reforma pr ocessual penal

Transcrição

reforma pr ocessual penal
REFORMA
PROCESSUAL
PENAL
TRIB
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AL DO JÚRI
TRIBUN
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LEI 11.689/08
São Paulo, 2008
Ano 1 - Volume 1, nº 1, julho/dezembro 2008
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Governador
José Serra
ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO
PÚBLICO DE SÃO PAULO
Diretor
Assessores
Mário de Magalhães Papaterra Limongi
Fabrício Tosta de Freitas
Felipe Eduardo Levit Zilberman
Marcelo Duarte Daneluzzi
Tatiana Viggiani Bicudo
Coordenador Editorial
Tatiana Viggiani Bicudo
Jornalista Responsável
Rosangela Sanches (MTb 23.566)
Capa
Luís Antônio Alves dos Santos
“Revista da ESMP”, co-edição ESMP/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, é semestral, com tiragem de 3 mil exemplares
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Ficha catalográfica elaborada pela
Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
___________________________________
Revista Jurídica. São Paulo: Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, 2008
Semestral
ISBN: 85-7060-206-5 (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo)
1. Direito - periódicos I. Escola Superior do Ministério Público de São Paulo
___________________________________
Escola Superior do Ministério
Público do Estado de São Paulo
R. Minas Gerais, 316 - Higienópolis
01244-010 - São Paulo - SP - Brasil
Tel.: (11) 3017-7776/3017-7777
Fax: (11) 3017-7754
www.esmp.sp.gov.br
e-mail: [email protected]
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Apresentação
Mário de Magalhães Papaterra Limongi
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O Novo Procedimento no Júri.........................................
Antonio Scarance Fernandes
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Comentários ao Procedimento do Júri com as
alterações introduzidas pela Lei 11.689/08..................
Eloisa de Sousa Arruda
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Questionário no Julgamento pelo Júri.........................
Eloisa de Sousa Arruda
César Dario Mariano da Silva
63
A Quesitação no Tribunal do Júri.................................
Fauzi Hassan Choukr
73
Reforma Processual Penal e Júri...................................
Jaques de Camargo Penteado
89
Reflexões Pontuais sobre o Devido Processo Legal e
o Julgamento dos Crimes de Competência do Tribunal
do Júri.........................................................................
Herivelto de Almeida
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Apontamentos sobre a atuação do Promotor de
Justiça no Tribunal do Júri em vista da Reforma
Processual Penal.......................................................
Maurício Antonio Ribeiro Lopes
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O Tribunal do Júri na Reforma do Processo Penal...
Plínio Antônio Britto Gentil
O Protesto por Novo Júri e sua Manutenção para os
Crimes Perpetrados Antes da Entrada em vigor da
Reforma do Júri..........................................................
Rogério Sanches Cunha
Ronaldo Batista Pinto
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Alterações no Rito do Júri........................................
Walfredo Cunha Campos
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Lei n 11.689, de 9 de junho de 2008...........................
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Diante das recentes modificações na
legislação processual penal, a Escola Superior do
Ministério Público promoveu uma série de palestras por todo o Estado de São Paulo com o intuito
de propiciar aos colegas uma reflexão sobre os principais temas.
Não foi difícil encontrar entre os
membros da instituição, aposentados e da ativa,
promotores e procuradores de Justiça,
processualistas de primeira linha, capazes de uma
análise prática e crítica da nova sistemática processual penal.
O sucesso das palestras nos animou
a pedir aos colegas artigos sobre as mudanças
havidas. A colaboração foi imediata, propiciando a
edição de dois volumes em artigos que esgotam o
assunto.
Com os agradecimentos aos autores pela inestimável colaboração e a todos os que
participaram das palestras promovidas em todo o
Estado, desejamos a todos uma boa leitura.
Mário de Magalhães Papaterra Limongi
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PROCEDIMENT
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NO JÚRI
ANTONIO SCARANCE FERNANDES
Professor Titular de Processo Penal da
Faculdade de Direito da USP
Procurador de Justiça aposentado
Coordenador do ASF Cursos e Eventos
Consultor Jurídico em matéria criminal
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O NOVO PROCEDIMENTO DO JÚRI
Critérios e fases
O estudo do novo procedimento do júri formado pela Lei nº 11.689/
2008 pode ser feito com base nos seguintes tópicos:
- os critérios norteadores do novo procedimento;
- a fase do recebimento da denúncia até a pronúncia;
- a fase de preparação do julgamento em plenário;
- a fase de julgamento em plenário.
Critérios norteadores do novo procedimento
Alguns critérios nortearam o legislador no procedimento do júri,
tendo parte deles orientado também as reformas nos procedimentos em geral e no
tratamento das provas.
Um importante paradigma do novo conjunto de reformas é
representado pelo avanço na adoção do princípio acusatório, com aumento do poder
das partes. Como a Constituição Federal adotou, para o processo penal, o sistema
acusatório, dando ao Ministério Público a titularidade exclusiva da ação penal (art. 129,
I) e outorgando ao acusado instrumentos para atuar em sua defesa, buscou-se com as
reformas construir um processo com predomínio da atuação das partes na movimentação
do feito e na produção das provas, expurgando-se resquícios de poderes acusatórios do
juiz, mas mantendo-se o seu poder instrutório suplementar.
Assim, em caso de mudança no fato da imputação feita pelo órgão
acusatório, exige-se agora aditamento, não podendo o juiz, na pronúncia, incluir
uma circunstância qualificadora não constante da denúncia, como alguns admitiam,
ou, na sentença, condenar com base em circunstância ou elemento novo evidenciado
durante a instrução.
Por outro lado, apesar de inicialmente as partes inquirirem diretamente
as testemunhas, pode o juiz também indagá-las, bem como determinar a produção de
qualquer prova para dirimir dúvida relevante.
Outro novo paradigma consiste na construção de procedimentos orais
com concentração dos atos em uma audiência nos procedimentos ordinário e sumário e
em antes da pronúncia no procedimento do júri. Deixam assim os procedimentos de
prever a produção de alegações escritas pelas partes e a sucessão de audiências para
inquirir as testemunhas de acusação e defesa.
Procurou-se dar celeridade aos procedimentos e obter mais
rapidamente o encerramento dos processos. Para isso, especificamente em relação
ao júri, foi simplificada a forma de elaboração dos quesitos e se suprimiu o protesto
por novo júri.
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Principais mudanças
Com a Lei 11689/2008, construiu-se um novo rito de júri. Alguns dos
novos dispositivos reproduzem os anteriores do antigo procedimento ou expressam a
mesma idéia que eles exprimiam. Outros configuram novidades.
Alterou-se a idade mínima para alguém participar como jurado de 21
(vinte e um) para 18 (dezoito) anos (art. 436. caput). A permissão a quem tem dezoito
anos para julgar os graves crimes de homicídio, embora movida pela idéia de
compatibilização com a maioridade civil, não merece aplauso. Normalmente, são previstas idades maiores, pois a pessoa com dezoito anos ainda não tem suficiente amadurecimento para efetuar julgamentos com sérias repercussões nas vidas das pessoas acusadas, principalmente porque, muitas vezes, não passaram a exercer atividades de maior
responsabilidade. Basta ver que são exigidos três anos de exercício funcional após o
encerramento dos estudos universitários para alguém ser juiz de direito. Todavia, permite-se a alguém, com dezoito anos, decidir sobre graves crimes.
Prevê-se na fase do iudicium accusatione, a ser encerrada em 90
dias (art. 412), resposta do acusado (arts. 406, § 3º, 407, 408, 409) e instrução mediante audiência única, na qual serão feitas alegações orais e será proferida a decisão de
pronúncia (art. 411).
A previsão de resposta é tentativa de reparação de erro ocorrido em
1941 quando entrou em vigor o Código de Processo Penal. À época discutiu-se sobre a
adoção de uma defesa antes de o juiz admitir a acusação. Prevaleceu, na ocasião, entre
nós, de maneira contrária ao que sucedeu nos países da Europa continental, a possibilidade de o juiz acolher a acusação antes de o acusado a ela responder.
A defesa preliminar foi prevista no Código para os processos sobre crimes de responsabilidade de funcionários públicos e, depois, em outras leis,
como, mais recentemente, aconteceu com a Lei dos Juizados Especiais Criminais e
a Lei de Drogas.
Todavia, durante a tramitação do projeto, previu-se recebimento da
denúncia ou queixa antes da resposta, o que gera dificuldade de interpretação do novo
procedimento, como abaixo será visto.
A fundamentação da decisão de pronúncia deverá ser restrita (art.
413, § 1º) e nela será arbitrada a fiança (art. 413, § 2º) e será decidido sobre prisão ou
medida restritiva de natureza cautelar (art.413, § 3ª).
A exigência de limitação da fundamentação da pronúncia à indicação
da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação (art.413, § 1º) buscou impedir a influência da decisão de pronúncia no convencimento do jurado, pois, ainda que ela não possa ser usada pelas partes como argumento
de autoridade (art. 478, I), será entregue aos jurados (art. 472, parágrafo único).
Entretanto, não será fácil conciliar a necessidade de fundamentação com
a previsão de simples indicação da materialidade do fato e dos indícios suficientes de autoria,
principalmente quando a defesa apresente argumentos e fundamentos que obriguem o juiz a
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examiná-los. Antes da reforma, já se debatia a respeito da profundidade de fundamentação
exigida da pronúncia de modo a representar suficiente resposta judicial aos argumentos das
partes e a não configurar excesso passível de influir nos jurados.
Houve ampliação das hipóteses de absolvição sumária (art. 415), antes
limitada às excludentes de antijuridicidade e de culpabilidade, agora estendida para abranger
as situações em que resultar demonstrada a não-materialidade da infração ou a não participação do acusado no fato.
Passam, agora, a ser atacáveis por apelação as decisões de impronúncia
e absolvição sumária (art. 416) e não mais por recurso em sentido estrito.
Importante mudança foi a admissibilidade de julgamento do acusado revel,
antes somente admitida para os crimes afiançáveis. Por isso, previu-se a intimação da decisão de pronúncia por edital ao réu solto (art. 420, par. único), com o prosseguimento do
feito. O julgamento de revel pelo júri constitui, para alguns, derivação do direito ao silêncio
do acusado, pois se pode ele calar-se perante o juiz, deve também poder se ausentar da
sessão de julgamento do júri. Há, entretanto, pensamento diverso, o qual considera existir, no
julgamento à revelia, prejuízo ao direito de defesa.
O desaforamento do feito para comarca vizinha em caso de excesso de serviço, antes possível quando o julgamento não fosse realizado em um
ano após a apresentação do libelo (antigo artigo 424, parágrafo único), agora será
admitido quando nos 6 (seis) meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão de
pronúncia não for feito o julgamento (art. 428).
Houve extinção do libelo acusatório e, por conseqüência, da contrariedade da defesa. Entendeu-se ser desnecessário o libelo, bastando a pronúncia, pois ele deve
corresponder exatamente aos termos desta. Todavia, era importante o libelo para evitar o
uso ilegítimo da pronúncia. Com receio de sua utilização indevida em plenário, o legislador
declarou haver nulidade do julgamento quando a pronúncia servir para a parte como argumento de autoridade para convencer os jurados (art. 478, I).
O número de jurados convocados para a sessão de julgamento foi aumentado de 21 - vinte e um - para 25 - vinte e cinco (art. 462). Constitui medida salutar a fim
de se evitar adiamentos por falta de jurados.
Na audiência das testemunhas, antes da pronúncia ou em plenário, está prevista a inquirição direta e cruzada pelas partes (cross examination)
(art. 473, caput).
Não se permite o uso de algemas, exceto quando absolutamente necessário (art. 474, § 3º). O fato de estar o acusado algemado pode influir no convencimento dos
jurados, os quais o verão como pessoa perigosa. Por isso, quis o legislador que as algemas
somente fossem usadas quando absolutamente necessárias à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.
Houve limitação na leitura de peças em plenário. Podem ser lidas somente
as referentes a provas colhidas por carta precatória e a provas cautelares, antecipadas ou
não repetíveis (art. 473,§3 º). Isso não significa a total impossibilidade de leitura de outras
peças, mormente em casos com número excessivo de vítimas.
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A nova lei trouxe melhor regulamentação da proibição de leitura de
documento ou exibição de objeto (art. 479), especificando o que não pode ser lido ou
exibido em plenário.
Importante alteração foi a simplificação dos quesitos (arts. 482 e 483),
de sorte a evitar nulidade e a proporcionar aos jurados a possibilidade de julgar segundo
a sua vontade.
Por fim, houve extinção do protesto por novo júri (art. 4º).
Primeira fase – admissibilidade da acusação e encaminhamento do
processo a plenário
Normalmente, são apontadas duas fases do procedimento do júri, uma
de admissibilidade da acusação, outra de julgamento. Contudo, para fins didáticos, é interessante separar o procedimento em três fases: a primeira de admissibilidade da acusação e
encaminhamento da causa a julgamento; a segunda de preparação do processo para o julgamento; a terceira de julgamento.
Os principais atos da primeira fase do procedimento (artigos 406 a 421)
são os seguintes:
- oferecimento da denúncia ou queixa;
- recebimento da denúncia ou queixa (art.406, caput);
- citação do acusado (art. 406, caput);
- resposta do acusado (art. 406, caput, § 3º);
- manifestação do Ministério Público (art. 409);
- realização de diligências (art. 410);
- decisão do juiz (sem previsão);
- audiência com declarações do ofendido, inquirição de testemunhas,
esclarecimento dos peritos, acareações, reconhecimentos, interrogatório, debate oral
e pronúncia (art. 411).
O número de testemunhas que as partes podem arrolar é 8 (oito). É
maior do que o número previsto para inquirição em plenário, de 5 (cinco). Como, durante a tramitação do projeto, não se previu mais a concentração das provas em plenário e
não se manteve a restrição ao uso de provas anteriormente produzidas, inverteu-se o
número de testemunhas previstas originariamente no projeto: 5 (cinco) para a primeira
fase e 8 (oito) para a fase de julgamento.
A resposta do acusado deve ser apresentada no prazo de 10 (dez) dias
(art. 406, caput), contado a partir da data do efetivo cumprimento do mandado ou do comparecimento, em juízo, do acusado ou de defensor constituído, no caso de citação inválida ou
por edital (art. 406, §1º).
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A forma de contagem do tempo nos casos de citação por edital decorre do fato de que o processo será suspenso, por força do artigo 366 do CPP, sendo
reiniciado somente com a presença do acusado ou defensor, quando então começará a
correr o prazo de resposta.
No tocante à citação inválida, o comparecimento do acusado ou de seu
defensor constituído para a resposta sanará o vício.
A resposta será escrita, podendo conter preliminares e alegações sobre
tudo o que interessa à defesa do acusado, bem como o rol de testemunhas (art. 406, §3º).
Pode ser instruída com documentos e justificações. As exceções alegadas serão processadas
em separado (art. 407). A resposta é necessária. Assim, se não for oferecida, será nomeado
defensor dativo (art. 408). Se alegadas preliminares ou apresentados documentos na resposta, será ouvido o Ministério Público ou o querelante (art. 410).
Não se prevê momento para decisão do juiz a respeito da resposta e da
manifestação do Ministério Público. No Projeto, havia a possibilidade de a acusação ser
rejeitada no momento da pronúncia. Não se pode concluir pela desnecessidade de decisão,
pois não teria sentido dar oportunidade ao acusado para, na resposta, argüir preliminares e
alegar tudo que for de seu interesse, abrir vista para a manifestação da parte acusatória, e,
depois, inexistir qualquer pronunciamento judicial.
A dúvida é quanto ao alcance dessa decisão. Parece inquestionável
a possibilidade de o juiz examinar as preliminares alegadas e impedir o seguimento
do processo quando for inepta a acusação ou faltar condição da ação, pressuposto
processual ou justa causa. A dúvida fica, então, circunscrita à possibilidade de se
antecipar decisão sobre matérias que permitem julgamento antecipado de absolvição quando estiverem suficientemente demonstradas, como, por exemplo, em caso
de inequívoca falta de autoria.
Por fim, prevê-se audiência única para instrução, alegações orais e decisão. Na instrução, deve ser obedecida a seguinte ordem: declarações do ofendido, inquirição
de testemunhas, esclarecimento dos peritos, acareações, reconhecimentos, interrogatório (art.
411). Em seguida, serão apresentados debates orais e será proferida sentença (art. 411).
A intenção clara do legislador foi evitar o adiamento da audiência, permitindo
ao juiz indeferir as provas irrelevantes (411, § 2º), determinar a condução coercitiva da testemunha
faltante (411, §7º), inquirir testemunha que comparecer durante a audiência (411, § 8º).
Todavia, dificilmente terão os juízes condições de impedir adiamentos.
Assim, se não comparecer uma testemunha importante para a parte e ela insistir na sua inquirição, não sendo possível a sua condução coercitiva, a audiência deverá ser adiada.
O maior empecilho à celeridade pretendida será a necessidade de, em
casos de ausência de testemunha com adiamento da audiência, rigorosa observância da ordem estabelecida para a realização dos atos de instrução.
O seguimento da ordem de inquirição de testemunhas, primeiramente as
de acusação e depois as de defesa, não era visto, no processo brasileiro, como requisito
indispensável de validade da relação jurídica processual, pois, em casos de expedição de
precatória com prazo para cumprimento, admitia-se a inversão. Agora, apesar de se afirmar
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a necessidade de respeito a essa ordem, houve ressalva ao artigo 222 no artigo 400, caput.
Aceita-se, portanto, em caso de expedição de precatória para ouvir uma testemunha de
acusação, a inquirição anterior das testemunhas de defesa.
Portanto, uma leitura sistemática do dispositivo e uma análise voltada para o objetivo de se dar celeridade ao processo conduzem a que não se
interprete a exigência de observância da ordem de modo extremamente rígido, até
mesmo em prejuízo da defesa. Assim, caso falte uma testemunha de acusação, estando presentes as testemunhas de defesa, desde que concorde o defensor do acusado, elas poderão ser ouvidas.
O tempo das alegações orais é de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis
por mais 10 (dez), conforme art. 411, § 4º. Se houver mais de um acusado, esse
tempo será individual (411, § 5º). Caso haja assistente da acusação, ele terá 10 (dez)
minutos para as suas alegações, acrescentando-se o tempo da defesa em mais 10
(dez) minutos (411, § 6º).
Prevê-se a possibilidade de as partes requererem ao juiz a inquirição
dos peritos (411, § 1º), desde que tenham encaminhado, antes de dez dias da audiência,
as perguntas a serem esclarecidas ( art. 410). O juiz pode de ofício determinar a presença de perito, encaminhando-lhe as questões sobre as quais será ouvido.
Estipulou-se o prazo de 90 (noventa) dias para encerramento da primeira fase do procedimento (art. 412). Caso seja excedido, sem culpa da defesa, haverá
excesso do tempo permitido de prisão.
Pronúncia
As decisões que o juiz poderá proferir na primeira fase do procedimento
são as seguintes: pronúncia (art. 413), impronúncia (art. 414), absolvição sumária (art. 415);
desclassificação com declaração de incompetência (art. 419).
Os requisitos exigidos para ser o acusado pronunciado são dois:
prova da materialidade do fato e indícios suficientes de autoria ou de participação
(art. 413, caput).
A decisão deve ser fundamentada (art. 413, §1), limitando-se o juiz, segundo a lei, à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de
autoria ou de participação, com declaração do dispositivo legal em que julgou incurso o
acusado e com especificação das circunstâncias qualificadoras e das causas de aumento de
pena. O objetivo é evitar o excesso de motivação, capaz de exercer influência nos jurados.
Todavia, não pode o juiz deixar de responder aos argumentos apresentados pelas partes
para sustentarem as suas pretensões, principalmente aqueles produzidos pela defesa com o
objetivo de obter a absolvição sumária ou a desclassificação.
Pode o juiz na pronúncia dar ao fato nova definição jurídica do fato, desde que ele continue o mesmo da imputação, pouco importando se a pena resultante da alteração será mais grave ou mais leve (art. 418, CPP). O mesmo sucede nos demais procedimentos por força do disposto no artigo 383.
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Todavia, se há mudança no fato em virtude de circunstância ou elemento evidenciado durante a instrução, deve-se seguir o artigo 384 (411, § 3º), segundo
o qual sempre haverá aditamento do Ministério Público e, sendo ele recebido, necessidade de nova audiência.
Acaba, assim, a dúvida antes existente a respeito da possibilidade de
o juiz incluir na pronúncia qualificadora não posta pelo Ministério Público na denúncia,
nem derivada de aditamento, em virtude da falta de clareza do antigo artigo 408, § 4º.
O juiz deve se manifestar na pronúncia sobre as medidas cautelares
reais ou pessoais. Quando o crime comportar fiança, ela deverá ser arbitrada ou
deverá ser mantida liberdade provisória anteriormente concedida (art. 413 § 2º).
Deve o magistrado resolver se mantém prisão anterior e, em caso de acusado solto, pode decretar a prisão preventiva (art. 413, § 3º). Isso fará com que dificilmente haja possibilidade de se arbitrar fiança ou manter a liberdade antes concedida
com base em fiança anteriormente prestada. É necessário verificar ainda se serão
conservadas outras medidas cautelares, tais como aquelas previstas na Lei de Violência Doméstica (Lei 11.340/2006), se serão determinadas outras ou se haverá
substituição de alguma medida por outra (art. 413, § 3º).
Após ser proferida a decisão de pronúncia, as partes serão intimadas nas seguintes maneiras (art. 420): pessoalmente, o acusado, o defensor nomeado e o Ministério Público (inciso I); por publicação no órgão incumbido da
publicidade dos atos judiciais da comarca conforme prevê o §1 o do artigo 370 do
Código de Processo Penal, o defensor constituído, o querelante e o assistente do
Ministério Público ( inciso II); por edital, o acusado solto que não for encontrado
(art. 420, parágrafo único, CPP). Sempre deverão ser intimados o acusado e seu
defensor, conforme de há muito entendem os tribunais.
Corrige-se errônea referência à pronúncia como sentença, sendo agora
mencionada corretamente como decisão, pois é ela uma decisão de natureza interlocutória.
Promove-se importante mudança com a possibilidade de intimação por edital do acusado e com o prosseguimento do processo sem a sua presença, permitindo-se o julgamento à revelia em crimes afiançáveis ou não.
Transitada em julgado a decisão, os autos serão encaminhados ao juiz
presidente do Tribunal do Júri (art. 421, caput).
Se, apesar do trânsito em julgado da pronúncia, houver circunstância
superveniente que altere a classificação do crime,, deve-se nos termos do art. 421, § 1º,
remeter os autos ao Ministério Público, o qual pode aditar a acusação. Caso haja aditamento, deve-se ouvir a defesa, ainda que não se encontre referência na lei a essa providência, para efetivação do contraditório. Em seguida, o juiz decide, podendo admitir o
aditamento (art. 421, § 2º).
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Impronúncia e absolvição sumária
Haverá impronúncia quando inexistir prova da materialidade do fato ou
da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação (art. 414, caput). A decisão
gera preclusão, mas não impede que, em virtude de prova nova, possa ser instaurado outro
processo mediante o oferecimento de denúncia ou queixa, enquanto não ocorrer a extinção
da punibilidade (414, parágrafo único, CPP). Aquilo que já exigia a doutrina, agora ficou
certo: há necessidade de outra denúncia e de renovação do feito. O recurso contra a decisão
de impronúncia é a apelação (art. 416, CPP).
A absolvição sumária pode ocorrer em diversas hipóteses: não existir o
fato; não ser o acusado autor ou partícipe do fato; não constituir o fato infração penal; estar
demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime (incisos I a IV do art. 415).
Em relação à isenção de pena em caso de inimputabilidade, somente será possível a absolvição se a inimputabilidade for a única tese defensiva (parágrafo único do art. 415). Acolhe-se
orientação constante de alguns julgamentos1. Deixa-se ao advogado a incumbência de decidir sobre a sorte do acusado. Preferível que ele, de alguma maneira, sustente sempre uma
tese subsidiária, para assegurar a defesa plena afirmada na Constituição (art. 5º, LV). Melhor
seria outro regramento, determinando-se que, em todas as situações de inimputabilidade, o
processo devesse ser encaminhado a julgamento pelos jurados, os quais poderiam absolver
o acusado por outro motivo, afastando dele a aplicação de medida de segurança e preservando a soberania do Tribunal do Júri, garantida constitucionalmente (art. 5º, XXXVIII).
Em relação ao Código anterior, houve ampliação das hipóteses de absolvição sumária, as quais não mais se limitam às excludentes de ilicitude e culpabilidade.
Contra a absolvição sumária, cabe apelação (art. 416, CPP) e não mais
recurso em sentido estrito. Por outro lado, não tem mais razão de ser o impropriamente
denominado recurso de ofício, previsto no artigo 574, II. Como se vê do dispositivo, o
reexame necessário era circunscrito a hipóteses de recurso em sentido estrito, não atingindo
os casos de apelação. Ademais, com a ampliação das hipóteses de absolvição sumária,
aquilo que antes já não se justificava - o controle do tribunal sobre as decisões do juiz de
primeiro grau – agora perde qualquer sentido. Em boa hora, desaparece o recurso de ofício
para a absolvição sumária.
1
Pode-se citar: “1. A absolvição sumária por inimputabilidade do acusado constitui sentença
absolutória imprópria, a qual impõe a aplicação de medida de segurança, razão por que, ao magistrado, incumbe proceder à analise da pretensão executiva, apurando-se a materialidade e autoria delitiva, de forma a justificar a imposição da medida preventiva. 2. Reconhecida a existência
do crime e a inimputabilidade do autor, tem-se presente causa excludente de culpabilidade, incumbindo ao juízo sumariante, em regra, a aplicação da medida de segurança. 3. Inexistindo nos
autos notícia de que a defesa tenha atacado a tipicidade e a ilicitude, ou suscitado a existência de
outra causa excludente da culpabilidade, restando a decisão proferida pelo Tribunal a quo em
conformidade com a pretensão manifestada por ambas as partes, tem-se prejudicada a tese argüida neste writ de que o veredicto do júri poderia ser mais benéfico ao paciente.” (STJ, HC 38.500,
Quinta Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 26.4.2005, DJ 1.7.2005). No mesmo sentido,
STJ, HC 38498 / MG, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 11.4.2006, DJ 8.5.2006.
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Com o aumento dos casos de absolvição sumária, o exame judicial da
materialidade do fato e dos indícios suficientes de autoria pode levar a três decisões. Em
relação à materialidade, se o juiz concluir que ela não está provada, deve absolver; se
considerar que está provada, deve pronunciar o acusado; se entender que há dúvida
sobre a materialidade deve proferir decisão de impronúncia. No tocante à autoria, se
houver prova da existência de indícios suficientes a seu respeito, o juiz pronunciará o
acusado, mas o impronunciará se inexistir tal prova; se, contudo, concluir que não está
provada a autoria, absolverá sumariamente o imputado.
Mudança na definição jurídica do fato e incompetência
Quando responder à acusação, o denunciado ou querelado poderá alegar tudo que interesse a sua defesa (art. 406, § 3 º), incluindo-se, aí, matéria referente a
erro na classificação do fato imputado ao acusado. Como o juiz, na pronúncia, deve declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias
qualificadoras e as causas de aumento de pena (art. 413, § 2º), poderá corrigir o equívoco na classificação da denúncia.
Se, na pronúncia, o juiz discordar da classificação dada ao fato pelo promotor ou querelante, há duas possibilidades. Se, apesar da alteração, o crime resultante da
nova classificação continuar sendo da competência do júri, ele poderá dar ao fato definição jurídica diversa da constante da acusação, embora o acusado fique sujeito à pena
mais grave (art. 418,). O mesmo sucede em outros procedimentos por força da aplicação
do art. 383, do CPP. Caso, em virtude da mudança na classificação, o crime deixe de ser da
competência do júri, o juiz remeterá os autos ao juízo competente para o prosseguimento da
causa (art. 419). Neste juízo, ante a falta de disposição sobre como proceder, deve o juiz
aplicar, por analogia, o artigo 384.
Outra hipótese ocorre quando a alteração decorra da demonstração da
existência de circunstância ou elemento não contido na denúncia ou queixa e que configure
modificação do fato. Antes, havia dois entendimentos sobre o antigo art. 408, § 4º, assim
redigido - o juiz não ficará adstrito à classificação do crime, feita na queixa ou na
denúncia, embora fique o réu sujeito à pena mais grave: o juiz podia incluir qualificadoras
ou causas de aumento na pronúncia, sem aditamento à denúncia pelo Ministério Público; era
obrigatório o aditamento e a aplicação do artigo 384.
Agora, em que pese ser a redação do novo artigo 418 semelhante à
do antigo 408, § 4º, a dúvida ficou dissipada, pois, conforme § 3º, do art. 411, encerrada a instrução probatória, observar-se-á, se for o caso, o disposto no art. 384 deste
Código, ou seja, se durante a instrução ficar evidenciada a existência de circunstância
ou elemento não contido na denúncia ou queixa, deve o juiz, consoante o disposto no
art. 384, baixar os autos para aditamento do Ministério Público, com nova audiência de
instrução e julgamento.
Em caso de haver indícios de autoria ou de participação de outras
pessoas não incluídas na acusação, o juiz, ao pronunciar ou impronunciar o acusado,
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determinará o retorno dos autos ao Ministério Público, por15 (quinze) dias, aplicável,
no que couber, o art. 80 deste Código, o qual prevê a separação facultativa do processo.
Assim, o promotor poderá aditar a denúncia e incluir novos acusados, os quais serão
citados, devendo ser realizada nova instrução, ou, oferecer denúncia em separado com instauração de outro processo.
O mesmo dispositivo poderá servir para a hipótese em que surgirem elementos idôneos a respeito de novos fatos criminosos, conexos com aquele
da denúncia, levando ao seu aditamento, com renovação da instrução, ou ao oferecimento de outra denúncia.
Outra regra que trata de mudança fática é a do artigo 421, § 1º: Ainda que
preclusa a decisão de pronúncia, havendo circunstância superveniente que altere a classificação do crime, o juiz ordenará a remessa dos autos ao Ministério Público. Depois,
conforme parágrafo seguinte, os autos serão conclusos ao juiz para decisão. A ocorrência
normalmente citada para exemplificar a regra é da morte superveniente da vítima, que exige
a modificação da acusação por tentativa de homicídio para homicídio consumado. Neste
caso, pelo novo dispositivo, o Ministério Público, recebendo os autos, deve aditar a denúncia, e o juiz, após ouvir a defesa, proferir nova decisão de pronúncia.
Segunda fase
Da Preparação do Processo para Julgamento em Plenário
Os principais atos da segunda fase - Da Preparação do Processo para
Julgamento em Plenário - (Seção III) são os seguintes:
- remessa dos autos ao presidente do Tribunal do Júri (art. 422);
- intimação das partes para apresentarem rol de testemunhas que irão
depor em plenário (art. 422);
- deliberação sobre requerimento de provas a serem produzidas ou
exibidas no plenário do júri (art. 423, caput);
- realização de diligências para sanar nulidade ou esclarecer fato relevante (art. 423, I);
- elaboração de relatório sucinto do processo (art. 423, I);
- determinação para inclusão do processo na pauta (art. 423, II)
- inclusão do processo na pauta (art. 429);
- intimação das partes, do ofendido, das testemunhas para a sessão do
julgamento (art. 431);
- sorteio dos jurados que atuarão na reunião periódica e, portanto, no
julgamento (art. 432 e 433);
- convocação dos jurados (art. 434);
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- afixação na porta do edifício do Tribunal do Júri de: relação dos jurados
convocados, nomes do acusado e dos procuradores das partes, dia, hora e local das sessões
de instrução e julgamento (art. 435);
Como visto, a segunda fase inicia-se com o recebimento dos autos pelo
presidente do Tribunal do Júri (art. 422), o qual deve determinar a intimação do órgão do
Ministério Público, do querelante, do defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias: apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco); juntarem
documentos; requererem diligências (art. 422).
Essa nova disposição decorre da supressão do libelo e da contrariedade
ao libelo. Houve necessidade de outro momento para as partes arrolarem as suas testemunhas, produzirem provas documentais e efetuarem requerimentos. Quanto às testemunhas, é
necessário indicar se são imprescindíveis para a prova, pois, sem essa indicação, em caso de
ausência de alguma delas, o julgamento será assim mesmo realizado (art. 461). Sobre os
documentos, podem ser juntados até três dias antes do julgamento (art. 479, caput), e, se
superada essa data, não poderão ser lidos em plenário.
O juiz, diante dos requerimentos feitos pelas partes, poderá ordenar as
diligências necessárias para sanar alguma nulidade ou esclarecer fato que interesse ao julgamento da causa (art. 423, I). Se não houver diligência ou tiver sido efetuada, deverá o juiz
fazer um relatório sucinto do processo e determinar sua inclusão em pauta de reunião do
Tribunal do Júri (art. 423, II).
A nova lei buscou melhorar o sistema de alistamento de jurados. Aumentou o número dos alistados que podem em comarcas maiores chegar a 1.500 (hum
mil e quinhentos) jurados (art. 425, caput), enquanto, na legislação anterior, esse número
era de 500 (quinhentos) (antigo 439), admitindo-se ainda a elevação daquele número e
a organização de listas de suplentes (art. 425, § 1º). Ampliou o elenco de entidades às
quais são requisitadas indicações de pessoas para exercerem a função de jurado (art.
425, § 2º). Alterou a data de publicação da lista. Agora, será publicada pela imprensa
até o dia 10 de outubro de cada ano, podendo ser alterada até o dia 10 de novembro
(art. 426 e § 1º), sendo, antes, publicada em novembro e podendo ser alterado até a
segunda quinzena de dezembro (antigo 439, parágrafo único). Os nomes e endereços
dos jurados alistados ficarão guardados em urna fechada a chave, sob responsabilidade
do juiz presidente (art. 426, § 2º).
Exclui-se o jurado que tiver integrado o Conselho de Sentença nos 12
(doze) meses que antecederam à publicação da lista geral (art. 426, § 4º). Pretende-se
com a norma evitar o jurado profissional, embora uma participação ou poucas não permitam dar essa qualificação ao jurado. A inobservância da regra decorrente da manutenção do jurado poderá gerar nulidade dos julgamentos em que ele venha a participar.
A inclusão do processo na pauta de julgamento deve, em princípio,
adotar a seguinte ordem: os processos de acusados presos e, dentre eles, os de acusados
presos há mais tempo, e, em qualquer caso, havendo igualdade de condições entre os
acusados, os processos precedentemente pronunciados (art. 429, incisos I, II, III). A
lista dos processos a serem julgados será afixada na porta do edifício do Tribunal do Júri
antes do dia designado para o primeiro julgamento da reunião periódica (art. 429, § 1º).
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Organizada a pauta dos processos da reunião periódica, entre o décimo e
o décimo quinto dia útil antecedente à instalação da reunião, procede-se ao sorteio dos
jurados, em número de vinte e cinco, sendo intimados para o ato o Ministério Público, a
Ordem dos Advogados do Brasil e a Defensoria Pública, não sendo o sorteio adiado se não
comparecerem (art. 432 e 433). Os jurados sorteados serão convocados para comparecer
no dia e hora designados para a reunião (art. 434). Serão afixados na porta do edifício do
Tribunal do Júri a relação dos jurados convocados, os nomes do acusado e dos procuradores das partes, além do dia, hora e local das sessões de instrução e julgamento (ar. 435).
A lista dos jurados pode incluir cidadão maior de 18 (dezoito) anos (art.
436). Antes, devia ter vinte e um (art. 434). O jurado não pode ser excluído da lista ou nela
não ser incluído por razões de cor, etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou econômica, origem ou grau de instrução (art. 436, § 1º). Arrolam-se vários casos de isenção do
júri (art. 437), semelhantes ao anteriormente previstos.
A recusa injustificada em participar dos serviços de júri acarretará multa
no valor de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos (art. 436, § 2º). A recusa ao serviço do júri
fundada em convicção filosófica, religiosa ou política importa no dever de prestação de serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos, cabendo ao juiz fixar o tipo de
serviço alternativo (art. 438).
O exercício efetivo da função de jurado traz, conforme artigos 439 e 440,
algumas vantagens: a) constitui serviço público relevante; b) estabelece presunção de idoneidade moral; c) assegura prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo; d) dá preferência, em igualdade de condições, nas licitações públicas e no provimento,
mediante concurso, de cargo ou função pública, bem como nos casos de promoção funcional
ou remoção voluntária. Não poderá sofrer desconto nos vencimentos ou salário o jurado
que, sorteado, comparecer à sessão do júri (art. 441).
A ausência do jurado à sessão sem causa legítima ou a retirada antes de
ser dispensado leva a que o juiz imponha ao faltoso multa de 1 (um) a 10 (dez) salários
mínimos (art. 443). Admite-se escusa fundada em motivo relevante e devidamente comprovado se apresentada até o momento da chamada dos jurados, exceto se o motivo for de
força maior (art. 443).
Os jurados respondem, no exercício de sua função ou a pretexto
de exercê-la, criminalmente nos mesmos termos da responsabilidade do juiz de
direito (art. 445).
O Tribunal do Júri é um órgão colegiado composto pelo juiz togado e
por mais vinte e cinco jurados, sendo que, destes, sete sorteados comporão o Conselho
de Sentença em cada sessão de julgamento (art. 447). Antes o Tribunal era composto
por vinte e um jurados. O aumento visa a evitar adiamentos das sessões, pois se exige o
comparecimento de pelo menos quinze jurados, e, além do mais, poderá haver recusas
das partes.
Aplicam-se aos jurados as normas sobre suspeições, impedimentos e incompatibilidades dos jurados (art. 448, § 2º). Há, ainda, uma série de impedimentos próprios dos jurados previstos nos artigos 448 e 449. O primeiro não permite que sirvam no
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mesmo Conselho cônjuges, conviventes e parentes; o segundo impossibilita alguém
de servir em virtude de atuação anterior no mesmo processo ou em processo de
co-autor ou partícipe, ou, ainda, em razão de ter manifestado prévia intenção de
acusar ou absolver o acusado.
Incluído o processo na pauta, serão intimadas as partes, o ofendido, as testemunhas, os peritos, que devam participar da sessão de julgamento (art.
431) e os jurados.
Aumenta-se o tempo para o assistente requerer a sua intervenção
no julgamento. Antes, devia fazer o pedido com antecedência de, pelo menos três
dias, da data do plenário (art. 447, par. único); agora, o requerimento pode ser
feito até cinco dias antes da data da sessão na qual pretenda participar (art. 430).
Incidentes de desaforamento e de aceleração do julgamento
O desaforamento consiste em causa de alteração de competência em
que se retira o feito do foro competente e se o transfere para outro. Mantém-se em
linhas gerais o desaforamento como era. Permanecem as mesmas hipóteses justificadoras
da alteração de competência: interesse de ordem pública, dúvida sobre a imparcialidade
do júri, dúvida sobre a segurança pessoal do réu, excesso de serviço (antes atraso),
conforme art. 427 e 428. Conserva-se a possibilidade de ele ocorrer em virtude de
requerimento das partes ou representação do juiz (art. 427, caput). O julgamento era e
é de competência do Tribunal de Justiça (art. 427, caput). O encaminhamento do processo deverá ser feito para uma comarca próxima, onde não persistam os motivos responsáveis pelo desaforamento (art. 427, caput).
Houve, contudo, mudanças ou acréscimos. Determina-se a distribuição imediata do pedido de desaforamento e afirma-se a sua preferência de julgamento (art. 427, § 1º). Permite-se que o assistente do Ministério Público possa
requerer o aditamento (art. 427, caput). Possibilita-se a suspensão do julgamento
pelo relator (art. 427, § 3). Exclui-se o desaforamento na pendência de recurso
contra a decisão de pronúncia ou quando efetivado o julgamento, salvo nesta última
hipótese, quanto a fato ocorrido durante ou após a realização do julgamento anulado (art. 427, § 4º). Permite-se o desaforamento quando, em virtude do excesso de
serviço, constate-se que o julgamento não será realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia (art. 427, § 1º), sendo que, antes, o desaforamento dependia de não realização do julgamento no período de um ano (art. 424, parágrafo único), contado da data da apresentação do
libelo. Cria-se um incidente de aceleração do julgamento, admissível quando não
houver excesso de serviço ou não existir processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri, nas reuniões periódicas previstas para o exercício (art. 428, § 2º).
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Terceira fase do procedimento
Principais atos
Os principais atos da terceira fase compreendida pelos artigos 453 a 497
do Código de Processo Penal são os seguintes:
- decisões e providências sobre isenção e dispensa dos jurados, pedido
de adiamento, ausência do Ministério Público, ausência do advogado do acusado, não comparecimento do acusado solto, do assistente, do advogado do querelante, não condução do
acusado preso, não comparecimento de testemunha (art. 454 a 461);
- verificação da urna e chamamento dos jurados (art. 462);
- instalação dos trabalhos com anúncio do processo e pregão (art.
463);
- esclarecimento sobre impedimentos e suspeições, advertência sobre a
incomunicabilidade e proibição de manifestação de opinião (art. 466);
- sorteio dos membros do Conselho de Sentença (art. 467);
- recusas das partes (arts. 468, 469);
- formação do Conselho de Sentença (art. 470);
- exortação aos jurados e resposta (art. 472);
- entrega aos jurados de cópias da pronúncia e de decisões posteriores
(art. 472, par. único);
- instrução em plenário, com declarações do ofendido, inquirição das
testemunhas; acareações, reconhecimento de pessoas e coisas, esclarecimento de peritos, leitura de peças, interrogatório (arts. 473 a 475);
-.acusação oral pelo Ministério Público, assistente da acusação,
querelante(art. 476);
- defesa oral pelo advogado do acusado (art. 476, § 3º);
- réplica da acusação (art. 476, § 4º);
- tréplica da defesa (art. 476, § 4º);
- votação dos quesitos (arts. 482 a 490);
- elaboração de termo assinado pelo juiz presidente, pelos jurados e
pelas partes (art. 491)
- sentença lida em plenário (art. 492 e 493);
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Ausências, isenções, adiamentos, dissolução do Conselho
As ausências podem ou não ocasionar o adiamento do julgamento. Haverá adiamento quando não comparecerem o membro do Ministério Público, o defensor ou o
acusado preso e não o haverá quando a ausência for do advogado do querelante, do assistente ou do réu solto.
Em caso de ausência do membro do Ministério Público, podem ocorrer
duas situações. Havendo justificativa, o juiz simplesmente transferirá o julgamento para o
primeiro dia desimpedido da mesma reunião, cientificadas as partes e as testemunhas (art.
455, caput, CPP). Não existindo justificativa, o juiz comunicará o fato imediatamente ao
Procurador-Geral de Justiça com a data designada para a nova sessão (art. 455, parágrafo
único, CPP).
A nova legislação prevê o adiamento do julgamento pela ausência do Ministério Público, independentemente da existência de justo motivo. Não será nomeado promotor ad
hoc, como era previsto no antigo parágrafo único do artigo 448, o qual não fora recepcionado
pela Constituição de 1988 em virtude do que dispõe o seu 129, §2º.
Também o adiamento em virtude da ausência do advogado terá soluções
diversas na dependência de haver escusa legítima ou constituição de novo defensor, conforme se extrai do artigo 456 e parágrafos 1º e 2º. Quando há escusa ou, na falta desta, há
contratação de outro advogado pelo acusado, o juiz simplesmente adia o julgamento. Faltando a escusa e não ocorrendo a contratação de outro defensor, o juiz comunica imediatamente
o fato ao presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com a data designada
para a nova sessão; será intimada a Defensoria Pública para o novo julgamento, prevendo-se
que o adiamento somente ocorrerá uma vez.
Outra razão para o adiamento consiste na não apresentação do acusado
preso (art.457, § 2º, primeira parte). Todavia, o julgamento poderá ser feito quando houver
pedido de dispensa de comparecimento subscrito pelo acusado e por seu defensor (art.
457,§ 2º, segunda parte).
Embora se afirme o não adiamento do julgamento pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido
regularmente intimado (art. 457, caput), prevê-se a prévia submissão dos pedidos de
adiamento e das justificações de não comparecimento ao juiz presidente do Tribunal
(art. 457, § 1º), o que permitiria, então, excepcionalmente o adiamento, quando houver
motivo de força maior. Imagine-se a ausência do acusado solto, o qual, apesar de manifestar o seu interesse em estar presente, foi acometido de uma doença.
A ausência de testemunha pode gerar o adiamento do julgamento quando a parte, ao ser intimada para o arrolamento das testemunhas após a pronúncia, tiver
requerido a sua intimação por mandado, declarando não prescindir do depoimento e
indicando a sua localização (art. 461, caput). O juiz pode suspender o julgamento e
mandar conduzir a testemunha, somente decidindo pela marcação de nova data para a
sessão quando isso não seja possível (art. 461, § 1º). O julgamento será feito se a testemunha não tiver sido encontrada pelo oficial de justiça (art. 461, § 2º).
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A testemunha que, sem justa causa, deixar de comparecer será multada,
sem prejuízo de ser processada criminalmente por desobediência (art. 458). Aquela que
comparecer não sofrerá descontos nos vencimentos ou salário (arts. 459 e 441).
Outros motivos de adiamento relacionam-se com o número de jurados. Assim, haverá adiamento se não comparecerem, pelo menos, quinze jurados
(art. 464), em cujo número não serão computados os jurados suspeitos ou impedidos (art. 463, § 2º), ou se, em conseqüência do impedimento, suspeição, incompatibilidade, dispensa ou recusa, não houver número para formação do Conselho (art.
471). Para o novo julgamento, serão convocados os suplentes sorteados na sessão
(arts. 464, 465, 471).
Em qualquer momento, se o juiz entender que a verificação de qualquer
fato, reconhecida como essencial para o julgamento da causa, não puder ser realizada imediatamente, o juiz presidente dissolverá o Conselho, ordenando a realização das diligências
(art. 481). Quando se tratar de prova pericial, o juiz nomeará os peritos e formulará os
quesitos, facultando às partes também formulá-los e indicar assistentes técnicos, no prazo de
5 (cinco) dias (art. 481, par. único).
Instalação dos trabalhos, formação do Conselho de Sentença,
impedimentos, suspeições e incompatibilidades
Não havendo adiamento do julgamento, o juiz verificará se a urna
contém as cédulas dos 25 (vinte e cinco) jurados sorteados, procedendo-se à chamada deles pelo escrivão (art.462). Comparecendo, pelo menos, 15 (quinze) jurados, o juiz presidente declarará instalados os trabalhos, anunciando o processo que
será submetido a julgamento (art. 463, caput), sendo feito o pregão pelo oficial de
justiça (art.463, § 1º).
Em seguida, o juiz esclarecerá os jurados sobre os impedimentos, as
suspeições e incompatibilidades (art. 466) e os advertirá de que, uma vez sorteados, não
poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho de Sentença e multa (art. 466, § 1º).
Depois, será feito o sorteio de sete jurados para a formação do Conselho
de Sentença (art. 467), sendo que, durante o sorteio, a defesa e, depois dela, o Ministério
Público poderão recusar os jurados sorteados, até 3 (três) para cada parte, sem motivar a
recusa (art. 468, caput). Havendo dois ou mais acusados, as recusas poderão ser feitas por
um só defensor (art. 469, caput). Caso cada defensor faça as suas recusas e, em virtude
delas, não seja obtido o número mínimo de sete jurados para formação do Conselho de
Sentença, separam-se os julgamentos, sendo julgado em primeiro lugar aquele a quem foi
atribuída a autoria do fato ou, em caso de co-autoria, utilizando-se os critérios de preferência
do art.429 para a formação da pauta (art. 469, §§ 1º e 2º).
As argüições de impedimento, suspeição e incompatibilidade contra o juiz
presidente do Tribunal do Júri, o órgão do Ministério Público, jurado ou qualquer funcionário
será examinada na sessão, e, se desacolhida, não suspenderá o processo (art. 470). Deve
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constar da ata o fundamento da argüição e a decisão (art. 470) para o fim de possibilitar
eventual reexame em grau de recurso.
Formado o Conselho de Sentença, o presidente do Tribunal do Júri fará
aos jurados a seguinte exortação: Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa
com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os
ditames da justiça. Os jurados, nominalmente chamados pelo juiz, responderão: Assim o
prometo (art. 472, caput). Em seguida, os jurados receberão cópias da pronúncia, ou, se for
o caso, das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório do processo (art. 472, parágrafo único).
Instrução em plenário e debates
Os atos da instrução em plenário são os seguintes: inquirição do ofendido e
das testemunhas de acusação (473, caput); inquirição das testemunhas de defesa (473, § 1º);
acareações, reconhecimentos, esclarecimentos dos peritos (473, § 3º); interrogatório (474).
Na inquirição das testemunhas de acusação, perguntarão, nessa ordem, o
juiz, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor (art.473, caput), e, na das
testemunhas de defesa o juiz, o defensor, o Ministério Público, o assistente, o querelante (art.
473, § 1º). Os jurados poderão, depois, formular perguntas ao ofendido e às testemunhas,
por intermédio do juiz (art. 473, § 2º). As perguntas das partes serão feitas diretamente às
testemunhas (art. 473, caput).
O interrogatório será feito pelo juiz (art. 474, caput), podendo o Ministério, o assistente, o querelante e o defensor, nessa ordem, formular, diretamente, perguntas ao
acusado (art. 474, § 1º) e os jurados formulá-las por intermédio do juiz presidente (art. 474,
§ 3º). O novo dispositivo resolve questão surgida quando houve alteração do tratamento
dado ao interrogatório. Passou-se a admitir que as partes pudessem pedir esclarecimentos
ao acusado (art. 480, §§ 1º e 2º), mas não se indicou a ordem a ser obedecida. Aplicandose, agora, por analogia o § 1º, do art. 474, deve-se seguir a ordem nele estabelecida. É a
solução que melhor observa o contraditório.
Os debates serão dirigidos ao juiz e aos jurados, porque incumbe ao
primeiro resolver sobre a pena e sobre a medida de segurança e aos segundos decidir
sobre a materialidade, a autoria, a absolvição, as causas de aumento ou diminuição de
pena, as circunstâncias qualificadoras ou privilégios. O Ministério Público sustentará a
acusação aos jurados e poderá alegar nos debates a existência de agravantes (art. 476,
caput) para que o juiz possa fixar pena mais grave. A defesa deverá postular aos jurados
a absolvição, a desclassificação, a aceitação de uma causa de diminuição de pena e
afirmar a existência de circunstâncias atenuantes (art. 476, § 4º) que poderão influir na
fixação da pena.
Falará primeiramente a acusação (Ministério Público, assistente, querelante) e depois a defesa, podendo haver réplica e tréplica (art.476 e parágrafos). O
tempo para cada parte é de uma hora e meia e, em caso de réplica e tréplica, de mais uma
hora (art. 477), passando a ser de duas horas e meia e duas horas quando houver mais de
um acusado (art. 477, § 2º).
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Algemas, registro dos atos em plenário, restrições à instrução e
aos debates em plenário
Muito se vinha discutindo sobre a influência nos jurados do fato de o
acusado ficar algemado durante o período em que permanece em plenário. Agora, com
o § 3º, do artigo 474, considerou o legislador que essa influência existe e, por isso,
somente será possível o uso de algemas se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia de integridade física dos presentes. Foi
essa também a orientação adotada pelo Supremo Tribunal Federal, em súmula vinculante.
Como também é possível nos procedimentos em geral, permite-se
o registro dos depoimentos e interrogatório pelos meios ou recursos de gravação
magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica similar, destinada a obter maior fidelidade e celeridade na colheita da prova, sendo depois transcrito o registro (art. 475
e parágrafo único).
Algumas restrições foram estabelecidas em relação à instrução e aos
debates em plenário.
Assim, há restrição quanto ao que pode ser lido em plenário. Poderá
haver leitura de peças desde que se refiram, exclusivamente, às provas colhidas por
carta precatória e às provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis (art. 473, § 2º).
Embora conste serem essas as únicas peças a serem lidas, em casos excepcionais, devido à complexidade do processo, por consenso das partes e concordância do juiz, outras
também poderão ser lidas, sob pena de se prejudicar o julgamento.
Também não poderão ser lidos documentos ou exibidos objetos que
não tiverem sido juntados aos autos com a antecedência de três dias úteis, dando-se
ciência à outra parte (art. 479). Com a nova lei, buscou-se explicitar o que se compreende na proibição: leitura de jornais ou qualquer outro escrito, exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, croquis ou qualquer outro meio assemelhado (art. 479, par.
único). É essencial que o conteúdo verse sobre a matéria de fato submetida à apreciação
e julgamento dos jurados (art. 479, par. único). Deve-se compreender também na proibição documentos ou gravações que, sem dizerem respeito ao fato, se refiram ao agente, como a sua certidão de antecedentes criminais. Por outro lado, fica fora da proibição
a leitura, por exemplo, de revistas de jurisprudência ou de dados estatísticos sobre a
incidência de crime na região.
A análise do artigo 473, § 2º, e do artigo 479 mostra serem coisas
diferentes a leitura de peças solicitadas pelas partes ou determinada pelo juiz a ser
feita pelo escrivão (art. 473, § 2º) e a leitura de peças pelas partes durante os debates, em relação às quais há menores proibições, como a de leitura de documentos
não juntados antes de 3 (três) dias úteis da sessão. Em princípio, as partes podem se
referir ou ler qualquer peça dos autos, exceto quando houver proibição expressa
nesse sentido ou se tratar de elemento indiciário não confirmado em contraditório,
pois não tem o valor de prova.
Tanto é assim que o legislador permite aos jurados, à acusação e à defesa, em qualquer momento, pedir, por intermédio do juiz presidente, ao orador que indique a
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folha dos autos onde se encontre a peça por ele lida ou citada (art. 480, caput,
primeira parte).
O artigo 478 contém algumas proibições. Não permite que as partes façam referências à decisão de pronúncia ou às decisões posteriores que julgaram admissível a
acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficie ou prejudique o acusado (inciso I). Não possibilita referências ao silêncio do acusado ou
à ausência de interrogatório, em seu prejuízo (inciso II).
A vedação à alusão ao silêncio ou à ausência ao interrogatório é decorrência do direito constitucional ao silêncio do acusado e do seu direito de não comparecer à sessão de julgamento para ser interrogado. Contudo, a falta de menção a esses
dados não impede que eles influam no julgamento, principalmente porque os juízes
leigos não motivam as suas decisões, sendo corrente entre o povo o ditado de que quem
cala consente. Por isso, deve o defensor analisar com muito cuidado se convém ao
acusado ficar em silêncio ou não comparecer à sessão.
Caberá ao juiz e à parte contrária fiscalizar a obediência a essas proibições.
Poderá haver dificuldades para o juiz. Imagine-se que uma das partes
impugne a referência à pronúncia, asseverando que isso foi feito como argumento de
autoridade. A outra parte contesta. Como agirá o juiz. Se entender que houve violação,
deveria, em princípio, declarar a nulidade, encerrando o julgamento. Todavia, se assim
se proceder, poderá haver estímulo a uma parte para que faça a referência quando pressentir que o julgamento lhe será adverso, forçando a declaração de nulidade. Para evitar
isso, poderia o juiz consignar a impugnação, deixando para declarar a nulidade somente
se vier a ser prejudicada a parte que a ela não deu causa.
Por outro lado, como o juiz irá consignar na ata o ocorrido? Deveria,
em princípio, transpor para a ata o que foi dito pela parte, a fim de que, em grau de
recurso, o tribunal possa apreciar eventual alegação de nulidade. Mas nem sempre isso
será fácil ou possível. Caso a sessão estivesse sendo gravada, poderia o tribunal, em
caso de dúvida, tomar conhecimento direto do que foi afirmado pela parte.
Os jurados podem solicitar, por meio do juiz presidente, ao orador,
além de esclarecimento sobre peça dos autos lida ou citada, também esclarecimento de
fato por ele alegado (art. 480, caput). Indagados se estão habilitados a julgar ou necessitam de outros esclarecimentos (art. 480, § 1º), os jurados poderão pedir ao juiz que
esclareça alguma questão à vista dos autos (art. 480, § 2º) ou que lhes dê acesso aos
autos e aos instrumentos do crime (art. 480, § 3º).
Questionário, votação e sentença
Houve importantes mudanças no tocante à formulação dos quesitos visando a simplificar a votação e a evitar nulidades. Antes os jurados votavam questões jurídicas complexas porque decidiam especificamente sobre todas as teses de absolvição, sendo
em regra necessária a formulação de muitos quesitos. Agora, busca-se apurar a vontade dos
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jurados, não mais se exigindo a votação especificada das teses da defesa e, com isso, reduzindo-se bastante o número de quesitos.
