Uma alternativa na prática docente: ensinando a

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Uma alternativa na prática docente: ensinando a
UMA ALTERNATIVA NA PRÁTICA DOCENTE: ENSINANDO A URBANIZAÇÃO
COM O JOGO SIMCITY 3000
Thiago Kiyoschi Igarashi Kikuchi1
A falta de interesse e o descomprometimento discente, entre outros problemas, levam os
professores a abandonarem práticas criativas substituindo-as pelo uso de aulas expositivas
dependentes, exclusivamente, do livro didático e do quadro de giz. Contudo, a busca de
alternativas metodológicas lúdicas e criativas é de suma importância para o aprendizado de
professores e alunos. Diante desta problemática, este trabalho tem por finalidade analisar o
tema urbanização, campo de estudo da ciência geográfica, relacionando seu contexto
teórico com o jogo SimCity 3000, com o intuito de trabalhar o funcionamento e o
desenvolvimento de uma cidade através dos comandos do próprio jogo, no qual é possível
construir, administrar e controlar a dinâmica de uma cidade. Por ser um jogo que requer
configurações mínimas no sistema operacional a viabilidade e o uso pode ser usufruído por
todos que possuírem ao menos o computador. Esta metodologia poderá dinamizar o
processo de formação docente, oferecendo-lhe alternativas diferenciadas para estimular o
raciocínio geográfico em sala de aula.
Palavras-chave: Simcity3000. Urbanização. Ensino-aprendizagem.
INTRODUÇÃO
Ensinar sobre urbanização e a cidade nos dias de hoje, muitas das vezes, requer
uma ferramenta alternativa no processo ensino-aprendizagem em sala de aula. Para a
realização de uma prática de ensino diferenciada, o uso do jogo Simcity 3000 é uma
maneira viável para compreender o processo da urbanização, partindo-se desde o ponto
zero até o complexo de uma cidade urbanizada mediante o processo antrópico realizado a
partir de determinado espaço. Essa estratégia lúdica visa, tanto por parte do professor
quanto por parte do aluno, despertar o interesse não apenas de usufruir determinado jogo,
mas de aplicar uma base conceitual previamente aprendida, contribuindo na formação
intelectual de ambos.
Esse artigo está dividido em duas partes: a primeira apresenta a fundamentação
teórica, formulada a partir dos diversos pensadores do conhecimento sobre o espaço e
urbanização, no qual contribuirá para uma base ao entendimento acerca do assunto; a
segunda parte envolve o jogo em questão (Simcity3000), em que foram selecionadas
imagens sobre o processo de urbanização e o desenvolvimento de uma cidade, mostrando
como trabalhar o procedimento, raciocínio que poderá ser utilizado para o planejamento
urbano.
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Graduando em Geografia, pela Universidade Estadual de Londrina, Bolsista de Iniciação à
Docência/CAPES/PIBID-UEL, Colaborador no Laboratório de Estudos Agrários. Contato:
[email protected]
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MÉTODOS E REFERENCIAL TEÓRICO
A cidade – local de estabelecimento aparelhado, diferenciado e ao mesmo
tempo privilegiado, sede da autoridade. (BENEVOLO, 2005, p.19)
A realidade urbana encontra-se em constante transformação e coloca um conjunto
de desafios a fim de compreender os conteúdos atuais da problemática urbana (CARLOS,
2012).
A realidade urbana nos coloca diante de problemas cada vez mais
complexas, que envolvem o desvendamento dos conteúdos do processo de
urbanização nos dias de hoje; uma tarefa, a meu ver, coletiva, apoiada em
um debate que seja capaz de contemplar varias perspectivas teóricometodológicas como possibilidades abertas a pesquisa urbana. (Carlos,
2007, p.19)
O debate para a realidade de uma sociedade urbana remete-nos a uma prática da
transformação constante das cidades. Entender a cidade hoje e apreender os seus
processos complexos de organização exige a volta às suas origens, pois, a cidade de hoje é
resultado cumulativo de todas as outras cidades de antes, transformadas, destruídas e
reconstruídas, produzidos pelas transformações sociais. (SPOSITO, 2000).
Muitos autores colocam o início de uma urbanização com a produção industrial e a
acumulação do capital, reforçando o papel produtivo do capitalismo comercial que acaba
transformando a própria cidade. A urbanização e a sua intensificação, no sentido de
aumento da população que vive nas cidades (SPOSITO, 2000), se dá a partir da produção
industrial, tornando-se viável pela acumulação do capital.
