aspectos da coleta informal de resíduos sólidos urbanos do aterro
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III ENECS - ENCONTRO NACIONAL SOBRE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS ASPECTOS DA COLETA INFORMAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS DO ATERRO SANITÁRIO DO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS - SP Sheila Rancura ([email protected]) Mestranda do Programa de Pós Graduação em Ecologia e Recursos Naturais / Laboratório de Ecologia Humana e Etnoecologia / Universidade Federal de São Carlos. Nivaldo Nordi ([email protected]) Professor Adjunto do Departamento de Hidrobiologia/ Laboratório de Ecologia Humana e Etnoecologia / Universidade Federal de São Carlos. Maria Zanin ([email protected]) Professora Adjunta do Departamento de Engenharia de Materiais / 3R – Núcleo de Reciclagem de Resíduos / Universidade Federal de São Carlos Amadeu Logarezzi ([email protected]) Professor Adjunto do Departamento de Engenharia de Materiais / 3R – Núcleo de Reciclagem de Resíduos / Universidade Federal de São Carlos RESUMO O presente trabalho está inserido no projeto "A gestão da cadeia de reciclagem dos resíduos sólidos urbanos domiciliares: contribuição para a formulação de políticas públicas", financiado pela Fapesp. A proposição central da pesquisa foi caracterizar o sistema de coleta informal empreendido pelos catadores de resíduos sólidos do aterro sanitário do município de São Carlos, SP. A metodologia utilizada combinou observação direta da atividade de coleta de resíduos com a realização de entrevistas abertas e a aplicação de questionários estruturados. O principal motivo para a incursão na atividade de coleta foi o desemprego (61,5%). A contribuição do sistema de coleta informal estudado foi da ordem de 5,6 % de material reciclável retirado do aterro, aproximadamente 95,4 toneladas mensais. Houve predominância na coleta de papelão e de garrafas PET, explicada pela maior disponibilidade destes materiais no aterro e pela resistência às danificações oriundas do transporte. Os dados obtidos sobre o investimento de tempo na coleta de resíduos, evidenciam que os catadores dedicam, em média, 8 horas diárias diretamente às atividades de coleta, triagem e transporte dos resíduos. O esforço empreendido pelos catadores na coleta, aliada à importância social e ambiental desta atividade, justificam a tomada de ações que reconheçam a relevância da coleta informal, tornando-a mais segura, higiênica e digna. Palavras-chave: coleta informal, reciclagem,catador de resíduos, resíduos sólidos. ASPECTS OF THE INFORMAL URBAN SOLID RESIDUE COLLECTION AT THE LAND SANITARY DUMP OF THE DISTRICT OF SÃO CARLOS-SP ABSTRACT The present work is inserted in the project “The management of domestic solid urban residues recicling chain: contribution to the creation of public politics”, which is financed by FAPESP. The central proposition of the research was to caracterize the informal collecting system carried out by the solid residue collectors at the land sanitary dump of the district of São Carlos, SP. The methodology used was a combination of direct observation of the collecting activity of residues a long with use of open interviews and application of structured questionaries. Most collectors are inserted in the activity do to unemployment (61,5%). The informal collecting system studied contributed to the retrievery of 5,6% of the recyclable material of the land sanitary dump, which is approximatly 95,4 tons/month. There was pedominance of cardboard and PET bottles in the collection, which can be explained by the greater availability of these materials at the dump and by the resistance to damages araisen from transportation. The obtatined data over the time invested in collection of residues show that the cllectors dedicate around 8 daily hours to collecting activities, selection and transportation of the residues. The effort invested by the collectors in the collection, allied to the social and enviromental importance of this activity justifies up-take of actions which recognize the outstandingness of informal collection, making it more secure, hygienic and dignifying. Key words: informal collection, recycle, residue collector, solid residue. 