ensaios de tratabilidade e avaliação de desempenho. recursos

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ensaios de tratabilidade e avaliação de desempenho. recursos
ENSAIOS DE TRATABILIDADE E AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO. RECURSOS
FUNDAMENTAIS DE PROJETO E OPERAÇÃO DE ETAS COM VISTAS À
OTIMIZAÇÃO DO TRATAMENTO E DA QUALIDADE DA ÁGUA.
Rafael K.X. Bastos
(1)
: Engenheiro Civil, Universidade Federal de Juiz de Fora,
Especialização em Engenharia de Saúde Pública, ENSP/FIOCRUZ, PhD. em
Engenharia Sanitária, University of Leeds, UK, professor e pesquisador do
Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Chefe
da Divisão de Água e Esgotos da UFV
Daniel Cobucci de Oliveira: Engenheiro Ambiental (UFV).
Adiéliton Galvão de Freitas: Engenheiro Ambiental (UFV), Mestrando em
Saneamento Ambiental (UFV).
Luis Eduardo do Nascimento: Bacharel em Química (UFV), Chefe do Serviço de
Tratamento de Água (UFV).
(1) Universidade Federal de Viçosa, Departamento de Engenharia Civil - Viçosa MG - CEP: 36571-000 - Brasil - Tel: (31) 899-2352 - e-mail: [email protected]
Palavras – chave: ETA, tratabilidade, desempenho.
1
INTRODUÇÃO
O controle de qualidade da água deve ir além do mero monitoramento do “que entra”
e do “que sai” da estação de tratamento de água (ETA); requer o controle
operacional e a avaliação permanente dos processos unitários de tratamento,
fazendo das partes um todo. Além disso, o desempenho de uma ETA depende,
inicialmente, de uma seleção adequada da tecnologia de tratamento e de um projeto
criterioso, acompanhados da disponibilidade de recursos humanos e materiais que
propiciem uma boa rotina de operação. A boa operação passa ainda pelo
conhecimento, o mais detalhado possível, dos parâmetros teóricos, reais e ótimos
de uma ETA, obtidos por meio de ensaios de tratabilidade e de procedimentos de
avaliação de desempenho (BASTOS et al, 2000). Este trabalho tem como objetivos
descrever metodologias de ensaios de tratabilidade e de avaliação de desempenho
e demonstrar a importância destes procedimentos, amparados em estudos de casos
em ETAs de pequeno porte.
2
METODOLOGIA
Os objetivos acima descritos são cumpridos com ilustrações de trabalhos
desenvolvidos em três ETAs em Minas Gerais, todas empregando tratamento em
ciclo completo, mistura rápida em Calha Parshall e coagulação com sulfato de
alumínio. (i) ETA I: 50L/s, floculador com seis câmaras, decantador circular, dois
filtros rápidos; (ii) ETA II: 150 – 200 L/s, com duas séries de floculadores em paralelo
(sete e oito câmaras), dois decantadores retangulares em paralelo, quatro filtros
rápidos: (iii) ETA III: 60 L/s, floculador central com 23 câmaras e fluxo posteriormente
subdividido entre duas séries de floculadores em paralelo (48 câmaras cada), dois
decantadores retangulares em paralelo e dois filtros rápidos.
Os procedimentos de ensaios de tratabilidade e avaliação de desempenho tiveram
como referências básicas o descrito em CEPIS (1992) e Di Bernardo et al (2002).
