BREVE HISTÓRIA DA MEDICINA SOB O OLHAR DA PSIQUIATRIA
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BREVE HISTÓRIA DA MEDICINA SOB O OLHAR DA PSIQUIATRIA
BREVE HISTÓRIA DA MEDICINA SOB O OLHAR DA PSIQUIATRIA Coordenação: Paulo F. M. Nicolau Capítulo I UM BREVE HISTÓRICO ÀS ORIGENS DA VIDA Introdução Sentimento, “sentimento é aquilo que só nós sentimos, mas quando o exprimimos, é o mesmo que todos sentem”. Dante Milano (1899) Cultura “Sem o homem certamente não haveria cultura, mas do mesmo modo, e mais significativamente, sem cultura não haveria o homem.”. Clifford Geertz É extremamente difícil, no estágio do conhecimento cientifico em que estamos, falarmos acerca dos processos neuropsicológicos, sem que tenhamos inúmeras discussões. Nossas ―verdades‖ são efêmeras. Mas conseguimos ―passar a limpo‖ os rascunhos de nossos estudos e leituras, e temos que começar tudo novamente tal o número de informações e reflexões a respeito do tema, pois a Ciência recoloca permanentemente em discussão os conceitos, mesmo os mais solidamente estabelecidos. O homem sempre possuiu um forte, ambicioso e intimo desejo de conhecer a sua origem e a do mundo em que habita. E, depois de tantos estudos, de tanta especulação, de tantas controvérsias, esta questão é ainda hoje um problema sem solução científica, apesar de constituir a procura e a essência do conhecimento do homem e de ser a questão central do pensamento filosófico. Página 1 O sistema nervoso central é a porção do corpo humano mais protegido, a que possui maior complexidade anatômica e funcional, e que é dotada de maior plasticidade reacional, a que tem maiores potencialidades, aquela em que se verifica maior capacidade evolutiva. Todos estes fatos estão relacionados com a sua intensa atividade funcional e com a extrema delicadeza. Com efeito, na essência de qualquer fenômeno da vida do homem, encontramos sempre o sistema nervoso, pois este conduz e regula todas as funções e toda a evolução do gênero humano e do individuo. O homem é, por excelência, um ser social que aprende de uma maneira mais complexa, por essa razão, é mais eficiente que os outros seres vivos na medida que possui um tipo único e especial de sistema de comunicação:a linguagem. O que uma pessoa se torna eventualmente, em termos de comportamentos e crenças, depende da cultura na qual está inserida. Não só o homem faz cultura, mas ele também é feito pela cultura. Fascinante é o estudo do sistema nervoso do homem, de sua organização morfopsicofuncional que rege as necessidades do individuo e suas relações com o ambiente físico e social, peculiares a nossa espécie que é por nós chamada de personalidade. Nosso modo de ser é único; é a distinção de nossa espécie. Nosso cérebro faz muito mais que recolher, ele compara, analisa, sintetiza, e como nenhum computador usa as emoções e as intuições, gerando abstrações novas e inusitadas, projeta-nos no futuro, liberta-nos do presente. Temos uma qualidade única: a de ver a nós mesmos e um desejo inextinguível de querer saber que somos o instrumento de nossa sobrevivência. Para conhecermos melhor o nosso cérebro, temos de ver os aspectos evolutivos de nossa espécie, porque como todos os nossos órgãos, o cérebro evoluiu aumentando a complexidade e o conteúdo das informações por milhões de anos. Sua estrutura reflete todos os estágios pelos quais passou o encéfalo. Evoluiu de dentro para fora. Sabe-se que as áreas relacionadas com o comportamento emocional ocupam territórios grandes, de vários centros sub-corticais e do córtex cerebral. No fundo da parte interior está a parte mais antiga o tronco encefálico onde estão localizados vários núcleos de nervos cranianos viscerais ou somáticos como o centro Página 2 respiratório e o vaso motor, isto é, coordena as funções biológicas básicas, inclusive os ritmos de vida, exercendo sobre o córtex, através da formação reticular, papel ativador, pré-requisito para várias formas de comportamento e manifestações emocionais, pois contém estruturas destinadas a manter a vigília ou o sono. O estudo do cérebro ocorre dentro de um princípio holístico (A. R. Luria), o qual baseiase na idéia de que processos psicológicos em larga escala operam em sistemas funcionais intimamente integrados e desempenham cada qual um papel na atividade psíquica. Sendo eles responsáveis pela manutenção do tono do córtex, estado indispensável para o correto recebimento, processamento, elaboração e conservação da informação, assim como pelos processos de formação e organização de comportamentos e também pelo controle de suas execuções a partir do próprio corpo do indivíduo. DE ONDE VIEMOS ? TEORIAS (breves notas): De repente, do nada, surgiu um espaço chamado Universo. O universo teria nascido entre 13 e 20 bilhões de anos atrás, a partir de uma concentração de matéria e energia extremamente densa e quente. A teoria do Big Bang foi enunciada em 1948, pelo cientista russo naturalizado norteamericano George Gamow. Big Bang. FONTE:www.if.ufrj.br/cosmo Se há algo que tenha recebido um nome mais inadequado aí está ele. O Big Bang não foi nem big nem bang. Geralmente traduzido para o português como "Grande Explosão", porém não foi grande, nem tão pouco foi uma explosão. A inadequação do nome pode ser entendida através do estudo da sua origem: o termo Big Bang foi cunhado por Fred Hoyle, um astrônomo inglês que tentava desacreditar a teoria. Ele Página 3 achou que se inventasse um nome jocoso, a comunidade científica não a levaria a sério. Não só a comunidade científica levou a sério a recém-criada teoria, como adaptou o nome proposto por Hoyle, nome este que caiu no gosto popular. Pois bem, estamos a falar do que exatamente? Quando Einstein criou a teoria da Relatividade por ser mais abrangente, Einstein, e muitos dos seus contemporâneos, estavam preocupados com as soluções cosmológicas, que dizem respeito ao Universo como um todo. A sua conclusão final é a equação que leva jeito de citação arcana, de conjuração misteriosa ou mantra sagrado. Talvez isto assuste muita gente. Esta é uma das mais belas equações jamais escritas, a culminação da Relatividade Geral, mas infelizmente não contém a simplicidade da sua irmã E=mc2 (o apogeu da Relatividade Especial). Isto porque a Relatividade Geral é escrita em termos do Calculo Tensorial, um ramo da Matemática que só costuma ser ensinado no nível de Pós-Graduação... Mas a beleza de uma equação não está na sua forma estética, mas sim no seu conteúdo. E o que esta equação acima nos diz é que a geometria do espaço-tempo (representada pelos tensores Ruv e guv) está ligada à quantidade de matéria e energia existentes (o tensor Tuv). Ou seja, a existência de uma certa quantidade de matéria (ou de energia) afecta a forma do espaço e o fluir do tempo. O próximo passo, no roteiro de Einstein, foi escrever uma função que descrevesse a distribuição média de matéria e energia do Universo, obtendo assim a forma espaçotemporal do Cosmos. Por razões pessoais, Einstein estava convencido que o Universo não era mutável, mas sim estático, e acrescentou um termo extra à sua equação (L, a constante cosmológica) para que isso fosse explicado matematicamente. Os outros cientistas não tinham estas restrições, e ativeram-se às descrições do Universo como era conhecido. A surpresa de todos: o Universo deveria de se estar a Página 4 expandir (ou a contrair-se)! Einstein, como disse, refutava esta hipótese por razões pessoais (crenças religiosas). Foi necessária a comprovação observacional da expansão do Universo para que Einstein percebesse o poder da sua equação original. Essa observação foi feita pelo astrônomo Edwin Hubble, em 1929. O pai da Relatividade, após se ter confrontado com os resultados de Hubble, declarou que a constante cosmológica tinha sido "o maior erro de sua vida". Mas se o Universo se expandia, isto significava que estava a aumentar de tamanho. Ou ainda, que no passado ele tinha sido muito menor. Pensando assim, o físico George Gamow construiu um modelo onde o Universo era denso, quente e microscópico, tornando-se o que é hoje através de uma contínua e inexorável expansão. Fred Hoyle achava esta idéia absurda, acreditando que o Universo sempre fora assim, como nós o vemos hoje. Chegou a construir a Teoria do Universo Estacionário, que admitia a expansão observada por Hubble, mas somava a ela o fato de que novas galáxias surgiam nos vazios criados, de modo que a aparência do Universo permanecia constante. Criou também o termo Big Bang para troçar da teoria de Gamow. Mas Gamow estava certo, pelo menos em linhas gerais. O Universo realmente tinha de ter passado por um estágio diferente do qual ocupa hoje, um Universo como o de hoje não pode dar origem a grandes quantidades de matéria. Já um Universo quente e denso... A teoria de Gamow demorou a afirmar-se, pois logo que foi formulada ainda dependia de muitas coisas desconhecidas. Entre os seus resultados mais absurdos estava a idade do Universo, calculada em 2 mil milhões de anos, numa época em que já se sabia que a Terra tinha mais de 4 mil milhões de anos de idade! Vários anos (e colaboradores) mais tarde, surgiu a primeira comprovação do Big Bang: a radiação cósmica de fundo. Encontrada por acaso por uma dupla de radioastrónomos “Explosão”. FONTE: Interessante-outubro 2002 Super (Penzias e Wilson), em 1965, esta radiação originouse no Universo muito jovem, quente e denso, e pode Página 5 ser captada até aos dias de hoje, em todas as direções do espaço. Com o passar do tempo, o modelo do Big Bang foi sendo cada vez mais refinado. Incorporou idéias da Mecânica Quântica, da Teoria do Caos e da Mecânica Estatística. Abandonou o conceito de singularidade, o "ponto geométrico" que teria dado origem a tudo. A densidade de um ponto geométrico é infinita, e em física não podemos lidar com quantidades infinitas. Hoje sabemos que o Universo começou muito pequeno, denso e quente. O que havia antes disto? Não sabemos. E, talvez, não possamos saber. As leis físicas, a matéria, a energia, o espaço e o tempo surgiram a partir do início da expansão (o Big Bang). Se havia algo antes disto, se havia o próprio conceito de "antes", não o podemos dizer com as nossas equações. As leis físicas não podem explicar o nascimento das próprias leis físicas! Perguntar o que havia antes do Big Bang é a mesma coisa que perguntar o que há ao norte do Pólo Norte. A pergunta em si não faz sentido! O Big Bang continua a ser o modelo usado atualmente. As novas e futuras gerações de cientistas continuam a incorporar idéias à sua base. O mapa fica cada vez mais detalhado, o Atlas cada vez mais extenso. Mas o mapa,sabemos, nunca é o território... Antes da Teoria do Big Bang Séculos 6 a 5 a.C – Pré-socráticos Os primeiros filósofos gregos tentaram elaborar várias explicações para o espaço. De acordo com uma das teorias, o Anaximandro, o Cosmos surgira da água, e os humanos surgiram dos peixes. O nosso planeta seria um disco achatado e flutuante, circundado por tubos furados de névoa luminosa, com um circulo de fogo por fora. Século 4 a.C – Modelo Geocêntrico Aperfeiçoando idéias de Pitágoras ( VI a.C- V a.C), Eudoxo de Cnido ( 406 a.C- 355 a.C) criou um modelo geocêntrico do universo, ou seja, aterra era o modelo do Página 6 Universo, e tudo existente nele girava em torno dela. Outros filósofos como Aristóteles e Ptolomeu, 200 anos depois também acreditavam nessa teoria. Século XVI d. C – Modelo Heliocêntrico Depois de vinte séculos (aproximadamente 2000 anos) acreditando na mesma teoria, Nicolau Copérnico (1473-1543) sugeriu que o sol era o centro do universo, e não a terra ( teoria não aceita na época). Mais tarde Giordano Bruno (1548-1600) acrescentou a teoria que o universo não tinha limites (e por essa teoria ele foi julgado e queimado pela Santa Heliocentrismo. FONTE: Super Interessante- outubro 2002. Inquisição Católica). Galileu Galilei (1564-1642), que apoiava a teoria de Nicolau, quase teve o mesmo destino de Giordano, mas ―deu pra traz‖, negou toda teoria na última hora e se livrou do fogo Os cientistas admitem, mesmo sem comprovação definitiva, que o nosso planeta tenha se formado há cerca de 5 bilhões de anos, e que a vida em sua forma mais primitiva tenha surgido, um bilhão de anos depois. Foi então que apenas quinhentos milhões de anos que ocorreu a ―explosão da vida‖ nos mares, e, bem mais tarde, cerca de 250 milhões de anos, os primeiros vertebrados se deslocaram para terra firme, quando surgiram os répteis e os primeiros mamíferos. Mas a partir de um pensamento mágico e evoluindo para um raciocínio filosófico e depois científico, o homem encontrou diversas respostas para algumas de suas perguntas. E a Ciência ampliou decisivamente o domínio da consciência humana. Há cerca de um século o homem começou a descobrir uma parte de seus reais antepassados. Através de Darwin começaram a surgir mais perguntas e dúvidas a respeito da origem da vida. Tentativas de respostas criaram soluções materialistas e religiosas. Mas a resposta histórica é simples e clara, o ser humano possui apenas dez mil anos de vida civilizada nos dez bilhões de anos de vida planetária. (LIMA, 2003) O aprendizado do segredo do fogo, a fala, a escrita, o uso da terra, o uso da roda, e do sistema de transportes, o vôo mais pesado que o ar, a luz elétrica, as viagens espaciais Página 7 e a energia nuclear, ocorreram rapidamente para esta espécie de animal que foi a última coisa surgida na terra. Charles Darwin, o homem-bicho e o cérebro dessa espécie Embora os estudos arqueológicos e científicos comprovem, até hoje o homem insiste na dicotomia religião versus Ciência, no que diz respeito sobre a origem humana. Viemos de Adão e Eva ou dos macacos? Religiões à parte, estamos aqui para demonstrar o maravilhoso estudo sobre a evolução humana, que na cabeça dos cientistas isto já se encontra bem resolvido. Existe na Medicina uma dívida imensa com a biologia. As tecnologias criadas em toda a revolução do século XX na física e na química FONTE: ILLUSTRATED HISTORY MEDICINE, 1987. esqueleto de Neanderthal, PÁG 20 tem instrumentais; influencia, a papeis mas, contextuais para estrutura falar real e da dos progressos na medicina derivou de insights básicos sobre como os organismos vivem e interagem, crescem e se reproduzem. A microbiologia e a bioquímica, a genética, a embriologia e outras ciências da vida fundamentam as perspectivas contemporâneas das doenças, bem como a poderosa terapêutica para tratá-las. Embora muitas figuras essenciais tenham levado estas disciplinas a seu atual estado de sofisticação, quem lançou os conceitos básicos que os fundamentam, merece um lugar de honra. Este é o Charles Darwin. Darwin nasceu em 12 de fevereiro de 1809, na prospera família Robert Waring Darwin, um medico, e Susannah Wedgwood. Seu avo paterno era Erasmus Darwin, um famoso Página 8 médico, poeta, filósofo e inventor. Depois da morte da mãe de Darwin, provavelmente de câncer, quando ele tinha oito anos, suas irmãs, tomadas de desgosto, proibiram-no de comentá-la. Na escola, ele tinha pouco interesse nos clássicos, mas desenvolveu um ardor pela natureza. "A paixão por colecionar", escreveu Darwin em sua Autobiography,"qae leva um homem a ser um naturalista Embora Darwin pretendesse seguir seu pai e ingressar na medicina quando foi para a Universidade de Edimburgo em 1825, ele a achou fatigante. A anatomia teria sido uma habilidade útil, mas, como ele não gostava do currículo, nunca aprendeu a dissecar. Acima de tudo, Darwin era sensível ao sofrimento. Tinha um medo mórbido de sangue e não conseguia suportar a sala de operações. Em 1827, ele mudou de rumo, transferindo-se para o Christ's College, em Cambridge, com a perspectiva de se tornar ministro religioso. Mas seus amigos e mentores eram botânicos e geólogos, e o interesse de Darwin na natureza subsistiu e cresceu. Sabe-se há muito tempo que as melancólicas idéias de Thomas Malthus sobre a população foram centrais para a teoria da evolução de Darwin e para o conceito de "luta pela existência". Hoje em dia, entende-se que seu trabalho teve também outras influências. As idéias econômicas de Adam Smith enfatizaram para Darwin a centralidade do indivíduo. Ele também observou o conceito do filósofo Auguste Comte de que uma teoria científica devia ser profética e quantificável, pelo menos em princípio. Em 1842, fez o primeiro esboço da teoria da evolução e o conceito da descendência das espécies, empregando a expressão "seleção natural". Darwin estava bem consciente de que sua teoria era “A expulsão de Adão e Eva do Éden”, afresco de Mosaccio( 1401-1428) FONTE: Caderno Mais, Folha São Paulo, ed 2005. potencialmente subversiva com relação à religião. Na verdade, sua disposição de vencer as objeções teológicas foi um de seus pontos fortes como cientista. Mas isso também foi levado em conta em sua cuidadosa, e reticente, abordagem à divulgação de suas idéias. Darwin continuaria refinando sua teoria e concluiria o terceiro esboço em 1856. Página 9 Quando Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural, ou a Preservação de raças favorecidas na luta pela vida foi publicado em 1859, a primeira edição, de 1.250 exemplares, esgotou-se completamente em um único dia. O darwinismo tornouse muito discutido, adquiriu status científico e teve seus adeptos e oponentes. Embora tenha sido demasiado lacônico sobre a evolução antes da publicação da Origem, Darwin tornou-se excepcionalmente prolífico logo depois disso. Mas a mais famosa destas últimas obras foi o controverso The Descent of Man (A origem do homem), de 1871. Ali Darwin expressou sua "principal conclusão" de que "o homem descende de algumas formas menos organizadas de vida". Os elementos, incontroversos, são: "A estreita similaridade entre o homem e animais inferiores em desenvolvimento embrionário, bem como em inumeráveis pontos de estrutura e constituição, tanto de alta como da mais insignificante importância (...)." Consoante a trajetória de grande parte da ciência desde o século XVI, o conceito de Darwin da evolução humana representou um afastamento distinto da visão dos seres humanos como privilegiados no esquema da natureza. Hoje, a influência de Darwin em toda a biologia é inquestionável. Sua reputação acabou por se consolidar, e a gama de seu pensamento se ampliou alguns anos depois da redescoberta das leis da hereditariedade de Mendel, em 1900. Embora não estivesse inicialmente claro se o conceito de Darwin da seleção natural e a idéia de alteração por mutação era compatível, em 1930 esta questão foi definitivamente resolvida. A seleção darwinista e a genética mendeliana tornaram-se "mutuamente indispensáveis", escreve Anthony Flew‖, e entre elas [estabelece-se] exatamente o mecanismo necessário para a evolução por seleção natural". A genética clássica que surgiu das leis de herança mendeliana encontra-se com a genética das populações no cruzamento fornecido pela seleção natural. O paradigma neodarwinista é a raiz de quase todo o pensamento contemporâneo na biologia. E o que isso tem a ver com a medicina? "O que os médicos aprenderam com Darwin?", pergunta o historiador da medicina W. F. Bynum."A resposta mais curta é que, como tantos cientistas da vida Darwin, Charles 1809-1882 no século passado, eles aprenderam muito" Os médicos em geral Página 10 eram receptivos ao pensamento darwiniano por seu poder explanatório em anatomia e fisiologia comparativas, bacteriologia e farmacologia. Durante os últimos cem anos, as principais descobertas nestes e em outros campos foram influenciadas e condicionadas pelo pensamento evolutivo. (SIMMONS, 2004) Os primatas que não são humanos Existem apenas cinco espécies vivas da ordem dos macacos Pongid, também conhecidas como antropóides (significa similares ao homem), dos quais três estão representados abaixo: o chimpanzé, o bonobo (muito similar aos chimpanzés, mas recentemente considerado uma única espécie), o gorila, o gibão (incluindo o siamang) e o orangotango. Com exceção do orangotango, todas as outras espécies estão distribuídas em regiões da floresta da África. O orangotango e gibão vivem nas florestas chuvosas da ilha de Java, Sumatra, etc. Como podemos ver aqui, seus crânios e cérebros são anatomicamente muito similares: órbitas oculares grandes no mesmo plano frontal, cristas ósseas frontais e/ou laterais no crânio, fossas nasais triangulares grandes, mandíbula superior avançada, maxila pesada e dentes fortes com caninos grandes. mpanzé 1 - Chimpanzé ( pan troglodytes) 2- Gorila ( Gorilla gorilla) 3- Orangotango ( Pongo pygmaeus) FONTE: EVOLUTION OF INTELLIGENCE, SABBATINI, february/ april, 2001. A capacidade interna do crânio é grande e seus cérebros são altamente evoluídos e complexos, sendo apenas inferiores aos do homem moderno. Chimpanzés e gorilas têm um tamanho cerebral médio de 400 a 500 cm 3, respectivamente. Em conseqüência, os antropóides são muito inteligentes e capazes de manipulação simbólica similar à linguagem, capacidade de resolução de problemas, comportamentos altamente complexos, aprendizagem, emoções, etc. Página 11 Os antropóides estão intimamente relacionados aos seres humanos em termos de evolução. Eles foram separados de nós cerca de 36 milhões de anos atrás, a partir de um ancestral comum que ainda não foi encontrado. Portanto, eles podem ser considerados um ramo paralelo da árvore evolutiva dos humanos. Os antropóides extintos que são os mais antigos que os primeiros hominídeos, tais como o Ramapithecus ardinus (5 a 6 milhões de anos atrás) não são considerados hominídeos. Estudos de biologia molecular mostraram que o Ramapithecus era mais similar aos orangotangos. As seqüências de DNA dos grandes antropóides são 96,4% similar àqueles dos humanos. Em outras palavras, todas as nossas diferenças entre cérebro, inteligência, dexteridade, linguagem, etc, são codificadas em somente 3,6% de todos os genes que constituem nossos genomas. Crânio da garota de Taung Girl, primeira descoberta de um homem macaco. ( Pitecanthropus antigo nome para Australopithecus) feito por Raymond Dart do sul da África. FONTE: EVOLUTION OF INTELLIGENCE, SABBATINI, february/ april, 2001. www.epub.org.br. ...LOGO SURGIU O HOMEM Começando pelos ancestrais comuns que os seres humanos compartilham com os antropóides, o ramo dos primatas humanos começou também na África, provavelmente 6 a 8 milhões de anos atrás e chegou até o homem moderno (que apareceu provavelmente cerca de 150.000 a 200.000 anos atrás e depois se espalhou para o resto do mundo). Eles são chamados de Hominídeos, e estão incluídos na superfamília Página 12 de todos os antropóides, os hominóidea, membros dos quais são chamados hominóides. A árvore evolucionária do homem não é uma linha única e contínua ao longo do tempo como muitas pessoas pensam. Os cientistas têm muitas evidências de muitos "troncos mortos", ou seja, muitas espécies de hominídeos que se extinguiram sem deixar descendentes. É muito difícil determinar nossa linha evolucionária direta, e existe ainda vários elos faltantes, sem mencionar que algumas vezes existe discordância entre cientistas sobre o que constitui a melhor probabilidade. (SABBATINI, 2001). O Homo erectus foi o primeiro a sair da África para o resto do mundo, incluindo Europa, Oriente Médio e Ásia. Esta espécie tornou-se extinta em todos os locais exceto na África, onde deu origem ao chamado Homo sapiens arcaico (ainda falta um elo perdido entre H. erectus to H. sapiens). Portanto, a África meridional parece ser o "berço da humanidade". A evolução do homo sapiens arcaico foi incrementada pelo isolamento causado pelos desertos e montanhas naquela parte do continente. Esta espécie mais tarde se espalhou mais tarde para a África, Europa, Ásia, 200.00 e 100.000 anos atrás, onde evoluiu para Homo sapiens neanderthalensis (o homem de Neanderthal, que é uma adaptação a ambientes frios, e não é considerado um ascendente direto do homem moderno, mas sim uma espécie muito relacionada), e o Homo sapiens sapiens, uma adaptação ao clima quente da África. O chamado modelo para fora da África também tem sido apoiado pela evidência da biologia molecular. Estudos do DNA mitocondrial sugerem que todos os humanos modernos se originaram de uma pequena população vivendo no Sul da África. Como o DNA mitocondrial passa apenas de mulher para mulher, este ancestral nosso já foi apelidado de "Eva Africana". Página 13 TABELA DA EVOLUÇÃO DO HOMEM PELO CRÂNIO Australopithecu s afarensis 3 milhões de anos atrás Astralopithecus africanus 3 to 2,5 milhões de anos atrás Homo habilis 1.8 to 2.4 milhões de anos atrás Homo erectus 1,600,000 a 250,000 anos atrás Um hominídeo bípede, de baixa estatura, de 1.2 a 1.5 de altura, que viveu na África. É o segundo australopitecino mais velho achado. As mãos e os dentes eram similares aos de humanos modernos, mas o cérebro não era maior que o de chimpanzés. As pegadas fósseis dos A. afarensis também foram descobertas. Com um esqueleto robusto, A. africanus foi o primeiro hominídeo a ser descoberto, na África do Sul, e foi semehante ao A. afarensis. Juntamente com A. robustus, A. aethiopicus e A. boisei, três outras espécies relatadas, eles provavelmente não pertenceram à linhagem Homo, mas formaram um tronco distinto que desapareceu há 1.5 milhões de anos. Foi o primeiro humano a criar ferramentas de pedras e provavelmente tinham comunicação pela fala. Foi a evolução transitória entre H. erectus e os hominídeos. Surgiu e foi limitado à África meridional e do leste, e provavelmente gastou parte de seu tempo em árvores, porque tinha braços longos. Entretanto, não foi muito mais alto que o australopithecinos. Foi o primeiro humano a viajar amplamente e ocupar muitos continentes. Foi encontrados em Java, Indonesia, China, Europa e África. Usava ferramentas e fogo, viviam em cavernas, caçavam em grupos e puderam sobreviver em ambientes frios. Tinha aproximadamente o mesmo peso e altura dos humanos modernos. Página 14 Homo sapiens Neanderthalensis Homo sapiens sapiens 250,000 a 30,000 anos atrás years ago. 250,000 anos até o presente Considerado uma subespécie ou espécie que apareceu em paralelo com o homo sapiens, ele tinha um crânio achatado e uma pesada crista frontal. O corpo e o tamanho do cérebro era maior que o do homo sapiens. Viveu na África do Norte, na Europa e Oriente Médio. Usavam roupas, cavernas, fogo, enterravam seus mortos e podem ter tido algum tipo de religião. Existiu por algum tempo simultaneamente com o H. sapiens, mas desapareceu misteriosamente. Este é o ser humano moderno atual e a única espécie viva remanescente de Homo. Foi precedido pelo arcaico Homo sapiens, que apareceu 500.000 anos atrás, viveu na Europa e Ásia, e tinha o cérebro menos desenvolvido. Tem um crânio alto, com o maior cérebro comparado aos outros, não tem cristas orbitais e a face é plana. FONTE:SABBATINI,R. Evolution of intelligence. Brain & Magazine,february/april 2001. A face histórica estrutural da mente do homem A mente humana levou cerca de milhões de anos para evoluir. Ela nos leva a uma apreciação do que significa sermos humanos. As últimas duas décadas presenciaram um notável avanço no campo do comportamento e das relações evolutivas dos nossos antepassados. De fato muitos arqueólogos estão certos de que chegou o momento de ir além das questões sobre a aparência e o comportamento desses ancestrais e começar a indagar sobre o que se passava nas suas mentes. O que é possível aprender hoje sobre a mente moderna que irá nos ajudar na busca das mentes dos nossos ancestrais? É mais fácil começar olhando não para o intelecto, mas para o corpo. Se quisermos descobrir como as pessoas eram ou se comportavam no passado, podemos ir a um museu e olhar para os fósseis humanos ou as ferramentas líticas expostas. Se for um Página 15 bom museu, talvez encontremos uma reconstituição; quem sabe, um peludo Neandertal agachado na entrada de uma caverna, cozinhando ou afiando uma lança. Mas existe uma maneira muito mais fácil de começar a aprender sobre o passado, mesmo sobre o mais antigo dos ancestrais humanos. Basta simplesmente sentar em uma banheira cheia de água. À medida que o banho esfria, ficamos com "pele de galinha". Isso nos acontece porque nossos ancestrais da Idade da Pedra eram muito mais peludos; ao sentir frio, suas peles se arrepiavam e os pêlos ficavam eriçados, seqüestrando uma camada de ar quente que os aquecia. Hoje em dia não temos mais, grande parte dos pêlos do corpo, mas a "pele de galinha" continua existindo. Ela nos dá uma idéia de como éramos muitos milênios atrás. Na verdade, nossos corpos são o paraíso de um detetive da Idade da Pedra. Observando como um ginasta consegue balançar-se à maneira de um gibão, podemos ver que nossos braços e ombros foram um dia projetados para essa atividade. A incidência de doenças cardíacas nas populações ocidentais indica que nossos corpos não foram feitos para consumir uma alimentação rica em gordura. Será que o mesmo acontece com nossas mentes? Será que a natureza da mente moderna é capaz de revelar a natureza da mente da idade da pedra?Nossa maneira atual de pensar pode nos dar uma pista de como pensavam nossos ancestrais há milhares ou mesmo milhões de anos atrás? Ela é capaz disso sim, embora as pistas não sejam tão aparentes como as que tem a ver com nossa anatomia. De fato, podemos descobrir mais que meras pistas, por que nossa mente moderna possui uma arquitetura construída por milhões de anos de evolução. Em 1919, um arqueólogo americano chamado Thomas Wynn publicou um artigo onde alegava que a mente humana já estava pronta há trezentos mil anos. Antes que os neandertais - e menos ainda os humanos anatomicamente modernos - tivessem aparecido no palco. A evidência na qual Thomas Wynn se baseou foram os refinados e simétricos machados de mão fabricados pelo Homo erectus e pelo Homo sapiens arcaico. (MITHEN, 2002) Página 16 Como ele chegou a tal conclusão? Começou utilizando uma idéia que, por muitos anos, tem causado acaloradas discussões entre os acadêmicos: a de que as fases do desenvolvimento mental na criança refletem as fases da evolução cognitiva dos nossos ancestrais. Utilizando um jargão, dizemos que a "ontogenia recapitula a filogenia".