1.INTRODUÇÃO A definição dos termos “lixo” e “resíduo” varia dependendo dos fatores jurídicos, ambientais, econômicos, sociais e tecnológicos considerados (CALDERONI, 1999). Na linguagem corrente, denomina-se lixo aquilo que resta de qualquer atividade humana e que é julgado inútil, indesejado e sem valor, e que por isso mesmo é descartado e acumulado em local público (MANCINI, 1999). No presente trabalho será considerado resíduo sólido urbano (RSU) todo o objeto sólido de origem domiciliar, comercial, industrial ou pública, “ao qual seu proprietário ou possuidor não atribui mais valor e dele deseja descartar-se, atribuindo ao poder público a responsabilidade pela sua disposição final” (CALDERONI, 1999). Pode-se dizer, então, que as atividades humanas em geral geram resíduos e que esses, quando são descartados convencionalmente, passam a ser considerados como lixo. Nesse contexto, os valores atinentes a um resíduo são desperdiçados, ao serem tratados como lixo, o que implica em custos sociais, ambientais e econômicos. A geração de resíduo nas cidades é impulsionada por constante incentivo ao consumo e descarte de bens materiais. Dá-se pouca importância ao fato de que o material usado para a produção de itens que trazem o progresso e o conforto é tomado da natureza e a ela é retornado, assim que julgado inútil e classificado como lixo. Para ROUSSEAU (1981), o fato de a sociedade humana manter-se em conflito com a natureza resulta em vícios e infortúnios que acometem o homem. Isto pode ser exemplificado pela forma como tratamos nossos dejetos. Percebe-se o resíduo como um problema externo, pois a partir do momento em que ele é tirado de casa acredita-se estar livre dele. Desse modo, eximi-se da responsabilidade sobre aquilo que é depositado irresponsavelmente na natureza. Como conseqüência, geralmente atribui-se ao resíduo e aos que com ele trabalham (seja como lixeiro de coleta comum, seja como catador autônomo, seja como agente de coleta seletiva), um significado de pouco valor ou respeito, associado aos atributos negativos ou depreciativos que são usados para classificá-los, e que decorrem da relação equivocada estabelecida entre aquele que descarta e o objeto descartado (MOURA E GONÇAVES, 1989). É principalmente nas grandes cidades que a problemática da crescente geração de resíduos torna-se mais evidente. Aumenta o custo mensal da limpeza urbana e complicam-se os processos de destinação de resíduos, seja pelos impactos causados pela deposição desses, seja pela dificuldade em adequar espaços para esse fim. Desse modo, a reciclagem apresenta-se como solução parcial inevitável, tendo se mostrado um importante instrumento na busca de soluções técnicas para a diminuição dos problemas dos RSU. Aliada à aparição desse novo setor da economia – as indústrias de reciclagem – está o surgimento de uma parte da população que sobrevive daquilo que é descartado: os catadores de resíduos. O modelo de desenvolvimento brasileiro, seguindo o processo de globalização da economia mundial, vem intensificar a precarização das atividades e o subemprego em geral, aumentando assim a exclusão social dos indivíduos das camadas de baixa renda. Grande parte da população vive uma situação de desamparo e fragilidade, sofrendo com o desemprego, as precárias condições de moradia, a alimentação insuficiente, as dificuldades em educação e saúde, conseqüências que, sob o atual modelo político, vem sendo acirrada nas últimas décadas. A desestruturação das relações de trabalho associada à falta de oportunidades e às instabilidades a que são submetidas as classes mais baixas, acaba por levar ao desenvolvimento de formas alternativas de ocupação para obter renda, geralmente precárias e sem qualquer reconhecimento. Uma delas é a catação de resíduos, atividade que, apesar de imprescindível discriminada. para a economia, ambiente e sociedade, permanece obscurecida e A atividade exercida pelos catadores é essencial para a dinâmica do processo de reciclagem, pois é responsável pela reinserção de grande quantidade do resíduo descartado (que de outro modo viraria lixo e seria desperdiçado) na