Belém-PA 2013 FACULDADES INTEGRADAS IPIRANGA CURSO

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Belém-PA 2013 FACULDADES INTEGRADAS IPIRANGA CURSO
FACULDADES INTEGRADAS IPIRANGA
CURSO DE LICENCIATURA EM LÍNGUA PORTUGUESA
FRANCESCA DANIELLY DA SILVA CARDOSO
MARIA DE FATIMA DE SOUSA MONTEIRO
O USO DA LENDA “A MOÇA DO TAXI”, DE WALCYR MONTEIRO, COMO
ESTRATÉGIA DE VALORIZAÇÃO DA LITERATURA AMAZÔNICA
Belém-PA
2013
FACULDADES INTEGRADAS IPIRANGA
CURSO DE LICENCIATURA EM LÍNGUA PORTUGUESA
FRANCESCA DANIELLY DA SILVA CARDOSO
MARIA DE FATIMA DE SOUSA MONTEIRO
O USO DA LENDA “A MOÇA DO TAXI”, DE WALCYR MONTEIRO, COMO
ESTRATÉGIA DE VALORIZAÇÃO DA LITERATURA AMAZÔNICA
Trabalho de Conclusão de Curso – TCC
apresentado ao curso de Licenciatura em
Língua Portuguesa das Faculdades Integradas
Ipiranga como requisito obrigatório para
obtenção do título de Licenciados em Língua
Portuguesa. Orientadora: Profa. Ma. Élen
Mariana Maia Lisbôa.
Belém-PA
2013
FRANCESCA DANIELLY DA SILVA CARDOSO
MARIA DE FATIMA DE SOUSA MONTEIRO
O USO DA LENDA “A MOÇA DO TAXI”, DE WALCYR MONTEIRO, COMO
ESTRATÉGIA DE VALORIZAÇÃO DA LITERATURA AMAZÔNICA
Trabalho de Conclusão de Curso – TCC
apresentado ao curso de Licenciatura em
Língua Portuguesa das Faculdades Integradas
Ipiranga como requisito obrigatório para
obtenção do título de Licenciados em Língua
Portuguesa. Orientadora: Profa. Ma. Élen
Mariana Maia Lisbôa.
Data: _____________________
Resultado: _________________
BANCA EXAMINADORA
Prof. Ma. Danielle de Fátima Lourinho Pacheco
Nome da Universidade / IES
Assinatura _________________________________
Prof. Ma. Maria do Carmo Acácio de Sousa
Assinatura _________________________________
Nome da Universidade / IES
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho de conclusão de curso aos
meus queridos pais, Nora e Eduardo!
Francesca Danielly da Silva Cardoso
Dedico este trabalho à minha família, pelo
apoio recebido nos momentos mais difíceis.
Maria de Fatima de Sousa Monteiro
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, pois se não fosse Ele, eu não teria forças para concluir este trabalho.
À minha querida e gentil orientadora, sempre tão solícita, Élen Lisbôa.
À minha amiga e parceira neste trabalho, Maria de Fatima Monteiro.
A todo corpo docente, administrativo e de apoio das Faculdades Integradas Ipiranga. Mas em
especial, aos Professores Paulo Maués, Sheila Maués, Ayvania Pinto e Maria do Carmo
Acácio, que contribuíram imensamente para meu aprendizado.
Ao carismático escritor paraense, Walcyr Monteiro, por disponibilizar um pouco de seu
tempo para nossa entrevista.
Agradeço também, a todos os meus Amigos que me deram força para continuar.
Principalmente meus queridos amigos Suellem Caldas e Wilysmar Siqueira, que foram um
dos principais responsáveis por meu ingresso nesta graduação.
À diretora da Escola em que trabalho, Lígia Cristina Figueiredo, por sua compreensão em
relação ao meu horário.
E não menos importante, à minha família, que sempre se fez presente nos momentos bons e
ruins da minha vida. Que sempre acreditou em mim, quando nem eu mais acreditava...
Meus amados pais Nora e Eduardo, meus irmãos Mickaelle, Estephania, Grazielly e Eduardo,
minha sobrinha Bruna, meu namorado Caio, muito obrigada por tudo! Amo vocês!!!
Francesca Danielly da Silva Cardoso
A Deus, pela força para seguir adiante, apesar das dificuldades. À José Roberto, por todo
apoio e incentivo ao longo deste percurso, aos professores desta Instituiçao, pela paciencia
e respeito no processo didático, à professora Élen Mariana Maia Lisbôa, por sua
dedicação e, `a Francesca Danielly Cardoso, pelo companheirismo nesta caminhada.
Maria de Fatima de Sousa Monteiro
“Filha da imaginação, a lenda é tanto mais
bela quanto mais soberbo e grandioso é o
cenário em que se anima a ficção criadora.”
(JOSÉ COUTINHO DE OLIVEIRA, 2007).
RESUMO
A literatura amazônica ainda se encontra muito ausente das escolas. A maioria dos alunos da Educação Básica
desconhece autores paraenses e suas obras. Com isso, o presente artigo tem como objetivo propor discussões
teóricas que corroborem quanto ao uso de gêneros literários instigantes para despertar o interesse pela literatura
amazônica em sala de aula. A lenda “A Moça do Táxi”, recolhida pelo escritor paraense Walcyr Monteiro,
indicada como estratégia didática, foi analisada a partir de suas características fantasiosas e ilusórias que levam a
transitar entre o real e o imaginário. A pesquisa foi fundamentada a partir de uma revisão bibliográfica acerca do
assunto, entrevista com o escritor e com base nas discussões teóricas de Irene Machado, Tzvetan Todorov e
Jacqueline Held, dentre outros autores. As considerações finais, sem a intenção de esgotar este estudo,
preliminarmente demonstram a importância do uso de gêneros literários instigantes, haja vista que estes, se
constituem como fortes instrumentos para despertar o interesse e o gosto pela leitura.
Palavras chave: lenda; imaginário; literatura amazônica.
ABSTRACT
The Amazonian literature is still far away from schools. Most elementary students are unaware of Pará authors
and their works. Thus, this paper aims to propose corroborating theoretical discussions regarding the use of
provocative literary genres to generate interest in Amazonian literature in the classroom. The legend "The girl in
the taxi," narrated by writer Para Walcyr Monteiro, indicated as a teaching strategy was analyzed from their
fanciful and illusory characteristics that lead to transit between the real and the imaginary. The research was
based from a literature review on the subject, interview with narrator of the tale and based on theoretical
discussions of Irene Machado, Tzvetan Todorov and Jacqueline Held, among other authors. The final
consideration, without intent to deplete this study preliminarily demonstrate the importance of using provocative
literary genres, given that they constitute as strong instruments to awaken the interest and taste for reading.
Keywords : legend; imagination; literature Amazon.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 5
1.1 PROBLEMATIZAÇÃO .................................................................................................. 8
1.2 OBJETIVOS .................................................................................................................... 8
1.2.1 Objetivo Geral ............................................................................................................... 9
1.2.2 Objetivos Específicos .................................................................................................... 9
1.3 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO ...................................................................................... 9
1.4 HIPÓTESES .................................................................................................................... 9
1.5 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ............................................................................... 10
2 MÉTODO .......................................................................................................................... 11
2.1 CLASSIFICAÇÃO DA PESQUISA ............................................................................... 11
2.1.1 Quanto à Natureza ......................................................................................................... 11
2.1.2 Quanto à Abordagem do problema ................................................................................ 11
2.1.3 Quanto aos Objetivos ..................................................................................................... 12
2.1.4 Quanto aos Procedimentos Técnicos ............................................................................. 12
3 REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................. 14
3.1 A ORIGEM DA LENDA .................................................................................................. 14
3.1.1 CLASSIFICAÇÃO DAS LENDAS ............................................................................... 16
3.2 PANORAMA DA PRODUÇÃO LITERÁRIA DO ESCRITOR PARAENSE WALCYR
MONTEIRO ............................................................................................................................ 24
3.2.1 O IMAGINÁRIO E SUAS ATRATIVAS CARACTERÍSTICAS INSTIGANTES .... 28
3.3 ANÁLISE A PARTIR DA LENDA “A MOÇA DO TAXI” ........................................... 34
3.3.1 A AUSÊNCIA DA LITERATURA AMAZÔNICA NO AMBIENTE ESCOLAR
.................................................................................................................................................. 39
4 RESULTADOS ................................................................................................................... 44
5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ........................................................................ 50
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 52
ANEXOS
5
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa abordou a lenda “A Moça do Taxi”, recolhida pelo escritor
paraense Walcyr Monteiro, como estratégia de valorização da literatura amazônica, a fim de
contribuir para a busca dos valores culturais e morais, contribuir para a formação de leitores
proficientes e críticos, bem como despertar o interesse pelos escritores paraenses, pois com o
avanço tecnológico, a falta de tempo dos pais, que em sua maioria não são instruídos – são
analfabetos ou semianalfabetos – o costume de contar causos1, lendas, mitos, foi-se perdendo.
Percebe-se a supervalorização da cultura exterior em relação à cultura amazônica. E tal
supervalorização é evidente no que se dizem respeito à literatura, costumes, moda, artesanato,
e dialetos, que são muitas vezes “copiados” das ditas tendências da moda.
De acordo com Aranha (2003), ao longo de sua história, o homem produz cultura, que
são as práticas, teorias, instituições, valores espirituais e materiais, que não se esgotam devido
à infinita possibilidade humana de criação. Todo povo tem sua história e sua cultura.
Conhecer a cultura do outro, tem sua devida importância, mas no sentido de respeitar e
valorizar. Adotá-la para si, requer cautela, pois à medida que se introduz outros costumes e
dialetos no cotidiano, consciente ou inconscientemente, nega-se a própria origem, a própria
história.
O que se tem percebido com isso, é que a todo o momento as pessoas são levadas a
adquirir novos hábitos e costumes. Da mesma forma na literatura. O direcionamento é a
outras leituras, o que faz com que se deixe de conhecer o que é peculiar desta região ou de
cunho interior do estado em que se vive. Considerando o valor moral da literatura que se
constitui em uma finalidade pedagógica e educativa, permitindo ao homem tomar noção de
sua realidade, a literatura local leva à consciência crítica dos problemas sociais e ao mesmo
tempo a conhecer as características culturais de sua região.
Consideramos a literatura como uma forma específica de conhecimento da vida
proporcionado pelo arranjo estético do material linguístico utilizado. Essa definição
abrange a característica essencial da obra literária (arte da palavra) e sua função
fundamental (visão peculiar do mundo). (SALVATORE, 2006, p. 23).
1
De acordo com o Dicionário de Gêneros Textuais (2009), é Geralmente falado(a), relativamente curto(a), que
trata de um acontecimento, fato ou conjunto de fatos, reais ou fictícios, como casos do dia a dia ocorridos com
pessoas, animais, etc., ou de histórias da imaginação das pessoas, como “causos” ou contos populares (v.) da
Mula Sem Cabeça, Lobisomem, etc., conhecidos como contos (v.) de assombração. Esses contos por exemplo,
diferenciam-se dos contos populares (v.) de fada ou outros, por não começarem por “era uma vez...”, mas por
“certa noite”, “em um lugar tenebroso”, “era meia-noite...”.
6
Não se vê, por exemplo, alguém usando roupas de carimbó ou siriá nas regiões sul e
sudeste ou no exterior. Entretanto, mesmo com o clima quente da região amazônica, muitos
usam botas e tecidos em couro. É pouco provável ver pessoas de qualquer lugar do mundo
usando camisas com dizeres “I Love Pará”. Mas neste estado, pode-se ver pessoas usando
camisas com dizeres “I Love Rio” ou “I Love New York”. Assim como as expressões “égua”,
“pai d’egua”, “pitiú” ou qualquer uma pertencente ao léxico paraense, não são alvos de
modismo em nenhum lugar que não seja neste estado. Diferente das expressões “mó”, “já é”,
“bolado” pertencente ao léxico carioca e que muito paraense utiliza como seu dialeto.
Em entrevista ao escritor paraense Walcyr Monteiro, realizada às dez horas e trinta
minutos do dia vinte de setembro de dois mil e treze, o autor disse que a cultura, os costumes
do Estado do Pará estão sendo esquecidos pelo próprio povo, justamente devido a tecnologia,
a influência e aceitação da cultura exterior, como por exemplo, a influência sulista no
vocabulário paraense. O pronome de tratamento senhor, que é usado de forma respeitosa e o
pronome pessoal tu, empregado normalmente para se dirigir a alguém mais íntimo, estão
caindo em desuso. Está cada vez mais comum o uso do pronome você, mas empregado de
forma inadequada em relação à norma culta, como: “Você não sabe o quanto eu te amo!”.
(Exemplo do próprio escritor.).
O referido escritor relata que em 1987, em uma de suas viagens ao baixo Amazonas,
mais precisamente a São Félix do Xingú, encontrou uma casa muito simples no meio da selva.
Em frente a ela, uma roda de crianças cantando a música “ilariê”, da cantora e apresentadora
Xuxa, e logo acima da casa havia uma bacia de alumínio, que ligada a um arame conectado a
televisão e a um motor de luz, funcionava como antena parabólica. Diante de tal fato, o autor
sentiu uma enorme decepção, porque mesmo num lugar tão afastado da capital, dos recursos
tecnológicos, a cultura paraense foi corrompida. E da mesma forma que as cantigas de roda
perderam espaço para as músicas da Xuxa, muitas palavras pertencentes ao léxico paraense
estão sendo substituídas por palavras de outros estados e países, como por exemplo, peteca
por “bola de gude”, papagaio por “pipa”, bicicleta por “bike”, dentre muitas outras.
No Diárioonline do dia trinta e um de outubro de dois mil e treze, o jornalista
Kleberson Santos publicou uma nota referente à Semana Municipal da Matinta Perera. Esta,
diz respeito à lei ordinária nº 8.330, de 16 de junho de 2004, que institui a Semana Municipal
“MATINTA PERERA” e tem início no dia 31 de outubro. Esta lei foi sancionada com o
intuito de contrapor o halloween, festa muito popular em países de língua anglo-saxônica,
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principalmente nos Estados Unidos. Esta festa de origem americana, também é um exemplo
de aceitação da cultura exterior, e que há muito tempo, integra a cultura brasileira.
É muito importante conservar a tradição oral das lendas, pois elas fazem parte da
cultura paraense. E como elas instigam a imaginação das pessoas, há uma probabilidade maior
de interesse da parte delas, em ler livros relacionados a este ou a outros gêneros narrativos, a
pesquisar mais sobre quem as escreve e consequentemente, a transmiti-las. O que faria com
que o ato de contar lendas, voltasse a ser costume nas horas de lazer em família, nas rodas de
amigos e vizinhos. E por mais esquecidas que elas estejam, as lendas amazônicas tratam-se de
histórias curiosas, que sempre deixam dúvidas do que pode ou não, ser real. E quando
contadas, os interlocutores querem sempre ouvi-las novamente e até outras mais.
É importante também que a valorização das lendas seja de iniciativa do professor em
sala de aula, pois este, é o principal mediador na vida do educando. Sua devida intervenção se
faz necessária durante a vida escolar do aluno, e acarreta forte influência depois de sua vida
escolar. Uma vez incentivado, o aluno jamais perderá o gosto pela leitura de lendas
amazônicas e nem o hábito de contá-las. Pois a lenda atravessa gerações e possui
características atrativas, que prendem a atenção de quem as ouve, desperta a curiosidade e o
interesse dos leitores e ouvintes.