* Essa é uma "grande idéia",pensem nela como significando que a mente, por exemplo,do Homo erectus ou talvez de um chimpanzé atual possa ter semelhança estrutural com a de uma criança pequena, embora obviamente possuirão um conteúdo muito diferente. Para usar essa idéia, Thomas Wynn precisava saber como eram as mentes das crianças; precisava conhecer as fases do desenvolvimento mental. Não é de surpreender que ele tenha se voltado para o trabalho do psicólogo infantil Jean Piaget (1896-1980). Piaget acreditava firmemente que a mente é como um computador. Segundo suas teorias ela roda um pequeno conjunto de programas de utilidade geral que controlam a entrada de novas informações e também reestruturam a mente de modo a que ela passe a uma série de fases de desenvolvimento. Existe um período que é a última fase dessas fases, chamado de operatório formal - que é quando a criança tem aproximadamente 12 anos. Nesse período a mente é capaz de imaginar instrumentos e eventos hipotéticos. Esse tipo de pensamento é absolutamente essencial para a produção de um utensílio de pedra como o machado de mão. Por conseguinte Tom Wynn sentiu confiança ao atribuir uma inteligência operatório-formal. A discussão dos psicólogos sobre as idéias de Piaget na última década é de que a mente não opera programas de utilidade geral, tampouco é uma esponja que absorve indiscriminadamente qualquer informação disponível. Os psicólogos introduziram um novo tipo de analogia para a mente, que seria como um canivete suíço. Um desses com capacidade de fornecer um monte de equipamentos úteis, como tesoura, serrinhas e pinças. Cada elemento do canivete foi inventado para solucionar um tipo de problema bem especifico. Quando fechado ninguém imagina a quantidade de funções o canivete. Talvez nossa mente se encontre além do nosso alcance. Mas se ela for como um canivete suíço, quantos dispositivos existem?Quantos problemas eles são capazes de resolver? Página 17 Assim veio em 1983 A modularidade da mente de Jerry Fodor, propõe que devemos dividir a mente em duas grandes partes, que chamamos percepção e cognição. Mas, grosso modo, Fodor acredita que a mente possui uma arquitetura de dois níveis; o inferior é como um canivete suíço e o superior como, bem, não podemos descrevê-los, pois não há nada igual no mundo. (MITHEN, 2002) A teoria das inteligências múltiplas de Howard Gardner (...), alega que os tipos distintos de inteligência têm suas bases em diferentes regiões do cérebro. Portanto aqui temos também uma arquitetura do tipo canivete suíço, com cada dispositivo agora sendo chamado de inteligência. As inteligências de Gardner são a lingüística, a musical, a lógica-matemática, a espacial, a corporal sinestésica, e duas formas de inteligência pessoa, uma voltada para dentro, para percrustrar nossa própria mente, e outra voltada para fora, para compreender outras pessoas. As inteligências têm um histórico de desenvolvimento a natureza de cada uma é fortemente influenciada pelo contexto cultural do individuo. Os psicólogos evolucionistas desfilam sob a bandeira da psicologia evolucionista pela simples razão de poder argumentar que podemos compreender a natureza da mente moderna apenas se considerarmos um produto da evolução humana. O ponto de partida dessa argumentação é a mente ser uma estrutura funcional complexa que não poderia ter surgido por acaso. E se estamos dispostos a ignorar a intervenção divina, o único processo conhecido que pode ter dado origem a tamanha complexidade é a evolução pela seleção natural. A mente como catedral Podemos imaginar que a mente é como uma catedral em construção enquanto cada pessoa se transforma de criança em adulto. Uma catedral edificada segundo um plano arquitetônico codificado na bagagem genética herdada dos pais, e que sofre a influencia do meio particular onde cada se desenvolve. Na medida em que todos diferimos na herança genética ou ambiente de desenvolvimento, todos temos uma mente única. Mas, sendo membros da mesma Página 18 espécie, existem semelhanças consideráveis no plano herdado e na mente que desenvolvemos. O mesmo se aplica aos nossos ancestrais. Entretanto, a arquitetura tem sido constantemente ajustada pela evolução. Transformações aleatórias foram introduzidas pelas mutações genéticas. Grande parte dessas mutações não afetou a mente. Algumas tiveram efeitos negativos: os planos arquitetônicos danificados não sobreviveram por muito tempo no pool de genes, por que os indivíduos portadores dessas mentes não se sobressaíram aos outros na competição por recursos naturais e por parceiros. Algumas outras mutações acabaram sendo benéficas, transformando indivíduos em melhores competidores e permitindo que eles passassem os planos ―melhorados‖ à geração seguinte. É claro que enquanto essas mutações aconteciam o ambiente também se transformava. Nossos ancestrais constantemente enfrentavam problemas, exigindo novos processos de pensamento para encontrar soluções. (MITHEN, 2002). A inteligência social, segundo a vida em grupo dos ancestrais Para abordar a questão deve-se começar por uma breve digressão sobre problemas de viver em grupo, as novelas e o tamanho do cérebro. Em geral, quanto maior o número de pessoas com quem convivemos mais complicada a vida se torna: criam-se mais escolhas de parceiros com quem dividir a comida ou fazer sexo, e cada desses parceiros vai estabelecer um número cada vez maior de relações diversificadas com outros membros do grupo. Certamente é um desafio considerável a ficar atento quem é amigo de quem, quem são os inimigos, quem guarda rancor ou desejos. Todos nós de alguma forma já passamos por isso, parece que gostamos das manobras sociais que se tornam essenciais à medida que o grupo vai aumentando, especialmente se somos espectadores. As novelas causam fascínio devido ao surgimento de um novo personagem no elenco, que acaba Página 19 desequilibrando a ordem, geralmente alguém fica com o coração partido, ou outra pessoa arruma uma dor de cabeça. Não é surpreendente, portanto que existem espécies de primatas nas quais se observasse uma forte correlação entre o tamanho do grupo e o tamanho do cérebro. Espécies que vivem em grandes bandos e tendem a apresentar um cérebro mais avantajado. São menos vítimas dos predadores e de outras adversidades. Assim mostra que a vida em grupo passa ser uma necessidade do homo habilis, escolher viver em grupos relativamente grandes. Viver em grupos maiores exige mais poder de processamento cerebral para dar conta de um número crescente de relações sociais em constante mudança. Ao viver em grupo, os primatas tem que trocar mensagens entre si, e a principal maneira de fazer isso é catando as pulgas e piolhos da cabeça do outro – uma atividade que inglês chama-se grooming. O antropólogo Robin Dunbar, sugere que esse comportamento equivale a uma ― barganha sexual‖. Observou ainda que, o tempo que os primatas dedicam ao grooming aumenta à medida que aumenta o tamanho do grupo, pois é preciso investir cada vez mais na comunicação social. Outro meio de informação fora selecionado a linguagem. Dunbar argumenta que a linguagem evoluiu para trocar informações dentro de grupos grandes e socialmente complexos, de inicio suplementando o grooming, e mais tarde substituindo-o. Em relação a consciência, na realidade temos consciência de apenas uma pequena fração do que se passa nas nossas mentes. Por exemplo, não percebemos conscientemente os processos utilizados para compreender e gerar elocuções lingüísticas. Não temos consciência do numero de variações lingüísticas que usamos na fala cotidiana ou das milhares de palavras cujo sentido conhecemos. Criar elocuções gramaticalmente corretas e que façam sentido talvez seja a coisa mais complexa que realizamos – e fazemos isso sem uma percepção consciente do que se passa nas nossas mentes. Alguns indivíduos desafortunados apresentam um a disfunção cerebral que leva a uma forma branda de epilepsia, com ataques de perdas da consciência. No entanto as pessoas acometidas ainda são capazes de continuar suas atividades diárias. Elas mantêm as ações dirigidas para um propósito, que comportam respostas seletivas a estímulos do meio, sem uma percepção consciente do processo de pensamento. Página 20 Não é uma sugestão de que a mente de o homem arcaico equivaleria hoje a essas pessoas que possuem esse ―pequeno mal‖. Todavia esse exemplo é utilizado como demonstração adicional de que a não percepção consciente dos próprios processos de pensamento não implicaria que estes não acontecem e nem podem gerar comportamentos complexos. Portanto a possibilidade dos neandertais manufaturarem ferramentas de pedra sem uma percepção consciente torna-se plausível. Talvez a nossa dificuldade de imaginar o que deve ter sido pensar como um neandertal pode simplesmente representar uma limitação do nosso tipo de pensamento, ali colocada pela evolução. O estudo da mente do homem ancestral pode nos revelar de que maneira evoluímos de acordo com as exigências materiais e pessoais que foram urgindo. Os sentimentos e os elementos afetivos do homem vão sendo moldados de tempo em tempo, ainda nos primatas podemos apenas enxergar um instinto severo de preservação e seleção, deixando a afetividade para mais tarde. Página 21 Capítulo II ORIGENS DA MEDICINA – A PRÉVIA DO CONHECIMENTO CIENTIFICO Sarcófago de Khonsu. Fonte: Medicina: Artes e História, Paulo Lemos, 2004. A trama da religião e a Ciência A ciência dá ao homem conhecimento, enquanto a religião, a fé. O fenômeno médico, que é essencialmente um fenômeno patológico, e antes de tudo um fenômeno natural, posto que a entidade patológica ou doença ocorra na natureza como fato natural, seja a doença contagiosa, a doença degenerativa, etc. A função da religião é transmitir a verdade moral, a saber, a lei fundamental do supremo legislador (Deus) ou deuses (politeísmo). Justamente essa primeira diferença que está resolvida apenas na cabeça dos intelectuais. Já na cabeça dos desprovidos de tais conhecimentos, especialmente do "povinho da Bíblia" há uma oposição radical. Isto deve ser evitado, pois é anticientífico. Todavia é preciso ser cauteloso e não descuidar da questão religiosa, pelo fator preponderante que absorve em nossas mentes, inclusive como aspecto terapêutico. É preciso acentuar que a religião usa uma linguagem simbólica, quase mítica para tentar uma compreensão (não explicação!) da Página 22 realidade. A ciência usa uma linguagem objetiva, precisa. A Matemática, particularmente, é a mais precisa de todas as linguagens, não afetada pelas peculiaridades lingüísticas de cada idioma. A medicina, tomada como ciência biológica, usa o método das ciências naturais, ou método experimental, o cientista não sabe nada até que ponha a mão na massa e espere os resultados. Na verdade, a oposição entre religião e ciência existe apenas na limitadíssima (estupidez) alma humana, se olharmos para uma posição mais flexível no campo da filosofia, e na realidade ontológica dos fatos, Deus convive muito bem com o universo que criou de modo que somente Ele sabe como! Na verdade, religião e mito podem ser tomados como sinônimos quando confrontados com o pensamento científico. A ciência é uma estrutura aberta, mesmo teorias bem estabelecidas, como a Mecânica Quântica ou a Teoria da Relatividade podem cair por terra, embora as probabilidades sejam mínimas, o homem tem algo de absoluto em si, consegue estabelecer verdades permanentes. O primeiro psiquiatra – o médico feiticeiro da tribo tal como foi retratado por um artista pré histórico na caverna deTrois, na França. FONTE: Livro: História da Psiquiatria,1968. Apontamentos ao Método Mágico – A Psiquiatria inaugura a Medicina Nos tempos mais antigos a tentativa de explicar as doenças da mente, dados como, acontecimentos inexplicáveis, tinha sua referencia na magia. Página 23 As primeiras tentativas de explicar a doença foram igualmente intuitivas. A explicação mais simples era que as doenças ―vinham de si próprias‖, embora houvesse certo reconhecimento de causa e feito. Todavia, quando as causas de uma doença não eram evidentes, o homem primitivo as atribuía às influencias malignas quer de outros seres humanos, quer de seres sobre-humanos, e lidava com as primeiras pela magia ou feitiçaria e com as últimas pelas práticas mágico-religiosas. Entendendo-se que esses métodos de tratamento eram tentativas de mudar psicologicamente as conseqüências malévolas, a psiquiatria é historicamente a mais antiga das especializações médicas. A medicina primitiva pode ser considerada principalmente psiquiatria primitiva. Não havia separação entre sofrimento mental e físico, como não havia entre medicina, magia e religião. A magia era dirigida contra algum ser mortal ou sobre humano que maldosamente provocara uma doença em outrem. O curandeiro primitivo logicamente lidava com esses seres e com os maus espíritos, torturando seu paciente com recursos humanos, como apelo, reverencia, súplica, suborno, intimidação, confusão e punição, tais que se expressavam através de exorcismo, rituais mágicos e encantamentos. Achava-se que a doença era causada pelo acréscimo de algo supérfluo, que era geralmente atirado para dentro do corpo por um feiticeiro ou um deus. O conceito de retirada do corpo envolvia a idéia primitiva da alma tal como se manifestavam em sonhos, sombras, alucinações etc. Enquanto o corpo e a alma estavam juntos, o homem gozava de boa saúde, mas se a alma ou parte dela o deixava, ou era seqüestrada, o homem ficava doente. De acordo com a crença de cada tribo, a alma localizava-se em partes variadas do corpo, como o coração ou o rim. O feiticeiro perverso enganava a alma de sua vitima, tirava-a dele e assim criava doença dentro dele. Outro principio importante na magia é a idéia de que duas coisas separadas por certa distância podem produzir um efeito recíproco por meio de uma relação secreta. Sir James Frazer (1854-1941) chamava isso de ―magia simpática‖. Duas coisas que parecem semelhantes afetam-se mutuamente por meio de sua semelhança por que cada uma tem simpatia pela outra. Desse raciocínio deriva-se a mágica Página 24 chamada mimética, imitativa e homeopática. O próprio curandeiro pode representar a doença e o restabelecimento de seu paciente, fingindo estar próximo da morte, contorcendo-se na agonia e depois se restabelecendo vagarosamente, incentivando pela magia mimética o restabelecimento do homem agonizante. Uma forma de magia simpática atua através da contigüidade, segundo a qual existe continuada ação recíproca entre coisas outrora juntas, mas agora separadas. Os malaios (povo que habita a península de Malaca) tentam criar desentendimentos conjugais amarrando a figura de um homem e a de sua esposa de costas um para o outro, de modo que cada um ―olhe para longe do outro‖. A intenção má é, portanto a causa fundamental para essas doenças, em todas essas teorias. O efeito é conseguido por meio da capacidade do feiticeiro para influenciar psicologicamente sua sugestionável vitima. Não é de admirar que em sociedades primitivas os indivíduos mais poderosos, mais empreendedores e muitas vezes mais bem dotados sejam médicos feiticeiros. O efeito da magia depende da sugestionabilidade da pessoa sobre a qual ela é feita.,do poder de sugestão do mágico que influencia e finalmente de uma ligação simpática entre objetos. A medicina primitiva consistia em processos psicológicos visando a influenciar todos os acontecimentos naturais entre os quais as doenças de corpo e mente. Essa medicina animística-mágica,reflete o ponto de vista do homem primitivo sobre o universo, baseado em suas descobertas de leis psicológicas que governam seu próprio comportamento. O homem mais antigo experimentou subjetivamente em seu próprio comportamento certas seqüências de acontecimentos que lhe parecerem naturais, evidentes por si próprias, axiomáticas. Parecia natural sentir-se enraivecido quando era atacado ou amedrontado quando tinha impulso de atacar alguém que o derrotara anteriormente. Essas seqüências de acontecimentos podem ser chamadas de ― silogismos emocionais‖, que não exigem explicações ou provas. São sentidas como seqüências naturais e inevitáveis, seguem a lógica das emoções. O homem primitivo teve esse tipo de conhecimento antes de compreender a ordem das coisas do mundo que o cercava. Não podia saber que bactérias causavam infecções em ferimentos, mas sabia como usar seu próprio corpo e aplicava esse conhecimento interior e subjetivo aos conhecimentos exteriores. O vento era destruidor; daí presumia Página 25 a existência de um ser encolerizado que soprava para atacá-lo. A chuva era mandada por espíritos para recompensá-lo ou castigá-lo. A doença era uma aflição mandada por seres sobre-humanos invisíveis ou era resultado das manipulações mágicas de seus inimigos. Ele animava o mundo que o cercava atribuindo a acontecimentos naturais as motivações humanas que tão bem conhecia por suas próprias experiências subjetivas, Assim, parecia-lhe lógico tentar influenciar os acontecimentos naturais pelos mesmos métodos que usava para influenciar seres humanos: encantamento, oração,ameaça, submissão,suborno, punição e expiação. (ALEXANDER;SELESNICK, 1968) A etimologia da palavra Magia provém da Língua persa, magus ou magi, significando tanto imagem quanto um ―homem sábio. Um de seus significados é gupta-vidya (conhecimento divino), que é o objetivo daqueles que trilham a senda da sabedoria.É uma tentativa de controlar os poderes e as forças que operam na natureza, costuma-se encontrar a magia em contextos A Magia.FONTE:www.paulelisa.de/Cabral/magia/ciruelo religiosos, e é difícil traçar uma linha divisória nítida entre a magia e a religião. A distinção que mais sobressai é que pelo fato de na religião, o individuo se sentir totalmente dependente do poder divino. Ele pode fazer sacrifícios deuses ou se voltar para ele em oração; porém em ultima analise deve aceitar a vontade divina. Já quando o ser humano se volta para os tiros mágicos, ele está tentando coagir as forças e potencias a obedecer a suas ordens. Desde que os rituais mágicos sejam realizados corretamente, o mago acredita que os resultados desejados decerto ocorrerão, por uma questão de lógica. Se ele falhar irá culpar um erro em seu ritual. (GAARDER, 2000.) A magia já foi interpretada por alguns teóricos como origem da Ciência, ou um estágio inicial desta. O que faz de um mago parecer com um cientista, é tentar descobrir um elo entre causa e efeito. De qualquer modo ele é obrigado a fazer observações da natureza e adotar processos empíricos de raciocínio. Assim, sem sombra de dúvida os magos fizeram numerosas observações detalhadas sobre as relações naturais, e muitas das plantas e ervas dos curandeiros podem ser utilizadas pela ciência. Todas as abordagens médicas utilizadas pelo homem, seja onde for, são inspiradas em tradições, se baseiam em diferentes métodos, nascidos em séculos diferentes. Página 26 Admitindo, geralmente, que a Medicina a principio mágica, e depois religiosa, se teria tornado pouco a pouco cientifica, vale dizer, resultante de ilustrações. A Medicina encontrada na Bíblia ―Quem vê pelos olhos da alma vê mais longe e melhor.” (Belmiro Braga) A Bíblia foi escrita num período de 1400 anos, começou a ser elaborada por volta de 1300 a.C, e foi finalizada cem anos após o nascimento de Cristo. Antes de ser escrita foi narrado, contado e organizado seu conteúdo pelo povo, sendo assim, possui para historiografia hoje, muitas dúvidas em relação a sua veracidade. Entretanto ainda é um documento de suma importância para relatar a vida daqueles que permeiam a historia do nosso universo mental. Muito antes que a maravilhosa civilização grega de Hipócrates, o médico grego que nasceu na ilha de Cós em 460 a.C, e morreu na Tessália, em 377 a.C (o pai da Medicina), existisse, povos de várias culturas e civilizações ligadas umas às outras, há 4 mil anos a.C, deram sua contribuição ao que entendemos por inicio da História, e que até hoje ainda é a base de nossa estrutura. A ponte que ligou o homem primitivo ao homem da cultura greco-romana são os povos que surgiram nesse tempo, como os hebreus, que chefiados por Abraão, estabeleceram-se no deserto da Arábia. O ancestral dos hebreus é Éber, descendente de Sem, seus descendentes são todos os hebreus. Entre Éber e Abraão tem cinco gerações. Ao perder seu irmão Harã e seu filho Arã, Abraão entrou em uma profunda depressão, o que lhe fez refletir muito causando em seu cérebro uma estranha força, denominada de fé em Deus. Pode-se dizer que ação da fé em Abraão provocou uma vitalidade num homem que já estava com 75 anos de idade, e que ainda peregrinou, segundo o Antigo Testamento por várias regiões em busca da terra que lhe fora assegurada e que melhoraria a vida de sua família. Entretanto, na Bíblia, o primeiro tratamento na época para depressão foi a força da fé, que segundo Eskin (2003), o cérebro sofre uma alteração ao entrar em Página 27 estado de oração, como se ficasse mais harmonioso eletrencefalograficamente em comparação a um cérebro normal. Na época dos patriarcas a Medicina tinha um conhecimento ainda muito imperfeito. Sendo difícil identificar os tratamentos para as doenças, devido também as expressões difíceis da própria época. Entretanto há relatos de utilização da mandrágora, planta de raízes carnosas, psicotrópica, da qual era possível extrair um suco capaz de incitar o prazer sexual. Assim, o grande número de filhos de Jacó, fora devido a ajuda de Deus e de psicotrópicos como a mandrágora. Durante o tempo em que o povo judeu permaneceu na Babilônia como cativos, entraram em contato com a medicina mesopotâmia, o qual recebia um valor essencialmente de ordem mágico e de prática sacerdotal. A magia era uma medida terapêutica e de grande responsabilidade de quem as praticava. Valorizavam muito a relação da água, da terra e do céu. O senhor te ferirá com as úlceras do Egito, com tumores, com sarnas e prurido, de que não possas curar-te. (DEUTERONÔMIO 28:27). No Antigo Testamento é relatado o conhecimento de tumores e úlceras, como pode ser visto nos dizeres acima. E sobre a suas curas Isaías acrescenta: Tomai uma pasta de figos. Tomaram-na e a puseram sobre o tumor, e o rei ficou curado (2 REIS 20:7). Como a doença era interpretada como castigo divino, os já conhecidos enfermos na Bíblia, como leprosos, paralíticos, mancos e loucos, estava cumprindo seu castigo pelos erros cometidos. O livro de Jô reflete bem o medo da doença como temor a Deus, e, portanto um meio de educar o homem pelo temor. Mas também, assumindo o exercício da fé, disponível por meio do cérebro. E assim não precisamos de muita leitura para reconhecer já no Novo Testamento o medico Jesus de Nazaré, que dizia curar os enfermos com o próprio poder deles, quem tivesse fé, seria curado. Lucas, embora não tivesse tido contato com o mestre Jesus, foi o companheiro de Paulo em suas viagens diárias. Relatou com maior precisão as doenças e a própria Medicina, afinal era médico, estudou em escolas gregas, mas nasceu na Síria. Escreveu o Terceiro Evangelho e Atos dos Apóstolos. Página 28 A loucura relacionada à privação das faculdades mentais normais tinha na Bíblia também suas definições. Jesus na cruz disse: pai, perdoa-os pois não sabem o que fazem (LUCAS23:34). Seria o perdão aos seres humanos que cometem atos insanos por terem a mente desequilibrada. A ignorância do bem, sobretudo a falta de conhecimento das coisas divinas, da vida religiosa e moral, poderia no Antigo Testamento ser entendido como loucura. Existia a loucura temporária produzida pelo álcool segundo Jeremias, e ao profetizar contra todas as nações inimigas de Israel: Por que assim me disse o senhor de Israel: toma da minha mão este copo de vinho do furor, e darás a beber dele a todas as nações, as quais eu te enviarei. Para que bebam e tremam, e enlouqueçam, por causa da espada, que eu enviarei entre eles. (JEREMIAS 25:16). Por vezes estados de ira ou mesmo de orgulho poderiam ser considerados manifestações de loucura. (ESKIN,003) São Cosme e Damião. Fonte: portabaw.com.br/religião/Cosme-da. De Médico e Santo, ambos têm um pouco de Ser Humano Para se entender a complexa relação do médico com a sua profissão há de se avaliar os domínios da medicina nos cuidados éticos com o ser humano. Tratar de um paciente é mais que identificar os desarranjos físicos. É antes de tudo um comprometimento assumido com o ser humano, com o seu bem estar mental, com o auxílio acima de tudo. Os princípios médicos são tão profundos que podem ser confundidos, se cumpridos à risca, como um sacerdócio. Difícil é estabelecer os limites nessa profissão, pois ao analisarmos a história da Medicina, com o avanço cada vez maior da tecnologia, o médico foi se distanciando do paciente e deixando que a técnica por si só tratasse da Página 29 pessoa. Por isso importante é conhecermos bem o tempo e seu contexto para construirmos uma identidade do médico livre dos defeitos da vaidade, da ambição e do lucro. Lucas, o médico evangelista, amigo inseparável de Paulo, teve uma história de vida ligada ao mundo escravocrata da Roma antiga. Estudou na escola de Medicina da Alexandria, porém sabia onde estavam os necessitados. Foi filho de escravos gregos, mas conseguira obter uma profissão devido ao apoio do senador Diodoro, para quem seus pais trabalhavam. O conflito de Lucas foi o momento social em que viveu, o qual não entendia o absurdo dos que menos tinham condições materiais, eram os mais providos de doenças e males físicos. O questionamento de Lucas era como justificar os contrastes da Elite politeísta romana à miséria da maioria escrava, submetida a sofrimentos tão grandes. Lucas era cético, todavia seus questionamentos ultrapassavam questões científicas, eram questões verdadeiramente humanas de sentido. Resolveu ser evangelista pela profunda admiração que nutriu ao se informar do judeu que se sacrificou pelo povo oprimido que vivia sob o julgo romano. Foi o evangelista que escreveu com maior perfeição o Evangelho, devido a sua formação cultural, e aquele que pesquisou afinco a vida de Cristo. Depois vieram Cesário, Cosme e Damião, Panteileimon, Egidio de Santarém, Pedro Hispano, Filipe Benicio,Antonio Della Torre, Antonio Maria Zacaria, Francisco - O Japonês, Joaquim -O Japonês, Nicolau Stense, Jacques Desire Laval, Ricardo Pampuri, Joana Beretta Molla, Hildegarde de Bingen e outros que talvez a Igreja nem tenha tomado conhecimento (GIANNINI,2004). Ainda, a Medicina e a sociedade contam com aqueles que não produziram milagres, são tão humanos quanto os acima citados, porém não pregam nenhuma religião, apenas entendem sua profissão como um domínio de grande comprometimento humano. Como os médicos sem fronteiras, os médicos penitenciários, os médicos que se deslocam e mudam sua vida em favor daqueles países com povos menos favorecidos, como África, Indonésia e outros. O médico Albert Schweitzer (1875-1965), é um exemplo de que não há necessidade do chamado divino para perceber que a profissão de médico deve ―ser sensível a alma Página 30 humana‖, nesse trecho que responde a um amigo íntimo sobre seu comportamento médico, temos uma clara impressão de sua racionalidade diante da profissão. ―[...] Num determinado dia tomei a decisão de ser médico e de ir para África. Essa decisão não foi conseqüência de um suposto chamado divino, mesmo por que confesso nunca tive a ventura de ouvir a voz de Deus orientando-me para esse mister. Sem nenhuma dúvida houve uma tomada de atitude absolutamente racional, resultado consistente de meus padrões morais e de minha visão de vida. Alguns teólogos ainda disseram que mesmo assim eu tive a palavra de Deus orientando-me para esse caminho. Eu nunca os contestei, mas lhes disse que provavelmente meus ouvidos eram menos sensíveis que os deles.