cadeia de produção industrial. Desse modo, faz-se necessário um estudo detalhado do processo de coleta de resíduos sólidos pelo sistema de coleta informal (sistema não oficial responsável pela coleta de resíduos sólidos recicláveis e sua reinserção na cadeia de produção industrial. É formado principalmente por catadoresautonômos e sucateiros) representado pelos catadores autônomos. A contextualização e compreensão da realidade dos catadores é fundamental para a proposição de alternativas de gestão de resíduos sólidos que os considere como participantes de um processo produtivo que pode proporcionar benefícios econômicos, ambientais e sociais. Uma situação bastante peculiar é encontrada no local de destinação de lixo de São Carlos. Apesar de ser considerado um aterro sanitário e como tal não permitir a presença de catadores, foi observada uma população flutuante de cerca de 30 indivíduos exercendo diariamente a atividade de coleta de resíduos recicláveis, a partir do que já havia sido considerado como lixo pelo sistema de coleta comum. Segundo informações obtidas junto à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Sustentável (SMDS) e à empresa VEGA - Engenharia Ambiental, responsável pela coleta, cabe à Prefeitura Municipal a segurança e vigilância da área do aterro. A SMDS diz não autorizar a presença e a atividade de catadores no local, e está iniciando um programa de coleta seletiva que deve incorporar esses indivíduos à medida em que a área de cobertura do programa venha a ser expandida (a implantação se deu em junho/02 em um bairro da cidade e tem sido ampliada). O entendimento da organização da coleta informal pode colaborar com a inserção dos catadores na cooperativa que está sendo formada. Este estudo se propôs a compreender a organização social na atividade de coleta dos catadores de resíduos sólidos do aterro municipal de São Carlos. Para tanto, foram acompanhados e descritos todos os passos envolvidos na referida atividade. Dados de produção dos catadores foram obtidos com o intuito de verificar a relevância da coleta informal para o processo de reciclagem. Informações sócio-econômicas sobre os catadores também foram levantadas. Uma das hipóteses aventadas para o estudo pressupõe a inexistência de mecanismos efetivos de cooperação entre os catadores, supondo a existência de competição por interferência entre eles e possibilidades de tensões e conflitos. Outro pressuposto da pesquisa refere-se à importância da atividade para o sustento da família do catador e para o processo de reciclagem. 2. MATERIAL E MÉTODOS 2.1 Considerações gerais O presente trabalho desenvolveu-se com catadores de resíduos sólidos do Aterro Sanitário de São Carlos. As coletas de campo foram efetuadas no período de maio de 2001 a fevereiro de 2002, constituindo se num total de 24 visitas ao aterro, cada uma com aproximadamente quatro horas de duração. Os procedimentos metodológicos basearam-se em observações diretas, realização de entrevistas e aplicação de questionários. Inicialmente realizaram-se visitas de conhecimento ou exploratórias ao aterro, com o acompanhamento de um funcionário da empresa de coleta de lixo – VEGA Engenharia Ambiental S/A, com o intuito de explicar aos catadores os objetivos do trabalho e conhecer o contexto em que se dá a atividade de coleta. Para descrever as formas de interação entre os catadores durante a coleta, separação e armazenamento de resíduos, e os padrões comportamentais relacionados, foi adotada a observação direta, na qual o pesquisador toma a posição de espectador dos fatos e grupos que deseja estudar (ANDER-EGG, 1976), evitando-se, assim, a interferência na dinâmica diária dos catadores. Nas primeiras observações, optou-se pela amostragem ad libitum, por ser uma técnica descritiva e sem restrições sistemáticas sobre as anotações (MARTIN E BATESON, 1986). Deste modo, foi possível construir um etograma representativo do contexto comportamental relacionado à catação dos resíduos sólidos. Todos os eventos comportamentais considerados para o entendimento da atividade foram anotados. Esclarecimentos complementares sobre as atividades de coleta e sobre o cotidiano do aterro foram