3ª SÉRIE

Transcrição

3ª SÉRIE
caderno do
ensino médio
3ª SÉRIE
volume 4 - 2009
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SOcIOlOgIa
PROFESSOR
9/8/09 2:36:23 PM
Coordenação do Desenvolvimento dos
Conteúdos Programáticos e dos Cadernos
dos Professores
Ghisleine Trigo Silveira
Governador
José Serra
Vice-Governador
Alberto Goldman
Secretário da Educação
Paulo Renato Souza
Secretário-Adjunto
Guilherme Bueno de Camargo
Chefe de Gabinete
Fernando Padula
Coordenadora de Estudos e Normas
Pedagógicas
Valéria de Souza
Coordenador de Ensino da Região
Metropolitana da Grande São Paulo
José Benedito de Oliveira
Coordenador de Ensino do Interior
Rubens Antonio Mandetta
Presidente da Fundação para o
Desenvolvimento da Educação – FDE
Fábio Bonini Simões de Lima
EXECUÇÃO
Coordenação Geral
Maria Inês Fini
Concepção
Guiomar Namo de Mello
Lino de Macedo
Luis Carlos de Menezes
Maria Inês Fini
Ruy Berger
GESTÃO
Fundação Carlos Alberto Vanzolini
AUTORES
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Filosofia: Paulo Miceli, Luiza Christov, Adilton
Luís Martins e Renê José Trentin Silveira
Geografia: Angela Corrêa da Silva, Jaime Tadeu
Oliva, Raul Borges Guimarães, Regina Araujo,
Regina Célia Bega dos Santos e Sérgio Adas
História: Paulo Miceli, Diego López Silva,
Glaydson José da Silva, Mônica Lungov Bugelli
e Raquel dos Santos Funari
Sociologia: Heloisa Helena Teixeira de Souza
Martins, Marcelo Santos Masset Lacombe,
Melissa de Mattos Pimenta e Stella Christina
Schrijnemaekers
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
Biologia: Ghisleine Trigo Silveira, Fabíola
Bovo Mendonça, Felipe Bandoni de Oliveira,
Lucilene Aparecida Esperante Limp, Maria
Augusta Querubim Rodrigues Pereira, Olga
Aguilar Santana, Paulo Roberto da Cunha,
Rodrigo Venturoso Mendes da Silveira
e Solange Soares de Camargo
Ciências: Ghisleine Trigo Silveira, Cristina Leite,
João Carlos Miguel Tomaz Micheletti Neto,
Julio Cézar Foschini Lisbôa, Lucilene Aparecida
Esperante Limp, Maíra Batistoni e Silva, Maria
Augusta Querubim Rodrigues Pereira, Paulo
Rogério Miranda Correia, Renata Alves Ribeiro,
Ricardo Rechi Aguiar, Rosana dos Santos Jordão,
Simone Jaconetti Ydi e Yassuko Hosoume
Física: Luis Carlos de Menezes, Estevam
Rouxinol, Guilherme Brockington, Ivã Gurgel,
Luís Paulo de Carvalho Piassi, Marcelo de
Carvalho Bonetti, Maurício Pietrocola Pinto de
Oliveira, Maxwell Roger da Purificação Siqueira,
Sonia Salem e Yassuko Hosoume
Química: Maria Eunice Ribeiro Marcondes,
Denilse Morais Zambom, Fabio Luiz de Souza,
Hebe Ribeiro da Cruz Peixoto, Isis Valença de Sousa
Santos, Luciane Hiromi Akahoshi, Maria Fernanda
Penteado Lamas e Yvone Mussa Esperidião
Diretor de Gestão de Tecnologias aplicadas
à Educação: Guilherme Ary Plonski
Coordenadoras Executivas de Projetos:
Beatriz Scavazza e Angela Sprenger
COORDENAÇÃO TÉCNICA
CENP – Coordenadoria de Estudos e
Normas Pedagógicas
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Equipe de Produção
Coordenação Executiva: Beatriz Scavazza
Assessores: Alex Barros, Beatriz Blay, Carla de Meira
Leite, Eliane Yambanis, Heloisa Amaral Dias de
Oliveira, José Carlos Augusto, Luiza Christov, Maria
Eloisa Pires Tavares, Paulo Eduardo Mendes, Paulo
Roberto da Cunha, Pepita Prata, Renata Elsa Stark,
Ruy César Pietropaolo, Solange Wagner Locatelli e
Vanessa Dias Moretti
Equipe Editorial
Coordenação Executiva: Angela Sprenger
Assessores: Denise Blanes e Luis Márcio Barbosa
Projeto Editorial: Zuleika de Felice Murrie
Edição e Produção Editorial: Conexão
Editorial,Verba Editorial, Adesign e Occy Design
(projeto gráfico)
APOIO
FDE – Fundação para o Desenvolvimento da Educação
CTP, Impressão e Acabamento
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo autoriza a reprodução do conteúdo do material de sua titularidade pelas demais
secretarias de educação do país, desde que mantida a integridade da obra e dos créditos, ressaltando que direitos autorais protegidos* deverão ser diretamente negociados com seus próprios titulares, sob pena de infração aos artigos da Lei nº 9.610/98.
* Constituem “direitos autorais protegidos” todas e quaisquer obras de terceiros reproduzidas no material da SEE-SP que não
estejam em domínio público nos termos do artigo 41 da Lei de Direitos Autorais.
Catalogação na Fonte: Centro de Referência em Educação Mario Covas
Presidente do Conselho Curador:
Antonio Rafael Namur Muscat
Presidente da Diretoria Executiva:
Mauro Zilbovicius
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Arte: Gisa Picosque, Mirian Celeste Martins,
Geraldo de Oliveira Suzigan, Jéssica Mami Makino
e Sayonara Pereira
Educação Física: Adalberto dos Santos Souza,
Jocimar Daolio, Luciana Venâncio, Luiz Sanches Neto,
Mauro Betti e Sérgio Roberto Silveira
LEM – Inglês: Adriana Ranelli Weigel Borges, Alzira
da Silva Shimoura, Lívia de Araújo Donnini Rodrigues,
Priscila Mayumi Hayama e Sueli Salles Fidalgo
Língua Portuguesa: Alice Vieira, Débora Mallet
Pezarim de Angelo, Eliane Aparecida de Aguiar,
José Luís Marques López Landeira e João Henrique
Nogueira Mateos
Matemática
Matemática: Nílson José Machado, Carlos Eduardo
de Souza Campos Granja, José Luiz Pastore Mello,
Roberto Perides Moisés, Rogério Ferreira da Fonseca,
Ruy César Pietropaolo e Walter Spinelli
Caderno do Gestor
Lino de Macedo, Maria Eliza Fini e Zuleika de Felice Murrie
S239c
São Paulo (Estado) Secretaria da Educação.
Caderno do professor: sociologia, ensino médio - 3a série, volume 4 / Secretaria da
Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini; equipe, Heloísa Helena Teixeira de Souza
Martins, Melissa de Mattos Pimenta, Stella Christina Schrijnemaekers. – São Paulo : SEE,
2009.
ISBN 978-85-7849-448-3
1. Sociologia 2. Ensino Médio 3. Estudo e ensino I. Fini, Maria Inês. II. Martins, Heloísa
Helena Teixeira de Souza. III. Pimenta, Melissa de Mattos. IV. Schrijnemaekers, Stella
Christina. V. Título.
CDU: 373.5:316
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Caras professoras e caros professores,
Este exemplar do Caderno do Professor completa o trabalho que fizemos de
revisão para o aprimoramento da Proposta Curricular de 5ª a 8ª séries do Ensino
Fundamental – Ciclo II e do Ensino Médio do Estado de São Paulo.
Graças às análises e sugestões de todos os professores pudemos finalmente
completar um dos muitos recursos criados para apoiar o trabalho em sala de aula.
O conjunto dos Cadernos do Professor constitui a base estrutural das
aprendizagens fundamentais a serem desenvolvidas pelos alunos.
A riqueza, a complementaridade e a marca de cada um de vocês nessa elaboração
foram decisivas para que, a partir desse currículo, seja possível promover as
aprendizagens de todos os alunos.
Bom trabalho!
Paulo Renato Souza
Secretário da Educação do Estado de São Paulo
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SumáRio
São Paulo faz escola – uma Proposta Curricular Para o Estado
Ficha do Caderno
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orientação sobre os conteúdos do Caderno
Tema 1 – o que é não cidadania?
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Situação de Aprendizagem 1 – O processo de desumanização
e coisificação do outro 10
Situação de Aprendizagem 2 – Reprodução da violência e
da desigualdade social 15
Situação de aprendizagem 3 – O papel transformador da esperança e do sonho
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Recursos para ampliar a perspectiva do professor e do aluno
para a compreensão dos temas 39
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São Paulo Faz ESCola – uma PRoPoSTa
CuRRiCulaR PaRa o ESTado
Caros(as) professores(as),
Este volume dos Cadernos do Professor completa o conjunto de documentos de apoio
ao trabalho de gestão do currículo em sala de aula enviados aos professores em 2009.
Com esses documentos, a Secretaria espera apoiar seus professores para que a
organização dos trabalhos em sala de aula seja mais eficiente. Mesmo reconhecendo
a existência de classes heterogêneas e numerosas, com alunos em diferentes estágios
de aprendizagem, confiamos na capacidade de nossos professores em lidar com as
diferenças e a partir delas estimular o crescimento coletivo e a cooperação entre eles.
A estruturação deste volume dos Cadernos procurou mais uma vez favorecer a
harmonia entre o que é necessário aprender e a maneira mais adequada, significativa
e motivadora de ensinar aos alunos.
Reiteramos nossa confiança no trabalho dos professores e mais uma vez ressaltamos
o grande significado de sua participação na construção dos conhecimentos dos alunos.
maria inês Fini
Coordenadora Geral
Projeto São Paulo Faz Escola
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FiCha do CadERno
desumanização e Esperança
nome da disciplina:
área:
Etapa da educação básica:
Série:
Volume:
Temas e conteúdos:
Sociologia
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Ensino Médio
3ª
4
O que é não cidadania?
A desumanização e coisificação do outro
Reprodução da violência e da desigualdade
social
O papel social e politicamente transformador
da esperança e do sonho
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oRiEnTação SobRE oS ConTEúdoS do CadERno
Caro professor,
No Caderno para a 3ª série, neste último
bimestre, daremos fechamento à temática da
cidadania, que temos discutido desde o início
do ano letivo. Porém o enfoque agora é diametralmente oposto ao que já foi apresentado: se
antes a preocupação foi compreender de que
formas a cidadania foi construída histórica e
socialmente, agora buscamos exatamente o
oposto, investigando e analisando práticas contemporâneas que vão na contramão do que
entendemos hoje o que é ser cidadão. Nesse
sentido, a pergunta que direciona as duas primeiras Situações de Aprendizagem é: O que é
não cidadania? Ela tem por objetivo propor
temas para reflexão e debate, utilizando as ferramentas metodológicas próprias da Sociologia,
apreendidas ao longo do curso. Os temas
percorrem práticas e situações atuais configuradas como violação de direitos e/ou em que
os direitos não são garantidos, de modo a explicitar que há uma clara cisão entre a condição
de cidadania e a de não cidadania. Essa ocorrência coloca em questão tanto o Estado democrático de direito, como o tipo de sociedade que
efetivamente desejamos. A partir de exercícios
de análise e crítica de situações sociais contemporâneas, pretende-se que os alunos compreendam o papel questionador da Sociologia
diante da realidade social. Na última Situação
de Aprendizagem, passaremos a um enfoque
mais positivo, abordando como o pensamento
e as ações políticas de três grandes personalidades abriram caminho para mudanças em seus
contextos históricos e sociais de origem. O foco
da discussão será o papel social e politicamente
transformador da esperança e do sonho, traduzido nas biografias de Mahatma Gandhi,
Martin Luther King e Nelson Mandela.
Conhecimentos priorizados
Espera-se que, ao final do bimestre, os alunos estejam aptos a compreender o que significa a desumanização e a coisificação do outro e,
especialmente, quais fatores contribuem para
a prevalência desses fenômenos. Além disso,
espera-se que sejam capazes de compreender
a importância de se resgatar a especificidade da condição humana e dos direitos fundamentais à vida, à liberdade, à dignidade, à
pessoa e às condições mínimas de sobrevivência. Para tanto, serão priorizados os conhecimentos adquiridos nos bimestres anteriores,
de modo a pôr em prática o questionamento
sobre qual é o lugar do ser humano em meio
ao conflito social, à intolerância religiosa, ao
racismo e à desigualdade social. Finalmente,
pretende-se que os alunos possam estabelecer
uma reflexão crítica acerca da importância do
sonho e da esperança como transformadores
da realidade social.
Competências e habilidades
As atividades aqui propostas visam a reforçar o aprimoramento das habilidades de leitura e interpretação de textos; a associação à
realidade cotidiana de temas, ideias e conteúdos apreendidos em sala de aula; e a reflexão
crítica de problemas e fenômenos sociais.
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Sociologia - 3a série - Volume 4
metodologias e estratégias
avaliação
A metodologia e as estratégias utilizadas
procuram proporcionar um conjunto de alternativas didático-pedagógicas que variam de
aulas expositivas a aulas dialogadas, visando
ao debate e à interação com os alunos, a exercícios de análise e interpretação de textos que
buscam propiciar oportunidades de reflexão
e elaboração de argumentos na forma escrita.
De forma geral, é sugerido o desenvolvimento, por parte dos alunos, de textos dissertativos argumentativos referentes aos temas
e conteúdos apresentados em cada Situação
de Aprendizagem.
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TEma 1 – o QuE É não Cidadania?
SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 1
O PROCESSO DE DESUMANIZAÇÃO E
COISIFICAÇÃO DO OUTRO
Nesta Situação de Aprendizagem, introduziremos o tema o que é não cidadania?,
que se refere à questão central do Caderno.
Para isso, partiremos de situações contemporâneas em que práticas de violação sistemática de direitos básicos levam ao processo
de desumanização e coisificação do outro.
A compreensão de como ocorre esse processo será de fundamental importância para a
segunda Situação de Aprendizagem. Mais
uma vez, recorremos ao recurso metodológico
do estranhamento e da reflexão crítica de fenômenos sociais com os quais o aluno se defronta
na realidade brasileira. Por essa razão, incentivamos professores e alunos a recorrer à pesquisa, em jornais, revistas ou internet, a fim de
atualizarem suas informações sobre os assuntos abordados no Caderno.