O contato com as lendas é de fundamental importância para formação de futuros
leitores, pois a criança que ouve histórias, certamente terá maior interesse pela leitura de um
modo geral. Acredita-se que a formação para cidadania passa também pelo conhecimento e
valorização da própria cultura. Paulo Freire (2003) diz que “leitura boa é leitura que nos
empurra para vida, que nos leva para dentro do mundo que nos interessa viver”. E ao longo do
tempo, o costume de contar histórias foi-se perdendo, dando espaço a tecnologias como os
jogos eletrônicos e internet, e hoje, a maioria das crianças e adolescentes sequer conhece ou
ouviu falar em lendas paraenses. E ao ouvir alguma pela primeira vez, o interesse é imediato.
E para tanto, é necessário que tal interesse seja aproveitado desde o princípio.
Diante do exposto, a escola apresenta-se como opção na divulgação deste acervo
literário. E sendo assim, o objetivo geral desta pesquisa é despertar o interesse pela literatura
amazônica em sala de aula, estabelecendo maneiras mais atrativas que possam estimular os
alunos a criarem o gosto pela leitura.
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Para tanto, se elencou os seguintes objetivos específicos: instigar o imaginário através
de lendas, incentivar o hábito pela leitura de livros da literatura amazônica e resgatar a cultura
paraense e o imaginário através da leitura de lendas.
Para viabilização deste processo, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, dentro de
uma abordagem qualitativa, de caráter exploratório, em livros, artigos, revistas e entrevista
com o escritor paraense Walcyr Monteiro.
1.1 PROBLEMATIZAÇÃO
A Literatura Paraense é caracterizada por histórias, contos, lendas, mitos e “causos
sobrenaturais” ricos em encantamentos que durante décadas, foram contados principalmente
pelos mais velhos. Eram histórias fantásticas que enchiam de medo e curiosidade a quem
ouvia. Porém, devido ao avanço tecnológico, a ausência de muitos pais em relação à cobrança
dos estudos de seus filhos e até mesmo ao pouco uso das lendas em sala de aula pelos
professores, este costume foi-se perdendo.
Acredita-se que a escola, em parceria com os professores, possa resgatar o interesse
dos educandos pela Cultura Paraense, mostrando-lhes lendas como ”A Moça do Taxi”,
levando-os a perceber o quão interessante é a Literatura Paraense. Não somente pelo medo
que elas provocam em quem as ouve, mas pela sua originalidade, pelos minuciosos detalhes
de quem as contam, e por ser de suma importância para a boa formação de leitores críticos,
proficiente e consequentemente, futuros bons escritores, pois todo bom escritor conhece e
domina a sua própria cultura.
Diante desta situação, investigou-se a seguinte problemática: Como utilizar as lendas
para incentivar a Literatura Paraense?
1.2 OBJETIVOS
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1.2.1 Objetivo Geral
Despertar o interesse pela literatura amazônica em sala de aula.
1.2.2 Objetivos Específicos
• Instigar o imaginário através de lendas;
• Incentivar o hábito pela leitura de livros da literatura amazônica;
• Resgatar a cultura paraense e o imaginário através da leitura de lendas.
1.3 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO
O presente estudo, apesar de se tratar da literatura amazônica que engloba outros
estados brasileiros, limita-se somente ao estado do Pará, na cidade de Belém, local de origem
da lenda “A Moça do Taxi” e do escritor Walcyr Monteiro.
A região norte é muito rica em lendas, contos e mitos amazônicos que descrevem e
exaltam a exuberância da floresta amazônica. Possui muitas histórias que mexem com o
imaginário de quem as ouve, como a história do boto, da matinta pereira, da cobra grande, etc.
Estas histórias de assombrações, “almas penadas”, pessoas e animais lendários, são
muito interessantes. Dentre o rico acervo de opções, a lenda escolhida para figurar este
trabalho foi “A Moça do Taxi”, recolhida pelo escritor paraense Walcyr Monteiro, com a
pretensão de instigar a imaginação do aluno. E para tanto, a presente pesquisa abordou o uso
da referida lenda como uma estratégia de valorização da literatura amazônica.
1.4 HIPÓTESES
• A leitura de lendas estimula o imaginário e a criatividade humana, possibilitando uma
nova leitura de mundo;
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• A literatura amazônica por retratar a história e a cultura do povo, é um instrumento
que viabiliza a disseminação dos valores regionais;
• O escritor paraense Walcyr Monteiro, recolhe fatos do imaginário popular, a fim de
resgatar a cultura amazônica. Mais especificamente, a cultura paraense.
1.5 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
O presente estudo desenvolve-se em três capítulos: Primeiramente trata da origem e da
classificação das lendas, tendo como base de estudos os conceitos utilizados por Sérgio
Roberto Costa, Irene A. Machado, Salvatore D’onofrio, Luís da Câmara Cascudo e José
Coutinho de Oliveira. Posteriormente, o segundo capítulo descreve a produção literária do
escritor paraense Walcyr Monteiro, segundo Acyr Castro e Apolonildo Senna Britto, e aborda
as características do imaginário, de acordo com as definições de François Laplantine e Liana
Trindade, Jacqueline Held, Ivan Teixeira, Tzvetan Todorov e Márcia Romero Marçal. E por
fim, no terceiro capítulo, faz-se uma análise da lenda A Moça do taxi, demonstrando suas
características literárias a partir de conceitos de Márcia Romero Marçal, Tzvetan Todorov,
Sandra Maria Soares, e Walcyr Monteiro, Apolonildo Senna Britto e Sonia Khéde e descrevese o difícil acesso à literatura amazônica.
11
2 MÉTODO
O caráter científico da pesquisa se forma a partir da aplicação de técnicas e métodos
apoiados em fundamentos epistemológicos. Esses elementos pressupõem toda e qualquer
pesquisa e estão presentes durante todo o processo do conhecimento. Contudo, em Ciências
Humanas sobrevêm diferenças quanto à prática investigativa, devido à diversidade de
aspectos epistemológicos que envolvem a pesquisa, possibilitando diferentes enfoques ao
objeto estudado. (SEVERINO, 2007).
O estudo da lenda “A Moça do Táxi” como estratégia de valorização da literatura
amazônica, seguiu uma metodologia voltada à proposição da pesquisa, que visa mudanças de
valores e comportamentos de contexto local. Para este fim, foram adotadas metodologias
classificadas conforme a natureza da pesquisa.
2.1 CLASSIFICAÇÃO DA PESQUISA
2.1.1 Quanto à Natureza
O referido estudo se consolida como uma pesquisa aplicada, por voltar-se a um
problema de interesse local, que visa a prática de mudança de comportamento através da
aplicação prática de métodos didáticos dentro de sala de aula.
De acordo com o objetivo, o estudo não só ocasionou contribuições teóricas para a
valorização da literatura amazônica, como também demonstrou meios para a ação de
intervenção e para a solução de um problema local a partir de uma ação didática escolar
proposta pela pesquisa.
2.1.2 Quanto à Abordagem do problema
Por tratar de um estudo de valorização em que os atributos requerem interpretação de
fenômenos e atribuição de significados culturais, o problema teve uma abordagem qualitativa.
12
Esta abordagem considera a subjetividade dos sujeitos envolvidos com o objeto de pesquisa e
busca interpretar o comportamento humano e o meio que o envolve.
A abordagem qualitativa segundo Severino (2007, p. 119), “São várias metodologias
de pesquisa que podem adotar uma abordagem qualitativa, modo de dizer que faz referência
mais a seus fundamentos epistemológicos do que propriamente a especificidades
metodológicas”.
O estudo foi baseado nos aspectos qualitativos, uma vez que busca a mudança do
comportamento humano, trata de valores culturais e regionais e da compreensão dos fatos.
Neste sentido a abordagem qualitativa se sobrepõe à quantitativa, uma vez que essa não
possui elementos suficientes que possam subsidiar a pesquisa.
De acordo com Minayo-Menga (1986, apud MARKONI, LAKATOS, 2009, p. 271), o
estudo qualitativo “é o que se desenvolve em uma situação natural; é rico em dados
descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e
contextualizada”.
2.1.3 Quanto aos Objetivos
A ausência da literatura amazônica em sala de aula tem proporcionado sua
desvalorização, e consequentemente, a desvalorização da cultura paraense. Com isso, o
presente estudo visou despertar o interesse dos alunos pela literatura amazônica. Para isso,
buscou levantar informações acerca de gêneros narrativos curiosos e estimulantes que
pudessem despertar o interesse dos alunos pela literatura amazônica.
Nesta perspectiva, o estudo se constituiu em uma pesquisa exploratória, que segundo
Severino (2007, p. 123), “busca apenas levantar informações sobre um determinado objeto,
delimitando assim um campo de trabalho, mapeando as condições de manifestação desse
objeto. Na verdade, ela é uma preparação para a pesquisa explicativa”.
2.1.4 Quanto aos Procedimentos Técnicos
13
A pesquisa foi de cunho bibliográfico e se compôs a partir de um levantamento sobre
o tema que envolveu lendas, imaginário e gêneros narrativos maravilhoso e fantástico, cujas
fontes foram artigos científicos, livros e sites que contribuíram para o estudo em questão.
Ainda segundo Severino (2007, p. 122), a pesquisa bibliográfica “é aquela que se
realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos
impressos, como livros, artigos, teses etc. [...] Os textos tornam-se fontes dos temas a serem
pesquisados”.
A partir da coleta do material bibliográfico, este foi submetido a uma triagem para
selecionar aquilo que é mais interessante para a pesquisa, pois o resultado da triagem é que
dará um direcionamento à leitura do pesquisador. Lakatos (1991), ratifica que todo material
da pesquisa deve ser submetido à triagem para que se possa criar um plano de leitura.
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3 REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 A ORIGEM DA LENDA: DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO
A busca pela explicação de alguns fenômenos do mundo ou de certas coisas que
muitas vezes não têm justificativa, faz da lenda, uma possível explicação para tais fatos. Não
que estas sejam verdades definitivas, mas alguns fenômenos naturais, cidades, animais,
vegetais e heróis nacionais, por exemplo, têm a explicação em forma de lenda. No início do
cristianismo entendia-se por lenda, os documentos a serem solenemente lidos na festa de um
determinado santo ou mártir, a fim de enaltecê-los e contar a história da vida deles, tornandoos exemplos a seus ouvintes.
A palavra lenda surgiu durante a Idade Média, em meados do século XIII, pelo bispo
italiano Jacobus de Varazzo. Ela conserva quatro características do conto popular: a
antiguidade, pois até hoje se ouve falar em lenda, independente do espaço geográfico; a
persistência, devido ao fato de quem a conta, acreditar nem que seja parcialmente, no enredo
da lenda; o anonimato, uma vez que, o autor de toda e qualquer lenda é desconhecido.
Normalmente se ouve falar de “alguém que viu algo”, ou “ouviu alguém dizer isso ou aquilo”,
mas nunca, com precisão, quem de fato, presenciou o “causo”. Mas há também aqueles que
afirmam já ter presenciado um fato sobrenatural; e a oralidade, que é o principal foco de uma
história, pois antes mesmo de ser escrita, ela é oralizada por alguém.
O Dicionário de Gêneros Textuais (2009, p. 139) define lenda como:
Narrativa ou crendice acerca de seres maravilhosos e encantatórios, de origem
humana ou não, existentes no imaginário popular. Trata-se de história (v.), também
chamada legenda (v.), cheia de mistério e fantasia, de origem no conto popular (v),
que nasceu com o objetivo de explicar acontecimentos que teriam causas
desconhecidas. Na busca do maravilhoso, o ser humano sempre procurou dar sentido
à movimentação dos astros, à migração de animais, aos fenômenos naturais, etc. essa
narrativa de caráter maravilhoso pode também se referir a um fato histórico que,
centralizado em torno de algum herói popular (revolucionário, santo, guerreiro), se
amplifica e se transforma sob o efeito da evocação poética ou da imaginação
popular.
Por muitas vezes, lenda, mito e conto popular são confundidos. Ambos pertencem à
tradição oral e não possuem autor, entretanto, o conto popular é de caráter universal, o que
segundo Irene A. Machado (1994), é uma criação do imaginário coletivo que possui traços
que se repetem nos mais variados locais e época, documentando os costumes esquecidos no
15
tempo, mas que não mudam com o passar dos tempos. Neste tipo de narrativa, há uma forte
tendência para a magia, para o sonho ou para a fantasia, pois antes mesmo de se aprender a ler
e escrever, se ouve primeiro, histórias fantásticas, maravilhosas, envolvendo fadas, príncipes e
princesas, castelos, bruxas, fantasmas, dentre outros.
Ainda para Machado (1994), o conto popular “Nasceu no dia em que o homem
descobriu que podia colocar sua voz a serviço de sua imaginação, criando situações, pessoas,
lugares, sonhos, em histórias que pudessem correr o mundo, sem nunca envelhecer”. O
Dicionário de Gêneros Textuais define o conto popular como “herança de crenças e mitos
primitivos que se adaptaram a novos contextos culturais.” (p. 75). Caracteriza-se por ser
breve; por ter ação concentrada; por ter um número reduzido de personagens – personagens
normalmente anônimas e prototípicas – e por normalmente ser iniciado com a frase “Era uma
vez...”.
Já o mito, embora também seja uma possível explicação para o surgimento de certos
fenômenos, ele está muito ligado à mitologia, na tentativa de compreender o universo e a
finalidade deste, e do homem. Salvatore D’Onofrio (2006, p. 106) explana:
Mas, na sua acepção mais comum, mito é uma história ficcional sobre divindades,
inventada pelos homens para explicar a origem das coisas ou justificar padrões de
comportamento. O que há em comum nos dois usos da palavra mito é que se trata
sempre de uma história fantástica, inventada ou por um poeta (no caso do mito
trágico de que fala Aristóteles) ou pelo povo (no caso da mitologia).
É o conjunto de lendas e narrações na história da civilização que se referem a fatos e
personagens anteriores aos fatos históricos, que justamente por não serem de fato,
comprovados, se entrelaçam aos episódios fantásticos e maravilhosos. Luís da Câmara
Cascudo (2011, p. 516), diz que “na confusão das sombras mentais se fundam as criações
mitológicas que se transmitem diversicoloridas de geração em geração através das idades.”.
Ainda para Cascudo (2011, p. 511), a lenda é:
Episódio heroico ou sentimental com o elemento maravilhoso ou sobre-humano,
transmitido e conservado na tradição oral popular, localizável no espaço e no tempo.
De origem letrada, lenda, legenda, “legere”, possui características de fixação
geográfica e pequena deformação. Liga-se a um local, como processo etiológico de
informação, ou à vida de um herói, sendo parte e não todo biográfico ou temático.
D’Onofrio (2006), faz uma breve diferenciação entre mito e lenda. Para ele, o mito é
ligado mais especificamente a entes sobrenaturais e tem a crença como atitude mental. Já a
lenda se apropria de seres humanos como heróis, fazendo de seus valores cívico e/ou
16
espiritual, estimule a imaginação. Ela se origina a partir de um determinado acontecimento
histórico, mesmo que com o passar do tempo, seja modificada pela imaginação popular.
Atualmente, a palavra mito tem sido frequentemente usada como sinônimo de mentira.
É uma forma de dizer que determinada afirmação ou especulação, não são verdadeiras. Um
exemplo disso é o programa “Câmera Record” da emissora Rede Record. Em algumas
reportagens o apresentador revela “mitos e verdades” acerca de um determinado assunto. O
termo mito é usado para apontar certas afirmativas como falsas, justamente por não terem
nenhuma explicação lógica. E o termo verdade só é usado para as afirmações, quando há
realmente comprovação científica para explicá-las.