‖[...] GIANNINI, 2004, pág 123 APUD SCHWEITZER. Como em todas as profissões, o médico hoje precisa parar e refletir sobre seu cargo no contexto civilizatório atual. E esse texto não é um chamado divino para cada um refletir sobre sua vocação, nada disso. Mas sim para pensar que os santos médicos foram pessoas como nós, como os médicos santos mais humanos ainda, e a partir disso entender que não é preciso ser convocado, ter um sonho revelador, mas sim acreditar mais na alma do mundo, e entender que nós não precisamos de heróis, precisamos de seres mais humanos, para assim a prática médica jamais se tornar um ato medíocre. A Importância de Hammurabi Na primeira metade do segundo milênio da era pré-cristã, um grupo nômade MAR. TU-amorita – fixou-se em uma localidade denominada Babila, ás margens do Eufrates. O nome Babila deve ter sido imediatamente interpretado pelos novos habitantes como Babi-ilim= ―Portal de Deus‖, e que foi traduzido em nossas línguas modernas como Babel, que acabou por se tornar a capital do Império Babilônico. Provavelmente emigraram das montanhas da Pérsia. Estela de diorito, Museu de Louvre, França.Fonte: employes.oneonta.edu/politics/hammurabi. Página 31 Hammurabi foi o sexto rei da primeira dinastia babilônica. Conseguiu durante seu reinado conquistar a Suméria e Acádia, tornando-se o primeiro rei do Império Babilônico. Hammurabi reinou de 1728 a.C até sua morte em 1686 a.C, tendo ampliado a hegemonia da Babilônia por quase toda Mesopotâmia, iniciando pela dominação do sul. Foi o primeiro grande organizador que consolidou o seu Império sobre normas regulares de administração. Em sua política externa Hammurabi preocupou-se sempre reconstruir as cidades vencidas, e em reedificar e ornamentar os templos dos deuses locais, com isso captava a confiança dos povos vencidos. E uma das suas principais preocupações foi com a ordem, e a implantação do Direito no país. Sem dúvida seu sentido de justiça foi sua marca maior no Oriente Antigo. E como todos pensam o código de Hammurabi não é o corpo legal mais antigo do Oriente Antigo. Muitos anos antes, Urukagina de Lagãs, no terceiro milênio da era précristã, é apresentado pelos textos da época como legislador e reformador. Essas inscrições, entretanto, não transmitem leis ou normas legais, mas apresentam as medidas sociais adotadas para coibir abusos e corrigir as injustiças vigentes. O código de Hammurabi foi descrito numa estela de diorito em três alfabetos distintos. A estela do código de Hammurabi foi encontrada em Susa em 1901. Nela além dos 282 códigos de lei, pode se ver a imagem do rei Hammurabi, e provavelmente o deus Shamash. Uma das finalidades da estela de Hammurabi era sem dúvida enaltecer a figura do rei. É um exemplo de sentenças justas. Ela dá aos que procuram o seu direito, confiança na justiça do rei e, para os sucessores de Hammurabi no trono de Babel, o exemplo de Hammurabi cria uma obrigação moral de imitá-lo em sua justiça e seu interesse pelo bem comum. O seu valor moral é inestimável. É interessante ressaltar que o Código de Hammurabi apresenta uma certa preocupação moral com o uso de bebidas alcóolicas. Este é o único, entre os 282 artigos deste Código promulgado entre os anos de 1.825 e 1787 a.C., que versa sobre bebidas alcóolicas como uma causa de punição severa (morte com fogo) para mulheres da classe superior do clero babilônico. Ressalto que não era aplicado a homens de quaisquer classes ou às mulheres de classes inferiores. Página 32 § 110 – Se uma (sacerdotisa) nadïtum ou ugbabtum, que more em um convento, abriu uma taberna ou entrou na taberna para (beber) cerveja, queimarão essa mulher. O Código de Hammurabi, sendo um código prático, dispunha sobre lei e ordem; de maneira geral, ignorava os sacerdotes e tratava principalmente do trabalho dos médicos leigos. Alguns parágrafos foram mencionados no Código sobre situações médicas: Parágrafo 215 - Se um médico tratar a ferida de um individuo com a lanceta de bronze e curá-lo, ou se fizer com essa uma incisão em seu olho a salvá-lo, deverá receber dois siclos; Parágrafo 216 – Se o individuo curado for um liberto o médico receberá cinco siclos Parágrafo 217 – Se for um escravo seu proprietário deverá dar dois siclos ao médico; Parágrafo 218 – Se um médico tratar a ferida de um indivíduo com a lanceta de bronze e o matar, ou fizer uma incisão em seu olho e o olho se perder, deverão ser-lhes cortadas as mãos; Parágrafo 219 - Se um médico tratar a ferida grave do escravo de um liberto com a lanceta de bronze e o matar, deverá dar em troca escravo por escravo; Parágrafo 220 – Se um médico fizer uma incisão com a lanceta de bronze no olho de um escravo, e o olho se perder, deverá pagar a metade de seu preço ao proprietário; Parágrafo 221- Se o médico restabelecer o osso quebrado de um individuo, ou suas partes moles doentes, o doente deverá dar cinco siclos ao médico; Primórdios da Medicina- Mesopotâmia Um dos oito portões monumentais da Babilônia de Nabucodonosor II. Fonte: A medicina e sua história, 1989. p 10. Página 33 Onde atualmente se encontra o Iraque, há alguns milênios atrás foi o local de nascimento de nossa civilização, e junto a ela, os primeiros indícios civilizatório de conhecimento de Medicina. Uma das mais antigas civilizações, a Babilônia, foi contemporânea do Egito prédinástico, mais ou menos do quarto milênio, antes que fossem construídas as pirâmides, e organizadas a religião, a ciência e Arte. Isso aconteceu pelo menos três mil anos antes do florescimento da cultura hebraica. Estamos falando de por volta de 2500- 1400 a.c, nessa civilização a religião e magia estiveram sempre presentes no cotidiano e nas instituições moldando às atitudes em relação à doença e à saúde. A Mesopotâmia, embora com toda sua criatividade e prosperidade da terra e do seu povo, era, entretanto, constantemente ameaçada por pragas e doenças trazidas pelos homens e animais, que faziam de rota das caravanas. Além disso, as tempestades de poeira, o calor forte durante o dia e o frio à noite criavam grandes problemas nasais e peitorais, como também a malária, disenteria e moléstias trazidas pelos canais de irrigação poluídos e as moscas. A idéia do pecado era crucial para se entender a relação de doença para os mesopotâmicos, haja vista que a enfermidade era o castigo para qualquer pecado cometido, ordenado pelos deuses e distribuído pelos demônios, que ocupavam o corpo do pecador e lhe fazia estragos. A deusa Ishtar (deusa da feitiçaria) seria responsável por esses demônios, e quem estivesse a seu serviço, seriam os demônios das doenças. A legislação mesopotâmia para imperícia médica era severa e cumprida. Caso uma operação ocular causasse a perda de um olho, as mãos do médico seriam cortadas. Como também se ocorresse a morte de um paciente nobre, o médico também perderia a vida. O médico na Mesopotâmia encarnava a autoridade e o conhecimento do saber médicoempírico. Seus honorários eram regidos por lei, como também eram as penalidades caso algum tratamento causasse morte ou danos ao paciente. Página 34 A prévia psiquiátrica na Mesopotâmia Os médicos sacerdotes tratavam das doenças internas e especialmente das doenças mentais, que eram atribuídas à possessão demoníaca e curadas por métodos mágicos e religiosos; os médicos leigos tratavam de anormalidades patológicas externas, geralmente causadas por ferimentos, e empregavam meios de tratamento mais naturais. Os processos mágicos eram auxiliados por práticas astrológicas e oraculares. Os babilônios acreditavam que os astros eram divinos e possuíam inteligência superior, e que na natureza tudo tinha um plano e uma inteligência. Sustentava-se que o ciclo menstrual e a exacerbação e remitência de certas doenças tinham estreita relação com a atividade cíclica de corpos celestes. Os órgãos de animais sacrificados eram usados como augúrios. O fígado era especialmente apropriado para a profecia. Seu tamanho, formato e cor, tinham valor prognóstico para o paciente enfermo em benefício do qual o animal era sacrificado. Os médicos sacerdotais, que guardavam ciosamente o conhecimento secreto de seu método de adivinhação, eram chamados hepatoscopistas. Empregavam-se drogas, mas acreditava-se que o tratamento mais eficaz era o encantamento. A grande farmacopéia babilônica foi preservada nas tábuas cuneiformes; os encantamentos não foram codificados, da mesma forma como as preces silenciosas dos pacientes não fazem parte dos manuais médicos modernos, embora o paciente possa achar que são tão importantes quanto o remédio. De fato, o encantamento era um poderoso instrumento psicológico; como diz o eminente historiador médico Sigerist (1933): ―Um sistema de medicina que ra dominado pela magia e religião, e cujo propósito era reabilitar o individuo e reconciliá-lo com o mundo transcendental, evidentemente incluía psicoterapia. A pesquisa da alma do paciente que estava convencido de sofrer por que havia pecado tinha efeito libertador; e os ritos executados e as palavras proferidas pelo sacerdote encantador tinha profundo poder sugestivo. Desse ponto de vista, Singerist conclui que ― a medicina mesopotâmia era psicossomática em todos os seus aspectos‖. Página 35 O mundo espiritual dos babilônios era povoado por muitos demônios, que combatiam número maior ainda de espíritos benignos ou deuses. A deusa Ninkharsag, com o auxilio de outros oito deuses e deusas, especializava-se em diferentes síndromes de doença. Todos os médicos tinham seus próprios deuses pessoais; a principal divindade dos médicos era o deus curador, Ninurta, que com sua esposa, Gula era o padroeiro da arte de curar. Seu símbolo era a serpente. O sacerdote primeiro diagnosticava a doença e depois apelava ao deus particular que se especializava naquela doença, ao mesmo tempo em que invocava a divindade responsável pela cidade onde o paciente morava. Os deuses tinham sete inimigos, os demônios maus, que chefiavam um exército de demônios menores dedicados a Ishtar, a deusa da feitiçaria e das trevas. Cada doença tinha seu demônio especifico. A insanidade mental era causada pelo demônio Idta. Os demônios eram servidos por feiticeiros, que empregavam mal olhado, preparações especiais e certas cerimônias. Embora a população da Mesopotâmia praticasse principalmente medicina mágica e religiosa, ainda assim a medicina deve muito a ela, pois os mesopotâmios descreveram muitas doenças correta e pormenorizadamente em suas tábuas cuneiformes. Não apenas descobriram muitos princípios médicos, mas foram os primeiros a estudar o histórico da vida do paciente. Além disso, entre os babilônios, a higiene e a medicina social, e acima de tudo a ética médica atingiram grandes alturas. Em psiquiatria como em todos os campos da medicina, a codificação das responsabilidades do médico em relação aos seus pacientes é indispensável. Se a medicina babilônica nenhuma outra coisa nos tivesse dado, esse já seria um progresso significativo. Página 36 O conhecimento do Egito É muito sutil a diferença dessas civilizações, embora se possa compreender que no Egito o governante era o próprio deus; já na Mesopotâmia havia um representante da divindade, o que deu possibilidade a um maior grau de discernimento em relação ao mundo. Haja vista que essas civilizações tiveram seu desenvolvimento quase que concomitantemente, o que podemos estabelecer diferenças e não aspectos de maior ou menor desenvolvimento. Assim como na civilização mesopotâmica, o médico Máscara em ouro maciço, Tutancamon.1360 a.C.Fonte: A medicina e sua história,1989. pág 18. egípcio era homem de grande erudição. Possuía o que se chamava de julgamento empírico, recebia uma formação manual e treinamento de outros médicos mais experientes. O conhecimento médico egípcio estava inscrito nos vários papiros preservados de dinastia a dinastia. Os babilônios desenvolveram profunda disciplina matemática, os egípcios coligiam numerosos pormenores, mas muitas vezes deixavam de distinguir entre fato e imaginação. As tábuas cuneiformes de argila dos babilônios eram mais curtas, mais concisas que os rolos dos papiros egípcios, longos, vagos e ás vezes incompreensíveis. Tem dito que se os egípcios usassem uma cesta de papiro usado com mais freqüência, suas contribuições médicas de valor não teriam ficado tão encerrada na massa de outros pormenores inúteis. Das duas principais influencias exercida sobre o povo do Nilo, uma veio do Oriente e outra da África. Onde a influencia oriental foi maior, predominaram o misticismo e a medicina sacerdotal; onde o contato com a natureza prevaleceu, como na civilização africana, o empirismo foi dominante. Os dois mais importantes papiros médicos egípcios que existem hoje são os chamados papiros de Ebers e papiro de Edward Smith, ambos datados de aproximadamente a mesma época, cerca de 1550 anos a.C. O papiro de Ebers trata exclusivamente da Página 37 medicina interna e farmacologia, ao passo que o papiro de Smith descreve ferimentos e tratamentos cirúrgicos. A cirurgia eficaz é uma questão de processo racional, não sendo, portanto de surpreender que o papiro de Smith contenha pouca coisa em matéria de encantamento religioso ou ritual mágico. Já o papiro de Ebers é abundante em encantamentos e explicações ocultas de doenças cuja verdadeira etiologia era desconhecida. O papiro de Smith é importante também por que nele o cérebro é descrito pela primeira vez na história, e por que mostra claramente que ele era reconhecido como a sede de funções mentais. Os médicos egípcios conheciam poucas coisas sobre nervos, músculos e vasos sanguíneos. Acreditavam que as partes anatômicas eram governadas por espíritos específicos e que o corpo era um microcosmo que, como o mundo exterior, se compunha de quatro elementos. Os ossos e a carne do corpo correspondiam à terra. O liquido do corpo correspondia à água e, assim como o Nilo subia e baixava alternadamente, o liquido do corpo subia e baixava em seus vasos pulsantes. O coração que aquecia o corpo era o equivalente do sol e do fogo, e o sopro era o equivalente do vento. Para a medicina egípcia a função vital estava na respiração e na circulação do sangue. O corpo humano seria formado por um sistema de dutos para o transporte de ar, do sangue, dos alimentos e esperma, as doenças eram, portanto, uma obstrução ou inundação na circulação normal. Um aspecto curioso na medicina egípcia era a crença na relação entre região anal e o sistema cardiovascular. Um amplo número de prescrições dizia que enemas de retenção eram importantes por que refrescavam o anus e o coração. Os médicos egípcios eram sujeitos a leis sobre imperícia ou negligencia no exercício da profissão, semelhantes às que vigoram no mundo moderno. As práticas tradicionais eram reconhecidas e se o paciente morria por ter sido inconvenientemente tratado, o médico era considerado culpado e responsabilizado. Indiscutivelmente a medicina egípcia influenciou Moisés tanto quanto Hipócrates. Os médicos egípcios eram tão sagazes em suas observações quanto mágicos em suas explicações e esotéricos em seus ensinamentos. Página 38 Princípios de Psiquiatria no Egito Imhotep (2850 a.C), o curador egípcio que se tem conhecimento. Seu templo em Mênfis tornou-se uma escola de Medicina e hospital onde se praticava o sono de incubação – forma de psicoterapia mais desenvolvida pelos sacerdotes esculápios. Muito tempo antes dos gregos os egípcios estabeleceram em seus templos o tipo de ambiente que em certos aspectos era mais moderno. Por exemplo, os pacientes eram encorajados a se ocuparem nas suas horas de folga com atividades recreativas como voltas no Nilo, musicoterapia, danças, pinturas, Arte etc. Essas atividades devem ter dado resultados terapêuticos, exatamente como acontece em ambientes de hospital moderno, onde é recomendada terapia ocupacional. Contudo, havia tão grande necessidade de explicações sobre naturais, que as curas, quando conseguidas, eram atribuídas ao santo padroeiro do Templo onde o paciente se encontrava. O corpo humano seria formado por um sistema de dutos para o transporte de ar, do sangue, dos alimentos e esperma. Os egípcios reconheceram a perturbação mental que mais tarde os gregos chamariam de histeria; acreditavam que os sintomas era devido a má posição do útero e por isso fumigavam a vagina, esperando atrair o útero errante para sua posição natural. A fumigação era também tratamento muito conhecido na Grécia, onde Hipócrates e Platão a recomendavam sem restrições. No Egito ainda que os demônios fossem causadores de doenças, eles eram dominados pelos deuses e os feitiços desfeitos por preces. Quer os médicos fossem sacerdotes, leigos, mágicos ou uma combinação deles, a medicina egípcia era predominantemente mágica e religiosa. Na estrutura da prática médica egípcia havia uma divisão entre as classes de médicos, o que distinguia dos mesopotâmicos, havia duas escolas, a empírica e a mágicoritualística. A primeira era destinada aqueles que possuíam riqueza, entretanto era Página 39 cara, restrita a população rica. Já a segunda, era barata e popular. Na prática empírica o diagnóstico era avançado. (ALEXANDER;SELESNICK, 1966). A importante biblioteca de Alexandria A tecnologia e o conhecimento recuaram, ou retrocederam na catástrofe que foi a destruição da grande biblioteca em Alexandria em 391 d.C, por fanáticos religiosos, e que deixaram-nos regredir nosso conhecimento por vários séculos. Alexandria foi fundada em 332 a.C., por Representação da Biblioteca de Alexandria Alexandre Magno, para ser a melhor cidade portuária da Antiguidade. O porto foi construído com um imponente quebra-mar que chegava até a Ilha de Faros, onde foi erguido o famoso Farol de Alexandria, uma das sete maravilhas do mundo. A cidade começou a ganhar fama com a Biblioteca Alexandrina, seu nome original, erguida nos jardins do palácio real. A antiga biblioteca, que se acredita que reunia a maior coleção de livros do mundo antigo, foi fundada por Ptolomeu I Sóter, rei do Egito. Os eruditos encarregados da biblioteca eram considerados os homens mais capazes de Alexandria na época. Zenódoto de Éfeso foi o bibliotecário inicial e o poeta Calímaco fez o primeiro catálogo geral dos livros. Como o aumento do acervo virou uma verdadeira obsessão, filiais da biblioteca tiveram de ser criadas em outros pontos da cidade para abrigar o material, boa parte adquirida à força - consta que muitos originais emprestados para ser copiados acabaram não sendo devolvidos. O motivo de sua destruição ainda divide historiadores. A versão mais difundida diz que o responsável teria sido Júlio César. Ele a incendiou por engano quando repelia um ataque vindo do mar, durante a guerra contra Ptolomeu XIII, irmão e então inimigo de Cleópatra. O tesouro que sobrou foi reunido numa das filiais da biblioteca, Serápis, um templo pagão que acabou sendo destruído pelos cristãos em 391 d.C. Outra Página 40 possibilidade é de que a biblioteca tenha sido destruída pelo fogo em três ocasiões: em 272 d.C., por ordem do imperador romano Aureliano; em 391 d.C., quando o imperador Teodósio I arrasou-a, juntamente com outros edifícios pagãos, e em 640 d.C., pelos muçulmanos, sob a chefia do califa Omar I. Os Livros Proibidos Demétrios de Phalére, o primeiro bibliotecário chefe, desde o começo ele agrupou setecentos mil livros e continuou aumentando sempre esse número. Os livros eram comprados a expensas do rei. Demétrios foi o primeiro ateniense a descolorir os cabelos, alourando-os com água oxigenada. Depois foi banido de seu governo e partiu para Tebas. Lá escreveu um grande número de obras, uma com o título estranho: 'Sobre o feixe de luz no céu', que é provavelmente, a primeira obra sobre discos voadores. Demétrios tornou-se célebre no Egito como mecenas das ciências e das artes, em nome do rei Ptolomeu I. Ptolomeu II continuou a interessar-se pela biblioteca e pelas ciências, sobretudo a zoologia. Nomeou como bibliotecário a Zenodotus de Éfeso, nascido em 327 a.C., e do qual ignoram as circunstâncias e data da morte. Depois disso, uma sucessão de bibliotecários, através dos séculos, aumentou a biblioteca, acumulando pergaminhos, papiros, gravuras e mesmo livros impressos, se formos crer em certas tradições. A biblioteca continha, portanto, documentos inestimáveis. Sabe-se que um bibliotecário se opôs, violentamente, à primeira pilhagem da biblioteca por Júlio César, no ano 47 a.C., mas a história não tem o seu nome. O que é certo é já na época de Júlio César, a biblioteca de Alexandria tinha a reputação corrente de guardar livros secretos que davam poder praticamente ilimitado. Quando Júlio César chegou a Alexandria a biblioteca já tinha pelo menos setecentos mil manuscritos. Os documentos que sobreviveram dão-nos uma idéia precisa. Havia lá livros em grego. Evidentemente, tesouros: toda essa parte que nos falta da literatura grega clássica. Mas entre esses manuscritos não deveria aparentemente haver nada de perigoso. Ao contrário, o conjunto de obras de Bérose é que poderia inquietar. Sacerdote babilônico refugiado na Grécia, Bérose nos deixou de Página 41 um encontro o relato com os extraterrestres: os misteriosos Apkallus, seres semelhantes a peixes, vivendo em escafandros e que teriam trazido aos homens os primeiros conhecimentos científicos. Bérose viveu no tempo de Alexandre, o Grande, até a época de Ptolomeu I. Foi sacerdote de Bel-Marduk na babilônia. Era historiador, astrólogo e astrônomo. Inventou o relógio de sol semicircular. Fez uma teoria dos conflitos entre os raios do Sol e da Lua que antecipa os trabalhos mais modernos sobre interferência da luz. A História do Mundo de Bérose, que descrevia seus primeiros contatos com os extraterrestres, foi perdida. Restam alguns fragmentos, mas a totalidade desta obra estava em Alexandria. Nela estavam todos os ensinamentos dos extraterrestres. A ofensiva seguinte, a mais séria contra a livraria, foi feita pela Imperatriz Zenóbia. Ainda desta vez a destruição não foi total, mas livros importantes desapareceram. Conhecemos a razão da ofensiva que lançou depois dela o Imperador Diocleciano ( 284--305 d.C. ). Diocleciano quis destruir todas as obras que davam os segredos de fabricação do ouro e da prata. Isto é, todas as obras de alquimia. Pois ele pensava que se os egípcios pudessem fabricar à vontade o ouro e a prata, obteriam assim meios para levantar um exército e combater o império. Diocleciano mesmo filho de escravo, foi proclamado imperador em 17 de setembro de 284. Era ao que tudo indica, perseguidor nato e o último decreto que assinou antes de sua abdicação em maio de 305, ordenava a destruição do cristianismo. Diocleciano foi de encontro a uma poderosa revolta do Egito e começou em julho de 295 o cerco à Alexandria. Tomou a cidade e nessa ocasião houve um massacre. Entretanto, segundo a lenda, o cavalo de Diocleciano deu um passo em falso ao entrar na cidade conquistada, e Diocleciano interpretou tal acontecimento como mensagem dos deuses que lhe mandavam poupar a cidade. A tomada de Alexandria foi seguida de pilhagens sucessivas que visavam acabar com os manuscritos de alquimia. E todos os manuscritos encontrados foram destruídos. Eles continham as chaves essenciais da alquimia que nos faltam para a compreensão dessa ciência, principalmente agora que sabemos que as transmutações metálicas são possíveis. Seja como for, documentos indispensáveis davam a chave da alquimia e estão perdidos para sempre: mas a biblioteca continuou. Apesar de todas as destruições sistemáticas que sofreu, ela continuou, sua obra até Página 42 que os árabes a destruÍssem completamente. E se os árabes o fizeram, sabiam o que faziam. Já haviam destruído no próprio Islã - assim como na Pérsia - grande número de livros secretos de magia, de alquimia e de astrologia. A palavra de ordem dos conquistadores era "não há necessidade de outros livros, senão o Livro", isto é, o Alcorão. Assim, a destruição de 646 d.C. visava não propriamente os livros malditos, mas todos os livros. O historiador muçulmano Abd al-Latif (1160-1231) escreveu: "A biblioteca de Alexandria foi aniquilada pelas chamas por Amr ibn-el-As, agindo sob as ordens de Omar, o vencedor". Esse Omar se opunha, aliás, a que se escrevessem livros muçulmanos, seguindo sempre o princípio: "o livro de Deus é-nos suficiente". Era um muçulmano recém-convertido, fanático, odiava os livros e destruiu-os muitas vezes porque não falavam do profeta. É natural que terminasse a obra começada por Julio César, continuada por Diocleciano e outros. (BERGIER, 1971). A boa nova que nos chegou do Oriente Médio, região tão rara em produzir noticias felizes, é o da inauguração da Nova Biblioteca de Alexandria, acontecido em outubro de 2002, um colossal empreendimento que visa recuperar a imagem da cidade como um centro de sabedoria, posição que perdeu há bem mais de 1500 anos. Que os espíritos dos grandes do passado inspirem os que virão no futuro nesta grandiosa tarefa. Os Hebreus A medicina do povo de Israel foi grandemente influenciada pela de seus vizinhos babilônicos e egípcios. O ponto de vista fundamental que caracterizava a medicina primitiva hebraica e a distinguia da Moisés. Fonte: Enciclopédia Koogan-Houaiss digital.www.granavenida.com/moises. medicina antiga da Babilônia e do Egito residia na crença em que um único deus era a origem da saúde e da doença. ―Pois eu sou o senhor que te sara ( Êxodos 15,26) ―Eu mato e eu faço viver, eu firo e eu saro‖ ( Deuteronômio 32,39). A cura de doença era, portanto, Página 43 um atributo do Divino e o propósito da doença, inclusive a loucura, eram punir o homem por seus pecados. Os mais importantes médicos hebreus eram sacerdotes que tinham meios especiais de apelar ao grande Curador. Provavelmente o primeiro paciente hebreu que se sabe ter tentado separar os papeis de sacerdote e médico foi o rei Asa (950-875 a.C), que conforme está registrado em II Crônicas 16,12 ― na sua enfermidade não recorreu ao senhor, mas confiou nos médicos‖. Posteriormente quando médicos leigos se firmaram, sua prática foi limitada, do mesmo modo que a prática dos babilônios e egípcios, para que não tivessem jurisdição sobre as doenças ocultas – doenças internas, epilepsia e doenças mentais. As funções dos sacerdotes-médicos eram igualmente bem definidas: supervisionavam as leis dietárias e impunham as regras de higiene social. O conhecimento anatômico era mais adiantado entre os hebreus do que entre os babilônios e egípcios, pois a Bíblia aprovava a dissecação dos animas sacrificados. Quase todos os órgãos e estruturas são mencionados na Bíblia – um que nunca aparece é o cérebro humano – mas o órgão mais importante por ser considerado sede das emoções e do intelecto, era o coração. Talmude e os conhecimentos psicológicos Talmude é uma palavra hebraica que significa ―estudo‖. Ao contrário dos povos da Mesopotâmia e do Egito, os hebreus não tinham textos ou inscrições médicas sistemáticas, mas o Talmude está cheio de histórias que demonstram sabedoria psicológica. O Talmude é a codificação do que era leis orais passada pelo povo hebreu, através de uma coleção