Para evitar erros na votação e na apreensão da vontade dos jurados,
exige-se que os quesitos sejam redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão (art. 482, par. único, primeira parte).
A formulação dos quesitos levará em conta os termos da decisão que
admitiu a acusação, o interrogatório e as alegações das partes em plenário (art. 482, par.
único, primeira parte).
Estabeleceu-se uma ordem na votação dos quesitos: materialidade do
fato, autoria ou participação, absolvição, causas de diminuição de pena, circunstância
qualificadora ou causa de aumento reconhecidas na decisão de admissibilidade da acusação (art. 483, incisos I a V).
Poderão ser incluídos outros quesitos sobre: desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular entre o segundo ou o terceiro quesito
(art. 483, § 4º), tentativa (art. 483, § 5º), tipificação do delito (art. 483, § 5º) após o
segundo quesito.
Havendo mais de um crime ou mais de um acusado, os quesitos serão
formulados em séries distintas (art. 483,§ 6º).
É importante interpretar o novo sistema de votação com a visão voltada para o objetivo da reforma de simplificação dos quesitos e de apreensão da vontade
dos jurados - se de absolver ou condenar -, sem questioná-los sobre as complexas questões jurídicas sustentadas pela defesa.
Não há, portanto, razão para ser o primeiro quesito, sobre a
materialidade do fato, separado em dois, como antes se fazia na indagação sobre o fato
principal. Caso haja debate sobre a inexistência de relação de causalidade, a questão
será abrangida pelo quesito sobre absolvição ou, eventualmente, sobre desclassificação.
Não existe mais necessidade de se indagar o jurado sobre as diversas
teses de absolvição apresentadas pela defesa. Somente será exigida indagação específica a respeito da tese de absolvição por inimputabilidade, pois dela decorre a aplicação
de medida de segurança.
Também não se perguntará necessariamente aos jurados a respeito de
excesso culposo, o que somente será feito quando for tese apresentada pela parte ou
decorrer do interrogatório do acusado. Como se trata de hipótese em que poderá haver
desclassificação do crime de doloso para culposo, o quesito será feito após o terceiro
quesito conforme dispõe o art. 483, § 4 º.
O terceiro quesito sobre a absolvição, se respondidos afirmativamente os dois anteriores, é obrigatório, ainda que o advogado sustente apenas a
tese de negativa de autoria. Será sempre necessário verificar se os jurados desejam
absolver o acusado.
Elaborados os quesitos, eles serão lidos às partes, as quais poderão efetuar requerimento ou reclamação, a cujo respeito será proferida decisão (art. 484, caput).
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Depois, serão os jurados esclarecidos sobre o significado de cada quesito (art.
484, par. único).
Segue-se a votação em sala reservada na qual estarão presentes somente
o juiz, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o
escrivão e o oficial de justiça (art. 486, caput). São distribuídas aos jurados sete cédulas
contendo a palavra sim e sete contendo a palavra não (art.486), sendo recolhidas em urnas
separadas as cédulas correspondentes aos votos e as não utilizadas (art. 487). O juiz verifica
os votos e as cédulas não utilizadas, determinando que o escrivão registre no termo a votação
de cada quesito, bem como o resultado do julgamento e a conferência das cédulas não
utilizadas (art. 488 e parágrafo único). As decisões serão tomadas por maioria dos votos
(art.489) e bastam três votos em determinado sentido para ser encerrado o julgamento (art.
483, §§ 1º e 2º). Assim, havendo três votos com respostas negativas a respeito dos quesitos
sobre materialidade e sobre a autoria, encerra-se a votação, e, havendo três votos com
respostas positivas, prossegue-se na votação do quesito sobre a absolvição (art. 483, §§ 1º
e 2º). Também se adotará o mesmo procedimento na votação dos demais quesitos.
Havendo contradição na votação dos quesitos, o juiz, explicando aos
jurados em que consiste a contradição, submeterá novamente à votação os quesitos a que se
referirem tais respostas (art. 490, caput). Se em virtude da votação de um quesito os demais
ficarem prejudicados, o juiz assim o declarará (art. 490, par. único).
Encerrada a votação, elabora-se o termo (art.491) e, em seguida, o juiz
proferirá sentença condenatória ou absolutória em conformidade com o resultado da votação dos quesitos.
No caso de condenação, o juiz fixará a pena, devendo levar em
conta as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates e as causas
de aumento admitidas pelos jurados, seguindo, no mais, o que consta do artigo
387, do CPP (art. 492, I, a, b, c, d).
Decorre do novo dispositivo que os jurados não votam as circunstâncias
agravantes e atenuantes, mas apenas as causas de aumento ou de diminuição de pena. Não
há ofensa à soberania do Júri, pois as matérias referentes à pena a ser imposta ao condenado
podem ser atribuídas exclusivamente ao juiz, competente para fixá-la.
O juiz somente pode considerar circunstância agravante ou atenuante debatida em plenário. No que se refere à agravante, representa importante mitigação na aplicação do artigo 385 reclamada pela doutrina, suprimindo-se do juiz o poder de aplicar agravante de ofício. Com isso melhor se resguarda a defesa e melhor se garante o contraditório.
Todavia, quanto à atenuante, o tema exige melhor explicação. Melhor seria que se adotasse
a “cesura”, com partição do julgamento em duas etapas, ficando a segunda destinada ao
debate sobre a pena, caso houvesse condenação na primeira. Como isso não aconteceu, não
se pode exigir do defensor do acusado que, para sustentar a existência de uma atenuante,
tenha de, embora implicitamente, admitir a possibilidade de condenação. Por isso, preferível
entender que pode o juiz, em virtude do princípio da plenitude da defesa aplicável ao júri,
admitir circunstância atenuante se ela resultar da prova dos autos, principalmente quando
assentada em prova documental, como ocorre com a menoridade.
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Com a mesma orientação adotada em relação aos demais procedimentos
alterados recentemente, exige-se que na sentença o juiz, para determinar o recolhimento à
prisão ou a sua manutenção, verifique se estão presentes os requisitos da prisão preventiva
(art. 492, I, e).
Ainda, incumbe ao juiz estabelecer os efeitos genéricos e específicos da
condenação (art. 492, I, f).
Quando houver absolvição, pelo novo sistema de votação dos quesitos,
não se exige do juiz a indicação do fundamento da absolvição, mas somente que mande
colocar em liberdade o acusado se por outro motivo não estiver preso, revogue as medidas
restritivas provisoriamente decretadas e imponha, se for o caso, a medida de segurança
cabível (art. 492, II, a,b,c).
A verificação do fundamento da absolvição será feita com base no termo
e no resultado da votação dos quesitos. Somente ficará certa a causa de absolvição quando
negada a materialidade ou a autoria (quesitos I e II). Não se saberá, contudo, a razão da
absolvição quando ocorrer na votação do quesito III.
Das ocorrências mais importantes será lavrada ata (art. 495), sendo que a
falta da ata sujeitará o responsável a sanções administrativa e penal (art. 496). A ata é documento de vital importância para o júri, pois é por seu meio que será verificada a regularidade
dos trabalhos ou, ao contrário, a existência de eventual nulidade. Também servirá para a
parte demonstrar a inocorrência de preclusão pela oportuna impugnação a respeito da redação de um quesito.
Mudanças de classificação após a pronúncia e no julgamento
Quanto à desclassificação no julgamento em plenário, a nova lei trouxe importantíssimas alterações.
No art. 492, § 1º, a primeira parte corresponde, com diferente redação, ao que estava no § 2º, do mesmo dispositivo. Prevê que, se houver desclassificação da infração para outra, de competência do juiz singular, ao presidente do Tribunal
do Júri caberá proferir em seguida a sentença.
Todavia, a segunda parte do novo § 1º, do artigo 492, contempla
hipótese antes não suficientemente regulada pela legislação em vigor. Determina a aplicação, quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como
infração de menor potencial ofensivo, do disposto nos arts. 69 e seguintes da Lei n º
9.099, de 26 de setembro de 1995.
Quando passou a vigorar, entre nós, a Lei n º 9.099, muito se discutiu
sobre a possibilidade de, em caso de desclassificação em plenário de Júri, ser efetuada a
transação prevista no artigo 76. Prevaleceu o entendimento de que os autos deveriam
ser remetidos ao Juizado Especial. Posteriormente, a Lei 11313/2006 reabriu a discussão, ao prever que, em casos de reunião de processos, perante o juízo comum ou o
tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, seriam obser-
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vados os institutos da transação dos danos e da composição civil. Com isso, sem se discutir,
aqui, sobre as afirmações de inconstitucionalidade em virtude da competência exclusiva do
Juizado Especial para a aplicação da Lei nº. 9.099, admitiu-se que, nos processos de júri,
fosse feita a transação. Ora, se ela era possível no início do processo, nada impedia que fosse
feita, ao final, em caso de desclassificação. De qualquer forma, permanecia ainda alguma
dúvida a respeito. Agora, com o § 1º, do art. 492, quis o legislador que fossem aplicadas as
regras dos artigos 69 e seguintes da Lei 9099. Assim, deve o juiz elaborar sentença com a
declaração da desclassificação, aguardar o decurso de prazo para o recurso do Ministério
Público, e, depois, designar audiência para os fins previstos nos artigos citados.
Outra relevante regra é a do § 2º, do artigo 492: Em caso de desclassificação, o crime conexo que não seja doloso contra a vida será julgado pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, aplicando-se, no que couber, o disposto no § 1º deste artigo.
Antes grassava divergência sobre a matéria, havendo os que, a nosso ver sem razão, sustentavam a continuidade da votação dos quesitos pelos jurados, a fim de resolverem sobre os
crimes conexos. O entendimento predominante era no sentido do novo dispositivo. Ora, se,
em virtude da votação dos jurados, o crime passa a ser de competência do juiz singular, não
havia razão para continuarem votando delitos conexos que, desde o início, não eram da
competência do júri. Diferente, contudo, se os jurados absolvem o acusado pelo crime do
júri, quando, então, deverão continuar no julgamento dos crimes conexos, pois, nesse caso,
afirmaram a competência do júri para o caso.
Atribuições do Presidente do Tribunal do Júri
As atribuições do juiz presidente do Tribunal do Júri estão
especificadas no artigo 497. Trata-se, obviamente, de rol não exaustivo, pois, independentemente de serem mencionados, o juiz exerce plenamente os poderes inerentes à sua atividade jurisdicional.
No rol, encontram-se especificadas duas grandes espécies de atribuições
do juiz: a) as decorrentes do poder do juiz de policiar os trabalhos e de velar pela sua
regularidade, podendo usar ainda de poderes coercitivos; b) as derivadas de seu poder de
decidir as questões surgidas durante a sessão. Assim, em relação às atribuições do primeiro
grupo, incumbe-lhe regular a polícia das sessões e prender os desobedientes (inciso I), requisitar o auxílio da força pública (inciso II), regular os debates (inciso III), mandar retirar da
sala o réu que dificultar a realização do julgamento, o qual prosseguirá sem a sua presença
(inciso VI), interromper a sessão por tempo razoável, para proferir sentença e para repouso
ou refeição dos jurados (inciso VIII); regulamentar, durante os debates, a intervenção de
uma das partes, quando a outra estiver com a palavra, podendo conceder até 3 (três) minutos para cada aparte requerido, que serão acrescidos ao tempo desta última (inciso XII).
Quanto às do segundo grupo, deve o juiz decidir sobre: questões incidentes, que não dependam de pronunciamento do júri (inciso IV), a nomeação de defensor ao réu, quando o considerar indefeso e, a dissolução, neste caso, do conselho, marcando novo dia para o julgamento (inciso V); a suspensão da sessão pelo tempo indispensável à execução de diligências
requeridas ou entendidas necessárias, mantida a incomunicabilidade dos jurados (inciso
VII); a extinção de punibilidade (inciso IX); questões de direito suscitadas no curso do
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julgamento (inciso X); diligências destinadas a sanar nulidade ou a suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade (inciso XI).
Bibliografia
ARRUDA, Eloísa de Souza e SILVA, César Dario Mariano da. Questionário no Julgamento pelo Júri. Disponível em www.apmp.com.br/juridico/artigos/
docs/2008/rev_quest_julg_juri.doc, acesso em 26.08.2008.
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi, Projeto de Lei n. 4.203/2001 –
Tribunal do Júri. In: FERRARI, Eduardo Reale. Código de Processo Penal: comentários aos projetos de reforma legislativa. Campinas: Millenium, 2003.
DEZEM, Guilherme Madeira e JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano
Diniz. Nova lei do procedimento do Júri comentada. Campinas: Millennium, 2008.
MENDONÇA. Andrey Borges de. Nova reforma do Código de Processo Penal. São Paulo: Método, 2008.
NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: RT, 2008.
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COMENTÁRIOS AO
PR
OCEDIMENT
O
PROCEDIMENT
OCEDIMENTO
DO JÚRI COM AS
AL
TERAÇÕES
ALTERAÇÕES
INTR
ODUZID
AS
INTRODUZID
ODUZIDAS
PELA
LEI 11.689/08
ELOISA DE SOUSA ARRUDA
Procuradora de Justiça
Mestre em Direito Processual Penal pela PUC
Doutora em Direito Penal pela PUC
Professora assistente mestre do Departamento
Penal e Processo Penal da PUC
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COMENTÁRIOS AO PROCEDIMENT
O DO JÚRI COM AS
PROCEDIMENTO
AL
TERAÇÕES
INTRODUZIDAS
PELA
LEI 111.689/08
1.689/08
ALTERAÇÕES
1. Introdução
O Código de Processo Penal em vigor, contando com mais de meio
século de existência, foi alvo de inúmeras alterações pontuais e assistêmicas, introduzidas
por leis esparsas, buscando adequá-lo às novas realidades sociais, culturais, políticas,
econômicas e jurídicas surgidas ao longo dos anos.
Mesmo depois das modificações, remanesceram as críticas ao Decreto-lei 3.689, de 3/10/1941, apontado como instrumento político processual penal inadequado para prevenção e repressão da criminalidade contemporânea.
Ante tal constatação, uma vez mais, formou-se comissão nomeada
pelo Ministério da Justiça, destinada a promover estudos com o escopo de elaborar
anteprojeto do Código de Processo Penal 1.
A comissão, que ficou conhecida por “Comissão Pellegrini”, vez que
presidida pela professora Ada Pellegrini Grinover, entendeu que seria de melhor ordem
formular reformas setoriais e consolidou seus estudos e discussões em sete anteprojetos, enviados à Casa Civil, que, após algumas alterações, os encaminhou ao Congresso
Nacional resultando nos seguintes projetos de lei:
1.
Investigação Criminal- Projeto de Lei nº 4.209/2001;
2.
Prisão, medidas cautelares e liberdade - Projeto de Lei nº 4.208/
2001;
3.
Interrogatório do acusado e defesa efetiva - Projeto de Lei nº
4.204/2001;
4.
Provas - Projeto de Lei nº 4.205/2001;
5.
Suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e novos procedimentos - Projeto de Lei nº 4.207/2001;
1
A Comissão elaboradora de anteprojeto de alterações ao Código de Processo Penal foi constituída
pela Portaria nº 61, de 20 de janeiro de 2000, pelo então Ministro da Justiça José Carlos Dias e era
formada pelos seguintes juristas: Ada Pellegrini Grinover (Presidente), Antônio Magalhães Gomes
Filho, Antônio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, Nilzardo Carneiro Leão,
Petrônio Calmon Filho (Secretário), René Ariel Dotti, Rogério Lauria Tucci e Sidnei Beneti. Posteriormente, com a saída do Ministro José Carlos Dias houve a renúncia de René Ariel Dotti, ingressando
em seu lugar Rui Stocco.
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6.
7.
Júri - Projeto de Lei nº 4.203/2001;
Recursos e Ações de impugnação - Projeto de Lei nº 4.206/
2001.
A metodologia adotada para a elaboração dos anteprojetos foi no sentido de aproveitar, tanto quanto possível, as normas já previstas no Código de Processo
Penal de 1941, modificando-se somente aquelas necessárias à agilização e
desburocratização do processo, abandonando, por conseguinte, discussões meramente
acadêmicas, com a finalidade de alcançar maior efetividade na tutela jurisdicional.
Nesse sentido a opinião de Eduardo Reale Ferrari nos comentários
introdutórios aos projetos de reforma legislativa do Código de Processo Penal:
“O Novo Código de Processo Penal deve primar pela estrita obediência à
Constituição Federal de 1988, sem, contudo, perenizar a burocratização e a
formalidade ainda existente por influência contextual da década de quarenta
do século passado”. 2
Em relação ao Júri, os objetivos da proposta de alteração legislativa ficaram explicitados na Exposição de Motivos que acompanhou o projeto de lei, quais sejam, “a
modernização, simplificação e eficácia, tornando o procedimento do Júri mais garantista,
prático, ágil e atual, resgatando uma dívida de mais de um século”.
Considerando que os maiores problemas diagnosticados pela comissão de estudos diziam respeito ao excesso de formalismo e a prática de atos inúteis, à
demora na realização do julgamento, ao grande número de processos anulados por
questões formais, entre outras 3, o projeto se ateve à eliminação do que se denominou
“usinas da prescrição”, ante a exigência da intimação pessoal da decisão de pronúncia e
impossibilidade do julgamento à revelia; a maior participação das partes nas fases de
todo o procedimento; a aplicação mais efetiva dos princípios da imediação e da verdade
material; e a erradicação do excesso de formalismo, a fim de evitar nulidades.
O procedimento veio previsto num capítulo específico no qual estão
abrangidos os atos processuais desde a fase postulatória até a fase decisória, ao contrário do que ocorrida no texto de 1941, onde o rito do Júri aparecia como um desdobramento do ordinário.
Continua clara a existência de duas fases principais, a judicium
acusationis e a judicium causae, englobando esta última os atos preparatórios para o
julgamento da causa4.
2
FERRARI, Eduardo Reale. Código de Processo Penal: Comentários aos projetos de reforma legislativa.
Campinas: Millennium, 2003, p. 1.
3
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Projeto de Lei nº 4.203/2001- Tribunal do Júri. In: FERRARI,
Eduardo Reale. Código de Processo Penal: Comentários aos projetos de reforma legislativa. Campinas: Millennium, 2003, p. 167
4
Há autores, como é o caso de Guilherme de Souza Nucci, que sustentam ser trifásico o procedimento,
tratando a fase de preparação do plenário de forma destacada. NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal
do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 46.
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Trataremos no presente artigo das alterações introduzidas pela Lei 11.689/
08 que consideramos de maior relevo, sem a preocupação de esgotarmos o tema, até porque a novel legislação sobre o júri certamente comportará interpretações mais acuradas quer
da doutrina, quer da jurisprudência.
2. Judicium Acusationis
2.1. Acusação e Instrução Preliminar
Nos termos do art. 406, realizado o juízo de admissibilidade da acusação e tendo sido recebida a denúncia ou queixa, ordenará o Juiz a citação do réu que
atende agora dupla finalidade: cientificá-lo de que está sendo processado e chamá-lo ao
processo para que se defenda. Esta defesa não é a mais a autodefesa, concretizada pelo
próprio acusado quando do seu interrogatório, mas a defesa técnica, realizada por advogado constituído ou dativo.
A efetivação da defesa preliminar tem caráter obrigatório, tanto que,
não apresentada no prazo legal, incumbirá ao juiz nomear defensor para oferecê-la em
até 10 (dez) dias (art. 408).
O objetivo da resposta da defesa não é afastar o recebimento petição
inicial acusatória, pois esta já foi objeto de apreciação judicial que entendeu presentes
os requisitos necessários para o desencadear da ação penal. Desse modo, eventual
argüição de falta de justa causa só poderá ser apreciada em sede de habeas corpus, com
o conseqüente trancamento da ação penal, caso concedida a ordem.
Ofertada a resposta e determinadas as diligências requeridas pelas
partes, será designada audiência que, primando pela celeridade e oralidade, concentra
atos de instrução, debates e julgamento.
Na solenidade, a ordem das inquirições sofreu inversão. Serão ouvidas em primeiro lugar as testemunhas da acusação e depois as da defesa. Seguem-se os
esclarecimentos dos peritos, as acareações e o reconhecimento de pessoas e coisas,
caso sejam estas provas requeridas. Só então será o réu interrogado (art. 411). Fica
evidenciada a intenção do legislador no sentido de marcar o interrogatório como um
meio de defesa, ou seja, o acusado, após haver presenciado toda a produção de provas
orais, poderá realizar sua autodefesa. Continuam aplicáveis à inquirição do réu as regras
constantes dos artigos 185 a 200 do Código de Processo Penal.
Se no curso da produção da prova houver surgido circunstância elementar não contida na inicial acusatória e que possa importar em nova definição jurídica
do fato, aplicar-se-á a regra do art. 3845 (art. 411 § 3º). Incumbe ao Ministério Público,
nesta hipótese, proceder ao aditamento da denúncia de ofício e, caso não o faça, poderá o
juiz aplicar o procedimento constante do art. 28.
5
Com a redação dada pela Lei nº 11.719/20.06.2008
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A previsão do art. 411 § 3º afastou a dúvida e conseqüente divergência doutrinária e jurisprudencial gerada pelo art. 408, § 4º do Código de 1941: “O juiz
não ficará adstrito à classificação do crime, feita na queixa ou denúncia, embora fique o
réu sujeito à pena mais grave, atendido, se for o caso, o disposto no art. 410 e seu
parágrafo.”
O art. 410 tratava da hipótese de desclassificação para crime que não
fosse da competência do júri. Em se tratando de alteração da tipificação do delito, permanecendo a competência do júri, o juiz aplicava o 408 § 4º, ou seja, pronunciava o réu
atribuindo à conduta a classificação que entendesse correta, ainda que ficasse o réu
sujeito a pena mais grave. O Juiz podia inclusive incluir qualificadora que nem ao menos
tivesse sido narrada na denúncia.
O questionamento que se punha era se o art. 384 precisaria ser aplicado, principalmente em se tratando da possibilidade de advir pena mais grave. Havia duas
correntes. A primeira entendia ser necessária a aplicação do art. 384 (mutatio libeli) por
analogia. A segunda, que era majoritária, era no sentido de ser desnecessária a aplicação
do referido dispositivo, porque a pronúncia não é sentença condenatória, não havendo,
por isso mesmo, a necessidade do rigor do art. 384, até porque a ampla defesa ficaria
assegurada na segunda fase, a do julgamento pelo júri. Além disso, os fatos apurados no
sumário de culpa restariam explicitados na acusação formulada no libelo-crime acusatório,
mostrando-se desnecessário o aditamento da denúncia.
Concluída a produção da prova e superadas eventuais questões surgidas
durante a instrução, passa-se à fase dos debates orais, concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por
mais 10 (dez) (art. 411 § 4º).
Havendo assistente da acusação habilitado, seu advogado falará depois
do Promotor de Justiça e terá o prazo de 10 (dez) minutos para as alegações (art. 411 § 6º).
Figurando na ação penal mais de um réu, o tempo para a acusação e a
defesa de cada um deles será considerado individualmente (art. 411 § 5º).
Encerradas as alegações orais, o Juiz proferirá sua decisão na própria
audiência ou no prazo de 10 (dez) dias (art. 411 § 9º).
Determina o art. 412 que o procedimento esteja encerrado no prazo
máximo de 90 (noventa) dias. Sabemos que na prática, dada a complexidade de alguns
feitos e o próprio acúmulo de serviço em inúmeras comarcas, o cumprimento de tal
prazo far-se-á inviável. Nestes casos, reputamos válida a pacífica orientação
jurisprudencial acolhendo o princípio da razoabilidade. Ou seja, desde que não tenha
concorrido para o excesso do prazo legal, atuação desidiosa do Ministério Público ou
do Juízo, não poderá daí advir a invalidação de atos processuais.
2.2. Decisões
2.2.1. Pronúncia
Nos termos do art. 413, ocorre quando o juiz se convence da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor.
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Indícios correspondem à fundada suspeita, sendo que, nesta fase, a exemplo do que ocorria sob a égide do Código de 1941, a dúvida se resolve pro societate e não
pro reo6.
Nas alterações introduzidas pela nova Lei 11.689/08, a pronúncia deixou de ser referida como “sentença”, o melhor que atende ao rigor técnico, posto tratarse de decisão interlocutória mista não terminativa. Ela aprecia o mérito mas não o julga,
não encerrando o processo. Possui conteúdo meramente declaratório, pois o Juiz proclama a admissibilidade da acusação, ou seja, declara o réu suspeito, ensejando sua
submissão ao veredicto do Conselho de Sentença.
O art. 413 § 1º deixou assentado que a fundamentação da pronúncia
deve limitar-se a indicar os elementos probatórios que conformem a existência dos requisitos legais, já que a decisão não pode constituir pré-julgamento. Referida previsão
veio ao encontro da orientação jurisprudencial, sobre os limites das razões de convencimento explicitadas na pronúncia, no sentido de que o juiz deve ser sucinto, sóbrio e
comedido na utilização de referências sobre autoria e materialidade. Não deve dizer, por
exemplo, que tem certeza da autoria, ou que há sérias dúvidas sobre a autoria, pois tais
referências podem influenciar os jurados.
O dispositivo da pronúncia é classificatório. O Juiz deve classificar na
pronúncia o crime doloso contra a vida, o crime conexo com as respectivas qualificadoras
– circunstâncias que possuem preceito secundário próprio, com pena autônoma (§ 2º do
art. 121 do Código Penal) e causas especiais de aumento de pena – aquelas que efetuam,
sobre a pena do tipo básico de um crime, um aumento em quantidade fixa ou dentro de
certos limites (art. 121 § 4º e art. 127 Código Penal).
A pronúncia não deve se referir às agravantes, que são causa gerais de
obrigatório aumento de pena (art. 61e 62 do Código Penal), atenuantes, que são causas
gerais de obrigatória diminuição da pena (art. 65 do Código Penal) ou aos privilégios
que são causas especiais de diminuição de pena, como o homicídio privilegiado.
Em primeiro lugar, tais causas não dizem respeito à classificação do
crime, por não influírem no tipo, ou seja, não se referem à existência do crime.
Em segundo lugar, nos termos do disposto no art. 492, I, “b”, as
circunstâncias agravantes e atenuantes devem ser articuladas pela acusação e pela
defesa em plenário para que sejam tomadas em consideração pelo Juiz caso advenha
veredicto condenatório. Ou seja, nem ao menos constarão do questionário como
ocorria antes da reforma.
Quanto aos privilégios, há vedação expressa neste sentido constante
do art. 7º da Lei de Introdução ao Código de Processo Penal.
Na pronúncia não deverá ser reconhecida eventual semi-imputabilidade,
porque a decisão, no caso, é condenatória e somente o júri pode condenar.
6
STF: “Por ser a pronúncia mero juízo de admissibilidade da acusação, não é necessária prova
incontroversa do crime para que o réu seja pronunciado. As dúvidas quanto à certeza do crime e da
autoria deverão ser dirimidas durante o julgamento pelo Tribunal do Júri” (RT 730/463).
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Também não poderá o Juiz manifestar-se sobre concurso de crimes (ex.
concurso material, concurso formal, continuidade delitiva), pois se trata de questão relativa à
aplicação da pena.
Decidindo pela pronúncia, o juiz deverá definir a situação prisional do
acusado. Quer mantenha ou revogue a prisão anteriormente decretada, quer, estando o réu
solto venha a decretá-la ou dispense de fazê-lo, a decisão de pronúncia deve motivar tal ou
qualquer decisão, tendo em vista o disposto no art. 413 §§ 2º e 3º. Mantida que seja a prisão
pela pronúncia, torna-se irrelevante eventual irregularidade da prisão em flagrante ou qualquer discussão a respeito da prisão preventiva.
Ao pronunciar ou impronunciar o acusado, se os autos contiverem elementos que indiquem a culpabilidade de outras pessoas, o juiz deverá ordenar que os autos
voltem ao Ministério Público para aditamento da denúncia e demais providências relativas ao
procedimento do sumário de culpa. Pode-se ainda aplicar o art. 80 do Código de Processo
Penal, que admite a separação de processos, se houver número excessivo de acusados, para
não prolongar a prisão de algum deles ou por outro motivo relevante (art. 417).
Nos termos do art. 420, I, serão intimados pessoalmente da pronúncia o
acusado, o defensor nomeado e o Ministério Público.
A intimação do defensor constituído, e dos advogados do querelante e do
assistente da acusação, será feita pela imprensa, aplicando-se a regra do art. 370 § 1º do
Código de Processo Penal (art. 420, II).
Estando preso ou solto o réu, primeiro será tentada sua intimação
pessoal.
Certificado que o acusado solto se encontra em local incerto ou não sabido, proceder-se-á sua intimação por edital (art. 420, parágrafo único). Não remanesce,
desse modo, a obrigatoriedade de intimação pessoal do réu no caso de pronúncia por crime
inafiançável, o que resultava na suspensão do processo até que a ciência formal se efetivasse
ou diante da ocorrência da prescrição, interrompida pela pronúncia (art. 117, III do Código
Penal).
O recurso contra a pronúncia continua sendo o em sentido estrito
(art. 581, IV).
O acórdão confirmatório da pronúncia também interrompe a prescrição
(art. 117, III do Código Penal).
2.2.2. Impronúncia
Ocorrerá se o Juiz não se convencer da existência do crime ou de
indício suficiente de que seja o réu o seu autor.
Prova de existência do crime é a convicção sobre a materialidade; no caso de
homicídio, certeza sobre a ocorrência de morte, não natural, provocada por alguém.
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Indícios suficientes de autoria correspondem à existência de elementos
probatórios que convençam da possibilidade razoável de que o réu tenha sido o autor da
infração.
Na falta de um ou de outro, o juiz deverá julgar improcedente a denúncia ou queixa, impronunciando o réu.
A impronúncia só faz coisa julgada formal. Por isso, de acordo com o
artigo 414, enquanto não extinta a punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou
queixa, se houver prova nova. A decisão, portanto, é meramente terminativa, ou seja,
encerra a ação penal em curso, não fazendo coisa julgada material absoluta, como a
sentença de absolvição.
Nas palavras de Vicente Greco Filho: “Prova nova é o elemento fático
relativo ao fato criminoso não constante do processo anterior e que possa alterar a
convicção sobre a existência do crime ou a autoria” 7.
Surgindo prova nova, pode ser instaurada outra ação penal, desde a
inicial acusatória, repetindo-se todo o procedimento. A prova do processo anterior pode
ser aproveitada, desde que resguardada, a possibilidade de contraditório sobre ela, porque a circunstância nova pode recomendar a revisão da prova anterior 8.
Da decisão de impronúncia, de acordo com o art. 416 cabe apelação.
Como se vê, contrariando sólido entendimento doutrinário no sentido de classificar a
impronúncia como decisão interlocutória mista terminativa, visto que encerra a primeira
fase do procedimento do júri, deixando de inaugurar a segunda, resolveu o legislador
incluí-la entre as decisões definitivas, estas sim apeláveis, nos termos do art. 593, II.
Havendo impronúncia em relação ao crime doloso contra a vida, o conexo
será encaminhado para apreciação do Juiz singular, posto que cessada a competência do
juízo do júri para o julgamento da causa, aplicando-se o art. 419, caput, por analogia. Isso
porque, nos termos do art. 81, parágrafo único, perde ele a competência para julgar o conexo.
Ainda que seja competente para julgar esse crime na condição de juiz singular, como acontece nas comarcas de vara única, deve aguardar a preclusão da impronúncia, porque somente
nessa oportunidade desaparece a competência prevalente do júri que atraiu o conexo 9.
2.2.3. Absolvição sumária
A sentença de absolvição sumária será proferida se ficar provada
a inexistência do fato; se ficar provado não ser o réu o autor ou partícipe do fato ou
se não constituir o fato infração penal. Além disso, quando o juiz se convencer da
existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena (art. 415,
incisos I, II, III e IV).
7
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 361.
Idem, ibidem.
9
Idem, ibidem, p. 362.
8
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Como se vê, foram ampliadas as causas ensejadoras de absolvição sumária, visto que o texto anterior só contemplava as excludentes de antijuridicidade e as dirimentes de culpabilidade.
Importante frisar que só a certeza quanto à ocorrência de uma das
hipóteses do art. 415 poderá servir de fundamento para a absolvição desde logo. A
dúvida, como já se disse, importará na prolação de decisão de pronúncia encaminhando
o réu ao seu juízo natural que é o Júri. Assim, continua não sendo possível a chamada
absolvição dubitativa, mas somente a absolvição categórica.
Os incisos I, II e III do art. 415 vieram corrigir a omissão do
Decreto-lei 3.689/41, que não previa solução caso o juiz se convencesse da
atipicidade ou inexistência do fato ou de que, sem qualquer dúvida, o réu não
era seu autor ou partícipe.
Sustentavam alguns autores que embora a lei não fizesse referência, a
solução seria, nestas hipóteses, a absolvição sumária. A impronúncia não seria admissível
porque manteria a possibilidade de o réu voltar a ser processado, situação incompatível
com a certeza do juiz da inexistência do fato ou da autoria10..
Assim, a opinião de Carlos Frederico Coelho Nogueira:
“Não haveria sentido em se mandar a julgamento pelo Júri um indivíduo
cuja total inocência estivesse cabalmente demonstrada no sumário de culpa. Se o reconhecimento, com plena certeza, de uma excludente de
antijuricidade, por parte do juiz sumariante, deve levar à absolvição sumária, com muito maior razão deve ser dada a mesma solução à inexistência
do fato, à negativa de autoria e à exclusão da relação de causalidade.
Além disso, não se podem enquadrar tal situação na sentença de impronúncia
(art. 409 do CPP), pois esta, por não estabelecer juízo definitivo quanto à
existência do fato e sua autoria, não faz coisa julgada material, nos termos do
parágrafo único do mesmo artigo. A possibilidade de reabertura do processo
com o surgimento de prova nova não condiz com a segurança jurídica que
deve decorrer da certeza moral que leva o julgador a absolver um acusado” 11.
Para Júlio Fabbrini Mirabete as hipóteses do art. 411 eram taxativas, e
desse modo, se o juiz reconhecesse de que o agente não participara do ilícito, negando,
portanto, a autoria, a decisão seria de impronúncia12.
Também neste sentido que diante da falta de previsão legislativa as hipóteses comportariam impronúncia a lição de José Frederico Marques. Para o autor, se a
decisão se fundasse em razões idênticas às apontadas nos itens I e III, do art. 386, equivaleria à verdadeira sentença absolutória, e então a impronúncia faria coisa julgada, tornando
impossível nova persecutio criminis13.
10
GRECO FILHO, Vicente, op. cit., p. 361.
NOGUEIRA, Carlos Frederico Coelho. Comentários ao Código de Processo Penal. São Paulo: Edipro,
2002, v. 1. P. 809-810.
12
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 18ª. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 511.
13
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2ª. ed. Campinas: Millennium,
2000, v. III, p. 221-222.
11
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Como se vê, a nova previsão sobre a absolvição sumária pacifica as divergências doutrinárias acima mencionadas.
Nos termos do parágrafo único do art. 415, a inimputabilidade do acusado, mesmo que indubitavelmente constatada, não pode levar à absolvição sumária, a não ser
que tenha sido sustentada pela defesa como tese única. Podem mesmo ocorrer situações em
que o acolhimento de outras causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade, se mostre
mais favorável ao réu, pois a absolvição daí decorrente não impõe a ele qualquer gravame.
No caso da inimputabilidade, o seu reconhecimento como causa de exclusão de culpabilidade, importará sempre na fixação da medida de segurança cabível. Mesmo a submissão do
acusado a julgamento pelos jurados populares pode se afigurar como mais vantajosa, já que,
no plenário, podem ser sustentadas teses defensivas alternativas que levem à absolvição sem
a imposição de medida de segurança.
A existência da denominada “semi-imputabilidade” não leva à absolvição
sumária, como é evidente, impondo-se a pronúncia do réu.
A absolvição sumária tem a natureza jurídica de sentença e, portanto, faz
coisa julgada formal e material. Poderá ser impugnada por meio de recurso de apelação (art.
416).
A respeito da existência de crime conexo com o doloso contra a
vida, no caso absolvição sumária, valem as observações já lançadas quando tratamos da impronúncia.
2.2.4. Desclassificação
Ocorre se o juiz se convence da existência de infração penal que não
seja crime doloso contra a vida. Assim decidindo, deverá o juiz remeter os autos ao juiz
competente.
A Lei 11.689/08 silenciou sobre as providências a serem tomadas no
juízo que recepciona a ação penal. Todavia, entendemos ser o caso de aplicação do
artigo 384 (com a redação dada pela Lei 11.719/2008).
Assim, será dada vista ao Ministério Público para que adite a denúncia, seja para mera alteração na classificação da conduta, seja para a inclusão de circunstância elementar anteriormente não prevista.
Consoante o disposto no § 4º do art. 384, havendo aditamento, cada
parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas.
O Juiz, então, designará dia e hora para a audiência, com inquirição
de testemunhas, novo interrogatório do acusado e realização de debates e julgamento
(art. 384, § 2º).
Se a prova dos autos não permitir de plano a desclassificação, o Juiz
deve pronunciar o acusado, nos termos da denúncia, cabendo ao Conselho de Sentença
resolver a matéria da culpabilidade14.
14
RT 776/651
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3. Judicium Causae
3.1. Preparação do processo para julgamento em plenário
Esgotadas as vias recursais, ocorre a preclusão da decisão de pronúncia, por falta de instrumentos de modificação. Ainda assim a preclusão não é absoluta se houver fato superveniente que altere a classificação do delito, a decisão de pronúncia
poderá ser retificada (art. 421 § 1º).
Sob a égide do Decreto-lei 3.689/41, preclusa a pronúncia, os autos
eram encaminhados à acusação para a apresentação de libelo-crime acusatório e depois
à defesa para a contrariedade ao libelo. Com a reforma introduzida pela Lei 11.689/08,
estes atos processuais foram suprimidos do procedimento. Assim, as partes são intimadas para que, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentem rol de testemunhas, até o máximo
de 5 (cinco), juntem documentos, requeiram diligências e indiquem provas que pretendam produzir em plenário (art. 422).
À vista dos requerimentos, o Juiz proferirá decisão saneadora
da qual constará um breve relatório do processo, a determinação para que sejam produzidas as provas requeridas e a inclusão do feito na pauta da reunião
do Tribunal do Júri (art. 423, I e II).
3.2. Desaforamento
Antes do julgamento, poderá ocorrer o desaforamento, que é a deslocação
da competência, previsto exclusivamente no caso do julgamento em plenário do Júri, se
ocorrentes um dos motivos do art. 427.
Os motivos para o desaforamento permanecem os mesmos, quais sejam:
1.
interesse da ordem pública;
2.
dúvida quanto à imparcialidade do júri;
3.
risco à segurança do réu;
4.
se o julgamento não se realizar dentro de 6 (seis) meses contados
do trânsito em julgado da decisão de pronúncia, se para a demora não concorreu o réu ou a
sua defesa. Neste caso, acrescentou o legislador a necessidade que ficar comprovado o
excesso de serviço para que o desaforamento aconteça.
A derrogação de competência deve ser excepcional e por isso mesmo,
graves e comprovados os motivos que embasam o pedido.
O desaforamento pode ser provocado por representação do juiz ou requerimento de qualquer das partes diretamente ao Tribunal de segundo grau.
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Contrariando orientação que subsistia no Supremo Tribunal Federal, no
sentido de que o assistente da acusação não podia pleitear desaforamento, foi ele incluído
pela Lei 11.689/08, entre aqueles legitimados a suscitar o incidente.
O pedido de desaforamento, referindo-se ao deslocamento do julgamento, e não de todos os atos do processo, só é cabível no caso de réu pronunciado e,
portanto, deve ser formulado após o trânsito em julgado da decisão de pronúncia.
Considerando a relevância do pedido, poderá ser concedida liminar
para a suspensão da solenidade de julgamento (art. 427 § 2º).
O Juiz Presidente do Júri prestará informações a respeito do pedido
de desaforamento se não foi o autor da representação (art. 427 § 3º).
Não há mais a previsão de oitiva obrigatória do Procurador-Geral, depois de prestadas as informações. Entendemos, todavia, que remanesce a necessidade de
oitiva do Ministério Público de segundo grau, na condição de custos legis, como decorrência do art. 257 do C.P.P.
A decisão sobre o desaforamento ou seu indeferimento é irecorrível, mas
já se entendeu cabível a impetração de habeas corpus para o Superior Tribunal de Justiça
contra o indeferimento do pedido caso seja prejudicial ao réu (art. 105, I, c da CF).
A Lei 11.689/08 deixou consignado o que já era entendimento da doutrina e
da jurisprudência, ou seja, não se admite desaforamento no julgamento de apelação da decisão do
Júri. Realizado o primeiro julgamento, não é mais possível pedido de desaforamento, ocorrendo
uma espécie de preclusão, porque o deferimento atenta contra a soberania do júri, como se
houvesse uma censura sobre o primeiro julgamento.
Abre-se, a possibilidade de desaforamento para o segundo julgamento se fatos ocorridos durante o primeiro júri anulado ou fatos supervenientes justificarem a medida (art. 427 § 4º).
Deferido o desaforamento, o tribunal indicará a comarca competente,
que deverá próxima, mas não necessariamente contígua, em que não se repitam os motivos que o provocaram na comarca de origem. A despeito de a Lei 11.689/08 ter usado
a expressão “comarca da mesma região”, por óbvio, não quis se referir à região do país.
Entendimento neste sentido levaria à conclusão de um fato ocorrido em São Paulo,
pudesse ser julgado em Minas Gerais, o que atenta contra toda a estrutura de competências do Poder Judiciário brasileiro.
3.3. Lista geral de jurados
Em expediente instaurado no cartório do juízo do Júri, anualmente o
juiz deve elaborar a lista geral de jurados. A Lei 11.689/08, como se vê do art. 425 e §
1º, procedeu a uma atualização, aumentando sensivelmente o número de jurados que
integrarão a lista geral, já que a previsão do Código de 1941 não atendia mais à realidade dos grandes centros urbanos com alto índice de criminalidade.
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Pode ser jurado o cidadão, ou seja, o brasileiro nato ou naturalizado
no gozo dos seus direitos políticos, maior de 18 (dezoito) anos e de notória idoneidade
(art. 436). Diminuiu-se a idade que permite o alistamento do jurado, antes 21 (vinte e
um) anos. É até compreensível que a modificação da maioridade civil para 18 anos,
com o advento do novo Código Civil, tenha influído na elaboração da Lei 11.689/08.
Todavia, entendemos que melhor teria sido a manutenção da idade mínima em 21 anos,
dada a gravidade das questões submetidas ao Tribunal do Júri, que demandam reflexão, maturidade e experiência de vida.
O rol de jurados será anualmente completado até porque aquele que
tiver integrado o Conselho de Sentença nos 12 (doze) meses que antecederam a publicação da lista geral fica dela excluído (art. 426 § 4º).
A função de jurado é obrigatória, salvo as isenções previstas no art.
437. Seu exercício efetivo é considerado serviço público relevante, gera presunção de
idoneidade moral, assegura prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo (art. 439). Garante também preferência, em igualdade de condições, nas
licitações públicas e no provimento, mediante concurso, de cargo ou função pública,
bem como nos casos de promoção funcional ou remoção voluntária (art. 440).
Os jurados incluem-se no conceito de funcionários públicos do art.
327 do Código Penal, de modo que são responsáveis, nos mesmos termos que os juízes
de carreira, por crime de responsabilidade de agentes públicos.
O art. 438 introduziu como novidade a necessária prestação de serviço alternativo pelo jurado dispensado da função em razão de convicção religiosa, filosófica ou política. Fica desse modo resolvida a polêmica entre a obrigatoriedade da
função de jurado e a garantia constitucional da liberdade de credo e de pensamento.
A multa ao jurado faltoso foi atualizada, podendo ser fixada entre 1
(um) e 10 (dez) salários mínimos, atendida a sua condição econômica (art. 442).
3.4. Publicação da relação dos processos que serão julgados
Antes do início da reunião do júri, o juiz deverá mandar publicar a
relação dos processos que nela serão julgados, sendo que, salvo motivo de interesse
público que autorize a alteração da ordem, terão preferência: a) os processos de réu
preso; b) os processos de réu preso há mais tempo ou, em igualdade de condições, c) os
que tiverem sido pronunciados há mais tempo (art. 429).
3.5. Sorteio dos Jurados
Na periodicidade estabelecida na lei de organização judiciária, o juiz
deverá proceder ao sorteio dos 25 (vinte e cinco) jurados para a sessão periódica ou
extraordinária (art. 433).
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3.6. Convocação e Intimações
Sorteados os 25 jurados que comporão a reunião que se seguir, serão
eles convocados para comparecer na data da primeira sessão de julgamento.
Também serão intimados o réu e seu defensor, o Ministério Público, o
querelante, o ofendido (se for possível), o advogado do assistente da acusação, as testemunhas e os peritos eventualmente arrolados (art. 431).
4. Procedimento da Sessão Plenária
4.1. Instalação
No dia e hora marcados para a 1ª sessão de julgamento do Júri, o juiz
verificará a presença de todos os que foram intimados e dos jurados convocados.
Ausente o representante do Ministério Público, o julgamento será
adiado para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião. Se injustificada a ausência,
deverá o Juiz Presidente comunicar o Procurador-Geral de Justiça para eventuais providências de ordem correcional (art. 455 e parágrafo único).
A ausência injustificada do advogado gera o adiamento da solenidade por
somente uma vez, comunicado o fato à seccional da Ordem dos Advogados do Brasil para
eventuais providências de caráter disciplinar. Para o novo julgamento, o Juiz já intimará a
Defensoria Pública evitando assim, sucessivos adiamentos (art. 456 e §§ 1º e 2º).
Não comparecendo o réu solto, regularmente intimado, sem escusa
legítima, o julgamento realizar-se-á a sua revelia. (art. 457).
Também ocorrerá o julgamento sem a presença do acusado preso se, não
atendida a requisição para sua apresentação, houver pedido de dispensa de comparecimento
subscrito por ele e seu defensor (art. 457 § 2º).
O objetivo do legislador foi o de agilizar a resposta penal aos crimes
dolosos contra a vida, posto que, sob a égide da lei anterior, a fuga do réu, pronunciado
por crime inafiançável, poderia perenizar-se até a ocorrência da prescrição, o que, em
algumas situações, apresentava-se como estratégia defensiva mais vantajosa para o acusado, por mais que atentasse contra o senso comum de justiça.
Entre as desvantagens decorrentes da nova regra estão o não exercício da autodefesa pelo réu, pois não será interrogado; a impossibilidade de reconhecimento pessoal por parte da vítima (se sobrevivente) e testemunhas; e a falta de contato
dos jurados com o acusado para esclarecer eventuais dúvidas.
A ausência de testemunha adiará o julgamento se tiver havido requerimento
para sua intimação, em caráter de imprescindibilidade, com indicação do local em que poderia ser
encontrada, e desde que não seja possível a sua condução coercitiva (art. 461 § 1º).
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O Juiz instalará a sessão se presentes pelo menos 15 dos 25 jurados
anteriormente sorteados e convocados (art. 463).
Não havendo número legal mínimo de jurados presentes, designar-se-á
nova data para a sessão do júri, convocando-se os jurados suplentes.
Pelo que se extrai da leitura do art. 464, que remete ao art. 463, os suplentes só serão convocados se não se perfizer o número mínimo de 15 jurados necessários
para a instalação da sessão de julgamento. Melhor era a disposição anterior que previa a
convocação de suplentes desde que não comparecem todos os 21 jurados convocados. Tal
procedimento conferia maior garantia de que, na sessão seguinte, não viesse a ocorrer o que
a doutrina chama de “estouro de urna”, ou seja, a inviabilidade de realizar-se o julgamento
pelo insuficiente número de jurados presentes, consideradas as recusas permitidas às partes.
4.2. Constituição do Conselho de Sentença
Entre os presentes, sete jurados serão sorteados para a formação do
Conselho de Sentença (art. 467).
Ao serem sorteados os jurados, a defesa e depois dela a acusação
poderão, até três cada uma, recusar o jurado sem declinar motivo. São as recusas
imotivadas ou peremptórias (art. 468).
Se houver mais de um réu com defensores diferentes, poderá ser incumbido só um deles para fazer as recusas.
O texto legal anterior permitia que, não havendo acordo e não coincidindo as recusas, ocorresse a separação dos julgamentos, prosseguindo-se somente no
do réu cujo defensor houvesse aceitado o jurado. Era comum que a cisão do julgamento
ocorresse logo no sorteio do primeiro jurado, pois bastava a divergência entre os defensores quanto à aceitação dos jurados para motivar a separação. O Ministério Público
neste caso podia apenas definir, pela técnica das recusas, o réu que seria julgado.
Tal regra não mais subsiste. Sempre primando pela celeridade veio o art.
469 § 1º deixando claro que “a separação dos julgamentos somente ocorrerá se, em razão
das recusas, não for obtido o número mínimo de 7 (sete) jurados para compor o Conselho de
Sentença”. Definiu também qual será o réu julgado em primeiro lugar, ou seja, aquele a quem
foi atribuída a autoria do fato, ou, em caso de co-autoria, aplicar-se-á o critério da preferência estabelecido para a designação dos julgamentos (art. 469 § 2º).
4.3. Instrução em plenário
No plenário será ouvido em primeiro lugar o ofendido. Depois, as testemunhas arroladas pela acusação, as arroladas pela defesa e os peritos, nesta ordem. O
sistema de inquirição será o direto (art. 473, caput), consagrando o que já era o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência pelo sistema anterior. Só quanto à inquirição
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pelos jurados será respeitado o sistema indireto, sendo as perguntas formuladas por
meio do Juiz Presidente (art. 473 §§ 1º e 2º).
As testemunhas de fora da Comarca serão ouvidas por carta precatória
expedida antes do julgamento a requerimento das partes e encartada nos autos. Nada
impede, todavia, que comparecendo espontaneamente, prestem depoimento.
Ficou abolida a possibilitava a leitura indiscriminada de peças no plenário o que por vezes tomava horas, senão dias de julgamento, com pouco ou quase
nenhum efeito para o esclarecimento dos jurados.
Pelo novo sistema, só poderão ser lidas as provas colhidas por carta
precatória e as provas cautelares, antecipadas ou irrepetíveis (art. 473 § 3º).
Só depois produzidas todas as provas trazidas para o plenário é que
será o réu interrogado, seguindo a ordem já estabelecida na fase do sumário de culpa.
Às partes ficou garantido o direito de formular perguntas diretamente ao acusado, devendo os jurados fazê-lo por meio do Juiz (art. 474 e §§ 1º e 2º).
Ficou vetada a possibilidade de utilização de algemas no acusado durante
a solenidade de julgamento salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à
segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes (art. 474 § 3º). O
que se fez como forma de não influir no ânimo dos jurados de forma desfavorável, poderá vir
a prejudicá-lo ainda mais. Explicitada pelo Juiz a necessidade de uso das algumas pelos
fundamentos acima mencionados, ficará claro que se trata de pessoa perigosa o que coloca
em risco a ordem dos trabalhos e/ou a segurança dos presentes.
Visando imprimir celeridade na colheita da provas, permitiu-se que os
depoimentos e o interrogatório sejam registrados por meio de gravação magnética, eletrônica, estenotipia, ou técnica similar (art. 475 caput).
4.3. Debates
Encerrada a instrução, fará uso da palavra o Promotor de Justiça, e depois o advogado do assistente da acusação (art. 476 caput e § 1º).
Se a acusação for promovida mediante queixa (subsidiária ou de crime
conexo desmembrado), o Promotor falará depois do acusador particular na qualidade de
custos legis (art. 476 § 2º).
Finda a acusação, pronunciar-se-á a defesa (art. 476 § 3º).
O tempo destinado à acusação e à defesa é de uma hora e meia
para cada uma. Se houver mais de um réu o tempo será acrescido de 1 (uma) hora.
Havendo mais de um acusador ou mais de um defensor, não haverá acréscimo de
tempo, que deve ser dividido entre eles; não havendo entendimento, o juiz determinará o tempo de cada um (art. 477 caput e §§ 1º e 2º).
Após a manifestação da defesa, poderá a acusação replicar, e, se houver
réplica, qualquer que seja o tempo utilizado, poderá haver tréplica por parte da defesa. O
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tempo máximo para réplica e tréplica é de 1 (uma) hora para cada parte, elevado ao
dobro se houver mais de um réu.
Os apartes, que antes não contavam com previsão legal, vieram agora
regulados pelo art. 497, XII que arrolou entre as atribuições do Juiz Presidente do Tribunal
do Júri a de conceder até 3 (três) minutos para cada aparte requerido, que serão acrescidos
ao tempo da parte que estiver com a palavra.
Aqueles que vivem o dia-a-dia do Júri sabem que, apesar da inexistência
de previsão, os apartes sempre brotaram espontaneamente, no clamor dos debates, quer
por parte da acusação, quer por parte da defesa, e que só havia interferência do Juiz
diante do pedido da garantia da palavra pelo aparteado. Consideramos que, com a limitação imposta, o Júri perderá um pouco de seu brilho.
4.4. Questionário e votação
Concluídos os debates e dados eventuais esclarecimentos solicitados
pelos jurados, o juiz deverá elaborar o questionário.
Os quesitos serão extraídos da pronúncia ou das decisões posteriores
que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes (art.
482, parágrafo único). O art. 483 traz um roteiro dos quesitos.
Depois de formular os quesitos, o Juiz os lerá ainda no plenário, prestando eventuais esclarecimentos solicitados.
Em seguida, o juiz encaminhará os jurados, acompanhados dos oficiais de justiça, com a presença dos acusadores e defensores, para sala reservada, onde se
procederá à votação. Não havendo sala reservada, réu e público devem ser retirados do
plenário (art. 485 caput e § 1º).
Na sala secreta (ou fechadas as portas da sala comum), o juiz submete
os quesitos à votação, não se admitindo interferência das partes, as quais, entretanto,
podem fazer reclamações, que constarão da ata. O juiz pode mandar retirar da sala
quem perturbar a livre manifestação do Conselho de Sentença (art. 485 § 2º).
A dinâmica das votações permanece a mesma prevista no Código de
1941, estando prevista nos artigos 486 a 491.
Cada quesito é colocado em votação separadamente. Os jurados recebem, antes da votação de cada um, uma cédula com a palavra sim e outra com a
palavra não (art.. 486). Em seguida, o juiz lê o quesito que deva ser respondido e um
oficial recolhe, em receptáculo que assegure o sigilo, o voto de todos os jurados, e
depois, em outro receptáculo, as cédulas não utilizadas. (art.. 487).
4.5 Sentença
Finda a votação, o juiz proferirá sentença cuja fundamentação é apenas o
resultado da votação. Deverá, todavia, ser fundamentada no que concerne à quantidade da
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pena, ao regime inicial de cumprimento da pena, à concessão, ou não, do direito de
apelar em liberdade ou à eventual conversão da pena em medida de segurança do semiimputável. Ou seja, tudo o que for de competência do juiz-presidente deve ter fundamentação.
A sentença será lida pelo Juiz, de público, dando em seguida o magistrado por encerrada a sessão de julgamento (art. 493).
Durante toda a sessão, o juiz-presidente exerce o poder de disciplina
processual, decidindo todas as questões que surgirem e podendo, inclusive, determinar medidas coativas para preservar a regularidade do ato (art. 497 e incisos).
De toda a sessão é lavrada ata circunstanciada pelo escrivão, sendo assinada pelo juiz e pelas partes (art. 494).
O recurso cabível contra a sentença proferida no plenário do Júri é a
apelação, nos termos do art. 593, III e suas alíneas.
O vetusto protesto por novo júri, que herdamos dos tempos em o
ordenamento jurídico brasileiro admitia penas de morte ou galés perpétuas, foi finalmente banido do ordenamento processual penal brasileiro, nos termos do art. 4º da Lei
11.689/08.
5. Aplicabilidade das alterações
Percebemos da breve análise feita, que foram profundas e importantes
as alterações introduzidas no procedimento do Júri.
Considerado o princípio da incidência imediata da norma processual
penal, consagrado pelo art. 2º do C.P.P., as novas regras procedimentais apanham as
ações penais que tenham início após a entrada em vigor da lei e também as já em curso.
Como lembra Manzini, a lei processual penal provê unicamente para
o futuro, ou seja, se aplica a todos os procedimentos e a todos os atos processuais que
estão ainda por se cumprir no momento em que entra em vigor, salvo as exceções
estabelecidas por ela mesma15.
Pouco importa se a nova lei seja taxada de mais severa ou mais branda. O princípio da incidência imediata das normas processuais penais se justifica,
“posto que o Estado disciplina a administração da justiça da maneira que lhe
pareça a mais acertada e deve-se presumir que a nova lei seja melhor que a
15
MANZINI, Vicenzo, apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 3ª ed. São
Paulo: Saraiva, v. 1, p. 111.