Tempo previsto: 2 aulas.
Conteúdos e temas: processos de desumanização e coisificação do outro: a escravidão
contemporânea.
Competências e habilidades: compreender o que constitui a condição social de não cidadania;
apreender como ocorrem processos de desumanização e coisificação do outro; refletir criticamente sobre a escravidão contemporânea no Brasil.
Estratégias: leitura e interpretação de textos; aulas dialogadas; exercícios em sala de aula.
Recursos: textos; consulta a materiais didáticos; pesquisas; livros; revistas; jornais e internet.
avaliação: elaboração de material educativo.
Sondagem e sensibilização
O objetivo desta atividade de sensibilização é iniciar a reflexão sobre o tema
central da Situação de Aprendizagem: o
processo de desumanização e coisificação
do outro, entendido sempre como um ser
humano, que, entretanto, nunca é visto como
tal. Para isso, a problemática que abordaremos nas primeiras etapas do Caderno será
a escravidão contemporânea.
Você pode iniciar esta etapa colocando a
seguinte pergunta na lousa: Quando terminou
a escravidão no Brasil? Aguarde as respostas
da turma. Com base nos conhecimentos
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Sociologia - 3a série - Volume 4
adquiridos nas aulas de História, é muito
provável que os alunos respondam que a
escravidão foi abolida em 1888, quando a
princesa Isabel promulgou a Lei Áurea. Com
efeito, oficialmente, a escravidão no Brasil
foi abolida nessa data. Porém, ela ainda persiste no século XXI, não apenas em alguns
pontos do nosso país, mas em diversos
outros lugares ao redor do mundo. Como
isso acontece?
Você pode perguntar aos seus alunos se
ainda existe escravidão no Brasil, mesmo após
a promulgação da Lei Áurea. Aguarde as contribuições da turma. As respostas poderão
ser as mais variadas possíveis: alguns estudantes poderão argumentar que, de fato, ela
não existe mais, outros poderão afirmar que
há notícias de trabalho escravo denunciadas
em jornais e outros, até nem saber como responder à questão. Sugerimos que você mesmo traga notícias sobre trabalho escravo no
Brasil de hoje e deixe o material circular entre
os alunos. Peça a um voluntário para ler em
voz alta um dos textos selecionados ou, então,
utilize o trecho a seguir:
“Pedro, de 13 anos de idade, perdeu a conta das vezes em que passou frio, ensopado pelas trovoadas amazônicas, debaixo da tenda de lona amarela que servia como casa durante os dias de
semana. Nem bem amanhecia, ele engolia café preto engrossado com farinha de mandioca, abraçava a
motosserra de 14 quilos e começava a transformar a floresta amazônica em cerca para o gado do
patrão. Foi libertado em uma ação do grupo móvel no dia 1º de maio de 2003 em uma fazenda, a oeste
do município de Marabá, Sudeste do Pará.”
SAKAMOTO, Leonardo (Coord.). Trabalho escravo no Brasil do século XXI. Organização Internacional do Trabalho, Brasil,
2007. p. 2-28. Disponível em <http://www.oitbrasil.org.br/download/sakamoto_final.pdf>. Acesso em: 8 ago. 2009.
Após a leitura, discuta com a turma as
seguintes questões:
f Analise as informações contidas no parágrafo. O que há de errado na situação
vivenciada por Pedro?
Segundo a legislação trabalhista brasileira, Pedro, por ser menor de idade, não
poderia trabalhar. Além disso, a função
que ele exercia é considerada insalubre e
de alto risco para a sua idade. O desmatamento da Floresta Amazônica para transformá-la em área de criação de gado hoje
tem sérias restrições ambientais. As condições de alojamento e alimentação não
eram adequadas para o exercício das suas
funções.
f O que a informação “foi libertado” significa?
Essa informação quer dizer que Pedro, de
alguma forma, encontrava-se privado da condição de liberdade, ou seja, não podia, por alguma
razão, deixar a fazenda onde trabalhava.
Etapa 1 – a escravidão
contemporânea
Existem várias formas de escravidão contemporânea. Nesta primeira etapa, discutiremos a exploração do trabalho escravo rural.
Para entender como ela funciona, solicite a
um voluntário para ler o texto a seguir. Você
pode realizar uma leitura individual, compartilhada ou comentada:
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“A assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, representou o fim do direito de propriedade de
uma pessoa sobre a outra, acabando com a possibilidade de possuir legalmente um escravo no Brasil.
No entanto, persistiram situações que mantêm o trabalhador sem possibilidade de se desligar de seus
patrões. Há fazendeiros que, para realizar derrubadas de matas nativas para formação de pastos, produzir carvão para a indústria siderúrgica, preparar o solo para plantio de sementes, algodão e soja,
entre outras atividades agropecuárias, contratam mão de obra utilizando os contratadores de empreitada, os chamados ‘gatos’. Eles aliciam os trabalhadores, servindo de fachada para que os fazendeiros
não sejam responsabilizados pelo crime.
Esses gatos recrutam pessoas em regiões distantes do local da prestação de serviços ou em pensões
localizadas nas cidades próximas. Na primeira abordagem, mostram-se agradáveis, portadores de boas
oportunidades de trabalho. Oferecem serviço em fazendas, com garantia de salário, de alojamento e
comida. Para seduzir o trabalhador, oferecem ‘adiantamentos’ para a família e garantia de transporte
gratuito até o local do trabalho.
O transporte é realizado por ônibus em péssimas condições de conservação ou por caminhões
improvisados sem qualquer segurança. Ao chegarem ao local do serviço, são surpreendidos com situações completamente diferentes das prometidas. Para começar, o gato lhes informa que já estão devendo.
O adiantamento, o transporte e as despesas com alimentação na viagem já foram anotados em um
‘caderno’ de dívidas que ficará de posse do gato. Além disso, o trabalhador percebe que o custo de
todos os instrumentos que precisar para o trabalho – foices, facões, motosserras, entre outros – também
será anotado no caderno de dívidas, bem como botas, luvas, chapéus e roupas. Finalmente, despesas
com os improvisados alojamentos e com a precária alimentação serão anotados, tudo a preço muito
acima dos praticados no comércio.
Convém lembrar que as fazendas estão distantes dos locais de comércio mais próximos, sendo impossível ao trabalhador não se submeter totalmente a esse sistema de ‘barracão’, imposto pelo gato a mando
do fazendeiro ou diretamente pelo fazendeiro.
Se o trabalhador pensar em ir embora, será impedido sob a alegação de que está endividado e de que
não poderá sair enquanto não pagar o que deve. Muitas vezes, aqueles que reclamam das condições ou
tentam fugir são vítimas de surras. No limite, podem perder a vida.”
SAKAMOTO, Leonardo (Coord.). Trabalho escravo no Brasil do século XXI. Organização Internacional do Trabalho:
Brasil, 2007. p. 21-22. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/download/sakamoto_final.pdf>. Acesso em: 8 ago. 2009.
Pergunte aos alunos o que entenderam do
texto e verifique se eles têm dúvidas. Em
seguida, questione a classe: Por que a situação
descrita no texto é entendida como escravidão?
Aguarde as respostas e aproveite-as ao máximo para o desenvolvimento desta etapa.
A escravidão vem sendo definida e qualificada por organismos internacionais desde o século passado, por meio de uma série de convenções
e tratados que visam a regulamentar1, coibir e
abolir formas de exploração do trabalho que
violam direitos constituídos ou que vieram a
ser consideradas “similares à condição de escravidão”. O que vem a ser isso?
Segundo a Organização das Nações Unidas
(ONU), a escravidão é definida como o estado
ou condição de um indivíduo sobre o qual se
exercem, total ou parcialmente os atributos de
direito de propriedade2.
Já os atos considerados similares à escravização de seres humanos abrangem:
Entendemos por regulamentar, o ato de estabelecer regras, disposições e normas para a execução de leis, inclusive aquelas
que restringem, proibem e estabelecem penas para a exploração do trabalho escravo.
2
Convenção de 1926 das Nações Unidas sobre a Escravatura. Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/doc_escravatura.
php>. Acesso em: 9 ago. 2009.
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Sociologia - 3a série - Volume 4
f Servidão por dívidas, ou seja, quando alguém é obrigado a oferecer seus serviços ou de terceiros
sobre os quais tenha autoridade, sem que haja definição sobre a duração dos serviços, tampouco o
seu valor ou tipo (ausência de contrato).
f Servidão por lei, costume ou acordo que obrigue uma pessoa a trabalhar sem poder mudar sua condição.
f Práticas em que mulheres, crianças ou adolescentes são cedidas ou vendidas em casamento, por
morte do marido ou a terceiros, para fins de exploração ou não.
Convenção Suplementar sobre abolição da escravatura, do tráfico de escravos e das instituições e práticas análogas à
escravatura. Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/doc_escravatura.php>. Acesso em: 8 ago. 2009.
No Brasil, como essa questão tem sido tratada? Atualmente, o repúdio à prática da escravidão
não é apenas um movimento em defesa da liberdade, mas uma proibição que se estende a todos
os âmbitos do direito internacional e dos direitos
humanos. Contudo, práticas que atentam contra
esses direitos ainda são comuns no cenário nacional, especialmente nos Estados do Pará, Mato
Grosso, Tocantins, Piauí, Maranhão e Bahia3.
Recentemente, o Congresso Nacional aprovou
penas mais duras visando coibir o trabalho escravo. A Lei nº 10 803 de 11/12/2003, alterou o artigo
nº 149 do Código Penal e estabeleceu com maior
precisão os elementos a partir dos quais são identificadas as formas em que as vítimas são
reduzidas à condição de escravidão. A lei prescreveu também penas mais rigorosas para os
infratores. Quais são as características da escravidão contemporânea?
f A escravidão contemporânea não se reduz à
condição de propriedade ou perda da liberdade, mas envolve, principalmente, a questão da exploração do trabalho.
f Nesse sentido, uma condição fundamental para o exercício da cidadania são as
garantias fundamentais da dignidade
humana.
f Por essa razão, são consideradas formas
análogas à escravidão o trabalho forçado e
o trabalho degradante.
Pergunte aos alunos o que eles entendem
por “trabalho forçado” e “trabalho degradante”.
Aguarde as respostas da classe e, então, solicite a um voluntário para que leia as definições
a seguir:
Trabalho forçado (ou obrigatório): segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), é
todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha
oferecido espontaneamente1.
Trabalho degradante: é o trabalho em que as condições mais básicas são negadas ao trabalhador,
como salário que atenda satisfatoriamente suas necessidades de sobrevivência e de sua família,
o direito a uma jornada justa, que não ofereça riscos à sua saúde ou à sua segurança, e lhe permita o convívio social, sem limitações materiais quanto a alimentação, higiene e moradia.
1
Convenção nº 29 sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório. Organização Internacional do Trabalho. Disponível
em: <http://www.oitbrasil.org.br/info/download/conv_29.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2009.
Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.
3
Possibilidades jurídicas de combate à escravidão contemporânea. Brasília: Organização Internacional do Trabalho, 2007.
Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/info/downloadfile.php?fileId=305>. Acesso em: 8 ago. 2009.
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Como Lição de Casa, você pode solicitar
aos alunos que respondam à pergunta a seguir
com base no que foi discutido durante a aula.
f A escravidão hoje é a mesma de antes da
abolição?
Etapa 2 – a desumanização e a
coisificação do outro
A exploração do trabalho escravo não se
limita aos meios rurais. Como foi mencionado
na etapa anterior, há diversas formas contemporâneas de exploração do trabalho que envolvem o cerceamento de liberdade e a degradação
do ser humano. Esses dois fatores, além de
caracterizarem a condição de escravidão, estão
estreitamente ligados a um processo ainda mais
perverso, em que a pessoa se transforma em
mercadoria comercializável, interessante somente por causa do seu valor de troca. Nesse caso,
as maiores vítimas são, sobretudo, crianças,
adolescentes e mulheres, transformadas em
objetos de consumo. Nesta etapa, analisaremos
de forma breve como a exploração sexual de
crianças, adolescentes e mulheres, comercializadas no interior dos esquemas de tráfico internacional de seres humanos, são desumanizadas e
coisificadas, tornando-se objetos de transação
no comércio global de armas e drogas.
Para a realização desta etapa, sugerimos que
você designe alguns dias antes, como Lição de
Casa, que os alunos tragam informações sobre:
f exploração sexual;
f tráfico de pessoas.
As informações podem ser obtidas de diversas formas: consultando materiais didáticos ou
realizando pesquisas em livros, jornais, revistas
e internet.
Com base no que os alunos trouxerem para
a sala de aula, coloque em debate a seguinte
questão: De que forma as duas práticas estão
relacionadas?
Essas práticas estão relacionadas da seguinte
maneira: há uma demanda em diversas regiões
do mundo por mulheres, adolescentes e também crianças para serem usadas sexualmente,
seja como prostitutas, seja como protagonistas
de material pornográfico, alimentando, assim,
redes internacionais de pedofilia. Isso propicia
a existência do tráfico de pessoas. Como definir
cada uma dessas práticas?
A declaração aprovada durante o 1º Congresso Mundial contra a Exploração Sexual
Comercial de Crianças e Adolescentes, ocorrido em Estocolmo, em 1996, definiu a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes
como toda prática que compreende o abuso
sexual por adultos e a remuneração em espécie
ao menino, à menina, a terceiros ou várias
outras pessoas. Nessa situação, a criança é tratada como um objeto sexual para o prazer de
um adulto e uma mercadoria, pois a relação é
consumada mediante pagamento. É uma violação dos direitos fundamentais da criança e
do adolescente, já que constitui uma forma de
coerção e violência, geralmente acompanhada
de trabalho forçado e formas contemporâneas
de escravidão4.
Já o tráfico de pessoas constitui o recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou
recolhimento de pessoas pela força, ameaça ou
outras formas de coerção, como fraude, engano
ou abuso de autoridade5. É importante observar
que o tráfico de pessoas envolve as mesmas con-
LEAL, Maria Lúcia; LEAL, Maria de Fátima (Orgs.). Pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para
fins de exploração sexual comercial. PESTRAF: Relatório Nacional – Brasil-Brasília: CECRIA, 2002. Disponível em:
<www.cecria.org.br/pub/livro_pestraf_portugues.pdf>. Acesso em: 08 ago. 2009
5
Essas disposições podem ser encontradas no Protocolo de Palermo, Artigo nº 2.
