma intervenção coletiva nas tensões geradas no cotidiano,
devem, de algum modo, apontar para o conjunto de atividades que são silenciadas, tais como selecionar/escrever
textos, criar materiais, planejar estratégias e engendrar
alternativas no que tange não apenas aos conteúdos, mas
também às atitudes, entre outras.
Nosso propósito aqui é incrementar discussões a partir das quais seja possível analisar não apenas as premissas
que subjazem à suposta convergência de opiniões em torno
da “desvalorização do magistério”, permitindo pensar que
processos de produção de verdade estão implicados ao assumirmos tal questão como indicador da crise e disparador
de lutas. Foi nesse sentido que argumentamos que o eixo
da desvalorização do magistério, de algum modo, precisa
estar associado a um conjunto de outras propostas de intervenção micropolítica, tais como a valorização dos encontros
que viabilizam ensaios e inspiração, como diz Deleuze, ou
produções que façam diferença como em Foucault. Avaliação, condições de trabalho, velhas e novas tecnologias, leitura, escrita, fracasso escolar são temáticas que devem ser
problematizadas pela comunidade escolar, fazendo deste
exercício uma luta coletiva por uma nova Educação. Consideradas como horas de trabalho tanto quanto os momentos
de interação professor-aluno em sala de aula, o objetivo
é que tais proposições favoreçam práticas de intervenção
no cotidiano escolar, afirmando uma atuação que não se
restrinja à ação dos professores. Os desafios cotidianos
há muito estão postos e exigem práticas singulares que só
podem ser produzidas pelos implicados, favorecendo desdobramentos e interferências nas políticas públicas, em uma
concepção de público que fala de todos a partir de cada um,
de qualquer um que se disponha a fazer parte do campo de
experimentação como um ato potencializador de mudanças.
Se as denúncias constituem uma tática necessária,
sobretudo em países como o Brasil, em que os poderes
responsáveis não têm sido capazes de garantir a todos as
condições socioeconômicas básicas de sobrevivência, ao
colocar em discussão o exercício de direitos fundamentais,
isto parece intensificar nosso desafio em procurar construir
alianças para a construção de alternativas. “Existem momentos em que estas simplificações são necessárias. Para
de tempos em tempos mudar o cenário e passar do pró ao
contra, um tal dualismo é provisoriamente útil” (Foucault,
1979/1998, p. 238).
Prossegue o autor:
Referências
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trad.). São Paulo: Brasiliense. (Trabalho original publicado em
1986)
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Gondra (Orgs), Foucault 80 anos. Belo Horizonte: Autêntica.
É preciso passar para o outro lado – o “lado correto” –
mas para procurar se desprender destes mecanismos
que fazem aparecer dois lados, para dissolver esta
falsa unidade, a “natureza” ilusória deste outro lado
de que tomamos o partido. É daí que começa o
verdadeiro trabalho, o do historiador do presente
(Foucault, 1979/1998, p. 239).
Desvalorização do magistério: análises * Bruno Deusdará & Marisa Lopes da Rocha
221
Recebido em: 27/03/2012
Reformulado em: 07/08/2012
Aprovado em: 17/11/2012
Sobre os autores
Bruno Deusdará ([email protected])
Doutor em Psicologia Social (UERJ)
Endereço: R. Mariz e Barros, 1098 / 307 - Tijuca - Rio de Janeiro – RJ, CEP: 20.270-002.
Marisa Lopes da Rocha ([email protected])
Doutora em Psicologia (PUC-SP)
Endereço: R. Mario Bouças Coimbra, 10, Bl 2, apto 501 - Jacarepaguá - Rio de Janeiro – RJ.
CEP: 22743-675
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Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 215-222.
Produção Científica sobre o Teste de Cloze
Adriana Cristina Boulhoça Suehiro
Universidade Federa do Recôncavo da Bahia – BA
Resumo
O presente estudo investigou a produção científica sobre o Cloze publicada entre os anos de 2002 e 2012. Foram focalizados 14 periódicos, nos
quais 32 artigos foram analisados com base em alguns critérios estabelecidos por Witter e outros considerados relevantes pela autora. Os dados
evidenciaram um aumento das publicações a partir de 2007, sendo os anos de 2007 e 2008 os mais férteis. Observou-se que o relato de pesquisa
foi a forma mais utilizada e que o Sudeste foi a região que mais publicou nesse período. Houve ainda a predominância de autorias múltiplas e
femininas e de pesquisas que associaram outros testes ou escalas ao Cloze, portanto, houve relações com outros construtos. Os resultados
apontaram também a predominância de pesquisas no contexto educacional e com universitários, baseadas no emprego da técnica tradicional,
com a supressão de todo quinto vocábulo do texto e correção literal.
Palavras-chave: Bibliometria, compreensão de leitura, remediação de leitura.
Scientific Production on Cloze Test
Abstract
In this study we investigate the scientific production on Cloze test, between the years 2002 and 2012. Fourteen journals were used, from which
32 articles were analyzed on the basis of certain criteria set by Witter and others considered relevant by the author. The data evidenced an
increase in publications since 2007. The years 2007 and 2008 were the most productive. The research report was the most used form and the
southeastern region the one which most published in that period. There was still the predominance of multiple and feminine authorship and studies
that employed other tests to the Cloze, and therefore revealed a relationships with other constructs. The results also pointed to the predominance
of research in educational context with university student, based on the use of traditional technique, with the deletion of every fifth word of the
text and literal correction.
Keywords: Bibliometric, reading comprehension, remedial reading.
Producción científica sobre el Test de Cloze
Resumen
El presente estudio investigó la producción científica sobre el Cloze entre los años 2002 y 2012. Se enfocaron 14 periódicos de los cuales se
analizaron 32 artículos con base en algunos criterios establecidos por Witter y otros considerados relevantes por la autora. Los datos mostraron
un aumento en las publicaciones desde 2007, siendo los años de 2007 y 2008 los más proficuos. Se observó que el relato de investigación fue
la forma más utilizada y que el Sudoeste fue la región que más publicó en este período. Asimismo, hubo predominancia de autoría múltiple y
femenina, así como de investigaciones que asociaron otros tests o escalas al Cloze y, por lo tanto, hubo relaciones con otros constructos. Los
resultados indicaron también para la predominancia de investigaciones en contexto educacional y con universitarios, basadas en el uso de la
técnica tradicional con supresión de todos los quintos vocablos del texto y corrección literal.
Palabras clave: Bibliometria, compresión de lectura, remediación de la lectura.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 223-232.
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Introdução
A técnica de Cloze foi desenvolvida por Taylor, em
1953, e consiste na organização de um texto do qual se
omitem alguns vocábulos e no qual se pede ao leitor que,
após sua leitura integral, preencha as lacunas com as
palavras que melhor completem o sentido do texto. A alta
aceitação da técnica tem sido demonstrada pelas inúmeras
publicações discorrendo sobre o leque de possibilidades de
utilização desse recurso (Bensoussan, 1990; Kletzien, 1991;
Kopke Filho, 2001; Pinto, Alvarenga, & Kock, 1997; Santos,
1990; Vicentelli, 1999).
Considerada como um procedimento simples e flexível, que não coloca intermediários entre o leitor e o texto,
porque o texto é o próprio teste, a preparação dessa técnica
segue regras que variam em função do objetivo para o qual
o texto será utilizado. Os parâmetros mais frequentes na
omissão sistemática das palavras consistem na retirada de
todo quinto, sétimo ou décimo vocábulo, na supressão de
uma categoria gramatical (adjetivos, substantivos, verbos ou
outras), ou ainda na eliminação aleatória de 20% dos vocábulos do texto (Bormuth, 1968; Braga, 1981; Giordano, 1985;
Grant, 1979; Helfeldt & Henk, 1985; Hines & Warren, 1978;
Porter, 1979; Riley, 1986; Santos, 2004; Zucoloto, 2001).
Além da variação na utilização dos parâmetros de
omissão das palavras, há também diferenças relativas à sua
apresentação. De acordo com Santos (2004), o texto de Cloze é geralmente apresentado por escrito, sendo a palavra
omitida substituída por um traço de tamanho sempre igual,
tal como propõe Taylor (1953), ou proporcional ao tamanho
do vocábulo omitido, como sugerido por Bormuth (1968).
Isso porque, de acordo com Bormuth (1968), os resultados
obtidos com a utilização do traço proporcional apresentam
um índice mais alto de correlação com outras medidas de
compreensão em leitura.
Quanto à estruturação do texto, Bitar (1989) salienta
que várias são as diversificações sofridas em relação à forma tradicional proposta por Taylor. Entre as variações surgiram o Cloze lexical, o Cloze gramatical, o Cloze de múltipla
escolha e o Cloze Cumulativo. No Cloze lexical, somente
os itens lexicais do texto são omitidos, enquanto no Cloze
gramatical se omitem todos os itens relacionais (palavras
que não têm significado próprio e servem para conectar outras palavras estruturando o texto sintaticamente), ou seja,
preposições, conjunções, entre outros. No que se refere ao
Cloze de múltipla escolha, são oferecidas múltiplas alternativas para o preenchimento da lacuna; finalmente, no Cloze
cumulativo há a omissão sistemática de uma única palavra,
a qual é substituída por uma palavra sem sentido. Destarte,
nesta variação, a tarefa do leitor é identificar a palavra sem
sentido cada vez que ela apareça no texto.
Em seu estudo, Bitar (1989) comparou instrumentos
de diagnóstico em leitura quanto ao tipo de teste e ao critério
224
de correção utilizado entre eles e verificou o comportamento
dos leitores ao solucionar cada um deles. Sessenta crianças
de segunda, terceira e quarta séries do conhecido na época
como primeiro grau responderam a quatro testes de compreensão em leitura, a saber, o teste de atividades tradicionais,
o teste de Cloze convencional, o teste de Cloze gramatical
e, por fim, o teste de Cloze lexical. Os dados encontrados
evidenciaram que o teste de Cloze convencional e o teste de
atividades tradicionais se correlacionaram quando os textos
empregados exigiam o uso da capacidade interpretativa do
leitor, além da capacidade de compreensão. Os resultados
sugeriram, ainda, que o Cloze convencional indicou com
maior consistência o grau de maturidade do leitor. Não obstante, a autora ressalta a necessidade de se aprofundar a investigação para averiguar sua eficiência em relação ao teste
de Cloze lexical. Já o teste de Cloze gramatical, segundo as
análises, favoreceu o mascaramento das reais habilidades
de leitura. No que se refere ao comportamento dos leitores
na resolução das tarefas, Bitar (1989) observou uma consistência para cada nível de desempenho considerado.
No que se refere à estruturação do texto, além dos
parâmetros de omissão das palavras, é preciso considerar
também a questão de sua dificuldade e dos itens ou palavras omitidas. Quanto à dificuldade, verifica-se que o assunto abordado no texto também é um aspecto que deve
ser considerado, tendo em vista que foram encontradas
diferenças de desempenho com relação a essa variável;
logo, sob essa perspectiva, a familiaridade com o assunto
aumenta a probabilidade de acerto das respostas dadas, o
que introduz uma variável interveniente na comparação dos
desempenhos obtidos pelos indivíduos durante a realização
da técnica (Cohen, 1975; Oliveira, Boruchovitch, & Santos,
2009; Page, 1975).
Ao lado disso, Santos (1991) verificou que os erros
cometidos pelos leitores ocorriam com maior frequência
em palavras de determinadas classes gramaticais. Das
categorias mais difíceis às mais fáceis, observou adjetivos,
advérbios, substantivos, verbos, pronomes, contrações,
conjunções, preposições e artigos. A autora concluiu que as
categorias com forte carga semântica (adjetivos, substantivos, verbos e advérbios) tenderam a se mostrar mais difíceis
do que as categorias de relatores, como artigos e pronomes,
por exemplo.
A técnica de Cloze, como meio de avaliação da compreensão da leitura, apresenta também outras vantagens.
Uma delas é o fato de o leitor contar com o contexto como
único apoio e não se correr o risco de que ele use palavras-chaves da pergunta para adivinhar a resposta a ser dada,
evitando, dessa forma, a utilização de perguntas cuja compreensão poderia ser mais difícil do que a própria leitura
(Bensoussan, 1990; Garrido, 1988; Pellegrini, 1996; entre
outros). Outra vantagem está relacionada à utilização da
técnica como um meio de desenvolvimento da compreensão
da leitura, ao permitir ao aluno adivinhar as palavras que
são omitidas no texto, graças ao seu domínio das estruturas
semântico-sintáticas da linguagem e a seus conhecimentos
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 223-232.
anteriores acerca do conteúdo do texto (Bitar, 1989; Giordano, 1985; Santos, 1990, 1991).
Tendo em vista as vantagens da técnica de Cloze,
muitas pesquisas têm sido realizadas. Entre elas estão as
ligadas à validação do instrumento, bem como as relacionadas à compreensão e à inteligibilidade (Carelli, 1992; Garrido, 1979; Haugh; 1975; Oliveira, Boruchovitch, & Santos,
2007; Rankin; 1970; Zucoloto & Sisto, 2002). Também há
outras referentes à intervenção e ao processo de remediação da leitura (Braga, 1986; Coelho & Correa, 2010; Hussein, 2008; Sampaio & Santos, 2002; Santos, 1994; Santos
& Oliveira, 2010), entre muitos outros temas.
A maioria dos estudos publicados tem sido realizada
com universitários (Arouca, 1997; Bensoussan, 1990; Bitar,
1989; Capovilla & Santos, 2001; Oliveira & Santos, 2008;
Oliveira, Suehiro & Santos, 2004; Rinaudo & Olmos, 1996;
Santos, 1991; Santos, 1997; Santos, Suehiro & Oliveira,
2004; Santos, Vendramini, Suehiro & Santos, 2006; Vicentelli, 1999; Witter, 1996). Em menor número encontram-se
alguns que têm focalizado a população adolescente e infantil
(Bampi, 2000; Bitar, 1989; Braga, 1981; Carelli, 1992; Castelo Branco, 1992; Castro, 1981; Joly, 1999; Joly & Lomônaco,
2003; Neves, 1997; Oliveira, Boruchovitch, & Santos, 2007;
Santos, 2004, 2005; Santos & Oliveira, 2010; Suehiro & Santos, 2009; Zucoloto, 2001; Zucoloto & Sisto, 2002).
Dentre os estudos realizados com a população adolescente e infantil, a maioria tem se dedicado ao processo de
remediação em preferência a investigações que verifiquem a
compreensão em leitura e atestem a validade do instrumento para a avaliação dessa habilidade, possibilitando o uso
adequado da técnica e das informações que dela provêm
e garantindo-lhe maior legitimidade. De modo geral, esses
estudos têm evidenciado que a técnica de Cloze é um instrumento que possibilita, de maneira eficiente, o treinamento
em habilidades que favorecem a compreensão em leitura
(Bampi, 2000; Braga, 1981; Carelli, 1992; Castro, 1981; Joly,
1999; Joly & Lomônaco, 2003; Santos, 2004).
Apesar da importância e da facilidade de emprego
dessa técnica e das inúmeras pesquisas realizadas com seu
emprego, foi localizado apenas um estudo que se deteve
à análise da produção científica voltada ao Cloze. Aliás,
embora haja consenso quanto à relevância da análise da
produção científica, poucos estudos específicos sobre a
produção da psicologia têm sido realizados e registrados na
literatura brasileira. As pesquisas que têm se debruçado sobre a produção científica nessa área do conhecimento têm
revelado, por um lado, que a Região Sudeste tem se firmado
como o grande berço da produção do país, e, por outro, que
os manuscritos divulgados - em sua maioria, relatos de pesquisa - são escritos predominantemente por mulheres e em
sistema de coautoria (Aguiar Netto, 1988; Cunha, Suehiro,
Oliveira, Pacanaro, & Santos, 2009; Oliveira e cols., 2007;
Oliveira, Cantalice, Joly, & Santos, 2006; Souza Filho, Belo,
& Gouveia, 2006; Suehiro, Cunha, Oliveira & Pacanaro,
2007; Suehiro, Cunha, & Santos, 2007; Suehiro, Gaino, &
Meireles, 2008, no prelo; Suehiro, Rueda, Oliveira, & Paca-
Teste de Cloze * Adriana Cristina Boulhoça Suehiro
naro, 2009; Suehiro & Rueda, 2009; Yamamoto, Souza, &
Yamamoto, 1999).
O único estudo localizado, em que o Cloze foi foco
de análise e que faz algumas considerações quanto às
publicações com o mesmo foi o de Cunha (2009). A autora
recuperou 52 trabalhos que utilizaram a técnica de Cloze
no período de 1976 a 2007. O ano com maior concentração
de pesquisas foi o de 2000. Dos trabalhos produzidos com
a técnica, 50% foram realizados a partir de então, e o tipo
de estruturação do texto ou modalidade mais utilizada foi a
tradicional.
A autora ressalta, ainda, que dos 52 trabalhos analisados, 47 foram realizados no contexto educacional e, em
sua maioria, com estudantes universitários. No que se refere
à relação do Cloze com outros testes, questionários, escalas
e provas, os resultados evidenciaram que nas pesquisas em
que houve correlação com a escrita utilizou-se a produção
de textos escritos com tema livre, tema estabelecido e à vista de uma gravura e a Escala de Avaliação de Dificuldades
na Aprendizagem da Escrita (ADAPE). Testes de múltipla escolha, de desempenho verbal, de descrição, questões sobre
as dificuldades percebidas e sobre as estratégias utilizadas
para a sua superação foram empregados quando se avaliou
a interpretação de textos.
O teste de criatividade de Torrance, o de criticidade
e o de criatividade também aparecem entre os instrumentos
associados ao Cloze, assim como a Escala de Estratégias de
Leitura, de estratégias de aprendizagem e de avaliação de
estilos cognitivos. Houve ainda o uso de questionários como
o de caracterização do comportamento de ler, de caracterização dos tipos mais frequentes de avaliação utilizados no
Ensino Superior e de questões objetivas de matemática, assim como provas de raciocínio indutivo, lógico-dedutivo e de
conhecimentos gerais. Outros tipos de resultados também
foram correlacionados com o Cloze, tais como os resultados
do vestibular, as médias acadêmicas, o Desenho da Figura
Humana (de Koppitz), o método qualitativo de análise de
Witter e o desempenho em jogos, assim como exercícios de
relaxamento.
De acordo com Cunha (2009), seus resultados corroboram a versatilidade e utilidade da técnica, pois o teste
assumiu diversos formatos nas pesquisas recuperadas. Do
mesmo modo, tais achados ratificaram a utilidade do teste
de Cloze tanto para o diagnóstico da compreensão em leitura, utilizado em 71,5% das pesquisas, quanto para o desenvolvimento de programas de intervenção e remediação, que
representou 21,5% dos trabalhos analisados.
Diante do exposto, considera-se que, independentemente do meio de divulgação, pesquisas sistemáticas sobre
a produção científica de um determinado tema ou assunto
são imprescindíveis para revelar o “estado da arte” do conhecimento em um campo de estudo e promovem crescimento, uma vez que sua divulgação facilita o acesso ao
conhecimento em diversas áreas. Ao lado disso, possibilitam
o levantamento de possíveis diretrizes para novos temas
de pesquisas e de distribuição de fomento (Freitas, 1998;
225
Witter, 1996, 1999, 2006). Considerando esses aspectos,
o presente estudo objetivou analisar a produção científica
sobre o teste de Cloze, entre 2002 e 2012, em periódicos
científicos de psicologia.
Método
O estudo foi realizado em três etapas. A primeira
focalizou todos os periódicos disponibilizados no Scientific
Electronic Library Online (SciELO) e nos Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PEPSIC); a segunda, apenas aqueles
nos quais foram encontrados artigos que focalizavam o Teste de Cloze na época da coleta de dados (março de 2012);
e a terceira, apenas aqueles que disponibilizavam online os
textos completos. Para a recuperação desses textos foram
considerados os termos: “Teste de Cloze”, “Cloze”, “Cloze
Test” e “Técnica de Cloze”. Nessa terceira etapa foram
analisados os seguintes periódicos: Arquivos Brasileiros
de Psicologia (publicação quadrimestral), Paidéia (não há
informação no site quanto a peridiocidade da publicação),
Psicologia: Ciência e Profissão (publicação trimestral),
Psicologia Escolar e Educacional (publicação semestral),
Psicologia em Estudo - Maringá (publicação quadrimestral),
Psicologia: Reflexão e Crítica (publicação quadrimestral),
Psic: Revista de Psicologia da Vetor Editora (publicação
semestral), Psico-USF (publicação semestral), Psico (publicação trimestral), Psicologia: Teoria e Pesquisa (publicação
trimestral), Interação em Psicologia (publicação semestral),
Estudos de Psicologia - Campinas (publicação trimestral),
Psicologia em Pesquisa (publicação semestral) e Fractal:
Revista de Psicologia (publicação semestral).
Fonte
A amostra do estudo foi composta por 32 artigos
recuperados em 14 periódicos que focalizavam o Teste de
Cloze entre 2002 e 2012.
Procedimento
Os artigos foram analisados na íntegra com base
em alguns critérios estabelecidos por Witter (1999) e outros
considerados relevantes pela autora. Os itens pesquisados
foram: (a) a quantidade de artigos publicados por revista e
por ano; (b) a distribuição da produção por origem (Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste, Norte, parcerias nacionais e
internacionais); (c) a natureza da autoria (individual ou múltipla), bem como o gênero dos autores; (d) a distribuição do
tipo de trabalho (relato de pesquisa de campo ou manuscrito
teórico); (e) contextos e populações nas quais o instrumento
tem sido aplicado; (f) correlação com outros instrumentos
(testes, escalas, questionários, entre outros); (g) objetivos
dos estudos (diagnóstico - compreensão e inteligibilidade;
intervenção e processo de remediação da leitura; validação
226
da técnica); (h) estruturação do texto (Cloze Tradicional,
Cloze lexical, Cloze gramatical, Cloze de múltipla escolha
e Cloze Cumulativo); (i) parâmetros na omissão sistemática
das palavras (retirada de todo quinto, sétimo ou décimo vocábulo; supressão de uma categoria gramatical (adjetivos,
substantivos, verbos, entre outras) ou eliminação aleatória
de 20% dos vocábulos do texto); (j) critérios de correção
(correção literal ou utilização de sinônimos).
O levantamento de todos os dados foi realizado pela
autora da pesquisa e reavaliado por uma pessoa externa ao
estudo, separada e concomitantemente, para dar confiabilidade à avaliação. O índice de concordância ficou acima de 90%.
Resultados e discussão
Considerando-se o objetivo do estudo, num primeiro
momento verificou-se a quantidade de artigos publicados
por periódico e por ano. A Tabela 1 apresenta os resultados
desse levantamento.
Observou-se que das 14 revistas analisadas, nove
publicaram apenas um artigo sobre o Teste de Cloze nos
últimos dez anos. O maior número de publicações ocorreu
nos periódicos ‘Psic: Revista de Psicologia da Vetor Editora’ (n=6; 18,8%), ‘Estudos de Psicologia – Campinas’ (n=5;
15,6%) e ‘Psicologia: Reflexão e Crítica’(n=5; 15,6%). Quanto à frequência de publicação por ano, verificou-se um incremento no número de artigos publicados a partir de 2007,
sendo os anos de 2007 e 2008 os mais profícuos (n2007= 5;
15,6%; n2008= 8; 25,0%). O aumento no número de publicações especialmente nos últimos três anos do estudo também
foi verificado por outras pesquisas como por exemplo a de
Oliveira, Santos e cols. (2007), ao investigarem a produção
científica em avaliação psicológica no contexto escolar no
período de 1995 a 2004, a de Suehiro, Gaino e cols., (2008)
e a de Suehiro e Rueda (2009).
Apesar dos diversos estudos que têm comprovado
a versatilidade da técnica e sua utilidade para diferentes
objetivos, entre os quais a remediação e o desenvolvimento da compreensão em leitura (Bampi, 2000; Braga, 1981;
Carelli, 1992; Castro, 1981; Cunha, 2009; Joly, 1999; Joly
& Lomônaco, 2003; Santos, 2004; entre outros), uma das
habilidades mais requisitadas no ensino formal e na vida
cotidiana dos indivíduos, considera-se que a técnica ainda
tem sido muito pouco explorada no Brasil, o que pode ser
comprovado pelo número de artigos ainda restrito no período de dez anos analisado (N=32). A baixa produção relativa
ao teste é preocupante especialmente porque sua utilização
torna-se ainda mais relevante em um contexto no qual diversos dados têm apontado para o fato de que os estudantes,
independentemente da etapa de escolaridade na qual se encontrem, compreendem muito pouco do que leem e não têm
o hábito de leitura (Carvalho, 2001; Oliveira, 2005; Ribeiro,
2006; Ministério da Cultura, 2011).
Para avaliar a origem da produção, levantou-se a
procedência dos artigos. Para tanto, avaliou-se a região,
o país e as parcerias regionais e internacionais realizadas.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 223-232.
Tabela 1. Distribuição geral da quantidade de artigos publicados por revista e por ano (N=32).
Periódicos
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Total
%
Arquivos Brasileiros de Psicologia
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
1
3,1
Estudos de Psicologia - Campinas
0
0
1
0
1
0
1
1
1
0
5
15,6
Fractal: Revista de Psicologia
0
0
0
0
0
0
0
1
0
0
1
3,1
Interação em Psicologia
1
1
1
0
0
0
1
0
0
0
4
12,5
Paidéia
0
0
0
0
0
0
1
0
0
0
1
3,1
Psicologia: Ciência e Profissão
0
0
0
0
0
0
1
0
0
0
1
3,1
Psicologia Escolar e Educacional
0
0
0
0
0
2
1
0
0
0
3
9,4
Psicologia em Estudo/Maringá
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
3,1
Psicologia em Pesquisa
0
0
0
0
0
1
0
0
0
0
1
3,1
Psicologia: Reflexão e Crítica
1
0
0
1
1
0
0
1
1
0
5
15,6
Psicologia: Teoria e Pesquisa
0
0
0
1
0
0
0
0
0
0
1
3,1
Psic
0
0
0
0
1
2
3
0
0
0
6
18,8
Psico
0
0
0
0
0
0
0
1
0
0
1
3,1
Psico-USF
0
0
0
0
0
0
0
0
1
0
1
3,1
Total
3
1
2
2
3
5
8
4
3
1
9,4
3,1
6,2
6,2
9,4
15,6
25
12,5
9,4
3,1
32
100
%
Quanto a este aspecto faz-se necessário ressaltar que se
consideraram como “parcerias” os textos elaborados entre
pesquisadores de diferentes regiões do Brasil e de países
distintos. Quando os estudos foram produzidos por pesquisadores de diferentes instituições, porém da mesma região,
foram considerados referentes à região da qual os autores
eram provenientes.
Os resultados referentes à origem da produção indicaram, por um lado, que a Região Sudeste foi a que mais
contribuiu para a divulgação dos conhecimentos produzidos
sobre o Cloze ao longo do período analisado, representando
a quase totalidade das produções focalizadas (n= 31; 96,9%).
Por outro, evidenciaram que as regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte não contribuíram com nenhuma publicação sobre o
assunto nos últimos dez anos. A única modificação no cenário
em relação a estudos anteriores em produção científica está
no fato de que a Região Nordeste começa a figurar nesse novo
contexto sob a forma de parceria com outras regiões (n=1;
3,1%). O fato de o Sudeste figurar como a região de maior
produção do conhecimento no país corrobora os resultados
obtidos por diversas pesquisas que se detiveram na análise
da produção científica, refletindo uma tendência observada
na psicologia como um todo (Oliveira e cols., 2007; Souza
Filho e cols., 2006, Suehiro & Rueda, 2009, Suehiro e cols.,
2008, no prelo; entre outros).
Quanto ao tipo de autoria (individual ou múltipla),
verificou-se que os artigos foram escritos, na maioria, por
mais de um autor (n=29; 90,6%), assim como constatado por
Souza Filho e cols. (2006), Oliveira e cols. (2007) e Suehiro
e Rueda (2009). A média de autores por artigos foi 2,28, senTeste de Cloze * Adriana Cristina Boulhoça Suehiro
do o mínimo um e o máximo oito. Ao se considerar a amostra
total observou-se que a maior parte dos autores foi do sexo
feminino (n=73; 94,8%), sendo que na totalidade dos artigos
analisados, o primeiro autor também foi do sexo feminino.
Os achados com relação à superioridade feminina na
autoria dos trabalhos que têm sido divulgados corroboram a
hegemonia verificada em diversos estudos acerca da produção científica no país (Cunha e cols., 2009; Souza Filho e
cols., 2006; Suehiro, Cunha, Oliveira e cols., 2007; Suehiro
& Rueda, 2009; Yamamoto e cols., 1999). Ademais, cumpre
ressaltar o fato de que, desde a sua criação, a Psicologia
têm se constituído como uma profissão tipicamente feminina, o que faz com que essas constatações pareçam algo
natural (Bock, 2003; Castro & Yamamoto, 1998).
No que se refere à análise por tipo de trabalho, buscou-se investigar a modalidade na qual o manuscrito se enquadrava. Para tanto, consideraram-se as categorias relato
de pesquisa de campo e manuscrito teórico. Os resultados
evidenciaram que todo o material publicado se referia a relatos de pesquisa, confirmando os achados de Souza Filho
e cols. (2006), Oliveira e cols. (2007) e Suehiro e Rueda
(2009).
Dentre os artigos analisados, 31 referem-se ao
contexto escolar, sendo que a maioria focalizou o Ensino
Fundamental (n=15; 47%), vindo a seguir o Ensino Superior
(n=14; 43,7%). Sobre o Ensino Médio foram encontrados artigos (6,2%). Do total de artigos, a maioria (n=16; 50,0%) se
propôs avaliar a relação do Teste de Cloze com outros construtos, associando-o a outros testes, escalas, questionários,
entre outros. São eles, a Escala de Avaliação de Dificuldades
227
Os dados dispostos na tabela 2 evidenciaram que a
maioria das produções envolveu a relação do Cloze - portanto, também da leitura - com outros construtos (n=16; 50,0%).
Seguiram-se as produções sobre a intervenção e o processo
de remediação da leitura (n=6; 18,7%) e sobre o diagnóstico
(n=5; 15,6%). Do mesmo modo, os achados referentes ao
objetivo dos estudos recuperados aqui e os formatos diversificados que a técnica pode assumir, corroboram os de Cunha
(2009), tendo em vista que os objetivos de diagnóstico da
compreensão em leitura (n=5; 15,6%) e de programas de intervenção e remediação (n=6; 18,7%) figuram entre os mais
frequentes. Além da predominância daqueles que se basearam no Cloze Tradicional (n= 28; 84,8%), com parâmetro de
omissão sistemática de todo quinto vocábulo do texto (n=
31; 96,8%) e correção literal (n=20; 63,7), ou seja, aquela
na qual se considera correta toda palavra exatamente igual
à suprimida. Esses resultados corroboram a aplicabilidade
do Cloze como técnica de avaliação e remediação da compreensão em leitura, como demonstraram diversos estudos,
podendo ser visualizados na tabela 3 (Bampi, 2000; Braga,
1981; Carelli, 1992; Castro, 1981; Coelho & Correa, 2010;
Hussein, 2008; Joly, 1999; Joly & Lomônaco, 2003; Oliveira,
Boruchovitch e cols., 2007; Santos & Oliveira, 2010; Oliveira
& Santos, 2008; Santos, 2004; Zucoloto & Sisto, 2002).
na Aprendizagem da Escrita (ADAPE), o WISC III; o Teste de
Desempenho Escolar (TDE); o Teste de Reconhecimento de
Palavras (EREP); a produção de textos escritos com tema
estabelecido; questões sobre as dificuldades percebidas
e sobre as estratégias utilizadas para a sua superação; a
Escala de Estratégias de Leitura; a Escala de Atitudes de
Leitura; a Escala de Avaliação da Escrita (EAVE); a Escala
de Estratégias de Aprendizagem e a Escala Beck de Desesperança. Houve ainda o uso de questionários como o
de caracterização dos tipos mais frequentes de avaliação
utilizados no Ensino Superior; de questões objetivas de
matemática e de caracterização das condições de estudo,
assim como tarefas de consciência fonológica e de consciência morfológica. Além destes, foram correlacionados
com o Cloze as médias acadêmicas ou notas escolares e
o desempenho em jogos. Essa tendência em relação ao
contexto no qual a técnica tem sido empregada, às etapas
de escolarização focalizadas nos estudos, bem como aos
testes, escalas, questionários e demais critérios externos
correlacionados com o Cloze já havia sido evidenciada por
Cunha (2009) e por outros estudos, como os de Bitar (1989),
Oliveira, Suehiro e Santos (2004) e Santos e cols. (2006).
Os resultados concernentes aos objetivos das produções
podem ser visualizados na tabela 2.
Tabela 2. Distribuição das produções em função dos seus objetivos (N=32).
Objetivo
F
%
Diagnóstico, compreensão e inteligibilidade
5
15,6
Intervenção e processo de remediação da leitura
6
18,7
Relação com outros construtos
16
50,0
Validação da técnica
4
12,5
Produção científica
1
3,1
Total
32
100
Tabela 3 - Distribuição da produção por estruturação do texto e correção empregados (N=31).
Estruturação do Texto
F
%
28
84,8
Lexical
0
0
Sinônima
Gramatical
0
0
Múltipla escolha
3
9,2
Cumulativo
1
3,0
Não se aplica
1
3,0
33
100
Tradicional
Total
228
Correção
F
%
21
63,7
1
3,0
Não há relato
10
30,3
Não se aplica
1
3,0
33
100
Literal
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 223-232.
À guisa de conclusão
O objetivo do presente estudo foi realizar um levantamento dos trabalhos publicados sobre o Teste de Cloze no
período de 2002 a 2012, em duas bases de dados online.
Isso porque se considerou que o acesso a produções em
bases de dados desse tipo tem permitido uma disseminação
muito mais rápida do conhecimento produzido nas diversas
áreas do conhecimento.
O número de estudos aqui recuperado pode ser considerado ainda pequeno, especialmente ao se considerar
a importância da compreensão em leitura para qualquer
cidadão. Ao lado disso, é preciso ressaltar que apesar de
o Cloze ser um instrumento de fácil aplicação e não ser
restrito aos psicólogos, no que se refere especificamente à
Psicologia, muito ainda há para se explorar, especialmente
no que concerne à sua cientificidade. Outro dado que chama
a atenção é o fato de que o Ensino Médio tem sido muito
pouco pesquisado, o que, em consonância com as atuais
avaliações do governo brasileiro, ressalta a importância de
estudos com essa população.
As categorias de análise focalizadas neste estudo foram: quantidade de artigos publicados por revista e por ano;
distribuição da produção por origem; natureza da autoria e
gênero dos autores; distribuição do tipo de trabalho; contextos e populações nas quais o instrumento tem sido aplicado;
correlação com outros instrumentos; objetivos dos estudos;
estruturação do texto e, por fim, parâmetros na omissão de
palavras e critérios de correção. Embora se tenham empregado categorias amplamente difundidas para estudos desse
porte e outras relevantes para o estudo da técnica, considera-se que devem ser realizadas pesquisas mais aprofundadas sobre o objetivo dos estudos, mais especificamente
sobre suas evidências de validade e as análises realizadas,
e ainda sobre os resultados obtidos. Neste sentido, em face
das limitações desta pesquisa - como o foco em apenas
duas bases de dados online e a quantidade ainda restrita de
estudos voltados para a análise da produção científica que
possibilitem maior respaldo para seus achados - considera-se que estudos com um maior aprofundamento devem ser
realizados levando em consideração as possibilidades de
investigação citadas anteriormente. Pesquisas desse porte
são relevantes não apenas por possibilitarem o desenho e o
desenvolvimento da área, mas, sobretudo, por funcionarem
como um indicativo das lacunas que precisam ser preenchidas, contribuindo assim para a disseminação, a qualidade e
o progresso do conhecimento produzido.
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Recebido em: 03-04-2012
Reformulado em : 01-08-2012
25-10-2012
Aprovado em:17-11-2012
Sobre a autora
Adriana Cristina Boulhoça Suehiro ([email protected])
Psicóloga. Doutora em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco e docente da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Líder e pesquisadora do Laboratório de Instrumentação e Avaliação Psicológica da Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia (LABIAP).
Endereço: Avenida Carlos Amaral, 1015. Cajueiro, Santo Antônio de Jesus – BA. CEP: 44574-490
232
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 223-232.
O Conceito de consciência em Vigotski: uma
aproximação pela comparação de duas leituras
Cláudio Henrique Pedrosa
Núcleo da Abrapso em Goiânia – GO
Resumo
Este trabalho apresenta uma comparação entre dois artigos que tratam da consciência na obra de Vigotski: “Conceito de consciência em Vigotski”
e “A consciência na obra de L. S. Vigotski: análise do conceito e implicações para a psicologia e a educação”, publicados respectivamente em
2006 e 2010, os quais destacam a importância de Vigotski na conceituação da consciência como objeto de uma psicologia que superasse
sua crise paradigmática. Ao realizar uma comparação estrutural entre os dois textos, com recurso à crítica de leitor proposta por Vigotski em
“Psicologia da Arte”, este estudo constata a relevância dos dois trabalhos para o fortalecimento do campo teórico inaugurado pelo pensador
soviético. Conclui-se com a proposta de uma reordenação lógica entre os dois textos que leve em conta o grau de complexidade e os arranjos
internos de suas argumentações. Faz-se assim uma pequena contribuição à obra de Vigotski, amplamente utilizada na educação, porém pouco
reconhecida na história da Psicologia.
Palavras-chaves: Vygotsky, consciência, história da Psicologia.
The concept of consciousness in Vygotsky:
an approximation by comparing two readings
Abstract
This paper presents a comparison of two articles about the consciousness in the Vygotsky`s work. The texts Conceito de consciência em Vigotski
and A consciência na obra de L. S. Vigotsy: análise do conceito e implicações para a psicologia e a educação, published respectively in 2006 and
2010, emphasize the importance of Vygotsky to the concept of consciousness as the object of a psychology that would overcome its paradigm
crisis. When performing a structural comparison between the two texts, by using the reader´s criticism proposed by Vygotsky in “Psychology of
Art”, this study notes the importance of the two works to strengthen the theoretical field inaugurated by Vygotsky. We conclude by proposing a
logical re-ordering between the two texts, taking into account the complexity and the internal arrangements of their arguments. It may be a small
contribution to Vygotsky´s work, widely used in education, but little recognized in the history of Psychology.
Keywords: Vygotsky, conscience, History of Psychology
El concepto de conciencia en Vigotski:
una aproximación mediante comparación de dos lecturas
Resumen
Este trabajo presenta una comparación entre dos artículos que tratan de la conciencia en la obra de Vigotski. Los textos Concepto de conciencia
en Vigotski y La conciencia en la obra de L. S. Vigotski: análisis del concepto e implicaciones para la psicología y la educación, publicados
respectivamente en 2006 y 2010, destacan la importancia de Vigotski en la conceptualización de la conciencia como objeto de una Psicología
que supere su crisis paradigmática. Este estudio, al realizar una comparación estructural entre los dos textos recurriendo a la crítica de lector
propuesta por Vigotski en “Psicología del Arte”, constata la relevancia de los dos trabajos para el fortalecimiento del campo teórico inaugurado por
Vigotski. Se concluye proponiendo una reordenación lógica entre los dos textos teniendo en cuenta el grado de complejidad y las disposiciones
internas de sus argumentos. Así, se presenta una pequeña contribución a la obra de Vigotski ampliamente utilizada en la educación sin embargo
poco reconocida en la historia de la Psicología.
Palabras Clave: Vigotski; conciencia; historia de la Psicología.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 233-238.
233
Introdução
O objetivo específico deste texto é estabelecer uma
discussão comparativa entre dois artigos em língua portuguesa que tratam do problema conceitual da consciência na
obra de Vigotski, a saber, os artigos Conceito de consciência
em Vigotski e A consciência na obra de L. S. Vigotski: análise
do conceito e implicações para a psicologia e a educação,
dos quais o primeiro é de autoria de Gisele Toassa (2007)
e o segundo foi escrito por Lia Lordelo & Robinson Tenório
(2010). O objetivo geral que se pretende dessa discussão
é contribuir com o campo dos estudos relativos à teoria de
Vigotski, já amplamente conhecida como um instrumental
valioso para o entendimento dos processos educacionais
em torno dos quais a Psicologia vem sendo chamada a se
pronunciar, mas ainda pouco reconhecida na História da
Psicologia.
Não visamos aqui estabelecer uma comparação pueril ou ingênua, em termos de qual texto é o melhor ou de qual
é mais recomendável, mas, antes, valorizar os dois trabalhos, ordenando sua contribuição no campo histórico da Psicologia, tomando-os como ferramentas para ampliação das
discussões ainda incipientes acerca da importância devida
a L. S. Vigotski como historiador e como epistemólogo da
Psicologia, conforme demonstrou Lordelo (2011). Tampouco
é nosso objetivo instaurar um terceiro ponto de vista, mais
amplo ou profundo, a partir do qual os dois trabalhos venham a ser julgados quanto à sua aproximação, em termos
de precisão e acerto, do conceito mesmo de consciência na
obra de Vigotski. Antes, estabelecemos os dois textos como
parâmetros recíprocos, procurando avaliar seus consensos
e suas discordâncias por meio de um diálogo entre ambos,
aplicando - um pouco fora de lugar - aquilo que Vigotski chamou de “crítica de leitor” (Cf. Bezerra, 1999; Vigotski, 1999).
Ainda com esse mesmo espírito - um tanto deslocado
e despojado de grandes pretensões - não tentaremos dissecar o contexto de produção dos dois textos ou analisar
as implicações dos enunciados constitutivos dos textos.
Ficarão de fora desta análise questões como: quem são os
autores e autoras dos textos? Com quem dialogam nesses
textos? Que vozes anteriores às suas estarão repercutindo?
Que vozes estarão silenciando? Em que momento histórico
suas ideias estão sendo expostas? Qual o peso institucional
dos veículos em que essas ideias estão sendo postas em
circulação?. Enfim, várias perguntas que poderiam conduzir
a reflexões interessantes ficarão de fora deste trabalho, em
parte pelo limite de tempo e espaço, em parte pela opção
metodológica.
Para sermos fiéis a essa opção metodológica, seguiremos com Vigotski (1999) o mesmo método utilizado para
abordar a Psicologia da obra de arte indo “da forma da obra
de arte, passando pela análise funcional de seus elementos e da estrutura para a recriação da resposta estética”.
Ainda que não estejamos visando ao “estabelecimento de
leis gerais” nesta análise comparativa, podemos adotar esse
mesmo esquema “forma-estrutura-função” para gerar algum
entendimento das obras acadêmicas.
234
É preciso reconhecer que o objeto de análise submetido por Vigotski à “crítica de leitor”, a obra de arte, mantém
suas especificidades, sobretudo no que concerne à finalidade estética e ao caráter ficcional, em contraste com a obra
científica, que é produzida sob regras bastante distintas. Não
obstante, em face de sólidas e recentes inquietações sobre
as aproximações entre arte e ciência, interrogando-nos “Até
que ponto a dimensão estética está presente e é importante
na atividade dos cientistas” (Massarani, Moreira, & Almeida,
2011, p. 7), não consideramos totalmente impróprio o uso
desse método de análise para estudar produções científicas,
como o que tentamos nestas páginas.
Seguindo essa proposta, pretendemos nos deter
primeiro na forma e função dos textos, consideradas aqui
como uma disposição intencional do respectivo material
argumentativo. Em seguida, queremos desenvolver uma reflexão em torno do efeito que cada um dos textos, por suas
propriedades, poderia imprimir em um leitor, concebido não
como um apreciador da estética, mas como um interessado
no campo temático constituído pela Psicologia de Vigotski.
1. A falta de consciência da Psicologia sobre a
consciência em Vigotski
Antes de nos determos na comparação, cabe uma
breve observação sobre a importância do conceito de consciência para a Psicologia de Vigotski, e de modo mais dialético, sobre a importância da Psicologia de Vigotski para
a sobrevivência do conceito de consciência no âmbito da
Psicologia moderna.
Infelizmente, seria exagero falar em consenso geral,
pois casos como o do Manual de Shcultz e Schultz (2006),
que consegue realizar uma história da Psicologia moderna
passando ao largo das contribuições de Vigotski, não são raros na “história” da História da Psicologia. Densas incursões
pela epistemologia da Psicologia como as empreendidas por
Figueiredo (2008) e Japiassu (2001) deixam de lado o projeto de Vigotski, que deveria ser tido como um ponto de inflexão, a julgar pelas leituras mais recentes da importância do
psicólogo soviético como proponente de uma metodologia
e de uma epistemologia para a Psicologia. Para Lia Lordelo
(2011), embora tenha se tornado mais conhecido por suas
contribuições conceituais para a Psicologia da Educação,
“Vigotski deixou outro legado teórico importante, o qual diz
respeito ao estudo da história da psicologia enquanto ciência e à crítica das ideias psicológicas em voga no início
do século XX” (Lordelo, 2011, p. 537). Ademais, segundo
observa a pesquisadora e educadora Zoia Prestes, falando
do período entre 1925 e 1930, “os estudos do grupo liderado
por Vigotski provocam uma revolução na interpretação da
consciência como uma forma especial de organização do
comportamento do homem” (Prestes, 2010, p. 31).
Apesar de ter sido negligenciado e jogado no ostracismo, o trabalho de Vigotski sobre a produção da consciência individual como um processo histórico e social, revestido
de objetividade suficiente para suportar uma investigação
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 233-238.
científica, escapava ao mesmo tempo do reducionismo positivista e do racionalismo idealista - aspectos característicos
das opções disponíveis à época os quais, segundo nos contam os historiadores da epistemologia da psicologia, ora a
mantinham presa no campo das ciências naturais, ora se
perdiam na estratosfera da especulação metafísica (Japiassu, 2001; Mariguela, 1999). Transpor esse dualismo e debruçar-se sobre a consciência como um fenômeno unitário
e concreto representava um desafio. É ainda Zoia Prestes
quem nos conta, seguindo declarações de Leontiev (citado
por Prestes, 2010), que o desafio assumido pelo grupo “era
penetrar nos estudos sobre a consciência como uma realidade própria da psicologia, desvendar a consciência como
uma forma especificamente humana da psiquê e apresentar
sua característica substancial.” (Prestes, 2010, p.63).
Diante dessas observações sobre a força da contribuição teórico-metodológica de Vigotski e a contrastante
ausência de referências à psicologia soviética posterior a
Pavlov nos manuais de Psicologia Geral, é difícil resistir à
tentação de formular uma afirmação irônica a respeito da
falta de consciência da Psicologia acerca do conceito de
consciência na Psicologia vigotskiana.
Feitas essas breves observações com a finalidade de
destacar a importância do projeto de uma nova psicologia
que visava ultrapassar as barreiras conceituais impostas
pelo método tradicional e a relevância da consciência nesse
projeto, tomada como um objeto concreto e perscrutável,
ainda que complexo e dinâmico, passamos à exploração
dos artigos já referidos.
2. Vigotski e
aproximações
consciência:
duas
diferentes
Por ordem cronológica, o artigo de Gisele Toassa, de
2006, veio a público antes do texto de Lia Lordelo e Robinson Tenório, publicado em 2010, num contexto que se
caracteriza “pela escassez de trabalhos de natureza teórico-crítica sobre as reflexões produzidas por Vigotski, no âmbito
da Psicologia enquanto ciência” (Lordelo & Tenório, 2010,
p. 80); contudo, ao contrário do que se poderia esperar, o
segundo texto não faz qualquer referência ao primeiro.
Ao nos debruçarmos sobre os títulos, encontramos
no primeiro uma estrutura sintética, quase lapidar, conceito
de consciência em Vigotski (Toassa, 2006); e no segundo, a
exposição um pouco mais detalhada de um compromisso ou
de um interesse específico: A consciência na obra de L.S.
Vigotski: análise do conceito e implicações para a Psicologia
e a Educação.
O segundo texto, cujo título explicita um compromisso da reflexão teórica com as possibilidades de sua aplicação na prática, ou ao menos sua aplicação em campos
de conhecimento (e prática?) específicos, faz um percurso
demarcado pelos seguintes tópicos: Introdução, no qual se
apresentam os objetivos, a justificativa e o percurso metodológico do texto; Transformação no conceito vigotskiano
de consciência, no qual são analisadas as mudanças nos
Consciência em Vigotski: aproximações * Cláudio Henrique Pedrosa
termos que fundamentam a proposições teóricas de Vigotski
acerca da consciência, primeiro como construto mais intimamente ligado ao paradigma reflexológico, inaugurado
por Pavlov e consolidado por Bekhterev (1923, citado por
Vigotski, 2004), posteriormente voltado “para uma concepção semiótica ou mediacional” (Lordelo & Tenorio, 2010,
p. 81). Concepção mais evidentemente marcada por uma
relação dialética entre a consciência e a experiência social.
Em certa medida, essa dialética já poderia ser antevista no A
consciência como problema da psicologia do comportamento (Vigotski, 1925/2004).
O Tópico seguinte, no texto de Lordelo e Tenório
(2010) A consciência no espelho: uma nova epistemologia
para a psicologia discute a analogia proposta por Vigotski
entre a relação da consciência com o mundo real e a relação da imagem refletida no espelho com o objeto real que
dá origem à imagem. Em resumo, a consciência é como a
imagem de um objeto no espelho, que não tem as mesmas
qualidades do objeto, mas que tem qualidades próprias que
nos permite afirmar sua existência objetiva. A imagem no espelho possui existência e realidade distintas do objeto, mas
ainda assim está submetida a leis materiais. Assim também
é a consciência. Nesse trecho �����������������������������
Lordelo e Tenorio (2010) ����
procuram chamar atenção para “os significados que a metáfora
do espelho carrega no contexto das reflexões epistemológicas de Vigotski”������������������������������������������
(p.��������������������������������������
�����������������������������������������
83)����������������������������������
implicando uma atenção aos condicionantes históricos da produção do conhecimento, e não
somente aos condicionantes psicogenéticos.
Por fim, um último tópico deste texto (antes da Conclusão, na qual será reapresentado todo o percurso de modo
mais sucinto), intitula-se Algumas implicações para a educação ou um outro Vigotski. Neste tópico Lordelo e Tenório
destacam a recorrência do uso de Vigotski para legitimar
um conjunto de problemas teóricos parciais, relacionados à
linguagem, à resolução de problemas e à aprendizagem no
âmbito da Psicologia e da educação escolar. Em contraste
com esse uso, procuram deter-se sobre um Vigotski diferente. “Este pesquisador, sobre o qual nos debruçamos aqui,
elaborou reflexões de cunho epistemológico e metodológico
que amparam problemas atuais dentro das ciências humanas de modo geral e, mais especificamente, na psicologia e
na pedagogia” (2010, p. 84) entretanto, recusa-se à tarefa
de extrair da reflexão apresentada “orientações sobre como
agir numa situação específica, por exemplo, em sala de
aula.” (Lordelo e Tenório, 2010, p. 84), busca aproximações
via marxismo entre Vigotski e Paulo Freire e enuncia “algumas reflexões das quais a educação possa se beneficiar”
(2010, p. 84.). em torno da prática de ensino e da escola
como espaços historicamente privilegiados para desenvolvimento da consciência. Em seguida vem a Conclusão, que,
como já dissemos, sintetiza o texto e reapresenta as implicações do trabalho de Vigotski para o campo da Educação
e da Psicologia.
O texto de Toassa não é tão sintético, nem tão fácil
de seguir, não só pela ausência nele de tópicos ou subtítulos
que demarquem sua estrutura, mas também pela presença
de índices e referências de uma leitura histórica mais de-
235
talhada e por um mergulho mais profundo na estrutura do
conceito de consciência. Podemos dizer que a densidade
dos textos é inversa à simplicidade dos seus títulos.
Enquanto o texto de Lordelo e Tenório se detém
sobre um aspecto interno das modificações do conceito de
consciência na teoria de Vigotski, numa espécie de desenvolvimento “psicogenético” do conceito em Vigotski, o texto
anterior, de Toassa, procura compreender esse desenvolvimento em termos de uma gênese sócio-histórica. Nessa
perspectiva, Vigotski não só é apresentado como sujeito a
condições históricas específicas, mas principalmente é visto
como sujeito de transformações históricas:
Leningrado, II Congresso Nacional de Psiconeurologia, 6
de janeiro de 1924. Um recém-chegado da Bielo-Rússia
apresenta a comunicação intitulada “Os métodos de
investigação reflexológicos e psicológicos” (…)
O texto apresentado [no II Congresso] demarca a primeira
posição de Vigotski no campo metodológico, já imersa num
debate que se revelaria crucial para o desenvolvimento
de seu enfoque: o introspeccionismo subjetivista versus a
ciência dos reflexos, objetivista; a psicologia é ferramenta
de uma sociedade que se reconstrói na luta de forças
revolucionárias e contra-revolucionárias. A nova ciência
ganha conotações político-ideológicas e se expande dos
laboratórios experimentais para as aplicações sociais.
(Toassa, 2006, p. 60-61)
Outro aspecto relativo às formas dos dois textos
comparados é que em Toassa (2006) verificamos uma tendência mais analítica, explorando o conceito de consciência
em seus elementos fundamentais, ao passo que Lordelo e
Tenório (2010) optam por uma forma mais condensada ou
sintética, explorando aspectos gerais da proposta conceitual
de Vigotski.
Mesmo destoantes no grau de detalhamento ou de
profundidade da descrição, ambos referem-se à importância
do papel protagonizado por Vigotski e a psicologia sócio-histórica no cenário da psicologia russa; e, se tradicionalmente tem sido negligenciado o compromisso de Vigotski
com o socialismo, sobretudo em algumas traduções de
suas obras, como demonstrou Zoia Prestes (2010), com os
textos discutidos aqui isso não ocorreu. Ambos posicionam
Vigotski explicitamente no campo do marxismo, enfatizando seu compromisso com o modo de produção socialista:
“Vigotski é um autor marxista conquanto muito distante de
extrações deterministas do marxismo, como aquelas de Stálin ou Kautsky. Suas falas são pesadas na crítica à forma de
vida burguesa e entusiástica no planejamento de uma sociedade socialista” (Toassa, 2006, p. 80). A isso complementam
Lordelo e Tenório, buscando associá-los ao teórico marxista
Paulo Freire: “Embora não devamos equivaler o conceito de
consciência psicológica (tal qual proposto por Vigotski) ao de
consciência crítica de Freire, há, pelo menos, uma influência
em comum a ambos os autores: o marxismo” (2010, p. 84).
Ambos os textos sugerem o marxismo como um fator co-
236
mum em vista do qual o conceito de consciência torna-se tão
importante, embora Toassa não estabeleça comparações
entre a consciência freireana e a consciência em Vigotski.
Ambos também apontam a proximidade inicial que
Vigotski manteve com o campo da reflexologia, no estudo
da consciência. Primeiro Toassa afirma que “é com a terminologia da ciência dos reflexos que ele sintetiza algumas
de suas primeiras ideias sobre a consciência, linguagem
e inconsciente” (Toassa, 2006, p. 62), e depois, Lordelo e
Tenório reafirmam: “Utilizando a linguagem da corrente que
criticava, ele define a consciência como ‘um mecanismo de
transmissão entre sistemas de reflexos’” (Lordelo & Tenório,
2010, p. 81, grifos nossos). Mais adiante acrescentam: “(…)
o mecanismo através do qual ele propõe que se estude a
consciência é tão reflexológico quanto o do estudo de um
comportamento qualquer.” (Lordelo & Tenório, 2010, p. 81)
Enquanto neste texto Lordelo e Tenório enfatizam a
metáfora do espelho e sua implicação para uma epistemologia da consciência, no texto anterior, de Toassa, a via da
análise histórica resulta numa apreensão da consciência em
três sentidos específicos: um relativo à tomada de consciência da realidade externa e interna - implicado com o domínio
das formas semióticas de mediações cognitivas e afetivas,
incluindo a autopercepção ou a tomada de consciência do
“eu”; um sentido relacionado à consciência como atributo
dos conteúdos ou dos fenômenos psíquicos; e o sentido
da consciência como sistema psicológico. (Toassa, 2006,
pp.72-78).
3. A cisão do espelho: materialidade da consciência
ou reflexo do real?
Talvez seja neste ponto que se encontre a maior divergência entre os dois textos. Se antes a relação entre os
dois poderia ser de concordância, ou de lacunas de aprofundamento, aqui se estabelece um claro distanciamento. Esse
distanciamento aparece na medida em que, segundo Toassa, a metáfora da consciência como um reflexo no espelho
é insuficiente para representar a complexidade do processo
de conscientização em Vigotski.
(…) o processo de criação de um sentido, de uma
interpretação para o mundo e suas relações já seria uma
forma de criação de novas combinações: não é a realidade
que simplesmente “se reflete” na consciência, mas também
o indivíduo que a reconstitui ativamente e nela interfere,
produzindo uma nova versão da realidade externa e das
próprias vivências representadas na palavra. Diferentemente
de outras teorias da Psicologia, o sistema da consciência
para o autor não equivale à percepção, (…).(Toassa, 2006,
p.72-73)
Claro que uma leitura cuidadosa de Lordelo e Tenório (2010) vai nos colocar diante de uma série de ressalvas
sobre os riscos de limitação acarretados pelo uso de metáforas. Vemos também uma perspectiva a respeito da metá-
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 233-238.
fora do espelho, em que esta serviria apenas para ilustrar o
reconhecimento da natureza ou de uma realidade específica
e material da consciência, em sentido contrário à suposição
de sua imaterialidade.
Podemos dizer que o uso da analogia com o espelho
intenta simplesmente destacar sua realidade material, e não
apresentar a consciência como estático espelho da natureza. Se isso acontece, é apenas como resíduo ou efeito
colateral; mas é com a eliminação desses resíduos que o
texto de Toassa (2006) parece comprometido, quando rejeita
a ideia de “consciência” como imagem projetada passivamente no cérebro. “O caráter voluntário e criativo da atividade cerebral permite, assim, dizer que a realidade reflete-se
não apenas no, mas também pelo cérebro.” (p.78, grifo no
original). Acrescenta o autor: “Este processo desenvolve-se
graças à mediação da experiência acumulada e sintetizada
na linguagem” (idem). É a linguagem (que Zoia traduziu por
fala), em seu diálogo intenso com o pensamento, que vai
constituir a consciência como uma faculdade tão genuinamente humana.
Conclusão
Enfim, trata-se aqui de um par de textos com algumas
concordâncias e diferenças significativas, marcadas não só
pelo número de páginas (25 e 8) - o que pode ser entendido
como efeito de formatação - mas, sobretudo, pelo peso ou
densidade com que cada um aporta no campo de discussão,
com que cada um contribui para o entendimento da consciência como um objeto psicológico e para a consolidação da
psicologia sócio-histórica.
O primeiro texto (Toassa, 2006) reflete uma postura mais atenta aos meandros históricos que emolduram o
surgimento da psicologia de Vigotski e, nela a formulação
do conceito de consciência. O segundo (Lordelo & Tenório,
2010), mesmo não possuindo a densidade formal do primeiro, reúne material suficiente para compor uma significativa
contribuição ao campo. A sistematização em tópicos e a
expressão de uma limitada cobertura do campo (denunciada
pela omissão de um texto similar publicado anteriormente)
tornam esse texto mais indicado para um leitor iniciante, cuja
zona de desenvolvimento atual ainda esteja relativamente
restrita. Por outro lado, a recuperação do plano histórico, o
aprofundamento da análise conceitual, a transcendência da
consciência como representação estática, são aspectos que
colocam o texto de Toassa como recurso de desenvolvimento mais apropriado para interlocutores com maior domínio
das questões relativas campo teórico em estudo.
Não obstante, é defensável que a leitura de ambos os
textos seja indicada para qualquer leitor, de nível avançado
ou não, pois mesmo o texto mais complexo pode funcionar
como motor do desenvolvimento, em termos equivalentes
aos da zona de desenvolvimento próximo; contudo, a despeito da cronologia dos textos, uma análise do tempo lógico
– ou seja, da ordem de encadeamento de seus argumentos
e razões (Goldschimit, 1968) – faz crer que os textos seriam
Consciência em Vigotski: aproximações * Cláudio Henrique Pedrosa
mais bem aproveitados se lidos em ordem inversa à cronologia de sua publicação.
Referência bibliográfica
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(pp. 55-85). São Paulo: Martins Fontes.
237
Recebido em: 19-04-2012
Aprovado em: 06-08-2012
Sobre o autor
Cláudio Henrique Pedrosa ([email protected])
Mestre em Psicologia Social pela PUC/SP
Núcleo Abrapso de Goiânia.
Endereço: Rua R-03, Quadra 02; Lote 25. - Vila Itatiaia, Goiânia – GO, CEP: 74260-690.
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Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 233-238.
A Psicologia da Educação nos cursos de graduação
em Psicologia de Belo Horizonte/MG
Rita de Cássia Vieira
Universidade Federal de Minas Gerais - MG
Ellen Rose Fernandes Figueiredo
Universidade Federal de Minas Gerais - MG
Laís Gonçalves de Souza
Universidade Federal de Minas Gerais - MG
Marina Castana Fenner
Universidade Federal de Minas Gerais - MG
Resumo
O binômio formação/atuação profissional do psicólogo educacional/escolar é o que se discute neste texto. O debate é feito com base numa
pesquisa que investigou o processo de formação desenvolvido nos cursos de Psicologia das instituições de ensino superior de Belo Horizonte/
MG. O método utilizou-se de um conjunto de procedimentos: entrevistas com coordenadores de curso e professores da área em questão; análise
de matrizes curriculares, ementas e planos de ensino; buscas nos sites das instituições estudadas; pesquisa bibliográfica. Os dados foram
analisados com base na análise de conteúdo. Os resultados, apesar de revelarem um processo de formação em mudança, também apontaram
permanências e desafios que vêm sendo alvo de intenso debate na área da psicologia educacional/escolar.
Palavras-chave: Formação do psicólogo, atuação do psicólogo, psicologia escolar.
Educational Psychology in Belo Horizonte´s undergraduate programs
Abstract
In this work we discuss the binary training/professional performance of educational psychologist. The debate is based on a research on the
process developed in the undergratuate Psychology programs of Belo Horizonte/MG. The method used was a series of procedures: interviews
with course coordinators and teachers of the area, analysis of curricular matrices, lesson plans and summaries, search the websites of the
institutions studied and literature. We analyzed data based on content analysis. The results, although revealing a formation process of change,
also pointed out the continuities and challenges which have been targets of intense debate in the field of educational psychology.
Keywords: Psychologist education, psychologist performance, school psychology.
La psicología de la educación en cursos de Pre Grado en Psicología
de Belo Horizonte/MG
Resumen
El binomio formación/actuación profesional del psicólogo educacional/escolar es el tema discutido en este texto. El debate tiene por base una
investigación del proceso de formación desarrollado en los cursos de Psicología de instituciones de enseñanza superior de Belo Horizonte/MG.
El método se sirvió de un conjunto de procedimientos: entrevistas con coordinadores de curso y profesores del área en cuestión; análisis de
matrices curriculares, programas y planes de enseñanza; buscas en los sitios de las instituciones estudiadas; investigación bibliográfica. Los
datos se analizaron sobre la base del análisis de contenido. Los resultados, al paso que revelan un proceso de formación en transformación,
también señalaron permanencias y desafíos que han sido objetos de intenso debate en el área de la psicología educacional/escolar.
Palabras clave: Formación del psicólogo, actuación del psicólogo, psicología escolar.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 239-248.
239
Introdução
Uma das profissões que mais crescem, estudam e
pensam seus rumos no Brasil (Yamamoto & Costa, 2010),
a profissão de psicólogo é também aquela que lida com um
quadro de sérias dificuldades e desafios no que se refere
à formação. Evidenciam-se deficiências generalizadas no
processo formativo, tanto no âmbito teórico quanto no da
prática (Campos, 2007; Marinho-Araújo, 2009; Rodrigues,
Itaborahy, Pereira, & Gonçalves, 2008, dentre outros).
A despeito de mudanças já visíveis, persiste na
formação em Psicologia a tendência a um modelo clínico,
fundamentado em uma visão curativa e individualizada dos
processos psicológicos. Embora a formação e a atuação
sejam dimensões inseparáveis e devam sempre ser pensadas em termos de articulação, o que se constata é que esse
viés da formação tem implicações diversas. A significativa
distância entre o que se aprende nos cursos de graduação
e as demandas apresentadas pelo mercado de trabalho na
atualidade destaca-se como uma dessas decorrências.
No âmbito da Psicologia da Educação, os desafios se
acentuam quando se constata a perda de espaço do psicólogo nesse campo, com uma expressiva queda no percentual dos que atuam na área, em instituições educacionais
ou em escolas (Bastos & Gondim, 2010). O estudante de
Psicologia desconhece as possibilidades de atuação nesse
âmbito (Souza Filho, Oliveira, & Lima, 2006), e, ao inserir-se como psicólogo nesse campo, passa a atuar de forma
descontextualizada, em conformidade com uma crítica que
vem sendo realizada há décadas. Essa crítica, inaugurada
com os clássicos textos de Patto (1984, 1991), denuncia,
em linhas gerais, a existência de práticas desenvolvidas
pelos profissionais da Psicologia nos espaços educativos/
escolares de forma simplista, reducionista, excludente e culturalmente descontextualizada.
Sem desconsiderar a legitimidade de muitas situações expostas por essa vertente crítica, o estudo de Vieira
(2012) contribuiu no sentido de indicar que esse ponto de
vista é passível de ser contestado. Nesse estudo a autora
apresenta um exemplo no qual, apesar de num tempo e
condições sociais adversas, psicólogos atuaram de forma
a incluir em suas práticas uma preocupação cada vez maior
com a interpretação sociocultural dos processos psicológicos e com a inclusão escolar e social dos sujeitos atendidos.
A autora também comprova que apenas uma sólida formação teórico-técnica, adquirida com base numa associação
entre ensino, pesquisa e extensão, é capaz de oferecer ao
psicólogo condições de refletir e desenvolver práticas críticas (Meira & Antunes, 2003) alinhadas com as atuais demandas sociais brasileiras e que favoreçam mudanças nos
processos educativos.
A despeito de toda a sua complexidade, a educação,
com os diversos contextos onde ela se dá, além da escola,
é um espaço privilegiado de reflexão e crítica, uma área vital
para fomentar processos de mudança individuais, grupais
e sociais. Assim, é preciso que o psicólogo se qualifique
240
para enfrentar as diferentes demandas que lhe são dirigidas
nesses contextos. Sua formação deve se pautar por uma
articulação entre teoria, pesquisa e prática, e propiciar reflexões sobre as implicações políticas, culturais e ideológicas
do fazer psicológico. Além disso, deve também favorecer o
encaminhamento de processos de mudança onde estes se
fizerem necessários, buscando soluções para um tempo em
que vivemos “um desafio perene: integrar pesquisa científica, Psicologia e o que caracteriza o Brasil” (Botomé, 2007,
p. 30).
Integrando as estruturas curriculares dos cursos de
graduação em Psicologia, as disciplinas que apresentam
vinculação com o âmbito da Educação deveriam se propor a
se constituir em espaços amplos de interlocução entre esses
dois campos disciplinares. Nesse processo, elas deveriam
promover a indispensável articulação entre o conhecimento
teórico obtido em sala de aula e as intrincadas situações que
os contextos educativos irão apresentar ao futuro psicólogo.
Não obstante, como observa Larocca (2000), percebe-se
nesses currículos uma perspectiva que ignora a inter-relação
dialética existente entre saber e fazer, entre teoria e prática,
do que decorre a necessidade de resgatar a práxis “como
trabalho vivo, movimento dialético entre ação e reflexão”
(Larocca, 2000, p. 64).
Nessa perspectiva, ao focalizar as dimensões ensino
e psicologia da educação, algumas perguntas são centrais:
como o saber constituído por esse campo vem sendo ensinado nos cursos de Psicologia? Esse ensino tem contribuído
para a prática do psicólogo? Foi a partir dessas questões
que se pensou em investigar o processo de formação que
vem sendo desenvolvido nos cursos de Psicologia nas instituições de ensino superior de Belo Horizonte, com foco na
área da Psicologia da Educação e nas disciplinas afins a
essa área. Para tanto, foram investigados todos os cursos
de graduação em Psicologia ofertados na capital mineira.
A pesquisa partiu da hipótese de que a inexistência de uma
estrutura curricular equilibrada, que trate de forma igualitária
os campos do saber envolvidos na constituição da ciência
psicológica, assim como a forma de propor e operacionalizar
as disciplinas relacionadas à Psicologia e à Educação, os
estágios - enfim, toda a estruturação do curso nessa área
- esteja contribuindo significativamente para legitimar as
práticas que ainda hoje vêm sendo criticadas.
Método
Foi realizada ampla revisão bibliográfica que englobou diversos aspectos relativos à formação e à atuação do
psicólogo no âmbito da Educação.
A pesquisa de campo focalizou todas as instituições
de ensino superior belo-horizontinas que oferecem graduação em Psicologia, num total de 08 (oito), sendo uma pública
e 07 (sete) privadas, conforme mostra a tabela 1.
Foram entrevistados todos os coordenadores dos
cursos e mais 14 (quatorze) professores que lecionavam
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Tabela 1. IES e cursos de psicologia da cidade de Belo Horizonte, participantes da pesquisa.
IES
Identificação/
Ano de inicio do curso
Carga
horária
Carga horária das disciplinas
afins à área da educação
1
FCMMG
Faculdade de Ciências
Médicas de Minas Gerais
(2009)
4880h
220h
2
FEAD-MG
Faculdade de Estudos
Administrativos de Minas
Gerais (2005)
4000h
360h
3
FPAS
Faculdade Pitágoras de
Belo Horizonte (2005)
4050h
80h
4
FUMEC
Universidade FUMEC
(1972)
4000h
324h
5
NP
Centro Universitário Newton
Paiva
4100h
108h
6
PUC Minas
Campus Coração
Eucarístico
Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais
(1959)
4100h
----------
6
PUC Minas
Campus São Gabriel
Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais
(2000)
4100h
384h
7
UFMG
Universidade Federal de
Minas Gerais (1963)
4050h
300h
8
UNA
Centro Universitário UNA
4760h
308h
08 IES
09 cursos
--------
--------
disciplinas da área da psicologia da educação e afins1. Esses sujeitos foram inicialmente contatados via e-mail e/ou
telefone e convidados por escrito a participar da pesquisa,
após leitura e assinatura do TCLE (Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido).
Como principal instrumento de coleta de dados, optou-se nesse estudo pela realização de entrevistas individuais
semiestruturadas. Em sua maioria, essas entrevistas foram
realizadas pessoalmente, gravadas e transcritas em sua literalidade. Por motivos operacionais, algumas delas foram
encaminhadas à equipe de pesquisa via correio eletrônico.
1 Neste estudo, ao nos referirmos à área da Psicologia da
Educação, não estamos nos referindo somente às disciplinas
tradicionalmente denominadas “Psicologia da Educação” e
“Psicologia Escolar”, mas também a outras disciplinas correlatas
– aqui denominadas disciplinas afins. Estas, no decorrer das
entrevistas com os coordenadores, foram por eles indicadas como
disciplinas em que eram trabalhados conteúdos relacionados à
interface Psicologia e Educação. Nesse grupo encontram-se, por
exemplo, disciplinas como “Processos Psicológicos Básicos” e
“Desenvolvimento Humano”, dentre outras, consideradas como
disciplinas de formação geral. Elas concentram-se nos períodos
iniciais dos cursos, ao passo que as disciplinas específicas estão
inseridas a partir do sexto período.
Com o objetivo de se construir primeiramente uma
visão global dos cursos, os coordenadores foram entrevistados em primeiro lugar. Para eles, foi utilizado um roteiro que
privilegiou os seguintes aspectos: 1. Currículos (estrutura
curricular atual do curso / ênfases / matrizes teóricas enfatizadas / mudanças curriculares / implicações das mudanças
curriculares no processo de formação do psicólogo / articulação ensino-pesquisa-extensão na formação do psicólogo);
2. Psicologia da Educação (implicações quantitativas e
qualitativas das mudanças curriculares no ensino de psicologia da educação / disciplinas da área / articulação ensino-pesquisa-extensão na área); 3. Mudanças necessárias para
uma formação de qualidade na área em estudo.
Para os professores das disciplinas da área e afins,
o roteiro da entrevista buscou avaliar preferencialmente as
seguintes temáticas: 1. Disciplina (encaminhamento / carga horária / conteúdos ministrados); 2. Receptividade dos
alunos; 3. Psicologia da Educação (formação do aluno para
atuar na área).
Complementarmente, foram recolhidas e analisadas
matrizes curriculares vigentes dos cursos, ementas e planos
de ensino. Foram realizadas ainda pesquisas nos sites das
Psicologia Educacional na graduação em Belo Horizonte * Rita de Cássia Vieira, Ellen R. F. Figueiredo, Laís G. de Souza & Marina Castana Fenner
241
instituições com o intuito de se obter o maior número possível de dados sobre a temática investigada.