de tradições rabínicas que interpretam a lei de Moisés. Possui muitas passagens que consta conhecimento psicológico. O mecanismo psicológico de culpar o outro pelos Talmude próprios pecados, o qual chamamos de projeção, é descrito como anedota em Megile 25, cuja descreve um homem que fazia Página 44 campanha contra o vicio e acusava Jerusalém de cometer aqueles crimes que ele próprio era culpado. O rabino Hunnah, dizia que homens bons tinham sonhos maus. O qual ele admitia que nossos sonhos revelam sentimentos que nossa conduta moral consciente proibi. Quanto a psicoterapia o rabino Ami recomendava diversão como tratamento para perturbação mental. Outro rabino, Asi defendia que o paciente falasse livremente de suas perturbações. Demônios malignos eram considerados como causa da insanidade mental, asma e outros estados obscuros relatados na Bíblia; no Talmud, porém, poderes sobrenaturais são de menor grau e a influencia do Talmud tornou a medicina hebraica menos mágica que a medicina da Babilônia e Egito Antigos. No Deuteronômio está escrito: ―O senhor te ferirá com a loucura‖, o que indica que, embora demônios fossem os acusados os agentes provocadores da insanidade mental, a suprema força era atribuída ao Divino. A doença mental de Saul, que é cuidadosamente descrita no primeiro livro de Samuel, era considerada como causada por um mal espírito mandado pelo senhor. Vencido pela depressão, Saul tentou persuadir seu Nabucodonosor, 605-562 a.C servo a matá-lo; quando o homem recusou, Saul cometeu suicídio (I Samuel 31,4). Há também várias descrições bíblicas de excitação catatônica e ataques epiléticos. Existe mesmo na Bíblia uma descrição da estranha psicose da licantropia (o delírio em que a pessoa acredita ser um lobo) de que sofreu um dos mais famosos homens da antiguidade, Nabucodonosor ( 605-562 a.C) o rei que reconstruiu a Babilônia. O interesse hebraico pelos doentes exerceu sempre importante influencia sobre os aspectos humanitários da medicina e psiquiatria, e já no ano 480 d.C, havia em Jerusalém um hospital destinado exclusivamente aos doentes mentais. (ALEXANDER; SELESNICK,1968). Página 45 A contribuição dos Persas O primeiro grande período da medicina persa iniciou-se mais ou menos em meados do primeiro milênio A.C, e floresceu sob o regime de Dario, O Grande, quando a influencia persa era generalizada em todo Oriente Médio. A fonte principal de nossas informações sobre a filosofia Zendavesta, do persa qual um antiga é o volume, o Persas. Fonte: nomismatike.hpg.ig/grécia/persa Venidad, tem vários capítulos dedicados à medicina. O Venidad diz que existem 99.999 doenças que afligem a humanidade, todas elas causadas por demônios. De fato, ―Venidad‖ significa literariamente ―a lei contra demônios‖. Os persas de meados do segundo milênio abraçaram uma religião dualística. Ahura Mazda que criou o mundo, era o deus de bondade e luz; era cercado por seus seis anjos que representavam tudo quanto é dadivoso. Em oposição à Mazda havia Angra Mayniu, que era o espírito do mau e das trevas. Como Mazda não tinha poder infinito estava em constante luta com Mayniu e os gênios maus que eram seus ajudantes. Mazda delegou o reino da medicina a um poderoso anjo chamado Thrita, que se tornou o médico mitológico persa, mais ou menos como Imhotep e Esculápio, eram os santos padroeiros no Egito e na Grécia, respectivamente. Exorcismo perpétuo era o caminho da vida boa e o meio de derrotar a má influencia de Mayniu. Em conseqüência os persas antigos eram sujeitos a tremendas exigências para que fossem virtuosos, corajosos, humildes e caridosos. Felizmente para ajudar o homem na sua luta contra o mal, surgiu o profeta Zoroastro (Zaratustra) mais ou menos no sexto século antes de Cristo. Auxiliando Zoroastro em sua catequização da estrada certa havia os sacerdotes conhecidos como Mah (pronuncia-se MAg), o que significa os ―maiores‖. Deve-se lembrar de que o Novo Testamento, fala nos três sábios magos, que vieram do Oriente para adorar Cristo infante. Nos anos subseqüentes, porém, os grandes magos perderam a alta estima em Página 46 que eram tidos e tornaram-se conhecidos como charlatães e embusteiros, daí a significação da palavra ― magia‖. Tal como Yang e Yin dos chineses antigos, no conceito dualístico dos persas o bem e o mal estavam em constante luta; mesmo dentro do corpo humano travava-se a batalha. As forças do corpo procuravam prazeres e, portanto o mal, encontrando oposição da alma, que se inclinava para a bondade e a pureza. Embora o Venidad mencione três tipos de médico – cirurgiões, médicos de ervas e mágicos – a ênfase era quanto aos processos mágicos e religiosos, depositando-se mais confiança nos curadores espirituais. ―Quando os médicos competem‖, disse Mazda, ―o doutor da faca, o doutor da erva e o doutor da palavra (talvez equivalentes aos nossos modernos cirurgiões, especialistas em doenças internas e psiquiatria), então, o crente deve ir aquele que cura pela palavra sagrada, pois ele é o curador dos curadores e beneficia também a alma‖. (ALEXANDER; SELESNICK, 1968). Profilaxia, higiene da mente e do corpo, boas ações e bons pensamentos eram considerados os meios de obter e manter a boa saúde. Conceitos éticos não podem, porém, vencer epidemias, e neste sentido a medicina persa não era muito adiantada. Dava ênfase às teorias demonísticas, como a medicina babilônica; incluía também a espécie de tendência religiosa que estava presente na medicina egípcia, mas faltavalhe a maneira mais racional e empírica de encarar a prática médica naquelas outras duas culturas. O extremo Oriente e sua incrível contribuição à Psiquiatria A medicina hindu antiga como é descrita nos livros sagrados dos Vedas, uma coleção de hinos e orações, compreende o período médico védico (até 800 a. C). Viver nos vales do rio Ganges, onde se instalaram as tribos arianas, era realmente árduo. Pequenos sátrapas governavam pequenos principados divididos. A população castigada pela pobreza encontrava consolo em crenças místicas, especialmente na transmigração da alma, que prometia sorte muito melhor na próxima vida. A Shri Ganesh. Fonte: www/wikipedia/hinduism. Página 47 possibilidade de redenção através da renuncia aos prazeres mundanos era muito mais desenvolvida na Índia antiga, que nas outras terras antigas. A feitiçaria e a demonologia floresciam, e ermitões e reformadores acéticos percorriam o país oferecendo salvação. A medicina hindu antiga era semelhante à persa e à chinesa no fato de ter como base a luta das forças do mal (Siva) com as forças da restauração (Vishnu). Como se acreditava que demônios coléricos habitavam o corpo, práticas e orações animísticas e exorcísticas eram oferecidas pelos sacerdotes védicos aos deuses, especialmente ao maior dele, o Brama. Os brâmanes, sucessores dos sacerdotes védicos, possuíam ―Brama‖ (poder) sobre o mundo espiritual, e as práticas médicas era seu domínio exclusivo. No período Brâmane (800 a.C -1000 d. C), textos médicos eram preocupação de escritos sem separar a práticas médicas de ritos de encantamento. No entanto, os trabalhos de Charaka (segundo século D.C) e Susruta (quinto D.C) sugeriam que poderosas emoções podiam estar relacionadas com comportamento peculiar. Teorias místicas sobre possessão demoníaca descreviam a localização dos agentes maus ofensivos. Localizadas também dentro do corpo havia certas características de personalidade; por exemplo, a ignorância localizava-se no abdômen, a paixão no peito e a bondade no cérebro. A fisiologia brâmane considerava que o ar, a bílis e a fleuma, são vitais a todos os processos da vida e que essas substancias eram necessárias nas proporções adequadas para assegurar a saúde. Este harmonioso equilíbrio é semelhante à teoria humoral dos hipocráticos gregos. Todavia não se sabe quanta comunicação houve entre a medicina grega e a hindu. Não foi, porém, a medicina hindu, mas a budista, que mais interessou o mundo ocidental. O fator central da influencia indiana sobre a psiquiatria é a ênfase budista em afastar-se de interesses do mundo exterior para o mundo interior. A meditação budista tem Página 48 definido sabor psicoterapêutico; com efeito, tem sido divulgada não apenas como forma de psicoterapia para os doentes mentais, mas também como ajuda no trato na vida cotidiana. A filosofia de Gautama Buda (568-488 a.C), um príncipe hindu, resultou de seu choque diante da descoberta dos efeitos da idade, doença e morte. Sua extraordinária empatia por todas as coisas vivas conquistou-lhe o nome de Buda, que significa o Iluminado. Desenvolveu uma técnica psicológica de meditação com o propósito de atingir oportunamente o supremo estágio de nirvana – um estado tranqüilo, desprovido de todo esforço e paixão. Isso devia ser atingido por uma sucessão de quatro estágios de meditação, que levam a uma anulação do nascimento, que é o começo e a causa dos males do homem. O objeto portanto, é a regressão psicológica ao estado pré-natal de aquecimento, de ser puro, no qual desaparece a diferença entre sujeito e objeto. No primeiro estágio de ihana o mundo é renunciado como símbolo do mal; o desprezo pelo mundo resulta na renuncia a todos os desejos mundanos e o monge mediativo é perseguido pela tristeza. Isto é análogo a um estado de melancolia provocado experimentalmente. Esses sentimentos de tristeza são substituídos no segundo estágio por amor a si próprio, um esforço para tirar do eu todo sustento espiritual. Essa condição representa regressão ainda maior e assemelha-se aos estados psicóticos que em que o interesse se centraliza completamente sobre o eu. No terceiro estágio o sentimento de prazer provocado pelo amor a si próprio diminui e se torna apatia, que por sua vez se transforma – no quarto estágio – em completo vazio e uniformidade mental. Aqui o meditador ascético é exaltado acima do prazer e da dor, é livre de amor e de ódio, é indiferente à alegria e à tristeza, é de fato indiferente ao mundo inteiro, aos deuses e homens, mesmo a si próprio. Emerge livre de toda emoção. Nesse ponto é capaz de lembrar com clareza de todas as circunstancias da vida até os mínimos detalhes. Significativamente, a lembrança de todo desenvolvimento da pessoa foi descrita por Freud, como objetivo de tratamento psicanalítico para perturbações mentais. Contudo, no treinamento budístico, o desenrolar do filme da vida em direção inversa vai ainda mais longe, além do nascimento, de volta a todas reencarnações anteriores até o próprio começo da vida, invertendo os desenvolvimentos através de todas reencarnações anteriores. Isto é nirvana, o fim da jornada regressiva através dos Página 49 quatro estágios da Jhana, durante a qual todas as formas de vida anteriores da pessoa são experimentadas de maneira clarividente. Pode-se duvidar que essas recordações sejam de fato verdadeiras, pois é admissível que uma pessoa decidida a fugir do mundo e do eu possa, em seu fervor espiritual, aceitar suas visões como lembranças de encarnações anteriores. É difícil reconciliar o objetivo de absorção, nirvana, que é uma condição completamente associal, co os preceitos éticos budistas, a cura e a devoção ao ―bem-estar e à ajuda de deuses e homens‖. A absorção em si própria – afastamento do mundo e da sociedade – é um abismo intransponível entre o budismo e o pensamento psiquiátrico ocidental. A psicanálise, por exemplo, esforça-se por conquistar o eu, sem perder o mundo exterior. Um afastamento completo é objetivo alheio à tradição cultural ocidental, na qual o homem é imbuído de impulso para a realização. Esta oposição fundamental de idéias explica por que a influencia do pensamento oriental sobre o desenvolvimento da psiquiatria foi apenas esporádica. À medida que o interesse extrovertido da cultura européia atingiu seu apogeu na moderna era da Ciência, a própria psicologia assumiu com o tempo os objetivos e os princípios de empirismo e experimentação. A introspecção é, porém, atributo básico do homem. Através da introspecção o homem encontra um caminho para o universo do qual faz parte. Este caminho não contradiz, mas complementa a exploração do mundo físico. Não é de espantar por tanto, que no decorrer da História, sempre que os problemas da existência social se impuseram violentamente a ele, o homem ocidental teve despertado sua preocupação por si próprio e tornou-se mais receptivo à filosofia oriental. Grécia- A Medicina é grega A passagem do centro das civilizações mais antigas para a grega foi marcada essencialmente pela busca de conceitos mais objetivos e pelo abandono de muitas superstições. Vale dizer, que os gregos Esculápio Página 50 trouxeram uma visão mais científica da Medicina, estabelecendo aí sua fundamental importância. A ordem cronológica do desenvolvimento do pensamento científico, desde as especulações cosmológicas até o estudo do homem e da sociedade não é acidental. O homem primeiro descobre as estrelas, depois seu ambiente físico imediato, depois seu corpo e só por ultimo sua personalidade e a sociedade em que vive. A tese de Nietzsche de que o homem está mais distanciado daquilo que se acha mais próximo dele – seu próprio eu – foi confirmado pela prova histórica, antiga e moderna. A história do pensamento grego oferece a demonstração mais clara desse principio universal, cuja explicação ao agora estamos começando a compreender. Sem dúvida é na Grécia que encontramos a base para a maioria de nossas concepções de moral, filosofia, Ética, política e como não a Medicina. Pois foi nela que se despertou a razão através de um desprendimento da divindade. Souberam muito bem aproveitar o contato com outros povos, ao estabelecer elos com civilizações orientais mais amadurecidas através de Creta. Utilizaram dos domínios egípcios com sabedoria, aprimorando-os com raciocínio. Os médicos guerreiros conheciam ossos, juntas, músculos e tendões do corpo. Sabiam quais eram os ferimentos mortais e os efeitos terríveis dos ferimentos com espada de ferro. As guerras eram o cotidiano dos gregos, e dentro disso fizeram várias observações importantes. Observaram como o coração pulsando podia disparar no peito e como o grande tendão do pescoço mantinha a cabeça ereta. Os deuses dos gregos eram os mais humanos que a antiguidade pudera até então conhecer, talvez, atribui-se a isso uma condição mais favorável para valorizar mais os homens e assim descobrir mais os domínios da razão. Estavam crentes de que os deuses não socorriam os fracos, e não eram iludidos quanto a isso. Entretanto nós também não podemos nos iludir, pois como toda sociedade humana, a grega também havia suas contradições. Na dita democracia, escravos e estrangeiros não podiam votar, e a mulher era vista como ser inferior pelos filósofos. Página 51 A Medicina na Grécia foi acompanhada pela Filosofia. Foram os primeiros a pensar que os milagres eram acontecimentos explicáveis por sistemas e leis imutáveis. O Tratado sobre a natureza de Alcameon de Cróton tornou-se um texto fundamental da Medicina. O juramento de Hipócrates vem do mito de Esculápio, o qual os estudos racionais dos filósofos não excluíram o valor da Medicina mágico-religiosa da Grécia, desta resultou um conhecimento médico secreto que mais tarde fora partilhado com outros, que fizeram o juramento. O entendimento desse mito é importante para se compreender como o próprio mito destruiu a questão divina da Medicina. Em outras palavras, na história de Esculápio, o médico-divino que caminhava com uma serpente, os enfermos eram levados ao santuário onde lá com os sacerdotes eram feitas oferendas, banhos e milagres. Acontece que os milagres de Esculápio despovoaram a tal ponto o Hades, que Zeus ouvindo os protestos de Plutão, atingiu-o com um raio. Concomitantemente, uma escola empírico-racional de Medicina, florescia na Península de Cnidos, junto a Costa da Ásia Menor. Depois na ilha vizinha uma outra escola surgiu como rival, a escola de Cós. Os mitos são destruídos, quando já não se faz mais tão necessário sua presença. Os gregos utilizaram a matemática egípcia e a astronomia babilônica para fundamentar a filosofia e a lógica da medicina grega. Os médicos filósofos foram os pioneiros da medicina racional. Tales de Mileto, Empédocles de Agrigentum, Anaxágoras e Anaxímenes foram alguns dos mais famosos médicos-filósofos gregos. Hipócrates – e os conhecimentos psiquiátricos (460-377 a.C) Nasceu na ilha de Cós e recebeu sua instrução médica de seu pai. Cós dava ênfase ao tratamento e ao prognóstico, em oposição à escola médica de Cnicos, que acentuava o diagnóstico. Escreveu o primeiro tratado sobre climatologia médica, Ares, águas e lugares, acerca dos efeitos do clima e do meio ambiente sobre as Página 52 condições médicas, a difusão das epidemias preocupando-se com a natureza da água e do alimento e com a natureza das próprias pessoas. Aplicou a especulações dos filósofos à medicina e combinou-as com observações feitas a beira da cama do doente. Por isso é chamado o pai da medicina e foi o primeiro que tentou explicar coerentemente todas as doenças com base em causas naturais. Hipócrates incutiu uma visão científica e usou métodos em uma área dominada pela magia e pela superstição. Seus julgamentos eram cuidadosos e moderados. Do Corpus Hippocraticum, o tratado sobre epilepsia encarece que nessa doença o cérebro é doente; a parte sobre dieta declara que a maioria das doenças pode ser prevenida por meio de hábitos racionais de alimentação. O juramento Hipocrático e os livros Da Moral e Dos Médicos contêm importantes sugestões clinicas. O estudante de medicina moderno aprende, em seu primeiro dia de escola de medicina, o principio hipocrático de que é a natureza que cura o paciente, e que o médico é mero assistente da natureza. Os médicos de hoje aprendem o principio básico de harmonia – ―homeostase‖. A patologia hipocrática fundava-se sobre o conceito de harmonia entre os humores. Os estudantes de medicina aprendem a pensar em termos de síndromes – um coerente grupo de sintomas interligados - e não de diagnósticos múltiplos baseados em sintomas isolados. Hipócrates ao contrário dos esculapianos, não hesitava em relatar casos mal sucedidos. No que se referia a tratamento Hipócrates usava sangria e purgativos, mas só depois de terem falhado outras medidas; receitava remédios – por exemplo, helebro - especialmente para pacientes que sofriam de insanidade mental, mas advertia quanto à importância da dosagem correta e da cuidadosa observação das reações do paciente. A psiquiatria deve muito a ênfase dada por Hipócrates à medicina clinica; deve-lhe também o primeiro reconhecimento de que o cérebro é o órgão mais importante do homem. ―Os homens deveriam saber que do cérebro e só do cérebro vêm nossos prazeres, alegrias, risos e gracejos, assim como nossas tristezas, dores, pesares e lágrimas... em razão do que eu afirmo que o cérebro é interprete da consciência.‖ No entanto, acreditava que se o cérebro estivesse afetado por excessiva umidade, calor ou frio podia seguir-se a loucura, e que se os humores estivessem corretamente Página 53 equilibrados surgiam pensamentos saudáveis. Achava que a inteligência era devida a inspiração de pneuma (ar), que circulava e entrava no cérebro. Os médicos hipocráticos descreveram pela primeira vez delírios tóxicos orgânicos, assim como o sintoma da depressão que chamamos de melancolia e que acreditava ser causada pela acumulação de bílis preta. Notaram também as características da insanidade puerperal – psicose pós-parto. Descreveram fobias e cunharam a palavra ―histeria‖ para designar uma condição ainda prevalecente que fosse especifico de mulheres. Pensavam que a histeria era causada por um útero errante que se desprendera de suas amarras na cavidade pélvica. Talvez suspeitassem da origem sexual dos sintomas histéricos, pois recomendavam casamento e relações sexuais como remédios para condição. Os hipocráticos descreveram pela primeira vez a classificação de doenças mentais, que era extremamente racional. Incluíram nesse esquema epilepsia, mania (excitação), melancolia e paranóia. Fizeram as primeiras tentativas de descrever a personalidade com base em suas teorias humorais e ainda hoje falamos em pessoas coléricas, fleumáticas, sanguíneas ou melancólicas. Os hipocráticos conquistaram grande reputação por reconhecer e tratar doença mental. Mais significativo é que Hipócrates não só obtinha a história completa de seu paciente, como reconhecia a fundamental importância da relação médica paciente. A Hipócrates são atribuídos 72 textos, 42 histórias clínicas que aumentaram a soma de conhecimentos médicos de então. Ele concebia a doença como um processo natural nascido de causas naturais. A saúde resultava da harmonia e da simpatia mútua de todos os humores do homem. Hipócrates separou a Filosofia da Medicina, dizia que a inexperiência humana é que colaborava para a crença nas divindades. Não podemos esquecer que foi Hipócrates com seu juramento que deu partida aos códigos morais e éticos da prática profissional. E por fim o universo grego conheceu uma nova figura de médico, mais humano, simples e moral. Página 54 Roma e os domínios da Medicina Como os EUA, Roma sonhava em conquistar o mundo, e se pudesse, anexaria até mesmo os planetas. Sua ambição estava legitimada na sua inabalável certeza de ser superior aos demais povos, devido ao seu prestígio militar, sua economia próspera e ao seu modo de vida, que tal como os EUA, ou um pouco menos, talvez, queriam impor aos outros sua cultura e manter sua hegemonia. Os etruscos eram ricos em medicamentos e Moeda romana (117-118),Imperador Adriano que isentou os médicos do serviço militar e de outros.FONTE: A medicina e sua história,1989.p 35 sempre cultivaram a Medicina, e depois que os romanos os expulsaram, se apoderaram de muito de seus conhecimentos. Roma através de suas conquistas e domínios territoriais foi uma civilização marcante, porém à custa dos demais, principalmente dos gregos e etruscos. Entretanto os primeiros conquistadores da península italiana foram os etruscos. Estes partilharam da mitologia grega e egípcia. Tinham divindades para todos os propósitos. Apolo e Marte eram os principais protetores da saúde; as deusas febris e Methitis protegiam contra febres, Scabies contra coceira e Angina contra dor. Mais ou menos no ano 300 a.C, Roma foi o centro de uma grande epidemia e embaixadores romanos foram procurar os conselhos dos sacerdotes esculapianos em Epidauro. Durante a conferência entre a delegação romana e os sacerdotes, uma serpente entrou no navio romano ancorado no porto. Quando o barco chegou a um porto romano a serpente nadou para a terra. Quando logo depois, cessou a epidemia, seu declínio foi atribuído a Esculápio e seus médicos sacerdotes, e o culto esculapiano floresceu durante algum tempo em Roma. Também no domínio da Medicina foi predominante a presença dos helênicos. Entretanto os primeiros médicos de Roma foram gregos. Da Bithynia chegou um professor de oratória chamado Asclepíades (125 a.c), que defendeu a crença de que os Página 55 átomos se moviam pelos poros ou canais, e de que a saúde ou a doença dependiam da contração ou relaxamento de partículas sólidas. Asclepíades foi o primeiro médico na Roma imperial a acalmar os insanos com gentileza, luz solar e música. Reconheceu os efeitos psíquicos da pneumonia e da pleurisia e definiu claramente condições como frenesi, letargia e catalepsia. Seus discípulos mais tarde criaram noções de patologia. Fundou uma escola em Roma que combatia as doutrinas de Hipócrates. Devido à maioria dos médicos em Roma serem estrangeiros, e estrangeiros eram escravos na República romana, a prática médica era vista como um serviço de escravos. Júlio César concedeu a cidadania aos gregos em 46 a.C. Daí por diante a situação melhorou, todavia o contato com a corte aproximou os médicos de intrigas políticas e acusações perigosas como por exemplo Stertinio Xenofonte, que ofereceu os cogumelos envenenados que matou o imperador Cláudio. Nas escolas de Medicina, os estudantes eram obrigados a receber certificado da polícia local de boa conduta, eram proibidos Galeno fazendo curativo em gladiador. Fonte: mural.w.es/dosagar/imagens/Galeno/gladiador. de vários costumes da sociedade. Entre a variedade de médicos exercendo a profissão em Roma, havia urologistas, ginecologistas e oftalmologistas. O maior dos escritores médicos, Cláudio Galeno de Pérgamo (131-200 d.C), cuja autoridade foi praticamente incontestável nos próximos 1500 anos. Galeno começou sua carreira como cirurgião dos gladiadores em Pérgamo e, como parte de suas funções, prescrevia regimes dietéticos para esses atletas. No ano de 161d.C terminou o prazo de sua nomeação e, no ano seguinte foi para Roma, onde procurou conterrâneos de Pérgamo que estivessem em condições de ajudá-lo. A ascensão de Galeno começou quando curou de febre o filósofo Eudemo. Página 56 Galeno deixou Roma quando se aproximava uma epidemia, alguns contam que ele abandonou Roma por temer a epidemia; outros já concluem que fizera inimigos em Roma e que simplesmente os temia. Galeno escreveu pelo menos quatrocentas obras, das quais ainda existem oitenta e três livros. Era muito amigo de tomar emprestado, copiar, sintetizar, plagiava e aprimorava. A perpetuação de sua influencia foi devida à firmeza com que defendeu Hipócrates e sua aceitação de um criador. O Cristianismo da Idade Média não podia encontrar o que condenar no monoteísmo galênico. Observou que lesões cerebrais em animais produzem perturbações do lado oposto do corpo. Localizou sete dos nervos cranianos, distinguiu entre nervos sensores e motores, e mostrou que as artérias continham sangue. Embora soubesse que o sangue era móvel, nunca formulou uma teoria sobre a razão ou a maneira de sua circulação. Notou que o corte da medula espinhal em animais resultava na perda de movimento e sensação abaixo da lesão e propôs a teoria de que os nervos transmitiam impulsos do cérebro e da medula espinhal. Ninguém teve tanto reconhecimento quanto à prática médica, na Roma Imperial, do que o jovem Galeno, que percebeu a ação do cérebro sobre todas as manifestações físicas dos doentes romanos. Ele enunciava suas teorias como dogmas infalíveis; a essência do método de Galeno estava na fisiologia, e na criação de lesões cerebrais e raquidianas para traçar o caminho nervoso, provou o mecanismo da voz encontrando o elo entre o cérebro e a laringe. A contribuição de Roma no tocante à Medicina pode ser avaliada, saúde pública, higiene pessoal, inspeção de alimentos, controle da prostituição e campanhas antimalária. Os hospitais militares romanos foram os precursores dos civis. Entretanto um dos pontos fracos de Galeno foi empatar o desenvolvimento da Medicina durante alguns séculos, devido a sua grande carga teológica que correspondia à Igreja católica, no entanto contrariá-la seria uma séria afronta. O último século do Império Romano foi marcado por grandes desastres, como pestes, guerras, epidemias que destruíram cidades inteiras. E depois de Galeno parece que Roma não desenvolveu mais seu interesse pela Medicina, ficando passivamente como mera expectadora. Página 57 Os conhecimentos psicológicos em Roma Das filosofias gregas que influenciaram o pensamento romano, duas, epicurismo e estoicismo, eram extremamente realistas em sua maneira de encarar os problemas da vida cotidiana. Nenhuma delas era um sistema teórico comparável às idéias cosmologistas pré-socráticos; pelo contrário, cada uma delas oferecia um conjunto de princípios éticos para governar a conduta humana. O objetivo final de O grito ―expressionismo‖. Fonte: geocites.yahoo.com.br ambas filosofias era a obtenção da felicidade, que devia ser encontrada na paz de espírito e na falta de tensão. Até onde os estóicos e epicuristas se interessavam pela metafísica, sua filosofia era inteiramente materialística, era a teoria atômica de Demócrito. O mundo consistia em átomos, acreditavam eles, e os movimentos dos átomos seguiam suas próprias leis; a única posição sensata dos homens era conformar-se com essas leis e aceitar o curso inevitável de acontecimentos materialmente predestinados (estoicismo) ou procurar tirar delas o máximo excessivo de prazer (epicurismo). O principio ético central era a ―ataraxia‖ ou falta de perturbação. A pessoa sábia reconhece que só pode obter felicidade tornando-se independente do inexorável e inevitável curso dos acontecimentos mundiais ou pelo menos não se deixando perturbar por ele. ―Perturbação‖ significava assim aflição mental, expressão que durante séculos, era sinônimo de doença mental. As modernas drogas psicotrópicas, usadas esperançosamente para livrar o homem de sua tensão emocional, são chamadas ―ataráxicos‖. É característico de nossa era cientifica tentar alcançar com substâncias químicas o mesmo objetivo que os antigos tentavam com filosofia. O estoicismo e o epicurismo, como filosofias práticas mais que teóricas, contribuíram pouco para a psicologia como ciência básica. A psicologia lida com fenômenos naturais que são processos mentais, e não os avalia do ponto de vista do bem e do mal. É difícil para o homem encarar sua própria natureza objetivamente, ele tende ver em si próprio apenas o que deseja ver, ao mesmo tempo em que ignora e reprimi o que considera Página 58 mal e inaceitável. No mundo antigo, como em épocas posteriores, a tendência a avaliar e a moralizar em tentar de entender a natureza humana, foi o maior obstáculo ao desenvolvimento da psicologia como ciência. Além disso, a orientação helenística prática e ética foi, no que se refere à psicologia, reforçada no Império Romano pelo definhamento do interesse cientifico pela natureza, pelo corpo humano e pela mente. Os pensamentos psicológicos de Platão e Aristóteles eram abstratos demais para serem aplicados ao comportamento de pessoas humanas. Eram na realidade generalidades sobre esforços, memória, fantasia, emoções e impulsos humanos, e essas elevadas abstrações não constituíam base adequada para explicar as personalidades individuais, muito menos o comportamento de pacientes mentalmente perturbados. Não é de surpreender, naturalmente que a medicina romana refletisse o característico pragmatismo do povo romano. Havia pouco interesse por anatomia e fisiologia, e a orientação dos médicos era estritamente empírica: desejavam proporcionar conforto aos seus pacientes por meio de terapias físicas agradáveis – qualquer processo, banhos quentes, musica, choques de enguias elétricas, massagem - que produzisse resultados imediatos e melhorasse o estado de espírito subjetivo do paciente contribuía também para reputação do médico, e essa era a única que importava. A duas mais significativas contribuições ao desenvolvimento da psiquiatria foram dadas por um filósofo, Cícero (106-43 a.C), que combinou a virtude romana do pragmatismo com excepcional clareza de pensamento e insuperável capacidade de penetrar no âmago de um problema, comentou assuntos médicos a sua incisiva maneira. Embora não fosse – ou talvez mesmo por que não era – médico, reconheceu a significação central da doença mental e perguntou: ―por que para o cuidado e conservação do corpo foi idealizada uma arte... enquanto por outro lado a necessidade de uma arte de curar a alma não foi sentida tão profundamente... nem foi estudada tão de perto?