obtidos através de entrevistas-livres, as quais consistem em perguntas abertas, sendo que o informante tem completa liberdade para expressar seus sentimentos e opiniões (RICHARDSON, 1999; ALVES et. al, 2000). As entrevistas foram realizadas com catadores e funcionários do aterro. Todas as entrevistas foram registradas diretamente através da escrita ou com o uso de gravador. Informações sobre as condições de funcionamento do aterro, sua localização exata e as principais responsabilidades administrativas relacionadas ao mesmo foram levantadas junto à Secretaria Municipal de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Sustentável, Secretaria Municipal de Obras, Transportes e Serviços Públicos da Prefeitura Municipal de São Carlos, com o auxilio da Empresa VEGA –Engenharia Ambiental S/A. 2.2 Dados sócio-econômicos Para a obtenção de informações sobre as condições sócio-econômicas dos catadores foi elaborado um questionário estruturado, aplicado a 13 catadores, que representavam 43,3% da população total. Detalhes sobre as relações de parentesco entre os catadores, os motivos da vinda e permanência dos mesmos no aterro e as principais dificuldades encontradas no exercício da catação foram obtidos através de entrevista livre organizada (MELLO,1995) e complementaram as informações sócio-econômicas levantadas. 2.3 Dados de produção da coleta informal de resíduos Com base nos dados adquiridos através de observação direta e entrevistas-livres foram confeccionadas tabelas de produção apropriadas à realidade estudada, a fim de obter informações sobre a variedade e a quantidade de resíduos coletados e o respectivo tempo gasto na coleta. Em reunião com os catadores, os objetivos da utilização da tabela de produção e o seu entendimento foram discutidos, ficando os catadores com a responsabilidade de preenchê-las com os dados de produção relativos à catação de resíduos. A pesquisadora recolhia semanalmente as tabelas preenchidas, aproveitando a presença no campo para corrigir eventuais erros de anotação. Foi medida a produção referente a 140 dias de coleta de resíduos, no período de setembro de 2001 a fevereiro de 2002, em uma amostra de 15 dos 30 catadores (em média) que atuam diariamente no aterro. 2.4 Dados da organização social na coleta Para o registro dos comportamentos apresentados pelos sujeitos do estudo, foi construído um etograma utilizando-se a regra de amostragem Homem-Focal, na qual observa-se somente um membro do grupo por vez, durante um período específico de tempo (período amostral) (MARTIN E BATESON, 1986). Foram realizadas 37 sessões de observação direta de 10 minutos cada; o critério de anotação foi o de registro instantâneo, definindo-se que a cada 1 minuto seriam registrados quais comportamentos estavam ocorrendo. Para ampliação da amostra foram realizadas 17 sessões de observação direta utilizando-se a amostragem por Varredura. Neste caso observa -se um grupo de indivíduos e anota-se separadamente as atividades comportamentais de cada um (MARTIN E BATESON, 1986). Foram definidos grupos de 3 indivíduos e utilizado um período amostral de 10 minutos e regra de anotação instantânea a cada minuto. Essa metodologia permitiu identificar as estratégias, atuações e regras existentes na coleta, além de fornecer informações sobre a porcentagem de tempo gasto em cada atividade desenvolvida durante a permanência dos catadores no aterro. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Considerações gerais sobre a coleta informal no aterro Os equipamentos utilizados na coleta de resíduos sólidos do aterro sanitário são grandes sacos encontrados entre os resíduos e tambores de plástico, eventualmente adquiridos pelos catadores. Para o transporte do material da área de coleta até a de armazenamento, são utilizados "carrinhos", construídos com sucata pelos próprios catadores ou adquiridos por cerca de R$ 150,00. Segundo os catadores, esses carrinhos duram de 1 a 2 anos. Outros custos associados à atividade de coleta de resíduos correspondem ao valor do combustível ou passe de ônibus utilizado para se chegar até o aterro, que se situa na área rural do município, distante aproximadamente 15 Km do centro da