Os dados coletados na fase documental e empírica
da pesquisa foram analisados com base na análise de conteúdo (Bardin, 1979; Franco, 2005).
Resultados e discussão
Em Minas Gerais, mais especificamente em Belo
Horizonte, os cursos de formação de psicólogos foram iniciados no ano de 1959. Atualmente, oito instituições ofertam
o curso de Psicologia, e o curso mais recente foi implantado
em 2009. No total, são ofertadas anualmente 1.484 vagas,
distribuídas entre essas instituições em turnos diurnos e
noturnos. Cada curso gira em torno de uma carga horária
mínima de 4.220 horas (MEC, 2011), conforme anteriormente mostrado na tabela 1.
A maioria desses cursos vem passando por mudanças em sua estrutura curricular, em decorrência da Resolução nº. 8, de 07 de maio de 2004 (MEC, 2004), que instituiu
as diretrizes curriculares nacionais para a graduação em
Psicologia, em substituição ao currículo mínimo de 1962.
As novas diretrizes estabeleceram um núcleo comum de
formação em Psicologia – definido por um conjunto de competências, habilidades e conhecimentos – e propuseram a
criação de ênfases curriculares, com o intuito de superar o
dualismo ente formação generalista e especialista (Brasileiro & Souza, 2010). Dessa forma, durante a graduação, uma
parte da formação é destinada ao desenvolvimento de competências e habilidades desse núcleo comum e outra parte
ao desenvolvimento de repertórios referentes às ênfases,
que são escolhidas pelas próprias instituições. Essa escolha
é feita de acordo com as especificidades e necessidades
regionais de formação, concentrando os estudos e estágios
em algum domínio da Psicologia (MEC/CNE/CES, Parecer
0062/2004).
As ênfases curriculares adotadas pelos cursos de
Psicologia estudados concentram-se em três áreas tradicionais de atuação do psicólogo: a organizacional, a clínica e a
de saúde. Esses dados coincidem com aqueles obtidos na
pesquisa sobre a profissão do psicólogo no Brasil realizada
pelo Grupo de Trabalho Psicologia, Organizações e Trabalho da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação
em Psicologia entre 2006 e 2008 e publicada recentemente
(Bastos & Gondim, 2010). De acordo com esse estudo, a
principal área de inserção dos psicólogos brasileiros continua a ser a clínica, vindo em segundo lugar a área da saúde,
e em terceiro, a organizacional/trabalho.
Chama a atenção o fato de que, dentre as instituições pesquisadas, somente uma oferece ênfase à área
da Educação. Essa oferta se alinha com o quadro nacional apresentado pelo recente estudo de Bastos e Gondim
(2010), que constatou uma redução significativa do número
de profissionais atuando na área. No que se refere às ênfases, a estruturação dos cursos estudados estaria, então,
seguindo uma lógica mercadológica e preparando melhor os
242
psicólogos para atuarem em campos de trabalho onde eles
estariam sendo mais demandados; no entanto se faz necessária outra ótica: a mesma pesquisa (Bastos & Gondim,
2010) observa que a fragilidade de condições do mercado
leva o psicólogo a transitar por duas, três e às vezes até
mais áreas de atuação. Esse fato implica em se pensar
numa certa fluidez entre os limites teórico-práticos de algumas áreas, o que certamente recairia numa perspectiva de
formação abrangente que permitiria ao psicólogo realizar
com competência seu trânsito entre uma área e outra. Antes
de tudo, porém, uma discussão importante para o processo
formativo, como propõem Yamamoto e Costa (2010), seria
uma rediscussão do tradicional conceito de área.
Ao atentar pelas exigências sociais da atualidade,
essa perspectiva parece ter sido considerada pelas instituições de Belo Horizonte ao proporem as suas ênfases. De
acordo com os coordenadores de curso entrevistados, essa
escolha se deu em função, principalmente: (1) da tradição
do curso; (2) das características da instituição em questão,
do corpo docente e dos programas de pós-graduação (3)
dos estágios e projetos de extensão preexistentes; e (4) das
demandas sociais.
(...) O curso de Psicologia daqui sempre teve uma tradição
na clínica, uma clínica mais particular. Então, historicamente
é importante ter uma ênfase em Psicologia Clínica, embora
hoje ela não é voltada para consultório somente, ela tem uma
visão ampliada também. E com a mudança da Psicologia ao
longo do tempo, né, foi necessário, claro que foi, é, outras
áreas importantes, então a gente fez essa segunda ênfase,
que é chamada Psicologia, Organizações e Sociedade,
onde é mais uma Psicologia aplicada, ligada às diferentes
organizações e instituições. Então é para acompanhar
realmente as mudanças na sociedade.
A relação entre ênfase e estágio precisa ser destacada. É sabido que os estágios exercem papel fundamental
na formação de qualquer profissional, constituindo-se nos
primeiros contatos dos alunos com a prática profissional.
São essas experiências que colocam o estudante diante de
situações capazes de promover reflexões sobre a sua profissão e sua preparação profissional, além de fortalecer a identidade do profissional na área de escolha (Sousa, 2004). O
estágio na vida acadêmica é a oportunidade que o aluno tem
de se distanciar dos riscos de ter na sua atuação atitudes
alienadas, baseadas apenas em conhecimentos teóricos e
abstratos (Novaes, 2008), percepção que é visível no relato
dos professores, como se vê no exemplo abaixo:
A formação do psicólogo é muito baseada em informação,
informar na sala de aula sobre teorias, você tem quantidade
de informações muito grande que são passadas... De modo
que a pessoa aprende pouco a como fazer, a como usar,
como aplicar, como analisar, como lê. O como é pouco
trabalhado, mas o como é muito importante na hora da
prática profissional.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 239-248.
Foi provavelmente pensando na necessidade de se
articular o saber com o fazer no processo de formação que
as novas diretrizes (MEC, 2004) determinam que os estágios
supervisionados sejam relacionados à ênfase escolhida.
Dada a estruturação dos cursos de Belo Horizonte no que
se refere às ênfases, é de se supor, inicialmente, que a formação dos psicólogos para atuar na área educacional tende
a ficar ainda mais comprometida, uma vez que os estágios
nessa área, em cursos com outras ênfases, ficaram restritos
apenas aos estágios básicos do núcleo comum:
O que acontece hoje - estágios básicos - nós temos na área
educacional também, mas os estágios quando entra no 10°
período são mais específicos das ênfases, eles não têm
braço na educacional, então nesse ponto, o lado educacional
fica mais fragilizado.
Por outro lado, algumas denominações de ênfases
merecem ser destacadas, a exemplo de “Psicologia e intervenções nas instituições e organizações”, “Psicologia e
processos da saúde”, “Psicologia e processos de gestão”.
Numa análise bastante superficial, a julgar exclusivamente
por essa nomenclatura, pode-se supor que os conteúdos
apresentados pelas disciplinas que as compõem também
estariam alinhadas com a necessidade apontada por Bastos
e Gondim (2010) de rediscutir o conceito de área como espaço delimitado de conhecimentos específicos.
Provavelmente, foi pensando nessa direção que todos os coordenadores entrevistados afirmaram que a atual
estrutura curricular adotada trata de forma equilibrada os
diferentes saberes e áreas de atuação do psicólogo. Para
tanto o Ministério da Educação - MEC (2004) advoga que
“O subconjunto de competências definido como escopo de
cada ênfase deverá ser suficientemente abrangente para
não configurar uma especialização em uma prática, procedimento ou local de atuação do psicólogo”. Embora não
seja esta a proposta do MEC, percebe-se que as ênfases
curriculares têm restringido as opções dos alunos, que acabam por concentrar seus estudos em campos de atuação
específicos, que na maioria das vezes são as tradicionais
áreas da clínica, saúde e organizações. Isso provavelmente
está acontecendo devido às dificuldades que as instituições
têm encontrado para romper com o modelo de formação que
vem sendo oferecido. Os próprios coordenadores de curso
advertiram que a escolha das ênfases foi pautada na estrutura que o curso já possuía – formação do corpo docente e
núcleos de pesquisas e estágios já existentes.
Uma das coordenadoras (C6) mencionou que essa
nova proposta curricular do MEC tem um ar mais contemporâneo em relação às propostas anteriores, uma vez que
amplia a ideia de formação para além da sala de aula. Como
exemplo disso ela cita as Atividades Complementares de
Graduação (ACG’s), as quais ela supõe que incentivam a
participação dos alunos em atividades extraclasse – como
projetos de pesquisa e extensão, eventos científicos e grupos de estudo – visto que contabilizam créditos ao currículo.
Apesar de bem recebida, a operacionalização da
troca curricular tem sido um desafio para as instituições formadoras, como observa uma das entrevistadas:
(...) operacionalizar um currículo novo não é fácil. É muito
complicado. Ao mesmo tempo nós temos correndo um outro
em paralelo, então eu tenho dois currículos. Na hora que eu
monto horários eu tenho que pensar em dois currículos.
Esses desafios referentes à implantação das novas
diretrizes curriculares também foram abordados pelo coordenador e pelos professores do curso de psicologia da
Universidade Federal de Rondônia (UNIR) no trabalho de
Brasileiro e Souza (2010). Embora reconheçam as contribuições das diretrizes de 2004, os profissionais entrevistados
nessa investigação enfatizam as dificuldades em definir as
ênfases e em articular os conteúdos teóricos e práticos nos
períodos iniciais, principalmente pelo fato de a instituição ter
um quadro reduzido de professores.
Uma das coordenadoras das IESs de Belo Horizonte
pontuou que, embora julgue necessário atualizar o currículo,
a proposta de uma formação generalista é mais interessante. Ela também mencionou que tem encontrado várias dificuldades em encaminhar essas mudanças, principalmente
por se tratar de uma instituição de ensino particular, em que
as alterações se refletem diretamente nas finanças da faculdade. Segundo ela, a questão das ênfases tem restringido a
oferta de disciplinas, o que tem causado descontentamento
entre os alunos; porém, para ela, essa dificuldade tem sido
sanada quando os estudantes ingressam no campo de estágio, que é bastante amplo e diversificado.
A análise das matrizes curriculares dos cursos também evidenciou esse desafio relativo à oferta de disciplinas
específicas das ênfases, a qual se apresentou bastante
precária. Os estágios específicos de cada ênfase estão bem
delimitados nas oito instituições pesquisadas e iniciam-se,
na maioria dos cursos, entre o oitavo e o nono período. Em
quatro das nove matrizes curriculares investigadas não se
encontrou distinção entre essas disciplinas específicas, diferentemente do verificado nos estágios. Das cinco instituições que ofertam disciplinas específicas da ênfase, apenas
uma oferta essas disciplinas no décimo período e uma oferece apenas uma disciplina no oitavo e nono período e duas
no décimo. Em apenas três instituições é ofertada mais de
uma disciplina específica para cada ênfase em mais de um
período.
Após as mudanças curriculares, o espaço destinado
às disciplinas da interface Psicologia e Educação permaneceu o mesmo em sete cursos investigados, sendo que em
um desses cursos a carga horária das disciplinas foi reduzida. Não obstante, cumpre ressaltar que entre essas instituições o número de disciplinas relacionadas à área da Educação varia bastante, de modo que há cursos que ofertam
apenas uma disciplina, enquanto outros ofertam seis. Dos
dois cursos restantes, um não teve mudança curricular, pelo
fato de ter sido criado em 2009 e já em consonância com as
Psicologia Educacional na graduação em Belo Horizonte * Rita de Cássia Vieira, Ellen R. F. Figueiredo, Laís G. de Souza & Marina Castana Fenner
243
novas diretrizes curriculares do MEC, e o outro aumentou o
número de disciplinas relacionadas à área.
Chama a atenção o fato de que um desses cursos enfatizava os processos educacionais, ênfase que foi extinta na
última modificação de currículo, devido à falta de procura dos
alunos. Não obstante, a coordenadora do curso ressaltou
que essa alteração foi importante para a área da Educação,
uma vez que as disciplinas da ênfase foram todas diluídas no
núcleo de formação comum. A extinção dessa ênfase muito
possivelmente está vinculada ao desconhecimento dos estudantes acerca das possibilidades de atuação no âmbito da
educação, fato já comprovado por várias pesquisas (Asbahr,
Martins & Mazzolini, 2011; Correia, Lima, & Araújo, 2001;
Souza Filho e cols., 2006; Vieira, 2012, dentre outros).
Como já mencionado, essas disciplinas listadas por
coordenadores de curso de professores englobam: (1) disciplinas específicas na interface da Psicologia com a Educação; e (2) disciplinas de formação geral que abarcam temas
relacionados à Educação. Dentro do primeiro grupo foram
incluídas as disciplinas “Psicologia e Educação” e “Psicologia Escolar”, e no segundo, o das disciplinas afins, encontram-se disciplinas como “Processos Psicológicos Básicos”
e “Desenvolvimento Humano”, entre outras. As disciplinas
de formação geral concentram-se nos períodos iniciais, ao
passo que as disciplinas específicas estão inseridas na grade a partir do sexto período.
Essa forma de estruturação do curso pode dificultar
a articulação entre os saberes durante a graduação. Se por
um lado as disciplinas específicas da área da educação
estão próximas do momento em que o aluno inicia seus estágios, por outro elas ficam isoladas das demais disciplinas
afins a essa área. Outra implicação é que isso também pode
fazer com que o aluno se interesse pelas áreas que, cronologicamente, são apresentadas por primeiro no curso.
No que diz respeito à carga horária destinada às disciplinas da área em estudo, nove dos quatorze professores
entrevistados consideraram-na suficiente para ministrar os
conteúdos da ementa. Esses professores afirmaram que
isto só é possível porque se pode articular o conteúdo da
sua disciplina com o de outras e, quando isso não ocorre,
é necessário reduzir os conteúdos ou fazer outros ajustes
para conseguir atingir a proposta.
Isso se comprova também na fala daqueles professores que consideraram a carga horária insuficiente (P1;
P5; P7.2 e P8.2), quando apontam dificuldade em articular o
conteúdo com outras disciplinas e a necessidade de extrapolar a carga horária para atender ao objetivo da matéria:
Eu acho que se o resto do curso, de alguma forma trouxesse
as articulações dessa disciplina pra uma reflexão constante,
talvez a carga horária fosse suficiente. Mas se você for pensar
que às vezes se quebra, e às vezes vai ser retomado só num
momento muito posterior, eu acho que aí é insuficiente (...).
Esses dados demonstram a transdisciplinaridade
como um imperativo na educação contemporânea. Mais do
que necessária do ponto de vista operacional, a transdiscipli-
244
naridade, de acordo com Santos (2008), permite uma compreensão mais ampliada acerca da realidade, sem romper
com a ideia de disciplina, visto que a principal característica
dessa tendência é a articulação entre as diferentes áreas do
conhecimento. Santos (2008) ressalta ainda que o grande
desafio desse olhar transdiciplinar é percorrer os diferentes
saberes sem hierarquizá-los.
Essa proposta transdisciplinar se conecta com as
proposições apresentadas pelo paradigma crítico-reflexivo
em educação (Larocca, 2000), que, entre outros aspectos,
aponta a necessidade de formar sujeitos críticos e com
condições de refletir constantemente sobre suas práticas,
vinculá-las aos seus conhecimentos teóricos e, a partir daí,
fazer propostas que se traduzam em transformações nos
processos educativos e sociais. Formar sujeitos socioculturais capazes de articular o conhecimento teórico obtido em
sala de aula com as intrincadas situações que os contextos educativos irão lhes apresentar seria resgatar a práxis
“como trabalho vivo, movimento dialético entre ação e reflexão” (Larocca, 2000, p. 64).
Ao que tudo indica, as diretrizes curriculares de 2004
se pautam por uma formação baseada nessa nova forma de
conceber o mundo; contudo, como o campo da Psicologia é
uma área que, desde o seu nascimento, vive em permanente
crise, em decorrência da sua ampla diversidade teórica e metodológica (Figueiredo, 2009), promover uma formação que
perpasse pelos diferentes campos do saber psicológico é um
desafio enorme para as instituições que ofertam o curso.
Quanto à receptividade dos alunos às disciplinas da
área, a opinião dos professores apresentou-se bastante dividida. Cinco dos entrevistados disseram que as disciplinas
são bem recebidas, sendo que desses cinco, três ministram
disciplinas de desenvolvimento humano. Esse destaque
dado às disciplinas de desenvolvimento humano no âmbito
da Educação também foi constatado em um estudo desenvolvido por Senna e Almeida (2007) com psicólogos da rede
pública de ensino do Distrito Federal. Nessa pesquisa, a
maioria dos entrevistados considerou a formação teórica
como a que mais contribuía para sua atuação no contexto
escolar, sobretudo no que se refere aos conteúdos relacionados à Psicologia do Desenvolvimento e à Psicologia da Infância. Apesar de essas disciplinas tratarem dos processos
de desenvolvimento e aprendizagem, as autoras chamam a
atenção para o fato de que elas, isoladamente, não fornecem os elementos necessários para a atuação do psicólogo
na escola.
Este mesmo estudo (Senna & Almeida, 2007) abordou aspectos da formação e atuação dos psicólogos para
atuarem na área da educação, investigando, sobretudo, a
postura adotada por esses profissionais para suprir as lacunas deixadas durante a graduação. Por isso, um dado importante encontrado nesse estudo foi que a maioria dos psicólogos entrevistados buscava respaldo nas teorias clínicas
para atuarem no contexto escolar. Um trabalho realizado
com psicólogos da rede particular de ensino de Uberlândia,
MG (Souza, Ribeiro, & Silva, 2011) também constatou que
vários desses profissionais combinavam diferentes teorias
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 239-248.
psicológicas para intervirem nas escolas, muitas vezes partindo de pressupostos epistemológicos contraditórios.
Ambos os estudos evidenciaram o fato de os psicólogos não terem acesso a um conhecimento mais consistente
sobre o campo teórico e prático da Psicologia da Educação
durante a graduação. Souza e cols. (2011) observam que
a atuação deficiente ocorre não apenas pelo fato de os cursos de Psicologia não oferecerem uma formação sólida na
área, mas também devido ao desinteresse dos estudantes
pelo campo da educação. As autoras afirmam ainda que o
interesse pela área surge à medida que os profissionais se
inserem no mercado de trabalho e finalizam apontando “a
necessidade de um maior investimento das instituições formadoras e dos profissionais atuantes, para ampliar o campo de atuação do psicólogo escolar e possibilitar práticas
emancipatórias” (Souza e cols., 2011, p.53).
No presente estudo, seis dos catorze professores
entrevistados, ou seja, praticamente 50%, alegaram que é
necessário fazer um esforço inicial para que os alunos se
deixem envolver pela matéria. Na tentativa de explicar esse
aparente desinteresse dos alunos pelas disciplinas relacionadas à área da educação, alguns professores apontaram
as seguintes causas: (1) muitos alunos acham que a área
de atuação do psicólogo da Educação se restringe à escola
e à educação infantil; (2) há a crença de que as disciplinas
específicas da interface Psicologia e Educação repetem os
conteúdos de Psicologia Genética, vistos em Desenvolvimento Humano; e (3) os alunos possuem outras áreas de
interesse, sobretudo a da clínica:
Percebo que, a princípio, existe uma resistência às disciplinas
situadas na interface da Psicologia e Educação. A principal
queixa é relativa a uma repetição de conteúdo no campo das
Psicologias Genéticas, ou seja, muitas vezes os alunos se
queixam de que já estudaram muito Piaget ou Vigotski.
Os professores por nós entrevistados apresentaram
diferentes maneiras de encaminhar suas disciplinas: uns
preferem adotar uma perspectiva crítica, promovendo discussões ao longo do semestre acerca do papel do psicólogo
no espaço educacional; outros optam por apresentar a diversidade teórica e as inúmeras possibilidades de atuação no
campo da Educação; também há aqueles que buscam articular trabalhos teóricos e práticos. Todos esses modos de
viabilizar o ensino não são excludentes, apenas referem-se
a aspectos que os professores buscam priorizar e enfatizar
na disciplina.
Embora nas últimas décadas os psicólogos educacionais tenham sofrido muitas críticas referentes à sua atuação
- predominantemente direcionada para áreas clínica e psicométrica -, esta última não ocupa mais o lugar de destaque
dentro da área da Educação nos cursos de Psicologia em
Belo Horizonte. Dos vinte e três professores entrevistados,
nenhum mencionou a psicometria como conhecimento fundamental para o psicólogo atuar no contexto educacional/
escolar; apenas um deles chamou a atenção para o fato de
que a formação em Psicologia tem negligenciado a psico-
metria e observou que esta área não se resume a uma mera
aplicação de testes. Segundo ele, a psicometria é um campo de saber muito mais amplo, e o desconhecimento disso
tanto pelos alunos quanto pelos profissionais de Psicologia
tem contribuído para que esta área seja alvo de inúmeras
críticas. Essa visão acerca da psicometria também é compartilhada por Vieira (2012), que observa a necessidade de
o psicólogo conhecer esse campo. Ao se qualificar para uso
de testes de maneira contextualizada, a autora observa que
estes podem se configurar em aliados e coadjuvantes na
prática cotidiana.
Os coordenadores entrevistados foram unânimes
em apontar a importância de se associar pesquisa, ensino
e extensão para uma formação de qualidade, não somente
para o campo da Educação, mas para todas as áreas de
atuação. Segundo eles, a pesquisa despertaria nos alunos o
interesse pela investigação e ajudaria na construção de uma
prática psicológica mais crítica e reflexiva; por sua vez, a
extensão proporcionaria aos alunos a possibilidade de atuar
diretamente na sociedade. Para os cursos que não possuem
tradição em pesquisa, os coordenadores salientaram a importância dos trabalhos de conclusão de curso, vistos como
uma das poucas oportunidades que os alunos têm para
exercitar sua prática investigativa durante a graduação.
A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão como dimensão fundamental no processo formativo é
defendida por estudiosos da área (Cruces, 2010; Senna &
Almeida, 2007). Para esses autores, é preciso haver um
resgate urgente da pesquisa, “necessária a uma boa prática” (Gomes, 1996, p. 37), e a construção de um processo
integrado entre esta, o ensino e a extensão.
Ademais, a graduação não seria somente o alvo:
Marinho-Araújo e Neves (2007) salientam a necessidade
de se ampliar a formação para além da graduação, numa
formação continuada, o que também já vem sendo alvo de
atenção por parte do Conselho Federal de Psicologia - CFP.
Tendo em vista essa necessidade e a emergência de áreas específicas de atuação do psicólogo, no ano de 2000 o
CFP estabeleceu normas e procedimentos necessários para
conceder aos psicólogos o registro de especialista em determinados campos da Psicologia. Dentre as especialidades
aprovadas pela resolução n.º 014/00, três relacionam-se à
área da Educação: Psicologia Escolar/Educacional, Psicopedagogia e Psicomotricidade. Embora essa resolução tenha sido substituída pela de n.º 013/2007, as especialidades
relacionadas à Educação e a forma de obtenção do título
de psicólogo especialista permaneceram. Assim, a partir
dessas resoluções, o MEC reconhece a importância de os
profissionais da psicologia manterem-se em um processo
contínuo de formação.
Os dados levantados nesta pesquisa realizada em
Belo Horizonte não deixam dúvidas quanto à necessidade
apontada pelas autoras acima (Marinho-Araújo & Neves,
2007). O estudo revelou a existência de apenas dois cursos
de especialização na área da psicologia educacional, o que,
possivelmente, diz de uma deficiência neste processo, ainda
que relativa à oferta de cursos.
Psicologia Educacional na graduação em Belo Horizonte * Rita de Cássia Vieira, Ellen R. F. Figueiredo, Laís G. de Souza & Marina Castana Fenner
245
Em outra perspectiva, dos 14 (catorze) professores
entrevistados, cinco acreditam que a formação do psicólogo
para atuar no contexto educativo/escolar tem caminhado em
direção à superação das críticas de uma atuação descontextualizada; porém eles alertam que muito ainda precisa
ser feito. Durante a entrevista, uma professora afirmou que
sempre trabalha nas disciplinas referentes à Psicologia da
Educação com uma perspectiva crítica, voltada para as
demandas sociais e políticas públicas educacionais. Nessa
mesma perspectiva, outro professor alegou que hoje a própria demanda modificou-se e a escola já não quer um psicólogo para fazer atendimento clínico, mas necessita de um
profissional para fazer um trabalho mais coletivo e integrado.
Tendo em vista as modificações na atuação dos psicólogos no contexto educacional brasileiro, Martínez (2007)
apresenta as diversas possibilidades de ação que o profissional de psicologia pode desenvolver dentro das escolas.
Entre elas, a autora destaca as funções emergentes, que
incluem: participação na elaboração e operacionalização
das propostas pedagógicas; caracterização da população
estudantil; implementação de políticas públicas - entre outras. Todas essas propostas vão ao encontro de uma atuação psicológica contextualizada e comprometida com as
demandas coletivas.
Dentre as melhorias fundamentais à formação do psicólogo para atuar no contexto educacional brasileiro, quatro
dos catorze professores entrevistados em nossa pesquisa
salientaram a necessidade de se articular de modo mais eficaz o tripé ensino-pesquisa-extensão durante a graduação.
Três ressaltaram a importância de estabelecer diálogos com
outras áreas do conhecimento, visto que o meio educacional/
escolar exige que o psicólogo atue conjuntamente com outros
profissionais da Educação e outros três professores falaram
da necessidade de ampliar as ofertas de estágio na área.
Ainda quanto à questão das melhorias, três dos entrevistados destacaram a importância de o psicólogo educacional ter sua identidade profissional bem definida, pois,
segundo ele, esta é uma das condições essenciais para o
trabalho em equipes multiprofissionais.
Considerações finais
A pesquisa veio confirmar alguns fatos comprovados
por outros estudos e até mesmo discutidos pela literatura
específica do campo da Psicologia Educacional/Escolar.
Nessa perspectiva, destacam-se as mudanças estruturais já
perceptíveis nas concepções dos cursos, impulsionadas por
debates intensos e, sobretudo, pela implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação
em Psicologia de 2004.
Ficaram explícitas as dificuldades que as instituições
vêm enfrentando para operacionalizar as orientações propostas nas Diretrizes. A oferta das ênfases pelos cursos é
uma dessas questões, possibilitando várias reflexões. Ao
proporem uma formação organizada com base num núcleo
comum que apresente os conteúdos básicos necessários
246
para atuação profissional, aliada a uma formação que contemple as especificidades do campo, as Diretrizes traçam
orientações que visam garantir ao aluno e futuro psicólogo o
desenvolvimento de competências e qualificações que o habilitem a articular seus conhecimentos de forma a utilizá-los
nos mais diversos contextos. Há uma orientação também
para que as ênfases não se configurem em especializações.
Retomando-se a hipótese investigativa já apresentada neste trabalho, pode-se afirmar que essa hipótese foi
confirmada. Com base no fato de que formação e atuação
são dimensões intrinsecamente articuladas e indissociáveis,
tem-se que a oferta das ênfases pelos cursos estudados é
uma questão que possibilita várias reflexões. Ao não contemplarem o campo da Educação como uma ênfase, não
estariam esses cursos trabalhando no sentido de continuidade da tão criticada fragilidade na formação para a área?
No campo das permanências, ficou evidenciado que
os cursos ainda apresentam lacunas no processo formativo:
há necessidade de maior articulação entre conteúdos teóricos e práticos, e os campos de estágio na área educacional necessitam de ampliação - o que foi reivindicado como
melhoria pelos entrevistados. A recorrente problemática
referente à falta de definição da identidade do psicólogo
que atua no contexto educacional - apontada como um fator
necessário para sua futura inserção no mercado de trabalho
- também se evidenciou nessa pesquisa como um fator a ser
observado no processo formativo.
No campo dos desafios, a pesquisa indicou mudanças necessárias para uma formação de qualidade na área
em estudo. Dialogar com outras áreas do conhecimento é
uma necessidade, visto que o âmbito educacional é complexo e multifacetado, exigindo do psicólogo atuação em parceria com outros profissionais da Educação. Nessa perspectiva, a transdisciplinaridade impõe-se como imperativo aos
cursos de graduação e poderá favorecer ao futuro psicólogo
não apenas transitar com desenvoltura entre diversas áreas
de atuação, mas principalmente ajudá-lo a ter uma visão
contextualizada dos fenômenos psicológicos. Outro desafio que se impõe para os cursos e – claro - para o campo
da psicologia educacional/escolar é viabilizar a necessária
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, fundamental para uma formação de qualidade.
Demarca-se, neste contexto, um momento especial
na realidade brasileira, onde a proposta central é a de uma
educação para todos. O psicólogo hoje é solicitado a intervir
em contextos educativos/escolares plurais. Essa demanda
exige um profissional capaz de lidar com sujeitos também
culturalmente plurais e ao mesmo tempo singulares em sua
humanidade. Para responder a essas atuais exigências
com qualidade, é preciso haver um preparo que comece
na graduação e continue como um modelo de formação
continuada, capaz de qualificar o psicólogo para atuar na
complexidade dos contextos educativos/escolares.
Revelando um processo de formação em mudança,
a pesquisa indicou também que muitas respostas sobre os
rumos desse processo ainda estão por vir. Fica no ar a pergunta se realmente essa formação garantirá ao psicólogo
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 239-248.
condições de atuar de forma consistente nessa realidade
que se apresenta.
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Recebido em: 25/04/2012
Reformulado em: 20/08/2012
Aprovado em: 25/10/2012
Sobre as autoras
Rita de Cássia Vieira ([email protected])
Pesquisadora, psicóloga e coordenadora técnica do Laboratório de Psicologia e Educação Helena Antipoff da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Minas Gerais (Laped/FaE/UFMG). Doutora em Educação pela UFMG.
Endereço para correspondência:
Faculdade de Educação da UFMG/DECAE/Laped/sala 1671
Av. Antonio Carlos 6627 – Campus Pampulha
CEP 31270-901 – B.H. – Minas Gerais
Ellen Rose Fernandes Figueiredo ([email protected])
Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, membro do Laboratório de Psicologia e Educação Helena Antipoff
(Laped/FaE/UFMG). Bolsista Fapemig de Iniciação Científica.
Endereço: Rua R, no. 70 – Bairro Tirol – Contagem/MG
Laís Gonçalves de Souza ([email protected])
Graduanda em Psicologia pela UFMG, membro do Laboratório de Psicologia e Educação Helena Antipoff(Laped/FaE/UFMG). Bolsista Fapemig
de Iniciação Científica.
Endereço: Av.Judith Naves de Lima n.243, ap.C, Funcionários, Contagem/MG,
Marina Castana Fenner ([email protected])
Graduanda em Psicologia pela UFM, membro do Laboratório de Psicologia e Educação Helena Antipoff(Laped/FaE/UFMG). Bolsista Fapemig
de Iniciação Científica.
Endereço: R.Ordália, 174 Glória30870-300 Belo Horizonte/Minas Gerais
Agradecemos o apoio financeiro da FAPEMIG (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais) para a realização desta pesquisa.
248
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 239-248.
Atribuição de estados mentais e linguagem:
um estudo de intervenção
Simone Ferreira da Silva Domingues
Universidade Cruzeirodo Sul – Universidade Guarulhos - SP
Maria Regina Maluf
Universidade de Sao Paulo - SP
Resumo
A presente pesquisa teve por objetivo verificar os efeitos de uma intervenção sobre a habilidade de atribuição de estados mentais de crença
e foi desenvolvida em três fases: pré-teste, intervenção e pós-teste. As crianças selecionadas foram escolhidas aleatoriamente para compor o
grupo experimental e o grupo controle. A pesquisa foi feita com 44 crianças de ambos os sexos, de três a quatro anos de idade. A intervenção
foi baseada na explicação de tarefas de crença falsa e acompanhada por demonstrações com a ajuda de gestos e de objetos, além da fala
explicativa. Os resultados indicaram que as crianças do grupo experimental se beneficiaram com o procedimento de intervenção. As atividades
favoreceram o surgimento da habilidade de atribuição de estados mentais de crença. Esses resultados dão sustentação às hipóteses que
apontam a existência de uma relação entre a habilidade de atribuição de estados mentais e o desenvolvimento da linguagem.
Palavras–chave: Teoria da mente, crenças, desenvolvimento da linguagem.
Attribution of mental states and language: A study of intervention
Abstract
In this study we investigate the effects of an intervention on the ability of attributing mental states of belief. We developed the work in three phases:
pre-test, intervention and post-tests. The selected children were assigned randomly to compose the experimental group and control group.
Forty-four children of both sexes, 3 to 4 years old, participated in the study. The intervention was based on the explanation of false belief tasks
and was supported by demonstrations with the help of gestures and objects, and explanatory speech. The results indicated that children in the
experimental group benefited from the intervention procedure. The activities encouraged the emergence of the ability to attribute mental states
of belief. These findings support the hypotheses that point to the existence of a relationship between the ability of attributing mental states and
language development.
Keywords: Theory of mind, beliefs, language development.
Atribución de estados mentales y lenguaje: un estudio de intervención
Resumen
Este estudio tuvo por objetivo verificar los efectos de una intervención sobre la habilidad de atribución de estados mentales de creencia y se
desarrolló en tres fases: pre-test, intervención y post-test. Los niños seleccionados fueron asignados al azar para formar el grupo experimental y
el grupo control. La investigación se llevó a cabo con 44 niños de ambos sexos de 3 a 4 años de edad. A intervención tuvo por base la explicación
de tareas de creencia falsa y fue acompañada por demostraciones con ayuda de gestos y de objetos, además de discurso explicativo. Los
resultados indicaron que los niños del grupo experimental se beneficiaron del procedimiento de intervención. Las actividades favorecieron la
aparición de la habilidad de atribución de estados mentales de creencia. Estos resultados sustentan hipótesis que indican la existencia de una
relación entre la habilidad de atribución de estados mentales y el desarrollo de lenguaje.
Palabras clave: Teoría de la mente, creencias, desarrollo del language.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 249-257.
249
Introdução
Numerosos estudos sobre o desenvolvimento da
compreensão da mente do outro são encontrados na literatura psicológica sob a designação de teoria da mente, significando o entendimento que as crianças elaboram, durante
os primeiros anos de vida, a respeito das emoções, intenções e crenças das pessoas com as quais interagem em seu
cotidiano (Astington, Harris, & Olson, 1988; Baron-Cohen,
Leslie, & Frith, 1985; Wimmer & Perner, 1983).
As pesquisas sobre o desenvolvimento da teoria da
mente são de grande importância, dadas as suas implicações na compreensão do desenvolvimento social da criança
e suas possibilidades de aplicação na educação infantil, sobretudo em crianças de três a seis anos de idade.
Ao longo dos anos 80 e 90 vários estudos foram realizados para investigar a habilidade de compreensão da mente do outro (Deleau, 1996; Dias, 1993; Jenkins & Astington,
1996; Roazzi & Santana, 1999; Siegal & Beattie, 1991) e se
consolidaram utilizando o paradigma da crença falsa desenvolvido por Wimmer e Perner (1983). Assim, por exemplo,
uma criança mostra que compreende a crença falsa de outra
criança quando, observando a realidade, diz: “ele pensa que
o chocolate está no armário, mas não está lá, porque a mãe
dele o guardou noutro lugar”. A criança neste exemplo demonstra compreender que as pessoas têm representações
da realidade e que essas representações podem ser falsas.
A compreensão a respeito do que outras pessoas
pensam é uma habilidade que se desenvolve durante os primeiros anos de vida e é essencial para a adaptação social
da criança. Esse desenvolvimento parece estar relacionado
à linguagem e vem sendo estudado em distintas culturas e
idiomas (Antonietti, Liverta-Sempio, & Marchetti, 2006; Astington & Baird, 1995; Maluf, Gallo-Penna, & Santos, 2011;
Souza, 2008). Nas pesquisas de tipo experimental a relação
entre teoria da mente e linguagem é estudada, sobretudo,
por meio da aplicação de tarefas de crença falsa (Domingues & Maluf, 2008; Rakh, Kornilov, Reich, Babyonyshev, &
Grigorenko (2011).
Alguns estudos experimentais encontrados na literatura, feitos com grupo experimental e grupo controle,
demonstram que as crianças do grupo experimental que
vivenciam atividades de conversas sobre personagens de
histórias de livros ou vídeos apresentam um desempenho
melhor nas tarefas de crença falsa, quando comparadas
com crianças do grupo controle que não passaram por essas atividades (Appleton & Reddy, 1996; Clements, Rustin &
McCallum, 2000; Guajardo & Watson, 2002). Dois desses
estudos experimentais encontrados na literatura (Appleton
& Reddy, 1996; Clements, e cols., 2000), que tratam do
desenvolvimento da teoria da mente mediante aplicação
de tarefas de crença falsa e conversação com as crianças,
despertaram nosso interesse e estão na origem da presente
pesquisa, uma vez que não foram identificados trabalhos de
intervenção similares realizados com crianças brasileiras.
250
No estudo de Appleton e Reddy (1996) foi aplicado
em crianças de três anos um procedimento de intervenção
em que o experimentador explica a reação de surpresa de
um protagonista em uma situação de crença falsa. A intervenção teve como objetivo favorecer a compreensão das
crianças em tarefas tradicionais de crença falsa. O estudo
foi realizado com 47 participantes com idade média de três
anos e seis meses. Além da tarefa de crença falsa utilizada
no pré-teste, foi aplicada a escala British Picture Vocabulary
Scale (BPVS). As crianças foram alocadas aleatoriamente
no grupo controle ou no grupo experimental. O grupo experimental participou de oito sessões de discussões promovidas
em torno de quatro videoclipes, de curta duração, por um
período de duas semanas, em sessões de dez a quinze minutos. No programa de intervenção um adulto explicava a
reação de surpresa de um ator que aparecia nas cenas dos
videoclipes, após a inesperada transferência de um objeto.
Foram quatro cenas diferentes, em que um protagonista desempenhava ações motivado por uma crença falsa quanto
à localização de um objeto e manifestava expressão de surpresa. Cada intervenção envolvia lembrança do evento inicial e sua sequência, questionamento factual sobre o evento
e explicação dos pensamentos e ações do protagonista do
vídeo.
As crianças do grupo controle participavam de quatro
sessões de dez a quinze minutos com o pesquisador, mas
as sessões se limitavam à leitura de histórias de alguns livros. Ambos os grupos foram submetidos a um pós-teste,
com tarefas de crença falsa, imediatamente após a quarta
sessão de intervenção e a quarta sessão de leitura. Os resultados evidenciaram que os procedimentos de intervenção
que consistiram em promover conversas e explicações para
descrever a inesperada transferência de local do objeto contribuíram para o desenvolvimento da habilidade de atribuir
crença falsa ao outro. Esses resultados mostraram também
que as crianças que conversaram mais durante as sessões
de intervenção obtiveram melhor desempenho nas tarefas
de avaliação após o procedimento. Duas semanas após o
primeiro pós-teste as crianças foram reavaliadas com os
mesmos instrumentos. Esse segundo pós-teste mostrou que
os resultados obtidos se mantiveram duas semanas após o
experimento.
O outro estudo que investigou o efeito de uma intervenção na compreensão da crença falsa foi o realizado
por Clements e cols. (2000). Participaram 91 crianças, com
idade entre dois anos e dez meses meses e cinco anos, as
quais foram divididas em três grupos: um grupo participou
de uma “intervenção explicação”, outro participou de uma
“intervenção prática”, e o terceiro foi mantido como grupo
controle. Foram realizadas duas sessões de intervenção
com os grupos experimentais. O grupo “intervenção explicação” recebeu explicações detalhadas sobre a situação de
crença falsa e sobre suas respostas erradas ou corretas. Ao
grupo da “intervenção prática” era apenas informado se as
suas respostas estavam corretas ou incorretas. As crianças
do grupo controle ouviram uma história neutra. Os resultados indicaram que apenas o grupo que recebeu a interven-
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 249-257.
ção em “explicação” teve uma melhora significativa no julgamento e justificativa das futuras ações de um protagonista
em uma situação de crença falsa. Esses resultados sugerem
que a explicação sobre os princípios subjacentes à situação
de crença falsa é mais eficiente para levar a uma melhora no
desempenho na tarefa do que apenas a informação sobre a
resposta da criança estar correta ou não.
Os procedimentos utilizados nessas pesquisas e os
resultados obtidos nos levaram a perguntar pelos possíveis
resultados de aplicações similares a crianças brasileiras da
mesma faixa etária que frequentam classes de educação
infantil.
A presente pesquisa teve como objetivo verificar os
efeitos de um procedimento de intervenção experimental
com uso de linguagem explicativa de estados mentais, sobre a compreensão da crença falsa, em crianças de três e
quatro anos de idade. Partiu-se da hipótese de que as conversações com crianças em situações lúdicas nas quais são
explicitados estados mentais de crença dos personagens
com uso de verbos mentais têm efeito positivo no desempenho de tarefas de crença falsa.
Método
Para medir o impacto do programa de intervenção
sobre a compreensão de crença falsa utilizou-se um delineamento experimental com pré-teste, intervenção e dois
pós-testes. O segundo pós-teste foi aplicado com o objetivo
de verificar se os resultados obtidos permaneciam três semanas depois da aplicação do pós-teste 1.
O projeto recebeu aprovação do Comitê de Ética em
Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Foi obtido o consentimento livre e esclarecido dos responsáveis pelas crianças e mantido o anonimato destas.
Participantes
Participaram da pesquisa 44 crianças de três anos a
quatro anos e onze meses que frequentavam uma creche na
cidade de São Paulo. A creche atende a população do bairro,
constituída predominantemente por famílias de baixa renda.
Duas tarefas de crença falsa foram aplicadas como
pré-teste e seleção dos participantes. Foram selecionadas
para a pesquisa as crianças que não acertaram nenhuma
dessas duas tarefas e foram excluídas as que mostraram
acertos, uma vez que acertar tarefas de crença falsa indicava
algum nível de capacidade de atribuição desse estado mental.
As tarefas aplicadas foram: a dos Smarties (Perner,
Leekam, & Wimmer, 1987) e a de Sally e Ann (Baron-Cohen
e cols., 1985), ambas na forma adaptada por Dias, Soares
e Sá (1994).
As 44 crianças selecionadas foram escolhidas aleatoriamente para comporem o grupo experimental (GE) e o
grupo controle (GC). O GE foi composto por 22 crianças,
sendo 11 meninas e 11 meninos, de 3 anos e 5 meses a 4
anos e 7 meses (M = 3 anos e 9 meses). O GC foi composto
por 22 crianças, sendo 12 meninas e 10 meninos, com os
mesmos extremos na faixa etária, com média de idade de 3
anos e 5 meses.
A aplicação do teste t permitiu aceitar a equivalência
dos grupos quanto à idade ( t = 1,676 e p = 0,101).
Instrumentos
O procedimento de intervenção em crença falsa foi
baseado no estudo de Appleton e Reddy (1996) e utilizou
quatro histórias que permitiam verificar se a criança mostrava habilidade de atribuição de crença falsa aos personagens
(Anexo 1).
Para o pós-teste 1 foram utilizadas duas tarefas de
crença falsa, semelhantes às aplicadas no pré-teste: a tarefa
da caixa de fósforos (Hogrefe, Wimmer, & Perner, 1986) e a
tarefa utilizada por Avis e Harris (1991). A tarefa 1, designada
como predição de conduta do tipo conteúdo inesperado, tem
como estrutura apresentar à criança uma caixa de fósforos
com rótulo que indica o conteúdo da caixa; mas ao abri-la, a
criança constata a presença de outro conteúdo. Pergunta-se
à criança o que diria um amiguinho que desconhecesse o
conteúdo da caixa, quando perguntado sobre seu conteúdo. A tarefa 2, designada como predição de conduta do tipo
história de engano, tem como estrutura e conteúdo a participação de dois personagens, brincando cada qual com um
objeto. O personagem 1 guarda seu objeto num determinado lugar e sai de cena; o personagem 2 aproveita a ausência
do primeiro, pega o objeto guardado e o esconde em outro
local. O personagem 1 volta para recuperar o objeto. A criança deve predizer se ele vai procurar o objeto onde o deixou
ou onde o personagem 2 o escondeu (Anexo 2).
No pós-teste 2 as crianças foram avaliadas com as
tarefas da caixa de lápis de cor (Perner e cols., 1987) e do
garoto Maxi, aqui denominado João (Wimmer & Perner,
1983). A tarefa 3 tem como estrutura e conteúdo a apresentação, à criança, de duas caixas. Uma caixa tem um rótulo
que indica o conteúdo da caixa (lápis de cor) e a outra caixa
é igual, mas sem rótulo, toda branca. O experimentador
pega a primeira caixa e pergunta à criança o que há no seu
interior. Quando a criança responde corretamente, uma vez
que ela conhece o rótulo, o experimentador abre a caixa e
mostra que ela está vazia. Em seguida ele pega a segunda
caixa, sem rótulo, e pergunta à criança o que há no interior
da caixa. Em geral as crianças tentam adivinhar ou dizem
que não sabem. O experimentador então abre a caixa e
mostra que ela contém lápis de cor. Ele então pergunta: “O
que você acha que diria seu amiguinho se perguntarmos
para ele o que há nesta caixa?”. Espera-se que a criança
compreenda que o amiguinho que desconhece o conteúdo
das caixas não será capaz de predizer o conteúdo da caixa
sem rótulo. Esse tipo de tarefa é designado como predição
de conduta do tipo conteúdo inesperado. A tarefa 4 tem
como estrutura e conteúdo a participação de dois personagens que estão brincando, cada qual com um objeto. O
Atribuição de estados mentais * Simone Ferreira da Silva Domingues & Maria Regina Maluf
251
personagem 1 guarda seu objeto num determinado lugar e
sai de cena; o personagem 2 aproveita a ausência do primeiro, pega o objeto guardado e o esconde em outro local. O
personagem 1 volta para recuperar o objeto. A criança deve
dizer se o personagem 1 vai procurar o objeto onde o deixou
ou onde o personagem 2 o escondeu. Esse tipo de tarefa é
designado como predição de conduta com tipo história de
engano (Anexo 2).
O primeiro pós-teste foi aplicado no dia seguinte à
quarta e última sessão de intervenção, começando sempre
com as primeiras crianças que haviam passado pela experiência e intercalando com as crianças do grupo controle. O
segundo pós-teste foi aplicado três semanas após o primeiro
pós-teste.
Nas avaliações de crença falsa, para cada tarefa foi
atri­buído 1 (um) ponto para a resposta correta e 0 (zero)
para a resposta incorreta.
Procedimento de intervenção
Antes de iniciar o estudo o pesquisador frequentou a
creche pelo período de um mês, com o objetivo de familiarizar as crianças com sua presença. Após esse período deu
início à aplicação das tarefas de crença falsa do pré-teste.
As tarefas foram aplicadas de forma individual e nas dependências da creche.
A intervenção foi aplicada em quatro sessões individuais, com duração de dez a quinze minutos, no período de
duas semanas, sendo duas sessões por semana. Em cada
uma delas foi utilizada uma história e entregue o material
para manuseio da criança. As sessões foram gravadas em
áudio e complementadas com anotações sobre os comportamentos não verbalizados das crianças.
Para contar as histórias foi utilizado um cenário, montado numa casinha de madeira medindo 67cm de largura,
49cm de profundidade e 44cm de altura. Nela eram colocados os protagonistas, o que permitia criar um cenário lúdico
que agradava às crianças participantes (figura 1).
Em todas as sessões, o experimentador contava a
história e depois conversava com a criança sobre a trama. O
experimentador interagia com a criança manipulando os diferentes materiais e personagens e falava com ela utilizando
termos de atribuição de estados mentais de desejo, intenção
e crença, como querer, gostar, acreditar e pensar.
Antes de iniciar a história o pesquisador conversa com
a criança sobre o material do cenário, pergunta se ela conhece
e sabe nomear os objetos e permite que ela os manipule. Em
seguida solicita que a criança preste atenção à história que ele
vai contar para que depois possam conversar sobre ela.
Como ilustração apresenta-se aqui uma sessão de
intervenção utilizando a história do trenzinho:
Este bonequinho chama-se Carlos e ele gosta muito
de brincar de trenzinho. Ele estava brincando com seu
trenzinho no chão da sala. Aí, ele ficou com sede, pegou
o trenzinho e foi até a cozinha pegar um refrigerante. Ele
colocou o trenzinho em cima da mesa, pegou a garrafa de
refrigerante e voltou para a sala. Sentou no sofá para tomar
o refrigerante. Enquanto isso, o seu amigo entrou na cozinha
e viu o trenzinho em cima da mesa. Ele pegou o trenzinho,
colocou no assento da cadeira e foi embora. Aí o Carlos
acabou de tomar o refrigerante e lembrou-se do trenzinho
que havia deixado em cima da mesa, lá na cozinha. Aí ele
foi buscar o trenzinho na cozinha, e quando ele foi pegar
o trenzinho, que deixou em cima da mesa, o trenzinho não
estava mais lá. Ele ficou surpreso!
Manipulando o boneco, o pesquisador perguntava:
“Por que o Carlos achava que o trenzinho estava em cima da
mesa? Aguardava a resposta da criança e continuava, questionando, sempre no sentido de recuperar os elementos da
história e com o objetivo de chegar ao desfecho, onde ocorre
a atribuição de crença falsa. “Por que o Carlos voltou para
buscar o trenzinho na cozinha”? Mas quando ele chegou à
cozinha, ele ficou surpreso porque o trenzinho não estava lá.
O que você acha que aconteceu”?
Caso a criança não respondesse, o experimentador
fornecia a resposta correta, manipulando o boneco e os objetos:
Como ele deixou na cozinha, ele pensava que ainda
estivesse lá, pois ele não sabia que o amigo dele tinha
colocado o trenzinho no assento da cadeira. Por que ele não
sabia? Onde ele estava quando o amigo pegou o trenzinho?
Figura 1. Cenário utilizado na intervenção
252
Quando a criança, espontaneamente, não mostrava
compreensão de crença falsa, o experimentador fornecia a
resposta correta, explicando no contexto da história. “Quando o amigo pegou o trenzinho Carlos não viu, porque naquele momento ele estava na sala. Assim, ele acreditava que o
trenzinho continuava em cima da mesa, onde ele o deixado”.
Com as crianças do grupo controle foram utilizadas
outras atividades, com o objetivo de controlar o chamado
efeito de Hawthorne, decorrente do simples fato de estar
participando de atividades de intervenção. Foram utilizadas
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 249-257.
quatro atividades que não incluíam linguagem, de modo
a não concorrer para o desenvolvimento da habilidade de
compreender e atribuir estados mentais. As atividades propostas e realizadas pelas crianças foram: desenho, massinha, colagem e quebra-cabeça.
Foram realizadas quatro sessões com duração aproximada de dez minutos. Em cada sessão foi entregue o material para o manuseio da criança, atividade que ocorreu ao
longo de duas semanas, com a realização de duas sessões
por semana.
A tabela 1 apresenta as idades e número de acertos
nas tarefas de crença falsa das crianças do grupo experimental
(GE) e do grupo controle (GC), no pós-teste 1 e no pós-teste 2.
Como se pode verificar na tabela 1, no pós-teste 1
quatro crianças do grupo experimental (GE) acertaram a
tarefa 1 e uma criança do grupo controle acertou essa tarefa. Na tarefa 2, treze crianças do grupo experimental (GE)
deram a resposta correta, ou seja, compreenderam a falsa
crença do personagem da história, enquanto somente duas
crianças do grupo controle (GC) deram indício dessa compreensão.
Foi feito um tratamento estatístico para comparação
dos escores obtidos no pós-teste 1 pelo grupo experimental
(GE) e pelo grupo controle (GC), aplicando-se o teste do x2
(qui-quadrado).
Resultados
Tabela 1. Escores das crianças do grupo experimental (GE) e do grupo controle (GC) nas tarefas de crença
falsa 1,2,3 e 4, aplicadas no pós-teste 1 e no pós-teste 2
Grupo Experimental
Grupo Controle
Pós-
Pós-
Pós-
Pós-
Teste 1
Teste 2
Teste 1
Teste 2
Criança
Idade
T1
T2
T3
T4
Criança
Idade
T1
T2
T3
T4
1
3;5
0
0
0
0
1
3;5
0
0
0
0
2
3;6
0
0
0
0
2
3;6
0
0
0
0
3
3;6
0
1
1
1
3
3;6
0
0
0
0
4
3;7
0
0
0
0
4
3;6
0
0
0
0
5
3;8
1
1
0
0
5
3;7
0
0
0
0
6
3;10
0
0
0
0
6
3;8
0
0
1
0
7
3;11
0
1
1
1
7
3;9
1
0
0
0
8
3;11
0
0
0
1
8
3;10
0
0
0
0
9
4;0
0
1
0
1
9
3;10
0
0
0
0
10
4;0
0
1
1
0
10
3;10
0
0
0
0
11
4;0
0
1
0
1
11
3;10
0
0
0
0
12
4;1
0
0
1
0
12
3;10
0
0
/////
13
4;1
0
1
0
0
13
3;11
0
0
0
0
14
4;2
0
0
0
0
14
3;11
0
0
0
0
15
4;2
0
1
0
1
15
4;0
0
1
0
0
/////
16
4;3
0
0
1
0
16
4;0
0
0
0
0
17
4;4
1
1
1
1
17
4;1
0
0
0
0
18
4;4
0
1
1
1
18
4;1
0
0
0
0
19
4;5
1
1
1
0
19
4;5
0
0
0
0
20
4;5
0
1
1
1
20
4;5
0
0
0
0
21
4;6
1
0
0
0
21
4;6
0
0
0
0
22
4;7
0
1
1
1
22
4;7
0
1
1
1
4
13
10
10
1
2
2
1
Total de Acertos
Total de Acertos
Atribuição de estados mentais * Simone Ferreira da Silva Domingues & Maria Regina Maluf
253
Na tarefa 1, a baixa frequência dos resultados (GE=
4 e GC=1) não permitiu conclusões baseadas em análise
estatística. Em valores brutos o GE teve mais acertos do
que o GC.
Na tarefa 2, o valor do teste x² = 12,239 (p = 0,000),
apresentou diferença significativa entre os resultados obtidos pelas crianças do grupo experimental (GE) e do grupo
controle (GC). Observa-se que existe diferença significativa
no desempenho entre os dois grupos (p = 0,001). Conclui-se
que houve um efeito positivo do procedimento de intervenção, uma vez que o grupo experimental (GE) obteve desempenho significativamente melhor que o grupo controle (GC).
Em síntese, pode-se afirmar que os resultados indicaram efeitos do procedimento de intervenção sobre a
habilidade de atribuição de estados mentais de crença na
tarefa 2, que envolve predição de conduta com história de
engano, e na tarefa 1, que envolve predição de conduta com
conteúdo inesperado.
De acordo com o delineamento do estudo, o pós-teste 2 foi aplicado três semanas depois do pós-teste 1, com o
objetivo de verificar se haviam se mantido os efeitos obtidos
após a intervenção.
Como se pode observar na tabela 1, dez crianças do
grupo experimental (GE) mostraram acertos na tarefa 3 e
duas crianças do grupo controle (GC) apresentaram acertos
na mesma tarefa.
O valor do teste x² no cruzamento de escores obtidos
pelas crianças dos grupos experimental e controle, com a
tarefa 3, mostrou um valor de 6,894 (p = 0,009). Observa-se
diferença significativa no desempenho entre os dois grupos
(p < 0,01), permitindo concluir que houve um efeito positivo
do procedimento de intervenção, uma vez que o grupo experimental (GE) obteve desempenho significativamente melhor
que o do grupo controle (GC).
Na tarefa 4, dez crianças do grupo experimental (GE)
obtiveram acerto, enquanto somente uma criança do grupo
controle acertou a mesma tarefa. O valor do teste x² = 9,345
(p = 0,002), no cruzamento de escores obtidos pelas crianças do grupo experimental (GE) e do grupo controle (GC),
com a tarefa 4, sugere diferença significativa entre os dois
grupos (p < 0,01). Conclui-se que houve um efeito positivo do procedimento de intervenção, uma vez que o grupo
experimental (GE) obteve desempenho, significativamente,
melhor que o grupo controle (GC).
Esses resultados permitem afirmar que os efeitos
da intervenção se mantiveram após três semanas, para as
crianças do grupo experimental (GE), sugerindo que os ganhos permaneceram.
Em síntese, é possível afirmar que as crianças se
beneficiaram com o procedimento de intervenção que envolveu conversações com o uso de verbos mentais. As atividades realizadas favoreceram o surgimento da habilidade de
atribuição de estados mentais de crença e esses efeitos se
mantiveram no grupo experimental (GE) após três semanas.
Esse achado deu sustentação à nossa hipótese de que o
procedimento de intervenção que utiliza conversações com
crianças em situações lúdicas nas quais são explicitados
254
estados mentais de crença dos personagens, com uso de
verbos mentais, produz efeito positivo no desempenho de
tarefas de crença falsa.
Discussão
A presente pesquisa teve como objetivos verificar o
efeito de um procedimento de intervenção experimental com
uso de linguagem explicativa de estados mentais, sobre a
compreensão da crença falsa, em crianças de 3 e 4 anos
de idade e testar se esse efeito se mantém após três semanas. Os resultados indicaram que as crianças do grupo
experimental (GE) se beneficiaram com o procedimento de
intervenção e que as atividades realizadas favoreceram o
surgimento de respostas corretas nas tarefas que avaliam
a habilidade de atribuição de estados mentais de crença.
Ademais, os efeitos se mantiveram após três semanas.
Esses achados permitiram aceitar a hipótese da
pesquisa, de que crianças que frequentam classes de educação infantil podem beneficiar-se de interações linguísticas
realizadas em situações lúdicas durante as quais são explicados estados mentais de crença dos personagens, com
uso intencional de verbos mentais. A ênfase na narrativa e
a frequência de conversas sobre estados mentais com as
crianças parecem ter beneficiado seu desempenho nas tarefas de crença falsa.
Esses resultados estão de acordo com outros encontrados na literatura (Antonietti e cols., 2006; Astington &
Baird, 1995; Rakhlin e cols., 2011). De modo mais específico,
confirmaram os achados dos estudos de Appleton e Reddy
(1996) e de Clements e cols. (2000), ponto de partida deste
estudo. Os autores mostraram que a linguagem utilizada em
contextos de conversação foi proveitosa para favorecer a
compreensão social sob a forma de habilidade de atribuição
de estados mentais de crença.
Muitos pesquisadores argumentam que a linguagem
oral desempenha um papel causal no desenvolvimento da
compreensão de crença falsa; no entanto persistem discussões sobre o papel preciso que a linguagem desempenha, devido à possibilidade de ela ser operacionalizada e avaliada de
diferentes maneiras (Deleau, Maluf, & Panciera, 2008). Neste
estudo, considerou-se a linguagem oral tal como ela se mostra
em contextos de conversações, que habitualmente ocorrem
na família e na escola. Nessas condições foi possível concluir
que conversações realizadas com as crianças, sobre eventos
que implicam ações mentais, podem favorecer o desenvolvimento da habilidade de atribuir crença ao outro, sendo essa
aquisição de grande importância para a adaptação social das
crianças. Como afirma Bruner (2001), na linguagem cotidiana
pouco se fala sobre termos mentais - como pensar, acreditar
e lembrar. O que se verifica é que esses termos passam o
tempo todo despercebidos, sendo utilizados somente em algumas situações. “Usar estas palavras requer que a criança
entenda não apenas as palavras, mas sua contextualização
na sociedade ao seu redor” (Bruner, 2001, p.108).
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 249-257.
Estudos futuros sobre as relações entre linguagem
e o desenvolvimento da atribuição de estados mentais deverão esclarecer essa importante relação, com o uso de
procedimentos que permitam separar, para fins de análise,
as diferentes dimensões da linguagem. Os resultados do
presente estudo permitiram concluir que o conhecimento
do modo como as crianças adquirem noções sobre estados
mentais, em situações de conversação, é da maior importância para a educação familiar e escolar. O estudo também
permite recomendar que essa estratégia seja utilizada, tanto
na família quanto na escola, para favorecer a compreensão
social nos primeiros anos de vida.
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Paulo: Vetor
Atribuição de estados mentais * Simone Ferreira da Silva Domingues & Maria Regina Maluf
255
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and constraining function of wrong beliefs in young children`s
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Anexos
fica surpreso por não encontrar o lápis e o papel do desenho
sobre a mesa.
Material: O cenário será composto por uma maquete
de casa, feita em madeira, dois bonecos, um telefone, uma
folha de papel, lápis de cor e um armário com gaveta.
Anexo 1 – Descrição das 4 histórias e material que
compôs os cenários
Anexo 2 – Tarefas de crença falsa, materiais e
procedimentos
Primeira história - cena do refrigerante
Pedro põe o refrigerante em cima da mesa e vai ao
quintal, para jogar bola. Enquanto ele está jogando bola,
João entra na cozinha, pega o refrigerante e o coloca no armário da cozinha. Pedro para de jogar bola e volta à cozinha
para tomar seu refrigerante; olha na mesa e fica surpreso
porque não encontra o refrigerante, lá.
Material - O cenário será composto por uma maquete
de casa, feita em madeira, dois bonecos, uma garrafa de
refrigerante, um armário, uma bola, uma mesa.
Tarefa 1
A tarefa utilizada foi a da caixa de fósforos (Hogrefe,
Wimmer & Perner, 1986), que consiste na seguinte situação:
Segunda história - cena do trenzinho
Carlos está sentado na sala brincando com seu trenzinho. Ele sai da sala com seu trenzinho na mão e vai para
a cozinha pegar um refrigerante. Enquanto pega o refrigerante, põe o trenzinho em cima da mesa. Depois que pega o
refrigerante, volta para a sala. Um amigo chega na cozinha
e vê o trenzinho em cima da mesa, pega o trenzinho e o
coloca no assento da cadeira. Carlos volta para a cozinha à
procura de seu trenzinho que ficara sobre a mesa. Quando
chega na cozinha, ele olha para a mesa e fica surpreso, pois
o trenzinho não está mais lá.
Material - O cenário será composto por uma maquete
de casa, feita em madeira, dois bonecos, um trenzinho, uma
garrafa de refrigerante, uma mesa, uma cadeira e um sofá.
tem dentro. Nesse momento, o experimentador faz uma
pergunta: “O que ele(a) vai dizer que tem dentro da caixinha,
assim que eu perguntar a ele(a), como fiz com você?” “Por
que ele(a) dirá isso?” “Você se lembra quando eu mostrei
esta caixa a você e perguntei o que tinha dentro dela, o que
você respondeu? O que realmente tinha na caixa?”
Terceira história - esconde-esconde
Bruno e Mateus estão brincando de esconde-esconde. Bruno fica de costas, fecha seus olhos e começa bater
cara, contando até dez. Mateus se esconde atrás do sofá.
Bruno inicia a procura e vê que Mateus está atrás do sofá.
Nesse instante, toca a campainha e Bruno vai em direção
à porta, para atendê-la, Mateus vê que seu amigo foi até a
porta, sai correndo e se esconde atrás do armário. Bruno
volta e vai em direção ao sofá para procurar Mateus, surpreendendo-se, porque ele não se encontra lá.
Material - O cenário será composto por uma maquete de casa, feita em madeira, dois bonecos, um sofá, um
armário.
Quarta história - cena do desenho
Felipe está sentado à mesa, desenhando. O telefone
toca e ele vai atender, deixando o desenho e o lápis sobre a
mesa. Maurício entra na sala e vê o lápis e o papel do desenho sobre a mesa. Ele os pega da mesa e os coloca dentro
da gaveta. Felipe volta, após sua conversa ao telefone, e
256
O experimentador mostra uma caixa de fósforos para a
criança e pergunta o que há dentro da caixa. Quando a
criança responde - fósforos -, o experimentador abre a caixa
e mostra para a criança outra coisa diferente (refrigerante),
que está na caixa, e a fecha. Logo em seguida, ele fala
que irá jogar com um amigo(a) da criança e lhe mostrará
a caixa de fósforos e perguntará para seu amigo(a) o que
Material para tarefa: 1 caixa de fósforos e garrafa de
refrigerante.
Tarefa 2
A tarefa utilizada na pesquisa foi a de Avis e Harris
(1991), que consiste na seguinte situação:
A criança assiste a um boneco fazendo comida. Após o
cozimento, ele coloca a comida em uma tigela e cobre com
uma tampa e sai da cozinha. Em sua ausência a criança é
incitada pelo aplicador a remover a tigela com a comida e
esconder em uma panela. Uma vez que a criança esconde
a comida, o experimentador faz a seguinte pergunta para a
criança: “Qual o primeiro lugar em que o boneco vai procurar
a comida, assim que ele voltar? Na tigela ou na panela?” O
experimentador pede para a criança justificar sua resposta.
Material para tarefa 2: boneco, comidinha, tigela com
tampa e panela com tampa.
Tarefa 3
A tarefa utilizada foi adaptada da tarefa de Perner,
Leekam e Wimmer, (1987).
Versão original (Perner, Leekam & Wimmer, 1987):
Consiste em mostrar, primeiramente, para a criança, uma
caixa de “band-aid” vazia e outra caixa igual sem marcas,
toda branca, mas com “band-aid” em seu interior. Depois,
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 249-257.
Maxi ajuda a sua mãe a guardar as compras, coloca seu
chocolate no armário verde e sai da cozinha. Na sua
ausência, sua mãe pega o chocolate para colocar um pouco
na torta. Depois ela coloca o chocolate no armário azul e sai
para comprar ovos. Maxi retorna e quer comer seu chocolate.
Nesse momento, o investigador pergunta a criança: “Onde
Maxi procurará pelo chocolate? Por quê?”
as caixas são fechadas e o boneco é colocado em cena. Na
tarefa de predição, a criança deve predizer em qual caixa o
boneco procuraria o “band-aid”. Na tarefa de explicação, o
boneco começa a olhar a caixa marcada, mas vazia. Solicitase, então, à criança que explique porque o boneco estaria
olhando para a caixa vazia.
Versão utilizada:
Versão utilizada:
O experimentador mostra, primeiramente, para a criança,
uma caixa de lápis de cor, vazia, e pergunta o que há dentro.
Quando a criança responde, lápis, o experimentador abre a
caixa e mostra para a criança que ela está vazia. Ele pega
outra caixa igual sem marcas, toda branca, mas com lápis de
cor no seu interior e pergunta o que há dentro. Depois que
a criança responde, o experimentador abre a caixa e mostra
que ela contém lápis de cor. Depois, as caixas são fechadas
e entra em cena um o boneco. O pesquisador solicita à
criança que diga em qual caixa o boneco vai procurar o lápis
de cor. Depois pergunta: “Porque ele foi procurar nesta
caixa?” “Onde estão de verdade os lápis?”
João foi fazer compras com sua mãe. Quando voltou, sua
mãe pediu para que ele a ajudasse a guardar as compras
no armário. João coloca os sucrilhos e o leite no armário e
sai para brincar na rua. Na sua ausência, sua mãe pega os
sucrilhos e o leite e os guarda em outro armário e sai para
comprar ovos, para fazer um bolo. João volta para casa
e quer comer seus sucrilhos com leite. Nesse momento,
o investigador pergunta à criança: “Qual o primeiro lugar
em que João vai procurar o sucrilhos e o leite, assim que
ele voltar? No armário em que ele guardou as compras
ou onde sua mãe colocou?” O experimentador pede para a
criança justificar sua resposta.
Material - 1 caixa de lápis de cor, outra caixa de lápis
de cor encapada (sem marcas) e um boneco.
Material - 1 caixa de sucrilhos, 1 de leite, uma boneca, um bonequinho, 2 armários e um fogão.
Tarefa 4
A tarefa utilizada foi adaptada da tarefa de Wimmer
e Perner (1983)
Procedimento de análise das tarefas - para cada
resposta não-esperada ou incorreta, foi atribuído 0 (zero) e
para cada resposta esperada ou correta foi atribuído o valor
1 (um).
Versão original (Wimmer & Perner, 1983):
Recebido em: 25/04/2012
Reformulado em: 22/08/2012
19/11/2012
Aprovado em: 23/01/2013
Sobre as autoras
Simone Ferreira da Silva Domingues ([email protected] / [email protected])
Universidade Cruzeiro do Sul / Universidade Guarulhos
Maria Regina Maluf ([email protected])
Trabalho derivado da tese de doutorado intitulada Teoria da mente: um estudo de intervenção aplicado em crianças de 3 a 4 anos que contou
com auxilio financeiro da CAPES.
Endereço para correspondência:
Rua 26 de abril, 118 – apto. 604C –Penha - São Paulo/SP – CEP 03651020
Atribuição de estados mentais * Simone Ferreira da Silva Domingues & Maria Regina Maluf
257
Contexto escolar: práticas educativas do professor,
comportamento e habilidades sociais infantis
Alessandra Turini Bolsoni-Silva
Universidade Estadual Paulista - SP
Maria Luiza Mariano
Universidade Estadual Paulista - SP
Sonia Regina Loureiro
Universidade de Sao Paulo - SP
Caroline Bonaccorsi
Universidade Estadual Paulista - SP
Resumo
Práticas educativas, problemas de comportamento e habilidades sociais infantis são questões que têm sido pouco estudadas no contexto
escolar. Objetivou-se comparar as práticas educativas de professores do ensino regular e do especial com os comportamentos infantis em grupos
diferenciados por problemas de comportamento e pelo sexo das crianças. Participaram quinze professoras e vinte e oito alunos (seis a nove anos),
distribuídos em dezoito do ensino regular (infantil e fundamental) e dez do ensino especial. Procedeu-se à avaliação com os professores por meio de
um questionário (Q-RSH-Pr) e de entrevista semiestruturada (RE-HSE-Pr). Verificou-se, com diferenças significativas, que os meninos e as crianças
com problemas de comportamento apresentaram mais dificuldades e suas professoras relataram utilizar mais práticas negativas de educação, e
que as meninas apresentaram mais habilidades sociais. Não se encontraram diferenças nas comparações entre o ensino regular e o especial. A
comparação entre as práticas educativas dos professores e os comportamentos das crianças no contexto escolar é útil para intervenções.
Palavras-chaves: Educação, distúrbios do comportamento, habilidades sociais.
Teacher´s educational practices and child behavior:
the influence of multiple variables
Abstract
Educational practices, behavior problems and children´s social skills have been more studied in family context than in school context. This study
aimed to compare, from the verbal report, educational practices of regular and special teacher in relation to children´s behavior, concerning groups
differentiated by reference indication of behavior problems in the classroom by the teacher and sex of the children. This study surveyed fifteen
teachers and twenty-eight students (6-9 years), who were grouped in regular teaching (n = 18, kindergarten, elementary) and especial teaching
(n = 10). The assessment with teachers was proceeded by using a questionnaire (Q-RSH-Pr) and a semi-structured interview (RE-HSE-Pr).
We observed that there is a significant difference: boys as well as children with behavior problems presented more difficulties than others. Their
teachers revealed that they use more negative
Keywords: Education, behavior disorders, social skills.
La práctica educativa del profesor y comportamiento infantil:
la influencia de múltiplas variables
Resumen
Prácticas educativas, problemas de comportamiento y habilidades sociales infantiles han sido poco estudiados en el contexto escolar. El estudio
tuvo el objetivo de comparar prácticas educativas escolares positivas y negativas; el repertorio conductual respectivo a habilidades sociales e
indicadores de problemas de comportamiento; de niños de educación especial y regular, diferenciando grupos de niños que tengan o no problemas
de comportamiento y, entre niños y niñas. Participaron de esta investigación 15 profesoras y sus alumnos distribuidos en educación regular (infantil,
básica) y especial. La evaluación se realizó con profesores por medio de cuestionario y entrevista semi–estructurada. Los grupos de educación
regular y especial no presentaron diferencias en las comparaciones de grupo, los niños y las niñas indicadas con problemas de comportamiento
presentaron más problemas de conducta y sus profesoras informaron el uso de más prácticas negativas de educación, las niñas presentaron más
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 259-269.
259
habilidades sociales lo que sugiere la necesidad de intervención y
nuevos estudios.
Palabras clave: Educación, trastornos de la conducta, habilidades
sociales.
Introdução
Os comportamentos das crianças são complexos e
multideterminados, e para o seu entendimento é necessário
avaliar o contexto em que ocorrem. Neste sentido, destaca-se que no ambiente familiar as práticas educativas podem
tanto promover habilidades sociais como favorecer o surgimento de problemas de comportamento. O ambiente escolar,
quando comparado ao familiar, tem sido menos investigado
no que se refere às práticas educativas, e o repertório infantil tem justificado estudos neste sentido, embora queixas já
estejam bem documentadas.