‖ Cícero declarou ousadamente que as doenças corporais podiam ser resultado de fatores emocionais. Por isso pode ser considerado como o primeiro psicossomata. Discutindo diferenças e semelhanças entre doenças corporais e mentais, reconheceu as diferenças fundamentais entre as duas. Considerou que as desordens e Página 59 perturbações mentais decorrem de um descuido da razão; essas desordens são, portanto, limitadas ao homem. Esta idéia é fundamental à psicoterapia moderna, pois, quando uma pessoa aceita e compreende as origens psicológicas de sua perturbação mental, torna-se capaz de mudar as circunstancias que causaram seu problema. Essa talvez seja a mais clara declaração que um homem antigo fez sobre a responsabilidade do homem sobre seu próprio comportamento, normal ou mórbido. Cícero diz ainda: ―a cura da aflição e outras desordens é uma só e a mesma, por serem todas elas voluntárias e fundadas em opinião; tomamo-las sobre nós por que parece certo fazer isso. A filosofia empenhase em erradicar esse erro como raiz de todos os nossos males, deixemo-nos ser instruídos por ela, e deixemo-nos ser curados‖. Hoje não chamamos o tratamento de filosofia, mas de psicoterapia. O médico metodista Sorano (93-139 d.C), teve um discípulo, Célio Aureliano, que registrou algumas das idéias de seu mestre em um volume intitulado Da Doença aguda e Da doença Crônica. Dezessete capítulos desse livro são dedicados a doenças da mente. Sorano era um médico muito esclarecido em sua atitude com relação aos doentes mentais e recusava tratá-los com dureza. A maneira de tratar doentes mentais empregadas por Sorano era diretamente oposta aos métodos preconizados por Celso, o qual acreditava que tratamento rude faria com que o paciente deixasse a doença mental por medo. Celso acorrentava os pacientes, deixava-os passar fome, trancava-os em quartos escuros, e aplicava-lhes catárticos em seus esforços para devolver-lhes a saúde pelo medo. Em contrário Sorano acreditava que podia diminuir o desconforto dos doentes mentais falando com eles e recomendava discutir com o paciente sobre sua ocupação ou outros assuntos que pudessem interessá-lo. Uma das espantosas lições que Sorano deixou a posteridade psiquiátrica e que tem sido com freqüência repetida na história da psiquiatria consiste no fato, embora descrevesse a doença mental em termos de perturbação mecânica orgânica, ter tratado os doentes mentais com medidas psicológicas, Sorano subestimou a utilização de Página 60 drogas e outros métodos físicos, acentuando a importância da relação entre o médico e o paciente. A Medicina na dimensão da psiquiatria Bizantina e os árabes Ao estudar a História da Medicina é importante estar atento à relação de todos os aspectos da vida humana. Apesar de ora um, ora outro, assumir um igualmente caráter dominante, importantes, embora todos o são aspecto determinante do modo de vida de uma sociedade seja a forma pelo qual elas se organizam entre si, afim de, agindo sobre a natureza, produzirem os alimentos e os recursos de que necessitam para sobreviverem. O Império Bizantino, também conhecido algum Médico escriba monástico num Mosteiro da Capadócia. FONTE: A medicina e sua história, 1989.pag 46. tempo por Império Romano do Oriente, ofereceu grandes contrastes com as sociedades da Europa Ocidental. Afinal resistiu ás invasões bárbaras enquanto o Império de Roma Ocidental se desfacelou e quase todo Ocidente se feudalizou. Isso foi quando por volta de 395 quando os dois Impérios definitivamente se separam, quando o último imperador romano foi deposto pelos bárbaros, Bizâncio se manteve como uma fortaleza. O império Bizantino, contudo, teve origem romana, e os imperadores do Oriente sempre afirmaram serem os herdeiros de Roma. A crescente decadência e ruralização do Ocidente levaram o Imperador Constantino a fundar no Oriente a cidade de Constantinopla, destinada a ser a nova capital do Império Romano (330), e se manteve até 1453, quando foi invadida pelos turcos otomanos. A região do Império consistia a Grécia, parte da Iugoslávia e Ásia Menor. Essa civilização conservou um conhecimento clássico, encorajou a pesquisa e promoveu a educação. O dogma cristão prevalecia na Medicina, baseado numa fé que recorria aos espíritos. Página 61 O mais antigo médico bizantino de renome foi Oribásius (325-403 d.C), que compilou escritos médicos gregos e romanos. Um compilador posterior, Aétius de Amida (527565 d C) transcreveu dezesseis livros de seleções de escritores anteriores. Descreveu três tipos de ―phrenitis‖, isto é, doença mental. Nas partes anterior, mediana e posterior do cérebro, afetando memória, razão e imaginação. Alexandre de Tralles (525-605 d.C) e Paulo de Aegina (625-690) seguiram Aétius na localização de perturbações emocionais no cérebro. A ciência e a medicina bizantinas, assim como o Império Bizantino, travaram uma batalha perdida contra o crescente e inevitável destino do declínio helenístico. O dogma cristão, que venerava a autoridade de Aristóteles e Galeno, conservou durante certo tempo sua função preservativa. Esta forma de função preservativa, porém, não podia proibir para sempre a decadência de seu estimado objeto, que era a ciência grega racional. No terreno da psiquiatria Rhazes (865-925 d.C) foi tão bom quanto o melhor dos médicos hipocráticos. Descreveu cuidadosamente todas as doenças, mesmo as doenças mentais. Combinava métodos psicológicos e explicações fisiológicas de uma maneira que fazia lembrar os hipocráticos e empregava psicoterapia de modo primitivo, mas dinâmico. Rhazes foi certa vez chamado para tratar de um famoso califa que sofria de grave artrite. Aconselhou um banho quente e, enquanto o califa se banhava, ameaçou-o com uma faca, proclamando que ia matá-lo. O califa, que estava ajoelhado no banho, levantou-se e saiu correndo. Rhazes deixou o palácio e escreveu depois explicando a razão de seu comportamento. [...] ―Havia... uma deficiência na caloria natural e este tratamento teria sido desnecessariamente prolongado, por isso eu o abandonei em favor de psychotherapeusis, e quando os humores mórbidos haviam experimentado suficiente cocção no banho, eu vos provoquei deliberadamente a fim de aumentar a caloria natural que assim adquiriu força suficiente para dissolver os humores já amolecidos." [...] Browne, 1921 apud Alexander; Selesnick 1968, p 98. Página 62 A doença e a morte eram consideradas como uma visitação divina; os devotos portanto necessitavam exercício. de higiene ou Posteriormente não de foi considerado como uma ofensa ao corpo essas médicos atitudes, passam a então serem os mais valorizados. Os médicos árabes não foram capazes de oferecer contribuição real à teoria psiquiátrica porque dependiam inteiramente das especulações orgânicas de Hipócrates. Contudo, alguns médicos árabes perceberam que existia relação entre doenças físicas e emoções. Uma mulher que sofria de cãibras nas juntas tão severas que não conseguia levantar-se foi curada por um médico que ergueu sua saia, deixando-a assim envergonhada. "Um fluxo de calor produziu-se dentro dela e dissolveu o humor reumático‖ Avicena (980-1037 d.C.) foi reconhecido como criança prodígio aos dez anos de idade, quando decorou o Alcorão. Antes dos vinte anos era médico da corte real e, depois de adulto, foi considerado o mais brilhante de todos os médicos árabes. Seu livro O Cânone foi uma tentativa sistemática de correlacionar a filosofia aristotélica, a observação hipocrática e a especulação galênica. O livro tornou-se a bíblia médica na Ásia e posteriormente na Europa, tendo sido usado até o alvorecer da experimentação anatômica no século XVI. Robinson, o historiador médico, considerava O Cânone "o mais influente manual já escrito‖. Como nos escritos de Galeno, há nele páginas de excelente exposição médica lado a lado com páginas cheias de tolices médicas. Avicena foi o primeiro a usar cateter em pacientes que tinham constrição uretral causada por gonorréia; no Abu Ali al Hussain Ibn Sina (Avicena) 980-1037.Fonte:www.islam.org.br entanto aconselhava também a colocação de um piolho no meato da uretra para pacientes que sofriam de Página 63 retenção urinária. A importância histórica da obra de Avicena na formação do pensamento ocidental a partir de sua tradução do árabe para o latim em meados do século XII d.C. Procura-se mostrar como seus temas tornam-se relevantes nos dias de hoje tanto nas discussões filosóficas de caráter mais geral quanto nos temas de psicologia e de epistemologia de modo mais particular e como, nessa medida, a presença das teses de Ibn Sina se mostra de grande importância. Avicena, como Rhazes, tentava correlacionar reações fisiológicas e estados emocionais. Conta-se que tratou de um paciente, terrivelmente mal, colocando o dedo sobre o pulso do doente e recitando em voz alta os nomes de províncias, distritos, cidades, ruas e pessoas. Notando como a pulsação do paciente se acelerava quando eram mencionados os nomes, Avicena deduziu que o paciente estava amando uma moça cuja casa ele conseguiu localizar pelo exame digital. O homem seguiu o conselho de Avicena, casou-se com a moça e sarou de sua doença. Avicena interessou-se também por delírios psicóticos e seu tratamento. Quando um de seus pacientes afirmou que era uma vaca e mugiu como vaca, Avicena disse-lhe que um carniceiro ia abatê-lo. O paciente foi amarrado pelas mãos e pelos pés; depois Avicena proclamou que ele estava magro demais e precisava ser engordado, e desamarrou-o. O paciente começou a comer entusiasticamente e se sentiu curado, segundo os relatos de Avicena. A obra desse médico, filósofo, astrônomo, físico, músico e poeta, foi usada nas escolas de medicina durante mais de 700 anos. Escolas de medicina e bibliotecas se ligavam aos hospitais. Os alunos aplicavam o que tinham aprendido na sala de aula no atendimento aos doentes, na ala masculina ou na feminina. No século 11, já havia clínicas móveis, que levavam assistência médica aos que moravam longe ou estavam enfermos demais para ir ao hospital. A ciência da visão combinava conhecimentos de disciplinas muito diferentes: a anatomia do olho e do sistema nervoso óptico foi descrita na literatura médica; a psicologia da percepção era uma questão de filosofia; a natureza da luz era abordada pela física propriamente dita. Um dos primeiros tratados farmacológicos foi feito em 760, por Jabir ibn Hayyan, considerado o pai da alquimia árabe. A farmacopéia era extensa e incluía a descrição da origem geográfica, das propriedades físicas e dos Página 64 métodos de aplicação do que pudesse ser útil ao tratamento. Os farmacêuticos muçulmanos introduziram vários medicamentos na prática clínica, como a cânfora, o sândalo, a mirra, o mercúrio e outros. No início do século 9º, as primeiras farmácias particulares foram abertas em Bagdá - os preparados eram disponibilizados sob várias formas: pomadas, pílulas, elixires, tinturas, supositórios e inalantes. Na cidade iraquiana, que foi um grande centro civilizatório ao lado de Damasco e Cairo, Ibn Barmak inaugurou o primeiro hospital particular em 803. Produziu-se um conjunto significativo de literatura científica na língua árabe, com livros traduzidos do grego, sânscrito, siríaco e pérsico, além de muitos tratados originais. O islã serviu como uma ponte entre a antiga cultura grega e a chamada Idade Moderna. Segundo o filósofo palestino Edward Said, "toda a criação de uma retórica científica em ótica, em física e em astronomia, principalmente do século X ao século XV, foi invenção dos árabes". Foram matemáticos árabes que introduziram na Europa os algarismos indianos (também conhecidos como arábicos) e o conceito do número zero, fundamental para chegar aos números negativos. A trigonometria e a álgebra (aljbr) foram desenvolvidas, sobretudo por adeptos do islã. No decorrer do século XII, Avenzoar (1113-1162) e seus discípulos Averróis (1126-1198) e Maimônides (1135-1204) influenciaram a medicina árabe com suas especulações filosóficas. Avenzoar era um muçulmano espanhol e, foi um dos poucos árabes que ergueram a voz contra Galeno. Os árabes, que se opunham ao derramamento de sangue e que por isso recusavam usar o escalpelo, empregavam o cautério (engenho para matar tecido por meio da aplicação de substâncias quentes) como principal instrumento cirúrgico. Era usada também em pacientes que sofriam de doença mental, prática que Avenzoar condenou. Averróis era declaradamente aristotélico, mas transigia com a religião sustentando que "existe uma dupla verdade", uma produzida pela fé e a outra pela "filosofia racional‖. Essa conciliação era importante para a psicologia médica; firmava a tradição de um médico manter suas convicções religiosas e, apesar disso, acreditar em descobertas científicas. Página 65 Maimônides, que é mais conhecido por seus comentários bíblicos e seus escritos filosóficos do que por seus tratados médicos, deu ênfase aos aspectos mentalmente higiênicos de uma vida ética, na tradição dos sábios hebraicos. Considerava a medicina mais uma arte que uma ciência e, como médico intuitivo, interessava-se muito mais pelo paciente em sua totalidade do que pela doença. Como Averróis, não considerava a fé religiosa e as explorações científicas incompatíveis e foi uma das raras vozes que se ergueram contra o autoritarismo na Idade Média. Os hospitais europeus, assim como os árabes, fundados nos primeiros séculos da Era Cristã eram impregnados de orientação humana. Na Europa, o primeiro hospital construído foi provavelmente o de Lyon, fundado em 542 d.C. O Hôtel-Dieu foi erguido em Paris no ano de 652 d.C. Provavelmente o primeiro hospital italiano foi o de Santa Maria della Scala, em Siena, construído em 898 d.C. No século XII foram instalados mais hospitais para cuidar dos cruzados que ficavam doentes ou eram feridos. dedicado mentais O primeiro hospital exclusivamente foi construído em a europeu doentes 1409 em Valência, na Espanha. Cassiodorus e São Benedito lançaram os alicerces da medicina monástica. A cura de ferimentos e ossos partidos exigia, porém, mais do que fé e o desenvolvimento de uma medicina leiga empírica e prática era inevitável. Mesmo porque o trabalho médico dos monges era limitado por muitas doutrinas eclesiásticas: executar deveres clericais fora do mosteiro, cobrar honorários e tocar carne eram práticas inaceitáveis. Assim, quando os concílios de Clermont e Latrão, no século XII, proibiram que monges deixassem os mosteiros para cuidar de pacientes, a medicina leiga começou a evoluir na Universidade de Salerno. Salerno sempre foi uma cidade cosmopolita e, de acordo com uma lenda, a escola que lá existe foi fundada no século IX por um judeu, um árabe, um grego e um italiano. Página 66 Quando a Medicina européia começou a florescer no século XV, o Império Bizantino estava em desintegração. Os primeiros passos estavam dados na prática médica em terreno árabe. A Arábia era povoada por umas poucas cidades e comunidades, mas principalmente por povos nômades, vivendo uma vida pastoral. A vida religiosa era confusa e diversificada: a maioria das tribos acreditava num panteão com cerca de 300 deuses; na Arábia Meridional um reino que aceitara o judaísmo guerreou com os cristãos abissínios, enquanto no reino Setentrional de Hira florescia uma importante e prospera comunidade cristã, em sua maioria composta por nestorianos. A Arábia na verdade apresentava-se bem madura para uma unificação política e religiosa, que acabou acontecendo em 632 com a morte de Maomé, que se autodenominou o último dos profetas, e responsável pelas revelações que mais tarde deram origem ao Corão, O Livro Sagrado do Islã. Ao contrário dos mongóis que por onde passaram deixaram rastros de destruição, os muçulmanos deixaram intactas as sedes de sabedoria ao longo de sua trilha de conquista. Um centro intelectual brilhante era Jundishapur, fundado no século IV pelo rei persa Shapur. Sua academia e seu hospital atraiam médicos e filósofos de várias terras. A pregação de Maomé (570-632), cujas idéias refletem a influencia de outras religiões, fez-se inicialmente em Meca, e atemorizou os coraixitas, guardiões da Caaba e beneficiados com o controle do comércio. Enriquecidos com as rendas proporcionadas pelos peregrinos que iam à Meca cultuar os ídolos das 300 divindades da Caaba, os coraixitas rejeitaram os prescritos de Maomé. Considerando o marco inicial da cronologia mulçumana, a saída de Maomé de Meca para Iatrib, denominado de Hégira ( expatriação, emigração). Os árabes sempre estiveram peregrinando e assim sua grande contribuição foi como nenhum outro povo soube aproveitar dos contatos com outras populações. Os curandeiros eram em número elevado, usando as mesmas artimanhas que iriam persistir ao lado da Medicina européia durante séculos. Um dos estratagemas favoritos era contratar cúmplices que posavam como pacientes e circulavam louvando as curas Página 67 miraculosas de um charlatão. Há casos de alguns médicos que recorriam á astrologia para um diagnóstico. As escolas Árabes introduziram na Medicina um grande número de drogas, herbáceas e químicas, e desenvolveram também a arte da farmácia. Os árabes fizeram progressos rápidos na ciência, desenvolvendo novos métodos no tratamento de doenças, seguindo linhas farmacológicas de modo tal que sua terapia era considerada superior à dos gregos e hindus. Já no século XIII o judeu Kohen Al-Attar, estabeleceu padrões profissionais para todos os farmacêuticos no seu livro sobre a arte da farmácia. Outro aspecto a ser observado na história muçulmana de grande contribuições para Europa, principalmente no que diz respeito a infra-estrutura mais humanas, foram os hospitais, que eram compostos de bibliotecas, capelas, salões de leitura, músicos para embalar o sono dos pacientes, contadores de histórias para sua distração. Esse modelo de hospital era essencial, principalmente no tratamento dos insanos. A primeira palavra revelada ao profeta Muhammad, dizem os muçulmanos, foi "Leia" (Iqra'). Entre os ahadith (ditos atribuídos a Muhammad), há vários que incentivam a pesquisa, como "busque o conhecimento do berço até o túmulo" e "a tinta do sábio vale mais que o sangue do mártir". A Medicina árabe conservou para o Ocidente o brilhantismo dos gregos, e aprimorou-os com seus próprios avanços. Interessante que duas civilizações cresceram próximas mais de mil anos, sendo base de ambas a Medicina grega. Os árabes construíram o elo entre Oriente e Ocidente, o que permitiu o desenvolvimento da Medicina. As Cruzadas, também foram fator de grande responsabilidade na troca de conhecimentos. E assim quando a Medicina islâmica estacionou, já havia plantado suas sementes na Europa, que na Idade Média contribuiu para o Renascimento. Representação divina de Santo Agostinho. Fonte: ciarte.no.sapo.pt/imagens/agostinho.htm Página 68 Por uma busca de compreensão à Psiquiatria na Idade Média As características típicas da Idade Média não fizeram o sujeito desse período menos competente, pois a cultura medieval se comparada com a do mundo greco-romano, foi redefinida. A Ciência perde a vitalidade e a velha união com a se dissolveu. Esta contraiu uma nova aliança com a teologia: durante séculos a vida intelectual se processaria sob a orientação da Igreja. É cabível indagar da História se há alguma razão válida para supor que o gênio humano chamejou com menos brilho quando os homens, por boas razões pessoais e da época, transferiram o pensamento especulativo da Ciência-filosofia, para Teologia-filosofia. A expressão Idade Média foi criada durante o Renascimento, no século XV. Demonstrando repúdio ao mundo feudal, os renascentistas forjaram tendenciosamente a concepção de que a Idade Média fora ―uma longa noite de mil anos‖, a ―Idade das Trevas‖ em que mergulhara a cultura clássica após a queda de Roma. Na verdade o desprezo dos humanistas do Renascimento pela Idade Média apenas refletia a adoção de novo valores culturais, contrários ao do período medieval. Durante os primeiros séculos da Idade Média constituíram-se os reinos bárbaros dos celtas, godos, vândalos e francos, todos partilhando traços comuns como um vínculo radical entre membros da mesma família, o hábito de tomar decisões tribais através de assembléias de cidadãos e a poderosa instituição dos domínios. Os séculos medievais, nos quais foram assentadas as bases políticas e espirituais da cultura Ocidental, uma mistura de costumes bárbaros, resíduos da lei romana, teologia e organização da Igreja. Nestes primeiros séculos antes que Carlos Magno fundasse o novo Império do Ocidente (800 d.C), os reinos bárbaros eram uma sociedade indefinidamente formada, ainda não restringida pelas regras feudais. Entretanto, com o declínio do sistema de segurança romano foi produzido um retrocesso geral à crença na magia, misticismo e demonologia, da qual sete séculos antes, o homem se libertara graças ao gregos. As causas fundamentais da queda do Império são complexas. Todavia as mais importantes são as constantes invasões bárbaras e as revoltas internas. Nessas épocas de catástrofes as explicações sobrenaturais voltaram a serem muito Página 69 procuradas, e o cristianismo assumiu papel importante uma vez que supria as necessidade emocionais da população mas desprovida. O dogma cristão em medicina predominava completamente. Santos eram reverenciados, e como no passado pagão, eram invocados para prevenir doenças. São Sebastião protegia contra as pestes e São Jô contra a lepra; Santo Antonio prevenia contra todas as espécies de doenças, desde distúrbios intestinais até fraturas. Os sacerdotes cristãos davam conselhos a maneira de curar corpos tanto quanto almas, e sábios religiosos registravam para a posteridade descrições de curas milagrosas. As igrejas tornaram-se santuários de sofredores, e a medida que cresceu o numero de pacientes à procura dos mosteiros, as igrejas construíram hospitais nas proximidades. No século IV, Constantino, procurando a ajuda dos cristãos contra seus inimigos, fez do cristianismo a religião oficial. Estabeleceu-se a lealdade entre o Estado e a Igreja. O papa Leão III foi apoiado por Carlos Magno que, por sua vez foi sagrado Imperador do Santo Império Romano. Nos séculos XII e XIII, As Cruzadas marcharam para Terra Santa contra os mouros e traziam de volta novas idéias e produtos do Oriente. Foi nessa época que as comunas prosperaram, o comércio voltou a se desenvolver, e assim o poder dos senhores feudais começou a declinar, enquanto monarcas buscavam supremacia, novas nações foram formadas com terras derrotadas. Não é de admirar que a Idade Média se tenha caracterizado como uma era de espantosos contrastes. A força ideológica da fé consolidou e reforçaram as desmoralizadas e empobrecidas massas e assegurou a continuidade da civilização. Ainda assim, a fé era uma amante ciumenta. Não tolerava concorrência, particularmente da ciência. O lema medieval credo quia absurdum est (acredito nisto por que é absurdo) está em oposição à posição científica que se baseia na razão e na observação. O racionalismo como força social desapareceu ou, para ser mais exato, precisou agir subterraneamente durante séculos. A tradição do empirismo cético grego, a erudição Alexandrina e as adaptações práticas da herança grega pelos romanos foram preservadas em bibliotecas monásticas e pelos árabes. Foram, porém, meramente preservadas, não desenvolvidas. A técnica de organização do Império Romano, foi a única força dinâmica que sobreviveu, quando a religião se institucionalizou em escala até então desconhecida na história humana. A Página 70 hierarquia católica era uma reprodução clerical da hierarquia política de Roma, leis romanas foram os modelos das leis canônicas, e o bispo de Roma foi a peça correspondente ao imperador. Esta rigidez de organização ajudou a preservar a cultura ocidental, mas no referente à história das idéias médicas, e particularmente ás idéias que conduziram à psiquiatria moderna – durante os séculos entre o declínio de Roma e a Renascença houve, não só uma estagnação, mas também uma espécie de retrocesso ao pensamento não racional que existira antes do século IV a.C. Não é de surpreender que na parte inicial da Era cristã, quando a medicina orgânica estava em tão completa paralisação, a maneira psicológica de encarar a doença tenha conservado certa vitalidade. A fé e a ética tem relação com a psicologia: salvar almas tem estreita relação com curar mentes perturbadas, embora os métodos empregados sejam diferentes. A psiquiatria da Idade Média dificilmente poderia ser distinguida da demonologia précientífica, e tratamento mental era sinônimo de exorcismo. Isto se aplica particularmente àquela antiga doutrina herética chamada maniqueísmo, que embora seja persa e não cristã em sua origem, exerceu grande atração em seus primeiros séculos cristãos. Existia lado a lado com a religião ortodoxa, embora fosse denunciada por homens da autoridade de Santo Agostinho. Era a mitologia dualística da luta eterna entre Ormuzd, o espírito bom, e Ahriman, o demônio que possui o corpo e a mente das pessoas mentalmente doentes. No exorcismo medieval a mitologia cristã e a demonologia pré-histórica estabeleceram uma curiosa união. Escolásticos cristãos e considerável contribuição médicos à árabes assistência prestaram psiquiátrica humanitária, particularmente no começo da Idade Média, Exorcismo na Idade Média. Fonte: www.personal.us.es/ignacio_exorcismo. quando o espírito cristão de caridade foi responsável pelo oferecimento de conforto e apoio aos doentes mentais. No período medieval posterior, quando esses primeiros ideais foram depreciados e a confiança na autoridade e na explicação sobrenatural das doenças caracterizou a medicina monástica, a assistência psiquiátrica deteriorou-se, a ponto de tornar-se indistinguível do exorcismo demonológico. Originariamente, o exorcismo não era Página 71 punição. Os ritos exorcísticos dirigiam-se contra o demônio que tomara posse do corpo e alma de um homem, não contra o próprio homem. Ainda há o conceito de que os leigos na Idade Média exerciam uma visão mais esclarecida em relação às doenças mentais do que os profissionais, pois a poesia e outras formas de literatura apresentavam visões muito realísticas dessas questões. Como o poema Amadas (de fins do século XII) e posteriormente o poema sobre ―Tristão‖, indicam também o conhecimento da idéia de que crises emocionais podem resultar de graves perturbações emocionais e podem ser corrigidas por um método psicológico realístico. Quer a insanidade fosse considerado resultado de perturbação emocional ou de possessão diabólica durante o período medieval inicial, a assistência propriamente dita ao individuo doente, era coisa de responsabilidade coletiva. Não foi senão no século XIV que os doentes mentais passaram a ser considerados feiticeiros e tornaram-se vitimas de perseguição. Além disso, a assistência física aos doentes mentais era melhor no começo da Idade Média que nos séculos XVII e XVIII. Um dos primeiros asilos para doentes mentais, o Bethlehem Hospital, em Londres, era originariamente muito diferente do inferno que depois se tornou conhecido como Bedlam. Naqueles primeiros dias os pacientes eram tratados com muito mais interesse. Quando estava em condições de deixar o Hospital sob os cuidados dos parentes, recebiam braçadeiras para usar, a fim de poderem voltar ao Hospital se seus sintomas reaparecessem. Esses pacientes recebiam tanta atenção e simpatia da coletividade que vadios freqüentemente falsificavam braçadeiras para serem tomados como ex pacientes de Bethlehem. No século XIII, em Gheel, na Bélgica, fundou-se uma instituição para cuidar de crianças retardadas e psicóticas, que eram muitas vezes adotadas por famílias compreensivas das vizinhanças. E um monge franciscano Bartholomaeus Anglicus (1480), que escreveu sobre doenças mentais nos prevalecentes termos demológicos de anjos e demônios, nem por isso deixava de recomendar métodos racionais de tratamento, banhos, ungüentos e dietas. De todos os escritores medievais, Santo Agostinho, prestou a mais significativa contribuição à psicologia quando demonstrou que a introspecção é importante fonte de genuíno conhecimento psicológico. Acreditava na revelação divina como fonte de Página 72 conhecimento psicológico. Todavia o acréscimo que fez da introspecção como instrumento importante para o conhecimento da psicologia humana foi uma contribuição essencial à psicologia dinâmica. Foi ele o primeiro a descrever vivida e minuciosamente experiências emocionais subjetivas, e ao fazê-lo empregou um principio metodológico que ainda continua sendo básico na psicologia de hoje. Sem conhecimento de si próprio a psicologia não poderia existir. Emoções, ira, alegria, medo, só podem ser experimentadas subjetivamente. As Confissões de Santo Agostinho são um trabalho de autoanálise profundamente incisivo. Brett disse em sua ―História da Psicologia‖: ...