Outlook - Pedro Moutinho

Transcrição

Outlook - Pedro Moutinho
8 | Outlook | Sábado, 11.12.2010
Outlook | Sábado, 11.12.2010 | 9
MÚSICA
NÃO HÁ-DE SER NADA
O melhor de
Pedro Moutinho
Dez anos de estúdio, três discos gravados. Esta
compilação parece saída de uma Bimby: 17 temas
e duas cerejas em cima do bolo
ão há muitas hipóteses para Ele gostava muito de lá ir ouvir fado e acaum disco que se apresente bámos por nos conhecer. Numas festas de
como “o melhor de”. Ou é Lisboa convidaram-me para ir cantar ao
realmente muito bom ou São Jorge com alguém de outra área da múcorre o risco de que toda a sica. Perguntei ao Tiago se queria cantar
gente pense que se aquilo é comigo e acabei por cantar temas dele e ele
o melhor nem vale a pena ouvir o resto. cantou temas meus.” O encontro correu
Pedro Moutinho não corre riscos desses. tão bem que Tiago Bettencourt acabou por
Mas corre outros. “Lisboa Mora Aqui” fazer uma canção para o fadista. “Vou-te
reúne o melhor dos seus três discos e traz Levando em Segredo”, que agora cantam
um brinde inesperado: “Vou-te Levando juntos, é, podemos dizer-lhe já, uma boa
em segredo”, com Tiago Bettencourt, e surpresa deste álbum. Como “Alfama”, que
“Alfama”, com Mayra Andrade. Este tem a participação de Mayra Andrade.
“melhor de” é mesmo bom.
“Conheci a Mayra Andrade há três
Pedro Moutinho tinha oito anos e uma anos, num programa de televisão. Tivepequena carreira no Coro de Santo Amaro mos logo empatia e eu fui descobrir a múde Oeiras e nos Ministars quando começou sica dela. Um dia fui vê-la ao São Luiz e ela
a cantar fado. Vivia em Oeiras e garante cantou o “Alfama”. Achei tão interessante
que há vinte anos, aos fins de semana, que a convidei para este disco”, recorda o
Cascais era um bom destino para quem fadista. Que diz que não tem, apesar de faquisesse ouvir fado. “Os meus pais leva- lar com orgulho destes dois temas, prefevam-me ao Restaurante Cordeiro, em São ridos. “Todos os temas do disco marcaram
João do Estoril, e os fados começavam às o meu percurso. Eu noto uma grande difecinco da tarde. Aquilo não era uma casa de rença de disco para disco e acho que esta
fados, era uma família”, diz.
selecção mostra essa diferença.”
Mas aos oito anos ele queria ser tudo: méE mostra o fadista. “Sou eu, é o meu esdico, bombeiro, polícia. “Não encarava o tilo de fado. Sou eu.” Mas é um disco em
fado como profissão. Aliás, só bastante mais que Pedro Moutinho não vai pensar quantarde é que comecei a pensar nisso”, conta. do pisar o palco. O fado tem isso, não é?
“Talvez com vinte anos.” Agora, com 34 “Não temos de saber se o disco funciona
anos, o fado já mora em si. E de que maneira ou não em palco. Funciona sempre.
– em “Lisboa Mora Aqui”
Quando subo ao palco não
apresenta 17 temas, uma esvou a pensar em reproduzir
pécie de reportagem do que
o que fiz em estúdio.” Mas
foi o seu percurso de estúdio
vai contente. Até porque
nos últimos dez anos. “Semesmo em ano de crise
leccionei quatro temas do
tem espectáculos marcaprimeiro disco, seis do sedos. “Continuo a ter trabagundo e cinco do terceiro.
lho. Mas sei que o próximo
Tentei escolher os temas que
ano vai ser difícil.” E ninagarrei melhor em cada álguém o convence de que o
bum.” Depois, com os temas
fado está na moda e passará
reunidos, surgiu a ideia de
ao lado disto. “É assustador
cantar com outro alguém.
ver o que está a acontecer.”
LISBOA MORA AQUI
–
“Eu conheci o Tiago BetMas ele não se assusta.