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Sociologia - 3a série - Volume 4
dições observadas no aliciamento para exploração de trabalho escravo, analisadas na Etapa 1.
Nelas, o trabalhador também é submetido a
condições materiais objetivas que abrangem
estratégias de recrutamento, promessas de transporte e alojamento e condições subjetivas de realização, que envolvem promessas de ganhos,
ocupação, condições de trabalho melhores6.
Após esclarecer a relação entre as duas práticas, procure definir com os alunos o perfil das
vítimas: Quem são as pessoas mais sujeitas ao
aliciamento pelas redes de crime organizado que
traficam seres humanos para fins de exploração
sexual? Aguarde as respostas e então discuta as
seguintes informações do boxe. Você pode solicitar a um voluntário para ler o texto a seguir.
Uma pesquisa coordenada nacionalmente pelo Centro de Referência, Estudos e Ações sobre
Crianças e Adolescentes (Cecria), em 2002, revelou que o perfil das pessoas aliciadas pelo tráfico de
seres humanos é geralmente do sexo feminino, com idades entre 15 e 25 anos, pardas ou negras. A
maioria é oriunda de classes sociais mais baixas, com pouca escolaridade, mora em bairros periféricos com carência de saneamento, transporte e outros serviços públicos, tem filhos e exerce atividades
pouco qualificadas, como serviços domésticos (arrumadeira, empregada doméstica, cozinheira) ou
no ramo de serviços (auxiliar de serviços gerais, garçonete, balconista). Mal remuneradas, sem registro, muitas estabelecem uma rotina desmotivadora e desprovida de possibilidades de ascensão social,
o que as torna presa fácil para os aliciadores, que prometem ganhos vultosos e rápidos no exterior.
Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.
Proposta de Situação de avaliação
Com base no conteúdo das Etapas 1 e 2,
sugerimos que você divida a turma em grupos
de 3 a 4 alunos para a elaboração de um trabalho educativo. O objetivo é produzir um
material de campanha que visa a esclarecer,
orientar e alertar outras pessoas a respeito do
trabalho escravo no Brasil ou o tráfico de seres
humanos. Sugerimos que os alunos não se
atenham somente às informações do Caderno
do Aluno e aos conteúdos apreendidos em
sala de aula, mas busquem também informações em outras fontes, como impressos, cartilhas, jornais, revista ou internet. O formato
final do trabalho poderá ser um cartaz, folder
ou folheto, apostila ou cartilha, conforme o
grupo preferir.
SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 2
REPRODUÇÃO DA VIOLÊNCIA E DA DESIGUALDADE SOCIAL
Nesta Situação de Aprendizagem, analisaremos como condições sociais diferenciadas
interferem nas relações e interações entre
grupos no interior de uma sociedade, contribuindo, assim, para explicar processos de
reprodução de outros fenômenos sociais.
Para isso, retomaremos o tema da Situação
6
de Aprendizagem 1, a condição de “não
cidadania” e, a partir dela procuraremos
estabelecer uma reflexão sobre como a cisão
entre “cidadãos” e “não cidadãos” gera
conflitos que, no limite, reproduzem a violência e a desigualdade social nos grandes
centros urbanos.
LEAL, M. L.; LEAL, M. de F. (Orgs.), op. cit., 2002.
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Tempo previsto: 2 aulas.
Conteúdos e temas: não cidadania; processo de reprodução da violência e da desigualdade
social.
Competências e habilidades: relacionar processos de reprodução da violência e da desigualdade
social à não garantia dos direitos de cidadania; produzir reflexões críticas sobre a realidade social
brasileira, a partir de uma compreensão sociológica de fenômenos sociais.
Estratégias: leitura e interpretação de textos; aulas dialogadas; exercícios em sala de aula.
Recursos: textos, documentário ou filme (caso a escola conte com esse recurso).
avaliação: elaboração de texto dissertativo.
Sondagem e sensibilização
Na Situação de Aprendizagem anterior,
vimos que a condição de “não cidadania”
está estreitamente ligada à desumanização e
à coisificação do outro, na forma da exploração do trabalho escravo e do tráfico de seres
humanos. Essa condição também contribui
para explicar processos de reprodução de
fenômenos sociais mais complexos, como a
violência e a desigualdade social. Para isso,
utilizaremos como referência alguns episódios intensamente noticiados na época de
sua ocorrência.
Solicite a um voluntário para ler os seguintes textos. Você pode realizar uma leitura compartilhada deles.
Texto 1
“A morte de sete crianças indefesas na madrugada do dia 23 de julho de 1993 chocou o país e
o mundo, descortinando nossos olhares para uma dura realidade. O assassinato dos menores da
Candelária ocorreu, segundo depoimento dos sobreviventes, em virtude da prisão de um homem
chamado Neilton. Ele foi detido pela Polícia Militar pelo fato de carregar consigo três latas de cola
durante uma passeata. Ao verem os PMs agredirem Neilton, os amigos do jovem apedrejaram um
carro de polícia, quebrando-lhe os vidros. Um policial, ofendido com o ocorrido, ameaçou os menores, dizendo que voltaria ao local. Os garotos identificaram esse policial como tenente Sá.
Um dia após o incidente, por volta da 0:30 hora, cerca de 50 menores que dormiam sob a marquise de um edifício na Praça Pio 10, ao lado da Igreja da Candelária, foram acordados por alguns
homens que perguntavam por ‘um tal de Russo’. Ao identificarem o ‘Russo’, dispararam tiros de
revólver sobre ele, matando-o. A partir daí o desespero tomou conta da cena: jovens, correndo para
todos os lados, fugiam dos disparos. O saldo da ação violenta foi a morte de quatro menores, três
após darem entrada no hospital Souza Aguiar. Dois foram vitimados depois de serem capturados
pelos atiradores e empurrados para dentro de um carro. Receberam tiros no rosto e foram jogados
nas imediações da Candelária.”
PEDROSO, Regina C. Violência e cidadania no Brasil: 500 anos de exclusão. São Paulo: Ática, 2006. p. 70-71.
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Sociologia - 3a série - Volume 4
Texto 2
“Jardim Botânico, cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, 12 de junho de 2000. Ondas eletromagnéticas atravessam o éter da cidade maravilhosa para levar aos lares de milhões de brasileiros
pouco mais de cinco horas de imagens ao vivo de violência urbana, comum em muitas metrópoles.
As imagens revelavam que um jovem, ao tentar assaltar um ônibus, teve sua ação interrompida pela
polícia e pela imprensa, que cercaram o veículo. O assalto frustrado transformou-se, de um momento
para outro, em sequestro.
Dois anos depois, o diretor José Padilha realizou o documentário Ônibus 174, no qual retomou o
acontecimento mencionado acima para tentar compreendê-lo. Nesse processo, o cineasta apresentou
o principal protagonista do evento: Sandro do Nascimento – o sequestrador.
A artista plástica Yvonne Bezerra de Mello, que conhecia Sandro desde os tempos em que ela
desenvolvia um trabalho social com os meninos de rua da Candelária, em seu depoimento, informa
que Sandro, aos seis anos de idade, presenciou o assassinato violento de sua mãe na favela do Rato
Molhado. Sem ninguém para apoiá-lo – o pai desconhecido –, o menino acaba indo viver na rua, primeiro no Méier e depois na Zona Sul. Lá, afirma Yvonne, é mais fácil arranjar dinheiro com turistas.
Com os laços familiares desfeitos, a criança termina por se juntar a uma gangue de meninos de rua.
Sandro foi um dos meninos que sobreviveram ao massacre da Candelária.”
RAMOS, Paulo. R. A imagem, o som e a fúria: a representação da violência no documentário brasileiro. In: Estudos Avançados,
v. 21, nº 61, 2007. p. 228. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v21n61/a15v2161.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2009
Após a leitura dos textos, divida a turma
em grupos de três a quatro pessoas. Estabeleça
um tempo de trabalho e proponha as seguintes
questões para análise e reflexão:
a) Há alguma relação entre os acontecimentos descritos nos dois textos? Qual?
Sim. O Texto 2 refere-se à tentativa de
assalto de um ônibus, ocorrida em 2000,
cujo autor foi um menino de rua, testemunha
e sobrevivente dos acontecimentos descritos
no Texto 1, quando, em 1993, sete menores foram assassinados a tiros pela Polícia
Militar em frente à Igreja da Candelária, no
Rio de Janeiro.
b) Enumere cada um dos episódios violentos mencionados nos textos e coloque-os
em ordem cronológica. É possível identificar relações entre esses episódios?
1. Assassinato da mãe de Sandro. 2. O menino
se junta a uma gangue de meninos, primeiro
no Méier, depois em Copacabana. 3. Agressão e detenção de Neilton. 4. Apedrejamento
da viatura policial. 5. Ameaça dos companheiros de Neilton pela polícia. 6. Chacina da
Candelária, com morte de sete menores de
rua. 7. Tentativa de assalto do ônibus 174,
que se transforma em sequestro.
Sim, é possível identificar relações entre
esses episódios. A extrema exposição à violência levou o protagonista do sequestro a
vivenciar, durante a maior parte de sua vida,
a condição de “não cidadania” e exclusão
social, em que esteve sempre em grande risco
de vida. Embora não seja possível atribuir o
assalto e o sequestro do ônibus exclusivamente ao episódio da Candelária, o comportamento violento de Sandro está relacionado
à violência a que foi submetido durante toda
a sua vida.
c) Que outros fatores poderiam explicar os
fatos descritos nos Textos 1 e 2? Formule
algumas hipóteses e discuta-as.
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Etapa 1 – não cidadania e processos
de reprodução da violência e da
desigualdade social
Com base no que os alunos propuseram
para explicar a relação entre a violência policial, o massacre dos meninos da Candelária e o
sequestro do ônibus 174, sugerimos que você
realize esta etapa de forma dialogada com a
turma. No início da aula, enumere as hipóteses
referentes à questão c) formuladas na lousa e,
em seguida, distribua os alunos em um grande
círculo. Para começar a discussão, procure
reconstruir as condições sociais nas quais
Sandro e sua mãe viviam na favela do Rato
Molhado e, posteriormente, como menino de
rua com seus companheiros da Candelária.
Que tipo de vida esses meninos de rua levavam?
De que formas estavam expostos à violência?
Essas perguntas poderão ser respondidas de
diversas maneiras. Ouça as respostas dos
alunos e, em seguida, enfatize a situação de
vulnerabilidade social associada à condição
de “não cidadania”. Pergunte à turma o que
eles entendem por “vulnerabilidade social”.
Em seguida, peça a um voluntário para ler a
informação no boxe:
Por vulnerabilidade social podemos entender o resultado negativo da relação entre a disponibilidade de recursos (materiais ou simbólicos) dos indivíduos e o acesso à estrutura de oportunidades
sociais, econômicas, culturais que proveem do Estado, do mercado e da sociedade civil1.
1
ABRAMOVAY, Miriam et al., Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: desafios para
políticas públicas. Brasília: Unesco Bid, 2002.
Em outras palavras, as pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade social
dispõem de poucos recursos materiais (moradia
adequada, renda, acesso a serviços públicos
como saúde, energia, segurança) e simbólicos
(informação, educação, conhecimento, rede
de relações sociais) que lhes permitam participar social, econômica e culturalmente da sociedade, do mercado e da proteção do Estado. No
limite, quanto maior a vulnerabilidade, maiores são as chances de exclusão social.
Vejamos um exemplo: uma pessoa que não
é alfabetizada não tem acesso às informações
necessárias para o pleno exercício da cidadania; tem dificuldade ou mesmo incapacidade
de resolver problemas cotidianos, como obtenção de documentos, saber quais são os órgãos
competentes para tratar cada questão ou quais
são os serviços oferecidos pela rede de proteção
social do seu município, incluindo as entidades
não governamentais. Além disso, tem poucas
chances de obter uma colocação mais bem
remunerada no mercado de trabalho, conseguir um emprego formal e gerar renda suficiente para subsistir de forma digna.
Em seguida, coloque em debate a seguinte questão: A situação de vulnerabilidade social
está necessariamente ligada à violência e à criminalidade? Mais uma vez, ouça as respostas
dos alunos e então discuta. Estar em situação
de vulnerabilidade social não faz necessariamente com que as pessoas se envolvam com a
violência ou atos criminosos. Existe uma visão
de senso comum que tende a associar vulnerabilidade e exclusão social à deliquência.
Se isso fosse verdade, os índices de criminalidade observados na população mais pobre
seriam infinitamente maiores, quando apenas
uma pequena parcela dessa população efetivamente está envolvida em delitos. Por que
isso acontece?
Os fatores que atuam como geradores e
reprodutores da violência são anteriores às
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Sociologia - 3a série - Volume 4
condições materiais e simbólicas que entendemos por “vulnerabilidade social”. Eles só
podem ser compreendidos no interior de
relações sociais históricas entre grupos que
ocupavam posições hierárquicas distintas,
marcadas pelo conflito e pela dominação.
Nesse sentido, a situação de vulnerabilidade
social também significa o processo sistemático de exclusão de determinadas pessoas em
função da sua origem social, local de moradia, tipo físico, cor, postura, modo de vestir e
de falar, entre outros.
Na época do Império, os indivíduos que
mais causavam apreensão por parte do Estado
e da classe social mais favorecida eram os
desempregados sem moradia (chamados de
vadios), os capoeiras (que praticavam a capoeira ou outros rituais tradicionais africanos), os
escravos e os estrangeiros. Qualquer uma dessas pessoas que perturbasse a ordem poderia
ser presa e, no caso dos escravos, ser açoitada
ou ter a pena de morte decretada.
contribui para associar o pobre a um elemento perigoso para a sociedade.
“Esse mundo da desordem, construído
no imaginário da elite do final do século
XIX, nada mais era do que o oposto do
mundo do trabalho. Representava, dessa
forma, o elemento fundamental para a
reprodução das classes sociais. A existência do crime, da vagabundagem e da ociosidade justificava o discurso de exclusão e
perseguição policial às camadas populares
pobres e despossuídas.”
PEDROSO, Regina C. Violência e cidadania no Brasil:
500 anos de exclusão. São Paulo: Ática, 2006. p. 25.