No contexto escolar, Del Prette e Del Prette (2001),
tendo conduzido estudo com uma amostra de professores
de uma escola pública, referiram que mais da metade dos
professores relatou acontecimentos semanais de conflitos
interpessoais como ameaças, xingamentos, agressões físicas, gritos e discussões entre os alunos, além de outras
ocorrências diárias envolvendo, em média, cinco a seis alunos agressivos em cada sala. Referiram também pouca efetividade nas tentativas de manejo dessas situações. Por outro lado, todas as habilidades das crianças foram avaliadas
como superiores à média, especialmente habilidades sociais
como ter boas maneiras, cooperar, compartilhar, desculpar-se, ouvir o outro, pedir favor ou ajuda, fazer perguntas e a
elas responder, sendo as classificadas como as mais baixas
atribuídas às habilidades de enfrentamento em situações
de conflito potencial, como expressar desagrado, corrigir
informação, negociar e discordar. Os autores apontaram,
a partir dos resultados obtidos, que os professores têm uma
compreensão equivocada das habilidades sociais, restrita às
habilidades de comunicação e de civilidade, em detrimento
de habilidades de enfrentamento e de resolução de problemas das crianças. Então eles sugerem, para os professores,
um treinamento sobre manejo dos comportamentos de seus
alunos e investimentos no ensino de habilidades sociais infantis, além de habilidades de enfrentamento em situações
conflituosas dentro do contexto escolar.
No contexto familiar, a influência das práticas educativas no surgimento e manutenção de problemas de
comportamento já está bastante documentada na literatura
(Bolsoni-Silva & Marturano, 2007, 2008; Ferreira & Marturano, 2002; D’Ávila-Bacarji, Marturano, & Elias, 2005; Rosa,
Garcia, Domingos, & Silvares, 2001; Weber, Prado, Viezzer,
& Bandenburg, 2004). Bolsoni-Silva, Villas Boas, Romera e
Silveira (2010) encontraram a mesma tendência nas interações e repertórios de famílias de crianças com necessidades educacionais especiais (de linguagem e auditiva), ou
seja, as práticas positivas foram associadas às habilidades
sociais infantis positivas, e as práticas negativas, aos problemas de comportamento.
260
Sabe-se que mães e professores podem julgar diferentemente os comportamentos das crianças (Achenbach,
Mcconaughy, & Howell, 1987; Bolsoni-Silva, Marturano, Figueiredo, & Manfrinato, 2006; Feitosa, 2003; Gagnon, Vitaro,
& Tremblay, 1992; Satake, Yoshida, Yamashita, Kinukawa, &
Takagishi, 2003; Kumpulainen e cols., 1999), pois seus ambientes são distintos, apresentando demandas e exigências
próprias, o que justifica avaliações em ambos os contextos
para melhor compreender as interações estabelecidas entre
os adultos e as crianças e os comportamentos das crianças.
Quanto às relações entre práticas educativas e comportamentos infantis no contexto escolar, os estudos são
mais escassos. As práticas educativas do professor são
mediadas pela cultura, pelo contexto, pela singularidade da
história de vida e pela relação estabelecida (Del Prette &
Del Prette, 2001). Bolsoni-Silva e cols. (2010), em revisão
de literatura (192 resumos publicados entre o ano de 1986
e junho de 2006) sobre intervenções para reduzir ou prevenir problemas de comportamento, encontraram que apenas
4,2% dos estudos incluíam avaliação e intervenção com professores apesar de inúmeros estudos, de modo geral, terem
ressaltado a importância das práticas positivas do professor
na promoção de habilidades sociais e na redução de problemas de comportamento.
Pesquisas no contexto escolar têm atestado a importância da comunicação na prevenção de problemas de
comportamento (Howie, Lukacs, Pastor, Reuben, & Mendola, 2010), no estabelecimento de regras (Gomes, 2003), no
treino em resolução de problemas (Allen & Blackston, 2003),
na identificação e reforçamento de comportamentos esperados (Barnett, Bauer, Ehrhardt, Lentz, & Stdlar, 1996), no
oferecimento de suporte (Greene & Ollendick, 1993), no estabelecimento de estratégias de manejo positivas (Webster-Stratton, Reid, & Stoolmiller, 2008) e no envolvimento com a
família (Webster-Stratton e cols., 2008). Na opinião de muitos
professores, seria ideal usar a criatividade e a amizade nas
interações estabelecidas com os alunos (Oliveira & Wechsler,
2002). O estudo de Reis e Camargo (2008), ao entrevistar alunos com TDAH, deixa clara a importância de os professores
identificarem precocemente as dificuldades dessas crianças,
de modo que possam propor atividades estimulantes e diferenciadas para os alunos, garantindo, assim, a aprendizagem
de todos. Tais atividades poderiam prevenir problemas de
comportamento, pois as crianças seriam capazes de realizá-las com menos dificuldades e de maneira lúdica.
As práticas educativas positivas dos professores podem ser detalhadas com base nos estudos de Coolahan, Fantuzzo, Mendez, & McDermott (2000), Del Prette e Del Prette
(2002), Gomes (2003), Vila (2005) e Zanotto (2000) como
assinalado a seguir. Além do comunicar-se efetivamente com
o aluno (olhar para os alunos, falar, ouvir, iniciar comunicação,
buscar aproximação, responder perguntas), outros comportamentos são também importantes, como: a) elogiar e ser afetivo (elogiar, expressar sentimentos positivos, dar feedback
positivo a comportamentos esperados e agradecer a elogios,
apoiar o aluno apesar do seu erro e encorajá-lo a novas tentativas, ser amistoso com o aluno e demonstrar reciprocidade
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 259-269.
quando o aluno é afetuoso, promover situações lúdicas); b)
fazer e receber críticas, ouvir e expressar opiniões e alterar o
próprio comportamento; c) propor situações-problema, estabelecer regras e incentivar seu cumprimento.
Castro e Bolsoni-Silva (2008) afirmam que o professor, enquanto mediador das relações estabelecidas na sala
de aula, pode manter, fortalecer ou até desestimular comportamentos ligados à interação criança-criança e criança-professor, influenciando tanto os aspectos acadêmicos quanto
os sociais. Os resultados desse estudo, feito a partir de
observação direta, apontaram que os professores incentivavam bons comportamentos das crianças e essas demonstravam contentamento; no entanto, quando as crianças tinham
comportamentos que os professores desaprovavam, eles
agiam com agressividade (gritando, por exemplo), e nesses
momentos as crianças também agrediam. Verificou-se que
tanto as crianças como os professores tinham repertório
para interagir positivamente em momentos que não estavam
relacionados a estabelecer limites, pois nesses momentos
tanto crianças como professores agiam com agressividade.
Na mesma direção, Fonseca (2012), ao descrever
estudos de casos de crianças com e sem problemas de comportamento nos ambientes escolar e familiar, encontrou que:
a) as professoras identificaram um número maior de comportamentos problemáticos em comparação com as famílias;
b) as crianças com problemas de comportamento também
apresentavam déficits de desempenho acadêmico a partir
do TRF; c) todas as crianças apresentavam bom escore de
habilidades sociais; d) todos os familiares apresentaram
déficits de práticas positivas e muitas práticas negativas ao
educar as crianças, mas essas últimas destacavam-se nas
interações com as crianças classificadas como clínicas para
problemas de comportamento; e) diferentemente, as professoras apresentavam mais práticas positivas que negativas
na forma de interagir com os alunos, principalmente práticas
que envolviam comunicação e negociação, aparecendo com
menos frequência comportamentos de expressão de afeto/
sentimentos positivos; f) as professoras relataram usar mais
práticas positivas e menos negativas com as crianças sem
problemas de comportamento, ocorrendo o contrário com as
crianças com problemas de comportamento.
Mariano (2011), ao investigar práticas educativas e
comportamentos infantis junto a 16 professoras e seus alunos, encontrou que elas apresentavam práticas positivas de
interação, sobretudo as de comunicação, mas as qualidades
dessas práticas eram diferentes conforme identificavam as
crianças com e sem problemas de comportamento. Para as
crianças que elas consideravam problemáticas, o conteúdo
da comunicação era corrigir os comportamentos, e com o
grupo considerado sem problemas, elas conversavam sobre assuntos de interesse das crianças. Notou-se que elas
relataram agir de maneira diferente conforme a criança, mas
eram mais positivas com as crianças que apresentavam os
comportamentos esperados.
Segundo Bandeira e Gaglia (2006), para serem
bem-sucedidas, as crianças precisam ter comportamento
assertivo, pois esse comportamento contribui para melhorar
a comunicação interpessoal, expressar sentimentos e necessidades. Por outro lado, cabe ao professor identificar a
importância de tais comportamentos para o desenvolvimento da criança, buscando estimulá-los mesmo em situações
que envolvam estabelecer limites.
Dada a complexidade das demandas do ambiente
escolar envolvendo o ensino formal e o desenvolvimento
pessoal das crianças quanto à socialização, pode-se pensar que os professores se beneficiariam da aprendizagem e
aprimoramento das suas práticas educativas quanto ao que
pode auxiliar em suas ações dos psicólogos escolares em
suas ações. Daí a importância de uma adequada formação
dos professores, especialmente no que tange a lidar com
as diferenças e com novas estratégias para o ensino de
conteúdo acadêmico e social. Nessa direção, o estudo de
Longarezi e Alves (2009) foi capaz de promover discussões
sobre a importância de os professores serem afetivos com
seus alunos e de ensiná-los a ser autônomos.
Almeida, Alves, Neves, Silva e Pedroza (2007), a partir de entrevistas conduzidas com 30 professores, verificaram
que eles pouco se lembravam do que haviam aprendido
sobre psicologia, o que indica a necessidade de rever os
cursos de licenciatura; mas também alertam que tais conteúdos, imprescindíveis para o ensino acadêmico e social dos
alunos, dificilmente serão utilizados de maneira eficiente pelo
professor em sala de aula, o que poderá maximizar problemas de interação com os alunos. Respaldando esses achados, Paiva e Del Prette (2009) verificaram que os professores
considerados facilitadores no processo ensino-aprendizagem
acreditavam que o conteúdo acadêmico estava relacionado
também ao repertório de habilidades sociais.
Uysal e Ergenekon (2010), Para sugerir habilidades
sociais em ambientes naturais e ensiná-las aos indivíduos
que apresentam deficiências sociais, Uysal e Ergenekon
fizeram um estudo com professores para identificar suas
práticas de ensino sobre habilidades sociais em Educação
Especial. Os resultados demonstraram que os professores
estavam tendo sérios problemas e inadequações em relação
ao ensino dessas habilidades. Os autores concluiram que,
para garantir o aprendizado de crianças com necessidades
educacionais especiais, o ensino das habilidades sociais
precisa ser conduzido de forma sistemática. Com esse objetivo os professores participaram de uma intervenção para
aprenderem a ensinar habilidades sociais a seus alunos. Os
autores verificaram que o repertório de habilidades sociais
das crianças aumentou após esse ensino aos professores.
Com sentido semelhante, destaca-se o estudo de Del Prette, Del Prette, Garcia, Bolsoni-Silva e Puntel (1998), que
ensinou aos professores diversas habilidades sociais para
melhorar suas interações com as crianças.
Com relação à interação entre pais e filhos, Bolsoni-Silva e Loureiro (2011) propuseram a seguinte classificação
para as habilidades sociais educati­vas parentais (HSE-P):
comunicação (conversar, perguntar); expressão de sentimentos e enfrentamento (expressar sentimen­tos positivos,
negativos e opiniões, demonstrar carinho, brincar); e estabelecimento de limites (identificar com­portamentos social-
Prática Educativa do Professor e Comportamento Infantil * Alessandra Turini Bolsoni-Silva, Maria L. Mariano, Sonia R. Loureiro & Caroline Bonaccorsi
261
mente habilidosos e não habilidosos, estabe­
lecer regras,
ter consistência, cumprir promessas, identificar erros e pedir
desculpas). Tais categorias, elaboradas a partir do relato
espontâneo de mais de 200 cuidadores, permitiram elaborar e validar um instrumento, denominado de Roteiro de
Habilidades Sociais Educativas Parentais (RE-HSE-P), que
avalia funcionalmente a frequência e a qualidade de práticas
educativas positivas, negativas, habilidades sociais infantis
e problemas de comportamento (Bolsoni-Silva, Loureiro, &
Marturano, 2011). Dadas as características das interações
estabelecidas entre professores e alunos, guardadas as peculiaridades do contexto, pode-se pensar que, de um modo
geral, as categorias amplas, relativas às práticas educativas
(positivas e negativas), problemas de comportamento e
habilidades sociais infantis, além de variáveis contextuais,
possam também ser avaliadas no ambiente escolar de forma a identificar interações promotoras ou não do desenvolvimento das crianças.
As relações entre habilidades sociais e problemas
de comportamento não apresentam resultados unívocos.
Alguns estudos identificaram relação inversa (Bolsoni-Silva & Loureiro, 2011; Cia & Barham, 2009) e outros não,
como o estudo de Pierson, Carter, Lane, e Glaeser (2004) e
Fonseca (2012). Pierson e cols. (2004) investigaram esse
tema com 90 estudantes na transição entre dois períodos
escolares quanto aos repertórios de habilidades sociais e
de problemas de comportamento no que refere ao conceito
de autodeterminação. Os autores encontraram relação positiva entre habilidades sociais e autodeterminação, mas não
quanto a problemas de comportamento.
Outro ponto a ser destacado diz respeito ao sexo.
Geralmente os meninos são mais indicados para atendimento psicológico (Massola & Silvares, 1997), embora haja
evidências de que eles não apresentam mais problemas
que as meninas (Marturano, Parreira, & Benzoni, 1997). Tais
indicações podem estar relacionadas à maior frequência
de problemas de externalização (agressividade e desobediência, por exemplo) em meninos e de internalização em
meninas (timidez, tristeza, por exemplo) (Patterson, Reid,
& Dishion, 2002), sendo que esses últimos causam menor
desconforto para os agentes educativos.
A literatura não é consensual sobre a relação entre
os comportamentos de habilidades sociais e problemas de
comportamento. Diversos estudos descrevem ou os comportamentos das crianças ou as práticas educativas dos
professores, mas poucos são os que buscam avaliar concomitante esses comportamentos, ou seja, as interações
sociais estabelecidas entre professores e alunos dos ensino
regular e especial. É por exte contesto que se justifica o
presente estudo, com delineamento transversal de comparações entre grupos de crianças diferenciados pelo sexo e
pela presença de problemas de comportamento.
Teve-se como objetivo comparar as práticas educativas de professores do ensino regular e do especial (positivas e negativas) com os comportamentos infantis relativos
262
às habilidades sociais e a problemas de comportamento das
crianças. Estas foram divididas em grupos diferenciados
pela presença de indicação, pelo professor, de problema de
comportamento, e pela diferenciação do sexo das crianças.
Método
Participantes
Foram participantes quinze professoras (cinco professoras do ensino especial, cinco do fundamental e cinco
do infantil) e 28 alunos (dezoito do ensino regular e dez do
ensino especial).
Caracterizando as professoras quanto ao tempo de
docência, verificou-se que este variou entre cinco e vinte
anos de exercício na rede municipal de ensino de uma cidade do Centro-Oeste Paulista, sendo que para duas delas
faltavam apenas seis meses para aposentadoria (média:
sete anos; desvio padrão: sete anos). Suas idades variavam
entre 23 e 50 anos (média de 33,56 anos) e todas tinham
formação em Pedagogia.
Os critérios de seleção dos professores foram: concordar espontaneamente em participar da pesquisa, ter
vínculo efetivo com a rede municipal de ensino, dar aulas
para os alunos do 1º ano e possuir tempo de serviço entre
três e dez anos. Foram excluídos professores substitutos e/
ou eventuais na escola participante e os que não assinaram
previamente o termo de consentimento para participar da
pesquisa.
Por sua vez, os alunos tinham idade entre seis e
nove anos. Quinze deles apresentavam problemas de comportamento e treze não os apresentavam, de acordo com a
informação verbal das professoras, quando lhes foi solicitado que indicassem crianças que, na opinião delas, apresentavam ou não comportamentos tidos como problemas na
sala de aula. Quanto ao sexo, doze crianças eram do sexo
masculino e dezesseis do sexo feminino. Para verificar se
os grupos de crianças distribuídas entre ensino regular (n =
10) e especial (n = 18) eram homogêneos quanto ao sexo,
foi feita a análise estatística Crosstabs e não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os
grupos (p = 0,208 para meninos e p = 0,143 para meninas).
As dificuldades apresentadas pelas crianças do ensino especial foram documentadas por avaliações sistemáticas médicas e educacionais: síndrome de Down (n = 1),
autismo (n = 1), distúrbios da fala e de comportamento (n =
2); dificuldades de aprendizagem (n = 3) e dificuldades de
socialização - timidez ou hiperatividade (n = 3). As outras
três crianças que integravam a amostra do ensino especial
não estavam acompanhando as salas regulares e foram
encaminhadas para a Sala de Recursos (ensino especial).
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 259-269.
Destaca-se que todas as crianças do ensino especial também frequentavam o ensino regular. Todas as crianças do
ensino infantil tinham seis anos e todas as do ensino fundamental estavam com sete anos. As idades das crianças no
ensino especial eram: seis anos (n = 4), sete anos (n = 3),
oito anos (n = 2) e nove anos (n = 1).
Local
A coleta de dados ocorreu em 10 escolas da rede
municipal de uma cidade do Centro-Oeste do Estado de São
Paulo.
Instrumentos
O Roteiro de Entrevista de Habilidades Sociais Educativas para Professores – RE-HSE-Pr (Adaptação de Bolsoni-Silva e cols., 2011) é um roteiro de entrevista composto
por questões que se referem à forma como o(a) professor(a)
se comporta com relação a seu aluno(a), e vice-versa. Não
há respostas certas ou erradas, pretende-se apenas conhecer sobre o relacionamento entre o professor e o aluno. Ao
final são investigados seus níveis socioeconômicos e educacionais. Nas questões há perguntas sobre: a) frequência
com que aparece o comportamento mencionado; e b) características desses comportamentos. Quanto à frequência, o
respondente deverá escolher apenas uma das alternativas:
frequentemente, se o comportamento acontecer muitas vezes durante a semana; algumas vezes, se o comportamento
acontecer poucas vezes durante a semana ; e quase nunca
ou nunca, se o comportamento aparecer a cada quinze dias
ou um mês ou mais. O instrumento permite obter escores
sobre as práticas educativas (positivas e negativas), problemas de comportamento e habilidades sociais infantis, além
de variáveis contextuais. O alpha para os 78 itens que compõem o instrumento, na versão professores, foi de 0,724.
O Questionário de Respostas Socialmente Habilidosas – versão professores (QRSH-PR) possui uma lista de
comportamentos socialmente habilidosos, constando de
vinte e quatro itens, com uma escala de três pontos (2 =
se aplica; 1 = se aplica em parte; 0 = não se aplica), cujos
escores são somados, fornecendo o escore total da criança avaliada. Estudos sobre as propriedades psicométricas
do instrumento realizados por Bolsoni-Silva, Marturano e
Loureiro (2009) indicaram boa consistência interna e validades de constructo, concorrente e preditiva. O instrumento
permite organizar os dados em três fatores: Sociabilidade e
Expressividade Emocional (tem relações positivas, mostra
interesse pelos outros, faz amigos, expressa frustração,
comunica-se, expressa desejos, expressa direitos, expressa
carinho, brinca com colegas, usualmente fica de bom humor,
faz elogios, cumprimenta, interage de forma não verbal, participa de grupos); Iniciativa Social (toma a palavra, expressa
opiniões, participa de temas de discussão, toma iniciativas,
negocia e convence, presta ajuda); e Busca de Suporte (procura atenção, faz pedido, faz perguntas).
Procedimentos de coleta de dados
Inicialmente o projeto foi encaminhado ao comitê
de ética da universidade em que foi realizada a pesquisa,
o qual concedeu aprovação (Processo no. 2567/46/01/09).
Na sequência, foi encaminhada à Secretaria da Educação
um pedido de autorização para a execução da pesquisa em
escolas sob sua jurisdição, pedido que também foi deferido.
Na escola as professoras participaram de uma reunião para a apresentação do projeto e resolução de dúvidas.
Aquelas que preencheram os requisitos e aceitaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e indicaram uma criança que consideravam
ter problemas de comportamento e uma que consideravam
sem problemas de comportamento, ambas da turma em
que lecionavam. Tal medida foi tomada visando ter nas três
amostras equilíbrio quanto à indicação ou não de problemas
de comportamento para cada uma das professoras. As professoras responderam aos instrumentos em horário previamente combinado e nos seus horários de reunião (HTPC) ou
extraclasse, em locais de sua preferência dentro da escola.
As entrevistas foram gravadas com seu consentimento.
Procedimentos de tratamento e análise de dados
Os dados foram categorizados conforme instruções
próprias dos instrumentos e submetidos à análise estatística
(SPSS). Foram conduzidos testes não paramétricos para
as comparações de grupos quanto ao tipo de ensino, a ter
ou não indicação escolar de problema de comportamento e
quanto ao sexo da criança (Testes Mann-Whitney).
Resultados
Essa seção apresenta primeiramente os resultados
de comparações dos grupos diferenciados pelo tipo de ensino destacando as habilidades sociais e as práticas educativas, como mostra a tabelas 1.
Verifica-se que nas comparações dos grupos ensino
especial e regular não foram observadas diferenças estatisticamente significativas quanto aos comportamentos das
professoras e crianças.
A análise feita pelas professoras das comparações
relativas aos grupos diferenciados pela indicação de crianças com problemas de comportamento e de crianças sem
problemas de comportamento são apresentadas na tabela 2.
Notou-se que, em relação ao grupo com indicador escolar de problemas de comportamento, as professoras relataram utilizar mais práticas negativas de educação, o que traz
um impacto para o total negativo, que é a soma conjunta das
práticas negativas e dos problemas de comportamento. Por
outro lado, em relação ao grupo sem problemas de comportamento verificou-se a presença de mais habilidades sociais
Prática Educativa do Professor e Comportamento Infantil * Alessandra T. Bolsoni-Silva, Maria L. Mariano, Sonia R. Loureiro & Caroline Bonaccorsi
263
Tabela 1. Resultados na comparação entre os Grupos Ensino Especial (EE) e Ensino Regular (ER), no que se refere às
classificações do RE-HSE-Pr e do QRSH-Pr(TesteMann-Whitney).
Categorias dos Instrumentos
Ensino Especial
Ensino Regular
(n = 10)
(n = 18)
p
Médias (DesviosPadrão)
RE-HSE-Pr
Habilidadessociaisinfantis
11,10 (3,07)
12,40 (4,74)
0,879
Habilidade social educativa
8,80 (3,58)
9,30 (3,67)
0,820
Práticanegativa
7,90 (3,73)
8,45 (7,13)
0,705
Problema de comportamento
0,90 (1,20)
2,30 (2,05)
0,066
Contexto
11,30 (4,47)
11,05 (4,10)
0,970
Total positivo
31,20 (7,35)
32,75 (9,63)
0,820
Total negativo
8,80 (4,69)
10,75 (8,28)
0,910
QRSH-Pr
Fator 1
20,40 (6,36)
20,05 (7,73)
0,939
Fator 2
8,30 (3,65)
8,28 (2,99)
0,790
Fator 3
5,10 (1,29)
5,05 (1,35)
0,775
Total
35,10 (9,78)
34,44 (9,15)
0,595
Tabela 2. Resultados na comparação entre osGrupos Problemas de comportamento e semproblemas de comportamento no
que se refere às classificações do RE-HSE-Pr e do QRSH-Pr (Testet de Student).
Categorias dos Instrumentos
Problema
(n = 15)
Semproblema
(n = 13)
p
Médias (DesviosPadrão)
RE-HSE-Pr
Habilidadessociaisinfantis
11,06 (3,77)
13,00 (4,66)
0,260
Habilidade social educativa
9,94 (3,57)
8,21 (3,51)
0,203
Práticanegativa
11,50 (6,00)
4,57 (3,88)
0,003
Problema de comportamento
2,31 (2,09)
1,29 (1,59)
0,141
Contexto
10,25 (3,19)
12,14 (4,96)
0,234
Total positivo
31,25 (7,02)
33,36 (10,72)
0,771
Total negativo
13,81 (7,30)
5,86 (4,40)
0,003
QRSH-Pr
264
Fator 1
17,33 (7,44)
23,46 (5,36)
0,023
Fator 2
9,20 (2,48)
7,23 (3,63)
0,152
Fator 3
5,60 (0,51)
4,46 (1,66)
0,071
Total
33,27 (9,13)
36,31(9,38)
0,474
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 259-269.
Tabela 3.Resultados na comparação entre osGrupos de meninos e de meninas no que se refere às classificações do REHSE-Pr e do QRSH-Pr(Testet de Student).
Categorias dos Instrumentos
Meninos
(n = 12)
Meninas
(n = 16)
p
Médias (DesviosPadrão)
RE-HSE-Pr
Habilidadessociaisinfantis
10,15 (3,58)
13,35 (4,29)
0,051
Habilidade social educativa
9,77 (3,72)
8,65 (3,52)
0,437
Práticanegativa
10,85 (6,49)
6,29 (5,22)
0,065
Problema de comportamento
2,77 (2,13)
1,12 (1,41)
0,020
Contexto
10,85 (3,11)
11,35 (4,89)
0,674
Total positivo
30,77 (6,77)
33,35 (10,20)
0,476
Total negativo
13,62 (7,64)
7,41 (5,81)
0,029
QRSH-Pr
Fator 1
18,33 (7,54)
21,56 (6,76)
0,191
Fator 2
8,33 (3,17)
8,25 (3,28)
0,981
Fator 3
5,33 (1,15)
4,88 (1,41)
0,349
Total
32,75 (9,67)
36,13 (8,88)
0,352
condizentes com o Fator 1 do QRSH-Pr - Sociabilidade e
Expressividade Emocional – envolvendo os seguintes componentes: tem relações positivas, mostra interesse pelos outros, faz amigos, expressa frustração, comunica-se, expressa
desejos, expressa direitos, expressa carinhos, brinca com
colegas, usualmente fica de bom humor, faz elogios, cumprimenta, interage de forma não verbal, participa de grupos.
As comparações relativas aos grupos diferenciados
pelo sexo das crianças são apresentadas na tabela 3.
Verificou-se, com diferenças significativas, que as
meninas foram avaliadas pelos professores no RE-HSE-Pr
como mais habilidosas que os meninos e estes como mais
problemáticos quanto ao comportamento e com maior escore de total negativo que aquelas. Interessante notar que
tanto os meninos como as meninas, segundo a avaliação
das professoras, apresentaram repertório de habilidades
sociais (QRSH-Pr), e as professoras relataram usar habilidades sociais educativas para interagir com as crianças de
ambos os sexos.
Discussão
Considera-se que os resultados da presente pesquisa ajudaram a caracterizar categorias de comportamentos
da interação professor-aluno, diferenciando modalidades de
ensino, crianças com problemas de comportamento e meninos e meninas.
Interessante notar que as comparações entre os grupos de crianças do ensino especial e regular não diferiram
nem no tocante às práticas educativas (positivas e negativas) nem quanto ao repertório comportamental das crianças
(habilidades sociais e problemas de comportamento). Dessa
forma, com base nesses dados e dentro dos seus limites,
não se pode afirmar que as crianças que frequentam salas
de recurso (Ensino Especial) apresentam mais problemas
de comportamento, o que sugere a não associação entre
necessidades educacionais especiais e problemas de comportamento. Comparativamente a dados obtidos no contexto
familiar, pode-se relatar o estudo de Bolsoni-Silva e cols.
(2010), o qual demonstrou que os pais de crianças com
deficiência auditiva ou de linguagem, quando interagiam de
maneira positiva, promoviam habilidades sociais nos filhos,
e quando utilizavam frequentemente práticas negativas, estimulavam problemas de comportamento. Tais relações são
bem documentadas no caso do contexto familiar (Patterson,
DeBaryshe, & Ramsey, 1989; Patterson e cols., 2002), mesmo na ausência de alguma necessidade educativa especial.
Dada a disponibilidade de poucos dados que avaliem concomitantemente práticas dos professores e comportamentos
das crianças, ao se fazer a comparação com dados do contexto familiar pode-se especular que o mesmo padrão obtido
Prática Educativa do Professor e Comportamento Infantil * Alessandra T. Bolsoni-Silva, Maria L. Mariano, Sonia R. Loureiro & Caroline Bonaccorsi
265
com os pais parece também ocorrer com os professores no
contexto escolar, evidenciando que as práticas educativas
e os comportamentos das crianças parecem independer da
existência ou não de uma necessidade especial associada.
As crianças indicadas como problemáticas quanto
ao comportamento de fato apresentaram maior frequência
de comportamentos negativos, confirmando a suposição
das professoras. Este resultado sugere que as professoras
são boas avaliadoras dos comportamentos das crianças, o
que está concordância com o constatado em outros estudos
(Gresham, Noell, & Elliott, 1996).
Destaca-se ainda que embora os resultados sejam
concordantes quanto à associação dos problemas de comportamento a práticas negativas de educação (Patterson e
cols., 2002; Weber e cols., 2004), não se pode afirmar que
os problemas de comportamento são mais frequentes quando há baixa frequência de habilidades sociais educativas
(práticas positivas). Tais associações já foram demonstradas
em estudos conduzidos a partir do contexto familiar (Bolsoni-Silva & Loureiro, 2011) e da escola, em aspectos como
o estabelecimento de regras (Gomes, 2003), o treino na
resolução de problemas (Allen & Blackston, 2003), a identificação e reforçamento de comportamentos alvo (Bauer e
cols., 1996), o oferecimento de suporte (Greene & Ollendick,
1993) e o estabelecimento de estratégias de manejo positivas (Webster-Stratton, Reid, & Stoolmiller, 2008) que são
comportamentos que poderiam ser associados ao repertório
de habilidades sociais educativas do professor.
Não obstante, com base nos estudos de Del Prette
e Del Prette (2001), Castro e Bolsoni-Silva (2008), Mariano
(2011) e Fonseca (2012), pode-se supor que, se as crianças
possuem um bom repertório de habilidades sociais, estas
podem não estar sendo devidamente estimuladas no contexto escolar, o que pode estar favorecendo as manifestações
de agressividade e desobediência (consideradas problemas
de comportamento) para obter atenção, resolver problemas
e livrar-se de tarefas que elas consideram difíceis. Quanto
aos professores, embora possuam boas práticas positivas,
podem estar falhando no uso contingente a comportamentos
que desaprovam, o que ocorre em situações de estabelecimento de limites. Consequentemente, podem estar, inadvertidamente, dando aos alunos exemplo de agressividade,
levando-os a pensar que podem usar da agressividade para
resolver problemas e obter atenção. Conforme os autores
acima mencionados, as professoras são capazes de agir de
maneira diferenciada conforme a criança, sugestão dada por
Reis e Camargo (2008), mas parecem estar fazendo isto de
uma maneira que dificulta mais as interações estabelecidas
com as crianças que apresentam comportamentos considerados inapropriados.
De todo modo, o fato de as professoras apresentarem práticas positivas de educação sugere a presença de
recursos que podem ser potencializados por intervenções
que visem reduzir problemas de comportamento das crianças e práticas educativas negativas dos professores.
Tais afirmativas são concordantes com Uysal e Ergenekon (2010), os quais apontam que as intervenções
266
junto aos professores poderiam ajudá-los a identificar e valorizar comportamentos de habilidades sociais das crianças.
Tendo-se em vista o suporte de estudos mencionados (Coolahan e cols., 2000; Del Prette & Del Prette, 2002; Gomes,
2003; Oliveira & Wechsler, 2002; Vila, 2005; Zanotto, 2000),
considera-se que seria importante também, para a formação
continuada dos professores, ajudá-los-los a usar as práticas
educativas positivas/habilidades sociais educativas (de comunicação, afeto e expressividade) de que já fazem uso em
outros contextos para as situações de estabelecimento de
limites. A aprendizagem de novos recursos pedagógicos que
tenham como foco a definição clara das regras, tal como se
colocam nos jogos e brincadeiras que fazem parte do cotiano das crianças, poderá, de modo criativo, ajudar nas interações no contexto escolar, favorecendo que os professores
sejam bons modelos de comportamento de autocontrole e
resolução de problemas, podendo estimular os alunos na
mesma direção. Por outro lado, a maior clareza por parte
dos professores poderá também facilitar a identificação e
ajudar as crianças que já apresentam, especialmente na
primeira infância, dificuldades de interações sociais.
No que se refere ao repertório de habilidades sociais das crianças, nota-se que parte dele foi mais frequente
no grupo sem dificuldade de comportamento, o que está em
concordância com os estudos desenvolvidos no contexto
familiar por Bolsoni-Silva e Loureiro (2011) e com Cia e Barham (2009). Os itens que diferenciaram os grupos correspondem à subescala do QRSH-Pr (Sociabilidade e Expressividade Emocional - tem relações positivas, mostra interesse
pelos outros, faz amigos, expressa frustração, comunica-se,
expressa desejos, expressa direitos, expressa carinhos,
brinca com colegas, usualmente fica de bom humor, faz elogios, cumprimenta, interage de forma não verbal, participa
de grupos); por outro, a medida de habilidades sociais a
partir do RE-HSE-Pr no contexto escolar, não diferenciou os
grupos com e sem dificuldade de comportamento. Pode-se
pensar que as crianças com problemas de comportamento
podem ter repertório de habilidades sociais, mas não estariam sendo valorizadas e/ou estimuladas a comportarem-se
dessa forma (Del Prette & Del Prette, 2001), por isso não
estariam aparecendo na fala das participantes. Adicionalmente, como demonstrado por Bolsoni-Silva e cols. (2011),
o uso de entrevistas e escalas, ainda que ambas mensurem
a partir do relato verbal, permite obter dados diferentes e
complementares quando o relato é dirigido e não dirigido. De
todo modo, esses dados sugerem que é necessário utilizar
mais de um instrumento de avaliação e a avaliação em mais
de um contexto, de forma a complementar a avaliação dos
comportamentos de interesse e ampliar a compreensão sobre os recursos e dificuldades das crianças.
A análise da diferenciação pelo sexo das crianças
levou a constatar que os meninos apresentaram mais indicadores de problemas de comportamento, o que esta em
concordância com o estudo de Marturano e cols. (1997) e
em discordância com o estudo de Patterson e cols. (2002).
As professoras relataram utilizar mais práticas negativas
com meninos do que com meninas, possivelmente devido ao
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 259-269.
tipo de problema externalizante de comportamento mais frequentemente apresentado por eles em comparação com as
meninas, entre as quais predominam os internalizante. Não
obstante, nesse estudo os problemas comportamentais não
foram categorizados em externalizantes e internalizantes,
tendo a afirmativa acima um caráter mais especulativo que
demonstrativo. Destaca-se ainda que as meninas apresentaram, segundo suas professoras, mais habilidades sociais, o
que pode ter funcionado como comportamento funcionalmente equivalentes (Goldiamond, 2002), mantendo a frequência
baixa de comportamentos considerados problemáticos.
Considera-se que o presente estudo, por ter sido
conduzido com um pequeno número de participantes, na
condição natural em que estes foram identificados e sem um
maior rigor quanto à homogeneidade dos grupos, é preciso
ser visto como preliminar e exploratório. A principal contribuição dos dados está em ter evidenciado no contexto escolar
– portanto, com alta validade ecológica -, comparações entre
práticas educativas dos professores e os comportamentos
das crianças, campo que carece de dados que possam funcionar como pistas para o manejo das complexas interações
estabelecidas. São necessários novos estudos que, com
maior número de participantes, controlem variáveis como
a sobreposição de características relativas às dificuldades
comportamentais, o sexo das crianças e as modalidades
de ensino, de modo a caracterizar de forma mais ampla e
precisa as práticas educativas dos professores.
Considerações finais
Dada a escassez da literatura sobre práticas educativas do professor e o repertório infantil avaliados no mesmo
contexto, as contribuições deste estudo, ainda que preliminar, abre perspectiva para novos estudos no nosso contexto.
Destaca-se que no contexto escolar as práticas negativas
de educação mostraram-se relacionadas a mais problemas
comportamentais das crianças, tal como já se verificou no
ambiente familiar. Problemas de comportamento e habilidades sociais parecem ser comportamentos funcionalmente
equivalentes e os meninos parecem ter mais dificuldades
de interação social que as meninas. Como desdobramento
do estudo, depreende-se dos dados a necessidade de intervenções nas escolas, sobretudo para promover habilidades
sociais dos meninos e ajudar os professores a utilizarem
menos práticas negativas de educação.
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Recebido em: 20/05/2012
Reformulado em: 10/10/2012
21/01/2013
Aprovado em: 05/05/2013
Sobre as autoras
Alessandra Turini Bolsoni-Silva ([email protected])
Universidade Estadual Paulista. Livre Docente
Maria Luiza Mariano ([email protected])
Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem
Endereço: Avenida Pinheiro Machado, 2-45, Bauru-SP- 17060810
Sonia Regina Loureiro ([email protected])
Universidade de São Paulo. Doutora.
Endereço: R.Anita Garibaldi, 1419-Ribeirão Preto-SP-14085-480
Caroline Bonaccorsi ([email protected])
Universidade Estadual Paulista - SP. Psicóloga
Endereço: Rua Sérvio Túlio Carrijo Coube, 3-33, Bauru- SP- 17012-632
Prática Educativa do Professor e Comportamento Infantil * Alessandra T. Bolsoni-Silva, Maria L. Mariano, Sonia R. Loureiro & Caroline Bonaccorsi
269
Psicologia e Educação:
repercussões no trabalho educativo
Karla Paulino Tonus
Universidade Nove de Julho – SP
Resumo
Este trabalho resultou de indagações a respeito da contribuição da Psicologia da Educação para o trabalho educativo. Entende-se que um dos
modos de efetivar tal contribuição é a inserção da disciplina Psicologia da Educação na grade curricular dos cursos de formação de professores.
Neste artigo defende-se que o ensino de Psicologia se desenvolva numa perspectiva crítica, em que o homem seja concebido como constituído
historicamente. A ênfase nesta perspectiva deveu-se à análise da literatura que oferece embasamento teórico às práticas educativas orientadas
pela Psicologia da Educação. O objetivo é oferecer elementos para se pensar uma educação dirigida ao homem concreto como uma das
contribuições que a Psicologia pode oferecer a um trabalho educativo comprometido com a superação do subjetivismo.
Palavras chave: Formação de professores, educação, psicologia da educação.
Psychology and Education:
repercussions on educational work
Abstract
This work is the result of an investigation concerning the educational psychology´s contribution to educational work. We understand that one
means of such contribution is through the subject “educational psychology” in teacher’s professional courses. We argue that the psychology
teaching is materialized by means of a critical perspective, in which one presents man as historically constituted. The focus on this perspective
proceeds from an analysis about the basis that offers a theoretical approach to the educational praxis oriented by educational psychology. We
propose to offer elements to think about a guided education to a concrete man . We believe that this is one of the contributions that the psychology
can offer to educational work committed to overcoming in a subjectivism.
Key words: Teacher education, educational psychology.
Psicología y Educación:
repercusiones en el trabajo educativo
Resumen
Este trabajo es resultado de indagaciones sobre la contribución de la psicología de la educación al trabajo educativo. Se entiende que una de las
formas de realizar tal contribución es a través de la disciplina “psicología de la educación” en cursos de formación de profesores. En este artículo
se defiende que la enseñanza de psicología sea objetivada por una perspectiva crítica, que presenta la concepción de hombre históricamente
constituido. El énfasis en esta perspectiva procede del análisis de la literatura acerca de los fundamentos que ofrecen base teórica a las prácticas
educativas orientadas por la psicología de la educación. El objetivo es aportar elementos para pensar en la educación dirigida al hombre concreto
como una de las contribuciones que la psicología puede ofrecer al trabajo educativo comprometido con la superación del subjetivismo.
Palabras clave: Formación de profesores, educación, psicología educacional.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 271-277.
271
1. Introdução
A nossa experiência na docência da disciplina Psicologia e Educação1 nos cursos superiores de formação
de professores, especialmente no de Pedagogia, tem nos
levado a refletir sobre a relevância, para a construção do
trabalho educativo, dos conhecimentos acumulados pela
psicologia da educação. Principalmente, tem nos provocado
a indagar se o aluno do curso de Pedagogia, futuro professor, compreende a importância desta disciplina para a sua
formação e, sobretudo, como ela poderá realmente colaborar em sua atividade docente, em termos de qualidade e
coerência teórico-metodológica.
A não apropriação2, pelos professores em formação,
das teorias psicológicas apresentadas nos cursos de formação de professores é um dos fatos que nos levam a
questionar o objetivo da disciplina Psicologia e Educação nos
referidos cursos, pois entendemos que tal objetivo precisa ser
revisto e direcionado para a efetiva construção do trabalho
educativo numa perspectiva crítica, uma vez que, de outro
modo, só serviria para “psicologizar” problemas dos alunos.
Afirmamos que a não apropriação das teorias apresentadas na disciplina Psicologia e Educação, constituinte
da grade curricular dos cursos de formação de professores
(com especial destaque para o de Pedagogia) é um fato que
constatamos quando realizamos pequenas sondagens iniciais, com vistas à estruturação desta questão3.
Com o objetivo de justificar nossa ênfase na necessidade de uma práxis educativa pela mediação dos conteúdos
da disciplina Psicologia da Educação na perspectiva sócio-histórica, analisaremos neste artigo as relações estabelecidas historicamente entre a Psicologia e a Educação. Esta
análise deverá ser feita com a mediação, sobretudo, da compreensão de homem presente nestas relações. A concepção
de homem destaca-se como a principal categoria de análise,
da qual decorrem as implicações educacionais conforme os
pressupostos filosóficos que a norteiam.
Não obstante, devemos estar alerta quanto aos
princípios do pensamento crítico, pelo qual pretendemos
nos pautar. Neste sentido, compreender as relações entre
a Psicologia e a Educação requer que olhemos para esta
relação buscando enxergar além de suas aparências, visando entender aos conteúdos ideológicos presentes nas
concepções historicamente elaboradas pela Psicologia da
1 Utilizaremos o termo “psicologia e educação” para nos referirmos
às disciplinas que tratam da relação entre esses dois campos do
conhecimento e que podem apresentar nomes distintos conforme
a instituição de ensino que as trazem em sua grade curricular, ex:
“Psicologia da Educação I/II”, “Desenvolvimento e Aprendizagem”,
“Psicologia do Desenvolvimento”, “Psicologia e Educação” etc.
2 Neste trabalho, a termo “apropriação das teorias” assume o
significado de utilização de uma teoria como mediadora do trabalho
educativo. Assume-se, ademais, a importância da existência de um
único referencial teórico da psicologia na construção do trabalho do
professor.
3 Devido ao limite de laudas que precisamos considerar na
elaboração deste artigo, não vamos apresentar os dados de que
dispomos. O leitor interessado pode consultar nossa tese de
doutoramento indicada nas referências.
272
Educação, os quais são impostos conforme os ideais vigentes na sociedade.
A Psicologia, enquanto ciência, veio conferir à Pedagogia um status científico no final do século XIX, época em
que havia se tornado independente da Filosofia4, fato possibilitado pelo início das atividades do laboratório de Leipzig
na Alemanha, por Wilhelm Wundt, em 1879 (Schultz, 1975).
A Psicologia passou então a utilizar-se do método experimental das ciências naturais. Nesse mesmo final de século,
a Educação também buscava distanciar-se do caráter especulativo da filosofia, e a Psicologia veio a contribuir neste
sentido, com pesquisas experimentais e teorias, conferindolhe caráter científico.
O desenvolvimento da ciência psicológica é marcado
por distintas maneiras nas concepções da relação homem-mundo, das categorias de sujeito e objeto. Tais concepções
distinguem-se pelo fato de serem ou não críticas e históricas.
Scalcon (2002) apresenta três grandes concepções no âmbito
da Psicologia, as quais repercutem de maneiras específicas
na educação e serão descritas adiante.
2. Concepções teóricometodológicas em Psicologia
Em um primeiro momento tem-se o objetivismo, inaugurando a cientificidade no estudo da consciência (psicologia
fisiológica de Fechner e Wundt) e, posteriormente, no estudo
do comportamento (Titchener, Thorndike, Setchenov, Pavlov).
O objetivismo cientificista encontra-se no método de investigação dos fenômenos psicológicos, entretanto, parte do
pressuposto idealista de que o conhecimento é predeterminado nas estruturas internas do indivíduo, que poderia ter
apenas a ideia do que seria a realidade, e não propriamente
conhecer a realidade como ela é.
No rol das concepções objetivistas encontram-se,
entre outras, as teorias de Galton e Binet, Dewey, Watson,
Skinner (Scalcon, 2002), que exerceram forte influência na
educação e, consequentemente, contribuíram para corroborar a visão de homem imposta na época (início do século
XX). A autora (ibid.) esclarece a relação entre psicologia
científica, psicologia escolar e classes sociais:
A partir da estruturação de uma psicologia científica, tratouse de criar instrumentos de adaptação dos indivíduos a uma
nova ordem social, selecionando-os e orientando-os através
do trabalho e da escola, seleção essa que passou a ser
realizada com base em estudos voltados para a mensuração
das faculdades mentais.
4 A necessidade de independência da Psicologia em relação à
Filosofia ocorre por conta da dominação dos princípios positivistas
que regulam as ciências a partir do século XIX; entretanto, como
veremos ao longo de todo este trabalho, a Psicologia jamais
se dissociará da Filosofia, uma vez que ambas articulam-se na
compreensão a respeito da constituição humana.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 271-277.
A maior preocupação dos psicólogos centrou-se na tarefa
de construir métodos e testes capazes de classificar os
indivíduos em idade escolar e pré-escolar, visando à
mensuração das capacidades produtivas. Portanto, tratou-se
muito mais de encontrar justificativas para a divisão social em
classes, logo, para o fracasso escolar, profissional e social,
mas de modo que o mito da igualdade de oportunidades
fosse mantido. (p. 28-29).
A este respeito, Patto (2000, p. 58) afirma que, influenciada pelos ideais liberais propagados a partir da Revolução Francesa (1789), pela teoria da evolução natural
e pelo cientificismo, a Psicologia Diferencial, a nosso ver,
preocupada em estabelecer as diferenças entre pessoas de
classes sociais distintas, “tornou-se especialmente apta a
desempenhar seu primeiro e principal papel social: descobrir
os mais e os menos aptos a trilhar a ‘carreira aberta ao talento’ supostamente presente na nova organização social [...]”.
A segunda concepção psicológica apresentada por
Scalcon (2002) no tocante à visão de homem e suas repercussões na educação denomina-se subjetivismo, que também é
de origem idealista. Embora apresentadas em segundo lugar,
estas posições, a partir de um determinado momento, passaram a coexistir, ou seja, passaram a apresentar-se simultaneamente. O subjetivismo tem como importante referencial
a filosofia de Emanuel Kant, que propõe ser a consciência o
resultado de sensações subjetivas. Esta concepção está presente nas psicologias existencial-humanista e Gestalt – principais representantes do idealismo no âmbito da Psicologia.
A concepção subjetivista, ao opor-se ao objetivismo,
apresenta uma forma diferente de entender a educação e sua
importância; deste modo, em oposição à escola tradicional,
preocupada com o conteúdo e a rigidez moral, desenvolve-se o movimento da Escola Nova, que tem o propósito de
oferecer ao aluno autodesenvolvimento, realização pessoal
e liberdade numa sociedade capitalista em plena ascensão.
Segundo Scalcon (2002) (p. 32-33), tanto a Psicologia Objetivista quanto a Subjetivista, à parte as distinções na
compreensão da posição do sujeito e do objeto na relação
com o conhecimento, assemelham-se na concepção de que
a existência seja determinada pela consciência. Podemos
até mesmo afirmar que as vertentes objetivistas/cientificistas
partem de uma concepção idealista, tal como as vertentes
subjetivistas.
O interacionismo é, segundo Scalcon (�������������
2002���������
), a terceira concepção psicológica que procura explicar a constituição humana e a relação entre sujeito e objeto. O interacionismo, concepção epistemológica desenvolvida por Jean
Piaget, representa uma tentativa de manter o objetivismo na
Psicologia com estudos científicos sobre o desenvolvimento
da inteligência. A construção do conhecimento, tema central
do interacionismo, depende da ação do sujeito em relação
ao ambiente; sujeito e ambiente são tomados, portanto, em
separado. Embora parta do princípio de que o ambiente é
condição essencial ao desenvolvimento cognitivo, a ênfase
é dada ao sujeito que realiza a ação de adaptar-se ao meio
— inversamente à concepção de que o meio (sociedade)
Psicologia e trabalho educativo * Karla Paulino Tonus
constitui condição para a estruturação da inteligência (consciência), uma vez que, ao apresentar condições adversas,
faz com que o homem o adapte a si, às suas necessidades.
A repercussão educacional do interacionismo pressupõe
uma prática voltada para a descoberta, a ação, a autonomia
e a transmissão de valores liberais.
Em síntese, ressalta-se que nenhuma das concepções apresentadas pela autora leva em conta a dimensão
histórico-social da constituição humana e, embora aparentemente apresentem formas diferenciadas na elaboração
de respostas acerca desta constituição, ao analisar suas
essências verifica-se que se assemelham por representarem concepções acríticas – portanto, liberais - acerca de tal
constituição.
Também no sentido de apontar o idealismo presente
na Psicologia, Tuleski (2004) afirma que esta ciência surgiu
em meio às contradições da sociedade burguesa, quando
a burguesia deixava de ser uma classe revolucionária e se
consolidava enquanto classe dominante, opondo-se à sua
própria história ao deixar de participar da linha do desenvolvimento histórico. A autora (Tuleski, 2004) ressalta ainda a
[...] aparente contradição existente nas diversas correntes
da psicologia burguesa entre o estabelecimento de uma
linha de desenvolvimento genérica e natural para todos
os indivíduos e, ao mesmo tempo, a naturalização das
diferenças individuais, as quais são tratadas, ora como
diferenças saudáveis e normais, que produziriam a também
salutar e produtiva divisão social do trabalho, ora como
diferenças patológicas e desviantes para as quais deveriam
ser buscadas formas de tratamento. (TuleskiI, 2004, p. 127).
Neste sentido, concordamos com a afirmação da
autora (ibid.) de que a Psicologia, já em seu nascimento,
comprometida com os ideários burgueses e contrarrevolucionários, desconsidera o homem como síntese de múltiplas
determinações e passível de transformações, uma vez que,
ao compreender o psiquismo como categoria natural, estaria
ajudando a burguesia a impedir uma nova revolução.
No texto em que discorre sobre as transformações
históricas da consciência, Leontiev (s/d) afirma que a Psicologia deve considerar, sim, as particularidades do psiquismo
humano, mas deve entendê-las como particularidades que
dependem do caráter geral da consciência, o qual, por sua
vez, é determinado pelas situações concretas da vida dos
indivíduos.
No mesmo texto (Leontiev, s/d) o autor denuncia que
o interesse da Psicologia em investigar as aptidões e propriedades psicológicas do homem está direcionado em sentido oposto ao processo das transformações da consciência.
Neste sentido, afirma:
Por este fato, inverte todos os elementos: para ela, o
determinado é o determinante, a consequência é a causa.
Acaba mesmo por encontrar os motivos da atividade
humana nos sentimentos subjetivos, nos sentimentos e
emoções do interesse ou do desejo. Prosseguindo a sua
273
análise nesta direção, acaba por encontrar a fonte destes
sentimentos nas emoções e desejos inatos do homem, isto
é, nas particularidades dos seus instintos. (p. 147)
De acordo com Leontiev (s/d), a Psicologia deve
superar a oposição dualista entre atividade interna e atividade externa, que representa a concepção idealista que a
permeia. Por outro lado, uma concepção histórica em Psicologia poderá fazer com que esta ciência não se separe dos
problemas da vida, ao contrário, ajude a resolvê-los e auxilie
na construção da vida do homem livre.
Encontramos esta mesma proposição no texto em
que Bock (2000) expõe partes de sua tese de doutorado, na
qual pesquisou o significado atribuído pelos psicólogos ao
fenômeno psicológico. A naturalização do fenômeno psicológico representa, para a autora, um dos grandes problemas
da Psicologia a ser superado quando este fenômeno for
compreendido a partir da perspectiva histórica.
Tomando como pressuposto o postulado marxista
de que “não é a consciência que determina a vida, mas a
vida que determina a consciência” (Marx & Engels, 2002), a
Psicologia Sócio-Histórica considera o conceito de condição
humana, ao invés de natureza humana, que parte do princípio da existência, a priori, de uma essência universal.
Conforme a autora, por considerar a condição humana, a Psicologia Sócio-Histórica - que entendemos ser
a concepção teórica que busca a superação das limitações
apresentadas pelas psicologias objetivista, subjetivista e
interacionista -, concebe o homem como ser em constante
movimento que transforma sua realidade ao longo do tempo
e é também por ela transformado. Para autora, a condição
humana representa o fato de que as formas de satisfação
das necessidades humanas são construídas junto com
outros homens. Assim sendo, a concepção de natureza humana não ajuda em nada, uma vez que empobrece a compreensão a respeito do homem e de seu desenvolvimento.
O Barão de Munchhausen, personagem de histórias infantis
alemãs, é tomado, a exemplo do que faz M. Löwy, (citado
por Bock, 2000), como a expressão das ideias liberais, uma
vez que transmite a ideologia da autonomia individual, da
independência do homem em relação à realidade social, da
autodeterminação, etc.
O individualismo, o principal conceito do liberalismo,
é uma noção que foi naturalizada. A noção de indivíduo está
relacionada à ascensão da burguesia e das revoluções burguesas, que acabaram por favorecer o capitalismo, em que,
supostamente, o homem é livre para produzir e consumir. Ao
longo do tempo o individualismo torna-se um valor central
e mesmo uma referência para as produções científicas e
culturais. Na visão liberal de homem, o psiquismo é compreendido de maneira abstrata e naturalizante, ao passo que,
na visão sócio-histórica, os elementos do psiquismo são
forjados nas relações com o mundo físico e social.
Bock (2000) esclarece que a figura do Barão de Munchhausen inspirou as concepções da Psicologia da Educação, as podem se identificar com as já citadas neste texto:
o objetivismo cientificista, o subjetivismo e o interacionismo.
274
Tais concepções acarretam consequências5 para os alunos,
para a educação e para a própria sociedade, consequências que a Psicologia tem ajudado a legitimar. Para que a
figura do Barão de Munchhausen deixe de inspirar teorias
e práticas na Psicologia da Educação, é preciso rejeitar a
naturalização do fenômeno psíquico para este poder ser
compreendido como instância socialmente constituída.
3. Psicologia, formação de
professores e educação escolar
Antes de adquirir status científico e de se denominar
propriamente “Psicologia”, no Brasil esta área do conhecimento já se manifestava em ideias psicológicas na educação.
Klein (2000) identifica a educação como o espaço em que a
Psicologia se fez mais marcadamente presente em seu início
no Brasil. Também Antunes (2003), ao analisar as articulações entre a Psicologia e a Educação no Brasil, verifica a
inserção de ideias psicológicas na educação desde o período
colonial, principalmente nas obras escritas por jesuítas. Os
temas que se destacam são: aprendizagem, determinantes
do desenvolvimento emocional, cognitivo, motor e sensorial
infantil, utilização de prêmios e castigos, personalidade. A
autora (Antunes, 2003) destaca ainda que, embora muitas
dessas ideias fossem bastante originais, elas estavam articuladas aos interesses do sistema colonial, ou ainda, por outro
lado, representavam o confronto com esses interesses.
No século XIX, com a instalação dos cursos superiores
no Brasil, a Psicologia surge permeando as questões educacionais nas teses inaugurais dos estudantes dos cursos de medicina. Com o funcionamento das Escolas Normais, a Psicologia
aparece enquanto conteúdo, principalmente no que se refere
ao desenvolvimento infantil e aos processos de aprendizagem.
Segundo Antunes (2003), embora a Psicologia viesse
a fazer parte da grade curricular das Escolas Normais por
meio de projeto de Lei em 1892, os conteúdos referentes
ao fenômeno psíquico já aparecem em outras disciplinas,
especialmente na de Filosofia.
Ainda no século XIX, as preocupações com o analfabetismo, as epidemias, as condições de saneamento, a habitação e a educação solicitavam intervenções para a superação dessas condições. Fatores como o conhecimento dos
fenômenos psicológicos enquanto instrumento de controle
e prevenção, e a necessidade de controlar o comportamento
das pessoas que, por viverem em condições desfavoráveis,
poderiam organizar e compor movimentos transformadores,
conferiam à Psicologia bastante relevância.
5 Práticas educativas decorrentes da concepção de que o
determinante do sucesso ou fracasso escolar é o desenvolvimento
natural do aluno é um exemplo de como a naturalização do
fenômeno psíquico representa uma barreira ao desenvolvimento
pleno mediado pela educação escolar. O atual fenômeno da
medicalização de crianças que apresentam dificuldades escolares
é um exemplo de como os argumentos recaem sobre os indivíduos
e, com isso, impedem uma compreensão mais ampla, pautada na
análise de vários fatores que compõem a realidade escolar.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 271-277.
A Psicologia tornou-se ainda mais necessária à educação quando se iniciou o movimento da Escola Nova, época que coincide com o projeto de uma nova nação e com a
necessidade de emergência de um novo homem, que fosse
produtivo em suas relações de trabalho.
Com o movimento da Escola Nova a criança passa a
ser vista como naturalmente boa, entretanto, passível de ser
corrompida. A escola deveria manter na criança suas características positivas -como bondade, espontaneidade e pureza.
Surge a necessidade de compreender e - agora também assegurar o desenvolvimento infantil, tarefa para a qual a
Psicologia foi chamada.
Antes disso, no ensino tradicional a concepção de
homem era a de que este possuía uma natureza corrompida, mas com elementos passíveis de serem aperfeiçoados.
O conhecimento era o instrumento de controle, e o professor, o modelo de perfeição.
Como esclarece Patto (2000), a Psicologia do Desenvolvimento Infantil subsidiaria uma nova pedagogia, que,
oposta ao modelo impositivo, privilegiaria a participação ativa
do aluno no processo de ensino e aprendizagem. De acordo
com a autora (Patto, 2000, p. 48) “os pedagogos liberais do
início do século XX, estavam carregados de um humanismo
ingênuo mas bem intencionado que os levava a acreditar na
possibilidade de uma sociedade de classes igualitária [...]”.
A Escola Nova acreditava na possibilidade de promover socialmente os mais aptos, independentemente de sua classe
social, conforme propunham os ideais tidos como democráticos. Isto evidencia a relevância do pensamento crítico no
processo de conhecimento das teorias, já que o pensamento
crítico possibilita a compreensão das abstrações presentes
no fenômeno, abrindo a possibilidade de se superarem as
aparências para se compreender a essência.
Nas duas concepções de educação (a tradicional e
a nova) percebemos a mesma visão de homem, segundo a
qual este é dotado de uma natureza humana e já nasce com
as características essenciais de seu psiquismo, que se atualizarão naturalmente com o tempo. A Psicologia e a Educação
tornam-se, segundo Bock (2003), “cúmplices” ao compreenderem o fenômeno humano como algo dado a despeito de
qualquer condição social, ao entenderem a natureza humana
como a-histórica. Esta cumplicidade reflete-se em atitudes
de culpabilização do aluno por sua própria condição, o que
implica a crença de que o fracasso escolar é de responsabilidade do aluno. Assim, as condições sociais e culturais são
minimizadas e a educação é compreendida como fenômeno
neutro e isolado do contexto. Afirma a citada autora:
A principal consequência de qualquer situação de
cumplicidade é defender os interesses daquele com o qual
se é cúmplice. Aqui se dá a mesma situação: os interesses
das camadas dominantes ficam garantidos. [...] A educação
é divulgada como processo baseado e produtor de igualdade
social. [...] As desigualdades sociais são compreendidas,
então, como falta de empenho ou de dedicação à educação.
(Bock, 2003, p 87-88).
Psicologia e trabalho educativo * Karla Paulino Tonus
As Escolas Normais, conforme aponta Antunes
(2003), constituíram-se como um fértil terreno para a pesquisa e o ensino em Psicologia da Educação, possibilitando
inclusive o desenvolvimento da psicologia em geral, pois,
muitas das modalidades de atuação em psicologia originaram-se das demandas educacionais. A pesquisa tinha como
foco principal o desenvolvimento de técnicas como testes
de nível mental, aptidão, vocabulário e testes pedagógicos,
reflexo do objetivismo na psicologia. Antunes (2003) ressalta
que já havia a tentativa de adaptação desses testes à realidade brasileira. Essas pesquisas deram origem aos vários
laboratórios de psicologia que foram fundados no Brasil a
partir da década de 1930.
O ensino de Psicologia da Educação abordava
principalmente as questões referentes ao desenvolvimento
infantil e à aprendizagem, conhecimentos importantes para
elaboração de técnicas de ensino e procedimentos didáticos. Ainda hoje, nos cursos de formação de professores a
Psicologia da Educação visa contribuir para o conhecimento
dos processos de desenvolvimento e aprendizagem para
que se possa orientar o ensino conforme as características
pertinentes a essas dimensões.
A Psicologia da Educação, enquanto disciplina, vem
tendo como objetivo preparar os futuros professores para
compreenderem o desenvolvimento “normal” da criança e
estarem atentos ao que possa ser indicativo de “desvios
de comportamento”. Estar atento a tais “desvios” significa
apontá-los como responsáveis pelas dificuldades de aprendizagem que o aluno possa ter.
Alvite (1981) faz a crítica ao psicologismo presente
na educação com o intuito de oferecer embasamento à didática do professor, numa perspectiva liberal e exclusivista;
melhor dizendo, a Psicologia (entendida como explicação
dos mecanismos internos ao indivíduo) explica as atitudes
do professor e do aluno. Sobre isso, é oportuno citar o que
a autora já denunciava e que, tantos anos depois ,mostra-se
ainda mais intenso:
Vale ressaltar a necessidade de se rever os métodos
de fazer psicologia e de ensiná-la. Necessário se faz, também, que se revejam as práticas pedagógicas que se originam dela e que formam técnicos manipuladores do comportamento humano, seres alienados e conformistas, adaptados
a um meio ambiente onde predominam as desigualdades e
as injustiças, reprodutoras da ideologia dominante. (p. 35).
Saviani (2004) distingue o aluno empírico do aluno
concreto. O aspecto empírico refere-se à compreensão do
indivíduo em sua aparência, conforme as características que
podem ser descritas (o que ele é física e cognitivamente,
seu rendimento e seu comportamento etc.); e o aspecto da
concretude refere-se à compreensão do indivíduo em seu
vir-a-ser, como síntese de múltiplas determinações. Nossos
estudos nos permitem compreender que as teorias usualmente mais aceitas em Psicologia da Educação consideram
o aluno como indivíduo empírico, dotado apenas das características imediatamente observáveis, como já pronto.
Ainda conforme os apontamentos de Antunes (2003)
sobre o caminho percorrido pela Psicologia da Educação
275
no Brasil, na década de 1970 começaram a surgir críticas
referentes à utilização e interpretação dos testes e suas
consequências para os alunos. Os resultados desses testes
faziam incidir sobre o aluno a responsabilidade por seus
problemas escolares, uma vez que confirmavam, cientificamente, seus déficits intelectuais. Segundo esta autora, a
expressão “problemas de aprendizagem” denota que a fonte
dos problemas é a criança, e que mais adequado seria dizer
“problemas escolares”, visto se tratar de uma condição que
é determinada por vários fatores, de ordem tanto individual como escolar e social, mas que é tratada apenas como
individual. Corroborando as colocações de Bock (2003), a
autora aponta ainda:
As condições sociais e, sobretudo pedagógicas eram
negligenciadas. As decorrências dessa prática foram nocivas
para um grande contingente de crianças, condenando-as
às classes especiais que, em nome de um atendimento
diferenciado, acabavam por relegá-las a uma condição
pedagógica paliativa, confirmando o diagnóstico realizado,
produzindo a deficiência mental e reproduzindo estigmas e
preconceitos. (Antunes, 2003, p 164).
Facci (2004 a) afirma que grande parte dos psicólogos que atuam nas escolas orientam seus trabalhos segundo os ideários liberais, que atribui ao indivíduo as causas do
sucesso e do insucesso tanto na escola quanto na sociedade. Assim, conforme a autora, “o trabalho do psicólogo na
escola tem buscado a harmonia social, o ajustamento e o
enquadramento dos homens às normas sociais estabelecidas” (p. 100).
Alvite (1981) compreende que a Psicologia tem sido
utilizada com vistas à adaptação e integração dos indivíduos
à sociedade e às instituições, tendo sido transformada, junto
com a pedagogia, em instrumento de alienação. Segundo a
autora, o psicologismo só será superado quando os psicólogos a assumirem como ciência concreta.
Para Bock (2003), adotar concepções que compreendam o indivíduo no seu vir-a-ser no mundo e nas relações
sociais, compreender a visão política da educação e dedicar-se ao estudo dos resultados subjetivos da experiência
escolar são possíveis direções para que a Psicologia rompa
com a cumplicidade ideológica em favor da ideologia dominante. O rompimento com esta cumplicidade é, a nosso ver,
um compromisso que a Psicologia Sócio-Histórica assume
ao substituir o termo “natureza humana” por “condição humana”.
Por ocasião do X Congresso Nacional de Psicologia
Escolar e Educacional (CONPE), em Julho de 2011, na cidade de Maringá, PR, tivemos a oportunidade de conhecer trabalhos realizados que representam o rompimento com o que
a autora (idem) denomina “cumplicidade ideológica”. Tais
trabalhos indicam a possibilidade de fortalecimento de uma
psicologia com interfaces que favoreçam teorias e práticas
críticas no âmbito escolar e educacional; contudo, nossas
observações como professora e orientadora de estágio em
cursos de Pedagogia nos permitem afirmar que tais teorias
276
e práticas precisam, ainda, ser apropriadas por professores
da rede regular de ensino.
4. Considerações finais
A Psicologia oferecida nos cursos de formação de
professores perpetua uma perspectiva subjetivista, transmitindo a ideia de que no ensino básico a condição educacional do aluno é de responsabilidade dele mesmo,6 o que
reflete a individualização dos problemas escolares e
a desconsideração das origens sociais e históricas de
sua condição.
Segundo Tanamachi e Meira (2003, p. 16-17), numa
perspectiva subjetivista, a dificuldade em aprender é tida
como consequência de hereditariedade, de fatores emocionais e comportamentais, orgânicos, socioculturais e maturacionais. Esta compreensão corrobora nossa concepção
de que a Psicologia, em cumplicidade com a ideologia dominante, sob o paradigma subjetivista, ainda não tem dado
conta de contribuir para a verdadeira emancipação humana
por meio da educação escolar, o que vem reforçar nossa hipótese de que a Psicologia Sócio-Histórica pode e deve ser
transmitida aos professores em formação, essencialmente
por conta de sua compreensão a respeito da constituição
humana.
Goulart (2001) aponta que a concepção estabelecida
e aceita de que a Psicologia da Educação é uma ciência
capaz de individualizar e resolver problemas escolares vem
sendo historicamente construída pelo caminho percorrido
pela própria Psicologia da Educação.
No Brasil este caminho tem sido marcado pelo seu
compromisso com a ideologia burguesa, mediante o favorecimento dos interesses da classe dominante e a manutenção
da desigualdade social presente no sistema capitalista, por
meio de teorias e métodos que reforçam o individualismo, o
fracasso escolar e o agrupamento conforme as capacidades
intelectuais - como fazem algumas abordagens de desenvolvimento humano e os testes psicológicos utilizados na
mensuração das capacidades escolares, por exemplo.
Esta ênfase nas características individuais retira da
educação escolar o seu papel essencial na constituição do
homem. Nossa posição é de que a Psicologia da Educação,
enquanto disciplina de cursos de formação de professores,
só prosseguirá no caminho da emancipação humana quando romper com a reverência à individualidade, característica
própria dos ideários psicológicos e educacionais predominantes na atualidade.
Neste sentido, por enfatizar a importância da mediação social na constituição do psiquismo e o impacto da
educação escolar sobre o desenvolvimento afetivo-cognitivo, que entendemos ser a Psicologia Sócio-Histórica a
6 Conforme explica Patto (2000), as explicações da Psicologia
para o fracasso escolar, embora mudem a ênfase, responsabilizam
as características individuais e ambientais do aluno, como, exemplo,
a inteligência, as aptidões, fatores orgânicos e emocionais,
dificuldades econômicas e familiares.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 271-277.
concepção teórica que oferece condições para se pensar a
educação escolar e o fenômeno humano como sínteses de
múltiplas determinações. Os pressupostos desta teoria, ao
serem fielmente transmitidos em cursos de formação de professores, poderão auxiliá-los na realização de um trabalho
educativo voltado à promoção do desenvolvimento humano.
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Científica. Em N. Duarte (Org.), Crítica ao fetichismo da
individualidade. Campinas, SP: Autores Associados.
Recebido em: 02-05-2012
Reformulado em: 10-11-2012
Aprovado em: 21-11-2012
Sobre a autora
Karla Paulino Tonus ([email protected])
UNINOVE
Endereço: Rua Bartolomeu de Gusmão, 5-76 - CEP 17017-336, Jardim América, Bauru, SP
Este trabalho representa um segmento do 2º capítulo da Tese intitulada “Psicologia e Educação – aproximação e apropriação”, apresentada ao
programa de Pós Graduação em Educação Escolar da Universidade Estadual Paulista, UNESP – campus Araraquara, como pré-requisito para
a obtenção do título de doutor .
Psicologia e trabalho educativo * Karla Paulino Tonus
277
Intervenção no uso de estratégias de aprendizagem
diante de dificuldades de aprendizagem
Andrea Regina Teixeira
Prefeitura Municipal de Cambé - PR
Paula Mariza Zedu Alliprandini
Universidade Estadual de Londrina - PR
Resumo
Este estudo teve como objetivo verificar se a intervenção no uso de estratégias de aprendizagem promove nos alunos com dificuldades de
aprendizagem um maior controle e reflexão sobre o seu próprio processo de aprendizagem. Participaram desta pesquisa dez alunos no préteste e pós-teste. A intervenção foi realizada em dezoito encontros de uma hora cada. Foram trabalhados os temas: as estratégias de controle
de atenção, do comportamento e ambiente; organização das ideias; seleção e ajustes do tempo; e controle dos pensamentos e de distrações.
Para a coleta de dados no pré e pós-teste foi aplicada individualmente uma entrevista estruturada e adaptada por Boruchovitch (1995). Os
resultados evidenciam aumento na frequência do uso das estratégias de aprendizagem em sala de aula, no estudo em casa e na realização
de tarefas escolares. A intervenção no uso de estratégias de aprendizagem pode contribuir para que os alunos que apresentam dificuldades de
aprendizagem possam melhorar o desempenho escolar.
Palavras-chave: estratégias de aprendizagem; dificuldades de aprendizagem; intervenção.
Intervention in the use of learning strategies in face of learning difficulties
Abstract
This study had the aim to verify if the intervention in the use of learning strategies promotes in students with learning difficulties a greater control
and reflection over their own learning process. 10 students participated in the pretest and 10 participated in the post test. The intervention was
conducted in 18 sessions of 1 hour each. The strategies on focus were related to attention control, behavior and environment; organization of
ideas, selection and adjustments of time, and control of thoughts and distractions. For the pre and post test data collection, a structured interview,
adapted by Boruchovitch (1995), was applied. The results show an increase in the frequency of learning strategies use in the classroom, home
study and in accomplishing school tasks. The intervention in the use of learning strategies may represent a contribution to students with learning
difficulties in helping them improve school performance.
Key words: Learning strategies; learning difficulties; intervention.
Interveción en el uso de estrategias de aprendizaje frente a
dificultades de aprendizaje
Resumen
Este estudio tuvo como objetivo verificar si la intervención en el uso de estrategias de aprendizaje promueve mejoría en el aprendizaje de los
alumnos. Participaron de esta investigación 14 alumnos en el pre-test y 10 en el post-test. La intervención se llevó a cabo en 18 encuentros
de 1 hora. Se trabajaron las estrategias de control de atención, del comportamiento y ambiente; organización de ideias, selección y ajustes del
tempo, además de control de pensamientos y de distracciones. Para recoger datos pre y post-test se administró individualmente una entrevista
estructurada y adaptada por Boruchovitch (1995). Los resultados mostraron un aumento en el número de alumnos que pasan a utilizar las
estrategias de aprendizaje en salón de clases, en el estudio en casa y en la realización de tareas escolares. La intervención en el uso de
estrategias de aprendizaje puede ayudar a los alumnos que presentan dificultades de aprendizaje a mejorar el rendimiento escolar.
Palabras Clave: Estrategias de aprendizaje; dificultades de aprendizaje; intervención.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 279-288.
279
Introdução
A Psicologia Cognitiva, baseada na Teoria do Processamento de Informação, destaca a importância de uma
prática pedagógica que leve em consideração o ensino de
estratégias cognitivas e metacognitivas, conteúdos processuais e condicionais, juntamente com os conhecimentos
declarativos, mais privilegiados pelos professores, tendo
em vista a promoção da aprendizagem autorregulada entre os estudantes desde o início da escolarização formal
(Boruchovitch, 2004; Dembo, 2000; Hacker, 1998; Hong &
O’neil, 2001; Pozo, 1996; Symons, Snyder, Cariglia-Bull, &
Pressley, 1989; Woolfolk, 2000).