No programa exibido no dia 25/10/2013, cujo tema era Mitos e verdades sobre a nossa
audição, o apresentador faz uma série de afirmações, tais como: “Tampar o ouvido de bebês
no banho evita infecção”, “Infecção no ouvido pode desencadear meningite” e “Não se deve
cortar pelos da orelha”. Logo em seguida, diz se é verdade ou mito e explica o motivo.
Um dos verbetes do dicionário de Língua Portuguesa Aurélio, trata o mito como uma
narrativa vista como verdadeira por um determinado grupo, e que é transmitida há gerações.
Entretanto, outro verbete o classifica como uma ideia falsa:
1. Relato sobre seres e acontecimentos imaginários, que fala dos primeiros tempos
ou de épocas heróicas 2. Narrativa de significação simbólica, transmitida de geração
em geração dentro de determinado grupo e considerada verdadeira por ele. 3. Idéia
falsa, que distorce a realidade ou não corresponde a ela. 4. Pessoa, fato ou coisa real
valorizados pela imaginação popular, pela tradição, etc. 5. Fig. Coisa ou pessoa
fictícia, irreal; fábula. (FERREIRA, 2000, p. 466).
Por tentar explicar certos fenômenos naturais, astronômicos, meteorológicos, ou o
surgimento de certas cidades e heróis nacionais que contribuíram para a civilização de épocas
passadas, e até mesmo por tentar reproduzir verdades não tão paradoxais a história, a lenda
por sua vez, apresenta subdivisões. Cada uma dessas subdivisões apresenta uma característica
peculiar, que serão definidas e exemplificadas a seguir.
3.1.1 CLASSIFICAÇÃO DAS LENDAS
A lenda histórica, segundo Machado (1994, p. 101), “apresenta a origem lendária de
países e civilizações, que acabaram valendo como uma explicação histórica”. Pode-se citar
como exemplo, a lenda “Rômulo e Remo”, que é uma possível explicação para o surgimento
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da cidade de Roma. Nesta lenda, os irmãos Rômulo e Remo são filhos de Rea Sílvia, que por
sua vez, é sobrinha de Amulio, irmão de Numitor. A ganância pelo futuro reinado de seus
descendentes, fez com que Amulio matasse Lauso, também filho de Numitor e obrigasse Rea
Sílvia a fazer voto de castidade. Entretanto, Rea Sílvia concebeu os gêmeos Rômulo e Remo,
que por ordens de Amulio, foram colocados em uma cesta e lançados no rio Tibre.
Inicialmente, os gêmeos foram amamentados por uma loba que acabara de perder seus
filhotes e posteriormente, foram cuidados por Faustolo e sua esposa. Rômulo e Remo
cresceram entre os pastores, desbravando bosques e montanhas, lutando com ladrões de
gados, mas certo dia, Remo foi preso, acusado de devastar os rebanhos de Numitor, que
hesitou em matá-lo, por achá-lo muito semelhante a sua filha Rea Sílvia. Sabendo do
ocorrido, Faustolo contou a Rômulo sua origem e este, dirigiu-se a Alba, libertou o irmão,
matou o rei Amulio e devolveu o trono a seu avô Numitor.
Posteriormente, Rômulo e Remo fundaram uma cidade no local em que haviam sido
descobertos por seu pai de criação, delimitaram as terras e Rômulo impôs que ninguém
ousasse ultrapassá-las. Mas seu irmão Remo, zombando de suas regras, o desobedeceu. Muito
furioso e por possuir projetos para seu povoado, Rômulo o matou sem hesitar, para que
servisse de exemplo para os outros. Mesmo com o ocorrido, seus planos continuaram, e
Rômulo anunciou uma festa com a intenção de tomar as mulheres dos sabinos. Estas, após
muitas lutas, resolveram viver em paz com os romanos e Tácio, rei dos sabinos, dividiu o
trono com Rômulo.
Não que a lenda “Rômulo e Remo” seja uma verdade absoluta, mas ela tem muito a
ver com a formação da Língua Portuguesa, uma vez que com o rapto das sabinas, que
povoavam as montanhas na atual Itália, com o tempo, foram absorvidos pelas populações do
Lácio, onde ocorreram as primeiras manifestações da Língua Portuguesa.
Já a lenda naturalista, ainda segundo Machado (1994, p. 102), explica “os fenômenos
naturais, como os astros, o tempo e muitos aspectos geográficos como vegetação, montanha,
vulcão, bem como o surgimento da Terra.”. Este tipo de lenda surgiu plenamente pela cultura
popular, em que as pessoas usam a imaginação para explicar a origem dos seres, dos astros,
das coisas em geral. Em determinadas lendas, a Terra aparece como obra divina e o Mar como
obra diabólica, o Sol e a Lua aparecem como homem e mulher, e em outra, como irmãos. José
Coutinho de Oliveira (2007, p. 37), define este tipo de lenda como cosmogônica. Tipo este,
que busca “explicar fenômenos de natureza astronômica ou meteorológica.”.
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Ambas as definições têm o mesmo propósito. O de explicar os fenômenos naturais
com uma vertente diferente da religião e da ciência. Pode-se citar como exemplo, a lenda
“Como se fez a noite”, extraída do livro Imaginário Amazônico, Oliveira (2007, p. 41).
Segundo esta lenda, a filha da Cobra Grande se casou com um homem muito bom e bonito,
dono de três escravos bravos e fiéis. Ao sentir sono, o homem não pôde dormir, pois naquela
época não havia noite. Somente o dia. Então, sua esposa sugeriu que ele mandasse buscar a
noite com sua mãe, a Cobra Grande, pois somente ela poderia buscá-la no fundo do rio. E o
homem, seguindo a sugestão da esposa, ordenou que seus escravos fossem até a Boiaçu. Esta,
dormia enrolada num grosso tronco de miriti à beira rio, pois havia acabado de comer uma
anta e beber caxiri, uma típica bebida indígena.
Quando enfim conseguiram acordar a Cobra Grande, os escravos informaram o motivo
da visita, e imediatamente a Boiaçu foi ao fundo do rio e, de lá, trouxe um grande caroço de
tucumã. Ela recomendou que eles não abrissem o caroço e que o entregassem somente à sua
filha, pois esta sabia o que fazer. Os escravos partiram, e no meio do caminho começaram a
escutar um barulho que parecia vir do caroço de tucumã. O barulho foi aumentando e a
curiosidade deles mais ainda. Então, resolveram abrir o caroço e, de repente, tudo escureceu.
Os bichos de hábito noturno começaram a emitir seus respectivos sons, que ecoavam na mata
e assustavam mais ainda os inconvenientes escravos.
A filha da Cobra Grande percebeu que a noite havia sido solta e logo falou ao marido,
que por sua vez, sentiu medo. Ela propôs que esperassem a madrugada para então, separar o
dia da noite. Ao chegarem, os escravos foram chamados à atenção. Não sendo suficiente para
a filha da Cobra Grande, ela os transformou em macacos por terem desrespeitado a ordem de
sua mãe. Quando a estrela d’alva brilhou, a filha da Cobra Grande separou a noite do dia, e os
pássaros de hábito noturno se calaram para os pássaros de hábito diurno.
Existem muitas outras histórias que contam o surgimento da noite. Esta talvez não seja
a real justificativa para o surgimento dela. Mas o que de fato não se pode, é descartar
quaisquer hipóteses, já que não existe uma verdade absoluta para tal fenômeno.
Para que se entenda a lenda sobrenatural, é necessário primeiramente, que se entenda
por sobrenatural, algo que esteja ligado ao extraordinário, mas não necessariamente ao
maravilhoso, como é o caso do conto de fadas. “Nessa modalidade, encontram-se as lendas
sobre homens excepcionais, que realizaram atos de extrema bravura para promover o bemestar do grupo social em que viveram e, por isso se transformaram em heróis nacionais.”
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(MACHADO, p. 99). Neste tipo de lenda, o herói age de acordo com os interesses da
sociedade, e não apenas com os seus interesses pessoais. Para Joseph Campbell (1990, apud
MACHADO, Irene A. 1994, p. 99), “um herói lendário é geralmente o fundador de algo. Ele é
o ponto inicial de uma nova era, uma nova religião, uma nova cidade, uma nova modalidade
de vida”.
“Beowulf e o Dragão”, é um exemplo de lenda sobrenatural. Nela, um sábio e valente
rei dinamarquês, que junto ao seu povo, viveu tempos de horror por conta de Grandel, um
terrível dragão que morava no fundo do lago com sua mãe, uma horrorosa feiticeira. Todas as
noites, Grandel invadia o castelo para beber o sangue dos homens e arrastar os corpos para o
lago. Ao saber de tal situação, Beowulf, um jovem e corajoso guerreiro, capaz de vencer trinta
homens ao mesmo tempo, sensibilizou-se com situação dos súditos do rei e convocou catorze
combatentes e partiu para a Dinamarca. Ao apresentar-se ao rei, este encheu-se de esperança e
logo celebrou uma festa. Durante a comemoração, o dragão apareceu. E antes mesmo que ele
conseguisse devorar mais um homem, Beowulf se adiantou e apertou sua garganta com uma
força equivalente a de trinta homens, impossibilitando que o dragão se soltasse. Ele então, foi
arrastado para o lago e morreu.
O rei ficou muito agradecido ao herói, e a vida no castelo voltou ao normal.
Entretanto, a mãe de Grandel ficou furiosa e decidiu se vingar a morte do filho. Matou o
conselheiro do rei. O rei pediu novamente a ajuda de Beowulf, que mergulhou no lago e
encontrou uma bruxa sentada sobre ossadas humanas. Era a mãe de Grandel. Esta, tentou
atacar o jovem guerreiro, que mais uma vez, foi mais rápido e cortou a garganta dela. Mas
ainda assim, a bruxa continuou a atacá-lo, e Beowulf avistou uma gigantesca espada e
arrancou a cabeça dela. Foi quando então, se deparou com o corpo de Grandel. O guerreiro
arrancou-lhe a cabeça também e as levou à superfície, para comprovar que o povo
dinamarquês estava livre deles. Beowulf sentiu saudades de seu próprio país e pra lá voltou e
foi coroado rei, pois era o único herdeiro de seu tio, que acabara de morrer. Ele governou seu
país com muita justiça e sabedoria por cinquenta anos, até que recebeu notícias de que um
dragão incendiava novamente a Dinamarca.
O dragão o esperava. De sua garganta, saiam chamas envenenadas e uma fumaça
verde. Ao se apavorarem, os cavaleiros de Beowulf, com exceção do mais jovem, Wiglaf, o
abandonaram. Beowulf partiu para cima do dragão e o atacou com muita força. Como se nem
tivesse envelhecido. O sangue escorreu do ferimento da garganta de Grandel, mas ao tentar
atingi-lo com sua espada, Beowulf percebeu que a mesma havia se partido ao meio. Foi
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quando então, Wiglaf atacou mortalmente o dragão, que ao cair, atingiu o rei com suas
envenenadas garras. E antes mesmo que o veneno tomasse sua vida, Beowulf nomeou Wiglaf
como seu sucessor, por tamanha braveza e fidelidade, pois sabia que seu povo teria um rei
justo e digno.
Esta lenda mostra as qualidades que fazem com que um homem se torne um herói
nacional. Pois este não age de acordo com seus interesses pessoais, mas sim a partir de
interesses coletivos que beneficiam a sociedade como um todo. É o ponto que diferencia a
lenda – mais especificamente a lenda sobrenatural – dos contos de fadas, pois neste gênero, o
príncipe/herói, age de acordo com seus interesses pessoais: casar com a princesa e viver feliz
para sempre.
Oliveira (2007, p. 93), define por lenda etiológica, a possível explicação para a origem
de certas coisas causadas por algum fenômeno, como por exemplo, “a viagem do jabuti ao
céu, que explica os remendos de seu casco.” e o motivo de a fruta do guaraná se parecer tanto
com os olhos humanos. Outro exemplo de lenda etiológica é a lenda “A Mandioca”. Nesta, a
partir de um diálogo entre três homens – Doutor Figueiredo, Rozendo e Cordeiro – é contada
a origem desta raiz tuberosa. Doutor Figueiredo era um homem que admirava muito a cultura
indígena e gostava de “tupinizar” todas as palavras que ele achava ser de cunho indígena, pois
para ele a “língua geral”, ou seja, a língua materna era o Tupi, haja vista que antes mesmo da
colonização, o Brasil falava Tupi de um extremo a outro. Em uma viagem a Caratateua (atual
Outeiro), Cordeiro, que havia estudado muito a tal língua geral, idolatrada por Doutor
Figueiredo, foi indagado por Rozendo a contar a lenda da Mandioca para o Doutor.
Segundo a história que Cordeiro contou, a filha do tuxaua da tribo deu à luz uma
criança tão branca quanto o leite, chamada Mani. Desconfiado, o chefe da tribo quis matar a
criança, mas em um sonho, um homem branco apareceu para impedi-lo, dizendo que a moça
não era culpada pelo nascimento do bebê. Entretanto, a criança era diferente das demais não
somente pela cor, mas por logo após seu nascimento, andar e falar precocemente. E antes
mesmo de completar um ano de vida, ela faleceu sem ter sequer adoecido, o que causou mais
espanto a tribo. A mando do tuxaua, Mani foi enterrada na maloca da mãe, e como de
costume da tribo, esta regava a sepultura da filha todos os dias, até que certa vez, nasceu uma
planta estranha do qual eles nunca tinham visto. Os pássaros que dela comiam as flores e os
frutos, ficavam embriagados.
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Depois de um tempo, as raízes da misteriosa planta saíram da terra e os índios a
colheram. Foi quando perceberam que a raiz era tão branca como o corpo de Mani. Então,
passaram a denominar a tal raiz como “manioca”, que significa “casa de Mani” ou “corpo de
Mani” e a planta como “maniva”.
Há também as lendas de encantamento, que segundo Oliveira (2007, p. 107) são
expressões corriqueiras que o povo usa para designar determinados fatos, aparentemente,
inexplicáveis. Embora a lenda não seja de caráter universal e sim localizável no espaço e
tempo, este tipo de lenda tenta reproduzir as “lendas universais”, isto é, as histórias contadas
em outros lugares do mundo, mas que se assemelham por circunstâncias ambientes.
“Encantamento é o conceito mais adequado aos fenômenos que estas lendas
corporificam. [...] são reprodução de lendas universais ou, admitindo uma lei
folclórica, citada por Van Gennep, nascidas sob a influência das mesmas
circunstâncias ambientes, que deram origem a tantas lendas semelhantes. Pode-se
dizer que nenhuma delas tem cor local predominante.”. (OLIVEIRA, 2007, p. 107,
108).
As lendas de encantamento se assemelham a histórias contadas em outros lugares do
mundo. A lenda “O Mané-Torquato”, por exemplo, conta a história de um velho e solitário
pescador que residia em uma das lindas praias de Salinas, numa humilde barraca mal coberta
e pensa, devido à violenta ação da ventania marítima. Este chamava-se Manuel Torquato,
mais conhecido pelo povoado como Mané-Torquato. Ninguém sabia nada a seu respeito, se já
tinha sido algum dia casado, se tinha filhos ou qualquer parente que fosse, pois raramente
conversava.