Analisar criticamente as cidades é potencialmente uma forma de construir caminhos
e idéias para contribuir com o seu desenvolvimento, a fim de configurar um significado para
a sua formulação. Entender os agentes transformadores e o sistema que compõem todo o
funcionamento da cidade é um conhecimento essencial para a conquista da cidadania, um
saber que todas as pessoas precisam obter.
Oliveira (2002) coloca que a vida urbana está passando por enormes
transformações, com mudanças na organização e na ocupação do espaço urbano, como
lugar de comunicação, de diferentes grupos sociais. Assim, a cidade continua a exercer
grande atração da população em busca de oportunidades.
As cidades, como formas espaciais produzidas socialmente, mudam efetivamente,
recebendo reflexo e dando sustentação a essas transformações estruturais que estavam
ocorrendo em nível do modo de produção capitalista. A indústria provoca um impacto sobre
o urbano (SPOSITO, 2000).
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Para entender a cidade, Santos (1994) coloca que o espaço da mesma exige uma
noção de tempo, dominando os períodos que permitem definir o objeto de análise. A cidade
é ao mesmo tempo uma região e um lugar, porque ela é uma totalidade. O espaço
corresponde à cidade e que conduz novas formas de articulações e que essas passam por
condições de transformações de organização urbana e da vida urbana a medida de suas
relações econômicas e sociais (SANTOS, 1982). O espaço reproduz a totalidade na medida
em que suas transformações são determinadas por necessidades sociais, econômicas e
políticas (SANTOS, 2006).
A cidade é a forma, é a criação daquilo que conhecemos como necessidade e
sobrevivência para com as pessoas, para Lefebvre (1991) a cidade é a obra dos agentes
históricos e sociais, é a realidade arquitetônica e o urbano é a realidade social composta de
relações a serem concebidas, construídas e reconstruídas pelo pensamento.
A geografia abre para a construção da compreensão do mundo, através das
diferentes espacialidades, ou seja, as relações sociais se materializam nas condições de
relações espaciais do urbano (CARLOS, 2012).
USANDO O JOGO COMO FERRAMENTA ALTERNATIVA DE APRENDIZAGEM
O jogo SimCity é de direito das Empresas Maxis e EA Games e a série SimCity
vem sendo contemplada com várias versões, sendo a sua primeira projetada no ano de
1989 e, a mais atual, em 2013. Durante esse tempo foram lançadas seis versões do jogo:
SimCity, SimCity 2000, SimCity 3000, SimCity 4, SimCity Societies e SimCity (2013), esse
último conhecido mais por SimCity 5. Porém, nesse artigo, será analisado o potencial
pedagógico do Simcity 3000, lançado em 1999, o qual requer uma configuração mínima
para usufruir do jogo, além desse apresentar como uma dinâmica mais acessível ao ensino.
Para a realização dessa pesquisa, foi criado um novo jogo dentro do SimCity 3000,
em um espaço vazio de acordo com a figura 01. O urbano desenvolve a partir do espaço
geográfico vazio e dele toda a relação de uma sociedade se concretiza. Assim, a análise da
forma espacial depende de suas conexões com a estrutura social, dos seus processos e
suas funções urbanas e, consequentemente, o seu espaço urbano pode ser analisado como
um conjunto de pontos, linhas e áreas decorrentes das diversas correntes geográficas
(CORREA, 1989).
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Figura 01: Inicio do jogo: o espaço vazio.
Fonte: Maxis, 1999./ Org. Thiago K. I. Kikuchi
A partir dessa figura, o início se dá com a construção de estruturas básicas para
atender a população, tal como: energia e água, por seguinte, cabem construir ruas para que
haja a circulação e a interação das zonas, através do loteamento a ser colocado nesse
espaço. Entre os loteamentos está a zona residencial, comercial e industrial, subdivididos
em alta, média e baixa densidade. A cidade e o urbano no jogo se interligam através do seu
processo de jogabilidade.
Notam-se os painéis de controle ao lado direito para a interação do jogo, nesse
painel as funções para a construção da cidade se dão a partir do comando do controlador.
Na parte debaixo da figura 01, encontra-se o nome da cidade, a população total e o dinheiro
para administrar a cidade, tal como a velocidade do andamento do jogo e a demanda das
áreas residências, comerciais e industriais e o mapa em questão.