[...] Ele permanece entre os maiores, com Platão e Aristóteles, em um aspecto superior a ele. A psicologia atinge um segundo grande clímax quando seu expositor pode dizer que o fundamento da alma é continua autoconsciência, e que o pensamento é simplesmente a vida refletida em si própria.[...] Brett APUD Alexander, Selesnick, História da Psiquiatria, pág 87,1968. Santo Agostinho pode ser considerado com segurança, o precursor da psicanálise. O monólogo de Santo Agostinho e sua importância para a psicologia Aurelius Augustinus, conhecido como Santo Agostinho, nasceu em Tagaste (Numídia, África do Norte) em 354 d.C. Seu pai, Patricius, era pagão, homem de grandes paixões, que levava uma vida desregrada e encorajou em seu filho a ambição mundana de seguir uma lucrativa carreira como retórico. Sua mãe, Mônica, era uma piedosa cristã e a influência que teve sobre o filho Representação de Santo Agostinho.Fonte: geocites.yahoo.com.br mostrou-se mais forte que a do sensual pai. Quando moço Agostinho teve relação ilícita com uma mulher que lhe deu um filho e até seu batismo aos trinta e três anos de idade sua vida consistiu em constante luta entre o amor a Deus e o desejo de dar expressão às suas paixões carnais. Página 73 Estudou retórica em Cartago, onde foi muito influenciado pelos escritos de Cícero. Em um esforço para resolver seu conflito interior sobre o bem e o mal, tornou-se ardoroso adepto da doutrina ascética persa do maniqueísmo, mas desiludiu-se com essa crença depois de uma disputa com um eminente bispo maniqueísta. Passou um ano em casa com sua mãe e depois voltou a Cartago para continuar os estudos. Mônica era atormentada pela falta de fé de seu filho e Agostinho relata um sonho que ela teve, no qual se via junto com ele em pé sobre uma régua de madeira. A régua pode ser tomada como símbolo das regras do catolicismo, pois Agostinho considera o sonho como uma expressão do desejo de sua mãe de partilhar seu modo de vida com ele, e assim conduzi-lo à graça. Os conflitos interiores de Santo Agostinho aumentaram, à medida que, presenciava e participava da licenciosa vida de estudante em Cartago. Foi a Roma passar um curto período de tempo, mas não se sentia mais à vontade com seus amigos maniqueístas e por isso aceitou um cargo em Milão como professor de retórica. Quando abandonou o maniqueísmo continuou a procurar solução para seu conflito interior, primeiro na escola cética e mais tarde na escola neoplatônica, cujos ensinamentos monísticos o atraíam. Sua determinação final de abandonar a sensualidade ocorreu quando caiu sob a influência direta de Alípio, amigo e discípulo do grande eclesiástico Ambrósio, e depois que leu as epístolas de São Paulo. Sua concubina seguiu-o até Milão e os dois ficaram noivos, mas em sua luta contra a sensualidade Agostinho abandonou-a. A aceitação total do catolicismo não veio com facilidade, e Agostinho teve outro romance. O conflito da carne opondo-se ao espírito e o espírito opondo-se à carne atingiu um pico dramático, em seu trigésimo segundo ano de vida e é descrito vividamente em suas Confissões. Um ano depois, seu amigo Alípio, Agostinho e o filho de Agostinho ingressaram na Igreja, realizando assim o sonho de Mônica. No ano seguinte, ela morreu contente. A descrição de sua morte nas Confissões é um dos numerosos trechos em que Santo Agostinho, com insuperável realismo, expressou sua constante luta para reconciliar as emoções terrenas com o êxtase religioso. ― [...] Fechei os olhos; e uma enorme tristeza entrou em meu coração, que se extravasou em lágrimas; meus olhos ao mesmo tempo, pela violenta ordem de minha mente, beberam na fonte delas até deixá-la seca; e, ai de Página 74 mim, que luta! E estando muito descontente por essas coisas humanas terem tanto poder sobre mim...Com uma nova aflição, afligi-me por minha aflição e assim fui dominado por dupla tristeza [...].‖ Santo Agostinho p. 190-192, 1949 APUD, Alexander, Selesnick., p 89. 1968. Seu filho morreu pouco depois e Agostinho a partir de então dedicou sua vida à Igreja. Fundou uma comunidade religiosa monástica em sua cidade natal e, dois anos e meio mais tarde, aceitou convite para servir como padre em Hipona, de onde posteriormente se tornou bispo. Lá morreu em 430 durante um sitio imposto pelos vândalos. Agostinho acreditava que o homem é tão fraco e corruptível que a redenção só se torna possível através da Graça Divina, e sustentava esta opinião com intransigente severidade. Essa atitude era profundamente influenciada pela própria luta interior que Agostinho travou a vida inteira contra suas paixões mundanas, que somente foi capaz de dominar renunciando completamente a elas, e dedicando-se inteiramente à divindade. As controvérsias em que se envolveu permitiram à Agostinho externalizar seus conflitos combatendo seus próprios pecados em outros, e atacando seus adversários, atacava tudo quanto fora outrora parte de seu próprio eu. Agostinho atacou decididamente a hipocrisia daqueles que tentavam subestimar as profundas motivações não reveladas que são inaceitáveis pela personalidade consciente. Como faria Sigmund Freud (1856-1939) séculos mais tarde, oferecendo como fulcro da teoria psicanalítica a afirmação de que não se pode combater um inimigo invisível. Agostinho, plenamente cônscio das forças associativas da mente, era pessimista em relação à natureza humana, mas via um caminho para o domínio da maldade inerente na completa devoção e de pendência em relação a Deus, como única fonte de graça que cura. O que o torna Agostinho como um grande contribuinte na história da psicanálise são os métodos psicológicos por ele empregados para chegar às conclusões em que se baseavam suas teorias religiosas. Suas Confissões são um exemplo sem precedente de autoanálise; nesse trabalho apresenta metodicamente suas recordações anteriores e desnudas a sua alma sem reservas. Tenta mesmo reconstruir aqueles anos Página 75 perdidos na amnésia infantil com base em observações de crianças e em toda lembrança de sua própria infância inicial que conservasse. Agostinho não acreditava na inocência Angélica das crianças. ―[...] Na fraqueza dos membros da criança, não na sua vontade, está sua inocência. Eu mesmo já vi e conheci um bebê invejoso; ele não podia falar, mas ficava pálido, e olhava rancorosamente para seu irmão de criação. Quem não sabe disso? Mães a pajens contavam-nos que refreiam essas coisas, não sei com que remédios. Será isso também inocência, quando a fonte de leite está fluindo com rica abundancia, não suportar que outro partilhe dela?... Toleramos gentilmente isso tudo, não por não serem males ou por serem males leves, mas por que desaparecerão com o crescer dos anos; pois embora tolerados agora, os mesmos temperamentos são absolutamente intoleráveis quando encontrados em idade mais avançada‖ [...]. ibid. p 91 . Também passa a discutir como a criança adquirir a fala, mostrando que as necessidades subjetivas são a força dinâmica por trás desse processo de aprendizagem: ―[...] Saindo da infância cheguei à meninice, ou melhor, ela chegou a mim, substituindo à infância. Ora, aquilo partiu (pois para onde foi?) e, no entanto, não existia mais. Pois eu não era mais um bebê sem fala, mas um menino que falava. Disto eu me lembro; e desde então observei como aprendi a falar. Não foram os mais velhos que me ensinaram palavras (como fizeram logo depois em outra aprendizagem) por qualquer método estabelecido; mas eu, desejado por meio de gritos, sons entrecortados e vários movimentos de meus ombros expressarem meus pensamentos, para poder impor minha vontade, e ainda incapaz de expressar tudo quanto eu queria ou a quem eu queria, eu mesmo, pelo entendimento que Tu, meu Deus, me deste, pratiquei os sons em minha memória. Quando diziam o nome de alguma coisa e ao falar se viravam em direção a ela, eu via e me lembrava que chamavam e apontavam pelo nome que pronunciavam. E que sua intenção era essa, e nenhuma outra tornava-se claro pelo movimento de seu corpo, a linguagem natural, por assim dizer, de todas as nações, expressada pelo semblante, por olhares, pelos gestos dos membros e tom da voz, indicando as tendências da mente, quando persegue, possui, rejeita ou se esquiva. E assim, ouvindo, constantemente palavras, à Página 76 medida que ocorriam em variadas sentenças, eu deduzi gradualmente o que significavam; e tendo treinado minha boca com esses sinais, dei assim expressão à minha vontade. Assim, troquei com aqueles que me cercavam esses sinais coerentes de nossas vontades e me lancei mais profundamente na tempestuosa relação da vida humana, ainda dependendo da autoridade paterna e da ordem dos mais velhos.‖ [...] ibid..p 91. Santo Agostinho confessa como era suscetível às ―vaidades‖ do mundo e como enganava seus pais e professores, escondendo deles seu desejo de ver espetáculos baratos e reproduzi-los. Confessa também que furtou quando tinha dezesseis anos, demonstrando notável compreensão das motivações do furto e mesmo da psicologia, da cleptomania. ―[...] No entanto, eu desejava furtar e roubei, sem ser forçado pela fome ou pela pobreza... Pois furtei aquilo de que eu já tinha o suficiente, e de muito melhor qualidade. Não cuidei de desfrutar aquilo que furtei, mas senti prazer no próprio furto e pecado. Havia uma pereira perto do nosso vinhedo, carregada de frutos, que não tentavam pela cor nem pelo gosto. Alguns jovens licenciosos entre nós foram sacudir e furtar esses frutos... E apanhamos enormes quantidades, não para comer, mas para lançarmos aos próprios corpos, apenas experimentando-os. E isso, não só para fazer o que gostávamos, mas por que causava desagrado... Pois se alguma coisa daquelas pêras entrou em minha boca, o que a adoçava era o pecado.‖ [...] ibid 93 Agostinho avançou mais em sua busca de motivações secretas, demonstrando conhecimento da psicologia das quadrilhas de adolescentes, com sua descoberta de que cometer um crime na companhia de outros aumenta ainda mais a satisfação dele tirada; isto segundo a linguagem da psicologia hoje, descobre-se que as ações são determinadas não por um único motivo, mas por muitos. A maneira como Agostinho procura compreender o pesar que sentiu quando um amigo querido morreu, demonstra sua genialidade. Descreve vividamente a pessoa falecida, pervertendo-se na miséria e chega quase a reconhecer que a função do ódio no luto é ajudar a desapegar-se da pessoa amada e perdida. Do mesmo modo é interessante é sua análise do amor à fama. Reconhece que o admirador de um grande homem não o admira pelo o que ele diz e faz, mas por que deseja estar em seu lugar e ter para si o amor e admiração das pessoas. Página 77 Agostinho refere-se mais de uma vez àqueles que procuram explicar a conduta do homem apenas em termos físicos, contornando assim a responsabilidade individual e ignorando a capacidade do homem para responder por seu comportamento em termos psicológicos. Há mil e quinhentos anos alguém acreditava que o sofredor deveria compreender-se psicologicamente e corrigir seu comportamento. Em sua grande obra A cidade de Deus, a metáfora que emprega para explicar o que seria a vida sem tumulto interior é de uma cidade de Deus governada por homens realmente religiosos cujas almas estão livres dos de todos os impulsos destruidores. A cidade de Deus dizia Agostinho, não pode ser construída por meio de recursos tecnológicos e políticos. Seu aparecimento exige uma mudança de valores interiores; e é esse sincero interesse por questões psicológicas que torna Agostinho e seus escritos tão pertinentes para a psiquiatria do século XX. Ele consegue tornar concreta e real a psicologia, ao contrário da abstração de Platão e Aristóteles. A psicologia de Santo Agostinho fala de sentimentos, aflições e angustias de um individuo de maior sinceridade e capacidade introspectiva, e pode ser com razão considerada como a mais antiga contribuição à psicanálise. Nos primeiros séculos após a queda de Roma, monges atuavam ao mesmo tempo como médicos e teólogos. No século XIII, a filosofia natural de Aristóteles foi revivida no Ocidente, transmitida em manuscritos gregos preservados pelos árabes. Santo Tomás entrou em acordo com essa força intelectual vital reconciliando os ensinamentos de Aristóteles com o dogma cristão através de sua subordinação a revelação religiosa. Assim, as obras do grande observador e racionalista grego foram colocadas na paradoxal posição de empecilhos dogmáticos ao desenvolvimento da ciência e da livre investigação. De grande importância foi a descrição que Santo Tomás (1225-1274) Fonte: Ust.cl/médios/cet/santo tomas Tomás de Aquino fez da separação entre o corpo e a alma. Acreditava ele, que o corpo é governado pela alma, mas que a alma pode existir independentemente do corpo. Sustentava que as funções vegetativas dependem do Página 78 sistema alimentar e de alguns outros órgãos, e que a faculdade sensitiva opera através dos órgãos sensoriais; mas não considerava os poderes racionais como funções de algum órgão corporal ou dependente do cérebro. O que Santo Tomás fez com os ensinamentos de Aristóteles é um exemplo clássico do padrão histórico comum pelo qual uma realização originariamente pioneira, depois de ser institucionalizada, pode tomar-se dogma rígido e o maior obstáculo ao desenvolvimento futuro. Esses e outros princípios ficaram tão institucionalizados que mesmo no século XVIII Aristóteles continuava sendo a inflexível fortaleza do pensamento reacionário e opressivo. A influência de Santo Tomás na história da psiquiatria deve ser assim encarada como regressiva. A maior contribuição das cidades medievais para a Medicina e a saúde pública foram seus hospitais, muitos dos quais sobrevivem nas grandes cidades. Os hospitais floresceram nos impérios bizantino e muçulmano, como já foi comentado acima, mas somente quando o Papa Inocêncio III interessou-se pessoalmente, fundando um hospital em Roma, no século XIII, é que o movimento expandiu-se por toda Europa cristã. A Medicina e a psiquiatria na renascença – A caça as bruxas A Renascença caracterizou mais uma crença no futuro do que uma homenagem ao passado. O ideal de valorização do homem, o qual poderia com seu próprio esforço, sem a ajuda de Deus ou do sobrenatural, criar e evoluir culturalmente recebeu a denominação de humanismo. Este “Bruxa” Fonte: cranik.com/imagens/bruxas2.gif movimento superou o costume medieval da teologia e filosofia escolástica e, principalmente, da autoridade eclesiástica. Que por sinal essa ultima mantinha, grande parte da população em estado de ignorância e passividade. Página 79 Uma grande força que revolucionou a vida do homem e seu pensamento durante o Renascimento foi a invenção da imprensa, que transferiu a literatura dos mosteiros para os lares e universidades. Entre os médicos humanistas, a grande maioria lutava arduamente para desligar o ensino médico dos imprecisos textos árabes. A invenção das armas de fogo e dos canhões durante o renascimento tornou as guerras mais sangrentas e os ferimentos mais mutiladores o que estimulou o crescimento da cirurgia na doutrina médica renascentista. A arte de curar, segundo Paracelso, fundamentava-se na Filosofia, na Astronomia, na alquimia e na virtude. A nosologia paracelsiana encarava as doenças como entidades reais. A sífilis faria sua dramática entrada no cenário renascentista em 1493. Em poucas décadas, a natureza sexual da ―doença do amor‖ seria reconhecida. E todos, médicos, religiosos e curandeiros, fariam de tudo para controlá-la. A caça às feiticeiras surgiu na Europa exatamente quando o espírito da Renascença estava começando a provocar reações de inquietação entre os guardiões do status quo. O feudalismo foi ameaçado pela descoberta da pólvora; a invenção da imprensa tornou possível a autoeducação; os abusos da Igreja estavam sendo atacados pelos precursores da Reforma. Além disso, ocorreriam varias epidemias de peste que mataram cinqüenta por cento da população da Europa. As instituições sociais que estavam começando a ruir não tinham condições para suportar descontentamento político ou religioso e a Igreja, os monarcas e os senhores feudais arregimentaram suas forças para a defesa. Essa era precisava encontrar seu bode expiatório e a severa perseguição aos judeus parecia não ser suficiente para conter a maré. Um das mais importantes ameaças surgiu nas fileiras da própria Igreja. Séculos de celibato compulsório não haviam inibido os impulsos eróticos de monges e freiras. Sabia-se que existiam passagens subterrâneas ligando conventos de monges e de freiras. A gente das cidades muitas vezes precisava enviar prostitutas aos mosteiros a fim de proteger as donzelas da localidade. Tornava-se cada vez mais imperativo que a Igreja iniciasse um movimento antierótico, que tornasse suspeitas as mulheres, estimuladoras da licenciosidade dos homens. Os impulsos condenáveis dos homens não Página 80 podiam mais ser tolerados, por isso foram projetados sobre as mulheres à sombra de um estandarte misógino cujo lema era: "A mulher é um templo construído sobre uma cloaca." Bronberg, 1959 APUD Alexander; Selesnick, 1968 p 105. As mulheres despertavam as paixões do homem, portanto deviam ser transmissoras do demônio. Mulheres psicóticas com pouco controle quanto à manifestação de suas fantasias sexuais e sentimentos sacrílegos eram os exemplos mais claros de possessão demoníaca; e voltando-se contra elas a Igreja aumentou o medo já crescente dos perturbados mentais. Os séculos XIII e XIV caracterizaram-se por movimentos psicóticos coletivos que aterrorizavam a Igreja porque não podiam ser controlados. Na Hungria, por exemplo, em 1231, apareceu um grupo sustentando que as pestes eram causadas por pecados individuais. Marchavam através de grande parte da Europa cantando hinos, ostentando cruzes vermelhas no peito e carregando chicotes com nós dos quais pendiam pontas de ferro. Quando passavam pelas aldeias, demonstravam sua penitência publicamente açoitando a si próprios e a todos os prosélitos confessos que pudessem atrair. Essa fraternidade de flagelantes tomou-se excessivamente poderosa, tanto que ameaçou usurpar a prerrogativa de perdoar os pecadores, até então exclusiva da Igreja. O imperador Carlos IV e o papa Clemente proibiram finalmente sua organização. Todavia continuavam a surgir outros grupos de descontentes e psicóticos; por exemplo, em 1418, milhares de maníacos dançavam nas ruas de Estrasburgo diante de espectadores que se identificavam com essas orgias auto-humilhantes e assim aliviavam vicariamente seus sentimentos de culpa por seus próprios desejos corporais. Tão logo se desfraldou plenamente o estandarte misógino, a ideologia do movimento coletivo de caça às feiticeiras foi codificada por Johann Sprenger e Heinrich Kraemer, com típica meticulosidade germânica, em seu livro Malleus Maleficarum ("O Martelo das Feiticeiras") (1487), que é ao mesmo tempo um manual de pornografia e um manual de psicopatologia. Malleus foi traduzido para o inglês em 1928 pelo reverendo Montague Summers. Em 1484 os autores obtiveram do papa Inocêncio VIII aprovação para publicar seu "Manual da Inquisição"; em seguida, Maximiliano I, rei de Roma, aprovou o documento em 1486; e, finalmente, um ano depois, a faculdade de teologia da Universidade de Colônia aprovou o Malleus. Página 81 O Malleus expõe pormenorizadamente a destruição dos dissidentes, cismáticos e doentes mentais, todos os quais são incluídos no termo "feiticeiro". O livro dividese em três partes. A primeira parte tenta provar a existência de demônios e feiticeiras; se o leitor não se deixar convencer pelos argumentos dos autores, é porque ele próprio está sendo vítima de feitiçaria ou heresia. A segunda parte diz como identificar feitiçaria; a terceira parte descreve como as feiticeiras devem ser julgadas por tribunais civis e punidas. A maneira preferida de destruir o demônio era queimar seu hospedeiro, a feiticeira. O Malleus sustenta que, se um médico não puder encontrar a razão para a causa da doença ou "se o paciente não puder ser aliviado por medicamentos, mas pelo contrário parecer ficar pior devido a eles, então a doença é causada pelo demônio". Assim, toda doença desconhecida era considerada como causada por feitiçaria; hoje, quando não é possível encontrar razão orgânica para uma doença, pensa-se que seja provocada psicologicamente. O Malleus acentua que: "Toda a feitiçaria provém de desejo carnal que existe em mulheres insaciáveis" e, além disso, que ―três vícios gerais parecem ter especial domínio sobre mulheres más, a saber, infidelidade, ambição e luxúria. Portanto, são mais inclinadas para a feitiçaria do que as outras as que são mais dadas a esses vícios do que as outras. Sendo as mulheres insaciáveis segue -se que são mais profundamente contagiadas entre as mulheres ambiciosas aquelas que são mais ardentes em satisfazer seus desejos imundos. Os autores do Malleus justificavam seu ataque às mulheres declarando que elas provinham da costela inferior de Adão e eram assim imperfeitas em sua estrutura física e sua alma‖. Deve-se reconhecer também que as feiticeiras acusadas muitas vezes favoreciam os planos de seus perseguidores. Uma feiticeira aliviava sua culpa confessando suas fantasias sexuais em tribunal público; ao mesmo tempo, obtinha certa satisfação erótica demorando-se em todos os pormenores diante de seus acusadores do sexo masculino. Essas mulheres com graves perturbações emocionais eram particularmente suscetíveis à sugestão de que abrigavam demônios e diabos, e confessavam que coabitavam com o espírito mau, da mesma forma como hoje em dia indivíduos perturbados, influenciados pelas manchetes dos jornais, se imaginam assassinos procurados pela polícia. Página 82 A opinião medieval de que o corpo nu é pecaminoso e deve ser coberto estava sendo superada pelos artistas da Renascença com sua ousada representação da forma humana despida em toda sua realidade nua e voluptuosa. As representações dinâmicas do corpo humano nas obras importantes de artistas italianos do fim do século XV e começo do século XVI, como Leonardo da Vinci, Botticelli, Rafael, Michelangelo, Ticiano, Tintoreto e Signorelli, contrastam flagrantemente com os corpos rígidos, irreais, empertigados e imóveis pintados durante a Idade Média. Com efeito, o corpo humano foi tão informativo para os pintores da Renascença quanto para os médicos e é perfeitamente compreensível que médicos e artistas do século XVI pertencessem às mesmas guildas. O maior representante da combinação de talento artístico e científico da Renascença foi Leonardo da Vinci (1452-1519), pintor, biologista, escultor, arquiteto, engenheiro, poeta, músico, filósofo, químico, geólogo e mecânico. Leonardo compreendeu que o artista precisava ter conhecimento da estrutura anatômica. Estudou corpos vivos e mortos, desenhando o que via com tanta precisão que seus desenhos anatômicos foram usados por médicos durante muitos séculos depois de sua morte. Chegou a seccionar o cérebro e desenhar com precisão cavidades desse órgão por meio de uma Leonardo da Vinci . Fonte: www.visi.com/reuler/vinci/self nova técnica de injetá-las com cera. Os estudos anatômicos de Leonardo foram relativamente desconhecidos de seus contemporâneos; em conseqüência, a idéia de desenhar corpos dissecados foi atribuída, não a Leonardo, mas ao médico Berengarius, de Capri (1470-1530). Berengarius acreditava na vantagem de fazer observações em primeira mão, mas não se libertou completamente do ponto de vista humanista de que as descobertas essenciais haviam sido feitas pelos sábios da Antigüidade. Conseqüentemente, não era capaz de decidir se seguia a palavra de Galeno ou sustentava suas próprias observações. De grande importância é o fato de ter publicado em 1521 parte de seus trabalhos e seus contemporâneos terem podido estudar seus desenhos quase Página 83 exatos de cortes transversais do cérebro. Foi, naturalmente, acusado de vivissecção, da mesma maneira que Herófilo e Erasistrato, os anatomistas de Alexandria, haviam sido acusados por seus contemporâneos. O mais alto clamor daqueles que defendiam a autoridade dos antigos foi erguido contra, o maior de todos os anatomistas e o homem a quem a medicina moderna deve seus alicerces: Andreas Vesálius (1514-1564). O pai de Andreas, um Wessale, farmacêutico Carlos V. Vesálius anatômicos belga era de renomado na côrte Quando leu de criança escritos antigos e dissecou animais mortos. O Fetus – de Leonardo da Vinci estudo da anatomia continuou sendo sua paixão, tanto assim que mais tarde, quando estudante em Paris, onde a dissecação não era permitida, violava túmulos para obter espécimes nos quais pudesse continuar seus estudos da estrutura anatômica. Vesálius começou seus estudos médicos na Universidade de Paris em 1533, sob a orientação dos ilustres anatomistas Vidus e Sylvius. Esses dois homens seguiam Galeno, mesmo quando o que ele dizia contradizia aquilo que viam com seus próprios olhos. Sylvius declarava, por exemplo, que como Galeno havia afirmado que o osso da coxa era curvo, se parecia reto era porque no decorrer dos anos os homens haviam usado calças justas e assim modificado a curvatura do osso. Em 1535, Vesálius não pôde mais tolerar que lhe ensinassem a anatomia galenica e decidiu transferir-se para a Universidade de Pádua, que tinha reputação de liberdade intelectual. Pádua conferiu-lhe um diploma de doutor em Medicina. Página 84 A Psicologia no Renascimento Na época em que o movimento em direção ao realismo psicológico se realizou, Giotto, o pai da pintura moderna, estava irrompendo através da rigidez despersonalizada do formalismo bizantino e atrevendo-se a pintar Cristo como um homem entre outros. No trabalho de Giotto, escreve André Malraux, ―a Psicologia substituiu o símbolo e a pintura descobriu por sua vez que, um dos métodos mais eficientes de sugerir uma emoção é retratar sua expressão‖. Para trazer de volta à vida a adormecida população de estátuas antigas, era necessário apenas o alvorecer do primeiro sorriso sobre a primeira figura medieval. No rosto de Maria (Giotto) instila algo daquele supremo pato que encontramos no sofrimento das criancinhas. Ham e Eckhart, contemporâneos filosóficos de Giotto, estavam também revivendo, depois de seiscentos anos, o conceito de Santo Agostinho sobre a realidade das experiências interiores do homem. A idéia de que os impulsos e sentimentos do homem são dominantes e que o intelecto é seu servo representou uma completa inversão da posição escolástica medieval inicial, segundo a qual o raciocínio dedutivo é um instrumento da verdade revelada, que em si própria está além da competência do homem. Com essa inversão a psicologia humanizou-se e foi aberta a porta para o estudo do homem como organismo biológico cujas faculdades psicológicas servem a sua vontade de viver. As contribuições que esses primeiros voluntários prestaram aos fundam entos da psicologia como ciência natural jamais poderão ser exageradas; deve-se notar, porém, que a origem espiritual de seu pensamento remonta à importantíssima ênfase dada por Santo Agostinho ao auto-conhecimento. A literatura tanto quanto a arte tornou-se mais realística. Os talentos literários de Rabelais e Boccaccio expressaram de maneira nova os impulsos básicos e naturalmente terrenos do homem, que haviam sido ignorados durante séculos. Seu trabalho indica que depois de longos anos de contemplação abstrata e repressão instintiva os homens estavam ficando realistas em relação a si próprios e ao mundo. Os sentidos - tanto aqueles que transmitem impulsos interiores como Página 85 aqueles que transmitem percepções do mundo exterior - não eram mais negados e a negação das forças da vida cedeu lugar à sua aceitação. Este realismo psicológico, naturalmente, foi apenas outra manifestação de que a mentalidade européia estava sendo libertada do dogma medieval. O século XV é a era de transição entre os mundos medieval e moderno. O mundo medieval tornara-se formalizado, cristianismo perdera tanto seu espírito que o ritual superara a fé e o mundo secular era governado por complicado e estático sistema de estereótipos tradicionais cuja completa rigidez está bem simbolizada na arquitetura gótica mais recente. O mundo sobrenatural ainda existia na mente do homem, “Inocentes”. Giotto. Fonte:www.artchive.com/ Giotto_inocentes. mas perdera sua vitalidade. Ortega y Gasset fala do homem do século XV como vivendo em dois mundos, como sendo "arrancado de um sistema de convicções e ainda não instalado em outro... Ele ainda acredita no mundo medieval, isto é, no outro mundo sobrenatural de Deus, mas acredita sem fé viva. Sua fé já se tornou uma questão de hábito... embora isso não signifique que seja insincera.