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anterior, não só para o interesse coletivo, como também para os interesses
individuais reconhecidos e protegidos pelo Direito Público em geral”16.
Assim sendo, desde que a nova lei assegure as garantias constitucionais do processo penal, terá aplicação imediata, aplicando-se, por óbvio, também aos processos em curso.
16
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit., p. 114.
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QUESTIONÁRIO
NO
JUL
GAMENT
O
JULGAMENT
GAMENTO
PEL
O JÚRI
PELO
ELOISA DE SOUSA ARRUDA
Procuradora de Justiça no Estado de São Paulo
Mestre em Direito Processual Penal pela PUC
Doutora em Direito Penal pela PUC
Professora assistente mestre do Departamento Penal e
Processo Penal da PUC
CÉSAR DARIO MARIANO DA SILVA
Promotor de Justiça no Estado de São Paulo
Especialista em Direito Penal pela ESMP
Mestre em Direito das Relações Sociais da PUC
Professor de Direito Penal da PUC
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QUESTIONÁRIO NO JULGAMENTO PELO JÚRI
Após anos de acirradas discussões no Congresso Nacional foi
publicada a Lei nº 11.689, de 09 de junho de 2.008, que altera quase que na íntegra
o procedimento nas ações penais relativas aos crimes dolosos contra a vida e seus
conexos. A Lei entrará em vigor sessenta dias após a sua publicação, ou seja, no dia
09 de agosto de 2.008.
Considerando a grande incidência de nulidades, em face da complexidade causada pela elaboração e votação do questionário, achou por bem o legislador introduzir
alterações substanciais na sua formulação.
Serão redigidos poucos quesitos, que se pretende sejam mais objetivos e de
fácil intelecção. A elaboração, na forma de proposições afirmativas, simples e distintas, tomará por
base a pronúncia, eventuais decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, o interrogatório do acusado (autodefesa) e as alegações das partes.
A decisão será obtida por maioria, ou seja, por quatro ou mais votos, uma
vez que o conselho de sentença continuará composto por sete jurados.
No primeiro quesito, se indagará sobre a materialidade do fato, ou seja,
sobre a existência concreta do crime, o que, na maioria das vezes, pode-se demonstrar com
laudo elaborado por peritos médicos.
No segundo quesito, serão os jurados indagados sobre a autoria ou a
participação no crime.
Mas a grande inovação reside no quesito relativo às teses absolutórias. A
questão posta aos jurados será simplesmente se eles absolvem o acusado. Assim, invocada
qualquer causa que exclua o crime ou isente o réu de pena, será ela incluída num só quesito,
a ser votado pelos julgadores leigos nesse momento. Ou seja, em uma única pergunta estarão
incluídas todas as teses defensivas, mesmo que alternativas e aparentemente incompatíveis.
Este quesito somente será votado quando reconhecidas a materialidade e a autoria ou participação no crime.
A despeito da inegável simplicidade da pergunta posta aos jurados por
determinação do legislador, alguns problemas certamente advirão.
Sustentada mais de uma tese defensiva, não se saberá ao certo qual o
fundamento da absolvição, visto que os julgadores populares julgam pelo sistema da íntima
convicção, não necessitando explicitar as razões do seu convencimento. E a defesa poderá
alegar diversas teses, antagônicas ou não, ou até mesmo pedir clemência aos jurados, que
poderão acolhê-las, dando ensejo à absolvição.
Com efeito, apresentadas diversas teses, reconhecendo quatro ou
mais jurados uma delas, o resultado será a absolvição, mesmo que o motivo do
convencimento seja distinto.
No procedimento estabelecido pelo Código de Processo Penal de 1941,
somente seria o caso de absolvição se ao menos quatro dos jurados acolhessem a mesma
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mesma tese. Pelas novas regras, caso sejam apresentadas hipoteticamente quatro teses de
defesa (ex: legítima defesa real, legítima defesa putativa, estado de necessidade e clemência),
aceitando cada jurado uma delas, o resultado será a absolvição, sem haver a possibilidade de
se saber qual o seu fundamento. Assim, mesmo que as razões da persuasão sejam diversas,
poder-se-á chegar a um veredicto absolutório.
O impasse atingirá obviamente a fase recursal, já que não será possível
saber qual a tese acolhida. Parece-nos que a acusação, desejando recorrer da decisão dos
jurados, deverá rebater todas as teses apresentadas em plenário e demonstrar que são elas
manifestamente contrárias às provas dos autos.
O Juízo de 2º grau enfrentará a mesma dificuldade no julgamento do recurso, uma
vez que deverá apreciar cada uma das teses apresentadas pela defesa constantes da ata de julgamento.
As causas de diminuição de pena alegadas pelas partes, ou pelo próprio
acusado, serão submetidas à votação quando os jurados responderem “não” ao quesito que
trata da absolvição. Assim, o privilégio previsto no artigo 121, parágrafo 1º, do Código Penal
deverá nesse momento ser indagado aos jurados pelo juiz.
Também após o afastamento da absolvição é que virá o questionamento sobre a
ocorrência de erro na execução (art. 73 do CP), caso constante de decisão que a julgue admissível.
Logo em seguida, serão submetidas à apreciação dos jurados as causas
de aumento de pena e qualificadoras, caso reconhecidas na pronúncia.
Salientamos que não mais constarão do questionário as agravantes e as atenuantes genéricas. Sustentadas pela acusação ou pela defesa durante os debates, caberá ao juiz
presidente da solenidade analisar sua ocorrência, quando da prolação da sentença condenatória.
O quesito relativo ao crime tentado será votado em seguida ao que cuida da autoria.
Apresentada tese de desclassificação do crime de homicídio para outro da competência do júri, o quesito será incluído logo em seguida ao que trata da
autoria, como, por exemplo, no caso da pretendida desclassificação para infanticídio,
tendo sido o réu pronunciado por homicídio.
Quando sustentada no plenário como única tese defensiva a da desclassificação para crime de competência do juiz singular, a pergunta correspondente
deverá ser formulada após o segundo quesito.
Se a principal tese da defesa for a da absolvição, figurando como tese
secundária a da desclassificação para outro crime não doloso contra a vida, o quesito
correspondente deverá ser incluído logo após o terceiro.
Acolhida pelos jurados a tese de crime culposo (desclassificação imprópria), poderá ser indagado deles se existe causa de aumento de pena inerente a essa
modalidade de delito, como as previstas no artigo 121, parágrafo 4º, primeira parte, do
Código Penal.
Quanto ao excesso nas excludentes de ilicitude, a situação mostra-se um pouco mais complexa. Apresentada tese de ocorrência de excludente da ilicitude (art. 23 do CP), a
acusação poderá contrariá-la e alegar, entre outros fundamentos, o excesso. Do mesmo modo,
poderá a defesa apresentar a ocorrência de excesso culposo como tese principal ou
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subsidiária. Caso os jurados condenem o acusado, deverão ser perguntados se o excesso foi culposo. Essa indagação deverá ser feita logo após o terceiro quesito, uma vez
que o acolhimento da referida tese importa desclassificação para crime culposo. Negada
pelos jurados a ocorrência de excesso culposo, será o caso de condenação por crime
doloso, passando-se à votação dos demais quesitos, se for o caso.
O certo é, contudo, que a tese de excesso culposo deverá ser efetivamente sustentada pela defesa, pela acusação ou mesmo pelo acusado, sem o que o juiz
não poderá incluí-la no questionário. Parece-nos que será uma forma de superar a dificuldade existente no que tange à quesitação, porque, ao ser pedido o reconhecimento
do excesso pela acusação (excesso doloso) e pela defesa (excesso culposo), advindo
condenação, não seria possível saber qual das teses os jurados acolheram. Por isso, a
necessidade de quesitar o excesso culposo, quando alegado.
Para que não ocorra confusão quando do julgamento pelos jurados,
visto que os quesitos devem ser claros e simples, ocorrendo mais de um crime, os mesmos deverão ser formulados em séries distintas. Do mesmo modo, havendo mais de um
acusado, para cada um deles deverá haver um questionário.
Procuramos enfrentar no presente artigo algumas questões que percebemos
imediatas na elaboração do questionário. Outras certamente surgirão no dia-a-dia dos julgamentos pelo júri, demandando solução por parte da doutrina e da jurisprudência.
Alguns modelos de questionário
Homicídio qualificado
1) Os ferimentos descritos no laudo de exame necroscópico de fls. 25
foram a causa da morte da vítima João Paulo dos Santos?
2) O acusado Carlos da Silva, no dia 25 de janeiro de 2006, por volta
das 23h, na Rua do Porto, n. 26, Jabaquara, nesta Comarca de São Paulo, efetuou disparos
de arma de fogo contra a vítima, causando-lhe esses ferimentos?
3) O jurado absolve o acusado?
4) Ao efetuar os disparos de arma de fogo pelas costas o acusado agiu à traição?
Homicídio tentado
1) A vítima João Paulo dos Santos sofreu os ferimentos descritos no laudo
de exame de corpo de delito de fls. 25?
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2) O acusado Carlos da Silva, no dia 25 de janeiro de 2006, por volta
das 23h, na Rua do Porto, n. 26, Jabaquara, nesta Comarca de São Paulo, efetuou disparos
de arma de fogo contra a vítima, causando-lhe esses ferimentos?
3) Assim agindo iniciou o acusado a execução de crime de homicídio, que
não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade, uma vez que a vítima foi prontamente socorrida por terceiros?
4) O jurado absolve o acusado?
Desclassificação (tese única)
1) Os ferimentos descritos no laudo de exame necroscópico de fls. 25
foram a causa da morte da vítima João Paulo dos Santos?
2) O acusado Carlos da Silva, no dia 25 de janeiro de 2006, por volta
das 23h, na Rua do Porto, n. 26, Jabaquara, nesta Comarca de São Paulo, efetuou disparos
de arma de fogo contra a vítima, causando-lhe esses ferimentos?
3) Ao efetuar os disparos de arma de fogo o acusado quis o evento morte
ou assumiu o risco de produzi-lo?
4) O jurado absolve o acusado?
Desclassificação (tese subsidiária)
1) Os ferimentos descritos no laudo de exame necroscópico de fls. 25
foram a causa da morte da vítima João Paulo dos Santos?
2) O acusado Carlos da Silva, no dia 25 de janeiro de 2006, por volta
das 23h, na Rua do Porto, n. 26, Jabaquara, nesta Comarca de São Paulo, efetuou disparos
de arma de fogo contra a vítima, causando-lhe esses ferimentos?
3) O jurado absolve o acusado?
4) Ao efetuar os disparos de arma de fogo o acusado quis o evento morte
ou assumiu o risco de produzi-lo?
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Excesso culposo na legítima defesa
1) Os ferimentos descritos no laudo de exame necroscópico de fls. 25
foram a causa da morte da vítima João Paulo dos Santos?
2) O acusado Carlos da Silva, no dia 25 de janeiro de 2006, por volta
das 23h, na Rua do Porto, n. 26, Jabaquara, nesta Comarca de São Paulo, efetuou disparos
de arma de fogo contra a vítima, causando-lhe esses ferimentos?
3) O jurado absolve o acusado?
4) Ao efetuar os disparos de arma de fogo quando a vítima já se encontrava caída, o acusado excedeu culposamente os limites da legítima defesa?
Erro na execução
1) Os ferimentos descritos no laudo de exame necroscópico de fls. 25
foram a causa da morte da vítima João Paulo dos Santos?
2) O acusado Carlos da Silva, no dia 25 de janeiro de 2006, por volta
das 23h, na Rua do Porto, n. 26, Jabaquara, nesta Comarca de São Paulo, efetuou disparos
de arma de fogo contra a vítima, causando-lhe esses ferimentos?
3) O jurado absolve o acusado?
4) Um dos projéteis disparados pelo acusado, desviando-se da direção
desejada, por erro na execução, atingiu a vítima Carlos dos Reis, produzindo-lhe os ferimentos
descritos no laudo de exame de corpo de delito de fls. 57?
Concurso de pessoas (participação)
1) Os ferimentos descritos no laudo de exame necroscópico de fls. 25
foram a causa da morte da vítima João Paulo dos Santos?
2) Terceira pessoa, no dia 25 de janeiro de 2006, por volta das 23h, na
Rua do Porto, n. 26, Jabaquara, nesta Comarca de São Paulo, efetuou disparos de arma de
fogo contra a vítima, causando-lhe esses ferimentos, tendo o acusado Carlos da Silva concorrido para a prática do crime, na medida que forneceu a arma para o executor?
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3) O jurado absolve o acusado?
Ou:
1) Os ferimentos descritos no laudo de exame necroscópico de fls. 25
foram a causa da morte da vítima João Paulo dos Santos?
2) Terceira pessoa, no dia 25 de janeiro de 2006, por volta das 23h, na
Rua do Porto, n. 26, Jabaquara, nesta Comarca de São Paulo, efetuou disparos de arma de
fogo contra a vítima, causando-lhe esses ferimentos?
3) O acusado Carlos da Silva concorreu para a prática do crime, na medida que forneceu a arma para a terceira pessoa?
4) O jurado absolve o acusado?
Infanticídio
1) Os ferimentos descritos no laudo de exame necroscópico de fls. 25
foram a causa da morte da vítima?
2) A acusada Carla da Silva, no dia 25 de janeiro de 2006, por volta das 23h,
na Rua do Porto, n. 26, Jabaquara, nesta Comarca de São Paulo, desferiu golpes de faca contra
seu próprio filho, recém-nascido, logo após o parto e sob a influência de estado puerperal?
3) O jurado absolve a acusada?
Auto-aborto
1) A acusada Carla da Silva, no dia 25 de janeiro de 2006, por volta das
23h, na Rua do Porto, n. 26, Jabaquara, nesta Comarca de São Paulo, utilizando o medicamento Citotec, provocou aborto em si mesma?
2) O jurado absolve a acusada?
Aborto consentido
1) A acusada Carla da Silva, no dia 25 de janeiro de 2006, por volta das
23h, na Rua do Porto, n. 26, Jabaquara, nesta Comarca de São Paulo, consentiu que terceira
pessoa nela provocasse aborto?
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2) O jurado absolve a acusada?
Aborto provocado com o consentimento da gestante
1) O acusado José da Silva, no dia 25 de janeiro de 2006, por volta das
23h, na Rua do Porto, n. 26, Jabaquara, nesta Comarca de São Paulo, provocou aborto em
Carla da Silva com o consentimento desta?
2) O jurado absolve o acusado?
Aborto provocado sem o consentimento da gestante
1) O acusado José da Silva, no dia 25 de janeiro de 2006, por volta
das 23h, na Rua do Porto, n. 26, Jabaquara, nesta Comarca de São Paulo, provocou
aborto em Regiane dos Reis sem o consentimento desta?
2) O jurado absolve o acusado?
Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio
1) No dia 25 de abril de 2005, por volta das 2h28min, na Rua Engenheiro Pereira Barreto, n. 123, nesta Comarca, Carlos de Campos, suicidou-se, ingerindo veneno, conforme laudo de exame necroscópico de fls. 35/36?
2) A acusada Márcia de Assis prestou auxílio para que a vítima se
suicidasse, fornecendo-lhe o veneno?
3) O jurado absolve a acusada?
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A Q
UESIT
AÇÃO
QUESIT
UESITAÇÃO
NO TRIB
UN
AL
TRIBUN
UNAL
DO JÚRI
FAUZI HASSAN CHOUKR
Doutor e mestre em Processo Penal pela
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Promotor de Justiça no Estado de São Paulo
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A QUESIT
AÇÃO NO TRIBUNAL DO JÚRI
QUESITAÇÃO
Primeiros apontamentos sobre a Lei 111.689-08
1.689-08
Fauzi Hassan Choukr1
Sumário
1.
2.
3.
Apontamentos sobre os trabalhos legislativos
Formação do questionário
Bibliografia
Resumo: o presente texto apresenta primeiras reflexões sobre a nova
estrutura de quesitação nos julgamentos do Tribunal do Júri, analisando os movimentos de reforma até a nova Lei 11.689-08, a qual buscou simplificar a estrutura que historicamente sofria críticas quanto à
sua complexidade e como fonte de questionamentos que levavam, no
mais das vezes, à nulificação do julgamento.
Palavras-chave: Tribunal do Júri – quesitos – veredicto – reforma
1.
Apontamentos sobre os trabalhos legislativos
Historicamente, a obtenção do veredicto pelo Conselho de Sentença
no Tribunal do Júri se dá pela apreciação de perguntas dirigidas ao juiz leigo. Assim,
durante a vigência do Código Criminal do Império de 1832, desde sempre prevendo a
divisão procedimental dos processos de competência do Júri em duas etapas, fazia-se
referência ao juízo de admissibilidade que seria resolvido com a resposta a um quesito
endereçado ao “conselho de admissibilidade” com o seguinte teor:
Há neste processo sufficiente esclarecimento sobre o crime, e seu autor, para
proceder à accusação? (Art. 245).
Caso a resposta fosse negativa, ou seja, não houvesse a admissibilidade
da causa, haveria um tipo de revisão necessária, a teor do art. 246:
1
Doutor e Mestre em Processo Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especializado em Direitos Humanos pela Universidade de Oxford – New College. Especializado em Direito Processual
Penal pela Universidade Castilla La Mancha – Espanha. Promotor de Justiça no Estado de São Paulo.
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“a decisão fôr negativa, por não haver sufficiente esclarecimento sobre o
crime, ou seu auctor, o Presidente dará as ordens necessarias, para que
sejam admittidos na sala da sua conferencia o queixoso, ou denunciante,
ou o Promotor Publico, e o réo, se estiver presente, e as testemunhas, uma
por uma, para ratificar-se processo, sujeitando-se todas estas pessoas a novo
exame.”
Refeita a instrução, nova decisão a partir de questionamento ao Conselho, da seguinte maneira (art. 248):
“Finda a ratificação do processo, ou formada a culpa, o Presidente fará
sahir da sala as pessoas admittidas, e depois do debate, que se suscitar
entre as Jurados, porá a votos a questão seguinte: Procede a accusação
contra alguem?”, devendo O Secretario escreverá as respostas pelas formulas seguintes: O Jury achou materia para accusação; O Jury não achou materia
para accusação.”
Uma vez existindo fundamento para a admissibilidade da causa, abrir-seia a segunda fase do procedimento, também desenvolvida perante um Conselho de Jurados2,
com a seguinte disciplina:
há materia para accusação, o accusador offercerá em juizo o seu libello
accusatorio dentro de vinte e quatro horas, e o Juiz de Direito mandará
notificar o accusado, para comparecer na mesma sessão de Jurados, ou na
proxima seguinte, quando na presente não seja possivel ultimar-se a
accusação (Art. 254).
Nesse momento, o “Segundo Conselho de Jurado”, então composto
por 12 membros, (que não poderiam ter integrado o primeiro conselho3) analisaria o
mérito da causa e responderia às seguintes questões para alcançar o veredicto:
§ 1.º Se existe um crime no facto, ou objecto da accusação?
§ 2.º Se o accusado é criminoso?
§ 3.º Em que gráo de culpa tem incorrido?
2
Predispunha o Art. 259 que Formados o segundo Conselho, que deve ser de doze Jurados, guardadas
todas as formalidades que estão prescriptas para a formação do primeiro, e prestado o mesmo juramento,
o Juiz de Direito fará ao accusado as perguntas que julgar convenientes sobre os artigos no libello, ou
contrariedade; e quelles factos sobre que as partes concordarem assignando os artigos, que lhes fôrem
relativos, não serão submettidos ao exame dos Jurados.
3
Art. 289. Os jurados que servirem no Jury de accusação, não entrarão no de julgação
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§ 4.º se houve reincidencia (se disso se tratar)?
§ 5.º Se há lugar a indemnização?
O método era o da votação, após debate entre os jurados, vencendo a
maioria de conformidade com o art. 270:
Retirando-se os Jurados a outra sala, conferenciarão sós, e a portas fechadas, sobre cada uma das questões propostas, e o que fôr julgado pela maioria absoluta de votos, será escripto, e publicado como no Jury de accusação
Com a reunificação legislativa na Era Vargas, sob a égide da Carta de
1937, sabidamente a única que não conferiu guarida constitucional ao Tribunal do Júri, o
Decreto-Lei 167 de 1938 acabou regulando a matéria e, pouco tempo depois, sua estrutura
foi incorporada largamente ao atual Código de Processo Penal, afirmando-se que
“Com algumas alterações, impostas pela lição da experiência e pelo sistema de aplicação da pena adotado pelo novo Código Penal, foi incluído no
corpo do projeto o Decreto-lei 167, de 5 de janeiro de 1938. Como atestam
os aplausos recebidos, de vários pontos do país, pelo Governo da República, e é notório, têm sido excelentes os resultados desse Decreto-lei que veio
afeiçoar o tribunal popular à finalidade precípua da defesa social. A aplicação da justiça penal pelo júri deixou de ser uma abdicação, para ser uma
delegação do Estado, controlada e orientada no sentido do superior interesse da sociedade. Privado de sua antiga soberania, que redundava, na prática, numa sistemática indulgência para com os criminosos, o júri está, agora, integrado na consciência de suas graves responsabilidades e reabilitado
na confiança geral.”4
Nessa estrutura fica clara a domesticação desejada das atividades da
corte popular, com a intenção manifesta de diminuir sua soberania. No tema da quesitação,
o conselho de admissibilidade já havia sido extinto em 1841 com a reforma de 3 de
dezembro daquele ano. Para o Conselho de Sentença, seria reforçado um modelo de
quesitação que, bem ao gosto dos modelos inquisitivos de processo, possuía um aparente rigorismo e clareza, mas, na verdade, deixava portas imensas abertas para que esse
modelo se tornasse um grande mecanismo propulsor de nulidades.5
4
Ministro Francisco Campos, na exposição de motivos do projeto de lei que se converteu no Decretolei n. 3.689, de 1941
5
Fartíssima é a literatura a respeito deste aspecto. Entre tantos, consulte-se FRANCO JUNIOR, Raul
de Mello. — Nulidade e quesitos do júri. Justitia. São Paulo. v.55. n.164. p.34-7. out./dez. 1993;
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Com efeito, preso inicialmente à peça processual denominada “libelo crime”6, a quesitação se completava na redação do anterior artigo 4847 do Código de Processo
Penal com a fala da Defesa (técnica e autodefesa), abrindo discussões sobre a forma correta
de se quesitar temas como o infanticídio8, a legítima defesa real e a putativa9, continuidade
delitiva10, co-autoria e participação11, o concurso “de qualquer modo” na prática delitiva12 ou
o particularmente complicado questionamento da tese da “inexigibilidade da conduta diversa”13, além da possibilidade de se projetar para as várias fases do procedimento do júri, aí
incluindo a quesitação, posições doutrinárias típicas da parte geral do Direito Penal14 culminando na possibilidade de nulificação da sessão plenária por erro no questionário15 ou por
contradição à votação de quesitos16 e mesmo não contemplando a correta forma de quesitar
quando houvesse inovação de tese defensiva na tréplica17.
A necessidade da simplificação dos quesitos já era sentida quando da
entrada em vigor do Código que hoje se quer revogar18. Explicava-se, então, a propósito da noção complexidade dos que:
6
A propósito, consulte-se (132/180){81904}CERNICCHIARO,
CERNICCHIARO, Luiz Vicente. — Fato jurídico: júri;
limites para o libelo, quesitos e condenação. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal. Porto
Alegre. v.3. n.14. p.5-6. jun./jul. 2002.
7
Art. 484. Os quesitos serão formulados com observância das seguintes regras:
I - o primeiro versará sobre o fato principal, de conformidade com o libelo;
II - se entender que alguma circunstância, exposta no libelo, não tem conexão essencial com o fato ou
é dele separável, de maneira que este possa existir ou subsistir sem ela, o juiz desdobrará o quesito em
tantos quantos forem necessários;
III - se o réu apresentar, na sua defesa, ou alegar, nos debates, qualquer fato ou circunstância que por lei
isente de pena ou exclua o crime, ou o desclassifique, o juiz formulará os quesitos correspondentes
imediatamente depois dos relativos ao fato principal, inclusive os relativos ao excesso doloso ou culposo
quando reconhecida qualquer excludente de ilicitude;
* Redação determinada pela Lei n.º 9.113, de 16 de outubro de 1995
IV - se for alegada a existência de causa que determine aumento de pena em quantidade fixa ou dentro
de determinados limites, ou de causa que determine ou faculte diminuição de pena, nas mesmas condições, o juiz formulará os quesitos correspondentes a cada uma das causas alegadas;
V - se forem um ou mais réus, o juiz formulará tantas séries de quesitos quantos forem eles. Também serão
formuladas séries distintas, quando diversos os pontos de acusação;
VI - quando o juiz tiver que fazer diferentes quesitos, sempre os formulará em proposições simples e bem
distintas, de maneira que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza.
Parágrafo único. Serão formulados quesitos relativamente às circunstâncias agravantes e atenuantes,
8
MARION, Carlos Alberto. — O infanticídio e sua forma de quesitação no júri. Revista do Direito. Santa
Cruz do Sul. n.18. p.143-59.jul/dez. 2002
9
PENTEADO, Jaques de Camargo. — Júri: legitima defesa putativa e questionário. Revista Jurídica.
Porto Alegre. v.42. n. 206. p.22-6. dez. 1994
10
SIQUEIRA, Geraldo Batista de. — Crime continuado e quesitação no júri. Revista Jurídica. Porto
Alegre. v.43. n.208. p.24-32.fev. 1995
11
ROSA, Antonio Jose Miguel Feu. — A co-autoria no júri. Revista Jurídica. Porto Alegre. v.43. n.209.
p.34-41. mar.1995
12
NASSIF
NASSIF,, Aramis. — Júri: a participação de qualquer modo. Ajuris: Revista da Associação dos Juízes do
Rio Grande do Sul. Porto Alegre. v.23. n.67. p.50-9. jul. 1996; LEAL, Saulo Brum. — Júri: quesitos;
formulação do quesito genérico na co-autoria; de qualquer modo; nulidade. Revista Síntese de Direito
Penal e Processual Penal. Porto Alegre. v.2. n.10. p.62-71.out./nov. 2001.
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“Existe complexidade em um quesito, quando a questão nele incluída
contém dois ou mais elementos, dos quais uns podem ser afirmados e
outros negados, sem que haja contradição ou incoerência, havendo probabilidade de produzirem tais afirmativas ou negativas a modificação
jurídica da questão”. É o mesmo pensamento que vem expresso com
mais clareza na obra de Borsani e Casorati: “Se la questione contiene
elementi che, presi isolatamente, puossono dar luogo a due risposte
diverse, e che diversamente aprezzati, possono condurre a disparate
conseguenze, a dare cioé al reato un carattere diverso o ad aplicare una
pena diversa, la questione é mal posta, il voto dei giurati rimane incerto,
e puó anche risolverse in un senso contrario alla loro convinzione”
(Codice di Procedura Penale Italiano, vol. 8º, pág. 378). No direito francês, onde, na vigência das leis no Ano III, e a pretexto de evitar questões complexas, o questionário do júri se dividia e subdividia em mil e
uma perguntas, a tal ponto que, para cortar abusos, o Código de Instrução Criminal chegou a declarar expressamente, no art. 337, que os quesitos seriam complexos; no direito francês, dizíamos, conseguiu-se afinal,
depois da lei de 1836, fixar a noção jurídica de complexidade.
Assim, descontando o anteprojeto incumbido a Hélio Tornaghi (1963), que
jamais foi apresentado ao Parlamento, mesmo nos trabalhos de Frederico Marques19 e seu então
anteprojeto já se buscava alcançar maior racionalidade e simplificação dos quesitos, mas seu
então artigo 728 mantinha a estrutura do Código em vigor, apenas resumindo-lhe as etapas20.
Esse mesmo ideal de simplificação veio à luz nos trabalhos encomendados pelo Poder Executivo em 1981, que aproveitavam largamente as experiências do ante13
GRECO, Rogério. — Exigibilidade de conduta diversa como causa supralegal e o júri. Revista da
Faculdade de Direito do Alto Paranaíba. Araxá. v. 3. n.3. p. 73-87. 1999
14
SIQUEIRA, Geraldo Batista de; SIQUEIRA, Marina da Silva; BARBACENA NETO, Henrique; CARMO,
Nilma Maria Naves Dias do; MARQUES, Mirthes de Almeida Guerra; MAR
TINS, Reinaldo Edreira. —
MARTINS,
Teoria finalista da ação: reflexos no procedimento do júri? Revista Jurídica. Porto Alegre. v.48. n.280. p.448. fev. 2001; SIQUEIRA, Geraldo de Siqueira. — Teoria finalista da ação: reflexos no procedimento do júri
(II). Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal. São Paulo. n.17. p.15-20. jan. 2003.
15
Ver MARQUES, Jader
Jader.. — Tribunal do júri: nulidade da quesitação. Revista Síntese de Direito Penal
e Processual Penal. Porto Alegre. v.5. n.30. p.64-79. fev./mar. 2005
16
DA
VIS, Francis Selwyn. — Contradição ente as respostas e soberania do júri. Revista Brasileira de
DAVIS,
Ciencias Criminais. São Paulo. v.3. n.10. p.169-75. abr./jun. 1995
17
PINTO, Ronaldo Batista. — Inovação na tréplica. Revista Síntese de Direito Penal e Processual
Penal. Porto Alegre. v.6. n.32. p.64-9. jun./jul. 2005
18
Cardoso de Melo, João de Deus. Dos quesitos da legítima defesa segundo os novos códigos, in
Justitia vol. 05, 1942-1943
19
Por força do Decreto nº 61.239, de 25 de agosto de 1967. Posteriormente, por força da Portaria nº 32
de 1970 o próprio Frederico Marques, juntamente com Benjamim Moraes Filho e José Salgado Martins
compuseram, sob a regência do primeiro, a Subcomissão Revisora do Anteprojeto de Código de
Processo Penal.
20
Diário do Congresso Nacional, edição de 13 de junho de 1975, página, Suplemento (A)
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projeto Frederico Marques, redação que foi publicizada no Diário Oficial da União, do dia
27 de maio de 1981 e que gerou o PL 1655/1983, em cuja Exposição de Motivos (nº 212,
de 9 de maio de 1983) que apresentava como um dos fins desejados da renovação legislativa
a “simplificação do procedimento relativo aos processos de competência do Tribunal do Júri,
particularmente no tocante à formulação de quesitos”.
Após a edição da Constituição de 1988, novos trabalhos legislativos tiveram início com intuito de renovar partes do Código de Processo Penal (e outros segmentos
do ordenamento jurídico), instituindo-se inicialmente, pela Portaria nº 145, de 1992, Comissão presidida pelo jurista Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, cujos membros foram apontados na Portaria nº 3, de 10 de junho de 1992. Ao final dos trabalhos produzidos, foi
constituída nova Comissão para revisão dos textos elaborados, instituída pela Portaria nº
349, publicada no DOU, de 17 de setembro de 1993.
Um nome comum a ambas Comissões foi a do prof. René Ariel Dotti,
responsável direto pela elaboração dos textos referentes ao Tribunal do Júri, sempre
com destaque (naquilo que interessa ao presente trabalho) para a simplificação dos quesitos. Assim, desses trabalhos teve origem o Projeto de Lei n. 4.900, de 1995 (sobre o
tribunal do júri), retirado do Parlamento em 1996, sob a justificativa de “que observou
[Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária] que recaem sobre ela algumas
imperfeições, passíveis de serem sanadas. A esse respeito, cabe destacar as relativas ao
julgamento sem a presença do réu, a eliminação do libelo, a supressão do recurso do
protesto por novo júri e a formulação dos quesitos.”21
Naquele anteprojeto, no artigo 483, havia a previsão da redação dos
quesitos em ordem obrigatória, da seguinte forma: (I) materialidade do fato; (II) autoria e
participação; (III) “se o acusado deve ser condenado” e (IV) se existe causa de diminuição
de pena alegada pela defesa.22
Alcança-se, assim, a criação da Comissão Grinover23 e, com ela, a elaboração de anteprojeto de lei sobre o Júri uma vez mais e com ambições muito próximas a de
todos os trabalhos anteriores no que tange à simplificação dos quesitos.
Assim, a primeira sugestão daqueles acadêmicos para a nova disciplina
do júri foi:
Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre:
I – a materialidade do fato;
II – a autoria ou participação.
21
Mensagem nº 97/1996
Diário do Congresso Nacional, edição de 28 de janeiro de 1995, Seção I, p. 1442.
23
Portaria nº 61, de 20 de janeiro de 2000 do Ministério da Justiça.
22
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III – se o acusado deve ser absolvido ou condenado;
IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;
V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena,
reconhecidas na pronúncia.
§ 1º. A resposta negativa, por mais de três jurados, a qualquer dos quesitos
referidos nos incisos I e II encerra a votação e implica a absolvição do
acusado.
§ 2º. Respondidos afirmativamente, por mais de três jurados, os quesitos
relativos aos incisos I e II, será formulado o terceiro quesito, com a seguinte
redação:
“O jurado absolve ou condena o acusado?”
§ 3º. Os quesitos referidos nos incisos I e II e os demais que devam ser
formulados nos termos do § 5º serão respondidos com as cédulas contendo
as palavras “sim” e “não”.
§ 4º. O terceiro quesito será respondido por cédulas especiais contendo as
palavras “absolvo” e “condeno”.
§ 5º. Decidindo os jurados pela condenação o julgamento prossegue, devendo ser formulados quesitos sobre:
I – causa de diminuição de pena alegada pela defesa;
II – circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia;
§ 6º. Sustentada a desclassificação da infração para outra de competência
do juiz singular, será incluído quesito a respeito, para ser respondido em
seguida à afirmação da autoria ou participação;
§ 7º. Havendo mais de um crime ou mais de um acusado, os quesitos serão
formulados em séries distintas.
Assim foi a redação encaminhada ao Congresso Nacional e assim
mantida na primeira apreciação da Câmara dos Deputados até seu encaminhamento ao
Senado. Afirmava-se, então, que o sistema em vigor era:
complexo, não prevê o quesito sobre absolvição ou condenação.
Essas inovações valorizam a soberania do veredicto popular e reduzem significativamente a possibilidade de recusos, por vezes proletatórios, que buscam a anulação
do julamento com base em erros de quesitação. Sem dúvida, esse é um dos pontos
centrais do Projeto de Lei.
Foi no Senado que houve significativa alteração no sistema proposto,
passando-se a contar com a seguinte redação:
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“Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem,
indagando sobre:
I – a materialidade do fato;
II – a autoria ou participação;
III – se o acusado deve ser absolvido;
IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;
V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que
julgaram admissível a acusação.
§ 1º A resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos
referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a
votação e implica a absolvição do acusado.
§ 2º Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos
relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será
formulado quesito com a seguinte redação:
‘O jurado absolve o acusado?’
§ 3º Decidindo os jurados pela condenação, o julgamento prossegue, devendo ser formulados quesitos sobre:
I – causa de diminuição de pena alegada pela defesa;
II – circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na
pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.
§ 4º Sustentada a desclassificação da infração para outra de competência do
juiz singular, será formulado quesito a respeito, para ser respondido após o
segundo ou terceiro quesito, conforme o caso.
§ 5º Sustentada a tese de ocorrência do crime na sua forma tentada ou
havendo divergência sobre a tipificação do delito, sendo este da competência do Tribunal do Júri, o juiz formulará quesito acerca destas questões, para
ser respondido após o segundo quesito.
§ 6º Havendo mais de um crime ou mais de um acusado, os quesitos serão
formulados em séries distintas.” (NR)
O ponto diretamente alterado foi a redação do terceiro quesito para “‘O
jurado absolve o acusado?’”. Quando o projeto retornou à Câmara dos Deputados, foi
alvo de apreciação pelo Relator, Deputado Flávio Dino, que em sua manifestação sobre as
modificações propostas assim se manifestou24: Quanto ao mérito, parecem-me corretas as
seguintes alterações feitas pelo Senado Federal, razão pela qual as acolho: ... xxv...”. A
proposta n. “xxv” dizia respeito à pergunta “‘O jurado absolve o acusado?’
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Malgrado o esforço na busca da simplificação conforme visto acima, a
redação empregada ainda deixa espaços para que os quesitos venham a ser desdobrados,
conforme se observará na seqüência.
2.
Formação do questionário
Como já visto, O Código de Processo Penal determinava, já na redação
anterior, não apenas uma ordem necessária para formulação de indagações como, também,
a inclusão de indagações necessárias25. Sua não formulação viciava o julgamento, tema inclusive sumulado pelo STF26. Como decorrência, afirmava-se diante da antiga norma que a
“Formulação de quesitos sobre dolo direto ou eventual antes dos quesitos que isentam de
pena, excluem o crime ou o desclassificam” é inadmissível (TJSC RT 579/364), assim como
a “Indagação das qualificadoras do homicídio antecedendo a relativa ao homicídio privilegiado” (STF, RT 549/429), escapando desta situação, para determinado provimento, hipótese
de “causa especial de diminuição da pena... em que não deve anteceder a qualificadora do
delito” (STF, RT 616/410). A nova disciplina dos quesitos impõe, igualmente, ordem obrigatória que, desatendida, é causa potencialmente geradora de nulidade.
A nova disciplina legal pode levar o leitor, à primeira vista, a acreditar
numa fixação definitiva de quesitos com suas respectivas finalidades. Nada obstante, não é
assim que a leitura do direito processual, coadunada com o direito material impõe que se
faça. Fixa é a ordem das perguntas com seus respectivos desdobramentos existentes exatamente por conta do Direito Penal.
Assim, tema como o da autoria e participação, previstos no quesito n. 2,
deve ser desdobrado diante da estrutura do artigo 29 do Código Penal e não pode ser
confinado numa única pergunta ultra-abarcativa que elimine as nuances da autoria, participação, participação de menor importância ou participação em delito menos grave.
Já a participação de menor importância haveria de ser votada após o
quesito número dois que fala em autoria e participação nos moldes do artigo 29, pois seu
parágrafo primeiro ainda diz respeito ao mesmo elemento anímico do crime doloso contra a
vida, disto se distinguindo do parágrafo segundo, que embora tratando de participação “de
crime menos grave”, induz à desclassificação delitiva, embora assim não o seja necessariamente em todos os casos.
24
Ênfase dada ao tema que é objeto deste texto.
25
Nada obstante a imposição legal e a vital importância da quesitação para obtenção do veredicto, não
raras vezes a doutrina e, sobretudo, a jurisprudência, vêem nas deficiências de formação do questionário causa de nulidade “relativa”, dependente da demonstração de prejuízo.
26
STF - Súmula n° 156 - Nulidade no Júri: É absoluta a nulidade do julgamento, pelo júri, por falta de
quesito obrigatório.
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Assim, pode haver participação em crime menos grave quando a pessoa
acusada manifestar a intenção homicida mas não com o emprego de meio cruel, ao qual,
supostamente, procurou evitar. Em sendo assim, cremos que a votação do quesito referente
à participação em “crime menos grave” deva vir como desdobramento da participação prevista no quesito número 2.
Nada obstante, quando a participação em crime menos grave significar a desclassificação delitiva para crime não doloso contra a vida, sua indagação deverá vir após o quesito número 3. Neste sentido, inclusive, deve ser entendido o parágrafo
4 do presente artigo.
Indagação de particular importância é do n. 3. No dizer de Stocco 27"
O terceiro quesito e, dentre todos, o mais importante e fundamental tem
redação na lei. Aos jurados será indagado apenas se absolvem ou condenam o acusado, através de cédulas especiais contendo as palavras “absolvo” ou “condeno”. Assim, respondidos afirmativamente os dois primeiros
quesitos acerca da materialidade do fato e sobre a autoria ou participação,
será formulado o terceiro quesito, que engloba todas as teses apresentadas
pela defesa. Com essa providência, afasta-se a maior fonte de nulidades,
atende-se à determinação constitucional de que aos jurados apenas se propõem questões sobre matéria de fato, simplifica o julgamento e, segundo
nos parece, protege melhor o acusado, permitindo segurança e garantia de
um julgamento justo.
Existente a votação desse quesito a partir do momento em que os jurados
reconhecem materialidade e autoria, passam os jurados a decidir sobre o “mérito” do fato,
cuja resposta positiva, por maioria, implica na condenação da pessoa acusada. Neste quesito estão implicadas todas as teses defensivas como as que excluem a tipicidade, a
antijuridicidade e a culpabilidade, insertas na mesma preposição de acordo com a ambição
dos autores da reforma.
Se a simplificação era, sem dúvida, um dos principais objetivos dos trabalhos reformistas conforme já apontado, o alcance da simplificação pode gerar problemas
operacionais incontroláveis, na medida em que a superposição de teses defensivas, não raras
vezes contraditórias umas com as outras, pode causar confusão no julgador leigo que, diante
do quesito genérico dessa envergadura, fica sem o rumo necessário, função essa, a de
norteador, precípua nesse modelo de quesitação.
O regime anterior, criticado pela sua complexidade, tinha em teses defensivas, como a da legítima defesa, um dos mais claros exemplos de rebuscamento em virtude
dos desdobramentos inerentes à redação do artigo 25 do Código Penal e do artigo 23, par.
único, inclusive servindo como parâmetro para demonstrar que o jurado, longe de apreciar
exclusivamente “matéria de fato”, também era questionado em “matéria de direito”.
O regime atual poderia ser efetivamente portador de maior simplicidade não
fosse o localizado problema da identificação do excesso doloso ou culposo cuja análise não
parece ser absorvida por qualquer dos quesitos obrigatórios, pois não se prende ao tema da
27
Op. cit, p. 85.
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materialidade (inciso I), tampouco de autoria (inciso II), e não basta a votação ao quesito III para
que seja apreciado. Igualmente não comporta votação nos termos das questões que se poderia
denominar de facultativas (par. 3°, I e II; par. 4° e par. 5°), pois o excesso não diz respeito a
causa de diminuição de pena alegada pela defesa ou mesmo de circunstância qualificadora ou
causa de aumento de pena e não se trata de hipótese de desclassificação.
Em sendo assim, não restará outra alternativa senão a da inclusão de quesitos desdobrados especificamente em relação a este ponto. Mas, em sendo essa a alternativa, restaria ainda a indagação de como proceder a tal desdobramento.
Resultante do afastamento de tese absolutória da legítima defesa, a conclusão inicial é que eventuais quesitos sobre excesso doloso e, depois, culposo (nessa ordem
obrigatória) devem vir após a resposta negativa por maioria ao quesito número 3, o que não
causa maior complexidade quando a legítima defesa for a única tese anunciada pela defesa
técnica e pela autodefesa.
Não nos parece possível deixar de apreciar a tese do excesso doloso
porquanto diante da inexistência do desdobramento dos requisitos da legítima defesa, não se
sabe por que o afastamento da tese se deu.
No mais, em primeiro plano é essa a ordem do art. 23, parágrafo único
do Código Penal; depois, porque a manutenção da competência do Júri se dá pela valoração
de ter agido ou não a pessoa acusada com dolo e não com culpa (em sentido estrito) e,
assim, com a resposta positiva ao quesito do excesso doloso, mantém-se a competência da
Corte Popular para, inclusive, apreciar eventual crime conexo.
As mesmas observações já efetuadas em relação à legitima defesa cabem
aqui para as demais hipóteses do art. 23 do Código Penal, residindo a maior complexidade,
uma vez mais, na questão do excesso que deverá ser votado na forma explicitada no
tópico anterior.
Há de ser verificada, ainda, a disciplina do erro de tipo diante de suas
várias manifestações (erro direto ou indireto (discriminante)). Assim, no caso do art. 20, par.
1°, primeira parte, existe verdadeira isenção de pena caso não haja previsão de pena a título
de culpa (segunda parte da mesma norma).
Restaria indagar se o quesito ultra-abarcador seria suficiente para apreciar todas as circunstâncias de fato que gravitam em torno da ocorrência do erro, as quais
deveriam ser explicitadas pela defesa para a inclusão da quesitação como se afirmava no
regime anterior sendo que, caso contrário, naquela disciplina “Não há [havia] como se acolher alegação de nulidade no indeferimento de quesitos sugeridos pela defesa, se evidenciado
que não foram indicadas as circunstâncias fáticas que teriam levado o réu a erro, induzindoo a acreditar que a sua conduta seria lícita e autorizada – impossibilitando o questionamento
dos jurados sobre as circunstâncias. (STJ - HC – 24566 - Data da decisão: 11/02/2003 –
Rel. Min. Gilson Dipp)
A intenção da norma é a de que as questões “de fato” possam ser consideradas como todas integrantes do quesito número três, restando indagar o resultado jurídi-
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co que deve advir, pois se trata de ausência de culpabilidade, gerando a isenção de pena
apenas se não houver previsão de pena a título de conduta culposa isto quando se falar
no erro de proibição direto, pois o indireto tratará de alguma discriminante como a legítima
defesa, com seu regime próprio.
Assim, quer-nos parecer que a resposta positiva por maioria à indagação “o
jurado absolve o réu” encerra qualquer desdobramento, impondo sua absolvição, enquanto a
resposta negativa não afastará integralmente a tese do erro de proibição, que deverá ser apreciada
nos termos do parágrafo 4° do presente artigo, após o terceiro quesito.
Particular interesse se mostra o tema do quesito único e inimputabilidade
.
penal total. Trata-se de caso de inimputabilidade detectada após o juízo de admissibilidade
pois, se anterior, e sendo essa a única “tese defensiva”, será caso de absolvição sumária
na forma do artigo 415, parágrafo único conforme já examinado nestes Comentários.
Como a inimputabilidade total gera absolvição denominada de “imprópria” vez que dela decorre a imposição de medida de segurança, a resposta “sim” ao terceiro
quesito põe fim à votação, mas não exime, por óbvio, a determinação da medida de segurança cabível que deverá ser aplicada nos termos determinados pelo artigo 492, II “c”, com
previsão expressa, repetindo-se assim posição pretoriana existente no regime anterior cuja
pertinência ainda se dá, ao afirmar-se que “É possível a “Imposição de medida de segurança
pelo juiz presidente ao réu, embora inexistente quesito sobre sua periculosidade real no questionário” (RT 563/316; no mesmo sentido: RT 576/366).
O pedido a ser formulado mesmo pelo acusador – e que pode parecer contraditório aos olhos leigos – é o de absolvição, com os necessários esclarecimentos aos integrantes do Conselho de Sentença das conseqüências jurídicas dessa “absolvição”.
O que muda em relação ao regime anterior neste tópico é a quesitação da
insanidade do acusado, não mais necessária diante da pergunta número 3, e sendo “matéria
só ventilada em plenário [o seu] reconhecimento inadmissível sem a instauração do incidente
competente [sendo o] indeferimento da pergunta que, portanto, não implica nulidade” (TJMG,
RT 652/316).
O reconhecimento da inimputabilidade completa, na nova sistemática,
implica desta forma na necessidade de prévia instauração de incidente de sanidade que
tendo sua imperiosa necessidade reconhecida pelo Conselho de Sentença nos termos do
art. 480 e sendo necessária a produção de laudo pericial, não restará outra alternativa
senão a dissolução daquele corpo julgador na forma do art. 481, solução esta, acrescente-se, já existente no regime anterior.
Quando a tese defensiva da pessoa acusada completamente inimputável
for de negativa de autoria, não haverá maiores problemas de quesitação com a apreciação da
pergunta n. 2 do questionário legal e obrigatório.
Quando, no entanto, houver tese absolutória que deva ser apreciada no
item 3, o resultado “absolve” por maioria não leva à conclusão definitiva da vontade dos
jurados, vez que a absolvição “imprópria” gera a imposição de medida de segurança, enquanto a “própria” isenta a pessoa de qualquer sanção penal.
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Assim, cremos na necessidade da imposição de um quesito específico, após aquele de n. 3, no qual deverá ser indagado sobre a imposição de
medida de segurança. Outra alternativa seria a indagação no item 3 de forma a
colocar ao Conselho de Sentença se “absolve” “sem medida de segurança” ou “com
medida de segurança”. A hipótese levantada inicialmente, no entanto, parece-nos
ser de maior clareza para o julgador leigo.
Por outro lado, a inimputabilidade parcial não gera absolvição sumária,
mas condenação em sentido próprio com imposição de medida penal reduzida por força
do parágrafo primeiro do artigo 26 do Código Penal com a necessária apreciação do
caso pelo Conselho de Sentença. Assim, diversamente da hipótese anterior na qual há absolvição e tudo se resume ao resultado positivo ao quesito número três, aqui deve ser sustentado o pedido de condenação e, com resultado negativo ao quesito número três, a causa de
diminuição será objeto de apreciação nos termos do parágrafo terceiro do presente artigo.
Ao final, recordando-se a - Súmula n° 162 do e. STF, “É absoluta a
nulidade do julgamento, pelo júri, quando os quesitos da defesa não precedem aos das
circunstâncias agravantes.” Assim, a quesitação de causa de diminuição deve ser submetida aos jurados não apenas por provocação da Defesa técnica ou da autodefesa, mas,
também, por eventual postulação do Acusador que, como cediço, poderia fazê-lo na
medida em que implica situação mais favorável à pessoa acusada. No caso dos crimes
dolosos contra a vida, aqui se enquadraria a hipótese do homicídio privilegiado.
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REFORMA
PR
OCESSU
AL
PROCESSU
OCESSUAL
PEN
AL E
PENAL
JÚRI
JAQUES
DEDE
CAMARGO
PENTEADO
JAQUES
CAMARGO
PENTEADO
Mestre e doutor em Direito pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo
Advogado e consultor
Procurador de Justiça aposentado do MPSP
Professor doutor do curso de pós-graduação
da UNIFIEO
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REFORMA PROCESSUAL PENAL E JÚRI
Primeiras observações
I. Introdução
No momento histórico em que a Constituição Federal completa 20
anos, e a doutrina e a jurisprudência demonstraram que o sistema e a maioria das regras
do vetusto Código de Processo Penal, promulgado sob regime ditatorial, não foram
recepcionados por aquela, inicia-se a mais profunda reforma deste.1
O estabelecimento do Estado Democrático de Direito, que tem por um
dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, e objetiva a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, com a prevalência dos direitos humanos, implica a
adoção do sistema acusatório, balizado pelo garantismo e pela efetividade, visando o
bem comum – reconhecimento daquela dignidade humana, provisão das necessidades
do homem e fixação de uma ordem jurídica justa, estável e segura –, e se desenvolvendo segundo os direitos e as garantias individuais consagradas na Carta Magna.
A importância e a dimensão dessa matéria indicam a manifesta conveniência de formulação de um anteprojeto de Código de Processo Penal, a sua ampla discussão e,
a submissão do mesmo ao procedimento legislativo, para se alcançar a necessária evolução
jurídica de nosso País, cooperando para a sua real e definitiva inserção no concerto das
nações mais desenvolvidas. Todavia, as reformas se fazem parciais, sem muita discussão
no âmbito próprio, nem sempre com a qualidade desejada e, em vez de efetivos e globais
programas de melhor administração da Justiça Penal, aposta-se quase exclusivamente no
texto legal pontual para se obter a resolução de antigos e sérios problemas da mesma.
Renovada a esperança na elaboração legislativa de um novo e moderno
Código de Processo Penal Brasileiro, em harmonia com a Constituição Federal em
vigor e com os tratados de direitos humanos firmados por nosso País, atento às diversidades dos Estados-membros de nossa Federação e ajustado ao desenvolvimento nacional, há que se tentar fazer o melhor com o que se tem e, nesse sentido, a atual reforma
1
“Desde que foi criado, em 1941, o Código de Processo Penal (CPP) passou por 42 reformas pontuais.
Os dados são do Ministério da Justiça e divulgados em meio a iniciativas de se promover uma ampla
reforma da norma que estabelece os procedimentos para a condução das ações criminais pelo Judiciário
brasileiro. Pouco mais da metade das alterações ocorreram após 1989. Segundo o secretário de Assuntos Legislativos do órgão, Pedro Abramovay, elas foram realizadas justamente para adequar a lei à
Constituição cidadã, promulgada no ano anterior (...) Apesar disso, o secretário nega que tantas mudanças tenham tornado o código uma ‘colcha de retalhos’. A falta de unidade dos dispositivos do CPP
foi uma das principais críticas de Hamilton Carvalhido, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
e coordenador da comissão instituída pelo Senado, no mês passado, para estudar e elaborar um projeto
de lei que possibilite a reforma completa da lei” (Jornal do Commercio – Direito & Justiça – Clipping
Eletrônico – AASP – 26.8.2008.).
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traz a oportunidade de renovar a importância da distinção entre jurisdição, processo e
procedimento, para o tratamento científico da resolução da causa penal.
II. Jurisdição, Processo e Procedimento
Conhecida a natureza racional do ser humano, dotado de inteligência,
vontade, memória e imaginação, buscando a primeira a verdade e a segunda o bem, na
constante procura da perfeição, e relembrada a inata sociabilidade do homem, dá-se a
dinâmica de sua existência na vida comunitária. Essa vida em sociedade, por sua vez,
evoca a noção de bem comum – preservação da dignidade humana, satisfação das necessidades do homem e estabelecimento de uma ordem jurídica justa, estável e segura.
Em síntese, exige-se a paz social para que cada um se desenvolva segundo as suas
potencialidades. O crime desestabiliza essa noção de tranqüilidade da ordem que, assim
que o Estado se apresentou com autonomia e poder suficientes, passou a defender,
substituindo-se aos particulares dotados de interesses contrapostos, e soberanamente
impondo a vontade do direito objetivo, isto é, exercendo a jurisdição.
A “jurisdição é um monopólio estatal. Na esfera criminal, examina a
situação contrastante entre o direito de punir e o direito de liberdade; decide qual deles
prevalecerá no caso concreto e impõe soberanamente essa resolução. É poder: pacifica
os interesses justapostos, de punição e de liberdade. A jurisdição é uma função que se
desenvolve no processo, com os atos dos sujeitos processuais e dos auxiliares da justiça;
e é uma atividade. A jurisdição é poder, função e atividade que devem ser exercidos
segundo o devido processo legal”.2
A origem etimológica do vocábulo processo é “seguir adiante”; o processo “é indispensável à função jurisdicional exercida com vistas ao objetivo de eliminar conflitos e fazer justiça mediante a atuação da vontade concreta da lei. É, por definição, o instrumento através do qual a jurisdição opera (instrumento para a positivação
do poder)”.3 Pode-se falar que processo é a jurisdição em curso, é o ambiente em que
pode se desenvolver a relação jurídica, e se divide em processo cautelar, processo de
conhecimento (declaratório, constitutivo e condenatório) e processo de execução.
Procedimento é a manifestação externa do processo; a “diferença entre o
procedimento e as demais formas de fattispecie complexa resulta na diversidade de ligação
existente entre os atos que o compõem. Só no procedimento o vínculo necessário entre os
seus diversos atos impõe que cada um seja conseqüência do precedente e pressuposto e
condição necessária do sucessivo. Ou, como diz Gianzi, “a fattispecie procedimento é caracterizada, em relação às outras, pela particular coordenação dos atos e mais precisamente
pela existência de determinados vínculos aos quais está subordinado o desenvolvimento da
série”. São, portanto, elementos fundamentais para a caracterização do procedimento: 1. a
2
PENTEADO, Jaques de Camargo, Duplo Grau de Jurisdição no Processo Penal – Garantismo e
Efetividade, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 12.
3
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel,
Teoria Geral do Processo, 12ª ed., São Paulo, Malheiros, 1996, p. 279.
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idéia de que todos os atos contribuem para o efeito substancial derivado do ato final, e
2. a coordenação e vinculação entre os atos que o compõem”.4
Com superior didática João Mendes Jr. ensina que uma “cousa é o
processo, outra cousa é o procedimento: o processo é a direcção no movimento; o
procedimento é o modo de mover e a forma em que é movido o ato”.5 Acrescenta que
“o suffixo nominal – mentum – é derivado do grego – menos, que significa princípio de
movimento, vida, força vital, e – to, que é uma partícula expletiva. Como suffixo nominal, exprime o acto em seu modo de fazer e na forma em que é feito, isto é, exprime o
acto regularmente formalisado... Assim o processo é o movimento em sua forma intrínseca; o procedimento é este mesmo movimento em sua forma extrínseca, tal como se
exerce pelos nossos orgams corporaes e se revela aos nossos sentidos”.6
Nesse sentido, há procedimento legislativo, procedimento administrativo e procedimento judicial. Este último divide-se em procedimento
comum (ordinário, sumário e sumaríssimo) e em procedimento especial. 7
Em síntese, o “procedimento é o conteúdo formal do processo,
do mesmo modo que a lide é o seu conteúdo material ou substancial. O processo
é a atividade jurisdicional na sua função de aplicar a lei; o procedimento, o
modus faciendi com que essa atividade se realiza e se desenvolve”.8
O tipo legal de crime, a competência e outros dados relevantes
modulam o procedimento que, no direito processual positivo, apresenta um tipo
legal de procedimento comum, ordinário, aplicável aos delitos mais graves, e funcionando como o padrão a ser subsidiariamente empregado para o desenvolvimento
dos demais procedimentos (comum, sumário e sumaríssimo, e especial). Para as
infrações penais leves, desprovidas de acidentes que lhe atribuam uma natureza
jurídica especial, há o procedimento comum, sumaríssimo, decorrente da previsão
constitucional de órgão judicial encarregado de resolver as causas penais pertinentes aos chamados crimes de menor potencial ofensivo (art. 98, inc. I, CF). Para
as infrações penais de média gravidade, também sem nenhum elemento distintivo
dos que lhes são comuns, é previsto um procedimento comum, sumário, e para os
crimes graves é fixado o procedimento comum, ordinário.