cidade. O valor máximo citado com esses tipos de gastos foi de 40 reais por semana. A atividade de catação é realizada individualmente ou em parceria com algum membro da família, não havendo qualquer tipo de associação formal entre os catadores. Deste modo a regulamentação da atividade baseia-se no estabelecimento de regras informais. A coleta se inicia com a chegada do caminhão de lixo na área de descarga. Os catadores se reúnem ao redor da caçamba do caminhão, posicionando-se nas laterais ou à frente dela. Alguns deles retiram os resíduos mais visíveis, como papelão, antes mesmo do lixo ser descarregado. Após a descarga, o caminhão se afasta do monte de resíduos. Antes da ação do operador de máquina, que deve empurrar o lixo para a área de compactação e, após compactá-lo, recobrilo com uma camada de terra, os catadores, munidos de grandes sacolas, iniciam a coleta dos resíduos ali contidos. A chegada de um caminhão não implica na aglomeração de todos os indivíduos presentes, sendo que alguns podem se encontrar descansando ou coletando materiais no monte maior, ainda não recoberto com a camada de terra. Após a coleta, os catadores se dirigem a uma região do aterro que fica oposta àquela onde o lixo é descarregado pelos caminhões. Nesse local ocorrem a triagem e a separação dos resíduos coletados em pequenos montes, os quais serão armazenados, ao final da jornada diária de trabalho, em lotes maiores, dispostos pelos catadores numa área em anexo à área de descarga. Quando uma grande quantidade de materiais é acumulada, geralmente correspondente ao trabalho de 15 a 20 dias, o catador entra em contato com o sucateiro para a venda dos resíduos. O sucateiro, também chamado de terceiro pelos catadores, se desloca até o aterro para carregar o material a ser comprado. Feito o carregamento o catador acompanha o sucateiro até seu estabelecimento – depósito de sucata - para pesagem dos resíduos e negociação do valor da carga. 3.2 Caracterização sócio-econômica Durante o período de estudo o número de catadores presentes no aterro flutuou em torno de 25 a 30 indivíduos. A maioria dos catadores pertence ao sexo masculino, é branca e tem idade entre 21 a 51 anos, com leve predominância da faixa etária de 30 a 40 anos, não sendo permitida a presença de menores no local. São pessoas nascidas em São Carlos e migrantes, estes principalmente da região Nordeste, com destaque para o estado de Pernambuco (38,4%). Apesar de possuir escolaridade (53,8% com ensino básico completo) esta não lhes garante a inserção no disputado mercado de trabalho, restando-lhes o desenvolvimento de atividades insalubres, decorrente da falta de oportunidades de emprego. Como esperado, os catadores fazem parte de uma população de baixa renda que estabelece moradia principalmente nos bairros da periferia. Predominam os catadores que residem no bairro Santa Felícia, razoavelmente próximo da área de estudo; 46,1% dos catadores utilizam veículo próprio, usualmente carros em estado precário de conservação, para se locomoverem até o aterro. A renda mensal obtida com a venda dos materiais gira em torno de R$ 400,00 por catador. Devido ao histórico de “ocupação” do aterro pelos catadores, observa-se um alto índice de parentesco entre eles, com a formação de parcerias entre casais parecendo ser o modelo mais estável, representando 46% da amostra. De fato, um argumento possível para a formação de casais seria resultante da divisão de trabalho entre homens e mulheres. A cooperação entre os dois sexos, em determinadas condições, torna-se indispensável para garantir o suprimento das necessidades (WERNER, 1992). Outros 46% preferem coletar os materiais sozinhos, tendo sido verificado um caso de parceria entre irmãos. Apenas 23% dos catadores afirmaram complementar a renda gerada pela catação com outras fontes. Os principais motivos de incursão neste tipo de atividade são o desemprego (53,8% dos entrevistados) e a má remuneração dos trabalhos anteriores (30,8%). A exclusão do mercado formal de trabalho e a instabilidade financeira a que estão submetidos os impelem a buscar qualquer alternativa que lhes garanta a sobrevivência. A garantia de sustento para a família (69,3%) e