PEDRO MOUTINHO
tencour [ex-Toranja] nas
Acaba de lançar um “o me–
noites de fado de Alfama.
lhor de”. ÂNGELA MARQUES
IPLAY
João Pedro Oliveira
Eu corrupto
N
A viagem
das nossas vidas
Um “melhor de”
alguém que muita
gente ainda não
descobriu e uma
estreia a que outra
tanta gente deve
prestar atenção.
Pedro Moutinho
e A Long Way to
Alaska: dois jovens
nomes de talento
português
em destaque
Quando o caminho é longo, o melhor é aproveitar a
viagem. Façamo-lo ao som dos portugueses A Long Way
To Alaska e do seu disco de estreia, “Eastriver”.
izem os amantes das viagens nervosos”. Se estavam, não pareceu. Em
que muitas vezes a viagem até vinte minutos, mostraram mais qualidade
um qualquer destino é tão boa que os XX em pouco mais de uma hora.
ou melhor que o local para
Surge agora o merecido disco de estreia. E
onde se vai. É o caso do Alaska aos primeiros acordes de “Long Beach Palm
e do longo caminho que é pre- Trees” - a música que abre as hostilidades -,
ciso fazer para se lá chegar. Sobretudo a partir começamos a compreender um pouco medomomentoemqueodeslocamosparaBraga lhor aquilo que são os Long Way To Alaska:
e fazemos a viagem ao som da pop folk mais uma viagem com destino por definir, onde
alegremente melancólica que por aí anda.
cadametropercorridovaletantocomoaquilo
Confusos? Comecemos então pelo prin- que nos poderá esperar no fim. Regressamos
cípio. Chamam-se A Long Way To Alaska, atrás no tempo e vemos algumas das maravivêm de Braga e trazem consigo ‘Eastriver’, lhas da natureza passarem por entre os vidros
um dos mais bem conseguidos discos de es- daquele carro onde há já alguns anos fizemos
treia da música nacional - um feito que não é aquela ‘road trip’ com os melhores amigos,
pequeno, tendo em conta que de há alguns que nunca mais saiu da nossa memória.
anos a esta parte apareceram nomes como
A nostalgia dá lugar ao sorriso em “FlaB-Fachada, Samuel úria e Os Golpes.
mingos”, que nos faz lembrar que muitas
O ano passado surgiram com um EP que outras boas memórias estão ainda por criar.
não tardou a ser uma das grandes surpresas É essa uma das magias destes miúdos de
musicaisacircularnaInternet.“Foiumacoisa Braga, saltitam alegremente entre os vários
muito artesanal, gravada sem custos”, conta momentos de uma longa caminhada, desde
Gil Oliveira, um dos membros da banda. “Eu a euforia inicial até aquela meia hora em que
tinha acesso ao estúdio da minha faculdade e nos perdemos nos nossos pensamentos enfizemos tudo de forma muito amadora, até fui quanto outro alguém assume o turno ao voeuquemtratoudagravação”,acrescenta.
lante, passando pelo sentimento de dever
Artesanal ou não, o EP dava um cheiri- cumprido quando regressamos a casa.
nho do que estava para vir. De tal forma que
Podemos simplificar a coisa. É mais fácil
os quatro putos de Braga indizer que os A Long Way To
tegraram o lote dos “Novos
Alaska são uma banda de
Talentos Fnac 2010” e, no fiBraga que toca pop folk
nal de Maio, deslumbraram
melodiosa e vai ao encona Aula Magna, ao abrirem
tro da nova vaga do indie
para esse fenómeno indie
mundial. Mas isso seria o
que são os The XX. “Foi uma
mesmo que fazer um ‘insurpresa”, continua Gil, “na
terrail’ pelo leste da Europa
véspera, os XX quiseram are descrevermos a viagem
ranjar uma banda para abrir
como uma ida de comboio
o concerto e o promotor liaté à Hungria. É óbvio que
gou para o nosso agente a
temos uma curiosidade
perguntar se estávamos
enorme em ver qual será o
prontos”. Aceitaram, mas
destino final destes quatro
EASTRIVER
–
receosos. “Nunca tínhamos
miúdos. Mas porque não
A LONG WAY TO ALASKA
estado perante tanta gente e
desfrutar a viagem com
–
estávamos mesmo muito
eles? L U Í S P I R E S R E I S
POPSTOCK
D
Vivendo e aprendendo. Rematou aquela frase feita de
gerúndios vagos e driblou a conversa noutra direcção.
