Colisão, filme - Instituto Hipocrates Online
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Colisão, filme Escrito por Carlos Ventura Quarta, 02 Julho 2008 14:36 - in revista Natural BeijaFlor 2006 maio C-O-L-I-S-Ã-O Não sei se quando este texto for lido Colisão (oscarizado como melhor filme) ainda estará em cartaz, mas sei que por muitos anos será reposto, passará na televisão e será visto em DVD. Este filme americano começa e acaba com choques entre automóveis e pessoas. Decorre com choques entre pessoas das mais variadas etnias, conversando e desconversando em idiomas diferentes e culminando na última fala, pronunciada por uma preta que diz a um chinês que só fala com ele se ele lhe falar em americano . Neste filme (quase) ninguém se entende, (quase) todos se agridem e no início o polícia pensa em voz alta que os automobilistas chocam com os outros carros para quebrarem a própria solidão. O chefe de polícia preto só chegou àquele posto porque fecha os olhos a muita coisa, a começar pelo racismo com que os pretos são tratados; o irmão mais velho deixa comida à mãe, mas esta acusa-o e acha que quem gosta dela é o mais novo que nem aparece em casa; o iraniano quer matar o latino-americano que bem o aconselhou; quem é alvejada é a criança que quer proteger o pai; o polícia branco persegue o carro conduzido por um preto inocente mas dá passagem à carrinha onde estão ocultados escravos asiáticos; o polícia anti-racista mata acidentalmente o jovem preto e oculta o crime, enquanto o polícia racista salva heroicamente a mulher do preto que humilhara; o preto "bom" é morto e o criminoso salva-se e liberta os escravos asiáticos; o chinês traficante embolsa o dinheiro e a sua mulher continua a discutir em permanência... Ao longo do filme, os sinais exteriores de Natal persistem em aparecer. Porém, ninguém dá por eles. Chove, faz sol, neva, e é como se em qualquer altura do ano o Natal e a sua ideologia fosse sempre algo afixado e sem vida (o presépio são bonecos, o Pai Natal é boneco). Isto apesar de o realizador ter o cuidado de localizar a acção em Ventura County (dis trito ) e Ventura Boulevard - que à primeira vista é avenida e mais nada. Será bom recordar porém que no original francês, boulevard (mas também tem a mesma raiz em português, bulevar, e em espanhol) significa baluarte, ou seja, fortificação, defesa militar. Vejamos então Ventura. Este termo refere-se a uma cidade perto de Los Angeles apadrinhada por um santo que, como o nome diz, traz boa sorte, felicidade. Mas inevitavelmente o realizador sabe que em espanhol - de onde vem o nome à cidade -ventura significa (como também em português) não só felicidade mas também perigo, risco, acaso, destino. E já agora, em latim, futuro. Temos assim que o realizador, com o boulevard, nos vai lembrando que os personagens comunicam mas também estão permanentemente barricados e à defesa. E que naquele boulevard a fronteira entre a felicidade, o perigo e o destino é muito ténue e mutável. E o futuro, como será o futuro? Num mundo de homens e mulheres de todas as cores, nada é a preto e branco. 1/1