4
FERNANDES, Antonio Scarance, Incidente Processual, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1991, p. 85.
Direito Judiciário Brazileiro, 2ª ed., Rio de Janeiro, Typographia Baptista de Souza, 1918, p. 298.
6
Op. cit., p. 299.
7
“Terminologicamente é muito comum a confusão entre processo, procedimento e autos. Mas, como se
disse, procedimento é o mero aspecto formal do processo, não se confundindo conceitualmente com
este; autos, por sua vez, são a materialidade dos documentos em que se corporificam os atos do procedimento. Assim, não se deve falar, por exemplo, em fases do processo, mas do procedimento; nem em
‘consultar o processo’ mas os autos” (Antonio Carlos de Araújo Cintra et alii, op. cit., p. 280).
8
MARQUES, José Frederico, Elementos de Direito Processual Penal, 2ª ed., Campinas, Millennium,
2000, v. I, p. 430.
5
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Há crimes, todavia, que se distinguem dos demais, pela natureza de
sua constituição fenomênica, como os delitos falimentares, geralmente previstos em leis
especiais, de natureza material e formal, cuja prova é prevalentemente documental, formulando-se nas relações materiais das pessoas jurídicas, gerando a necessidade de aplicação de normas penais e extra-penais, recomendando-se o tratamento jurisdicional das
diversas questões por julgador único e, diante disso, justificando a criação de um procedimento especial para a resolução da causa penal que tem por objeto um delito falimentar.
Assim é, por evidência, a questão do Tribunal do Júri, constitucionalmente competente para conhecer e julgar os crimes dolosos contra a vida (art.
5º, inc. XXXVIII, CF), integrado por leigos, assegurados a plenitude de defesa, o
sigilo das votações e a soberania dos veredictos, o que enuncia acidentes que mostram uma natureza jurídica singular, razão de tratamento específico que se materializa no procedimento especial.
Presente a natureza jurídica de procedimento penal, a noção de que
cada ato da série é conseqüência do antecedente e pressuposto e condição necessária do
sucessivo, e de que todos esses atos são coordenados e todos interferem no resultado
final, bem como a funcionalidade do procedimento comum, ordinário, como padrão de
aplicação subsidiária do sistema procedimental como um todo,9 pode-se iniciar a cognição
da reforma processual penal quanto aos crimes de competência do Tribunal do Júri.
III. Procedimento relativo aos crimes de competência do Tribunal
do Júri
Lançados os fundamentos para o breve exame da reforma processual,
limitado à primeira fase do procedimento pertinente às infrações penais de competência
do Tribunal do Júri, procurar-se-á ordenar essas considerações a partir das funções de
acusar, defender e julgar.
III. 1. Procedimento e acusação
No plano acusatório, o pressuposto dos pressupostos é que a denúncia deve ser um “ato pensado e responsável”,10 revelador da responsabilidade ética11 e
técnica12 do membro do Ministério Público, encarregado de “promover, privativamente,
a ação penal pública na forma da lei” (art. 129, inc. I, CF), consciente do fundamento
republicano da dignidade humana (art. 1º, inc. III, CF) e da presunção de inocência (art.
9
“Aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do
procedimento ordinário” (art. 394, § 5º, CPP).
10
BUSANA, Dante, O Promotor Criminal, Justitia, São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 1978, v. 101, p. 149.
11
PENTEADO, Jaques de Camargo, Ética do Promotor de Justiça. In ALVES, Airton Buzzo, RUFINO, Almir
Gasquez e SILVA, José Antonio Franco da (Orgs.), Funções Institucionais do Ministério Público, São
Paulo, Saraiva, 2001, p. 1 e segs.
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5º, inc. LVII, CF), 13 não mais se podendo raciocinar com o brocardo “in dubio
pro processo”. 14
À evidência, a denúncia deve ser baseada em provas pré-constituídas, lícitas, contar com a estratégia institucional que assegure um mínimo de unidade
de atuação funcional, descrever o fato criminoso com todas as suas circunstâncias,
requerer a produção de provas15 e formular um pedido concreto. A sua forma, em regra,
é escrita.
Formulada, é apresentada ao julgador que, por sua vez, promove uma
análise sumária e não preclusiva dos seus termos e, se presentes a aptidão formal, os
pressupostos processuais e as condições da ação, emite um despacho ordinatório de
12
PENTEADO, Jaques de Camargo, Produção de Provas, Revista dos Tribunais, São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1988, v. 627, p. 383.
13
Com propriedade, sustentou o Promotor de Justiça Rodrigo Canellas Dias a promoção de arquivamento de inquérito policial nos seguintes termos: “Em primeiro lugar, o acervo probatório não indica a
presença daqueles requisitos típicos necessários para a formação, de plano, ‘opinio delicti’, acerca da
configuração de crime contra a ordem tributária. A falta de provas para a formalização de uma acusação
deve ser considerada tanto no que se refere aos aspectos da conduta do responsável pelo tributo (cuja
caracterização exigiriam maiores elementos descritivos de prova) quanto às demais circunstâncias agregadas ao fato principal (fraude direcionada à supressão ou redução de tributo). É de se reconhecer que
o presente inquérito arrasta-se desde longa data, tentando levantar elementos que pudessem ao menos
auxiliar na descrição da conduta dos responsáveis pela empresa, sem sucesso algum. Especialmente no
que se refere ao aspecto subjetivo, conforme o conjunto probatório, é importante mencionar que não foi
possível demonstrar, com a segurança que requer a esfera penal, haver o responsável pela empresa
investigada agido com vontade direcionada à violação das fronteiras penais” (Inquérito Policial nº
050.03.047740-9, DIPO-4, SP, Capital).
14
“A interpretação conjugada desses dispositivos enseja a conclusão de que, havendo dúvidas sobre a
materialidade e a autoria, o acusador deve esgotar as investigações para obtenção da verdade processual e,
de posse desta, arquivar o inquérito policial ou, formando a opinio delicti, oferecer a denúncia, não mais
aplicando aquele brocardo que, em hipótese de dúvida, submete o presumidamente inocente ao processo
criminal, com os danos próprios dessa situação” (PENTEADO, Jaques de Camargo, Duplo Grau de Jurisdição no Processo Penal – Garantismo e efetividade, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 154).
15
O número máximo de testemunhas que a acusação poderá arrolar é de 8 (art. 406, § 2º, CPP).
16
No processo penal os atos de comunicação processual ao argüido devem ser pessoais, conforme
garantia judicial estatuída pelo Pacto de São José da Costa Rica (art. 8º, nº 2, letra “b” – “comunicação
prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada”), acolhido pelo direito interno (art. 5º, § 2º,
CF). A citação por hora certa ou por edital não está em consonância com a Constituição Federal: “Com
as novas prescrições trazidas pela Lei 7.271, de 17/04/96, a qual redefiniu o art. 366, CPP, impondo a
suspensão dos processos contra acusados que, uma vez citados, por edital, não comparecerem nem
constituírem defensor, podemos afirmar que se cumpriu a garantia judicial mínima prevista na letra b,
§ 2º do art. 8º do Pacto (comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada),
acabando-se de vez com as condenações contra ausentes
ausentes, e assegurando-se aos acusados o máximo de
possibilidades para colaborarem com a defesa” (CUNHA, J. S. Fagundes e BALUTA, José, O Processo
Penal à luz do Pacto de São José da Costa Rica, Curitiba, Juruá, 1997, p. 121).
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citação do argüido,16 para oferecer resposta escrita, no prazo de 10 dias (art. 406,
“caput”, CPP).17
III. 2. Procedimento e defesa
Essa resposta escrita tem a natureza jurídica de defesa preliminar,
posterior à apresentação da denúncia e anterior ao recebimento formal dessa petição inicial que estabiliza a acusação, no processo de conhecimento, de caráter
condenatório, e o seu conteúdo é toda a matéria concernente à imprescindível reação do argüido à imputação.18
III. 2. 1. Pressupostos processuais e condições da ação
Tratando dos pressupostos processuais e das condições da ação, como
conteúdo da resposta e matéria da decisão de controle de admissibilidade da imputação,
a reforma processual exige a atualização de três categorias jurídicas que, pertencendo à
teoria geral do processo, devem ser aplicadas à esfera criminal com as devidas
especificações. “Isto significa que, em lugar do binômio pressupostos processuais e
condições da ação, surge um trinômio pressupostos processuais, condições da ação e
mérito da causa. Ação e processo não se identificam. A ação antecede o processo e dá
causa ao seu nascimento. O processo pode extinguir-se por nulidade, ou por outro
motivo e a ação subsiste imprejudicada, podendo o interessado repropô-la. A ação
preexiste e pode subsistir ao processo, ao passo que êste só se inicia pelo direito de
ação. As condições da ação igualmente não se confundem com o mérito da causa. Consiste êste no julgamento da procedência, ou improcedência do pedido. Assim a falta de
possibilidade jurídica, de legitimidade, ou de interêsse processual não tem o efeito de
produzir uma sentença definitiva de rejeição no mérito, antes uma decisão de que o
autor é carecedor da ação”.19
17
Comentando a legislação de entorpecente, que emprega o termo notificação (art. 55, Lei 11.343/06),
Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi prelecionam que aquela “notificação, na verdade, é citação,
porque é a convocação do réu a juízo, podendo seguir-se, como se verá, sentença de mérito, que seria
impossível sem que estivesse instaurado o processo contraditório” (Lei de Drogas Anotada, São Paulo,
Saraiva, 2008, p. 189). Em sentido contrário, comentando o procedimento dos crimes praticados por
funcionário público, Eduardo Espínola Filho sustentava que a “notificação, para a resposta prévia, nos
casos de infração afiançável, feita nos têrmos do art. 514, não autoriza a dispensa da citação inicial;
esta só se efetiva, depois de instaurada a ação, com o recebimento da peça acusatória” (Código de
Processo Penal Brasileiro Anotado, Rio de Janeiro, Rio, 1976, v. II, p. 185).
18
Segundo os termos da reforma: “Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo que
interesse a sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar
testemunhas, até o máximo de 8 (oito), qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário” (art. 406, § 3º, CPP).
19
BUZAID, Alfredo, Do Agravo de Petição, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1956, p. 90.
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Os pressupostos processuais são requisitos de existência e de validade
da relação jurídica processual, e têm dois aspectos: subjetivo e objetivo. No plano subjetivo,
referem-se ao julgador (dotado de jurisdição, constitucionalmente competente, isto é,
juiz natural da causa, e imparcial) e às partes (capacidade de ser parte, capacidade
processual e capacidade postulatória). Os requisitos objetivos são: a) extrínsecos
(inexistência de fatos impeditivos) e intrínsecos (observância das normas legais).20
Para ilustrar o tema, recentemente, um Promotor de Justiça teria sido
ameaçado por uma pessoa e, diante disso, foi instaurado o procedimento sumaríssimo
para apuração desse crime de menor potencial ofensivo, e o mesmo Promotor de Justiça
formulou pedido de prisão preventiva daquele indivíduo, e o julgador, respaldado nessa
representação do ameaçado, decretou a custódia processual do argüido que, detido,
apresentou “habeas corpus” ao Tribunal de Justiça do Acre, alegando a falta de elementos para a privação de sua liberdade, sendo concedida a ordem porque o Promotor de
Justiça estava impedido para funcionar no processo, posto que se estendem ao mesmo
os impedimentos aplicáveis ao julgador.21
A rigor, aplicado o mecanismo de controle da acusação que a reforma
instituiu, oferecida a denúncia (art. 77, Lei 9.099/95), não deveria ser deferida a citação
do argüido e, se feita, após a resposta do mesmo (art. 81, Lei 9.099/95), declarado
extinto o processo, sem julgamento de mérito, por falta de pressupostos processuais
subjetivos e objetivos (extensão do impedimento judicial ao titular da ação penal de
iniciativa pública e inobservância do direito positivo). Jamais se poderia cogitar da prisão preventiva.22 Não houve a relação jurídica processual.
As condições da ação – possibilidade jurídica do pedido, interesse de
agir e legitimidade para agir –,23 são requisitos necessários para que o julgador examine
o mérito da causa. A falta de um deles implica a carência da ação e a extinção do
processo, sem julgamento do mérito. Faltando um pressuposto processual, não se constitui a relação jurídica processual e, superado este exame, passa-se à análise da condição
do direito de agir que, faltante, gera uma decisão sobre a ação, não se discutindo o
“meritum causae”.
20
SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 5ª ed., São Paulo, Saraiva,
1977, v. I, p. 275.
21
RT 871/593.
22
Elucide-se que, no “habeas corpus”, foi indeferida a liminar e a Procuradoria Geral de Justiça foi
contrária à concessão da ordem. Com rigor técnico, se pode classificar este caso como inexistência de
procedimento em sentido jurídico, pois não havia Promotor de Justiça atuando nos autos, muito menos
o promotor natural, pois “se falta um pressuposto de existência, não há processo em sentido jurídico,
não existe aquela atividade relevante para o direito que se chama processo, não há relação jurídica entre
as partes e o Juiz. Haverá processo em sentido puramente físico, atividade encadeada e progressiva,
relação de fato entre sujeitos. Se, ao invés, faltar um pressuposto de validez, então há relação processual; o que não há é aquela eficácia jurídica do ato regular e são” (TORNAGHI, Hélio, Instituições de
Processo Penal, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1997, v. I, p. 405).
23
O pedido é possível quando admissível pelo direito objetivo; há interesse de agir a partir da utilidade
e aptidão do provimento pedido; e legitimação para agir concerne à titularidade ativa e passiva da ação.
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No processo penal, não haverá possibilidade jurídica do pedido se o
fato for atípico ou “evidentemente não constituir crime” (art. 43, CPP). Sabido que
crime é ação humana, típica, antijurídica e culpável, e que a acusação deve ser baseada
em prova pré-constituída, se presente uma causa excludente de antijuridicidade, por
exemplo, não se poderá formular acusação e, caso oferecida esta, o julgador deverá
julgar extinto o processo, sem julgamento de mérito, por carência de ação, eis que
juridicamente impossível a pretensão de aplicar pena a quem agiu “secundum jus”.
Como preleciona a doutrina, a “impossibilidade jurídica do pedido
constitui índice macroscópico da não-existência de pretensão razoável, pois, nesse
caso, nem mesmo em litígio se poderia falar, ante a inviabilidade total da pretensão.
Nessa hipótese, ainda que se aduza a falta de pretensão razoável, ou de pretensão
insatisfeita, o que há, na verdade, é a inexistência efetiva de exigibilidade. O pagamento de dívida de jogo não pode ser exigido pelas vias processuais, pelo que, no
plano processual, se trata de pretensão totalmente inviável. E o mesmo se diga da
persecução penal pela prática de fato atípico, ou que evidentemente não constitua
crime, pois não pode existir pretensão punitiva insatisfeita, se o fato praticado não
se acha previsto como fato delituoso ou fato típico”.24
Não se faz presente o interesse de agir quando a acusação é produzida
sem provas pré-constituídas ou quando estas forem produzidas sem a intervenção de
sujeito processual essencial à sua colheita, como uma prova dependente de autorização
judicial e que se ultima sem a intervenção do julgador, de forma que a falta de sujeito
essencial implica um resultado juridicamente inexistente, ou quando a narrativa acusatória
não corresponde às provas validamente colhidas na peça de informação. Este exame se
dá na esfera anterior à análise do mérito da causa.
Criticando a tese de que essa análise tratar-se-ia da discussão da justa
causa e que esse exame pertine às condições de procedência ou de improcedência da
ação penal, ensina-se que, muito “pelo contrário, e ainda que multifária, inespecífica, a
conceitação de justa causa, em processo penal, é perfeitamente possível extremá-la em
situações concernentes à verificação da admissibilidade do julgamento do meritum causae
(e, portanto, do legítimo interesse, ou interesse de agir). Assim, por exemplo, quando
formulada a proposição acusatória com inteira abstração dos elementos informativos
colhidos na investigação criminal, de sorte a apresentar-se totalmente divorciada deles,
e, por isso, tecnicamente inepta, evidenciando falta de interesse de agir, determinante
da extinção do processo sem julgamento do mérito”.25
Finalmente, nesta parte, a legitimação para a causa é a “pertinência
subjetiva da ação, a titularidade da pessoa que propõe a demanda”.26 Dá-se, dentre
outras, nas hipóteses de apresentação de denúncia em caso de ação penal pública de
iniciativa do ofendido ou “quando o acusado é, manifesta e unicamente, outra pessoa,
ou testemunha, e não autor da infração penal”,27 o que, além de garantir o prévio con24
MARQUES, José Frederico, Tratado de Direito Processual Penal, Saraiva, São Paulo, 1980, v. II, p. 23.
TUCCI, Rogério Lauria, Teoria do Direito Processual Penal, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 95.26
26
BUZAID, Alfredo, op. cit., p. 89.
27
TUCCI, Rogério Lauria, op. cit., p. 96.
25
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trole da acusação, também é muito útil para evitar o prosseguimento de ações penais injustas, como aquelas oferecidas em face de pessoas que tiveram os seus
documentos falsificados por terceiros que praticam crimes e a repressão incide
sobre o inocente. Provado esse indevido uso do nome alheio, ainda que recebida a
denúncia, o julgador poderá, incidentalmente, declarar a carência da ação penal
por falta de uma das condições da mesma.28
Feita essa digressão, necessária para esboçar o conteúdo da defesa preliminar, da réplica e da respectiva decisão que controla o exercício da acusação, enfatiza-se
que a reforma pode significar uma grande evolução no exercício do direito de defesa que,
anteriormente, talvez porque a norma não ensejasse utilidade processual na exposição e
demonstração exordial das teses defensivas, limitava-se a simbólicos protestos de inocência,
e com o novo sistema pode reagir à imputação formulada com intensidade e proficiência.
Ao contrário da acusação, que deve ser devida: limitada pela tipicidade
dos fatos criminosos, baseada em provas pré-constituídas, descritiva do fato delituoso com
todas as suas circunstâncias, adstrita ao conteúdo daqueles elementos de convicção, formulada por promotor natural, apresentada ao juiz natural da causa penal e voltada à defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis
(art. 127, “caput”, CF), a defesa é ampla, plasmada unicamente pelo critério ético e desenvolvida pela melhor técnica processual aplicável ao caso concreto, especialmente prestigiada
pela presunção de inocência e pela paridade de armas, constituindo a reação necessária à
síntese que advirá da atuação do juiz neutro. Sem a defesa não se constitui a relação jurídica
processual e o grau de imperfeição no desenvolvimento daquela acarretará a nulidade absoluta, relativa ou a irregularidade do procedimento.29
Essa defesa preliminar é um dos elos necessários ao desenvolvimento
regular do procedimento especial – também do comum, à evidência – e, sem a mesma, não
será válido o resultado final daquele;30 é obrigatória a sua apresentação (art. 408, CPP).
Apresentada, será ouvida a parte contrária, que oferecerá a sua réplica. Nesta, o Ministério
Público, órgão de soberania do Estado, incumbido da defesa dos valores, dos princípios e
das regras legais essenciais à cidadania, poderá concordar ou discordar dos termos da defesa preambular e, certamente, por sua própria natureza institucional, em muitos casos, feita
a reação preliminar da defesa, será o primeiro a pugnar pelo acolhimento das teses que
28
“Como não há preclusão pro iudicato para as questões de ordem pública, como o são as condições da ação, o juiz pode decidir de novo a respeito desta matéria, até proferir sentença, quando
não mais poderá inovar no processo” (NERY, Nelson Junior e NERY, Rosa Maria de Andrade, Código de Processo Civil Comentado, 9ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 436).
29
“Não prescreve a lei ao advogado criminal o modo como deve desempenhar sua tarefa, não
sendo, portanto, lícito exigir-lhe que proceda desta ou daquela forma, devendo-se-lhe conceder
crédito de confiança, que só deverá ser retirado se se comprovar que, por inépcia, desídia ou dolo,
houver causado prejuízo à defesa do réu” (RT 612/306).
30
“Falta de notificação do acusado para responder, por escrito, em caso de crime afiançável,
apresentada a denúncia. Relevância da falta, importando nulidade do processo, porque atinge o
princípio fundamental da ampla defesa. Evidência do prejuízo” (STF, 1ª Turma, HC nº 60.104-9/
SP, Rel. Min. Oscar Corrêa, v. un., j. 14.9.1982, RT 572/412).
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tenham fundamento jurídico e prova adequada.31 Também o querelante apresentará a sua
réplica e essa manifestação do mesmo não refugirá das características da acusação do particular, substancialmente diversa daquela do Ministério Público.
III. 3. Procedimento e decisões
A lei não é clara, mas a interpretação sistemática do novo procedimento,32 o desenvolvimento dos elos mencionados – acusação, defesa, réplica –, a possibilidade de apresentação de réplica que acolha os fundamentos da defesa preliminar,
a aplicação subsidiária do procedimento comum, ordinário, com a previsão de julgamento antecipado da lide e a conseqüente absolvição sumária do argüido (art. 397,
CPP), e a previsão de uma fase de saneamento do processo (art. 410, CPP), autoriza a
conclusão de que se dará o controle jurisdicional da acusação nesta oportunidade. Este
exame é mais profundo do que aquele feito na esfera inicial de recepção da denúncia,
tem a natureza jurídica de uma decisão e pode receber a denúncia, rejeitá-la,33 declarar
extinto o processo, sem julgamento de mérito, por falta de pressuposto processual ou
31
O Ministério Público tem legitimidade para pleitear a absolvição do argüido, recorrer em favor do mesmo e
interpor ações constitucionais que beneficiem o imputado.
32
“O aprimoramento do duplo grau de jurisdição, a partir da função judicial, começa com o exame da causa penal,
principalmente na esfera do juízo de admissibilidade da acusação. Como toda imputação penal traduz um dano ao
argüido, o juiz criminal, sistematicamente, deveria promover o contraditório antes de admitir a acusação, ensejando
ao acusado a oportunidade de formular uma defesa preliminar” (PENTEADO, Jaques de Camargo, op. cit., p. 160).
Essa é a orientação do Código de Processo Penal-Tipo para a Ibero-América (Capítulo 3º). Trata-se de antiga
recomendação doutrinária, e ainda mais rigorosa, para evitar que o juiz da admissibilidade da acusação atuasse na
fase posterior ao recebimento da denúncia: “Em nosso entender, o procedimento comum deveria iniciar-se sempre
por uma fase preliminar, em que se estabelecesse o contraditório sobre o recebimento da acusação, conduzido por
juiz diverso do juiz do mérito. Recebida a denúncia, o procedimento poderia adotar as formas do atual procedimento
sumário, mas concentrando-se todas as provas orais em uma única audiência, em que também se prolatasse a
sentença” (GRINOVER, Ada Pellegrini, Procedimentos Sumários em Matéria Penal. In PENTEADO, Jaques de
Camargo (Coord.), Justiça Penal, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1993, p. 17). No procedimento comum, ordinário, aplicável aos demais procedimentos, esse controle jurisdicional da acusação é exigido. Sempre se deve optar
pela interpretação que de sentido ao sistema legal e não teria cabimento instituir-se uma comunicação ao argüido,
especificar-se o conteúdo de sua resposta, abrir-se oportunidade de réplica ao acusador que, poderá acolher argumentação defensiva, e não se decidir a matéria discutida.
33
A rejeição pode ser parcial e, especialmente no procedimento relativo aos crimes dolosos contra a vida, a
experiência forense recomenda uma nova e especial atenção do julgador às hipóteses de excesso de acusação, particularmente com a inserção de qualificadoras que não se encontrem amparadas pela prova ou pelo
direito, embaraçando a defesa. Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi sustentam que o juiz não pode
desclassificar o delito imputado, pois o “fenômeno da desclassificação é exclusivo da sentença final em que
a condenação é de crime menor contido no crime constante da acusação. Na fase recebimento, ou não, da
denúncia, se o juiz entender que a acusação é abusiva porque o crime, em tese, seria outro menos grave, deve
rejeitar a denúncia para que o Ministério Público ofereça outra adequada, ressalvada a possibilidade de
recurso do órgão da acusação” (op. cit., p. 191).
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de condição da ação ou, sumariamente absolver o argüido, extinguindo o processo com
julgamento de mérito.34
Essa decisão deve ser fundamentada (art. 93, inc. IX, CF). Na hipótese de recebimento da denúncia,35 tem a natureza36 de decisão interlocutória, e pode
ser reexaminada em sede de recurso em sentido estrito ou de “habeas corpus”. Essa
decisão interrompe o prazo prescricional. A absolvição sumária tem a natureza jurídica
de sentença, caráter definitivo, e faz coisa julgada formal e substancial.
III. 3. 1. Instrução processual
Recebida a denúncia, será marcada a audiência de instrução para a
produção das provas orais37 e realizadas as diligências requeridas pelas partes, no prazo
de 10 (dez) dias (art. 410, CPP). Estas deverão ser comunicadas desse ato. Na audiência de instrução serão tomadas as declarações do ofendido, inquiridas as testemunhas
arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, tomados os esclarecimentos dos
peritos,38 feitas as acareações, e realizado o procedimento específico de reconhecimento de pessoas e de coisas, importante elemento de convicção e que muitas vezes tem a
sua formulação típica negligenciada no foro criminal,39 causando significativas injusti-
34
Para aqueles que não inserem as causas de excludente de culpabilidade ou de antijuridicidade nas
condições da ação (impossibilidade jurídica do pedido), a prova de uma legítima defesa, por exemplo,
implica a absolvição sumária nesta fase de juízo de admissibilidade da acusação.
35
“Essa decisão, em que pese entendimento contrário, tem de ser fundamentada não apenas como decorrência de imperativo constitucional, mas também porque assim o determina a lógica do sistema: não
teria sentido oferecer a oportunidade de apresentação da defesa sem tornar obrigatória a manifestação do
juízo a respeito da tese do acusado” (PODVAL, Maria Fernanda de Toledo R. e PODVAL, Roberto,
Processo e Julgamento dos Crimes de Responsabilidade dos Funcionários Públicos. In FRANCO, Alberto
Silva e STOCO, Rui (Coords.), Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, 2ª ed.,
São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, v. IV, p. 242).
36
“Na terminologia jurídica, assinala, notadamente, a essência, a substância ou a compleição das coisas.
Assim, a natureza se revela pelos requisitos ou atributos essenciais e que devem vir com a própria coisa.
Eles se mostram, por isso, a razão de ser, seja do ato, do contrato ou do negócio. A natureza da coisa,
pois, põe em evidência sua própria essência ou substância, que dela não se separa, sem que a modifique
ou a mostre diferente ou sem os atributos, que são de seu caráter. É, portanto, a matéria de que se compõe
a própria coisa, ou que lhe é inerente ou congênita” (De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, Rio de
Janeiro, Forense, 1996, v. III, p.230).
37
A audiência é una e se privilegia a oralidade (art. 411, § 2º, CPP).
38
Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento da parte (art. 411, § 1º, CPP), mas
a necessidade dessas elucidações poderá surgir na audiência e, nesse caso, será complementada a perícia, nada obstante a falta de requerimento anterior, por evidente impossibilidade de previsão do futuro.
39
“... o reconhecimento é uma identificação empírica, subjetiva, problemática” (A. Almeida Júnior e J.
B. de O. e Costa Júnior, Lições de Medicina Legal, 11ª ed., São Paulo, Companhia Editora Nacional,
1973, p. 564). Ver, por todos, Enrico Altavilla, Psicologia Judiciária, Coimbra, Arménio Amado, 1958,
vol. II, p. 203 e segs.
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ças e que, a partir da reforma processual, deverá ser feito nos estritos termos da norma
específica e destacado da inquirição do ofendido e das testemunhas.40 A seguir,
será interrogado o argüido.
Encerrada a instrução probatória, se entender cabível uma nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos, acerca de
elemento ou circunstância da infração penal, não contidos na imputação, o Ministério
Público deverá aditar a petição inicial (arts. 411, § 3º, e 384, “caput”, CPP). Esse
dispositivo decorre do sistema acusatório, pois a acusação é função da parte, não se
permitindo que o julgador exerça ato daquela.41 Se a ação penal pública advier de
iniciativa particular, em caráter subsidiário à função ministerial, o representante legal
do “Parquet” também deverá aditá-la. Esse aditamento, se feito oralmente, será
reduzido a termo.42
40
“Os modernos estudos de psicologia judiciária indicam que muitas vezes se fazem presentes o que
se convencionou chamar de ‘falsas memórias’. No Brasil tal tema brilhantemente analisado por Lilian
Milnitsky Stein e Maria Lúcia Campani Nygaard que afirmam o seguinte: ‘As falsas memórias referem-se ao fato de lembrarmos de eventos que, na realidade, não aconteceram. Isso ocorre porque
determinadas informações armazenadas na memória são mais tarde evocadas como se fosse experiências
vividas. Esse fenômeno vem sendo observado em pesquisas experimentais, tanto no âmbito da
psicoterapia quanto na área jurídica e também em situações do cotidiano (Diges, 1997, Roedlinger,
2000, Stein e Neufeld, 2002)’ Lilian Milnitsky Stein e Maria Lúcia Campani Nygaard, A memória em
julgamento: uma análise cognitiva dos depoimentos testemunhais, Revista Brasileira de Ciências
Criminais, 43/151)”. No caso em tela, o fato efetivamente ocorrera, mas não é possível afirmar-se,
com a necessária segurança, que foram ambos os acusados que os cometerem, dada a questão das
chamadas ‘falsas memórias’” (TJSP, 8ª Câm. Crim, Ap. 01108141.3/3-0, Rel. Des. Guilherme Madeira
Dezem, j. 23.11.2007, v. un.).
41
Há muito, criticávamos a norma do art. 384 e seu parágrafo único, CPP, com a redação anterior à
presente reforma que, nesta parte, é elogiável: “O julgador que, em face da ausência de descrição que
ao acusador competia realizar, supre a atividade do último, nada mais é que um juiz que se transmudou
em acusador. Encampou as funções deste. Nesse caso, as funções de acusar e julgar estão concentradas
em um único órgão, o julgador. Esse dispositivo não foi recepcionado pela Constituição da República
vigente que consagrou o sistema acusatório. Falto de acusação, ao julgador restará absolver o imputado,
pois o fato histórico apurado não corresponde à descrição realizada na inicial. Ao acusador incumbe,
cumprindo a sua missão constitucional, promover os aditamentos necessários para que a defesa conheça a alteração acusatória, reaja amplamente ao seu conteúdo modificado e, a seguir, o julgador
atribua o devido a cada um” (PENTEADO, Jaques de Camargo, Acusação, defesa e julgamento, Campinas, Millennium, 2001, p. 346).
42
Ao dizer que, “quando feito oralmente”, o aditamento será reduzido a termo (art. 384, “caput”, CPP),
a lei enseja o aditamento escrito e, por outro lado, prevendo prazo para a manifestação da defesa (art.
384, § 2º, CPP), indica um caso em que a audiência não será una.
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Apresentado o aditamento, abre-se um procedimento incidental
de citação do argüido para oferecer resposta à adição acusatória,43 segue-se a réplica e sobrevém o controle do acréscimo acusatório (art. 384, § 2º, CPP). Rejeitado,
prossegue-se com o julgamento da imputação primitiva (art. 384, § 5º, CPP). Recebido, de rigor a citação do argüido, com a possibilidade de renovação da instrução
(art. 384, §§ 2º e 4º, CPP).
Por fim, com ou sem aditamento, serão apresentadas as alegações
orais (art. 411, § 4º, CPP), na presença do juiz da causa, repelindo-se a praxe de se ditar
as alegações ao escrevente para que as transcreva no termo de audiência.
Encerrados os debates, o julgador deverá proferir a sua decisão (art.
411, § 9º, CPP).44 Excepcionalmente, poderá ordenar a conclusão dos autos e proferirá
essa decisão no prazo de até 10 dias.
Em consonância com a garantia constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, inc. LXXVIII, CF), esse procedimento não poderá exceder
o prazo de 90 dias (art. 412) e, caso preso o argüido, deverá ser imediatamente
posto em liberdade.45
III. 3. 2. Decisões ao final da primeira fase do procedimento escalonado
A decisão a ser prolatada ao final da primeira fase do procedimento escalonado pode ser de pronúncia, de impronúncia, de absolvição sumária ou de
desclassificação.
III. 3. 2. 1. Pronúncia
Segundo a reforma, convencido da materialidade do fato e da existência de indícios de autoria ou de participação, o julgador, fundamentadamente, pronunciará o argüido (art. 413, “caput”, CPP). Como esse fato deixa vestígio, é imprescindível o respectivo laudo de exame de corpo de delito, direto ou indireto. A primitiva
43
Não bastará a simples comunicação processual à defesa técnica, pois há imputação acrescida
que, necessariamente, deve ser levada ao conhecimento do argüido, para o pleno exercício da
ampla defesa, com tempo suficiente para se preparar para essa irrogação complementar.
44
“Recebido o aditamento, que corresponde ao recebimento inicial da denúncia, não pode mais o
Magistrado voltar à capitulação anterior, já que isto representa revogação do despacho que recebia a denúncia original, o que não é possível na mesma instância” (TACrim-SP, 6ª Câm. De
Férias de julho/2004, Ap. nº 1.382.115-5, Jales, Rel. Juiz Almeida Sampaio, v. un., j. em 27.7.2004,
AASP, Jurisprudência, nº 2431, p. 3579, 14.8.05).
45
PENTEADO, Jaques de Camargo, Tempo da Prisão: Breves Apontamentos, Revista dos Tribunais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, v. 814, p. 423.
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redação parecia mais correta, pois não basta o convencimento acerca da materialidade
de um fato, mas é necessário que se trate da materialidade de um crime, o que é muito
diverso de uma simples questão fática.46
Além disso, ao tratar da linguagem da pronúncia, a norma passa a
exigir que os indícios de autoria ou de participação sejam suficientes (art. 413, § 1º,
CPP) e, nesse passo, não está em consonância com o “caput” desse dispositivo, para o
qual não há exigência de indícios suficientes, mas de indícios, opção da norma revogada,
que não trouxe muitos problemas em sua longa aplicação prática.
Respeitados os limites desse trabalho, ao dispor que a fundamentação “limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios
suficientes de autoria e de participação” (art. 413, § 1º, CPP), a nova redação vedaria a análise do elemento subjetivo do crime – dado que deve constar da imputação
e tese algo freqüente na defesa do argüido –,47 de forma que a limitação legal poderia restringir o direito de reação do acusado e, neste passo, a norma não está em
consonância com duas garantias constitucionais – motivação e ampla defesa (arts.
5º, incs. XXXVIII, letra “a” e LV, e, 93, IX, CF).
Percebe-se a intenção do legislador, mas a questão não pode ser
resolvida com a limitação do direito de defesa e nem se restringir à pronúncia, pois
a linguagem adotada nos relatórios policiais, nos despachos que decretam a prisão
processual, nos acórdãos que confirmam a pronúncia e em outros atos, não deve ser
vazada em termos que, comunicados ao Conselho de Sentença, prejudiquem a imparcialidade dos jurados.48
46
A tentativa de simplificação do processo não pode suprimir a profundidade e a extensão das questões
de fato e de direito, e muito menos ignorar que o conteúdo da denúncia é a visão que o acusador tem
acerca do fato que, nem sempre, corresponde à ocorrência natural, tratando-se de um enunciado de fato:
“Esse fato (ou a percepção desse fato) é enquadrado em uma norma, configurando um fato jurídico e, a
partir disso, a questão é de direito” (PENTEADO, Jaques de Camargo, Duplo Grau de Jurisdição no
Processo Penal – Garantismo e efetividade, p. 171). Conforme preleciona Marina Gascón Abellán:
‘Ciertamente, esta operación de calificación jurídica puede resultar más o menos discrecional, y ello
dependerá en gran medida de la configuración del supuesto de hecho legal (H), por lo que desde luego no
es indiferente que éste se defina lo más precisa y univocamente posible en función de referentes empíricos
claros; pero, em sí misma, la operación tiene naturaleza normativa” (Los hechos en el derecho, Madrid,
Marcial Pons, 1999, p. 74).
47
O elemento subjetivo do tipo também figura como um fato que, necessariamente, deve ser descrito e
provado nos autos; para se pronunciar o acusado, deve ser examinada, na maior parte dos casos de
competência do Tribunal do Júri, a intenção de matar: a “presencia de hechos psicológicos es particularmente cierta en la sentencia penal, pues, dado que no existe delito sin culpa o dolo, resulta que esta
dimensión interna o subjetiva há de ser siempre constatada como ‘hecho probado’ para que la conducta
enjuiciada pueda ser subsumida en el tipo penal” (ABELLÁN, Marina Gascón, op. cit., p. 76). Sobre a
necessidade de a denúncia descrever o elemento subjetivo (RT 842/457 e 468).
48
Não basta o reconhecimento da nulidade ou a recomendação judicial acerca desses excessos, pois a
acusação poderá referir os termos e os jurados poderão ter acesso aos autos na sala secreta, de forma que
se trata de dados que devem ser desentranhados (TJDF, 2ª T. Criminal; HC nº 2006.00.2.002569-8-DF;
Rel. Des. Getulio Pinheiro, j. 27.4.2006, m.v. – AASP Jurisprudência 2498, p. 4117).
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Trata-se de linguagem que deve primar pela objetividade, respeitar o
devido processo legal e, mesmo com a vedação do emprego da pronúncia e de outros
atos na sessão de julgamento, como argumento de autoridade (art. 478, inc. I, CPP), os
sujeitos processuais devem empregar expressões que preservem a imparcialidade dos
julgadores leigos, inclusive para evitar que a exploração midiática de termos exagerados, firam o convencimento daqueles, mesmo antes do julgamento da causa.
A boa formação dos sujeitos processuais e a ponderação dos Tribunais
Superiores pode bem resolver a questão de fundamentar a decisão de pronúncia sem ferir
direitos e garantias individuais. Nesse sentido, há dois julgados que servem de paradigma:
“Assim, retomando o fio da exposição, a leitura em plenário das expressões
inadequadas porventura existentes na pronúncia viola, na verdade, um princípio natural de qualquer julgamento que é o da imparcialidade judicial,
que, por sinal, é claramente referido em relação ao procedimento em plenário
pelo art. 466, caput, do CPP”.49 E essa violação gera a nulidade do ato decisório
(STF, 2ª T., HC nº 84.547-9-MS, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 1.3.2005, v. un.).
“1. É evidente o excesso de fundamentação do decisum ora atacado, porquanto nitidamente extrapolados os limites do julgamento, restrito, apenas, à admissibilidade ou não da acusação, tendo sido emitido juízo acerca
do mérito da questão (existência do crime e certeza da autoria), cuja competência é afeta ao Tribunal do Júri, ensejando, outrossim, manifesto
prejulgamento. 2. Ordem concedida para anular o acórdão ora atacado e
determinar que outro seja proferido, em estrita observância dos limites da
lei” (STJ, 5ª T., HC nº 43.163-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 4.10.2005, v.
un.).
Ainda nessa esfera, evidente que não basta que o julgador especifique as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena, devendo fundamentar a configuração
ou não das mesmas, sempre com aquelas recomendações sobre a linguagem empregada.
III. 3. 2. 2. Impronúncia
O julgador, motivadamente, não se convencendo da “materialidade
do fato” ou da “existência de indícios suficientes de autoria ou de participação”,
impronunciará o acusado (art. 414, CPP). Surgindo prova nova50 antes da extinção da
punibilidade, poderá ser apresentada nova acusação (art. 414, parágrafo único, CPP) e
os autos originários servirão como elementos de informação.51
A doutrina afirmava que a impronúncia significa a absolvição de instância, mas se o julgador considerasse que ficou provada a inexistência do fato ou que
esse fato não constitui infração penal, essa decisão teria a natureza de absolvição e,
49
GOMES, Antonio Magalhães Filho, A Motivação das Decisões Penais, São Paulo, Revista dos
Tribunais, 2001, p. 235
50
Isto é, “provas que não foram produzidas e apreciadas no processo, findo com a impronúncia”
(NORONHA, E. Magalhães, Curso de Direito Processual Penal, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1969, p. 273).
51
Cabe apelação em face da impronúncia ou da absolvição sumária (art. 416, CPP).
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transitando em julgado, não mais se poderia cogitar de nova imputação, ainda que
sobreviesse prova nova, o que foi tratado pela reforma como hipóteses de absolvição
sumária (art. 415, incs. I e III, CPP);52 além disso, preleciona-se que a defesa pode ter
legítimo interesse em recorrer da impronúncia visando a absolvição sumária.53
III. 3. 2. 3. Absolvição sumária
Provada a inexistência do fato, demonstrado que o acusado não é
autor ou partícipe do fato, que esse fato não constitui infração penal, ou demonstrada
causa de isenção de pena ou de exclusão de crime, fundamentadamente, o julgador
absolverá aquele (art. 415, CPP).
Segundo a reforma, o inimputável não será “absolvido”, salvo quando
esta for a única tese defensiva (art. 415, parágrafo único, CPP). Nesse sentido, a reforma procurou atender os justos reclamos da doutrina acerca da recomendação da pronúncia do inimputável que alegasse uma causa de exclusão de crime, para que, na amplitude do juízo da causa, pudesse contar com a possibilidade de absolvição própria, em
vez da chamada absolvição imprópria, que lhe aplicava medida de segurança. Todavia, a
reforma parece ter ficado no meio do caminho, pois a questão deveria ser sistematicamente examinada pelo Tribunal do Júri, constitucionalmente competente para conhecer
e julgar os crimes dolosos contra a vida, e que sempre poderia emitir um juízo menos
rigoroso do que a “absolvição” com medida de segurança, cumprida com os horrores do
nosso sistema manicomial.
III. 3. 2. 4. Desclassificação
Finalmente, quando o julgador se “convencer, em discordância com a
acusação, da existência de crime diverso dos referidos no § 1º do art. 74 deste Código e
não for o competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja” (art. 419,
“caput”, CPP), operando-se a chamada desclassificação para crime diverso daquele de
competência do Tribunal do Júri.
Em face do sistema acusatório e da opção legislativa por um processo
de partes, uma questão importante a ser enfrentada em razão da desclassificação, é o
efeito que produzirá a falta de recurso do acusador para sustentar a competência do
Tribunal do Júri para julgar a imputação, havendo precedente judicial que não conheceu
de conflito de jurisdição porque o Ministério Público se conformou com a mesma e a
52
A reforma também considerou caso de absolvição sumária a existência de prova de o acusado não ser
o autor ou o partícipe do fato (art. 415, inc. II, CPP).
53
MIRABETE, Julio Fabbrini, Processo Penal, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 1994, p. 474.
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desclassificatória transitou em julgado.54 A solução contrária feriria a coisa julgada e,
nos casos de desclassificação para fato menos grave, o “acusado seria submetido à
possibilidade de condenação por fato mais grave, em face de exclusiva dinâmica judicial. Se o acusador e a vítima, ou seu representante legal, conformaram-se com a desclassificação, não é dado promover o restabelecimento da denúncia mais gravosa”.55
III. 3. 3. Sistema acusatório e aditamento
O legislador da reforma nem sempre foi fiel ao sistema acusatório
adotado pela Constituição Federal e, ao estabelecer que por ocasião da pronúncia ou da
impronúncia, havendo indícios de autoria ou de participação de outras pessoas, determinará o retorno dos autos ao Ministério Público, aplicando-se o art. 80, do estatuto
processual, no que couber (art. 417, CPP), essa deficiência ficou manifesta. Em primeiro lugar, veja-se que o julgador não está apenas comunicando a existência de outros
responsáveis pelo evento, mas ordenando o retorno dos autos ao acusador, para que
este adite a denúncia ou a queixa crime e, feito isto, o julgador cuidará de manter a
unidade do processo ou a sua separação. Ora, esse aditamento é provocado pelo julgador,
a adição é obra de sua iniciativa; nesse caso, o julgador exerce uma atividade diversa
daquela que lhe atribui o sistema acusatório e, neste passo, as reformas pontuais bem
demonstram o quanto podem prejudicar a harmonia de um Código de Processo. Veja-se
que no procedimento comum, ordinário, há regra de aplicação subsidiária ao procedimento especial, relativa à espontaneidade do aditamento pelo acusador quanto à nova
qualificação jurídica do fato, não havendo razão para se alterar o sistema e atribuir ao
julgador uma função acusatória de inclusão de pessoas no polo passivo da ação penal
condenatória, no procedimento especial (art. 384, CPP).56
III. 3. 4. Providências anteriores à remessa dos autos ao Juiz Presidente
A intimação da pronúncia deve ser feita pessoalmente ao acusado, ao
defensor nomeado e ao Ministério Público e, ao defensor constituído, ao querelante e ao
assistente por publicação no órgão incumbido da publicação dos atos judiciais da
comarca; o acusado que estiver solto e não for encontrado, será intimado por edital
(art. 420, incs. I e II, e parágrafo único, c.c. o art. 370, § 1º, CPP), o que também não parece
conforme à necessidade de comunicação dos atos processuais à pessoa do argüido.
54
Conflito de Jurisdição nº 160.273-3/4, TJSP, Seção Criminal, 2ª Câm., v. un. Re. Des. Devienne Ferraz,
j. em 28.3.1994).
55
PENTEADO, Jaques de Camargo, Acusação, defesa e julgamento, Campinas, Millennium, 2001, p. 339.
56
Ainda nessa esfera, em vez de se evoluir para o sistema do inquérito civil, em que o controle da função
acusatória é feito no âmbito do Ministério Público, persiste-se na criticada forma do art. 28, CPP, em que o
julgador estimula o acusador ao aditamento e, na inércia deste, provoca a Procuradoria Geral de Justiça, e ao
ser eventualmente atendido, aquele julgador receberá a adição que, em parte magna, é obra sua.
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Preclusa a pronúncia, os autos serão encaminhados ao Juiz Presidente do Tribunal do Júri (art. 421, CPP). Nas hipóteses de recurso especial ou
extraordinário, que não têm efeito suspensivo, não se opera aquela preclusão em
face dos termos da reforma e, portanto, os autos não poderão avançar para a segunda fase do procedimento escalonado.
Ainda nesse tema da preclusão, há uma hipótese que merece atenção
especial, pois se procurou disciplinar uma questão muito tratada pelos doutrinadores,
concernente ao processo por tentativa de homicídio em que ocorre a morte da vítima
após a pronúncia, ordenando o legislador da reforma que o julgador mande os autos
para o acusador e, retornando-lhe o feito, profira decisão (art. 421, §§ 1º e 2º, CPP).
Ora, a questão não é tão simples como parece, pois é necessário
um profundo exame e prova material de que há nexo causal entre a ação física
imputada ao argüido e o resultado letal superveniente à pronúncia e, sobretudo, um
fato novo – no plano objetivo não houve circunstância estranha à vontade do agente
que tenha impedido a consumação do crime –, elementos estes que exigem aditamento da denúncia, por ação espontânea do acusador, comunicação ao acusado,
defesa incidental, reabertura de oportunidade de colheita de novas provas, debates
e, somente depois disso, será decidido o acréscimo.
IV
IV.. Conclusão
A vontade popular estabeleceu o nosso Estado Democrático de Direito,
que tem por um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, e visa a construção
de uma sociedade livre, justa e solidária, com a prevalência dos direitos humanos. A Constituição Federal adotou o sistema acusatório, que deve ser balizado pelo garantismo e pela
efetividade, visando o bem comum – reconhecimento daquela dignidade humana, provisão
das necessidades do homem e fixação de uma ordem jurídica justa, estável e segura –, e se
desenvolvendo segundo os direitos e as garantias individuais consagradas na Carta Magna.
O ideal seria a promulgação de um novo Código de Processo Penal, eis
que as reformas pontuais costumam prejudicar o sistema processual, mas há que se
interpretar os novos dispositivos legais de forma a assegurar a evolução da Justiça Penal
e, nesse sentido, a presente modificação enseja o aprofundamento das noções de jurisdição, de processo e de procedimento. Instituindo um controle judicial da acusação, a reforma
prevê a defesa preliminar, a réplica e uma decisão judicial motivada que pode declarar a
inexistência da relação jurídica processual por falta de pressupostos processuais, a carência
da ação penal, por impossibilidade jurídica do pedido, ausência de legitimidade para agir
ou de interesse processual, ou mesmo a sumária absolvição do argüido.
Admitindo a acusação, dar-se-á a instrução em contraditório, com
prevalência da atuação das partes, e um significativo tratamento da prova típica de
reconhecimento de pessoas ou coisas, que deve ser destacada das inquirições das
vítimas e das testemunhas.
O aditamento legítimo dependerá da iniciativa do acusador e deverá
ser preservada a neutralidade judicial.
A decisão de pronúncia deve demonstrar a materialidade do crime e
não do fato, os limites à motivação não podem violar a garantia constitucional de funda-
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mentação dos atos decisórios, especialmente quanto ao elemento subjetivo do tipo legal
de crime, e também as qualificadoras devem ser objeto de fundamentação. A linguagem
da pronúncia e dos atos respectivos não pode ferir a imparcialidade dos jurados.
Impronunciado o argüido, o caso será reaberto somente diante de
prova nova e com nova acusação.
Se o inimputável apresentar alguma tese defensiva, a reforma exige
que a mesma seja examinada no juízo da causa, o que deveria ser uma regra, pois
sempre se poderá apresentar uma defesa em plenário e os jurados, soberanamente,
decidir de forma menos gravosa que a “absolvição imprópria”.
A desclassificatória exige especial atenção do acusador para apresentar
recurso nos casos em que sustente a competência do Tribunal do Júri, pois a falta desse
reclamo implica a impossibilidade de restabelecimento da imputação originária, ainda que
o juízo apontado como competente afirme a competência especial daquele Colegiado.
O aditamento implica o controle da acusação acrescida, citação e resposta do argüido, réplica e nova decisão sobre essa matéria complementar, renovando-se a
instrução criminal. Os fatos supervenientes à pronúncia e que alterem a classificação do
crime também dependem de aditamento e do controle e do contraditório mencionados.
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REFLEXÕES PONTU
AIS
PONTUAIS
SOBRE O DEVIDO
PROCESSO LEGAL E O
JUL
GAMENT
O DOS
JULGAMENT
GAMENTO
CRIMES DE
COMPETÊNCIA DO
TRIB
UN
AL DO JÚRI
UNAL
TRIBUN
HERIVELTO DE ALMEIDA
Promotor de Justiça no Estado de São Paulo
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REFLEXÕES PONTUAIS SOBRE O DEVIDO PROCESSO
LEGAL E O JULGAMENTO DOS CRIMES DE
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI
(Lei nº 111.689,
1.689, de 20 de junho de 2008)
Herivelto de Almeida
Promotor de Justiça no Estado de São Paulo
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A aplicação da lei no tempo; 3. O questionário e sua votação; 4. Conclusão.
1. Introdução
Na esteira das pontuais alterações do Código de Processo Civil e a inglória
tarefa de modificação integral do vetusto Código de Processo Penal, apesar de iniciativas
pretéritas de renomados juristas, foram encaminhados ao Congresso Nacional inúmeros projetos com vista à adequação de temas fundamentais do processo penal à nova ordem constitucional, aos estudos doutrinários e certa orientação pretoriana.
Com vista à celeridade, eficiência, simplicidade e segurança, foco nos
direitos e garantias individuais e a conformação da ordem jurídica ao processo penal constitucional, foram regradas matérias como a duração razoável do processo, as provas ilícitas, a
prisão processual e o sistema acusatório, a correlação, os procedimentos etc.
O Projeto de Lei nº 4.203, de 2001, após sucessivas alterações pelo
Congresso Nacional, foi aprovado e originou a redação final da Lei nº 11.689, sancionada
em 09 de junho de 2008 e publicada no dia seguinte, com entrada em vigor no dia 09 de
agosto de 20081, contendo a nova disciplina do procedimento relativo aos processos de
competência do Tribunal do Júri.
A pretexto de extirpar disposições anacrônicas e dotar o ordenamento de
um instrumento apto a confrontar a criminalidade crescente, a par do fosso com a realidade
jurídico nacional, o legislador perdeu a oportunidade para a perfeita conformação constituci1
Lei Complementar nº 95/98, art.8º., § 1º.: “A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que
estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do
prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral”.
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onal do processo penal e, no segundo momento, arranhou o devido processo legal para
resguardar a plenitude da defesa, sobretudo na fase plenária do Júri.
O presente artigo destina-se à reflexão de alguns tópicos – aplicação da
lei no tempo e quesitos - de maior interesse prático e sua correlação com o devido processo
legal e seus corolários.
2. Aplicação da lei no tempo
A entrada em vigor da nova lei trouxe interessantes questões sobre a
aplicabilidade de seus preceitos aos processos em curso, sem prejuízo da validade dos atos
praticados sob a vigência da lei anterior, na dicção do artigo 2º. do Código de Processo
Penal, que encontra seu anteparo material no disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, e do parágrafo único do art. 2º do Código Penal, que impedem a retroatividade de norma
que, de qualquer forma, prejudicar o acusado.
Celeuma se vislumbra, apenas para anotar a complexidade do tema, quanto
à necessidade de novo interrogatório do réu após a produção da prova oral e o protesto por
novo júri, extirpado pela nova disciplina processual, posto que alguns autores já a consideram como norma processual de reflexos materiais, impondo-se a análise da retroatividade
sob o aspecto de ordem material. Neste tópico, entretanto, resume-se o artigo à realização
do plenário do júri sem a presença do réu.
Milhares de processos relacionados aos crimes dolosos contra a vida
“dormiam em berço esplendido” após a fase de pronúncia, isto para não mencionar a vergonhosa quantidade de “vidas” arquivadas sem a solução do caso. Uma das propostas efetivas
veiculadas pela reforma para dar maior resolução aos conflitos e resguardar a tutela jurisdicional
como direito público, individual ou coletivo, à jurisdição, foi obstar a denominada crise de
instância, que se manifestava pela ausência de intimação do réu da “sentença” de pronúncia,
nos termos utilizados pelo revogado art.413 do CPP que, via de regra, deveria ser pessoal,
sob pena de nulidade absoluta. A exceção era aplicável à rara hipótese de crime afiançável
(infanticídio, auto-aborto e aborto consentido).
Assim, suspenso o processo sem o impedimento ao regular decurso do
prazo prescricional aguardava-se a intimação pessoal do réu nos crimes inafiançáveis para a
superação da fase do judicium accusationis e o ingresso no judicium causae, ou a espera
pela extinção da punibilidade, certamente não coibida pelo exaurimento das providências
cautelares, como a decretação da prisão preventiva.
Idêntico procedimento e conseqüências – inatividade processual e curso
regular da prescrição - sucediam nas hipóteses de libelo não entregue pessoalmente ao réu
(CPP, art.421 – revogado) e não comparecimento do acusado ao julgamento por crime
inafiançável (CPP, art.451, §1º. – revogado).
Entretanto, cuidou a reforma de permitir a intimação por edital do acusado solto que não for encontrado (art.420, parágrafo único), sem discriminação de qualquer
hipótese - afiançável ou não - e a possibilidade de realização do plenário do júri sem a
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participação do réu, consectário lógico do silêncio constitucional e da autodefesa, que se
desdobra no direito de audiência e de presença, ambos disponíveis pelo acusado.2
A dicotomia preso-solto, adotada em inúmeras fases do procedimento,
permite concluir que ostenta esta última condição (solto) quem voluntariamente se escusa de
comparecer aos atos e termos processuais, por mero desinteresse ou para subtrair-se à
aplicação da lei penal, com prisão decretada (foragido).
Portanto, intimado por edital da pronúncia e preclusa esta decisão, bem
como suprimido o libelo na preparação do processo para julgamento em plenário (CPP,
art.422), restaria a hipótese do não comparecimento do réu solto como impedimento absoluto à prestação jurisdicional. Entretanto, como a reforma admitiu a realização deste sem a
presença do acusado solto que tiver sido regularmente intimado (pessoalmente ou por edital),
como preceitua o novo art.457 do CPP, não haveria óbice ao julgamento dos processos
suspensos pela crise de instância sob a égide da lei anterior.