Através de ensaios de laboratórios (Jar-test), com base nos valores típicos de
turbidez da água bruta em épocas de estiagem e chuvas, foram determinados os
seguintes parâmetros ótimos: concentração do coagulante, pH e dosagem de
coagulante, gradientes de velocidade e tempo de floculação, velocidade de
sedimentação (Vs). Com base na análise dos projetos das ETAs, complementada
por medições de campo, foram levantados e, ou, determinados parâmetros teóricos
e, ou reais de funcionamento, tais como: tempos teóricos de detenção hidráulica
(TDH) , gradientes de velocidade, taxas de aplicação superficial dos decantadores,
taxas de filtração. Em relação aos filtros foram ainda avaliados os seguintes
aspectos.(i) velocidade de filtração, perda de carga, duração da carreira de filtração
e turbidez do efluente filtrado para diferentes formas de operação.(ii) características
e estado de preservação do leito filtrante - granulometria e espessura do leito
filtrante, bolas de lodo; (v) processo de lavagem em condições de operação variada velocidade de lavagem, expansão do leito filtrante e duração do processo de
lavagem. Ensaios com traçadores permitiram a determinação dos tempos reais de
detenção hidráulica (floculadores, decantadores e tanques de contato de
desinfecção). Quando disponíveis, os resultados dos ensaios de jarros de rotina (Jar
Test) foram comparados aos resultados obtidos em escala real na ETA. Os bancos
de dados do monitoramento de rotina foram sistematizados, com vista à avaliação
da eficiência e estabilidade dos processos unitários de tratamento.
3
3.1
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Sistematização e avaliação de banco de dados
O recurso a ferramentas básicas de sistematização de banco de dados, em si é um
valioso instrumento de avaliação do desempenho, global e de cada processo unitário
de tratamento. A figura 1 representa a evolução da turbidez ao longo do processo de
tratamento na ETA III, em termos de estatística descritiva (medição horária de
turbidez, dezembro a maio de 2005).
Figura 1: Remoção de turbidez ao longo do tratamento (ETA III)
Nota-se que apesar da maior variação da turbidez da água bruta em época de
chuvas, o decantador apresenta melhor eficiência e estabilidade neste período (a
eficiência média de remoção de turbidez na decantação foi de 84 % na época de
chuvas e 54% no período de seca). Na filtração esta tendência é invertida (74 % e
84%) e, em conjunto, os resultados sugerem medidas de otimização dos processos
unitários de tratamento, a começar pela coagulação adequada à qualidade da água
bruta.
Neste mesmo caso, o desempenho da filtração pode ser bem avaliado organizandose os dados em termos de distribuição de freqüência, na figura 2, de um mês típico
de chuvas (dezembro) e outro de seca (maio). Observa-se que o padrão de
potabilidade brasileiro (1uT) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004) é atendido em cerca
de 80 % e 90% do tempo de operação do filtro, respectivamente nos meses de
chuvas e seca; as metas de turbidez da água filtrada, indicadoras da remoção de
cistos de Giardia (0,5 uT) e oocistos de Cryptosporidium (0,3 uT) (USEPA, 2000),
são alcançadas, aproximada e respectivamente, em 40 % (chuvas) a 70% (seca) e 5
(chuvas) a 20% (seca) do tempo.
Figura 2- Turbidez da água filtrada, distribuição de freqüência (ETA III)
Outro recurso interessante é a comparação entre as eficiências obtidas no Jar test e
em escala real. Na ETA I verifica-se uma menor remoção de turbidez na decantação
em escala real para valores de turbidez da água bruta inferiores a 15 uT, o que
indica a necessidade de otimização do tratamento em épocas de baixa turbidez
(Figura 3).
Figura 3: Turbidez da água decantada no Jar test em escala real (ETA II).
3.2
Ensaios de tratabilidade.
Estes ensaios aplicam-se, e são mesmo fundamentais, não só para o projeto de
novas estações, mas também para a otimização de ETAs em funcionamento. Como
primeiro passo deve-se procurar ajustar a concentração do coagulante e, a seguir,
determinar o par ótimo pH x dose. Na seqüência, a fim de determinar o gradiente e o
tempo de floculação ótimos, estes parâmetros devem ser testados em diferentes
faixas. Em ensaios de tratabilidade conduzidos na ETA I, foram testados gradientes
de velocidade entre 80 e 20 s-1 e tempos de floculação entre 5 a 30min (turbidez da
água bruta = 60 uT) (Figura 4).