Certa vez, Mané-Torquato saiu para pescar e nunca mais voltou. O povoado começou
a desconfiar que ele tivesse naufragado, ou sido vítima do ataque impiedoso dos tubarões, do
encanto de alguma Iara da fonte ou até mesmo da mula-sem-cabeça. Escutava-se um ruído
que parecia mesmo vir da casa dele. No lugar onde o pobre pescador costuma ficar, estava a
sua tina, e era nela que o povo acreditava que a alma de Mané-Torquato estava morando e
ninguém ousava tocá-la. Muitos garantiam ter visto um vulto branco arrastando uma enorme
corrente, vagando a noite pela praia, mais precisamente, perto da casa do desaparecido, mas
ninguém se aventurava a esclarecer tal mistério, e a lenda se formou. Todos acreditavam que
era a alma de Mané-Torquato, o pescador desaparecido.
Assim como conta-se a história da existência de um “Mané-Torquato” em Salinas, este
pode existir também em Xangai, assim como a “Princesa do Lago” pode ser encontrada em
qualquer lugar do mundo. Mas cada uma destas lendas com suas peculiaridades regionais. A
lenda “A Princesa do Lago”, é uma história muito interessante, pois as características
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atribuídas à princesa a qual a lenda se refere, é de uma linda jovem de feições europeias e
porte senhoril, intitulada “Miss Europa”. Trajada de branco e exalando tanta beleza, respeito e
admiração, passeia todas as noites nas margens do Lago de Maiandeua, no município de
Maracanã.
Diferente das sedutoras Iaras que encantam até os homens mais valentes, levando-os
para o fundo das águas, a Princesa do Lago surge à meia noite apenas para caminhar
vagarosamente pela praia e exalar seu gracejo. Depois some. Ao caboclo que a admira, nada
acontece. Oliveira (2007, p. 113) diz que a história desta Princesa do Lago deve ter mais
concretude nos “Contos de Grimm”.
E as lendas ornitológicas, por sua vez, são relativas às características atribuídas aos
pássaros genuínos da região Amazônica, como por exemplo, o tenebroso canto do acauã, que
simboliza um presságio de morte. O canto do japiim, que em cumprimento a seu fadário, não
tem um canto próprio e parece sempre estar imitando o canto de outros pássaros, entretanto,
ele não imita o tanguru-pará, pois este vive em lugares da selva onde o japiim poucas vezes se
atreve a entrar, justamente devido a uma briga entre estes dois pássaros. Desta briga, resultou
o bico vermelho do tanguru-pará, que sendo arremedado pelo japiim, o atacou e o feriu no
coração com seu bico. Tupã, que assistiu toda a luta, determinou que a partir daquele dia,
todos os descendentes do tanguru-pará teriam a marca daquela vitória em seu bico.
Segundo a lenda “O Japiim”, um homem conhecido por Branco, gostava de matar
passarinhos. Certo dia, Antônia percebeu que seu sobrinho iria matar um japiim e o impediu
dizendo que aquele pássaro era “alma penada” e que poderia atrair desgraça. Sem entender a
ordem da tia, Branco a indagou a respeito, mas esta relutou para não contar o motivo. Num
tom de ameaça, Branco disse que mataria o tal pássaro misterioso se ela não contasse a
história que ouvira de sua avó, quando criança. Dona Antônia começou então, o relato.
Segundo sua avó, Tupã morava numa cabana tecida por nuvens, no alto de uma
árvore. Nesta árvore havia flores que jamais murchavam. É o que chamamos de estrelas. Seus
frutos eram o sol e a lua, que serviam de alimento para Tupã e para quem com ele morava. Ele
era tão generoso que quando a terra estava seca, sacudia sua árvore para que a chuva caísse,
pois as folhas de sua morada estavam sempre cobertas por orvalho. Quando Tupã ficava triste,
logo vinha seu animal de criação: o japiim. Ele cantava ao seu ouvido até que Tupã
adormecesse. Depois, acordava alegre e logo o céu se iluminava.
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Mas houve uma época em que todos os homens na terra estavam tristes e imploravam
para morar com Tupã. Ele, compadecido diante de tal situação, pediu ao japiim que descesse a
terra e levasse alegria aos homens também. Assim o japiim o fez. Todos os dias ele cantava
para os homens, as demais aves se emudeciam, a onça não mais caçava, o jacaré não entrava
mais na água, a cobra não produzia mais veneno, o curupira não enganava mais os caçadores,
a mãe d’água saiu da sua gruta encantada e até a cobra grande saiu do fundo do rio. Todos
ficavam encantados com o lindo canto! Os homens chegaram a pedir a Tupã que desse o
majestoso pássaro a eles, para que vivessem em paz eternamente.
Certa noite, a lua também resolveu deslumbrar sua beleza e o sabiá foi o primeiro a
exaltar com seu canto, Tupã. Logo em seguida a patativa cantou, depois o tem-tem e todas as
outras aves da terra também se puseram a exaltar Tupã. Ao ouvir a sinfonia dos pássaros, o
japiim se encheu de soberba, desdenhou o canto dos pássaros e começou a imitar todos eles,
deixando-os constrangidos. Aborrecido por tanta soberba, Tupã disse as seguintes palavras ao
japiim:
“Como escarneceste das avezinhas que me saudavam, e trocaste o belo canto que te
dei, por um feio arremedo, não voltarás mais à árvore que dá flores de estrelas, nem
lembrarás mais a música que te ensinei, enquanto eu não tiver devorado todas as
luas, e não der por findo o teu castigo.” (p. 133).
Desde então, o japiim tenta lembrar a música que lhe fora ensinada e que tanto alegrou
Tupã e os homens. Sem que perceba, ao tentar lembrar o canto, arremeda o canto dos demais
pássaros e acaba sendo perseguido por eles. Por isso não se deve matar o japiim, pois ele
precisa cumprir a pena determinada por Tupã.
A lenda “O Uirapuru” também é explicada pela linha de raciocínio das lendas
ornitológicas. Oliveira (2007) as define da seguinte forma:
“Enfeixamos nesta secção as lendas relativas aos nossos pássaros, dando-lhes a
denominação específica de lendas ornitológicas, porque, realmente, elas se diferem
profundamente das que respeitam a outras espécies animais, como as do Boto, da
Boiaçu, da Mula-sem cabeça, do lobisomem, etc.
Enquanto estas se incorpora um duende ou um mito, nas lendas concernentes aos
pássaros o que se nota é que eles se não revestem de formas mitológicas, mas
simplesmente exercem certas e determinadas influencias, algumas atribuídas à sua
natureza de alma penada, outras devidas a certas qualidades especiais, como o
uirapuru e o uacauã, outras, ainda, que desafiam qualquer conjectura como o
uirapaçu e o urubu-rei.” (OLIVEIRA, 2007, p. 129).
Embora o uirapuru possua uma melodia de apenas oito notas, seu canto é inigualável,
e sua sonoridade argentina é extraordinária. É um pássaro muito respeitado pelas demais aves,
pois quando ele canta, todos os outros pássaros se calam para admirar seu canto. Ele é
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também de extrema cobiça entre os homens. Suas penas e a cinza de seu corpo servem como
amuleto para pretensões amorosas. A lenda do uirapuru é uma das mais conhecidas na
Amazônia. Segundo Oliveira (2007), talvez de repercussão nacional e até mesmo mundial.
Com referência as lendas amazônicas utilizadas neste capítulo, mais especificamente
as lendas naturais e etiológicas, existem algumas literaturas que as caracterizam como “mito”.
As lendas “Como se fez a noite” e “A mandioca”, por exemplo, são intituladas como mito do
cenário amazônico por alguns teóricos. Diante desta contraversão teórica, se faz necessário
esclarecer mais ainda as diferenças entre lenda e mito, justificando os termos e conceitos
adotados nesta pesquisa e um levantamento panorâmico da produção literária do escritor
paraense Walcyr Monteiro.
3.2 PANORAMA DA PRODUÇÃO LITERÁRIA DO ESCRITOR PARAENSE WALCYR
MONTEIRO
Walcyr Monteiro, natural de Belém no estado do Pará, nasceu no ano de 1940, é
licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará e tornou-se bacharel em
Economia pelas Faculdades Integradas do Colégio Moderno (atual UNAMA), é jornalista
profissional, colabora com diversos jornais e revistas, entre os quais: A Folha do Norte, A
Província do Pará, Jornal do Dia, Nosso Jornal, Uruá-Tapera, PQP, Morena, Ver-o-Pará e
Nosso Pará.
Entre 1965 e 1976, foi professor de História no ensino médio no colégio Americano
do Sul. No ensino superior lecionou Antropologia Cultural (1968-1972), na Escola de
Enfermagem Magalhães Barata. Economia Brasileira e Ciência Política (1981-1982), nas
Faculdades Integradas do Colégio Moderno. Exerceu diversas funções nos mais variados
órgãos, como no Instituto do Desenvolvimento Econômico-Social do Pará - IDESP, no Centro
de Assistência Gerencial à Pequena e Média Empresa do Estado do Pará - CEAG - Pará (atual
SEBRAE), na Secretaria de Cultura, Desportos e Turismo do Estado do Pará - SECDET e no
Instituto de Terras do Pará - ITERPA, no qual ocupou a presidência de 1987 a 1990.
Entre seus vários trabalhos publicados, destacam-se: o livro didático “História
Econômica e Administrativa do Brasil”, a série de revistas “Visagens, Assombrações e
Encantamentos da Amazônia”, atualmente no número 13, “As incríveis histórias do caboclo
do Pará”, ”Miscelânea ou Vida em Turbilhão” e “Cosmopoemas”, duas incursões no universo
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da poesia. Alguns poemas foram musicados por Alcyr Guimarães e resultaram o CD “Na
Rede dos Sonhos” em 2003. Em co-autoria com o escritor português Fernando Vale, publicou
em Portugal pelo Instituto Piaget, “Histórias Portuguesas e Brasileiras para as Crianças”, cuja
edição brasileira ficou a cargo da Editora Paka-Tatu em 2005, sob o título de “Histórias
Brasileiras e Portuguesas para Crianças”.
Seus trabalhos têm sido utilizados em diversas montagens teatrais, tanto de amadores
como de profissionais, assim como servido de inspiração para a elaboração de diversos
roteiros cinematográficos, entre os quais “Lendas Amazônicas” e as curtas metragens “A
Lenda de Josefina”, “Táxi 00 Hora” e “Visagem”. Este último dirigido por Roger Elarrat,
sendo o primeiro filme de Stop Motion do Pará. A série Catalendas da TV Cultura do Pará,
também baseou-se em algumas histórias de sua autoria.
Viajou por várias cidades da Região Amazônica para pesquisar e recolher os “causos”
através do folclore popular, tornando-se ouvinte de histórias sobrenaturais contadas por
antigos moradores. A coletânea destas histórias resultou na série “Visagens, Assombrações e
Encantamentos da Amazônia”. Atualmente, Walcyr Monteiro profere palestras e conferências
sobre História e Folclore tanto em Belém, como no interior do Estado e também no exterior,
como ocorreu em maio de 2001, quando proferiu palestras em diversas regiões de Portugal.
Sociólogo que transforma sua escrita em literatura, Walcyr Monteiro modifica o conto,
o invento ficcional em arte do reconto, fazendo dos “causos” que coleta pelas esquinas e
igarapés do Pará, autênticos casos literários que de forma prazerosa narra e registra. O autor
transforma as histórias que antes eram transmitidas oralmente, em registros escritos,
atribuindo formalidade aos fatos, mas sem que percam a essência cultural.
O escritor paraense critica a forma como a cultura paraense está sendo tratada, os
valores culturais da região estão sendo abandonados, passando a dar lugar a hábitos e
costumes que não dizem respeito à realidade amazônica. A cultura paraense está perdendo
espaço para uma “cultura discutível”. Com isso, até a linguagem muda, como por exemplo, o
uso do Sr e do Tu que está sendo substituído pelo Você. Em entrevista concedida no dia
20/09/2013, Walcyr Monteiro afirmou:
Nós aqui tínhamos a nossa maneira de falar, ou o Sr respeitoso ou o tu íntimo. Não
tinha essa história de você. Estamos adquirindo a maneira errada de falar do sulista.
Estamos sendo invadidos por uma ‘cultura discutível’ [...] Mas o que se vê é uma
cultura da violência [...] Estamos perdendo o nosso linguajar.
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Desta forma, por sentir-se incomodado com essas questões culturais, surgiu a ideia de
registrar e publicar as histórias. Com isso, em 1972 iniciou a publicação de histórias de
visagens e assombrações de Belém no jornal “A Província do Pará”. Preocupado com a
identidade local que o Estado do Pará estava perdendo, e com ela, muitas histórias que antes
eram contadas oralmente em rodas de conversas e por seu imenso amor à Amazônia, que o
escritor Walcyr Monteiro passou a fazer um registro das histórias da região.
Por amor à cidade, ao Pará, à região [...] e justamente por estar se perdendo essas
histórias, eu comecei a fazer um registro disso. E são mais de 40 anos que comecei a
publicar e fazer um registro. [...] Muitas histórias já se perderam. [...] estamos
perdendo a identidade, porque estamos aqui sendo violados, violentados, estuprados,
físico e culturalmente.
Onde a TV chega, ela chega com imagem de progresso. Os mais velhos resistem,
mas os mais novos não. A mesma coisa com as histórias. Antes da TV, as pessoas
ficavam nas portas contando histórias. Com a TV, o enredo das novelas tomou conta
das conversas (WALCYR MONTEIRO, 20/09/2013).
Com a publicação de seu livro “Visagens e Assombrações de Belém2”, de fato,
formalizaram-se as crenças, as lendas e mitos do povo paraense. O livro reúne todas as
histórias que eram publicadas sempre aos domingos no jornal, que devido a grande aceitação
do público, levaram o escritor a criar esta coletânea. Walcyr Monteiro (2012, p. 14), afirma
que “era o que pretendia fazer: reunir as histórias em única publicação, permitindo aos mais
novos conhecerem e aos mais velhos recordarem o que se contava e transmitia oralmente”.
Em entrevista, o escritor relatou que publica há 41 anos e que naquela época, apenas
relatava as histórias que já conhecia. Hoje, após várias publicações sobre os mitos e lendas
amazônicas, resultado de pesquisas, é muito convidado por escolas tanto na capital, como no
interior e, até fora do país, a proferir palestras.
Seu trabalho está voltado a gerar um movimento cultural de resgate da “contação de
histórias”. Tem procurado fazer um trabalho de “confirmação da cultura” através das escolas,
onde os professores têm estimulados seus alunos a pesquisar sobre outras histórias curiosas de
âmbito local.
Estou há 41 anos publicando. Não é pesquisando, é publicando. [...] diferente de
todas as universidades e centenas de colégios de Belém e no interior do estado, até
fora daqui, então alguns professores tem dado um efeito multiplicador a isso [...] E
com isso tem se tentado retomar a contação de histórias, e isso tem gerado um
movimento de continuação, porque o que tem acontecido em muitos municípios, em
muitos lugares, aqui em Belém, os professores têm procurado fazer isso. Professor
passa trabalho de pesquisas de novas histórias. Tem gerado trabalho de visagens e
2
MONTEIRO, Walcyr. Visagens e Assombrações de Belém. 6 ed. Belém: Cromos. 2012.
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assombrações de bairro tal, cidade tal, que tem efeito multiplicador (WALCYR
MONTEIRO, 20/09/2013).
