Artigo 2 - Escola Superior de Enfermagem de Coimbra

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Artigo 2 - Escola Superior de Enfermagem de Coimbra
ARTIGO
Cuidando da pessoa com ferida cirúrgica:
estudo de caso
Taking care of the person with a surgical wound: case-study
Pedro Miguel Lopes de Sousa*
Isabel Margarida Silva Costa Santos**
Resumo
Abstract
Actualmente, o número de pessoas com feridas cirúrgicas
parece aumentar tanto nos cuidados de saúde primários
como nos diferenciados, exigindo o incremento da
investigação para rentabilizar os recursos disponíveis e
optimizar os cuidados de enfermagem.
Neste âmbito, realizou-se um estudo de caso com um
indivíduo submetido a excisão dum sinus pilonidal, com
o objectivo de: reflectir sobre o planeamento dos
cuidados de enfermagem prestados e avaliar a evolução
do processo de cicatrização de uma ferida cirúrgica em
função dos materiais de pensos utilizados.
No caso estudado verificou-se que a elaboração de um
plano de cuidados de enfermagem adequado facilita o
processo de tomada de decisão do enfermeiro. De
salientar que o tratamento com gaze iodoformada
promoveu a hemostasia, o desbridamento e o tecido de
granulação. Já a utilização de alginato de cálcio pareceu
ter um maior êxito terapêutico, ao contrário do Triticum
vulgare que conduziu à regressão evolutiva da ferida e à
recidiva de infecção.
In our days, the number of people with surgical wounds
seems to increase in primary and differentiated health
care, which demands for the amplification of
investigation to maximize resources and optimize
nursing care.
So, a case-study was conducted with a subject submitted
to excision of a pilonidal disease, with the objective of
reflecting about the nursing care plan and evaluating
the evolution of the cicatrisation process of a surgical
wound according to the used dressing material. In the
studied case, we observed that the elaboration of an
accurate nursing care plan makes possible the nursing
process of taking decisions. The treatment with
iodoformed gauze promoted the hemostasy, cleanning
and granulation tissue. With calcium alginate we
achieved higher therapeutic success, unlike the Triticum
vulgare that conduced to the evolutive regression of the
wound and to infection.
Palavra-chave: Estudo de caso; Ferida cirúrgica; Material
Key-words: Ca se-stud y; Surgi c al wound ; Dressin g
Material; Nursing Care Plan.
de penso; Plano de Cuidados de Enfermagem.
* Licenciado em Enfermagem e Mestre em Psicologia Pedagógica
pela Universidade de Coimbra.
Enfermeiro de Nível I nos Hospitais da Universidade de Coimbra
(Cirurgia 3-Homens)
** Licenciada em Enfermagem e Mestranda em Psicologia Pedagógica
pela Universidade de Coimbra.
Enfermeira de Nível I nos Hospitais da Universidade de Coimbra
(Cirurgia 1-Mulheres)
Revista
Recebido para publicação em 03-05-06
Aceite para publicação em 02-01-07
II.ª Série - nº 4 - Jun. 2007
Introdução
A Enfermagem, para progredir na área
científica e na área da prática clínica, não pode
abdicar da visão holística e humanista do ser
humano. Assim como a mente é inseparável
do corpo, as actividades científicas de
Enfermagem não devem ser divorciadas da sua
prática clínica, devendo haver uma
aproximação entre o contexto da prática e o
contexto formativo. Isto porque a Enfermagem
é uma profissão cuja responsabilidade ética e
social perante o indivíduo e perante a sociedade
torna o Enfermeiro responsável pelos cuidados
prestados ao indivíduo, cuidados estes que
devem estar na vanguarda das necessidades
percepcionadas pela sociedade no presente e
no futuro (Watson, 2002).