Com o fim da escravidão, uma nova ideologia do trabalho passou a vigorar na sociedade brasileira. Quem estava desocupado passou
a ser malvisto. A ociosidade, encarada como
“vagabundagem”, passou a ser considerada um
“crime” e, como tal, passível de punição. A população mais pobre, especialmente os ex-escravos,
que não conseguiram se integrar ao mercado
de trabalho emergente após a abolição, tornou-se alvo preferencial do controle social do
Estado.
Porém a exclusão social do outro pode se
dar antes mesmo do enquadramento legal, ou
seja, antes que o delito seja cometido. As formas
de exclusão podem ser mais ou menos explícitas
e mais ou menos violentas, dependendo do
contexto e dos atores sociais envolvidos. Temos
como exemplo os casos dos moradores de rua,
dos moradores de bairros periféricos ou de favela, concebida como “foco privilegiado de criminalidade”, em que todos são suspeitos até que se
prove o contrário. Embora essa associação seja
feita tanto em relação aos homens como às
mulheres, ela é particularmente contundente no
caso do jovem do sexo masculino, morador da
periferia, principalmente se for negro ou pardo7.
A segregação de todo um conjunto de pessoas segundo determinadas características
socioeconômicas situam-nas no interior de
certos estereótipos sociais, tais como desocupado/vagabundo, vagabundo/perigoso, o que
Com base no que foi discutido até aqui,
coloque para a turma a seguinte questão: Quais
as motivações para o assassinato dos menores na
Igreja da Candelária e o desfecho do sequestro
do ônibus 174?
7
Segundo Guimarães (Guimarães Antonio Sérgio. Preconceito e Discriminação. São Paulo: Fundação de Apoio à
Universidade de São Paulo, Ed. 34, 2004), o que o faz ser confundido com um assaltante é o pressuposto, implicitamente
aceito na sociedade brasileira, de que a maioria dos que agem contra a lei é negra. A cor torna-se signo de origem
social, isto é, de um status atribuído ao negro que o torna suspeito, em princípio.
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Caso os alunos não se recordem, uma
das reféns foi morta e o sequestrador morreu sufocado pelos policiais a caminho da
delegacia.
Aguarde as contribuições dos alunos e aproveite-as para a finalização desta etapa.
As razões para a violência policial, embora
bastante complexas, podem ser entendidas no
escopo mais amplo das relações sociais, quando analisadas não apenas do ponto de vista das
instituições que organizam as forças de segurança pública, mas também do prisma de como
os próprios cidadãos, ao interagirem com elas,
exprimem suas expectativas, representações e
concepções acerca do que é segurança, policiamento e cidadania. A violência policial pode
ser compreendida a partir das concepções de
segurança pública hoje vigentes e do modo
como o “outro” (seja ele o criminoso ou apenas provável suspeito) é visto, pelos cidadãos e
por aqueles que detêm o “direito” ao uso legítimo da força. Solicite um voluntário para ler
os seguintes trechos:
Do ponto de vista sociológico, a identidade social dos indivíduos nunca é dada, mas sempre (re)
construída de forma mais ou menos (in)certa e duradoura na atividade com os outros. Como já foi
mencionado, no 1º ano do Ensino Médio, a atribuição de identidade (no caso aqui referido “criminoso” ou “suspeito”) pelas instituições e agentes que estão em interação direta com os indivíduos só
pode ser analisada dentro dos sistemas de ação nos quais o indivíduo está implicado e resulta de relações de força entre todos os atores envolvidos, bem como da legitimidade das categorias utilizadas.
Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.
“A ‘formalização’ legítima dessas categorias constitui um elemento essencial desse processo que,
uma vez concluído, se impõe coletivamente, ao menos por um tempo, aos atores implicados. O processo leva a uma forma variável de rotulagem, produzindo o que Goffman denomina de identidades
sociais ‘virtuais’ dos indivíduos assim definidos.”
DUBAR, Claude. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 139.
Nesse sentido, pode-se dizer que a violência
exercida pelas instituições de segurança pública
sobre determinados segmentos da população é
um desenvolvimento de processos mais amplos
de identificação e atribuição de categorias e classificações – que não necessariamente seguem
critérios técnicos na definição da infração – a
determinados grupos, anteriores ao uso legítimo da força na coibição da criminalidade.
Para os agentes de segurança pública, os
outros a serem reprimidos são definidos por
meio da dinâmica das condições sociais que
propiciam o aumento e a disseminação das
principais formas de violência e criminalidade.
Geralmente, segundo esses agentes, a violência
e a criminalidade são resultado da combinação
entre características sociodemográficas e da
ocupação do espaço urbano.
Porém os fatores geradores e reprodutores
da violência e da criminalidade não constituem
unicamente o resultado de determinantes socioeconômicas e espaciais características apenas do modo como as metrópoles vêm
se desenvolvendo historicamente e as populações vieram a se distribuir em condições desiguais nas diversas localidades. Na realidade, as
raízes da violência são muito mais complexas e
derivam dos conflitos inerentes aos processos
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de interação social entre membros de um mesmo grupo, ou entre membros de grupos sociais
diferentes. Do ponto de vista da análise das interações sociais, os mecanismos que explicam o
conflito só podem ser compreendidos no interior dos sistemas de ação nos quais ocorrem as
negociações identitárias entre indivíduos, nomeadamente, a atribuição de “identidades genéricas que permitem aos outros classificar
alguém como membro de um grupo, de uma
categoria, de uma classe”8. Tais atos de atribuição, entretanto, não correspondem necessariamente às “identidades para si” ou identidades
singulares que os próprios indivíduos se atribuem, gerando um “desacordo” entre a identidade social “virtual” conferida a uma pessoa e a
identidade social “real” que ela mesma se atribui.
Uma das resultantes mais importantes desse
processo é a “rotulagem” sistemática de determinados grupos sociais segundo “esquemas de
tipificação”9 em torno de um número limitado
de características socialmente significativas que
compõem uma imagem fluida do “elemento
suspeito” ou “subcidadão”, principal alvo das
ações e políticas de segurança pública.
O que está em debate não são apenas as
ações dos agentes de segurança e das instituições detentoras do “direito” de uso legítimo
da força sobre a população, mas o pressuposto subjacente a essa dinâmica de interações
sociais: a concepção de cidadania.
Há uma ampla literatura sobre o tema
no Brasil que reflete acerca da coexistência
de “cidadãos” e “não cidadãos” ocupando
diferentes posições na sociedade e, consequentemente, não dispondo dos mesmos direitos.
Como vimos, a situação de não cidadania
corresponde à não participação mínima no
conjunto dos direitos instituídos e legitimados10. Uma das formas mais contundentes de
manifestação da situação de “não cidadania”
é a separação entre infratores ou “criminosos” ou pessoas sob “fundada suspeita” e os
que são considerados cidadãos legítimos.
Proposta de Situação de avaliação
Solicite aos alunos que desenvolvam um
texto dissertativo com base no seguinte trecho:
Todavia, a situação de “não cidadania” não é geradora de violência somente em termos do delito ou da
suspeita do delito, mas contribui para a sua reprodução a partir do momento em que o acesso aos recursos básicos para a sobrevivência e o bem-estar não estão garantidos pelo Estado. As formas de violência
são muito mais sutis e têm suas raízes fundamentadas no modo como os diferentes grupos sociais interagem e atribuem uns aos outros categorias mutuamente excludentes, de “cidadãos” e “não cidadãos”.
Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.
Proposta de Situação de Recuperação
Oriente os alunos para explicarem, em uma
folha à parte, o que significa “não cidadania”,
fundamentando, com exemplos, de que forma
ela se manifesta na sociedade brasileira. Os
exemplos podem ser apresentados a partir de
estudos de caso, dados estatísticos, resultados
de outras pesquisas e informações obtidas em
livros, enciclopédias ou por meio da internet.
DUBAR, Claude. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 137.
BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1999.
10
CORRÊA, Rosália do Socorro da Silva. Discutindo cidadania com policiais militares da Paraíba. Revista Brasileira de
Segurança Pública, 2007. Ano 1, n. 2, p. 40-49.
8
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SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 3
O PAPEL TRANSFORMADOR DA ESPERANÇA E DO SONHO.
Tempo previsto: 4 aulas.
Conteúdos e temas: a elaboração da esperança e utopia; utopia e ação; a importância do sonho e
da esperança na transformação da realidade.
Competências e habilidades: reconhecer diferentes formas de atuação política; compreender a
importância da participação política; estabelecer uma reflexão crítica acerca da importância do
sonho e da esperança como transformadores da realidade social.
Estratégias: aula dialogada; pesquisa.
Recursos: discussão com a sala; letra de música e leitura de texto.
avaliação: texto dissertativo.
o papel transformador da esperança
e do sonho
Ao longo do bimestre discutiu-se a questão da não cidadania, da desumanização e
da coisificação do outro. Nesta Situação de
Aprendizagem o objetivo é o de estabelecer
com os alunos, uma reflexão sobre o papel
transformador da esperança, do sonho e da
importância da utopia como forma de resgate
da própria condição humana perdida no processo de coisificação. Para tanto, propõe-se
uma sensibilização inicial que os desperte para a questão do sonho e da esperança,
de tal forma que possam refletir sobre seus
próprios sonhos, esperanças e possíveis utopias. Após a sensibilização, na Etapa 1, eles
entrarão em contato com fragmentos da
trajetória de três líderes do século XX que,
valendo-se da utopia por uma sociedade mais
justa, também sonharam e alimentaram a
esperança, mas que procuraram, por diferentes
formas de ação política, transformar a vida
de pessoas que não conseguiam experimentar plenamente a cidadania, como também a
condição humana. São eles Nelson Mandela,
Martin Luther King e Mohandas Gandhi.
Infelizmente, não é possível discutir e debater de forma aprofundada as trajetórias desses
três líderes tão importantes para o século XX.
Dessa maneira, optou-se por escolher pontos
significativos da trajetória de cada um e qual
foi a utopia que marcou suas vidas. Outros
homens e mulheres poderiam ter sido escolhidos para essa discussão, mas optou-se por
esses três personagens que, incontestavelmente,
sonharam e tiveram a esperança transformada
em ação política. Caso você queira explorar a
trajetória de outras pessoas que, por meio de
utopias, também se dedicaram a tornar realidade o sonho e a esperança, sinta-se à vontade
para fazê-lo, seja na forma de uma aula expositiva ou dialogada, seja na de um trabalho a
ser entregue pelos alunos no final do bimestre
ou de qualquer outro meio.
Sondagem e sensibilização
Nesta Situação de Aprendizagem, a discussão sobre o papel da esperança e do sonho é
vinculada ao papel da ação na transformação
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Sociologia - 3a série - Volume 4
da realidade. Para sensibilizar os alunos sugerimos que eles leiam a letra da música Apesar
de você, de Chico Buarque. Você pode também
possibilitar que eles ouçam a música:
apesar de você
Chico Buarque
Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não.
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão, viu
Você que inventou esse Estado
Inventou de inventar
Toda escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia.
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar.
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Esse samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar, e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Ainda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria.
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa.
Apesar de você
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia.
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal.
1970 © Marola Edições Musicais.
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A sensibilização desta Situação de Aprendizagem envolve a leitura e/ou audição da
música, análise dela, pesquisa e uma redação.
Você pode iniciar a análise da letra da música de Chico Buarque Apesar de você por meio
das seguintes questões: Alguém conhece esta
música? Alguém já a ouviu? E quem conhece...
sabe que ela é uma música de Chico Buarque?
Em seguida, pode perguntar aos alunos
sobre o que eles acham que a música fala. Quem
vocês acham que é o “você” da música, nas frases de “Apesar de você”? Segundo a música, em
que condições as pessoas se encontram? Trata-se
de uma situação feliz e que permite a realização
delas? Que palavras o compositor usa para marcar
o desânimo, o medo, a incerteza, a perda das perspectivas e de liberdade? Divida a lousa no meio e
anote de um lado as respostas dos alunos e complete, se necessário: escuro, sofrimento, amor
reprimido, pessoas olhando para o chão, proibir,
pecado, tristeza, lágrima, penar. Em seguida,
peça aos alunos que apontem como Chico
Buarque constrói a imagem de outra situação,
que palavras ele usa para contrapor à situação
daquele presente tenso e desprovido de esperança. Espere a manifestação e anote as respostas
usando o outro lado da lousa, completando:
perdão, euforia, canto, águas brotando, gente se
amando, florescer, risos, renascer, poesia, claridade. São palavras que negam as outras, usadas
para reforçar a ideia da contradição que permite o surgimento de outra sociedade, de outro
momento de liberdade e afirmação das pessoas.
Explique para a classe a época em que essa música foi feita e o que pretendia transmitir: ela fala
da esperança e foi escrita por Chico Buarque no
período do regime militar para criticar a situação de nosso país e dizer que toda aquela opressão um dia, com certeza, terminaria. Expressa
a esperança de que tudo seria superado e que é
possível sonhar, pensar em um futuro em que
tudo seria diferente.
Não se esqueça de lembrá-los de que naquele período as pessoas não podiam estabelecer uma crítica
livre da situação vigente e que era necessário o uso de metáforas.
Chico Buarque – e outros compositores, como Geraldo Vandré, que se posicionaram criticamente
durante o período militar – escreveu várias outras letras de protesto e esperança. Entre as músicas da época
que estabeleceram uma crítica ao regime podemos citar, entre outras: Samba de Orly, Roda viva, Cálice, Pra
não dizer que não falei de flores e O bêbado e o equilibrista.
Etapa 1 – Esperança e utopia
Inicie esta etapa perguntando aos alunos:
Por que vocês acham que a esperança e o sonho
são importantes para a mudança?
Espere a manifestação deles e mostre-lhes
como a esperança e o sonho são necessários
para que a resignação não tome conta das
pessoas. Eles servem como estímulos à ação,
sedimentam-se na ação das pessoas, não significando, portanto, uma espera passiva. Logo,
a esperança é a base da superação da realidade.