A figura 02 mostra exatamente o início do loteamento da cidade, com as zonas
residenciais (verde), zonas comerciais (azul) e zonas industriais (amarelo), além de existir
também o aterro (marrom), aeroporto (cian) e o porto (verde claro), ressaltando que quanto
menor o tom da cor das 3 zonas, menor é a sua densidade econômica.
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Figura 02: Loteamento das áreas de acordo com a sua densidade.
Fonte: Maxis, 1999 /Org. Thiago K. I. Kikuchi
Assim, nessa figura, é possível observar a diferença dos tons da zona industrial,
alta densidade para a cor amarela mais forte e baixa densidade para a mais fraca, tal como
ao lado direito as construções de vias de circulação/transporte que envolve: ruas, rodovias,
ferrovias, metrôs, ônibus, começando todo o processo de urbanização que envolve uma
cidade.
Na figura 03 olhamos sobre os diferentes tipos de transporte, a rua, o ponto de
ônibus, o metrô, a ferrovia, o aeroporto; estes presentes em quase toda a cidade e fazem
parte da dinâmica do desenvolvimento de algumas cidades a partir da industrialização, tal
como o meio oferecido para a população.
Figura 03: Os tipos de zonas industriais e os meios de transporte.
Fonte: Maxis, 1999 / Org. Thiago K. I. Kikuchi
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O tipo de densidade vale também para as zonas residenciais e comerciais, nas
quais futuramente com o desenvolvimento da cidade, originará prédios ou casas, tanto as
residenciais como comerciais, de acordo com a renda da terra2.
Mas uma cidade necessita também de obras, com isso, é possível construir prédios
públicos para atender a população, entre eles: distrito policial, corpo de bombeiros, cadeias,
hospitais, bibliotecas, museus, parques, escolas e universidades. Obras que a população de
uma cidade precisa para satisfazer as suas necessidades, de acordo com a figura 04.
Figura 04: Área de alta densidade com as obras para o desenvolvimento da cidade.
Fonte: Maxis, 1999 /Org. Thiago K. I. Kikuchi
Assim o espaço de uma grande cidade capitalista constitui em um conjunto de
diferentes usos da terra justapostos entre si. Tais usos definem áreas, como o centro da
cidade, local de concentração de atividades comerciais, de serviços e de gestão, áreas
industriais, áreas residenciais distintas em termos de forma e conteúdo social, de lazer,
entre outras (CORREA, 1989).
Lembrando que todas as estruturas como as geradoras de energia, abastecimento
de água, meio de transporte, tal como obras/prédios públicos construídos dentro do jogo
custam dinheiro e interferem no orçamento da cidade, assim o jeito de ganhar dinheiro é
através do crescimento da cidade através das indústrias, comércios e residências. Com isso
há de se planejar para que haja um equilíbrio entre gasto e o recolhimento de impostos.
A figura 05 apresenta a cidade, em processo de desenvolvimento, em verde a área
industrial, em amarelo a área residencial e comercial de baixa densidade/valor, em azul a
área de média densidade/valor e em vermelho a área de alta densidade/valor, remetendonos a constatar que o espaço urbano é simultaneamente fragmentado e articulado
(CORREA, 1989).
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Constitui-se na remuneração que se obtém através da propriedade da terra e da localização
privilegiada e seletiva. (CORREA, 1989).
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Figura 05: Os diferentes tipos na urbanização.
Fonte: Maxis, 1999 /Org. Thiago K. I. Kikuchi
Posteriormente ao passar do tempo no jogo, pode-se haver a conurbação dessas
áreas, formando um único espaço urbanizado, apenas com as estruturas necessárias para
que a cidade possa ir se desenvolvendo. Ao se inserir estruturas, obras e outros sistemas
que fazem funcionar uma cidade é que realmente haverá um resultado dentro do jogo.
As diferenças entre os lugares são os resultados do arranjo espacial dos modos de
produção particulares. O valor depende de níveis quantitativos e qualitativos dos modos de
produção e da maneira da combinação, assim as formas espaciais seria uma linguagem na
sua determinação geográfica, reforçando a especificidade dos lugares (SANTOS, 2006).
A figura 06 retrata os diferentes tipos de lugares na urbanização do jogo, sendo que
o 1º é a indústria, o 2º a área residencial/comercial média, o 3º a baixa e por fim o 4º a alta.
Figura 06: Os loteamentos/zoneamentos de acordo com as suas necessidades.
