Sistema hospitalar indiano desafia lógica do mercado de saúde

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Sistema hospitalar indiano desafia lógica do mercado de saúde
 Mundo Afora | 1 de outubro de 2013
Sistema hospitalar indiano desafia lógica do mercado de saúde
Professor de inovação indiano Vijay Govindarajan aborda o case do Sistema OAalmológico Aravind, que oferece tratamento aos que não podem pagar e desafia lógica dos negócios
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crédito: Divulgação
VG, sobre o modelo inovador de Aravind: “Por que não fazer cirurgias como uma linha de montagem?”
VG, sobre o modelo inovador de Aravind: “Por que não fazer cirurgias como uma linha de montagem?”
Mesmo quem nunca pisou em solo indiano conhece – até pelos filmes de Bollywood -­‐, algumas de suas caracterísLcas, como o fato de ter mais de 1 bilhão de habitantes, péssimas condições de higiene e importantes contrastes sociais. Em 2010, um levantamento do Banco Mundial reportou que 32,7% dos indianos vivem abaixo da linha da pobreza, ou seja, com menos de U S$ 1,25 por dia; e 68,7% com menos de U S$ 2 por dia. Em um cenário como este não é dijcil prever que o sistema de saúde da Índia esteja entre os piores do mundo. Sem uma políLca nacional de saúde e com uma média de 1 médico para 2.040 habitantes, o desafio do setor é proporcional ao tamanho de sua população.
Mas o professor da Tuck School of Business (EUA) Vijay Govindarajan enxerga tais problemas e necessidades como oportunidades, inclusive para a inovação. Conhecido como VG, o professor, que é considerado um dos maiores especialistas do mundo em estratégia e inovação pelos periódicos Forbes, The Economist e Businessweek, escolheu um exemplo indiano sobre como fazer “mais com menos” para apresentar aos parLcipantes do 18° Congresso Abramge (Associação Brasileira de Medicina de Grupo).*
Tratamento em massa
Baseada no Fordismo, a indústria automobilísLca brasileira conheceu a prosperidade depois de ter perseguido a meta de baratear o automóvel até que todos conseguissem comprá-­‐lo. E se essa lógica de produção e consumo em massa, idealizada por Henry Ford, fosse aplicada na saúde, para que todos Lvessem acesso à assistência?
E foi. Com o claro objeLvo de eliminar a cegueira curável para os que podem e os que não podem pagar, o Sistema OAalmológico Aravind, localizado no sul da Índia, passou de uma clínica com 11 leitos, em 1976, para a maior e mais produLva organização mundial de tratamento e prevenção da cegueira da atualidade, com um total de 1.204 leitos.
EsLmaLvas da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que 39 milhões de pessoas no mundo são cegas, e que 80% dos casos poderiam ser evitados – estes denominados como “cegueira desnecessária”. A Índia, ocupante da 136° posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), possui cerca de 12 milhões de cegos.
Aravind, uma organização sem fins lucraLvos de Madurai, uma das cidades mais anLgas do sul do país, lar de 1 milhão de pessoas, arrancou a eLqueta de preço da cirurgia de restauração da visão, tratando mais de um terço de seus pacientes de graça. Enquanto nos Estados Unidos (EUA) uma cirurgia de catarata custa cerca de U S$ 4 mil, o preço intermediário (são vários pacotes oferecidos e este é um dos mais escolhidos) na enLdade para quem opta pagar é de R$ 110, segundo VG. Outro aspecto paradoxal é o fato de não exisLr critério de qualificação para quem está, ou não, apto a pagar. “É por autoescolha. As pessoas não trapaçam. Se você pode pagar, você paga. Se não pode, não paga”, enfaLza VG.
Para o professor, o sucesso de Aravind está calcado na qualidade de ser frugal para a inclusão de todos. “O moLvador não é o dinheiro, e sim a cura. Os olhos de todos [dos que podem e dos que não podem pagar] são igualmente importantes”, diz, lembrando que a rede é superavitária e possui, em média, uma margem bruta de 35%.
Como? Os resultados impressionam e já atraíram a atenção de diversas personalidades como, por exemplo, Bill Clinton, ex-­‐presidente dos E UA, o ícone da administração Peter Drucker e uma da principais defensoras americanas da reforma da assistência médica nos E UA, Regina Herzlinger.
Por trás dos números diários como 850 mil cirurgias, 7,5 mil visitas ambulatoriais, 500 a 600 consultas de telemedicina, 7 mil lentes intraoculares produzidas e aulas para 100 médicos, 300 profissionais e administradores, esteve um homem cuja mentalidade pode ser traduzida na seguinte frase: “Colocar-­‐se a serviço de outros é servir a si mesmo. Nossas limitações não nos definem. E, incrustadas no espírito humano, estão uma sabedoria e uma força que podem se elevar para aLngir maiores desafios. Juntos, podemos iluminar os olhos de milhões”.
Através dessa certeza que o cirurgião Govindappa Venkataswamy, mais conhecido como Dr. V, construiu Aravind e seu legado que, hoje, é estudado todos os anos por aproximadamente 900 alunos que passam pelo programa de M BA de Harvard.