Ao prestarmos cuidados agimos para o
bem do outro mas por vezes, no nosso
quotidiano, a acção é frequentemente
privilegiada em detrimento da reflexão. No
nosso contexto profissional, o doente do foro
cirúrgico é o principal alvo dos nossos
cuidados, pelo que sentimos necessidade de
encontrar espaços de reflexão sobre as práticas,
de modo a melhorar a qualidade dos cuidados
de enfermagem prestados. Uma das principais
áreas de intervenção refere-se ao doente com
ferida cirúrgica, sendo necessário encontrar
métodos, técnicas e produtos que permitam
tratar estas pessoas de uma forma mais rápida,
mais eficaz e menos dolorosa, minimizando as
complicações a longo prazo.
Perante este contexto, considerou-se
pertinente desenvolver um estudo de caso com
um indivíduo portador de uma ferida cirúrgica,
sendo os cuidados de enfermagem planeados
e desenvolvidos com base na Classificação
Internacional para a Prática de Enfermagem
(CIPE). Durante o processo de tratamento, as
prescrições de enfermagem relativamente à
técnica e aos produtos utilizados foram sendo
adaptados consoante os diagnósticos de
enfermagem activos. Deste modo, o presente
estudo visa reflectir sobre o planeamento dos
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cuidados de enfermagem prestados aos
doentes com feridas cirúrgicas, bem como
avaliar a evolução de uma ferida cirúrgica de
acordo com os materiais de pensos utilizados.
Tendo em vista a consecução dos
objectivos supracitados, afigura-se pertinente
fazer uma breve resenha teórica sobre os
principais conceitos envolvidos nesta pesquisa:
ferida cirúrgica, materiais de penso e sinus
pilonidal.
Neste contexto, será pertinente determonos sobre o conceito e classificação das feridas.
As feridas consistem em soluções de
continuidade que podem estar presentes nos
tegumentos e nos órgãos que ocorrem em
consequência de uma acção exterior (Paredes,
1999). Estas conduzem à quebra da função
protectora da pele e são definidas na
perspectiva de Rocha et al. (2000, p. 13) “(...)
como uma ruptura da estrutura e função
anatómica normal, quer se trate de pele, da
mucosa ou eventualmente do osso (...)”. O seu
aparecimento pode dever-se a um trauma
(mecânico, químico ou físico), a uma cirurgia,
ou a um processo isquémico e/ou de pressão.
Por sua vez, a CIPE considera que:
“Ferida é um tipo de tecido com as
seguintes características específicas: lesão do
tecido habitualmente associada com agressão
física ou mecânica; os estádios são graduados
de acordo com a gravidade, desde o esfacelo
e tunelização dos tecidos, drenagem serosa,
sanguínea ou purulenta, eritema da pele,
eritema e edema em torno da ferida, pele
circundante com bolhas, macerada e
anormal, elevação da temperatura da pele,
odor da ferida, sensibilidade dolorosa em
torno da ferida; tecido de granulação
vermelho, necrose do tecido gordo, feridas
negras marcadas pela necrose.”
(Mortensen, 2000, p. 41).
No entanto, o conceito de ferida abarca
uma grande diversidade de situações, pelo
que se impõe a necessidade de proceder à
sua classificação.
colagénio com gentamicina) e os não
absorvíveis (ex. gaze iodoformada) (Rocha et
al., 2000).No que respeita às feridas
exsudativas, estes autores são unânimes ao
afirmarem que a presença de exsudado nestas
feridas é resultante do aumento da
permeabilidade capilar, sendo composto por
fluidos extravasados dos vasos sanguíneos,
material secretado (como por exemplo:
factores de crescimento) a partir de células à
volta da ferida e por fragmentos das células
mortas resultantes da destruição da matriz
extracelular. Todavia, a quantidade de
exsudado não é a mesma ao longo de todo o
processo de cicatrização, pelo que se apresenta
mais elevada na fase inflamatória, o que pode
ser interpretado como um indicador de um
processo infeccioso (Riijswijk, 2003).