Fonte: Maxis, 1999 /Org. Thiago K. I. Kikuchi
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Vale ressaltar que o jogo possui outros comandos que podem ser utilizados
pedagogicamente, como: visualização de mapas de acordo com a sua necessidade a
exemplo da área de cobertura policial, da área de poluição, de vias de trafego, do valor a
terra, da área de densidade, entre outros, além da disponibilidade de gráficos que podem
ser visualizados dentro do jogo, como mostrado na figura 07.
Figura 07: Densidade urbana e destino do lixo da cidade.
Fonte: Maxis, 1999 /Org. Thiago K. I. Kikuchi
Na figura 07, a esquerda refere-se a densidade urbana, quanto mais escuro maior a
concentração da população, e, à direita, o destino do lixo, sendo que 34% vai para o aterro,
39% para a cidade vizinha e 27% para a reciclagem. Isso mostra a riqueza de informações e
conceitos que poderão ser explorados por meio do jogo, recursos aplicados na resolução de
problemas voltados para como construir, desenvolver e administrar uma cidade. E, por fim, o
que seria uma cidade em plena questão de seu funcionamento de acordo com a figura 08.
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Figura 08: O crescimento de uma cidade
Fonte: Maxis, 1999 / Org. Thiago K. I. Kikuchi
Enfim, os procedimentos lúdicos, demonstrados através do desenvolvimento de
uma cidade a partir do jogo, mostra como que é possível a realização de práticas
alternativas no ensino. O SimCity 3000 contribui para o entendimento do desenvolvimento
de uma cidade, sua organização e funcionamento, através do próprio recurso do jogo,
demonstrado por imagens ilustrativas retiradas do mesmo. Carlos (2007) diz que a análise
da cidade deve passar por uma amplitude de uma dupla dimensão crítica que abarque tanto
a teórica como a prática.
Assim, é essencial que essas formas lúdicas, interativas e práticas alcancem a
formação de professores para que esses estejam aptos a desenvolverem suas aulas de
forma mais dinâmica e criativa.
CONCLUSÃO
Concluímos
que
a
utilização
do
jogo
para
o
ensino
em
Geografia
urbana/urbanização é realmente viável no processo de ensino-aprendizagem por evocar a
participação mais ativa dos alunos em uma linguagem que eles assimilam com facilidade.
Averiguamos e refletimos sobre as inúmeras possibilidades que o jogo pode contribuir na
formação docente e também na formação intelectual dos alunos.
Por meio do jogo, deixamos de lado aquela aula monótona de apenas utilizar aulas
expositivas e teóricas, colocando o jogo como instrumento facilitador do ensino de
Geografia, uma disciplina escolar que leva o aluno a perceber a criticidade do espaço
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geográfico, cujos processos estudados são capazes de transformar os saberes da formação
cognitiva e intelectual. O planejamento urbano pode ser utilizado através do jogo, com as
obras essenciais para o seu desenvolvimento, exercício eficaz para pensar as formas da
cidade.
Finalizando, através do conteúdo sobre a urbanização e a utilização do jogo
Simcity3000, é possível a relação entre teoria e prática, de um modo que visa construir
saberes geográficos através do lúdico, usando jogos que contribuam para o despertar
intelectual a fim de mostrar que o mesmo contribui de diversas formas, seja para o
entretenimento das pessoas, seja para o estudo das mesmas.
REFERENCIAS
BENEVOLO, Leonardo. História da cidade. São Paulo: Perspectiva, 2005.
CARLOS, Ana Fani Alessandri. A “Geografia Urbana” como disciplina: uma abordagem
possível. Revista do Departamento de Geografia – USP, Volume especial 30 anos, 2012.
92p-111p.
_______. O Espaço Urbano: Novos Escritos sobre a Cidade. São Paulo: Labur Edições,
2007, 123p.
CORREA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Editora Ática S.A, 1989.
LEFEBVRE, Henry. O direito a cidade. São Paulo: Moraes, 1991.
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Cidade: história e desafios. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio
Vargas, 2002. 295p.
SANTOS, Boaventura de Souza. O estado, o direito e a questão urbana. Revista Critica de
Ciências Sociais, 1982. 9p-86p.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: Técnica e tempo, Razão e Emoção. 4ed. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
_______. Sociedade e espaço: Formação Espacial como Teoria e Método. In: SANTOS,
Milton. Espaço e Sociedade: Ensaios. 2ed. Petrópolis: Vozes, 1982. 156p.
_______. Técnica Tempo Espaço: globalização e meio técnico cientifico informacional. 2ºed.
São Paulo: Hucitec, 1994.
SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Capitalismo e Urbanização. 10ed. São Paulo: Editora
Contexto, 2000.
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