Segundo Boruchovitch (1999), pesquisas têm sugerido que por meio do ensino das estratégias de aprendizagem
é possível ajudar os alunos a exercerem maior controle e
refletir sobre o seu próprio processo de aprendizagem.
Por outro lado, é necessário que o estudante se dedique a
estudar. O conhecimento de estratégias de aprendizagem
por parte do estudante influencia diretamente o que ele
sabe, pode e quer estudar. A autora ressalta ainda que o
treinamento em estratégias de aprendizagem tem sido um
procedimento bem-sucedido de modo geral, pois é capaz de
produzir uma melhora imediata, tanto no uso das estratégias
envolvidas quanto no rendimento escolar geral dos alunos.
Afirma ainda existirem variáveis que interferem em seu uso,
como a ansiedade, a motivação, as crenças sobre inteligência, a autoeficácia, as atribuições de causalidade, depressão
infantil e outros fatores.
As estratégias de aprendizagem vêm sendo definidas
como sequências de procedimentos ou atividades que se
escolhem com o propósito de facilitar a aquisição, o armazenamento e/ou a utilização da informação. Em nível mais
específico, pode ser considerado como estratégia de aprendizagem qualquer procedimento adotado para a realização
de uma determinada tarefa (Da Silva & De Sá, 1997).
Pozo (1996), baseando-se na definição de Nisbett,
Schucksmith e Dansereau, reafirma que estratégias de
aprendizagem são procedimentos e atividades utilizados
com o objetivo de facilitar a aquisição, o armazenamento e
a utilização da informação. Existem diversas classificações
e diferentes tipos de estratégias de aprendizagem; todavia,
a literatura vem empregando o termo estratégia de aprendizagem para designar tanto as estratégias de aprendizagem
cognitivas quanto as metacognitivas.
Segundo Dembo, citado por Boruchovitch (1999), as
estratégias cognitivas são ensaio (repetir, copiar, sublinhar),
elaboração (parafrasear, resumir, anotar e criar analogias) e
organização (selecionar ideias, usar roteiros e mapas). As
estratégias metacognitivas referem-se ao planejamento (estabelecer metas), monitoramento (autotestagem, atenção,
compreensão e uso de estratégias) e regulação (ajustar velocidade, reler, rever, uso de estratégias, ajustar ambiente).
Simão (2005) destaca que a aprendizagem escolar
encontra-se fortemente dependente do domínio das habilidades de suas estratégias. O anseio de que essas estratégias sejam inseparáveis do processo de ensinar e aprender
280
exige do professor que saiba combinar o ensino dos conteúdos com as técnicas, os procedimentos e as estratégias,
no conjunto de situações concretas que encontra. Dessa
maneira, pode-se afirmar que a aprendizagem acontece
por um processo cognitivo imbuído de afetividade, relação
e motivação.
O fator psicológico tem se revelado tão importante
que, nas intervenções em estratégias de aprendizagem,
acaba recebendo uma atenção especial. Tem sido sugerido
que o ensino de estratégias cognitivas e metacognitivas seja
acompanhado pelo ensino de estratégias afetivas, visando
acentuar a motivação do aluno e modificar variáveis psicológicas e motivacionais que sejam incompatíveis com o uso
eficiente destas estratégias (Boruchovitch, 1994).
Ao se pensar em motivação no contexto escolar,
deve-se ter em mente que as atividades ali desenvolvidas
possuem muitos diferenciais em relação à motivação em outras áreas, como lazer e esporte. Nas atividades ou tarefas
escolares, o aspecto motivacional é responsável por iniciar e
manter certos comportamentos, como estudar para garantir
uma nota boa na prova, esforçar-se para aprender conteúdos que não têm interesse, entre outros. De fato, o esforço
e a persistência em face das dificuldades ou fracassos são
úteis para inferir se há ou não motivação, perceber seu nível
naquele momento e interferir, se necessário for (Bzuneck,
2001).
Estudos recentes divulgados por diversos pesquisadores confirmam os benefícios de intervenções pedagógicas
e psicopedagógicas voltadas para o desenvolvimento cognitivo como forma de se evitar o fracasso escolar (Almeida,
2002; Guthrie, Wigfield, & Vonsecker, 2000; Pressley & Woloshyn, 1995; Sadler, 2001; Vauras, Kinnunen, & Rauhanummi, citado por Boruchovitch, 2004).
Almeida (2002) adverte que o objetivo da intervenção
em estratégias de aprendizagem é fazer aumentar o conhecimento do aluno acerca das estratégias de aprendizagem
existentes de modo a ajudá-lo a aplicar a melhor estratégia
que esteja de acordo com seu estilo. Também afirma que a
intervenção em estratégias de aprendizagem deve ampliar o
conhecimento dos alunos sobre elas, de modo a assegurar a
flexibilidade no seu uso, bem como contribuir para aumentar
o autoconhecimento e a autorregulação dos estudantes.
Pressley e cols., citados por Boruchovitch (2007), definiram nove pontos que devem ser levados em conta ao se
realizar uma intervenção em estratégias de aprendizagem,
que serão brevemente descritos a seguir: ensinar somente uma estratégia de aprendizagem de cada vez, incluindo
informações metacognitivas sobre o porquê, o onde e o
quando aplicá-la; fornecer explicações pormenorizadas de
cada nova estratégia, modelando-a; repetir a modelagem e
a explicação, eliminando possíveis dúvidas; criar contextos
diversificados, nos quais se possam praticar as estratégias
ensinadas; incentivar o monitoramento da compreensão
do estudante acerca de como está fazendo e o que está
pensando quando está usando as estratégias; prover oportunidades que favoreçam a capacidade do estudante de
generalizar o uso das estratégias aprendidas para outras
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 279-288.
situações para as quais elas sejam adequadas; aumentar
a motivação dos estudantes e promover o processamento
profundo e reflexivo da informação.
Um estudo proposto por Loranger (1994) analisou
as estratégias de estudo dos estudantes para determinar se
os alunos bem-sucedidos diferiam dos alunos sem êxito na
qualidade de seu processamento de informações. O estudo
foi baseado no modelo proposto por Pressley, Borkowski e
Schneider (1989), o qual sugere que bons processadores
de informações usam estratégias para tarefas acadêmicas,
como saber como e quando usar essas estratégias. O estudo constatou que, na maior parte do tempo, os alunos
bem-sucedidos foram motivados para ter sucesso e usar
estratégias para atingir esse objetivo.
Conforme mostra Boruchovitch (1993), alunos com
baixo rendimento escolar podem beneficiar-se muito de intervenções em estratégias de aprendizagem. Estes alunos
podem aprender a ampliar anotações de aulas, sublinhar
partes relevantes de um texto, monitorar a compreensão
na hora da leitura, usar técnicas de memorização, fazer
resumos, planejar, controlar cognições negativas e estados
afetivos motivacionais disfuncionais, entre outras estratégias. Saber utilizar as estratégias de aprendizagem pode se
tornar um diferencial nos resultados desses alunos.
Rogers (2010) aponta que, apesar de haver diversas
pesquisas que investigam o uso de estratégias de aprendizagem, pouco tem sido escrito sobre o efeito das estratégias
de aprendizagem em habilidades produtivas e menos ainda
sobre o efeito do treinamento no uso de estratégias metacognitivas e, ainda, sobre como ela deve ser implantada nas
salas de aula.
Assim, considerando a importância e necessidade
de aprofundamento desta temática, o objetivo da presente
pesquisa foi verificar se a intervenção no uso de estratégias
de aprendizagem promove nos alunos com dificuldades de
aprendizagem um maior controle e reflexão sobre o seu
próprio processo de aprendizagem. Como decorrência, a
intervenção no uso de estratégias de aprendizagem poderá
promover a aprendizagem e possibilitar que esses alunos
acompanhem o grupo de alunos em sala de aula, no turno
regular.
Método
1. Participantes
Participaram desta pesquisa na situação do pré-teste
catorze alunos que frequentavam as aulas de reforço escolar da 4ª série do Ensino Fundamental, compreendidos na
faixa etária de nove a doze anos. Na situação da intervenção
e do pósteste, participaram dez alunos. Para a análise dos
dados apresentados neste trabalho, consideram-se apenas
os dados dos dez alunos que participaram do pré-teste, da
intervenção e do pós-teste, sendo excluídos os dados dos
quatro alunos que participaram apenas do pré-teste.
1.2 Instrumento
Para a coleta de dados foi aplicada uma entrevista
estruturada e adaptada por Boruchovitch (1995), constituída
por duas partes: a) dados demográficos da amostra (parte I);
b) dados relativos às estratégias de aprendizagem (parte II,
questões abertas).
As dezesseis perguntas abertas relativas às estratégias de aprendizagem foram traduzidas e adaptadas de
SELF-REGULATED LEARNING INTERVIEW SCHEDULE
(Zimmermam Martinez-Pons, citado por Boruchovitch,
1995). Esse instrumento tem como objetivo investigar o uso
de estratégias de aprendizagem por parte dos alunos em
situações de: a) aprendizagem em sala de aula, b) estudo
em casa, c) realização de tarefas escolares em casa. Para
maior compreensão dos resultados, as questões que fazem
parte do instrumento estão apresentadas a seguir. São elas:
1: “Vamos imaginar que a sua professora esteja dando uma aula de Português e ela avise que vai dar um teste
sobre aquela matéria. Você tem alguma maneira que possa
ajudá-lo a aprender e a lembrar o que esta sendo dado na
aula? Conte para mim o que você faz.”
2: “Alguns alunos às vezes percebem que a matéria
que a professora está dando é muito difícil e que eles não
estão conseguindo entender nada. Isso acontece com você?
Você tem alguma maneira que possa ajuda-lo a entender
melhor esta matéria tão difícil?”
3: “Vamos imaginar que a sua professora lhe peça
que escreva uma redação ou texto sobre sua família, sobre
o que você fez no final de semana ou sobre as coisas de
que você gosta. A professora lhe avisa que a redação vai
valer nota. Você tem alguma maneira ou método que possa
ajudá-lo a planejar e a escrever melhor a sua redação? O
que é que você faz?”
4: “Vamos imaginar que a sua professora lhe passe
um dever de casa de Matemática que você terá de fazer
sem a ajuda dela. Você tem alguma maneira ou método que
possa ajudá-lo a fazer esse dever de forma certa? O que é
que você faz?”.
5: “A maioria dos professores costuma dar provas
que valem nota ou conceito. As suas notas ou conceitos são
usados para decidir se você vai ou não passar de ano. Você
tem alguma maneira que possa ajudá-lo a se preparar, por
exemplo, para a sua prova de Português? O que é que você
faz?”.
6: “Às vezes você precisa decorar alguma informação
para se sair bem na prova. Você tem alguma maneira que
possa ajudá-lo a se lembrar melhor? Conte para mim o que
você faz.”
7: “Quando você está estudando para uma prova e
percebe que não vai haver tempo para você aprender tudo
que precisa para se sair bem no dia seguinte, o que você
faz?”.
8: “Quando você está fazendo uma prova e percebe
que realmente não sabe como responder algumas questões,
o que é que você faz?”.
Intervenção e estratégias de aprendizagem * Andrea Regina Teixeira & Paula Mariza Zedu Alliprandini
281
9: “Você costuma fazer alguma coisa com as questões que você errou? O que é que você faz?”.
10: “Muitas vezes os alunos não fazem seus deveres
de casa porque há uma porção de outras coisas que eles
gostariam de fazer, como jogar bola, assistir televisão, brincar com os amigos. Isso acontece com você?”.
11: “Muitas vezes os alunos acham que aquilo que estão estudando é muito chato. Isso acontece com você? Você
tem alguma maneira de fazer aquela matéria que está desinteressante ficar mais agradável? O que é que você faz?”.
12: “Quando você está estudando, onde você costuma ficar? Por que você escolhe este lugar?”.
13: “Quando você acaba de fazer um dever de casa,
você faz alguma coisa para ver se fez o dever de maneira
correta? O que é que você faz?”.
14: “Quando está fazendo uma prova de Português
ou Matemática, você faz alguma coisa para ter certeza de
que suas respostas estejam corretas antes de entregar a
prova ao professor? O que é que você faz?”.
15:“Alguns alunos às vezes percebem que não conseguem entender nada ou quase nada do que estão lendo.
Isso acontece com você? O que você costuma fazer para
ajudar a entender melhor aquilo que você está lendo?”.
16: “Alguns alunos às vezes percebem que, quando a
professora está falando, eles estão pensando em outra coisa e não sabem o que ela está falando. O que você costuma
fazer para ajudá-lo a prestar atenção ao que a professora
está falando?”
1.3 Procedimento
Inicialmente foi solicitada a autorização da diretoria
da escola para desenvolver o presente trabalho, e, mediante
a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE) pelos pais ou responsáveis, o presente trabalho foi
iniciado, atendendo a todos os procedimentos éticos estabelecidos pela Resolução do CNS 196/96.
O presente trabalho foi constituído de três momentos: o primeiro foi a aplicação do instrumento, considerado
como pré-teste; no segundo foi realizada a intervenção; e
no terceiro momento foi reaplicado o mesmo instrumento,
considerado como pós-teste.
A partir dos dados obtidos, na situação do pré-teste
foram trabalhadas as estratégias de: controle da atenção,
do comportamento e do ambiente; organização mental das
ideias; seleção e ajustes em função do tempo; controle dos
pensamentos e de distrações, momento considerado como
intervenção. A proposta foi trabalhar com textos já utilizados
pela professora na sala regular, relendo, interpretando e
produzindo histórias a partir deles, buscando desenvolver as
estratégias anteriormente citadas.
O processo de intervenção foi desenvolvido no período de nove semanas, durante o qual eram realizados dois
encontros semanais, no contraturno, totalizando dezoito
encontros, com duração de uma hora cada um.
282
Nos seis primeiros encontros foram trabalhados os
seguintes textos: “Os doze trabalhos de Hércules” de Monteiro Lobato, “A Mosca” de Neil Philip, “A Aposta” de Luciana M. M. Passos, “A Velha e os Ladrões” de Isabel Solé.
Durante os encontros foram trabalhadas as estratégias de
aprendizagem cognitivas (sublinhar, anotar, escrever, revisar, reescrever, conferir, pedir ajuda, reler cuidadosamente,
corrigir por iniciativa própria, associações com o lúdico, entre outras). Do 7º ao 12º encontro foi incluído, durante as
atividades, o uso de estratégias metacognitivas como: por
que, onde e quando aplicá-las; fornecer explicações pormenorizadas de cada nova estratégia, modelando-a; repetir a
modelagem e a explicação, eliminando possíveis dúvidas;
criar contextos diversificados, nos quais se pudessem praticar as estratégias ensinadas; incentivar o monitoramento
da compreensão do aluno acerca de como está fazendo e
o que está pensando quando está usando as estratégias;
promover oportunidades que favoreçam a capacidade do
aluno de generalizar o uso das estratégias aprendidas para
outras situações nas quais elas sejam adequadas; aumentar
a motivação dos estudantes e promover o processamento
profundo e reflexivo da informação. Nestes encontros foram
trabalhados os seguintes textos: H1N1, Cão, Cão, Cão, de
Millôr Fernandes; Sistema Monetário Brasileiro; desenhos
para produção de texto e histórias da Turma do Sítio do
Pica-pau Amarelo, de Monteiro Lobato.
Durante os seis últimos encontros o trabalho foi realizado de forma a abranger as seguintes estratégias: 1)
ensaio, que envolve repetir ativamente, tanto pela fala como
pela escrita, o material a ser aprendido; 2) elaboração de
estratégias, que implicou a realização de conexões entre o
material novo a ser aprendido e o material antigo e familiar
(por exemplo, reescrever, resumir, criar analogias, tomar
notas que vão além da simples repetição, criar e responder
perguntas sobre o material a ser aprendido); 3) organização,
que se referiu à imposição de estrutura ao material a ser
aprendido; 4) monitoramento da compreensão, que implicou
que o aluno estivesse constantemente com a consciência
realista de quanto ele estava sendo capaz de captar e absorver do conteúdo que estava sendo ensinado (por exemplo,
tomar alguma providência quando se percebia que não entendeu, autoquestionamento para investigar se houve compreensão, usar os objetivos a serem aprendidos como uma
forma de guia de estudo, estabelecer metas e acompanhar
o progresso em direção à realização dos mesmos, modificar
estratégias utilizadas, se necessário); e 4) as estratégias
afetivas, que se referiram à eliminação de sentimentos desagradáveis, que não condiziam com a aprendizagem (por
exemplo, estabelecimento e manutenção da motivação, manutenção da atenção e concentração, controle da ansiedade, planejamento apropriado do tempo e do desempenho).
Para essas estratégias de aprendizagem foram utilizados os textos “Os Bichos da Minha Casa”, de Clarice
Lispector, e “Três Pescadores” (notícia de revista) além de
desenhos para construção de texto e sequências de desenhos para elaboração de frases.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 279-288.
Ao final, o mesmo instrumento utilizado na situação
de pré-teste foi reaplicado, de forma a atender ao objetivo
proposto no presente trabalho.
Resultados e discussões
Inicialmente, a partir das respostas apresentadas
pelos participantes na aplicação do instrumento, tanto na
situação de pré quanto na de pós-teste, foram criadas as categorias de resposta relacionadas às estratégias de aprendizagem. Na sequência, as categorias de respostas apresentadas foram tabuladas e transformadas em frequência e
porcentagem. A tabela 1, apresentada a seguir, descreve as
frequências e porcentagens obtidas a partir das categorias
de respostas apresentadas pelos alunos pesquisados na
situação de pré e pós-teste em relação a cada pergunta do
instrumento aplicado.
Ao analisar os resultados relativos às questões 1, 2,
3, 5, 12, 15 e 16, apresentados na tabela 1, é possível observar que, na situação do pré-teste, poucos alunos (entre 10%
e 30%) relataram prestar atenção às situações de estudo em
sala de aula, à compreensão de conteúdo, à escrita de uma
redação, à preparação para testes e à organização do ambiente de estudo, e a maioria (entre 40% a 50%) respondeu
que não faz nada nesses momentos, não se prepara, ou não
sabe o que faz, deixando claro que, além de não utilizarem
as estratégias de aprendizagem, não possuem motivação
suficiente para se dedicar aos estudos. Na situação do pós-teste, o nível de atenção dos alunos variou entre 10% a
50%, em especial no contexto de sala de aula, mas também
na organização do ambiente de estudo, ao evitar distrações
(50%). Estes resultados permitem inferir que a intervenção
desenvolvida com estes alunos possibilitou um maior controle e reflexão sobre o processo de aprendizagem.
Tabela 1. Questões, categorias de resposta, frequência e porcentagem de respostas de alunos nas situações de pré e pós-teste.
Questões
Categorias
3. Redação
4. Dever de casa de matemática
5. Preparação para os testes
Pós-teste
%
Freq.
%
2
20
4
40
Perguntar para a professora
1
10
0
0
Ler
2
20
1
10
Estudar a matéria/decorar
1
10
5
50
Não sei/nada
4
40
0
0
Pedir ajuda/perguntar
3
30
7
70
Prestar atenção
1
10
0
0
Ler
1
10
2
20
Nada
5
50
Pedir ajuda
--
--
2
20
Escrever
1
10
1
10
Organizar o pensamento
2
20
3
30
Preocupações estética/
gramática
1
10
0
0
Prestar atenção
1
10
2
20
Planejar a atividade
0
0
2
20
Não sei/nada
5
50
0
0
Conferir
2
20
2
20
Resolver
0
0
1
10
Pedir ajuda
4
40
7
70
Não sei/nada
4
40
0
0
Decorar a matéria
1
10
3
30
Estudar bastante/Ler
4
40
6
60
Copiar a matéria
0
0
1
10
Prestar atenção
1
10
0
0
Não sei/nada
4
40
0
0
1. Aprendizagem em sala de aula
2. Compreensão do conteúdo
Pré-teste
Freq.
Prestar atenção
Intervenção e estratégias de aprendizagem * Andrea Regina Teixeira & Paula Mariza Zedu Alliprandini
1
10
283
(continuação)
6. Decorar
7. Administração de tempo
8. Resolução de problemas
9. Correção de questões erradas
10. Motivação para o dever de casa
11. Motivação para estudar matéria
desinteressante
12. Organização do Ambiente de
estudo
13. Auto-avaliação da realização do
dever de casa
14. Conferência da prova
português ou matemática
15. Dificuldades na leitura
16. Prestar atenção professora
Decorar
4
40
6
60
Estudar
2
20
4
40
Não sei/nada
4
40
0
0
Não se prepara para a prova
5
50
0
0
Selecionar/ajustar o tempo
1
10
1
10
Comportamento inalterado
2
20
5
50
Pedir ajuda a para a professora
2
20
4
40
Pedir ajuda ao professor
1
10
3
30
Deixar em branco
5
50
3
30
Chutar
3
30
1
10
Deixar por último para resolver
0
0
2
20
Não sei/nada
1
10
1
10
Fazer a correção
0
0
7
70
Alterar comportamento
4
40
0
0
Não sei/Nada
6
60
3
30
Sim
6
60
7
70
Não
4
40
3
30
Associar com o Lúdico
1
10
1
10
Concentrar/calma
1
10
1
10
Não sei/Nada
8
80
8
80
Condições físicas
2
20
2
20
Evitar distrações
2
20
5
50
Presença de distrações
2
20
0
0
Relação com ooutro
4
40
3
30
Pedir ajuda
2
20
4
40
Conferir sozinho
2
20
5
50
Nada
6
60
1
10
de Revisar
7
70
10
100
Não sei/nada
3
30
0
0
Pedir ajuda
2
20
4
40
Prestar atenção
1
10
1
10
Reler cuidadosamente
4
40
5
50
Nada
3
30
0
0
Evitar distrações
3
30
4
40
Controlar do pensamento
1
10
1
10
Concentrar no professor
3
30
2
20
Não sei/nada
3
30
1
10
Ficar quieto
0
0
2
20
Quanto à motivação do aluno para aprender, Leite,
Ruiz, Ruiz, Aguiar e Oliveira (2005) ressaltam que a motivação é, e sempre será, uma grande aliada na aprendizagem,
pois sem motivação o processo de aprendizagem perde
o seu significado. Para Sisto, Boruchovitch, Fini, Brenelli
& Martinelli (2001), a motivação está diretamente ligada à
aprendizagem; é a iniciação e manutenção de comportamento com o objetivo de atingir uma meta. Os dados apresentados mostram inicialmente um número acentuado de
284
alunos não usa estratégias de aprendizagem, evidenciando
uma desmotivação em desenvolver habilidades e estratégias para a aprendizagem e a necessidade de que o professor conheça melhor os fatores que influenciam a motivação
em sala de aula e busquem formas para promovê-la.
Com relação a perguntar/pedir ajuda ao professor
apresentado nos resultados das questões 1, 2, 3, 4, 7, 8,
13 e 15 na situação do pré-teste, os resultados evidenciam
uma frequência entre 10% e 40%, o que deixa explícita a
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 279-288.
dificuldade dos alunos participantes em pedir ajuda ao professor, e talvez até uma falta de interação entre eles. Após
a intervenção, a frequência do uso dessa estratégia ficou
entre 20% e 70%, evidenciando que alguns alunos que
antes não utilizavam esta estratégia passam a utilizá-la em
algumas situações. Costa (2000), baseado nos estudos de
Barnett, Darcie, Holland e Kobasegawa (1982), Nelson Le
Gall e Gumerman (1984) e Newman (1990), ressalta que
procurar ajuda, além de ser mais uma estratégia no repertório do aluno, envolve também o processo de interação social
que acontece em sala. As crianças frequentemente temem
a reação dos professores e colegas, principalmente quando o esperado é que elas saibam como resolver a questão
sem ajuda adicional. Segundo Costa (2000), procurar ajuda
é considerado como uma das mais importantes estratégias
existentes, pois possibilita que o aluno aprenda outras habilidades. A criança que pergunta e obtém assistência quando é
necessária, além de resolver suas dificuldades acadêmicas,
adquire conhecimentos e habilidades que poderão ajudá-la
futuramente. Destarte, passar a utilizar esta estratégia de
pedir ajuda pode ter favorecido uma maior interação dos alunos no contexto de sala de aula e ter ajudado na resolução
de suas dificuldades acadêmicas.
Ribeiro (2003), baseado nos estudos de Brown, ressalta que reconhecer a dificuldade na compreensão de uma
tarefa, ou tornar-se consciente de que não se compreendeu
algo, é uma habilidade que parece distinguir os bons dos
maus leitores. Os primeiros sabem avaliar as suas dificuldades e/ou falta de conhecimento, o que lhes permite, nomeadamente, superá-las, recorrendo, muitas vezes, a inferências feitas a partir daquilo que sabem. Esta autora chama,
assim, a atenção para a importância do conhecimento, não
só sobre aquilo que se sabe, mas também sobre aquilo que
não se sabe, evitando assim o que designa de ignorância
secundária: não saber que não se sabe.
Quando os alunos que respondem no pré-teste
(questões 13, 14 e 15) fazem uma releitura do assunto em
questão (entre 20% a 70%), deixam explícita a utilização da
estratégia de repetição, que, segundo Boruchovitch (2007), é
usada para reter a informação por um período de tempo mais
longo. Repetir ou ensaiar a informação que está na memória
de curta duração são exemplos de algumas estratégias que
as pessoas usam para reter melhor a informação. Algumas
destas estratégias são automáticas e inconscientes. A repetição (ensaio) não é ensinada de forma estruturada em sala de
aula, mas é adquirida espontaneamente já no início da educação escolar. No pós-teste, os resultados indicam um aumento
na frequência do uso desta estratégia (50% a 100%), sendo
que agora eles o fazem de maneira consciente, o que pode
trazer benefícios para o processo de aprendizagem.
Ribeiro (2003), baseado nos estudos de Flavell e
Wellman, ressalta que, para a memorização ou a recordação
se tornarem possíveis, o sujeito deve aprender a identificar
em que situações há necessidade de recorrer a determinadas ações ou estratégias (sensibilidade) e desenvolver o
conhecimento sobre a influência das variáveis que envolvem
esse processo. Assim, se for devidamente utilizada, esta
estratégia poderá trazer êxito para esses alunos. Os resultados apresentados pelos alunos neste trabalho, em relação
às categorias de estudar/decorar a matéria nas questões 1,
5 e 6, variaram entre 10% a 40%, o que mostra falta de interesse desses alunos com relação aos estudos, pois não são
capazes de reler a matéria. Na situação de pós-teste esse
número variou entre 30% e 60%, evidenciando um aumento
no uso desta estratégia após a intervenção.
Segundo Costa (2000), pesquisas realizadas (Britton
& Tesser, por exemplo) para examinar a administração de
tempo de estudantes mostram que o planejamento de longa
extensão, utilizado por alunos que planejam seu tempo com
bastante antecedência como metas para o trimestre, conseguem obter maior desempenho acadêmico. Esses resultados mostram implicações positivas, pois manejar o tempo
de forma adequada é uma meta que pode ser ensinada.
Alunos que praticam a administração de tempo têm maior
clareza sobre a estruturação do tempo e possuem melhor
desempenho escolar. Os dados obtidos na questão 7, quando comparados os resultados na situação de pré em relação
ao pós-teste, evidenciam a necessidade de que o uso desta
estratégia seja mais bem trabalhada, de forma a promover
um melhor desempenho escolar.
A questão 12 trata da organização do ambiente, e
as respostas mostram que 20% das crianças no pré-teste
escolhem para a realização das atividades de estudo locais
mais calmos sem presença de coisas que provoquem distração, sendo que no pós-teste esse número aumenta para
50%. Costa (2000) relata que uma investigação realizada
por Patton, Stinard e Routh e Mercuri sobre as condições do
local de estudo que mais agradam aos estudantes revelou
que essas variam conforme o tipo de tarefa (somente ler,
ler e escrever, escrever e matemática). Locais calmos são
escolhidos quando a atividade envolve somente leitura.
Idealmente, os professores funcionam como mediadores da aprendizagem e agem como promotores da autorregulação, ao possibilitarem a emergência de planos pessoais. De acordo com Brown, citado por Ribeiro (2003), eles
assumem um papel fundamental na preparação dos alunos
para planejar e monitorar as suas próprias atividades. Para
estimular a metacognição, o professor tem toda a vantagem
de multiplicar as situações abertas de investigação, resolver
problemas complexos nos quais o sujeito deva escolher entre várias alternativas e antecipar as consequências destas
escolhas. Só este gênero de atividade pode dar ao aluno,
sobretudo se tem dificuldades, a oportunidade de conduzir
de maneira refletida as suas próprias operações cognitivas
(Grangeat, citado por Ribeiro, 2003).
O fato de as estratégias de aprendizagem terem sido
cuidadosamente detalhadas em função da especificidade
das situações propostas no pré-teste fez surgir uma quantidade expressiva de estratégias de aprendizagem (controlar
a atenção, o comportamento e o ambiente; procurar assistência social; ler e escrever mecanicamente; organizar mentalmente as ideias; preocupar-se com a estética, a técnica e
a gramática; conferir/checar; ler; selecionar e fazer ajustes
em função do tempo; comportar-se de forma inalterada;
Intervenção e estratégias de aprendizagem * Andrea Regina Teixeira & Paula Mariza Zedu Alliprandini
285
“chutar”; corrigir por iniciativa própria; fazer associações com
o lúdico; evitar distrações; distrair-se com coisas; conferir
várias vezes a prova; pedir ao professor que a confira; reler
cuidadosamente; controlar os pensamentos; concentrar-se
na figura e na postura do professor). Não obstante, convém
destacar que, apesar de terem relatado um total de 19 estratégias de aprendizagem, os alunos mencionraam utilizá-las
pouco frequentemente, de modo que muitas vezes as utilizavam sem saber como deveriam fazê-lo de maneira eficaz.
De acordo com os dados apresentados, após a intervenção as crianças começaram a prestar mais atenção
à explicação da professora, aumentando a porcentagem de
10%, no pré-teste, para 40% no pós-teste. Também começaram a estudar novamente a matéria dada, para aprender em
sala de aula (o nível aumentou de 10% a 40% no pré-teste
para 30% a 60% no pós-teste), com o diferencial de que
agora elas já sabem que estão utilizando uma estratégia que
as ajudará na aprendizagem.
Quanto à compreensão do conteúdo, houve um
aumento no número de crianças (de 20% para 70%) que
revelaram pedir ajuda. A estratégia de pedir ajuda torna a
criança mais ativa e disposta para o aprendizado.
O nível de atenção na hora de escrever uma redação
aumentou (de 10% para 20%), com a diferença de que agora as crianças planejam a atividade a ser realizada.
Na hora do dever de casa, as crianças se mostraram
mais ativas (de 40% para 70%), pois pedir ajuda envolve
iniciativa e demonstra mais segurança, porque muitas vezes
as crianças não pedem ajuda por sentir vergonha de não
saber resolver as atividades propostas.
No tocante à correção das questões erradas da prova, a maioria das crianças relata fazer a correção (70%) no
pós- teste, o que não aconteceu no resultado da aplicação
do instrumento no pré-teste (10%). Corrigir as questões erradas da prova também é uma forma de aprendizado.
O nível de preparação para testes aumentou significativamente (de 10% para 60%); agora as crianças sabem
que, se estudarem corretamente, conseguirão se sair bem
nos testes e provas.
Antes do processo de intervenção, as crianças disseram que decoravam a matéria (entre 10% e 40%), porém
não sabiam o significado; agora elas reafirmam que decoram a matéria (de 40% a 60%), porém com o conhecimento
sobre ela, além de afirmarem que a estudavam (40%). Ainda
em relação ao item decorar, no pré-teste 40% das crianças
relatam que não faziam nada, e no pós-teste esta porcentagem caiu para 0%, sendo que 40% relataram que estudavam e 60% que decoravam, o que evidencia que alguns
alunos passaram a usar estas estratégias de aprendizagem
que antes não utilizavam.
A instrução no uso de estratégias de aprendizagem
procurou assegurar um ensino progressivo e adequado à
série e à idade dos alunos. Em todos os encontros, além
de se ensinarem as estratégias de planejamento, leitura e
produção de textos (ensino explícito e autorregulação), os
aspectos motivacionais e afetivos também foram trabalha-
286
dos, como recomenda a literatura da área à luz da Psicologia Cognitiva, com base na Teoria do Processamento da
Informação. Este encaminhamento baseou-se na proposta
de Costa e Boruchovitch (2009), que indicam que o principal objetivo das estratégias de aprendizagem é ensinar a
pensar. O que se quer é educar o aprendiz para obter autonomia, independência e senso crítico. Assim, a estratégia
deve ser dinâmica e sofrer constantes reavaliações, além
de, no momento exato da sua aplicação, ser observada e
reestruturada quando necessário.
De forma geral, os dados do pré-teste desta pesquisa possibilitaram observar que muitas vezes os alunos
utilizam as estratégias de aprendizagem sem saber que as
estão utilizando. Como citado anteriormente, essas crianças
procuram locais mais tranquilos para estudar, muitas vezes
releem a matéria e a decoram, mas não fazem isto como
uma forma de estratégia, pois relatam também que muitas
vezes não sabem o que fazer em determinadas situações de
estudo em sala de aula. Se soubessem realmente utilizar as
estratégias de aprendizagem, não ficariam sem saber o que
fazer em momentos de preparação para testes ou em situações de estudo em sala de aula. Assim, a utilização ineficaz
das estratégias de aprendizagem não produz efeito positivo
na aprendizagem.
Os alunos, de forma geral, não se questionam nem
refletem sobre o que fazer para aprender mais e melhor.
Isso acontece porque a aprendizagem ocorre de forma automática e muitas vezes os fatores subjacentes ao processo da boa aprendizagem passam despercebidos, porém a
consciência dos elementos que interferem na aprendizagem
eficiente só emerge quando o aluno assume um comportamento intencional para conseguir êxito (Da Silva e De Sá,
citado por Rios, 2006).
Assim as estratégias de aprendizagem devem ser
entendidas não somente como uma forma de conduta de
estudo, mas também como um processo de autoconhecimento a respeito de si mesmo e de próprias capacidades.
Ensinar o uso de estratégias de aprendizagem para
alunos com dificuldades de aprendizagem é de extrema
relevância, pois interfere diretamente na autoestima deles.
Quando o aluno melhora o seu desempenho escolar, passa
a acreditar em suas potencialidades e, dessa forma, passa
a desenvolvê-las.
Apesar de a instrução em estratégias de aprendizagem ser uma área relativamente nova, com metodologias
diversas, ela pode oferecer importantes contribuições para a
educação: primeiramente, porque a instrução em estratégias
de aprendizagem relaciona e esclarece a inter-relação entre
elementos cognitivos, motivacionais e afetivos presentes no
processo e nos resultados da aprendizagem (Da Silva & De
SÁ, 1997); além disso, demonstra que é possível, no âmbito
escolar, ensinar ao estudante como aprender de forma mais
eficiente e ter mais controle sobre sua motivação e suas
emoções, aumentando a confiança na própria capacidade
cognitiva e potencializando o seu rendimento acadêmico.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 279-288.
Considerações finais
Em linhas gerais, os resultados apresentados pelos
alunos após a intervenção no uso de estratégias de aprendizagem evidenciam que o objetivo foi atingido, uma vez que
os alunos pesquisados que apresentavam dificuldades de
aprendizagem passaram a ter um maior controle e reflexão
sobre o seu próprio processo de aprendizagem. As crianças
começaram a prestar mais atenção à explicação da professora, estudar a matéria dada novamente e até decorar a
matéria para que a aprendizagem em sala de aula ocorresse. O mesmo pode ser inferido quanto à compreensão do
conteúdo e preparação para testes. Os resultados da presente pesquisa indicam que a intervenção em estratégias de
aprendizagem fornece subsídios para que o aluno se torne
mais ativo para o aprendizado, no que diz respeito não apenas às estratégias cognitivas, mas também às estratégias
metacognitivas.
Assim como os autores anteriormente citados, ressalta-se a necessidade de o professor compreender melhor
os processos cognitivos de seus alunos, bem como a importância de ensinar os alunos a usar de maneira efetiva e eficiente as estratégias de aprendizagem, fatores que podem
levar à promoção de uma aprendizagem mais dinâmica e
significativa para seus alunos.
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Recebido em: 25/05/2012
Reformulado em: 13/12/2012
15/04/2013
Aprovado em: 01/08/2013
Sobre as autoras
Andrea Regina Teixeira ([email protected])
Prefeitura Municipal de Cambé – PR, Especialista em Psicopedagogia
Paula Mariza Zedu Alliprandini ([email protected])
Universidade Estadual de Londrina – UEL,Pós-doutora em Psicologia
Rod. Celso Garcia Cid – PR 445 – Km 380 – Campus Universitário, Cep 86051-980 – Londrina - PR
288
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 279-288.
Desenvolvimento da subjetividade: análise de histórias
de superação das dificuldades de aprendizagem
Maristela Rossato
Universidade de Brasília - DF
Albertina Mitjáns Martínez
Universidade de Brasília - DF
Resumo
Este artigo discute a subjetividade numa perspectiva sistêmica e processual, orientado pela Teoria da Subjetividade desenvolvida por González
Rey, analisada na trajetória escolar de estudantes identificados com dificuldades de aprendizagem. Tem por objetivo analisar como ocorre o
movimento da subjetividade no processo de superação das dificuldades de aprendizagem escolar. A pesquisa foi realizada com três estudantes
dos anos iniciais do Ensino Fundamental, por meio de Estudo de Caso Múltiplo. Foram utilizados sistemas conversacionais, instrumentos
apoiados em indutores escritos e indutores não escritos, momentos informais, análise documental e observações no ambiente escolar.
Concluímos que a superação das dificuldades de aprendizagem pode se dar pelo reconhecimento do sujeito no estudante, pela vivência de
condições favorecedoras à produção de sentidos subjetivos e pela reconfiguração de elementos da subjetividade do estudante. Essas reflexões
deram sustentação para definirmos o desenvolvimento da subjetividade como mudanças subjetivas que impactam, ganham certa estabilidade e
são capazes de desencadear outras mudanças, gerando novos níveis qualitativos de organização subjetiva.
Palavras-chave: Subjetividade, distúrbios de aprendizagem, desenvolvimento.
Subjectivity development: analyzing histories of overcoming learning difficulties
Abstract
In this article we discuss the subjectivity from a systemic and processing perspective, under the Theory of Subjectivity developed by González
Rey ,analyzed in the educational trajectory of students identified with learning difficulties. Our goal is to analyze how the movement of subjectivity
occurs in the processes of overcoming school learning difficulties. The research was conducted with three students from the early years of
elementary school, through Multiple Case Study. We used conversational systems, instruments supported by written and unwritten inductors,
informal moments, document analysis and observations in the school environment. We conclude that overcoming learning difficulties can be
attained by the recognition of the student as subject, by the experiencing of conditions in favor of subjective sense production and by the
reconfiguration of elements of subjectivity in students. These reflections may give support to define the development of subjectivity and subjective
changes that impact and gain some stability, capable of triggering other changes, creating new levels of qualitative subjective organization.
Keywords: Subjectivity, learning disabilities, development.
Desarrollo de la subjetividad: análisis de historias de superación de
dificultades de aprendizaje
Resumen
Este artículo discute la subjetividad analizada en la trayectoria escolar de estudiantes identificados con dificultades de aprendizaje bajo
perspectiva sistémica y procesal, orientado por la Teoría de la Subjetividad desarrollada por González Rey. Tiene como objetivo analizar como
ocurre el movimiento de la subjetividad en el proceso de superación de las dificultades de aprendizaje escolar. La investigación se realizó con
tres estudiantes de los primeros años de la Enseñanza Básica a través del Estudio de Caso Múltiplo. Se utilizaron sistemas conversacionales,
instrumentos respaldados en inductores escritos e inductores no escritos, momentos informales, análisis documental y observaciones en
ambiente escolar. Las conclusiones indican que la superación de las dificultades de aprendizaje puede suceder debido al reconocimiento del
sujeto en el estudiante, por vivir condiciones favorecedoras de producción de sentidos subjetivos y por la reconfiguración de elementos de la
subjetividad del estudiante. Estas reflexiones ofrecen subsidios para definir el desarrollo de la subjetividad como cambios subjetivos que impactan
y que adquieren cierta estabilidad, capaces de desencadenar otros cambios, generando nuevos niveles cualitativos de organización subjetiva.
Palabras clave: Subjetividad, trastornos del aprendizaje, desarrollo.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 289-298.
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Introdução
Compreender as fronteiras entre mudança e desenvolvimento da subjetividade requer um olhar sensível do
pesquisador, amparado por um rigor teórico que lhe possibilite produzir inteligibilidade em meio à complexidade humana
e seus processos evolutivos. As discussões apresentadas
neste artigo são decorrentes de uma pesquisa realizada
com estudantes das séries iniciais do ensino fundamental
que teve por objetivo compreender como a subjetividade
do estudante se movimenta no processo de superação das
dificuldades de aprendizagem escolar.
As dificuldades de aprendizagem são apontadas pela
escola quando o estudante não consegue cumprir as exigências das características que assumem os processos de
ensinar e aprender sem, na maioria dos casos, considerar a
multiplicidade de fatores – inclusive da própria escola – que
podem estar no entorno do problema (Rossato & Mitjáns
Martínez, 2011). Mais do que compreender como esses
julgamentos são construídos e seus impactos no processo
de ensinar e aprender, a pesquisa perseguiu casos de estudantes que, da mesma forma que foram apontados com
dificuldades, foram reconhecidos pela escola por terem-nas
superado. Os processos envolvidos na superação das dificuldades de aprendizagem foram investigados e analisados
no movimento da subjetividade dos estudantes, considerando as ações, as relações e as concepções envolvidas na
produção dos sentidos subjetivos em diferentes momentos
da pesquisa.
Vale destacar que não foi realizado nenhum trabalho
que envolvesse supostos processos cognitivos relacionados
às dificuldades apontadas pela escola, ou seja, não houve,
nem da parte da escola, nem da parte das pesquisadoras,
ação interventiva com objetivo de superar as dificuldades. A
superação das dificuldades de aprendizagem resultou das
mudanças ocorridas na organização da subjetividade dos
estudantes, mobilizada por fatores diversos, como veremos
no decorrer do artigo. A metodologia utilizada na pesquisa
possibilitou analisar a subjetividade dos estudantes em diferentes momentos, permitindo que comparações entre os
momentos inicial, intermediário e final fossem feitas. Somente com uma compreensão da subjetividade como um sistema complexo, submetido permanentemente à tensão das
rupturas ou das criações que tornam sua expressão imprevisível, transcendendo as representações estático-descritivas
da psique, uma pesquisa dessa natureza pôde ser realizada.
A Teoria da Subjetividade de González Rey (1995,
2003a, 2003b) constituiu a base teórica da pesquisa por ser,
em essência, uma teoria que busca compreender a subjetividade reconhecendo o valor da história e da cultura, possibilitando, com isso, olhar o estudante em seus processos
singulares. Mais especificamente, a teoria citada permitiu:
(a) compreensão da subjetividade como sistema complexo,
dinâmico e em permanente mobilidade; (b) concepção do
sujeito que ensina e que aprende constituído na inter-relação
tensa e contraditória entre a subjetividade individual e a subjetividade social; (c) produção contínua de novos sentidos
290
subjetivos capazes de entrar no sistema de configurações
subjetivas; (d) possibilidades de reconfiguração subjetiva e
mudanças nos núcleos das configurações subjetivas.
A relação complexa e dinâmica entre o social e o
individual é uma das marcas que a distinguem de outras
teorias que abordam a subjetividade. A subjetividade social
existe em inter-relação com a subjetividade individual, sem
que a primeira represente a soma da segunda, permitindo
compreender a dimensão subjetiva – sentidos subjetivos
e configurações subjetivas – dos processos e instituições
sociais, nos diferentes contextos e momentos históricos em
que se organiza, desentranhando os processos geradores
das configurações subjetivas dos grupos sociais e o modo
como estes se presentificam nos processos individuais. A
subjetividade individual se organiza em torno de elementos essenciais na sua compreensão e desenvolvimento: o
sujeito e a personalidade que interagem numa relação em
que um é momento constituinte do outro sem que seja diluído por ele. O reconhecimento do caráter ativo, gerador,
reflexivo e criativo do sujeito coloca a relação com o social
em permanente estado de tensão e rupturas, podendo gerar novas unidades de subjetivação individual e social. Já
a personalidade, é considerada, nessa abordagem teórica,
como um sistema subjetivo auto-organizador da experiência
constituída na história do sujeito, um sistema de configuração de configurações. Por ser um sistema autônomo, possui a plasticidade que lhe permite mudanças contínuas por
meio da configuração entre o histórico e o atual, revelando-se também gerador de sentidos na história do sujeito. As
configurações subjetivas são formas complexas de organização dos sentidos subjetivos produzidos nos processos de
subjetivação individual e social, tendo caráter organizador
e, ao mesmo tempo, gerador dos sentidos subjetivos, que
são produções dos sujeitos resultantes dos desdobramentos
simbólico-emocionais produzidos em nível individual, mas
também pelas unidades sociais que atuam nos espaços da
subjetividade social (González Rey, 2003a).
Desenvolvimento e mudança da subjetividade foram
tomados na pesquisa por meio de algumas especificidades.
O conceito de mudança presente na Teoria da Subjetividade de González Rey foi analisado a partir da conceituação
de circuito tetralógico proposta por Morin, Ciurama e Motta
(2003) – ordem-desordem-interações/reencontros-organização – estabelecendo, com isso, uma dinâmica mutacional
de impactos no sistema, mesmo que sejam de superfície.
A representação proposta pelo autor direciona o olhar para
uma mudança que contém em si uma perspectiva que se
distingue do olhar linear e vertical, mas a concebe processualmente, de forma que início e fim constituem partes integrantes do mesmo processo. As interações/reencontros se
relacionam tanto com a ordem e a desordem quanto com a
organização, na qual estaria uma nova ordem que é provocadora de desordens. Morin (2003a) define esse processo com
a ideia de circuito, que pode ser definido como uma sucessão de fenômenos periódicos – sentido em que organização
não significa cada coisa em seu lugar, mas um sistema em
movimento. O caráter organizador dos sentidos subjetivos
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 289-298.
atribuído às configurações subjetivas, como vimos anteriormente, expõe a profunda mobilidade que inerentemente caracteriza o sistema de configurações, mais conhecido como
personalidade. A organização contém em si o princípio de
unidade complexa, “ela deve ser pensada de maneira não
reducionista, mas articuladora, não simplificante, mas multirramificada; ela comporta de maneira nuclear as ideias de
reciprocidade, de ação e de retroação” (Morin, 2003b).
Essa relação tetralógica e sistêmica possui em si
mesma um caráter original, pois, quanto mais complexa se
torna a organização, mais a ordem se mistura à desordem,
provocando os acasos e antagonismos e tornando a ordem
das organizações frágeis, relativas, perecíveis, mas também
evolutivas e construtivas. A desordem está presente na organização de forma potencial e ativa, possibilitando a emergência do novo, da mudança. “A desordem não é perseguida
pela organização: ela é ali transformada, permanece virtualizada, pode se atualizar, prepara em segredo sua vitória”
(Morin, 2003b, p. 166). Ordem, desordem e organização se
coproduzem de forma simultânea e recíproca nas interações
e reencontros, característicos dos processos de mudanças.
Nesse sentido, organização implica em mudanças,
conquanto estas não garantam o desenvolvimento da
subjetividade, já que são geradas pelo caráter organizador
das configurações. Essa não causalidade entre mudança
e desenvolvimento pode ser identificada também em nível
macro, como na política, economia, educação, em diversos
setores da sociedade nos quais mudanças são propostas e
efetivadas a todo o momento sem que promovam o desenvolvimento dos sistemas – político, econômico, educacional
– tanto que muitos problemas tornaram-se historicamente
crônicos, embora mudanças estejam continuamente sendo
promovidas. O grande desafio contido nesse conjunto de
reflexões apresentado até aqui está em conhecer as circunstâncias e as características das mudanças que teriam
natureza desenvolvimental.
O desenvolvimento de um sistema (subjetividade)
ocorre por forças que incluem o funcionamento do próprio
sistema (González Rey, 1995; Morin, 2003a). Considera-se, então, que no funcionamento dos sistemas o foco de
análise está na estrutura organizacional, e quanto maior
sua complexidade, mais ordem e desordem tendem a estar
intimamente ligadas. No caso de desenvolvimento, o foco
de análise está na complexidade do processo de mudança
desse sistema, pois, como já foi afirmado, nem todas as mudanças promovem desenvolvimento.
González Rey (1995, 2004a, 2007, 2008) considera
que o desenvolvimento é singular, processual e holístico, e
resulta da integração dos sentidos subjetivos produzidos de
forma viva, dinâmica e contraditória nas várias esferas da
vida do sujeito e no confronto entre a subjetividade individual e a subjetividade social. As considerações anteriores
intensificam uma particularidade do desenvolvimento da
subjetividade: o desenvolvimento da subjetividade acontece
quando distintos processos de subjetivação – subjetividade
social, personalidade, sujeito – são capazes de integrar-se
de forma recíproca, ou seja, quando é possível analisar a
Desenvolvimento da subjetividade * Maristela Rossato & Albertina Mitjáns Martínez
subjetividade social, a personalidade e o sujeito de forma individualizada e relativamente independente; mas para uma
análise do desenvolvimento da subjetividade é necessário
adentrar no movimento que um é capaz de promover no
outro.
Método
González Rey (2002, 2003a, 2005) desenvolveu o
que denomina Epistemologia Qualitativa como possibilidade
para a pesquisa da subjetividade na forma como a concebe,
pois, do contrário, não seria possível estudá-la como sistema
complexo e histórico em processo contínuo de mobilidade. A
expressão cunhada por González Rey Epistemologia Qualitativa conduz a outra compreensão do qualitativo, desde
sua base epistemológica, e para isso o autor busca referências no marxismo, na epistemologia histórica francesa,
na teoria da complexidade, nos trabalhos de P. Feyerabend,
entre outros (González Rey, 2004b). O qualitativo, aqui, está
longe das definições tradicionais, como forma de explicar
o quantitativo, e caminha no sentido de gerar explicações
para os processos que não são diretamente acessíveis pela
experiência nem podem ser fragmentados em variáveis ou
controlados.
Os aspectos centrais da definição da Epistemologia
Qualitativa são: a) o caráter construtivo-interpretativo da
produção do conhecimento; b) a pesquisa como processo
de comunicação e diálogo; c) legitimação do singular como
instância de produção do conhecimento científico.
O caráter construtivo-interpretativo da produção do
conhecimento coloca o conhecimento como uma produção
do pesquisador a partir do conjunto das informações produzidas na pesquisa, e não como apropriação da realidade.
Essa forma de trabalhar com o conhecimento coloca-o na
condição de permanente construção, como resultado da
produção humana, uma vez que a realidade não é um sistema meramente externo.
Na pesquisa como um processo de comunicação
e diálogo a ênfase na comunicação está centrada no fato
de esta permear grande parte dos problemas de natureza
social e humana. A comunicação é a via que pode converter os participantes em sujeitos envolvidos com o problema
investigado a partir de seus interesses, desejos e contradições. O estabelecimento de uma relação dialógica entre
os participantes da pesquisa e o pesquisador permite a
abertura de uma via comunicacional em que fluam melhor
as informações que os sujeitos podem prestar.
A legitimação do singular como instância de produção do conhecimento científico fundamenta-se na intensa
valorização atribuída ao aspecto teórico na pesquisa, que
aqui não é compreendido como uma contraposição ao empírico, mas como a construção permanente de modelos de
inteligibilidade que deem suporte ao processo de construção
do conhecimento.
Na Epistemologia Qualitativa a análise das informações é realizada desde as primeiras atividades de pesquisa,
291
uma vez que é responsável por gerar novas demandas de
instrumentos e investigações que serão confrontadas com
as anteriores, consolidando e abrindo novos caminhos investigativos. Trata-se da análise das informações formais
e informais que vão se configurando desde os primeiros
movimentos do pesquisador, rompendo com a dicotomia teórico e empírico e considerando o conhecimento como uma
produção humana. A análise das informações por meio do
princípio construtivo-interpretativo é processual e faz parte
de todos os momentos da pesquisa, visando ao desenvolvimento de modelos teóricos capazes de expressar e sistematizar as informações. A construção de modelos teóricos é
influenciada pela teoria geral do pesquisador sobre o tema
estudado, mas se traduz como sua própria produção. Os
modelos teóricos podem ser considerados como a gênese
de uma teoria na qual são integrados novos elementos relativos ao problema estudado.
Na Epistemologia Qualitativa a informação não é
considerada em si mesma, mas é algo que pode ser convertido em indicador do sistema subjetivo que envolve o
participante da pesquisa ou os espaços e instituições onde
se encontra inserido. Essa é uma característica dessa forma
de pesquisa qualitativa pela qual uma informação, além de
não ter valor em si mesmo, pode desconstruir análises já
consolidadas, exigindo a retomada do processo. Isso expressa o caráter construtivo-interpretativo da produção do
conhecimento “como um processo de consistência interna,
regulado por suas próprias necessidades, em que o papel
ativo do pesquisador ocupa lugar essencial” (González Rey,
2002, p. 127).
Participantes
Os participantes da pesquisa eram de uma escola
pública que atende estudantes do 1º ao 5º ano do Ensino
Fundamental, localizada no Plano Piloto, Brasília-DF. A escola recebia estudantes moradores das quadras próximas à
escola e estudantes moradores de regiões administrativas
situadas fora do Plano Piloto que, em sua maioria, são filhos
de pessoas que trabalham nas quadras próximas da escola.
Este local foi escolhido por indicação de uma das equipes
especializadas1 da Secretaria de Educação do DF. De acordo com a equipe, na escola indicada havia uma concentração significativa de estudantes que “não eram moradores
das quadras” e que apresentavam muitas dificuldades de
aprendizagem, representando um diferencial em relação às
demais escolas do Plano Piloto.
Os professores que atuavam nessa escola eram, em
sua maioria, efetivos da Secretaria de Educação, com carga
horária de 36 horas semanais. Destas 36 horas, onze eram
reservadas para a coordenação pedagógica, como um tempo em que podiam estudar, participar de reuniões, cursos,
1 Estas equipes eram formadas por: Orientador Educacional,
Professor Classe A com formação em Pedagogia, Professor Classe
A, com formação em Psicologia, Professor de Psicologia Classe A
ou Analista de Educação com formação em Psicologia.
292
encontros pedagógicos e preparar suas aulas em conjunto
com outros professores. Aos estudantes eram oferecidas
cinco horas diárias de aula, além das atividades promovidas pela Escola-Parque (atividades artísticas, culturais,
esportivas) no contraturno do horário de frequência à Escola
Classe.
A pesquisa foi desenvolvida por meio de estudo de
caso múltiplo com três estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental que, conforme relato inicial dos professores, possuíam histórias de múltiplas repetências e eram reconhecidos na escola como estudantes com dificuldades de
aprendizagem escolar2 sem que houvesse, nesse momento,
questionamentos quanto à complexidade que envolve essa
expressão. A pesquisa foi realizada em três momentos
distintos: no início da pesquisa, com todos os estudantes
indicados pela escola com dificuldades de aprendizagem;
após seis meses, com cinco desses estudantes que haviam
apresentado melhora na qualidade de aprendizagem, conforme resultado das avaliações realizadas pelos professores; e após o transcurso de mais seis meses, com apenas
três estudantes (dois mudaram de cidade e não puderam
continuar no grupo), para identificar a estabilidade que as
mudanças tinham assumido. A seguir uma descrição dos
três participantes da pesquisa (nomes fictícios), com informações sobre as respectivas trajetórias escolares.
Conforme documentação escolar, João ingressou
na primeira série em 2004, com sete anos, no Nordeste do
Brasil, onde morava com parentes, e, na metade do ano de
2005, estando na segunda série, veio para Brasília, para
morar com sua mãe e padrasto. Na ocasião a escola resolveu colocá-lo como ouvinte na primeira série, por julgar
que não apresentava condições de acompanhar a série em
que estava matriculado. Cursou por dois anos seguidos a
2ª série. Em 2008 frequentou a terceira série, e em 2009,
com 12 anos de idade, cursou a quarta série3. Em 2007 foi
encaminhado pela professora para a equipe multidisciplinar
da SEED/GDF, com o objetivo de realizar avaliação diagnóstica, por suspeita de TDAH. As suspeitas não foram confirmadas, evidenciando-se que sua capacidade intelectual
encontrava-se acima da média para o grupo de sua faixa
etária (Relatório de Encaminhamento). Em Brasília, esteve
em todos os anos matriculado na escola onde a pesquisa
foi realizada, por ser próxima do local de trabalho de sua
mãe, deslocando-se todos os dias da região do entorno para
o Plano Piloto. No período em que não está na escola ou
realizando atividades extras, também ofertadas pela escola - como atendimento em Altas Habilidades (desenho),
Laboratório de Aprendizagem e Escola Parque -, fica na
2 Uma discussão mais ampla sobre dificuldades de aprendizagem
e a multiplicidade de fatores associados pode ser vista em Rossato
& Mitjáns Martínez (2011).
3 Embora à época da pesquisa a Lei Nº 11274/2006, PL 144/2005,
a Lei 11.114/2005, o Parecer CNE/CEB Nº 6/2005, a Resolução
CNE/CEB Nº 3/2005 e o Parecer CNE/CEB Nº 18/2005 já previssem
o Ensino Fundamental de nove anos, alterando a nomenclatura
de série para ano, na escola em que a pesquisa foi realizada
essa mudança ainda não havia sido adotada, permanecendo a
nomenclatura série.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 289-298.
casa de uma pessoa conhecida da família esperando a mãe
sair do trabalho. Da parte da mãe, João é filho único; não
conhece pessoalmente seu pai biológico nem seus irmãos
que moram fora de Brasília, conversam apenas por telefone,
esporadicamente. As dificuldades registradas nos documentos da escola e expressas pela professora no momento
inicial da pesquisa referiam-se à resolução de problemas e
à interpretação e produção escrita, além de problemas de
relacionamento com os colegas.
Fernanda, conforme sua documentação escolar, iniciou a 1ª série em 2004, com sete anos de idade. Por dois
anos seguidos cursou a 2ª série e, por mais dois anos seguidos, a 3ª série. Em 2009 frequentou a 4ª série, então com
12 anos de idade, apresentando dois anos de defasagem
na relação idade-série. Está na escola onde a pesquisa foi
realizada desde 2006 e nos anos anteriores esteve em duas
escolas diferentes. Fernanda é negra e, desde 2004, mora
num abrigo para crianças, com um irmão mais novo, por
terem sido retirados judicialmente da guarda da mãe. Visita
a mãe e os irmãos menores, que moram com a mãe, em
alguns finais de semana. Durante a semana, nos horários
em que não está na escola, faz balé duas vezes por semana e frequenta a Escola-Parque uma vez por semana. Nos
demais períodos, Fernanda fica no abrigo, onde estuda, faz
tarefas da escola e algumas atividades domésticas, todas
supervisionadas por sua responsável legal. As dificuldades
reconhecidas pela escola – constantes na documentação e
referidas pela professora no início da pesquisa – concentravam-se em Língua Portuguesa e em disciplinas curriculares
que exigiam leitura e compreensão de textos - como Ciências, Geografia e História.
Daniel, conforme a documentação escolar, iniciou a
1ª série em 2006, com sete anos de idade; frequentou a 2ª
série em 2007 e, no ano de 2008, momento em que a pesquisa foi iniciada, estava frequentando a 3ª série, sempre na
mesma escola. Reside numa região administrativa próxima
do Plano Piloto, de onde a mãe o leva de carro próprio para
frequentar a escola. Mora com seu pai e sua mãe, ambos
profissionais liberais, e uma irmã mais velha. Nos relatórios
das séries anteriores, apesar da aprovação como resultado
final em todos os anos, encontramos registros de dificuldades em Matemática e Língua Portuguesa, ambas as áreas
também apontadas pela professora no início da pesquisa,
associadas a falta de atenção na realização das atividades,
falta de responsabilidade com as atividades de casa e resistência em rever seus erros.
Instrumentos
Todos os instrumentos foram elaborados especialmente para essa pesquisa considerando as particularidades
dos seus participantes, sendo utilizados como indutores da
expressão do outro na produção das informações, e não
como fonte de dados. Como instrumentos da pesquisa foram utilizados os numerados e descritos a seguir.
Desenvolvimento da subjetividade * Maristela Rossato & Albertina Mitjáns Martínez
1.
Sistemas Conversacionais: permitem ao pesquisador
deslocar-se da posição de quem pergunta, como realizado nas entrevistas, e produzir uma dinâmica com
um clima favorável para a informação; foram realizados com professores, a direção, a equipe pedagógica
e familiares dos estudantes;
2.
Instrumentos apoiados em indutores não escritos,
cujo uso facilita a expressão de informações singulares, principalmente quando se trata de crianças;
podem ser enriquecidos com elementos produzidos
a partir de outros instrumentos; foram utilizados desenhos, histórias interativas, completamento oral de
frases ilustradas, construção da linha da vida escolar;
3.
Instrumentos apoiados em indutores escritos – usados com o objetivo de oportunizar a expressão dos
participantes; porém, por serem estudantes que
apresentavam certa resistência à escrita, foi utilizada
apenas uma redação descritiva sobre como se percebiam na escola e um completamento de frases;
4.
Momentos informais - que foram definidos tanto a
partir das relações espontâneas com os participantes
quanto em decorrência da interação com os instrumentos da pesquisa, pelos indutores diretos e indiretos ali contidos;
5.
Análise documental: os documentos (pasta do estudante com documentos relativos à sua história
escolar e fichas do conselho de classe) foram utilizados como fonte de informação na caracterização
do sujeito;
6.
Observação: foi utilizada como recurso para perceber o movimento dos sujeitos na relação com o outro
(professores expressando suas opiniões sobre os estudantes, professores conversando com estudantes,
reação dos estudantes diante da postura assumida
pelo professor a seu respeito, reação dos estudantes
diante da postura assumida pelo professor diante
dos colegas, reação dos estudantes na ausência dos
professores, reação dos estudantes junto aos colegas da escola, estudantes expressando sua opinião
sobre os professores, etc.), levantando ou reforçando
indicadores formulados no processo da pesquisa.
Procedimentos
Diante da análise das informações de cada instrumento, foram produzidos indicadores que, no confronto com
os indicadores produzidos em outros instrumentos, geraram
hipóteses que foram sendo confrontadas com a produção
dos pesquisadores em momentos diversos da pesquisa.
Um indicador, na Epistemologia Qualitativa, constitui-se de
293
momentos que adquirem significação pela interpretação do
pesquisador. Não é uma categoria para ser usada como referência, com finalidade descritiva, e não tem relação direta
com os elementos tomados em separado, mas ganha significado pela relação que o pesquisador é capaz de estabelecer
com outros conjuntos de elementos identificados a partir dos
instrumentos utilizados, produzindo hipóteses.
A criação das hipóteses, em confronto com a teoria
geral do pesquisador, produziu núcleos teóricos de análise
integrados ao processo geral de construção do conhecimento, dentro de uma lógica configuracional que esteve orientada pelas relações dos pesquisadores com o problema
estudado. Esse confronto foi contínuo durante a pesquisa
e serviu para sinalizar a necessidade de reformular hipóteses, para reconstruir alguns núcleos teóricos de análise já
elaborados e mesmo para reformular os indutores de alguns
instrumentos. Os resultados serão orientados pelo modelo
construtivo-interpretativo em que as informações (dados)
não têm valor por si mesmas, mas adquirem solidez pela
interpretação do pesquisador, resultante do processo de
construção de indicadores e hipóteses em confronto com
sua teoria geral.
Resultados e discussões
Os fundamentos da Epistemologia Qualitativa (González Rey, 2002, 2003a, 2005), descritos anteriormente, dão
suporte ao modelo de pesquisa qualitativa adotado. O material empírico produzido no campo não é portador de uma
verdade contida nele mesmo, que ganhe legitimidade pela
sua descrição; ao contrário, trata-se da construção de modelos teóricos sobre a informação produzida dando visibilidade
a um nível ontológico não acessível à observação imediata.
É por meio da “construção teórica de sentidos subjetivos e
de configurações subjetivas envolvidas nos diferentes comportamentos e produções simbólicas do homem” (González
Rey, 2005, p. 116) que os resultados da pesquisa podem ser
expressos.
Os resultados apresentados a seguir são construções
da trajetória escolar e das relações com diversos grupos sociais dos quais fazem parte os três participantes da pesquisa
– João, Fernanda e Daniel –, expressão do movimento da
subjetividade no processo de superação das dificuldades de
aprendizagem escolar. A análise dos casos foi um recorte de
tempo da história de cada um dos participantes, onde fios
do passado foram alçados para serem entretecidos com o
presente, gerando um espaço dialógico em que os sentidos
subjetivos produzidos nesse tempo em movimento puderam
emergir. No processo construtivo-interpretativo de análise
foram identificados dois eixos explicativos do movimento da
subjetividade no processo de superação das dificuldades
de aprendizagem: (a) a constituição do sujeito no confronto
com o outro; (b) a mudança na personalidade gerada pelas
reconfigurações subjetivas e o impacto na produção qualitativa de sentidos subjetivos.
294
Em primeiro lugar, a constituição do sujeito no
confronto com o outro se mostrou central nos processos
de aprendizagem escolar dos participantes da pesquisa,
demarcando o espaço do outro (mais experiente) no processo de aprendizagem e desenvolvimento humano. Nos
três casos investigados, o movimento da subjetividade identificado no período em que a aprendizagem dos estudantes
apresentou-se próxima ao esperado pela escola esteve
relacionado aos sentidos subjetivos produzidos na relação
com o outro. No caso de João, esse outro foi representado
pela professora Ana e pela mãe; no caso de Fernanda e Daniel, o outro foi representado pela professora Rosane. Nos
três casos analisados, o outro, em circunstâncias distintas,
gerou emoções que possibilitaram a produção de sentidos
subjetivos mobilizadores dos sujeitos. A simples presença
do outro não garante a produção de sentido subjetivo, ao
contrário, o outro tem importância no desenvolvimento pela
qualidade dos sentidos subjetivos que é capaz de produzir,
pois os sentidos subjetivos se produzem na geração do
espaço simbólico-emocional particular em cada sujeito (Mitjáns Martínez, 2005).
As mudanças na condição de sujeito foram identificadas em dois dos participantes da pesquisa como resultantes da reconfiguração da natureza dos sentidos subjetivos
produzidos no confronto com o outro, diante dos novos
arranjos relacionais que se constituíram na dinâmica entre
os estudantes. No caso de João, a mãe, por orientação da
orientadora educacional da escola, parou de confrontá-lo
quanto aos sentimentos em relação ao seu pai biológico,
respeitando a emocionalidade produzida por ele. Este fato
desencadeou a produção de sentidos subjetivos em relação
ao outro que possibilitaram um processo de reaproximação
com a mãe e com outras pessoas da escola das quais antes
insistentemente mantinha distância. Os sentidos subjetivos
que passou a produzir na relação com a orientadora educacional e com a nova professora impactaram profundamente
os sentidos subjetivos da aprendizagem escolar. No meio do
primeiro ano da investigação houve uma mudança estrutural
na escola para receber um estudante com comportamento
atípico, e João, por já ter um histórico escolar com problemas de comportamento, foi remanejado para outra turma.
Essa nova professora foi quem, pela primeira vez desde que
João chegara à escola, levantou a hipótese de que ele poderia ter altas habilidades para o desenho e que esse seria seu
recurso principal de aprendizagem, ao contrário do rótulo de
dificuldades de aprendizagem que lhe era atribuído.
A dinâmica relacional estabelecida com sua professora no primeiro ano da investigação foi a fonte dos sentidos subjetivos favorecedores da aprendizagem escolar de
Fernanda. Essa professora não a via com piedade pela sua
história de vida, mas como alguém que precisava se desenvolver com autonomia, já que não poderia contar com o
apoio de sua família; via nela alguém que precisava desenvolver recursos psicológicos para enfrentar a vida sozinha,
que precisava se constituir como sujeito de sua aprendizagem e desenvolvimento. A produção dos sentidos subjetivos
segue desdobramentos e entrelaçamentos que nunca são
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 289-298.
universais, mas que posicionam a pessoa como sujeito de
seu próprio desenvolvimento, e, nesse sentido, o outro tem
importância para o desenvolvimento quando se converte em
uma fonte de produção de sentido subjetivo, numa relação
dialógica (González Rey, 2004a). A conquista do reconhecimento da condição de sujeito, identificada em João e Fernanda, ocorre quando a pessoa adquire condições de definir
seus objetivos de vida e é capaz de segui-los por meio de
sua atividade volitiva com independência, criatividade e congruência (González Rey, 1995).
No caso de Daniel, uma mudança de atitude da
professora, no final do primeiro ano da pesquisa, diante da
informação de que estaria vivenciando problemas familiares,
gerou um novo espaço simbólico-emocional entre ambos: a
professora diminuiu o nível de exigência e passou a valorizar
mais suas produções e, com isso, Daniel passou a sentir-se
acolhido pela professora, ou seja, passou a produzir sentidos subjetivos favoráveis à sua aprendizagem, reconhecendo nela uma ensinante capaz de perceber seu potencial.
O tempo de convivência nessa nova dinâmica relacional,
desencadeadora da produção de sentidos subjetivos favorecedores da aprendizagem escolar, foi de apenas três meses,
pois, com a mudança de professora na passagem de ano,
as supostas dificuldades de aprendizagem voltaram a existir. Esse fato demonstra que as mudanças precisam adquirir
certa estabilidade para que caracterizem reconfigurações no
sistema subjetivo. A tentativa de construir uma identidade de
sujeito da aprendizagem foi interrompida quando se rompeu
a dinâmica simbólico-emocional produtora dos novos sentidos subjetivos que sustentavam a aprendizagem escolar.
O sujeito é uma confluência das configurações subjetivas constituídas em sua história que expressam a produção simbólico-emocional de cada pessoa. O pensamento, a
reflexão e as decisões dão legitimidade ao sujeito singular,
possibilitando-lhe integrar a complexidade da vida social
sem perder a capacidade de continuar gerando espaços
próprios de subjetivação (González Rey, 2005, 2006, 2007).
Essa possibilidade de geração de espaços próprios de subjetivação foi identificada em João e Fernanda, mas, como
vimos anteriormente, não foi identificada em Daniel.
Em segundo lugar, o outro eixo de análise pauta-se
pela mudança na personalidade gerada pelas reconfigurações subjetivas e o impacto na produção qualitativa
de sentidos subjetivos. Vale destacar que os sentidos subjetivos são irrepetíveis, ou seja, sempre são novas produções, por isso imprimimos o termo qualitativo para demarcar
a importância dessas produções. As configurações subjetivas caracterizam-se pela possibilidade de integrar elementos dinâmicos e contraditórios, os quais podem converter-se
em sentidos subjetivos dominantes. González Rey (1995,
2004a) destaca alguns desses elementos que podem estar
implicados nas reconfigurações subjetivas, tornando-as potencialmente mobilizadoras do sistema subjetivo, elementos
que, na pesquisa realizada, foram analisados pelas informações do campo empírico.
O primeiro elemento é a qualidade das formas e sentidos sociais e culturais das atividades, já que muitas delas
Desenvolvimento da subjetividade * Maristela Rossato & Albertina Mitjáns Martínez
são movidas pela automação gerada pela rotina criada na
vida das pessoas. A diferença entre os dois tipos de ação é
determinada pela influência do momento de vida das pessoas e pelos sentidos subjetivos produzidos diante das formas
e sentidos sociais que as ações assumem na realidade individual; ou seja, os sentidos subjetivos das ações e relações,
produzidos no confronto entre a subjetividade individual e
a subjetividade social, são marcados pela organização
simbólico-emocional de cada sujeito. No caso de Fernanda,
o sentido subjetivo produzido na relação com a professora
- que considerou sua entrada na adolescência e o fato de
não poder contar com uma família que a apoiasse em seu
desenvolvimento -, gerou condições para que Fernanda se
constituísse independentemente de suas condições familiares, possibilitando reconfigurações que abriram caminhos
para seu desenvolvimento subjetivo. Os sentidos subjetivos
produzidos na convivência com a professora reconfiguraram
subjetivamente seu sistema de autovaloração, possibilitando a consolidação de uma identidade até então muito frágil,
resultante dos sentidos subjetivos produzidos diante das
histórias de abandono e rejeição por ela vividas. O caso de
João também é ilustrativo dessa condição para o desenvolvimento: o sujeito João deixou de integrar a subjetividade
social da escola como um estudante com dificuldades e
problemas de comportamento, um estudante que não é morador da quadra4 e passou para o grupo de elite da escola,
como um estudante que tem altas habilidades, o que, sem
dúvida, no confronto com a subjetividade individual, possibilitou a produção de novos sentidos subjetivos favorecedores
de seu desenvolvimento subjetivo.