É igualmente relevante, o facto de que a
humidade pode beneficiar as feridas
exsudativas, uma vez que, as células epiteliais
só permanecem viáveis e só migram ao longo
do leito de uma ferida, caso esta se mantenha
húmida. Por tudo isto, há que considerar
prioritário, neste tipo de feridas, o controlo
do fluído da ferida, tentando manter em
condições óptimas para garantir a sua
humidade. Assim, pretende-se que o material
de penso a utilizar, tenha a capacidade de
absorver rapidamente o fluído excessivo e
possuir uma grande capacidade de retenção,
não permitindo que o exsudado entre em
contacto com a pele circundante.
Neste sentido, os alginatos, as espumas e
as hidrofibras parecem ser os mais indicados
para este tipo de feridas (Rijswijk, 2003; Rocha
et al., 2000).
Quanto às feridas infectadas, Rocha et
al. (2000) consideram que normalmente
todas as feridas são colonizadas por bactérias,
no entanto, tal não significa que a cicatrização
atrase ou que as feridas se tornem
imediatamente infectadas. Assim, uma ferida
infectada será aquela que contém exsudado
purulento. Alguns factores locais podem ser
susceptíveis de aumentar o risco de infecção,
Identifica-se ausência de consenso no
campo da comunidade científica, coexistindo
várias classificações com indicadores de
avaliação distintos, nomeadamente: etiologia,
tempo de cicatrização, profundidade,
extensão do tecido lesado e aparência clínica
(Rocha et al., 2000).
Lopes e Rocha (1999) optam por defender
uma divisão em quatro tipos distintos de
feridas: necrótica, infectada, em granulação
e, em epitelização. Na tentativa de
uniformizar o pensamento científico e
uniformizar os conceitos teóricos relativos
à profissão de enfermagem, a CIPE
(Mortensen, 2000) apresentou uma
categorização em dois tipos de feridas: a ferida
cirúrgica e a ferida traumática, que inclui
escoriação, contusão, laceração, incisão,
queimadura, queimadura por frio, necrose e
outros. Esta classificação defende ainda que
a infecção na ferida deve ser reconhecida como
um fenómeno de enfermagem distinto.
Assim, apesar de todos os tipos de ferida
merecerem um estudo aprofundado, no
contexto deste estudo iremos avaliar uma
ferida cirúrgica, que é “(...) um tipo de ferida
com as seguintes características específicas:
corte de tecido produzido por um
instrumento cirúrgico cortante, de modo a
criar uma abertura num espaço do corpo ou
num órgão, produzindo drenagem de soro e
sangue, que se espera que seja limpa, isto é,
sem mostrar sinais de infecção ou pus.”
(Mortensen, 2000, p. 41).
Importa antes de mais, alertar para a
existência de uma grande diversidade de feridas
cirúrgicas, pelo que aqui apenas nos referiremos
de um modo geral à especificidade das feridas
hemorrágicas, exsudativas e infectadas. Nas
feridas hemorrágicas estão indicados os pensos
hemostáticos, visando controlar as hemorragias
persistentes devido à cirurgia e sempre que a
hemostase tradicional seja de difícil realização.
Para o tratamento destas feridas existem dois
tipos de pensos hemostáticos: os absorvíveis
(ex. esponja de gelatina, celulose oxidada e
27
A primeira pode conduzir a uma cicatrização
mais rápida, mas implica uma restrição de
várias actividades e tem uma taxa de insucesso
de 16% e uma taxa de recorrência de 38%.
Já a cicatrização por segunda intenção
apresenta uma menor taxa de recorrência
(8-21%) mas um tempo médio de cicatrização de 2 meses. Uma outra técnica, reconhecida como marsuapialização, foi uma técnica
introduzida em 1937 e representa um
método misto. Por um lado, tem como
vantagem minimizar a possibilidade de
infecção e de deiscência da ferida e, por outro,
permite reduzir o tempo de cicatrização visto
que a ferida é suturada aberta. Os estudos
apontam para um tempo médio de 6 semanas e uma taxa de recorrência de 4-8%
(Caestecker, 2005).
Estas considerações abrem espaço para
uma outra reflexão centrada nos materiais
disponíveis para o tratamento das feridas.