Questão de ordem prática e grande incidência nas lides forenses, a ser
enfrentada sob a ótica constitucional é a seguinte: processos não suspensos pela vigência da
Lei nº 9.271/96, que remodelou o art.366 do Código de Processo Penal, apesar da citação
editalícia dos acusados, poderão ser apreciados pelo Tribunal Popular?
A pergunta é relevante porque a formação do processo pressupõe a comunicação prévia, detalhada e pessoal, da acusação formalizada, sob pena de nova crise de
instância mitigada: suspende-se o processo e o curso do prazo prescricional ao acusado
citado por edital que não constituir advogado, nos termos do citado art.366 do CPP.3 Cuidase de norma inspirada na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, devidamente incorporada ao direito interno pelas vias ordinárias de ratificação, fundada na ordem constitucional (art.5º., §2º) e infraconstitucional (CPP, art.1º., I).
Entendeu-se à época impossível cindir a norma de direito processual (suspensão do processo) e a norma de direito penal (suspensão da prescrição), de modo que o
dispositivo seria inaplicável aos fatos delituosos ocorridos antes de sua vigência, consoante
pacífica e antiga orientação do Supremo Tribunal Federal.4
Portanto, a resposta ao questionamento formulado comporta três conclusões: a) se o acusado, apesar de citado por edital antes da vigência da Lei nº 9.271/96, teve
ciência da acusação a qualquer tempo ou grau de jurisdição (na fase de admissibilidade, pelo
comparecimento espontâneo ou constituição de advogado, pela pronúncia ou qualquer outra
decisão que teve ciência; na preparação para o julgamento através do recebimento do libelo;
no próprio julgamento, anulado pela decisão contrária à prova dos autos) não existirá impe-
2
GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance, GOMES, Antonio Magalhães Filho. As
nulidades no processo penal, RT, 6ª. ed., 1998, p.77.
3
A Mensagem n.º 1.269 do Ministério da Justiça, de 29 de dezembro de 1994, que encaminhou o projeto
originário da Lei n.9.271/96 informou que o texto remetido visava ao aperfeiçoamento da administração
da justiça criminal (leia-se: garantir a presença do acusado), e a redução da impunidade (diga-se: nova
causa de suspensão).
4
HC n.º 74.695-5-SP, Rel. Min. Carlos Velloso, 2a. Turma, j.11.03.97.
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dimento para a realização do plenário do júri ou sua renovação; b) caso o acusado tenha sido
citado pessoalmente antes da vigência da Lei nº 9.271/96 e decretada sua revelia a posteriori,
na intimação da decisão de pronúncia, na entrega do libelo ou na comunicação para o comparecimento ao plenário do júri, evidentemente não haverá qualquer óbice na incidência da
nova lei processual penal; c) se o acusado, citado por edital antes da vigência da Lei nº
9.271/96 (normalmente indiciado indiretamente, na fase policial) não teve ciência prévia,
detalhada e pessoal, da acusação formalizada, impossível sua submissão a julgamento pelo
Egrégio Tribunal do Júri e conseqüente aplicação imediata dos preceitos contidos na nova
legislação processual penal.5
RUI STOCO, um dos membros da comissão que elaborou o anteprojeto, pontuou que as alterações “buscam resgatar essa democratização desejada e
aparelhar esse sistema de julgamento popular com mecanismos de proteção e defesa dos acusados, revalorizando a figura do jurado leigo e garantindo às partes um
processo justo e rápido, de modo que a sociedade receba desde logo uma prestação
de conta e resposta quase imediata da atuação do Estado, e o condenado receba a
pena no momento que ainda se mostra pertinente, eficaz e com força para alcançar
o que dela se espera (prevenção, repressão, segregação, desestímulo, reparação e
regeneração) e, pois, se apresente adequada para aquele momento, sabido que justiça tardia não é justiça mas arremedo”.6
Como a prestação jurisdicional eficiente e inafastável, dentro de um prazo
razoável, não se desvincula de um processo justo com garantias plenas, o conhecimento
pessoal da imputação se traduz em providência indeclinável para o julgamento válido pelo
Tribunal do Júri, pois “as garantias constitucionais e as da Convenção Americana
interagem e se completam; e, na hipótese de uma ser mais ampla que outra, prevalecerá a que melhor assegure os direitos fundamentais.”7
2. Quesitos
Considerada a mais ousada alteração no procedimento do júri, a reforma processual rompeu substancialmente com o sistema anterior na formulação dos quesitos, verdadeira “usina de
nulidades”, nas palavras de RenéAriel Dotti,8 ao propor um inusitado sistema misto.
Quesitos são proposições afirmativas, simples e distintas, extraídas da decisão de pronúncia, do interrogatório e das alegações orais das partes, formulados aos jurados
sobre a matéria de fato ou absolvição do acusado, através de uma ordem preestabelecida.
5
Nesse sentido: GOMES, Luiz Flávio, CUNHA, Rogério Sanches e PINTO, Ronaldo Batista. Comentários às reformas do Código de Processo Penal, São Paulo, RT, 2008, p.91.
6
Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 9, n.36, São Paulo, RT, out-dez. 2001, p.204.
7
Nota 2, p.76.
8
Painel preparatório do Congresso Nacional da Reforma Penal, organizado pela seccional paulista da
Ordem dos Advogados do Brasil, disponível no seguinte endereço eletrônico: http://www.tj.ro.gov.br/
emeron/sapem/2001/agosto/0308/ARTIGOS/A17.htm
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No sistema anterior, influenciado pela tradição francesa, a resposta dos
jurados era desdobrada em quesitos sobre a matéria de fato para a definição do provimento
jurisdicional condenatório ou absolutório. Fato principal, dividido em autoria e materialidade
seguida do nexo de causalidade, causas excludentes da ilicitude ou que isentem o réu de
pena, inclusive sobre o excesso doloso ou culposo, causas de diminuição, qualificadoras e
causas de aumento, agravantes e atenuantes faziam parte da peregrinação dos jurados à
busca da solução jurídica.
Excluídas as agravantes e atenuantes do âmbito de deliberação dos jurados9, pela nova configuração do questionário o juiz presidente formulará quesitos versando
sobre a materialidade do fato e outro sobre a autoria, encerrando a votação se colher quatro
votos negativos para qualquer das indagações. Na seqüência, e superadas as teses expostas
em plenário (tentativa, desclassificação imprópria etc.), a depender da hipótese, formulará
quesito inspirado na tradição inglesa, fundado na dicotomia culpado-inocente, contendo a
seguinte pergunta: o jurado absolve o acusado? Por fim, caso não finalizado o julgamento,
seguem as causas de diminuição de pena alegadas pela defesa e as qualificadoras e causas de
aumento reconhecidas na pronúncia.
Não se pretende esmiuçar todas as variantes lógicas inerentes ao sistema
adotado conforme se apresentam na dinâmica do júri, mas realçar os intransponíveis óbices,
de ordem constitucional, legal e prático, para a solução adotada pelo legislador através do
quesito englobante das justificativas e dirimentes, ou qualquer outra defesa metajurídica assumida em plenário.
RUI STOCO apontava os quatro problemas mais graves da instituição do
Júri brasileiro: a) formalismo excessivo do procedimento como um todo e, em especial, no
que pertine às nulidades; b) critério de arregimentação de jurados; c) absurda complexidade do sistema de formulação do questionário a ser submetido aos jurados; d) sistema
de votação e de pronunciamento do resultado pelos jurados.10
A simplificação preconizada na reforma ficou restrita ao tópico absolutório,
mantida no restante a votação desdobrada dos quesitos, por maioria de votos, formulados
conforme a pronúncia (materialidade, autoria, dolo, qualificadoras e causas de aumento),
interrogatório (autodefesa) e alegações em plenário (desclassificação, causas de diminuição).
Ou seja, a “usina de nulidades” permanece, acrescida de um quesito englobante que impede
o conhecimento mínimo e seguro da vontade popular na hipótese comum de teses múltiplas
formuladas pela defesa (ex: legítima defesa própria e de terceiro; legítima defesa e
inimputabilidade; coação moral irresistível e inimputabilidade; estado de necessidade e
inexigibilidade de conduta diversa etc.). Poderia o legislador, a pretexto de simplificar a formulação do questionário e o pronunciamento do resultado pelos jurados, admitir uma absolvição “às cegas”?
RENÉ ARIEL DOTTI conclui que foi acertada a opção legislativa porque o
conselho decide acima e além da norma jurídica, com as seguintes considerações: “Ao votar
– colocando na urna a cédula sim ou a cédula não – o juiz de fato não precisa motivar
9
Em sentido contrário: NUCCI, Guilherme de Souza, em Tribunal do Júri, São Paulo, Ed. RT, 2008, p.233.
Crise existencial do Júri no direito brasileiro, RT 664/252 - negritei;
10
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a sua decisão: ele decide atendendo somente aos imperativos de sua consciência e aos
ditames da justiça. É desnecessário indagar se a absolvição resulta do acolhimento de
uma causa de exclusão do crime ou de isenção de pena. Contra eventual argumento de
que o sistema proposto impede o conhecimento do fundamento jurídico da decisão,
especialmente para os efeitos civis e administrativos, é importante a releitura da doutrina de José Frederico Marques: o pranteado mestre critica a influência que a decisão
do Júri exerce no campo das obrigações civis. Ele sustenta que até mesmo em caso de
negativa de autoria, a decisão criminal não exclui a responsabilidade civil ex delicto,
segundo a interpretação dada ao art.66, do Código de Processo Penal11. Aliás, a autonomia das instâncias (Cód. Civil, art.935) é um sólido argumento à nova lei, que, no
entanto, prevê entre os requisitos da ata, a descrição fiel dos “debates e as alegações das
partes com os respectivos fundamentos” (art.495, XIV).” 12
Durante o ciclo de debates sobre o projeto de reforma do procedimento
do júri outro especialista no assunto, HERMÍNIO ALBERTO MARQUES PORTO, em consonância
com sua obra13, já advertia sobre a dificuldade para a acusação formular eventual recurso
porque desconhecido o motivo da absolvição, sugerindo a formulação de quesitos diretos e
simples, como “o acusado agiu em legítima defesa?”14
Em última hipótese, a restrição recursal é mera conseqüência processual
de uma limitação material de ordem constitucional. Repugna à consciência jurídica tanto uma
condenação “às cegas”, como exposto no tópico anterior quanto aos réus que não tiveram
11
“Júri e responsabilidade civil”, em Estudos de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro, 1960, p.250.
Um novo e democrático Tribunal do Júri (VII), artigo publicado no jornal “Estado do Paraná”, no
caderno “Direito e Justiça”, de 27.07.2007, e no informativo Migalhas, edição nº 1950.
Admitem o quesito único, mas externam preocupação com a segurança do julgamento e a verdadeira
intenção da vontade popular: NUCCI, Guilherme de Souza, op. cit., p.217; CAMPOS, Walfredo Cunha,
em O Novo Júri Brasileiro, São Paulo, Ed. Primeira Impressão, 2008, p.224-225; ARRUDA, Eloisa de
Souza, e SILVA, César Dario Mariano da, “Questionário no Julgamento pelo Júri”, em http://
www.apmp.com.br/juridico/artigos/art_juridicos2008.html
13
“A observada valoração realizada pelos jurados não é explicitada de modo fundamentado, pois
estão os jurados sempre presos à resposta em fórmulas monossilábicas (sim ou não). Mas a resposta
do jurado compreende uma fundamentação implícita e que pode ser encontrada na análise das
provas, e o estudo em confronto destas pode mostrar, com o acréscimo da expressividade que receberam nos debates orais, as bases motivadoras das respostas aos quesitos. Para tal análise voltam-se as
partes e o Tribunal de segundo grau quando de recursos abordando a decisão dos jurados, debatida
como manifestamente, ou não, em oposição à prova dos autos.” Em Júri – procedimentos e aspectos do
julgamento – Questionários, São Paulo, Ed. Saraiva, 11ª. ed., 2005, p.145.
14
Vide nota 10.
GOMES, Luiz Flávio, CUNHA, Rogério Sanches e PINTO, Ronaldo Batista. Comentários às reformas do
Código de Processo Penal, São Paulo, RT, 2008, p.222-3, defendem a individualização das teses defensivas, “levando o Conselho de Sentença a se manifestar sobre cada uma isoladamente (sem desdobramentos outros), permitindo ao acusador conhecer, em caso de absolvição, as razões da improcedência da acusação para subsidiar eventual peça recursal. Primeiro serão exploradas as descriminantes
(excludentes da ilicitude) e depois as dirimentes (excludentes da culpabilidade) e, eventualmente, as
excludentes de punibilidade.”
12
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ciência prévia da acusação e serão julgados à revelia pelo Tribunal do Júri, caso adotadas
literalmente as normas preconizadas na reforma, como um processo kafkiano às avessas,
desconhecida a causa de absolvição e impossibilitada a parte de contrariá-la, muitas vezes
originada da junção de votos heterogêneos, manifesta subversão ao princípio da soberania
que se manifesta na maioria e não a minoria representativa do Tribunal Popular.
O confronto entre o poder punitivo do Estado e o direito de liberdade do
cidadão, observa ADA PELLEGRINI GRINOVER, deve ser “feito em termos de equilíbrio, assegurada a efetiva paridade de armas.
armas.”15 A visão se amplia ao concluirmos que a proibição
do excesso, garantia individual posta como freio histórico aos sistemas ditatoriais e regimes
de exceção, encontra paralelo e equilíbrio na necessidade de proteção estatal aos indivíduos
contra agressões ao corpo social por comportamentos delituosos (proibição da proteção
deficiente). O julgamento popular, apesar de suas particularidades, traduz um provimento
jurisdicional de relevância e interesse para as partes, o ofendido e toda a coletividade, não
apenas sob a ótica particular, individual, onde se agrega a plenitude da defesa.
Em algumas situações admite-se o discrímen sem qualquer ofensa ao princípio constitucional da isonomia.16 Em outras, a face substancial do devido processo legal
demanda a apreciação da razoabilidade e senso de justiça na elaboração da lei. ALEXANDRE
DE MORAES resume bem o tema: “A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas.
Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias,
torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com
critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em
relação à finalidade e aos efeitos da medida considerada, devendo estar presente por
isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis
com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado.” 17
Outros pontos da reforma padecem de idêntico mal, ou seja, a pretexto
de homenagear a plenitude da defesa esbarram na par conditio, como a proibição de leitura
da pronúncia como argumento de autoridade para prejudicar o réu, silenciando sobre a leitura da impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária, na fase de admissibilidade da
culpa, para beneficiá-lo (CPP, art.478, I).
15
Lineamentos gerais..., em Ciência e Política Criminal em homenagem a Heleno Fragoso, Rio de Janeiro,
Ed. Forense, 1992, p.43, n.2.
16
FERNANDES, Antonio Scarance observa que “não há inconstitucionalidade: quando só se permite
ao réu a revisão criminal (arts.621 a 631), não sendo possível a revisão pro societate; quando só o réu
pode interpor embargos infringentes e de nulidade (art.609, parágrafo único); quando o réu, com a
utilização do habeas corpus, pode se insurgir contra decisões interlocutórias que não comportam
apelação ou recurso em sentido estrito, ficando o Ministério Público às vezes sem meios para impugnar decisões semelhantes, só lhe sendo viável a correição parcial ou a reclamação, de utilização
restrita.” Processo Penal Constitucional, São Paulo, RT, 2ª. ed., 2000, p.51.
17
Direito Constitucional, São Paulo, Ed. Atlas, 20ª. ed., 2006, p.32.
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Portanto, sob o aspecto constitucional, o tratamento normativo diferenciado entre as teses e partes, submetendo aos jurados matérias de fato de um lado e absolvição de outro, sob as mais variadas matérias de direito englobadas, resulta em indevida e
insuperável discriminação sem qualquer justificativa objetiva e razoável, que não encontra
suporte na plenitude da defesa ou soberania dos veredictos. A norma legal deve ser interpretada, como exposto no item anterior, conforme os feixes constitucionais inseridos no devido
processo legal para dela extrair seu conteúdo útil.
Sempre repugnou a tradição jurídica brasileira, sob a égide do procedimento revogado, a formulação de quesitos englobantes, inclusive quanto às teses defensivas,
como na hipótese do homicídio privilegiado, justamente por impedir a correta prestação
jurisdicional e cognição da matéria de fato pelos jurados.18
Evidente que a mera inclusão, na ata dos trabalhos, dos debates e alegações das partes, com os respectivos fundamentos (providência formal), não impedirá uma
flagrante injustiça pela adoção do método concentrado de quesitação (providência material),
que poderá prejudicar em última análise o próprio réu quando pretender o reconhecimento
da legítima defesa ou exercício regular de um direito (CC, art.188, I) e formular tese subsidiária em plenário (inimputabilidade; inexigibilidade de conduta diversa).
A última objeção, de ordem prática, sem resposta pelos adeptos da adoção do quesito único, para os quais seria desnecessária a identificação da fundamentação do
sentido absolutório dos votos minoritários ou mesmo dos majoritários, consiste na possibilidade de livrar assassinos seriais ou não, tidos por inimputáveis, da imposição de medida de
segurança. A constrição da liberdade deve ceder diante de outra tese mais favorável ao
acusado, a ponto de impedir a absolvição sumária no juízo de admissibilidade (CPP, art.415,
parágrafo único). Resulta dizer que, formulada qualquer tese em plenário que se inclua no
quesito absolutório, por mais inverossímil ou absurda nas circunstâncias do fato (coação
moral irresistível; legítima defesa putativa; erro de proibição etc.) importará na liberdade
incontinenti do acusado inimputável se preso estiver e positiva a resposta do quesito absolutório
(CPP, art.492, II, a), já que desconhecida a intenção dos jurados, aplicando-se a conclusão
mais favorável na exata compreensão dos princípios do favor rei e in dubio pro reo.
Em suma, submetidas várias teses ao Conselho de Sentença e para garantir o equilíbrio das partes sem prejuízo à plenitude da defesa, a clareza e precisão das
respostas através da exata compreensão dos fatos pelos jurados e permitir o exercício do
duplo grau de jurisdição, imprescindível a formulação de tantos quesitos absolutórios quantas
sejam as teses que excluam o crime ou isentem o réu de pena.
A limitação imposta aos jurados para a votação de questões jurídicas, já
que afeta sua atividade judicante às questões de fato, com o desdobramento dos institutos
debatidos em plenário pelo Ministério Público e defesa em seus elementos constitutivos e
18
STJ, 5ª. Turma, REsp nº 443.159 – MS, Rel. Min. Gilson Dipp, j.05.12.02, DJU 17.03.03, p.270. O STF
ressaltou que “Mostra-se absoluta a nulidade decorrente da junção indevida de matérias, bem como a
resultante da falta de quesito inerente a tese implementada pela defesa” - HC 73.163/MG, 2ª Turma, Rel.
Min. Marco Aurélio, DJU de 08/10/1999.
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circunstancias, não constituirá empecilho à proposta, agora sob a ótica da simplificação
do quesito e da resposta dos jurados. Significa dizer que, alterada a legislação processual para admitir o juízo valorativo absolutório em quesito concentrado
concentrado, os jurados
passaram a votar para além da matéria de fato, daí a correta proposição de HERMÍNIO
ALBERTO MARQUES PORTO em definir a tese jurídica em votação - o jurado absolve o
acusado por ter agido em legítima defesa?;- o jurado absolve o acusado porque
inimputável? - repita-se, quando se tratarem de teses múltiplas que resultem na exclusão do crime ou isenção da pena.
Como ensina ALEXANDRE DE MORAES, os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez
que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta
Magna (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas). Desta forma,
quando houver em conflito entre dois ou mais direitos fundamentais, o intérprete deve
utilizar-se do princípio da concordância prática ou harmonização, de forma a coordenar os
bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros,
realizando uma redução proporcional do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua.19
6. Conclusões
1ª. A realização do plenário do júri é inadmissível sem o conhecimento
prévio, detalhado e pessoal da acusação pelo réu, ou através de seu representante legalmente constituído;
2ª. A formulação do quesito único absolutório é inadmissível na hipótese
de defesas simultâneas que excluam crime ou isentem o réu de pena, impondo seu desdobramento através de quesitos simples e diretos contendo a tese jurídica proposta.
Por fim, impossível não concordar com as ponderações de WALFREDO
CUNHA CAMPOS, segundo o qual “a nova legislação tem algumas poucas virtudes, mas
possui tantos e tão graves defeitos, de ordem jurídico-constitucional e no plano prático, que exigem do intérprete verdadeiro malabarismo intelectual para se conseguir
aplicá-la com eficácia e justiça.”20
19
20
Op. cit., nota 17, p.28.
Op. cit., nota 12, p.15.
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APONT
AMENT
OS
APONTAMENT
AMENTOS
SOBRE A
ATU
AÇÃO DO
TUAÇÃO
PR
OMO
TOR DE
PROMO
OMOT
JUSTIÇA NO
TRIB
UN
AL DO
TRIBUN
UNAL
JÚRI EM VIST
A
VISTA
DA REFORMA
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OCESSU
AL
PROCESSU
OCESSUAL
PENAL
MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES
Promotor de Justiça do I Tribunal do Júri de São Paulo
Livre-Docente em Direito Penal pela USP
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A PONT
AMENT
OS SOBRE A ATUAÇÃO DO PROMOT
OR
PONTAMENT
AMENTOS
PROMOTOR
DE JUSTIÇA NO TRIBUNAL DO JÚRI EM VIST
A DA
VISTA
REFORMA PROCESSUAL PENAL
(ou a Reforma do Júri e a Revolução do Promotor)
Não houve outra preocupação nestes apontamentos senão apresentar ao
Promotor de Justiça que oficia perante o Tribunal do Júri algumas indicações derivadas de
interpretação precoce das Leis ns. 11.689, 11.690 e 11.719, todas de 2008. A centralidade
dos objetivos resume-se a redefinir alguns parâmetros essencialmente práticos no exercício
profissional do Promotor de Justiça em vista da maior mudança produzida no processo penal
nos dois terços de século.
Em matéria do Tribunal do Júri, ouso afirmar que a Reforma do Código
de Processo Penal implica também a Reforma do Promotor de Justiça. Novos horizontes de
atuação como a aproximação às fontes primárias da prova; o controle e a fiscalização da
prova e do processo; o aprimoramento das formas de participação do Promotor de Justiça
na audiência; os novos contornos da sessão de julgamento, praticamente tudo exige um novo
perfil de Promotor de Justiça para o Tribunal do Júri.
Uma primeira observação que se impõe é da complementariedade das
Leis nos. 11.689, 11.690 e 11.719 que se entrelaçam e recriam a sistemática processual
penal. Tentar comentar apenas os reflexos da Lei n. 11.689/08 que especificamente dá
ao Júri novo tratamento, sem compatibilizá-la com as demais é equívoco sério e conseqüências desastrosas.
O enfoque dado ao esboço é exclusivamente prático. Uma profecia, desde já, lanço. Aqueles mais habituados a exercer seus papéis no Tribunal do Júri com a legislação anterior, se se limitarem a acreditar que a atual apenas modifica alguns aspectos do Júri
sem produzir uma autêntica revolução, talvez sirvam de exemplo para confirmação de proposição darwinianas: não evoluir é extinguir, e no caso, com grave ônus para a sociedade.
Talvez seja possível apontar-se dois grandes princípios reitores de toda a
mudança produzida pelas Leis nºs.11.689, 11.690 e 11.719, de 2008, esses seriam: o da
celeridade processual e o da unidade dos atos processuais sejam os de instrução, seja o de
julgamento. O processo na fase inicial deve ser concluído em 90 dias (art. 412, CPP, Lei n.
11.689/08); à audiência de instrução serão chamados todos de uma só vez: ofendido, testemunhas do Ministério Público e da defesa, peritos, o réu para interrogatório e os debates ao
final (art. 411, CPP, lei n. 11.689/08); a sessão de julgamento tem maiores dificuldades para
ser adiada pelas partes e a cisão tornou-se hipótese remota (seção X, do capítulo II, Lei n.
11.689/08). Se isso for bem observado, o júri terá ainda vida longa entre nós. Se permanecer
com defeitos de então, caminha rumo certo ao seu desaparecimento na primeira reforma
constitucional que se descortinar.
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Ative-me, mais demoradamente, em um tema específico, a cisão do julgamento pela complexidade e importância do tema para o Promotor de Justiça. Espero, aliás, não
ter cometido grandes equívocos, uma vez que tudo é novidade e até o momento nada do que foi
escrito parece ser de grande valia para a prática do novo procedimento do Júri.
1. Atuação no inquérito policial
É cedo para afirmar como será interpretada a extensão da regra do art.
155 do CPP aos processos de competência do Júri, uma vez que por expressa disposição
legal do art. 155 do CPP (Lei n. 11.690/08) “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as
provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.” Isso porque em relação ao Júri sempre teve
vigência o princípio “in dúbio pro societate”.
Muito embora entenda que não deva ser abandonado esse princípio,
uma vez que o art. 413, CPP (Lei n.11.689/08) estatui que “o juiz, fundamentadamente,
pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação”, também não se deve perder de vista que
ao lado dos indícios suficientes, a lei impõe ao juiz o dever de decidir
fundamentadamente e pelo art. 155, não o podendo fazer exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação.
Muito se debaterá nos Tribunais sobre essa modificação, até lá, melhor
adequar a pauta de trabalho a um desejável salto de qualidade. Manda a prudência (e agora,
talvez, a lei) que se colha no inquérito policial prova cada vez mais robusta e ampla permitindo ao menos em parte a sua reprodução em juízo.
Sugestões de temas a serem pensados na atuação investigativa poderiam ser:
Exigir-se a qualificação completa de quem serviu de testemunha de
leitura em interrogatório onde há confissão ou elementos válidos à indicação da responsabilidade penal;
Exigir-se minuciosos relatórios de investigação pelos agentes policiais
demonstrando como se deu à elucidação do crime pode consistir documento de relevo para
a prova judicial, justificando a oitiva dos agentes que os elaboraram;
Deixar para complementar a prova policial em juízo, porque se sabia
que os processos se arrastavam, é um risco cada vez maior em vista da audiência una.
Oferecer a denúncia sem todos os laudos técnicos é absolutamente inconveniente pelos
mesmos motivos.
Fora dos casos de prisão em flagrante, a técnica de oferecer a denúncia e em separado requerer-se a complementação das investigações ou a cobrança de
laudos periciais deve ser urgentemente abandonada pelos riscos crescentes que importará à instrução criminal.
A aproximação do Promotor de Justiça à investigação policial é uma das
conseqüências mais sensíveis da reforma processual se se pretender colher algum resultado
prático na atuação do Ministério Público.
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2. O oferecimento da denúncia
Com o desaparecimento do libelo crime acusatório revaloriza-se a denúncia como peça chave da acusação. Por outro lado, como não há mais a demarcação
circunscrita do libelo articulado, pelo menos três grandes temas ganham importância na denúncia: a descrição das condutas nos casos de concurso de agentes e a indicação do elemento subjetivo do autor. Fontes de nulidade rotineiras e grandes problemas para delimitação da
acusação em plenário eram as questões alusivas à autoria e participação; dolo direto ou
eventual; e a descrição das formas qualificadas do crime.
A denúncia deve oferecer as possibilidades mais abertas possíveis ao
juiz para classificar a conduta do agente. Os que não forem claramente autores, ou dos
quais não se souber precisamente como contribuíram para o resultado, não devem ter a
sua conduta enrijecida na denúncia, ao contrário, redigi-la de modo mais aberto a interpretações e cabimento de condutas é a estratégia indicada. Vale o mesmo para as questões alusivas à indicação do elemento subjetivo do agente, se quis o resultado ou se
assumiu o risco de produzi-lo, sobretudo em crimes de forma tentada e mais especialmente os de tentativa sem resultado material.
O fortalecimento das denúncias abertas é um dos ganhos para a sociedade trazido pelo novo sistema e sua prática deve ser amplamente estimulada. Todavia, é preciso combinar abertura com controle do grau de indeterminação. A denúncia deve ser aberta,
sem ser vazia. Descrever a conduta ou elemento subjetivo de forma aberta não significa
indeterminar absolutamente a conduta ou elemento subjetivo. Apenas a diferenciação do
dolo da culpa seria suficiente para garantir a validade da denúncia no homicídio de competência do Júri. Afastar as possibilidades da culpa stricto senso é o bastante para validar a
denúncia por crime doloso.
A atenção ao elenco das qualificadoras do homicídio redobra com o novo
sistema, pois as possibilidades de reabrir-se a instrução para demonstrá-las é cada vez menos provável. O princípio “in dúbio pro societate” implica que a denúncia deve contemplar
o maior número possível de qualificadoras com descrição nos mesmos moldes da abertura
propiciada pelo elemento subjetivo e pela conduta dos agentes.
Isso se prende às dificuldades agora geradas para o aditamento da denúncia em virtude do princípio da audiência uma com o disposto no art. 384, CPP (Lei n.
11.719/ 08) ao expor que “encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o
processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.”. O § 2º desse dispositivo ainda regula que “ouvido o defensor do acusado no prazo
de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes,
designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo
interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.”
Também pela adoção dos debates ao final da audiência da instrução sem
que exista ditado, mas efetivamente debates, para o reforço da memória do juiz ao pronunciar – pois esse terá oportunidade para dispor de tempo à decisão – a descrição das
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qualificadoras de modo mais aberto tende a robustecer a acusação e dificultar as possibilidades de sua exclusão.
A motivação do crime (incs. I, II e V do art. 121, § 2º, CP) deve ser
exaustivamente pesquisada no caderno inquisitivo e seu não desvendamento deve ser
rotulado por futilidade, pois se nada havia de plausível, então era injustificável o crime.
A leitura do receituário das qualificadoras como previsto na Exposição de Motivos do
Código Penal faz penetrar com muito maior facilidade a qualificadora do inc. III, afastando-se a idéia central de crueldade do meio empregado pelos exemplos proporcionados. Há pelos menos dois outros que merecem atenção: a brutalidade a que se refere à
Exposição de Motivos e o perigo comum gerado pelo crime, previsto na última figura
do art. 121, § 2º, inc. III. Todo crime em meio aberto ou se fechado com outras pessoas
presentes pode ensejar o perigo comum e qualificar o crime.
As causas de aumento de pena e as circunstâncias agravantes – estas
últimas agora dirigidas aos juízes – devem ser articuladas de pronto na denúncia.
No campo das pessoas a serem ouvidas, como talvez surja na jurisprudência a necessidade de ao menos uma prova judicial que confirme a inquisitiva,
arrolar-se o Delegado de Polícia ou investigadores que tenham produzido relatórios
mais minuciosos pode ser de generosa utilidade para a pronúncia.
Com a denúncia também devem vir os requerimentos de oitiva de peritos.
Como há previsão no art. 411, § 1º, CPP (Lei n. 11.689/08) de que o
juiz poderá indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias deve o
Promotor de Justiça, ao arrolar testemunhas e indicar outras provas que pretende produzir, referir algo sobre o seu relevo.
3. A audiência de instrução – preparo e colheita da prova
Como doravante o princípio central é o da unicidade dos atos
instrutórios com a concentração deles em uma única audiência, o preparo prévio para o
ato – a exemplo da sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri – é de rigor para o bom
Promotor de Justiça. Assim sendo:
Não deve o Promotor de Justiça aceitar a oitiva de testemunha de
defesa ou a apresentação de documento que não lhe tenha sido comunicado com antecedência mínima de 10 dias da audiência (arts. 409 e 410, CPP, Lei n. 11.689/08). Deve
se inteirar sobre antecedentes da testemunha, não se contentando com a mera indicação
de seu nome e endereço, pois aquelas indicadas pelo Ministério Público na denúncia, em
sua enorme maioria, porquanto ouvidas na fase policial, apresentam filiação, RG, e outros dados que a individualizem. Exigir esses dados é direito do Promotor de Justiça
para conhecer a testemunha de defesa que vai ser apresentada, produzir a prova para
debate naquela audiência e depois, talvez, misteriosamente desaparecer. Contraditar
testemunha, mais do que nunca agora é importante.
Conferir todos os documentos apresentados e impedir que novos o
sejam na audiência, pois aqui vale o mesmo princípio em relação ao julgamento pelo
Tribunal do Júri – o da comunicação prévia da parte.
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Não há clareza – ao contrários do que alguns supõem – se o juiz deixará
de formular suas perguntas ao ofendido e às testemunhas e se apenas o fará ao final, se
houver alguma dúvida, deixando a palavra desde logo com o Promotor de Justiça e a defesa.
Considero a questão longe de ser resolvida e duvido que algum Tribunal anule processo por
conta dessa forma de inquirição. Cada colega ao seu estilo deverá descobrir o que lhe é mais
vantajoso. Um aprendizado para muitos se imporá. Os que estavam acostumados a ouvir o
que as testemunhas tinham a responder ao juiz e normalmente contentar-se com isso deverão
extinguir-se, como dinossauros processuais, em pouco tempo.
Também longe de pacificação a questão relativa à ausência de testemunha,
seja de acusação, seja de defesa ou o próprio réu. Como doravante o réu será o último a ser
ouvido, não serão poucos os defensores e advogados que o estimularão a se ausentar da audiência, depois comprovando algum “motivo” para o ato. Nessas hipóteses, não deve o Promotor de
Justiça concordar que se estabeleça a audiência. Deixar-se para oitiva do acusado um dia separado da colheita da prova é risco certo para a verdade no processo – como se fossem freqüentes a
parceria verdade-réu no âmbito do processo crime!
Sem réu, sem audiência. Esse, para minha interpretação, é princípio
com o qual não se tergiversa.
Há variações sobre o mesmo tema. O réu se faz presente, mas não
toda as testemunhas de defesa. Igualmente, se o advogado pretender insistir naquela,
entendo que o ato deve ser adiado, esteja o réu preso ou solto. O mesmo se dá no
julgamento pelo Júri. Não se o faz pela metade ou às terças partes. Ou se o dá por
inteiro, ou não o há. Assim deve ser a audiência.
Única exceção. Conveniência do Ministério Público na insistência de testemunha ausente, sem prejuízo da oitiva daquelas que ali estiverem naquela oportunidade. Ao
contrário do que faz parecer o § 8º do art. 411, não pode haver inversão da colheita da
prova, com oitiva de testemunhas da acusação depois das de defesa. Assim, ainda que compareçam as de defesa, ausente testemunha da acusação reputada importante, é critério do
Promotor de Justiça adiar o ato ou realizá-lo à metade.
Haverá quem pretenda fazer força para interpretar que não existe mais
ordem na inquirição de testemunhas e que as defesa poderão ser feitas antes do Ministério
Público e assim por diante. Tal equívoco decorre de leitura afoita do art. 411, § 8º (Lei n.
11.689/08). Sua intenção pode ter sido boa, mas sua inconstitucionalidade salta aos olhos
mesmo do intérprete mais desatento.
Sempre que houver a presença do ofendido ou de parente do mesmo
deve o Promotor de Justiça indagar-lhe sobre as perdas que representou o crime para o fim
do art. 397, IV do CPP (Lei n.11.719/08) quanto ao valor mínimo para reparação do dano
que deve ser imposto posteriormente ao sentenciado e requerido fundamentadamente pelo
Promotor de Justiça.
Cartas precatórias e rogatórias estão fora do ambiente da audiência una e
deve o Promotor de Justiça zelar para sejam indeferidas essas provas pela quebra do princípio da unidade. Se para o julgamento pelo Júri não há essas modalidades, para a instrução
também se acham extintas. Réus presos deverão ser trazidos à audiência onde quer que
estejam ou que se lhes garanta a presença por vídeo-audiência.
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O interrogatório do acusado passou a ser o capítulo fina da instrução. A
lei (art. 411, caput, parte final, Lei n. 11.689/08) disciplina que “Na audiência de instrução,
proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos
dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em
seguida, o acusado e procedendo-se o debate.” (ressalto meu) Ora, se será interrogado em
seguida, é porque não há intervalo. O contato entre o defensor e o réu deve ser prévio à
audiência, não ao ato do interrogatório. Vige o princípio de que a audiência é ininterrupta,
assim sendo, oportunidade para que receba instruções em privado estão fora do ambiente
legal e moral. Ampla defesa não significa direito à fraude processual. Se o réu pretende mentir
que o faça por seus meios. Ele assistiu à produção da prova, deve ter formado em seu juízo
alguma idéia sobre os fatos. É seu direito permanecer em silêncio; é até sua faculdade mentir
desaforadamente, mas também é direito da sociedade e do Estado que seu interrogatório
seja feito em seguida à colheita da prova, imediatamente em seguida pode-se realçar, sem
intervalos e pausas para ensaio do que dizer. Não se pode pretender interpretar que a reforma processual quis prestigiar a violação do mais comezinho princípio da moral – o da verdade. Se no processo penal busca-se a verdade real, o interrogatório do acusado em seguida à
colheita da prova dá demonstrações efusivas de que o legislador brindou-nos com a promessa dessa tentativa. Cabe a todo Promotor de Justiça zelar pela não interrupção da audiência
antes do interrogatório do acusado. Se o defensor quiser lhe dizer algo, que o faça publicamente e que puder ser registrado que o seja. A garantia da ampla defesa acompanha o
princípio da boa-fé.
4. A audiência de instrução – debates
Se os debates orais terão vida longa no sistema legal é indecifrável
mistério a este tempo. A tradição forense não tem força para me fazer crer que esse
intento do legislador prosperará. Sempre foi mais fácil converter o sumário em ordinário do que o ordinário em sumário. Nova tentativa se faz.
As audiências serão longas. Nos casos de mais um de um réu, poderão demorar várias horas. Dir-se-á, mas se faz igual no julgamento pelo Júri. Meia verdade. Em plenário as partes podem arrolar até cinco testemunhas; na instrução, até oito.
Verifico que há efeito prático para o Ministério Público na realização
dos debates em audiência. Muitos advogados não fazem a sessão plenária, funcionam
apenas até a fase da pronúncia, precisamente porque não gostam – ou não sabem –
debater. O Promotor está acostumado a essa prática ao longo de sua carreira. Há uma
grande vantagem estratégica que deve ser considerada na persistência dos debates.
Não deve o Promotor de Justiça concordar com a apresentação exclusiva de memorial pela defesa. Ou ambos ou nenhum.
Não há previsão de que os debates sejam ditados como o são os requerimentos em audiência. Como se faz ata da sessão do júri onde se expõe sinteticamente em que consistiu a acusação, assim se fará em relação aos debates das partes.
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Verdade que isso tende a dificultar os recursos, mas a dificuldade de acesso
a eles é uma constante na Lei n.11.689/08.
Outro aspecto de relevo, já ensaiado anteriormente: como os debates
substituem as antigas alegações finais e naquelas era vedada a apresentação de documentos novos, de todo conveniente que se oponha o Promotor de Justiça à apresentação de documento pela defesa que não tiver tempo para contraditar ou analisar antes da
audiência de instrução e debates.
Tal apresentação não deve (não deveria, pelo menos) levar à apresentação de memoriais em substituição aos debates. Como há outras oportunidades para
apresentação de documentos, parece mais salutar que se indefira sua apresentação nessa
fase pela surpresa e pelo claro intento procrastinatório (valendo-se o magistrado do
disposto no art. 411, § 2º, última parte, Lei n. 11.689/08.
5. Da pronúncia
Muita atenção deve guardar o Promotor de Justiça quando receber para
ciência a sentença de pronúncia. Isso porque segundo o art. 413, § 1º, CPP (Lei n. 11.689/
08) dispõe que “a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do
fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz
declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias
qualificadoras e as causas de aumento de pena.” Se o juiz invadir o âmbito da especificação
das circunstâncias qualificadoras e limitá-las de modo menos abrangente do que a denúncia,
impõe-se ao Promotor o exame da conveniência de reclamar a declaração da sentença ou
mesmo sua reforma, sobretudo porque não pode haver menção ao seu teor na sessão de
julgamento. As limitações que sofremos durante dois terços de século com o libelo crime
acusatório são agora coisa do passado e não se pode permitir ao juiz que substitua o libelo
pela pronúncia. Veja-se a sutil diferença no ato da pronúncia. O juiz não deve fundamentar
a existência de qualificadora ou causa de aumento de pena, mas apenas declarar o dispositivo legal em que se acha incurso especificando as circunstâncias qualificadoras.
6. Da impronúncia
Uma distinção entre a sistemática atual e a pretérita versa sobre a
impronúncia. Seu recurso agora é a apelação (art. 416, CPP, Lei n. 11.689/08) de tramitação
mais demorada do que o recurso em sentido estrito pela existência do revisor. Como permanece válida a possibilidade de reinstauração da instância com o surgimento de prova nova,
muitas vezes é mais vantajoso, a depender das condições do caso, a busca pela
complementação da prova com a limitação da nova audiência de instrução a poucos atos, do
que o recurso mais demorado ao Tribunal.
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7. Da preparação do processo para julgamento em Plenário
Com o desaparecimento do libelo crime acusatório que descrevia as circunstâncias do fato tal como seria julgado pelo Tribunal do Júri – substituída essa,
essencialmente pela denúncia, mais do que pela decisão de pronúncia – restou como
medida conferida ao Promotor de Justiça nessa fase apenas as seguintes (art. 422, CPP,
Lei n. 11.689/08): arrolar testemunhas até o máximo de 5 (cinco); juntar documentos;
requerer diligências. Uma quarta, não expressa, também pode ser acrescentada: indicar
as pessoas, além das testemunhas, que pretende ouvir em plenário (ofendido, peritos,
assistentes técnicos).
A previsão de juntada de documentos nessa fase não esgota o direito de sua apresentação até 3 (três) dias úteis antes do julgamento cf. art. 479,
CPP, Lei n. 11.689/08.
8. Do alistamento dos jurados
Tema pouco cuidado pelos Promotores de Justiça é o do controle sobre o
alistamento dos jurados. Com a obrigatoriedade do ano sabático para os que serviram em
formação de Conselho de Sentença no ano anterior (art. 426, § 4º, CPP, Lei n. 11.689/08),
incumbirá ao Promotor de Justiça, sobretudo das localidades menores, zelar pela renovação
do alistamento de jurados, verificando também o preenchimento dos requisitos dos arts. 436
e ss. CPP, lei n. 11.689/08, mesmo porque o art. 257, II, CPP, Lei n. 11.719/08 remete ao
Ministério Público a incumbência de fiscalizar a execução da lei.
Problemas relacionados a esses temas certamente advirão logo no início. A lista geral de jurados será publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro, ou
seja, menos de 60 (sessenta) dias depois de vigência das alterações no CPP introduzidas
pela Lei n. 11.689/08. Será praticamente impossível assegurar-se que para o primeiro
ano de vigência da reforma esteja garantido o disposto no art. 426, § 4º, já referido.
Caminha para vitória a interpretação de que semelhante dispositivo só terá eficácia para
o exercício seguinte ao da publicação da Lei, valendo, desse modo, para o primeiro ano
de sua vigência, em tese, a mesma lista de jurados do ano anterior, sem exclusão dos que
tomaram parte em Conselho de Sentença.
Outra observação, não há limitação ao número de vezes que possa servir
o jurado, no interstício de um ano, em formação de Conselhos de Sentença, antes que, no
ano seguinte, esteja impedido de servir, nada impedindo seu retorno no subseqüente.
9. Desaforamento
Permanece a legitimidade do Promotor de Justiça para requerer o
desaforamento pelo interesse da ordem pública. São raras as hipóteses em que há
indeferimento do pedido de desaforamento pelo Tribunal do Justiça, razão que deve
tornar ainda mais motivado o pleito do Promotor de Justiça.
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O desaforamento por excesso de serviço deve ser muito criteriosamente
examinado, pois são raros os locais onde se pode, efetivamente, garantir a realização de
julgamento de réu pronunciado em prazo inferior a seis meses, mesmo porque o art.
428, CPP, lei n. 11.689/08, sequer faz distinção entre réus presos e soltos.
10. Da participação do Promotor de Justiça na or
ganização da pauta
organização
O mesmo dever ser zelar fiscalização da lei deve levar o Promotor de
Justiça a fiscalizar a organização da pauta, fazendo-a adequada ao art. 429 do CPP. Na
enumeração da ordem de preferência houve grave omissão e pela qual deve bater-se o
Promotor de Justiça localmente com base nos princípios da igualdade e da igualdade
pessoal, além da celeridade para garantir a inclusão em pauta de julgamento dos feitos
com prescrição próxima, sobretudo aqueles que podem ser julgados a partir de agora
dos réus que estavam pronunciados e aguardando intimação da sentença de pronúncia,
uma vez que dela podem ser intimados por edital (art. 420, parágrafo único, CPP, Lei n.
11.689/08), podendo haver designação de seu julgamento e nova intimação edital do
mesmo, quando será julgado a revelia. Milhares de processos que dormiam nos escaninhos aguardando a prisão ou a prescrição depois de pronunciado o acusado deverão ser
colocados em pauta, procedendo-se antes a intimação edital dos pronunciados e depois,
uma vez marcada a sessão, intimados da data também por essa via e assim, julgados e,
eventualmente, condenados os que forem culpados.
11. Da atuação do Promotor de Justiça na fiscalização da lei quanto
às sessões do Tribunal do Júri
Uma primeira medida deve ser objetivada na atuação do Promotor de
Justiça: não ser ele a causa de adiamento de sessão do Tribunal do Júri. A experiência
profissional, o zelo pelo interesse público, a preservação da imagem institucional, o
preparo adequado para as sessões de julgamento, tudo isso deve levar ao inexorável
dever do Promotor de Justiça de garantir a realização da sessão do Tribunal do Júri.
Casos escandalosos como os que levam a mais de uma dezena de adiamentos, motivados por ambas as partes que se sentem no direito de escolher como e quando o réu será
julgado, devem ser coisas de uma passado ávido por esquecimento. A regra, todo réu
será julgado na primeira oportunidade.
Por expressa disposição legal, se o advogado der causa ao adiamento, o réu
deverá ser julgado na segunda oportunidade (art. 456, § 1º, CPP, Lei n. 11.689/08), incumbindo ao
Promotor de Justiça requerer todas as medidas legais para garantir o julgamento.
A testemunha intimada que deixar de comparecer à sessão de julgamento,
em tese, comete crime de desobediência. Como o titular da ação penal é com exclusividade
o Ministério Público, impõe-se-lhe o dever de garantir por todos os meios – até como exercício de políticas de prevenção da criminalidade – o comparecimento das testemunhas, sobretudo as que tiver arrolado.
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É tempo de se deixar tudo ao alvitre do Poder Judiciário. Se a prova
interessa ao Ministério Público, convém que se movimente para garantir a sua realização e que não fique apenas na espera passiva de eventual comparecimento da testemunha ou do ofendido.
Como regra geral a ausência de testemunha não impede a realização
do julgamento, salvo se uma das partes requereu sua oitiva sob a condição de
imprescindibilidade em momento adequado, cabendo à parte que a arrolou indicar sua
localização. Pois bem, a regra prática dispõe que todas as testemunhas acabam sendo
arroladas sob esse caráter e, assim, julgamentos são adiados às toneladas todos os dias.
Não se vê em nenhum dispositivo legal onde está escrito que não sendo encontrada a
testemunha no local indicado para servir no julgamento seja intimada a parte que a
arrolou para indicar novo paradeiro. Ao contrário, está escrito que o julgamento será
realizado se não for encontrada onde se indicou (art. 461, § 2º, CPP, Lei n. 11.689/08).
Assim sendo, cada parte deveria agir com maior rigor na indicação dos endereços das
testemunhas, pois não há previsão nem de sua substituição (já que era imprescindível),
nem de segunda oportunidade caso não seja encontrada. A única hipótese em que se
facultava o adiamento, quando não fosse possível a condução coercitiva, era o caso da
testemunha que, intimada, deixa de comparecer à sessão de julgamento.
Do mesmo modo agora o acusado solto, devidamente intimado, que
deixa de comparecer ao julgamento seja ele defendido por advogado público ou particular. Esse será julgado à revelia independentemente da natureza do crime (art. 457, CPP,
Lei n. 11.689/08). Não há possibilidade de se protestar pela oportuna apresentação de
documento, quase invariavelmente falso, dando conta de algum impedimento do réu.
Tais justificações deverão previamente submetidas ao conhecimento do juiz presidente
e não no momento da sessão. Réu intimado que não comparece e nem justifica previamente será julgado à revelia. Mais do que isso, com tal comportamento evidencia que é
risco para a conveniência da instrução criminal e põe em risco a aplicação da lei penal,
sendo, praticamente, obrigatória a decretação de sua prisão se condenado, indeferindose-lhe o direito de recorrer em liberdade.
12. A cisão do julgamento pela recusa de jurados
Muito ao contrário da sistemática anterior onde a defesa impunha ao
Promotor de Justiça o direito e cindir o julgamento em caso de julgamento de mais de
um réu pelo mesmo crime e que praticamente estabelecia o direito ao julgamento individual, a nova sistemática muda completamente essa regra e estabelece o princípio as
unidade do julgamento.
No regime pretérito, uma vez que competia (compete) à defesa expressar com prioridade ao Ministério Público (única hipótese em todo o CPP em que a
defesa se manifesta antes do Ministério Público, salvo quanto às perguntas a testemunhas por ela arroladas) se aceitava ou não o jurado, havendo mais de um réu e mais de
um defensor, se esses não tivessem previamente incumbido apenas um deles da aceitação ou recusa dos jurados, permitia-se, quando um aceitava o jurado e outro o recusava, proceder-se a cisão do julgamento. Ao Promotor de Justiça, na prática, incumbia
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residualmente escolher qual dos acusados seria julgado pela concordância ou não a seguir
com a recusa do jurado.
Agora a situação é completamente diferente. Ao ser sorteado o jurado o
juiz indagará ao primeiro advogado de defesa se o aceita. Aceito, perguntará, ao segundo.
Aceito, perguntará ao terceiro, se houver e assim até se chegar, sempre se aceito, ao Promotor de Justiça. Ao contrário, se recusado pelo primeiro defensor, não se indagará do segundo
se o aceita ou se o recusa, posto que já fora recusado. Assim, quanto ao jurado recusado por
uma das partes, jamais se indagará ao Ministério Público se o aceita ou não. Como o Conselho de Sentença só pode ser composto por jurados aceitos, e como as partes tem número
máximo de recusas cada uma. Enquanto houver a possibilidade de se compô-lo com os
jurados remanescentes garantida estará a instalação do Júri. E há, ainda, uma hipótese suplementar da qual falarei em seguida.
Dentro desse quadro, supondo que o Promotor de Justiça não recuse nenhum jurado, ou seja, apenas aceite aqueles que forem sorteados e que lhe seja indagado sobre a
aceitação ou recusa, se estiverem presentes 16 (dezesseis) jurados, e sendo três os réus, ainda
que cada defensor recuse os número máximo legal cada um: 3 (três); ainda assim, poderão os três
réus ser julgados na mesma oportunidade, pois dos 16 (dezesseis) jurados presentes, 7 (sete)
ainda remanescerão para compor o Conselho de Sentença.
Por esse mesmo raciocínio, sempre que houver pelo menos o número
mínimo legal de jurados presentes, dar-se-á a sessão de julgamento sem cisão de pelo
menos dois acusados.
Se forem 19 (dezenove) os jurado presentes, até quatro réus poderão
ser julgados na mesma sessão; se forem 22 (vinte e dois), até cinco; e se forem 25 os
jurados presentes, seis réus poderão ser julgados sem a cisão de julgamento.
Essa regra é de simples constatação e deve impedir a todos custo o
Promotor de Justiça seja obstada, mesmo porque terá seu tempo acrescido e o da defesa
repartido. A vantagem é toda do Ministério Público, e portanto da sociedade, com o
julgamento coletivo dos acusados.
Haverá hipóteses em que algum(uns) do(s) réu(s) não será(ao)
julgado(s) na mesma sessão. Isso se dará quando o número de recusas impedir o resultado de 7 jurados aceitos pelas partes para compor o Conselho de Sentença. Nesse caso
dar-se-á a separação do julgamento. Veja-se a hipótese em que presentes 16 (dezesseis
jurados), também o Promotor de Justiça, além dos defensores, houverem recusado jurados e cujo número final dos restantes não chegue a sete, para a composição do Conselho
de Sentença. Aí, ao menos um dos acusados será julgado.
Veja o quadro:
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Defensor 2
Defensor 3
Promotor de
Justiça
Condição do
jurado
Jurado
Defensor 1
1
Recusa
Recusado
2
Recusa
Recusado
3
Recusa
Recusado
4
Recusa
Recusado
5
Recusa
Recusado
6
Recusa
Recusado
7
Recusa
Recusado
8
Recusa
Recusado
9
Recusa
Recusado
10
Recusa
Recusado
11
Recusa
Recusado
12
Recusa
Recusado
13
Aceito
14
Aceito
15
Aceito
16
Aceito
Na hipótese do quadro acima temos 4 jurados aceitos – até pela impossibilidade de recusa de outros pelas partes. Como se fará desse quadro um Conselho
com 7 jurados? Ora, a regra impõe que nenhuma parte é obrigada a ter jurado recusado
em seu Conselho de Sentença. O Ministério Público é parte obrigatória, então os jurados nºs 10, 11 e 12, estão excluídos do Conselho de Sentença.
Pois bem, como a Lei estabelece no art. 469, § 2º, CPP, critério obrigatório de precedência dos julgamentos, deve ser verificado em relação aos réus 1, 2 e
3, qual deles é o executor principal ou, em caso de co-autoria, qual deles se encontra
preso; dentre os presos, o que o está a mais tempo; em igualdade, os que foram eventualmente pronunciados em primeiro lugar (na remota hipótese de remembramento).
Suponha-se que seja o réu 1 o executor principal do crime ou o que
esteja preso e ainda há mais tempo. Esse então será obrigatoriamente julgado.
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Assim, estarão dispensados da formação do Conselho de Sentença os
seguintes jurados: 1,2,3 (recusados por sua defesa), 10, 11 e 12 (recusados pelo Ministério Público). Obrigatoriamente comporão o Conselho de Sentença os jurados nºs 13,
14, 15 e 16. Faltam três jurados e há uma reserva de outros seis, recusados por outros
defensores. Assim, os jurados nºs 4, 5, 6, 7, 8 e 9 poderão integrar esse Conselho de
Sentença. Ora, é fácil observar que os quatro aceitos, mais os seis remanescentes, totalizam
10 jurados, três dos quais ainda poderão ser excluídos do Conselho de Sentença. Nessa
hipótese, tem-se a seguinte situação residual. Poderão ser julgados dois réus na mesma
sessão, excuindo-se apenas um deles pela recusa de jurados.
Como se chega a tal solução? Lendo-se o disposto no art. 469, § 1º,
CPP, Lei n. 11.689/08. Suponhamos que dos 3 réus a serem julgados apenas o de n. 3
esteja solto e o de n. 2, que está preso, seja o mandante do crime. Pela ordem do CPP o
primeiro a ser julgado seria o executor material, o autor, ou seja, o de n. 1. A seguir,
seria o que está preso, o de n. 2, e por fim o de n. 3, que está solto e não é o autor
principal. Ocorre que a conjugação dessas regras com a do § 2º do art. 469, permite que
sejam julgados dois réu no primeiro julgamento pela soma de recusas e número de
jurados. Assim, serão julgados os réus nºs 1 e 2 (autor principal e mandante preso) com
os seguintes jurados na composição do Conselho de Sentença: 7, 8, 9, 13, 14, 15 e 16.
O quadro correto, se se considerar as peculiaridades das diferentes
situações de acusados (autor material e partícipe; preso e solto) deve ser montado da
seguinte forma para controle do Promotor de Justiça e do Juiz Presidente, vejamos
outro exemplo:
Partícipe preso
Partícipe solto
Promotor de
Justiça
Condição do
jurado
Jurado
Autor preso
Autor solto
1
Aceito
Recusado
2
Aceito
Aceito
3
Aceito
Aceito
Aceito
4
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
Recusado
5
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
6
Recusado
Recusado
Aceito
Aceito
Recusado
Recusado
7
Aceito
Aceito
8
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
9
Aceito
Aceito
Aceito
Recusado
10
Recusado
11
Aceito
Aceito
Recusado
12
Aceito
Aceito
Aceito*
Aceito
13
Aceito
Recusado
14
Recusado
15
Aceito*
Aceito
Aceito*
Recusado
16
Aceito*
Aceito
Aceito*
Aceito*
Recusado
17
Aceito*
Aceito
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito
18
Aceito*
Recusado
19
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito
20
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito
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Recusado
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Nessa hipótese, quem seriam os réus julgados? Veja-se que os jurados
marcados com (*) após o aceito significa dizer que foram implicitamente aceitos, pois
esgotadas as recusas das partes que eram legítimas de serem oferecidas. No caso tem-se
por jurados que obrigatoriamente comporão o Conselho de Sentença os seguintes: 5, 8,
17, 19 e 20, aceito pelas por todas as partes.