As histórias narradas pelo escritor paraense Walcyr Monteiro, em geral são permeadas
pelo fenômeno sobrenatural, pois transitam entre o real e o imaginário. É um pesquisador do
fenômeno folclórico, cujos temas envolvem o lendário e o mitológico. O cenário das histórias
contadas no âmbito rural ou caboclo envolve quase sempre florestas e rios, apontados como
elementos importantes de sua narrativa mítica. No âmbito urbano, os elementos apresentados
são quase sempre os cemitérios, bairros e ruas que revelam o imaginário sobre almas e está
voltada a formação religiosa da população.
O imaginário amazônico é muito bem representado nas histórias relatadas pelo
escritor. As lendas e os mitos, segundo ele, tiveram sua origem principalmente dos índios que
tinham histórias para explicar os fenômenos da natureza. Britto (2007), em seu livro
“Lendário Amazônico”, faz referência aos temas utilizados por Walcyr Monteiro em suas
obras.
O escritor Walcyr Monteiro membro da Comissão Paraense de Folclore, autor de
inúmeras obras sobre lendas e mitos da Amazônia, aborda mais os temas do mundo
material afirmando que os indígenas tinham uma história para explicar a origem de
cada animal, cada peixe, cada planta, cada acidente, cada acidente geográfico, cada
corpo celeste, cada fenômeno da natureza, enfim cada coisa que viam... Diz que,
graças a isto herdamos um lendário tão rico e interessante quanto a mitologia grega
(BRITTO, 2007, p. 13).
O imaginário dos povos primitivos somados as características vivazes da floresta
amazônica, contribuíram na criação de lendas que foram absorvidos pelo povo amazônico.
Foi através deste legado que se adquiriram conhecimento e respeito pela natureza, como
quanto ao uso de determinadas plantas e ao tratamento de animais de origem lendária
(BRITTO, 2007).
Segundo Machado (1994), a lenda possui um estreito laço com o real, com a própria
História. E por esse motivo, é adotada com grande credibilidade pela população. O cunho
religioso da lenda que se opõe a razão cientifica, permeia a cultura do povo, mas não se
distancia do real e possui poucos traços imaginários. A lenda reproduz uma verdade quase que
na mesma proporção da História, chegando a disputar espaços no pensamento e na
imaginação das pessoas, passando a combinar religião, História, sociedade e maravilhoso.
Apesar de estar muito próximo ao real, o aspecto imaginário é muito presente na
narrativa lendária, uma vez que é esta, a característica que a opõe a ciência. Por considerar
este aspecto imaginário, a lenda é vista como uma “narrativa fantasiosa da realidade”, que não
somente expressa, mas que desperta a criatividade de quem a lê ou de quem a ouve. Portanto,
28
para que se entendam os motivos que fazem da lenda um gênero tão instigante, é importante
adentrar no âmbito do imaginário e conhecer suas características.
3.2.1 O IMAGINÁRIO E SUAS ATRATIVAS CARACTERÍSTICAS INSTIGANTES
A imaginação é a possibilidade humana que leva a conhecer a realidade e a olhar essa
realidade de outra forma, possibilita ao homem adentrar no universo do “vir a ser”. Apesar do
avanço tecnológico que facilitou o uso de imagens através de televisores, computadores,
tablets e celulares, estes recursos não conseguiram atender a infinita capacidade imaginária do
homem. As imagens padronizadas traduzidas pelas novas tecnologias não conseguiram
desconstruir o universo simbólico que fez parte durante séculos do imaginário social com as
narrativas orais e outras práticas culturais antigas.
As imagens padronizadas não conseguiram construir, através de seus recursos
simbólicos, qualquer universo do imaginário social que pudesse superar as antigas narrativas orais,
o teatro das ruas e os rituais sagrados e profanos que fizeram parte durante séculos da
composição do imaginário social. Porém, o imaginário não foi derrotado no
confronto com a racionalidade das imagens massificadas, produzidas para o
consumo fácil, encontrando-se presente cada vez mais nas fantasias, e projetos, nas
idealizações dos indivíduos e em outras expressões simbólicas, religiosas ou leigas, que traduzem
constroem as suas emoções em um novo contexto imaginativo (LAPLANTINE E TRINDADE,
2003).
No âmbito social e econômico, segundo Karl Marx (apud LAPLANTINE E
TRINDADE, 2003), o conceito de imaginário se constitui como um produto de alienação que
mascara a verdadeira lógica do capitalismo, onde mitifica as condições reais da classe
proletariada diante da exploração do mercado. O imaginário é o meio utilizado pela economia
capitalista para se manter. Através dele é propagado um pensamento conformista e alienado
que contradiz a realidade.
No campo da psicologia, o imaginário não possui essa característica de pseudoimaginário que lhe foi atribuído, com função de distração, alienação e desvio dos problemas
reais. Ao contrário, o imaginário é uma forma de representação da realidade, pois, conforme
Held (1980, p. 22): “[...] o imaginário de que nos ocuparemos não é esse pseudo-imaginário
com função de esquecimento, de exorcismo e de diversão, que desvia a criança dos
verdadeiros problemas, do mundo de hoje e de amanhã”.
29
De acordo com Laplantine e Trindade (2003), o imaginário representa algo que não foi
atribuído à percepção diretamente, mas que se forma com base na percepção, que se modifica
e se torna irreal. A imagem criada através do imaginário representa afetividade e emoções, se
constitui na tradução de uma realidade externa percebida. Para a construção do imaginário, o
sujeito apropria-se primeiramente de imagens reais e com sua capacidade criadora, reconstrói
e transforma o real. Com isso, o imaginário não nega totalmente o real, mas se utiliza deste
para transfigurá-lo.
Para Teixeira (2003), o sentido etimológico de imaginário se constitui como conjunto
ou coleção de imagens, uma vez que é formado pelo termo “imagem” que deriva do latim
“imagine”, que significa representação, imitação, retrato, e é formado também pelo sufixo
“ário”, que na língua portuguesa atribui a ideia de coleção, conjunto ou lugar onde se guardam
as coisas. Então, o termo imaginário ganha sentido de “coleção ou conjunto de imagens”, haja
vista que tem sua origem em imagem e não em imaginação.
Convém lembrar que o verbo imaginar, pela mesma via latina, designa o ato de
produzir imagens ou de representá-las. Por outro lado, imaginação, ainda no século
XVI, limitava-se à ideia de imagem ou de visão. Hoje, como se sabe, o termo é
definido, sobretudo, como a faculdade psíquica de produzir imagens novas por meio
de combinações revistas a partir de imagens conhecidas (TEIXEIRA, 2003, p. 44).
O imaginário possui características “instigantes” que são trabalhadas na literatura de
diferentes formas. De acordo com o Dicionário Aurélio (2000), instigar significa incitar,
estimular, açular, provocar, isso atribui ao imaginário na literatura a função de proporcionar
esses sentimentos no leitor. O imaginário tende a fugir da lógica racionalista, na literatura é
estimulado pela presença do sobrenatural.
O “sobrenatural” se encontra em diversos gêneros literários, mas para interesse desta
pesquisa, os estudos limitaram-se aos gêneros literários “maravilhoso” e “fantástico”, porque
são os que mais se aproximam das características atribuídas a lenda “A Moça do Táxi”. Desta
forma, faz-se importante conhecer as propriedades constitutivas de cada gênero, fazendo a
distinção entre elas para que se possa então, classificar a lenda proposta pela pesquisa.
Para cada gênero literário o sobrenatural aparece de formas diferentes, e de acordo
com sua presença no texto literário é que se pode definir um gênero. O sobrenatural possui
uma função social e uma função literária. São muitos os temas que podem provocar a entrada
de elementos sobrenaturais na narrativa. São temas que transgridem as leis sociais, que
rompem tabus como sexualidade, psicose, drogas, etc. Ou seja, são temas que podem aparecer
30
causando polêmicas, porque estão para além do natural, do que é socialmente aceito. Por isso,
a função social do sobrenatural se resume em transgredir a ação de uma lei.
A função literária do sobrenatural consiste em provocar desequilíbrios na narrativa,
onde através da entrada dos seus elementos que transgridem as leis fixas, provoca uma
mudança brusca na história. A introdução do sobrenatural pode transformar uma situação
estável, a presença de um fato externo que leva a história de um estado a outro. Neste sentido,
a função social e a função literária do sobrenatural se tornam uma só, “a transgressão de uma
lei”, estas funções estão muito bem representadas no elemento maravilhoso, onde forças
sobrenaturais intervenham causando uma mudança rápida.
Uma lei fixa, uma regra estabelecida: eis o que imobiliza a narrativa. Mas para que a
transgressão da lei provoque uma modificação rápida, é preciso que forças
sobrenaturais intervenham [...] O elemento maravilhoso é a matéria que melhor
preenche essa função: trazer uma modificação da situação precedente, romper o
equilíbrio (ou desequilíbrio). Ao mesmo tempo, é preciso dizer que essa
modificação pode produzir-se por outros meios, se bem que esses sejam menos
eficazes (TODOROV, 1970, p. 163-164).
O gênero maravilhoso representa a face noturna da expressão imaginária, porque
envolve o universo dos sonhos e das fantasias, carregados de transformações e metamorfoses.
O gênero maravilhoso apresenta uma narrativa que não causa dúvida, nem espanto quanto aos
fatos, expressa a certeza dos acontecimentos que deixa o leitor “literalmente maravilhado”. O
imaginário do maravilhoso se situa no campo do sobrenatural, porque cria um mundo
encantado que envolve e fascina.
Para a crítica, o discurso narrativo do Maravilhoso não problematiza a dicotomia
entre o real e o imaginário, posto que a verossimilhança não está no centro das
preocupações deste discurso. O conto maravilhoso relata acontecimentos
impossíveis de se realizar dentro de uma perspectiva empírica da realidade, sem aos
menos referir-se ao absurdo que todo este relato possa parecer ao leitor. A narrativa
do Maravilhoso instala seu universo irreal sem causar qualquer questionamento,
estranhamento ou espanto no leitor porque, ao não estabelecer nenhuma via de
conexão entre o universo convencionalmente conhecido como real e sua contradição
absoluta, o irreal, reforça os parâmetros que o orientam no seu conhecimento
empírico do que seja a realidade. (MARÇAL, s.d.).
A presença do sobrenatural no gênero maravilhoso não causa qualquer reação de
espanto, nem de estranheza, nem de dúvida ao leitor e ao personagem. Neste gênero, o que
caracteriza é a própria natureza dos acontecimentos, a naturalidade atribuída aos fatos, como
nos contos de fadas, ou na ficção científica. Diferentemente, no gênero “Fantástico”, o
sobrenatural causa dúvida e hesitação tanto ao personagem quanto ao leitor. A incerteza entre
o real e o imaginário perpassa por toda a narrativa, a ambiguidade é uma característica forte
da literatura fantástica, que envolve o leitor. (TODOROV, 1970).
31
O sentido de fantástico utilizado na literatura, não se refere ao significado comumente
encontrado nos dicionários, como extraordinário, extravagante, incrível, ou inimaginável,
sendo que este último não condiz com a natureza fantástica, pois a característica inimaginável
se opõe a qualquer obra de arte. Na literatura, o aspecto principal é a imaginação do autor. Na
literatura fantástica, assim como qualquer obra de arte, revela o imaginável, algo criado pela
fantasia, é a expressão criadora do autor.
[...] o inimaginável... Tratando-se do fantástico na literatura, na pintura, na música...
enfim, na obra de arte, tal definição é, na realidade, contraditória, pois um caráter
incontestável da obra fantástica é precisamente ter sido criada, imaginada pelo
espírito do autor. A obra fantástica – bem com qualquer outra – é, ao contrário, a
obra imaginável (HELD, 1980, p. 23).
Todorov (1970), aponta três condições para que se considere uma literatura fantástica.
A primeira requer que a narrativa leve o leitor a acreditar na existência dos personagens e a
duvidar entre uma explicação natural e uma explicação sobrenatural dos acontecimentos da
história. A segunda condição é que o mesmo sentimento de dúvida deve ser vivido por um
personagem, como se houvesse uma transferência de papéis do leitor para o personagem. A
terceira condição refere-se à adoção de uma atitude do leitor, em que ele recusará as
interpretações de outros gêneros.
A narrativa fantástica faz o leitor caminhar entre o “real e o ilusório” e o “real e o
imaginário”. Essas variedades do fantástico têm como base a hesitação, que leva o leitor a
transitar entre em acreditar naquilo que ele percebe ou naquilo que ele imagina. Na hesitação
entre o “real e o ilusório”, não há dúvida com relação aos acontecimentos, mas o que pode
acontecer seria um erro de percepção, enquanto que no “real e o imaginário”, os
acontecimentos são origem da imaginação.
No primeiro caso, duvidava-se não de que os acontecimentos tivessem sucedido,
mas que nossa percepção tenha sido exata. No segundo, perguntávamos se o que
acreditávamos ver não era de fato um fruto da imaginação. “Discirno com
dificuldade o que vejo com os olhos da realidade e o que vejo com minha
imaginação [...] (TODOROV, 1970, p. 152).
A ambiguidade é uma característica determinante do gênero fantástico, que expressa
através de dois processos verbais presentes no texto, o uso da modalização e do imperfeito. A
modalização consiste no uso de certas locuções que não alteram o sentido da frase, mas
servem para expressar o estado de incerteza em que se encontra o personagem. O uso do
imperfeito provoca também um estado de incerteza, pois o verbo no passado não define com
precisão a ação do personagem.
32
Se estas locuções estivessem ausentes, estaríamos mergulhando no mundo do
maravilhoso, sem nenhuma referência a realidade cotidiana, habitual; graças a elas,
somos mantidos ao mesmo tempo nos dois mundos. O imperfeito, além disso,
introduz uma distância entre a personagem e o narrador, de modo que não
conhecemos a posição deste último (TODOROV, 1970, p. 154).
O elemento fantástico na narrativa permanece enquanto existir a hesitação. Esta deve
envolver a personagem e o leitor. Ao final da história, o leitor ou a personagem devem
escolher uma solução, ou seja, sair do estado de incerteza e decidir quanto a sua percepção, se
está ligada a realidade ou não. No entanto, a saída desta incerteza requer uma escolha ou para
o maravilhoso ou para a lógica da ciência (gênero estranho).
Se ele decide que as leis da realidade permanecem intatas e permitem explicar o
fenômeno descrito, dizemos que a obra pertence ao gênero estranho. Se, ao
contrário, ele decide que se deve admitir novas leis da natureza, pelas quais o
fenômeno pode ser explicado, entramos no gênero do maravilhoso (TODOROV,
1970, p. 156).
Desta forma, o fantástico transita entre o estranho e o maravilhoso criando os
subgêneros “fantástico-estranho” e o “fantástico-maravilhoso”, estes ficam sujeitos a escolha
do leitor ou do personagem, que após algum tempo de hesitação decidem ou pelo estranho ou
pelo maravilhoso. No fantástico-estranho, por exemplo, os acontecimentos sobrenaturais, ou
que têm aparências de sobrenatural, se manifestam o tempo todo na história, até que ao final,
uma explicação racional justifica esses fatos. Vale ressaltar que essa lógica racionalista que
explica a presença do sobrenatural no gênero estranho, frequentemente é criticada pelo uso do
“sobrenatural explicado”.
No fantástico-maravilhoso, ao contrário do estranho, a história termina com a
confirmação dos fatos sobrenaturais. Neste caso, torna-se difícil delimitar a fronteira entre o
fantástico e o maravilhoso, uma vez que ambos apresentam traços do sobrenatural, porém
uma análise mais detalhada da história possibilitará reconhecer o limite de cada gênero. Essa
narrativa é a que mais se aproxima do “fantástico puro”, porque seus traços característicos
estão mais presentes, mas sua representação exata se encontra no limite entre os dois
subgêneros.