Em uma sociedade marcada por injustiças
e desigualdades, na qual as pessoas estão envolvidas em tensa complexidade social, constrangidas pelos poderes do Estado e das instituições,
a esperança expressa o inconformismo, a insubmissão. Ela sinaliza para os indivíduos um
campo de possibilidades, no qual as criatividades social e política dão o sentido de uma ação
inovadora e insurgente para todos aqueles
que carecem de liberdade, de imaginação e de
esperança. A esperança nos ajuda a escapar
do conformismo do silêncio e da conivência, a
elaborar a resistência contra a exploração e
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a injustiça que produzem a desumanização e a
coisificação das pessoas.
O texto a seguir estabelece uma reflexão poética dessa questão. Peça para que um aluno o leia:
“O hoje e seu ser permanecem latentes nos desafios do possível e nas novas opressões derivadas
da estatização da esperança e da institucionalização das carências sociais e políticas. É na insubornável e teimosa rebeldia dessa latência que o hoje pode ter sentido como amanhã, como esperança e
não como espera, como sociedade e mundo tecidos a cada hora do dia, sem medo nem conformismo.
O possível compreendido nas iniquidades sociais do impossível e repetitivo, o sonho invadindo a vigília, o novo nascendo como rosa no meio dos espinhos, sem o que a rosa não teria cor nem sentido.”
Texto de José de Souza Martins.
Pergunte aos alunos o que eles entenderam
do texto e aproveite para esclarecer o sentido de
alguns termos que não tenham compreendido,
como, por exemplo, a palavra latente. Se o hoje
permanece latente, significa que ele permanece não manifesto, ou seja, como que oculto ou
encoberto, mas já contendo em si as possibilidades de superação da opressão e das carências
sociais e políticas, como desafios e rebeldias que
se constituem como prenúncio do futuro. Ou
o esclarecimento do que se pode entender por
possível. O possível, no texto, refere-se ao que
é o historicamente possível. O presente, o hoje,
já contém em si aquilo que pode ser; já contém
as possibilidades do futuro, do amanhã. Dado
o cenário de contradições, o possível indica o
que a sociedade pode ser, mas não é. A sociedade não realiza o que poderia ser porque há
fatores de bloqueio dessa possibilidade, isto é, a
repetição, ou seja, a reprodução das condições
sociais se sobrepõe à inovação. É importante que eles apreendam que, mesmo nas condições mais difíceis, marcadas por todo tipo
de carências, é preciso rebelar-se contra o conformismo e a apatia, construindo sonhos e
esperanças que, ao reconhecerem as limitações
do presente, trazem consigo a possibilidade de
criar um futuro negador desse presente. É nesse
sentido que a esperança permite a elaboração
de utopias.
Pergunte aos alunos se eles sabem o que significa a palavra utopia. Você pode escrevê-la bem
grande na lousa e estimular para que o maior
número de alunos expresse o seu entendimento.
Explique, então, que, segundo o Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. Curitiba: Positivo 2004, p. 2028 a palavra utopia é uma palavra
do latim moderno, mas, tem origem grega: u =
não + tópos = lugar. No sentido estrito designa
um não lugar, ou seja, algo que não existe.
De maneira geral é usada para explicar um
lugar que não existe, ou uma ideia que não pode
ser realizada, algo que se ligaria mais à fantasia,
e não à realidade. Neste Caderno não é esse o
sentido do uso do termo utopia que é proposto.
Aqui a utilização do termo baseia-se na obra
Ideologia e utopia, do sociólogo Karl Mannheim.
Karl Mannheim nasceu em Budapeste, na Hungria, em 1893 e faleceu em Londres em 1947.
Iniciou sua carreira como pensador político e em 1926 começou seu trabalho como sociólogo, como
professor na Universidade de Heidelberg e, mais tarde, na de Frankfurt, Alemanha. Fugindo ao
nazismo, do qual foi um dos maiores críticos, transferiu-se para a Inglaterra em 1933, onde foi professor na London School of Economics. Entre seus livros temos ainda O homem e a sociedade e
Diagnóstico de nosso tempo. Foi um sociólogo que procurou, entre outras questões, abordar em seus
textos uma reflexão sobre a razão, observando-a de um ponto de vista crítico.
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Peça que um aluno leia o trecho a seguir:
Para Mannheim, utopia consiste em um sistema de pensamento elaborado em determinado
contexto histórico e social, mas que se põe em desacordo com ele. Ou seja, em uma determinada
época, em grupos com consciência de suas carências e necessidades, surgem ideias e valores que
transcendem os limites da realidade. É no presente tenso e contraditório, portanto, que surge a utopia que consegue romper a ordem existente e conduzir a outra ordem. Nesse sentido, a utopia orienta
a conduta dos indivíduos em direção a objetivos que visam a transformar a realidade histórica.
Elaborado especialmente para o São Paulo faz Escola.
Você pode iniciar uma discussão com os
alunos com o objetivo de apontar as principais contribuições do texto para esta aula. É
preciso mostrar inicialmente que, de maneira geral, a palavra utopia muitas vezes é vista
de forma negativa, pois é associada como uma
busca inútil por algo que nunca existiu e nem
existirá, de algo “afastado da realidade”. Mas
em Mannheim encontramos o uso positivo do
termo, ou seja, a utopia como algo que pode
ser realizado. Para esse autor, a utopia não é o
mero fantasiar, ou o sonho de um ideal que não
pode ser concretizado. Ele resgata a ideia de
que a utopia pode, sim, ser realizada, desde que os indivíduos ajam de forma a abalar
a ordem existente. Ou seja, o estado de espírito utópico que transcenda a realidade deve ter
a tendência de se materializar em uma ação
transformadora. Nesse sentido, a utopia não é
mero sonhar ou fantasiar outra situação, mas
está ligada a uma ação para mudar a situação
atual. A precondição para que ela exista é a
construção de sonhos, é alimentar a esperança, acreditar na utopia e evitar a resignação ou
o conformismo.
Pergunte aos alunos o que eles entendem
por resignação. Deixe-os se manifestar e aproveite as intervenções mais interessantes para
questioná-los sobre o significado de resignação. É provável que alguns não conheçam a
palavra e que seja necessário escrevê-la na lousa ao lado de utopia.
A utopia tal como é aqui proposta é o oposto da resignação. Resignar-se é aceitar a realidade tal como ela é, é conformar-se e submeter-se
a ela e, dessa forma, colaborar para que as coisas continuem a ser como são, que a sociedade
não se transforme e que a exploração e as iniquidades se reproduzam. Mas o que esta discussão a respeito da esperança e da utopia pretende
é acentuar a importância da não resignação, da
existência da esperança e do sonho e da importância de buscar concretizar as utopias.
E qual é a importância da construção de
utopias?
A utopia parte de uma crítica do presente.
Não é, portanto, algo puramente fantasioso ou
fruto da imaginação, pois a sua constituição
decorre de reflexões sobre a realidade. Mas isso
não é suficiente. É necessário que as pessoas a
assumam como diretriz de sua participação na
luta pela recuperação dos direitos de uma cidadania plena, que só é possível com a transformação da sociedade e com a reformulação dos
comportamentos e dos sonhos dos homens.
Mas como concretizar a utopia? Como
torná-la viável?
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Coloque essas questões para os alunos,
enfatizando a importância da reflexão a esse
respeito. Você pode adiantar que os três
líderes que serão discutidos na sequência
orientaram-se por utopias e conseguiram realizar parte delas. A análise da biografia desses
líderes permitirá perceber como eles se transformaram em sujeitos da história, ou seja,
foram capazes de construir o próprio futuro.
Mas não um futuro somente para eles em particular, mas para a sociedade em que viviam, a
partir não de uma luta solitária, e sim da união
de muitas pessoas em torno da realização da
utopia. E foi isso que Mandela, Gandhi e
Martin Luther King fizeram. Eles não lutaram
sozinhos. Na verdade, estabeleceram diferentes
formas de envolver o maior número possível
de pessoas em suas lutas pela concretização de
suas utopias.
Neste momento, chame a atenção dos alunos para duas palavras: construção e concretização. Você pode escrevê-las na lousa,
enfatizando que para a transformação do presente é preciso construir utopias e que, para
concretizá-las, as pessoas precisam moldar
sua vida por meio da ação. Ou seja, a utopia,
para ser concretizada, necessita do engajamento, da participação ativa das pessoas. Porém
não de um engajamento de apoio moral por
meio de palavras, mas sim por meio de ações
que mudem a realidade social. Como Lição
de Casa, peça para que os alunos realizem um
pequeno trabalho em grupo, sendo que cada
grupo deve ficar responsável por trazer em seus
cadernos mais uma letra de música que fale
sobre a esperança, o sonho e a utopia de dias
melhores, sem se esquecer de indicar o nome
da música e o do compositor.
Para essa pesquisa, eles podem obter dados
na internet, bibliotecas, jornais etc. Mas também podem conversar com seus familiares, pais,
tios, avós e primos e perguntar se eles se lembram de alguma letra de música que fale sobre
esperança, sonho ou utopia. Devem, ainda,
preparar um cartaz com a letra da música e, se
possível, trazê-la gravada para que possa ser
ouvida em sala de aula.
Etapa 2 – o papel transformador da
esperança e da utopia
Para iniciar esta etapa, recorra à pesquisa realizada pelos alunos como Lição de
Casa. Peça que cada grupo fixe o cartaz com
a música escolhida, de forma que os colegas
possam circular pela sala, ler as letras e conversar entre si sobre elas. Ou você pode pedir
para que cada grupo apresente a música escolhida, dizendo o seu nome, os compositores,
lendo a letra para a sala e, se possível, colocando a gravação para que os demais alunos
possam ouvi-la.
Você pode organizar uma votação entre
os jovens e pedir que escolham a música que
acham mais bonita ou aquela que faz a crítica mais dura à realidade. Essa é uma forma lúdica de iniciar a apresentação dos três
líderes que, com sua luta, conseguiram nos
mostrar o papel da esperança e da utopia na
transformação da realidade social.
Nossa sugestão é a de que comece a aula
com Gandhi, pois ele e a sua política da não
violência influenciaram tanto Mandela como
Luther King. De qualquer forma, sinta-se
à vontade para completar as informações
aqui apresentadas. O objetivo desta etapa
não é o de estabelecer de forma minuciosa as
trajetórias desses líderes, mas pontuar como
eles procuraram dar forma aos seus sonhos e
esperanças por meio da participação política, no sentido de concretizar suas utopias de
uma sociedade melhor.
Você pode começar esta etapa pedindo para
que um ou mais alunos leiam o texto a seguir:
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Mohandas Karamchand Gandhi nasceu em Porbandar
em 2 de outubro de 1869. Sua família pertencia à subcasta dos vaixás (mercadores e agricultores). Ele casou-se com 13
anos – o que era costume na Índia – e viveu com sua esposa
por mais de 60 anos, até ela falecer.
Gandhi formou-se em Direito na Inglaterra e exerceu essa
profissão na África do Sul durante certo período de sua vida.
Também foi na África do Sul que ele iniciou sua luta pela
melhoria de vida dos indianos que ali residiam. Na época,
ela também era colônia da Grã-Bretanha, assim como a
Figura 1 – 12 mar. 1931, Índia: Gandhi fala
Índia, terra natal de Gandhi.
para alguns de seus milhares de seguidores no
No final do século XIX, muitos indianos migravam para a gramado da casa do Dr. Ansari.
África do Sul a fim de obter melhores condições de vida, uma
vez que a situação de fome e miséria na Índia era ainda pior
do que o preconceito que enfrentavam ao emigrar. Na África do
Sul, eram proibidos de ficar nas ruas após as 21 horas e precisavam viver em guetos. Também não podiam possuir terras
e eram obrigados a pagar uma taxa anual de residência pelo
simples fato de serem indianos.
A sensibilização de Gandhi para as questões sociais ocorreu numa viagem de trem. Ele estava na primeira classe e foi
abordado por um homem branco que se recusou a viajar no
mesmo vagão que ele por conta de sua cor. Como havia comprado o bilhete para a primeira classe, Gandhi achou que era Figura 2 – Uma procissão de mulheres em Mumbai,
seu direito ali permanecer. O homem saiu e voltou acompa- Índia, durante uma campanha satyagraha.
nhado por oficiais que exigiram sua retirada para o vagão da
terceira classe. Como ele se negou a sair, foi empurrado para
fora do trem.
Tal episódio o fez tomar consciência dos problemas dos indianos na África do Sul e a iniciar sua luta pela melhoria das
suas condições de vida. Uma luta que começou pela indignação
com as condições de vida dos indianos na África do Sul e continuou na Índia, tomando a forma da utopia transformadora.
Vários livros influenciaram suas ideias na construção de sua
utopia por uma vida em sociedade melhor, como, por exemplo,
o Bhagavad-Gita, que mostra o diálogo entre Arjuna e Krishna a respeito do sentido da vida e é considerado a expressão
máxima da literatura da Índia antiga. Ao lê-lo, foi profundamente influenciado pelo conceito de ahimsa (não violência) que
encontrou. Achava que o Bhagavad-Gita estimulava uma vida
de desprendimento material e usou-o como principal fonte de
apoio espiritual na sua luta. Acreditava que a busca por bens
materiais o atrapalharia na realização de sua utopia e isso inFigura 3 – Mahatma Gandhi e seguidores na
fluenciou-o de tal forma que, em 1906, com menos de 40 anos, Marcha do Sal, 1930.
fez o voto de castidade que manteve por toda a sua vida.
Outras ideias que o influenciaram foram encontradas na tradição cristã expressa no Novo Testamento,
no preceito cristão de dar a outra face e no Sermão na Montanha. Além disso, foi marcado pelos livros
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Até as últimas, do pensador inglês do século XIX John Ruskin, que enfatizou a igualdade de valor para todo
o tipo de trabalho e, acima de tudo, a dignidade do trabalho manual, e Desobediência civil, do norte-americano Henry Thoreau, que considerava um dever de todo cidadão resistir à injustiça do governo.
A partir disso, Gandhi começou a realizar trabalhos manuais, como a limpeza da própria casa. Tendo
isso em mente, fundou a comunidade autossuficiente Phoenix (essa foi uma das várias comunidades que
fundou ao longo de sua vida tanto na África do Sul como na Índia). Apesar de já ser vegetariano, restringiu sua dieta a alimentos crus e começou a fazer jejuns. Mais tarde, os jejuns foram usados como forma de
convencimento em seus protestos não violentos.
Quando retornou à Índia, em 1913, já era conhecido como defensor dos direitos humanos contra
a discriminação na África do Sul e como um homem que acreditava na resistência não violenta. Passou a
fiar a própria roupa e desapegou-se totalmente dos bens materiais.