Como é impossível serem julgados todos, pelas recusas exercidas,
deverá ser julgado obrigatoriamente o autor preso, por dupla disposição legal. Assim,
completando o quadro, temos, considerado que os jurados recusados pelo Promotor
não poderão compor o Conselho e nem os jurados recusados pelo autor preso:
Autor solto
1
Aceito
Recusado
2
Aceito
Aceito
Recusado
3
Aceito
Aceito
Aceito
4
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
Recusado
5
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
6
Recusado
7
Aceito
Aceito
Recusado
8
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
9
Aceito
Aceito
Aceito
Recusado
10
Recusado
11
Aceito
Aceito
Recusado
12
Aceito
Aceito
Aceito*
Aceito
13
Aceito
Recusado
14
Recusado
15
Aceito*
Aceito
Aceito*
Recusado
16
Aceito*
Aceito
Aceito*
Aceito*
Recusado
17
Aceito*
Aceito
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito
18
Aceito*
Recusado
19
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito
20
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito
136
Partícipe solto
Condição do
jurado
Autor preso
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Partícipe preso
Promotor de
Justiça
Jurado
Recusado
Recusado
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Os jurados 4,6, 10, 12, 14 e 16 estão definitivamente excluídos da
Composição do Conselho, pois recusados pelo Promotor de Justiça e pela defesa do réu
com prioridade para julgamento.
Como já existiam 5 jurados que comporiam o Conselho de Sentença,
remanescem agora outros que poderiam integrar, em tese o Conselho se apenas esse
réu, o autor preso fosse ser julgado; seriam eles os seguintes: 1, 2, 3, 7, 9, 11, 13, 15 e
18. Ou seja, cinco iniciais mais nove remanescentes, soma de catorze jurados. Fácil
perceber que é possível, então, julgar-se um segundo réu na mesma sessão. Qual seria
esse? Pelo teor do art. 469, § 2º, CPP, ainda o que for autor, independentemente de se
encontrar preso ou solto, portanto o segundo réu (autor solto).
Em relação a esse acusado no quadro que foi elaborado ter-se-á agora
a seguinte situação, uma vez que também não poderão compor o Conselho de Sentença
os jurados por ele e sua defesa recusados:
Jurado
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Partícipe preso
Partícipe solto
Promotor de
Justiça
Autor preso
Autor solto
1
Aceito
Recusado
2
Aceito
Aceito
Recusado
3
Aceito
Aceito
Aceito
4
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
Recusado
5
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
6
Recusado
Condição do
jurado
Recusado
Recusado
Recusado
Recusado
Aceito
Recusado
7
Aceito
Aceito
Recusado
8
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
Recusado
9
Aceito
Aceito
Aceito
Recusado
10
Recusado
Aceito
Aceito
Recusado
11
Aceito
Aceito
Recusado
12
Aceito
Aceito
Aceito*
13
Aceito
Recusado
14
Recusado
Recusado
Aceito
Recusado
Recusado
Recusado
Recusado
15
Aceito*
Aceito
Aceito*
Recusado
16
Aceito*
Aceito
Aceito*
Aceito*
Recusado
17
Aceito*
Aceito
Aceito*
Aceito*
Aceito*
18
Aceito*
Recusado
19
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito
20
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito
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Recusado
Aceito
Recusado
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Estão recusados pelas partes (autor preso, autor solto e Promotor de
Justiça) os jureados nºs: 1, 4, 6, 10, 12, 13, 14, 16 e 18 (nove jurados); estão aceitos os
jurados nºs. 5, 8, 17, 19 e 20 (cinco jurados). Como eram vinte os presentes, nove os
recusados, sobraram onze jurados, mais do que suficiente para compor o Conselho, vêse, assim, que talvez seja possível julgar-se não apenas dois, mas três os réus naquela
oportunidade. Isso porque aos cinco não recusados por parte alguma bastam serem
acrescidos outros dois para a composição do Conselho de Sentença. Qual seria então,
pela o terceiro réu a ser julgado? Aquele que segundo a regra do art. 429, CPP estiver
preso. Assim, o partícipe preso será o terceiro escolhido legal para julgamento naquela
sessão. O quadro então passa a ter a seguinte estrutura, uma vez que também deverão
ser excluídos os jurados recusados por sua defesa:
Jurado
Autor preso
Autor solto
1
Aceito
Recusado
Partícipe preso
Partícipe solto
Promotor de
Justiça
Condição do
jurado
Recusado
2
Aceito
Aceito
Recusado
3
Aceito
Aceito
Aceito
Recusado
Recusado
4
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
Recusado
5
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
6
Recusado
Recusado
Aceito
Recusado
7
Aceito
Aceito
Recusado
8
Aceito
Aceito
Aceito
Aceito
9
Aceito
Aceito
Aceito
Recusado
10
Recusado
11
Aceito
Aceito
Recusado
12
Aceito
Aceito
Aceito*
13
Aceito
Recusado
14
Recusado
15
Aceito*
Aceito
Aceito*
Recusado
16
Aceito*
Aceito
Aceito*
Aceito*
Recusado
17
Aceito*
Aceito
Aceito*
Aceito*
Aceito*
18
Aceito*
Recusado
19
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito
20
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito*
Aceito
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Recusado
Aceito
Aceito
Recusado
Recusado
Aceito
Recusado
Recusado
Recusado
Recusado
Recusado
Aceito
Recusado
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Somam-se às recusas anteriores as dos jurados de nºs 2, 7 e 11. Para
o Conselho de Sentença remanescem, pois os jurados seguintes: 5, 8, 17, 19 e 20, aceitos por todos e os de nºs 3, 9 e 15, que foram recusados exclusivamente pelo quarto réu.
Como se dará então a composição do Conselho de Sentença? Duas hipóteses de interpretação se abrem: a primeira com exclusão dos jurados aceitos por todas as partes e
verificação simples dos sete primeiros sorteados que não tiverem sido recusados pelas
partes remanescentes; a segunda, com a fixação dos cinco aceito por todos acrescidos
dos dois primeiros sorteados não recusados por essas mesmas partes. Parece complexo,
e talvez seja. Pior, a lei não disciplinou como se proceder.
Na primeira hipótese o Conselho seria formado pelos seguintes jurados: nºs 3, 5, 8, 9, 15, 17 e 19.
Na segunda hipótese o Conselho seria formado pelos seguintes jurados: nºs. 5, 8, 17, 19, 20, 3 e 9.
Pode parecer pouco, mas essa diferença de dois jurados de uma lista
para outra na Composição do Conselho pode ser objeto de muita discussão e causa de
muita nulidade. Arrisco a minha solução. No silêncio da Lei e por não se saber de antemão quantos jurados cada parte irá recusar (no caso em debate, se o Promotor de Justiça não tivesse se utilizado de sua faculdade de recusar jurados, os quatro seriam julgados de uma só vez), uma vez que todas as partes tenham aceitado o jurado o mesmo
deve ser convidado pelo Juiz Presidente a integrar o Conselho de Sentença, tomando
assento e isso, a meu ver, é definitivo. Jurado aceito por todos, não importa se por
defesa de quem sequer será julgado, uma vez aceito por todos, comporá o Conselho de
Sentença. As vagas remanescentes é que derivarão do descarte da recusa daquele acusado que não será julgado, por isso, entendo que os dois primeiros recusados apenas pelo
quarto réu é que servirão para compor o Conselho de Sentença.
Embora esteja convencido dessa lógica, é certo que muitas argüições
de nulidade serão produzidas por deficiência da lei.
13. Da instrução em plenário
Há aparente distinção entre o que se preconiza para a instrução em
plenário e a da fase sumária do Júri. Em plenário, dispõe o art. 473 que, o juiz presidente, o Ministério Público, o assistente , o querelante e o defensor tomarão sucessiva e
diretamente as declarações do ofendido e inquirirão as testemunhas arroladas pela acusação. Na fase do sumário, consoante o art. 212 e seu parágrafo único, CPP, Lei n.
11.690/08, que afirma que as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à
testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem
relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida e que sobre
pontos não esclarecidos o juiz poderá complementar a inquirição.
Ao contrário do fanatismo de alguns colegas, encontro-me longe de
acreditar que a lei pretendeu retirar do juiz a prerrogativa de inquirir a testemunha antes
mesmo de quem a arrolou. Isso fere completamente o sistema e os princípios da livre
apreciação da prova e busca de verdade real. O juiz continua sendo o destinatário da
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prova e, portanto, impossível privá-lo dos poderes que lhes são próprios, dentre os
quais, o da inquirição de testemunhas e requisição de provas em nome do princípio da
busca da verdade real.
Se havia alguma dúvida quanto a isso na instrução, espancada foi
com a expressa determinação na sessão de julgamento e cujos efeitos devem se
estender para todo o processo.
É absurda a disposição legal do art. 474, § 1º, que faculta ao Promotor de
Justiça formular perguntas ao acusado antes de seu defensor. Se se trata de ato de defesa,
não há razão para que não se seguisse a fórmula da inquirição de testemunhas de defesa.
Deve atentar o Promotor de Justiça para o disposto no art. 474, CPP
ao determinar que a inquirição do réu dar-se-á em seguida à instrução em plenário, ou
seja, sem intervalos para orientação técnica de seu defensor, de modo a garantir mais
apropriadamente a busca da verdade real.
14. Dos debates
Várias alterações também em relação aos debates. Tem por limite o
disposto na pronúncia ou decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. Ridiculamente, como, aliás, muito na fase de debates, um dos menos elogiáveis trechos da
reforma, não poderão as partes referir-se à sentença de pronúncia ou decisões posteriores que a tornaram admissível como argumento de autoridade. Então, pergunta-se, por
que o art. 472, parágrafo único, manda entregar cópias dessas peças aos jurados?
Não se sabe ao certo como será interpretada a cláusula do art. 479,
parágrafo única, mais elástica do que a anterior 475, que tanto exige agora a antecedência de 3 dias úteis para a juntada de documentos, quanto alargamento do rol do que se
contém na proibição: exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato
submetida à apreciação e julgamento dos jurados. Isso porque, cada vez mais freqüente
a utilização de recursos áudio-visuais nas sessões de julgamento (data-show e outras
possibilidades), acaso isso se acha vedado de ser utilizado? Absolutamente não, desde
que o material utilizado para a apresentação esteja todo ele presente nos autos e diga
respeito à matéria de fato submetida á apreciação dos jurados.
Cabe aqui ressalva, para mim, digna de importância. O que é “matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados”? Ora, é o próprio
fato típico de que trata a acusação, sobre o que mais julgam os jurados? Assim
sendo, tudo quanto não disser respeito à matéria de fato submetida à apreciação e
julgamento dos jurados escapa da necessidade de ser apresentado com três dias
úteis de antecedência ao julgamento. Por exemplo, antecedentes do acusado ou de
testemunhas de defesa não podem ser considerados “matéria de fato submetida à
apreciação e julgamento dos jurados”. Doutrina, jurisprudência, estatísticas, leis,
mapas, estudos, perfis, etc. que não digam respeito a matéria de fato submetida à
apreciação e julgamento dos jurados” podem ser apresentados no momento da sessão de julgamento sem que isso dê causa a nulidade alguma.
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15. Do questionário e sua votação
Não estou completamente convencido de que houve tão radical alteração da sistemática dos quesitos quanto alguns mais afoitos estão a sugerir, praticamente predizendo o dia do juízo final, literalmente, em matéria do júri por força dos
questionários que, doravante favorecem irresponsavelmente aos acusados. Não li dessa
forma e me parece que há suficientes argumentos em contrário.
Sei que a idéia a seguir é polêmica, mas leitura atenta do disposto no
art. 482, parágrafo único, cobre de razões o argumento a seguir apresentado. Sob o
manto de aparente simplificação dos questionários para diminuir dramaticamente as
fontes de nulidade de julgamentos é preciso descortinar algumas situações especiais.
Se por um lado é certo que os jurados deverão ser consultados sobre
matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido (art. 482, CPP, Lei n. 10.689/08), por
outro permanece em vigor o recurso de apelação quando a decisão dos jurados for
manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, III, d, CPP). Assim, se a defesa
apresentar uma única tese, nada impede que seja consultado o Conselho de Sentença
uma única vez sobre tal, respondendo simploriamente se o réu deve ser absolvido ou
condenado em função daquele argumento que constará de ata. Uma tese, um quesito e
quanto a isso é assunto encerrado.
Outra coisa, muito diferente, prende-se à necessidade de se indagar
aos jurados se o réu deve ser absolvido ou condenado uma única vez quando duas, três
ou até mais teses são apresentadas aos jurados em atividade naturalmente permitida à
defesa, mas que exige controle pelo Juiz Presidente para garantir a verdade dos veredictos . Veja-se um exemplo:
A defesa sustenta que o réu agiu em legítima defesa própria; em legítima defesa de terceiro; em legítima defesa putativa (erro plenamente justificado pelas
circunstâncias fáticas); e, por fim, inexigibilidade de conduta diversa (causa supralegal
de exclusão do crime). Imagine-se que cada uma dessas causas contaria com apenas um
voto de um jurado diferente a cada vez que se perguntasse se estavam presentes as
causas alegadas pela defesa. Ora, o que em quatro vezes seriam 6x1 votos pela negativa
e a conseqüente condenação do réu, se englobado, ter-se-á 4x3 pela afirmativa absolutória
sem que se saiba qual a tese apreciada. Como então se recorrer de tal absurdo?
Por isso, sem incorrer em tecnicismos, apenas colocando entre parênteses ao final de cada quesito, sem aprofundar absolutamente nada, mas apenas para
ressaltar qual a tese que está sendo apreciada, deve o Juiz Presidente indagar quatro
vezes (no exemplo) se o júri absolve ou condena o réu.
Não se perca de vista que os quesitos serão redigidos em proposições
afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com
suficiente clareza e necessária precisão. Isso é o que está expresso no art. 482, parágrafo único, CPP, Lei n. 10.589/08. Se os jurados serão questionados sobre matéria de fato
e se o acusado deve ser absolvido (art. 482, caput, CPP, Lei n. 10.689/08), mas também
por meio de quesitos redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas
distintas, de
modo que cada um possa ser respondido com suficiente clareza e necessária preci-
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são
são, para cada tese de defesa um quesito deve ser formulado para que seja indagado ao
jurado em razão da tese se o réu deve ser absolvido.
Uma coisa é a simplificação da votação, outra é a supressão das indagações sobre as teses de defesa. A primeira foi contemplada, a segunda não. Assim
sendo, o § 2º do art. 483, CPP, Lei n. 10.689, deve ser lido em função do número de
teses apresentadas pela defesa. Essa parece ser a interpretação que pela sistemática
deve prevalecer, do contrário, jamais se garantirá o primado da justiça e se permitirá que
da sessão de julgamento se faça uma oficina de delírios com pluralidade de teses e
argumentos escapistas para toda sorte de delinqüentes.
Alguns outros problemas estão em clara evidência. Terá, por acaso a
reforma do CPP revogado o excesso na legítima defesa? Ora, é claro que não. E como
o mesmo será questionado aos jurados? Como poderá ser reconhecido pelo juiz? Continuo a defender que por meio de proposição simples deva se indagar do jurado, nos
mesmos moldes que se faz atualmente, logo depois de se ter a votação pela “absolvição”
no caso de tese de legítima defesa. Aí, no quarto quesito, desde que tenha sido apresentada pelo Promotor de Justiça ou pela defesa a existência de excesso, após o júri afirmar
que absolve o réu pela legítima defesa, ou seja, a reconhece como procedente, dele se
indagaria sobre as modalidades de excesso sustentadas pelas partes. De outro modo,
terá desaparecido para sempre do cenário do crime de homicídio o excesso na legítima
defesa, sobretudo o culposo, o que seria completo absurdo e rematada injustiça.
16. Conclusão
Certo de que muitas outras questões virão tumultuar as primeiras experiências, espero ter contribuído para a visão do Ministério Público sobre a reforma do
Tribunal do Júri.
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O TRIB
UN
AL
TRIBUN
UNAL
DO JÚRI
NA REFORMA
OCESSO
PROCESSO
DO PR
PENAL
PLÍNIO ANTÔNIO BRITTO GENTIL
Procurador de Justiça no Estado de São Paulo
Professor universitário, doutor em Direito Processual Penal
(PUC-SP)
Pesquisador em Direito e Educação (UFSCar)
Foi promotor do 1º Tribunal do Júri, em São Paulo
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O TRIBUNAL DO JÚRI NA REFORMA DO
PROCESSO PENAL
Plínio Antônio Britto Gentil1
Palavras-chave
Palavras-chave: júri, processo penal, reforma
Introdução
Com a edição de um verdadeiro “pacote” de reformas do processo
penal brasileiro, o procedimento relativo à instrução e julgamento dos crimes de competência do tribunal do júri sofreu especial impacto, decorrente das múltiplas alterações
nele introduzidas pela nova legislação, no caso representada pela Lei n. 11.689/08.
Assim é que essa tradicional instituição, que materializa direito individual previsto constitucionalmente, teve seus contornos consideravelmente modificados. As reformas apresentam uma nítida tonalidade simplificadora, pretendendo, não
sem uma dose de razão, agilizar o procedimento do júri. Para tanto foram dele excluídos
institutos conhecidos, como o libelo e o protesto por novo júri. Também se determinou
um encurtamento do questionário submetido aos jurados, com o que se procurou terminar de vez com a perplexidade às vezes provocada pela dificuldade de compreensão de
quesitos muito numerosos referentes a uma só tese.
A reforma de leis mostra-se freqüentemente problemática, face à natural incompatibilidade que costuma surgir entre um dispositivo novo e outro antigo,
conservado vigente. O objetivo do intérprete é apenas o de apontar o possível caminho
para a aplicação prática da norma, não descurando de procurar detectar as principais
conseqüências que a nova legislação traz, com os inevitáveis problemas e vantagens
dela advindos.
Claro que somente o tempo de efetiva aplicação dessas normas, com
o polimento que a doutrina e a jurisprudência trouxerem, será capaz de indicar o caminho mais adequado para a estabilização de seus dispositivos. Este trabalho se propõe
apenas a ser mais uma contribuição, dentre tantas e tão abalizadas, para trazer à luz os
principais aspectos em que a reforma atingiu o procedimento do júri.
1
Procurador de Justiça no Estado de São Paulo, professor universitário, doutor em Direito Processual
Penal (PUC-SP), pesquisador em Direito e Educação (UFSCar), afiliado à ABEDi, ao CONPEDI, ao
Instituto O Direito por um Planeta Verde e ao Movimento do Ministério Público Democrático. Foi
promotor do 1º Tribunal do Júri, em São Paulo.
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1. O júri no direito brasileiro: um procedimento escalonado
O tribunal do júri, com a natureza e forma que tem hoje, significa,
entre outras coisas, o resultado da imposição de nobres ingleses, no século XIII, ao
soberano conhecido como João sem terra, o qual, politicamente enfraquecido nesse
momento, viu-se forçado a aceitar que fossem aqueles julgados por outros nobres – e
não mais por juízes que agiam por ordem direta do próprio rei.
De toda forma, a transformação do júri em órgão natural de apuração
de crimes e de seu julgamento, não só para a nobreza, mas para todos, é algo que parece
bem posterior. Essa popularização do júri vem na seqüência da ruptura, ocorrida por
força dos ideais iluministas, com o sistema inquisitório que imperava no processo penal.
Conforme anota GOMES FILHO,2 foi uma lei de setembro de 1791, promulgada pela
Assembléia Constituinte francesa, reorganizando a justiça criminal, que assentou as bases daquilo que se converteria no tribunal do júri como é conhecido hoje no universo
jurídico do Ocidente.
O procedimento desse órgão significa um rompimento também com o
sistema das provas legais – muitas vezes materializado no emprego das ordálias, ou
juízos de Deus – permitindo aos julgadores formar sua convicção livremente e, além
disso, não precisar indicar os motivos dessa convicção.
Não adotado, ou adotado parcialmente, pelos diversos sistemas judiciários do mundo ocidental, o tribunal do júri é instituição tradicional do direito brasileiro, tendo sido positivado, como narra ESPÍNOLA FILHO,3 por lei colocada em vigor
em junho de 1822 e tendo competência para julgamento dos crimes de imprensa. A
Constituição do Império, dois anos depois, a inclui entre os órgãos do Poder Judiciário,
determinando que sua competência seria civil e criminal. Atualmente, o tribunal do júri é
reconhecido no capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos da Constituição
Federal, o que sinaliza a opção do legislador constituinte em privilegiar o seu papel de
direito fundamental, antes que de órgão do sistema judiciário.
Sujeito ao comando constitucional, nosso Código de Processo Penal
determina o procedimento que adota a apuração judicial e o julgamento dos delitos
contra a vida cometidos dolosamente – que são o homicídio, o aborto, o infanticídio e a
participação em suicídio. Cuida-se, como é sabido, de um rito escalonado, em que se
apresentam em momentos distintos o judicium accusationis e o judicium causae.
2. O judicium accusationis
accusationis:: início do procedimento
O juízo é provocado através do oferecimento da denúncia ou da queixa
– peças inaugurais da ação penal. Segue-se o possível recebimento da inicial
inicial, sendo, a
2
3
Direito à prova..., 1997.
Código..., 1965.
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propósito, caso de considerar a hipótese de que ela seja apenas parcialmente recebida. Um
exemplo seria uma denúncia atribuindo ao acusado um homicídio qualificado, recebida unicamente como acusação de homicídio simples, excluída a qualificadora pelo juiz. Embora se
cuide de fato incomum, não há razões sérias para afastar essa possibilidade, considerando
que, se o magistrado pode receber a denúncia totalmente, ou rejeitá-la, também por inteiro,
pode igualmente adotar postura intermediária, aceitando-a somente naquilo que, segundo
sua avaliação, tem apoio nos elementos trazidos aos autos. Claro que, insatisfeito o promotor, estaria para ele aberta a via do recurso em sentido estrito, fundado no que dispõe o art.
581, I, do Código de Processo.
Vai nessa linha o magistério de MARCÃO, ao apontar os ônus suportados por quem seja acusado de crime, enfim concluindo, com apoio em julgados de
tribunais superiores, que
diante de tais repercussões, que são graves, se houver descompasso entre a
prova apresentada com a denúncia ou queixa e a conclusão do autor da
ação penal exposta no requisitório inicial, a intervenção judicial visando
ajustar os limites da acusação, já no primeiro despacho, será de rigor.4
Recebidas, enfim, a denúncia ou a queixa e sendo mandado citar o denunciado, tem início o procedimento que poderá culminar com o julgamento por um colegiado
popular. É a partir desse instante inicial que vão incidir as novas normas processuais, fruto da
Lei n. 111.689/08
1.689/08
1.689/08, que dão novo formato ao procedimento do júri.
De fato, o art. 1º dessa lei dispõe que o Capítulo II do Título I do Livro II do
Código de Processo Penal passa a vigorar com a redação que lhe é dada a seguir. Esse capítulo
passa a ser denominado DO PROCEDIMENTO RELATIVO AOS PROCESSOS DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI, nomenclatura que indica o assunto objeto do referido
capítulo. O procedimento do júri segue no bojo do Título I do Livro II (DO PROCESSO COMUM), classificando-se então como comum
comum, ainda considerando que os processos especiais
são objeto e nome do Título II e que, segundo a nova redação do art. 394, caput, do CPP, “o
procedimento será comum ou especial”.
A primeira novidade é que o art. 406, na sua nova redação, deixa de
representar a continuação das normas gerais sobre instrução criminal do procedimento
comum (objeto do Capítulo I), quando então se referia às alegações finais da fase do
judicium accusationis.5 O novo art. 406 agora disciplina o início de todo o procedimento do judicium accusationis – não apenas a sua fase final; vale observar que o artigo
anterior, o 405, contém regras concernentes às últimas providências do procedimento
ordinário; o procedimento dos crimes de competência do júri já não tem uma relação
necessária com as normas dos dispositivos anteriores, considerando que é a partir do
4
Tóxicos, 2005, p. 647.
Que, ao revés dos demais procedimentos, não visa convencer o juiz em prol de uma condenação ou
uma absolvição (salvo o caso da absolvição sumária).
5
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art. 406 que começa a ser delineado esse procedimento por inteiro, desde o recebimento da
denúncia ou da queixa.
Vê-se que esse dispositivo fala de passagem do recebimento da inicial
acusatória, para em seguida mencionar a citação do acusado. Mas convém não esquecer que
o recebimento da denúncia ou da queixa está sujeito às mesmas condições atuais, como
consta do art. 41 do CPP, que não foi revogado, e sua rejeição segue, agora, os parâmetros
estipulados pela nova redação do art. 395 (por força da Lei n. 11.719/08); contra decisão
que deixa de receber a inicial, total ou parcialmente, cabe recurso em sentido estrito, enquanto que o seu recebimento segue sendo irrecorrível, salvo hipótese de ilegalidade sanável por
meio de habeas corpus.
3. A citação e a resposta do réu
Uma vez recebida a denúncia ou a queixa, porque presentes as condições da ação, os pressupostos processuais e porque se cuida de peça apta e assentada
em justa causa (conclusão obtida a contrario sensu do mencionado art. 395, em sua
nova redação), o juiz, de acordo com o art. 406, ordenará a citação do acusado para, no
prazo de dez dias, responder por escrito à acusação.
De novo é preciso considerar as modificações introduzidas no Códicerta na nova
go pela Lei n. 11.719/08, em especial a que introduz a citação por hora certa,
redação do art. 362, cabível quando o réu se oculta para não ser citado. Cuida-se de
reprodução de instituto do direito processual civil, havendo mesmo referência expressa
ao CPC no corpo do novo art. 362, para indicação da forma a ser obedecida por essa
modalidade de citação.
Para essa resposta à acusação tem o réu o prazo de dez dias, contados
“a partir do efetivo cumprimento do mandado” (art. 406, § 1º), norma que não deixa
margem para discutir a possibilidade de se iniciar a contagem da data de juntada aos
autos do mandado cumprido. Tal prazo também pode ter o seu termo inicial no dia em
que o acusado, não citado válida e pessoalmente, ou seu defensor constituído, compareçam em juízo e – conquanto isso não esteja expresso no texto legal – assim tomem
ciência formal da acusação.
Na hipótese de citação por edital
edital, subsistem as regras do atual art. 366
do CPP, que segue vigente; assim, nesse caso, não comparecendo o réu, nem constituindo
defensor, de molde a tomarem, um ou outro, ciência formal da acusação, “ficarão suspensos
o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos
termos do disposto no art. 312.”6
Essa resposta à acusação, ocorrida quando o juiz já recebeu a denúncia
ou a queixa, configura uma espécie de contestação, se feito um paralelo com o processo civil
e se analisada a amplitude que o art. 406, § 3º, lhe sugere. É diferente de uma defesa prelimi6
O art. 312 do CPP não foi alterado pelo “pacote” de reformas.
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nar, como ocorre, por exemplo, no procedimento para apuração do tráfico de entorpecentes, definido na chamada Lei de Drogas, quando somente após a resposta do acusado é que
o juiz decidirá sobre o recebimento ou a rejeição de denúncia. Mas lá e aqui a amplitude da
resposta é praticamente a mesma, verificando-se considerável semelhança na redação dos
artigos 406, § 3º (novo), do CPP, e o 55, § 1º, da Lei n. 11.343/06.
Parece o legislador ter pretendido que a resposta do réu seja mais do que
a antiga defesa prévia, que chamava de alegações escritas, prevista no que era o art. 395 do
CPP, agora totalmente modificado. Mas o resultado prático disso não é expressivo, pois o
que o citado parágrafo terceiro do art. 406 contém são simples sugestões para a resposta do
réu, consistentes em providências que ele, na fase da anterior defesa prévia, também poderia
tomar, valendo notar que, além disso, o antigo art. 399 facultava ao acusado requerer, nesse
instante (o da defesa prévia), as diligências que julgasse convenientes. A amplitude dessa
expressão naturalmente abrangia a produção de prova documental e qualquer outra. Quanto
às preliminares, expressamente mencionadas no novo art. 406, § 3º, certamente também
estavam já admitidas, quando fosse o caso, no âmbito das antigas alegações escritas.
O mesmo se diga em relação à apresentação de documentos e justificações e à especificação das provas pretendidas. Quanto às justificações, SILVA as entende
como aquele conjunto de provas produzido no bojo de uma ação cautelar de justificação,
observando não haver sentido em o réu pedi-la, se na audiência (prevista pelo art. 411) terá
todas as condições de produzir suas provas.7
O que parece o dispositivo querer significar também é que o acusado
tem o prazo da resposta para dizer que provas pretende produzir na fase do judicium
accusationis – já que na fase posterior, em especial no julgamento em plenário, poderá
apresentar outras provas. Não se pense que tenha sido fixada uma nova regra de preclusão
relativamente ao que não for argüido nessa resposta. Quando em vigor o sistema da
defesa prévia, também se podia pensar numa preclusão relativamente ao direito de arrolar testemunhas ou de indicar diligências.
Mas, embora se costumasse entender que o rol da defesa somente
poderia ser apresentado com a prévia, a verdade é que, antes e agora, em virtude dos
princípios da ampla defesa, da busca da verdade real e da presunção de inocência, o juiz,
vislumbrando a possibilidade de que um elemento não indicado pela defesa possa produzir prova em favor do réu, devia e deve admitir a sua vinda aos autos.
O mesmo não vale para a busca pelo juiz de uma prova capaz de levar à
condenação. É que o processo penal brasileiro, especialmente com o formato moldado pela
Constituição de 1988, pródiga em lhe fixar princípios de natureza garantista, adotou definitivamente o modelo acusatório, isto é, o de uma acusação feita por um órgão e o julgamento
por outro, este último totalmente desvinculado da função de investigar. Resulta que o juiz, em
tal sistema, nada tem de comum com a figura de um inquisidor, que busca e obtém por seus
meios a prova de uma possível condenação e, em seguida, profere a sentença condenatória.
Não: ante a perspectiva de um elemento em prol da acusação, ele simplesmente o recebe
como o órgão acusador o apresenta, devendo, isto sim, explorar esse elemento em toda
a sua profundidade, mas nunca podendo se atirar na busca de outros, ainda que lhe
7
Reforma..., 2008.
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pareçam pertinentes. Não se cuida, evidentemente, de matéria pacífica, mas a discussão
sobre o limite dos eventuais poderes instrutórios do juiz tem se avolumado, havendo já
quem sustente que, em razão do perfil acusatório do nosso processo penal, que os artigos 209, caput, e § 1º, 234 e 242, do CPP, não foram recepcionados pela Constituição.8 Subscrevendo esses limites da atuação judicial na busca da prova acusatória, mas
não de defesa, está a opinião abalizada de Geraldo Prado.9
O que a nova lei faz, ainda, é fixar um momento específico para o juiz
ouvir a acusação sobre as preliminares e os documentos porventura apresentados pela defesa, na sua resposta, conforme consta do novo art. 409. Anteriormente não havia um momento especial para essa consulta, que então poderia ser feita a qualquer tempo, até e inclusive, na fase das alegações finais previstas pelo antigo art. 406. Observe-se que o texto
reformado não dispõe a respeito do momento em que o juiz decidirá sobre esses temas, o
que significa que o fará a qualquer tempo, até o ato final do judicium accusationis, ao
prolatar decisão de mérito sobre a causa.
O novo art. 408 determina a obrigatoriedade da apresentação da resposta do acusado, e, no caso deste não o fazer, por seu advogado, deverá o juiz nomear um
defensor para oferecê-la, no prazo de dez dias. Há, em relação à antiga defesa prévia, a
diferença de que esta era faculdade do réu, pelo menos quando tivesse advogado constituído, como rezava o art. 395, no qual se lia que “o réu ou seu defensor poderá...”. Flui da nova
redação que, esquecendo-se o juiz de nomear o defensor para o oferecimento da resposta,
ou o nomeado deixar, por qualquer motivo, de oferecê-las, haverá nulidade processual.
Já se viu que a reforma impõe ao juiz que, uma vez ofertada a resposta
do réu e desta resultarem a argüição de preliminares ou a juntada de documentos, ouça
a acusação no prazo de cinco dias. Como não há determinação de que o juiz decida
separadamente essas questões, depreende-se que ele poderá fazê-lo até o momento da
decisão de mérito.
O art. 410 do novo texto dispõe que o juiz, no prazo de dez dias, determinará a inquirição das testemunhas e as diligências requeridas pelas partes. Considerandose que será na audiência de inquirição das testemunhas que as partes farão suas alegações
finais, fica evidente que, se o juiz mandar realizar as diligências no décimo dia, a audiência
somente poderá ocorrer depois que o resultado das diligências tiver vindo aos autos, o que
significará que o prazo de dez dias, nessa hipótese, não correrá igualmente para a efetivação
das diligências e para a inquirição das testemunhas. Mesmo porque pode acontecer de essa
inquirição estar condicionada ao que resultar das diligências. A conseqüência é que, em casos
assim, o juiz forçosamente ultrapassará os dez dias com relação à audiência, podendo-se
antecipar o possível entendimento de que, quando isso ocorrer, terá o magistrado, após a
conclusão das diligências, um novo prazo de dez dias para a realização da audiência.
8
9
É o caso de L. G. Grandinetti Castanho de Carvalho, em Processo penal e Constituição, 2006, p. 171.
Cf. Sistema acusatório.
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4. A audiência
O novo art. 411 trata do que alguns estão chamando de a super-audiência: um ato em que, a um só tempo, será ouvido o ofendido, se possível, serão inquiridas
testemunhas de acusação e de defesa, tomados esclarecimentos dos peritos, procedidas as
acareações, feito o reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se o réu, seguindo-se
os debates e se proferindo a decisão. Cuida-se mesmo de pretensão otimista do legislador,
que somente se concretizará nos casos em que não faltar uma testemunha imprescindível, não
houver questões de alta indagação, em que o réu preso for apresentado no horário (se não
tiver manifestado o desejo de não comparecer) e em que, enfim, se somar uma série de
circunstâncias favoráveis, que a prática forense diariamente demonstra serem extremamente
improváveis.
Chama a atenção a menção do texto ao reconhecimento de pessoas ou
coisas. Referir-se expressamente a esse meio de prova pode significar que a nova norma
pretenda, na audiência, um ato formal de reconhecimento, com as providências que o art.
226 do CPP, com a ressalva do seu parágrafo único, determina. Note-se que os réus, normalmente, já são submetidos a um reconhecimento informal nas audiências, daí a possibilidade de que a
previsão expressa queira representar a necessidade de um ato formal.
A audiência será também o momento em que, vislumbrando-se da
análise das provas a possibilidade de nova definição jurídica do fato em virtude de circunstância não contida na inicial acusatória, o Ministério Público deverá aditar a denúncia, oralmente, ou por escrito, no prazo de cinco dias. Discordando juiz e promotor
acerca da necessidade de aditamento, proceder-se-á de acordo com o art. 28 do CPP,
remetendo aquele os autos ao Procurador-Geral de Justiça para decisão. Cuida-se do
instituto da mutatio libelli, agora regulado pela nova redação dada ao art. 384, que
inova ao determinar o aditamento mesmo que a nova definição jurídica do fato não
acarrete aplicação de pena mais grave, como era o sistema do anterior art. 384. A modificação encerra a possibilidade de que o juiz decida impor uma decisão contra o réu sem
base numa imputação formulada contra este pela acusação.
Há que distinguir, porém, a hipótese prevista nesse artigo - o revogado e o vigente - daquela em que a prova nova se refere a fatos, ainda que implicitamente,
já descritos na inicial, daí decorrendo uma nova definição jurídica já contida em parte na
imputação que ali foi feita, implicando no reconhecimento de um crime de menor gravidade, fenômeno que GRECO FILHO chama de desclassificação, ajuntando o seguinte:
Fato contido implicitamente na denúncia ou queixa significa a circunstância de fato que, apesar de não referida verbalmente na peça
inicial, é compreendida nos conceitos nela expressos. Assim, por exemplo, se a denúncia imputa matar, implicitamente está imputando causar lesão corporal; ou, se descreve subtrair para si coisa alheia, está
implicitamente também afirmando causar prejuízo a outrem, e assim
por diante. Nesses casos não há necessidade de se adotar o procedimento do art. 384, porque o acusado, ao se defender do que está explícito, também se defende do que está implícito.10
10
Manual, 1999, p. 329.
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A necessidade de aditamento, trazida pela reforma também aos casos em
que, ante a demonstração de fatos não contidos na inicial (como disposto no novo art. 384),
não resulte aplicação de pena mais grave
grave, já tem merecido qualificação de inconstitucional.
Assim sentenciou o juiz federal Ali Mazloum, declarando incidentalmente “a
inconstitucionalidade da nova regra do caput do artigo 384 do CPP [...]”:
A nova regra processual pretende submeter o juiz, no ato da sentença
sentença, à
vontade de outro órgão. A violação ao artigo 2º da Constituição Federal
Federal,
é frontal, não devendo ser aplicada a nova regra do artigo 384 do CPP na
desclassificação do delito para outro de igual ou menor gravidade
gravidade.11
O art. 411 prevê também a condução coercitiva de quem deva comparecer. Importa observar que sujeitos à condução coercitiva, no processo penal,
estão o ofendido, as testemunhas e os peritos, na forma dos arts. 201, § 1º (com sua
nova redação), 218 e 278. Note-se que, embora não se trate propriamente de condução coercitiva, a apresentação do réu preso não será obrigatória se ele e seu
defensor houverem formalizado pedido de dispensa
dispensa, cabível na fase do julgamento
em plenário, por força do novo art. 457, e naturalmente também, por extensão, na
audiência do judicium accusationis.
De resto, a possibilidade dada ao juiz de que profira sua decisão no
prazo de dez dias, ao invés de fazê-lo na própria audiência, conforme reza o § 9º, tende
a se transformar na regra geral, ante a óbvia sobrecarga das pautas das varas criminais,
especialmente a partir da aplicação prática dos novos dispositivos, que procuram concentrar na tal super-audiência todos os atos instrutórios. Cuida-se, fora de dúvida, de
providência inspirada nas melhores intenções e tendente a prestigiar a natural oralidade
que deve caracterizar qualquer processo, mas de complexa implantação.
É válido indagar da vigência nesse caso do princípio da identidade
física do juiz,
juiz agora trazido ao processo penal pelo novo art. 399, § 2º, do CPP. Tratase de norma disciplinadora do procedimento comum, no qual está incluído o rito do júri,
e que, mesmo nos procedimentos especiais, tem aplicação subsidiária, por força do
novo art. 394 § 5º. Além disso, o procedimento aplicável à apuração dos crimes de
competência do júri, na fase do judicium accusationis, tem a natureza de um rito em
grande parte assemelhado àquele da alçada do juízo singular, aqui também valendo a
conveniência de que o juiz que presidiu a colheita de provas seja o mesmo que profere a
decisão. Portanto, a conclusão mais acertada parece ser a de que tal princípio vigora,
sim, nessa fase do procedimento do júri, claro que com as ressalvas razoáveis previstas
pelo art. 132 do Código de Processo Civil, cuja aplicação supletiva é, nessa hipótese,
inteiramente cabível.12
11
Sentença datada de 27/ago./2008, no proc. n. 2005.61.81.009766-6, da 7ª Vara Criminal de S. Paulo.
Grifos no original.
12
Dispõe o art. 132 do CPC: “O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se
estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que
passará os autos ao seu sucessor”.
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A previsão do novo art. 412 de que toda a fase do judicium accusationis
esteja terminada no prazo de noventa dias surge com ares de uma outra norma
programática da reforma, aliás amparada no que dispõe o art. 5º, LXXVIII, da Constituição. Mas ela pode, na verdade, produzir efeitos jurídicos relevantes, como, por exemplo, a necessidade de colocar em liberdade o réu preso caso o procedimento não esteja
concluído nesse lapso. Note-se que o dispositivo do art. 412 não fala em término da
instrução, mas em conclusão do procedimento, o que supõe a prolação de decisão judicial. Diante do possível argumento da acusação de que isso não é direito subjetivo do
réu, se deve ponderar que o juiz, ao proferir a decisão, deverá resolver sobre a manutenção ou revogação da prisão ou medida restritiva de liberdade a que estiver aquele submetido (art. 413, § 3º, em sua nova redação).
Vale observar, ainda, que, tratando-se de prazo para o fim do procedimento, esse período poderá não coincidir com o tempo pelo qual o acusado estiver
preso. A acusação talvez argumente que o período de prisão obedeceu os limites legais,
se a instrução já estiver encerrada, faltando apenas a decisão judicial. Mas se a instrução
– entendida esta como a colheita de provas do fato objeto da acusação – não tiver
terminado nos noventa dias e, mesmo assim, os prazos usualmente contados para a
instrução de processo com réu preso ainda não se tiverem escoado, ou se, ao contrário,
a instrução tiver acabado nesses prazos, haverá a superposição de dois prazos: um para
o término da instrução com acusado preso, contado do início da prisão, outro para a
conclusão do procedimento do judicium accusationis, contado do início do procedimento, que termina com decisão em que o juiz resolverá sobre a manutenção da eventual prisão processual já decretada. É por isso que essa última hipótese significa a possibilidade de um constrangimento mesmo que o acusado estiver preso por tempo inferior
àquele tradicionalmente computado como limite para o fim da instrução. Os julgadores
dos habeas corpus que, provavelmente, serão impetrados deverão se defrontar com essa
questão, quem sabe daí brotando entendimentos capazes de solucioná-la.
5. A decisão do juiz e os possíveis recursos
A nova redação do art. 413, ao se referir à decisão de pronúncia
pronúncia, estabelece que esta se dará quando o juiz se convencer da materialidade do fato e da existência
de indícios suficientes de autoria ou participação
participação. A primeira expressão sugere que bastará
a prova do fato, sem que o juiz deva fazer apreciação de seu caráter criminoso, ou que, se o
fizer, isso lhe parecer duvidoso. Nesse caso pronunciará o acusado, deixando ao júri que
decida definitivamente a respeito. Note-se que, segundo o disposto no novo art. 415, III e
IV, será caso de absolvição sumária a falta de tipicidade ou de antijuridicidade do fato,
quando estiverem provadas. Entretanto, a fórmula indícios de autoria ou participação
participação,
conquanto inovando meritoriamente quanto à possibilidade de participação, não é precisa ao
significar que tais indícios apontam o acusado como possível autor ou partícipe. Em tese, é
viável que o juiz se convença da existência de indícios de autoria por parte de outra pessoa e,
assim, evidentemente, não pronunciará o réu. Por tudo isso é que parecia melhor a redação
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do antigo art. 408, que falava em indícios de que o réu seja o seu autor
autor,,13 isto é, autor da
conduta a si atribuída pela acusação..
Note-se que a decisão de pronúncia deverá especificar inclusive as causas de aumento de pena, sejam gerais ou especiais. Como esse ato judicial é que fixa os
limites da acusação em plenário, a falta de menção dessas circunstâncias, na pronúncia,
inviabilizará sua sustentação pelo acusador na fase de julgamento da causa. De outro lado,
vale lembrar que continua vigente o disposto no art. 7º da Lei de Introdução ao Código de
Processo Penal: “o juiz da pronúncia, ao classificar o crime, consumado ou tentado, não
poderá reconhecer a existência de causa especial de diminuição da pena.”
O parágrafo terceiro do novo art. 413 acaba com a obrigatoriedade da
prisão da pronúncia,
pronúncia mesmo na forma já mitigada pelo disposto no anterior art. 408, § 2º.
Agora o juiz decidirá sobre a manutenção da prisão eventualmente já imposta, devendo
revogá-la se desnecessária; do mesmo modo, e ao contrário, deverá nesse momento decidir
sobre a necessidade de decretação da prisão. Que a decisão, em qualquer sentido, deva ser
motivada, é imperativo constitucional. A necessidade, ou desnecessidade, dessa prisão, que
tem natureza processual e, portanto, instrumental, será avaliada à luz do disposto no art. 312
do CPP, que estabelece os requisitos da prisão preventiva. Sem dúvida causará embaraço a
decisão que, ao pronunciar o acusado por crime doloso contra a vida, determine a sua soltura, justamente no instante em que o juiz esteja convencido, ante a prova produzida, da prova
da materialidade do fato e de indícios suficientes de autoria ou de participação. Se o réu
permaneceu preso quando ainda não havia tal convicção por parte do juiz, por que seria
posto em liberdade quando ela se consolidou na mente do julgador? São conhecidos e
incontáveis os arestos a considerar inadequada a revogação da prisão processual quando
sobrevém sentença condenatória recorrível, situação análoga à que se está analisando, já
que, em qualquer caso, se trataria, ainda, de uma prisão processual.
A impronúncia vem disciplinada pelo novo art. 414, cuja redação repete
a imperfeição do texto referente à pronúncia, optando por mencionar os indícios suficientes
de autoria ou participação
participação. Claro que a decisão que impronuncia o réu tem por fundamento a ausência desses elementos, assim como da materialidade do fato. Já se viu que, havendo
dúvida acerca do caráter criminoso deste, o réu deverá ser pronunciado.
A absolvição sumária ganhou amplitude com o advento do novo art.
415. Os incisos I e II desse dispositivo – prova da inexistência do fato e prova de não ser
o acusado o seu autor ou partícipe – não estavam compreendidos nas hipóteses anteriores, definidas pelo antigo art. 411. No regime da velha legislação esses eram casos que
apenas podiam determinar a impronúncia, solução que igualmente se impunha, no dizer
de MARQUES PORTO,14 no caso de não constituir o fato infração penal por lhe faltar
tipicidade, o que agora é previsto no inciso III do art. 415 também como causa de
absolvição sumária. Realmente, a antiga fórmula existência de circunstância que exclua o
crime ou isente de pena o réu (arts. 17, 18, 19, 22 e 24, § 1º, do Código Penal) restringia a absolvição sumária às hipóteses de excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, conclu13
A omissão ao partícipe, na legislação anterior, se explica pelos contornos pouco definidos dessa
figura no direito material vigente na época de edição do Código de Processo Penal.
14
Júri, 2005, p. 64-5.
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são reforçada pela menção feita a artigos da velha Parte Geral do Código Penal; o art. 17 se
referia ao erro de fato, circunstância que, na forma da doutrina que inspirou o legislador de
1940, conduzia à ausência de culpabilidade, categoria na qual se situava o dolo, sendo
consentânea com essa postura doutrinária a expressão com que esse dispositivo começava:
“é isento de pena...”.
Verte do parágrafo único do novo art. 415 que é inaplicável o disposto no inciso IV (isenção de pena) “ao caso de inimputabilidade previsto no caput do art.
26” do Código Penal, a menos que esta seja “a única tese defensiva”. O citado dispositivo do Código Penal refere-se à inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. A ressalva que faz o novo texto explica o motivo da vedação: se a defesa tiver outras teses além da inimputabilidade do acusado,
como, por exemplo, a negativa de autoria ou uma alegação de legítima defesa ou estado
de necessidade, será melhor deixar para o juiz natural do fato, que é o júri, a tarefa de
apreciar a questão, disso resultando que o colegiado poderá até mesmo absolver o réu
por alguma dessas circunstâncias, que foram insuficientes para convencer o juiz; tratarse-á de absolvição própria, melhor, portanto, para o acusado, ao qual não se imporá
medida de segurança, como ocorrerá se lhe for dada a absolvição imprópria, que é
aquela que se adequará à previsão do art. 415, IV. Com essa medida o réu terá mais
oportunidades e, naturalmente, o colegiado poderá simplesmente reconhecer a
inimputabilidade que o magistrado não pode na fase anterior.
Claro que para mandar o réu a julgamento pelo júri terá o juiz que
pronunciá-lo, o que somente fará se presentes os requisitos da pronúncia (art. 413). Da
mesma forma poderá impronunciá-lo, se configurada a hipótese prevista no art. 414.
Entretanto, se a defesa não tiver outra tese em favor do réu, não haverá prejuízo em
ficar a critério do próprio juiz, na fase do judicium accusationis, a decisão sobre o
assunto. Convencido da inimputabilidade do acusado nos termos do art. 26 do Código
Penal e, paralelamente, da materialidade do crime e de que ele seja o seu autor ou
partícipe, proferirá sentença de absolvição sumária, de modalidade imprópria, caso em
que procederá de acordo com o art. 97, também do Código Penal, impondo-lhe a medida de segurança pertinente.
Inevitável questionar aqui a constitucionalidade de atribuir o Código
de Processo poderes para o juiz proferir absolvição em caso de crime doloso contra a
vida, cuja competência é conferida pela Constituição, com exclusividade, ao júri popular. Para NUCCI, entretanto, não há motivo para dúvida: a medida é constitucional,
porquanto é lícito “ao magistrado togado aplicar o filtro que falta ao juiz leigo, remetendo ao júri apenas o que for, por dúvida intransponível, um crime doloso contra a vida.”15
Dispõe o novo art. 416 que contra a decisão de impronúncia e a sentença
de absolvição sumária caberá o recurso de apelação. A impronúncia, que não é objeto de
sentença como diz o texto legal, mas de decisão, já que este ato judicial não é definitivo, seria
compatível, como era no regime anterior, com o recurso em sentido estrito. A única razão que
se pode ver na modificação é a vontade do legislador de que, relativamente à decisão que
impronunciar o réu, não possa mais o juiz retratar-se, possibilidade existente no âmbito do
recurso em sentido estrito, mas incompatível com a apelação. Da sentença de absolvição
15
Código de Processo Penal comentado, 2004, p. 672.
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sumária deve mesmo caber esta última, considerando-se que se trata de ato que põe fim
ao processo. A nova lei substitui, assim, o recurso em sentido estrito, nesse caso, pelo
de apelação, valendo observar que foi revogado o anterior art. 581, VI, do CPP.
ofício que estava previsto no antigo art. 411 e
Quanto ao recurso de ofício,
não está no atual 415, tem sido aceito que não mais cabe da sentença de absolvição
sumária. Mas o capítulo das Disposições Gerais do título denominado DOS RECURSOS EM GERAL, com destaque para o art. 574, II, que permanece vigente, diz que os
recursos são voluntários, exceto nos casos que arrola, entre os quais se encontra o da
sentença “que absolver desde logo o réu com fundamento na existência de circunstância
que exclua o crime ou isente o réu de pena, nos termos do art. 411”. É uma claríssima
referência à absolvição sumária no procedimento do júri, embora a menção ao art. 411
obviamente se reporte ao texto revogado. Mas parece não haver dúvida quanto a seguir
em vigor a previsão do recurso de ofício na hipótese de absolvição sumária, desde que
fundada na presença de excludentes de ilicitude ou de culpabilidade.
Em comentário a essa questão, PAGLIUCA16 adverte que, a prevalecer entendimento pela vigência da regra do recurso de ofício em absolvição sumária,
tratar-se-á possivelmente de recurso cabível em todos os casos em que tal decisão for
tomada – e não só no procedimento do júri – valendo esclarecer que a relevância da
ponderação se explica pelo fato de que, de acordo com as novas regras processuais
contidas no “pacote” de reformas, caberá absolvição sumária também no procedimento
ordinário e sumário de competência do juízo singular, o que quer dizer, na maioria dos
casos; essa conclusão está de conformidade com o novo art. 397 do CPP, que também
elenca, entre as hipóteses autorizadoras desse tipo de sentença, a presença de excludentes
de ilicitude e de culpabilidade – exatamente como definido no art. 574, II.
Na verdade, a tarefa de compatibilização deste artigo com os novos
dispositivos processuais ficará a cargo da jurisprudência. Esta não estará dispensada de
criteriosamente considerar as razões, teóricas e práticas, talvez não desprezíveis, que
deve ter tido o legislador de 1941 para inserir no Código o recurso de ofício em hipóteses de decisões que concederem habeas corpus, reabilitação, que absolverem o réu por
crime contra a economia popular ou arquivarem inquérito policial relativo a esse tipo de
delito, e as que absolverem sumariamente o acusado no procedimento do júri. Será
possível ver nelas algo em comum?
16
Absolvição sumária e recurso de ofício na reforma processual, 2008.
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Pois bem, são todas decisões de certo modo favoráveis ao imputado,
as quais, ante a proibição de reformatio in pejus e de revisão criminal pro societate, se
não houver recurso da acusação, se tornarão rigorosamente imutáveis. Contêm as hipóteses elencadas igualmente resultados de possível magnitude, ora do ponto de vista social, ora do jurídico.
Vejam-se os casos de reabilitação, em que são cancelados os registros
da condenação anterior, num ato que significa literalmente apagar o passado, e o de
absolvição de acusado de infração contra a economia popular, crime contra a coletividade e potencialmente contra múltiplas e indefinidas vítimas – e isso num tempo em que
não existiam a Lei de Execução Penal, a determinar a supressão, na folha corrida ou nas
certidões, de qualquer referência à condenação cumprida (art. 202), nem as atuais leis
de defesa das relações de consumo, vindas num clima de tomada de consciência, antes
incipiente, do consumidor como sujeito de direitos.
Atente-se, de outro lado, para as hipóteses de concessão de habeas
corpus, em que se estará, implícita ou expressamente, admitindo a ocorrência de
uma ilegalidade, e, finalmente, a de absolvição sumária em casos que, sem invalidar
os já vistos argumentos de NUCCI, tocam num ponto sensível da relação da norma
ordinária com sua matriz constitucional, ao significar julgamento pelo juízo singular
de um possível crime contra a vida, cujo juiz natural é o colegiado popular. Cuidase de situações em que, ante uma possível deficiência na vigilância do interesse
público, poderiam se estabelecer, sem viabilidade de reparo, danos sociais ou jurídicos de monta. Basta figurar a hipótese, nada impossível, de comarcas de vara única,
Brasil afora, mais suscetíveis às pressões do poder econômico, ou então onde casualmente oficiem autoridades avessas aos trabalhos do júri, acrescentando-se a isso a
impotência de vítimas ou seus familiares para ajustar advogado de acusação, para se
vislumbrar no recurso de ofício da absolvição sumária a vantagem de se submeter
ao tribunal, experiente e vivido, a última palavra sobre questão assim delicada. Argumentar-se-ia que, sob tal fundamento, também a decisão de impronúncia deveria
ser recorrível de ofício. Entretanto, há uma diferença: neste caso a decisão judicial
não inviabiliza a retomada da ação penal se houver prova nova, circunstância que
representa alguma possibilidade de controle sobre a questão.
Na hipótese de ser pronunciado o réu, a reforma inova ao permitir
a sua intimação por edital
edital, quando solto e não encontrado, como consta do art.
420, parágrafo único. Isso tem relação com a permissão, que virá no novo art. 457,
de realização da sessão de julgamento pelo júri mesmo quando o acusado, solto ou
preso, neste caso se tiver pedido dispensa, estiver ausente, independentemente de
ser ou não o delito afiançável.
Intimado regularmente da pronúncia, por qualquer meio legalmente previsto, correrá o prazo, de cinco dias, para interposição de recurso, que é em sentido estrito
(arts. 581, IV, e 586, do CPP). Com ou sem recurso, ou depois de julgado o que for interposto, mantendo a pronúncia, e vencidos os prazos legais, a decisão fará coisa julgada formal
e precluirá, devendo os autos ser encaminhados ao presidente do tribunal do júri, que o
preparará para julgamento em plenário. O novo texto legal, acertadamente, optou pela expressão preclusa a decisão
decisão, ao invés da fórmula passada em julgado a sentença
sentença, da lei
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anterior. Acertou porque se trata de decisão, não de sentença, e porque passar
em julgado é forma de sugerir uma definitividade que a pronúncia não tem.
6. Início do judicium causae: preparação do processo para
julgamento
A preparação do processo pelo juiz presidente para a sessão de julgamento em plenário significa o banimento do libelo e da contrariedade
contrariedade, antes previstos
nos arts. 416 a 422 do CPP. Agora o rol de testemunhas para depor em plenário e os
pedidos de diligências e de juntada de documentos deverão ser apresentados após despacho do juiz presidente, que dará às partes o prazo de cinco dias para o fazerem, se
quiserem. Com ou sem tais requerimentos, o juiz presidente, continuando a preparação
do processo para julgamento, decidirá sobre os eventuais pedidos, saneará o processo e
dele fará um relatório sucinto, determinando em seguida sua inclusão em pauta da reunião do júri. O texto reformado chama de reunião o que tradicionalmente se entendia
por sessão periódica do júri. Significam, ambas as expressões, o lapso em que se realizarão as sessões de julgamento e para o qual estarão convocados os mesmos jurados, em
número de vinte e cinco (novo art. 447), sorteados para oficiar nesse período.