Figura 4 - Determinação do gradiente e tempo de floculação ótimos (ETA I)
Os resultados sugerem como parâmetros ótimos: tempo de floculação de 20 a 25
minutos; gradientes decrescentes, na faixa de 60 - 40 s-1. O passo seguinte é a
determinação da velocidade ótima de sedimentação, aplicando os parâmetros
anteriormente fixados e variando o tempo de coleta de amostras da água em
sedimentação, simulando diferentes taxas de aplicação superficial (Tabela 1)
Tabela 1: Determinação da velocidade de sedimentação ótima (ETA II)
T (seg.)*
60
120
180
240
300
600
VS (cm/s)**
0,117
0,058
0,039
0,029
0,023
0,012
Turbidez remanescente (uT)***
22,6
12,8
5,4
4,6
3,8
3,0
* tempo de coleta das amostras em profundidade constante (7 cm); ** velocidade de sedimentação =
tempo de coleta / 7 cm *** média dos seis jarros.
De acordo com os resultados de turbidez da água decantada, a velocidade de
sedimentação não deveria superar 0,039 cm/s (30 m3/m2.dia) e valores inferiores a
este poderiam ser considerados antieconômicos. Da transposição dos resultados de
bancada para a escala real, em geral considera-se um fator de correção de 1,3 e,
sendo assim, seria razoável admitir 23 m3/m2.dia. A taxa de aplicação superficial
desta estação é de 20 m3/m2.dia, portanto, próxima à ótima estimada.
Deve-se destacar que os ensaios de tratabilidade devem ser realizados de forma a
cobrir variações sazonais da qualidade da água bruta e variações de vazões
tratadas.
3.3
Levantamento dos parâmetros reais de operação da ETA.
O levantamento dos parâmetros reais de um ETA permite verificar sua congruência
com os parâmetros de projeto e, principalmente, com os parâmetros ótimos. Orienta
ainda o ajuste dos ensaios de rotina de jar test.
Como regra geral, o levantamento do perfil hidráulico da ETA, das dimensões exatas
de todas as unidades e seus detalhes (ex.: câmaras e passagens dos floculadores,
canais de distribuição de água floculada, cortinas distribuidoras de decantadores),
permite o cálculo de perdas de carga e gradientes de velocidade, os quais devem
ser decrescentes, da unidade de mistura à distribuição aos decantadores.
Na figura 5 ilustra-se o perfil hidráulico esperado pelas dimensões do Parshall e
vazão afluente a ETA II e o real levantado. Percebe-se nitidamente a inadequação
do medidor de vazão como unidade de mistura, ao não provocar o ressalto
hidráulico.
Figura 5: Perfil hidráulico esperado e real da calha Parshall (ETA II)
Ainda na ETA I, o levantamento do perfil hidráulico do floculador e, por conseguinte,
o cômputo das perdas de carga, permitiu a determinação dos gradientes de
velocidade nas seis câmaras de floculação: 28,7 - 25,2 - 26,2 - 26,5 - 29,2 - 18,0 s-1.
Os gradientes reais são, portanto, inadequados: reduzidos, distantes dos ótimos
(descritos anteriormente) e oscilam aleatoriamente.
Com a realização de ensaios com substâncias traçadoras pode-se aferir a
hidrodinâmica de floculadores, decantadores e tanques de contato, estimando-se o
tempo de detenção hidráulica real, a ocorrência de curtos-circuitos e zonas mortas,
além da predominância de fluxo em pistão ou mistura completa. Na figura 6, ilustrase um ensaio realizado com sal de cozinha em um dos decantadores da ETA III. A
medida da condutividade no efluente do decantador resultou nas informações da
tabela 2.
Tabela 2: Resultados de ensaios com traçador, decantador (ETA III).
Parâmetros
Tempo de detenção teórico (t0)
Tempo de aparição do traçador (ti)
Tempo da máxima concentração (tp)
Tempo para que 10% do traçador atravesse a unidade (t10)
Tempo para que metade do traçador atravesse a unidade (tm)
Tempo para que 90% do traçador atravesse a unidade (t90)
Tempo para que todo o traçador atravesse a unidade (tf)
Tempo (min.)
122,1
30,0
84,0
54,5
85,0
124,0
240,0
Os tempos de detenção teóricos e reais são to =122,1minutos e tp = 84 minutos;
pelas relações ti/t0 e tm/t0 constata-se a existência de curto circuito. Outros métodos
de interpretação dos resultados permitem calcular as porcentagens de fluxo em
pistão, mistura completa e zonas mortas (CEPIS, 1992).