Resignei-me à finta e tentei correr atrás. Não achas graça a
isto da corrupção?, chutou ela. E eu ainda às voltas com as
lamúrias que tinha estado para ali a entornar em meia hora e
meia dúzia de copos, a afogar-me na própria bílis, curvado
num oito incapaz de se desfazer do nó, do nós, do eu, o nariz
enfiado no próprio rabo, lá fui dizendo que sim, sem perceber
bem que graça nem de quê. Ela percebeu o meu atraso e
adiantou-se: acho graça a esta diferença entre a percepção
que nós temos da corrupção e o que a corrupção acaba por
realmente ser. Não faz sentido. Pensa bem: oito em cada dez
almas acha este país cada vez mais corrupto, e nos últimos
dez anos não houve mais que 50 a bater com os costados na
prisão por serem corruptos. Aquela coisa da distância que
vai da percepção da coisa à coisa em si tentou-me a de novo
dizer eu, eu qualquer coisa, a começar outra frase com um
eu, eu isto, eu aquilo, eu aqueloutro, eu aquele eu, eu, eu.
Mas cortei o lance a tempo e fiz o melhor que podia por me
desmarcar. E o melhor que me ocorreu foi devolver-lhe a bola
numa frase em segunda mão, evocando um Teixeira
Pascoaes que nunca li, e meio a brincar dizer-lhe que no
fundo somos uma terra de sortudos porque já houve quem
dissesse que “a corrupção favorece as ideias novas”. A frase
deu-lhe graça e ela sorriu: nisso temos sorte, realmente.
Somos um país de criativos do desenrascanço. O país do
favorzinho, da atençãozinha, dos chico-espertos com jogo de
cintura, das contas arredondadas sem recibo. Corruptos são
sempre os outros, não é? Fiquei-me naqueles outros, como
quem quer sair de si, desensimesmar-se. Não resultou. E
confessei-me. Levantei o braço a pedir mais dois copos e a
voz para voltar a dizer eu. Eu, que tudo quanto a vista
alcança me amesquinha. Não o consigo evitar amiga. Eu que
por toda a parte parece que só vejo gente que se faz grande
e mete a gente no bolso. E eu invejo. Invejo os que prefixam o
verbo, os que prevêem, pressentem, predizem, pretendem,
os que chegam primeiro e mais longe e conseguem garimpar
fortunas num monte de sucata. Invejo a inveja de quem sabe
o que quer e faz e corre atrás enquanto é tempo. Não digas
isso, disse ela. Se há coisa que eu sei é que tu és um
rapazinho honesto. Aliás, é por isso que te martirizas. Lá
está, pensei: a distância que vai da percepção da coisa à
coisa em si. Como seria se ela me visse daqui de dentro de
onde me olho? Os jogos de cintura e as entorses na espinha,
as voltas mal dadas e as farsas caladas, os calotes de
coragem, tantos telhados de vidro, tantos rabos de palha,
tanta e tanta tralha a pedir redenção. E eu que queria
descobrir-me em dúvidas nobres e incertezas justas, falhas
por um triz com álibis, más decisões pelas melhores razões,
poder gabar-me de ser um erro estatístico de honestidade.
Não consigo. Há em mim um corrupto como tantos outros, só
que sem esperteza nem ambição. Não somos todos iguais
nesta pequenez. Há uns mais iguais que os outros. De tudo
isto não sei quanto lhe disse em voz alta e quanto ficou a ser
dito para dentro enquanto ela ia contra-atacando o meu
disparate, chutando a conversa para lugares-comuns de bom
senso. Lembro-me de a ver encolher os ombros em jeito de
deixa-te dessas merdas e de a ouvir terminar onde começou,
nessa frase feita de gerúndios vagos: vivendo e aprendendo.
E eu… eu não, mudemos de assunto, mudemos de mim,
falemos de outra coisa. Falemos de ti, talvez. Lembras-te
daquela tirada do Groucho Marx? Qual delas, querido? Há
tantas... sorriu-me paciente. “Já chega de falar de mim,
vamos falar de ti. O que é que tu pensas de mim?”

Documentos relacionados