Existem mais de 200 produtos disponíveis no
mercado, o que torna complexa a selecção do
material de penso, pelo que Rocha et al. (2000)
apontam a necessidade de agrupar o material
de penso, de modo a simplificar e clarificar essa
selecção. Nesta ordem de ideias, a mesma
autora faz ainda referência a uma classificação
dos materiais de pensos, organizando-os em
5 grupos principais: material de penso
absorvente (alginatos, espumas, hidrocolóides, hidrofibras, celulose oxidada e carvão
activado com prata), material de penso
desbridante (hidrogéis), material de penso
hemostático (esponja de gelatina, gaze
iodoformada, celulose oxidada e esponja de
colagénio com gentamicina), material de
penso impregnado (gaze gorda e gazes
medicadas) e filmes (películas semipermeáveis adesivas e não adesivas).
No contexto deste estudo, importa
analisar com maior pormenor as propriedades
da gaze iodoformada, do triticum vulgare e
do alginato de cálcio. A gaze iodoformada é
um material de penso hemostático não
absorvível, indicado sobretudo para o
tais como: a presença de tecido desvitalizado;
circulação local insuficiente; feridas no
abdómen, coxa e nádegas; presença de corpos
estranhos; hematomas ou “espaços mortos”
(Marquez, 2000b; Rocha, 2000). De acordo
com o mesmo autor, a presença de
microorganismos dentro da ferida prolonga
a cicatrização devido à destruição celular por
competição pelo oxigénio dentro de ferida, à
libertação de toxinas que danificam o tecido
local, causando necrose e formação de pus
bem como, à libertação de toxinas na corrente
sanguínea (Gogia, 2003).
Uma das feridas cirúrgicas muito frequente
que requer tratamento durante várias semanas
pode ser provocada pela presença de sinus
pilonidal, também conhecido por quisto
dermóide sacrococcígeo, quisto pilonidal ou
doença pilonidal. De facto, segundo
Caestecker (2005) esta patologia foi descrita
pela primeira vez em 1833, sendo comum em
adolescentes e jovens adultos (15-30 anos).
Após a puberdade, as hormonas sexuais
afectam as glândulas pilossebáceas através da
distensão dos folículos pilosos com queratina,
razão pela qual pode desenvolver-se uma
foliculite que se estende e rompe o tecido
subcutâneo, formando um abcesso pilonidal.
Deste modo, os pêlos soltos perfuram ou são
sugados pelo sinus, com a fricção e o
movimento do indivíduo sempre que este se
senta e levanta.
A manifestação mais comum desta
patologia é a presença uma massa dolorosa
flutuante na região sacrococcígea. A dor e a
drenagem purulenta, por seu lado, estão
presentes em cerca de 70 a 80% dos casos.
O tratamento desta patologia pode ser feito
através de incisão, drenagem e curetagem da
cavidade do abcesso sob anestesia local, sendo
o tempo de recuperação médio de 1 mês
(com curetagem) a 10 semanas (sem
curetagem). Existem ainda duas possibilidades cirúrgicas principais: o encerramento
primário da ferida e a cicatrização por
segunda intenção.
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que demonstram a capacidade dos alginatos
estimularem o crescimento dos fibroblastos
e de, quando combinados com hidrocolóides,
aumentarem a sua capacidade de absorção
(Braun, 2001; Rijswijk, 2003).
Está particularmente indicado para
feridas superficiais com perda parcial de
tecido (placa) ou lesões cavitárias profundas
altamente exsudativas, com ou sem infecção
(fita). Além disso, pode aplicar-se em feridas
sangrantes, agudas ou crónicas, colonizadas
ou infectadas. A sua utilização encontra-se
contra-indicada em feridas não exsudativas,
úlceras que necessitam de uma terapia
antibiótica tópica, úlceras de origem
infecciosa, oclusão venosa ou arterial e nos
casos de alergia aos alginatos (Braun, 2001;
Mandelbaum, Di Santis e Mandelbaum,
2003). Este apósito necessita da aplicação
de um penso secundário que pode ser feito
com compressas ou filmes adesivos. Já a
escolha do alginato e a frequência da sua
substituição dependem da quantidade de
exsudado existente no leito da ferida (Rocha
et al., 2000). Em suma, este recurso constitui
um material de penso cómodo para o doente
e de fácil utilização por parte do profissional
de saúde (Braun, 2001). Se o exsudato estiver
a ser contido pelo alginato de cálcio, o mesmo
poderá ser mantido até 7 dias.