Na Índia, fundou outra comunidade autônoma.
Ali todos os residentes deveriam jurar abster-se de carne, sexo e álcool. Ele pregou a resistência à dominação e
o boicote aos produtos britânicos por meio da não violência e da desobediência civil. Envolveu-se em muitas
causas e foi preso diversas vezes. Na verdade, cada vez
que desobedecia uma lei esperava ser preso e com isso
mostrar a sua injustiça. Mas a maior de todas as causas
pelas quais lutou foi a da libertação da Índia, fato que só
veio a ocorrer em 1947, pouco antes de seu assassinato, em
1948, por um radical hindu.
Figura 4 – Mahatma Gandhi usando uma roca
Gandhi pensava não só na libertação da Índia do jugo de fiar, Índia, 1925.
inglês, mas também era a favor de uma profunda transformação da sociedade indiana bem como da convivência pacífica entre hindus e muçulmanos, que eram os
representantes das principais religiões da Índia e que viviam em antagonismo. Infelizmente, essa parte de
sua luta ele não conseguiu realizar, pois a independência da Índia ocorreu simultaneamente à criação
do Paquistão. Dessa maneira, o território indiano passou a ser dividido em dois: de um lado a Índia,
hinduísta, e de outro o Paquistão, muçulmano.
Ele foi ainda um defensor do fim da intocabilidade dos dalits, também conhecidos pelo nome de intocáveis. A Índia era marcada oficialmente pelo sistema de castas. Segundo esse complexo sistema, boa
parte da vida de uma pessoa já está traçada ao nascer, uma vez que ele determina o local de moradia,
sua profissão e casamento e, especialmente, o seu lugar na sociedade. Os dalits, ou intocáveis, eram pessoas sem castas e com isso estavam fadados a ser excluídos da sociedade indiana, pois eram considerados
impuros. A eles eram destinados os piores trabalhos, como lidar com os mortos, desentupir esgotos etc.
Pouco depois da morte de Gandhi, o sistema de castas foi oficialmente abolido por lei. Entretanto, nunca
deixou de existir de fato e, embora informalmente, ainda é um meio importante de estruturação da sociedade indiana.
Gandhi chamava os dalits de “filhos de Deus” e considerava a questão da intocabilidade um grave problema do hinduísmo. Entretanto, nunca foi contra o próprio sistema em si, pois o que ele criticava era a
hierarquia que o sistema criava e que gerava a exclusão social de milhões de pessoas no país, mas não o
fim dele. De qualquer maneira, sua preocupação com essa parte da população simplesmente ignorada pelos demais foi um importante passo na realização de sua utopia de uma sociedade melhor. Como forma
de realizar seu intento, ele chegou até a limpar latrinas de dalits, o que chocou a sociedade indiana. Por
sua abnegação e ajuda ao próximo, bem como pela forma exemplar como viveu, passou a ser chamado
ainda em vida de Mahatma, ou seja, grande alma.
Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.
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Você pode questionar os alunos para saber se já conheciam Gandhi e suas ideias. Verifique também o que lhes chamou mais a
atenção no texto. Muitos talvez se impressionem
com a questão da abstinência e da vida frugal
que ele procurou levar em parte de sua existência.
Mas não deixe que isso distraia a classe. O texto na verdade é uma introdução para a questão
das formas de participação política e da utopia
de Gandhi para uma sociedade melhor. Não se
esqueça de salientar que a forma escolhida por
ele para mobilizar as multidões era servir como
exemplo para as pessoas. Por isso limpou as latrinas dos dalits e passou a fiar a própria roupa,
entre outras ações.
Retome agora com eles a questão do
engajamento e da importância da ação para
a realização das utopias. Para pensar a construção das utopias, discuta com os jovens
sobre a parte do texto que destaca a importância da leitura de uma série de livros para a
construção de suas ideias. Procure mostrar o
importante papel da leitura na construção de
sua utopia. Por fim, você pode fazer com eles
uma lista das ações de Gandhi e das causas
em que atuou que aparecem no texto, pedindo-lhes que anotem isso em seus cadernos.
É preciso explicar ainda para a classe o
que foi a sua política de não violência e de
desobediência a que o texto se refere.
Comece pela não violência, também
conhecida pelo nome de satyagraha, palavra que pode ser traduzida como “a força da
verdade”. Ela foi escolhida por Ghandi para
expressar a forma de protesto político que
ele passou a executar. Depois que teve contato com a obra de Thoreau, passou a chamar
sua ação de desobediência civil. A denominação “resistência pacífica”, que muitos usaram
para expressá-la, não era do seu agrado, pois
ele acreditava que satyagraha pressupunha
uma grande vontade interior. Ghandi se
considerava e procurava ser um satyagrahi, ou
seja, alguém que pratica a satyagraha, o que
significava não somente evitar a violência, mas
também ser amável e pensar bem dos opositores, pois sua luta não era contra indivíduos,
mas contra os males do sistema colonial.
Para isso, fez, entre outras coisas, vários
jejuns públicos como forma de pressão pelo
resto de sua vida, além de escrever em jornais e editar panfletos. Para ele, o jejum não
era um tipo de chantagem, mas uma forma
de fazer a outra parte perceber o que era
correto e concordar com ele. Seus jejuns
mobilizaram o país em torno das questões
que ele defendia.
Também organizou greves. A primeira
ocorreu em 1919, e o país inteiro parou. Para
Gandhi o povo não deveria simplesmente
parar de trabalhar, mas sim rezar e jejuar
nesse dia.
Depois, sem deixar de lado a satyagraha
como forma de vida, estabeleceu um novo
método de resistência: a não cooperação.
Esse era um termo criado por ele para explicar o boicote que propôs a tudo o que fosse
inglês, de tribunais até empregos, escolas, roupas etc. Ela relacionava-se com a sua utopia
de uma Índia menos miserável. Para isso, elaborou a campanha de não cooperação em
estágios cuidadosos, na tentativa de impedir
a desordem geral. Pediu à população o boicote dos tecidos ingleses. Cada um deveria fiar
a própria roupa e, assim, a tecelagem manual
voltaria a vigorar no país. Ele mesmo passou
a usar uma tanga de tecido rústico, típica das
camadas mais pobres da população.
Entretanto, nenhum gesto seu chamou
tanto a atenção do mundo como a Marcha
do Sal, em 1930. Para discuti-la, você pode
pedir a um aluno que leia para a classe o texto a seguir.
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O sal era um produto caro e muitos indianos não tinham como adquiri-lo, pois os ingleses o vendiam a preços exorbitantes. Ao mesmo tempo, os indianos eram proibidos de produzir sal. Gandhi então
teve a ideia de rumar ao litoral para consegui-lo. Começou a marcha com apenas alguns seguidores, mas
logo milhares de pessoas se uniram a eles numa jornada de aproximadamente 24 dias até encontrar o mar.
Ao encontrá-lo, Gandhi entrou no mar, orou e com uma panela pegou um pouco de água. Com a evaporação da água conseguiu produzir sal. Assim, infringiu a lei que impossibilitava os indianos de produzir
o próprio sal. Estimulados por ele, logo todos os pobres ao longo da costa começaram a encher panelas
de água do mar e extraí-lo quando a água secava. Essa marcha deu autoconfiança aos indianos para não
mais temer os ingleses, pois viram que era fácil não cooperar. Milhares de pessoas foram presas em toda a
Índia simplesmente porque produziam o próprio sal. Os presídios ficaram repletos.
Apesar da repressão, a não violência e a não cooperação prevaleceram, e o governo colonial britânico
ficou numa situação desagradável perante a opinião pública mundial, uma vez que as pessoas eram presas
e sofriam violência pelo motivo banal de deixar a água secar numa panela como forma de obter sal. Com
essa ação, Gandhi mobilizou e sensibilizou não só a sociedade indiana, mas também a opinião pública
mundial. A não cooperação, aliada ao boicote dos produtos, teve grande efeito econômico. E só assim o
governo britânico começou a cogitar a independência da Índia, fato que ocorreu em 1947, quase 20 anos
após a Marcha do Sal, depois de muitas outras ações, jejuns e embates com o governo britânico.
Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.
Com base na aula e no texto apresentado,
pergunte aos alunos se eles conseguem dizer
qual era a utopia de Gandhi. Que sociedade
ele queria superar e qual a que ele almejava
no futuro. Deixe-os se manifestar e anote na
lousa as suas contribuições. Em seguida, você
pode perguntar sobre o que acharam de mais
interessante na forma de ação política de
Gandhi e dos meios que utilizou para que sua
utopia pudesse ser realizada. Um ponto
importante para a reflexão com os alunos é
discutir o que a Marcha do Sal representou
para os indianos em termos da possibilidade
de resgate de sua condição humana e da dignidade, cerceadas durante a ocupação inglesa e
pelo contexto marcado por carências sociais
e políticas, violência, preconceitos e exclusão
social.
Os indianos eram proibidos até de produzir o próprio sal, e o gesto simbólico de Gandhi de pegar a
água e deixar que ela evaporasse mostrou-lhes quão injustas eram as leis impostas pelos ingleses. Por meio
dessa ação ele mostrou aos indianos a possibilidade de resgate de sua condição humana, de se tornarem
novamente senhores de si e sujeitos de sua própria história. A rebeldia expressa nesse pequeno gesto é portadora do futuro, é recusa e afirmação, é esperança que se materializa na utopia transformadora.
Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.
Como forma de exercício em sala de aula,
peça que escrevam em seus cadernos:
a) o que significou a satyagraha no projeto de
ação política utópica de Gandhi;
d) o que foi a Marcha do Sal e qual a sua
importância para o processo de independência da Índia;
b) por que ele jejuou ao longo de sua vida;
e) o que a Marcha do Sal representou para os
indianos em termos da possibilidade de resgate da condição humana e de sua dignidade.
c) o que é a não cooperação proposta por ele;
Ao final dessa discussão, os alunos devem
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ter compreendido como Gandhi desenvolveu
um sistema de participação política baseada
na não cooperação e na não violência como
forma de realizar sua utopia transformadora
da realidade social.
nelson mandela – Nelson Rolihlahla Mandela nasceu em 1918 no país que hoje chamamos de África do Sul.
Seu nome xhosa “Rolihlahla” pode ser traduzido aproximadamente como “aquele que incomoda”.
Para compreender sua trajetória e a construção utópica de uma sociedade livre de
preconceitos e discriminação é preciso entender primeiro o contexto da África do Sul. Para
tanto, você pode inicialmente perguntar aos
alunos o que eles lembram da discussão feita
na disciplina de História no primeiro bimestre
sobre o imperialismo. Tanto a luta de Gandhi
como a de Mandela estavam intimamente
ligadas a ele. O texto a seguir o ajudará a contextualizar os problemas pelos quais passava
a África do Sul na época de Mandela.
o contexto da áfrica do Sul no início do século XX
Ao contrário de países como o Brasil, cuja população indígena foi drasticamente dizimada em consequência de guerras e moléstias trazidas pelos europeus, na África a situação era outra, pois a grande
maioria da população era de africanos negros submetidos ao jugo de uma minoria branca.
Para isso havia toda uma legislação que segregava os negros e outros grupos étnicos. Há autores que
afirmam que o apartheid começou com essa legislação por meio do Ato das Terras Nativas, de 1913, e a
Lei do Passe e outras que marcam o seu início apenas no ano de 1948, quando a palavra passa a ser usada
oficialmente para designar uma política que o governo denominou de “desenvolvimento separado”, mas
que, na verdade, só serviu para estabelecer uma política ainda mais segregacionista em relação aos negros
e outros grupos considerados não brancos.
O Ato das Terras Nativas tirou os negros de suas casas e estabeleceu que eles deveriam morar em
áreas “especiais”, que nada mais eram do pequenas reservas dentro do território africano. Com esse ato, a
minoria branca ficou com 87% do território e a maioria negra com apenas 13%. Os africanos negros eram
proibidos ainda de comprar terras fora dessas reservas, o que impossibilitava que os agricultores tivessem
sua própria terra. Dessa forma, foi estabelecido um exército enorme de mão de obra barata que não tinha
acesso à propriedade.
Já a Lei do Passe restringia a movimentação da população negra, pois, por meio dela, os negros foram
obrigados a ter uma espécie de passaporte para poder circular pelo país. Somente uma pequena parte da
população negra podia viver nas cidades. Eles só podiam entrar nas cidades para trabalhar e eram obrigados a deixar suas famílias nas reservas e fazer longas jornadas de ida e volta ao trabalho. Sem o passaporte, não conseguiam emprego nem podiam viajar. Eles deveriam levá-lo sempre consigo, pois sua
apresentação poderia ser exigida a qualquer momento por um branco. Aquele que não estivesse com o
seu podia ser preso ou até perder o emprego.
Desde 1927, era proibida toda relação sexual entre negros e brancos fora dos laços do matrimônio.
Mas a segregação institucionalizada como política de governo com um nome definido iniciou-se em 1948,
com a vitória do Partido Nacional. Em 1949, foram proibidos os casamentos entre negros e brancos, e
logo depois qualquer relação inter-racial sexual passou a ser proibida.
Daí seguiu-se uma série de outras leis segregacionistas. O regime de apartheid só terminou no final da
década de 1990, depois que Nelson Mandela foi eleito presidente da África do Sul e iniciou o processo de
fim desse regime.
Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.
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a) o que foi o Ato das Terras Nativas;
b) em que consistiu a Lei do Passe;
c) o que foi o apartheid, quando se deu seu
início e como ele terminou;
d) outras leis segregacionistas da época de
Mandela.
Feito isso, pode continuar a explicação
sobre sua trajetória e a construção da utopia
de uma África do Sul melhor. Mandela, assim
como Gandhi, também formou-se em Direito.
E foi no período em que era estudante universitário que se envolveu na oposição ao regime
que negava, à maioria da população, direitos
políticos, sociais e civis, fosse ela negra ou de
imigrantes (como os indianos, por exemplo).
Segundo os afrincânderes (brancos nascidos
na África do Sul, de origem holandesa), os
“graus de civilização” e as diferenças culturais
entre negros e brancos e mesmo entre os negros
criavam diferenças tão grandes que era necessário
que os negros tivessem um desenvolvimento separado dos brancos. Com essa justificativa, dividiram os negros em dez grupos, sob a alegação
de que pertenciam a culturas muito diferentes
entre si. Cada grupo deveria ficar numa reserva.