O lema alto volume, alta qualidade e custo acessível foi comparado à lógica do McDonald´s pelo próprio Dr. V, defensor do poder da padronização e acessibilidade em escala. O modelo permite que os médicos realizem quase cinco vezes mais cirurgias do que a média nacional. Em 2010, Aravind atendia mais de 2,5 milhões de pacientes e realizava 300 mil cirurgias por ano em sua rede de cinco hospitais. Para se ter uma ideia, o Serviço Nacional de Saúde (NaLonal Health Service) do Reino Unido faz um pouco mais de meio milhão de cirurgias oAalmológicas anualmente.
“Se o custo fixo do equipamento é alto e se sua uLlização é aumentada, o custo por paciente baixa. Por que não fazer cirurgias como uma linha de montagem?”, provoca VG, autor do best-­‐seller Os 10 mandamentos da inovação estratégica e ex-­‐consultor-­‐chefe de inovação da General Eletric. Antes mesmo de qualquer manifestação da plateia, o professor já refuta a ideia de que esse sistema pode ser perigoso para a qualidade assistencial. “Reclamamos de automóveis em massa? Ao contrário, a qualidade aumenta, pois os médicos tornam-­‐se especializados e extremamente experientes”.
Segundo ele, o sistema de saúde dos E UA está mais preocupado com o luxo, a imagem, do que com o atendimento oLmizado da saúde. “Muitos centros hospitalares norte-­‐americanos uLlizam apenas 15% da capacidade dos equipamentos”, conta, lembrando que o Brasil é fortemente influenciado pelo modelo americano. A máxima reuLlização de disposiLvos médicos por Aravind foi outro exemplo mencionado por VG, práLca impensada nos E UA.
Presente no Congresso, o diretor técnico da Amil Assistencial, Antonio Jorge Kropf, concorda com VG. “Infelizmente nosso modelo copiou o americano e acredito que através de medidas diferentes como esta é que solucionaremos nossos problemas”.
Outra estratégia do hospital indiano para aumentar a produLvidade está na existência de um verdadeiro “exército” de “para-­‐profissionais” (enfermeiros, conselheiros, refracionistas e técnicos), cada um especializado em um conjunto claramente definido de procedimentos recorrentes. Tudo é equipado para permiLr que os médicos se concentrem exclusivamente no diagnósLco dos pacientes e nas cirurgias. “Dessa forma, eles não ficam sobrecarregados”, explica VG. Os profissionais de enfermagem realizam 70% de todas as aLvidades da sala de operação.
Sob a certeza de que “quando o trabalho que tem que ser feito é feito, os recursos necessários aparecem”, Aravind tornou-­‐se um sistema de longo alcance colaboraLvo, ostentando uma vasta rede, de mais de 500 patrocinadores, dentre eles organizações sem fins lucraLvos, insLtuições religiosas, universidades, indústrias e indivíduos.
Atualmente possui, entre outras iniciaLvas, uma fundação de pesquisa global, um insLtuto de pós-­‐graduação que treina 15% dos oAalmologistas na Índia, uma fábrica, com cerLficação internacional, para a produção de implante de lente intraocular a um preço de U S$ 10 e uma consultoria em gestão chamada InsLtuto Lions Aravind de OAalmologia Comunitária (LAICO).
Apesar das peculiaridades da Índia e seu contexto social adverso, o modelo é amplamente estudado por diversas nações, afinal, conseguiu unir pacientes ricos e pobres em benejcio mútuo. De acordo com o presidente da Associação LaLno-­‐americana de Sistemas Privados de Saúde (ALAMI), Reinaldo Scheibe, o exemplo de Aravind provoca uma profunda reflexão. “Comparado à Índia e aos E UA, nós brasileiros estamos no meio e temos que encontrar o que seria ideal nesse ínterim”, opina.
O caminho sustentável, segundo VG, não está em construir mais hospitais, abrir novas universidades ou importar médicos estrangeiros, está na prevenção, descentralização das aLvidades e procedimentos – tanto em termos estruturais e de profissionais -­‐, e na mentalidade de ser frugal. Entretanto, o que Aravind mostra é que tudo isso só funciona quando se está verdadeiramente a serviço do outro.
“Quando o núcleo de sua energia e atenção é focado em servir incondicionalmente, as fronteiras de sua percepção mudam. Você descobre valor e relevância em lugares inesperados. O trabalho adquire uma força magnéLca e geradora. Constrói confiança e boa vontade. Sustenta e alinha os recursos com a missão de forma que o dinheiro por si só não consegue fazer”. A citação, reLrada do livro sobre sua história**, mostra como pensava Dr. V que, apesar de ter morrido em 2006, conLnua vivo nos frutos de sua compaixão.
*O Congresso Abramge ocorreu nos dias 22 e 23 de agosto em São Paulo (SP)
** As referências ao fundador do Aravind foram reLradas do livro “ Visão Infinita – Como a solidariedade e a compaixão fizeram do Sistema OAalmológico Aravind um sucesso que desafia a lógica dos negócios”, de Pavithra K. Mehta e Suchitra Shenoy

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