Estamos no fantástico-maravilhoso, por outras palavras, na classe de narrativas que
se apresentam como fantásticas e que terminam no sobrenatural. São essas as
narrativas mais próximas do fantástico puro, pois este, pelo próprio fato de não ter
sido explicado, racionalizado, nos sugere a existência do sobrenatural. O limite entre
o dois será portanto incerto; entretanto, a presença ou a ausência de certos
pormenores nos permitirá sempre decidir (TODOROV, 1970, p. 159).
Esses subgêneros envolvem muitas histórias que se prolongam pelo fantástico, mas
que se concluem no maravilhoso. As histórias lendárias, por exemplo, narram fatos do
33
cotidiano que pertenceram a uma época, tem sua constituição em um fato sobrenatural, uma
ação que torna o personagem um herói lendário. Os elementos sobrenaturais geralmente são
representados pela crença religiosa que se contrapõe a razão científica e representam a cultura
de um povo.
Para Machado (1994, p. 98), “A lenda é, então, um misto de religião, História,
sociedade e maravilhoso”, porque demonstra uma verdade muito próxima do real. O aspecto
histórico que a lenda representa possibilita que ela ocupe o pensamento e a imaginação do
povo. A lenda “A Moça do Táxi”, por exemplo, sofreu uma análise que demonstra esses
aspectos e a sua importância na valorização da cultura paraense. A fé, o milagre, a crença nas
almas, o culto aos mortos são elementos que permeiam toda a história fazendo dela uma lenda
viva.
34
3.3 ANÁLISE A PARTIR DA LENDA “A MOÇA DO TÁXI”
A lenda “A Moça do Táxi”, recolhida por Walcyr Monteiro, faz um relato de um
acontecimento impossível de se realizar dentro da perspectiva realista. Um fato que foge a
lógica racional e se coloca no campo do sobrenatural, mas que surge em meio a uma rotina.
A lenda inicia com um fato do cotidiano, narrando a história de um taxista que é surpreendido
ao cobrar uma corrida. Os aspectos presentes na história indicam a natureza fantástica que a
envolve, como a ambiguidade e sua origem no cotidiano.
O sobrenatural é tratado de uma forma muito diferente pelo discurso narrativo
construído pelo gênero Fantástico. O evento sobrenatural surge em meio a um
cenário familiar, cotidiano e verossímil. Tudo parece reproduzir a vida cotidiana, a
normalidade das experiências conhecidas, quando algo inexplicável e extraordinário
rompe a estabilidade deste mundo natural e defronta as personagens com o impasse
da razão (MARÇAL, s.d., p. 4).
A história ocorreu em meio a um cenário urbano, onde um taxista, ou melhor, alguns
taxistas, após rodarem por longo tempo pela cidade com uma passageira, ao cobrarem a
corrida na casa dos pais dela, ficam surpresos ao saber que ela está morta. A ambiguidade
demonstrada pelo estado de incerteza que envolve tanto os pais da moça como o taxista
durante a conversa, causa uma instabilidade na história que faz as personagens transitarem
entre a realidade e a ilusão, caracterizando a lenda como uma narrativa do gênero fantástico.
No Fantástico, as personagens sob o ponto de vista do narrador estão sempre
oscilando entre uma explicação racional e lógica para os acontecimentos
extranaturais - inserindo-os, desta forma, na ordem convencional da natureza - e a
admissão da existência de fenômenos que escapam aos pressupostos científicos,
racionais e empíricos que organizam o conhecimento burguês da realidade
(MARÇAL, s.d., p. 4).
Esta narrativa fantástica aparentemente tenta reproduzir um fato do cotidiano, até que
um acontecimento sobrenatural surge em meio a um cenário comum, algo surpreendente
acontece para quebrar a naturalidade dos fatos e coloca as personagens em confronto com a
razão. Sobre esse aspecto, Todorov (apud MARÇAL, s.d.), acrescenta ainda, que como
condição do gênero fantástico, o estado de incerteza do personagem alcance também o leitor.
Todorov aponta essa hesitação, experimentada normalmente pelo narradorpersonagem, entre a crença na sobrenaturalidade dos fenômenos e a convicção numa
explicação que os inscreva num rol de justificativas conformes às leis naturais como
o elemento definidor Fantástico. O autor ainda coloca como condição do gênero que
esta hesitação latente alcance o leitor e lhe provoque uma identificação incontestável
com o narrador-personagem hesitante. (MARÇAL, s.d., p. 4).
A presença do sobrenatural na lenda “A Moça do Táxi”, surge com a confirmação da
morte da moça pelos pais, que comprovam o fato levando o motorista até seu túmulo no
35
cemitério de Santa Izabel. Após esta comprovação, a história toma outro rumo que depende
da postura da personagem ou do leitor em acreditar estar diante de um sobrenatural explicado
racionalmente – gênero estranho – ou de um sobrenatural que subverte as leis da natureza e se
justifica na crença em almas que vagam, caracterizando a narrativa do gênero maravilhoso.
O fantástico, como vimos, dura apenas o tempo de uma hesitação: hesitação comum
ao leitor e à personagem, que devem decidir se aquilo que percebem se deve ou não
à “realidade”, tal qual ela existe para a opinião comum. No fim da história, o leitor,
senão a personagem, toma entretanto uma decisão, opta por uma ou outra solução, e
assim fazendo sai do fantástico (TODOROV, 1970, p. 156).
De acordo com a narrativa do escritor Walcyr Monteiro, o desfecho da história se
apresenta com a reação dos taxistas que acreditaram realmente ter transportado uma pessoa
que já havia morrido e pela reação dos pais, que pediram orações pela alma da filha. Esse
final explicado pelo sobrenatural, da crença nas almas, transita a história para o gênero
maravilhoso. Neste sentido, a lenda “A Moça do Taxi” torna-se uma “narrativa do gênero
fantástico-maravilhoso”, porque se inicia no fantástico e termina no maravilhoso, com a
sustentação dos fatos na lógica sobrenatural.
A moça do táxi é considerada uma “alma penada” pela maioria da população. Essa
crença demonstra a presença muito forte da formação religiosa e da diversidade de cultos
originados da formação étnica do povo brasileiro. Pois de acordo com o autor Walcyr
Monteiro a miscigenação de índios, negros e brancos portugueses contribuíram para
disseminar a crença na sobrevivência das almas e na influência delas na vida dos vivos
(SOARES, 2005).
Se voltarmos nossas vistas ao passado, encontraremos nos três elementos
componentes de nossa etnia a crença na alma e em suas manifestações. Os católicos,
com a crença em céu, purgatório e inferno, acreditam também em alma penada.
Muitos dos mitos e lendas foram transformados pelos missionários e catequistas em
manifestações demoníacas [...] (WALCYR MONTEIRO, 2012, p. 211).
A formação étnica do povo amazônico é composta em sua maioria, por índios que
foram influenciados étnica e culturalmente pelos portugueses. Com o processo de
colonização, os índios sofreram violências físicas e culturais que prejudicaram sua identidade.
A missão religiosa de padres missionários e catequistas, contribuiu para a imposição de
valores e crenças europeias, que aos poucos foram suprimindo a cultura indígena. Esse
36
processo de aculturação3 é uma constante na sociedade contemporânea. Frequentemente a
cultura amazônica é ameaçada pela cultura exterior (WALCYR MONTEIRO, 2012).
O escritor da lenda demonstrou uma preocupação em resgatar e manter a cultura
amazônica através do estudo de visagens e assombrações de Belém, considerando a formação
religiosa do povo. Walcyr Monteiro (2012, p. 210), ressalta: “No momento, numa sociedade
complexa como a de Belém, onde, além de seus valores tradicionais, novos valores são
trazidos a cada dia pelo ritmo de desenvolvimento que atravessa [...]”. Histórias sobre almas
sempre foram temas instigantes. O mais importante é que revelam muito da cultura e da
história da época, e envolvem religiosidade e crendice popular.
Quando iniciamos o trabalho, pensávamos apenas em coletar as histórias de visagens
e assombrações que se contam em Belém e estudar suas origens. A continuação da
pesquisa, entretanto, mostrou-nos uma verdadeira teia, donde visagens e
assombrações eram apenas um fio e os demais, as próprias religiões ou seitas, as
lendas e mitos amazônicos ou de origem europeia, as crenças negras, e isto tudo de
maneira bastante complexa, ligado direta e/ou indiretamente, ao Culto das Almas.
(WALCYR MONTEIRO, 2012, p. 210-211).
A lenda “A Moça do Táxi” ficou conhecida através do artigo escrito por Walcyr
Monteiro no jornal “A Província do Pará”, em 1972. Na época, a história causou grande
espanto à população. E conforme os testemunhos de outros taxistas, ela foi sendo acreditada
pela maioria da população de Belém. Atualmente, seu túmulo localizado no cemitério de
Santa Izabel, na metrópole de Belém do Pará, é muito visitado e ornamentado com placas de
agradecimento pelos que acreditam ter alcançado alguma graça através dela. Este fato
representa que o culto às almas ainda é uma crença do povo amazônico.
Hoje você encontra motoristas que dizem que transportaram a moça do táxi.
Encontra motoristas que dizem que foram salvos de assalto pela moça do táxi [...]. A
moça do táxi hoje é uma espécie de segunda padroeira dos motoristas. Primeiro é
São Cristovão. [...] Antigamente ia muito ao cemitério [...] Eu vi placas lindíssimas
“Agradeço pela graça alcançada”, tanto em mármore quanto em madeira em alto
relevo. (WALCYR MONTEIRO, 20/09/2013).
De acordo com o escritor, a lenda “A Moça do Táxi” é considerada a mais
interessante. Uma pesquisa a apontou como a mais lida de todas as histórias, principalmente
pelos adolescentes. Diferentemente a esta opinião, o escritor afirma que existem outras
histórias mais interessantes como “O estranho cliente do Dr. X” e “Noivado Sobrenatural”.
3
Modificações culturais resultantes de contatos de pessoas de diferentes sociedades. Esses contatos podem ser de
interações diretas provocadas por conquistas militares, colonização, emigração, atividades missionárias e até
turismo. Mas também podem ser indiretas através de meios de comunicação social como a televisão, internet,
jornais, etc.
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Procurando entender esse interesse dos jovens estudantes pela lenda, ele acredita que estes se
identificam mais com esta história, pelo fato da personagem ser uma jovem bonita, mas que
morreu aos 16 anos.
As lendas possuem essas características de identificação, refletem sonhos e aspirações
de um povo em uma dada época e instigam o imaginário de quem as conhecem. Sua
característica de natureza fantástica possibilita várias interpretações, um acesso a um universo
criador e imaginário.
As lendas, aliás se caracterizam pela sua natureza fantástica, surpreendente,
impressionante. No seu universo tudo é possível, não existem limites para a
imaginação. Referem-se a acontecimentos de um passado distante e fabuloso, como
uma “história falsa” que narra feitos de heróis e vilões populares, explicando
particularidades do mundo e refletindo entidades que personificam as qualidades ou
as aspirações do povo que as criou [...] (BRITTO, 2007, p. 13).
A preferência pela “Moça do Táxi”, talvez seja explicada pelo fato das personagens
terem existido e por ter sido testemunhado por várias pessoas. A lenda narra um fato do
passado, de um contexto histórico local, sob o qual os leitores se identificam e, que causa
espantos até hoje. Segundo Khéde (1990, p. 34), “Já a lenda pertence ao nosso tempo, ao
nosso mundo e a nossa história [...] A lenda é histórica, testemunhal e marginal, porque tem
em suas origens o milagre ou o crime ocorrido em torno do herói”.
A popularidade da “Moça do Táxi” surpreende até o escritor Walcyr Monteiro, que
considera o sucesso dessa história, um fato fora do comum. Segundo ele, esta lenda é muito
conhecida como uma das mais famosas “Lendas Urbanas”, dentro não só do Pará, mas da
Amazônia, e talvez até do Brasil. Pelos lugares que passa, é readaptada ao contexto local.
Como exemplo tem-se “A Lenda da Josefina”, “A Moça da Motocicleta” e “A Moça da
Bicicleta”.
A característica da lenda é ser oral, daí a razão porque há tantas controvérsias em
uma mesma história contada em regiões diferentes. Às vezes os símbolos são os
mesmos, mas variam nas interpretações e os nomes com que são conhecidos.
No Brasil, do Norte a Sul, há uma fertilidade de lendas, cada qual com sua tônica
regional (ANDRADE, 2003, p. 07).
A narrativa da “Moça do Táxi” exprime uma situação que foge os padrões da
realidade, cujo fato nunca foi comprovado cientificamente, mas que foi testemunhado por
vários taxistas. A ausência de uma explicação racional atribui aos fatos, uma legitimidade
própria. Considerada hoje uma lenda, pela importância e credibilidade que foi adquirindo com
o tempo, até hoje aguça o imaginário de quem a ouve.
38
A literatura em estudo é acreditada pela maioria da população de Belém, em 2012 a
Moça do Taxi completou 80 anos. Sua história está bem viva no imaginário da população.
Vale ressaltar que esse tipo de literatura não é passível de credibilidade se for contada fora do
seu local de origem, contudo reforça o fenômeno folclórico da região, se propagada no âmbito
de suas raízes. Assim ganham forças as lendas e mitos que se transmitem através de histórias
fantásticas.
As histórias fantásticas possuem elementos que estão enraizados no cotidiano, nos
costumes e tradições de um povo, seja ele, de âmbito regional, social ou familiar. Por estes
motivos, se constituem como instrumentos de ensino e formação da cultura e da identidade de
um povo. Conforme Held (1980, p. 30), “Uma história fantástica de maneira alguma nos
interessaria se não nos ensinasse algo sobre a vida dos povos e dos seres, reunindo, assim
nossas preocupações e nossos problemas [...]. E isso pode ser plenamente verdadeiro para a
narração fantástica por mais desordenada e bizarra que seja”.
O uso dessas narrativas como instrumento didático em sala de aula torna o ensino mais
interessante, porque além de instigar o imaginário, levando o aluno a criar novas
possibilidades, também viabiliza conhecer a cultura de uma dada época e fazer uma relação
com a cultura atual. Leva à reflexão dos valores locais, como o reconhecimento da
importância da literatura amazônica para a formação da identidade cultural da população.
Porém, o que se observou é que este tipo de leitura se encontra ainda muito ausente
das escolas, o que compromete o ensino e a valorização da cultura. Entende-se que a escola é
o espaço de socialização do saber, e o professor, o mediador do conhecimento. Contudo, se
suas práticas forem negligentes causando uma lacuna no ensino, isto acarreta prejuízos sociais
e culturais. Por estes motivos torna-se importante analisar a ausência da literatura amazônica
na escola.
3.3.1 A AUSÊNCIA DA LITERATURA AMAZÔNICA NO AMBIENTE ESCOLAR
A cultura amazônica está sendo suprimida pela cultura exterior e a falta de uso da
literatura de expressão regional em sala de aula, tem contribuído para esta supressão. A
literatura amazônica ainda é pouco utilizada pelos professores do ensino básico, prejudicando
39
o ensino e o incentivo a valorização da cultura local através das produções literárias de
autores paraenses.
Considerando que a literatura é a expressão da história e da cultura de um povo, se
torna um instrumento de construção de valores socioculturais. De acordo com D’Onofrio
(2006), para além da função estética como arte que a traduz em um “artefato”, a literatura
possui uma função moral, que a torna útil. Nesta perspectiva, a literatura adquire uma
intenção pedagógica e educativa, porque visa a construção de significados, possibilitando ao
homem uma nova leitura de mundo e a formação de uma consciência crítica.