‖. O único denominador comum entre os grandes movimentos intelectuais deste século, que em muitos aspectos parecem contradizer-se entre si, é uma nova confiança na capacidade do homem para adquirir conhecimento sobre a natureza através do emprego de suas próprias faculdades de observação e raciocínio descobrir a verdade, em lugar de recebê-la através da revelação divina ou prová-la por raciocínio silogístico. O emprego da razão e observação para descobrir a verdade foi uma completa fuga à prática medieval dos teólogos que usavam o raciocino dedutivo a fim de provar a verdade revelada. Esta revolução intelectual iniciou-se no século XIII com a redescoberta da filosofia de Aristóteles. As idéias de Aristóteles foram usadas por Alberto Magno e Santo Tomás para apoiar o dogma Página 86 revelado; mas, no século XV, os humanistas descristianizaram Aristóteles apesar de sua declarada intenção de reconciliá-lo com o Cristianismo e ao fazê-lo abriram caminho para a verdadeira Renascença. A contribuição dos humanistas foi principalmente na literatura, nas artes plásticas, na filosofia ética e só tangencialmente na medicina e psiquiatria. A psicologia sempre esteve mais profundamente ligada à tradição religiosa do que as ciências naturais, por ser a alma do homem o objeto de ambas, e por isso a psicologia teve de esperar mais tempo para beneficiar-se dessa reorientação espiritual. Como sempre acontecera, a necessidade que o homem tem de encontrar o meio de viver uma vida ética interferiu com o desenvolvimento da psicologia como ciência. A descoberta da existência concreta do homem ocorreu primeiro no reino da religião, que era a principal arena cultural da época. Desidério Erasmo (1465-1536), em quem o humanismo atingiu sua plena realização, foi um eclesiasta que, como Petrarca, atacou o formalismo e a corrupção da Igreja, o estéril ritual despido de espírito. Seu Elogio da Loucura, que escreveu quando visitava seu amigo inglês Sir Thomas More, outro grande humanista, tornou-se um dos livros mais lidos na Europa. “Não tens quem te elogie? Elogia-te a ti mesmo". (Erasmo, ed. s/d., p.15) Nascido em Roterdã em 1469 e falecido em Basel em 12 de julho de 1536, Desiderius Erasmus foi o maior intelectual europeu do século dezesseis. Usando a filologia de que haviam sido pioneiros os humanistas Italianos, ajudou a lançar os fundamentos para o estudo histórico-crítico do passado, especialmente em seus estudos do Novo Testamento grego e dos Padres da Igreja. Suas obras educacionais contribuíram para a substituição do velho currículo escolástico pela nova ênfase Erasmo de Roterdã. dada aos clássicos pelo humanismo renascentista. Por criticar os abusos eclesiásticos, enquanto apontava para uma época melhor no passado distante, ele encorajou a urgência por reformas, as quais encontraram expressão tanto na Reforma Protestante como na contrarreforma Católica. Finalmente, sua posição independente em uma Página 87 época de controvérsias religiosas ferozes - rejeitando tanto a doutrina de Lutero da predestinação quanto os poderes que eram reivindicados pelo papa -- fez dele um alvo da suspeita dos partidários dos dois lados e um farol para aqueles que valorizavam a liberdade mais do que a ortodoxia. Órfão junto com um irmão escolheu ser padre Agostiniano. A psicologia teórica dos humanistas era aristotélica ou platônica e continha pouca coisa original. Porponazzi (1462-1525), famoso professor da Universidade de Pádua, instruiu-se tanto como filósofo quanto como médico; suas maiores contribuições tratam da relação da mente com o corpo e da imortalidade da, alma. Seus escritos mostram de maneira impressionante o dilema em que se encontravam os pensadores sérios da época, espremidos, como estavam, entre as tradições prevalecentes da filosofia escolástica e o aristotelismo avarroísta. Pomponazzi tentou uma conciliação. Apoiava ambas as teses, de que a alma é mortal e imortal, de que a mente precisa do equipamento físico do corpo para expressar-se e também de que a razão, como pregava Tomás de Aquino, tinha existência independente. Havia pouca observação efetiva em seu trabalho; ele foi principalmente um intérprete de Aristóteles e o novo espírito dos tempos manifestou-se em seus escritos apenas pelo fato de suas reafirmações serem mais claras e mais simples que a dos comentadores anteriores. Se nossa medida para avaliação das contribuições do passado é seu modernismo, dois escritores da Renascença merecem o mais alto reconhecimento: Montaigne e Maquiavel. Esta medida de modernismo é justificada na ciência, pois a ciência é um corpo de conhecimento em contínuo crescimento, um tipo verdadeiramente cumulativo de atividade cultural. Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592) não foi Michel De Montaigne-1533-1592 senão um sistemático pensador ou teórico. Era um realista psicológico, interessado apenas pela grande riqueza dos sentimentos, caráter e comportamento humanos, e sem o menor interesse por princípios abstratos gerais. Página 88 Contentava-se em compreender as ações humanas em termos psicológicos e - talvez possamos usar justificadamente o termo ―psicodinâmico‖. Niccolò Maquiavel (1469-1527) partilhava da aversão de Montaigne pela abstração. Passou a ser um costume considerar Maquiavel como o primeiro psicólogo social, mas seria melhor considerá-lo como o primeiro estudioso das relações interpessoais. Seu conselho ao príncipe não se baseia primordialmente em um conhecimento da dinâmica social, mas em um astucioso conhecimento intuitivo de interações humanas e particularmente da psicologia de liderança. O que há de mais característico tanto em Montaigne como em Maquiavel é que, ao contrário dos humanistas, eles distinguiam entre a psicologia do comportamento humano e a moral. Tentaram descrever como os seres humanos efetivamente se comportam, sem fazer julgamento moral a respeito de seu comportamento, e por esta razão, embora nenhum deles tenha contribuído diretamente para o desenvolvimento da psicologia do anormal ou psiquiatria. Encarar fenômenos naturais desapaixonadamente, sem distorções convenientes, é bastante difícil; estudar o comportamento humano dessa mesma maneira objetiva é talvez a mais difícil de todas as tarefas científicas. O maior sugestionador da Renascença não foi um médico, mas um homem que servia como tenente nas fileiras do exército de Cromwell, Valentine Greatrakes (1628-1666), o qual utilizava a crença popular na eficácia do "toque do rei" - crença em que doenças podiam ser curadas pelo toque de um líder divinamente inspirado. Na Europa Ocidental o primeiro governante a tocar para curar foi Eduardo, o Confessor, no século XI. Depois dele, tanto na França como na Inglaterra, acreditava-se que os reis eram capazes de curar doenças por esse processo e a tuberculose do pescoço - o "mal do rei" - era popularmente considerada como especialmente sensível à mão do rei. Cromwell não praticava o toque ritual e, após Carlos I ter sido degolado em 1649, considerou-se que o toque do rei fora conferido a Valentine Greatrakes, curandeiro irlandês "divinamente inspirado". A princípio Greatrakes teve poucos clientes, mas gradualmente sua clientela aumentou até que, por fim, milhares de pacientes apresentavam-se para serem curados pelo impressionante irlandês e "seus celeiros e dependências externas estavam repletos de inúmeros espécimes da humanidade sofredora". Walter Bromberg, historiador psiquiátrico, considera Greatrakes significativo Página 89 por ter praticado como leigo uma forma de psicoterapia que até então pertencera aos membros da classe dominante. Astrologia, quiromancia, toque mágico, sugestão e outras magias praticadas durante a Renascença eram empregados para aliviar ansiedade e medo. Medidas mais drásticas para aliviar ansiedade resultante de impulsos inaceitáveis consistiam em atribuí-los a certas mulheres e em seguida perseguir e executar as mulheres como feiticeiras. O laço do enforcador e a tocha do executor estavam sempre preparados naqueles tempos. È espantoso que tenha sido erguido contra a fobia da feitiçaria algum protesto, ainda que fraco, mas houve alguns homens corajosos que não, puderam dar aprovação ao homicídio, embora acreditassem no demônio. Dois Representação do sobrenatural na renascença. dos que mais alto protestaram contra os caçadores de feiticeiras são figuras importantes na história da psiquiatria. Um deles, Paracelso (14931541), foi um místico excêntrico; o outro, Johann Weyer (15151588), foi um observador seguro. Ambos eram médicos e exerceram considerável influência em seu mundo. Philippus Aureolus Paracelsus nasceu com o nome de Theophrastus Bombastus von Hohenheím em Maria-Eísíedeln, na Suíça. Quando jovem preferia ser chamado de Theophrastus, nome do distinto sábio que sucedeu a Aristóteles, mas posteriormente latinizou seu nome, com característica falta de humildade, para Paracelsus - "maior que Celsus". (Era tão violento e turbulento que o vocábulo Bombastus foi introduzido na linguagem para descrever homens como ele.) Seu pai, Wilhelm Von Hohenheim, era um médico que provinha de família nobre; depois que sua esposa se suicidou, levou seu raquítico filho para uma cidade mineira, onde Paracelso cresceu e iniciou seus estudos de alquimia. No começo da adolescência, Paracelso Página 90 tornou-se um vagamundo. Foi educado em seis cidades de três países. Seu sucesso como médico começou em Basiléia em 1526, quando curou um influente cidadão que estava com uma perna gangrenada. Depois curou o famoso teólogo Erasmo e, em resultado, foi nomeado professor de medicina na Universidade de Basiléia. Imediatamente se dedicou a um programa de solapamento da autoridade dos antigos. Apelava aos estudantes que, em lugar de confiar nos antigos, confiassem nele e em suas experiências. Quando os estudantes e o corpo docente exigiram sua resignação, o violento iconoclasta queimou livros de Avicena e Galeno, proclamando: "Pois eu vos digo ousadamente que o cabelo de minha nuca sabe mais que todos os vossos escritores juntos; as fivelas de meus sapatos conêm mais sabedoria que o próprio Galeno ou Avicena e minha barba mais experiência do que toda vossa academia.‖ (") Seus clamores contra as autoridades, antigas e modernas, só encontravam paralelos em suas recomendações aos médicos para "seguirem apenas as pegadas de Paracelso"? Permaneceu na universidade menos de um ano e passou os anos restantes de sua vida vagueando de novo. Finalmente voltou a Salzburg, onde morreu. Contemporâneos seus disseram que morreu de cansaço causado por suas peregrinações e complicado por intensa sede pelo álcool. Embora Paracelso fosse astrólogo, não pensava que a doença fosse causada pelas estrelas ou por demônios. Pelo contrário, acreditava em um "espírito natural" que se utilizava de substancias alquímicas básicas sais, enxofre e mercúrio - para formar o complexo corpo humano. Imaginava a personalidade humana como um todo, constituído de partes espiritual e corporal intimamente ligada à alma. A doença mental era uma perturbação dentro da substância interna do corpo e não podia ser considerada como resultado de efeitos externos. Acreditava que toda doença, mental ou física, podia ser curada pelo medicamento adequado, mas fazia objeção à polífarmácia da época e Paracelso- 1493-1541. Página 91 receitava drogas simples em dosagens precisas. Seu rancor e seu desprezo eram aparentemente reservados à autoridade e nunca se dirigiam contra os pacientes, pelos quais sempre demonstrava apenas simpatia. Vangloriava-se de que, embora tivesse sido O obscurantismo de Paracelso e sua tendência ao misticismo tornaram ambíguas suas contribuições filosóficas e psiquiátricas. Tornou-se quase costumeiro em alguns círculos afirmar que o escritor que tem o germe de uma idéia original, mas cujas idéias são mal definidas e confusas, não é compreendido porque fica fora do âmbito de seus contemporâneos e sucessores. Se Paracelso tivesse revoltado contra a autoridade de Galeno sem insinuar seu próprio dogmatismo, poderia ter sido com razão designado como um grande reformador médico. Na questão da caça a feiticeiras foi inegavelmente alto e claro. Um dos mais trágicos iconoclastas da história da medicina,foi ele o segundo médico a falar acidamente contra o Código dos queimadores de feiticeiras; o primeiro foi Agrippa, cuja maior razão à fama médica provém de ter sido o mestre de Johann Weyer. Johann Weyer, ao contrário de Paracelso, não atacou a autoridade pelo gosto da autopublicidade. Weyer era um individuo calmo, metódico e consciencioso; seu objetivo consistia em provar que as feiticeiras eram doentes mentais e deviam ser tratadas por médicos em lugar de interrogadas pelos eclesiásticos. Weyer nasceu no ano de 1515 em Grave, no território que hoje constitui a Holanda. Pouca coisa se sabe de sua vida; parece ter sido dotado de imensa curiosidade e seu pai, um plebeu, mandou-o estudar com Cornelius Agrippa Von Nettesheim (14861535), médico e filósofo alemão. O inspirador tratado de Arippa Da Nobreza e Proeminência do Sexo Feminino ensinou Weyer a sentir empatia pela situação das mulheres perseguidas. Depois de estudar três anos com Agrippa, Weyer, então com 19 anos, viajou para a França a fim de estudar medicina em Paris e Orleans. Intelectual brilhante, foi convidado em 1945 pelas autoridades de Arnheim para ser seu médico oficial, posto que ocupou até 1550 quando se tornou médico particular do duque William de Clèves. O duque sofria de depressão crônica e tinha muitos parentes que haviam ficado insanos. Observara que as feiticeiras manifestavam muitos dos mesmos sintomas de seus parentes e simpatizava com a idéia de Weyer de que essas mulheres eram realmente vítimas de doença mental. Quando, em 1578, o Página 92 duque sofreu episódios temporários psicóticos, em resultado de um ataque, não foi mais capaz de manter sob controle os caçadores de feiticeiras em seus ducados; conseqüentemente Weyer precisou deixar o serviço do duque e durante o resto de sua vida ocupou um cargo sob a proteção da condessa Anna de Tchlenburg. É perfeitamente justo que esse homem, que defendeu mulheres contra as hordas assassinas de caçadores de feiticeiras, tenha sido protegido por uma mulher. Enquanto estava com o duque William, Weyer visitou Julich e Berg para investigar todos os casos noticiados de feitiçaria. Acumulou dados, entrevistou acusadores e acusados, e depois, de maneira cuidadosa e sistemática, destruiu as acusações com explicações naturalísticas. Um dos melhores exemplos de seu método de investigação é o caso de uma menina de 16 anos que acreditava que o demônio havia posto em seu estômago pano, unhas e agulhas. Weyer examinou cuidadosamente um pedaço de pano que tinha supostamente saído do estômago da menina e descobriu que estava úmido só de saliva, não de sucos gástricos, prova convincente de que a menina estava mentindo. Em um de seus panfletos, De Commentitiis Jejuniis ("Do Alegado Jejum"), descreve que, segundo contavam seus pais, não comia nem bebia desde seis meses antes. Weyer levou a menina para sua casa e convenceu-a a confessar que sua irmã de 12 anos a alimentara secretamente durante todo aquele tempo. Os cuidadosos estudos de casos de Weyer contêm excelentes descrições psiquiátricas de diferentes perturbações mentais. Weyer continuou suas investigações sobre os abusos envolvidos na identificação de feitiçaria durante doze anos e finalmente, em 1563, publicou De Praestigiis Daemonum ("A Ilusão de Demônios"), que quatro anos depois traduziu para o alemão. De Praest ig iis é uma refutação ponto por ponto do Malleus Maleficarum e revela que Weyer não era um Johann Weyer (15151588). renegado réprobo rebelado ímpio; era e amargurado um homem nem um religioso, Página 93 respeitoso e reverente, cujo único desprezo era pelo carrasco. Em sua introdução Weyer diz: "Quase todos os teólogos estão observando em silêncio essa impiedade (a queima de feiticeiras). Doutores toleraram-na, juristas tratam-na ainda sob a influencia de velhos preconceitos." Acreditava firmemente que "essas doenças cujas origens são atribuídas a feiticeiras provêm de causas naturais. Weyer tinha plena consciência de que ainda não era possível explicar todas as doenças mentais, mas sabia "que feiticeiras não podem prejudicar ninguém através da mais perversa vontade ou do mais feio exorcismo, que é antes sua imaginação inflamada pelos demônios de maneira para nós incompreensível e a tortura da melancolia - que as leva a imaginar que causaram toda espécie de mal. A renascença assinalou a reorintação do homem em direção à realidade. Embora a luta contra a superstição não tenha sido vencida n esse período, o ponto crítico foi atingido; o homem ocidental comprometeu -se a procurar a verdade a seu próprio respeito. O diálogo entre o Iluminismo e a Medicina – Questões da Psiquiatria recém-descoberta eletricidade demonstraram que o corpo humano é um bom condutor elétrico, O menino suspenso por cordas Isolantes recebe estímulos elétricos nos pés, os quais são transmitidos à outra criança (à esquerda), a quem esta dando a mão. Fonte: saberhistoria.hpg.ig.com.br/. O contínuo desenvolvimento das idéias científicas não pode ser nitidamente dividido em séculos. É simplesmente por uma questão de conveniência que se rotula o Página 94 século XVIII como a época do "Iluminismo", e o leitor deve ter em mente que a herança empírica, racional e observacional do século XVII continuou a florescer durante todo o século XVIII e constituiu realmente muito do impulso para os progressos feitos em todo o Século Iluminado. Iluminado, sim, mas também uma era cheia de contradições internas. Tendências paralelas, velhas e novas, fundiramse e misturaram-se: embora se esposasse o conceito da bondade do homem, instintos destruidores encontraram vazão em sangrenta revolução; embora os insanos tivessem sido libertados de seus grilhões, inventou-se a guilhotina. A característica saliente do século XVIII, porém, é que a crença na razão substituiu a tradição e a fé em todos os aspectos da sociedade. No começo do século XVIII a experimentação já expulsara definitivamente a abstração dedutiva nas investigações científicas e médicas. George Stahl, um vitalista, estava debatendo com seu colega Friedrich Hoffmann (1660-1742) na Universidade de Halle e perdendo para a posição deste ultimo, segundo o qual a experiência devia suplantar a razão na pesquisa biológica. John Hunter (1728-1793), cujo epitáfio na Abadia de Westminster proclama ser ele o "Fundador da Cirurgia Científica", escreveu a seu amigo Edward Jeimer (1749-1823), o inovador da vacina contra varíola: "Não pense, faça a experiência"; e parece que toda a investigação médica do século XVIII obedeceu ao conselho deste eminente cirurgião. O ponto de vista objetivo finalmente expulsara o demônio da doença humana e a psiquiatria estava a ponto de ingressar na medicina através de canais orgânicos. Nas primeiras décadas do século, médicos procuravam matéria destruída no cérebro para explicar doença mental e conceitos como os da sede da alma e de ―espíritos animais" estavam gradualmente caindo no esquecimento. O progresso nas ciências exatas durante o Iluminismo foi atordoante. Luigi Galvani (1737-1798), fisiologista italiano, e o conde Alessandro Voltam (1745-1827), físico italiano, fizeram trabalho pioneiro em eletricidade; John Dalton (1766-1844), químico inglês, revolucionou a física com sua teoria atômica; Joseph Black (17281799), químico escocês, descobriu o dióxido de carbono. Henry Cavendish (1731-1810), Daniel Rutherford (1749-1819) e Joseph Priestley (1733-1804) descobriram e descreveram o hidrogênio, o nitrogênio e o oxigênio, respectivamente. O oxigênio foi também Página 95 identificado independentemente por Karl Wilhelm Scheele (1742-1786), da Suécia. Na Alemanha, a embriologia foi modernizada pelo trabalho do microscopista Kaspar Friedrich Wolff (1733-1794) e na Suíça Albrecht Von Haller (1708-1777) iniciou progressos na fisiologia e compilou em seu Elementa physiologiae corporis human (1757-1768), todo o conhecimento fisiológico então existente. Em todos os terrenos da tecnologia, progresso juntou-se a progresso. Apareceram novas invenções - o rolo de fiar, a locomotiva, o pára-quedas, o balão. Na medicina, novos instrumentos de diagnóstico foram acrescentados ao arsenal do médico. Stephen Hales (1677-1761), teólogo inglês, desenvolveu um método para tomar a pressão do sangue e estudou a dinâmica da circulação do sangue. Leopold Auenbrugger (1722-1809) aprendeu quando criança que, batendo em barris de vinho, podia ficar sabendo o nível do liquido existente dentro. Como médico, batia no peito dos pacientes e deixou para a posteridade médica o valioso método de avaliar doença torácica por percussão. O médico francês René Laennec (1781-1826) inventou o estetoscópio, tomando assim possível para os médicos ouvirem mais claramente os sons dentro do peito. Os princípios do conhecimento dos processos digestivos foram feitos por um naturalista francês, René de Réaumur (1683-1757), e um abade italiano, Lazaro Apallanzani (1729-1799). As doenças passaram a ser diagnosticadas com mais exatidão e localizadas com mais precisão, e, como o conceito de localização é essencial ao desenvolvimento da história da psiquiatria orgânica. A riqueza dos dados médicos e científicos estabelecidos durante os séculos XVII e XVIII foi tão grande que se tornaram necessárias síntese e sistematização. A ciência precisa dar sentido aos fatos coligidos fazendo generalizações e inventando um sistema de ordem. O século XVIII tornou-se necessariamente a Idade dos Sistemas. A química foi sistematizada por Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794), que desenvolveu também muitos dos pontos essenciais da combustão e da respiração; e a marcha no sentido da sistematização continuou quando Carolus Linnaeus (1707-1778), médico e botânico sueco aplicou os princípios de organização á matéria viva em seu Systema naturae (1735). Página 96 ATENÇÃO: A PESQUISA SOBRE O ILUMINISMO AINDA ESTÁ SENDO ELABORADA, UMA VEZ QUE A PARTIR DESSE CONTEXTO A PSIQUIATRIA PROPÕE NOVAS QUESTÕES E SEU APROFUNDAMENTO HISTÓRICO EXIGE CUIDADO E REFLEXÃO PARA DEIXAR BEM ESCLARECIDO O PROCESSO EVOLUCIONISTA QUE ESSA CIÊNCIA SOFRE A PARTIR DESSE MOMENTO. Página 97 A Medicina Iluminista Esta foi a era que divinizou a ciência, buscando reduzir todos os processos intelectuais e morais a preciosos princípios newtonianos de matéria, movimento, espaço, tempo e força. Homens talentosos descobriram dados básicos em Química e Física, que indiretamente beneficiaram o progresso da Medicina. Neste século nasceu a tendência para a especialização: a Cardiologia teve origem na obra de Antonio Giuseppe Testa (1764-1814); na Alemanha, o poeta Paul Gottlieb Werlhof (1699-1767) lançou as bases da Hematologia com a descrição da púrpura hemorrágica. O século XVIII não introduziu nenhum método revolucionário de terapia; continuaram em moda a sangria, a aplicação de ventosas, a purgação e a dieta; as doenças venéreas, desenfreadas numa época de libertinagem, eram ainda tratadas com doses maciças de mercúrio, flebotomia e banhos. A Medicina do século XIX O século XIX produziu mudanças mais radicais na estrutura da sociedade humana do que os mil anos anteriores. O mais revolucionário pensador do século foi Charles Robert Darwin, cuja teoria da origem das espécies, dividiu o mundo vitoriano, desencadeando décadas de debates entre cientistas e entre os naturalistas e o clero. O legado mais interessante do século XIX foi o trabalho do francês Marie-François Xavier Bichat (1771-1802). Ele desenvolveu a idéia de que o corpo vivo não era apenas uma associação de órgãos que podiam ser estudados em separado, mas uma intrincada rede de ―membranas‖ ou tecidos. Para ele o tecido era uma unidade fisiológica e morfológica da criatura viva, independentemente do órgão do qual era derivado. Esse ensinamento levou à teoria celular de Virchow, algumas décadas depois. A ambição de Bichat, frustrada por morte prematura, era transformar a Medicina numa ciência exata baseada na Anatomia e na Patologia. A teoria microbial da doença, o maior presente do século à Medicina, veio de um cientista que não era médico, chamado Louis Pasteur (1822-1895). Em seu precário Página 98 laboratório mal iluminado, Pasteur fez sua histórica contribuição à Imunologia, com vacinas de vírus contra a cólera nas galinhas, o carbúnculo nos porcos e a raiva. Ele observou os efeitos do Penicillium glaucum em fermentos e demonstrou que as bactérias podiam ser usadas umas contra as outras. Robert Koch (1845-1910) descobre o bacilo da tuberculose e relata que a peste bubônica é quase sempre transmitida pela pulga do rato. A Medicina passou a depender em grande parte da ciência. O laboratório assumiu papel dominante nos problemas de doença e morte mudando a imagem do médico do século XIX que não era mais um homem com poderes miraculosos, mas sim alguém que compartilhava da tendência positivista da época, reconhecendo apenas as conclusões que se baseavam em fatos objetivos. A corrente que conduziu a Medicina aos caminhos do diagnóstico clínico-laboratorial e à especialização despontou no fim do século. A Medicina do século XX O médico na Mesopotâmia encarnava a autoridade e o conhecimento do saber médicoempírico. Seus honorários eram regidos por lei, como também eram as penalidades caso algum tratamento causasse morte ou danos ao paciente. As doenças na Mesopotâmia eram tratadas com O Doutor” – 1950 – de Grandma Moses – quando o médico rural fazia suas visitas a cavalo drogas, fumigação, banhos medicinais, água fria ou quente. Os médicos reconheciam doenças nos olhos e ouvidos, reumatismo, perturbações cardíacas e doenças venéreas dentre outras. A civilização vivia na crença de que o fígado era o centro da vida e onde ficava a alma. Página 99 A Medicina atual “O bom médico é aquele que me atende como se eu fosse o único paciente do dia”. Anônimo A medicina progrediu mais nos últimos 50 anos do que nos 50 séculos precedentes. A mídia divulga os prodígios da ciência médica criando uma nova mitologia: a doença sob controle. O corpo humano é visto como uma máquina que pode ser analisada em suas diferentes peças. A doença é encarada como mau funcionamento dos mecanismos biológicos. O modelo biomédico reduz a doença a um projeto biológico centrado ora na patologia celular ou molecular, ora num agente infeccioso, tóxico ou coisa semelhante. Os avanços técnico-científicos ao lado do modelo cartesiano do corpo humano foram responsáveis pela pulverização da medicina em especialidade. Chegamos à era do médico tecnotrônico. Em linhas gerais este modelo sugere: 1. o doente como objeto. 