a liberdade que possuem no exercício da atividade (30,8%) são os principais motivos alegados pelos catadores para a sua permanência no aterro. Sobre as ocupações exercidas anteriormente à catação de resíduos, 92,5% afirmaram ter realizado os mais diferentes serviços, com predomínio de atividades que exigem pouca qualificação técnica, como catador de laranja, bóia–fria, jardineiro (46,1%) e servente de pedreiro (23 %). Aproximadamente 40% dos entrevistados coletam resíduos no aterro há mais de 4 anos e apenas dois deles afirmaram ter exercido a coleta na parte urbana do município. A preferência pela coleta no aterro, em comparação com a exercida por catadores ambulantes na área urbana, explica – se pela maior facilidade e praticidade da coleta (76,9%), relacionados, segundo os catadores estudados, à concentração de materiais recicláveis no mesmo local e ao fato de não terem que percorrer grandes distâncias e não precisarem de carrinho. Outra razão citada, que explica a preferência em coletar o resíduo no aterro, é que, na área urbana, eles se sentem envergonhados e discriminados devido ao tipo de trabalho que exercem. É interessante notar que os catadores relacionam a importância da atividade que exercem às necessidades pessoais, no caso, à garantia do sustento da família, não possuindo uma visão integrada sobre a importância de seu trabalho para a economia, o ambiente e a sociedade. Fica evidente a dificuldade que apresentam em relacionar suas condições de vida à situação política, social e econômica. A permissão para armazenarem os resíduos separados num local mais próximo da área de coleta (30,7%) foi a medida mais citada entre aquelas que poderiam amenizar as dificuldades sofridas. Percebe-se, desse modo, que focalizam seu descontentamento em reivindicações específicas, sem se darem conta das formas de exploração e opressão a que são submetidos. 3.3 A organização social na coleta e dados de produção Segundo WILSON apud RUSE (1983), a organização social deriva não só do comportamento dos indivíduos como das propriedades demográficas da população. No aterro, as tendências aos comportamentos individualistas, que não interferem com os direitos de outros catadores, e o pequeno número de indivíduos frente à grande quantidade de resíduos, parecem ser responsáveis, ao lado do estabelecimento de regras informais de convivência, pela manutenção da ordem social entre os catadores. Quando o lixo é despejado e os catadores iniciam a coleta, é nítida a definição de posse (“Cê botô a mão é seu” ). Este tipo de posse consentida, observado entre os catadores de resíduos estudados, é análoga à existente entre grupos populacionais locais que utilizam recursos comuns, notadamente os alimentares (BERKES E FOLKS, 1999; OSTRON, 1999; McCay & ACHESON, 1996). No caso dos sujeitos deste estudo, a grande abundância de resíduos sólidos descarregados pelos caminhões também contribui para evitar conflitos durante a coleta. Uma das poucas situações de conflito observadas durante o período de estudo foi a possibilidade de existir trapaça, como furtar material coletado por outro catador. Isto, contudo, foi muito pouco freqüente, dada a vigilância exercida pelo grupo. Segundo opinião dos próprios catadores “não compensa porque tem que roubar muito, daí todo mundo percebe” e “é chato ser chamado de ladrão logo cedo”. O incentivo à trapaça pode ocorrer em diferentes situações na sociedade humana. A capacidade de puni-la ou inibi-la é que estabilizará as relações sociais em qualquer contexto considerado. Na realidade aqui estudada, no entanto, fica claro que a trapaça não chega a ser um problema para a organização dos catadores, tanto pelo desencorajamento a esta prática como pela consciência de estarem todos em condições difíceis. Na Tabela 1 pode-se observar que a quantidade média de materiais coletada pelos catadores varia muito, refletindo diferenças individuais relativas ao período de coleta (diurno ou noturno), habilidade, agilidade e tempo investido na coleta. Tabela 1 - Produção da coleta informal no período de estudo e média diária de materiais coletados pelos catadores Catador Horas de coleta Tempo total Quantidade total Kg de