Você pode formular algumas questões: O
que vocês acham dessa atitude? Quem vocês
acham que era beneficiado com a segregação
de negros e de outros grupos e a separação dos
negros em diferentes grupos?
Na verdade, as diferenças entre os brancos
(ingleses e africânderes) eram maiores do que
as diferenças entre os negros. Mas a divisão
criava antagonismos entre os negros e foi uma
forma de atrapalhar uma possível união entre
eles, o que favorecia a dominação branca.
Não se esqueça de apontar para os alunos
que, em 1942, Mandela filiou-se ao Congresso
Nacional Africano (CNA), que era o partido
de oposição ao regime naquele período. E, em
1944, junto com alguns amigos, formou a Liga
Jovem do CNA. Entretanto, foi somente após
as eleições de 1948 e da institucionalização da
política do apartheid que ele se tornou mais
ativo.
No início de sua ação política, Mandela foi
profundamente influenciado pelas ações não
violentas dos indianos em suas reivindicações, as quais eram marcadas pelas ideias de
Gandhi. Dois exemplos disso são a Campanha
de Desafio, que ele coordenou em 1952, e o
Congresso do Povo, no qual seu partido, juntamente com outras associações, divulgou a
Carta da Liberdade em 1955. O texto a seguir
o ajudará a discutir isso com os jovens. Você
pode pedir para que algum aluno o leia em
voz alta:
A Campanha de Desafio de 1952 consistiu em uma operação que desafiava
a Lei do Passe. Os dirigentes do CNA declararam que, se o governo não revogasse várias leis ligadas ao apartheid, o partido iniciaria uma campanha de
boicote à legislação. Para isso, ele viajou pelo país recrutando voluntários. A
estratégia era a de não violência e de aceitar o sofrimento sem retaliação. Em
1952 eles iniciaram a campanha cantando e gritando por liberdade. Logo ela
se espalhou pelo país, mas foi fortemente contida pela polícia. A campanha
havia começado em junho e ao final dela, em dezembro, mais de 8 mil manifestantes estavam na cadeia. Mandela foi preso, condenado a ficar afastado de
Johannesburgo por dois anos e a não participar de reuniões políticas. Apesar
© Peter Turnley/Corbis-Latinstock
Como forma de exercício em sala de aula
para verificar se eles compreenderam o contexto da época de Mandela, você pode pedir que
expliquem em seus cadernos:
Figura 5 – Nelson Mandela,
em discurso de 1990 em
Soweto, na África do Sul.
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do aparente fracasso da campanha, já que nenhuma lei foi revogada,
ela, na verdade, foi uma forma de mostrar o potencial das massas
sul-africanas e de estabelecer entre eles não apenas o sonho e a esperança, mas a possibilidade de uma utopia concreta de uma sociedade
igualitária. Também mostrou que o CNA era um representante das
aspirações do povo, uma vez que ao final de 1952 o número de membros do partido havia passado de 20 mil para mais de 100 mil. A
filiação política das pessoas mostrou que elas deixaram de lado a resignação e aceitação das condições vigentes e que começaram a lutar, Figura 6 – Nelson Mandela, em
por meio de ações como essas, pela concretização de seus sonhos.
discurso de 1993, em East Rand,
África do Sul.
A Carta da Liberdade de 1955 era um documento que não só a
população negra, mas também a indiana e até dissidentes brancos, escreveram como um documento que oficializava sua indignação com a
situação existente. Ela foi lida em várias línguas e foi o resultado da
união de diversos congressos: o CNA, o Congresso Indiano, o Congresso dos Sindicatos e o Congresso dos Democratas (este último
formado por brancos) no Congresso do Povo. Durante o Congresso
do Povo, 3 mil delegados se reuniram e a Carta da Liberdade foi lida
em público. Todos os seus itens foram aprovados por aclamação.
No segundo dia de reunião do Congresso, policiais armados subiram Figura 7 – Placas de sinalização
ao palco e confiscaram todo o material a ser usado e o encontro foi indicando áreas permitidas para
suspenso. Esse documento foi tão importante que serviu como plata- brancos e negros na África do Sul.
forma política dos adversários do apartheid 30 anos depois do
Congresso do Povo.
Em 1956, as autoridades prenderam Nelson Mandela e decidiram condená-lo à morte por crime de
traição. No entanto, a repercussão internacional de sua prisão e julgamento serviram para que o líder
fosse libertado. O julgamento durou aproximadamente cinco anos e, em 1961 ele foi declarado inocente.
Mas, em 1962, foi novamente preso e condenado à prisão perpétua em 1964. Só foi libertado em 11 de
fevereiro de 1990, depois de 27 anos, por ordem de Frederic De Klerk, o presidente na época. Mandela
tinha 72 anos. Em 1994 foi eleito presidente do país na primeira eleição multirracial da África do Sul.
Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.
Para a discussão do texto você pode sugerir
aos alunos que procurem estabelecer uma relação entre essas duas campanhas e a Marcha
do Sal de Gandhi, tendo como referência os
objetivos desses dois líderes.
O que vocês acham que a Marcha do Sal, a
Campanha de Desafio e o Congresso do Povo têm
em comum? Deixe-os se manifestar e, caso seja
necessário, explique que nos três casos eles não
procuraram lidar sozinhos com os problemas.
Na verdade, contaram com o apoio de milhares
de pessoas, pois a concretização de utopias só é
possível pela ação engajada de muitos.
No caso de Mandela, como ele fez isso? Na
Campanha de Desafio ele viajou pelo país e
buscou voluntários nos mais diferentes lugares.
Já no Congresso do Povo foram reunidos delegados, ou seja, representantes dos mais diversos grupos – partidos, sindicatos, indianos e
até brancos democratas –, para assinar a carta
da liberdade e mostrá-la como expressão da
vontade da maioria.
Por sua luta e capacidade de unir as mais
diferentes pessoas em torno da utopia de uma
sociedade mais justa, ele tornou-se símbolo da
luta contra o apartheid.
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Sociologia - 3a série - Volume 4
martin luther King
Martin Luther King Jr. (1929-68) também
foi escolhido para a reflexão sobre o sonho e
a esperança por sua luta pelos direitos civis
e sociais dos negros nos Estados Unidos.
Ele nasceu na cidade de Atlanta, no Estado
da Geórgia. Era o filho mais velho de uma
família de negros norte-americanos de classe
média. Seu pai era pastor batista e sua mãe era
professora. Assim como Mohandas Gandhi e
Nelson Mandela, Martin Luther King também teve uma formação universitária, só que
em Teologia. Ele fez ainda pós-graduação
nessa área e, tal como Mandela, foi extremamente influenciado pelas ideias de Gandhi da
não violência. Isso ocorreu enquanto estava
ainda na universidade. Vale a pena destacar
para os alunos a importância que a educação
e os livros tiveram na vida desses três líderes.
Em sua época, os Estados Unidos possuíam,
tal como a África do Sul, leis que segregavam os
negros, mas não uma política tão dura quanto
o apartheid. Mesmo assim, os negros eram considerados cidadãos de segunda classe e sofriam
todo tipo de humilhação e perseguição.
Em 1954, Luther King tornou-se pastor
da igreja batista da cidade de Montgomery
(Alabama) e começou sua luta sistemática pelos
direitos civis, sociais e políticos dos negros. Na
época, ele era o presidente da Associação de
Melhoramento de Montgomery e, em 1955,
organizou um movimento de boicote ao transporte público depois que Rosa Parks, uma
passageira negra, foi presa por se recusar a
dar o seu lugar em um ônibus para um branco. Naquela época, os negros eram obrigados
a ceder seu lugar nos assentos. O movimento durou quase um ano. Ele chegou a ser preso e sua casa foi atacada. O boicote terminou
11
quando a Suprema Corte emitiu um mandato proibindo a segregação em qualquer transporte público. Foi a primeira vitória de Martin
Luther King. Dada a repercussão do caso, ele
se destacou e passou a ser um líder respeitado.
Em 1957, juntamente com outras pessoas
insatisfeitas com a situação dos negros, fundou a Conferência da Liderança Cristã no
Sul, uma organização de igrejas e pastores
negros que procurava pôr fim às leis de segregação existentes, por meio de boicotes pacíficos. No final da década de 1950, foi à Índia,
para compreender a satyagraha que Gandhi
havia criado, e, após seu retorno, organizou
uma série de protestos contra a discriminação
sofrida pelos negros.
Em 1964 Martin Luther King foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz. O mesmo
aconteceu com Nelson Mandela em 1993.
A forma de ação política proposta por ele
era muito parecida com a de Gandhi, mas era
permeada por discursos que empolgavam as
multidões. Da mesma maneira que Gandhi e
Mandela, Luther King tinha a capacidade de
envolver as pessoas em torno de uma causa e tal
como os outros dois líderes, também foi preso
diversas vezes. Ele se envolveu em vários protestos, marchas e passeatas, sempre por meios
pacíficos. Seu engajamento também foi muito
grande. Sua ação mais famosa foi a chamada A
Marcha para Washington, que fez com outros
líderes em 1963 e que contou com a participação de mais de 200 mil pessoas na capital dos
Estados Unidos. Ali proferiu seu mais importante discurso, considerado por muitos o mais
belo e o de maior impacto, que ficou conhecido
como “Eu tenho um sonho”11.
O discurso “I have a dream” também pode ser visto e ouvido com legendas em português no site do portal da revista Veja:
<http://veja.abril.com.br/historia/morte-martin-luther-king/discursos-eu-tenho-um-sonho-retorica-voz-alma.shtml>.
Acesso em: 7 ago. 2009.
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© Donald Uhrbrock/Time Life Pictures-Getty Images
Você pode pedir para que um ou mais alunos o leia para a sala:
Eu tenho um sonho
Martin Luther King
Estou contente de me reunir hoje com vocês nesta que será conhecida como a maior
demonstração pela liberdade na história de nossa nação.
Há dez décadas, um grande americano, sob cuja sombra simbólica nos encontramos hoje, assinou a Proclamação da Emancipação. Esse magnífico decreto surgiu
como um grande farol de esperança para milhões de escravos negros que arderam
nas chamas da árida injustiça. Ele surgiu como uma aurora de júbilo para pôr fim à
longa noite de cativeiro.
Mas cem anos depois, o negro ainda não é livre. Cem anos depois, a vida do negro
ainda está tristemente debilitada pelas algemas da segregação e pelos grilhões da discriminação. Cem anos depois, o negro vive isolado numa ilha de pobreza em meio a
um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos depois, o negro ainda vive abandonado nos recantos da sociedade na América, exilado em sua própria terra. Assim,
hoje viemos aqui para representar a nossa vergonhosa condição.
Figura 8 – Reverendo Martin
Luther King Jr. discursa em comício estudantil contra a discriminação.
De uma certa forma, viemos à capital da nação para descontar um cheque. Quando
os arquitetos da nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e da Declaração da Independência (Sim), eles estavam assinando uma nota promissória da qual todos os americanos seriam herdeiros. A nota era uma
promessa de que todos os homens, sim, negros e brancos igualmente, teriam garantidos os “direitos inalienáveis à vida,
à liberdade e à busca da felicidade”. É óbvio neste momento que, no que diz respeito a seus cidadãos de cor, a América
não pagou essa promessa. Em vez de honrar a sagrada obrigação, a América entregou à população negra um cheque
ruim, um cheque que voltou com o carimbo de “sem fundos”.
No entanto, recusamos a acreditar que o banco da justiça esteja falido.
Recusamos a acreditar que não haja fundos suficientes nos grandes cofres de oportunidade desta nação. E, assim,
viemos descontar esse cheque, um cheque que nos garantirá, sob demanda, as riquezas da liberdade e a segurança da
justiça.
Viemos também a este glorioso local para lembrar a América da urgência feroz do momento. Não é hora de se
comprometer com o luxo do comedimento ou de tomar o tranquilizante do gradualismo. Agora é hora de concretizar as
promessas da democracia (Sim, Senhor). Agora é hora de deixar o vale sombrio e desolado da segregação pelo caminho
ensolarado da justiça racial. Agora é hora de conduzir a nossa nação da areia movediça da injustiça racial para a sólida
rocha da fraternidade. Agora é hora de tornar a justiça uma realidade para todos os filhos de Deus.
Seria fatal para a nação ignorar a urgência do momento. Este verão sufocante do legítimo descontentamento dos
negros não passará até que haja um outono revigorante de liberdade e igualdade. O ano de 1963 não é um fim, mas um
começo. E aqueles que agora esperam que o negro se acomode e se contente terão uma grande surpresa se a nação voltar a negociar como de costume. E não haverá descanso nem tranquilidade na América até que se conceda ao negro a
sua cidadania. As tempestades da revolta continuarão a balançar os alicerces da nossa nação, até que floresça a luminosa manhã da justiça.
Mas há algo que devo dizer a meu povo, diante da entrada reconfortante do Palácio da Justiça: ao longo do processo
de conquista do nosso merecido lugar, não podemos nos condenar com atos criminosos. Não devemos saciar a nossa
sede de liberdade bebendo da taça da amargura e do ódio. Devemos sempre conduzir a nossa luta no mais alto nível de
dignidade e disciplina. Não podemos permitir que o nosso protesto degenere em violência física. Vezes sem fim, devemos nos elevar às majestosas alturas para confrontar a força física com a força da alma. A nova e maravilhosa militância
que engolfou a comunidade negra não deve nos levar a desconfiar de todos os homens brancos, pois muitos de nossos
irmãos brancos, como se torna evidente com a sua presença aqui hoje, compreenderam que o seu destino está ligado ao
nosso. Eles compreenderam que a sua liberdade está atada à nossa, de forma inextricável.
Não podemos caminhar sozinhos. E, enquanto caminhamos, devemos prometer que sempre marcharemos adiante.
Não podemos voltar. Há quem pergunte aos devotos dos direitos civis: “Quando ficarão satisfeitos?”(Nunca).