De facto, as feridas cirúrgicas são uma
realidade constante tanto nos cuidados de
saúde diferenciados como nos cuidados de
saúde primários, exigindo do enfermeiro uma
resposta capaz e adequada. Durante muito
tempo, o penso era considerado apenas como
uma simples barreira de protecção que
impedia a infecção da lesão ulcerada (Durão
e Furtado, 1999). Actualmente conhecemse vários problemas associados aos pensos
convencionais (denominados pensos secos),
tais como a dissecção da ferida, bioadesão e
dor associadas à remoção, falta de propriedades de barreira, maceração e pouca
adesão das fibras. Assim, nas últimas duas
décadas surgiram no mercado diversos
tratamento da epistaxis (Rijswijk, 2003;
Rocha et al., 2000).
A sua utilização no tratamento de feridas
está ainda pouco descrita e investigada na
literatura científica nacional e internacional.
Já o creme de extracto aquoso de triticum
vulgare está indicado para o tratamento
tópico das alterações do tecido dérmico que
necessitem da reactivação dos processos de
epitelização, tais como: queimaduras de
qualquer grau, extensão e etiologia; úlceras
de decúbito, varicosas, neuropáticas,
piodermíticas, por radiação; cirurgia plástica
e reparadora; cirurgia geral (avulsão de unhas,
encerramento de trajectos fistulosos, fissuras
anais, atraso de cicatrização); cirurgia
urológica (circuncisão e fimoses); e, feridas
de qualquer etiologia. O creme deve ser
aplicado na superfície da ferida, 2 a 3 vezes
por dia ou apenas diariamente, dependendo
das características da ferida e da resposta ao
tratamento. A duração do tratamento é
dependente do ritmo de epitelização da ferida
(Rocha et al., 2000).
Quanto aos alginatos, estes polímeros de
cadeia longa são fibras de não-tecido
impregnadas de alginato de cálcio e sódio
extraídas das algas marinhas castanhas
Laminaria, contendo ácido algínico como
princípio activo (Braun, 2001; Mandelbaum,
Di Santis e Mandelbaum, 2003). É um
material de penso que absorve grandes
quantidades de exsudado por capilaridade
(cerca de 20 vezes o seu peso), hidratando-se e
produzindo um intercâmbio de iões de cálcio
para iões de sódio que passam a ser solúveis
em solução salina para a sua posterior limpeza.
Forma-se um gel viscoso, hidrofílico,
hemostático e uniforme de alginato sódiocálcio que permite a troca de gases e cria um
meio húmido na superfície da ferida que
favorece a sua cicatrização e proporciona um
alívio da dor ao humidificar as terminações
nervosas. Estes produtos podem apresentar-se sob a forma de compressas ou tiras não
adesivas. Existem alguns trabalhos científicos
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estudo de caso, uma vez que consiste em
investigar aprofundadamente um indivíduo
(Fortin, 1999). Este tipo de investigação
utiliza-se para estudar um caso que é reconhecido como especial, procurando associar
a evolução de um fenómeno a uma
intervenção. Uma das características do
estudo prende-se com a possibilidade de
obter informação detalhada sobre um
fenómeno novo, com a salvaguarda de os
resultados não poderem ser generalizados a
outras populações ou situações.