A questão da temporalidade é de extrema importância
para pensar numa reconfiguração subjetiva, uma vez que,
como já vimos, a mudança se dá num contínuo movimento
de ordem/desordem/interações-reencontros/organização,
principalmente no que se refere à relação entre os sentidos
subjetivos e as configurações subjetivas. As relações e
ações do sujeito em desenvolvimento vão modificando seu
sentido psicológico ao longo do tempo. O caso de Daniel é
ilustrativo de como o rompimento de uma emocionalidade
pode interromper um processo de mudança, ao contrário
do que ocorreu com Fernanda e João, que, mesmo quando
as condições passaram a ser outras – novas professoras
no ano de 2009 – as reconfigurações que movimentaram o
desenvolvimento continuaram ativas.
O sentido subjetivo não conscientizado pelo sujeito
é o terceiro elemento que merece destaque no processo de
reconfiguração subjetiva, pois muitos dos sentidos subjetivos produzidos nas ações e relações não são conscientizados pelo sujeito nem são movidos pela intencionalidade
do outro. O outro pode criar situações que envolvam emocionalmente o sujeito, mas não pode controlar o que vai
4Referente às quadras do Plano Piloto, Brasília-DF. João morava
numa das regiões administrativas - RA e deslocava-se para o Plano
Piloto junto com a mãe, que trabalha numa das residências da
quadra onde fica localizada a escola. Destaca-se que os moradores
das quadras geralmente possuem condições sócias econômicas
significativamente superiores às dos moradores das RAs.
295
ser produzido subjetivamente por ele. O caso de João, por
exemplo, demonstrou que a produção de sentidos subjetivos
não é conscientizada pelo sujeito. João conseguia identificar
a emocionalidade gerada diante da negação do pai biológico pela sua família, mas não os sentidos subjetivos que
eram produzidos nessas relações, e isto gerava a rejeição
do outro. A emocionalidade produzida pelo sujeito pode ser
conscientizada por ele, diferentemente dos sentidos subjetivos das ações e relações, não sendo possível, inclusive,
diferenciar se foram positivos ou negativos, nem conhecer
os desdobramentos gerados nas configurações subjetivas
diante do confronto com sentidos subjetivos produzidos em
outras ações e relações.
As formações motivacionais complexas podem participar do desenvolvimento por se constituírem como uma integração de sentidos subjetivos direcionados a uma ação reflexiva e intencional do sujeito, compondo o quarto elemento
presente no processo de reconfiguração subjetiva. As motivações de Fernanda em torno de uma vida independente, as
motivações de Daniel em satisfazer o pai e as motivações
de João para conquistar a valorização dos seus desenhos
foram mobilizadores da produção de sentidos subjetivos de
diferentes procedências que integraram suas respectivas
configurações subjetivas. Projetivamente, poder-se-ia inferir
que a temporalidade é um fator considerável na organização
de uma nova configuração subjetiva pela ordem/desordem/
interação/organização necessária à ocorrência da mudança.
O último elemento destacado refere-se ao alto nível
de individualização do sujeito, expresso em sua iniciativa e
criatividade. O pensamento, a reflexão e as decisões tomadas pelo individuo singular legitimam sua condição de sujeito
e possibilitam que entre na dinâmica complexa da vida social e seja capaz de gerar espaços próprios de subjetivação.
Fernanda passou a perceber suas qualidades de sujeito e
investir mais nelas, e João passou a reconhecer no outro a
possibilidade de produzir espaços de ação subjetivada. Por
meio dos casos analisados, evidenciou-se que as mudanças
subjetivas se convertem em desenvolvimento quando integram a organização das configurações subjetivas e geram
novos caminhos para que outras mudanças aconteçam.
Os três casos analisados permitiram sistematizar
uma compreensão do desenvolvimento da subjetividade,
destacando-se a importância da produção contínua e irrepetível dos sentidos subjetivos, tanto na constituição do sujeito
como nas reconfigurações subjetivas que se integram na
personalidade. A produção de novos sentidos subjetivos,
tomada na centralidade do processo de desenvolvimento
da subjetividade, apresenta-se como uma possibilidade de
rompimento com o determinismo humano e com a personalidade fixa. Embora sujeito e personalidade sejam constituidores da subjetividade individual, a subjetividade social não
está isenta desse processo, ao contrário, o sujeito se integra
à subjetividade social gerando novos focos de subjetivação,
não de forma intencional e direta, mas de um momento no
movimento de um sistema complexo, que não responde de
maneira direta nem linear à intencionalidade humana.
296
O confronto do sujeito com a subjetividade social
traduz-se num espaço gerador de conteúdos simbólico-emocionais produtores de sentidos subjetivos, demarcando
a constituição do sujeito numa matriz relacional. As
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experiências vividas pelo sujeito produzem uma variedade de sentidos subjetivos que alimentam e desenvolvem as configurações subjetivas, as quais, mesmo diante dessa mobilidade,
mantêm núcleos estáveis de produção subjetiva. Os núcleos, organizados pelos sentidos subjetivos dominantes, dão
integridade à configuração, onde um novo sentido subjetivo,
que assuma papel dominante, pode mobilizar mudanças no
núcleo de uma configuração.
Em dois participantes da pesquisa, João e Fernanda,
o movimento da subjetividade, pela complexidade envolvida nas mudanças subjetivas e pela relativa estabilidade
adquirida na organização do sistema, possibilitou o desenvolvimento da subjetividade necessário à superação das
dificuldades de aprendizagem; portanto, quanto a Fernanda
e João, podemos afirmar que a superação das dificuldades
de aprendizagem decorrentes do desenvolvimento da subjetividade envolveu uma reorganização estável da personalidade e das qualidades do sujeito, assumindo novos níveis
qualitativos de organização subjetiva. No caso de Daniel, o
movimento da subjetividade não chegou a gerar mudanças
complexas que ganhassem estabilidade durante o período
investigado, uma vez que, quando a emocionalidade produtora dos sentidos subjetivos se rompeu, houve também uma
involução na qualidade que acreditávamos ter alcançado sua
aprendizagem. O caso de Daniel mostra que, no momento
em que a emocionalidade geradora de uma mudança se
interrompe, pode haver involução nos níveis de organização
subjetiva que se anunciavam até então, demonstrando que
os sentidos subjetivos precisam de certo tempo, estabilidade
e intensidade para se integrarem às configurações subjetivas e provocarem mudanças mais complexas.
Considerações finais
Ao final desse artigo, como contribuição teórica,
defendemos que a superação das dificuldades de aprendizagem requer o desenvolvimento da subjetividade. Definimos o desenvolvimento da subjetividade como mudanças
subjetivas que impactam e que ganham certa estabilidade,
sendo capazes de desencadear outras mudanças e gerar
novos níveis qualitativos de organização subjetiva. A análise
do desenvolvimento da subjetividade requer adentrar no movimento contínuo de produção de sentidos subjetivos para
identificar os impactos, as rupturas e as construções que
estes são capazes de desencadear no sujeito.
No tocante às dificuldades de aprendizagem, estas
ocorrem a partir da negação do sujeito do aprender, da ausência de condições que favoreçam a produção de sentidos
subjetivos capazes de promover a aprendizagem escolar a
partir da existência de configurações subjetivas geradoras
de danos que comprometem a produção de sentidos subjetivos favoráveis ao aprender escolar. O contexto de análise
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 289-298.
da superação das dificuldades é muito mais amplo do que os
problemas expressos pelos estudantes no contexto escolar,
pois há um sistema subjetivo envolvido. A superação requer
uma reorganização subjetiva dos sentidos que, de alguma
forma, estejam vinculados à aprendizagem escolar.
Como contribuição prática, produzimos um olhar que
permite compreender as dificuldades de aprendizagem de
um modo que extrapola a mera ação cognitiva do estudante.
A análise apresentada neste artigo coloca em discussão o
trabalho desenvolvido pelas escolas diante das dificuldades
de aprendizagem, que muitas vezes se constituem em mais
do mesmo, desconsiderando a complexidade de um problema que extrapola o espaço de ação do estudante. As ações
dos professores que desencadearam as mudanças subjetivas que, por sua vez, impactaram a aprendizagem dos
estudantes, não foram planejadas e intencionais, mas poderiam tê-lo sido. Os casos relatados na pesquisa revelam a
importância dos processos subjetivos envolvidos no ensinar
e no aprender. São ações pedagógicas que promovem a
constituição e o reconhecimento do sujeito e possibilitam
aos estudantes experiências simbólico-emocionais produtoras de sentidos subjetivos favorecedores da aprendizagem
escolar. Consideramos, por fim, que os conhecimentos
produzidos podem ser significativos para os programas de
formação de professores, para a formulação de propostas
pedagógicas para as escolas, para a proposição de políticas
públicas, entre outros fins.
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Desenvolvimento da subjetividade * Maristela Rossato & Albertina Mitjáns Martínez
297
Recebido em: 01/06/2012
Reformulado em:13/12/2012
Aprovado em: 23/01/2013
Sobre as autoras
Maristela Rossato ([email protected])
Endereço: Condomínio Mansões Entre Lagos, Etapa 4, Conjunto H, Casa 8 Sobradinho,
Brasília – DF, CEP 73225-903.
Albertina Mitjáns Martínez ([email protected])
Endereço: SQS 407, Bloco R, Apto 206, Brasília – DF, CEP 70258-180
Trabalho derivado da Tese de Doutorado “O movimento da subjetividade no processo de superação das dificuldades de aprendizagem escolar”.
As discussões sobre dificuldades de aprendizagem foram publicadas em Rossato, M., & Mitjáns Martínez, A. (2011). A superação das dificuldades
de aprendizagem e as mudanças na subjetividade. Em A. Mitjáns Martínez & M. C. V. Tacca (Eds.), Possibilidades de aprendizagem: ações
pedagógicas para alunos com dificuldade e deficiência (pp. 71-107). Campinas, SP: Alínea.
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Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 289-298.
Escuta afetiva: possibilidades de uso em contextos
de acolhimento infantil
Aline Jacob Trivellato
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Paranaíba – MS
Cíntia Carvalho
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Paranaíba - MS
Celia Vectore
Universidade Federal de Uberlândia - MG
Resumo
O presente estudo teve como objetivo conhecer o processo de acolhimento a partir do relato das crianças acolhidas e de educadoras de uma
instituição localizada numa cidade do Interior do Estado do Mato Grosso do Sul. Participaram cinco crianças e cinco educadoras. Para a
coleta de dados foram organizadas 27 oficinas com as crianças, que foram divididas em dois grupos, e entrevistas semiestruturadas com as
educadoras. Os resultados mostram a importância da escuta atenta às crianças, pois possibilita as narrativas de suas vivências. Quanto às
educadoras, observou-se que a interação com as crianças se dá, prioritariamente, nos cuidados básicos. Sugere-se a criação de políticas para a
capacitação dessas profissionais, além de estratégias que resgatem a história de vida das crianças acolhidas, já que as rotinas institucionais e a
complexidade do processo de acolhimento acabam por desconsiderar esse importante aspecto da construção humana.
Palavras-chave: Crianças, abrigos, educadores.
Affective listening: possible uses in childcare contexts
Abstract
In this work we study the process of hosting children, based on the reports of children received and on teachers of an institution located in a
town in the state of Mato Grosso do Sul. Five children and five teachers were listened to. For data collection we organized 27 workshops with
the children, who were divided into two groups, and semi-structured interviews with the teachers. The results show the importance of the careful
listening to children, as it allows the narratives of their experiences. Regarding the educators it was observed that interaction with children occurs
primarily in basic care. It is suggested the need for policies to train these professionals, and strategies to rescue the life story of the children hosted,
since the institutional routines and complexity of host eventually disregard this important aspect of human construction.
Keywords: Children, shelters, educators.
Escucha afectiva: posibilidades de uso en contextos de acogida infantil
Resumen
Se trata de estudio que tuve como objetivo comprender el proceso de acogida a partir del relato de niños acogidos y de educadoras de una
institución ubicada en una ciudad en el interior del Estado de Mato Grosso do Sul. Participaron cinco niños y cinco educadoras. Para la
recolección de datos se organizaron 27 talleres con los niños divididos en dos grupos y entrevistas semi-estructuradas con las educadoras. Los
resultados muestran la importancia de la escucha atenta a los niños, ya que permite narrativas de sus vivencias. En cuanto a las educadoras
se observó que la interacción con los niños se da principalmente en cuidados básicos. Se nota la necesidad de políticas para capacitar a
los profesionales, además de estrategias que recuperen la historia de vida de los niños acogidos, una vez que las rutinas institucionales y la
complejidad del proceso de acogida acaban ignorando este importante aspecto de la construcción humana.
Palabras clave: Niños, abrigos, educadores.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 299-307.
299
Introdução
Historicamente, desde os períodos da colonização
portuguesa até os dias de hoje é possível reconhecer que a
infância brasileira, especialmente a das crianças abandonadas, é marcada por episódios ou períodos em que a negligência e os maus-tratos se fazem presentes na rotina de suas
vidas. Tal situação, a despeito de iniciativas e políticas,que
culminaram com a aprovação do Estatuto da Criança e do
Adolescente-ECA (1990) e com a Lei n.° 12.010, conhecida
como Lei Nacional da Adoção (2009), ainda se apresenta de
modo expressivo, em nível nacional.
Fatores como pobreza, estrutura familiar constituída
de violência física e psicológica, negligência, abandono e
dependência química (IPEA, 2004) figuram entre as causas
principais que levam ao abandono e, consequentemente, à
institucionalização das crianças, quando a família não consegue cumprir sua função básica, representada pela garantia da integridade física e psicológica dos filhos (Lei Nacional
da Adoção, 2009). A suspensão do poder familiar ocorre até
a situação ser revertida, o que significa o oferecimento dos
cuidados primordiais.
A partir de 2009, com a nova Lei Nacional da Adoção,
as crianças impossibilitadas do convívio familiar passaram
a ser atendidas em instituições de acolhimento, anteriormente denominadas de abrigos. Tais instituições têm como
característica principal serem de caráter temporário, já que
todos os esforços devem ser empreendidos para possibilitar
o retorno ao lar. A complexidade, o histórico e as múltiplas
variáveis que se apresentam nessas instituições têm sido
amplamente discutidos na literatura pertinente, como nos
estudos de Prada, Williams e Weber, (2007), Ayres, Cardoso e Pereira, (2009), Cintra e Souza, (2010) e Nascimento,
Lacaz e Travassos (2010), entre outros.
É essencial propiciar um atendimento de qualidade
aos acolhidos, pois outras são seres humanos em constante
crescimento e formação (Cavalcante, Magalhães, & Pontes,
2007). Além disso, é necessário criar mecanismos sociais
que garantam a provisoriedade da medida (Siqueira &
Dell’Aglio, 2010). Azôr (2005) identificou, em seu estudo em
uma instituição de acolhimento, uma permanência média de
cerca de 14 anos das crianças e adolescentes ali acolhidos.
Neste contexto, a grande pergunta é: como promover
um espaço de qualidade para essas crianças oriundas de
situações tão adversas? Responder a essa questão não é
tarefa fácil. Estudos anteriores (Carvalho & Vectore, 2008;
Sousa, 2006; Tomás, 2010) têm mostrado quão complexo é
o universo das instituições de acolhimento, que enfrentam
dilemas básicos, relativos a questões como os vínculos e
suas rupturas, o desenvolvimento infantil em espaços coletivos, com poucas possibilidades para a construção de
individualidades, a formação insuficiente das mães sociais
e/ou educadoras e a própria gestão da instituição, que, se
alicerçada em ações desencontradas dos atores responsáveis, pode dificultar o estabelecimento de um perfil institucional adequado.
300
Com o intuito de lançar luzes nas questões acima
referidas, várias ações têm sido descritas na literatura que,
se efetivadas em contextos de acolhimento, podem garantir,
pelo menos em parte, a qualidade do atendimento a ser dispensado a quem se encontra sob os seus cuidados. Nesse
sentido, Nogueira (2011) enfatiza os percalços relativos ao
acolhimento de bebês, e Rossetti-Ferreira, Serrano e Almeida (2011) expõem a importância da adequação do relacionamento entre os educadores e os acolhidos, corroborando
o argumento de Martins (2005), segundo a qual “o que está
em causa é a construção de relações estáveis, contínuas,
que tenham significado pessoal para as partes envolvidas e
funcionem como referência ou organizador da compreensão
que o menor tem do mundo envolvente” (p.8).
A multiplicidade dos aspectos ou contextos presentes no acolhimento influencia a vivência institucional da
criança acolhida. A interação de tais fatores e os seus impactos podem ser compreendidos pela visão sistêmica adotada na Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano
de Bronfenbrenner (Bronfenbrenner, 1996; Bronfenbrenner
& Ceci, 1994; Bronfenbrenner & Morris, 1998) e explicitada
para contextos de acolhimento por Rosa, Santos, Melo e
Souza (2010), Siqueira e Dell’Aglio (2006) e Yunes, Miranda
e Cuello (2004).
A partir da perspectiva acima apontada, a criança
acolhida pertence diretamente ao microssistema, que no
caso é a instituição de acolhimento (Yunes e cols., 2004),
que está sujeita a interferência de contextos mais abrangentes, pertencentes ao macrossistema, ao mesossistema
e ao exossistema (Bronfrenbrenner, 1996). Ademais, pela
fragilidade de dessas instituições, que não têm “voz”, muitas
vezes o que ocorre é o acolhimento inadequado, o qual reproduz o abandono anteriormente sofrido.
De fato, várias inadequações podem ser observadas
nos espaços de acolhimento, entre elas a inexistência ou a
insuficiência de momentos propiciadores do afloramento da
subjetividade infantil, que pode ser manifestada pelas múltiplas linguagens disponíveis à criança (Malaguzzi, 2007),
como a ludicidade, o contar e o recontar de histórias, entre
outras. Por outro lado, a ampla literatura psicológica, em
suas diferentes abordagens, mostra o descompasso entre
esse cotidiano restrito e as possibilidades efetivas do desenvolvimento global e harmonioso do ser humano (Bruner,
1999; Piaget, 1970; Vygotsky, 2007; Wallon, 1968).
A despeito das suas dificuldades e complexidades,
as instituições de acolhimento podem ser contextos de
desenvolvimento humano, conforme estudos já relatados
(Azôr, 2005; Rosa e cols., 2010). Para tanto, uma das possibilidades seria a mudança de paradigma na compreensão
da criança acolhida, passando do enfoque das suas carências para o de suas potencialidades. Entender as crianças
como capazes, escutá-las e dar voz às suas experiências
são atitudes que podem contribuir para a manifestação de
aspectos importantes da sua subjetividade e ser um ponto
de partida para intervenções promotoras do desenvolvimento infantil.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 299-307.
A Escuta Psicológica, regulamentada pela Resolução CFP N.º 010/2010, é um instrumento pertinente para o
trabalho das instituições de acolhimento. Andrade e Morato
(2004) argumentam que “a garantia do espaço de escuta
como lugar para a subjetividade na instituição pode, pela
transformação de seus participantes, levar a transformações
institucionais” (p. 352).
Diante do exposto, tem-se que o presente estudo se
justifica pelo fato de que, ao propor atividades lúdicas atreladas a uma escuta sensível, aqui denominada de escuta
afetiva, pela possibilidade de acolhimento das falas das
crianças, sem preconceitos, julgamentos e interpretações de
quem ouve (Barbier, 2002), foi possível conhecer as histórias e singularidades das crianças institucionalizadas (Arpini,
2003; Marmelstejn, 2006; Tinoco, 2001), além de reconhecer
as particularidades e necessidades das educadoras.
Método
Caracterização da instituição de acolhimento
Os dados foram coletados em uma instituição que
mantém acolhidas dez crianças. O número de acolhidos
pode variar para mais ou para menos, pela transitoriedade
característica destas instituições. A rotina das educadoras
envolve cuidados com as crianças, com ênfase na alimentação e higiene, além da limpeza da casa e das roupas, entre
outros aspectos da vida em instituições desse tipo.
A rotina institucional é organizada considerando-se
o horário escolar, compreendido pelos períodos matutino e
vespertino. Assim, após a chegada da escola, as crianças
tomam banho, jantam, assistem televisão e dormem por
volta das sete e trinta da noite.
As crianças recebem, esporadicamente, visitas de
pessoas da comunidade; as da família são comumente esperadas aos sábados, das 13 às 16 horas. Aos domingos
não há atividades direcionadas pelas educadoras ou outros
profissionais e raras veze as crianças são levadas para passear fora da instituição.
Participantes
Participaram deste estudo cinco crianças de idade
entre quatro e nove anos, divididas em dois grupos: o grupo
1 (João e Maria) e o grupo 2 (Calvin, Cindy e Tina); e cinco
educadoras, com idade entre 38 e 62 anos e experiência na
função variável de dez até menos de um ano, oriundas de
uma instituição de acolhimento localizada em uma cidade do
Interior do Estado do Mato Grosso do Sul.
Instrumentos
Para a coleta de dados foram utilizados os seguintes
instrumentos:
- Entrevistas semiestruturadas com as educadoras,
visando explorar entre outros, os seguintes aspectos: formação; experiência e/ou treinamento para o exercício da
função; facilidades e dificuldades encontradas no exercício
profissional; percepção das crianças acolhidas.
- Observações da rotina institucional: realizadas na
instituição, por meio de registros cursivos de dois períodos,
matutino e vespertino, num total de oito horas.
- Contos de Fadas dos Irmãos Grimm: Branca de
Neve, João e Maria, Rapunzel, Sete Corvos, além de outras
histórias infantis, como Chapeuzinho Amarelo (Chico Buarque), Mania de Explicação (Adriana Falcão), A menina e o
pássaro encantado (Rubem Alves). Esclarece-se que a escolha do trabalho com os contos de fadas se justifica por ser
este um importante recurso de promoção da identificação
das crianças com alguns personagens, o que contribuiu para
a protagonização de suas vivências. As crianças podem
se tornar protagonistas pelo desvio que fazem do esperado
da história, direcionando a narrativa para situações da própria vida. Trata-se do “desvio da canonicidade quando as
crianças usam expressões que lhes chamam atenção para
recriar novas situações, transformando a cultura do adulto
em cultura infantil” (Kishimoto, 2007, p. 440), por meio da
aprendizagem.
- Atividades lúdicas: baseadas prioritariamente nas
sugestões presentes no material do Instituto Fazendo História (2008), como “Carteira de Identidade”, “Descobrindo
minhas medidas”, “Medo, medinho, medão”, “São tantas
emoções”, “Pessoinha”, “Jamais Esquecerei”, “Árvore genealógica”, “Casinha Feliz”, “Repórter por um dia”, “Sonhos”,
entre outras.
- Álbuns: construídos junto às crianças e organizados com capa de material resistente, folhas em branco
para registrar acontecimentos, vivências, fotos, historinhas,
desenhos, gravuras, colagens, incluindo informações como
seus dados pessoais, os dados dos familiares, dos amigos,
da instituição e da escola, fotos legendadas de familiares,
amigos e educadoras; brincadeiras preferidas, depoimentos
de pessoas significativas, motivo do acolhimento, lembranças significativas; perspectivas futuras, etc. A importância
deste instrumento está na possibilidade de registrar, com
a autorização e parceria das crianças, aspectos referentes
à sua própria história. Cada registro proporciona uma experiência única de manifestação da subjetividade infantil, como
enfatiza o Instituto Fazendo História (2008). Neste estudo,
foi estabelecido que cada álbum deveria permanecer com a
criança ou ser-lhe entregue no momento da desinstitucionalização.
Procedimentos 1
A coleta de dados teve início na instituição após
autorização do juiz responsável pela Vara da Infância e
Juventude, o consentimento do responsável legal pela
instituição - no caso, a Secretaria de Assistência Social do
município -, a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa
Escuta afetiva em instituições * Aline Jacob Trivellato, Cíntia Carvalho & Celia Vectore
301
da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (protocolo
n.° 1914 CAAE 0004.0.049.000-11) e a assinatura do Termo
de consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes e
responsáveis. Todos os dados descritos neste estudo foram
coletados entre outubro de 2010 e maio de 2011.
Após a definição dos participantes, as
crianças
foram divididas em dois grupos - grupo 1 e grupo 2 -, sendo
realizadas vinte e sete oficinas com cada um, com duração
média de uma hora. As oficinas ocorreram aos domingos e
consistiram de ações promotoras de uma vinculação adequada entre a pesquisadora e os participantes, a partir do
uso de brincadeiras e jogos diversos, leituras de histórias
infantis e dramatizações. Sinteticamente, foram tratados
os seguintes temas: preferências diversas das crianças;
vínculos, por meio da escrita de uma carta escrita a uma
pessoa querida; construção da identidade; vivências durante
o processo de acolhimento; representações quanto ao futuro, sonhos, desejos, visão de si. Todas as atividades foram
registradas pelas crianças, com o auxílio da pesquisadora,
com vistas à produção do álbum de cada participante, com
as suas histórias, fragmentos e subjetividades. As oficinas
foram audiogravadas para posterior transcrição e análise
dos dados.
Resultados
Após a realização das atividades na instituição - especialmente as entrevistas com as educadoras e as oficinas com as crianças -, foram realizadas as transcrições e a
análise minuciosa dos dados obtidos, cujo conteúdo (Bardin,
2008) possibilitou o reconhecimento de algumas categorias, que serão descritas a partir de dois blocos identificados, como: 1. Entrevista com as educadoras, e 2. Atividades
com as crianças.
1. Entrevista com as educadoras
Os dados oriundos das entrevistas com as educadoras podem ser contemplados a partir das seguintes dimensões: (a) Formação e contratação para a função de educadora; e (b) Percepções do trabalho: facilidades e desafios.
(a) Formação e contratação para a função de educadora
Todas as educadoras do estudo já tinham experiência em cuidar de crianças, devido a empregos anteriores
como babá, merendeira, etc., mas mão tinham nenhuma
qualificação ou capacitação em serviço para o trabalho com
acolhidos. Entre os critérios mencionados para a contratação estavam gostar de crianças e manter sigilo quanto aos
acontecimentos da casa, conforme se depreende das falas
abaixo:
Pesquisadora: Teve alguma exigência para trabalhar
na instituição?
Educadora 4: Aqui não, a única coisa que disseram é
que tinha que gostar muito de criança, que não podia
bater.
302
Educadora 2: Teve, a única exigência que eles fez (sic)
foi que, o que entrá (sic) aqui, fica aqui, entendeu?
É importante destacar que gostar de crianças, independentemente de se ter a formação necessária para
o exercício da função, não se traduz necessariamente no
oferecimento de um atendimento de qualidade. A Lei N.º
7.644, de 18 de dezembro de 1987, prevê o treinamento
de educadores e mães sociais em abrigos. De acordo com
a referida lei, mães sociais são mulheres contratadas para
trabalhar em casas-lares que acolham no máximo dez crianças, oportunizando assim condições semelhantes às de uma
residência comum e de uma convivência familiar. Nenhuma
educadora do presente estudo conhecia tal lei.
(a) Percepções do trabalho: desafios e prazeres
No tocante à maneira como percebem os seus trabalhos, foi possível constatar que algumas educadoras manifestam sentimentos de menoscaso e tristeza, relativos à
pouca valorização dada pela instituição, conforme o excerto
abaixo:
Pesquisadora: A senhora sente que seu trabalho é
valorizado?
Educadora 3: Não. Não. Não.
Pesquisadora: Por que a senhora acha isso?
Educadora 3: Porque eu acho que a gente precisa ter
mais apoio. Porque todo mundo que fica de fora acha
fácil, mas não é! (começa a chorar).
Além dos sentimentos acima mencionados, as educadoras se queixam do modo como é conduzida a gestão
da instituição, que permite a exacerbação de conflitos interpessoais oriundos do não cumprimento de horários, de
divisões julgadas injustas das tarefas, etc., sem o devido
encaminhamento, conforme fragmento abaixo:
Pesquisadora: A senhora gostaria de falar mais alguma coisa?
Educadora 2: querê (sic) eu queria, que mudasse outros funcionários aqui. Mas não tem jeito! (…) A pessoa entra aqui e fala: “Ah, eu adoro criança! Nossa,
eu tenho paixão por criança”, depois que entra aqui,
não quer saber de nada com as crianças. Aqui tem
que trabalhá (sic) gente forte mesmo. Eu sei que…
não é fácil, tem que ter vontade!
As educadoras relatam prazer em trabalhar com
crianças, principalmente com os bebês, além do gosto em
limpar a casa, cuidar da alimentação e da higiene das crianças, mas mencionam a necessidade de oferecer cuidados
que preservem a singularidade das crianças, o que não é
considerado no contexto estudado, segundo se observa na
fala abaixo:
Pesquisadora: Acha que a casa acolhe as particularidades de cada criança? As coisinhas que ela tem e
que são só dela?
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 299-307.
Educadora 1: Não (...) as coisinhas delas não têm
separação, as roupa não têm separação, se serve na
outra, veste (...). Mas eu não acho muito certo.
2. Atividades com as crianças
A partir dos relatos das crianças foi possível identificar a ocorrência de dimensões envolvendo o processo de
acolhimento, como: (a) Apreço pelas atividades proporcionadas pelas oficinas; (b) Conflitos; (c) Protagonização das
crianças, detalhadas abaixo.
(a) Apreço pelas atividades proporcionadas pelas
oficinas
No que tange às oficinas realizadas, os dados indicam uma expressiva adesão das crianças a essas atividades, conforme se depreende da fala abaixo:
João: por que você só vem de domingo?
Pesquisadora: porque em dia de semana vocês têm
aula.
João: não, por que você não vem de sábado e domingo pra fazê (sic)? (Oficina 15 – Grupo 1)
e suas vivências cotidianas na instituição de acolhimento e
no contexto familiar.
Em relação à vivência na instituição de acolhimento,
observa-se:
Pesquisadora: E como você se sentiu quando entrou
aqui na casa?
João: ruim.
Pesquisadora: por que ruim?
João: porque é muito ruim tá (sic) trancado aqui, não
podê (sic) ir na rua pra brincá (sic)... (Oficina 21 –
Grupo 1)
Por outro lado, no que concerne à vivência em contexto familiar, podem se constatar as dificuldades enfrentadas pelas crianças, expostas a um ambiente com drogas
ilícitas e à violência doméstica, conforme se depreende dos
excertos abaixo:
Pesquisadora: a maconha é uma planta.
João: daí planta, seca e faz o negócio lá.
Pesquisadora: você conhece?
João: eu não. Já vi.
Pesquisadora: já viu? Onde?
João: na minha casa. Não é? (pedindo confirmação
de Maria)
Pesquisadora: na sua casa? E o que você achava
disso?
João: eu não achava nada.
Maria: aí a gente cherava (sic) aquele cheiro fazia até
mal. (Oficina 12 – Grupo1)
(b) Conflitos
Os conflitos entre os participantes ocorreram principalmente pela divergência de ideias e divisão de materiais.
Houve situações de disputa, ora com agressões físicas, ora
com agressões verbais, como pode ser observado a seguir:
Pesquisadora: Tina, a cola é dos três.
Tina: é só pra um.
Pesquisadora: não é não. Tem que dividir.
Tina: não divide. (Oficina 22 – Grupo 2)
Tina: sabe por que eu não fui lá? Porque quando eu
tava com a minha mãe, quando eu vim pro abrigo,
minha mãe tinha me batido.
Pesquisadora: Ah é? E aí? Como foi isso?
Tina: ela bateu aqui, ó (próximo ao olho)- (Oficina 17
– Grupo 2)
Pesquisadora: que cor que você quer?
Maria: eu quero esse amarelo.
João: então vai tomá (sic) no cu! (Oficina 24- Grupo 1)
Pesquisadora: e agora aqui? O que quer que eu escreva?
João: vou dá um pau na Maria, que vou deixá (sic)
ela de cama.
Pesquisadora: o que quer que eu escreva?
Maria: meu melhor lugar.
(João começa a bater em Maria)
Maria: para!
Pesquisadora: João, não! Você está machucando
ela. Por que faz isso? Machuca, João! Por que
você está nervoso? Eu sei que às vezes a gente fica
nervoso com alguma coisa, mas se bater, pode machucar! (João para de bater)- (Oficina 20 – Grupo 1)
(c) Protagonização das crianças
A protagonização das crianças pode ser observada
nos registros dos seus desenhos, nas histórias por elas
recontadas e em outras atividades realizadas, em que puderam narrar espontaneamente aspectos de seus sentimentos
Discussão
A compreensão do universo infantil estudado foi possibilitada pelo conhecimento e entendimento do ambiente
institucional no qual as crianças estavam inseridas, conforme indica a Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano de Bronfenbrenner (Bronfenbrenner, 1996). Isto permite
refletir sobre a importância de a instituição possuir o seu
histórico, a sua identidade, os seus objetivos no atendimento
às crianças, pois tais dados possibilitam um melhor esclarecimento das formas estruturais e relacionais adotadas no
seu funcionamento (Gulassa, 2006).
Embora a instituição mantenha uma estrutura física
adequada para o acolhimento infantil, ajustando-se aos
padrões estabelecidos pelo IPEA (2004), com delimitações
Escuta afetiva em instituições * Aline Jacob Trivellato, Cíntia Carvalho & Celia Vectore
303
definidas (quarto, sala, cozinha, banheiros, etc.), observa-se ainda a necessidade de um espaço e de acomodações
suficientes para garantir o atendimento personalizado, o
relacionamento interpessoal ininterrupto e projetos de ações
dirigidos a cada acolhido, conforme enfatiza Oliveira (2006).
Acrescenta-se ainda a importância de se garantir que a individualidade e a subjetividade não sejam diluídas em um contexto em que tudo é de todos e nada é de ninguém. Tal fator
se constitui como um dos requisitos para um acolhimento de
melhor qualidade para as crianças.
Nesse sentido, embora os profissionais encarregados do cuidado infantil gostem e tenham prazer boa vontade
no cuidado às crianças, falta ainda compreensão acerca
do desenvolvimento infantil. Como as crianças estão em
situação de acolhimento e apartadas de seus responsáveis,
o acolhimento deve não somente atende às necessidades
físicas, mas também abranger todos os outros aspectos
necessários à construção humana, especialmente os psicológicos, já que as crianças tendem a repetir nas relações
institucionais suas vivências anteriores de abandono (Marques, Cano, & Vendruscolo, 2007). Carvalho e Manita (2010)
apontam como fonte de insatisfação entre os acolhidos a
impossibilidade de terem ao seu alcance objetos pessoais.
Além disso, Negrão e Constantino (2011) alertam que muitas
ações engendradas no contexto institucional fragilizam ou
impedem a emancipação dos acolhidos.
Os resultados indicam o pouco destaque dado à formação profissional, quer como critério a ser considerado na
contratação das educadoras, quer como iniciativas para a
capacitação em serviço dessas profissionais. O que se tem
é a ênfase no “gostar de crianças”, independentemente da
formação para devidamente atendê-las, desconsiderando-se as exigências éticas e técnicas e o perfil pessoal (aspectos emocionais) necessários para o exercício adequado da
função, segundo esclarece Teixeira (2011). Além disso, Costa e Rossetti-Ferreira (2009) alertam para a necessidade de
pensar diversas formas de acolhimento, capazes de garantir
a “qualidade de ambientes, de pessoal, de capacitação inicial e em serviço, de conhecimentos técnicos, etc.” (p.117).
Em síntese, a capacitação deve permitir a desconstrução do conceito idealizado e romantizado da infância,
permitindo que os profissionais possam lidar com comportamentos difíceis apresentados pelas crianças. Tais comportamentos podem ser observados nas falas e as ações de
João, que, ao expressar seus ressentimentos, demonstra
seus poucos recursos relacionados às habilidades sociais,
acabando por exacerbar os conflitos existentes naquele espaço institucional.
Em se tratando das atividades realizadas junto às
crianças, priorizou-se o trabalho com grupos pequenos, para
proporcionar maior integração com a pesquisadora. Esta
ação possibilitou uma maior atenção às crianças e o aparecimento e solução de possíveis conflitos entre elas (Cruz,
2010; Oliveira-Formosinho, 2008).
De fato, o adequado manejo dos conflitos possibilita
a transformação dos relacionamentos, por meio da negociação e da consideração de diferentes pontos de vista que são
304
importantes para o desenvolvimento infantil pela capacidade
de vislumbrar outras perspectivas, além de suas próprias
(Rinaldi, 1999). Não obstante, Barros e Fiamenghi (2007)
lembram que as crianças acolhidas estão, normalmente,
expostas a um número maior de situações geradoras de
agressividade, por serem obrigadas a conviver rotineiramente com outras crianças e, desde muito cedo, precisarem resguardar o que é seu, como os brinquedos, os sentimentos e
até mesmo a própria vontade, o que evidencia a importância
de uma adequada mediação dos conflitos infantis pelo adulto nesses contextos.
No que diz respeito à escuta afetiva, sensível, de
caráter empático e sem julgamentos (Barbier, 2002), os
dados mostram que os participantes a exercitam de modo
adequado. As educadoras sentiram-se à vontade para relatar suas vivências e dificuldades e expressar os sentimentos
relacionados ao trabalho. Neste sentido, é importante destacar que houve vários momentos de choro, o que sugere
a necessidade de um espaço apropriado para tais manifestações, baseado em um efetivo trabalho pela ou com a
equipe técnica da instituição. Daí decorre a necessidade de
capacitar todos os profissionais atuantes nesses contextos.
Em relação às crianças, no início se portaram de
modo defensivo, com comportamentos sugestivos de desconfiança, próprios da insegurança dos primeiros contatos;
entretanto, ao se vincularem adequadamente com a pesquisadora, manifestaram liberdade em expressar-se, brincar e
falar de momentos bons e dolorosos de suas vivências. Além
disso, embora não tenha sido o objetivo do estudo quantificar os comportamentos exibidos pelas crianças, observou-se que, ao longo das oficinas, houve uma diminuição dos
conflitos, maior respeito às regras durante as atividades e o
apreço pela construção do álbum de sua história, demonstrando o gosto das crianças em mostrá-lo às outras pessoas
e contar-lhes um pouco de sua própria vida.
Malaguzzi (1999) afirma que o trabalho junto à criança deve possibilitar o sentimento de prazer na realização
das atividades, na investigação de suas hipóteses e, principalmente em se perceberem como protagonistas em suas
realizações. Assim, as brincadeiras, as atividades mediadas
pela literatura infantil e os recursos mediacionais (Vectore,
2011) podem contribuir com intervenções psicológicas capazes de fazer aflorarem as subjetividades, aspecto fundamental e não raras vezes negligenciado em contextos de
acolhimento.
Considerações finais
Conhecer as interações tecidas numa instituição
de acolhimento a partir das vivências das crianças e das
educadoras mostrou a complexidade e a multiplicidade de
variáveis que estão presentes nesse contexto, além de lançar luzes sobre a necessidade contínua de intervenções
direcionadas tanto para quem trabalha quanto para quem recebe os cuidados. Para tanto, é importante considerar desde a integração entre a rede de cuidado à infância, muitas
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 299-307.
vezes desarticulada por diferentes motivos, e os cuidados
que deveriam estar focados na qualidade do atendimento
às crianças, o qual exige, entre outras coisas, a formação, o
acompanhamento do trabalho das educadoras, pois algumas
formas de “educar” estão emaranhadamente associadas às
suas vivências socioafetivas e educacionais singulares e
não podem ser desconsideradas, conforme já afirmaram
estudos anteriores (Gulassa, 2010; Sousa, 2006).
No caso da escuta realizada com as crianças, o
álbum personalizado, as atividades e narrativas infantis
demonstraram ser importantes instrumentos de expressão
de conteúdos singulares daquelas crianças, devido à possibilidade de identificar elementos por vezes perdidos que,
por isso mesmo, é importante preservar durante o processo de acolhimento institucional (Instituto Fazendo História,
2008). Alguns aspectos das produções realizadas no álbum
demonstraram baixa autoestima, insegurança emocional ou
dificuldades específicas, como na escrita, o que sugere a
necessidade de um acompanhamento mais efetivo das condições e dificuldades enfrentadas pelas crianças na escola,
encorajando-as a desenvolver vínculos positivos quanto à
construção da língua escrita.
No desenrolar das oficinas junto às crianças, dados
referentes à sua história familiar e escolar não puderam ser
inseridos em seus álbuns, devido à indisponibilidade ou inexistência de registros. É importante salientar a importância
dessas informações para a construção de um ser humano,
já que se trata de um sujeito histórico.
O trabalho ora relatado destaca a necessidade de
novos estudos para uma compreensão mais abrangente do
processo de desenvolvimento em ambientes coletivos. Além
disso, é necessário criar e adotar políticas públicas que
possam efetivamente contribuir para a formação e reconhecimento de educadoras e mães sociais, de maneira a terem
nessa profissionalização condições dignas de sobrevivência.
Por fim, destaca-se a necessidade de formação da
equipe multiprofissional para o devido atendimento e entendimento do processo de acolhimento, com conteúdos
capazes de abarcar a multiplicidade e complexidade de
aspectos que se apresentam em tal processo. Em especial,
acredita-se que os cursos de graduação em Psicologia,
principalmente os que tenham como ênfase a formação do
psicólogo escolar e educacional, devem estar atentos a essa
inserção, com disciplinas que contemplem a legislação e as
políticas públicas relacionadas à infância, como por exemplo, o conhecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, as propostas do SUAS (Sistema Único de Assistência
Social) e do PNCFC (Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária), entre outros procedimentos. Vale ainda
destacar a iniciativa do Conselho Regional de Psicologia - 6ª
Região, de promover fóruns de debate sobre a atuação dos
psicólogos nos serviços de acolhimento institucional para
crianças e adolescentes, pois contribui com práticas cada
vez mais pertinentes, visando à melhoria da qualidade no
atendimento às crianças institucionalizadas.
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Recebido em: 13/06/2012
Reformulado em: 03/10/2012
19/11/2012
Aprovado em: 29/11/2012
Sobre as autoras
Aline Jacob Trivellato ([email protected])
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Paranaíba, graduação em Psicologia
Rua: José Fernandes Rodrigues Filho, n. 10, Cohab Gaspar P. da Fonseca, Aspásia/SP, CEP: 15763-000. Cíntia Carvalho ([email protected])
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Paranaíba, mestre em Psicologia.
Rua: José Batista de Camargo, 830. Bairro: Jardim Redentora, Paranaíba/MS, CEP: 79500-000.
Celia Vectore ([email protected])
Universidade Federal de Uberlândia, doutora em Psicologia.
Rua: Delmira Cândida Rodrigues da Cunha, 1279, bairro Santa Mônica, Uberlânida/MG,
CEP: 38408-208.
Escuta afetiva em instituições * Aline Jacob Trivellato, Cíntia Carvalho & Celia Vectore
307
A relação entre aprendizagem e desenvolvimento na
compreensão de professores do Ensino Fundamental
Nilza Sanches Tessaro Leonardo
Universidade Estadual de Maringá
Valéria Garcia da Silva
Universidade Estadual de Maringá
Resumo
Este estudo teve por objetivo investigar a compreensão de professores do Ensino Fundamental de escolas públicas de uma cidade do Paraná
acerca da relação entre aprendizagem e desenvolvimento humano. Participaram da pesquisa quatorze professores. As informações foram
coletadas por meio de entrevista semiestruturada, submetidas à análise de conteúdo e discutidas com base na abordagem histórico-cultural.
Os dados mostram que a maioria dos educadores não relacionam aprendizagem com desenvolvimento humano e desconhecem como ocorrem
esses processos. Também evidenciam que a maioria deles não apresenta uma abordagem teórica definida, utilizando-se de uma mesclagem
de teorias. Com isto foi possível observar quão frágil está a formação dos professores participantes da pesquisa, assim como a sua valorização
profissional e a falta de suporte teórico e técnico no cotidiano de sua função.
Palavras-chave: Desenvolvimento, aprendizagem, Psicologia Histórico-Cultural.
The relationship between learning and development in the understanding of
elementary school teachers
Abstract
This study aimed to investigate the understanding of elementary school teachers in public schools in a city of Paraná, on the relationship between
learning and human development. Fourteen teachers participated in the survey. Data were collected through semi-structured interview, subjected
to content analysis and discussed based on the historical-cultural approach. The data show that most educators do not relate learning to human
development, and are unaware of how these processes occur. Also showed that most of these do not present a theoretical defined, using a
blend of theory. With this it was possible to observe how fragile is the training of teachers participating in the research, as well as its value as a
professional and a lack of theoretical and technical support they face daily in their function.
Keywords: Development, learning, Historic-cultural Psychology.
La relación entre aprendizaje y desarrollo de profesores
de la Enseñanza Básica
Resumen
Este estudio tuvo el objetivo de investigar la comprensión de profesores de la Enseñanza Básica de escuelas públicas de una ciudad de Paraná
sobre la relación entre aprendizaje y desarrollo humano. Participaron de lainvestigacióncatorceprofesores. Las informaciones se recolectaron
por medio de entrevista semi-estructurada, pasaron por análisis de contenido y fueron discutidas con base en el abordaje histórico-cultural. Los
datos indican que la mayoría de los educadores no relacionan aprendizaje con desarrollo humano y desconocen como ocurren estos procesos.
Asimismo, señalan que la mayoría de ellos no presenta un abordaje teórico definido valiéndose de una mezcla de teorías. A partir de los
resultados fue posible observar lo frágil que está la formación de los profesores participantes de la investigación, así como también su valoración
profesional y la falta de soporte teórico y técnico en el cotidiano de su función.
Palabras clave: Desarrollo, aprendizaje, Psicología Histórico-cultural.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 309-317.
309
Introdução
Psicologia Histórico-Cultural é a denominação dada
à escola psicológica fundada por L. S. Vigostki, cujos principais fundamentos encontram-se no Materialismo Histórico-Dialético de Karl Marx. As primeiras pesquisas nesta abordagem tiveram início em 1920 com psicólogos e pedagogos
que vieram a constituir um grupo de pesquisadores na antiga
URSS, entre eles A. N. Leontiev e A. R. Luria (Tuleski 2008).
Para essa perspectiva teórica, o ensino escolar pode
ser considerado o instrumento mais apropriado para que a
criança obtenha as capacidades essencialmente humanas,
de modo especial se o ensino for devidamente organizado,
condição na qual provocará níveis mais elevados de desenvolvimento psíquico. Neste sentido, a formação de conceitos
mais elaborados, de acordo com essa perspectiva, é a finalidade principal do ensino escolar, pois este tem grande
influência no desenvolvimento psíquico.
Assim, a educação tem papel crucial no processo de
aquisição de instrumentos culturais como a escrita e o sistema numérico, afinal é por meio das instituições escolares
que ocorre a transformação da criança em homem cultural.
A idade escolar é o momento efetivo da aprendizagem,
proporcionando desenvolvimento intelectual e ampliação da
consciência.
A esse respeito Vigotski (2000) afirma que o ensino
possibilita o “despertar” de processos internos de desenvolvimento; é o contato do indivíduo com o ambiente cultural
que o transforma e é na relação com outras pessoas mais
experientes que o desenvolvimento ocorre, especialmente
pelo processo de imitação e mediação.
Não obstante, para podermos esclarecer a questão
da relação entre aprendizagem e desenvolvimento psíquico,
precisamos conhecer quais as principais abordagens teóricas
que tratam desta temática e quais as concepções de mundo e
homem que estas trazem embutidas em seus pressupostos.
Quanto a isso, Vigotski (2000) afirma que a primeira
e mais difundida teoria acerca da relação entre desenvolvimento e aprendizagem considera estes dois processos
como independentes entre si: o desenvolvimento da criança
é visto como maturação natural das estruturas biológicas,
enquanto a aprendizagem é o aproveitamento das oportunidades exteriores. Desta forma, o desenvolvimento segue
normalmente e atinge níveis expressivos sem nenhum ensino, ou seja, a aprendizagem consolida as condições criadas
pelo desenvolvimento, edificando-se sobre o processo de
maturação. De acordo com essa vertente teórica, a relação
entre desenvolvimento e aprendizagem é unilateral, isto é,
coloca a aprendizagem em uma situação dependente do
desenvolvimento, mas este em nada é modificado pela aquisição da aprendizagem. Essa teoria foi aprofundada principalmente dentro dos pressupostos estudados por Piaget.
Este teórico postulou que a criança passa necessariamente
por determinadas fases, independentemente de estar em
processo de aprendizagem.
Zoia (2009) colabora afirmando que, para essa visão
teórica, a aprendizagem é um processo essencialmente pa-
310
ralelo ao processo de desenvolvimento da criança, mas não
participa ativamente neste: a aprendizagem baseia-se nos
recursos do desenvolvimento.
Vigotski (2000) expõe que a segunda concepção
acerca da relação entre desenvolvimento e aprendizagem
é diametralmente oposta à que descrevemos acima. Essa
teoria funde esses dois processos e os trata como idênticos.
Ela tem suas bases no associacionismo coma reflexologia
inicialmente exposto por William James e Thorndike. O processo de desenvolvimento do intelecto da criança é concebido como acumulação gradual de reflexos condicionados.
Resumindo, temos a seguinte premissa: desenvolvimento é
aprendizagem, aprendizagem é desenvolvimento.
Segundo Vigotski (2000), na primeira teoria o nó da
questão referente à relação entre aprendizagem e desenvolvimento não é desatado, mas cortado; e na segunda teoria
temos a omissão desse nó, uma vez que os dois processos
são concebidos como idênticos.
Em suas reflexões, o autor expõe então uma terceira
teoria, que apresenta uma nova concepção do processo de
aprendizagem, caracterizando-se pelo surgimento de novas
estruturas e aperfeiçoamento das antigas. Neste caso, a
aprendizagem promove e desencadeia permanentemente o
desenvolvimento de uma série de funções que se encontravam em fase de amadurecimento, conforme expõe o excerto
a seguir:
Descobrimos que a aprendizagem está sempre adiante do
desenvolvimento, que a criança adquire certos hábitos e
habilidades numa área específica antes de aprender a aplicálos de modo consciente e arbitrário (Vigotski, 2000, p. 322).
Assim, a aprendizagem e o desenvolvimento não
coincidem inteiramente, mas são dois processos que estão
em complexas inter-relações. De acordo com Vigotski (2000,
p.303), “[...] Um passo de aprendizagem pode significar cem
passos de desenvolvimento” - criando assim a zona de desenvolvimento próximo.
Fino (2001) afirma que o conceito de zona de desenvolvimento próximo traz um novo sentido à relação
professor-aluno, pois devolve ao primeiro a importância de
condutor do processo de aprendizagem e elucida seu papel
no desenvolvimento psicológico dos alunos.
A educação, quando organizada tendo em vista a
zona de desenvolvimento próximo, promove desenvolvimento intelectual, à medida que propicia uma série de amadurecimentos de processos que sem a educação seriam impossíveis de desenvolver. Desta forma, a educação revela-se
fundamental para o processo de desenvolvimento e aquisição das características históricas do homem. As funções
psicológicas superiores1, por serem culturais, desenvolvem-se principalmente pelo ensino formal, sistematizado nos
conteúdos escolares.
1
“ As funções psicológicas superiores consistem no controle
consciente dos comportamentos da atenção, pensamento abstrato,
capacidade de planejamento, memória lógica, entre outras funções
psicológicas” (Vigotski, 2000).
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 309-317.
Em concordância, Fino (2001) afirma que não há
justificativa para o estudo do desenvolvimento psicológico
desvinculado da compreensão das circunstâncias culturais
nas quais os indivíduos estão envolvidos; assim,o desenvolvimento cognitivo aqui mencionado deve ser entendido
como uma aquisição cultural e educacional permanente,
sempre mediada por sujeitos que se encontram mais aprimorados nesta aquisição.
Conforme afirma Saviani (2005), precisamos adotar
metodologias que aperfeiçoem a prática educativa, levando
em consideração a correta utilização do espaço escolar e a
instrumentalização do educando, por meio do exercício da
função efetiva da escola, que é transmitir o saber sistematizado.
Neste sentido, Facci (2007) afirma que não devemos
nos conformar em conviver com metodologias e teorias que
valorizam demasiadamente o conteúdo cotidiano, a reflexão
individualizada e a omissão, em preferência ao direcionamento do professor no processo ensino-aprendizagem. Com
a secundarização do papel do professor e a falta de sua mediação, o processo de ensino-aprendizagem ocorre inadequada e lentamente, sendo preciso que a criança construa
as informações que deveriam ser-lhe transmitidas.
Desta forma cabe à escola a transmissão do conhecimento sistematizado, e não de qualquer tipo de conhecimento. A função da escola consiste em propiciar a aquisição
dos conteúdos elaborados, organizados e clássicos, que
são os conhecimentos que resistem ao tempo e se mantêm
por sua importância para a humanidade. O saber fragmentado não deve ser a ênfase da escola, pois são os conteúdos
clássicos e sistematizados que promovem transformações e
o desenvolvimento cognitivo.
Está em voga saber aproveitar o que o aluno já conhece, ou seja, os conteúdos que permeiam seu cotidiano,
em detrimento do conhecimento científico e histórico, que,
quando sistematizado e transmitido pelo processo de mediação, é o que provoca a transformação das estruturas
psíquicas. Se a prática pedagógica permanecer somente
no aproveitamento do conhecimento cotidiano e não superar
esse nível de conhecimento, estaremos contribuindo para a
estagnação dos alunos no que diz respeito à formação de
suas funções psicológicas superiores e de conceitos científicos mais elaborados (Saviani 2005).
Como podemos observar, compete à escola promover o aprendizado sistematizado do sujeito, realizando uma
educação de qualidade e capaz de promover o desenvolvimento psíquico. Consideramos então que a escola deveria
ser um espaço de reflexão e análise no qual possamos
compreender os questionamentos e situações das pessoas
envolvidas no processo escolar. Este trabalho de reflexão
visa restituir ao professor a sua função de agente da educação e assim também restituir à criança o seu papel de aluno.
Para compreendermos melhor como se encontra na
atualidade o papel do professor como mediador na relação
de aprendizagem-desenvolvimento conforme aponta a teoria
adotada e como este profissional é devidamente preparado
para exercer essa função, realizamos uma pesquisa com o
intuito de verificar essas questões no Ensino Fundamental
público, especialmente no município pesquisado.
Método
Para atingir os objetivos desta pesquisa escolhemos
a técnica verbal de entrevista semiestruturada. Essa técnica
deve ser aplicada de modo não rígido, podendo o entrevistador fazer adaptações. A ele caberá conduzir o diálogo e realizar as interferências oportunas de acordo com o andamento
da entrevista. Por outro lado, devemos nos ater às respostas
do entrevistado, com o cuidado de não distorcê-las, para
que se confirmem as expectativas do entrevistador.
As entrevistas foram analisadas mediante análise de
conteúdo, que, segundo Bardin (1977), significa um conjunto
de técnicas de análise das comunicações que visam obter,
por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição
do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam
a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção destas mensagens. Esse procedimento
visa a organizar em categorias as informações contidas nas
falas dos participantes, e para isso identificamos os aspectos centrais e sintetizamos o conteúdo em seus aspectos
de destaque e, por fim, transformamo-los em porcentagem,
apresentadas em tabelas. Pelo fato de os professores terem
apresentado nas suas falas respostas que se encaixavam
em mais de uma categoria, optamos por trabalhar considerando a frequência das respostas (F), e não o número participantes; por este motivo nas tabelas o número de respostas
não coincide com o número de participantes.
Participantes
Participaram deste estudo quatorze professores do
Ensino Fundamental do 1º ao 4º ano, de três escolas da
rede pública de um município localizado no Estado do Paraná. Os participantes são treze profissionais do sexo feminino
e um do sexo masculino, todos os quais têm formação superior, predominando o curso de pedagogia. Onze docentes
possuem pós-graduação, embora todos tenham afirmado
que aprimoraram seus estudos por meio das capacitações
oferecidas pelo município. Quanto à idade, o grupo encontra-se entre vinte e sessenta anos. O tempo de experiência
profissional varia entre cinco e trinta anos.
Materiais
Os materiais utilizados foram:
- o documento de anuência do Departamento de
Educação, que foi elaborado para informar a autorização do
Departamento de Educação;
- o termo de consentimento livre e esclarecido, o qual
foi apresentado aos participantes, que, depois de tê-lo lido,
receberam informações sobre os objetivos, e, como concordaram em participar da pesquisa, preencheram o documen-
A relação entre aprendizagem e desenvolvimento * Nilza Sanches Tessaro Leonardo & Valéria Garcia da Silva
311
to declarando ter recebido informações sobre o propósito do
estudo e o assinaram, dando assim seu consentimento;
- A ficha de identificação dos participantes, que se
destinava a obter informações sobre idade, sexo, experiência e formação acadêmica; e
- o roteiro das entrevistas, que foi estruturado e elaborado pela pesquisadora de forma a atingir todos os objetivos da pesquisa. As entrevistas foram gravadas em fitas k7
e posteriormente transcritas.
seguida solicitou-se que o participante preenchesse a ficha
de identificação (idade, sexo, grau de escolaridade, etc).
As informações obtidas com as entrevistas realizadas
com os professores foram examinadas a partir da análise de
conteúdo, sendo organizadas em categorias e apresentadas
em tabelas para melhor visualização; em seguida elas foram
discutidas ressaltando-se os aspectos que mais chamaram
a atenção, num exercício de reflexão fundamentado no referencial teórico que embasa esta pesquisa.
Resultados e discussões
Procedimento
Primeiramente fizemos contato com a secretária de
educação do município em que pretendíamos realizar a pesquisa, a fim de solicitar a autorização para a coleta de dados
prevista para este estudo. Neste contato foi esclarecido que
os nomes do município, das escolas e dos participantes seriam mantidos em sigilo. Também foi explicado como seria
realizado o trabalho (os objetivos, métodos, procedimentos).
Informamos que o documento de autorização assinado seria
encaminhado ao Comitê Permanente de Ética em Pesquisa
Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de
Maringá (Processo – Nº 074/2003).
Após o parecer favorável do Comitê de Ética, entramos em contato com os professores das escolas que iriam
participar da pesquisa e lhes disponibilizamos o conteúdo do
documento. Neste momento destacamos que a participação
seria voluntária, isto é, que o professor apenas participaria
do estudo se fosse de sua vontade. Após o aceite e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foi feito
o agendamento de datas e horários das entrevistas, respeitando-se a disponibilidade de cada participante. As entrevistas foram individuais e ocorreram na própria escola em que
o professor trabalha. A entrevista foi realizada em apenas
um encontro com cada participante, durou aproximadamente 60 minutos e foi gravada e posteriormente transcrita. Em
1. Compreensão do professor a respeito da relação
entre aprendizagem e desenvolvimento humano.
A princípio, em uma análise geral das respostas apresentadas pelos participantes acerca de sua compreensão a
respeito da relação entre aprendizagem e desenvolvimento
humano, observamos uma variedade de respostas, o que
demonstra que os docentes entendiam de formas diferentes
relação entre os conceitos de desenvolvimento e aprendizagem dos alunos.
Os dados apresentados na tabela 1 evidenciam que
a categoria predominante é aquela em que os participantes
não responderam à questão, a qual se caracteriza por incluir
respostas que não atendem ao que foi perguntado. Em sua
maioria, os docentes procuraram responsabilizar alguém
pelos processos de aprendizagem e desenvolvimento, geralmente a escola ou a família. Por fim, não descreveram
como estes processos ocorrem ou não mencionaram como
compreendiam a relação existente entre estes dois processos, como se pode observar na seguinte fala: Eu acho que
para a criança aprender o que ela precisa está dentro de
casa. Desde o seu nascimento ela já é estimulada, dependendo do comportamento de apoio dos pais (P6).
Tabela 1. Compreensão do professor a respeito da relação entre aprendizagem e desenvolvimento humano.
CATEGORIAS
F
%
1. Não responderam à questão
19
56,3
2. Os alunos aprendem por meio de recursos visuais, recursos concretos e também
recursos lúdicos.
5
15,6
3. O desenvolvimento depende de métodos que privilegiem a oralidade.
4
12,5
4. Os alunos aprendem em grupo, um ajudando o outro e o professor funciona
como facilitador.
3
9,4
5. O desenvolvimento proporciona a aprendizagem.
2
6,2
TOTAL
32
100
Nota: As porcentagens foram calculadas a partir do total de respostas referentes às distintas categorias, e não a partir do
número de participantes.
312
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 309-317.
Um dado que merece destaque é o fato de os docentes atribuírem à família a responsabilidade pelo aprendizado
e desenvolvimento do aluno na escola, o que nos permite dizer que eles acabam por transferir à família atribuições que
competem a eles mesmos. Ressalte-se que não desconsideramos a importância do papel dos pais no desenvolvimento
da criança, porém o que não podemos deixar de contemplar
é o que afirma Leontiev (2004, p.290), que afirma:
As aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões
humanas não são simplesmente dadas aos homens nos
fenômenos objetivos da cultura material e espiritual que os
encarnam, mas são aí apenas postas. Para se apropriar
destes resultados, para fazer deles as suas aptidões, “os
órgãos da sua individualidade”, a criança, o ser humano,
deve entrar em relação com os fenômenos do mundo
circundante através de outros homens, isto é, num processo
de comunicação com eles. [...] Pela sua função este processo
é, portanto, um processo de educação.
A esse respeito, Vigotski (2000) acredita que a aprendizagem depende da relação entre o aluno, o professor e o
conhecimento, na qual o docente realiza as mediações que
direcionam o aprendiz, fazendo com que o conhecimento
que este não domina no momento possa ser internalizado
por sua mediação.
Não obstante, cumpre ressaltar que não percebemos
na maioria das respostas dos docentes o estabelecimento
de relação entre aprendizagem e desenvolvimento humano,
pois em suas falas eles não explicitaram que estes processos são interligados por relações complexas. Nesse momento, contrariamente ao que foi apontado pelos participantes,
Vigotski (1977) afirma:
(...) aprendizado não é desenvolvimento, entretanto,
o aprendizado adequadamente organizado resulta em
desenvolvimento mental e põe em movimento vários
processos de desenvolvimento que de outra forma seriam
impossíveis de acontecer. Assim o aprendizado é um aspecto
necessário e universal do processo de desenvolvimento
das funções psicológicas culturalmente organizadas e
especificamente humanas (p.47).
Assim, de acordo com este autor, o processo de
aprendizagem está ligado ao desenvolvimento, e é o processo de aprendizagem organizado e sistematizado que
promove o desenvolvimento psíquico.
A partir dessa compreensão de desenvolvimento,
entendemos que, conforme defende Vigotski (2000), é por
meio do conhecimento adquirido no mundo objetivo que
se constrói o mundo subjetivo, é com a internalização dos
conceitos e conhecimentos que principalmente a escola lhes
permite adquirir, que os homens se constituem enquanto
seres humanos, estruturando sua consciência e aprendendo
a viver em sociedade.
A escola é que proporciona essas transformações, à
medida que fornece à criança parâmetros acerca de seus
comportamentos e atividades, pois na escola ela tem sempre alguém que lhe indica o correto e o errado, o bom e
o ruim, direcionando seu comportamento de acordo com
normas gerais. Se no princípio o comportamento da criança
era involuntário e instável, com a entrada na escola esse
comportamento passa a ser consciente e organizado por
regras comuns à coletividade (Vigotski, 2006).
As respostas dos docentes que contemplam as categorias alunos aprendem por meio de recursos visuais,
recursos concretos e também recursos lúdicos com 15,6%
das respostas; o desenvolvimento depende de métodos que
privilegiem a oralidade (12,5%); e os alunos aprendem em
grupo, um ajudando o outro, e o professor funciona como
facilitador (9,4%), reforçam o fato de que os docentes possuem uma compreensão superficial do processo de ensino-aprendizagem e nem mesmo se colocam como parte deste
processo. Destacamos neste momento a importância do
papel do professor neste processo, em que este assume a
função de mediador, e não apenas de facilitador. É preciso
considerar que há muita diferença entre o trabalho do professor que é formado para ser facilitador e o daquele que se
propõe a orientar e direcionar o processo de aprendizagem.
Na postura de facilitador o professor acredita que a aprendizagem depende mais do aluno.
A importância de investigarmos a compreensão dos
professores acerca da relação entre aprendizagem e desenvolvimento no processo de ensino está na influência que
essa concepção exerce no trabalho do professor. Conforme
afirma Facci (2007), a forma como o professor compreende
a aprendizagem e o desenvolvimento infantil é que norteará
suas ações pedagógicas, mesmo que ele não tenha consciência de sua própria compreensão.
A categoria que merece destaque é: o desenvolvimento proporciona a aprendizagem, com 6,2% de respostas
dos participantes. Este resultado nos mostra que alguns
docentes entendem que, para aprender, a criança precisa
primeiro se desenvolver, isto é, necessita de amadurecimento biológico, como pode ser verificado nas seguintes falas:
Eu acredito que para a criança aprender ela tem que estar
amadurecida (P11); Eu acho que as crianças aprendem de
acordo com a idade, tem coisas que elas não conseguem
aprender, cada idade tem coisas certas para trabalhar (P13).
Este é um entendimento que vai ao encontro de uma
concepção fundamentada no construtivismo piagetiano,
conforme expõe Zoia (2009), segundo a qual o desenvolvimento é um processo espontâneo e deve ser compreendido
em seu contexto biológico, ou seja, refere-se somente ao
processo de maturação relacionada às leis naturais. Significa que o desenvolvimento deve atingir um determinado nível
de maturação antes que a escola possa intervir para que a
criança adquira o conhecimento. Destarte, no construtivismo
o desenvolvimento representa um pressuposto, e não um
resultado da aprendizagem.
Em síntese, quanto à compreensão dos professores
a respeito da relação entre aprendizagem e desenvolvimento humano, verificamos que eles apresentaram informações
bastante difusas, ora reconhecendo ser sua a função de pro-
A relação entre aprendizagem e desenvolvimento * Nilza Sanches Tessaro Leonardo & Valéria Garcia da Silva
313
Tabela 2. Referencial teórico que norteia a prática pedagógica dos docentes.
CATEGORIAS
F
%
1. Construtivismo combinado com a pedagogia tradicional.
8
44,4
2. Construtivismo
4
22,2
3. Não responderam.
4
22,2
4. Construtivismo combinado com outros métodos (método fônico, método silábico).
2
11.2
TOTAL
18
100
Nota: As porcentagens foram calculadas a partir do total de respostas referentes às distintas categorias, e não a partir do
número de participantes.
mover o processo de aprendizagem e desenvolvimento, ora
a atribuindo à família, aos métodos e ao desenvolvimento
biológico da criança. Podemos concluir que, em sua maioria,
os participantes não conseguiram verbalizar como compreendem o processo de aprendizagem e desenvolvimento dos
alunos e buscam culpados; culpam-se a si próprios, mas
não demonstram como ocorrem estes processos, o que denota uma apropriação frágil de conceitos importantes para o
exercício da profissão.
Em seguida passamos à discussão dos resultados da
próxima pergunta feita sos professores.
2. Referencial teórico que norteia a prática
pedagógica dos docentes
A respeito dos dados apresentados na tabela 2 podemos observar que, em relação às teorias pedagógicas que
embasam o trabalho dos participantes em sala de aula, predominou a categoria O construtivismo combinado com a pedagogia tradicional, com 44,4% das respostas. A crença dos
educadores na mesclagem de teorias com fundamentações
tão opostas nos indica uma apropriação frágil, superficial,
e a desvalorização do conhecimento teórico enquanto ferramenta importante para um adequado exercício da prática
pedagógica.
Facci (2007) colabora com a discussão ao afirmar
que o construtivismo é fundamentado na Psicologia Genética de Jean Piaget. Este parte do pressuposto que a aprendizagem é decorrente da ação do indivíduo sobre o meio e
que é o aluno quem direciona e constrói seu conhecimento,
fundamentado na percepção que possui da realidade; a função do professor consistiria em facilitar esse processo, não
lhe cabendo transmitir os conhecimentos científicos, apenas
propor questionamentos para que os alunos desenvolvam
suas percepções.
Assim, para esta perspectiva teórica, a atividade de
estudo encontra-se centrada na criança, em seus interesses,
o que enfraquece o papel do professor e da instituição escolar. Na pedagogia tradicional o professor era considerado o
intelectual que possuía o conhecimento das diversas áreas
314
do saber e assim direcionava o processo de aprendizagem
tendo a função de transmitir os conteúdos científicos de
forma ativa; assim, tanto o professor como o conhecimento
eram valorizados e reconhecidos como aspectos centrais do
processo de escolarização (Facci 2007).
Desta forma tais propostas são associadas, mesmo
com aspectos tão divergentes. Os docentes demonstraram
acreditar que essa mesclagem teórica é positiva para o
processo de aprendizagem. Os aspectos em que mais se
ressaltam as divergências entre as teorias são especialmente as concepções de desenvolvimento e aprendizagem e
o papel do professor. Neste sentido, os docentes realizam
a combinação de diversas teorias sem se apropriar mais
profundamente de nenhuma delas, o que, em nosso entendimento, prejudica a fundamentação do trabalho docente. O
fragmento a seguir mostra este ecletismo dos docentes:
Eu uso muito Piaget, Vigotski, que são os que a gente mais
estuda Emilia Ferreiro, porque aqui é o construtivismo,
então são esses que mais nos dão base. Tem uma parte
do construtivismo que eu sou a favor e uma parte que eu
sou contra, igual quando era o ensino tradicional, tinha a
parte boa e a parte ruim. Então agora a gente não fica só no
construtivismo, a gente, usa outros métodos também, o que
a gente vê que não dá certo, a gente procura outro método.
Eu acho que tem coisas que a criança tem que aprender no
tradicional, como uma tabuada, trabalhar a memória, mas
tem coisa que o construtivismo é excelente. (P3)
Esta fala de um docente condiz com o que é apregoado em nossa sociedade, em que se enfatiza o ecletismo, a
mesclagem de teorias e a informação fragmentada ao invés
do conhecimento aprofundado.
Diante desse contexto, objetiva-se mais dinamismo na atuação do professor, mais reflexão e criatividade,
pois isto o liberta de uma postura autoritária, considerada
tradicional. Consequentemente, os professores assumem
didáticas mais liberais, com ênfase na oralidade, passando
a dialogar mais com os alunos, e estes intervêm no ensino,
tendo maior liberdade de tomar decisões. Assim as teorias
psicológicas de cunho construtivista presentes são as que
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 309-317.
conquistam os professores e demais profissionais da educação que atuam na prática pedagógica (Zoia, 2009).
A respeito da categoria “Não responderam”, com representatividade de 22,2% das respostas, podemos afirmar
que um número significativo de docentes não mostrou clareza a respeito da fundamentação teórica que norteia o seu
trabalho. Quanto a isto, Facci (2007) contribui ao expor que
a não definição de uma teoria é uma característica que se
faz muito presente em nossa sociedade, com a valorização
do ecletismo e da prática sem conexão com uma teoria.
Como se trata de uma condição apregoada pela
sociedade atual, esse esvaziamento teórico e a valorização
da prática em si manifestam-se substancialmente na formação dos professores, desde sua graduação até aos cursos
posteriores, como os de formação continuada e de especialização; porém atualmente não se pode mais conceber que a
formação de professores restrinja-se a uma questão de técnicas para a solução de problemas previamente formulados.
Os aspectos técnicos, embora necessários ao exercício da
profissão docente, não são suficientes para a compreensão
da realidade educacional.
A respeito da importância de adotarmos uma prática
respaldada por uma teoria bem adequada, Moraes (2004)
afirma que a teoria pode nos oferecer as bases críticas para
compreendermos muitas das informações que nos chegam
como consenso. Pode também nos ajudar a entender que a
harmonia que torna o pensamento conformista e unificado é
construída ideologicamente e representa interesses políticos
e socioeconômicos precisos, disfarçados sob um discurso
apelativo que apregoa valores de apologia ao individualismo
e ao consumo.
Neste sentido, Moraes (2004) afirma que na atualidade há um movimento que prioriza a experiência imediata, a
prática reflexiva. Nessa premissa, basta saber fazer; a teoria
passou a ser considerada perda de tempo, e quando muito,
aparece de forma fragmentada. Talvez o motivo mais direto
desta regressão dos aspectos intelectuais e teóricos esteja
na definição e efetivação das próprias políticas educacionais
de âmbito nacional e internacional.
Outra categoria que consideramos importante mencionar é: construtivismo combinado com outros métodos
(método fônico, método silábico), representando 11,2% das
respostas. Este resultado revela que alguns docentes se
embasam não somente no construtivismo, mas também em
outros métodos e práticas, sempre acreditando ser uma boa
alternativa para prover o conhecimento aos seus alunos.
A respeito da mesclagem de teorias e métodos na
prática pedagógica, Miguel (2008) afirma que o ecletismo
na educação significa se apropriar de algumas abordagens
pedagógicas que são adjacentes, mas tal tarefa não é algo
simples, é uma prática quase insustentável. Combinar diversas referências teóricas e a partir delas obter uma metodologia para ensinar não é tarefa coerente e representa um
esfacelamento na formação do professor, resultando no seu
despreparo profissional.