Figura 6: Ensaio para determinação da hidrodinâmica do decantador (ETA III)
Medidas hidráulicas e volumétricas possibilitaram a identificação da distribuição de
fluxo entre as séries paralelas de floculadores e decantadores, para as duas vazões
de operação da ETA II. No exemplo, embora o fluxo não seja sempre bem
distribuído, não chega a de todo comprometer os parâmetros de funcionamento da
floculação e decantação (Tabela 3)
Tabela 3: Distribuição de vazões, tempo de detenção hidráulica e taxa de aplicação
superficial nas séries de floculadores e decantadores (ETA II)
TDH floculadores (min)
Qmin (162 l/s)
Qmax. (208 l/s)
Floc. I (112,2 l/s)
Floc. II (49,8 l/s)
Floc. I (131,0 l/s)
Floc. II (77,0 l/s)
Projeto
Real
Projeto
Real
Projeto
Real
Projeto
Real
44,2
37,0
34,0
51,0
34,5
25,0
26,4
39,8
TDH decantadores (horas)
Qmin. (138 l/s)
Qmax. (208 l/s)
Dec. I (91 l/s)
Dec. II (47 l/s)
Dec. I (97 l/s)
Dec. II (111 l/s)
Projeto
Real
Projeto
Real
Projeto
Real
Projeto
Real
3,1
2,1
3,0
3,2
2,0
1,4
2,0
1,1
3
2
Tx decantadores (m / m .dia)
Projeto
Real
Projeto
Real
Projeto
Real
Projeto
Real
27,9
36,7
28,5
19,4
42,0
39,2
43,0
45,8
Em relação aos filtros devem ser avaliados três aspectos interdependentes: as
características da filtração, do leito filtrante e da lavagem dos filtros, por meio dos
parâmetros e testes citados na introdução deste trabalho. Na figura 4 podem ser
observados problemas na etapa inicial de filtração, uma vez que a turbidez da água
filtrada somente após 3 horas de operação se estabilizou e passou a atender ao
padrão de potabilidade; o transpasse ocorre quando a carga hidráulica disponível
esta próxima de atingir seu valor máximo (1,6m), mostrando que a carreira de
filtração foi até seu limite máximo, o que é, recomendado, não fosse a curta duração
da mesma (15 h.).Observa-se ainda que o filtro foi operado além de seu limite.
Figura 4: Carreira de filtração com filtro operado com carga hidráulica total variável e
taxa de filtração constante (ETA III)
Repetidos ensaios nesta ETA, variando a operação dos filtros (carga hidráulica total
variável e taxa de filtração constante, carga hidráulica total e taxa de filtração
constantes), em geral, revelaram carreiras de filtração muito curtas, ora por
trespasse precoce, ora por elevação muito rápida da perda de carga, por vezes com
valores de turbidez ainda baixos. Tais problemas podem advir de um pré –
condicionamento
(coagulação)
ou
pré-tratamento
(floculação-decantação)
inadequados, de problemas com a operação de lavagem ou da própria operação de
filtração, de estágio avançado de deterioração do leiro filtrante, ou mesmo da
conjugação destes fatores. O fato é que uma boa avaliação de desempenho da ETA
como um todo facilita a identificação das principais causas.
4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não se pretendeu neste trabalho apresentar um roteiro de ensaios de tratabilidade e
avaliação de desempenho de estações de tratamento de água e nem mesmo um
estudo completo de uma ETA, até porque aqui não caberia. Redundante seria
afirmar que os processos unitários de tratamento são interdependentes, daí a
necessidade de, como se disse na introdução deste trabalho, procurar fazer das
partes um todo. Pretendeu-se, sim, com o recurso a exemplos variáveis chamar
atenção para a importância da avaliação de desempenho, com o enfoque de boas
práticas e com vistas à otimização do tratamento e garantia da produção sistemática
de água segura para o consumo humano.
5
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BASTOS, R.K.X., VARGAS, L.C.; MOYSES, S.S; SILVA, H.C. Avaliação de desempenho de
estações
de
tratamento
de
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Desvendando
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DI BERNARDO, L; DI BERNARDO, A; CENTURIONE FILHO, P. L. Ensaios de tratabilidade
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MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria no 518, de 25 março de 2004. Estabelece os
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