Para a teoria moral, ao contrário, a literatura possui uma finalidade pedagógica e
educativa. Mais do que forma, a literatura é substância cognitiva que encerra uma
cosmovisão. Sua valoração está diretamente relacionada com o modo específico pelo
qual ela se articula com as outras atividades do espírito, no afã de contribuir para a
tomada de consciência do homem perante seus problemas, quer individuais, quer
coletivos. Daí a importância que a concepção utilitarista da arte confere a análise dos
significados míticos, simbólicos e ideológicos que a obra encerra (D’ONOFRIO,
2006, p. 22).
A literatura tem uma natureza artística que não pode ser negada. No entanto, levar em
conta somente sua expressão estética, é negar o seu conteúdo. O significante e o significado
precisam estar no mesmo plano para o equilíbrio valorativo desta arte, que possui um papel
muito importante na sociedade. Admitindo sua “plurifuncionalidade” que está para além da
função estética, a literatura possui ao mesmo tempo uma função lúdica, cognitiva, catártica e
pragmática (D’ONOFRIO, 2006).
No campo cognitivo, a literatura favorece o conhecimento da realidade, seja esta no
aspecto objetivo ou psicológico. Na escola, a literatura de âmbito local se constitui como
instrumento de assunção da identidade cultural, que deveria ser propiciado pelo professor. No
entanto, o que se observou é que esta prática ainda está muito distante das escolas. O
educador Paulo Freire, em seu livro “Pedagogia da Autonomia”, discute a prática docente
voltada ao reconhecimento e a assunção da identidade cultural.
A questão da identidade cultural, de que fazem parte a dimensão individual e a de
classe dos educandos cujo respeito é a absolutamente fundamental na prática
educativa progressista, é problema que não pode ser desprezado. Tem que ver
diretamente com a assunção de nós por nós mesmos. É isto que o puro treinamento
do professor não faz, perdendo-se e perdendo-o na estreita e pragmática visão do
processo (FREIRE, 1996, p. 41-42).
O papel formador do professor é proporcionar condições ao aluno para que ele adote
uma postura como ser social e histórico, que ele se assuma na relação com o outro sem
prejuízo da sua identidade. Assumir a própria identidade não quer dizer desprezar o outro.
40
Significa dizer que é a partir do outro, que o sujeito se afirma como ser que possui
características próprias formadas a partir do seu contexto histórico-social. Conforme Freire
(1996, p. 41), “É a “outredade” do “não eu”, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade do
meu eu”.
O uso da literatura amazônica em sala de aula, além de contribuir para a afirmação da
identidade cultural, colabora para a formação de novos leitores incentivando o hábito da
leitura. Mas para isto, é preciso a mediação do professor que tem o papel de criar condições
de ensino e aprendizagem. O incentivo partindo do professor se torna um referencial para o
aluno, pois a prática docente é norteada de valores que tendem a ser copiados pelos alunos e
muitas vezes essas práticas podem levar ao desestímulo, se não forem coerentes. Um simples
gesto ou uma opinião expressa de forma adequada, podem fazer a diferença na formação do
aluno.
Bezerra (s.d.) argumenta que como professor e formador de leitores, se deve orientar e
conscientizar que a literatura não é a salvação para todos os problemas sociais e que uma
pessoa não se torna melhor ou pior a partir da apropriação de textos literários. Contudo,
Compagnon (apud BEZERRA, 2009) defende que o ambiente literário é o espaço mais
apropriado para a aprendizagem e reconhecimento de si e do outro.
Não se deve pensar, hoje, que a literatura é a salvação da sociedade, ou que os
letrados são seres melhores ou superiores, pois se vê que as pessoas vivem sem a
literatura.
Destaca-se que a questão seja outra: enquanto professor de literatura e, portanto,
formador de leitores e fomentador de leituras, devemos dizer à sociedade que a
literatura não é uma válvula de escape ou que todos os problemas humanos serão
resolvidos com ela, ou ainda, que as pessoas serão melhores se elas lerem textos
literários, os clássicos, mas mostrar que a literatura, ou melhor, como diz
Compagnon “o exercício jamais fechado da leitura continua o lugar por excelência
do aprendizado de si e do outro, descoberta não de uma personalidade fixa, mas de
uma identidade obstinadamente em devenir.” (BEZERRA, s.d.).
Bezerra (s.d.) defende ainda, a tradição histórica da arte literária, onde o artista produz
sua arte sem se desligar de seu âmbito sociocultural e defende as práticas artísticas da
Amazônia. Observa que para manter a tradição histórica da literatura amazônica, entre outros
aspectos, se faz necessário estender o acesso dessa literatura com intuito de criar um público
leitor. Para isto, é preciso que a literatura alcance todas as camadas da sociedade,
principalmente o ambiente escolar e o artístico-cultural através de políticas que propiciem o
fortalecimento da tradição histórica da literatura.
41
Voltado ao campo de valorização da literatura amazônica, o grupo de pesquisa, ensino
e extensão Culturas e Memórias Amazônicas (CUMA), do Centro de Ciências Sociais e
Educação da Universidade do Estado do Pará, possui uma linha de pesquisa “Poética” que
desde 2006, através de projetos de iniciação científica, atua nas escolas de ensino básico com
a divulgação de produções de autores amazônicos (BEZERRA, s.d.).
O referido programa de leitura das obras poéticas de expressão amazônica surge
com o fim de intervir na situação de “desleitura”, estudar mecanismos para
restabelecer o valor da literatura e traçar um perfil sobre como estudantes de Ensino
Básico recebem as obras literárias amazônicas, tendo como base de análise teórica a
Estética da Recepção, e as teorias do discurso. (FARES, 2011apud BEZERRA, s.d.).
Nesta mesma linha, na busca da valorização da literatura amazônica, a presente
pesquisa apresentou como proposta didática, o uso da lenda “A Moça do Táxi”, recolhida pelo
escritor Walcyr Monteiro, como estratégia para este fim. A proposta buscou despertar o
interesse pela literatura amazônica em sala de aula, com o uso de temas instigantes que
envolvem o enredo das histórias do gênero narrativo fantástico.
A proposta se estabeleceu a partir da apresentação da lenda “A Moça do Táxi” em sala
de aula. A opção por esta lenda se justifica pela sua popularidade, pois é a mais conhecida, a
mais comentada entre os antigos moradores da cidade de Belém e até pelos jovens. Segundo
os motivos explicados pelo escritor, a crença talvez se deva ao fato da existência real de um
túmulo e de um endereço dos pais da personagem. Por se tratar de uma lenda urbana, está
mais próxima do cotidiano das pessoas e ganhou força com os testemunhos dos taxistas que
acreditam na proteção oferecida pela “Moça do Táxi”, que se tornou uma padroeira para eles.
Esses aspectos citados pelo autor fazem da lenda, uma narrativa do gênero fantástico.
São características que contribuem para despertar o interesse por temas instigantes, pois os
elementos sobrenaturais estão ligados ao cotidiano da população e provocam dúvidas e
incertezas. A ambiguidade provocada pela lenda “A Moça do Táxi”, leva o leitor a pensar e
tomar uma atitude com relação aos fatos, determinando um final para a história.
Com isso, após a leitura da lenda, se faz importante a intervenção do professor em
mediar os comentários e questionamentos envolvendo os seguintes aspectos: os costumes da
época, como o passeio de táxi, a visita aos pontos turísticos, a credibilidade na palavra, a
crença nas almas, o respeito pelos mortos, a visitação aos cemitérios, dentre outros. Esses
aspectos trazem em si, valores que foram se transformando ao longo do tempo, que precisam
ser explorados com a leitura e interpretação da história devidamente orientada pelo professor,
42
pois a lenda “A Moça do Táxi” retrata a história e a cultura do povo paraense em uma
determinada época.
Com essa prática pedagógica, o professor está se desprendendo de apenas transferir
conhecimento. Está criando possibilidades para que o próprio aluno produza e construa seus
conhecimentos. A importância do papel do professor não se limita em apenas ensinar
conteúdos, mas ensinar o aluno a “pensar certo”. Por isso, a formação do professor deve ser
baseada na leitura crítica e não apenas em uma leitura mecânica, memorizadora e repetidora
de ideias (FREIRE, 1996).
Repete o lido com precisão mas raramente ensaia algo pessoal. Fala bonito de
dialética mas pensa mecanicistamente. Pensa errado. E como se os livros todos a
cuja leitura dedica tempo farto nada devessem ter com a realidade de seu mundo. A
realidade com que eles têm que ver é a realidade idealizada de uma escola que vai
virando cada vez mais um dado aí, desconectado do concreto (FREIRE, 1996, p.
27).
A leitura orientada apresenta propostas coerentes com o objetivo do ensino. Desta
forma, para além de instigar a imaginação, o uso da lenda “A Moça do Táxi” apresenta
instrumentos ricos em valores culturais, éticos e sociais. Esses valores podem ser trabalhados
em sala de aula de diferentes formas, cuja metodologia fica a critério do professor. O
importante é criar possibilidades que levem o aluno a refletir sobre o “ontem” e o “hoje”, abrir
espaços para a criatividade e imaginação, assim como proporcionar uma nova visão de
mundo.
Sobre esta perspectiva, a leitura literária para D’Onofrio (2006, p. 23), significa:
“Arrancar a linguagem da ancilose, dar nova vida às palavras, criar o efeito de estranhamento,
é o meio de que o poeta se serve para obrigar o destinatário da obra literária a pensar na
essência da condição humana, a refletir nos problemas da verdade, da justiça, do amor, do
tempo, da morte, etc.”.
A literatura considerada socialmente como a “arte da palavra”, que tem como função
fundamental proporcionar uma “visão peculiar do mundo”, revela os desejos e aspirações do
poeta que pensa e sente por nós. Neste sentido, considera-se que toda obra literária revela
sentimento, pensamento e ideologia do autor. É a visão de mundo do autor que se manifesta
através de suas obras. Assim, quanto mais amplo for o acesso ao conhecimento de outras
leituras, de diferentes autores, mais amplo se torna a leitura de mundo do aluno.
43
Desta forma, com base na proposta desta pesquisa, é importante que o professor não se
limite a um só escritor e apresente aos alunos outros autores da literatura paraense, sempre
iniciando por temas instigantes para chamar a atenção do aluno, pois a lenda e o escritor
paraense Walcyr Monteiro, estão sendo indicados para dar início aos estudos e a valorização
da literatura amazônica.
Com isso, possibilita-se também a ampliação dos estudos da literatura amazônica, que
se limita a certas fases da vida do estudante, como no ensino médio e no ensino superior. Não
há uma preocupação em formar leitores literários desde o ensino básico, talvez isso explique a
grande dificuldade de aprendizagem da literatura quando introduzida no currículo do ensino
médio.
44
4 RESULTADOS
EIXO 1: A LENDA COMO ESTÍMULO DO IMAGINÁRIO
Para D’ onofrio (2006), a palavra lenda provém do latim legenda, que é a forma
gerúndia do verbo legere (ler). Etimologicamente, significa “o que se deve ler”. Legenda
passou a ser então, um substantivo usado para denominar o relato de vida dos mártires e
santos da igreja católica, durante a Idade Média. Este sentido etimológico sugere a disposição
mental da “imitação”, ou seja, as pessoas deveriam “imitar” os atos virtuosos dos “heróis
religiosos”.
O que faz da lenda uma narrativa instigante, rica em sentidos e valores culturais, é o
fato dela reproduzir verdades não tão distintas à história, apresentando relações diretas com o
dado momento histórico do povo que a criou. Assim como D’ onofrio (2006), Machado
(1994) diz que a lenda nasceu da tradição oral, e na idade média era usada para contar a vida
dos santos durante as festividades. Com o passar do tempo, ela serviu como justificativa para
alguns fatos e fenômenos que não tinham explicações. A lenda proporciona ainda, um
caminho para a cultura da civilização a que faz referência.
Embora lenda, conto popular e mito possuam características semelhantes, como o fato
de pertencerem à tradição oral popular, não possuírem autor e instigarem o imaginário, existe
diferenças entre elas, e este trabalho, limitou-se a lenda. Cascudo (2011) a define como uma
tradição oral popular transmitida de geração a geração, de fixação geográfica, o que a
caracteriza como localizável no tempo e espaço. Caracteriza-a ainda, como episódio
sentimental ou heroico, de pequena deformação, cujo elemento principal é sobre-humano ou
maravilhoso.
Machado (1994) aponta diferenças entre conto popular e lenda. A primeira é de caráter
universal, o que não a permite ser localizável no tempo, ou seja, sua origem é indeterminada,
no que se diz respeito a espaço e tempo. Possui traços que se repetem nos mais variados locais
e época, sem que os costumes esquecidos no tempo mudem. Enquanto que a segunda, como
dito anteriormente, é localizável no tempo, o personagem é sobre-humano ou maravilhoso,
fruto de um acontecimento histórico, que pode sofrer leve modificação com o tempo.
Já Salvatore (2006) diz que embora o mito seja uma tentativa de definição, assim
como a lenda, para certos fenômenos, ele é mais voltado à mitologia, a fim de melhor
45
entender o universo, os homens e tentar explicar o comportamento relativo a eles. E assim
como o conto popular, também é de caráter universal. Atualmente, o termo “mito” tem sido
empregado com bastante frequência como sinônimo de mentira. É o caso de alguns programas
televisivos que visam “desvendar” as dúvidas das pessoas em relação a um determinado
assunto, como por exemplo, o programa Câmera Record, da emissora Rede Record. O
apresentador aborda um determinado tema e aponta no decorrer do programa, o que é verdade
e o que é mentira/mito, acerca desse tema.
Um dos verbetes do dicionário Aurélio define mito como uma ideia falsa, que distorce
o real ou não corresponde a este. Há outro verbete, que o compara à fábula e caracteriza-o
como pessoa ou coisa irreal, fictícia, por isso a insistência popular em associar
pejorativamente o mito à mentira.
Através da lenda, é possível estimular o imaginário. E para que tal estímulo seja
eficaz, a entonação e a postura ao contar a lenda, se fazem necessárias, assim como a escolha
adequada. Machado (1994) e Oliveira (2007) classificam a lenda em histórica, naturalista e
sobrenatural. A histórica busca explicar a origem de países e civilizações, como por exemplo,
a lenda “Rômulo e Remo”, que seria uma possível explicação para o surgimento da cidade de
Roma. A naturalista ou cosmogônica, visa explicar os fenômenos naturais. A exemplo deste
tipo de lenda, pode-se citar “Como se fez a noite”, que é também uma possível explicação
para o surgimento da noite, o que contrapõe as vertentes científica e religiosa. A sobrenatural
é a que está ligada ao extraordinário, a histórias de bravos guerreiros que agem de acordo com
os interesses da sociedade e que normalmente, são fundadores de algo inovador, de uma nova
era, o que faz dele um herói nacional, como é o caso de “Beowulf e o Dragão”.
O que se percebeu durante a pesquisa para fundamentação deste trabalho e as
experiências em sala de aula, é que as lendas pouco são usadas. A preferência por outras
narrativas, por literatura de outras culturas, tem ganhado espaço cada vez mais nas escolas, e
o que se propunha neste trabalho, não é a exclusividade à literatura amazônica, mas sim a
devida valorização que esta merece.