O estudo foi realizado com um indivíduo
do sexo masculino (Sr. X) de 23 anos de idade,
sem antecedentes patológicos pessoais ou
familiares relevantes. Este indivíduo foi
submetido em 27 de Junho de 2005 a excisão
de quisto dermóide sacrococcígeo (sinus
pilonidal) com marsupialização sob anestesia
local, sendo o caso acompanhado até 3 de
Setembro de 2005, data em que foi concluído
o plano de cuidados de enfermagem ao
indivíduo com o encerramento da sua ferida
cirúrgica (num total de 68 dias). A colheita de
dados para esta pesquisa foi realizada no
domicílio do sujeito do estudo, através da
observação directa e recolha fotográfica,
atendendo a uma grelha de avaliação da ferida
constituída por seis parâmetros: extensão,
largura, profundidade, aparência, exsudato
(Marquez, 2003) e dor (segundo a Escala
Visual Analógica).
produtos modernos para o tratamento
de feridas que foram concebidos com o
intuito de solucionar os problemas
apresentados pelos pensos convencionais e,
consequentemente, melhorar o processo de
cicatrização natural (Rocha et al., 2000).
A revolução nos métodos de tratamento
ocorreu em 1962, quando George Winter
publicou um trabalho sobre o efeito da
humidade na epitelização da ferida. Desde
aí tem-se assistido a uma constante demanda
pela procura do material de penso ideal, mas
persiste ainda uma grande discórdia e várias
divergências quanto às práticas e opiniões
relativas aos diferentes métodos de
tratamento das feridas.
Ou seja, atendendo a todas estas
considerações conclui-se que a escolha do
material de penso mais adequado é complexa,
devido à diversidade de propriedades de cada
produto e ao facto de o mesmo material poder
ser utilizado em situações distintas. Para
minimizar esta dificuldade, aconselha-se o
incremento da investigação mas, o bom senso,
a observação atenta das características gerais
do utente, e a experiência dos profissionais de
saúde também representam factores
determinantes para uma decisão terapêutica
eficaz e adequada. Neste âmbito, o desafio
actual que é colocado ao enfermeiro reportase à necessidade de uniformizar as práticas de
actuação, incrementando a pesquisa científica
sobre a eficácia dos novos materiais de penso.
Assim, considera-se que só através da
investigação se tornará possível descriminar de
forma adequada todas as indicações, contraindicações, propriedades e modos de utilização
dos novos materiais, de forma a rentabilizar os
recursos disponíveis e optimizar os cuidados
de enfermagem aos indivíduos portadores de
feridas.
Resultados
Como foi referido, o Sr. X foi
submetido a excisão de quisto dermóide
sacrococcígeo (sinus pilonidal) no dia 27 de
Junho de 2005. No dia seguinte foi iniciada a
colheita de informações e elaborado o plano
de cuidados de enfermagem, utilizando a
CIPE como referencial teórico, uma vez que
consideramos que a tomada de decisão em
enfermagem deve ser cada vez mais
fundamentada e rigorosa. Assim, podemos
Método
O presente estudo é uma pesquisa de
índole descritiva, mais concretamente, um
30
Após o 19º dia pós-operatório, o
tratamento da ferida manteve-se com gaze
iodoformada mas passou a ser efectuado de
dois em dois dias, atendendo à diminuição
da quantidade de exsudato hemático e à boa
evolução do tecido de granulação. Assim, a
16 de Julho foi terminado o diagnóstico de
enfermagem de perda sanguínea pela ferida
cirúrgica.
A 7 de Agosto (41º dia pós-operatório)
a ferida apresentava uma dimensão significativamente menor (cf. Tabela 1e Fig.3) com
uma profundidade reduzida, pelo que foi
iniciado tratamento diário com creme de
extracto aquoso de Triticum vulgare. Nessa
data foi ainda encerrado o diagnóstico de
enfermagem de dor na ferida cirúrgica. Este
tratamento foi mantido durante 13 dias,
verificando-se uma diminuição da extensão
da ferida mas um ligeiro aumento da sua
profundidade (cf. Tabela 2 e Fig. 4).
levantados (cf. Tabela 1): ferida cirúrgica,
perda sanguínea pela ferida cirúrgica, dor na
ferida cirúrgica e infecção na ferida cirúrgica.