O alistamento dos jurados sofre modificação especialmente no que
toca ao número dos anualmente alistados, que salta para 1500 nas comarcas com mais
de um milhão de habitantes, e à exclusão da lista geral anual do jurado que, nos doze
meses antecedentes à sua publicação, tiver integrado o conselho de sentença, participando efetivamente de uma sessão de julgamento. Essa medida naturalmente procura
evitar a figura do jurado profissional, tentando promover uma constante renovação dos
componentes do colegiado popular.
As principais normas sobre o desaforamento foram mantidas, mas a
elas se acrescentou uma nova hipótese: o desaforamento por excesso de serviço. A
medida é justa do ponto de vista dos envolvidos na causa, que assim tenderá a ter um
julgamento mais rápido. Entretanto penalizará comarcas onde, por variadas razões, a
pauta estiver bem organizada, para onde se remeterão julgamentos acumulados em outras em que o excesso de serviço pode tanto ser resultado do elevado número de feitos
quanto de uma possível desorganização do trabalho forense. Suprimiu-se a
obrigatoriedade de consulta ao Procurador-Geral de Justiça sobre o pedido de
desaforamento e se determinou sua inadmissibilidade enquanto esteja pendente de recurso a decisão de pronúncia, ou quando já tiver ocorrido o julgamento, exceto, neste
caso, por conta de fato acontecido “durante ou após a sessão de julgamento anulado”.
Embora não haja previsão expressa, salvo aquela especificamente prevista para o
desaforamento por excesso de serviço (art. 428, caput), segue aplicável à hipótese o
teor da súmula n. 712 do STF: “É nula a decisão que determina o desaforamento de
processo da competência do Júri sem audiência da defesa.”
Relativamente à organização da pauta e ao sorteio dos jurados, a reforma
inova ao ampliar para cinco dias a antecedência com que deverá se habilitar o assistente de
acusação tendo em vista a data do julgamento em que pretende atuar - a palavra sessão
sessão, no
art. 430, significa, nesse caso, sessão de julgamento; inova também ao prever a convocação
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do jurado sorteado para a reunião periódica por qualquer “meio hábil” (art. 434),
o que pode abranger até mesmo a via eletrônica, desde que comprovado o recebimento da mensagem.
A função de jurado passa a ser exercível por maiores de dezoito
anos, tendo a reforma reduzido essa idade, que era de vinte e um anos. Nisso não
andou bem. O jurado é juiz e, como tal, precisa de experiência e maturidade que só
o passar do tempo pode trazer. Argumentar que aos dezoito anos o indivíduo pode
votar,17 praticar os atos da vida civil, dirigir veículos e ser penalmente imputável
não convence. Trata-se, em geral, de atos de menor complexidade que o de julgar
alguém acusado de praticar crime contra a vida, decidindo sobre a possível privação
da sua liberdade; para isso é desejável que o julgador tenha desenvolvido uma sensibilidade somente produzida pelo acúmulo de vivências que experimenta,
notadamente aquelas resultantes de um período em que já assumiu responsabilidades, especialmente familiares e profissionais, que marcam a vida adulta. Observe-se
que, dadas as normas vigentes, um juiz togado, incumbido de funções da mesma
complexidade, dificilmente arcará com essa tarefa antes dos seus vinte e cinco anos.
O novo art. 437, numa fórmula feliz, acrescenta às hipóteses de isenção do serviço do júri, a daqueles “que o requererem, demonstrando justo impedimento”. A medida é salutar e a sua amplitude vem ao encontro do que a prática forense
demonstra: quem presta o serviço do júri incomodado por preocupações com outras
atividades relevantes não contribui para a tomada de uma decisão refletida e justa.
É acrescentada a possibilidade de prestar serviço alternativo a quem,
por motivo de convicção religiosa, filosófica ou política, se recusar ao serviço do júri;
aos que efetivamente o prestarem, isto é, que compuserem um conselho de sentença
numa sessão de julgamento, atribui-se preferência, em igualdade de condições, “nas
licitações públicas” – substituído o termo concorrência por licitações
licitações, mais abrangente
-, “e no provimento, mediante concurso, de cargo ou função pública, bem como nos
casos de promoção funcional ou remoção voluntária.” (art. 440).
Para o jurado que, sem justo motivo, deixar de comparecer à sessão
de julgamento, ou dela se retirar antes de ser dispensado, está prevista aplicação de
multa, agora calculada com base no salário mínimo; a previsão de sanção administrativa
exclui a possibilidade de configuração do crime de desobediência. Para a composição
do conselho de sentença, a reforma acrescentou a união estável entre os sorteados,
assim como a manifestação de “prévia disposição para condenar ou absolver o acusado”, ao rol de incompatibilidades com o efetivo serviço do júri.
7. A sessão de julgamento
A reforma desmembrou o que era a seção IV (que tratava dos trabalhos
em plenário, previstos nos antigos arts. 442 a 496) do capítulo DOS PROCESSOS DOS
CRIMES DA COMPETÊNCIA DO JÚRI, em seis seções (n. X, XI, XII, XIII, XIV e XV).
17
Na verdade, até mesmo antes disso, sendo o voto facultativo a partir dos dezesseis anos.
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O novo art. 455, ao tratar da falta do representante do Ministério Público
à sessão de julgamento, não repete a alternativa do antigo art. 448, de nomeação de promotor ad hoc, medida própria de uma época em que essa instituição não tinha a estrutura atual.
Mas mantém a obrigatoriedade de se comunicar a ausência ao Procurador-Geral de Justiça
se ela não for justificada. Como bem lembrado por SILVA, na falta do advogado do querelante, no caso de ação penal privada por crime conexo, submetido ao júri, a solução será
declarar extinta a punibilidade do réu, relativamente a esse delito, por força da perempção.18
Inovação importante é a possibilidade (art. 457) de realização do julgaréu antes viável apenas na hipótese de acusado solto, por
mento mesmo na ausência do réu,
crime afiançável, o que excluía o homicídio, que é o mais freqüente na pauta do júri. Note-se
que até mesmo o réu preso, desde que tenha apresentado pedido de dispensa, poderá deixar
de comparecer e isso não impedirá o seu julgamento (art. 457, § 2º). Cuida-se de modificação que se mostra em tudo compatível com a amplitude que se vem dando ao direito de todo
acusado de não “ser obrigado a depor contra si”, previsto no art. 8º. n. 2, g, do Pacto de S.
José da Costa Rica, e repetido na Constituição e no CPP, ao tratarem do direito ao silêncio.
A nova disposição do Código de Processo é consentânea com esse princípio na medida em
que, se é deferido ao réu o direito de silenciar e, por uma extensão cada dia mais aceita, de
nada praticar que possa incriminá-lo, fica então a seu critério comparecer ou não à sessão de
julgamento, considerando que, por algum motivo, até mesmo de foro íntimo, pode entender
que isso lhe seja mais conveniente. Salta aos olhos, no entanto, que os jurados, leigos em
direito, devem ser expressamente alertados pelo juiz presidente quanto a não deverem interpretar o silêncio ou a ausência do acusado em prejuízo de sua defesa.
O novo art. 472 determina que, após a instalação do conselho de sentença, os jurados receberão cópias da pronúncia, das decisões equivalentes (p. ex., o acórdão
que determinou o julgamento pelo júri) e do relatório do processo” (v. art. 423, II). Essa
obrigatoriedade não havia no texto anterior (antigo art. 466, § 2º), que se referia a essa
providência apenas onde fosse possível
possível.
O texto reformado deu especial importância à instrução em plenário
plenário,
para o que dedicou uma seção, a de n. XI, começando por estabelecer, no art. 473, que,
depois do compromisso dos jurados, “o juiz presidente, o Ministério Público, o assistente, o
querelante e o defensor do acusado tomarão, sucessiva e diretamente, as declarações do
ofendido, se possível, e inquirirão as testemunhas arroladas pela acusação.” O novo dispositivo, que estipula o mesmo critério quanto às testemunhas de defesa, arremata com a discussão sobre a eventual necessidade de ofendido e testemunhas de plenário serem perguntados pelos oradores por intermédio do juiz presidente. Embora o texto anterior não previsse
tal intermediação (v. antigo art. 467), havia quem estendesse ao caso a fórmula da audiência
perante o juízo singular. Agora o advérbio diretamente não deixa dúvida alguma sobre
como eles devem ser inquiridos. A clareza do dispositivo não impedirá, entretanto, que acusação ou defesa prefiram fazer a inquirição por meio de perguntas dirigidas ao juiz presidente, que as fará aos inquiridos, providência de que não resultará nulidade desde que não
provoque prejuízo para qualquer das partes. É, porém, recomendável ao magistrado que,
solicitado a intermediar as perguntas, alerte a parte interessada e consulte a contrária sobre o
18
Op. cit., p. 142.
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direito que tem aquela de inquirir diretamente. No tocante aos jurados, o parágrafo segundo
dispõe que poderão formular perguntas “por intermédio do juiz presidente.”
O novo texto não contém a previsão de leitura de peças dos autos pelo
escrivão (como dispunha o antigo art. 466, § 1º), salvo na hipótese de que se “refiram,
exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares, antecipadas
ou não repetíveis.”(art. 473, § 3º).
Deve ser entendido que a ressalva representada pelo termo exclusivamente veda a possibilidade de que se defira a leitura de outras peças processuais
quando pedida pelas partes – que, de resto, poderão lê-las por si próprias no momento
dos debates; quanto aos jurados, todavia, tal requerimento pode muito bem ser feito – e
deferido pelo juiz presidente – quando significar um pedido de esclarecimento sobre
questões relativas ao julgamento. Embora o novo art. 480 estabeleça que os jurados
podem pedir tais esclarecimentos ao orador (caput) e que terão acesso aos autos (§ 3º),
figure-se a hipótese de um jurado com alguma dificuldade visual que deseje se informar
sobre algo, objeto de uma peça contida nos autos, que prefira, por motivo de confiança,
uma leitura feita pelo escrivão. Resta claro que não se poderá seguir com o julgamento
caso ele não seja esclarecido e, se a leitura de uma peça processual, ou várias, for a
maneira de esclarecê-lo, não há porque não o fazer. Só que a medida deverá ser tomada
na fase própria, que é quando, concluídos os debates, o juiz presidente indagar dos
jurados se estão habilitados a julgar (art. 480, § 1º). E se disso resultar prejuízo para
uma das partes? Não haverá vício nem nulidade, já que se trata de providência regular e
lícita, em tais circunstâncias.
8. O réu em plenário. Os debates
Uma vez inquiridos o ofendido (se possível) e as testemunhas e resolvido sobre as demais providências (acareações, reconhecimentos e esclarecimento de
peritos) previstas pelo art. 473, § 3º, proceder-se-á ao interrogatório do réu, se presente, na forma do disposto no Capítulo III do Título VII do Livro I, que permanece inalterado
pelo “pacote” de reformas. Embora de tal capítulo não o conste expressamente, não há
dúvida de que o interrogatório é feito pelo juiz, o que flui indiretamente de uma análise
sistemática e mesmo gramatical das normas nele contidas.19 A acusação e a defesa, nessa
ordem, querendo também inquirir o réu, o farão diretamente; os jurados formularão as perguntas por meio do juiz presidente (novo art. 474, caput e §§ 1º e 2º).
O uso de algemas no acusado, em plenário, é condicionado a casos de
absoluta necessidade, “à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da
19
O assunto merece atenção, que via de regra não se lhe dá, por conta de entendimento que procura ver
o juiz, no processo penal, como alguém que não deve, de forma alguma, interferir na colheita da prova
da acusação, especialmente considerando que o interrogatório está inserido, no CPP, no título referente às provas. Trata-se de levar às últimas conseqüências o banimento do princípio inquisitivo, em
favor do acusatório, que, pouco a pouco, vai se impondo no processo penal.
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integridade física dos presentes” (art. 474, § 3º). Cuida-se neste último dispositivo de regular
o emprego de algemas em plenário, tema que freqüentemente povoa discussões jurídicas e
que carece de definição precisa no nosso ordenamento,20 de onde se pode extrair que o seu
uso está condicionado a casos de extrema necessidade, nisso inserida a possibilidade “de
fuga ou de agressão da parte do preso”, como reza o art. 234, § 2º, do Código de Processo
Penal Militar,21 em dispositivo que principia recomendando que “o emprego de algemas deve
ser evitado”, e que deve ser supletivamente aplicado ao processo penal da Justiça Comum,
estando em perfeita consonância com norma enunciada pelo art. 284 do CPP, a dizer que
“não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de
tentativa de fuga do preso.” Acrescente-se o teor de súmula vinculante aprovada pela Corte
Suprema, em agosto de 2008, no sentido de que
Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de
fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso
ou de tercerios, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e da
nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da
responsabilidade civil do Estado.22
No caso do julgamento em plenário pelo júri é especialmente sensível
a questão das algemas, ante a impressão que possivelmente cause na mente dos jurados,
que sendo leigos, podem sofrer influência da imagem negativa de um réu algemado,
havendo notícia de julgamento do Supremo Tribunal Federal anulando, por esse motivo,
processo em que o acusado pemaneceu algemado durante a sessão do júri.
É facultado ao réu, que comparecer para interrogatório em plenário,
permanecer calado
calado, exceto quanto à sua identificação, direito assegurado, dentre outros dispositivos já mencionados, pelo art. 5º, LXIII, da Constituição Federal, que, aliás, não recepcionou a parte final do art. 198 do CPP, está a dizer que o silêncio do
acusado poderia constituir elemento para a formação do convencimento do juiz. Vale a
pena conferir o magistério de NUCCI, que, citando a companhia de Ada Pellegrini
Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho, Adriano Marrey, David Teixeira de Azevedo, Celso Limongi e outros, caminha na direção de uma produção de prova penal que
dispense inteiramente o saber proveniente do imputado:
20
Registre-se a existência de projeto de lei sobre o assunto, no Congresso Nacional. “Entre os casos
em que as algemas não poderão ser utilizadas estão aqueles em que o acusado se apresentar espontaneamente à Justiça ou tiver um estado de saúde frágil. O projeto também proíbe o uso de algemas
para exibição do preso publicamente, numa espécie de pena antecipada da sua condenação”, noticia
o Diário do Pará, in http//:www.diariodopara.com.Br, 21/ago./2008, consultado em 31/ago./2008.
21
Decreto-lei n. 1002, de 21 de outubro de 1969.
22
Cf. http//:www1.folha.uol.com.br, consultado em 31/ago./2008.
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É preciso abstrair, por completo, o silêncio do réu, caso o exerça, porque o
processo penal deve ter instrumentos suficientes para comprovar a culpa do
acusado, sem a menor necessidade de se valer do próprio interessado para
compor o quadro probatório da acusação. Se o Estado ainda não atingiu
meios determinantes para tanto, tornando imprescindível ouvir o réu para
forma sua culpa, é porque se encontra em nítido descompasso, que precisa
ser consertado por outras vias, jamais se podendo exigir que a ineficiência
dos órgãos acusatórios seja suprida pela defesa.23
Em seguida ao interrogatório, se houver, passar-se-á à fase dos debates em plenário
plenário, em que a acusação, aí compreendido o eventual assistente, e a defesa
disporão de uma hora e meia para sustentar suas teses, além de mais uma hora para a
réplica e outra para a tréplica. O texto reformado inova tanto na redução dos prazos
para as sustentações iniciais quanto no seu aumento para a réplica e a tréplica. No tocante a estas, é justificável a elevação do tempo disponível para os oradores, considerando que aí trabalharão com os argumentos da parte contrária, expostos nas sustentações iniciais, podendo para isso haver mesmo necessidade de lapso maior que a anterior
meia hora do antigo art. 474.
A acusação, na falta do libelo, deverá limitar seu pedido aos termos
da decisão de pronúncia, podendo ainda, se for o caso, sustentar a existência de alguma
circunstância agravante, dispensado, quanto a esta, o seu reconhecimento na pronúncia
– daí a expressa menção a ela, ao tratar dos debates, feita pelo novo art. 476.
Limitando a ação das partes nos debates, o art. 478, com a redação
da reforma, as proíbe, sob pena de nulidade, de fazer referências à decisão de pronúncia, ao uso de algemas e ao silêncio do acusado. O dispositivo é de constitucionalidade
duvidosa, uma vez que procura se imiscuir na estratégia de sustentação das teses pelas
partes, assim lhes cerceando a plenitude do direito de argumentar. O não permitido é o
júri considerar, como razão de decidir, os fundamentos da decisão de pronúncia, o emprego de algemas ou o silêncio do réu – e não o exercício da plena argumentação pelos
oradores.
A leitura de documento ou a exibição de objeto em plenário está condicionada a que tenham sido juntados aos autos
autos, com ciência à parte contrária, não
bastando apenas essa comunicação, como previa o revogado art. 475. A antecedência
da juntada é de três dias úteis (novo art. 479).
23
Código..., 2004, p. 379.
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9. O questionário
Terminados os debates e esclarecidos os jurados segundo sua necessidade, o juiz presidente elaborará o questionário que lhes será submetido para julgamento do réu. Nessa elaboração levará em conta “os termos da pronúncia [...], do interrogatório e das alegações das partes” (art. 482). O novo texto deixa clara a
obrigatoriedade de incluir no questionário a tese eventualmente formulada pelo réu,
no interrogatório, que pode até mesmo não coincidir com as apresentadas pelo seu
defensor durante os debates. Depreende-se que não haverá quesitação a respeito de
circunstâncias atenuantes ou agravantes. Estas, desde que alegadas nos debates,
serão consideradas pelo juiz presidente, ao proferir sentença condenatória, como
preceitua o novo art. 492, b. Importa notar que desapareceu a obrigatoriedade de
quesito específico sobre atenuantes não sustentadas pelas partes, como anteriormente previsto no que era o art. 484, parágrafo único, III.
Segundo dispõe o novo art. 483, a ordem do questionário será a
indagação sobre: a materialidade do fato, a autoria ou participação, a tentativa ou a
tipificação do delito, a desclassificação do crime para outro da competência do juízo
singular, a absolvição do acusado, a existência de causa de diminuição de pena e a
existência de qualificadora ou causa de aumento de pena.
Vê-se que a indagação acerca da materialidade agora expressamente
antecede a da autoria, provocando certa dúvida acerca da localização do tema referente
à relação de causalidade
causalidade. Isso porque, no sistema anterior, o primeiro quesito normalmente perguntava sobre autoria e materialidade (O réu [...], desferiu golpes [...], produzindo os ferimentos descritos [...]?); o segundo indagava da relação de causalidade
(Esses ferimentos deram causa à morte da vítima?). Agora a primeira pergunta deve
referir-se à materialidade e a segunda à autoria (ou participação). Na fórmula sugerida
por ARRUDA e MARIANO DA SILVA,24 um questionário de homicídio consumado
ficaria assim: 1 - Os ferimentos descritos no laudo [...] foram a causa da morte da
vítima [...]?; 2 – O acusado [...], no dia [...], na Rua [...], nesta Comarca de [...],
efetuou disparos [...] contra a vítima, causando-lhe esses ferimentos? Já se vê que,
nessa hipótese, a análise da relação causal fica situada no primeiro quesito, onde o
jurado deverá também analisar a efetiva existência do fato, vale dizer, dos ferimentos.
Caso ele deseje negar tal existência, ou simplesmente a relação de causalidade entre os
ferimentos e a morte da vítima, deverá responder negativamente ao quesito. A apreciação da causalidade ficou, dessa forma, acoplada à da existência material do fato.
No que se refere ao eventual quesito sobre a desclassificação do delito,
chama a atenção que possa ser formulado “para ser respondido após o segundo ou terceiro quesito
quesito,25 conforme o caso” (novo art. 483, § 4º). É que, se o júri for indagado se absolve
o réu (terceiro quesito) e responder afirmativamente, sem antes ter sido questionado sobre a
desclassificação, cuja possibilidade surgiu da análise dos autos, poderá estar julgando um
crime para o qual lhe falta competência. Mais correto seria indagar sobre a desclassificação
24
Cf. consta de Questionário no julgamento pelo júri. www.apmp.com.br, consultado em 18/ago./2008.
Grifo do autor.
25
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após o segundo quesito, concluindo-se a votação se os jurados reconhecessem a competência do juízo singular, visto que não podem absolver nem condenar o agente de um crime que
não seja doloso contra a vida, valendo lembrar que permanece em vigor o art. 74, § 2º, do
CPP, que preceitua: “Se, iniciado o processo perante um juiz, houver desclassificação para
infração da competência de outro, a este será remetido o processo [...]”.
A hipótese desse art. 483, § 4º, é aquela em que fica reconhecida a incompetência do júri para o julgamento da causa. Comentando os dispositivos anteriores do
CPP, MARQUES PORTO, com acerto, sustenta a inclusão do quesito sobre a desclassificação logo depois dos dois quesitos iniciais, que eram – e continuam sendo – os relativos à
autoria e à materialidade do fato. Assim é que, exemplificando com a possibilidade de decisão desclassificatória (imprópria) para homicídio culposo, leciona:
Se, por exemplo, o réu está pronunciado por prática de homicídio consumado, simples ou qualificado, e a defesa em Plenário alega ter agido
culposamente (art. 18, II, do CP), estará motivando a inclusão no questionário do quesito indagador de homicídio culposo, que será o terceiro [...].26
É o mesmo autor que, considerando a hipótese de resposta afirmativa ao quesito sobre a desclassificação, arremata que no caso desta, “[...] sendo
operada pelos jurados, a sentença que decidirá sobre a nova classificação penal será
proferida pelo Juiz Presidente [...].”27
Sem embargo dessas considerações, entende-se o que pretendeu o
legislador da reforma processual nesse ponto: que o júri, mesmo na perspectiva de
uma desclassificação que afaste a sua competência para julgar, tenha antes a possibilidade de deliberar sobre a absolvição do réu. Assim é que poderão fazê-lo se lhes
for primeiramente submetida à votação a pergunta O jurado absolve o acusado? É
importante, contudo, frisar que a indagação sobre a desclassificação somente poderá ser feita após esse quesito (o da absolvição), desde que negado, quando a tese
desclassificatória não for a única tese da defesa
defesa. Ou seja, ante a perspectiva de
uma absolvição, pedida em plenário, e, subsidiariamente, de uma desclassificação,
os jurados apreciarão primeiro a tese absolutória. Mas para isso é bom ter presente
que a desclassificação deve surgir como uma tese secundária, tendo a defesa sustentado, como postulação principal, o pedido de absolvição. No caso de ser a desclassificação a única tese defensiva, a votação do respectivo quesito deverá obrigatoriamente ocorrer logo após a afirmação, pelo júri, dos dois quesitos iniciais, referentes à materialidade e autoria. Esse é o sentido da expressão conforme o caso, contida no novo art. 483, § 4º. Assim também é o magistério de ARRUDA e MARIANO
DA SILVA.28
26
Júri, 2005, p. 136.
bidem, p. 68.
28
Op. Cit.
27
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Elaborados os quesitos, o juiz presidente cuidará de explicá-los aos jurados, ainda em plenário, e indagará as partes acerca de possíveis requerimentos ou reclamações, em seguida convidando os acusadores, defensores, o escrivão, o oficial de justiça e os
jurados a se dirigirem à sala especial de votação, conhecida como sala secreta
secreta, onde advertirá as partes da impossibilidade de intervenção capaz de perturbar a livre manifestação
do conselho de sentença (novos arts. 484 e 485).
10. A votação
As regras gerais sobre a preparação das cédulas e a colheita dos
votos foram mantidas e, assegurada a incomunicabilidade entre os jurados, proceder-se-á à votação do questionário. Como visto, a reforma processual inova ao
reduzir a quesitação de todas as possíveis teses defensivas, em busca da absolvição
absolvição,
a um quesito único
único, situado após a indagação quanto à materialidade e autoria, se
estes forem respondidos afirmativamente. Trata-se de dispositivo que evidentemente procura simplificar o procedimento e que amplia as possibilidades dos jurados em
favor do réu, já que, sem motivar sua decisão, podem optar pela absolvição por
razões diversas uns dos outros.
Essa possibilidade significa que um acusado, cuja defesa alegou
duas ou três teses absolutórias, poderá ser absolvido por minoria de votos quanto
à escolha da tese pelos jurados. Se o seu defensor, por exemplo, sustentou uma
legítima defesa e, alternativamente, a inexigibilidade de conduta diversa, dois jurados podem reconhecer a primeira tese e dois outros preferir a segunda, todos eles
absolvendo, enquanto haverá talvez três jurados que decidiriam pela condenação. O
réu será absolvido, mas seus juízes terão tido motivos diferentes para fazê-lo, o que
produz um resultado questionável, já que a decisão deve ser tomada sempre por
maioria de votos (novo art. 489). Além disso, muita dificuldade terão as partes, na
hipótese de uma decisão desfavorável da qual desejem apelar, alegando ter sido
manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, III, d, não modificado), em
argumentar contra a deliberação dos jurados, se não sabem com base em que tese
estes decidiram. Igual dificuldade terão os tribunais no julgamento desses recursos.
Ante o disposto no § 3º do novo art. 483 (“decidindo os jurados
pela condenação [...]”), entende-se que a resposta negativa ao quesito indagador da
absolvição representa obrigatoriamente a condenação do réu. Embora esta não deva
necessariamente ocorrer nos termos da pronúncia ou da tese sustentada em plenário
pela acusação, se há de entender que uma condenação deverá sobrevir. Assim, na
hipótese de o júri afirmar o quesito referente à desclassificação do crime para outro
de competência do juízo singular, depois de ter negado o quesito da absolvição (já
que o § 4º manda votar a desclassificação após o segundo ou o terceiro quesito,
“conforme o caso”), o magistrado cuja competência foi fixada não poderá
desconsiderar a afirmação dos quesitos sobre materialidade e autoria, nem deixar
de condenar o acusado,
acusado ainda que vislumbrando causa para isso, submetida ou não
à apreciação dos jurados. Tratar-se-ia de solução estranha e aparentemente incompatível com o princípio da livre convicção do juiz.
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Outro ponto em que o novo texto (art. 483, § 1º) merece atenção é aquele em que se determina o encerramento da votação ante a resposta negativa de mais de três
jurados ao primeiro ou ao segundo quesitos (materialidade e autoria). O dispositivo parece
sinalizar com o encerramento da colheita dos votos diante do surgimento do quarto voto
negando uma dessas indagações. Assim entendido, o juiz presidente nem colheria do receptáculo os votos restantes; ou, colhendo-os – o que parece lhe ser determinado pelos novos
arts. 487 e 488, segundo os quais os votos não utilizados também devem ser depositados em
outro receptáculo e conferidos, do mesmo modo que os votos dados -, não os divulgaria
nem faria constar da ata o seu teor. Cuida-se de possibilidade que viria ao encontro de certa
corrente doutrinária que advoga o fim da contagem dos votos quando uma ou outra resposta alcançar o número de quatro, medida que viria garantir o sigilo da votação, previsto na
Constituição. Assim,
[...] para que se possa, realmente, assegurar o sigilo da votação, mister se faz
que a contagem dos votos cesse no quarto voto sim, ou no quarto voto não,
conforme o caso, pois na medida em que o juiz presidente do júri permite que
sejam retirados todos os (sete) votos da urna é possível, como ocorre, que
haja unanimidade de votos e, nesse caso, não será difícil adivinhar quem
condenou (ou absolveu) o réu. Logo, por terra foi a garantia constitucional
do sigilo dos votos.29
Lógico que, a vingar esse ponto de vista, haveria para as partes um
problema na fundamentação de seus recursos contra a decisão: não poderiam argumentar com a quantidade de votos em favor de uma tese ou de outra, o que é sempre um elemento de convicção importante quando se trata de sustentar ou atacar
uma decisão do júri.
Enfim, do resultado do julgamento será, pelo escrivão, lavrado um
termo, que deverá ser assinado pelo juiz presidente, pelos jurados e – eis a novidade do
art. 491 – também pelas partes.
11. A sentença e as atribuições do juiz presidente
A seguir o juiz presidente proferirá sentença
sentença. Esta será absolutória quando os jurados negarem o quesito indagador da materialidade ou da autoria, ou quando afirmarem o quesito referente à absolvição. Negado este último, será forçosamente condenatória
condenatória,
conformando-se ao resultado das votações que forem sendo feitas de acordo com as teses
sustentadas, sempre respeitado o limite da pronúncia. O juiz dosará a pena obedecendo ao
critério trifásico, na forma do art. 68 do Código Penal, fixando primeiro a pena-base, para o
que seguirá a fórmula do art. 59, também do Código Penal, depois promovendo aumentos
ou reduções correspondentes a circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos deba-
29
RANGEL, 2007, p. 88, apud ARAÚJO, 2007, p. 119.
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tes, e, por último, estabelecendo a quantidade de aumento ou diminuição, referentes às causas que as imponham, se reconhecidas na votação pelo júri. Na hipótese de desclassificação
para crime da competência do juízo singular, o magistrado, seja ele o presidente do júri ou
outro, resolverá sobre as causas de redução ou de aumento, estando porém adstrito ao
reconhecimento da materialidade e autoria e à obrigação de condenar, como visto.
Deverá também o juiz estabelecer “os efeitos genéricos e específicos
da condenação”, que são aqueles previstos pelos arts. 91 e 92 do Código Penal, entre
os quais, por exemplo, “a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime” e “a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado”. Acontece que
alguns deles, os tratados pelo art. 91, são automáticos, não sendo preciso que o juiz os
declare; outros, os do art. 92, não sendo automáticos – como verte do seu parágrafo
único – aí sim, devem ser objeto de expressa declaração na sentença condenatória.
Numa interpretação sistemática dos dispositivos do Código Penal e do novo art. 492 do
Código de Processo Penal, se conclui que, também no caso do júri, somente os efeitos
não automáticos precisam ser estabelecidos pelo juiz. Sem embargo disso, a redação
dada à alínea d do inciso I do art. 492, mandando observar “as demais disposições do
art. 387”, pode significar a necessidade de fixação “de valor mínimo para reparação dos
danos causados pela infração”, como previsto neste último dispositivo. Cuida-se do
primeiro passo para concretizar a reparação do dano a que alude o citado art. 91 do
Código Penal, mas, desde que o valor fixado representa apenas o mínimo, essa fixação,
como adverte SILVA, se dá “sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido.”30
Haverá igualmente o juiz de deliberar sobre a prisão processual eventualmente em curso, mantendo-a se presentes os requisitos da prisão preventiva; observando os mesmos requisitos, decretará, se for o caso, a prisão do réu que estiver solto.
Os parâmetros a serem seguidos são os mesmos da fase da pronúncia. O magistrado
ainda estará incumbido de, no caso de desclassificação do delito para outro, considerado de menor potencial ofensivo, aplicar o disposto nos art. 69 e seguintes da Lei n.
9099/95, que tratam da fase preliminar do procedimento cabível no caso dessa espécie
de infrações. Ficam naturalmente excluídas as hipóteses em que a Lei n. 9099/95 seja
inaplicável, em virtude de vedação expressa, contida em normas específicas. Segundo
lembrado por SILVA, o art. 41 da Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha) e o art. 291, §
1º, do Código de Trânsito, excluem do âmbito da Lei dos Juizados Especiais casos de
violência contra a mulher e de lesão corporal culposa quando o agente estiver sob influência do álcool, participando de “racha”, ou em excesso de velocidade superior em 50
km/h à máxima permitida na via.31
Da sentença caberá apelação, a ser interposta no prazo de cinco dias a
contar da data em que, no final da sessão de julgamento, for lida em plenário (novo art.
493), considerando que, nesse caso, as partes dela já saem intimadas. É preciso não
esquecer que, por força do art. 4º da Lei n. 11.689/08 – que reforma o procedimento do
júri – está revogado o Capítulo IV do Título II do Livro III do Código de Processo Penal, o
30
31
Reforma..., 2008, p. 30.
Ibidem, p. 178.
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que quer dizer que não mais existe o protesto por novo júri
júri, recurso privativo da defesa,
que era cabível quando a sentença do juiz presidente impusesse ao acusado pena igual ou
superior a vinte anos.
Da sessão de julgamento se lavrará uma ata, que deverá descrever as
partes sendo nisto o art.
ocorrências, inclusive os fundamentos das alegações das partes,
495, XIV, em sua nova redação, mais específico do que o anterior, que só mandava
mencionar “os debates orais”. A ata será assinada pelo juiz presidente e “pelas partes”,
numa fórmula mais ampla com que o novo art. 494 substitui o anteriormente vigente,
que só exigia a assinatura do juiz e do representante do Ministério Público.
Por último, dentre as atribuições do juiz presidente do júri a reforma
incluiu a de “dirigir os debates, intervindo [...] mediante requerimento de uma das partes”, e a de “regulamentar, durante os debates, a intervenção de uma das partes, quando
a outra estiver, com a palavra, podendo conceder até 3 (três) minutos para cada aparte
requerido, que serão acrescidos ao tempo desta última” (art. 497, III e XII). Trata-se de
evidente exagero toda essa regulamentação, afigurando-se muito melhor a fórmula andebates prevista no anterior art. 497, III. As partes devem gozar de
tiga regular os debates,
ampla liberdade para sustentar suas teses e os apartes fazem parte do exercício desse
direito, não devendo o juiz presidente cerceá-lo de maneira alguma. Claro que deve
coibir os eventuais excessos, mas para isso bastaria ao novo texto manter o dispositivo
anterior, já que as providências para tal fim estão naturalmente compreendidas na atribuição de regular os debates. Mas dirigi-los
dirigi-los, neles intervir
intervir, ainda mais a pedido de uma
das partes, regulamentar os apartes, concedendo prazo para eles, tudo isso representa
inadequada e possivelmente nociva atuação judicial em prejuízo do pleno exercício dos
direitos de defesa e de acusação.
Conclusão
O texto com que o “pacote” de reformas processuais penais passa a
disciplinar o rito do júri traduz uma clara disposição em simplificar esse procedimento,
assim como lhe conferir maior celeridade e privilegiar a oralidade dos trabalhos. Ocorre
que nem sempre as leis correspondem às intenções de seus autores, por melhores que
sejam. Apontar as falhas, que inviabilizam o alcance desses objetivos, que, de igual
modo, colidem com outros dispositivos e princípios da nossa ordem jurídica e que ainda
criam perplexidade no momento de sua aplicação concreta, é serviço que o jurista presta à necessária harmonização do direito posto com a realidade.
O que se pode notar é que houve alguma simplificação do procedimento, do que são exemplo o fim do libelo e a revogação do capítulo referente ao
protesto por novo júri. Em outros casos, à intenção de solucionar problemas não
parece ter correspondido uma solução viável, como sucede com a audiência da fase
do judicium accusationis, que dificilmente se concretizará da forma e nos prazos
desejados pelo legislador.
A reforma deixa, ainda, perplexidades ao intérprete, como se verifica,
dentre outras, na questão da subsistência ou não do recurso de ofício da sentença de
absolvição sumária, assim como na da votação do quesito referente à desclassificação do
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crime para outro da competência do juízo singular, ou ainda na relacionada aos poderes do
juiz presidente durante a sessão de julgamento.
Importa salientar, por fim, que a reforma felizmente procura trazer ao procedimento do júri a aplicação mais concreta de diretrizes processuais relevantes,
como o princípio da oralidade, do processo acusatório e o respeito ao direito de não se
auto-incriminar, conquistas inalienáveis da civilização.
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O PR
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O POR NO
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JÚRI E SU
A MANUTENÇÃO
SUA
PARA OS CRIMES
PERPETRADOS ANTES D
A
DA
ENTRAD
A EM VIGOR D
A
ENTRADA
DA
REFORMA DO JÚRI
ROGÉRIO SANCHES CUNHA
Promotor de Justiça no Estado de São Paulo
RONALDO BATISTA PINTO
Promotor de Justiça no Estado de São Paulo
Mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP)
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O PROTEST
O POR NOVO JÚRI E SUA MANUTENÇÃO P
ARA
PROTESTO
PARA
OS CRIMES PERPETRADOS ANTES DA ENTRADA EM
VIGOR DA REFORMA DO JÚRI
Dentre as diversas alterações trazidas pela Lei n° 11.689, de 09 de
junho de 2008, que inovou a disciplina do Júri em nosso procedimento, destaca-se aquela que extingue o protesto por novo júri. Tratava-se, como é sabido, de recurso exclusivo da defesa cujo objetivo era propiciar a realização de um novo julgamento quando a
pena imposta, decorrente da condenação pelo Júri, fosse igual ou superior a 20 anos. A
doutrina, de forma quase unânime, apontava os inconvenientes deste recurso, só justificável ao tempo de sua concepção, que remontava ao Código de Processo do Império,
que previa penas graves como de degredo, desterro, galés ou morte. Demais disso,
servia apenas para retardar a prestação jurisdicional, conferindo ao réu a oportunidade
de mais um julgamento com base, única e exclusivamente, na pena imposta. Não raras
vezes, ainda, o cotidiano forense surpreendia a todos com situações inusitadas, nas
quais juizes aplicavam penas de 19 e alguns meses com o único objetivo de inibir a
oposição do mencionado recurso.
Ressalte-se, contudo, que para os crimes perpetrados antes da entrada em vigor da lei, a possibilidade do manejo desse recurso fica mantida. É
claro: trata-se de medida benéfica ao réu posto que vê ampliada sua possibilidade
recursal. De tal sorte que, condenado a pena igual ou superior a 20 anos, pela prática
de um crime cometido à época em que ainda existia o protesto - e desde que
preenchidos os requisitos legais elencados nos arts. 607 e 608 do CPP - deve ser
admitido o recurso. Como ressalta Tourinho Filho, “se a lei processual penal nova
coarcta a Defesa, suprimindo-lhe, por exemplo, recurso, proibindo-lhe esta ou aquela
prova, obstaculizando, enfim, aquela ampla defesa a que se refere a Lei das Leis, é
óbvio que tal norma não poderá ter aplicação. Não pelo fato de ser mais severa, que
seria irrelevante, mas pela circunstância de ser supinamente inconstitucional” (1)
Processo penal, Saraiva: São Paulo, 26ª. ed., 2004, vol. I, p. 113.
A discussão poderia remeter, desde logo, aquilo que na doutrina se
denomina norma mista (ou norma processual material), assim considerado o dispositivo
que, embora produzido em um contexto processual, abriga norma de natureza diversa,
de cunho penal. Nesse caso, prevalece o entendimento de que não incide o disposto no
art. 2° do CPP, a impor a imediata aplicação da lei processual, devendo-se, antes, se
analisar se a navatio legis é prejudicial ao acusado, por conta do princípio constitucional que veda a retroação da lei penal prejudicial ao réu (art. 5°, XL da CF). Lembre-se
do debate que se estabeleceu quando do advento da Lei n° 9.271/96, que, dando nova
redação ao art. 366 do CPP, determinou a suspensão do processo e do curso prescricional
quando o réu, citado por edital, deixar de comparecer e, tampouco, constituir advogado. Evidente, neste caso, a natureza mista da inovação, pois, de um lado, contém disposições de caráter processual, de cunho adjetivo (citação por edital e suspensão do processo), e, de outro, um conteúdo marcantemente penal, de natureza substantiva, quando
trata da suspensão do curso prescricional.
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Parece-nos, no entanto, que o foco deva ser um pouco diverso, na medida em que a inovação em estudo não trata, exatamente, de uma norma mista. Ao contrário,
ao suprimir um recurso, sua índole assume um caráter exclusivamente processual, sem
qualquer reflexo no âmbito penal. Por isso, o enfrentamento da questão deve mesmo ser
analisado à luz da Constituição e dos princípios da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição.
Poderia o legislador, é verdade, a fim de evitar a enorme polêmica
que, seguramente, se instalará a respeito do tema, ter excepcionado no texto legal,
de forma clara, a ultratividade da lei processual penal anterior, mais benéfica. Assim
o fez, por exemplo, o legislador da Lei de Introdução do Código de Processo Penal
(Decreto-lei n° 3.689/41), que, em seu art. 2°, determinou que em relação à prisão
preventiva e à fiança, “aplicar-se-ão os dispositivos que forem mais favoráveis” ao
réu, independentemente do tratamento dado às matérias pelo Código de Processo
Penal que acabava de entrar em vigor. Tal omissão, contudo, verificada na nova
disciplina do Júri, não deve levar à conclusão, segundo pensamos, no sentido de
que o protesto por novo júri, com a entrada em vigor da nova lei, acha-se
automaticamente extinto.
Com efeito, ao Supremo Tribunal Federal calhou julgar Ação Direta de Inconstitucionalidade, manejada pelo Conselho Federal da OAB (2), tendo
como alvo o disposto no art. 90 da Lei n° 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais),
ao determinar que “as disposições desta Lei não se aplicam aos processos penais
cuja instrução já estiver iniciada”. Se alegou ofensa ao 5°, XL da Constituição Federal, ao assegurar que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. O
relator, Ministro Joaquim Barbosa, ressaltando a natureza mista da Lei n° 9.099/95,
decidiu no sentido de que os dispositivos inovadores dos Juizados, naquilo que
forem benéficos ao acusado, devem retroagir, pouco importando, nesse caso, se a
instrução criminal já se encontrava em curso, como quis o legislador. Para tanto,
invocou o julgamento da Questão de Ordem no Inquérito Policial n° 1.055, no qual
foi relator o Ministro Celso de Mello, e que tratou exatamente da mesma questão,
quando Sua Excelência consignou: “As prescrições que consagram as medidas
despenalizadoras, em causa qualificam-se como normas penais benéficas, necessariamente impulsionadas, quanto à sua aplicabilidade, pelo princípio constitucional
que impõe a lex mitior uma insuprimível carga de retroatividade virtual e, também,
de incidência imediata”. A ADIn, por isso, foi julgada parcialmente procedente, a
fim de que, dando-se interpretação conforme ao art. 90 da Lei n° 9.099/95, excluir
da abrangência deste dispositivo “as normas de direito penal mais favoráveis ao réu
contidas nessa lei”. Nesse caso – insistimos – embora a lei expressamente tivesse
afastado a incidência dos Juizados para os processos cuja instrução já estivesse
iniciada, a mais alta Corte do país afastou esse dispositivo, para que as medidas
despenalizadoras atingissem todo e qualquer processo, independentemente do estágio em que se encontrava.
Lembremos dois exemplos um tanto mais antigos. É sabido que os crimes
contra a economia popular e os crimes de imprensa, tiveram seus julgamentos afetos ao Júri
popular. Com o advento do Decreto-lei n° 2/66, foi extinto o Júri para aqueles primeiros
delitos. Em relação aos crimes de imprensa, a Lei n° 5.250/67, não mais previu a competência do Júri para seu julgamento. Suponha-se (há notícia de condenações no Júri pela prática
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de crimes de imprensa – 3), que um réu tenha sido condenado, perante o Júri, por um
desses delitos e que, nesse meio tempo, tenha sido extinta a competência do Tribunal popular para o julgamento do feito. Imagine-se, mais, que o réu, condenado,
interpusesse apelação ao Tribunal, argumentando que ocorreu nulidade posterior à
pronúncia (art. 593, III, a do CPP). Não teria cabimento se negar ao condenado o
direito a um segundo julgamento, ainda perante o plenário, sob o fundamento de
que, extinta a competência do Júri, também restaria prejudicado o segundo julgamento. Ora, se o crime foi perpetrado ao tempo em que vigorava a competência do
Tribunal popular, irrelevante sua posterior extinção, devendo ser preservado, nesse
caso, o direito de defesa do réu que, por isso, merece um segundo julgamento.
Haverá quem provoque, face aos argumentos elencados, que constitui então verdadeira letra morta o disposto no art. 2° do CPP, ao determinar a imediata
incidência da norma processual, em atenção ao princípio do tempus regit actum. Não é
bem assim. Identificada uma norma de natureza exclusivamente processual e, em um
segundo momento, constatando-se que sua adoção, de imediato, não acarreta qualquer
prejuízo ao acusado, ela terá eficácia desde logo. A própria reforma do Júri em estudo
traz elucidativo exemplo. Com efeito, foi extinto o libelo-crime acusatório, que possuía
um objetivo unicamente processual (diga-se, desnecessário), consistente em resumir o
conteúdo da acusação que seria manejada em plenário, atento ao teor da sentença de
pronúncia. Pois bem. O libelo, de natureza, insiste-se, processual, e sua conseqüente
extinção, não acarreta, nem de longe, qualquer espécie de prejuízo ao acusado. A sentença de pronúncia, destarte, passa a exercer a mesma função antes reservada ao libellum.
Dessa forma, com a entrada em vigor da reforma do Júri, está extinto o libelo, pouco
importando, nesse caso específico, se o delito atribuído ao acusado foi perpetrado anteriormente à novatio legis. Isso em virtude da conjugação de dois elementos que tornamos a ressaltar: a natureza unicamente processual do libelo e a impossibilidade de se
cogitar qualquer espécie de prejuízo ao acusado com sua extinção.
É a doutrina que já se forma a respeito do tema, conforme se observa
de lúcido artigo da lavra de Rômulo de Andrade Moreira, intitulado “O fim do protesto
por novo júri e a questão do direito intertemporal”. Nele o autor baiano conclui que,
efetivamente, para os delitos perpetrados antes da entrada em vigor da reforma, deve-se
preservar a possibilidade de oposição do protesto por novo júri em prol dos réus que
atenderem os pressupostos autorizadores desse recurso. Sua conclusão é forte na esteira do ensinamento de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, para quem “se a
norma processual contém dispositivo que, de alguma forma, limita direitos fundamentais do cidadão, materialmente assegurados, já não se pode defini-la como norma puramente processual, mas como norma processual com conteúdo material ou norma mista.
Sendo assim, a ela se aplica a regra de direito intertemporal penal e não processual”.
Insistimos no tema em face de sua relevância. Sem embargo do disposto no art. 2° do CPP que, em adoção ao princípio do tempus regit actum, determina
a aplicação da lei processual de imediato e mesmo se reconhecendo, sem sombra de
dúvida, que a matéria referente a recurso (no caso o protesto por novo júri), tem caráter
exclusivamente processual, não há como se impedir que, para os crimes perpetrados
antes da entrada em vigor da nova disciplina do Júri, possam seus autores, caso condenados a penas iguais ou superiores a 20 anos, se valer do mencionado recurso. Pensar-
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se de forma diversa implicaria em restringir o direito de recurso do réu (recurso que,
aliás, neste caso é exclusivo do réu), em afronta à ampla defesa e ao duplo grau de
jurisdição, previstos na Constituição de forma expressa (no primeiro caso), e como
conseqüência de uma análise sistemática (na segunda hipótese). Eventual omissão do
legislador, que não excepcionou a ultratividade da lei processual penal anterior, mais
benéfica, não deve levar à conclusão, segundo pensamos, no sentido de que o protesto
por novo júri, com a entrada em vigor da nova lei, acha-se automaticamente extinto.
Não mais subsistirá – insistimos – para os crimes perpetrados em data posterior à vigência da lei. Mas para os delitos cometidos anteriormente, deve-se garantir, ao seu
autor, o direito ao mencionado recurso, desde que, evidentemente, preenchidos os
requisitos e pressupostos que o autorizam.
Notas
1) TOURINHO, Filho
Filho. Processo penal, Saraiva: São Paulo, 26ª. ed.,
2004, vol. I, p. 113).
2) ADIn n° 1.719-DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 18.06.2007.
3) Revista Forense 117/568, 118/558; Arquivo Judiciário 100/2007.
4) MOREIRA, Rômulo de Andrade
Andrade. Publicado no sítio
www.jusnavigandi.com.br, acessado em 14.06.2008.
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AL
TERAÇÕES
ALTERAÇÕES
NO
RIT
O DO JÚRI
RITO
WALFREDO CUNHA CAMPOS
7º Promotor de Justiça do IV Tribunal do Júri da Capital
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AL
TERAÇÕES NO RIT
O DO JÚRI
ALTERAÇÕES
RITO
Introdução
Com o advento da Lei 11.689, de 9 de junho de 2008, que alterou
completamente o rito do júri, uma multifária gama de dificuldades surgiram, tolhendo, especialmente, as funções do Ministério Público. Contra essa Instituição, especialmente, foram erigidas restrições autoritárias inéditas no nosso ordenamento jurídico, com a nítida intenção de privilegiar, em demasia, os interesses da defesa e do
réu, em detrimento dos interesses sociais encarnados pelo parquet. Comentaremos
alguns dos grandes defeitos dessa lei obtusa, sem técnica nem lógica, olimpicamente ignoradora da realidade nacional.
Tempo dos debates
O tempo destinado à acusação e à defesa passou a ser de uma hora e
meia para cada, e de uma hora para a réplica e outro tanto para a tréplica (art. 477 do
CPP). Havendo mais de um acusado, o tempo para a acusação e à defesa será de duas
horas e meia para a acusação e a defesa; a réplica e a tréplica serão de duas horas (art.
477, parágrafo 2º, do CPP).
Sem dúvida alguma, essa foi a pior de todas as modificações da Lei 11.689,
de 9 de junho de 2008, que alterou o rito do Júri. A fala inicial da acusação e da defesa
sempre foi mais longa - o tempo fixado pela lei, revogado, era de duas horas para cada parte
- porque, nessa oportunidade, os tribunos narravam os fatos, e apresentavam suas provas e
argumentos, o que necessariamente demandava tempo maior. A réplica e a tréplica, mais
curtas - pela lei antiga, de meia hora para cada tribuno - eram utilizadas para possibilitar às
partes rebater os argumentos do adversário, deixando aos jurados a oportunidade de decidir, após terem presenciado um verdadeiro exercício dialético de teses e antíteses. Invertendo a lógica, o bom senso e a experiência prática, num verdadeiro exercício surrealista,
resolveu o legislador subtrair meia hora da fala inicial da acusação e da defesa, fixando-a em
uma hora e meia e acrescentar 30 minutos à réplica e à tréplica. Isto significa que, quando o
jurado mais precisa de informações para compreender a causa em seus delineamentos básicos, como narrativa dos fatos e análise das provas, se tolhe dele a possibilidade dessa compreensão, limitando o tempo do expositor. Depois, resolve-se, como um ato de verdadeira
mágica, acrescentar-se aquela meia hora surrupiada do discurso inicial ao tempo da réplica e
da tréplica. Réplica e tréplica que, como vimos, se prestam, primordialmente, para rechaçar
as teses do adversário, após a causa ter sido esclarecida aos jurados em seus pontos
cardeais. Em síntese: os jurados, sem saberem aquilo que de essencial existe na causa, porque o tempo da fala inicial pode não ter sido suficiente para isso, serão ainda confundidos
pelos contra-argumentos de cada parte, na réplica e na tréplica, sem falar na possibilidade de
cada tribuno reiniciar seu discurso de onde parou para completá-lo... Como dizia o es-
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tadista britânico Winston Churchill, se isso for prova de inteligência, deve estar muito
bem escondida...
Poder-se-ia dizer que o tempo fixado pela nova lei para o discurso
inicial é suficiente. Para o processo de Júri não muito volumoso nem complexo, pode
ser que sim. Mas, para casos de grande complexidade (que são inúmeros), o tempo de
uma hora e meia estará certamente aquém das necessidades do tribuno de expor e do
jurado de entender. Basta pensar em um grande processo de Júri, com mais de 20 volumes, por exemplo, em que estão registradas provas testemunhais (podem ser dezenas de
testemunhas), periciais (reprodução simulada dos fatos, prova de balística, exame de
DNA etc.), as declarações das vítimas, acareações, reconhecimentos de pessoas e coisas, interrogatórios dos acusados... como sintetizar toda esse arcabouço probatório
documentado em quatro mil páginas, em linguagem acessível e não técnica, dispondo de
apenas uma hora e meia?!! E mais, o tribuno, na impossibilidade de verbalizar tudo
aquilo que é necessário ao jurado saber, será obrigado, forçosamente, a reiniciar, na
réplica e tréplica, seu discurso anterior, ao mesmo tempo que já passa a rebater os
argumentos do seu adversário. E o jurado terá que entender essa balbúrdia toda!!
Como dizia nosso estadista Rui Barbosa, o senso comum, no Brasil, é
o menos comum dos sensos...
Propalou-se que a reforma do Júri foi aprovada para aprimorar a instituição e como uma medida endurecedora contra a criminalidade. Ora, na prática, o
que, tragicamente, ocorrerá é o inverso. Nos julgamentos de casos complexos e volumes, como o que acima exemplificamos, muitos deles de repercussão nacional, na impossibilidade ou, pelo menos, extrema dificuldade de o jurado entender, de maneira
lógica, o sentido mais profundo daquilo que disseram as partes, não restará outro caminho a ele, na dúvida, que o veredicto absolutório. Essa é a tragédia que se avizinha, mas
serão apontados pela mídia como responsáveis por esse descalabro da Justiça, não aqueles
que aprovaram lei tão mal-feita, ilógica, contraditória, confusa, obtusa e maléfica como
a que, infelizmente, hoje vige no Brasil, mas os cidadãos-jurados e o promotor...
Censura aos debates
Tem o art. 478 do CPP a seguinte redação:
“Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de
nulidade, fazer referências:
I - à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram
admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;
II - ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de
requerimento, em seu prejuízo”.
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Proibição de as partes se referirem ao teor da decisão de pronúncia,
como argumento de autoridade
O que significa esse argumento de autoridade? Ao que parece, quis o
legislador impedir que o tribuno em seu discurso leia trechos da decisão de pronúncia
ou do acórdão que julgaram admissível a acusação e argumente que o juiz técnico ou os
desembargadores do Tribunal de Justiça, com a autoridade que lhes é própria, entenderam que há prova da materialidade, indícios de autoria de que foi o acusado o autor do
crime ou que estão evidenciadas as qualificadoras articuladas na denúncia e, com isso,
influenciar os jurados. Esse dispositivo tem, portanto, alvo certo: o Ministério Público,
a quem, a partir de agora, será imposta severa censura quando discursar no Tribunal do
Júri. E o interessante é que se o juiz de primeiro grau impronunciar, absolver sumariamente o acusado ou desclassificar a infração, e houver pelo Tribunal provimento do
recurso interposto pela acusação, a situação em plenário, quando dos debates, será, no
mínimo, esdrúxula: ao promotor de justiça estará vedada a manifestação a respeito da
decisão que julgou admissível a acusação (in casu, o acórdão do tribunal), como argumento de autoridade, já à defesa não são impostas restrições: poderá o defensor discorrer livremente quanto ao teor da decisão de primeiro grau reformada (impronúncia,
desclassificação ou absolvição sumária), inclusive referindo-se a tais atos como argumento de autoridade. Esqueceu-se, entretanto, a lei, tão preocupada em impossibilitar
que os jurados se influenciem pela deletéria fala da acusação que, na hipótese de ser
provido o recurso do Ministério Público, invalidando um veredicto absolutório por
considerá-lo manifestamente contrário à prova dos autos (art. 593, inciso III, alínea d,
do CPP) não haverá qualquer vedação que o promotor utilize, como argumento de
autoridade, dos termos do acórdão! Quer dizer: à acusação é vedado usar da pronúncia,
uma decisão meramente processual que julga admissível a acusação, como argumento
de autoridade, mas pode, sem peias, explorar todos os argumentos de autoridade de
uma decisão de mérito - que é o acórdão que invalidou o julgamento anterior por julgálo imprestável! Que técnica primorosa tem essa nova legislação! Não é possível, ainda,
deslembrar-se que o art. 476 do CPP estabelece que o Ministério Público fará a acusação nos limites da pronúncia; ora, como fazê-lo sem referir-se a tal decisão?! E mais:
pelo texto da lei, a mera referência à decisão de pronúncia sem usá-la como argumento
de autoridade é permitida. Ou seja, ler a decisão de pronúncia sem enaltecer seu prolator
é perfeitamente admissível e não induziria nulidade alguma! Realmente, a qualidade da
nossa legislação vem, cada dia mais, decaindo!!!
Proibição de se manifestar a respeito da determinação para que o
acusado permaneça algemado, como argumento de autoridade
Não pode a acusação em seu discurso fazer qualquer tipo de referência à
decisão do juiz presidente que determinou que o acusado permanecesse algemado durante a
sessão plenária. Segundo determina a lei, deve ignorar tal providência inerente ao poder de
polícia do magistrado. O interessante é que não há vedação, nem censura, ao adversário: à
defesa, é perfeitamente lícito, quando de sua fala, discorrer livremente quanto à decisão
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judicial que não determinou fosse o réu algemado. Em miúdos: ao promotor é vedado
explorar demagogicamente a condição de algemado do acusado para tentar convencer os
jurados que ele seria perigoso; mas o inverso não é verdadeiro, pode o defensor, também
demagogicamente, explorar a pouca experiência dos jurados para tentar persuadi-los que o
acusado não oferece qualquer perigo, tanto que o magistrado sequer determinou fosse ele
algemado... O razoável é entender que, tanto a acusação quanto a defesa estão proibidos
de se manifestar, em seus discursos, a respeito da medida administrativo-cautelar em comento. É a maneira de se adaptar essa disposição à Justiça e à Constituição Federal.