Com a experiência em sala de aula, notou-se que durante a leitura de lendas
amazônicas, principalmente da obra Visagens e Assombrações de Belém, do escritor paraense
Walcyr Monteiro, os alunos realmente prestavam atenção, interagiam, pediam para ouvir
outras lendas e desenvolviam a atividade proposta com bastante êxito. Inclusive os aluno mais
tímidos e intitulados “dispersos” pelos professores, se empenhavam. O interesse por histórias
46
macabras, sobrenaturais, visagens, assombrações sempre aguçam o imaginário das pessoas,
independente da idade. Entretanto, falta mais estímulo da parte dos docentes em incentivar a
leitura de lendas.
Contar uma lenda com a devida entonação e postura, prende a atenção do aluno e o
induz a agir da mesma forma ao ler ou contar uma. Deixar que o aluno interaja na sala de aula
contando as lendas que conhece e incentivá-lo a transmitir as que ouviu do professor e colegas
na sala de aula, é uma forma de não deixar essa tradição ser esquecida. Pedir que ele reconte a
lenda que acabou de ouvir, que descreva o cenário e os personagens a seu modo, é estimular
seu imaginário. Isso irá melhorar sua oratória e escrita e o ajudará no sentido de expressar-se
melhor, no que se diz respeito à timidez.
Durante as práticas em sala de aula, a lenda serviu como instrumento de incentivo a
leitura. Com o intuito de fazer com que os alunos literalmente se sentissem parte do enredo da
lenda, era solicitado que os sentassem em círculo e que se mantivessem com os olhos
fechados durante a leitura. Após a contação da lenda, era feita uma socialização em que os
alunos opinavam e destacavam os aspectos mais relevantes do texto, faziam paralelo com a
atual realidade, comparações a outras lendas já ouvidas em sala de aula, a histórias contadas
por outras pessoas e a filmes que eles já tinham visto. Resolviam as atividades propostas com
muito êxito e pesquisavam outras histórias, a fim de interagirem nas outras aulas.
A dramatização das lendas também serviu como forte estímulo do imaginário. A partir
da leitura de algumas lendas, os alunos criaram o enredo e figurino adequados à história e
encenaram durante a feira da cultura da escola em que foi feito o estágio e atividade em
campo.
EIXO 2: O HÁBITO DA LEITURA ATRAVÉS DE LIVROS DA LITERATURA
PARAENSE
Como dito anteriormente, a leitura de lendas em sala de aula se faz necessária e requer
devida entonação e postura para que o resultado do estímulo seja eficaz. Mas é de suma
importância também que se tenha um rico acervo de livros da literatura amazônica, e que
estes, além de serem utilizados em sala de aula com frequência, estejam disponíveis para
empréstimos aos alunos tanto dentro da escola quanto fora, pois uma vez estimulados e
realmente incentivados a ler, eles terão interesse e zelo pelo livro. Esta é uma forma de
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sustentar o interesse do aluno pela literatura amazônica. Mas percebeu-se que a maioria das
bibliotecas das escolas onde foram realizados os estágios para a complementação deste
trabalho, pouco têm livros de literatura amazônica, e algumas, estão até defasadas. Não
possuem estrutura adequada para comportar os alunos.
A literatura amazônica é instigante e interessante. E mostrar isso aos alunos, é muito
importante. Apresentar vida e obra dos escritores não é o fator primordial para que o aluno
tenha o hábito pela leitura, mas contribui para a bagagem cultural que este pode adquirir.
Citou-se antes da leitura das lendas em sala de aula, do livro Visagens e Assombrações de
Belém, do escritor paraense Walcyr Monteiro, um breve comentário acerca da vida e obra do
autor, a fim de mostrar aos alunos, o quão prestigiada uma pessoa intelectual pode ser, pois
além de escritor, Walcyr Monteiro é também sociólogo, economista, jornalista, antropólogo e
já viajou por inúmeros estados para pesquisar e recolher fatos que contribuíram muito para o
enriquecimento de seu trabalho quanto escritor. Além disso, publica há 41 anos e já viajou
para fora do país. Publicou em coautoria ao escritor português Fernando Vale, recebeu
premiações dentro e fora do país, tem muitas obras publicadas e dentre elas, Visagens e
Assombrações de Belém, destaca-se por ser a mais editada.
Visagens e Assombrações de Belém, já foi tema de escolas de samba em Belém, de
filme, peça teatral, coreografia de dança e atualmente, ela está na segunda tiragem da sexta
edição e é o livro mais furtado, segundo o escritor, dos Sistemas Municipal e Estadual de
Biblioteca do Estado do Pará. Isso prova o quanto o trabalho do escritor é interessante. Então,
por que não incentivar o hábito pela leitura de livros da literatura amazônica? Por que não
valorizar a cultura paraense?
Ultimamente, o próprio escritor tem incentivado professores de algumas escolas de
Belém, a estimular os alunos a assim como ele, pesquisar novas histórias do imaginário
popular por todo o Estado Paraense. É uma maneira de não deixar a tradição oral ser
esquecida. E é também uma maneira de resgatar a cultura paraense, que há muito tempo vem
sendo invadida por outras culturas. Esta é, na verdade, uma forma de continuar o trabalho do
escritor, pois o que o motivou a recolher fatos nos mais diversos lugares da região norte e
publicá-los, foi segundo ele, o amor que sente pela Amazônia, pelo Pará, por Belém. E como
os costumes de contar as histórias da tradição oral, das danças, das crenças foram se perdendo
aos poucos, ele resolveu registrar essa cultura em suas obras.
48
O incentivo para a leitura de lendas pode ser feito também através de vídeos
relacionados a estas narrativas, peças teatrais, filmes, apresentação de danças. Basta
desenvolver atividades que envolvam estas categorias. Apoderar-se das várias adaptações ou
versões das lendas amazônicas contadas por escritores de outros estados e até mesmo de
outros países, a fim de comparar e apontar as diferenças sociais e culturais destes lugares,
fazer com que o aluno compreenda e respeite a cultura exterior, é uma estratégia para
enriquecer o conhecimento de mundo do mesmo.
EIXO 3: O RESGATE DA CULTURA E DO IMAGINÁRIO COM A LEITURA DE
LENDAS
Resgatar os costumes de uma cultura tão rica e interessante, que há tempos está sendo
invadida por outras culturas e costumes, como é o caso da cultura paraense, é muito
importante. Resgatar o ato de contar as lendas, de dar liberdade ao imaginário popular, é
fundamental. Essa tradição perdeu o espaço para a era tecnológica dos vídeos games e dos
eletrônicos de uma maneira em geral. A exemplo destas afirmativas, tem-se os relatos de
Walcyr Monteiro, que em uma de suas viagens ao Baixo Amazonas, encontrou uma casa
simples, no meio da floresta e em frente a ela, uma roda de crianças cantando músicas da
apresentadora Xuxa. Sem entender o porquê dessas crianças, aparentemente isoladas da
“sociedade”, estarem corrompidas culturalmente. Foi então que ele se deparou com uma
antena parabólica improvisada.
Devido a esse esquecimento do próprio povo, para com a sua própria cultura, Walcyr
Monteiro achou necessário registrar a cultura paraense, coletando as histórias do imaginário
popular. Dentre tantas histórias interessantes do livro Visagens e Assombrações de Belém, a
escolhida para configurar este trabalho, foi a Moça do Taxi. Esta, por ser uma das histórias de
maior repercussão no estado do Pará e ter muitas versões em estados de outras regiões, instiga
o imaginário dos ouvintes, justamente por ter fatos que comprovem a existência do túmulo de
Josephina Conte, no cemitério de Santa Izabel, apontada pelo povo como a Moça do Taxi.
A lenda A Moça do Taxi, aparentemente trata-se de um relato do cotidiano de taxistas
da cidade de Belém, entretanto, um acontecimento sobrenatural, desvia totalmente este foco,
colocando os personagens em confronto com a realidade e a sobrenaturalidade. Esta lenda
possui elementos do gênero fantástico, pois durante a história, o leitor se deixa envolver com
49
a hesitação dos personagens, o que os fazem transitar entre o real e o ilusório. De acordo com
Marçal (s.d.) os personagens oscilam entre a explicação lógica e racional para tais
acontecimentos extranaturais e a admissão de fenômenos sobrenaturais, que contrapõem as
explicações científicas.
A primeira publicação da lenda da Moça do Taxi, foi por Walcyr Monteiro no jornal
“A Província do Pará”, em 1972. Em 2012, a lenda completou 80 anos, mas continua
causando muito espanto a quem ouve. Embora considerada a mais interessante e a mais lida
dentre as obras do autor, este tem uma opinião contrária. Não que a referida lenda não seja
interessante para ela, mas “O estranho cliente do Dr. X” e “Noivado Sobrenatural”, são mais
interessantes na concepção de Walcyr Monteiro.
Por estar sendo suprimida por culturas alheias e por ser pouco utilizada em sala de
aula, a literatura amazônica requer uma atenção maior. O uso de lendas em sala de aula é
muito importante para resgatar o imaginário e por consequência, a cultura paraense. Por se
tratar de histórias sobrenaturais, fantásticas, instigantes, estimulará mais ainda o aluno a
querer ler outras. Podendo ser também, um fator de estímulo para as leituras de um modo em
geral. Como diz Paulo Freire (1996), é papel do professor proporcionar condições aos alunos,
para que estes, assumam posturas condizentes ao âmbito social.
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5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
O homem é o único ser capaz de produzir cultura. Pela sua formação histórica e social
ele se forma e transforma. Nessa perspectiva, ele absorve valores e costumes que lhe são
apresentados ao longo do tempo. Esses valores compõem sua identidade, sua origem, sua
história. A importância de se manter uma identidade cultural consiste em valorizar
características socialmente construídas.
A cultura expressa através da arte literária, retrata os costumes e valores de certa época
e justifica a sua adoção nos tempos atuais. A leitura possibilita conhecer esses hábitos e
costumes e incentiva a valorização da literatura de expressão regional. Os aspectos culturais
são bem representados através de gêneros narrativos como as lendas que expressam a história
e o imaginário de um povo.
As lendas que narram histórias de almas, por exemplo, descrevem fatos históricos que
revelam as crenças religiosas e valores éticos e sociais de uma época que podem ser utilizados
para resgatar o sentimento de respeito e cidadania nos tempos atuais. O resgate e a
conservação desses valores fortalece a cultura local e dificulta a entrada de uma cultura
externa que não condiz com a realidade regional.
A literatura amazônica, mais especificamente de autores paraenses, tem perdido
espaço para outras literaturas, o que contribui para a entrada de outras culturas que não dizem
respeito à identidade local. Constantemente a cultura paraense tem sido invadida por novos
hábitos e costumes que comprometem a história, principalmente através da mídia e dos
avanços tecnológicos, que têm criado grandes possibilidades de apropriação cultural.
Com esse estudo procurou-se fazer uma análise da lenda “A Moça do Táxi”, com o
propósito de demonstrar as suas características instigantes, os aspectos históricos, sociais e
religiosos que aparecem na história, com o intuito de justificar o uso desse gênero narrativo
em sala de aula para despertar o interesse pela literatura amazônica, visando a sua
valorização.
Consideramos que gêneros literários instigantes são mais interessantes e despertam o
imaginário dos alunos. Ficou constatado em entrevista com o escritor Walcyr Monteiro, que a
lenda “A Moça do Táxi”, é muito utilizada por alguns professores em sala de aula pelo fato de
ser muito instigante. O escritor declarou ainda, que é muito solicitado para proferir palestras
51
em escolas para abordar esses temas. Essa declaração confirma a proposta apresentada nesta
pesquisa: a importância do uso de gêneros que estimulem o imaginário para despertar a leitura
e interesse pela literatura amazônica.
No entanto, nos questionamos: Por que muitos autores paraenses ainda são
desconhecidos pelos alunos? Acreditamos que esse interesse dos alunos pelo gênero não é
aproveitado para apresentar outros escritores da literatura amazônica, que também produzem
histórias fantásticas e imaginárias do contexto amazônico. Com esse estudo, procurou-se fazer
uma análise da lenda “A Moça do Táxi”, com o propósito de demonstrar as suas
características instigantes e apontar o uso deste estimulante gênero narrativo em sala de aula,
visando a valorização da literatura amazônica.
Os gêneros literários instigantes são utilizados por poucos professores em sala de aula,
pois segundo o escritor Walcyr Monteiro, que relatou em entrevista ser muito solicitado para
proferir palestras em escolas, diz que está em parceria a esses professores, incentivando os
alunos a pesquisar novas histórias por todo o estado, e assim como ele, registrá-los. Esse
indicativo ratifica a importância de gêneros que estimulem o imaginário. Mas por que muitos
autores paraenses ainda são desconhecidos pelos alunos? Acredita-se que esse interesse pelo
gênero não é aproveitado para introduzir outros escritores da literatura amazônica que
também produzem histórias fantásticas e imaginárias do contexto amazônico.
E para tanto, recomenda-se:
• Adaptar as bibliotecas das escolas para melhor atender os alunos;
• Aumentar o acervo de livros de literatura paraense nas bibliotecas das escolas;
• Disponibilizar o acervo literário para empréstimos dos alunos;
• Fazer da literatura amazônica, uso contínuo em sala de aula;
• Promover oficinas e jirau literário com a participação de escritores e poetas da
literatura paraense;
• Estabelecer uma semana do calendário escolar que caracterize a semana da
cultura paraense, assim como a feira da cultura/de ciências.
52
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Paulo: Atlas, 2009.
MONTEIRO, Walcyr. Visagens e Assombrações de Belém. 6 ed. Belém: Cromos. 2012.
MONTEIRO, Walcyr. Entrevista concedida a Maria de Fátima de Sousa Monteiro e
Francesca Danielly da Silva Cardoso. Belém, 20 set. 2013.
OLIVEIRA, José Coutinho. Imaginário amazônico. Belém: Paka-Tatu, 2007.
SANTOS, Kleberson. Diário online. Disponível em: <www.diarioonline.com.br/noticia261894-.html>. Acesso em: 18 nov. 2013.
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SEVERINO, Joaquim Antonio. Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Cortez,
2007.
SOARES, Sandra Maria. Histórias de Almas: Imaginação social nos roteiros da memória.
Disponível
em:
http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S23.0927.pdf.
Acesso em: 05/11/2013.
TEIXEIRA, Ivan. Literatura como Imaginário: Introdução ao conceito de poética cultural.
Disponível em: http://www.academia.org.br/abl/media/prosa10b.pdf. Acesso em: 24/05/2013.
TODOROV, Tzvetan. As estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva, 1970.
ANEXOS
ESCOLA: ___________________________________ DATA: ___/___/___
ALUNO (A): __________________________ SÉRIE: ____ TURMA: _____
ATIVIDADE A PARTIR DA LENDA “A MOÇA DO TAXI”
1)
Você já tinha lido ou ouvido falar nesta lenda? Comente o que você achou
dela.
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2) Você notou alguma palavra ou expressão diferente? Quais? Que palavras
você conhece, que quase não são utilizadas hoje em dia? Quem as fala?
Qual o sentido delas?
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3) Como você pôde ver, muitas Ruas e Avenidas mudaram de nome. A que você
atribui essa mudança? Você conhece outros lugares que já mudaram de
nome também? Quais?
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4) Agora, crie você, sua própria lenda! Use sua imaginação como quiser!!!!!!!
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“quanto mais se pesquisa, quanto mais se recolhe histórias, mais se acrescentam fatos novos e
curiosos, tornando os temas abordados como que infindáveis.”
(Walcyr Monteiro)
Obrigada por sua colaboração!!! Esperamos que você tenha gostado!!!

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