resíduo Média diária por dia da coleta de resíduos coletado por (Kg) coletados (Kg) hora 9,6 110 dias 54277 51,4 493,44 1 5,4 119 dias 14048 21,8 117,72 2 7,2 137 dias 16123 16,3 117,65 3 7,2 115 dias 16003 19,3 139,17 4 7,2 67 dias 9120 18,9 136,08 5 5,4 25 dias 1107 8,2 44,28 6 6,6 100 dias 11471 17,4 114,84 7 6,6 110 dias 14905 20,5 135,30 8 7,2 107 dias 10397 13,5 97,20 9 6,6 100 dias 7198 10,9 71,94 10 6,6 67 dias 8920 20,2 133,32 11 7,2 54 dias 2832 7,3 52,56 12 5,4 65 dias 2765 7,9 42,66 13 5,4 63 dias 7056 20,7 111,99 14 5,4 60 dias 6053 18,7 100,98 15 Fonte: RANCURA (2002) A quantidade de resíduos coletada pelo total de indivíduos que exercem suas atividades no aterro (30 pessoas em média). Foi da ordem de 95,4 toneladas mensais. Considerando-se que a média mensal de lixo depositado no aterro durante o período do estudo foi de 4890 toneladas (fonte: VEGA – Engenharia Ambiental) e que cerca de 35% deste total, segundo GOMES apud MANCINI (1999), seriam constituídos por materiais potencialmente recicláveis, a quantidade deste tipo de resíduo depositada no aterro do município de São Carlos, correspondeu a 1711 toneladas mensais. Portanto, a contribuição do sistema de coleta informal estudado pode ser considerado significativo, da ordem de 5,6 % de material reciclável retirado do aterro (95,4 toneladas mensais). Isto representa não somente uma economia advinda do processo de reciclagem, mas também economia de área física do aterro que deixa de ser ocupada por lixo, aumentando a vida útil da célula sanitária. No aterro encontra-se uma classificação realizada pelos catadores para os tipos de resíduos coletados, descrita na Tabela 2. Tabela 2 – classificação dos resíduos segundo categorias utilizadas pelos catadores do aterro sanitário de São Carlos Categoria Resíduos Alumínio Latas de refrigerante, cerveja e similares, panelas, utensílios de cozinha, peças para banheiro, maçanetas, peças de máquinas e eletrodomésticos, fios Papel / papelão Cadernos, revistas, livros, caixas de papelão, jornal, listas telefônicas, papel branco solto PET Garrafas de refrigerante, água, sucos e óleo de cozinha Plástico duro Galões d’ água, recipientes para alimentos, frascos de xampu e de material de limpeza, frascos de produtos para automóveis, baldes, utensílios domésticos, brinquedos, tubos de PVC, autopeças Plástico mole Sacos de lixo, sacolas, embalagens plásticas de móveis, alimentos e eletrodomésticos, copos descartáveis, sacos industriais Sucata Materiais ferrosos e de latão, utensílios domésticos, ferramentas, peças de automóveis, torneiras, arame, latas de alimentos, bebidas e diversos, partes de aparelhos eletrônicos, baldes de tinta, eletrodomésticos (fogões, geladeiras, etc) Fonte: RANCURA (2002) Na tabela 3 evidencia-se a freqüência de coleta, expressa em porcentagem, dos diferentes resíduos sólidos depositados no aterro. Essas informações foram obtidas com base no número de ocorrências relacionadas à coleta dos vários resíduos registradas nos etogramas. Tabela 3 – Freqüência de coleta por tipo de resíduo Resíduo Freqüência Alumínio 8,9 % Cobre 1,16 % Papelão 19,76 % PET 44,96 % Plástico duro 6,97 % Plástico mole 15,89 % Sucata 0,77 % Outros 1,55 % Total 100 % Fonte: RANCURA (2002) Calculando se a quantidade total de resíduos coletados no aterro sanitário pelo sistema informal, e com base na porcentagem de cada tipo de resíduo encontrada na amostra trabalhada, estimou-se a porcentagem referente a cada tipo de resíduo no total de material coletado pelo sistema informal, como mostra a Tabela 4. Tabela 4 – Composição dos resíduos sólidos retirados do aterro pela coleta informal Resíduo % em peso Alumínio 1,06 Papelão 56,24 PET 16,16 Plástico duro 7,53 Plástico mole 4,87 Sucata 12,61 Outros (vidro, cobre,etc) 1,26 Fonte: RANCURA (2002) A predominância de papelão, PET e outros tipos de plásticos na coleta, pode estar associada à maior disponibilidade e visibilidade destes materiais no aterro. Particularmente, a elevada incidência da coleta de PET e plásticos duro e mole, também pode ser explicada pela resistência destes materiais que são pouco danificados durante o transporte. Já o papelão, apesar de ser um dos resíduos