Como solução, devemos retomar os conhecimentos clássicos por meio de leituras e estudos direcionados.
Assimilar fórmulas educacionais prontas não funciona, pois
estas não oferecem suporte consistente para a realidade
complexa da educação, que deve se basear em teorias em
sua totalidade (Miguel, 2008).
Complementando, Moraes (2004) afirma que nos
dias de hoje, com a realidade da escola, a proposta pedagógica que a envolve e o direcionamento cognitivo quase sempre a serviço dos ditames do mercado econômico, torna-se
necessário um referencial teórico-crítico que forneça condições para refletir a respeito da realidade que circunda a
educação e sejam possíveis apropriações que contemplem
a totalidade.
Considerações finais
Com este artigo procuramos estudar a compreensão
dos professores acerca da relação entre os processos de
desenvolvimento e aprendizagem, bem como investigar
quais teorias embasam o trabalho destes profissionais. O
estudo permitiu observar quanto está frágil a formação do
professor, assim como sua importância como profissional e
a falta de suporte teórico e técnico que ele enfrenta cotidianamente em sua função. Por meio da teoria abordada
neste trabalho, compreendemos a importância do professor
enquanto mediador e da função da aprendizagem escolar
como propulsora de desenvolvimento psíquico; no entanto,
evidenciamos também os entraves que permeiam a obtenção de um ensino de qualidade.
Com o intuito de camuflar as desigualdades da sociedade atual como raiz dos problemas escolares, emerge
uma série de explicações simplistas, que atribuem à criança,
à família ou ao professor a responsabilidade pelo caos na
educação e na sociedade. O desrespeito pelo outro, a perda
de referenciais de autoridade, o incentivo à competição desmedida e o individualismo são características desta sociedade que se manifestam em todas as instituições, inclusive
na escola. O problema se agrava quando, para justificar as
desigualdades sociais e as contradições, utilizamos explicações biologizantes ou preconceituosas, que nos impedem
de analisar e compreender a sociedade em sua totalidade.
A superação dessas explicações simplistas percebidas nas respostas dos professores exige compreender a
relação dos homens com a sociedade construída a partir das
necessidades destes ao longo da história. Exige também a
consciência de que o desenvolvimento psíquico humano
em sua plenitude não ocorre de forma espontânea, pois se
os aspectos biológicos nos fornecem a chance de desenvolvimento, é a apropriação, a aprendizagem com o outro
ser humano que nos garante avanços de desenvolvimento.
Isto significa que as transformações humanas ocorrem primeiramente na coletividade, nas relações entre os homens,
para depois serem internalizadas na condição de estrutura
psíquica superior.
A pesquisa nos possibilitou conhecer um pouco mais
a realidade educacional no Brasil e nos mostrou que o conhecimento científico e o aprofundamento teórico vêm sen-
A relação entre aprendizagem e desenvolvimento * Nilza Sanches Tessaro Leonardo & Valéria Garcia da Silva
315
do desconsiderados, pois os docentes não apresentam uma
compreensão consistente no que concerne à relação entre
desenvolvimento e aprendizagem e ao modo como ocorrem
estes processos. Não obstante, por meio das entrevistas
observamos que, em sua maioria, alguém é apontado como
responsável pelos problemas de aprendizagem, e quem
aparece como culpado são os alunos, os pais e os professores. Isto indica que há uma apropriação inadequada de conceitos fundamentais para o exercício da atividade docente.
Neste sentido, verificamos que, em sua maioria, os
professores não souberam definir qual a teoria que adotam
em seu trabalho, ou mencionaram a mesclagem de teorias e
métodos em sua prática, por acreditarem que tal combinação
é algo positivo para o processo ensino-aprendizagem. Isto
nos evidenciou quão difusa e pouco consistente se encontra
a formação do professor na atualidade. Tal constatação nos
preocupa, pois acreditamos que a prática não fundamentada
em uma teoria solida resulta em esvaziamento e alienação
do trabalho do professor, justamente por ser o referencial
teórico a principal ferramenta de trabalho dos profissionais
da educação.
Ressaltamos aqui que não se trata de culparmos
individualmente o professor, ao contrário, evidencia-se que
nossa sociedade não valoriza o conhecimento científico e
formações profissionais embasadas em fundamentos filosóficos mais aprofundados, o que culmina em cursos de
graduação esvaziados e capacitações precárias, que não
valorizam o conhecimento científico como propulsor de desenvolvimento.
Neste sentido, a formação do professor deveria dar
ênfase à solidificação do conhecimento científico para esse
profissional, porém o que observamos é o esvaziamento de
conteúdos, culminando em caos na função da escola, que
deveria ser a de transmitir o conhecimento científico para
o desenvolvimento das funções psicológicas superiores dos
alunos.
Diante desse contexto, ressaltamos nosso desejo
que esta pesquisa contribua para a implantação de um ensino que promova desenvolvimento e transforme a consciência humana no sentido de termos pessoas mais críticas;
porém não temos ilusões a esse respeito, pois sabemos
que isto seria uma mudança revolucionária. A educação é
um aspecto, uma parcela de um todo muito maior, que é a
sociedade, por isso é necessário um ensino que promova
o desenvolvimento pleno do homem. Ela deve formar uma
sociedade que contemple a igualdade entre os homens e
condições mais justas de acesso aos bens produzidos historicamente, especialmente a cultura. Nesta perspectiva, é
importante que outras pesquisas sejam desenvolvidas com
esta temática, de modo a colaborar para a promoção de um
ensino com mais qualidade nas escolas brasileiras.
316
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Especialização em Teoria Histórico-Cultural, Universidade
Estadual de Maringá, Maringá-PR.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 309-317.
Recebido em: 13/06/2012
Reformulado em: 19/05/2013
Aprovado em: 29/08/2013
Sobre as autoras
Nilza Sanches Tessaro Leonardo ([email protected])
Doutora em Psicologia e docente do programa dePós Graduação em Psicologia da Universidade Estadual de Maringá.
Valéria Garcia da Silva ([email protected])
Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá e docente da Faculdade Ingá- Maringá.
Endereço: Universidade Estadual de Maringá: Avenida Colombo, 5790 – CEP 87020-900 – Maringá – PR.
A relação entre aprendizagem e desenvolvimento * Nilza Sanches Tessaro Leonardo & Valéria Garcia da Silva
317
A docência universitária como locus de pesquisa da
psicologia do desenvolvimento adulto
Maria Helena Fávero
Universidade de Brasília
Regina da Silva Pina Neves
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Resumo
Descrevemos uma pesquisa didática sobre o ensino de matemática focado na mediação de campos conceituais do currículo do Ensino
Fundamental, com 30 pedagogos e seis psicólogos, 35 mulheres e um homem, com idades entre 22 e 50 anos, estudantes de um curso de pósgraduação lato sensu em Psicopedagogia, visando capacitá-los a trabalhar com estudantes que apresentem dificuldades de aprendizagem e com
professores. Coletamos dados sobre suas concepções a respeito da matemática, as competências e dificuldades na resolução de problemas
focados no uso do conjunto numérico dos racionais e na compreensão de diferentes bases, a análise sobre a própria produção e sobre a
produção do outro. Evidenciamos quatro proposições: A matemática é difícil; A matemática é angustiante; Os professores de matemática não
promovem a aprendizagem; Eu não sou competente em matemática. Evidenciamos níveis de complexidade de resolução dos problemas e níveis
de tomada de consciência ao longo do procedimento didático que nos permitem defender sua pertinência.
Palavras-chave: Construção do conhecimento, matemática, ensino superior.
University teaching as alocus of research for
adult developmental psychology
Abstract
We describe a didactic research on the teaching of mathematics focused on the conceptual mediation of the elementary school curriculum, with 30
pedagogues and 6 psychologists, 35 women and 1 man, between 22 and 50 years old, students of a graduate course in Psycho-Pedagogy. The
purpose is to enable them to intervene with students who present learning disabilities and with their teachers. We collected data concerning their
conceptions on mathematics; their skills and difficulties when solving problems focused on the use of rational numbers and in comprehending the
different bases; the analysis of their own production and of the production of others. We show four propositions: mathematics is hard; mathematics
is distressing; mathematics teachers do not promote learning; “I’m not competent in mathematics”. We point out levels of complexity when solving
problems and levels of awareness throughout the didactic procedure which allow us to argue in favor of its relevance.
Keywords: Knowledge construction, mathematics, higher education.
La docencia universitaria como locus de investigación
de la psicología del desarrollo adulto
Resumen
Se describe una investigación didáctica sobre la enseñanza de matemática con foco en la mediación de campos conceptuales del currículo
de la Enseñanza Fundamental. Se realizó con 30 pedagogos y 6 psicólogos, 35 mujeres y 1 hombre, entre 22 y 50 años, estudiantes de un
curso de post-grado lato senso en Psicopedagogía buscando capacitarlos a intervenir en las dificultades de aprendizaje de estudiantes y en el
trabajo de profesores. Se recogieron datos sobre: sus concepciones de matemática, las habilidades y dificultades en la resolución de problemas
centrados en el uso del conjunto numérico de los racionales y en la comprensión de diferentes bases, el análisis sobre la propia producción y
sobre la producción otros. Se presentan 4 proposiciones: la matemática es difícil, la matemática es angustiante, los profesores de matemática no
promueven el aprendizaje, yo no soy competente en matemática. Se evidencia niveles de complejidad de resolución de problemas y niveles de
toma de conciencia a lo largo del procedimiento didáctico que nos permiten defender su pertinencia.
Palabras clave: Construcción del conocimiento, matemática, educación superior.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 319-328.
319
Introdução
O desenvolvimento da tecnocência no século XX, sobretudo a partir dos anos 1960, passou a solicitar do adulto
o desenvolvimento acelerado e múltiplo de competências
particulares de acordo com as novas conceituações sobre
trabalho e carreira, além da demanda cada vez mais acentuada do adulto especialista, colocando definitivamente em
pauta a importância do estudo do desenvolvimento psicológico adulto (Alexander, Murphy, & Kuikowich, 2009).
Muitos pesquisadores têm defendido, para esse estudo, uma abordagem inter e multidisciplinar, tal como se lê
na proposta de Fávero (2007a):
[...] o desenvolvimento do adulto apresenta fases e essas
fases são caracterizadas pela união entre o aspecto cognitivo
e o afetivo, entre o self e o outro. O adulto é, portanto, um
construtor ativo de verdades múltiplas e polissêmicas: ser
adulto significa estar em desenvolvimento no universo
do desenvolvimento do pensamento coletivo, ou, em
outros termos, estar em um meio de mediação semiótica.
Assim, do ponto de vista teórico, isso implica considerar as
representações sociais, a linguagem e a semiótica, a fim de
articulá-las com a Psicologia do Desenvolvimento (Fávero,
2007a, p. 625-626, tradução nossa).
Em conformidade com esta integração teórica e
conceitual, Fávero (2012) propõe uma metodologia para a
pesquisa de intervenção com adultos, partindo da seguinte
premissa:
[...] a questão do conhecimento e da relação entre o ser
humano e o conhecimento deve se constituir no ponto
de partida de qualquer discussão sobre as situações
relacionadas à intervenção, uma vez que, explícita ou
implicitamente, trata-se de lidar com campos conceituais,
sejam eles relacionados à vida pessoal, ao cotidiano
profissional ou a ambos (Fávero, 2012, p. 104).
A implicação dessa premissa e da integração teórica
já referida se explicita claramente na abordagem metodológica dessa autora:
Assim, temos desenvolvido vários estudos nos quais
adotamos as situações interativas e consideramos os
produtos construídos nessa interação tanto do ponto de
vista temático como do ponto de vista da influência recíproca
no desenvolvimento de cada participante da interação. Em
resumo, temos desenvolvido pesquisas de intervenção
em um contexto de interação, isto é, em uma dinâmica
sociocognitiva, considerando seus efeitos reguladores e
como esses se integram ao processo de autorregulação
próprio ao indivíduo. [...] Essa questão do papel do
debate que expõe as similaridades e diferenças entre
os participantes é um ponto-chave para nossa proposta
metodológica, porque isso os leva a questionar-se uns aos
outros, persuadir uns aos outros ou complementar os pontos
320
de vista, e para isso deverão ser encorajados a teorizar sobre
os seus fundamentos. Ora, isso conduz à estruturação do
pensamento e à tomada de consciência sobre seus próprios
pontos de vista e como se relacionam com os pontos de
vista do outro, assim como a tomada de consciência de
outras perspectivas e como essas podem se operacionalizar
em uma dada situação (Fávero, 2012, p. 106).
Assim, podemos dizer que a proposta dessa autora
se compatibiliza com os estudos sobre a educação universitária (Sternberg, 2003; Thompson, 2009), assim como com
os estudos sobre o desempenho de novatos e especialistas
em áreas específicas do conhecimento (Alexander e cols.,
2009; Arnett, 2000; Lajoie, 2003; Sternberg, 2003), e com o
aporte de Sinnot (2009) sobre o pensamento pós-formal do
adulto que o capacita a interagir com diferentes paradigmas.
Considerando tal convergência e compatibilidade, o
estudo que descrevemos diz respeito a uma situação específica da docência universitária: a pesquisa de um procedimento didático relativo ao ensino de matemática para profissionais — psicólogos e pedagogos — no âmbito do Curso
de Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional
da Universidade de Brasília, no Distrito Federal, coordenado
pela primeira autora. Articulamos, assim, o desenvolvimento
psicológico de adultos, a especialização em psicopedagogia
e a educação matemática.
Três justificativas fundamentam essa articulação.
Em primeiro lugar, tais profissionais atuam direta ou indiretamente na educação formal, seja na prática da orientação
educacional e pedagógica, seja no atendimento de estudantes com dificuldades de aprendizagem e nas instâncias de
avaliação da educação formal, como os conselhos de classe.
Nossa segunda justificativa leva em consideração os resultados dos sistemas nacionais e internacionais de avaliação
oficial que apontam a persistência do baixo desempenho
dos estudantes em matemática (OECD, 2005; MEC, 2009),
fato que, aliado à primeira justificativa, demanda competências particulares (ver Celeste, 2008). Em terceiro lugar,
nosso foco se justifica em razão de nossos próprios estudos,
sejam aqueles relacionados às práticas dos professores e
professoras e aos modos de intervir nessa prática (Fávero,
2007a, 2011), sejam aqueles centrados na prática psicopedagógica (Fávero, 2007b; Fávero & Pimenta, 2006; Fávero
& Pina Neves, 2011; Fávero & Soares, 2002; Pina Neves,
2008) e os relacionados às concepções sobre matemática
e às competências e dificuldades de futuros especialistas
em Psicopedagogia nessa área de conhecimento (Fávero &
Pina Neves, 2009).
Vamos retomar resumidamente esse último, uma
vez que seus resultados foram decisivos para a inserção
da matemática como disciplina no âmbito da especialização
já referida. Fávero & Pina Neves (2009) propuseram duas
tarefas sequenciais e distintas a um grupo de psicólogos e
pedagogos, futuros especialistas em Psicopedagogia: 1) a
resolução de um problema cuja solução exigia a busca de
um padrão numérico e o domínio das quatro operações; 2)
a análise dos registros produzidos por sete adolescentes
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 319-328.
na resolução de três situações-problema. Procedendo à
análise dos dados obtidos, evidenciamos que os futuros especialistas em psicopedagogia, em sua grande maioria, não
apresentavam a compreensão do padrão numérico exigido
na primeira tarefa e não propunham uma solução adequada
para o problema; também não apresentavam competência
para analisar a notação dos alunos nem para propor atividades que visassem ao desenvolvimento de competências
conceituais em matemática.
Durante a coleta de dados observaram-se comentários dos participantes, na sua grande maioria constituída
de mulheres, referentes à aversão que sentiam em relação
à matemática. Tal fato condiz com as análises dos dados
oficiais brasileiros, os quais, como salienta Fávero (2012b),
evidenciam que da última década do século passado para
cá houve uma ampliação significativa do número de mulheres na Educação Básica e no Ensino Superior, a ponto
de superarem os homens em escolaridade; no entanto,
elas se mantêm em determinadas áreas de conhecimento,
concentrando-se nas áreas das ciências humanas e biológicas, enquanto os homens se mantêm em maior número nas
áreas das ciências exatas e tecnológicas (Godinho, 2005;
Ristoff, 2006), separação que permanece nos cursos de
pós-graduação (Chamon, 2005).
Os estudos citados antes, assim como estes últimos,
têm confirmado a pertinência da análise interdisciplinar de
Fávero (2009b) quando chama a atenção para a persistência
de um paradigma partilhado entre os profissionais da educação que sustenta uma ruptura entre filosofia e conhecimento científico. Fávero (2009b) sustenta que tal ruptura tem
implicações na prática de ensino e na avaliação, uma vez
que entende as áreas particulares do conhecimento como
prontas e acabadas, devendo assim ser “repassadas” aos
estudantes. Sendo assim, como argumenta essa autora,
a mediação do conhecimento viabiliza-se prioritariamente
através de regras em preferência aos campos conceituais,
de modo que a interação do estudante — criança, adolescente ou adulto — com os instrumentos já convencionados
de representação do conhecimento não é privilegiada.
Em suma, segundo a análise de Fávero (2009b), ignora-se a relação entre o ensino formal e o desenvolvimento
psicológico humano, portanto se ignora aquilo que poderia
ser um instrumento privilegiado para o desenvolvimento do
pensamento crítico e reflexivo.
Essa situação está particularmente presente no ensino da matemática: ignora-se a importância dos registros
construídos pelos estudantes para o processo de apreensão
conceitual e de aquisição dos instrumentos já convencionados de representação do conhecimento (Berger, 2004;
Fávero, 2009a; Wallen, Plass, & Brünken, 2005).
Assim, não tínhamos dúvida sobre a pertinência da
inserção, no curso de especialização e Psicopedagogia,
da disciplina focada no estudo do desenvolvimento de
competências conceituais em matemática. Não obstante,
estávamos diante de um desafio: tratava-se de proceder à
pesquisa de um procedimento didático que interviesse na
formação do especialista adulto. Essa intervenção engendraria mudanças no seu modo de conceber a matemática,
seu ensino e aprendizagem, por meio da própria mediação
do campo conceitual do conhecimento matemático, focando pontos centrais do currículo do 1º ao 9º ano do Ensino
Fundamental. Nosso objetivo era capacitá-los a intervir
como psicopedagogos na mediação do conhecimento matemático, tanto na lida com dificuldades de aprendizagem em
matemática quanto no trabalho com professores.
Mantendo a convergência referida no início, consideramos, como defende Fávero (2012), os dois aspectos
de uma pesquisa de intervenção: de um lado, o processo
de tomada de consciência, por parte do sujeito, da relação
entre seus próprios processos de regulação cognitiva, sua
produção e um campo conceitual específico de conhecimento, e do outro, o processo de mediação viabilizado por um
procedimento particular de interação na situação didática.
Por implicação, nosso procedimento didático se alicerçou
em dois aspectos teórico-metodológicos: o primeiro refere-se à elaboração de situações de aprendizagem para uma
retomada de consciência dos adultos sobre suas próprias
atividades e às ligações entre as propriedades de sua ação
e aquelas da situação proposta; e o segundo aspecto está
relacionado à consideração das filiações entre dificuldades
e competências conceituais (Fávero, 2007a). Em outros termos, nosso procedimento visava engendrar o pensamento
criativo (inventar, imaginar, supor que...), o pensamento analítico (criticar, avaliar, constatar, comparar...) e o pensamento prático (implementar, empregar...): o primeiro para gerar
ideias, o segundo para avaliar essas ideias e o terceiro para
implementá-las (Sternberg, 2003).
Dessa forma, evitávamos o padrão da mera demonstração de procedimentos e regras no ensino da matemática
para adotar as situações de resolução de problemas como
meio de promover o pensamento matemático e, ao mesmo
tempo, levar os estudantes a considerar tal procedimento
como viável para aplicação em sua prática profissional e a
reelaborar as suas crenças sobre a matemática, como propõem Shoenfeld (1983, 1992) e Francisco & Maher (2005).
Em suma, tratamos nosso procedimento didático não
só como um modo de obter não só dados de natureza didática, mas também dados sobre o desenvolvimento psicológico adulto e os modos de intervir e engendrar a elaboração
de novos paradigmas em relação à matemática, seu ensino
e sua aprendizagem.
Por isso mesmo, assim como Fávero (2010a), tomamos a narrativa como um instrumento da mente no processo
de construção da realidade à qual se integram as emoções
concebidas como um fenômeno relacional e defendemos a
autonomia potencial e a criatividade da consciência, enfatizando a não dissociação entre a cognição e a emoção, para
incitarmos os participantes a expressar esta construção em
relação à matemática através da proposta de frases incompletas.
Docência universitária e pesquisa * Maria Helena Fávero & Regina da Silva Pina Neves
321
Método
Participaram deste estudo trinta pedagogos e seis
psicólogos (trinta e cinco mulheres e um homem), com idades entre 22 e 50 anos, estudantes de um curso de especialização em psicopedagogia clínica e institucional de uma
universidade pública, os quais nos deram o consentimento
para a coleta de dados para pesquisa.
Desenvolvemos um procedimento didático de trinta e
duas horas, divididas em oito dias de quatro horas cada, em
oito semanas consecutivas, durante as quais retomamos a
proposta de Fávero (2009a) para considerar: 1- a formação
de conceitos e seu sistema lógico de representação; 2- a
tomada de consciência destes conceitos e desta lógica; 3- a
interação social que caracteriza a situação didática na qual
são construídos. Operacionalizamos tal proposta considerando a avaliação como essa autora a defende, isto é, como
uma etapa que alimenta a própria prática didática, levando
em conta as três tarefas distintas e articuladas propostas
por ela: 1- a avaliação das competências dos alunos e de
suas dificuldades e a análise da relação entre competências
e dificuldades; 2- a sistematização da prática didática e psicopedagógica em termos de objetivos e descrição das atividades propostas, levando em conta a avaliação e a análise
referidas; 3- a análise minuciosa do desenvolvimento das
atividades propostas.
Assim, nosso procedimento de coleta de dados se
deu ao longo do procedimento didático e, ao mesmo tempo,
fez parte dele, compreendendo sete fases:
1ª - Proposta de três frases a serem completadas:
1- Na minha história escolar a matemática... ; 2- Os professores de matemática na minha vida escolar...; 3- Eu espero
que a disciplina “desenvolvimento de competências matemáticas...”
2ª - Proposta de resolução de uma situação-problema na qual se exigia o uso do conjunto numérico dos racionais (situação individual), extraída do estudo de Pina Neves
(2008, p.188):
Eu gosto de lanchar na cantina da universidade; o que mais
gosto é de comer um salgado e tomar um refrigerante. O
salgado custa R$ 0,80 e o refrigerante custa R$ 0,50. Para
eu comprar esse lanche todos os dias de aula do mês de
maio necessitarei de X reais. Minha reserva para os lanches
é de R$ 40,00. Será que vai dar para comprar também um
picolé por dia que custa R$ 1,10? Se não der para comprar
o picolé para todos os dias de aula, para quantos dias daria?
3ª - Discussão dos diferentes procedimentos de
resolução e registros apresentados pelos estudantes, salientando a articulação entre competências e dificuldades
conceituais (situação coletiva).
4ª - Proposta da situação-problema adaptada de um
item do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM – de
2008 (situação individual).
322
Em cada parada ou pouso, para jantar ou dormir, os bois
são contados, tanto na chegada quanto na saída. Nesses
lugares, há sempre um potreiro, ou seja, determinada área
de pasto cercada de arame, ou mangueira, quando a cerca
é de madeira. Na porteira de entrada do potreiro, rente à
cerca, os peões formam a seringa ou funil, para afinar a fila,
e então os bois vão entrando aos poucos na área cercada.
Do lado interno, o condutor vai contando; em frente a ele,
está o marcador, peão que marca as reses. O condutor
conta 50 cabeças e grita: - Talha! O marcador, com o auxílio
dos dedos das mãos, vai marcando as talhas. Cada dedo
da mão direita corresponde a 1 talha e da mão esquerda a
5 talhas. Quando entra o último boi, o marcador diz: - Vinte
e cinco talhas! E o condutor completa: - E dezoito cabeças.
Isso significa 1.268 bois. Para contar os 1.268 bois de
acordo com o processo descrito acima, o marcador utilizou:
Situação 1: 20 vezes todos os dedos da mão esquerda?
Explique; Situação 2: 20 vezes todos os dedos da mão
direita? Explique; Situação 3: todos os dedos da mão direita
apenas uma vez ; Situação 4: todos os dedos da mão
esquerda apenas uma vez; Situação 5: todos os dedos da
mão esquerda e 5 vezes todos os dedos da mão direita.
5ª - Desenvolvida em dois tempos: 1- três frases de
natureza metacognitiva a serem completadas referentes à 4ª
fase: quando recebi a situação-problema eu pensei que...;
quando recebi a situação-problema eu senti... ; avalie o que
você apresentou como resultado (individual); 2- discussão
dos diferentes procedimentos de resolução e registros, salientando a articulação entre competências e dificuldades
conceituais (situação coletiva).
6ª - Desenvolvida por duplas de estudantes em dois
tempos: 1- análise das competências e dificuldades conceituais de registros de estudantes de 5º ano do Ensino
Fundamental; 2- análise das competências e dificuldades
conceituais da produção dos colegas de curso na resolução
da situação-problema proposta na 2ª fase.
7ª - A construção do “kit de matemática”, a qual foi
desenvolvida ao longo do procedimento e para a qual os
estudantes foram incentivados a reunir conjuntos de material de sucata, como tampinhas de garrafa, tampas de
diferentes cores e tamanhos, contas diversas, botões, embalagens plásticas com as respectivas tampas, encartes de
supermercados com preços de produtos diversos, etc. Cada
participante deveria escolher um campo conceitual dentre
os abordados em sala de aula e definir os aportes teóricos
e metodológicos para sustentar a sua escolha das atividades a serem propostas com o material. Tratava-se de uma
atividade de reflexão e busca de regularidades conceituais
e didáticas – tendo como base as discussões realizadas em
sala.
Todas as narrativas incitadas pelas frases propostas,
assim como as notações e registros das resoluções de problemas, foram coletadas para análise.
Em integração com o procedimento didático, propusemos a leitura e discussão de textos sobre a relação entre
psicologia do desenvolvimento e educação matemática,
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 319-328.
entre os quais: Fávero e Soares (2002), Fernandes e Healy
(2007), Godino, Vicenç, Wilhelmi e Arrieche (2009), Miguel
(2005), Muniz (2009), Perego (2006), Pina Neves (2008), e
Vergnaud (1996),
Resultados e discussão
Os dados obtidos na primeira fase foram submetidos à análise de conteúdo, tomando-se a proposição como
unidade de análise (Fávero & Trajano, 1998). Quatro proposições foram evidenciadas: a matemática é difícil; a matemática é angustiante; os professores de matemática não
promovem a aprendizagem; eu não me saio bem em matemática. Evidenciamos assim a predominância de concepções negativas em relação à matemática como disciplina da
escolarização, como por exemplo: “na minha história escolar
a matemática [...] foi a disciplina em que fui reprovada na 8ª
série. Por causa da equação de 2º grau que nunca usei e
nem nunca usarei”.
Procedendo à análise dos registros obtidos na segunda fase, evidenciamos que cerca de 80% dos participantes não construíram uma estratégia adequada ao problema,
mas todos apresentaram tentativas. Na figura 1 temos um
exemplo, no qual se observa que a multiplicação e a divisão
são evitadas. Esse dado é compatível com estudos anteriores desenvolvidos com estudantes adolescentes (Fávero,
2007b), com profissionais (Fávero & Pina Neves, 2009) e
com a discussão de Muniz (2009). Na figura 2 temos outro
exemplo: várias tentativas são elaboradas, riscadas, assinaladas como “errado”; e por fim, a resolução é finalizada na
figura 3, em que se observa a expressão escrita: “UFAA!!!”,
que parece se relacionar com os dados obtidos na primeira
fase.
Figura 2: Exemplo de resolução da 2ª fase.
Figura 3: Exemplo de resolução da 2ª fase.
Figura 1. Exemplo de resolução da situação-problema da 2ª fase.
Na terceira fase se evidenciou o início da tomada
de consciência sobre a relação entre a situação-problema
proposta e os diferentes procedimentos de resolução e registros. Frases como “eu não tinha pensado nisso”; “nossa,
eu fiz tão longo e não precisava” pontuaram a atividade.
Na quarta fase todos apresentaram uma proposta
de resolução. Evidenciaram-se três níveis de complexidade
nas resoluções, aqui descritas do menor ao maior nível de
complexidade: 1- tentativas de apropriação do significado da
base 5 a partir do que era conhecido de agrupamento na
Docência universitária e pesquisa * Maria Helena Fávero & Regina da Silva Pina Neves
323
base 10, o que não engendrou a solução adequada; 2- utilização do significado da base 5 por meio de um conjunto
de referência como suporte - cinco dedos, bolinhas desenhadas ou uma aproximação do quadro valor lugar da base
5 - o que engendrou a solução adequada; 3- utilização do
significado da base 5 por meio de multiplicações sucessivas,
engendrando a solução adequada.
Podemos afirmar que os resultados dessa fase evidenciam uma elaboração mais complexa do que aqueles
obtidos na segunda fase, isto é, já mostram a pertinência do
procedimento didático adotado no que se refere à tomada
de consciência, pelos adultos, de novas possibilidades e o
desenvolvimento de novas competências conceituais. Não
obstante, vários estudantes ainda apresentam dificuldades
na lida com diferentes bases, o que reafirma a necessidade
de utilizar um conjunto de referência como apoio, tanto para
seu procedimento de resolução como para a situação de
ensino.
Figura 4: Exemplo de resolução de nível 1 da 4ª fase.
Figura 5: Exemplo de resolução de nível 2 da 4ª fase.
324
A análise das frases completadas no primeiro tempo
da quinta fase evidenciou a permanência de duas das proposições da primeira fase: a matemática é difícil e a matemática é angustiante. Junto com essas foram evidenciadas
mais duas: a situação-problema é desafiadora e é possível
resolver a situação-problema, o que demonstra uma reelaboração da concepção sobre matemática e sobre a competência pessoal em relação a essa área do conhecimento.
Assim, para a frase quando recebi a situação-problema eu pensei que..., obtivemos os seguintes exemplos:
“como matemática me assusta, para mim é sempre difícil;
“Fiquei surpresa pelo tipo de atividade, a princípio pensei
que não soubesse realizá-la, porém, quando voltei à leitura
percebi que era possível, que teria que seguir um passo a
passo”; “Vontade de rir, estava diante do óbvio sem saber
como resolver, algo que aparentemente não era difícil, mas
que eu tinha dificuldade. Senti vontade de não fazer, mas
continuei tentando e me senti aliviada por conseguir responder do meu jeito”; “ Muita angústia e desespero por não
saber por onde começar. Demorou para a compreensão, ou
melhor, ainda não sei se compreendi bem, pois não tenho
certeza absoluta da resposta”; “Uma certa dificuldade em
entender as perguntas, principalmente as situações 1 e 2.
Seriam vinte vezes cada dedo da mão, resultando em cem
dedos no total, ou seriam simplesmente vinte dedos?”
Ainda na quinta fase, a análise dos dados obtidos por
meio da solicitação avalie o que você apresentou como resultado revelou a tomada de consciência dos participantes
por meio de suas elaborações metacognitivas. Quatro níveis
de tomada de consciência foram evidenciados: 1- sobre a
própria dificuldade, como, por exemplo: “continuo em dúvida”; 2- sobre a dificuldade e sobre o relato de pensamentos
após a situação de sala de aula, sobre como elaborar um
procedimento - por exemplo: “Comecei o raciocínio correto,
mas na hora de perceber quantos dedos seriam utilizados
não consegui visualizar a situação. Só percebi o erro quando
cheguei em casa e fiz os desenhos das mãos”; 3- sobre
a análise da própria produção passo a passo e/ou como
o procedimento poderia ser melhorado, apontando novos
modos de resolução, como apresentamos na figura 7; 4- sobre a análise da própria produção e sua generalização para
a prática profissional - por exemplo: “Na reavaliação das
respostas reafirmei a correção das respostas, no entanto,
se tivesse que propor e resolver em uma sala de aula, representaria a resolução também através de desenhos das
mãos ou pelo ábaco, estabelecendo trocas em que cada
cinquenta unidades seriam trocadas por um único elemento
representativo dessas cinquenta unidades (utilizaria tampinhas de cores diferentes para a unidade; grupos de cinquenta e grupos de duzentas e cinquenta”.
A análise dos dados obtidos na sexta fase (anexo 1)
evidenciou uma produção centrada nos níveis mais complexos de tomada de consciência já descritos para a quinta
fase, agora em relação à análise dos registros de resolução do outro (estudantes e colegas): analisa a produção
passo a passo e/ou como o procedimento poderia ser melhorado, apontando novos modos de resolução, e propõe
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 319-328.
Figura 6: Exemplo de resolução de nível 3 da 4ª fase.
procedimentos didáticos de intervenção. Exemplo: “o aluno
construiu o conceito de adição, domina o algoritmo padrão,
o conceito de reagrupamento, o valor posicional do número
e a lógica do sistema de numeração decimal”.
Em outros termos, a análise dos dados da sexta fase
evidenciou a tomada de consciência sobre o fundamento
matemático da resolução de problemas, apontando as
competências e dificuldades evidenciadas nos registros, e a
proposta de procedimentos para, a partir das competências,
proceder à construção de situações didáticas a fim de intervir nas dificuldades.
A análise da produção do “kit da matemática” mostrou
que a maioria se restringiu à escolha do campo conceitual
do número natural, fundamentando e propondo atividades
relacionadas ao sistema numérico decimal (SND); poucos
propuseram teórica e metodologicamente atividades com os
números racionais (representações decimal e fracionária,
ou operações) ou da área de geometria. Nossa hipótese
para explicar tal dado é que muitos já haviam participado
de cursos ditos de capacitação – sobretudo os pedagogos
que trabalhavam, na época do estudo, no magistério dos
primeiros anos do Ensino Fundamental – os quais, no geral,
se restringem ao SND.
As dificuldades observadas com relação aos demais
conceitos abordados no nosso procedimento, particularmente a passagem do número natural para os racionais (representação fracionária e decimal), são as mesmas descritas
nos estudos com professores (Leikin, 2005; Pina Neves,
Figura 7: Exemplo de nível 2 de resolução da 4ª fase.
Docência universitária e pesquisa * Maria Helena Fávero & Regina da Silva Pina Neves
325
2008) e nos sistemas oficiais de avaliação de estudantes,
como já mencionado na introdução deste trabalho. Por
isso mesmo entendemos que estes resultados confirmam
a análise de Fávero (2009a) já referida, justifica o desafio
de trabalhar com pedagogos e psicólogos em processo de
especialização em psicopedagogia e, ao mesmo tempo,
fundamenta a pertinência do nosso procedimento para o
desenvolvimento de novas competências no adulto, que
manteve um movimento contínuo entre a proposta de
situações-problema, a discussão dos diferentes modos de
elaborar resoluções e a análise de cada uma das resoluções
propostas, considerando-se os registros, os algoritmos utilizados e a filiação entre competências e dificuldades em uma
situação de interação.
O desenvolvimento das competências descritas e
a tomada de consciência confirmam a pertinência teórico-conceitual e metodológica deste procedimento para engendrar o pensamento criativo, o pensamento analítico e o
pensamento prático que, em última análise, diz respeito à
tese retomada abaixo:
sobre a relação entre aquisição de conhecimento e construção da cidadania.
A segunda consideração refere-se à questão da relação entre conhecimento e gênero. As concepções sobre a
matemática evidenciadas em nosso estudo têm uma relação
estreita com a escolha profissional, como já discutiu Fávero
(2010b), a qual não pode mais ser ignorada:
[...] de acordo com o raciocínio que temos desenvolvido —
e isto é fundamental para uma mudança de perspectiva na
análise do ensinar e do aprender —, tanto uma aprendizagem
bem sucedida como a dificuldade vivida numa situação de
aprendizagem nos fornecem dados sobre o desenvolvimento
cognitivo. Em resumo, é esta ideia que está implicada
quando se adota uma abordagem construtivista para a
análise do ensinar e do aprender. Do mesmo modo, é essa
ideia que está implicada quando se considera o ser humano
um construtor ativo do seu desenvolvimento nessa mesma
análise (Fávero, 2008, p. 24, grifos da autora)”.
conservadora das áreas de conhecimento — bem diferente
da proposição de uma ciência vista como uma práxis social
como outra qualquer — que mantém a hegemonia das
representações sociais de gênero e a hegemonia de uma
classe social, uma vez que, no geral, evita as questões
que discutimos no início, já que, em suma, isto implicaria
em adotar uma prática de ensino que efetivamente
contextualizasse o conhecimento científico do ponto de vista
histórico, social e ideológico (Fávero, 2010b, p. 190-191).
Conclusões
O estudo aqui relatado sugere pelo menos três considerações que se articulam. A primeira delas diz respeito
à prática docente universitária. Defendemos neste trabalho,
em consonância com as teses dos autores aos quais fizemos
referência, que é possível sistematizar a atividade docente
de modo que sua prática possa gerar dados para sua própria
avaliação e assim se fundamentar na pesquisa, rompendo
com a concepção de que “na prática a teoria é outra”. Pelo
contrário: tendo em conta o aporte teórico-metodológico que
adotamos segundo o qual, como diz Fávero (2005), as ações
humanas têm um fundamento que lhes dão significado, toda
e qualquer prática docente, explícita ou implicitamente, fundamenta-se em uma teoria. O presente trabalho defendeu a
tese de que essa teoria deve se construir na sistematização
dos dados obtidos na prática, se de fato for almejado que
ela viabilize a interação efetiva entre estudantes e conhecimento, entendendo-se que tal interação é importante para o
desenvolvimento psicológico humano, portanto, importante
também para a construção do pensamento crítico. Essa tese
se coaduna com a análise mais ampla de Fávero (2009b)
326
[...] não temos receio de afirmar que a instituição escolar
mantém uma prática que fundamenta um paradoxo
exemplar: não se faz referência ao patriarcado e nem às
suas premissas, mas seus significados são mediados e por
isso mesmo ele é mantido, o que implica, como sabemos,
em sérias consequências para o exercício da cidadania. Isto
é o mesmo que dizer que a forma e o conteúdo da mediação
das áreas de conhecimento nas instituições educacionais
e aqui estamos incluindo a universidade, têm de um modo
geral, ignorado sistematicamente as discussões e análises
já produzidas sobre as ideologias de gênero e de ciência
[...] o ponto central desta questão é a manutenção, por meio
da mediação exercida pela educação formal, de uma visão
A terceira consideração diz respeito à necessidade
de se viabilizar um ensino para o adulto que leve em conta a
sua capacidade de pensamento pós-formal, considerando-se, com Sinnott (2009), que sua essência é a capacidade
para ordenar vários sistemas de operações formais ou sistemas de verdade, o que se compatibiliza com a abordagem
de Fávero (2012b) adotada no presente trabalho, cujo relato
evidencia que isso é factível.
Partindo da integração teórico-metodológica, exposta na introdução, podemos dizer que a prática docente
que sistematizamos contribuiu para o desenvolvimento de
competências conceituais no adulto, evidenciando-se: o
desenvolvimento da compreensão do papel da mediação,
da representação e do registro na conceituação matemática;
o desenvolvimento da compreensão da importância dessa
mediação, da conceituação e da notação para o desenvolvimento psicológico, o que inclui a construção das concepções
sobre matemática ao longo da história de escolarização de
cada um; a tomada de consciência em relação à importância
da discussão sobre o currículo de matemática da Educação
Básica e sobre as práticas de avaliação vigentes; a tomada
de consciência sobre a importância do debate sobre as Diretrizes Curriculares dos Cursos de Licenciatura em Matemática e Pedagogia e a prática da pesquisa na formação inicial e
continuada de professores e profissionais que atuam direta
ou indiretamente com a Educação.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 319-328.
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Recebido em: 20/06/2012
Reformulado em: 27/11/2012
Aprovado em: 04/02/2013
Sobre as autoras
Maria Helena Fávero ([email protected])
Universidade de Brasília, Doutora.
SQN 205 Bloco L apto. 506; 70.843-120, Brasília, DF.
Regina da Silva Pina Neves ([email protected])
Consultora do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), Doutora.
Quadra 107, lote 08, Edifício Park Boulevard, Bloco A, apt 201 Águas Claras, Distrito Federal CEP: 71.920.540
O estudo que descrevemos se insere no projeto maior - AS RELAÇÕES E SIGNIFICADOS DE GÊNERO NA CONSTRUÇÃO E NA MEDIAÇÃO
DO CONHECIMENTO MATEMÁTICO (CNPq, 308849/2009-4), em desenvolvimento sob a coordenação da primeira autora. Agradecemos
aos participantes deste estudo que, como profissionais cônscios da importância de se fazer da didática universitária um lócus de pesquisa,
concordaram em participar deste trabalho.
Uma versão preliminar deste estudo foi apresentada no CIAEM-IACME: FÁVERO, M. H.; PINA NEVES, R. S. A didática como lócus de pesquisa
na educação matemática: a mediação do conhecimento com profissionais adultos. In: CIAEM-IACME - CONFERÊNCIA INTERAMERICANA DE
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 13., 2011. Comité Interamericano de Educación Matemática, Anais... Recife, 26-30 junho 2011. Disponível em:
<http://www.cimm.ucr.ac.cr/ocs/index.php/xiii_ciaem/xiii_ciaem/paper/viewFile/1589/212>. Acesso em: 10/05/2012.
328
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 319-328.
Professores sabem o que é bullying?
Um tema para a formação docente
Elizângela Napoleão da Silva
Universidade Federal de Pernambuco - PE
Ester Calland de S. Rosa
Universidade Federal de Pernambuco - PE
Resumo
A pesquisa, de cunho qualitativo, abordou o bullying na formação de professores, tendo como objetivo refletir a respeito das concepções
sobre o fenômeno e do que eles consideram serem formas eficazes de intervenção diante dos casos ocorridos em escolas públicas do ensino
fundamental, e ainda sobre as demandas para a formação docente. Foram entrevistados seis professores em uma escola municipal do Recife
e seis licenciandos da Universidade Federal de Pernambuco. Como resultado, identificamos que os participantes tiveram dificuldade em
definir o bullying e de caracterizar sua abrangência na escola. Consideram o tema relevante, embora apontem que está pouco presente
nos cursos de formação. Quanto à intervenção, propõem o diálogo e o envolvimento de pais e de autoridades públicas. Conclui-se
que o bullying é reconhecido como problema concernente às escolas e aos professores, porém não se constitui num tópico de estudo
sistemático na formação de licenciados.
Palavras-chaves: Bullying, formação de professores, ensino fundamental.
Do teachers know what is bullying? A teacher training issue
Abstract
This qualitative research focused on how teacher education approaches bullying and aimed to identify what teachers think about this phenomena,
how they interfere when it happens in elementary public schools and what do they expect to study about this theme during teacher training. Six
trainees and six public school teachers were interviewed in Recife, Brazil. As results, we identified that the research participants found it difficult to
characterize how bullying is present in schools. They consider that this is a relevant issue, even thou they recognize that their teacher education
did not address this problem. When questioned about how to interfere, they proposed that dialogue is the best resource and that parents and other
authorities must be involved. The study leads to conclude that bullying is recognized as a problem that concerns schools and teachers, but it has
not been studied regularly in formal education or in teacher training.
Keywords: Bullying, teacher education, elementary education.
¿Profesores saben qué es bullying? Un tema para la formación docente
Resumen
La investigación cualitativa enfocó el tema bullying en la formación de profesores y tuvo como objetivo reflexionar sobre las concepciones sobre
el fenómeno, sobre lo que consideran medios eficaces de intervención ante casos ocurridos en escuelas públicas de enseñanza fundamental,
así como sobre las demandas para la formación docente. Se entrevistó seis profesores en una escuela municipal de Recife y seis estudiantes de
licenciatura en la Universidad Federal de Pernambuco. Los resultados identifican que los participantes tuvieron dificultades de definir bullying y de
caracterizar su presencia y alcance en la escuela. Además, consideran el tema relevante, a pesar de indicar que está poco presente en los cursos
de formación. En cuanto a formas de intervención proponen el diálogo y el envolvimiento de los padres de familia y otras autoridades públicas. Se
concluye que el bullying es reconocido como problema que concierne a escuelas y profesores, sin embargo no se constituye un tópico de estudio
sistemático en la formación de licenciados.
Palabras Claves: Bullying. Formación de profesores. Enseñanza Fundamental.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 329-338.
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Introdução
O tema do bullying tem tido presença em manchetes
de jornais, principalmente quando ocorrem desfechos trágicos. O termo bullying vem da palavra inglesa bully, que significa valentão e é utilizada de modo geral para dar nome “ao
desejo consciente e deliberado de maltratar outra pessoa e
colocá-la sob tensão” (Tatum e Herbert, citados por Pedra
& Fante, 2008). O bullying se caracteriza pela ocorrência de
ações agressivas, intencionais, repetitivas e sem motivação
aparente que causam dor, angústia ou intimidação. Segundo
Fante (2005), o que propicia a ocorrência do bullying é a
existência de um desequilíbrio de poder entre o agressor e
a vítima, e se deve ao fato de o agredido não conseguir se
defender, por não ser tão forte quanto o agressor ou por possuir características psicológicas ou físicas que o tornam alvo
de discriminação. Como características do bullying podem-se citar as agressões físicas, insultos, difamação, exclusão,
isolamento, roubo de pertences, apelidos, humilhações, intimidações, discriminações, insinuações e ofensas.
As vítimas desse fenômeno podem sofrer danos
psíquicos difíceis de reparar, e eventualmente desenvolvem
quadros depressivos, apresentam dificuldades em relacionar-se com outras pessoas, passam a ter dificuldades no
aprendizado, podendo inclusive assumir a posição de agressores em novas situações de bullying (Lopes Neto, 2005)
Alvos, autores e testemunhas enfrentam consequências físicas e emocionais a curto e longo prazo, as quais podem causar dificuldades acadêmicas, sociais, emocionais e
legais. Evidentemente, as crianças e adolescentes não são
acometidas de maneira uniforme, mas existe uma relação
direta com a frequência, duração e severidade dos atos de
bullying.
É importante destacar, como o faz Lopes Neto, que
no fenômeno bullying os participantes não se restringem às
vítimas e aos agressores, mas também existem as testemunhas, pessoas que não sofrem e não praticam o fenômeno
diretamente, mas presenciam quando ele ocorre, porém não
fazem nada para ajudar as vítimas a defender-se, pois têm
medo de também tornar-se alvo de ataques.
O bullying pode ocorrer em diversos locais, contudo
é no ambiente escolar que a incidência desse fenômeno é
maior. A esse respeito, Pedra & Fante, (2008, p. 41) afirmam:
Simplesmente, os que praticam bullying elegem um colega
que tenha em seu aspecto físico ou psicológico traços que
denunciam ser ele uma presa fácil aos ataques. Portanto o
bullying nasce da recusa a uma diferença, da intolerância, do
desrespeito ao outro.
Geralmente, quem age como agressor em situações
de bullying são pessoas arrogantes, que têm habilidades
persuasivas e se divertem ridicularizando e provocando
sofrimento em colegas a quem direcionam suas agressões
de modo sistemático e aparentemente sem motivo. Essas
características se contrapõem às das vítimas, que são usu-
330
almente retraídas e tímidas, têm baixa autoestima e tendem
a ser submissas (Pedra & Fante, 2008).
Devido à grande proporção que esse fenômeno está
ganhando na sociedade, e particularmente no ambiente
escolar, instaurou-se atualmente uma preocupação quanto
à forma de lidar com o assunto. Em debates transmitidos
pelos meios de comunicação de massa fica evidente a busca por ações e medidas efetivas que ajudem a combater o
bullying. Nesta direção, a escola, que lida diretamente com
alunos pré-adolescentes, adolescentes e jovens, torna-se
o local onde se concentram as ações de enfrentamento do
problema, pois estudos evidenciam que casos de bullying
são mais frequentes entre alunos do 6º ao 9º ano do Ensino
Fundamental (Pedra & Fante, 2008). Uma justificativa para
essa concentração maior é o fato de ser este um período da
vida em que os papéis sociais introjetados se manifestam
com maior clareza.
Não obstante, é importante frisar que antes de classificar um ato de violência como bullying deve-se analisar
o contexto situacional, levando-se em consideração as características individuais das pessoas envolvidas, bem como
os contextos familiar e escolar, pois estes núcleos sociais
influenciam o comportamento do indivíduo. Nesta direção,
vale a seguinte recomendação:
Para prevenir e enfrentar o bullying ou qualquer outro tipo de
violência que ocorre no contexto escolar, não se deve partir
de receitas prontas e fechadas, pois cada escola possui
uma realidade específica, onde são construídas relações
diferenciadas entre os seus membros. Sendo assim, o
bullying também irá se apresentar de formas diferentes em
cada contexto, não devendo, portanto, ser avaliado de modo
descontextualizado. (Freire & Aires, 2012, p. 57)
Se este é um debate que concerne à sociedade
como um todo, pois evidencia que as causas e consequências do fenômeno não se circunscrevem apenas a uma
esfera intersubjetiva, ocasional ou própria dos processos de
desenvolvimento humano, mais particularmente interessa a
educadores, tanto os que atuam no campo escolar quanto
aqueles em processo de formação profissional.
Apesar de uma discussão mais ampla desenvolvida
nos meios de comunicação, e da presença deste tema como
parte da formação inicial de pedagogos, identificamos que
esta temática tem se constituído num campo ainda incipiente de pesquisa acadêmica. Evidência disto é que, em
levantamento sobre os trabalhos apresentados nos últimos
cinco anos nas reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED)1 e no Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino (ENDIPE)2,
nenhuma pesquisa apresentada naqueles fóruns de divulga1 Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação
(2011). Recuperado: 20 jun. 2011. Disponível: http://www.anped.org.
br/
2 Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino (2010).
Recuperado: 20 jun. 2011. Disponível: http://www.fae.ufmg.br/
endipe/programacao.php
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 329-338.
ção científica abordava o tema do bullying na formação dos
professores.
Em buscas realizadas no site da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) no
período de 2007 a 2011 foram encontrados quatro artigos,
publicados na Revista Psicologia Escolar e Educacional,
que abordavam a violência na escola, e apenas um desses
artigos se referia diretamente ao fenômeno do bullying.
Segundo esse estudo, que tinha como foco a relação entre
bullying, gênero e autoestima,
A interação verificada entre sexo e papéis de bullying
em relação à autoestima indica que, no grupo vítimas/
agressores, o sexo masculino apresentou média superior de
autoestima em relação ao sexo feminino. Entre as meninas,
baixos níveis de autoestima estão relacionados com o papel
de vítima/agressor, o que não ocorre entre os meninos. Uma
explicação para estes achados pode estar na diferença
quanto aos fatores que influenciam a autoestima de meninos
e meninas. (Bandeira & Hutz, 2010, p.136).
Outra fonte pesquisada foi a Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP), que
nos cinco últimos anos registrou em seus anais somente
uma pesquisa sobre o bullying. Esse estudo dava ênfase
às questões afetivas dos adolescentes, concluindo que os
professores e os pais devem dialogar com eles, buscando
saber como eles se sentem, quais as dificuldades que estão
enfrentando, pois assim eles, em ocorrendo o bullying, conseguiriam ajudá-los a lidar de modo mais satisfatório com a
situação (Tognetta, 2005).
No XX Encontro de Pesquisa Educacional do Norte
e Nordeste (EPENN, 2011) foram encontrados três artigos
no grupo de trabalho (GT) de Sociologia da Educação e um
artigo no GT Psicologia da Educação que tinham o bullying
como tema. Todos se referem a pesquisas empíricas em
escolas, com temas que envolvem, por um lado, os tipos
de violência identificados (Barbosa, Andrade, Montenegro,
& Costa, 2011; Botelho, 2011), e por outro, a violência escolar na perspectiva do aluno (Ferreira & Coelho, 2011;
Nascimento, Vieira, & Trindade, 2011). Na ótica de jovens
estudantes de escolas públicas entrevistados, as práticas de
bullying são
Nocivas ao aluno, prejudiciais ao seu aprendizado e a sua
permanência na escola podendo levá-lo ao adoecimento
e até mesmo ao suicídio como forma de libertar-se do
sofrimento. A intimidação, juntamente com a ameaça, a
humilhação a agressão verbal, física e virtual são formas
frequentes de ocorrência do bullying na escola (Nascimento
e cols., 2011, p. 7).
As discussões em torno da importância de o professor saber mais sobre bullying para intervir em situações de
ocorrência do fenômeno também estão presentes no debate
acadêmico, porém não há consenso entre os autores a esse
respeito, tanto que lguns defendem a ideia de que não é
Professores sabem o que é bullying? * Elizângela Napoleão da Silva & •
necessário o professor saber especificamente o conceito de
bullying para lidar com ele na sala de aula. Nesta direção,
(Santos, 2007) afirma:
Acreditamos que para se combater ou prevenir o bullying na
sala de aula não é necessário o conhecimento do professor
sobre o conceito de bullying, obviamente que se o professor
conhecer o que é o bullying e suas conseqüências tudo será
facilitado para se trabalhar a sua prevenção na sala de aula.
O bullying, em um contexto geral nada mais é do que uma
forma de desrespeito ao próximo, de não aceitação das
diferenças e cabe ao professor trabalhar esses conceitos
com seus alunos e para isso não é necessário que o
professor saiba o que é o bullying. (p.18).
Para fazer essa afirmação, Santos (2007) leva em
consideração que os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) orientam os professores a trabalharem os conteúdos
de ética na sala de aula, o que deveria resultar na redução
da prática do bullying.
Em contraposição a essa afirmação, Toro, Neves,
& Rezende (2010, p. 134) afirmam: “Faz-se necessária,
portanto, a conscientização a respeito do bullying para que
sejam realizadas intervenções criativas e bem contextualizadas, amparadas por relações de confiança”.
Assim, neste debate identificamos uma posição segundo a qual se deve dar prioridade à educação para os
direitos humanos e uma segundo a qual os professores
precisam ser capazes de identificar ocorrências que caracterizam o bullying para que possam intervir de modo mais
eficaz diante do problema.
Pautados nessa segunda perspectiva, estudos realizados pela Associação Brasileira Multiprofissional da
Proteção à Infância e Adolescência (ABRAPIA)3 e pela Plan
Brasil4 apontam possíveis modos de intervir no ambiente escolar de modo a reverter situações de ocorrência de bullying.
Essas organizações fizeram levantamentos de dados que
permitiram conhecer as situações de bullying nas relações
entre estudantes dentro das escolas. Como decorrência
destes estudos, essas organizações criaram programas de
redução da violência que visavam alertar e orientar estudantes, pais, gestores e docentes escolares sobre a ocorrência
de bullying, as formas de reduzir sua frequência e as graves
consequências que pode provocar nas pessoas envolvidas,
nas instituições de ensino e no próprio processo de formação e de consolidação da cidadania. Outros estudos destacam que é importante fortalecer ações contra o bullying já
existentes nas escolas, considerando-se os contextos locais
e suas especificidades.
Esse debate em torno das estratégias de como lidar
com o bullying inclui demandas para a formação docente, o
que nos motivou a levantar como o tema está sendo tratado
3 A pesquisa foi realizada em 2003 pela ABRAPIA, Organização
não governamental idealizada pelo pediatra Lauro Monteiro e
fundada no Rio de Janeiro em 1988.
4 Pesquisa realizada em 2009 pela Plan Brasil, uma organização
não governamental de origem inglesa ativa há mais de 70 anos.
Ester Calland de S. Rosa
331
pelas instâncias reguladoras da educação nacional e por
órgãos representativos de docentes.
Nas buscas realizadas no site do Conselho Nacional
de Educação (CNE)5 foram encontrados artigos em forma de
notícia que tinham o bullying como foco, porém constatamos
que este órgão regulador não tem tratado do tema senão
com um objetivo meramente informativo. Por sua parte, na
página eletrônica da Associação Nacional pela Formação
dos Profissionais da Educação (ANFOPE)6 não foi encontrado nada referente ao tema, mas no site da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)7 foi
encontrada uma revista, intitulada Retratos da Escola, que
trata da violência. Naquela publicação não encontramos
nenhuma menção ao bullying, embora traga artigos que tratam da falta de segurança enfrentada pelos alunos ao irem
à escola ou da violência que pode ocorrer dentro da escola.
Em nosso levantamento, não identificamos nesses
órgãos representativos de professores (a ANFOPE e a
CNTE) e no órgão regulador de políticas nacionais para o
ensino e formação docente (o CNE) nenhuma normatização
ou alguma pauta de reivindicação para a formação de licenciados que tivesse como foco o bullying.
Ademais, as discussões sobre o bullying não se
restringem aos órgãos representativos de professores, pois
esta questão é muito mais ampla. Exemplo disso é a proposição de alguns projetos de lei no Senado Federal que dão
ênfase ao tratamento do bullying8.
O Projeto de Lei nº 228/2010, em tramitação no Senado Federal, versa sobre a inclusão na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9.394/96) de dispositivos que assegurem a adoção de medidas de prevenção e
combate a atos de intimidação e agressão nas escolas. Na
Câmara dos Deputados há sete projetos de lei em tramitação que estabelecem ações com vista a coibir o bullying,
entre os quais se destaca o de nº 6.935/2010, que criminaliza tal prática9.
Em Pernambuco, foi aprovada a Lei n.º 13.995, de 22
de dezembro de 2009, que dispõe sobre a inclusão de medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate
ao bullying escolar no projeto pedagógico elaborado pelas
escolas públicas e privadas de Educação Básica10.
5 Conselho Nacional de Educação. (2011). Recuperado: 15 jun.
2011. Disponível: http://www.cnedu.pt/
6 Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da
Educação. (2011). Recuperado: 17 jun. 2011. Disponível: http://
anfope.spaceblog.com.br/
7 Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação.
Recuperado: 20 jun. 2011. Disponível: http://www.cnte.org.br/
8 Portal de notícias do senado. Recuperado:15 abr. 2011.
Disponível:
http://www.senado.gov.br/noticias/senadoNaMidia/
noticia.asp?n=543293&t=1
9 Projeto de lei n. 6.935/2010, que busca a inclusão do art. 141A no Código Penal Brasileiro, com a seguinte redação: “Intimidar
o indivíduo ou o grupo de indivíduos que de forma agressiva,
intencional e repetitiva, por motivo torpe, cause dor, angústia ou
sofrimento, ofendendo sua dignidade: Pena – detenção de um
mês a seis meses e multa. Recuperado: 28 nov. 2011. Disponível:
http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/criminalizacao-dobullying-posicao-contraria/9950
10 Lei nº 13.995, de 22 de dezembro de 2009. Dispõe sobre a
332
Diante do exposto, entendemos que no âmbito educacional o tema não tem tido prioridade, o que dificulta a
tomada de decisões tanto por parte de professores quanto
de gestores educacionais para o enfrentamento do fenômeno de forma adequada e ampla.
Diante da constatação de que este tema ainda não
ganhou centralidade nas pesquisas no campo educacional
nem na formulação de políticas públicas mais abrangentes,
entendemos que várias dimensões do fenômeno ainda precisam ser objeto de reflexões e estudos mais sistemáticos.
Neste contexto, o estudo relatado neste artigo teve
como objeto investigar quais as demandas formativas de
professores já formados ou em processo de formação inicial para lidar com jovens na faixa do segundo segmento
do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) em termos de conhecimentos e maneiras de intervir nas situações de bullying
na escola. A pesquisa empírica foi realizada em 2011 numa
escola da rede municipal de ensino do Recife e na Universidade Federal de Pernambuco, com estudantes, docentes
e coordenadores de cursos de licenciaturas diversas. O
relato apresentado neste artigo é um recorte dessa investigação, com ênfase no que foi coletado junto a dois grupos
de informantes: os estudantes de cursos de licenciatura e
os docentes que atuam no segundo segmento do Ensino
Fundamental.
Metodologia
A pesquisa realizada é de natureza qualitativa e
exploratória e utilizou entrevistas como procedimento para
coleta de dados, uma vez que esta abordagem favorece
uma aproximação da forma como os professores regentes e
estudantes de licenciaturas diversas falam sobre suas concepções de bullying e sobre as demandas formativas nessa
área. Para Gil (1999), este tipo de estudo visa proporcionar
ao pesquisador um maior conhecimento sobre o tema, de
modo que esse possa formular problemas mais precisos ou
criar hipóteses que possam ser pesquisadas em estudos
posteriores. As pesquisas exploratórias visam proporcionar
uma visão geral sobre determinado fato, do tipo aproximativo (Gil, 1999, p. 43).
O presente estudo buscou identificar, por meio de levantamento bibliográfico, de análise de documentos oficiais
de entidades representativas de professores e de entrevistas
com estudantes e com professores licenciados em diversas
áreas do conhecimento, quais as demandas formativas para
lidar com jovens na faixa do segundo segmento do Ensino
Fundamental (11-14 anos) em termos de conhecimentos e
maneiras de intervir nas situações de bullying na escola.
inclusão de medidas de conscientização, prevenção, diagnose
e combate ao bullying escolar no projeto pedagógico elaborado
pelas escolas públicas e privadas de Educação Básica do Estado
de Pernambuco e dá outras providências. Palácio do Campo das
Princesas. 2009. Recuperado: 28 nov. 2011. Disponível: http://
suelyedh.blogspot.com/2010/06/bullying-lei-ao-enfrentamentoviolencia.html
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 329-338.
A coleta de dados, para a qual foi utilizada entrevista
semiestruturada,11 envolveu a introdução de questões que
não estavam previstas no roteiro inicial, mas surgiram de
acordo com o que aconteceu no processo em relação às informações que se desejava obter, proporcionando assim um
aprofundamento do tema pesquisado. As entrevistas foram
audiogravadas em sistema digital (mp4) e posteriormente
transcritas.
As entrevistas com licenciandos foram realizadas na
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)12, que possui
ao todo 86 cursos de graduação distribuídos nos campi do
Recife, de Caruaru e de Vitória de Santo Antão. Aquela instituição de ensino superior abriga cursos das mais diversas
áreas do conhecimento, dentre os quais vinte e um são de
licenciaturas diversas.
Já as entrevistas com professores regentes com
formação em diferentes licenciaturas ocorreram em uma
escola municipal localizada na Zona Sul do Recife que
atendia 787 alunos. A escolha dessa escola como campo de
pesquisa deveu-se ao fato de nela ter ocorrido um caso de
bullying que ganhou repercussão nacional, por ter tido um
desfecho trágico, com agressões físicas contra uma jovem
estudante nas imediações da escola13. Como decorrência do
fato, houve intervenções por parte da Secretaria Municipal
de Educação, que realizou uma série de palestras especificamente voltadas para o tema do bullying, envolvendo os
professores da escola.
Na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) foram entrevistados ao todo seis estudantes, distribuídos entre
os que cursam licenciatura nas três áreas que organizam o
currículo, que são a de ciências exatas (que compreende os
cursos de Matemática, Física e química), a de ciências humanas (formada pelos cursos de Letras, História e Geografia) e a de ciências da saúde (cursos de Educação Física e
Ciências Biológicas). Dos licenciandos entrevistados, quatro
são do sexo masculino e dois do sexo feminino, com idades
entre 21 e 26 anos. Os critérios para a escolha dos alunos
entrevistados foram eles estarem cursando entre o sétimo
e o nono períodos de seus respectivos cursos e terem experiência de estágio em escola. A razão dessa escolha foi a
pressuposição de que os acadêmicos talvez já tivessem tratado do tema bullying em sala de aula ou vivenciado algum
caso nos estágios em escolas públicas.
Na escola, também foram entrevistados seis professores, sendo um de cada uma das disciplinas que compõem
o currículo do segundo segmento do Ensino Fundamental, o
qual inclui as disciplinas de Português, Educação Artística,
Matemática, Ciências, História, Geografia e Educação Física. Não foi possível entrevistar a professora de Português,
porque ela estava de licença e estava sendo substituída por
um estagiário regente. Desses entrevistados, quatro eram do
11 A referida entrevista se encontra anexada ao final deste artigo
no apêndice A.
12 Entrevistas realizadas em 2011.
13 Aluna é agredida a paulada por não comer merenda escolar em
Recife. Recuperado: 20 nov. 2011. Disponível: http://www.paraiba.
com.br/2011/05/18/59434-aluna-e-agredida-por-nao-comermerenda-escolar-em-recife-veja-video
Professores sabem o que é bullying? * Elizângela Napoleão da Silva & •
sexo feminino e dois do sexo masculino, incluídos na faixa
etária entre 52 e 64 anos de idade. O critério utilizado para
a escolha dos professores que atuam no segundo segmento
do Ensino Fundamental a serem entrevistados era que cada
um fosse de uma licenciatura diferente (para assim abranger todas as disciplinas curriculares) e que contassem pelo
menos cinco anos de atuação na área de ensino. A proposta
de entrevistar professores com alguma experiência docente
se apoiou na suposição de que professores iniciantes talvez ainda não se tivessem se deparado com o fenômeno
bullying em sua prática docente.
Resultados e discussões
Neste item são apresentados os resultados da pesquisa, os quais foram agrupados nas seguintes categorias:
O conceito de bullying e a relevância do tema para os educadores; A abordagem do tema na formação inicial desses profissionais; As formas de intervenção que os docentes consideram mais eficazes. As categorias acima citadas foram
elaboradas com os objetivos de verificar o que os estudantes
das licenciaturas diversas e os professores do segundo segmento do Ensino Fundamental entendem como demandas
para sua formação no tocante à questão do bullying e identificar como estão se preparando para lidar com o assunto e
se eles possuem uma formação que favoreça a escolha de
intervenções pedagógicas diante do problema.
Conceito de bullying e sua relevância.
Quando questionados a respeito do conceito de
bullying e de sua relevância enquanto fenômeno presente
nas escolas, os entrevistados deram respostas que variavam de posicionamentos relativamente superficiais e pouco
delimitados até definições mais precisas e próximas do que
afirmam os estudiosos da área, particularmente aquela postulada por Fante (2005, p. 28-29), quando afirma:
(...) bullying é um conjunto de atitudes agressivas,
intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação
evidente, adotado por um ou mais alunos contra outro(s),
causando dor, angústia e sofrimento. Insultos, intimidações,
apelidos cruéis, gozações que magoam profundamente,
acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam,
ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos, levandoos à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais, são
algumas manifestações do comportamento bullying.
Os entrevistados, tanto os estudantes de licenciatura quanto os professores, quando definem o conceito de
bullying, restringem-no a apelidos ou a algumas características isoladas do fenômeno, como, por exemplo, a provocação, a discriminação e zombaria, a perseguição, piadas, preconceito, agressões e brincadeiras grosseiras. Em alguns
Ester Calland de S. Rosa
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casos, os entrevistados associavam o bullying à violência,
sem maior discriminação do fenômeno.
Desse modo, consideramos que eles têm um entendimento fragmentado e pouco abrangente sobre o conceito
de bulllying, que se caracteriza como um conjunto de ocorrências articuladas, e não como atos isolados de agressão.
Não obstante, um professor definiu o significado do termo
bullying de um modo mais amplo: “É uma palavra inglesa.
Denegrir a reputação de alguém, diminuir a personalidade,
através de crítica, de abuso. Essa palavra significa valentão,
se aproveitar dos menos favorecidos fisicamente como um
gordinho, baixinho”.
Pelo menos um dos licenciandos conceituou o
bullying de modo mais fundamentado ao falar que o fenômeno significa “desigualdade de poder, caso de saúde pública,
acarreta danos psíquicos, agressões”.
Em suas respostas, tanto os professores como os
licenciandos passaram a impressão de que ainda não se
haviam apropriado totalmente do tema, por isso, ao serem
questionados sobre a relevância do bullying, também deram
respostas vagas.
Destacamos aqui duas falas contrastantes, a de um
professor e a de um aluno de licenciatura. O primeiro deu
uma explicação religiosa e moral para a questão, deixando
claro que não vê a possibilidade de abordagem do bullying
no ambiente escolar, pois, segundo ele, “o bullying não é um
assunto que a escola ou a sociedade irá resolver, pois só
Deus quando chegar no dia do juízo poderá resolver esse
e outros problemas que afetam a humanidade”. Para esse
participante da pesquisa, o bullying é um problema que a
sociedade e a escola não poderão resolver e que, por isso
mesmo, foge às possibilidades de uma intervenção pedagógica eficaz. Em contraste, um estudante de licenciatura afirmou: “É um caso de saúde pública. Garantir os direitos do
cidadão e da coletividade. O bullying é um fenômeno decisório de influência enorme do processo ensino-aprendizagem
do aluno. Deve-se atentar para os prejuízos psíquicos da
pessoa”.
Ao situar a questão como um fenômeno mais coletivo
(de saúde pública) e capaz de intervir no processo de aprendizagem, relega tanto aos profissionais da saúde quanto
aos de ensino a responsabilidade de conhecer e intervir no
fenômeno. Nessa direção Lopes Neto (2005) afirma: “As instituições de saúde e educação, assim como seus profissionais, devem reconhecer a extensão e o impacto gerado pela
prática de bullying entre estudantes e desenvolver medidas
para reduzi-la rapidamente” (p. 170).
Nesta mesma direção, o estudo de Freire e Aires
(2012), citado anteriormente, recomenda não agir perante
o bullying com receitas prontas, mas atentar para a questão de que o fenômeno deve ser avaliado sempre em seu
contexto social, com suas devidas particularidades, as quais
envolvem tanto a família quanto a escola. Além disso, num
sentido mais amplo, os enfrentamentos que ocorrem nas
situações de bullying podem evidenciar valores hegemônicos na sociedade que são reproduzidos numa instância
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intersubjetiva, não se caracterizando exclusivamente como
uma questão de natureza psicológica.
Ao analisar a respostas dadas sobre o conceito de
bullying nota-se que todos os entrevistados, apesar de
afirmarem já terem ouvido falar sobre o bullying, ainda não
tinham um conhecimento amplo sobre o assunto e por isso
acabavam resumindo o bullying a agressões verbais ou físicas, perseguição e apelidos, ou simplesmente não emitiam
opinião sobre o tema, por não saberem muita coisa a respeito ou por não quererem falar sobre o assunto. Nesta direção,
podemos indicar que, à semelhança de outros problemas,
como as discriminações de gênero e raça/etnia, o “silenciamento” acaba favorecendo uma omissão diante das vítimas
e dos agressores, e a falta de informações parece favorecer
posturas imobilistas diante das ocorrências na escola.
O bullying na formação docente
Dos seis entrevistados, apenas um professor afirmou
ter estudado sobre o bullying durante a sua formação inicial,
por meio de debates nas disciplinas de Psicologia Social e
Prática de Ensino. Uma professora afirmou ter assistido a
aulas em que “falavam sobre discriminação”, e os demais
professores afirmaram não ter sido abordado o assunto em
nenhuma momento de sua formação inicial para a docência. Como esse grupo já atuava na profissão havia mais de
vinte anos, inferimos que sua formação inicial se dera num
período em que a discussão sobre o bullying não se constituía num tema que fizesse parte do repertório de conteúdos
tratados nos cursos de graduação de licenciandos.
Por sua vez, os alunos de cursos de licenciatura
entrevistados afirmaram ter sido tratado o assunto em disciplinas como Psicologia da Educação (quando se discute o
desenvolvimento socioafetivo), Prática de Ensino e Didática.
Somente um aluno disse não ter estudado esse assunto em
nenhuma disciplina. Os demais haviam estudado o tema nas
disciplinas de Psicologia da Educação, Didática, Prática de
Ensino, Fundamentos da Educação, Sociologia, Filosofia,
Direito à Cidadania. A incidência maior de referências ao
estudo do tema ocorreu na disciplina Psicologia.
Em relação aos conteúdos tratados, dois dos professores que haviam estudado o bullying em sua formação
inicial disseram que o assunto fora abordado em forma de
debates gerais em sala de aula. Desses dois educadores
que haviam estudado o assunto, um afirmou não saber especificar o conteúdo e uma professora disse que o assunto
fora tratado como discriminação, pois no tempo em que ela
se formara o termo bullying não era conhecido.
Por sua vez, quando questionados sobre que conteúdos envolviam o tema do bullying nas disciplinas acadêmicas, quatro alunos de licenciatura falaram que o assunto
foi estudado em forma de debates, seminários ou discussões. Um estudante disse não ter estudado em nenhuma
disciplina. Vale destacar a fala de um dos educandos, que
explicou como a abordagem do bullying era feita nas disciplinas: “Elas (as disciplinas) têm em comum ressaltar o caráter
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 329-338.
de alta relevância a observância do fenômeno no ambiente
escolar, minuciando (sic) os possíveis desdobramentos caso
ocorra, bem como quais seriam as posturas; medidas de intervenção e prevenção”.