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Não ficaremos satisfeitos enquanto o negro for vítima dos inenarráveis horrores da brutalidade policial. Não ficaremos satisfeitos enquanto os nossos corpos, pesados pela fadiga da viagem, não obtiverem hospitalidade nos hotéis das
rodovias e das cidades. Não ficaremos satisfeitos enquanto a única mobilidade social a que um negro possa aspirar seja
deixar o seu gueto por um outro maior. Não ficaremos satisfeitos enquanto os nossos filhos forem despidos de sua personalidade e tiverem a sua dignidade roubada por cartazes com os dizeres “só para brancos”. Não ficaremos satisfeitos
enquanto o negro do Mississippi não puder votar e o negro de Nova York acreditar que não há por que votar. Não e
não. Não estamos satisfeitos e nem ficaremos satisfeitos até que “a justiça jorre como uma fonte; e a equidade, como
uma poderosa correnteza”.
Não ignoro que alguns de vocês enfrentaram inúmeros desafios e adversidades para chegar até aqui (Sim, Senhor).
Alguns de vocês recentemente abandonaram estreitas celas de prisão. Alguns de vocês vieram de regiões onde a busca por liberdade deixou-os abatidos pelas tempestades da perseguição e abalados pelos ventos da brutalidade policial.
Vocês são os veteranos do sofrimento profícuo. Continuem a lutar com a fé de que o sofrimento imerecido é redentor.
Voltem para o Mississippi, voltem para o Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para a
Louisiana, voltem para os cortiços e para os guetos das cidades do Norte, conscientes de que, de algum modo, essa situação pode e será transformada (Sim). Não afundemos no vale do desespero.
E digo-lhes hoje, meus amigos, mesmo diante das dificuldades de hoje e de amanhã, ainda tenho um sonho, um
sonho profundamente enraizado no sonho americano.
Eu tenho um sonho de que um dia esta nação se erguerá e experimentará o verdadeiro significado de sua crença:
“Acreditamos que essas verdades são evidentes, que todos os homens são criados iguais” (Sim).
Eu tenho um sonho de que um dia, nas encostas vermelhas da Geórgia, os filhos dos antigos escravos sentarão ao
lado dos filhos dos antigos senhores, à mesa da fraternidade.
Eu tenho um sonho de que um dia até mesmo o estado do Mississippi, um estado sufocado pelo calor da injustiça,
sufocado pelo calor da opressão, será um oásis de liberdade e justiça.
Eu tenho um sonho de que os meus quatro filhos pequenos viverão um dia numa nação onde não serão julgados
pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter (Sim, Senhor). Hoje, eu tenho um sonho!
Eu tenho um sonho de que um dia, lá no Alabama, com o seu racismo vicioso, com o seu governador de cujos lábios
gotejam as palavras “intervenção” e “anulação”, um dia, bem no meio do Alabama, meninas e meninos negros darão
as mãos a meninas e meninos brancos, como irmãs e irmãos. Hoje, eu tenho um sonho.
Eu tenho um sonho de que um dia todo vale será alteado (Sim) e toda colina, abaixada; que o áspero será plano e o
torto, direito; “que se revelará a glória do Senhor e, juntas, todas as criaturas a apreciarão” (Sim).
Esta é a nossa esperança, e esta a fé que levarei comigo ao voltar para o Sul (Sim). Com esta fé, poderemos extrair
da montanha do desespero uma rocha de esperança (Sim). Com esta fé, poderemos transformar os clamores dissonantes
da nossa nação em uma bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé (Sim, Senhor), poderemos partilhar o trabalho, partilhar
a oração, partilhar a luta, partilhar a prisão e partilhar o nosso anseio por liberdade, conscientes de que um dia seremos
livres. E esse será o dia, e esse será o dia em que todos os filhos de Deus poderão cantar com um renovado sentido:
O meu país eu canto.
Doce terra da liberdade,
a ti eu canto.
Terra em que meus pais morreram,
Terra do orgulho peregrino,
Nas encostas de todas as montanhas,
que a liberdade ressoe!
E se a América estiver destinada a ser uma grande nação, isso se tornará realidade.
E, assim, que a liberdade ressoe (Sim) nos picos prodigiosos de New Hampshire.
Que a liberdade ressoe nas grandiosas montanhas de Nova York.
Que a liberdade ressoe nos elevados Apalaches da Pensilvânia.
Que a liberdade ressoe nas Rochosas nevadas do Colorado.
Que a liberdade ressoe nos declives sinuosos da Califórnia (Sim).
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Mas não apenas isso: que a liberdade ressoe na Montanha de Pedra da Geórgia (Sim).
Que a liberdade ressoe na Montanha Lookout do Tennessee (Sim).
Que a liberdade ressoe em toda colina do Mississippi (Sim).
Nas encostas de todas as montanhas, que a liberdade ressoe!
E quando acontecer, quando ressoar a liberdade, quando a liberdade ressoar em cada vila e em cada lugarejo, em
cada estado e cada cidade, anteciparemos o dia em que todos os filhos de Deus, negros e brancos, judeus e gentios,
protestantes e católicos, juntarão as mãos e cantarão as palavras da velha canção dos negros:
Livres afinal! Livres afinal!
Graças ao Deus Todo-Poderoso,
Estamos livres afinal!
Proferido na Marcha sobre Washington, D.C., por Trabalho e Liberdade, em 28 de agosto de 1963
Discurso “Eu tenho um sonho”. In: Um apelo à consciência: os melhores discursos de Martin Luther King. Selecionado e
organizado por Clayborne Carson e Kris Shepard. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. p. 73-76.
Você pode começar a discussão do texto
colhendo entre os jovens qual é a impressão
que tiveram da leitura. Deixe que se manifestem e depois encaminhe a discussão em sala
para a análise do discurso a partir dos seguintes questionamentos: Que tipo de atitude vocês
acham que este discurso incitou nas pessoas?
Uma ação violenta ou não violenta? Sem dúvida alguma que é uma atitude não violenta.
Peça então que grifem no texto que está em
seus Cadernos os trechos que evitam incitar
as pessoas à violência.
Solicite então que façam em seus cadernos
uma lista de quatro problemas que afetavam a
vida dos negros nos Estados Unidos da América,
entre os que são apontados no discurso.
É importante não esquecer de explicar-lhes
o sentido do seguinte trecho: “ainda tenho um
sonho, um sonho profundamente enraizado
no sonho americano. Eu tenho um sonho de
que um dia esta nação se erguerá e experimentará o verdadeiro significado de sua crença:
‘Acreditamos que essas verdades são evidentes, que todos os homens são criados iguais’”.
Essa parte do seu discurso é muito importante, pois, por meio dela, ele mostrou que
a sua luta não era apenas dos negros para os
negros, mas, na verdade, ela traria mudanças
para toda a sociedade. Quando afirmou que
o seu sonho é o sonho americano, ele se lembrou do nascimento do país e de sua premissa
de que todos os homens são iguais. Com isso,
conquistou não só as pessoas negras, mas
também muitos brancos, que compreenderam
que o sonho de Martin Luther King não era
apenas para os negros, mas para toda a sociedade norte-americana, pois essa só conseguiria viver o sonho americano de igualdade se
todos, independentemente de sua cor, passassem a ser tratados da mesma forma. Com esse
discurso, ele antecipa o que está por vir, um
futuro no qual, como nos diz Chico Buarque
em sua música, a esperança possa florescer.
Ainda sobre sua trajetória, pode-se dizer que
em 1965 ele liderou outra marcha que acabou
levando à aprovação da Lei dos Direitos de Voto.
Essa lei aboliu o uso de exames que visavam
impedir a população negra de votar. Também
se posicionou contra a Guerra do Vietnã e se
uniu ao Movimento pela Paz no Vietnã. Por
essa última atitude foi criticado, pois vários líderes negros achavam que ele deveria focar apenas
uma causa. Em 1968, estava num hotel na cidade de Memphis quando foi morto a tiros por
um branco opositor.
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Alguns dias depois de sua morte, o então
presidente, Lyndon Johnson, assinou uma lei
que acabou com a discriminação racial.
Para finalizar a presente Situação de Aprendizagem, é importante destacar para os alunos
que cada um dos três líderes fez uso de diferentes formas de participação política para a
realização de suas utopias, desde escrever em
jornais, organizar greves e elaborar marchas e
caminhadas, até o envolvimento extremo com
sabotagem, como no caso de Mandela, ou a utilização da palavra por meio de discurso como
forma de ação, como Martin Luther King.
Dessa maneira, os três evitaram a resignação e
desencadearam um movimento de resistência
que atraiu milhares de outras pessoas para suas
causas. Assim como Mannheim, compreenderam a utopia não apenas como a crítica ao presente ou a busca de um ideal, mas como algo
que deve tomar a forma de uma ação transformadora da realidade. Nenhum deles esperou passivamente que seu sonho se realizasse.
Nenhum deles aceitou passivamente a situação existente, e suas ações foram, na grande
maioria das vezes, marcadas pela não violência, pela firmeza e pela coragem na luta pela
superação das iniquidades sociais e políticas,
que privam os homens de sua condição humana e dos direitos de cidadão. Eles são exemplos
de como o sonho e a esperança podem ser concretizados por meio da participação política e
de como é possível a concretização de utopias.
Proposta de Situação deavaliação
Peça aos alunos que escrevam um texto
reflexivo sobre um dos três líderes estudados de
tal forma que reflitam qual era a sua utopia e a
importância da ação política na realização do
sonho e da esperança.
Proposta de Situação de Recuperação
Peça que os alunos escrevam uma redação
sobre a importância da utopia na transformação da realidade como forma de resgate e materialização do sonho e da esperança. Cada um
deve refletir, ainda, sobre os seus sonhos e esperanças pessoais e qual é a utopia que lhe permite
vislumbrar uma perspectiva de transformação
das condições atuais.
RECURSOS PARA AMPLIAR A PERSPECTIVA DO PROFESSOR
E DO ALUNO PARA A COMPREENSÃO DOS TEMAS
livros
ANDRADE, Vera; BRUNO, Eucleia (Orgs.).
Nelson Mandela por ele mesmo. São Paulo:
Martin Claret, 1991. O livro relata a trajetória
de Nelson Mandela e é escrito de forma simples
e clara. Como foi escrito em 1991, não aborda a
trajetória de Mandela depois de sua libertação.
BUSH, Catherine. Gandhi. São Paulo: Nova
Cultural, 1987. (Coleção Os Grandes Líderes).
Ricamente ilustrado, é escrito de forma clara e
sintética e pode ser lido pelos jovens.
CLAYBORNE, C.; SHEPARD, K. (Orgs.).
Um apelo à consciência: os melhores discursos
de Martin Luther King. Rio de Janeiro: Zahar,
2006. O livro não só é uma coletânea dos melhores discursos de Martin Luther King, como
ainda traz comentários de pessoas que viveram
na mesma época.
FIGUEIREDO, E. G. Gandhi. São Paulo:
Editora Três, 1974. Coleção Biblioteca de
História: Grandes Personagens de Todos os
Tempos. É uma biografia de Gandhi. Recomendado aos professores como forma de
39
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aprofundar seus conhecimentos sobre ele.
Filmes
LEAL, Maria. L.; LEAL, Maria. de F. (Orgs.).
Pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças e
adolescentes para fins de exploração sexual comercial. Pestraf: Relatório Nacional – BrasilBrasília: Cecria, 2002. O trabalho apresenta o
esforço conjunto de governos, organismos internacionais, organizações não governamentais e
universidades no sentido de trazer à luz diversos
aspectos do tráfico de seres humanos, tais como
a identificação de rotas, as questões de gênero
e raça que o permeiam, e o papel da exclusão
econômica e social, além dos conflitos internacionais, na geração de massas de indivíduos submetidos a condições extremas de vulnerabilidade
que os tornam presas fáceis das redes de tráfico e
exploração sexual. Indicado para professores
que desejam saber mais sobre o tema.
Gandhi. Direção: Richard Attenborough. Inglaterra, Índia, 1982. 188min. 14 anos. Drama. Altamente recomendado, apesar da duração de mais
de três horas, conta a trajetória de Gandhi.
PEDROSO, Regina C. Violência e cidadania no
Brasil: 500 anos de exclusão. São Paulo: Ática,
2006. Recomendado especialmente para os alunos, o livro apresenta um panorama histórico de
como a mentalidade autoritária brasileira conformou as relações sociais no Brasil e possibilitou a emergência de padrões violentos de
interação social entre dominadores e dominados. A análise cuidadosa de períodos históricos
diferentes, com sugestões de filmes e questões
para debate, é uma alternativa interessante para
trabalhar a reprodução da violência e da desigualdade social com os alunos.
SAKAMOTO, Leonardo (Coord.). Trabalho
escravo no Brasil do século XXI. Brasília: Organização Internacional do Trabalho, 2007.
p. 27-28. Disponível em: <http://www.oitbrasil.
org.br/download/sakamoto_final.pdf>. Acesso
em: 8 ago. 2009. Este trabalho consiste num relatório realizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em parceria com a ONG
Repórter Brasil, finalizado em 2005. Indicado
para professores.
Mandela: a luta pela liberdade (Goodbye Bafana).
Direção: Bille August. Alemanha, França, Bélgica, África do Sul, Itália, Inglaterra, Luxemburgo,
2007. 140min. Drama . O filme conta a história
de amizade entre Mandela e seu carcereiro.
Mississippi em chamas (Mississippi Burning).
Direção: Alan Parker. EUA, 1988. 122min. 12
anos. Drama. Filme sobre uma equipe do FBI
que vai até o Mississippi investigar o assassinato de dois jovens negros e outro judeu na década
de 1960. Mostra as tensões raciais nos Estados
Unidos na época de Martin Luther King.
Ônibus 174. Direção: José Padilha. Brasil, 2002.
120min. 14 anos. O documentário é baseado
em extensa pesquisa sobre a tentativa de assalto
que se transformou no sequestro do ônibus 174,
ocorrida no dia 12 de junho de 2000, quando o
até então desconhecido Sandro do Nascimento
aterrorizou suas vítimas durante quatro horas e
meia ao vivo, pela televisão. A investigação cuidadosa focaliza a infância de Sandro, desde seu
nascimento até o desfecho do sequestro, mostrando os processos de violência e exclusão social que o tornaram um criminoso.
Sites
Nelson Mandela Foundation. Disponível em:
<http://www.nelsonmandela.org/index.php>.
Recomendamos para o professor e os alunos que
tenham facilidade com a língua inglesa o site da
Nelson Mandela Foundation, com biografia,
filmes, fotos, entrevistas e todo tipo de material
sobre a vida e a trajetória de Mandela.
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