mais pesados, comparado ao restante dos materiais coletados, freqüentemente tem o valor do quilograma reduzido devido ao estado de conservação bastante avariado em que chega ao aterro. A sucata embora seja raramente coletada, possivelmente por seu baixo valor de mercado, tem contribuição relevante em relação ao peso total de material coletado por tratar-se de um resíduo muito pesado. O material mais valioso para os catadores é a latinha de alumínio, que, no entanto, chega em pequenas quantidades ao aterro. Isto se deve ao fato deste resíduo ser intensamente coletado pelos catadores que atuam na área urbana, em residências, lanchonetes, bares e restaurantes. A latinha é, portanto, um resíduo de alto valor e razoavelmente raro no aterro, o que a torna bastante disputada. Contudo, de maneira geral, os catadores estudados são pouco seletivos com relação ao tipo de material coletado. Prova disso, é que a maior incidência da coleta de papelão e PET é um reflexo da maior quantidade desses resíduos no aterro. Não poder exercer preferências é característica de situações críticas em que se tem que lidar, primeiro, com as pressões diretas de subsistência. Na Tabela 5 pode ser verificado o tempo investido na coleta de resíduos. Considerando que os catadores permanecem, em média, por dez a onze horas diárias no aterro, os dados da tabela permitem afirmar que cerca de oito horas estão diretamente associadas às atividades de coleta, triagem e transporte de resíduos. O restante do tempo é utilizado em atividades de socialização, descanso e higiene. Tabela 5 – Alocação de tempo nas atividades dos catadores durante a sua permanência no aterro Atividade Freqüência Tempo gasto % do tempo total Observar/locomover-se 143/1012=0,14 1,4 h 14% em direção ao caminhão (1 hora e 24 minutos) ou ao monte de lixo Posicionar-se ao redor da 78/1012 = 0,08 0,8h 8% caçamba e retirar (48 minutos) resíduos Coletar resíduos e colocá- 491/1012 = 0,49 4,9h 49% los em grandes sacos (4 horas e 54 minutos) Transportar resíduos 94/1012 = 0,09 0,9 h 9% coletados para os lotes de (54 minutos) triagem Beber e/ou comer 19/1012 = 0,02 0,2 h 2% (12 minutos) Brincar/conversar/fumar 77/1012 = 0,07 0,7h 7% (42 minutos) Descansar/ higiene 110/1012 = 0,11 1,1 h 11% (1 hora e 6 minutos) Fonte: Rancura, S. (2002) A alocação de tempo observada à coleta informal de resíduos foi estruturada com base nos dados colhidos através do etograma, mostrando que os indivíduos investem uma parcela expressiva de seu tempo e energia numa atividade totalmente insalubre, sob condições de higiene e segurança praticamente inexistentes. 4. CONCLUSÃO Os resultados obtidos neste estudo de caso, sobre a coleta informal dos resíduos sólidos, permitem constatar tanto a importância sócio-ambiental da atividade dos catadores como a necessidade de implementar ações que lhes garantam a segurança e a dignidade na execução de suas funções. Nesse sentido, qualquer decisão a respeito da coleta informal estudada não deve estar desvinculada da importância da referida atividade para o sustento das famílias dos catadores, comprovada pelo estudo. Além disso, deve ser relevada a participação significativa da coleta informal na disponibilização de resíduos potencialmente recicláveis, contribuindo para a cadeia produtiva de reciclagem, para o aumento da vida útil da célula do aterro sanitário e para conservação de recursos naturais. No desempenho desse importante papel sócio-ambiental dos catadores, que reconverte para resíduo o lixo prestes a ser enterrado, o alto investimento de tempo, energia e saúde nas atividades de coleta contrasta com o descaso social, o ambiente insalubre e as condições de higiene e segurança precárias a que estão submetidos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDER-EGG, E. 1976. Introducion a las técnicas de investigación social. Editorial Humanitas, Buenos Aires, 5 ª edição, 335p. BERKES,F, FOLKE,C.,1999. Linking Social And Ecological Systems. Cambridge University Press, Cambridge, 459p. CALDERONI, S,1999. Os bilhões perdidos no lixo. Ed. Humanitas/FFLCH/USP, São Paulo, 3 ª edição, 346p. MANCINI, P.J.P. ,1999. 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