Desse depoimento destacamos o fato de que a abordagem do tema na formação inicial do estudante não se restringiu à dimensão cognitiva da questão, incidindo também
na esfera atitudinal, o que reforça a ideia defendida por estudiosos da área de formação docente de que a identidade
profissional não se constitui apenas de aspectos técnicos,
mas envolve a pessoa do educador como um todo (Candau,
1997; Nóvoa, 1992; Sacristán, 1993;).
Os licenciandos que afirmaram ter sido tratado o
bullying através de discussões e debates afirmaram que o
assunto surgira a partir do interesse deles mesmos, devido
à vivência deles nos estágios, e não porque os professores
tivessem o bullying como conteúdo programático já previsto
para ser tratado em sala de aula. Se, por um lado, esses depoimentos evidenciam que a abordagem do tema foi ocasional e assistemática, por outro demonstram que a formação
de professores, mesmo na etapa inicial, precisa considerar
a experiência docente e os problemas que emergem do cotidiano escolar.
Formas de intervenção
Ao serem perguntados sobre suas intervenções diante da ocorrência de bullying na sala de aula, os professores
entrevistados afirmaram que sua primeira reação é observar
se as agressões são persistentes e em seguida dialogar com
os envolvidos, buscando mostrar-lhes que estão agindo de
modo errado. Se a conversa não surtir efeito, eles encaminham o caso para a direção da escola ou para outras autoridades, por exemplo, para o conselho tutelar. Sobre isso uma
professora falou: “Observando a forma de agressividade a
partir daí favorecer o encaminhamento para cada caso, por
exemplo, o caso de chamar os pais, o caso de conversar,
tem o caso de chamar a polícia, o conselho tutelar. Tem formas e até graus de agressividade do bullying”.
Um professor disse: “Converso, explico por que não
pode agredir, e se possível, eu repreendo mesmo de voz
grossa”. Por sua vez, uma das professoras afirmou: “Intervenho todos os dias, todos os dias dizendo o que é bullying,
quando eu vejo alguma brincadeira para menosprezar o outro, sempre reclamo. Nós temos um menino que ele é cego
e mudo e eles chamavam ceguinho, ceguinho. Eu disse: por
que ceguinho? Ele tem nome, o nome dele é Daniel14 e o
nome dele é até bonito. Então eu chamei os pais dos meninos que o chamavam de ceguinho, conversei com os pais e
os pais “acocharam” de um lado e eu “acochei” do outro e
hoje os meninos não chamam mais ele de ceguinho”.
Uma professora respondeu: “Conversando com os
alunos, esclarecendo”. Por fim, outra professora afirmou:
“Dialogo com o grupo ou particularmente com algum aluno
14 Nome fictício.
Professores sabem o que é bullying? * Elizângela Napoleão da Silva & •
orientando o que não deve fazer, como ele se sentiria...
Chamando à confiança. Como é que ele se sentiria se fosse
com ele, orientando a aceitar e valorizar o colega. Quando
não tem solução, a gente parte pra família ou vem à coordenação, à direção, entendeu? Devemos ter palestras, cursos
que abordem o tema”.
Deste modo, identificamos que os professores assumem uma postura de reação somente diante do fenômeno,
mas só reagem quando percebem que o bullying está acontecendo. Essa postura dos professores indica que, apesar
de a escola ter em seu histórico um caso de bullying diagnosticado e, devido a esse fato, a Secretaria de Educação
ter realizado na escola palestras sobre o tema, os docentes
sentem carência de apoio no enfrentamento do problema,
a ponto de sugerirem que a escola propicie mais debates,
palestras e cursos sobre o tema. Em nenhum momento das
entrevistas os professores se referiram à existência, na escola, de algum programa ou iniciativa de ação contínua que
objetivasse a prevenção e o enfrentamento do bullying, além
das palestras pontuais que foram oferecidas pela Secretaria
de Educação, as quais parecem não ter sido suficientes para
instrumentalizá-los para uma intervenção mais eficaz. Uma
professora chegou a expressar o sentimento de que não
estava preparada para intervir nesses casos ao afirmar: “A
gente precisava de mais capacitação, apesar de que a gente
teve uma muito boa aqui”.
Por sua vez, quando questionados sobre as maneiras de intervenção diante do fenômeno, os estudantes de
licenciaturas diversas tiveram respostas bem semelhantes
às dos professores experientes. Todos afirmaram agir (nas
situações de estágio) através de observações e conversas,
e quando percebiam que essas conversas eram insuficientes para reverter a situação, levavam o caso para a direção
da escola.
Um dos licenciandos especifica qual o modo como
pretende agir diante de possíveis casos de bullying: “Primeiramente repreenderia o causador do bullying e depois iria
tentar conscientizá-lo juntamente com a turma de que aquilo
é errado. O professor deve saber primeiramente os sinais
ou indicadores do bullying para poder intervir caso precise,
como também seus efeitos”.
Outro aluno de licenciatura disse: “Conversava e punia; chamava pai e mãe”. Por sua vez, um terceiro licenciando respondeu: “Converso com os alunos pra eles entenderem que aquilo ali não é o certo. Acho que deve haver cursos
de capacitação”. Por sua vez, um dos alunos de licenciatura
disse: “Interviria através de diálogos com os envolvidos”.
Outro estudante propôs uma intervenção mais pontual, com
o acionamento de profissionais do campo da Psicologia:
“A bem da verdade, a intervenção seria segmentada em
etapas. Reconhecido o caráter intrínseco do fenômeno da
desigualdade de poder, encetaria esforços no sentido da
conversa com as partes, defendendo a vítima, na tentativa
de equilíbrio na relação; no entanto, como sabido, devido
ao aspecto reprodutor o agressor, pode ter sido uma vítima,
então é necessário investigar esses aparentes pormenores,
para intervir com maior propriedade. Segundo: após intervir
Ester Calland de S. Rosa
335
no sentido de cessar com os constrangimentos e violência
simbólica própria do fenômeno, na busca de um equilíbrio de
forças, alçaria a possibilidade de, após uma conversa com
as partes, de um acompanhamento psicológico, haja vista
os possíveis e prováveis traumas”.
Desse modo, todos falaram que tratam (ou tratariam)
o bullying através de diálogos com os participantes do fenômeno ou com autoridades (pais, diretores das escolas)
Quando o caso não é resolvido pela escola ou pelos pais,
alguns sugerem acionar a polícia ou o conselho tutelar.
Das propostas de intervenção apresentadas podemos inferir que tanto professores experientes quanto
estudantes de licenciatura entendem que o bullying é um
fenômeno que deve ser resolvido mediante o estabelecimento de uma relação de autoridade – de professor, de pai/
mãe, de diretor da escola, de polícia, de conselheiro tutelar.
A autoridade, nesses casos, instaura-se mais pelo diálogo
e pela repreensão verbal, e somente em casos mais extremos, com medidas repressivas. Nas falas aparecem tanto
propostas de intervenção mais pontual, numa abordagem
direta dos agressores, quanto formas de envolvimento do
grupo/classe. Em ambos os casos, a estratégia central é
“dar lição”, ou seja, o educador concentrar-se na capacidade
argumentativa, sem que outros modos de envolvimento dos
estudantes sejam apresentados.
Podemos identificar limites no modelo proposto pelos
participantes da pesquisa, pois este teria como resultado “a
imposição heterônoma de valores e normas” (Puig, 1988,
p.15), não contribuindo para a construção de relações que
tenham como base o respeito mútuo, a reciprocidade, a cooperação e o juízo moral autônomo (Araújo, 1999, p.106).
Além disso, os professores circunscrevem sua intervenção ao campo da admoestação, com apelo à autoridade
própria ou de outros. Nesta direção, entendem que a questão
pode ser resolvida através do convencimento ou da coerção;
porém estudos em educação mora indicam que problemas
que envolvem preconceitos e valores demandam estratégias que incidam não somente sobre os aspectos cognitivos,
mas que ajudem na construção de novas sociabilidades e
na mudança de atitudes (La Taille, 1999; Puig, 1988). Desse
modo, parecem reproduzir com os estudantes na escola o
modelo presente em seus processos de formação docente,
ou seja, tratam a questão apenas no âmbito do debate, da
informação, sem considerar aspectos de natureza mais socioafetiva. Mesmo o estudante que mencionou um possível
apoio psicológico, não formulou sua proposta em termos
mais amplos, mas fundamentou-a num atendimento individualizado e descontextualizado.
Considerações finais
O estudo que serviu de referência para este artigo
(Silva & Rosa, 2011) evidencia, à semelhança do que é
defendido também por outros autores, como Toro e cols.
(2010), que os educadores sabem pouco sobre o fenômeno
do bullying e que isso tem repercussões nos modos de eles
336
planejarem e realizarem suas intervenções pedagógicas
neste campo. Evidencia, ainda, que o tema é pouco tratado,
tanto nos processos de formação inicial quanto nos programas de formação continuada de professores e de outros
profissionais da educação, como gestores e coordenadores
pedagógicos, por exemplo. Por fim, os dados coletados também chamam a atenção para lacunas nos procedimentos didáticos adotados nos processos formativos dos educadores.
Mesmo dentro dos limites de um estudo exploratório,
podemos afirmar que o conjunto dos depoimentos coletados
junto a professores e estudantes de licenciatura apontou a
necessidade de rever os programas de formação inicial e
continuada de professores para que estes atuem de modo
mais eficaz diante de demandas do cotidiano escolar, como
é o caso do bullying. Também indica que a realização pontual de debates ou de palestras é insuficiente para que s
professores tenham melhores condições de intervir diante
da ocorrência de bullying na escola.
O que os professores devem saber sobre bullying
não precisarem esperar que ele ocorra para então reagirem?
Como podem organizar uma intervenção que seja de fato
pedagógica? Que outras referências podem compor essa
intervenção além do apelo à autoridade ou a um eventual
sentimento de culpa por parte do agressor? Que aportes a
Psicologia Educacional pode trazer para a formação docente neste campo? Essas são questões que emergem a partir
do estudo aqui relatado e que certamente demandam novas
investigações que contribuam para uma revisão dos modelos adotados nas instituições formadoras, como é o caso das
universidades. Como nos lembra Nóvoa (1992),
Estar em formação implica um investimento pessoal, um
trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos
próprios, com vista à construção de uma identidade, que é
também uma identidade profissional (p. 25).
Para finalizar, destacamos aqui a resposta do professor que propôs uma postura religiosa e determinista
em relação ao bullying: a de que “só Deus poderá resolver
esse problema quando chegar o juízo final”. Esse modo de
compreender o fenômeno indica que o desafio da formação
docente no que tange a essa problemática exige uma abordagem que supere uma perspectiva meramente informativa
ou cognitivista da questão, já que a forma de compreender
o bullying pode envolver atitudes e sentimentos que não se
sustentam apenas na racionalidade. Essa reflexão nos leva
também a questionar a principal estratégia de intervenção
proposta pelo grupo de professores, já que aquela é pautada, basicamente, por um modelo racional, que não considera as dimensões atitudinal e afetiva na abordagem do
fenômeno.
Uma boa alternativa, já formulada e experimentada
por organizações da sociedade civil, é incluir no currículo
escolar a abordagem do problema bullying através da discussão de textos e de simulações, visando sensibilizar os
alunos e alertá-los para que não sejam obrigados a sofrer
em silêncio.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 329-338.
O debate sobre o bullying e suas formas de intervenção, uma vez presente nos espaços formativos, tanto
na formação inicial quanto na continuada, pode contribuir,
enfim, para que se construa outro tipo de sociabilidade no
espaço escolar, pautado por valores de solidariedade e de
convivência respeitosa com as diferenças.
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mx/redalyc/pdf/1938/193814418011.pdf
APÊNDICE A
Entrevistas
•
Roteiro de entrevistas bullying estudantes das
licenciaturas diversas.
Dados pessoais:
Nome:
Idade:
Sexo:
1. Qual o seu curso?
2. Em que período do curso você está?
3. Já atuou como professor/estagiário em alguma
escola? Pública ou privada? Quanto tempo?
4. Você sabe o que é bullying?
5. Quais os sinais ou indicadores levam a identificar o bullying?
6. Você acha o tema relevante, por quê?
7. Durante o seu curso você já ouviu falar sobre
bullying?
8. Em que disciplinas você viu o tema?
9. De que forma era trabalhado o bullying?
10. Você acha que estaria preparado para fazer
intervenções se houvesse casos de bullying no
seu ambiente de trabalho?
11. De que forma você interviria?
12. O que você acha que professores precisam saber sobre bullying?
Roteiro de entrevistas bullying professores
formados.
Nome:
Idade:
Sexo:
1. Você é professor de que disciplina?
2. Há quantos anos leciona?
3. Você sabe o que é bullying?
4. Quais os sinais ou indicadores levam a identificar o bullying?
5. Você acha o tema relevante, por quê?
6. Durante sua formação você teve disciplinas que
falavam sobre o bullying?
7. Quais disciplinas?
8. De que forma era trabalhado o bullying nessas
disciplinas?
9. Você fez capacitações depois do seu curso que
traziam o tema bullying e suas formas de intervenções?
10. Você se sente preparado para intervir em casos
de bullying?
11. De que forma você intervém/interviria?
12. O que você acha que professores precisam saber sobre bullying?
Recebido em: 21/06/2012
Reformuladoem: 15/02/2013
Aprovado em: 29/04/2013
Sobre as autoras
Elizângela Napoleão da Silva ([email protected])
Pedagoga - Centro de Educação- UFPE. Endereço: Rua Muniz Silva, 398, Ibura. CEP: 51230-460. Recife – PE
Ester Calland de S. Rosa ([email protected])
Doutora em Psicologia Educacional - Profª do Departamento de Psicologia e Orientação Educacional - Centro de Educação - UFPE. Endereço: Praça Barreto Campelo, 1246, Torre. CEP: 50710-290. Recife – PE
338
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 329-338.
Intervención educativa para resolver
un caso de acoso escolar
Roberto Yescas Sánchez
Universidad Popular Autónoma del Estado de Puebla - México
Resumen
Se estudia un caso de acoso escolar en una preparatoria privada de la ciudad de Puebla, México, donde la enseñanza de la filosofía no era
posible. La pregunta de investigación es: ¿Cómo resolver el problema del acoso escolar en el salón de clases durante la enseñanza de la
filosofía, con el fin de lograr el propósito educativo de la asignatura? Es un estudio de investigación-acción participativa conformado por cuatro
fases: diagnóstico de las causas del acoso escolar, diseño e implementación de un programa educativo y evaluación de los cambios sociales
alcanzados. Los sujetos de estudio son 18 alumnos entre los 17 y 19 años de edad. Son seis los instrumentos utilizados de corte cualitativo. Los
resultados muestran el logro de los tres objetivos para resolver el acoso escolar: establecimiento de nuevas relaciones sociales, eliminación de
los prejuicios y resolución de los conflictos interpersonales.
Palabras clave: acoso escolar, intervención educativa e investigación-acción participativa.
Educational intervention to resolve a case of bullying
Abstract
A case of bullying in a private high school of Puebla City (Mexico) is studied, where the teaching of philosophy as a subject was not possible. The
research question is: How to resolve the problem of bullying in the classroom during the teaching of philosophy in order to achieve the educational
purpose of the subject? This study is an participatory action research, which consists of four phases: diagnosis of the causes of bullying, design
and implementation of an educational program and evaluation of the obtained results on social change. The research subjects are 18 students
aged between 17 and 19 years old. Six different qualitative tools were used. The results show the achievement of the three objectives for resolving
bullying: establishment of new social relationship, elimination of prejudices and solving of interpersonal conflicts.
Key words: bullying, educational intervention and participatory action research.
Intervenção educativa para resolver um caso de bullying
Resumo
Estuda-se um caso de bullying em escola particular de segundo grau da cidade de Puebla, no México, onde o ensino de filosofia não era possível.
A questão de pesquisa é: como resolver o problema de bullying em sala de aula durante o ensino de filosofia a fim de alcançar o objetivo
educacional da disciplina? Trata-se de trabalho de pesquisa-ação participativa constituída por quatro fases: diagnóstico das causas do bullying,
delineamento e implementação de um programa educacional e avaliação da mudança social alcançada. Os sujeitos do estudo foram 18 alunos
entre 17 e 19 anos de idade. Foram utilizados seis instrumentos de cunho qualitativo. Os resultados mostraram que foram alcançados os três
objetivos para enfrentar o bullying: estabelecer novas relações sociais, eliminar os preconceitos e resolução dos conflitos interpessoais.
Palavras chave: bullying, intervenção educacional e pesquisa-ação participativa.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 339-354.
339
Introducción
Cotidianamente, el tema de la violencia se hace presente en las noticias en sus distintos modos de expresión.
Basta con remitirse a las notas periodísticas del día para
informarse de un nuevo secuestro, asalto, robo o violación.
Por si fuera poco, algunas de las expresiones de violencia
no se agotan en los hechos reportados por los medios de
comunicación; existen otras menos visibles para el ciudadano adulto común, como el acoso escolar. Es posible que
en el país exista un número alto de casos de violencia en
las escuelas, los cuales lamentablemente no suelen ser reportados, investigados o atendidos por el personal docente;
se da mayor importancia a las dificultades de aprendizaje,
los problemas de disciplina, la falta de participación de las
familias o de los recursos humanos y materiales (Trianes,
2000 y Del Rey y Ortega, 2001).
En la actualidad “es poco lo que se sabe en México
sobre la violencia escolar; entre las escasas investigaciones
se encuentra la de Gómez (1996) sobre primaria y la de Prieto (2003) sobre secundaria” (Prieto, 2005, p. 1006).
La violencia escolar no solamente afecta a los alumnos, sino también los procesos educativos, su principal
víctima. “Las consecuencias van desde la deserción escolar
hasta la persistencia de altos índices de analfabetismo” (Kodato, 2004, p. 51).
Estudios sociológicos ponen de manifiesto el aumento de la violencia en sus distintas formas y expresiones
(Marín, 2002), creando así la necesidad de realizar estudios
en los diferentes niveles educativos.
El acoso escolar es un comportamiento violento, el
cual se manifiesta a través de insultos, rechazo social, intimidación o agresiones físicas de unos alumnos hacia otros
(Trianes, 2000). Se define:
Como un fenómeno de grupo, donde la mayoría desempeña
papeles entre los que se distinguen: el agresor –que puede
ser cabecilla– o el seguidor; los observadores, que pueden
ser pasivos, defensores de la víctima o alentar al agresor; y
por último, la víctima misma, ya sea pasiva o provocadora
(Prieto, Carrillo y Jiménez, 2005, p. 1032 ).
De esta forma el fenómeno del acoso escolar se encuentra enmarcado en las interacciones sociales del grupo
(Castells, 1998), donde la negociación no tiene lugar ante
la presencia de un conflicto. Lograr resolver los conflictos
de manera positiva, requiere de un proceso de formación e
instrucción y en este caso, la educación en valores juega un
papel importante (Salazar y Narejo, 2002).
El presente trabajo aborda el problema del acoso
escolar (bullying), en un salón de clases de una preparatoria
privada de la ciudad de Puebla (México).
La realización de este estudio se determinó a razón
de la demanda impuesta por la docente de la asignatura de
filosofía, quien argumentaba tener dificultades para impartir
sus clases debido a la presencia del acoso escolar. Las llamadas de atención, cambiar a los alumnos de lugar y sacar
340
a algunos de ellos del salón de clases, eran las típicas acciones remediales para intentar solucionar el problema.
Unas semanas después de iniciar las clases y de
haber experimentado la problemática, la docente solicita la
participación de un agente-investigador externo a la institución educativa, debido al desinterés y la falta de compromiso
de las propias autoridades escolares.
Lo que aquí se presenta es el reporte de una investigación-acción participativa, la cual pretende dar solución a
una problemática social concreta, partiendo de un diagnóstico y continuando con el diseño, implementación y evaluación de un proyecto de intervención educativo.
Los alcances del estudio son exploratorios y descriptivos, ya que se pretende conocer cuáles son y cómo
se manifiestan las causas del acoso escolar. La finalidad
es provocar un cambio social que le permita a la docente
impartir sus clases.
Por lo tanto, la pregunta de investigación es:
¿Cómo resolver el problema del acoso escolar en el
salón de clases durante la enseñanza de la filosofía, con el
fin de lograr el propósito educativo de la asignatura?
Conocer las causas de cierto comportamiento humano no se limita a estudiar variables del individuo o del ambiente, sino el resultado de su proceso de interacción (Lewin,
1973). El término ambiente incluye tanto lo físico como lo
social y se establece en distintos niveles de interacción con
respecto al ser humano para su estudio.
Son varios los autores que consideran la definición
de Lewin sobre el comportamiento humano con el fin de
establecer una propia; entre ellos se puede destacar a Urie
Bronfenbrenner (1987) con su propuesta acerca de la ecología del desarrollo humano. Por su parte, psicólogos sociales
como Philip Zimbardo (1972, citado por Myers, 2005) han
demostrado experimentalmente la influencia del ambiente
social para cambiar la conducta a partir del establecimiento
de un juego de roles.
En una situación cotidiana, entender un comportamiento particular, como el acoso escolar, no es una tarea
sencilla debido a la falta de control sobre las variables involucradas. No obstante, la exploración de las principales causas implicadas a través de procesos metodológicos, facilita
su comprensión y, en su caso, la toma de decisiones para
provocar cambios en la misma.
Trabajos como los de Marín (2002), Prieto (2005),
Palomero y Fernández (2001), Geen (1990), Rojas (1995)
y Prieto y cols. (2005), entre otros; han aportado distintas
clasificaciones causales sobre el acoso escolar. A partir de
la propuesta de Marín (2002), se pueden dividir las causas
de la siguiente forma:
a.
a.
•
individual:
Dimensión biológica: a partir de factores genéticos y
factores neuroanatómicos relacionados con agentes
farmacológicos.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 339-354.
•
b.
b.
Metodología
Dimensión psicológica: se resalta las aportaciones de
las posturas psicodinámica y la cognitivo-conductual.
Nivel ambiental: se destacan varios factores. Dentro
de los más estudiados se encuentran: los medios
masivos de comunicación como la televisión y las
desigualdades sociales, económicas y raciales.
Asimismo, los altos índices de pobreza, desempleo
y fragmentación familiar.
Cabe señalar las aportaciones de Etxeberría (1998)
sobre el contenido violento en los videojuegos.
Si bien la propuesta de Lewin (1973) permite el acercamiento a la comprensión de cualquier comportamiento humano, para los fines de este trabajo y sus alcances, se destaca la construcción del conocimiento de la realidad como
el elemento determinante del actuar humano. En términos
filosóficos se hace referencia al juicio racional.
El juicio racional inicia con el funcionamiento de los
sentidos externos e internos, logrando así la percepción de
una situación en particular con la finalidad de juzgarla como
buena o mala y con base en ello, finalmente actuar. Durante
todo este proceso el conocimiento se encuentra transversalmente presente: “dicho conocimiento proviene de la inteligencia, que solo rige a la voluntad; dicho fin es cierta cosa, considerada como objeto de la acción” (Barbedette, 1984, p. 63)
Por su parte la ciencia cognoscitiva y sus diversas
aportaciones para la educación (West, Farmer y Wolf, 1991)
han definido el conocimiento como un producto del aprendizaje, el cual desempeña varias funciones: percepción,
comprensión, aprendizaje y recuerdo. La percepción es la
primera función y se caracteriza por ser activa, constructiva
y selectiva con base en los conocimientos o esquemas cognitivos de cada sujeto (Estévez, 2002). “Los esquemas no
son solo simples colecciones de información, sino información fuertemente interrelacionada que tiene ciertas propiedades que permiten al estudiante utilizarla en una variedad de
actividades cognitivas complejas y planificadas, tales como
hacer inferencias y evaluaciones” (Estévez, 2002, p. 53).
En este sentido, la realidad en sí misma deja de ser la
clave del actuar y en su lugar se coloca la realidad construida
por el propio sujeto. Por ello, una de las funciones de la educación sería la construcción del conocimiento de la realidad y
en otro nivel, el conocimiento sobre cómo actuar en ella.
Con base en lo anterior, para resolver educativamente el problema planteado, se requiere conocer en primer
lugar las causas del acoso escolar y con ello, establecer
objetivos específicos para enfrentar dichas causas a través
de un programa educativo particular. De esta forma se tiene
la intención de alterar las estructuras cognitivas actuales de
los sujetos involucrados para establecer nuevas formas de
relacionarse socialmente con el otro.
Intervención y acoso escolar * Roberto Yescas Sánchez
Sujetos de estudio:
El acoso escolar de la institución en la que se realiza
el estudio, se reporta en varios grupos del periodo otoño
2009; sin embargo, sobresale un caso en especial, el salón
de clases de sexto semestre.
De acuerdo a los documentos oficiales de la escuela,
la población presenta características socio-demográficas
comunes. Se integra por 18 alumnos, 07 mujeres y 11
hombres, entre los 17 y 19 años de edad; con niveles socio-económicos medio y alto.
En cuanto a su situación familiar, la coordinadora del
grupo reporta la falta de compromiso por parte de los padres
hacia los procesos educativos de sus hijos, debido a la nula
respuesta cuando se les envían citatorios.
En algunas investigaciones realizadas (Prieto, 2005;
Rojas, 1995 y Palomero y Fernández, 2001) se resalta la
situación familiar como uno de los factores de riesgo para el
comportamiento violento de los alumnos. De hecho existen
modelos familiares que lo fomentan más: desestructuradas,
autoritarias, punitivas, permisivas, con disciplina inconsistente o alejadas socioestructuralmente de la organización
escolar y sus objetivos (Palomero y Fernández, 2001).
En este trabajo no fue posible abarcar el ambiente
familiar. Como se ha mencionado, la única autoridad interesada y comprometida por realizar un cambio social en el
salón de clases era la docente de filosofía; lo cual delimitaba
la intervención a las horas de clase de la asignatura.
Instrumentos:
Los instrumentos son diseñados bajo un proceso de
categorización, definiendo los elementos del acoso escolar,
de acuerdo a las necesidades que presenta la investigación.
Los resultados fueron utilizados para diagnosticar
la situación inicial y, posteriormente, para medir el cambio
social logrado a partir de la intervención educativa realizada.
Son seis los instrumentos elaborados y cada uno
de ellos se caracteriza de acuerdo a su objetivo, sujeto de
observación y elementos estudiados (ver Tabla 1). La aplicación de la entrevista grupal solamente se contempla en la
fase de evaluación.
Procedimiento:
Con base en los procesos metodológicos de la investigación-acción participativa (IAP), el estudio se conforma de
tres momentos para su realización (Rubio, M. J. y Varas, J.,
2004 y Hernández, R., Fernández, C. y Baptista, P., 2010):
341
Tabla 1. Conceptualización de los instrumentos
Instrumento
Objetivo
Cuestionario
sociométrico
Diagnosticar las
relaciones laborales,
amistosas y las relaciones
conflictivas, así como las
causas que determinan
cada una de ellas.
Entrevista
estructurada 1
Conocer la percepción de
la violencia.
Sujeto de
observación
Alumnos del grupo
de sexto semestre.
Coordinadora del
grupo de sexto
semestre.
Elementos estudiados
a.
b.
c.
Relaciones laborales.
Relaciones de amistad.
Alumnos rechazados.
a.
b.
Comportamiento violento.
Frecuencia e intensidad de la
violencia.
Sujetos agresivos.
Causas de la violencia.
Sugerencias para el cambio.
Acciones realizadas para atender la
violencia.
Disposición para el cambio.
c.
d.
e.
f.
g.
Entrevista
estructurada 2
Conocer la percepción de
la violencia.
Cinco docentes,
quienes imparten
clases al grupo de
sexto semestre.
a.
b.
c.
d.
e.
f.
g.
a.
b.
Conocer la percepción de
la violencia.
Alumnos del grupo
de sexto semestre.
Bitácora de
observación
Conocer la frecuencia
de los actos violentos
por parte de los sujetos
agresivos durante una
semana en las horas de
la clase de la materia de
filosofía.
Alumnos del grupo
de sexto semestre.
Entrevista
grupal
Corroborar los cambios
logrados a partir de la
propia experiencia de los
alumnos.
Alumnos del grupo
de sexto semestre.
Cuestionario
1.
Detección del problema:
El objetivo es identificar el problema de investigación, la configuración del equipo de investigación y la primera
aproximación al objeto de estudio.
Como antecedente, se sabe que en una ocasión
un alumno de este salón levantó una demanda debido a la
paliza recibida por parte de su compañero de clases. Actualmente, la problemática ha aumentado y se ha consolidado
en los patrones comportamentales de los individuos que la
conforman.
Las acciones del personal docente y administrativo
son paliativas en el mejor de los casos. La docente de filosofía comenta que sus compañeros únicamente se interesan
342
Comportamiento violento.
Frecuencia e intensidad de la
violencia.
Sujetos agresivos.
Sujetos agredidos.
Causas de la violencia.
Disponibilidad para el cambio.
Sugerencias para el cambio.
d.
e.
f.
Comportamiento violento.
Frecuencia e intensidad de la
violencia.
Repercusiones personales debido a
la violencia entre iguales.
Participación en la violencia.
Causas de la violencia.
Sugerencias para el cambio.
a.
Comportamiento violento.
a.
Cambios logrados a partir de la
intervención.
c.
en impartir sus clases y castigar a los alumnos, en caso de
presentarse el acoso escolar.
Un caso similar se presenta con los docentes españoles ante los malos tratos entre los alumnos:
Muy frecuentemente abordan de forma inadecuada o no
hacen nada ante el problema o responden con pautas de
agresión similares a las de los alumnos; no mantienen
suficientemente abiertos los canales de comunicación
con los estudiantes y sus familias; se resisten a los
cambios imprescindibles en aulas y centros para hacer
frente al problema; desconfían de las tutorías e ignoran al
Departamento de Orientación; no valoran la ayuda de los
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 339-354.
expertos y presentan resistencias a la formación permanente
(Palomero y Fernández, 2001, p. 27).
Como punto de partida se concentra la atención en el
comportamiento violento dentro del salón de clases. Finalmente, se decide denominar a la problemática social presentada como acoso escolar o bullying, a través del análisis de
los hechos y las aportaciones teóricas consultadas.
Siguiendo los procesos metodológicos de la IAP, se
determina el equipo de investigación, conformado por la profesora de filosofía y el agente-investigador.
En este momento, son dos preguntas las que orientan el inicio del diagnóstico:
a.
a. ¿Cómo
se
establecen
las
interpersonales entre los alumnos?
relaciones
De acuerdo a las aportaciones realizadas por Trianes
(2000), en el acoso escolar se establecen tres roles: agresor,
víctima y observador. La existencia de estos roles permite
visualizar la presencia de una estructura social y a su vez,
de una dinámica grupal propia que se mantiene en función
de las relaciones sociales establecidas.
La aplicación de la técnica sociométrica a través de
un instrumento, permite descubrir y analizar las relaciones
interpersonales y la situación concreta de una persona
dentro del grupo (Moreno, 1954), logrando conocer así su
propia dinámica. En este trabajo, se indagan las relaciones
de amistad, laboral y de rechazo explícito sobre algunos alumnos. Asimismo, se adiciona un reactivo más, no contemplado en la técnica sociométrica, para explorar de manera
cualitativa los motivos por los cuales las relaciones sociales
se manifiestan de determinada forma. Con ello, se pretende
conocer los esquemas cognitivos vinculados con la dinámica
grupal del acoso escolar.
b.
b.
¿Cómo se percibe el acoso escolar en el salón
de clases?
La intención es conocer las causas y las manifestaciones del fenómeno a través de los ojos de los propios actores, de la coordinadora del grupo y de los cinco docentes
que les imparten clases, incluyendo a la docente de filosofía.
Otros elementos a considerar son las acciones realizadas
para atender el problema y la disposición para lograr el cambio social.
2.
Elaboración del proyecto de intervención:
La intervención educativa se conforma por cuatro
fases, donde el diseño e implementación de un programa
educativo particular para resolver el acoso escolar se realiza
a partir de los resultados del diagnóstico. Al final, la medición
de los cambios sociales logrados se lleva a cabo por medio
de una evaluación.
Intervención y acoso escolar * Roberto Yescas Sánchez
3.
Implementación del proyecto de intervención:
A continuación se describen las cuatro fases del procedimiento:
Fase 1: Diagnóstico: dinámica grupal y percepción
del fenómeno.
A partir de los resultados obtenidos (ver Tabla 1) se
concluye con el siguiente diagnóstico:
Se presenta acoso escolar, manifestándose en comportamientos violentos tanto de manera verbal (insultos,
burlas, desacreditaciones) como física (empujones, jaloneos, golpes tipo zapes, patadas) con una frecuencia diaria
y varias veces al día; además, con la posibilidad de incrementarse.
Algunos de estos resultados son similares a los
obtenidos en otro estudio. En el Informe del defensor del
pueblo (citado en Trianes, Sánchez y Muñoz, 2001), fueron
los maestros los cuestionados sobre las manifestaciones
más frecuentes del bullying y dentro de la categoría A veces me ocurre, se resaltan los siguientes resultados: ignorarse (76.7%), esconder cosas (71.7%), hablar mal de los
compañeros (67%), amenazar para meter miedo (67%), robar cosas (66%), insultar (63%), poner motes (62.7%), pegar
(62.7%), romper cosas (60.7%), no dejar participar (60.3%),
obligar a hacer cosas (33%), acosar sexualmente (15.7%) y
amenazar con armas (10%).
Los alumnos más agresivos son tres: Pedro, Juan y
Pablo1 y, otros tres, son las principales víctimas: José, Carlos y Alberto.
Con el apoyo de los resultados sociométricos (ver
Tabla 2, alumnos rechazados), existen dos alumnos que
son los más rechazados (Juan y Pedro), los motivos son:
la violencia que ejercen hacia los demás, el ser mentirosos,
orgullosos, callados y de mal carácter. Adicionamente, se
conocen los liderazgos en las relaciones de tipo laboral (Juana y Alberto) y de amistad (Pedro, Ana y Pablo).
Por último, es posible mencionar la existencia de
la disposición para el cambio por parte de los alumnos, es
decir, una disposición por querer manejar los conflictos de
forma no violenta.
En la Tabla 3 se resumen los hallazgos encontrados
por cada uno de los instrumentos aplicados.
Fase 2: Diseño del programa educativo.
A partir de las tendencias de los resultados, se determinaron tres objetivos para enfrentar el acoso escolar. El
primero de ellos fomenta el cambio en la dinámica grupal
establecida, mientras que los dos últimos se concentran en
establecer nuevos esquemas cognitivos:
1.
1.
Integración social, por dos razones. La primera es
por la existencia de subgrupos según cada tipo de
1 Por cuestiones de ética, los nombres de los sujetos de estudio
fueron cambiados.
343
Tabla 2. Resultados sociométricos
relaciones, los cuales tienen la característica de
no relacionarse entre sí (ver Tabla 2, relaciones
laborales y de amistad). La segunda razón es por
el rechazo explícito de dos alumnos (Juan y Pedro),
quienes fueron identificados por un alto número de
compañeros que los rechazan.
344
2.
2.
Conocimiento personal de sí mismo y de los
demás, para eliminar los prejuicios existentes (ver
los resultados de la entrevista a la coordinadora
y a los profesores, asimismo los resultados de
la observación-participante). Los alumnos se
discriminan por diferencias socioeconómicas (el
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 339-354.
Intervención y acoso escolar * Roberto Yescas Sánchez
345
No es diaria
No ha
incrementado
Juan.
Pablo.
•
•
Diferencias
socioeconómicas.
Diferencias en
capacidades
cognitivas.
•
•
Aumento de
control.
Suspensiones.
•
•
Nula
Disposición al cambio:
Pláticas.
•
Acciones realizadas:
•
Sugerencias para el
cambio:
Existencia de
subgrupos.
•
Causas de la
violencia:
Pedro.
•
Sujetos agresivos:
•
Intensidad:
•
Frecuencia:
Comportamiento
violento:
•
Agresión verbal
Entrev. Coordinadora
Comportamiento violento:
•
Empujones.
•
Insultos.
•
Desacreditaciones.
•
Burlas sarcásticas.
•
Esconden objetos del
compañero.
•
Burlas al sexo opuesto.
Frecuencia:
•
Diaria y varias veces al día.
Intensidad:
•
Probablemente se ha
incrementado.
Sujetos agresivos:
•
Pedro.
•
Juan.
•
Pablo.
Sujetos agredidos:
•
María.
•
Laura.
•
José.
•
Carlos.
•
Alberto.
Causas de la violencia:
•
Existencia de subgrupos.
•
Diferencias
socioeconómicas.
•
Diferencias en capacidades
cognitivas.
•
Sentimiento de superioridad.
•
Machismo.
Actitud al cambio:
•
Positivo, aunque limitado
porque piensan que no
pueden eliminar la violencia.
Sugerencias para el cambio:
•
Más atención por parte de
los maestros.
•
Más reportes.
•
Mayor control.
•
Trabajar con la familia.
•
Trabajar con valores.
•
Concientizar a los alumnos.
•
Establecimiento de límites.
Entrev. Profesores
Cuestionario alumnos
Comportamiento violento:
•
Empujones.
•
Jaloneos.
•
Golpes (zapes, patadas,
cachetadas)
•
Burlas.
•
Insultos.
•
Aventarse objetos.
Frecuencia:
•
Diaria y varias veces al día.
Intensidad:
•
Probablemente aumentado
en los últimos meses.
Afectación personal:
•
Los que se sienten
agredidos.
•
Los que se sienten
indiferentes.
•
Los que no son afectados
pero les molesta que otros
sí.
Participación en la violencia:
•
Espectador.
•
Ayudar ocasionalmente
•
Los agredidos: José.
•
Los agresivos: Pedro, Juan,
Javier, Pablo y José.
Causas de la violencia:
•
Llevarse pesado/mal.
•
Considerar la violencia como
algo divertido.
•
Falta de tolerancia.
•
Consideran la violencia un
pasatiempo.
•
Mediante la acción de un
líder.
•
Falta de respeto.
Sugerencias para el cambio:
•
Hablar con sus compañeros.
•
Respetarse.
•
Aumento del control escolar
•
Marcar límites
•
Realizar actividades
divertidas.
Tabla 3. Resultados de los instrumentos para el diagnóstico.
Relaciones laborales:
•
Liderazgo: Juana y Alberto.
•
Subgrupos: existencia
de tres subgrupos sin
interrelación entre ellos.
•
Motivos de relacionarse
laboralmente: trabajador,
responsable, colaborativo,
listo, buen carácter.
Relaciones de amistad:
•
Liderazgo: Pedro, Ana y
Pablo.
•
Subgrupos: existencia de
tres subgrupos.
•
Motivos de relacionarse
amistosamente: buen
carácter, empatía, intereses
comunes.
Alumnos rechazados:
•
Juan.
•
Pedro.
Motivos de rechazo:
abusa de los demás, algo
orgulloso, mentiroso, callado, mal
carácter.
Conclusiones:
•
Relaciones laborales y
de amistad, distintas y
delimitadas.
•
Las relaciones laborales
definen tres subgrupos. No
existe interrelación grupal
entre ellos.
•
Los líderes de amistad son
fácilmente detectables por la
cantidad de seguidores que
tienen.
•
Asimismo, los alumnos
rechazados se encuentran
definidos por el alto número
de compañeros que los
rechazan.
Sociometría
4
5
5
8
17
No.
Callar al
otro
Groserías
Golpes
Burlas
Apodos
Actos
violentos
Descripción
Callan a sus compañeros
con la intención de limitar
su participación en la
clase.
Las groserías forman
parte del repertorio de
palabras utilizadas por los
jóvenes para interactuar.
Sin embargo, tienden
a ser utilizadas para
ofender.
Los golpes se utilizan
como medio de
socialización y de estatus
social.
Las burlas se presentan
para clasificar a los
alumnos.
Los apodos forman
parte de la interacción
social cotidiana y
tienden a clasificar a los
compañeros.
Comportamiento violento:
Obs.-Participación
rico y el pobre), apariencia física (el guapo y el feo)
y por la desigualdad en las capacidades cognitivas
(el listo y el tonto).
3.
3.
Entre los supuestos amigos, Juan, Pedro y Pablo, se
agreden verbalmente pero es una forma de llevarse, que ya
tienen muy trabajada.
Educación de valores éticos, con el fin de reforzar
el punto anterior.
Considerando el programa educativo original de la
asignatura de filosofía, cada uno de los objetivos anteriores
se materializan de forma distinta en las estrategias didácticas del programa. La intención es aprovechar las horas de
clase para atender el problema del acoso escolar, con el fin
de cumplir al mismo tiempo con el propósito educativo de la
asignatura.
En el Anexo 1 se presenta el programa educativo diseñado, donde se muestra la vinculación entre el propósito
educativo, las temáticas, los objetivos para enfrentar el acoso escolar y las estrategias didácticas implementadas. Estas
últimas se diseñaron bajo los lineamientos del desarrollo del
pensamiento de orden superior abordado desde Mathew
Lipman (1998 y Lipman, M., Sharp, A. M. y Oscayan, F. S.,
1998) y el aprendizaje activo con influencias del curriculum
High Scope, definido por David P. Weikart (2004).
Espero que se pueda seguir educando en valores a estos
alumnos.
2. Los profesores de otras asignaturas:
El acoso escolar se redujo. Sin embargo, la causa por
la cual se sigue presentando, es por la costumbre que tienen
de comunicarse de forma violenta. Sugieren atender a los
problemas personales y familiares de los alumnos agresivos
(Pedro, Juan y Pablo) y seguir educando en valores para
llegar una solución definitiva.
La docente de la materia de historia dice:
Ha disminuido mucho la frecuencia del acoso, ¡por fin están
interesados en irse de la escuela! En entrar a otro nivel de
estudios. Disminuyó este patrón de conducta…
Como siempre los varones más fuertes siguen siendo los
agresivos: Juan y Pedro.
Fase 3: Implementación del programa educativo.
Se aplica el programa educativo durante los tiempos
determinados por cada temática.
Al que de plano ya dejaron por la paz fue a José. Sí lo
integraron, no del todo pero sí lo dejaron por la paz…
Fase 4: Evaluación de los cambios alcanzados.
A través de la segunda aplicación de los instrumentos, se confirman los cambios sociales logrados.
Como era de esperarse, con base a los procesos
metodológicos de la IAP, se descubrieron nuevas causas
que soportan el acoso escolar, las cuales van más allá de
las indagaciones iniciales, situándose en otros niveles de
intervención.
A continuación se presentan los resultados alcanzados según cada sujeto interrogado:
El llevarse con ellos (con los agresivos) son las motivaciones
de la violencia. La violencia, es la única manera que tienen
Juan y Pedro para comunicarse con los demás…
1. Coordinadora del grupo:
El acoso escolar disminuyó en frecuencia e intensidad y sólo se presenta la de tipo verbal. Dicho tipo de violencia se sigue manifestando por la costumbre tan arraigada
que tienen Juan, Pedro y Pablo de hablar con groserías.
Asimismo, observa mayor integración social y recomienda
seguir educando en valores.
Yo veía mucho como se golpeaban entre los alumnos. Todo
el tiempo se decían “gata”, se decían “perra” y como que
se minimizaban unos a otros. Trataban de ver quién era el
superior: ver quién gritaba más, hablaba más, el que dijera
la última palabra…
Sugiero que la docente siga con el proyecto para solucionar
definitivamente el problema.
Por su parte, el docente de metodología comenta:
Al final del último semestre se redujeron las agresiones.
Comenta:
La violencia disminuyó, se compactó el grupo, se unieron
para bien, buscando solucionar y apoyar los problemas del
otro en cuanto al dinero, los permisos, las calificaciones y
hasta del famoso examen CENEVAL (Centro Nacional de
Evaluación para la Educación Superior, A. C.) que tenían
tanto miedo en realizar.
346
Siento que el acoso se presenta por varias causas, por
ejemplo la baja autoestima de algunos alumnos. Algunos se
dejan agredir por eso y otros agreden por quererse sentir
superiores. Además, mucho de lo que hacen en el salón es
lo que sucede en sus casas.
3. Alumnos a través del instrumento sociométrico:
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 339-354.
Se presentan en los alumnos relaciones interpersonales distintas en cuanto a las de tipo laboral y amistosa.
En las relaciones laborales se manifiesta un cambio
en la existencia de los subgrupos, de tres ahora sólo existen
dos y se caracterizan por ser subgrupos abiertos, es decir,
se relacionan mutuamente.
Con respecto a las relaciones de amistad, no se presentan líderes que sobresalgan por un gran número de seguidores, la distribución de preferencias sobre cada alumno
es uniforme.
De los alumnos rechazados en el diagnóstico (Juan
y Pedro), ahora se encuentran definidos por un bajo número
de compañeros que los eligieron. De hecho, algunos alumnos renunciaron al voto de rechazarlos, con la intención de
conocerlos más.
4. Alumnos a través del cuestionario:
Los alumnos reportan la presencia de agresiones
entre los compañeros por nuevas causas como la necesidad
de llamar la atención y crear una fuente de distracción, ya
que la mayoría de las clases suelen ser aburridas.
No obstante, disminuyeron las conductas violentas tanto en frecuencia como en intensidad. Los alumnos
perciben mayor integración social debido al conocimiento
personal alcanzado de sí mismos y de los demás y por la
resolución de sus problemas interpersonales.
Las sugerencias propuestas son: continuar promoviendo el conocimiento personal entre los compañeros de
clases y la comunicación asertiva.
5. Alumnos a través de la bitácora de observación:
Se observaron cambios en los actos violentos durante la clase de filosofía.
Comparando los resultados anteriores con los obtenidos al final se tiene lo siguiente: los apodos disminuyeron
de 17 a tres, las burlas de ocho a uno, los golpes de cinco a
cero, las groserías se mantuvieron en la misma frecuencia
de aparición (cinco) y el callar al otro de cuatro pasó a cinco.
Se destacan cambios a nivel cualitativo en cuanto a
las groserías y callar al otro. Las groserías se mantienen
como una forma de expresión, sin acudir a ellas necesariamente para ofender al otro. El callar a otro, se usa para
hacer respetar la participación del compañero en caso de
que otro lo interrumpa.
6. Alumnos a través de la entrevista grupal:
Los alumnos refieren la presencia de agresiones pero
con menor intensidad y frecuencia.
Además, las causas que las provocan son distintas
a las iniciales, es decir, no son personales y graves como
antes, ahora son sólo por diversión.
Juan, identificado como uno de los más agresivos en
el diagnóstico, comenta lo siguiente:
Las agresiones siempre van a estar porque así somos, más
bien soy el que molesto. Pero al final nos abrimos, platicamos
Intervención y acoso escolar * Roberto Yescas Sánchez
más con los demás. Con la gente que no te llevabas se logró
conocerlos más.
Por su parte José, una de las principales víctimas al
inicio, menciona:
Estuvo muy divertida la clase porque logramos acoplarnos
tanto de forma sentimental como en la forma de ayudarnos
mutuamente. Creo que las actividades que tuvimos nos
sirvieron para integrarnos como grupo, no como los super
amigos pero sí para tolerarnos, aceptar los diferentes puntos
de vista y así llegar a una buena comunicación. La verdad sí
voy añorar a mis compañeros.
Siguiendo con los resultados, existe mayor integración en el salón de clases, incluso se manifiesta el interés por
los problemas personales del otro. En este caso, los testimonios de dos alumnos confirman el resultado:
Rosa, quien solía ser agredida, dice:
Nos involucramos en los problemas personales de los
demás. Por ejemplo, con el caso de la novia de Juan. Es
decir, nos empezó a interesar los problemas que viven los
demás. También, nos unimos más como grupo.
Christian, un alumno que no resaltó por algún rol en
particular, comenta:
Creo que sí nos abrimos más porque empezamos a ver lo
que otras personas hacían o no hacían y lo que les molestaba
o no les molestaba. Todo eso hacía que los conocieras mejor
para tratarlos de otra manera.
También creo que como grupo nos unimos más. Las
agresiones existen pero no es por algo personal sino sólo
por una forma de llevarse con el otro.
Asimismo se logró provocar cambios en las interacciones de los subgrupos existentes, ahora la diferencia entre
uno y otro no se logra distinguir. Incluso la interacción social
entre los alumnos se desarrolla fuera del salón de clases:
Comenta Pedro, otro de los principales agresores del
grupo:
La agresión sigue porque así nos llevamos con los demás
pero por lo menos ya no nos separamos entre nosotros: unos
haya, otros acá y otros por allá. Estamos más acoplados,
incluso durante el receso.
Otro cambio que se menciona es la capacidad de
tolerar las diferencias personales entre los alumnos, lo cual
permite aceptar otros puntos de vista, desarrollar diferentes
canales de comunicación entre los alumnos y por lo tanto,
lograr la resolución de los problemas interpersonales:
María, una de las alumnas que solía ser agredida,
refiere lo siguiente:
347
El proceso provocó hablar de nuestros problemas personales
con los demás para resolverlos. Ningún docente se había
tomado la molestia antes.
En general, los alumnos comentan que las estrategias didácticas del programa educativo ayudaron a lograr
los cambios mencionados, ya que fueron interactivas, dinámicas y eliminaban la tensión que tenía al inicio de cada
clase. Incluso se apoyaron del contenido de la materia para
resolver sus problemas interpersonales
Resultados
El acoso escolar se mitigó en cuanto a sus motivos
iniciales, frecuencia e intensidad, logrando así el propósito
educativo de la asignatura de filosofía. Además, se encontraron nuevas causas que soportan este comportamiento en
el salón de clases, los cuales van más allá de las posibilidades de intervención desde una asignatura en particular.
El programa educativo diseñado logró eliminar las
causas inmediatas que provocaban el acoso escolar en el
salón de clases, al haber logrado los tres objetivos establecidos en la fase dos:
a.
a.
Se establecieron nuevas relaciones sociales en el
salón de clases. Ahora los subgrupos existentes se
relacionan entre sí, los liderazgos de amistad no son
claramente distinguibles y los alumnos rechazados
no se determinan por un alto número de votos. En
este último punto, los alumnos esperan conocerlos
más a nivel personal, quizá para comprender su
comportamiento en clase y apoyarlos en la medida
de lo posible.
b.
b.
Los prejuicios entre los alumnos desaparecieron
al fomentarse el conocimiento personal de cada
uno de ellos y del grupo en general. También se
logró la aceptación de las diferencias personales,
incluso se llegaron a preocupar por los problemas
personales del otro.
c.
c.
La resolución de los conflictos interpersonales
fue posible a través de formas no violentas como
la negociación, donde la comunicación abierta y
el uso de ciertos valores fomentados durante las
clases, fueron los medios para lograrlo.
Las nuevas causas que mantienen el acoso escolar
son:
348
a.
a.
Los alumnos se agreden como una forma de
entretenerse durante las clases, ya que suelen ser
aburridas.
b.
b.
Los problemas familiares de algunos alumnos
incitan el comportamiento violento hacia sus
compañeros en clase.
c.
c.
La necesidad de llamar la atención es satisfecha
agrediendo al otro.
Discusión
De acuerdo a los lineamientos de la IAP, se atiende la
necesidad social presentada a través de las manifestaciones
más inmediatas del fenómeno, explorando las causas que lo
provocan.
Una vez realizado el diagnóstico, diseñado y aplicado el programa educativo y de haber evaluado los cambios
alcanzados, el equipo de investigación tenía la intención de
continuar la intervención para lograr una solución definitiva.
Sin embargo no fue posible por razones evidentes: el grupo
de alumnos se desintegró por ser su último semestre en la
escuela.
En este momento las autoridades correspondientes
de la institución empezaron a mostrar interés por la investigación. Este hecho muestra la virtud de la IAP, al lograr que
otros sujetos involucrados en el problema social se vayan interesando a lo largo del tiempo por participar en la solución.
Otro hecho a resaltar con respecto al uso de la metodología, fue la posibilidad de realizar un cambio social a
partir de un programa educativo adaptado a las necesidades
y posibilidades de la intervención. En este punto, las estrategias didácticas fueron la clave para lograr dicho cambio.
Como se mencionó, la permanencia del acoso escolar después de la intervención se debe a tres causas, las
cuales se vinculan a factores individuales como los problemas personales y la necesidad de llamar la atención, y a
factores ambientales como los problemas familiares y las
clases aburridas. La atención a estos factores será una tarea
pendiente para futuras investigaciones en esta escuela.
En especial se hacen dos propuestas para ser consideradas en otras intervenciones:
La primera se relaciona con explorar los factores
del ambiente físico que promueven el acoso escolar en las
instituciones educativas, ya que se observó durante la implementación de las estrategias didácticas un efecto positivo al
momento de colocar en medio círculo las bancas. Comenta
un alumno en la entrevista grupal: “las veces que nos ponían
en medio círculo, se notaba la diferencia. Todos estábamos
más calmados, atendiendo al docente y escuchábamos lo
que decía”.
La segunda propuesta es medir los elementos cognitivos, afectivos y comportamentales involucrados en el
acoso escolar, con el fin de diseñar un programa educativo
que atienda directamente las actitudes de los alumnos involucrados en el acoso escolar.
En cuanto a los resultados de este trabajo, se lograron cambios en los esquemas cognitivos de los sujetos, en
especial cuando dejaron de hacer prejuicios hacia sus com-
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 339-354.
pañeros de clase. Estudios reportados por Moscovici (1985)
con respecto al juicio emitido por parte de una mayoría hacia
una minoría, apoyan esta idea:
Se actúa sobre el modo de percepción de un estilo particular,
obligando a los sujetos a juzgarse y a juzgar a los demás
mediante un número más o menos elevado de categorías.
En la base de esta manipulación se halla la idea de que, en
la vida real, los individuos racistas o dogmáticos se juzgan
y, sobre todo, juzgan a los demás, en función de un número
muy reducido de categorías. Al contrario, los individuos
de espíritu más abierto emplearán un mayor número de
categorías de juicio (Ricateau, 1971, citado por Moscovici,
1985, p. 91).
El beneficio directo para la docente de la materia de
filosofía, fue el desarrollo de los conocimientos filosóficos en
los alumnos, cumpliendo así con el propósito de la asignatura y al mismo tiempo atendiendo un problema social en
particular. Esto fue posible gracias al vínculo establecido
entre el contenido de la materia y los asuntos de la vida
diaria, en especial de los procesos sociales experimentados
día con día en el salón de clases. Al respecto, se resaltan las
aportaciones de la enseñanza situada, donde se establece
la necesidad de vincular los procesos de aprendizaje a las
necesidades particulares de los educandos ya que: “Todo
conocimiento es situado, es parte y producto de la actividad,
del contexto y de la cultura en que se desarrolla y utiliza”
(Díaz-Barriga, 2006, p. 15)
Finalmente, es importante mencionar que la educación para la paz requiere estructurar sus intenciones en
soluciones concretas y prácticas y, en suma, evaluarlas para
medir sus resultados. Actualmente existe un gran desarrollo
de objetivos, contenidos, técnicas y actividades con respecto a los propósitos de la educación para la paz, pero muy
poco sobre la evaluación de sus logros (Hicks, 1993).
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Anexo 1. Diseño del programa educativo para la asignatura de filosofía.
Nombre de la asignatura
Periodo educativo
Semestre
Propósito general
Filosofía.
Otoño, 2009
Sexto.
Establece argumentos filosóficos respecto a la naturaleza, la sociedad y el ser humano, a partir del
reconocimiento, análisis y contraste de diversas posturas, métodos, objetos y problemas filosóficos, para
transferirlos a una reflexión crítica de su entorno y vida cotidiana que concluya en la creación de una
postura crítica, de tolerancia y reconocimiento de la diversidad etnolingüística y social.
Tema y subtemas
1.Concepto de filosofía:
1.1.Características: asombro, duda,
reflexión, pregunta, amor por la
sabiduría, visión totalizadora y
formas de expresión.
1.2.Importancia de la filosofía en la
vida cotidiana.
2. Objeto de estudio y métodos de la
filosofía:
2.1.Objeto de la filosofía –
conocimiento de la realidad.
2.2.Métodos de la filosofía: socrático,
cartesiano, fenomenológico,
hermenéutico y dialéctico.
350
Objetivo atendido
Estrategia didáctica
• Conocimiento
personal tanto de sí
mismo, como de los
demás.
• Título: las características de la filosofía y mi vida.
• Descripción: se realiza en el grupo un cuadro en el que cada alumno
escribe un ejemplo de la situación en la que se ha experimentado
cada característica de la filosofía. Con ello se dan a conocer
elementos de la personalidad y vida de cada integrante del grupo.
• Integración social.
• Educación en valores
éticos.
• Título: descubriendo a la filosofía.
• Descripción: se divide al grupo en 4 equipos de 4 ó 5 personas,
colocando en cada equipo a las personas detectadas como
agresores. En los equipos se integra a los líderes del trabajo. Se
reparten 3 estaciones de actividades específicas en las que se
responden preguntas por equipo y se presentan las respuestas en 3
productos: carteles al respecto de los tipos de ciencias, una canción
con los pasos del método científico y un juego de memoria sobre la
función de la filosofía.
Al final de las actividades se hace un cierre en plenario en el que
comparten con sus compañeros sus productos y lo que aprendieron.
Con esta actividad se promueve el establecimiento de nuevos subgrupos y se practican valores como la solidaridad y la responsabilidad.
• Integración social.
• Conocimiento
personal tanto de sí
mismo, como de los
demás.
• Título: la ironía, un método para filosofar y conocernos.
• Descripción: explicación mediante diapositivas de lo que es un
método.
Práctica de método socrático en la que los alumnos cuestionan a
los principales agresores sobre un tema elegido, hasta que lleguen
a decir que no saben nada.
Después, se practica la mayéutica para construir el conocimiento.
Esto permite fomentar el conocimiento personal de los participantes
e integrar a los alumnos agresivos al grupo al lograr que los
demás los perciban en una relativa vulnerabilidad cognitiva que
posteriormente los ayude a participar juntos en la construcción del
conocimiento.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 339-354.
CONTINUACIÓN
(continuación del Anexo1)
3.Disciplinas filosóficas, su objeto de
estudio y relación con áreas de la
cultura:
3.1.Ontología.
3.2.Epistemología.
3.3.Ética.
3.4.Estética.
3.5.Axiología.
3.6.Lógica.
3.7.Filosofía de la religión.
3.8.Filosofía de la ciencia.
3.9.Filosofía política.
3.10. Filosofía de la cultura.
4.Problemas filosóficos del
conocimiento:
4.1.Racionalismo (Descartes).
4.2.Empirismo (Hume).
5.El pensamiento filosófico en la
cultura mesoamericana.
6.Concepto de naturaleza para los
presocráticos:
6.1.Milesios.
6.2.Heráclito.
6.3.Parménides.
7.La realidad:
7.1.Realidad espacio-temporal.
7.2.La sustancia.
7.3.El espacio y el tiempo.
• Integración social.
• Título: diciendo lo que veo, descubrimos los que somos.
• Descripción: presentación con diapositivas de las disciplinas y su
aplicación.
Mediante problemas sociales o personales que el docente lleva
escritos en fichas y se reparten a los alumnos, se pretende que
cada uno de ellos relacione las disciplinas que mejor resuelvan los
problemas asignados.
Posteriormente, se les solicita a los alumnos juntar el mayor
número de problemas clasificados, lo cual obliga a preguntarle a
sus compañeros sobre los problemas que poseen para clasificarlo.
Con esta actividad se fomenta la comunicación entre todos los
integrantes del grupo.
• Integración social.
• Título: problemas disciplinares.
• Descripción: el maestro propone una actividad de aprendizaje
colaborativo, conformando 4 equipos, en cada uno se coloca un
alumno agresivo. El maestro determina que en el grupo deben
nombrar un secretario, un jefe, un recolector de datos y un analista.
Se plantea un problema de lógica que deben solucionar a partir
de preguntas realizadas al docente sobre datos de la persona
involucrada en el problema. Mientras el recolector cuestiona los
datos, el secretario toma notas, el analista y el jefe piensan sobre
posibles soluciones. Al final deben entregar la solución del caso y el
procedimiento utilizado.
Durante la presentación de los resultados los jefes describirán el
procedimiento implementado, pero algún integrante al azar será
cuestionado en el momento para verificar su participación en la
actividad.
La presente estrategia didáctica promueve la participación de todos
los integrantes del equipo para llegar a un acuerdo.
• Educación en valores
éticos.
• Conocimiento
personal tanto de sí
mismo, como de los
demás.
• Título: valores mesoamericanos en nuestra vida.
• Descripción: se presenta la cosmología maya con la explicación del
Popol Vuh y la cosmología Náhuatl mediante la explicación de la
simbología de la Virgen de Guadalupe.
Se solicita al grupo hacer una lista de los valores más importantes
de la filosofía mesoamericana y la representación gráfica de
su persona con los materiales proporcionados por el docente.
Dicha representación debe relacionarse con los dos valores más
importantes para cada alumno y vincular cada uno con algún símbolo
utilizado por la cultura náhuatl en el Popol Vuh o en la imagen de la
Virgen.
Posteriormente todos exponen su representación y se crea en grupo
una conclusión del tema.
• Integración social.
• Título: la comunidad del origen del universo.
• Descripción: comunidad de reflexión mediante la metodología de
filosofía para niños, con roles de quién da turnos, quién resume a la
mitad del proceso y quién da una conclusión.
La pregunta detonante es ¿Cuál es para mí el origen del universo
y por qué?
• Integración social.
• Conocimiento
personal tanto de sí
mismo, como de los
demás.
• Título: percibiendo la realidad.
• Descripción: el docente realiza un ejercicio de percepción sensorial
con distintos tipos de materiales para que los alumnos, con los ojos
vendados, los toquen, huelan y prueben y así puedan adivinar de
qué se trata.
El docente elige tanto a los líderes del grupo como a los alumnos
rechazados socialmente, para que sean ellos los que tengan
que adivinar cada uno de los materiales. Esto permite que sus
compañeros los conozcan en una situación distinta a la cotidiana.
Intervención y acoso escolar * Roberto Yescas Sánchez
351
(continuación del Anexo1)
8.Dimensión social del ser humano.
8.1.Origen del estado, formas de
gobierno y clases sociales.
9.Filosofía política:
9.1.Relación de fines y medios.
9.2.Relación entre sociedad y poder:
Maquiavelo y Locke.
9.3.Contrato social y naturalismo:
Rousseau.
10. Revaloración de las utopías:
10.1. Sociedad igualitaria.
10.2. Una sociedad amorosa.
10.3. Liberación y raza cósmica.
11. Filosofía y sociedad mexicana.
11.1. La sociedad en las culturas de
Mesoamérica.
11.2. Sociedad del relajo.
352
• Integración social.
• Título: autoridades de clase.
• Descripción: Se selecciona a 4 alumnos, quienes son los líderes
de amistad según los resultados del estudio sociométrico. Cada
uno de ellos venda los ojos de 4 o 3 compañeros elegidos al
azar. Posteriormente, los líderes intentan dirigir a su equipo para
atravesar el salón. Previamente el maestro obstaculizará el trayecto
definido.
Al final, se comparte la experiencia de los equipos con respecto al
tipo de autoridad ejercida por el líder. Se concluye la actividad con la
vinculación del tema a partir de las posturas de Aristóteles y Platón.
• Educación en valores
éticos.
• Título: la guerra y la paz.
• Descripción: los alumnos se integran en equipos de tres personas
de acuerdo a su preferencia, cada equipo elige tres valores que
serán el marco de referencia con el que decidirán en la actividad,
se les da como instrucción que quienes obtengan una puntuación
mayor de 300 puntos tendrán un punto extra y quienes salgan en
números negativos un punto menos.
En una hoja cada equipo escribe X o Y dependiendo de su elección
y de acuerdo a los valores dispuestos. Si los 6 equipos redactan X,
la puntuación será -300 y si los equipos escriben Y tendrán puntos
menores a 100. Sin embargo, si un equipo tiene X, su puntuación
automática es de 100.
El juego tiene la intención de fomentar el valor del trabajo
colaborativo en una situación de conflicto, ya que el mejor resultado
para todos los equipos es cuando seleccionan la letra Y.
En el juego se analiza la guerra, representada con X por tener las
mayores pérdidas y la ganancia más grande y única para un solo
equipo. Por su parte la letra Y representa la paz, donde la ganancia
es constante pero menor para todos.
Posteriormente se relacionan las actitudes demostradas en el juego
con el pensamiento maquiavélico de Locke y Rousseau.
• Integración social.
• Educación en valores
éticos.
• Conocimiento
personal tanto de sí
mismo, como de los
demás.
• Título: mi sociedad perfecta.
• Descripción: se solicita la realización de una caracterización de una
utopía (de una sociedad perfecta) de manera individual, con los
siguientes criterios:
1. Número de habitantes.
2. Profesión.
3. Superficie territorial que ocupan y tipo de ecosistema en el que
se encuentra.
4. Tradiciones y costumbres (considerando algunas de México).
5. Qué avances tecnológicos, sociales y/o culturales tienen?
6. Qué la hace perfecta?
Después, los alumnos comparten al grupo su utopía con el fin
de formar equipos de 4 personas de acuerdo a la similitud de su
sociedad perfecta.
Cada equipo debe elaborar una pequeña maqueta acerca de su
utopía.
Con esta dinámica se promueve la formación de nuevos equipos
por similitudes, se abordan los valores que definen una sociedad
perfecta, donde la violencia no existe y permite conocer los
pensamientos, intereses y gustos de cada uno de los participantes.
• Educación en valores
éticos.
• Conocimiento
personal tanto de sí
mismo, como de los
demás.
• Título: chistes muy mexicanos.
• Descripción: se propone como dinámica buscar y contar chistes
mexicanos que reflejen algún valor de la nacionalidad, para deducir
las características comunes de los mexicanos. Posteriormente
cada alumno relaciona, a través de un cuadro, las características
que tiene su persona con las determinadas en el primer paso.
Como cierre, se comparten las características y los valores
individuales relacionados con los nacionales, donde se dan cuenta
de las similitudes que tienen con sus compañeros y a su vez, con
la sociedad en general.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 339-354.
(continuación del Anexo1)
• Integración social.
• Educación en valores
éticos.
• Conocimiento
personal tanto de sí
mismo, como de los
demás.
• Título: la guerra húmeda.
• Descripción: se organiza una guerra, la mitad del grupo en contra
del otro. Los líderes de amistad son divididos en cada equipo.
La guerra se realiza con globos de agua y gana el equipo que
resulte menos mojado.
La estrategia didáctica fomenta la integración de los alumnos,
analizando los valores que deben desarrollarse para ser exitosos
y se conocerán más de forma personal al planear estrategias de
ataque.
Al final de la guerra se concluye haciendo un análisis sobre las
estrategias de colaboración que eligieron para ganar y la necesidad
de valores como la solidaridad, subsidiariedad, el respeto al seguir
las reglas de no agresión y la equidad, para realizar un trabajo que
sea exitoso para todos.
13. Sentido del ser humano:
13.1. Sentido de vida.
13.2. Concepción del hombre desde
la perspectiva mesoamericana.
• Educación en valores
éticos.
• Conocimiento
personal tanto de sí
mismo, como de los
demás.
• Título: manos de vida.
• Descripción: el docente solicita a los alumnos dibujar en una hoja el
contorno de su mano izquierda, en el centro deben contestar ¿cuál
es el sentido de mi vida?. En cada dedo, fuera de su contorno,
colocan a la persona que podría ayudar a concretar su sentido de
vida y por dentro, un objetivo específico que le permita lograr la
realización de ese sentido.
Posteriormente, el alumno analiza los valores implícitos en la
definición de su sentido de vida y se comparten con el resto del
grupo.
14. Condición afectiva del ser
humano:
14.1. Sexo, amor y filosofía.
14.2. La esperanza.
14.3. El miedo.
14.4. La angustia.
• Educación en valores
éticos.
• Conocimiento
personal tanto de sí
mismo, como de los
demás.
• Título: una comunidad que siente.
• Descripción: el alumno elabora un cuadro sobre los momentos en
los cuales ha experimentado amor, esperanza, miedo y angustia,
con el fin de descubrir los valores implicados en cada experiencia.
Después, se realiza un diálogo sobre los valores propuestos y su
importancia en la vida afectiva.
• Integración social.
• Educación en valores
éticos.
• Título: construyendo un mundo.
• Descripción: el docente establece 3 equipos para representar a
tres países: uno desarrollado, otro subdesarrollado y uno más en
vías de desarrollo. A cada equipo se le otorgan diversos materiales
de acuerdo a su situación económica y social, con ellos deben
construir una casa de acuerdo a sus condiciones.
Durante la dinámica, cada equipo va a necesitar el apoyo de los
otros y el docente hará la propuesta de pedir ayuda mediante dos
alternativas de solución: una pacífica y la otra bélica.
Al final, se analizan los valores proyectados en las alternativas
elegidas y se fomenta la cooperación como una manera pacífica de
llegar a una solución.
• Integración social.
• Educación en valores
éticos.
• Título: representamos lo que vale.
• Descripción: se elabora una lista de valores y antivalores de la vida
contemporánea y se establecen equipos formados por el docente
para la realización de un sketch.
El Sketch se determina con el valor o antivalor que más les interese
y la manera de promoverlo en la sociedad, en caso de que éste
corresponda a una forma de vida buena.
Con la estrategia se intentan establecer nuevas relaciones sociales
y se promueven los valores más importantes para una interacción
social no violenta.
12. Problemas sociales
contemporáneos:
12.1. Diversidad cultural.
12.2. El etnocentrismo.
12.3. Consecuencias sociales de la
guerra y la paz.
15. Condición social del ser humano:
15.1. Lucha de clases.
15.2. Alienación.
15.3. Naturaleza del hombre.
16. Preocupación por la existencia
del ser humano:
16.1. Existencia y esencia de Dios.
16.2. La muerte, la libertad, la nada,
ipseidad.
16.3. El absurdo.
16.4. Transmutación de valores.
16.5. La muerte en la cultura
mesoamericana.
Intervención y acoso escolar * Roberto Yescas Sánchez
353
Recebido em: 11/06/2012
Reformulado em: 05/08/2013
Aprovado em: 29/08/2013
Acerca del autor
Roberto Yescas Sánchez.([email protected] / [email protected])
Facultad de Educación de la Universidad Popular Autónoma del Estado de Puebla (UPAEP), Proyecto de investigación.
Calle: Prolongación de Arteaga, no. 1028.
Colonia: Trinidad de las Huertas.
Código postal: 68120.
Ciudad: Oaxaca.
Estado: Oaxaca.
País: México.
Se agradece la participación y el apoyo recibido por parte de la Mtra. Selene Georgina López Reyes, quien es la docente de la materia de filosofía.
354
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 339-354.
Resenha
Ensinar com ética
Teach with ethics
Enseñar con ética
Geraldina Porto Witter
Universidade Camilo Castelo Branco
Landrum, R.E., & McCarthy, M.A. (eds)(2012). Teaching Ethically: Challenges and
Opportunities. Washington, DC: American Psychological Association, xii+ 214p.
O livro foi organizado por R. Eric Landrum e Maureen
A. McCarthy, professores-doutores que exercem a docência em universidades americanas, atuam em sociedades
científicas e são produtores científicos com grande contribuição. Contaram com o apoio de outros doutores. Focam
predominantemente o docente universitário, mas buscam
raízes e indicam também a necessidade de formação ética em docência e pesquisa do professor. O livro focaliza o
professor de Psicologia, mas a matéria aplica-se a docentes
de todas as áreas. São ao todo dezessete capítulos organizados em quatro partes: 1) Preocupações pedagógicas
(seis capítu¬los); 2) Comportamento dos estudantes (dois
capítulos); 3) Considerações sobre classes diversificadas
(três capítulos); e 4) Comportamento da instituição (seis capítulos). Há ainda uma introdução escrita pelos editores em
que estes apresentam o livro e um índice de conteúdos e de
autores que é muito útil. A bibliografia de suporte dos vários
capítulos é atual, pertinente e de reconhecido valor.
O primeiro capítulo da primeira parte foi redigido
por Pusateri, e descreve como ético o professor que: a)
evidencia isto propiciando um ensino eficiente; b)- busca
ativamente melhorar e atualizar-se no conteúdo da matéria,
na pedagogia e em métodos de avaliação da aprendizagem;
c)- focaliza o que ensina dentro do contexto da programação
geral; d)- colabora com os colegas. A seguir, Swenson e McCarthy, focam a ética na escolarização da pesquisa sobre
ensino – aprendizagem que deve ser atividade obrigatória
para todos os envolvidos no ensino. Saville trata da avaliação e dos modelos éticos. Já Weiten, Halpern, Burnstein
focam a relação entre livro e ética, assunto pouco pesquisado, mas já suficiente para considerar ser ético não duplicar
material, decidir não adotar livros, testar os textos a serem
indicados, etc.
Elison-Bowers e Snelson tratam da ética nos cursos online como a necessidade de pagar para usar os
textos editorados. Apontam a necessidade de mudanças
na prática docente. A questão de autoria pode ser resolvida escrevendo-se textos novos com a autorização do autor
para citar obras suas, com o que se estará respeitando a
lei. Já Gurung analisa o fato de que o ensino-aprendizagem
e o consumo de conhecimento só são éticos se baseados
em evidências decorrentes de pesquisas neste nível ou de
revisões sistemáticas ou cientométricas da produção quer
de conteúdo quer pedagógica. Se o professor não pesquisa
evidências pode usar tecnologias que resultaram de estudos
publicados, mas com muita cautela.