2. o médico como mecânico. 3. a doença como avaria. 4. o hospital como oficina de consertos. A escola médica deve se constituir num espaço crítico proporcionando ao médico uma visão global dos problemas de saúde. A promoção da saúde depende também do saneamento básico, da alimentação, da habitação, da educação ou seja das condições socioeconômicas adequadas. A epistemologia (estudo crítico da teoria da ciência) precisa fazer parte da formação médica. Página 100 “A ciência é um enunciado que permanece como tal até que venha outro para refutá-lo” Karl Popper Uma das lições a ser aprendida com as histórias das realizações científicas é que nenhuma teoria sobrevive para sempre. Muitas vezes, quando as coisas parecem solidificadas, novas observações e novas idéias a substituem por conceitos atualizados. Isso é parte da aventura que é a ciência, parte da conquista do enigma que é o mundo natural, na qual o homem está empenhado desde os primeiros dias da mais antiga civilização. Uma Discussão sobre o Símbolo da Medicina: Tradição e Heresia O valor de um símbolo não está em seu desenho, mas no que ele representa. Dois símbolos têm sido usados ultimamente em conexão com a medicina: o símbolo de Asclépio, representado por um bastão tosco com uma serpente em volta, e o símbolo de Hermes, chamado caduceu, que consiste em um bastão mais bem trabalhado, com duas serpentes dispostas em espirais ascendentes, simétricas e opostas, e com duas asas na sua extremidade superior. Ambos os símbolos têm sua origem na mitologia grega; o de Asclépio, deus da medicina, é o símbolo da tradição médica; o de Hermes, deus do comércio, dos viajantes e das estradas, introduzido tardiamente na simbologia médica, constitui a heresia (fig.1). 1-Símbolo de Asclépio 2-Símbolo de Hermes Em várias esculturas gregas e romanas e em descrições de textos clássicos, Asclépio é sempre representado segurando um bastão com uma serpente em volta. [3][4] Página 101 Não é nosso objetivo no momento discutir o significado do bastão e da serpente e sim analisar as razões pelas quais o símbolo de Hermes tem sido usado em substituição ao de Asclépio. Hermes, na mitologia grega, é considerado um deus desonesto e trapaceiro, astuto e mentiroso, deidade do lucro e protetor dos ladrões. [5][6][7][8][9][10][11] Seu primeiro ato, logo após o seu nascimento, foi roubar parte do gado de seu irmão Apolo, negando a autoria do furto. Foi preciso a intervenção de Zeus, que o obrigou a confessar o roubo. Para se reconciliar com Apolo, Hermes presenteou-o com a lira, que havia inventado esticando sobre o casco de uma tartaruga, cordas fabricadas com tripas de boi. Inventou a seguir a flauta que também deu de presente a Apolo. Apolo, em retribuição, deu-lhe o caduceu. Caduceus, em latim, é a tradução do grego kherykeion, bastão dos arautos, que servia de salvo-conduto, conferindo imunidade ao seu portador, quando em missão de paz. O primitivo caduceu não tinha asas na extremidade superior, as quais foram acrescentadas posteriormente. [12][14][15] Hermes tinha a capacidade de deslocar-se com a velocidade do pensamento e por isso tornou-se o mensageiro dos deuses do Olimpo e o deus dos viajantes e das estradas. Como o comércio na antiguidade era do tipo ambulante e se fazia especialmente através dos viajantes, Hermes foi consagrado como o deus do comércio. Outra tarefa a ele atribuída foi a de transportar os mortos à sua morada subterrânea (Hades).[5][7][9] Com a conquista da Grécia pelos romanos, estes assimilaram os deuses da mitologia grega, trocando-lhes os nomes: Asclépio passou a chamar-se Esculápio e Hermes, Mercúrio. Segundo os filólogos, a denominação de Mercúrio dada a Hermes pelos romanos provém de merx, mercadoria, negócio.[13] O metal hydrárgyros dos gregos passou a chamar-se mercúrio por sua mobilidade, que o torna escorregadio e de difícil preensão.[11] O planeta Mercúrio, por sua vez, deve seu nome ao fato de ser o mais veloz do sistema planetário. O caduceu é de longa data, o símbolo do comércio e dos viajantes, sendo por isso utilizado em emblemas de associações comerciais, escolas de comércio, escritórios de contabilidade e estações de estradas de ferro. Página 102 Surge, então, a questão principal do tema que estamos abordando. Por que o símbolo do deus do comércio passou a ser usado também como símbolo da medicina? Mais de um fato histórico concorreu para que tal ocorresse. No intercâmbio da civilização grega com a egípcia, o deus Thoth da mitologia egípcia foi assimilado a Hermes e, desse sincretismo, resultou a denominação de Hermes egípcio ou Hermes Trismegistos (três vezes grande), dada ao deus Thoth, considerado o deus do conhecimento, da palavra e da magia. No panteão egípcio, o deus da medicina correspondente a Asclepius é Imhotep. [16] Na antigüidade e, posteriormente, na Idade Média, desenvolveu-se uma literatura esotérica chamada hermética, em alusão a Hermes Trismegistos. Esta literatura versa sobre ciências ocultas, astrologia e alquimia, e não tem qualquer relação com o Hermes tradicional da mitologia grega. O sincretismo entre Hermes da mitologia grega com Hermes Trismegistus resultou no emprego do caduceu como símbolo deste último, tendo sido adotado como símbolo da alquimia. Segundo Schouten, da alquimia o caduceu teria passado para a farmácia e desta para a medicina.[17] Um segundo fato a que se atribui a confusão entre o bastão de Asclépio e o caduceu de Hermes se deve à iniciativa de um editor suíço de grande prestígio, Johan Froebe, no século XVI, ter adotado para a sua editora um logotipo inspirado no caduceu de Hermes e o ter utilizado no frontespício de obras clássicas de medicina, como as de Hipócrates e Aetius de Amida. Outros editores na Inglaterra e, posteriormente, nos Estados Unidos, utilizaram emblemas semelhantes, contribuindo para a difusão do caduceu. [12] Admite-se que a intenção dos editores tenha sido a de usar um símbolo identificado com a transmissão de mensagens, já que Hermes era o mensageiro do Olimpo. Com a invenção da imprensa por Gutenberg, a informação passou a ser transmitida por meio da palavra impressa, e eles, os editores, seriam os mensageiros dos autores. Outra hipótese é de que o caduceu tenha sido usado equivocadamente como símbolo de Hermes Trimegistos, o Hermes egípicio ou Thoth, deus da palavra e do conhecimento, a quem também se atribuía a invenção da escrita. Em antigas prensas utilizadas para impressão tipográfica encontra-se o caduceu de Hermes como figura decorativa. Página 103 Outro fato que certamente colaborou para estabelecer a confusão entre os dois símbolos é o de se conferir o mesmo nome de caduceu ao bastão de Asclépio, criandose uma nomenclatura binária infundada de caduceu comercial e caduceu médico. Este erro vem desde o século XIX e persiste até os dias de hoje. Em 1901, o exército francês fundou um jornal de cirurgia e de medicina chamado Le caducée, no qual estão estampadas duas figuras estilizadas do símbolo de Asclépio, com uma única serpente. [12] O terreno estava, assim, preparado para que ocorresse a maior heresia na história do símbolo da medicina, que foi a adoção pelo Exército norte-americano, do caduceu de Hermes, como insígnia do seu departamento médico. As justificativas e argumentos para essa adoção são falhas, inconsistentes, e denotam, no mínimo, ingenuidade ou ignorância dos que detinham o poder para promover a mudança. As informações que se seguem sobre este episódio foram colhidas em grande parte no livro de Walter Friedlander, The golden wand of medicine. [12] O caduceu fora usado, entre 1851 e 1887, como emblema no uniforme de trabalho do pessoal de apoio nos hospitais militares dos Estados Unidos para indicar a condição de não combatente. Em 1887 este emblema foi substituído por uma cruz vermelha idêntica a da Cruz Vermelha Internacional fundada na Suíça em 1864. Os oficiais médicos usavam nas dragonas as letras M.S. (Medical Staff). Em 1872, as letras M.S. foram substituídas por M.D. (Medical Department). O Departamento Médico, contudo, possuía o seu próprio brazão de armas com o bastão de Asclépios, desde 1818.[15] Em março de 1902, os oficiais médicos passaram a usar um emblema inspirado na cruz dos cavaleiros de São João, ou cruz de Malta, cujo simbolismo em heráldica é o de proteção, altruísmo e honorabilidade. Em 20 de março de 1902, o capitão Frederick P. Reynolds, Comandante da Companhia de Instrução do Hospital Geral em Washington propôs substituir a cruz de Malta pelo caduceu. O general G. Sternberg, chefe do Departamento Médico, deu o seguinte despacho: "A atual insígnia foi adotada após cuidadoso estudo e é atualmente reconhecida como própria desta corporação. A alteração proposta, portanto, não é aprovada". Em 14 de Página 104 junho do mesmo ano, o capitão Reynolds endereçou nova carta ao Chefe do Departamento, refazendo sua proposta com novos argumentos. Em certo trecho de sua carta diz o seguinte: "Desejo particularmente chamar a atenção para a conveniência de mudar a insígnia da cruz para o caduceu e de adotar o marrom como a cor da corporação, em lugar do verde agora em uso. O caduceu foi durante anos a insígnia de nossa corporação e está inalienavelmente associado às coisas médicas. Está sendo usado por várias potências estrangeiras, especialmente a Inglaterra. Como figura, deve-se reconhecer que o caduceu é muito mais gracioso e significativo do que o atual emblema" (cruz de Malta). "O verde não tem lugar na medicina". Nesse ínterim, houve mudança na Chefia do Departamento Médico e esta segunda carta foi recebida pelo General W. H. Forwood, quem, não somente aprovou a proposta como providenciou a confecção da nova insígnia. O desenho elaborado tem sete curvaturas das serpentes, o que também revela desconhecimento do caduceu tradicional, que contém, no máximo, 5 espirais.[12] (fig. 2). Fig. 2. Insígnia do Army Medical Department.USA Os argumentos usados pelo Cap. Reynolds revelam, no mínimo, ignorância. O caduceu jamais fora a insígnia da corporação, mas do pessoal de apoio (steward) dos hospitais. O bastão de Asclépio e não o caduceu é que está historicamente associado à medicina. Tanto na Inglaterra, como na França e na Alemanha, os serviços médicos das forças armadas utilizavam o bastão de Asclépio em seus emblemas e não o caduceu de Hermes. Finalmente, a cor verde tem sido usada em conexão com a medicina; tanto assim que no Brasil o anel de médico tem, incrustada, uma pedra verde - esmeralda ou imitação. O argumento de ordem subjetiva de que a figura do caduceu é mais estética do que a cruz de Malta ou o bastão de Asclépio é irrelevante, porquanto não diz respeito ao significado de tais símbolos. Página 105 Deste modo, o caduceu foi implantado e se mantém até hoje como insígnia do Departamento Médico do Exército norte-americano, o que contribuiu sobremaneira, sobretudo após a Primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918), para a sua difusão, dentro e fora dos Estados Unidos, como símbolo da medicina. A Marinha norte-americana adotou igualmente o caduceu como emblema de seu corpo médico, ao contrário da Força Aérea, que mantém em seu emblema o bastão de Asclépio. Os Serviços de Saúde Pública dos Estados Unidos, por sua vez, adotaram um antigo emblema do Serviço Médico da Marinha, no qual o caduceu se cruza com uma âncora e cujo simbolismo anterior era o do comércio marítimo. [12] O primeiro comentário desfavorável à decisão do U.S. Medical Department apareceu sob a forma de editorial em final de julho de 1902 na publicação Medical News. Desde então, de tempos em tempos, surgem artigos na imprensa médica, ora justificando, ora condenando o uso do caduceu como símbolo da medicina. Fielding Garrison, notável historiador da medicina nos Estados Unidos e também Tenente-Coronel do Corpo Médico no período de 1917 a 1935, procurou defender a posteriori a adoção do caduceu pelo Departamento Médico a que servia. Inicialmente, alegou que se tratava de um símbolo administrativo para caracterizar os militares não combatentes, reconhecendo que o símbolo autêntico da medicina era o bastão de Asclépio. Posteriormente, procurou justificar o uso do caduceu como símbolo médico com base nos achados arqueológicos da civilização mesopotâmica. Nas escavações realizadas em Lagash fora encontrado um vaso talhado em pedra sabão, de cor verde, dedicado pelo governador Gudea ao deus Niginshzida, ligado à medicina. Neste vaso há duas serpentes dispostas de maneira semelhante a do caduceu de Hermes. Garrison refere-se à figura como caduceu babilônico, que teria precedido o caduceu da civilização grega. [18] A verdade é que toda a nossa cultura baseia-se na civilização grega. Todos os aspectos conceituais, técnicos e éticos da profissão médica, tiveram seu berço na Grécia com a escola hipocrática. Foi na Grécia que a medicina deixou de ser mágicosacerdotal para apoiar-se na observação clínica e no raciocínio lógico. O símbolo mítico de Asclépio, o bastão com uma única serpente, representa a medicina grega em suas Página 106 origens e nenhum outro símbolo, muito menos o caduceu de Hermes, deverá substituílo. Em 1932, S. L.Tyson escreveu um artigo na revista Scientific Monthly, no qual dizia que o errôneo símbolo era o emblema do deus dos ladrões e não do médico imortal.[7] Em resposta, Garrison voltou a afirmar que o caduceu fora adotado no Departamento Médico do exército como símbolo dos não combatentes e considerou a questão como "uma fútil controvérsia".[12] Em material informativo recente de divulgação pela Internet, do Army Medical Department, encontra-se a seguinte explicação para a adoção do caduceu de Hermes como símbolo da medicina: "Rooted in mythology, the caduceus has historically been the emblem of physicians symbolizing knowledge, wisdom, promptness, and skill." [19] Parece evidente a confusão entre Hermes da mitologia grega tradicional com Hermes Trismegistos, o deus Thot da mitologia egípcia. A Associação Médica Americana manteve o símbolo de Asclépio em seu emblema, assim como a maioria das sociedades médicas regionais norte-americanas de caráter científico ou profissional. De 25 associações médicas estaduais que utilizam a serpente em seus respectivos emblemas, 23 usam o bastão de Asclépio. São elas as dos Estados de Alabama, Califórnia, Flórida, Geórgia, Idaho, Illinois, Kansas, Kentucky, Massachussets, Michigan, Mississipi, Missouri, Nebraska, New Hampshire, New Mexico, New York, North Dakota, Oklahoma, Oregon, Pennsylvania, Utah, Wisconsin e Wyoming. O caduceu é usado pelas associações dos Estados de Maine e West Virginia. [19] A Organização Mundial de Saúde, fundada em 1948, como não poderia deixar de ser, adotou o símbolo de Asclépio. A Associação Médica Mundial, reunida em Havana em 1956, adotou um modelo padronizado do símbolo de Asclépio para uso dos médicos civis (fig.3). Fig. 3. Emblema adotado pela Associação Médica Mundial para uso dos médicos civis; a serpente tem duas curvaturas à esquerda e uma à direita Página 107 As organizações médicas de caráter profissional e de âmbito nacional de vários países, que possuem emblema com serpente, adotam, em sua grande maioria, o símbolo de Asclépio, a começar pela Associação Médica Americana, já citada. Entre as associações que assim procedem citaremos as do Brasil, Canadá, Costa Rica, Inglaterra, França, Alemanha, Suécia, Dinamarca, Itália, Portugal, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia, países do sudeste asiático, China e Taiwan..[19] Sociedades de história da medicina, sociedades científicas de especialidades médicas, faculdades de medicina, revistas médicas e até empresas de seguro-saúde como a aliança Blue Cross-Blue Shield utilizam o símbolo de Asclépio. É óbvio que todo símbolo pode ser estilizado, porém não pode ser substituído por outro. Como estilizações originais do símbolo de Asclépio, podemos citar os seguintes exemplos: Da Associação Paulista de Medicina e o da Academia Brasileira de Medicina Militar, em que o bastão toma a configuração de uma espada; Escola Paulista de Medicina, em que o bastão é o próprio tronco de uma árvore; Sociedade Espanhola de Medicina do Trabalho, em que o bastão assume a forma de uma chave inglesa como instrumento de trabalho. Algumas poucas organizações médicas de âmbito nacional utilizam o caduceu de Hermes em seus emblemas, ou em sua forma original, ou modificado, tais como as da Korea, Hong Kong e Ilha de Malta.[19] O caduceu de Hermes, estilizado, foi também adotado pelo Serviço Médico da Royal Air Force, da Inglaterra, divergindo do Serviço Médico do Exército, que mantém seu clássico emblema com o símbolo de Asclépio desde 1898, tendo comemorado o seu centenário em 1998.[19] Variantes do caduceu têm sido igualmente utilizados, resultantes de duas alterações introduzidas no modelo original: a primeira delas consiste em eliminar uma das serpentes, mantendo as asas, tal como nos emblemas da American Gastroenterological Association e da Facoltà di Medicina e Chirurgia de Florença; a segunda, conservando as duas serpentes e eliminando as asas, como nos emblemas da Società Italiana di Medicina Interna e da empresa de seguro-saúde Golden Cross. Página 108 Nos Estados Unidos, onde é mais difundido o caduceu de Hermes como pretenso símbolo da medicina, o mesmo é usado em algumas poucas Universidades e sociedades médicas, sendo mais comum o seu emprego em hospitais e instituições públicas e privadas ligadas à saúde. Segundo um levantamento realizado até 1980, o caduceu é usado principalmente pelas empresas que vendem serviços médicos ou gerenciam planos de saúde naquele país, chegando a 76% de quantas utilizam a serpente em seus emblemas.[12] No dizer de Geelhoed, o caduceu tornou-se um símbolo condizente com a medicina atual, se considerarmos que os aspectos econômicos da saúde tornaram-se mais importantes que os seus aspectos humanos.[10] Com a intermediação dos serviços médicos por empresas de fins lucrativos, a medicina tornou-se objeto de comércio por parte de terceiros. O médico passou a ser apenas um prestador de serviços e o paciente um consumidor, sujeitos ambos a normas contratuais previamente estabelecidas. Neste sentido, estaria justificado o uso, por essas empresas, do caduceu de Hermes, símbolo do comércio. Para os que desejarem preservar os ideais da tradição médica, no entanto, só há um símbolo aceitável, que é o de Asclépio. Como sugeriu Tyson, o símbolo de Hermes poderia ser usado, no máximo, em carros funerários, já que uma das atribuições de Hermes era a de conduzir os mortos à sua morada subterrânea.[7] Fora disso, o caduceu de Hermes, como símbolo médico, é uma heresia. No Brasil, prevalece no meio médico o símbolo de Asclépio. A Associação Médica Brasileira, assim como as sociedades estaduais a ela filiadas que possuem emblema com a serpente, utilizam o símbolo correto do deus da medicina. Assistimos, porém, a disseminação do caduceu de Hermes entre nós, através dos meios de comunicação: televisão, jornais, impressos, anúncios, adesivos, desenhos em objetos e utensílios destinados a médicos e estudantes de medicina. Conforme ressaltou o Prof. Alcino Lázaro da Silva, "a mídia brasileira, por engano, por falácia, por má-interpretação, por má-informação ou por má-fé passou a usar o símbolo do comércio como ilustração quando se refere a notícias médicas".[20] Página 109 Também os softwares destinados a hospitais e consultórios médicos, importados dos Estados Unidos, ou neles inspirados, muito têm contribuído para a propagação do caduceu, ao utilizá-lo como identificador de sua destinação. Lamentavelmente, o caduceu como símbolo da medicina já pode ser encontrado em nosso País em revistas e sociedades médicas de fundação mais recente, e até mesmo em impressos de algumas universidades. Cremos ser necessária uma campanha de esclarecimento, sobretudo nas Faculdades de Medicina, junto aos estudantes do curso de graduação, no sentido alertá-los sobre o único e verdadeiro símbolo da medicina: o bastão de Asclépio com uma só serpente. O caduceu de Hermes, símbolo do comércio, deve ser visto como um símbolo degradante dos nobres ideais da medicina. Saber erudito e saber popular na Medicina do Brasil Colônia Durante os três primeiros séculos da colonização brasileira, a sociedade branca recorreu indiferentemente às formas de cura trazidas da Europa ou àquelas a que diversas etnias, com as quais se manteve em constante contato, utilizavam para lutar contra os males que as acometiam. Mesmo os portugueses, muito embora se tratassem com seus médicos, cirurgiões e barbeiros vindos de Portugal, não hesitavam, quando precisavam curar suas feridas, em se servir do azeite de copaíba utilizado pelos indígenas para esse fim, depois, com a vinda dos escravos africanos, aderiram igualmente a certas curas relacionadas com a magia, como podemos ver pelas visitas inquisitoriais. Nas correspondências avulsas encetadas entre metrópole e colônia enfatizava-se com freqüência a falta de médicos, remédios e hospitais. Mas, ao contrário da avaliação apressada realizada por alguns historiadores que afirmavam ser a falta de médicos o fator responsável pelo grande número de curandeiros e charlatães, é preciso que se pergunte: quais os setores da população que se ressentiam da escassez desses profissionais? Ora, o florescimento das demais artes de cura esteve intrinsecamente ligado às diferentes raízes culturais das populações aqui residentes. Além disso, os missionários jesuítas — principais suportes da educação colonial — que tomaram para Página 110 si o papel de curadores aproveitaram muito da medicina indígena, tornando as plantas medicinais brasileiras famosas em todo o mundo. Pelas mãos dos jesuítas, a Triaga Brasílica, uma panacéia composta de elementos da flora nativa, que chegou a ser a segunda fonte de renda da ordem jesuíta na Bahia, ganhou fama internacional. Aos jesuítas deve-se imputar a iniciativa de intercâmbio entre esses universos da medicina, já que eles também absorviam o saber dos físicos, cirurgiões e boticários, aplicando-os nos precários hospitais da Santa-Casa da Misericórdia. Mas que relações mantinham os físicos, cirurgiões e boticários portugueses com os demais agentes de cura? Embora geralmente preconceituosos em relação a outros elementos pagãos e "selvagens" da cultura indígena, os colonizadores se interessaram em recolher informações sobre como os indígenas e seus pajés faziam para combater as doenças que grassavam no lugar. Observavam, imitavam, experimentavam e descreviam as propriedades terapêuticas das novas espécies e seus usos, e divulgavam-nas nas metrópoles, ampliando os saberes sobre a Matéria Médica. Mais tarde, tal saber retornava à colônia em compêndio de farmacopéia, informando a atividade de boticários profissionais, religiosos ou leigos. Tal roteiro não foi tão linear, entretanto como possa parecer. Bernardino Antônio Gomes, médico português que veio para a colônia em fins do século XVIII, observou em certa ocasião, o pouco uso feito pelos médicos portugueses das plantas medicinais do país, entendendo que isso ocorria porque tendo aprendido medicina das universidades européias, eles curavam tudo "à européia, bem ao contrário do que fez [Wilhelm] Piso — o famoso médico e naturalista trazido por Nassau, no século XVII —, desprezam miudamente a medicina indígena". De todas as práticas terapêuticas, o uso das ervas medicinais era a que maior legitimidade popular possuía como atesta o famoso comentário do naturalista Von Martius — "a mata é a farmácia deste povo". Mezinheiros, curandeiros africanos e pajés utilizavam folhas, frutos, sementes, raízes, essências, bálsamos e resinas, partes lenhosas e brancas que esmagavam entre as pedras, pulverizavam, carbonizavam, dissolviam, maceravam. Coziam, para ingerir, aspirar, friccionar ou aplicar em cataplasma numa extensa série de doenças. Não se pode esquecer que o emprego dessas plantas tinha um sentido mágico ou místico. Determinados minerais, bem como Página 111 partes do corpo de animais, eram usados como medicamentos ou amuletos. Se a antropofagia ritual era encarada com horror pelos europeus, a utilização da saliva, da urina e das fezes humana ou animal era compartilhado como recurso terapêutico, embora possuindo um significado distinto para ambas as culturas. Enquanto a sucção ou sopro dos espíritos malignos, a fumigação pelo tabaco, os banhos, fricções com cinzas e ervas aromático, o jejum ritualístico, era desprezada como elementos bárbaros, a teoria das assinaturas, que supunha existir, radicado em cada região, o antídoto das doenças do lugar, autorizava a assimilação da farmacopéia empírica popular. Se em ampla variedade de aspecto o saber erudito e o popular eram indissociáveis na experiência dos distintos extratos sociais, os representantes da arte oficial lutavam ferrenhamente contra os que praticavam as curas na informalidade. Reivindicando para si o controle do corpo, a medicina oficial esvaziava o sentido dos conhecimentos terapêuticos populares e reinterpretava-os à luz do saber erudito. A fluidez entre o domínio da medicina e aquele da feitiçaria, com o emprego de cadáveres humanos e de animais associados ao universo demoníaco, como o sapo, o cão negro, o morcego e o bode na produção de remédios, impunha aos portadores de diploma a tarefa de distinguir o procedimento "científico", das crenças populares "supersticiosas". Nesta tarefa encontravam o apoio da Igreja e das ordenações do Reino. No imaginário popular, os santos, vistos mais como especialistas do que como clínicos gerais, seriam responsáveis por um grande número de curas. Fazendo restrições no que respeitava à intervenção dos santos e das palavras sagradas, a não ser quando praticados ou recomendados pelo clero, a Igreja e os médicos reforçavam a idéia de que Deus distribuíra com parcimônia o acesso ao domínio do sagrado, vetando-o aos indivíduos rústicos. Tal como as confrarias iriam amolecer a rigidez da fé oficial da Igreja, quebrando a unidade da religião luso-brasileira e tornando-a mais humana e consoladora para os distintos grupos sociais, os curandeiros leigos seriam até certo ponto bem tolerados. Página 112
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