Proibição de se fazer referências ao silêncio do acusado ou à
ausência de interrogatório em seu prejuízo
A lei veda que a acusação faça qualquer comentário ao silêncio em
que se manteve o acusado no seu interrogatório, ou a ausência do próprio ato, em
prejuízo do réu. No entanto, obviamente, poderá a defesa fazer referência à existência do interrogatório e explorar o seu teor, em benefício do réu. Mais: o legislador copiou a regra esculpida no parágrafo único do art. 186 do CPP que trata da
vedação do magistrado togado tomar o silêncio do réu como confissão e implantou
no artigo referido que trata dos discursos das partes, exigindo que o membro do
Ministério Público, que não é juiz e apenas postula, passe a atuar como se fosse
decidir a causa! Se o que se pretendia era evitar a influência negativa da ausência de
interrogatório quanto aos jurados, perdeu-se tempo com esse artigo absurdamente
autoritário. A norma que impõe ao juiz togado desconsiderar o silêncio do réu quando
do seu julgamento, evidentemente não pode alcançar o juiz leigo que decide pela
íntima convicção sem fundamentar o seu voto.
Da análise de todas essas proibições, criadas, sem dúvida alguma,
com a finalidade de tolher os movimentos da acusação, resta perguntar: e a paridade
de armas processuais entre a acusação e a defesa, corolário do princípio da igualdade (art. 5º, inciso I, da CF), deixou de existir? Ao Ministério Público é imposto
censura; à defesa, é garantida ampla liberdade de expressão, e ainda continuamos
em uma democracia? Para a acusação, o cativeiro da palavra; para a defesa, a
liberdade? É óbvia a inconstitucionalidade do artigo em estudo por afronta visceral
ao princípio da igualdade.
Quanto a esse princípio basilar de nossa Constituição, assim se manifesta Alexandre de Moraes:
“A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não
razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para
que as diferenciações normativas possam ser consideradas não
discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente
aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e aos efeitos
da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável rela-
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ção de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de
uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado”. 1
E qual é a justificativa objetiva e razoável que explica esse tratamento legislativo discriminatório entre a acusação e a defesa? Poder-se-ia dizer que o
tratamento desigual das partes em plenário decorre do princípio constitucional da plenitude de defesa (art. 5º, inciso XXXVIII, alínea a, da CF). Nada mais falso. Como já
tivemos oportunidade de expor em mais de uma oportunidade, o significado desse princípio é o de assegurar ao acusado de um crime doloso contra a vida uma defesa técnica
efetiva e de qualidade superior à média das defesas penais exercidas em outros processos criminais; uma atuação profissional competente, portanto. E já existe o mecanismo
legal de controle da qualidade da atuação defensiva, e, por conseqüência, de respeito à
norma constitucional citada, que é a fiscalização do juiz presidente do discurso defensivo, podendo nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo,
nesse caso, dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a constituição de novo defensor (art. 497, inciso V, do CPP).
Em suma, a plenitude de defesa é materializada, como direito do réu,
através do bom desempenho do advogado e resguardada, como garantia daquele direito, pela fiscalização de sua potencial eficiência persuasiva frente aos jurados pelo magistrado. É o que basta para cumprir-se o mandamento constitucional e todo o mais é
excesso espúrio que deve ser expurgado do nosso ordenamento jurídico. Não existe
necessidade de se impor censura à temática do discurso acusatório a fim de se possibilitar o
direito do acusado à plenitude de defesa. A defesa, como é óbvio, pode ser plena gozando as
partes, igualmente, de liberdade de expressão. Inexiste, portanto, justificativa objetiva e
razoável que explique esse tratamento legislativo discriminatório, preconceituoso e
odioso entre a acusação e a defesa, e o art. 478 do CPP deve ser extirpado do mundo
jurídico por ser claramente inconstitucional.
E os fins justificariam os meios? A desigualdade entre a acusação e a
defesa estaria justificada porque é o meio de se alcançar a plenitude de defesa? Em
primeiro lugar, como vimos acima, a defesa plena é alcançável sem a imposição da
mordaça ao Ministério Público. Mesmo que, por elucubração cerebrina, se entendesse
que a diferenciação entre a acusação e a defesa fosse o meio indispensável de se materializar o excelso princípio da plenitude de defesa (art. 5º, inciso XVIII, alínea a, da CF),
não se poderia esquecer que a igualdade entre o Ministério Público e a defesa, em
plenário de julgamento, é o único modo de se velar pelos princípios, não menos importantes, da igualdade (art. 5º, inciso I, da CF), da livre manifestação do pensamento (art.
5º, inciso IV, da CF), da livre expressão da atividade intelectual (art. 5º, inciso IX, da
CF), do contraditório (art. 5º, inciso LV, da CF). Haveria, então, nessa hipótese uma
antinomia, um conflito de normas de mesmo status constitucional. Como não existe
direito fundamental absoluto, seria necessária a harmonização sistêmica entre as referidas normas. Como ensina, novamente, Alexandre de Moraes:
1
Direito Constitucional, MORAES, Alexandre de, 20ª ed., Editora Atlas, São Paulo, 2006, p. 32.
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“Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos
demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (princípio da
relatividade ou convivência das liberdades públicas). Desta forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o
intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da
harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma
redução proporcional do verdadeiro significado da norma e da harmonia do
texto constitucional com sua finalidade precípua”2.
Dessa maneira, o único modo de se harmonizarem os princípios constitucionais mencionados que estariam em conflito entre si seria a de se não impor
limites temáticos ao Ministério Público, dando-lhe a mesma liberdade que usufrui a
defesa; afinal a defesa plena não seria esvaziada pela igualdade com o Ministério Público, mas a desigualdade entre os contendores em plenário aniquilaria o princípio da
isonomia. Isso sem dizer que, pensamento diverso, estaria, por via indireta, desprezando o mais fundamental de todos os direitos, o pressuposto do exercício e gozo de todos
os outros: o direito à vida (art. 5º, caput, da CF), que só pode ser defendido, verdadeiramente, pelo Ministério Público, se ele gozar de liberdade igual à defesa para sustentar
oralmente, acusando o seu transgressor, perante o Tribunal do Júri.
Para arrematar a questão, resta apenas uma lembrança histórica.
Quando o nosso Código de Processo Penal foi decretado, no auge da ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas em nosso país, não se teve a audácia de censurar a fala dos
tribunos do Júri. Hoje, vivemos numa democracia que castra a palavra do Ministério
Público, sob o pretexto falso de amparar a defesa do acusado.
A providência prática recomendável nessa situação em que o artigo de lei é evidentemente inconstitucional seria de o juiz presidente, de ofício ou a
requerimento do promotor de justiça, declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade
da norma, autorizando o Ministério Público a debater sem peias, igualando-o à defesa.
Isso enquanto não for ajuizada ação direita de inconstitucionalidade para expungir essa
atrocidade normativa que envergonha a consciência jurídica nacional.
Sigilo das votações
Na seção na qual a lei trata do questionário e sua votação, é estabelecido,
como regra indeclinável e cogente, nos parágrafos 1º e 2º do art. 483 do CPP, que a resposta
afirmativa ou negativa de quatro jurados aos quesitos referentes à materialidade ou à autoria,
encerram a votação, absolvendo-se ou condenando-se o acusado. Essas disposições legais
pareciam, finalmente, trazer efetividade ao princípio constitucional do sigilo das votações
(art. 5º, inciso XXXVIII, alínea b, da CF) que sempre foi desrespeitado quando as votações
eram unânimes. Surpreendentemente, o art. 489 do CPP afirma que as decisões do Tribunal
do Júri serão tomadas por maioria de votos, deixando claro que os votos dos jurados devem
ser contados até o fim, não se encerrando a votação no quarto voto, como determinam os
2
Direito Constitucional, MORAES, Alexandre de, 20ª ed., Editora Atlas, São Paulo, 2006, p. 28.
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parágrafos 1º e 2º do art. 483 do CPP acima comentados - o que acabaria por tornar de
conhecimento público a tomada de decisão de cada jurado, quando o veredicto for unânime.
A confirmar a insuperável contradição, o art. 488 do CPP dispõe que o
escrivão registre no termo a votação de cada quesito, os números de votos afirmativos ou
negativos que cada indagação recebeu. Se seguirmos a literalidade da lei, estará garantido o
sigilo das votações referentes aos quesitos de materialidade e autoria apenas; aos demais,
não. Isso significa dizer que ao mais importante dos quesitos - aquele que indaga aos jurados
se absolvem o acusado - não se concede o sigilo da votação! Aos outros quesitos também
não, como, por exemplo, o da tentativa, o da causa de diminuição de pena, o da causa de
aumento de pena, o das qualificadoras! O legislador criou, na sua incomparável imaginação,
um sigilo parcial, de trechos da votação, quando a Constituição Federal é clara em determinar o sigilo das votações, ou seja, do veredicto como um todo. Em suma, ou não há
sigilo algum dos resultados de todos os votos, como ocorria com a lei revogada, ou esse
sigilo é completo abarcando todo o questionário; não é possível encontrar-se uma fórmula
híbrida entre os dois sistemas, sob pena de se incorrer em crassa ilogicidade como vimos
acima. E como conciliar essa legislação esquizofrênica? As normas citadas, francamente
colidentes, estão no mesmo patamar infraconstitucional, de modo que uma não possui, de
per se, prevalência hierárquica em relação à outra. A única maneira eficaz de se solucionar
esse dilema, elegendo a norma que deve prevalecer, é buscar, entre elas, a disposição que
seja mais compatível, que se afine melhor com o espírito da Constituição Federal. Encontrada essa harmonia entre a Lei Maior e determinado dispositivo infraconstitucional, o outro
dispositivo, que disponha de maneira diversa, não estará mais assentado no fundamento de
validade de todas as normas - a Constituição Federal, e não terá, portanto, eficácia,
remanescendo no mundo jurídico, produzindo todos os seus efeitos, apenas aquela outra.
Não é difícil perceber que os artigos de lei que garantem o sigilo das votações (parágrafos 1º
e 2º do art. 483 do CPP) são compatíveis com o espírito da Constituição Federal que explicita,
como vimos, em forma de princípio próprio do Júri, mencionado sigilo; claro que as normas
que impedem o sigilo do resultado das votações (arts. 488 e 489 do CPP) se chocam com a
Lei Maior e não podem ser aplicadas. Numa análise especialmente prática: o juiz, quando for
proceder à votação deve seguir o método dos parágrafos 1º e 2º do art. 483 do CPP (que
impõe o encerramento da votação depois do quarto voto), para todos os quesitos, declarando, incidentalmente, a inconstitucionalidade dos arts. 488 e 489 do CPP. Informará também o juiz em sua decisão que, a fim de concretizar a garantia individual do jurado ao sigilo
de seu voto, interrompeu a votação quando foi colhido o quarto voto idêntico (quatro votos
sim ou não). Por fim, ficará consignado no decisum que a interrupção da colheita dos votos
não trouxe nenhum prejuízo às partes, que fiscalizaram toda a votação e não reclamaram de
anormalidade em seu desenvolvimento, além do que o resultado final do julgamento não se
alteraria se houvesse a continuidade na arrecadação de votos.
Buscando-se o histórico legislativo desse despautério em estudo, podese entender como se conseguiu chegar a essas disposições verdadeiramente suicidas.
Foi objeto de substitutivo do Senado Federal o art. 489 do CPP que teria, se tivesse
prevalecido a vontade daquela Casa, a seguinte redação: “as decisões do Tribunal do
Júri serão tomadas sempre por maioria e a resposta coincidente de mais de 3 (três)
jurados a qualquer quesito encerra a contagem dos votos referentes a ele”. Ocorre que, na
Câmara dos Deputados, referido substitutivo foi rejeitado e o art. 489 do CPP passou a
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prevalecer com a seguinte redação: “as decisões do Tribunal do Júri serão tomadas por
maioria de votos”, exigindo que os votos dos jurados fossem contados até o fim, mesmo
quando já se soubesse qual fosse a tese vencedora. Como se esqueceu de se alterar também
os demais artigos incompatíveis com a nova redação aprovada pela Câmara dos Deputados
ao art. 489 do CPP, que são o parágrafo 1º e 2º do art. 483 do CPP, que disciplinam a
votação de maneira completamente diferente (exigindo que a votação termine no 4º voto), o
resultado final foi um sistema de colhimento de votos completamente amalucado. De um
lado, os parágrafos 1º e 2º, do art. 483 do CPP, representam a vontade do Senado Federal;
o artigo 489 do CPP, a da Câmara dos Deputados. Não haveria qualquer problema nessa
soma de vontades dessas duas Casas, se os dispositivos não fossem antagônicos e incompatíveis de permanecer na mesma lei!
Vale a pena conhecer qual foi a fundamentação do preclaro deputado
relator que rejeitou a acertadíssima modificação pretendida pelo Senado Federal que
estabelecia o fim das votações quando houvesse resposta coincidente de mais de três
jurados a qualquer quesito. Assim se manifestou o nobre deputado:
“(...) Por fim, rejeito a modificação XXVI, pois a redação dada pela Câmara
dos Deputados ao artigo 489 do CPP é mais compatível com a natureza
colegiada do julgamento, permitindo o conhecimento da manifestação de
todos os julgadores. Ademais, a sistemática proposta pelo Senado Federal
não encontra semelhança com nenhum outro instituto de nosso sistema
jurídico, pois, quando do julgamento por Câmaras ou Turmas, todos os
julgadores votam e têm seus votos computados. Finalmente, a experiência
prática demonstra que o cômputo da posição de todos os jurados é importante elemento de convicção quando do julgamento de recursos, uma vez
que, obviamente, julgamentos por unanimidade tendem a ter uma maior força
persuasiva (...)”.
Ousamos discordar do posicionamento do insigne deputado. Entende o
nobre representante do povo que as votações do Tribunal do Júri devem seguir os parâmetros
das votações dos colegiados formados por juízes togados, quando os votos de todos os seus
componentes são contados. Ocorre que esquece Sua Excelência que a magistratura togada
tem assegurada a si garantias ao livre e independente exercício de sua profissão, como a
vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos (art. 95, incisos I, II e III, da
CF.), o que já não ocorre com os jurados. Exatamente por não terem os juízes leigos
essas garantias que se deve protegê-los com o sigilo das votações. Não resiste, portanto,
a uma análise séria, a analogia mencionada. No que pertine ao “importante elemento de
convicção” que seria trazido pelo resultado dos votos de cada quesito para que o Tribunal
analise do acerto ou erro das decisões do Conselho de Sentença, fica claro que tal assertiva
ignora, completamente, o princípio da soberania dos veredictos, pois parece autorizar a reforma do mérito pela Justiça Togada da decisão dos jurados, censurando seu veredicto por
não lhe parecer tecnicamente correto, unicamente porque a quantidade de votos em tal ou
qual sentido não lhe pareceu apropriada!
Descendo ao campo eminentemente prático, imaginemos uma situação
não improvável. Preso um traficante e assassino perigoso, integrante do crime organizado, é
processado, pronunciado e levado a julgamento popular. Depois de dias de julgamento, os
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jurados se recolhem à sala secreta e deliberam, por unanimidade, sua condenação. Lida a
sentença condenatória, como diz a lei, a portas abertas, referindo-se o juiz à sua unanimidade, toda a assistência, repleta de comparsas do gangster, tão ou mais perigosos que ele,
saberão que aquelas sete pessoas condenaram o acusado. Ficarão os juízes leigos tranqüilos? Onde é que está o sigilo das votações, insculpido na nossa Constituição Federal quando
o veredicto é unânime?
Em casos mais prosaicos, nos Júris de todos os dias, cujos réus são ilustres desconhecidos, quantas e quantas vezes nós não vemos jurados temerosos, e com razão, pela sua própria vida e de sua família, caso os familiares, amigos ou o próprio acusado
resolvam se vingar deles, agora que ficaram sabendo, pela unanimidade da decisão, que
todos os integrantes do corpo de sentença condenaram o réu. A hipótese contrária, embora
mais rara, pode acontecer: os familiares ou amigos da vítima ou a própria, irresignados com
a decisão unânime absolutória, deliberam acertar as contas com os juízes leigos. Repetimos:
onde é que está o sigilo das votações insculpido na nossa Constituição Federal, quando o
veredicto é unânime? E respondemos: está apenas no papel da Carta da República, pois, na
realidade, esse princípio não existe, quando todos os votos são iguais.
E por que deixar os jurados temerosos de decidir de acordo com suas
consciências e com os ditames da justiça, por medo de represálias? Unicamente porque
o nosso legislador entendeu, equivocadamente como vimos, que o cômputo dos votos
dos jurados é um “importante elemento de convicção” quando do julgamento de eventuais recursos!? Ou porque quer a nossa lei que o escrivão lavre um estúpido termo de
votação aonde irão se anotar todos os votos proferidos. E para que isso? Dirão: é para
evitar fraudes. Mas então não se confia na capacidade moral dos juízes, dos jurados, do
oficial de justiça, do escrivão, nem na capacidade intelectual do promotor e do defensor
de fiscalizarem o julgamento? Além do mais, todas as cédulas com sim e não são
verificadas pelo presidente e observadas pelas partes no momento da votação! Por que
então esse malsinado e inútil termo de votação? Para nada!
O único modo prático, como vimos, de se cumprir a Constituição,
quanto à garantia dada ao jurado do sigilo de sua deliberação, é fazer com que a votação
se interrompa quando a decisão de qualquer quesito chegar ao quarto voto repetido sim
ou ao quarto voto repetido não, como determinam os parágrafos 1º e 2º do art. 483 do
CPP, uma vez que, mesmo que os outros três sejam opostos, o resultado não se alterará.
Então por que continuar com a apuração dos outros votos, se já se sabe como decidiram
os jurados? De duas uma: ou é para dar cobro a uma ridícula exigência formal
infraconstitucional ou é para satisfazer egos de oradores que gostam de arrotar seus
feitos tribunícios, se referindo aos escores de seus jogos ganhos. De um jeito ou de
outro, um artigo burocrático de uma lei federal ou o peito estufado de alguns pavões
não podem falar mais alto que a Carta Magna.
Caso não seja esse o entendimento dos magistrados, que ao menos não
mencionem em suas sentenças o conteúdo do indigitado termo de votação. Não sendo uma
obrigação do juiz essa referência ao resultado das votações, entendemos deva o presidente
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deixar de alardeá-lo em sua decisão, com a finalidade de dar a tranqüilidade merecida aos
jurados. Omisso o número de votos do veredicto quando da leitura em público da sentença,
os jurados estarão, na medida daquilo que hoje permite a lei, um pouco mais seguros quanto
ao sigilo de seu voto, pelo menos naquele instante, com relação às pessoas que assistiram ao
ato solene. Já depois...
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LEI Nº 111.689,
1.689, DE 9 DE JUNHO DE 2008.
Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 –
Código de Processo Penal, relativos ao Tribunal do Júri, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso
Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o O Capítulo II do Título I do Livro II do Decreto-Lei no 3.689, de
3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:
“CAPÍTULO II
DO PROCEDIMENTO RELATIVO AOS PROCESSOS DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI
Seção I
Da Acusação e da Instrução Preliminar
‘Art. 406. O juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação
do acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.
§ 1o O prazo previsto no caput deste artigo será contado a partir do
efetivo cumprimento do mandado ou do comparecimento, em juízo, do acusado ou de defensor constituído, no caso de citação inválida ou por edital.
§ 2o A acusação deverá arrolar testemunhas, até o máximo de 8 (oito), na
denúncia ou na queixa.
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§ 3o Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo que
interesse a sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, até o máximo de 8 (oito), qualificando-as e requerendo sua
intimação, quando necessário.’ (NR)
‘Art. 407. As exceções serão processadas em apartado, nos termos dos
arts. 95 a 112 deste Código.’ (NR)
‘Art. 408. Não apresentada a resposta no prazo legal, o juiz nomeará
defensor para oferecê-la em até 10 (dez) dias, concedendo-lhe vista dos autos.’ (NR)
‘Art. 409. Apresentada a defesa, o juiz ouvirá o Ministério Público ou o
querelante sobre preliminares e documentos, em 5 (cinco) dias.’ (NR)
‘Art. 410. O juiz determinará a inquirição das testemunhas e a realização
das diligências requeridas pelas partes, no prazo máximo de 10 (dez) dias.’ (NR)
‘Art. 411. Na audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de
declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate.
§ 1o Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento
e de deferimento pelo juiz.
§ 2o As provas serão produzidas em uma só audiência, podendo o juiz
indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.
§ 3o Encerrada a instrução probatória, observar-se-á, se for o caso, o
disposto no art. 384 deste Código.
§ 4o As alegações serão orais, concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez).
§ 5o Havendo mais de 1 (um) acusado, o tempo previsto para a acusação e a defesa de cada um deles será individual.
§ 6o Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação deste,
serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa.
§ 7o Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível à prova faltante,
determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer.
§ 8o A testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da
suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no caput deste artigo.
§ 9o Encerrados os debates, o juiz proferirá a sua decisão, ou o fará em
10 (dez) dias, ordenando que os autos para isso lhe sejam conclusos.’ (NR)
‘Art. 412. O procedimento será concluído no prazo máximo de 90 (noventa) dias.’ (NR)
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Seção II
Da Pronúncia, da Impronúncia e da Absolvição Sumária
‘Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de
participação.
§ 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da
materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação,
devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as
circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.
§ 2o Se o crime for afiançável, o juiz arbitrará o valor da fiança para a
concessão ou manutenção da liberdade provisória.
§ 3o O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação
ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de
quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código.’ (NR)
‘Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente,
impronunciará o acusado.
Parágrafo único. Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova.’ (NR)
‘Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado,
quando:
I – provada a inexistência do fato;
II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato;
III – o fato não constituir infração penal;
IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste
artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei no 2.848, de
7 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.’ (NR)
‘Art. 416. Contra a sentença de impronúncia ou de absolvição sumária
caberá apelação.’ (NR)
‘Art. 417. Se houver indícios de autoria ou de participação de outras
pessoas não incluídas na acusação, o juiz, ao pronunciar ou impronunciar o acusado, determinará o retorno dos autos ao Ministério Público, por 15 (quinze) dias, aplicável, no que
couber, o art. 80 deste Código.’ (NR)
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‘Art. 418. O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da constante da acusação, embora o acusado fique sujeito a pena mais grave.’ (NR)
‘Art. 419. Quando o juiz se convencer, em discordância com a acusação, da existência de crime diverso dos referidos no § 1o do art. 74 deste Código e não for
competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja.
Parágrafo único. Remetidos os autos do processo a outro juiz, à disposição deste ficará o acusado preso.’ (NR)
‘Art. 420. A intimação da decisão de pronúncia será feita:
I – pessoalmente ao acusado, ao defensor nomeado e ao Ministério Público;
II – ao defensor constituído, ao querelante e ao assistente do Ministério
Público, na forma do disposto no § 1o do art. 370 deste Código.
Parágrafo único. Será intimado por edital o acusado solto que não for
encontrado.’ (NR)
‘Art. 421. Preclusa a decisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao juiz presidente do Tribunal do Júri.
§ 1o Ainda que preclusa a decisão de pronúncia, havendo circunstância
superveniente que altere a classificação do crime, o juiz ordenará a remessa dos autos ao
Ministério Público.
§ 2o Em seguida, os autos serão conclusos ao juiz para decisão.’ (NR)
Seção III
Da Preparação do Processo para Julgamento em Plenário
‘Art. 422. Ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do
defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor
em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e
requerer diligência.’ (NR)
‘Art. 423. Deliberando sobre os requerimentos de provas a serem produzidas ou exibidas no plenário do júri, e adotadas as providências devidas, o juiz presidente:
I – ordenará as diligências necessárias para sanar qualquer nulidade ou
esclarecer fato que interesse ao julgamento da causa;
II – fará relatório sucinto do processo, determinando sua inclusão em
pauta da reunião do Tribunal do Júri.’ (NR)
‘Art. 424. Quando a lei local de organização judiciária não atribuir ao
presidente do Tribunal do Júri o preparo para julgamento, o juiz competente remeter-
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lhe-á os autos do processo preparado até 5 (cinco) dias antes do sorteio a que se refere
o art. 433 deste Código.
Parágrafo único. Deverão ser remetidos, também, os processos preparados até o encerramento da reunião, para a realização de julgamento.’ (NR)
Seção IV
Do Alistamento dos Jurados
‘Art. 425. Anualmente, serão alistados pelo presidente do Tribunal do
Júri de 800 (oitocentos) a 1.500 (um mil e quinhentos) jurados nas comarcas de mais de
1.000.000 (um milhão) de habitantes, de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) nas comarcas
de mais de 100.000 (cem mil) habitantes e de 80 (oitenta) a 400 (quatrocentos) nas comarcas
de menor população.
§ 1o Nas comarcas onde for necessário, poderá ser aumentado o número de jurados e, ainda, organizada lista de suplentes, depositadas as cédulas em urna especial, com as cautelas mencionadas na parte final do § 3o do art. 426 deste Código.
§ 2o O juiz presidente requisitará às autoridades locais, associações de
classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas que reúnam as condições para exercer a função de jurado.’ (NR)
‘Art. 426. A lista geral dos jurados, com indicação das respectivas profissões, será publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano e divulgada em
editais afixados à porta do Tribunal do Júri.
§ 1o A lista poderá ser alterada, de ofício ou mediante reclamação de qualquer do povo ao juiz presidente até o dia 10 de novembro, data de sua publicação definitiva.
§ 2o Juntamente com a lista, serão transcritos os arts. 436 a 446
deste Código.
§ 3o Os nomes e endereços dos alistados, em cartões iguais, após
serem verificados na presença do Ministério Público, de advogado indicado pela Seção
local da Ordem dos Advogados do Brasil e de defensor indicado pelas Defensorias
Públicas competentes, permanecerão guardados em urna fechada a chave, sob a responsabilidade do juiz presidente.
§ 4o O jurado que tiver integrado o Conselho de Sentença nos 12 (doze)
meses que antecederem à publicação da lista geral fica dela excluído.
§ 5o Anualmente, a lista geral de jurados será, obrigatoriamente, completada.’ (NR)
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Seção V
Do Desaforamento
‘Art. 427. Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida
sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento
do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca
da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.
§ 1o O pedido de desaforamento será distribuído imediatamente e terá
preferência de julgamento na Câmara ou Turma competente.
§ 2o Sendo relevantes os motivos alegados, o relator poderá determinar,
fundamentadamente, a suspensão do julgamento pelo júri.
§ 3o Será ouvido o juiz presidente, quando a medida não tiver sido por
ele solicitada.
§ 4o Na pendência de recurso contra a decisão de pronúncia ou quando
efetivado o julgamento, não se admitirá o pedido de desaforamento, salvo, nesta última hipótese, quanto a fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado.’ (NR)
‘Art. 428. O desaforamento também poderá ser determinado, em razão
do comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da
decisão de pronúncia.
§ 1o Para a contagem do prazo referido neste artigo, não se computará o
tempo de adiamentos, diligências ou incidentes de interesse da defesa.
§ 2o Não havendo excesso de serviço ou existência de processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal
do Júri, nas reuniões periódicas previstas para o exercício, o acusado poderá requerer ao
Tribunal que determine a imediata realização do julgamento.’ (NR)
Seção VI
Da Organização da Pauta
‘Art. 429. Salvo motivo relevante que autorize alteração na ordem dos
julgamentos, terão preferência:
I – os acusados presos;
II – dentre os acusados presos, aqueles que estiverem há mais tempo na
prisão;
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III – em igualdade de condições, os precedentemente pronunciados.
§ 1o Antes do dia designado para o primeiro julgamento da reunião periódica, será afixada na porta do edifício do Tribunal do Júri a lista dos processos a serem
julgados, obedecida a ordem prevista no caput deste artigo.
§ 2o O juiz presidente reservará datas na mesma reunião periódica para a
inclusão de processo que tiver o julgamento adiado.’ (NR)
‘Art. 430. O assistente somente será admitido se tiver requerido sua habilitação até 5 (cinco) dias antes da data da sessão na qual pretenda atuar.’ (NR)
‘Art. 431. Estando o processo em ordem, o juiz presidente mandará
intimar as partes, o ofendido, se for possível, as testemunhas e os peritos, quando houver
requerimento, para a sessão de instrução e julgamento, observando, no que couber, o disposto no art. 420 deste Código.’ (NR)
Seção VII
Do Sorteio e da Convocação dos Jurados
‘Art. 432. Em seguida à organização da pauta, o juiz presidente determinará a intimação do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil e da Defensoria
Pública para acompanharem, em dia e hora designados, o sorteio dos jurados que atuarão na
reunião periódica.’ (NR)
‘Art. 433. O sorteio, presidido pelo juiz, far-se-á a portas abertas, cabendo-lhe retirar as cédulas até completar o número de 25 (vinte e cinco) jurados, para a
reunião periódica ou extraordinária.
§ 1o O sorteio será realizado entre o 15o (décimo quinto) e o 10o (décimo) dia útil antecedente à instalação da reunião.
§ 2o A audiência de sorteio não será adiada pelo não comparecimento
das partes.
§ 3o O jurado não sorteado poderá ter o seu nome novamente incluído
para as reuniões futuras.’ (NR)
‘Art. 434. Os jurados sorteados serão convocados pelo correio ou por
qualquer outro meio hábil para comparecer no dia e hora designados para a reunião, sob as
penas da lei.
Parágrafo único. No mesmo expediente de convocação serão transcritos
os arts. 436 a 446 deste Código.’ (NR)
‘Art. 435. Serão afixados na porta do edifício do Tribunal do Júri a relação dos jurados convocados, os nomes do acusado e dos procuradores das partes, além do
dia, hora e local das sessões de instrução e julgamento.’ (NR)
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Seção VIII
Da Função do Jurado
‘Art. 436. O serviço do júri é obrigatório. O alistamento compreenderá
os cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de notória idoneidade.
§ 1o Nenhum cidadão poderá ser excluído dos trabalhos do júri ou deixar de ser alistado em razão de cor ou etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou
econômica, origem ou grau de instrução.
§ 2o A recusa injustificada ao serviço do júri acarretará multa no valor de
1 (um) a 10 (dez) salários mínimos, a critério do juiz, de acordo com a condição econômica
do jurado.’ (NR)
‘Art. 437. Estão isentos do serviço do júri:
I – o Presidente da República e os Ministros de Estado;
II – os Governadores e seus respectivos Secretários;
III – os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e
das Câmaras Distrital e Municipais;
IV – os Prefeitos Municipais;
V – os Magistrados e membros do Ministério Público e da Defensoria
Pública;
VI – os servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público e da
Defensoria Pública;
VII – as autoridades e os servidores da polícia e da segurança pública;
VIII – os militares em serviço ativo;
IX – os cidadãos maiores de 70 (setenta) anos que requeiram sua dispensa;
X – aqueles que o requererem, demonstrando justo impedimento.’ (NR)
‘Art. 438. A recusa ao serviço do júri fundada em convicção religiosa,
filosófica ou política importará no dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestar o serviço imposto.
§ 1o Entende-se por serviço alternativo o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, no Poder Judiciário, na
Defensoria Pública, no Ministério Público ou em entidade conveniada para esses fins.
§ 2o O juiz fixará o serviço alternativo atendendo aos princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade.’ (NR)
‘Art. 439. O exercício efetivo da função de jurado constituirá serviço
público relevante, estabelecerá presunção de idoneidade moral e assegurará prisão especial,
em caso de crime comum, até o julgamento definitivo.’ (NR)
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‘Art. 440. Constitui também direito do jurado, na condição do art. 439
deste Código, preferência, em igualdade de condições, nas licitações públicas e no provimento, mediante concurso, de cargo ou função pública, bem como nos casos de promoção
funcional ou remoção voluntária.’ (NR)
‘Art. 441. Nenhum desconto será feito nos vencimentos ou salário do
jurado sorteado que comparecer à sessão do júri.’ (NR)
‘Art. 442. Ao jurado que, sem causa legítima, deixar de comparecer no
dia marcado para a sessão ou retirar-se antes de ser dispensado pelo presidente será aplicada multa de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos, a critério do juiz, de acordo com a sua
condição econômica.’ (NR)
‘Art. 443. Somente será aceita escusa fundada em motivo relevante devidamente comprovado e apresentada, ressalvadas as hipóteses de força maior, até o momento da chamada dos jurados.’ (NR)
‘Art. 444. O jurado somente será dispensado por decisão motivada do
juiz presidente, consignada na ata dos trabalhos.’ (NR)
‘Art. 445. O jurado, no exercício da função ou a pretexto de exercê-la,
será responsável criminalmente nos mesmos termos em que o são os juízes togados.’ (NR)
‘Art. 446. Aos suplentes, quando convocados, serão aplicáveis os dispositivos referentes às dispensas, faltas e escusas e à equiparação de responsabilidade penal
prevista no art. 445 deste Código.’ (NR)
Seção IX
Da Composição do Tribunal do Júri e da Formação do Conselho de
Sentença
‘Art. 447. O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu
presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete)
dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento.’ (NR)
‘Art. 448. São impedidos de servir no mesmo Conselho:
I – marido e mulher;
II – ascendente e descendente;
III – sogro e genro ou nora;
IV – irmãos e cunhados, durante o cunhadio;
V – tio e sobrinho;
VI – padrasto, madrasta ou enteado.
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§ 1o O mesmo impedimento ocorrerá em relação às pessoas que mantenham união estável reconhecida como entidade familiar.
§ 2o Aplicar-se-á aos jurados o disposto sobre os impedimentos, a
suspeição e as incompatibilidades dos juízes togados.’ (NR)
‘Art. 449. Não poderá servir o jurado que:
I – tiver funcionado em julgamento anterior do mesmo processo, independentemente da causa determinante do julgamento posterior;
II – no caso do concurso de pessoas, houver integrado o Conselho de
Sentença que julgou o outro acusado;
III – tiver manifestado prévia disposição para condenar ou absolver o
acusado.’ (NR)
‘Art. 450. Dos impedidos entre si por parentesco ou relação de convivência, servirá o que houver sido sorteado em primeiro lugar.’ (NR)
‘Art. 451. Os jurados excluídos por impedimento, suspeição ou incompatibilidade serão considerados para a constituição do número legal exigível para a realização da sessão.’ (NR)
‘Art. 452. O mesmo Conselho de Sentença poderá conhecer de mais de
um processo, no mesmo dia, se as partes o aceitarem, hipótese em que seus integrantes
deverão prestar novo compromisso.’ (NR)
Seção X
Da reunião e das sessões do Tribunal do Júri
‘Art. 453. O Tribunal do Júri reunir-se-á para as sessões de instrução e
julgamento nos períodos e na forma estabelecida pela lei local de organização judiciária.’ (NR)
‘Art. 454. Até o momento de abertura dos trabalhos da sessão, o juiz
presidente decidirá os casos de isenção e dispensa de jurados e o pedido de adiamento de
julgamento, mandando consignar em ata as deliberações.’ (NR)
‘Art. 455. Se o Ministério Público não comparecer, o juiz presidente
adiará o julgamento para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, cientificadas as
partes e as testemunhas.
Parágrafo único. Se a ausência não for justificada, o fato será imediatamente comunicado ao Procurador-Geral de Justiça com a data designada para a nova sessão.’ (NR)
‘Art. 456. Se a falta, sem escusa legítima, for do advogado do acusado,
e se outro não for por este constituído, o fato será imediatamente comunicado ao presidente
da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com a data designada para a nova sessão.
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§ 1o Não havendo escusa legítima, o julgamento será adiado somente
uma vez, devendo o acusado ser julgado quando chamado novamente.
§ 2o Na hipótese do § 1o deste artigo, o juiz intimará a Defensoria Pública
para o novo julgamento, que será adiado para o primeiro dia desimpedido, observado o
prazo mínimo de 10 (dez) dias.’ (NR)
‘Art. 457. O julgamento não será adiado pelo não comparecimento do
acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente
intimado.
§ 1o Os pedidos de adiamento e as justificações de não comparecimento
deverão ser, salvo comprovado motivo de força maior, previamente submetidos à apreciação do juiz presidente do Tribunal do Júri.
§ 2o Se o acusado preso não for conduzido, o julgamento será adiado
para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se houver pedido de dispensa de
comparecimento subscrito por ele e seu defensor.’ (NR)
‘Art. 458. Se a testemunha, sem justa causa, deixar de comparecer, o
juiz presidente, sem prejuízo da ação penal pela desobediência, aplicar-lhe-á a multa prevista
no § 2o do art. 436 deste Código.’ (NR)
‘Art. 459. Aplicar-se-á às testemunhas a serviço do Tribunal do Júri o
disposto no art. 441 deste Código.’ (NR)
‘Art. 460. Antes de constituído o Conselho de Sentença, as testemunhas
serão recolhidas a lugar onde umas não possam ouvir os depoimentos das outras.’ (NR)
‘Art. 461. O julgamento não será adiado se a testemunha deixar de comparecer, salvo se uma das partes tiver requerido a sua intimação por mandado, na oportunidade de que trata o art. 422 deste Código, declarando não prescindir do depoimento e
indicando a sua localização.
§ 1o Se, intimada, a testemunha não comparecer, o juiz presidente suspenderá os trabalhos e mandará conduzi-la ou adiará o julgamento para o primeiro dia desimpedido, ordenando a sua condução.
§ 2o O julgamento será realizado mesmo na hipótese de a testemunha
não ser encontrada no local indicado, se assim for certificado por oficial de justiça.’ (NR)
‘Art. 462. Realizadas as diligências referidas nos arts. 454 a 461 deste
Código, o juiz presidente verificará se a urna contém as cédulas dos 25 (vinte e cinco) jurados sorteados, mandando que o escrivão proceda à chamada deles.’ (NR)
‘Art. 463. Comparecendo, pelo menos, 15 (quinze) jurados, o juiz
presidente declarará instalados os trabalhos, anunciando o processo que será submetido
a julgamento.
§ 1o O oficial de justiça fará o pregão, certificando a diligência nos autos.
§ 2o Os jurados excluídos por impedimento ou suspeição serão computados para a constituição do número legal.’ (NR)
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‘Art. 464. Não havendo o número referido no art. 463 deste Código,
proceder-se-á ao sorteio de tantos suplentes quantos necessários, e designar-se-á nova data
para a sessão do júri.’ (NR)
‘Art. 465. Os nomes dos suplentes serão consignados em ata, remetendo-se o expediente de convocação, com observância do disposto nos arts. 434 e 435 deste
Código.’ (NR)
‘Art. 466. Antes do sorteio dos membros do Conselho de Sentença, o
juiz presidente esclarecerá sobre os impedimentos, a suspeição e as incompatibilidades constantes dos arts. 448 e 449 deste Código.
§ 1o O juiz presidente também advertirá os jurados de que, uma vez
sorteados, não poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião
sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho e multa, na forma do § 2o do art. 436
deste Código.
§ 2o A incomunicabilidade será certificada nos autos pelo oficial de
justiça.’ (NR)
‘Art. 467. Verificando que se encontram na urna as cédulas relativas aos
jurados presentes, o juiz presidente sorteará 7 (sete) dentre eles para a formação do Conselho de Sentença.’ (NR)
‘Art. 468. À medida que as cédulas forem sendo retiradas da urna, o juiz
presidente as lerá, e a defesa e, depois dela, o Ministério Público poderão recusar os jurados
sorteados, até 3 (três) cada parte, sem motivar a recusa.
Parágrafo único. O jurado recusado imotivadamente por qualquer das
partes será excluído daquela sessão de instrução e julgamento, prosseguindo-se o sorteio
para a composição do Conselho de Sentença com os jurados remanescentes.’ (NR)
‘Art. 469. Se forem 2 (dois) ou mais os acusados, as recusas poderão
ser feitas por um só defensor.
§ 1o A separação dos julgamentos somente ocorrerá se, em razão das recusas, não for obtido o número mínimo de 7 (sete) jurados para compor o Conselho de Sentença.
§ 2o Determinada a separação dos julgamentos, será julgado em primeiro lugar o acusado a quem foi atribuída a autoria do fato ou, em caso de co-autoria, aplicarse-á o critério de preferência disposto no art. 429 deste Código.’ (NR)
‘Art. 470. Desacolhida a argüição de impedimento, de suspeição ou de
incompatibilidade contra o juiz presidente do Tribunal do Júri, órgão do Ministério Público,
jurado ou qualquer funcionário, o julgamento não será suspenso, devendo, entretanto, constar da ata o seu fundamento e a decisão.’ (NR)
‘Art. 471. Se, em conseqüência do impedimento, suspeição, incompatibilidade, dispensa ou recusa, não houver número para a formação do Conselho, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido, após sorteados os suplentes, com observância do disposto no art. 464 deste Código.’ (NR)
‘Art. 472. Formado o Conselho de Sentença, o presidente, levantandose, e, com ele, todos os presentes, fará aos jurados a seguinte exortação:
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Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e
a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça.
Os jurados, nominalmente chamados pelo presidente, responderão:
Assim o prometo.
Parágrafo único. O jurado, em seguida, receberá cópias da pronúncia
ou, se for o caso, das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório
do processo.’ (NR)
Seção XI
Da Instrução em Plenário
‘Art. 473. Prestado o compromisso pelos jurados, será iniciada a instrução plenária quando o juiz presidente, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o
defensor do acusado tomarão, sucessiva e diretamente, as declarações do ofendido, se possível, e inquirirão as testemunhas arroladas pela acusação.
§ 1o Para a inquirição das testemunhas arroladas pela defesa, o defensor
do acusado formulará as perguntas antes do Ministério Público e do assistente, mantidos no
mais a ordem e os critérios estabelecidos neste artigo.
§ 2o Os jurados poderão formular perguntas ao ofendido e às testemunhas, por intermédio do juiz presidente.
§ 3o As partes e os jurados poderão requerer acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclarecimento dos peritos, bem como a leitura de peças que se
refiram, exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis.’ (NR)
‘Art. 474. A seguir será o acusado interrogado, se estiver presente, na
forma estabelecida no Capítulo III do Título VII do Livro I deste Código, com as alterações
introduzidas nesta Seção.
§ 1o O Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor, nessa
ordem, poderão formular, diretamente, perguntas ao acusado.
§ 2o Os jurados formularão perguntas por intermédio do juiz presidente.
§ 3o Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período
em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos
trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.’
(NR)
‘Art. 475. O registro dos depoimentos e do interrogatório será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica similar, destinada a obter maior fidelidade e celeridade na colheita da prova.
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Parágrafo único. A transcrição do registro, após feita a degravação, constará dos autos.’ (NR)
Seção XII
Dos Debates
‘Art. 476. Encerrada a instrução, será concedida a palavra ao Ministério
Público, que fará a acusação, nos limites da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram
admissível a acusação, sustentando, se for o caso, a existência de circunstância agravante.
§ 1o O assistente falará depois do Ministério Público.
§ 2o Tratando-se de ação penal de iniciativa privada, falará em primeiro
lugar o querelante e, em seguida, o Ministério Público, salvo se este houver retomado a
titularidade da ação, na forma do art. 29 deste Código.
§ 3o Finda a acusação, terá a palavra a defesa.
§ 4o A acusação poderá replicar e a defesa treplicar, sendo admitida a
reinquirição de testemunha já ouvida em plenário.’ (NR)
‘Art. 477. O tempo destinado à acusação e à defesa será de uma hora e
meia para cada, e de uma hora para a réplica e outro tanto para a tréplica.
§ 1o Havendo mais de um acusador ou mais de um defensor, combinarão
entre si a distribuição do tempo, que, na falta de acordo, será dividido pelo juiz presidente, de
forma a não exceder o determinado neste artigo.
§ 2o Havendo mais de 1 (um) acusado, o tempo para a acusação e a
defesa será acrescido de 1 (uma) hora e elevado ao dobro o da réplica e da tréplica, observado o disposto no § 1o deste artigo.’ (NR)
‘Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências:
I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível
a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;
II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de
requerimento, em seu prejuízo.’ (NR)
‘Art. 479. Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência
mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte.
Parágrafo único. Compreende-se na proibição deste artigo a leitura de
jornais ou qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias,
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laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a
matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados.’ (NR)
‘Art. 480. A acusação, a defesa e os jurados poderão, a qualquer momento e por intermédio do juiz presidente, pedir ao orador que indique a folha dos autos
onde se encontra a peça por ele lida ou citada, facultando-se, ainda, aos jurados solicitar-lhe,
pelo mesmo meio, o esclarecimento de fato por ele alegado.
§ 1o Concluídos os debates, o presidente indagará dos jurados se estão
habilitados a julgar ou se necessitam de outros esclarecimentos.
§ 2o Se houver dúvida sobre questão de fato, o presidente prestará esclarecimentos à vista dos autos.
§ 3o Os jurados, nesta fase do procedimento, terão acesso aos autos e
aos instrumentos do crime se solicitarem ao juiz presidente.’ (NR)
‘Art. 481. Se a verificação de qualquer fato, reconhecida como essencial
para o julgamento da causa, não puder ser realizada imediatamente, o juiz presidente dissolverá o Conselho, ordenando a realização das diligências entendidas necessárias.
Parágrafo único. Se a diligência consistir na produção de prova pericial,
o juiz presidente, desde logo, nomeará perito e formulará quesitos, facultando às partes também formulá-los e indicar assistentes técnicos, no prazo de 5 (cinco) dias.’ (NR)
Seção XIII
Do Questionário e sua Votação
‘Art. 482. O Conselho de Sentença será questionado sobre matéria de
fato e se o acusado deve ser absolvido.
Parágrafo único. Os quesitos serão redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente
clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da
pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório
e das alegações das partes.’ (NR)
‘Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando
sobre:
I – a materialidade do fato;
II – a autoria ou participação;
III – se o acusado deve ser absolvido;
IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;
V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena
reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.
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§ 1o A resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos
quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a
absolvição do acusado.
§ 2o Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte
redação:
O jurado absolve o acusado?
§ 3o Decidindo os jurados pela condenação, o julgamento prossegue,
devendo ser formulados quesitos sobre:
I – causa de diminuição de pena alegada pela defesa;
II – circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.
§ 4o Sustentada a desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular, será formulado quesito a respeito, para ser respondido após o 2o (segundo) ou 3o (terceiro) quesito, conforme o caso.
§ 5o Sustentada a tese de ocorrência do crime na sua forma tentada ou
havendo divergência sobre a tipificação do delito, sendo este da competência do Tribunal do
Júri, o juiz formulará quesito acerca destas questões, para ser respondido após o segundo
quesito.
§ 6o Havendo mais de um crime ou mais de um acusado, os quesitos
serão formulados em séries distintas.’ (NR)
‘Art. 484. A seguir, o presidente lerá os quesitos e indagará das partes se
têm requerimento ou reclamação a fazer, devendo qualquer deles, bem como a decisão,
constar da ata.
Parágrafo único. Ainda em plenário, o juiz presidente explicará aos jurados o significado de cada quesito.’ (NR)
‘Art. 485. Não havendo dúvida a ser esclarecida, o juiz presidente, os
jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão
e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser procedida a votação.
§ 1o Na falta de sala especial, o juiz presidente determinará que o público
se retire, permanecendo somente as pessoas mencionadas no caput deste artigo.
§ 2o O juiz presidente advertirá as partes de que não será permitida qualquer intervenção que possa perturbar a livre manifestação do Conselho e fará retirar da sala
quem se portar inconvenientemente.’ (NR)
‘Art. 486. Antes de proceder-se à votação de cada quesito, o juiz presidente mandará distribuir aos jurados pequenas cédulas, feitas de papel opaco e facilmente
dobráveis, contendo 7 (sete) delas a palavra sim, 7 (sete) a palavra não.’ (NR)
‘Art. 487. Para assegurar o sigilo do voto, o oficial de justiça recolherá
em urnas separadas as cédulas correspondentes aos votos e as não utilizadas.’ (NR)
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‘Art. 488. Após a resposta, verificados os votos e as cédulas não utilizadas, o presidente determinará que o escrivão registre no termo a votação de cada quesito,
bem como o resultado do julgamento.
Parágrafo único. Do termo também constará a conferência das cédulas
não utilizadas.’ (NR)
‘Art. 489. As decisões do Tribunal do Júri serão tomadas por maioria de
votos.’ (NR)
‘Art. 490. Se a resposta a qualquer dos quesitos estiver em contradição
com outra ou outras já dadas, o presidente, explicando aos jurados em que consiste a contradição, submeterá novamente à votação os quesitos a que se referirem tais respostas.
Parágrafo único. Se, pela resposta dada a um dos quesitos, o presidente
verificar que ficam prejudicados os seguintes, assim o declarará, dando por finda a votação.’ (NR)
‘Art. 491. Encerrada a votação, será o termo a que se refere o art. 488
deste Código assinado pelo presidente, pelos jurados e pelas partes.’ (NR)
Seção XIV
Da sentença
‘Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que:
I – no caso de condenação:
a) fixará a pena-base;
b) considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos
debates;
c) imporá os aumentos ou diminuições da pena, em atenção às causas
admitidas pelo júri;
d) observará as demais disposições do art. 387 deste Código;
e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se
encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva;
f) estabelecerá os efeitos genéricos e específicos da condenação;
II – no caso de absolvição:
a) mandará colocar em liberdade o acusado se por outro motivo não
estiver preso;
b) revogará as medidas restritivas provisoriamente decretadas;
c) imporá, se for o caso, a medida de segurança cabível.
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§ 1o Se houver desclassificação da infração para outra, de competência
do juiz singular, ao presidente do Tribunal do Júri caberá proferir sentença em seguida, aplicando-se, quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como infração penal de menor potencial ofensivo, o disposto nos arts. 69 e seguintes da Lei no 9.099,
de 26 de setembro de 1995.
§ 2o Em caso de desclassificação, o crime conexo que não seja doloso
contra a vida será julgado pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, aplicando-se, no que
couber, o disposto no § 1o deste artigo.’ (NR)
‘Art. 493. A sentença será lida em plenário pelo presidente antes de encerrada a sessão de instrução e julgamento.’ (NR)
Seção XV
Da Ata dos Trabalhos
‘Art. 494. De cada sessão de julgamento o escrivão lavrará ata, assinada
pelo presidente e pelas partes.’ (NR)
‘Art. 495. A ata descreverá fielmente todas as ocorrências, mencionando
obrigatoriamente:
I – a data e a hora da instalação dos trabalhos;
II – o magistrado que presidiu a sessão e os jurados presentes;
III – os jurados que deixaram de comparecer, com escusa ou sem ela, e
as sanções aplicadas;
IV – o ofício ou requerimento de isenção ou dispensa;
V – o sorteio dos jurados suplentes;
VI – o adiamento da sessão, se houver ocorrido, com a indicação do
motivo;
VII – a abertura da sessão e a presença do Ministério Público, do querelante e do assistente, se houver, e a do defensor do acusado;
VIII – o pregão e a sanção imposta, no caso de não comparecimento;
IX – as testemunhas dispensadas de depor;
X – o recolhimento das testemunhas a lugar de onde umas não pudessem
ouvir o depoimento das outras;
XI – a verificação das cédulas pelo juiz presidente;
XII – a formação do Conselho de Sentença, com o registro dos nomes
dos jurados sorteados e recusas;
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XIII – o compromisso e o interrogatório, com simples referência ao termo;
XIV – os debates e as alegações das partes com os respectivos fundamentos;
XV – os incidentes;
XVI – o julgamento da causa;
XVII – a publicidade dos atos da instrução plenária, das diligências e da
sentença.’ (NR)
‘Art. 496. A falta da ata sujeitará o responsável a sanções administrativa
e penal.’ (NR)
Seção XVI
Das Atribuições do Presidente do Tribunal do Júri
‘Art. 497. São atribuições do juiz presidente do Tribunal do Júri, além de
outras expressamente referidas neste Código:
I – regular a polícia das sessões e prender os desobedientes;
II – requisitar o auxílio da força pública, que ficará sob sua exclusiva
autoridade;
III – dirigir os debates, intervindo em caso de abuso, excesso de linguagem ou mediante requerimento de uma das partes;
IV – resolver as questões incidentes que não dependam de pronunciamento do júri;
V – nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso, dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a constituição de novo defensor;
VI – mandar retirar da sala o acusado que dificultar a realização do julgamento, o qual prosseguirá sem a sua presença;
VII – suspender a sessão pelo tempo indispensável à realização das diligências requeridas ou entendidas necessárias, mantida a incomunicabilidade dos jurados;
VIII – interromper a sessão por tempo razoável, para proferir sentença e
para repouso ou refeição dos jurados;
IX – decidir, de ofício, ouvidos o Ministério Público e a defesa, ou a
requerimento de qualquer destes, a argüição de extinção de punibilidade;
X – resolver as questões de direito suscitadas no curso do julgamento;
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XI – determinar, de ofício ou a requerimento das partes ou de qualquer
jurado, as diligências destinadas a sanar nulidade ou a suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade;
XII – regulamentar, durante os debates, a intervenção de uma das partes,
quando a outra estiver com a palavra, podendo conceder até 3 (três) minutos para cada
aparte requerido, que serão acrescidos ao tempo desta última.’ (NR)”
Art. 2o O art. 581 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de
1941 – Código de Processo Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 581 ....................................................................
........................................................................................................
IV – que pronunciar o réu;
.............................................................................................
VI – (revogado);
...................................................................................” (NR)
Art. 3o Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua
publicação.
Art. 4o Ficam revogados o inciso VI do caput do art. 581 e o
Capítulo IV do Título II do Livro III, ambos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro
de 1941 – Código de Processo Penal.
Brasília, 9 de junho de 2008; 187o da Independência e 120o da
República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Tarso Genro
Este texto não substitui o publicado no DOU de 10.6.2008
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Procurador-geral de Justiça
Fernando Grella Vieira
Corregedor-geral do Ministério Público
Antonio de Pádua Bertone Pereira
Conselho Superior do Ministério Público
Fernando Grella Vieira (presidente)
Antonio de Pádua Bertone Pereira
Ana Margarida Machado Junqueira
Beneduce
Eloisa de Sousa Arruda
João Francisco Moreira Viegas
Luís Daniel Pereira Cintra
Nelson Gonzaga de Oliveira
Paulo do Amaral Souza
Marisa Rocha Teixeira Dissinger
Pedro Franco de Campos
Tiago Cintra Zarif
Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça
Membros Eleitos
Membros Natos
José Roberto Garcia Durand
Luiz Cesar Gama Pellegrini
Francisco Morais Sampaio
José Ricardo Peirão Rodrigues
José Roberto Dealis Tucunduva
Oswaldo Hamilton Tavares
Fernando José Marques
Irineu Roberto da Costa Lopes
Regina Helena da Silva Simões
Roberto João Elias
Claus Paione
José de Arruda Silveira Filho
Álvaro Augusto Fonseca de Arruda
Pedro Franco de Campos
Gabriel Eduardo Scotti
José Luiz Abrantes
Antonio Visconti
Arnaldo Gonçalves
Márcio da Cunha Berra
Paulo Álvaro Chaves Martins Fontes
Mágino Alves Barbosa Filho
Walter Paulo Sabella
Júlio César de Toledo Piza
Vânia Maria Ruffini Penteado Balera
Sonia Maria Schincarioli
Geraldo Luís Wohlers Silveira
Marilisa Germano Bortolin
Paulo Ortigosa
Parisina Lopes Zeigler
Mário de Magalhães Papaterra Limongi
Pedro Luiz de Melo
Sérgio de Araújo Prado Júnior
Dráusio Lúcio Barreto
Eliana Montemagni
Rubens Rodrigues
Vânia Ferrari Tropia Padilla
Maria Cristina Barreira de Oliveira
Heloisa Antonia Barreira de Souza
Oswaldo Luiz Palu
Iurica Tanio Okumura
Conselho do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional
Fernando Grella Vieira
Antonio de Pádua Bertone Pereira
Vânia Ferrari Tropia Padilla
Eloisa de Sousa Arruda
Marcos Tadeu Gonçalves Teixeira
Marianí Atchabahian
Augusto Soares de Arruda Neto
Congregação da ESMP
Mário de Magalhães Papaterra Limongi
(presidente)
Tatiana Viggiani Bicudo
(coordenadora)
Antonio Carlos da Ponte
Eduardo Martines Júnior
Eliana Passarelli
Gilberto Nonaka
Lídia Helena Ferreira da Costa Passos
Luiz Antonio de Souza
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211
Luiz Roberto Cicogna Faggioni
Márcio Fernando Elias Rosa
Motauri Ciocchetti de Souza
Oswaldo Henrique Duek Marques
Oswaldo Luiz Palu
Oswaldo Peregrina Rodrigues
Ronaldo Porto Macedo Júnior
Sérgio Seiji Shimura
Vidal Serrano Nunes Júnior
Wallace Paiva Martins Júnior
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