O capítulo sétimo dá início à análise do comportamento ético dos alunos e foi redigido por Prohaska, que
focaliza como problemas básicos o colar e o plagiar, incluindo-se no último caso o autoplágio. Lembra que as novas
tecnologias têm se mostrado muito úteis na confirmação de
plágio. São oferecidas estratégias para encorajar a ética no
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013, 355-358.
355
aluno. Entre elas, Scwartz, Tatum e Wells (capítulo oitavo)
focalizam as vantagens e riscos do sistema de honrarias
que, para evitar faltas éticas, precisa de comportamentos
especiais do docente, assim como de códigos éticos e de
critérios transparentes.
A presença de classes diversificadas por razões variadas é hoje uma constante em muitos países, e as evidências
de pesquisas mostram a eficiência de alguns procedimentos
úteis para trabalhar ensino-aprendizagem com ética nestas
circunstâncias como apresentam Domenech, Rodríguez e
Bates. Lembram a necessidade de professores competentes e da atuação do psicólogo escolar. Vale destacar que o
docente precisa ter competência multicultural, que envolve
autoconhecimento, conhecimento científico e pedagógico,
bem como capacidade de produção de pesquisas que gerem evidências; e finalmente, ter habilidade para trabalhar
mudando sentimentos e valores dos alunos, valendo-se
da Psicologia Cultural, que é de grande valia, pois implica
em mudanças nesta área (Chew). Fechando esta parte, o
leitor encontra o capítulo de Carrol, que destaca a ação do
psicólogo escolar. Esse capítulo arrola princípios éticos que
devem ser observados em várias circunstâncias.
Começando a última e maior parte do livro, Wilson,
Smalley e Yancey focam o relacionamento da instituição
com o aluno, enfatizando os papéis do professor e a manutenção de fronteiras éticas nestas relações. Os princípios
e regras se aplicam também às pessoas que assumem o
papel de monitores. Além da relação de princípios, apresentam recomendações éticas para evitar problemas com
orientando/monitorando e para a manutenção ética dos limites na relação. Peden e Keniston enfocam o que e quando
o graduando precisa aprender sobre a ética em pesquisa.
Afirmam que todos os estudantes de graduação precisam
aprender sobre ética em pesquisa, aperfeiçoando o que
aprenderam em nível mais elementar, antes do Ensino Superior, e que para ensinar pesquisa ética é preciso contar
com professores atualizados nos dois aspectos. Apresentam
uma programação sequencial de quatro anos com o conteúdo hierarquizado, de forma que o aluno incorpore em seu
comportamento competências, habilidades e vivências, seja
como profissional, como pesquisador ou em ambas as condições; ele pode inserir-se na comunidade acadêmica como
pesquisador integrando-se na cultura científica ética.
A presença de classes diversificadas por razões variadas é hoje uma constante em muitos países, e as evidências
de pesquisas mostram a eficiência de alguns procedimentos
úteis para trabalhar ensino-aprendizagem com ética nestas
circunstâncias como apresentam Domenech, Rodríguez e
Bates. Lembram a necessidade de professores competentes e da atuação do psicólogo escolar. Vale destacar que o
docente precisa ter competência multicultural, que envolve
autoconhecimento, conhecimento científico e pedagógico,
bem como capacidade de produção de pesquisas que gerem evidências; e finalmente, ter habilidade para trabalhar
mudando sentimentos e valores dos alunos, valendo-se
da Psicologia Cultural, que é de grande valia, pois implica
em mudanças nesta área (Chew). Fechando esta parte, o
356
leitor encontra o capítulo de Carrol, que destaca a ação do
psicólogo escolar. Esse capítulo arrola princípios éticos que
devem ser observados em várias circunstâncias.
Começando a última e maior parte do livro, Wilson,
Smalley e Yancey focam o relacionamento da instituição
com o aluno, enfatizando os papéis do professor e a manutenção de fronteiras éticas nestas relações. Os princípios
e regras se aplicam também às pessoas que assumem o
papel de monitores. Além da relação de princípios, apresentam recomendações éticas para evitar problemas com
orientando/monitorando e para a manutenção ética dos limites na relação. Peden e Keniston enfocam o que e quando
o graduando precisa aprender sobre a ética em pesquisa.
Afirmam que todos os estudantes de graduação precisam
aprender sobre ética em pesquisa, aperfeiçoando o que
aprenderam em nível mais elementar, antes do Ensino Superior, e que para ensinar pesquisa ética é preciso contar
com professores atualizados nos dois aspectos. Apresentam
uma programação sequencial de quatro anos com o conteúdo hierarquizado, de forma que o aluno incorpore em seu
comportamento competências, habilidades e vivências, seja
como profissional, como pesquisador ou em ambas as condições; ele pode inserir-se na comunidade acadêmica como
pesquisador integrando-se na cultura científica ética.
Brakke e Thompson focalizam as questões éticas
na supervisão de estudantes envolvidos em programas na
comunidade, fora dos muros da universidade. Isto requer
conhecimento e competências específicas para se obter
o desejado dentro dos parâmetros éticos. Muitas práticas
específicas para tal supervisão já estão disponíveis. O supervisor precisa conhecer e adequar seus possíveis usos.
No texto seguinte (capítulo 15), Vanderstoep e Trent-Brown descrevem como o docente pode cultivar eticamente a experiência colaborativa positiva em que graduandos
se tornem bons assistentes de pesquisa. Descrevem três
estratégias: 1)- cursos avançados de pesquisa para professores e orientadores com partes em comum e partes
diferenciadas; 2)- estratégias para a condição de aprendiz;
e 3)- criação de estudantes líderes.No penúltimo capítulo
McCarthy discute a questão de autoria, em que é preciso
considerar princípios gerais relativos a custo/ beneficio, fidelidade/responsabilidade e justiça/respeito. Especificam os
comportamentos a que se pode atribuir crédito na pesquisa,
com ênfase nas várias partes do discurso científico.
Fecha a obra o texto da Komarraju e Handelsman
sobre o preparo para ensinar tornando-se parte da cultura
ética. Todos os professores, supervisores e pesquisadores
precisam conhecer bem e manter-se atualizados quanto à
ética em geral, e particularmente no que diz respeito à confidencialidade na relação com o orientando. O texto analisa
a Cultura Ética Acadêmica que envolve a cultura acadêmica
geral; definições de missão, valores, políticas de capacitação
para docentes e alunos e estabelecimento de clima ético em
cada departamento relacionado com o curso. Foca também
o treino ético do professor como uma necessidade constante
para garantir a qualidade e o clima adequado no curso. Os
avanços nos princípios, nas normas e na legislação sobre
Resenha
ética no ensino e na pesquisa, bem como o surgimento de
novas soluções e propostas, crescem rapidamente. Em
comparação com o que se faz no Brasil. observa-se uma
situação muito inferior em nosso país. Que bom seria se todos pudessem ter acesso ao conteúdo do presente livro. Aos
poucos o sistema CEP/CONEP vem se aperfeiçoando, e é
possível avançar mais rápido na área, desde que realmente haja consciência, competência e empenho em busca de
padrões éticos mais elevados, em lugar de velhas respostas
que as ciências já consideram obsoletas, algumas das quais
já são até tidas como crime em alguns países, enquanto
aqui parecem ignoradas por muitos.
Recebido em: 03/07/2013
Aprovado em: 27/11/2013
Sobre a autora
Geraldina Porto Witter ([email protected])
Doutora em Ciências, Livre-Docente em Psicologia
Endereço: Av. Pedroso de Morais, 144, apto 302 – Pinheiros – São Paulo, SP. 05420-000.
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História
History
Historia
Homenagem a Yvonne Khouri
(1923 - 2013)
Tribute to Yvonne Khouri
(1923 -2013)
Homenaje a Yvonne Khouri
(1923 - 2013)
Carmem Silvia Rotondano Taverna
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Sérgio Antônio da Silva Leite
Universidade Estadual de Campinas – SP
É uma grande honra homenagear a Dra. Yvonne
Khouri – Yvonne Alvarenga Gonçalves Khouri, cuja trajetória como psicóloga, educadora e ser humano é exemplo do
compromisso da Psicologia com as questões sociais brasileiras, especialmente no campo da Educação.
Paulistana, Yvonne formou-se na Faculdade de Saúde Pública da USP, em 1945, e concluiu o curso de especialização em Psicologia Clínica em 1959, na PUC/SP. Obteve
o registro de psicólogo logo após a regulamentação da profissão, em 1962 (nº. 625), feita pelo MEC, e no Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, em 1975 (CRP06 – 1042).
Na Secretaria da Educação da Prefeitura de São
Paulo
No final dos anos 1950, já trabalhando na Prefeitura de São Paulo, Yvonne Khouri assumiu a chefia do Setor
de Psicologia Clínica do Serviço de Assistência ao Escolar
do Departamento de Educação, Assistência e Recreio, da
Secretaria de Educação e Cultura do município, e foi a responsável, anos depois, pela criação do Serviço de Psicologia
Escolar.
Nesse período cabia à Clínica Psicológica a tarefa de
atender crianças e suas famílias encaminhadas pelas
escolas e parques infantis, realizando diagnósticos e terapia.
Além disso, a ela cabia também orientar professores quanto
aos aspectos psicológicos do desenvolvimento infantil e
oferecer cursos aos administradores escolares.
Ao longo da década de 1960 a Secretaria da Educação e Cultura tornou-se mais complexa com a expansão do
ensino primário, e em 1967 passou por uma reestruturação.
O Departamento de Recreação e Assistência passou a ser
denominado Departamento de Assistência Escolar, constituído pelas seguintes Divisões: Odontológica, de Nutrição e de
Assistência Médica. Nesta, foi criada a Seção de Psicologia
Clínica, responsável pelo funcionamento das clínicas psicológicas do Itaim e da Mooca, sob a chefia de Yvonne Khouri.
Atenta às modificações que ocorreram no país e,
consequentemente, na educação brasileira, na década de
1960 e início dos anos 1970 ela acompanhou estreitamente
as transformações da escola pública, em especial o aumento significativo dos índices de reprovação de alunos na 1ª
série. Sensível ao crescente aumento no número de encaminhamentos dessas crianças para atendimento psicológico,
Yvonne Khouri buscou compreender, por meio de estudos e
pesquisas, o denominado fracasso escolar.
Em 1974 a psicóloga fez um levantamento da realidade escolar e suas necessidades, com vistas a estabelecer
algum plano de ação para a Psicologia. Em seu estudo, que
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013, 359-362.
359
envolveu 1.184 crianças e teve como base os dados obtidos
em entrevistas com pais das crianças atendidas nas clínicas
psicológicas e em relatórios de professores, constatou que
muitos dos denominados “distúrbios de escolaridade”, que
correspondiam a 80% dos encaminhamentos, poderiam ser
prevenidos ou minimizados mediante a ação do psicólogo na
escola, e que esse serviço deveria priorizar a 1ª série, pois
57% das crianças encaminhadas frequentavam essa série.
No ano seguinte realizou a pesquisa Avaliação do desenvolvimento intelectual de alunos de 1ª série do ensino de 1º
grau da PMSP e suas relações com o fracasso escolar, com
amostra de 10% da população escolar de 1ª série – meninos
e meninas, entre 7 e 14 anos.
Os estudos por ela orientados indicaram que o fracasso escolar era o motivo de cerca de 80% dos encaminhamentos, o que mostrava a necessidade de adequação
dos programas e metodologias educacionais e de ações
profiláticas na área da saúde mental do escolar, de sua família e da escola como instituição. Essas ações poderiam ser
realizadas de modo integrado por psicólogos, pedagogos,
professores e pais, na própria escola.
Assim, além de manter o Serviço de Psicologia Clínica para alunos que necessitassem de diagnóstico psicológico e de psicoterapia, Yvonne Khouri propôs à Secretaria
de Educação o Projeto Piloto de Psicologia Escolar, que
foi instalado em julho de 1975. Era um projeto pioneiro, de
abrangência comunitária, desenvolvido em escolas localizadas na periferia da cidade. Seu trabalho era um desafio, pois
se confrontava com o encaminhamento dado pela Psicologia
à época, colocando-se ao lado dos questionamentos que
passaram a ser feitos em relação à profissão de psicólogo
e ao encaminhamento dado pelo ensino de psicologia. Os
psicólogos da prefeitura, os clínicos e os escolares, além de
utilizar conhecimento e instrumental específico da área, precisariam compreender as relações entre escola e sociedade.
Nessa perspectiva, os psicólogos escolares trabalhariam em
ações integradas entre psicólogos, assistentes pedagógicos,
orientadores educacionais, professores e pais e deveriam
priorizar a ação com o grupo de alunos que chegava à escola
– 1ª série – e com alunos que deixavam a escola (8ª série),
auxiliando-os na escolha adequada de uma profissão ou de
estudos posteriores. Também realizariam pesquisas no campo da Psicologia, além de acolherem estudantes em estágio.
Contando com uma avaliação positiva, o serviço de
psicologia escolar foi ampliado nos anos seguintes: em 1978,
os psicólogos, em número de 80, atuavam em aproximadamente 160 escolas do I grau e de Educação Infantil.
Yvonne Khouri valorizou o encontro dos psicólogos
para a discussão crítica de seu trabalho, em espaço próprio;
assim, em 1978 fundou e presidiu a Associação dos Psicólogos da Prefeitura – APP, com o objetivo de aglutinar não
só os psicólogos da Secretaria da Educação, mas também
aqueles que trabalhavam em outras secretarias. Vale lembrar
que, durante todo esse período, ainda vigorava uma política
autoritária nas instâncias públicas.
Em 1979 aposentou-se da PMSP. Deixou seu exemplo, força, persistência e a confirmação da importância da
360
Psicologia na educação pública. Continuou companheira,
respondendo prontamente aos pedidos de ajuda a ela feitos
nos dez anos seguintes, até a extinção dos serviços de Psicologia na Secretaria da Educação.
Na PUC-SP
Como professora na Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, PUC/SP, cargo que ocupou desde 1963 no
Centro de Educação, assumiu por duas gestões sua direção
e a de representante junto ao Conselho Universitário (órgão
máximo de deliberação da universidade). Também na PUC/
SP, no período de 1977 a 2000, chefiou o Departamento de
Tecnologia da Educação, participou do Programa de Avaliação Institucional e coordenou a Comissão de Avaliação
Institucional. Foi professora do Programa de Pós-Graduação
em Educação em Currículo, tendo tomado a si a responsabilidade de formação de muitos mestres e doutores, lado a lado
com outros educadores como, por exemplo, Paulo Freire,
com quem partilhou seu trabalho e que muito contribuiu com
sua experiência, conhecimento e compromisso social.
Publicações
Yvonne tem inúmeras publicações, nas quais participou
direta ou indiretamente, no entanto duas merecem especial
destaque, pela importância que tiveram para a categoria dos
psicólogos, em especial para os profissionais que atuam na
área da Educação e para a formação e o ensino de Psicologia.
Khouri, Y. G. (Org.). (1984). Psicologia Escolar
(Coleção Temas Básicos de Psicologia). São
Paulo: EPU.
Além de organizadora, Yvonne escreveu o prefácio, a
introdução, a conclusão e dois capítulos da obra “Educação
e Psicologia Escolar”.
No prefácio e na introdução, Yvonne Khouri deixa bastante evidente sua posição ética e política quanto às questões da Educação e da Psicologia no âmbito educacional e
escolar. Participante dos encontros e seminários realizados à
época pelo Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo
e pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, o qual
presidia, tornou-se porta-voz dos psicólogos que atuavam na
área. Ao organizar esse livro, evidenciou a necessidade “de
definir claramente a contribuição [do psicólogo] à educação,
dentro de sua especificidade profissional” e, “de aprofundar
mais nossos conhecimentos sobre aspectos filosóficos,
sociais e econômicos deste processo, aspectos estes que
constituem um cenário que não deve ser perdido [...], pois
este processo nos dará definições sobre o homem, a estrutura social, o comportamento e as relações humanas” (p. IXX). Na conclusão, reitera sua preocupação com a educação
desumanizadora e mecanicista e seus anseios em relação
História
a ela e à possibilidade de trabalho para o psicólogo escolar.
Escreveu ainda dois capítulos: Aspectos do desenvolvimento intelectual de crianças pertencentes a níveis socioeconômicos diferentes, no qual “enfatiza a necessidade da utilização de testes psicológicos numa modalidade libertadora,
sem torná-los instrumentos que contribuam à discriminação
de crianças”; e O autoritarismo na relação professor-aluno,
no qual relata uma pesquisa com adolescentes e a sensibilização de professores. Neste último capítulo apresenta a
escola como um centro de relações autoritárias, difíceis de
serem enfrentadas pelo psicólogo, não só por sua estrutura
administrativa e burocrática, mas também pelo fato de “o
autoritarismo estar profundamente interiorizado em todos
nós”. Para Yvonne Khouri, “só à medida que conseguimos
entender o nosso autoritarismo temos condições para deixar
de exercê-lo” (p.75).
Em síntese, pode-se afirmar que, para Yvonne, embora seja difícil, não é impossível para o psicólogo, considerando as reais necessidades da escola, promover a dignidade
de todos os envolvidos no processo educacional e buscar
formas criativas de trabalho, assim como fizeram os autores
que colaboraram nesse volume, ao relatarem suas experiências.
Conselho Regional de Psicologia - 6ª Região (São
Paulo), & Sindicato dos Psicólogos do Estado de
São Paulo. (1986). Psicologia no ensino do 2º grau:
uma proposta emancipadora. São Paulo: Edicon.
A partir de 1980 o Sindicado dos Psicólogos e o
Conselho Regional de Psicologia de São Paulo assumiram
a luta pela volta das disciplinas das áreas das ciências humanas – Psicologia, Filosofia e Sociologia – ao então ensino
de 2º Grau. Para tanto, foi formada a Comissão de Ensino
CRP-Sindicato, da qual Yvonne participou ativamente, junto
com os colegas Carlos Rodrigues Ladeia, Regina Aparecida
Loureiro Caroni e Sérgio Antônio da Silva Leite.
Em sua fase inicial, a Comissão de Ensino desenvolveu amplo trabalho de articulação junto às entidades representantes dos filósofos e dos sociólogos e, principalmente,
junto à CENP - Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
Nesta instância foi formado um grupo de trabalho conjunto,
com o objetivo de formular, em curto prazo, uma proposta
de conteúdos programáticos para a disciplina Psicologia no
2º Grau.
Dessa aproximação resultaram duas importantes consequências: a primeira foi que a SEE/SP incluiu as disciplinas
das ciências humanas no concurso de ingresso de docentes,
previsto para 1986, como realmente ocorreu; e segunda foi
a realização do curso “Psicólogo – docente no ensino de 2º
Grau”, no segundo semestre de 1995, nas dependências da
CENP, com o objetivo de colaborar com o aprimoramento
da ação educacional dos licenciados em Psicologia que já
atuavam na área ou que tinham interesse em iniciar a atividade docente no Ensino Médio. Para tanto, foram convidados
psicólogos e pesquisadores, que apresentaram, para os 250
psicólogos inscritos, análises sobre cada um dos onze temas
propostos para o rol dos conteúdos programáticos da disciplina.
A Comissão de Ensino, de posse desse rico material,
decidiu reuni-lo em um livro para possibilitar uma ampla socialização dessa inédita experiência.
Na apresentação do livro, elaborada pela Comissão
de Ensino, fica expressa a intenção de que as disciplinas das
ciências humanas, em especial a Psicologia, voltem-se para
a “formação do sujeito crítico e participante, assegurando-lhe uma visão integrada de Homem e de mundo, para a
qual as ciências humanas dão especial contribuição”. Na
sequência, sugere que “o professor, ao mesmo tempo em
que se questiona como reprodutor da ideologia dominante
estará contribuindo, simultaneamente, para o nascimento de
uma proposta curricular atenta aos elementos contraditórios
do real, inserido no contexto mais amplo do processo social.
Desta maneira é que se entende a ação transformadora da
Educação”.
A proposta previa como tema central o Homem como
ser total que interage com o mundo. A questão norteadora
dos temas escolhidos era: “O que determina a ação humana
em nossa sociedade?”.
Yvonne teve um papel fundamental na construção e
desenvolvimento do trabalho acima resumido.
No Sistema Conselhos de Psicologia
Durante as décadas de 80 e 90 do século passado,
Yvonne participou ativamente nos conselhos, atuando tanto
no Conselho Regional de Psicologia de São Paulo quanto
no Conselho Federal de Psicologia, chegando a assumir a
presidência do CRP-SP, em um período de importantes realizações para a organização política da categoria, como a
realização do I Congresso Nacional de Psicologia (I CNP).
Dentre as inúmeras atividades desenvolvidas, algumas merecem destaque por sua abrangência e relevância.
Além da sua participação na já citada Comissão de Ensino,
relacionada com a disciplina Psicologia no 2º Grau, Yvonne
também participou ativamente da Comissão de Psicologia
Educacional, juntamente com outros colegas profissionais
da área. Esta comissão começou, no início dos anos 1980,
a articulação dos psicólogos no Estado de São Paulo que
atuavam na área da Educação. Planejou e realizou as três
versões do “Encontro de Psicólogos da Área da Educação”,
nos anos de 1981, 1982 e 1983, respectivamente, nas dependências do Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo.
Esse processo caracterizou-se como o movimento pioneiro
que iniciou o trabalho de organização dos psicólogos escolares e educacionais, que hoje assume proporções nacionais.
Destaca-se o I Encontro, de 1981, que foi precedido
de uma ampla pesquisa elaborada pela comissão, sobre a
atuação do psicólogo na área da Educação, no Estado de
São Paulo, comissão na qual Yvonne teve um papel fundamental. Os dados foram apresentados e discutidos durante
361
o Encontro, que foi realizado nos dias 6 e 7 de dezembro
daquele ano.
Além disso, destaca-se o trabalho desenvolvido por
Yvonne como membro da Câmara de Educação e Formação
Profissional do CFP, que envolveu, no início dos anos 1990,
um importante levantamento sobre o psicólogo, que gerou o
livro “Psicólogo Brasileiro – Práticas Emergentes – desafios
para a formação”, publicado em 1994.
Toda a trajetória de Yvonne, bem como sua atuação
no sistema conselhos, possibilitou sua indicação como membro da I Comissão de Especialistas de Psicologia, no MEC.
Diante de tão ampla atuação, fica evidente a importância do papel da Dra. Yvonne Khouri na história da Psicologia, em São Paulo e no Brasil, em especial a da Psicologia
Escolar. Não obstante, mais do que sua grande e importante
produção profissional e acadêmica, destaca-se a sua figura
humana - simples, sempre solidária, mas profundamente
envolvida quando se tratava da defesa dos direitos dos setores menos privilegiados da população. Yvonne deixou uma
grande lição para as gerações que se seguiram: a luta pela
construção de uma Psicologia, como ciência e profissão,
marcada pelo compromisso social – que marcou sua atuação
como psicóloga e educadora.
Referências
Associação dos Psicólogos da Prefeitura de São Paulo. (1978).
Anais do I Ciclo de Debates sobre o Atendimento Psicológico a
Escolares. São Paulo: PMSP/APP.
Conselho Federal de Psicologia, & Conselho Regional de Psicologia
- 6ª Região. (1994). Uma profissão chamada Psicologia – CRP06, 20 ANOS. São Paulo: CRP06.
Conselho Regional de Psicologia - 6ª Região, & Sindicato dos
Psicólogos do Estado de São Paulo. (1986). Psicologia no ensino
do 2º grau: uma proposta emancipadora. São Paulo: Edicon.
KhourI, Y. G. (Org.) (1984). Psicologia Escolar (Coleção Temas
Básicos de Psicologia). São Paulo: EPU.
Khouri, Y. (2002). Entrevista concedida à Carmem Silvia R. Taverna.
Projeto de Lei nº. 2549. (1956). Reorganiza o Departamento
de Educação, Assistência e Recreio, desdobrando-o em
Departamento de Educação e Departamento de Recreação e
Assistência. Prefeitura Municipal de São Paulo: PMSP.
Taverna, C. S. R. (2003). Um estudo histórico sobre a Psicologia
Escolar na Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura
de São Paulo. Tese de doutorado, Programa de Estudos PósGraduados em Psicologia Social, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo-SP.
Sobre os autores
Sérgio Antônio da Silva Leite ([email protected])
Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, doutorado em psicologia.
Cidade Universitária Zeferino Vaz Barão Geraldo, CEP: 13081-970 - Campinas, SP
Carmem Silvia Rotondano Taverna ([email protected])
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-doutorado em psicologia.
Rua Monte Alegre, 984 - Perdizes, São Paulo - SP, 05014-901.
História
História
History
Historia
Homenagem a Samuel Pfromm Netto
Tribute to Samuel Pfromm Netto
Homenaje a Samuel Pfromm Netto
José Fernando Bitencourt Lomonaco
Universidade de São Paulo – SP
Vítima de longa e cruel enfermidade, faleceu no dia 17
de novembro de 2012 o Prof. Samuel Pfromm Netto, de quem
tive a honra de ter sido aluno, colega de trabalho e amigo de
longa data. Meu primeiro contato com o Prof. Samuel ocorreu
no curso de graduação, em que dele recebi meus primeiros
ensinamentos nas áreas da Psicologia da Aprendizagem e
da Psicologia da Adolescência, esta última, uma de suas paixões. Penso que todos que o conheceram hão de concordar
comigo quanto ao enorme entusiasmo demonstrado por ele
em suas aulas. Transparecia em suas palavras e em seu
tom de voz uma firme convicção de estar transmitindo aos
seus alunos importantes conhecimentos oriundos da ciência
psicológica. Aí residia uma faceta peculiar de sua personalidade: uma grande intolerância com o bla-blá-blá sem fundamento e com meras opiniões pessoais não fundamentadas
na pesquisa empírica, e principalmente uma grande aversão
à contaminação dos conhecimentos psicológicos oriundos de
trabalhos de pesquisas sérios com as ideologias de plantão,
com a mistura nefasta, no seu entender, de predisposições
ideológicas que conduziam o pensamento em uma direção
determinada e cegavam o aluno e/ou o estudioso para as
descobertas e conclusões dos trabalhos empíricos de campo
ou oriundos de laboratórios psicológicos.
Outro aspecto bastante característico do Prof. Samuel
consistia em uma surpreendente atualização a respeito dos
assuntos de seu interesse. Impressionava-nos como alunos
o grau do conhecimento sobre as publicações mais recentes, geralmente textos norte-americanos, que o professor
parecia haver lido e comentava conosco, além de - é claro
- recomendar-nos enfaticamente a sua leitura. Ficávamos
imaginando o tamanho de sua biblioteca e o tempo despendido pelo professor em suas múltiplas leituras. Não se pense,
todavia, que apenas os textos mais atuais constituíam objetos de suas leituras. Ao lado destes e - penso eu - com igual
interesse e muito afinco, Samuel Pfromm Netto garimpava (o
termo garimpar parece-me refletir bem a tarefa a que ele se
propunha) trabalhos dos pioneiros da Psicologia brasileira,
e sentíamos nele uma profunda consideração pelas obras
desses autores, que na maioria das vezes eram um tanto
simplórias quando comparadas aos trabalhos mais recentes,
mas que o pesquisador tratava com muito carinho, se assim se pode dizer, e muito respeito. Quem lê um de seus
livros mais conhecidos – Psicologia da Adolescência – pode
aquilatar o quanto dos trabalhos desses pioneiros o Prof.
Samuel levantou e considerou nesta obra. E aí temos outra
característica marcante de sua personalidade acadêmica: a
de historiador da Psicologia brasileira. Não sem razão, fazia
parte do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.
À parte o já dito, vamos conhecer um pouco mais
de Samuel Pfromm Netto. Nasceu em Piracicaba, em 3 de
março de 1932. Seus ascendentes maternos eram católicos
luso-brasileiros e os paternos luteranos alemães. Formou-se
professor primário pela antiga Escola Normal de Piracicaba,
em 1949 e, ainda muito jovem, trabalhou como radialista e
como jornalista no antigo “Jornal de Piracicaba”, na função
de revisor. Cursou Pedagogia na USP, onde se formou em
1959; no ano seguinte foi convidado pelo Dr. Arrigo Leonardo Angelini para trabalhar na antiga Cadeira de Psicologia
Educacional. Doutorou-se na própria USP e fez estudos pós-graduados nos EUA, Europa e Japão. Escreveu e publicou
aproximadamente quatro dezenas de livros e um número
também muito extenso de estudos ao longo dos últimos 50
anos. Dentre suas obras podemos destacar: “Psicologia da
Adolescência”, livro que teve sete edições e, por muito tempo, foi o único (ou, pelo menos, um dos únicos) livro sobre
o assunto no nosso meio, “Comunicação de Massa” (1972),
“Tecnologia da Educação e Comunicação de Massa” (1977),
“Psicologia da Aprendizagem e do Ensino” (1987), “Psicologia: Introdução e Guia de Estudo” (1990) com 23 edições,
“Telas que Ensinam” (1998), etc. Fez parte como associado
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013, 363-364.
363
e, frequentemente, como integrante da diretoria, de várias
associações culturais, como a Associação de Psicologia de
São Paulo (antiga Sociedade de Psicologia de São Paulo), a
Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional
(ABRAPEE), na qual se fez sempre presente com suas colaborações, a Academia Cristã de Letras, o Instituto Histórico
e Geográfico de São Paulo. Foi membro fundador da Academia Paulista de Psicologia, em que ocupava a cadeira n.º 5,
cujo patrono é José Rodrigo de Arruda, por sinal, seu antigo
professor na Escola Normal de Piracicaba, autor, segundo
Samuel, de um notável compêndio de Psicologia editado
pela Saraiva e pioneiro, em nosso meio, de estudos sobre
aprendizagem de idiomas estrangeiros.
No tocante ao seu trabalho profissional, atuou a maior
parte de sua vida como professor no Instituto de Psicologia
da Universidade de São Paulo, nos cursos de graduação e
pós-graduação. Depois de aposentado pela USP exerceu o
magistério no programa de pós-graduação em Psicologia Escolar da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Em
ambas as instituições orientou grande número de dissertações de mestrado e teses de doutorado. Por ocasião de sua
morte dirigia a PNA – Pfromm Netto & Associados, com sede
na Capital Paulista.
Outro aspecto de sua contribuição para a Psicologia
brasileira que merece ser ressalvado para conhecimento e
reconhecimento das novas gerações de psicólogos foi sua
efetiva atuação - juntamente com outras figuras históricas da
nossa Psicologia, tais como Arrigo Leonardo Angelini, Odete
Lourenção van Kolck, Oswaldo de Barros Santos e tantos
outros - no sentido não só da criação do primeiro curso de
Psicologia do Brasil, o Curso de Psicologia da USP, mas também do reconhecimento legal da profissão de psicólogo por
meio da aprovação da Lei 4.119, de 1962. Samuel, ao lado
desses e de muitos outros pioneiros, também se empenhou
ativamente pela criação do Conselho Federal de Psicologia,
do qual, aliás, foi conselheiro por muitos anos.
Interessou-se pela informática educativa nos anos 70
e 80 e colaborou com a Secretaria Especial de Informática do
Governo Federal no planejamento e na criação dos primeiros
centros de informática educativa no país. Sua experiência
neste período é bem retratada no livro “Telas que Ensinam”,
publicado em 1998.
Muito embora os interesses e os conhecimentos do
Prof. Samuel fossem muito amplos e diversificados, é possível identificar claramente uma área do conhecimento psicológico na qual investiu o melhor de seus esforços, qual seja
a área da Psicologia Educacional e, por extensão, Escolar.
Numa entrevista concedida à Dra. Geraldina Porto Witter, sua
amiga e colega, publicada na Revista de Psicologia Escolar e
Educacional da Associação Brasileira de Psicologia Escolar
e Educacional (ABRAPEE), justifica o interesse por esta área
como natural, pois decorrente de sua formação como professor normalista e, posteriormente, como pedagogo. Quando
instado pela entrevistadora a apontar as características da
Psicologia Escolar no Brasil de hoje, assim se manifesta o
entrevistado:
“Vejo aspectos positivos e negativos na Psicologia Escolar
brasileira de nossos dias. Primeiro os positivos. Graças
principalmente à ABRAPEE ... temos hoje uma produção
e uma publicação de pesquisas das mais expressivas,
em comparação com a que tínhamos nas décadas
passadas. Boa parte dessa produção obedece aos
melhores padrões da literatura internacional e se debruça
... sobre a realidade de professores e alunos brasileiros em
escolas brasileiras. Noto também um aumento expressivo
de contribuições, muito raras no passado, da pesquisa
empírica sobre distúrbios e problemas de aprendizagem
com embasamento científico sério, ao contrário de uma
certa linha de superficialidade e desconhecimento brutal
do complexo de fatores, condições e componentes não só
psicológicos e sociais, como bioquímicos, genéticos, neurais
e traumáticos e de relacionamento interpessoal, que nos
fornecem um quadro de referência muito mais seguro para
fins de prevenção, intervenção e atuação junto a escolares
e professores. Temos hoje muito mais consciência do
alerta feito por Bronfenbrenner (desde a década de 70)
... sobre a progressiva deterioração na sociedade das
condições indicadas pelas pesquisas como críticas, tanto
para um desenvolvimento saudável na infância como para
a manutenção da saúde física e mental e das competências
humanas ao longo da vida (...).”
“Em contrapartida, há os aspectos negativos. Apesar dos
múltiplos esforços no sentido de pôr um psicólogo escolar em
cada escola (...) ressentimo-nos ainda de uma certa timidez,
de um certo pudor despropositado quanto à necessidade
de fazermos nosso próprio marketing, de organizar lobbies,
de mobilizar pessoas e sociedades para dotar nossas
escolas de bons serviços e profissionais competentes no
âmbito da Psicologia Escolar. Por falar em profissionais
competentes, é bem sabido que deixa a desejar, em
numerosos cursos, a preparação desses profissionais, que
é mínima ou nula, ou que se desloca do aprendizado de
conhecimentos e habilidades (sem dúvida mais trabalhoso)
para o caminho fácil da contestação barata, das arengas
político-doutrinárias e da maledicência mal disfarçada que
perdem de vista a própria psicologia ...”
Assim, continuava o Prof. Samuel com sua peculiar
inflamação na defesa de seus pontos de vista. Assertivo, mas
sempre educado, elegante e respeitoso com as pessoas. A
morte privou-nos de sua presença, mas felizmente suas palavras e suas ideias continuarão ressoando em nós por meio
de seus inúmeros escritos.
Sobre o autor
José Fernando Bitencourt Lomonaco ([email protected])
Professor Associado no Instituto de Psicologia da USP, membro titular da Academia Paulista de Psicologia.
Av. Prof. Mello Moraes, 1721, Cidade Universitária, 05508-900 - São Paulo, SP
364
História
Relato de Prática Profissional
Oficinas em Instituições de Educação Infantil:
compromisso ético da vinculação pesquisa-extensão
Workshops in Early Childhood Education Institutions:
ethical commitment of the linkage research-extension
Talleres en las instituciones de educación de la primera infancia: el
compromiso ético de la vinculación de la investigación-extensión
Lauren Beltrão Gomes
Universidade Federal de Santa Catarina
Simone Dill Azeredo Bolze
Universidade Federal de Santa Catarina
Carina Nunes Bossardi
Universidade Federal de Santa Catarina
Beatriz Schmidt
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
Maria Aparecida Crepaldi
Universidade Federal de Santa Catarina
Mauro Luís Vieira
Universidade Federal de Santa Catarina
A pesquisa científica envolve, além do rigor metodológico, comprometimento com princípios éticos e responsabilidade social. Durante ou após a realização da pesquisa
é importante considerar o papel ativo dos participantes no
processo de produção do conhecimento (Szymanski & Cury,
2004). Assim, as universidades têm se preocupado em realizar projetos que ampliem conhecimentos e prestação de
serviços à comunidade (Rodrigues, Pereira, & Souza, 2011).
No tocante à criança, dois campos propícios favorecem a adoção do princípio de produção e aplicação do conhecimento de modo simultâneo: a família e a escola. Uma
relação dinâmica entre esses contextos traz implicações
decisivas ao desenvolvimento infantil saudável e ao sucesso
escolar, de modo que a existência de canais de comunicação e de espaços de integração entre a família e a escola é
positiva para a criança (Dessen & Polonia, 2007; Silveira &
Wagner, 2009). Em termos teóricos, a perspectiva sistêmica
tem se mostrado eficiente para entender as inter-relações
entre os contextos de inserção da pessoa (Dessen & Costa
Jr., 2005).
Nesse sentido, o “Ciclo de Oficinas sobre Psicologia
do Desenvolvimento em Instituições de Educação Infantil”
é um projeto de extensão realizado por alunos de pós-graduação e de graduação em Psicologia com a finalidade de
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 365-367.
365
promover o debate com familiares de pré-escolares e profissionais da Educação Infantil acerca de aspectos individuais
e sociais de temas ligados à infância e aos cuidadores.
Essa atividade está vinculada ao projeto de pesquisa
“Transmissão intergeracional da violência: a relação do conflito conjugal e parental com a agressividade entre pares de
crianças de quatro a seis anos” (TIV), desenvolvido desde
2009 por pesquisadores da Universidade Federal de Santa
Catarina em parceria com pesquisadores de duas instituições canadenses (Universidade de Montreal e Universidade
do Quebec, em Montreal). Foram entrevistados 150 casais
(pais e mães) de crianças de idade entre quatro e seis anos
e 54 professores, com o objetivo de estabelecer um elo entre violência conjugal, violência parental e agressividade das
crianças com seus pares, propondo um modelo de transmissão intergeracional de estratégias de gestão de conflitos.
São parceiras desse projeto 26 Instituições de Educação
Infantil (IEIs) (dezesseis públicas e dez privadas) situadas
em quatro municípios do Estado de Santa Catarina.
Os pesquisadores ofereceram oficinas a todas as
IEIs participantes. Sete instituições públicas localizadas em
um dos municípios nos quais se desenvolveu o projeto TIV,
manifestaram seu aceite. Tendo-se identificado as principais
demandas sinalizadas por educadores das IEIs, tiveram início as oficinas, as quais tiveram como temas o desenvolvimento da agressividade na infância e a imposição de limites
ao comportamento agressivo, bem como a importância da
boa relação entre a família e a escola para o desenvolvimento saudável das crianças.
Entre os meses de março e outubro de 2012 realizou-se uma oficina em cada uma das sete IEIs. Tal atividade
contou com pelo menos dois ministrantes, alunos de pós-graduação e de graduação em Psicologia, e teve cerca
de uma hora e trinta minutos de duração. Participaram 135
pessoas, sendo a maioria mães (65%). Os pais, embora em
número menor (10,4%), também se fizeram presentes. Os
profissionais das instituições corresponderam a 24,6% do
total de participantes. Em uma das IEIs, conforme solicitação
da direção, apenas professores e membros da coordenação
participaram da oficina. Crianças também estiveram presentes, em virtude de muitos pais não contarem com cuidador
para os filhos no período dos encontros. Para envolvê-las em
atividades e garantir a atenção dos pais, foram oferecidos
materiais para desenho e pintura, paralelamente às oficinas.
Os coordenadores propunham a dinâmica inicial
apresentando um vídeo que trazia cenas de um contexto familiar conflituoso, em que os pais enfrentavam dificuldades
em lidar com o comportamento agressivo dos filhos. A seguir,
os participantes eram questionados sobre suas percepções
acerca do vídeo, buscando-se refletir a respeito dos comportamentos que a criança pode manifestar em diferentes
fases do desenvolvimento e atitudes a serem tomadas em
cada situação.
Procurou-se debater sobre até que ponto e em quais
circunstâncias a agressividade faz parte dos processos de
adaptação e maturação da criança, evitando-se a armadilha
366
de entender todos os comportamentos agressivos como
patológicos (Picado & De Rose, 2009). Para tanto, foram
utilizados exemplos de situações reais trazidos por participantes e ministrantes, bem como histórias em quadrinhos
que expressavam, ilustrativamente, a importância do diálogo
entre pais e filhos, de dizer “não” e de permitir que as crianças tomem pequenas decisões. Ao final, discutiu-se sobre
as funções e os papéis da família e da escola como contextos de desenvolvimento fundamentais para a trajetória de
vida das pessoas.
Embora houvesse planejamento prévio, os ministrantes procuraram estar atentos às demandas de cada grupo,
de forma a nortear a oficina em função da realidade local,
identificando potencialidades e recursos familiares, institucionais e comunitários. Pais e professores relataram que
os assuntos abordados foram úteis para lidar com a criança
no dia a dia e evidenciaram a necessidade de aprofundar
discussões sobre temas como limites, disciplina, agressividade e formas de agir nas diferentes fases da trajetória desenvolvimental infantil. Esse procedimento vai ao encontro
do princípio segundo o qual os participantes têm papel ativo
no processo da produção e socialização do conhecimento
(Szymanski & Cury, 2004).
Conclui-se que o projeto de extensão atingiu seu
objetivo central: tornar dinâmica a produção do conhecimento gerado pela pesquisa científica entre pesquisadores
de distintos níveis (professores, alunos de pós-graduação
e de graduação), famílias e instituições participantes, a fim
de alavancar mudanças nas práticas parentais e educacionais, no sentido de promover o desenvolvimento infantil. A
partir do pressuposto anunciado no início deste relato sobre
a responsabilidade ética e social da produção científica,
evidencia-se a importância de criar e fortalecer ações que
favoreçam a comunicação entre a academia e a população
investigada. Assim, possibilita-se a aplicabilidade prática
do conhecimento científico por meio de cursos ou palestras
aos participantes de pesquisas, o que também contribui
para a formação profissional dos estudantes e a promoção
da cidadania de todos os atores envolvidos no processo de
produção do conhecimento.
Agradecimentos:
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) e ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPQ).
Às Secretarias Municipais de Educação, às instituições de educação infantil, às famílias participantes e aos
pesquisadores e colaboradores envolvidos na pesquisa intitulada “A transmissão intergeracional da violência: a relação
do conflito conjugal e parental com a agressividade entre
pares de crianças de quatro a seis anos”, notadamente Elisangela Boïng, Natália Pinheiro Scatamburlo, Rovana Kinas
Bueno e Liziara Portela.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013: 365-367.
Referências
Dessen, M. A., & Polonia, A. C. (2007). A família e a escola como
contextos de desenvolvimento humano. Paidéia, 17(36), p. 21-32.
Rodrigues, M. R. F., Pereira, B. K., & Souza, R. L. (2011). A estratégia
de mediação na intervenção do projeto de extensão “competências
de bebês”. Revista Diálogos: pesquisa em extensão universitária,
15(1), 52-62.
Dessen, M. A., & Costa Jr., Á. L. (Orgs.). (2005). A ciência do
desenvolvimento humano: tendências atuais e perspectivas
futuras. Porto Alegre, RS: Artmed.
Silveira, L. M. O. B., & Wagner, A. (2009). Relação família-escola:
práticas educativas utilizadas por pais e professores. Psicologia
Escolar e Educacional, 13(2), 283-291.
Picado, J. R., & De Rose, T. M. S. (2009). Acompanhamento de Préescolares Agressivos: Adaptação na Escola e relação professorAluno. Psicologia, Ciência e Profissão. 29(1), 132-145.
Szymanski, H., & Cury, V. E. (2004). A pesquisa intervenção em
psicologia da educação e clínica: pesquisa e prática psicológica.
Estudos de Psicologia, 9(2), 355-364.
Recebido em: 17/10/2012
Reformulado em: 01/11/2012
Aprovado em: 29/01/2013
Sobre os autores
Lauren Beltrão Gomes ([email protected])
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Mestre em Psicologia (UFSC), Doutoranda em Psicologia (UFSC)
Endereço: Rua Regente Feijó, 251/102, Itoupava Seca, Blumenau, Santa Catarina, Brasil, CEP 89035-410.
Simone Dill Azeredo Bolze ([email protected])
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Mestre em Psicologia (UFSC), Doutoranda em Psicologia (UFSC)
Endereço: Rua Desembargador Pedro Silva, 1952/102/T3, Coqueiros, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, CEP 88080-700.
Carina Nunes Bossardi ([email protected])
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Mestre em Psicologia (UFSC), Doutoranda em Psicologia (UFSC)
Endereço: Rua Capitão Romualdo de Barros, 776/BlA-204, Carvoeira, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, CEP 88040-600.
Beatriz Schmidt ([email protected])
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ/PR), Mestre em Psicologia (UFSC), Psicóloga Judiciária (TJ/PR)
Endereço: Rua Visconde de Guarapuava 140/03, Brejatuba, Graratuba, Paraná, Brasil, CEP 83280970,
Maria Aparecida Crepaldi ([email protected])
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutora em Saúde Mental pela Universidade de Campinas (UNICAMP), Docente do
Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Endereço: Rua Volny Martins 115/04, Córrego Grande, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, CEP 88037-245,
Mauro Luís Vieira ([email protected])
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo (USP), Docente do
Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Campus Universitário – Trindade, Florianópolis, Santa Catarina,
Brasil, CEP 88049-900,
Oficinas em Educação Infantil * Lauren B. Gomes, Simone Dill A. Bolze, Carina N. Bossardi, Beatriz Schmidt, Maria A. Crepaldi & Mauro Luís Vieira
367
Notícias Bibliográficas
Bibliographic notes
Noticias bibliográficas
Barroco, Sonia Mari Shima; Leonardo; Nilza Sanches Tessaro
Silva; Tânia dos Santos Alvarez. (2012). Educação Especial e
Teoria Histórico-Cultural: em defesa da humanização do homem.
Maringá: EDUEM, 258p.
O presente livro apresenta textos que discutem as contribuições
da Psicologia Histórico-Cultural e do marxismo para se
compreender a Educação Especial e nela intervir. Os autores,
ao abordarem a educação de pessoas cujo desenvolvimento
é dificultado por deficiências ou necessidades educacionais
especiais, defendem que todos os indivíduos devem se apropriar
dos conhecimentos das diferentes áreas de saber. A coletânea
pode auxiliar na instrumentalização e atuação de profissionais
envolvidos com o processo educacional, que tem como tarefa
primordial desenvolver o que é propriamente humano no ser.
Barros, Carlos César; Sekkel, Marie Claire. (orgs).(2013).
Licenciatura em psicologia - temas atuais. São Paulo:Zagodoni,
160 p.
Esta obra se apresenta para o público brasileiro no contexto
da homologação do Parecer 338/2009 do Conselho Nacional
de Educação, que alterou as Diretrizes Curriculares Nacionais
para os cursos de graduação em Psicologia. Conforme preveem
essas Diretrizes, os ingressantes, a partir do segundo semestre
de 2013, deverão ter garantida a opção pela Licenciatura, o
que tem mobilizado afetos e ideias de psicólogos, professores,
coordenadores de cursos de Psicologia e outros representantes
da sociedade ante a urgência de debater o tema. Este livro foi
concebido com o intuito de contribuir com essa discussão dando
voz a pesquisadores que trabalham e refletem sobre a educação
brasileira e o lugar da Psicologia nesse processo, motivados por
muitas interrogações práticas e teóricas, como: seria a Psicologia
importante para a Educação? Devemos ensinar psicologia no
Ensino Médio? Que psicologia ensinar?
Cotrin, Jane Teresinha Domingues. (2013). Psicologia e Educação
Especial: perspectivas históricas e políticas. Cuiabá:Editora da
Universidade Federal de Mato Grosso (EDUFMT),180p.
Este livro é fruto de uma pesquisa cujo objetivo foi compreender
como a Psicologia, enquanto área de conhecimento e prática
profissional, inseriu-se na Educação Especial. Constiui-se de um
estudo histórico-crítico sobre como, nas primeiras décadas do
século XX (1900, 1910, 1920 e 1930), as ciências psicológicas
compreenderam o fenômeno da deficiência mental e nele
intervieram. A história revelou que as primeiras e principais
práticas efetivadas com crianças consideradas deficientes
mentais se basearam na psicometria e na psicomotricidade, e
foram engendradas e solidificadas dentro do ideário político e
social do início do século XX.
Collares, Cecília Azevedo Lima; Moysés, Maria Aparecida
Affonso e Ribeiro, Mônica Cintrão França (orgs). (2013).
Novas capturas, antigos diagnósticos na era dos transtornos.
Campinas, SP, Mercado das Letras, 344p.
A coletânea foi elaborada a partir das apresentações no II
Seminário Internacional, com textos que os palestrantes
elaboraram para o Fórum sobre Medicalização da Educação e da
Sociedade. Os capítulos tratam dos processos de medicalização
e patologização da vida e da política, que são crescentes no
mundo contemporâneo, assumindo proporções surpreendentes.
Os autores assumem concepções contra-hegemônicas e
difundem críticas e possibilidades diferentes de compreensões e
intervenções na formação dos futuros profissionais.
Duarte, Newton. (2013). A individualidade para-si. 3ª ed. rev.
Campinas, SP: Autores Associados, Cortez, 254 p.
Na 3ª edição da obra de Newton Duarte foram preservadas
a estrutura, as categorias centrais, as principais obras de
referência e a perspectiva teórica do marxismo, porém foram
acrescentados novos parágrafos e totalmente substituídas as
considerações finais, o que conduz a uma forma de exposição do
raciocínio significativamente modificada ao longo de todo o texto.
Neste sentido, com base nos pressupostos da dialética que
fundamentam o direcionamento teórico-metodológico do próprio
autor, cabe reiterar que a alteração da forma não deixa intacto
o conteúdo, o que permite dizer que não se trata do mesmo
livro, embora este continue sendo, em sua essência, uma obra
imperdível sobre a constituição dos seres humanos.
Gatti, Bernardete. (2013). O Trabalho Docente - Avaliação,
Valorização, Controvérsias. Campinas, SP: Autores Associados,
256 p.
Como indica o título, este livro pretende aprofundar as discussões
sobre os fatores associados ao trabalho docente, bem como
vários aspectos que envolvem a compreensão desta questão,
entre eles os referentes à avaliação do trabalho docente e
sua valorização. Aborda ainda as grandes controvérsias que
esse tema tem gerado. A questão da valorização social de
professores, grosso modo, vincula-se a aspectos idealizados da
profissão, à carreira e/ou ao salário, em detrimento da atribuição
do valor profissional, e secundariza a formação a ela associada;
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013.
369
portanto essa valorização tem componentes associados à
formação desses profissionais enquanto detentores de cultura,
de conhecimentos e de formas de agir a partir de capacidades
profissionais específicas que conduzem a uma ação que pode
ser caracterizada como comprometida com o desenvolvimento
efetivo das crianças e jovens em sua escolarização.
Jannuzzi, Gilberta de Martin; Caiado, Katia Regina Moreno (orgs.).
(2013). APAE: 1954 a 2011 algumas reflexões. Campinas, SP:
Autores Associados, 80 p.
Nesta obra Gilberta e Katia procuram entender como a educação
dos considerados excepcionais foi construída como rede
paralela à educação regular, herança que permanece e parece
dificultar a aceitação da escola regular pública não só como
espaço de direito, mas também como o local mais adequado
para a escolarização de alunos com deficiência. Demonstram
que as organizações sociais surgem como movimentos,
agrupamentos, instituições ou associações, num tempo e
num lugar, impulsionadas por pessoas que são sensíveis aos
problemas desses alunos e julgam não terem esses problemas o
tratamento adequado do poder estabelecido.
Leite, Sérgio Antônio da Silva (org.). (2013). Afetividade e letramento
na educação de Jovens e Adultos-EJA. São Paulo: Cortez
Editora, 232 p.
A obra, organizada pelo professor Sérgio Leite, reúne textos de
autoria das pedagogas Daniela Gobbo Donadon Gazoli, Flávia
Regina de Barros e Lúcia Maria de Santis Barella que relatam
práticas bem-sucedidas nessa área da educação. Entre os
temas discutidos no livro, destaca-se a questão da afetividade,
dimensão que marca a relação entre professores e alunos.
Apresenta a mediação pedagógica exercida pelo professor em
sala de aula fundamental para o êxito do processo educacional e
a especificidade do adulto enquanto sujeito que aprende. Entre
as práticas bem-sucedidas das quais trata a obra podemos
mencionar o uso de diferentes gêneros textuais próximos do
cotidiano dos alunos como estratégia para o letramento. É, então,
um livro dirigido especialmente a educadores e estudantes, que
visa, em última instância, contribuir para a reflexão e prática dos
profissionais da área.
de que o desenvolvimento das funções psicológicas superiores
está vinculado à educação escolar, ao processo de transmissãoapropriação dos conhecimentos científicos e evidencia a unidade
entre os pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural e da
Pedagogia Histórico-Crítica. Conforme afirma Newton Duarte,
”O que está em tela é a relação entre a organização coletiva da
classe trabalhadora com vistas à superação revolucionária da
sociedade capitalista e a formação de um tipo de psiquismo sem
o qual se torna quase impossível a compreensão da realidade
social para além das aparências cotidianas”.
Marin, Alda Junqueira (org. ). (2013). Escolas, organizações e
ensino. Araraquara: J. M. Editora, 224p.
Elaborado com o apoio do Grupo de Pesquisa Docência em suas
Múltiplas Dimensões, este livro contribui para a compreensão
da vida escolar, demonstrando-se fundamental para os que se
dedicam à educação. As análises críticas e as ajudas que os
estudos trazem auxiliam na percepção de aspectos diferenciados,
e ao mesmo tempo permitem que se tenha uma amostra das
inumeráveis interferências que existem ou que podemos exercer
sobre o ensino, dando enfoque às ações docentes na atividade
educativa.
Ribeiro, Maria Júlia Lemes (2012). Educação especial e inclusiva:
teoria e prática sobre o
atendimento à pessoa com
necessidades especiais. Maringá: EDUEM, 226 p. Esta obra apresenta a sistematização de investigações e práticas
de pesquisadores, pós-graduandos e graduandos acerca
da temática Educação Especial e Inclusiva. Os autores são
vinculados a seis universidades públicas, a saber: Universidade
Estadual de Londrina, Universidade Federal de Rondônia,
Universidade Estadual do Paraná, Universidade de São Paulo,
Universidade Estadual Paulista e Universidade Estadual de
Maringá. Conforme sugere o título, os pesquisadores, em seus
textos, contemplando o contexto histórico e social, compartilham
a busca de subsídios teóricos que respaldem a apresentação
de estratégias efetivas para a promoção de uma educação de
qualidade para todos os escolares. A meta é contribuir com
outros profissionais de áreas afins da Educação e da Psicologia
na construção de uma nova história para as pessoas com
necessidades especiais.
Martins, Lígia Márcia. (2013). O desenvolvimento do psiquismo e
a educação escolar: contribuições à luz da psicologia históricoCultural e da pedagogia histórico-crítica. Campinas, SP: Autores
Associados, 336p.
Este livro discorre sobre as funções psicológicas superiores,
como elas se formam e se desenvolvem. A autora defende a tese
370
Noticias bibliograficas
Normas Editoriais
Instructions to authors
Instructiones a los autores
INFORMAÇÕES GERAIS
A Revista Psicologia Escolar e Educacional, editada pela
ABRAPEE – Associação Brasileira de Psicologia Escolar
e Educacional - publica manuscritos referentes à atuação,
formação e história da Psicologia no campo da educação,
textos de reflexão crítica sobre a produção acadêmicocientífica e relatos de pesquisas nas áreas de Psicologia
Escolar e Educacional bem como na sua interface com a
Educação.
ORIENTAÇÕES EDITORIAIS
A Revista Psicologia Escolar e Educacional publica somente
artigos inéditos. Os originais serão submetidos à avaliação
da Comissão Editorial e/ou de pareceristas ad hoc, garantido
anonimato tanto dos autores dos originais, quanto dos
pareceristas. As normas adotadas são as da APA (American
Psychological Association), exceto em situações específicas
em que houver necessidade de assegurar o cumprimento da
revisão cega por pares, regras do uso da língua portuguesa,
normas gerais da ABNT, procedimentos internos da revista,
inclusive características de infra-estrutura operacional.
TIPOS DE TEXTOS PUBLICADOS
Serão aceitos manuscritos redigidos em português, espanhol
e inglês nas seguintes categorias:
1. Estudos Teóricos/Ensaios – trabalhos teóricos e/ou
de revisão de literatura que questionam modos de pensar
e formas de atuação tradicionais e conduzam a novas
elaborações (até 25 laudas, em espaço duplo);
2. Relatos de Pesquisa – relatos sucintos de pesquisas
realizadas, de caráter qualitativo e/ou quantitativo,
apresentados de acordo com a seguinte seqüência:
introdução, método, resultados, discussão e referências.
Anexos, quando houver e não forem muito extensos para
serem publicados, deverão ser apresentados após as
referências (de 20 a 25 laudas, em espaço duplo).
3. História e Memória – reimpressão ou impressão de
trabalhos ou documentos de difícil acesso, relevantes para a
pesquisa e a preservação da história da Psicologia Escolar
e Educacional, entrevistas com personagens relevantes da
área e trabalhos originais sobre esta história; memória de
eventos relevantes realizados pela ABRAPEE.
4. Relatos de Práticas Profissionais – apresentação de
procedimentos e tecnologias educacionais, propostas visando
melhor equacionamento de problemas psicoeducacionais e/
ou melhor atuação do psicólogo escolar, vivências do autor,
apresentação de novos instrumentos no campo da Psicologia
Escolar e quaisquer outras sugestões relevantes para a área
(até cinco laudas);
5. Resenhas – apreciação de livros ou coletâneas de
relevância para a área de Psicologia Escolar e Educacional
publicados recentemente (até cinco laudas).
APRESENTAÇÃO DE MANUSCRITOS
Os manuscritos originais deverão ser encaminhados
em uma via impressa em papel e uma em CD ROM, em
espaço duplo, em fonte tipo Times New Roman, tamanho
12, não excedendo o número de laudas da categoria em
que o trabalho se insere, paginado desde a folha de rosto
identificada, a qual receberá número de página 1. A página
deverá ser tamanho A4, com formatação de margens superior
e inferior (2,5 cm), esquerda e direita (3 cm). A gravação do
arquivo em CD Rom deverá ser em extensão .doc.
Em caso de reformulação, a nova versão deverá ser
encaminhada por correio eletrônico. A formatação do texto
e das páginas obedecerá às mesmas características da
primeira versão. Todo encaminhamento à revista deverá
ser acompanhado de carta assinada pelos autores, na qual
estará explicitada a intenção de submissão do trabalho
para publicação e a autorização para sua publicação, caso
aprovado pelo Conselho Editorial. Deverá constar também
a afirmação de que o manuscrito respeita os procedimentos
éticos exigidos em trabalhos de pesquisa.
O seguinte modelo de carta de encaminhamento de
manuscrito poderá ser utilizado pelo autor:
Modelo de carta de encaminhamento de manuscrito
Local, data
À Comissão Editorial
Prezados(as) Senhores(as)
Encaminho(amos) à Comissão Editorial da Revista
Psicologia Escolar e Educacional para apreciação, uma
via impressa em papel e uma em CD ROM do manuscrito
intitulado (digite o título do manuscrito) que acredito(amos)
poder ser enquadrado na categoria (especificar o tipo de
manuscrito).
Declaro(amos) que o presente trabalho é inédito
e original, não está sendo submetido à qualquer outra
revista (nacional ou internacional) para publicação, atende
a todos os procedimentos éticos e conta com minha (nossa)
autorização para ser publicado.
Atenciosamente
Nome(s) do(s) signatário(s) e assinatura(s)
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013.
371
A apresentação dos trabalhos deve seguir os seguintes
passos:
1. Folha de rosto sem identificação do nome do autor
(ou autores) contendo apenas:
1.1. Título pleno em português, não devendo exceder 12
palavras.
1.2. Sugestão de título abreviado para cabeçalho, não
devendo exceder quatro palavras.
1.3. Título pleno em inglês, compatível com o título em
português.
2. Folha de rosto com identificação do nome do autor
(ou autores) contendo:
2.1. Título pleno em português, não devendo exceder 12
palavras.
2.2. Sugestão de título abreviado para cabeçalho, não
devendo exceder quatro palavras.
2.3. Título pleno em inglês, compatível com o título em
português.
2.4. Nome de cada autor, seguido por afiliação institucional e
titulação por ocasião da submissão do trabalho.
2.5. Indicação do endereço para correspondência postal
e eletrônica, seguido do endereço completo de todos os
autores, de acordo com as normas dos Correios.
2.6. Indicação do endereço para correspondência com o
editor referente à tramitação do manuscrito, incluindo fax,
telefone e endereço eletrônico.
2.7. Se apropriado, parágrafo reconhecendo apoio financeiro,
colaboração de colegas e técnicos, origem do trabalho (por
exemplo, anteriormente apresentado em evento, derivado de
tese ou dissertação, coleta de dados efetuada em instituição
distinta daquela informada no item 2.4) e outros fatos de
divulgação eticamente necessária.
2.8 Endereço postal completo e endereço eletrônico de
todos os autores.
3. Folha contendo Resumo, em português:
O resumo deve ter o máximo de 150 palavras. Ao resumo
devem seguir-se três palavras-chave para fins de indexação
do trabalho. As palavras deverão possibilitar a classificação
do trabalho com adequada precisão, permitir que ele seja
recuperado conjuntamente com trabalhos semelhantes e
evocar termos que, possivelmente, seriam considerados por
um pesquisador ao efetuar um levantamento bibliográfico.
No caso de relato de pesquisa, o resumo deve incluir:
descrição do problema investigado, características
pertinentes da amostra, método utilizado para a coleta
de dados, apresentação dos resultados e discussão dos
mesmos.
O resumo de um estudo teórico/ensaio deve incluir: tópico
tratado (em uma frase), objetivo, tese ou construto sob análise
ou organizador do estudo, fontes usadas (p. ex. observação
feita pelo autor, literatura publicada) e conclusões.
372
4. Folha contendo Abstract, em inglês, compatível com o
texto do resumo:
O Abstract deve obedecer às mesmas especificações para a
versão em português, seguido de três keywords, compatíveis
com as palavras-chave e com o Thesaurus da APA.
5. Texto propriamente dito:
Em todas as categorias do original, o texto deve ter
uma organização de reconhecimento fácil, sinalizada
por um sistema de títulos e subtítulos que reflitam esta
organização. No caso de relatos de pesquisa o texto deverá,
obrigatoriamente, apresentar: introdução, método, resultados
e discussão e referências. As notas não bibliográficas
deverão ser reduzidas a um mínimo e dispostas ao pé das
páginas, ordenadas por algarismos arábicos que deverão
aparecer imediatamente após o segmento de texto ao qual
se refere a nota. Os locais sugeridos para inserção de figuras
e tabelas deverão ser indicados no texto. As citações de
autores deverão ser feitas de acordo com as normas da APA,
exemplificadas ao final deste texto. No caso de transcrição
na íntegra de um texto, a transcrição deve ser delimitada
por aspas ou pela citação em itálico não acompanhada de
aspas. As citações deverão sempre ser seguidas do número
da página do original consultado. Uma citação literal com 40
ou mais palavras deve ser apresentada em bloco próprio,
começando em nova linha, com recuo de cinco espaços
da margem, na mesma posição de um novo parágrafo. O
tamanho da fonte deve ser 12, como no restante do texto.
6. Referências, ordenadas de acordo com as regras gerais
que se seguem. Trabalhos de autoria única e do mesmo
autor são ordenadas por ano de publicação, a mais antiga
primeiro. Trabalhos de autoria única precedem trabalhos de
autoria múltipla, quando o sobrenome é o mesmo. Trabalhos
em que o primeiro autor é o mesmo, mas co-autores diferem,
são ordenados por sobrenome dos co-autores. Trabalhos
com a mesma autoria múltipla são ordenados por data, o
mais antigo primeiro. Trabalhos com a mesma autoria e
a mesma data são ordenados alfabeticamente pelo título,
desconsiderando a primeira palavra se for artigo ou pronome,
exceto quando o próprio título contiver indicação de ordem;
o ano é imediatamente seguido de letras minúsculas.
Quando repetido, o nome do autor não deve ser substituído
por travessão ou outros sinais. A formatação da lista de
referências deve ser apropriada à tarefa de revisão e de
editoração - além de espaço duplo e tamanho de fonte 12,
parágrafo normal com recuo apenas na primeira linha, sem
deslocamento das margens; os grifos devem ser indicados
por um traço sob a palavra (p. ex., sublinha). A formatação
dos parágrafos com recuo e dos grifos em itálico é reservada
para a fase final de editoração do artigo.
7. Anexos: apenas quando contiverem informação
original importante, ou destacamento indispensável para a
compreensão de alguma seção do trabalho. Recomenda-se
evitar anexos.
Normas Editoriais
8. Figuras: incluindo legenda, uma por página em papel, ao
final do trabalho. Para assegurar qualidade de reprodução,
as figuras contendo desenhos deverão ser encaminhadas
em qualidade para fotografia; as figuras contendo gráficos
não poderão estar impressas em impressora matricial. Como
a versão publicada não poderá exceder a largura de 8,3 cm
para figuras simples, e de 17,5 cm para figuras complexas,
o autor deverá cuidar para que as legendas mantenham
qualidade de leitura, caso redução seja necessária.
9. Tabelas, incluindo título e notas, uma por página em papel
e por arquivo de computador. Na publicação impressa, a
tabela não poderá exceder 17,5 cm de largura x 23,7 cm
de comprimento. Ao prepará-las, o autor deverá limitar sua
largura a 60 caracteres, para tabelas simples a ocupar uma
coluna impressa, incluindo 3 caracteres de espaço entre
colunas da tabela, e limitar a 125 caracteres para tabelas
complexas a ocupar duas colunas impressas. O comprimento
da tabela não deve exceder 55 linhas, incluindo título e
rodapé(s). Para outros detalhamentos, especialmente em
casos excepcionais, o manual da APA deve ser consultado.
Tipos Comuns de Citação no Texto
Citação de artigo de autoria múltipla
1. Dois autores
O sobrenome dos autores é explicitado em todas as citações,
usando e ou & conforme abaixo:
“ A revisão realizada por Guzzo e Witter (1987)” mas “a
relação do psicólogo-escola pública foi descrita com base
num estudo exploratório na região de Campinas” (Guzzo &
Witter, 1987)”
2. De três a cinco autores
O sobrenome de todos os autores é explicitado na primeira
citação, como acima. Da segunda citação em diante só o
sobrenome do primeiro autor é explicitado, seguido de “e
cols.” e o ano, se for a primeira citação de uma referência
dentro de um mesmo parágrafo:
Vendramini, Silva e Cazorla (2000) verificaram que [primeira citação no texto]
Vendramini e cols. (2000) verificaram que [citação subsequente, primeira no parágrafo]
Vendramini e cols. verificaram [omita o ano em citações subsequentes dentro de um mesmo parágrafo]
Na seção de Referências todos os nomes são relacionados.
3. Seis ou mais autores
No texto, desde a primeira citação, só o sobrenome do
primeiro autor é mencionado, seguido de “e cols.”, exceto
se este formato gerar ambiguidade, caso em que a mesma
solução indicada no item anterior deve ser utilizada:
Rosário e cols. (2008).
Na seção Referências todos os nomes são relacionados.
Citações de trabalho discutido em uma fonte
secundária
O trabalho usa como fonte um trabalho discutido em outro,
sem que o trabalho original tenha sido lido (por exemplo, um
estudo de Taylor, citado por Santos, 1990). No texto, use a
seguinte citação:
Taylor (conforme citado por Santos, 1990) acrescenta que a
avaliação da compreensão em leitura...
Na seção de Referências informe apenas a fonte secundária,
no caso Santos, usando o formato apropriado.
Exemplos de Referência
1. Trabalho apresentado em congresso, mas não
publicado
Serpa, M.N.F. & Santos, A.A.A. (1997, outubro). Implantação
e primeiro ano de funcionamento do Serviço de Orientação ao
Estudante. Trabalho apresentado no XI Seminário Nacional
das Universidades Brasileiras, Guarulhos - São Paulo.
2. Trabalho apresentado em congresso com resumo
publicado em publicação seriada regular
Tratar como publicação em periódico, acrescentando logo
após o título a indicação de que se trata de resumo.
Silva, A.A. & Engelmann, A. (1988). Teste de eficácia de um
curso para melhorar a capacidade de julgamentos corretos
de expressões faciais de emoções [Resumo]. Ciência e
Cultura, 40 (7, Suplemento), 927.
3. Trabalho apresentado em congresso com resumo
publicado em publicação especial
Tratar como publicação em livro, informando sobre o evento
de acordo com as informações disponíveis em capa.
Todorov, J.C., Souza, D.G. & Bori, C.M. (1992). Escolha e
decisão: A teoria da maximização momentânea [Resumo].
Em Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), Resumos de
comunicações científicas, XXII Reunião Anual de Psicologia
(p. 66). Ribeirão Preto: SBP.
Witter, G.P. (1985). Quem é o psicólogo escolar: Sua atuação
prática. [Resumo]. Em Sociedade Brasileira de Psicologia
(Org.), XVII Reunião Anual de Psicologia, Resumos (p. 261).
Ribeirão Preto: SBP.
4. Teses ou dissertações não publicadas
Polydoro, S.A.J. (2001). O trancamento de matrícula na
trajetória acadêmica do universitário: Condições de saída e
de retorno à instituição. Tese de Doutorado, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas-SP.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 17, Número 2, Julho/Dezembro de 2013.
373
5. Livros
Solé, I. (1998). Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artes
Mdicas.
6. Capítulo de livro.
Anderson, R.C. & Pearson, P.D. (1984). A schema-theoretic
view of basic processes in reading comprehension. Em
P.D. Pearson, R. Barr, M.L. Kamil & P. Mosenthal (Orgs.)
Handbook of reading research (Vol. 1, pp 251-291). New
York: Longman.
Pasquali, L. (1996). Teoria da resposta ao item - IRT: uma
introdução Em L. Pasquali (Org.), Teoria e métodos de
medida em ciências do comportamento (pp. 173-195).
Brasília, INEP.
7. Livro traduzido, em língua portuguesa
Salvador, C.C. (1994). Aprendizagem escolar e construção
de conhecimento. (E.O. Dihel, Trad.) Porto Alegre: Artes
Médicas. (Trabalho original publicado em 1990)
Se a tradução em língua portuguesa de um trabalho em outra
língua é usada como fonte, citar a tradução em português e
indicar ano de publicação do trabalho original.
No texto, citar o ano da publicação original e o ano da
tradução: (Salvador, 1990/1994).
8. Artigo em periódico científico
Kintsch, W. (1994). Text comprehension, memory, and
learning. American Psychologist, 49 (4), 294-303.
9. Obra no prelo
Não forneça ano, volume ou número de páginas até que o
artigo esteja publicado. Respeitada a ordem de nomes, é a
ultima referência do autor.
Sonawat, R. (no prelo). Families in India. Psicologia: Teoria
e Pesquisa.
10. Autoria institucional
American Psychiatric Association (1988). DSM-III-R,
Diagnostic and statistical manual of mental disorder (3a ed.
revisada). Washington, DC: Autor.
PROCEDIMENTOS DE SUBMISSÃO E AVALIAÇÃO DOS
MANUSCRITOS
Os manuscritos que se enquadrarem nas modalidades de
trabalho especificadas acima, passarão pelas seguintes
etapas de avaliação:
1.Encaminhamento para emissão de parecer a dois
membros do Conselho Editorial da revista e/ou consultores
ad hoc.
2.Recepção dos pareceres, com recomendação para
aceitação (com ou sem modificações) ou rejeição. No caso
de aceitação com modificações, os autores serão informados
das sugestões (cópias dos pareceres serão enviados aos
autores)
3. No caso de aceitação para publicação, a Comissão
Editorial reserva-se o direito de introduzir pequenas
alterações para efeito de padronização, conforme os
parâmetros editoriais da Revista.
4. O processo de avaliação utiliza o sistema de revisão
cega por pares, preservando a identidade dos autores e
consultores.
5. A decisão final acerca da publicação ou não do manuscrito
é sempre da Comissão Editorial.
DIREITOS AUTORAIS
O autor principal da matéria receberá, no mínimo, três
exemplares da edição em que esta foi publicada. Os originais
não-publicados não serão devolvidos. A reprodução total ou
parcial (mais de 500 palavras do texto) pode ser feita, desde
que citada a fonte.
ENVIO DE MANUSCRITOS
A remessa de manuscritos para publicação, bem como toda
a correspondência de seguimento que se fizer necessária,
deve ser enviada para a Revista Psicologia Escolar e
Educacional, conforme endereços abaixo relacionados:
Universidade Estadual de Maringá
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
A/C Profa. Dra. Marilda Gonçalves Dias Facci – Editora Responsável
Av. Colombo, 5.790 – CEP 87020-900
Jardim Universitário. Maringá – Paraná.
Endereço eletrônico: [email protected]
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Normas Editoriais

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