Em 28 de Junho de 2005, no Sr. X, foi
diagnosticada a presença de uma ferida
curúrgica, de perda sanguínea pela ferida
cirúrgica e de dor na ferida cirúrgica, pelo
que foi feito tratamento da ferida com a
aplicação de gaze iodoformada, atendendo
ao facto do leito da ferida estar sangrante (cf.
Tabela 2 e Fig. 1). Nesta fase, o tratamento
da ferida com gaze iodoformada foi diário,
tendo os pontos da sutura sido removidos
no 5º dia pós-operatório por dor e laceração
dos tecidos. Optou-se pela manutenção deste
material de penso, pelo facto de a ferida se
manter com exsudato sero-hemático (embora
em quantidade reduzida), além dos tecidos
desvitalizados terem sido removidos e da
ferida apresentar tecido de granulação (cf.
Tabela 2 e Fig. 2).
Tabela 1 – Diagnósticos de Enfermagem (CIPE): evolução
Tabela 2 – Grelha de avaliação da ferida cirúrgica
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exsudato hemato-purulento, verificando-se
apenas uma drenagem serosa em quantidade
reduzida. Desta forma foram encerrados os
diagnósticos de dor na ferida cirúrgica e de
infecção da ferida cirúrgica, ao passo que a
perda sanguínea pela ferida cirúrgica
terminou a 2 de Setembro. No dia seguinte
(68º dia pós-operatório) a ferida estava
cicatrizada, sendo finalizado o diagnóstico
de ferida cirúrgica e encerrado o plano de
cuidados (cf. Tabela 1 e Fig. 6).
Analisando os dados obtidos ao longo
da cicatrização da ferida cirúrgica do Sr. X,
reconhece-se uma evolução gradual neste
processo que foi interrompida pela recidiva
do processo infeccioso. Feita a limpeza
cirúrgica da ferida e com a aplicação do
alginato de cálcio, a evolução positiva da
ferida retomou-se com uma velocidade de
cicatrização bastante superior à anterior (cf.
Gráfico 1).
No dia 26 de Agosto (60º dia pósoperatório), o sujeito do estudo referiu dor
intensa (EVA=8) ao toque e prurido na ferida
cirúrgica que apresentava tumefacção e
presença de exsudato purulento. Desta
forma, foi novamente activado o diagnóstico
de enfermagem de dor na ferida cirúrgica e
diagnosticou-se ainda uma infecção da ferida
cirúrgica. Perante esta situação, o paciente
foi encaminhado para o serviço de Cirurgia
onde foi feita limpeza cirúrgica da ferida sob
anestesia local.
No dia seguinte foi reavaliada a ferida e
elaborado novo plano de cuidados, diagnosticando-se uma perda sanguínea pela ferida
cirúrgica. Foi então iniciado tratamento com
alginato de cálcio (cf. Tabela 2 e Fig. 5), por
apresentar exsudato hemato-purulento em
quantidade moderada.
O penso (alginato de cálcio) foi
substituído ao fim de 3 dias apresentando
Fig. 1 - Ferida cirúrgica hemorrágica
(1º dia pós-operatório)
Fig. 2 - Ferida cirúrgica exsudativa
(19º dia pós-operatório)
Fig. 4 - Ferida cirúrgica não exsudativa
(54º dia pós-operatório)
Fig. 5 - Ferida cirúrgica infectada Fig. 6 - Ferida cirúrgica cicratrizada
pós-operatório)
(61º dia pós-operatório)
Fig. 4 - Ferida cirúrgica(68º
nãodia
exsudativa
Fig. 3 - Ferida cirúrgica
não exsudativa
(41º dia pós-operatório)
(54º dia pós-operatório)
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Nivel dos parâmetros
Tempo
Gaze Iodoformada
Triticum
vulgare
Alginato
de Cálcio
Gráfico 1 – Evolução Cicatricial
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