MC 3 - 2006 - O papel da cafeína nas cefaléias - 2.p65

Transcrição

MC 3 - 2006 - O papel da cafeína nas cefaléias - 2.p65
ARTIGO DE REVISÃO
O papel da cafeína nas cefaléias: fator agravante ou
atenuante?
The role of caffeine in the headaches: Attenuating or aggravating factor?
1
1
Raimundo Pereira da Silva Neto, 2Adriana de Almeida Soares
Neurologista, Membro da Sociedade Brasileira de Cefaléia; 2Nutricionista, Membro da Sociedade Brasileira de Cefaléia
Centro de Neurologia e Cefaléia do Piauí (Neurocefaléia) – Teresina-PI
Silva Neto RP, Soares AA. O papel da cafeína nas cefaléias: fator agravante ou
atenuante?Migrâneas cefaléias 2006;9(3):72-77
RESUMO
Introdução: A cafeína é de uso freqüente em cefaliatria, seja de forma
isolada ou associada a outros medicamentos. É conhecido o seu efeito
constrictor nos vasos cerebrais, mas os outros mecanismos pelos
quais agrava ou melhora a cefaléia ainda são desconhecidos. Objetivos: Revisar as indicações da cafeína nas cefaléias e questionar a sua
função como fator de piora ou de melhora. Métodos: Foi revisada a
literatura sobre a ação da cafeína no sistema nervoso central, as suas
principais fontes e a sua utilização nas diversas formas de cefaléia.
Conclusões: A cafeína é fator de melhora e tem indicação terapêutica
nas cefaléias hípnica, pós-punção dural, atribuída à hipotensão liquórica
espontânea e da supressão da cafeína. É usada como terapêutica auxiliar no tratamento abortivo da migrânea e da cefaléia do tipo tensional.
Piora a cefaléia por uso excessivo de combinações de medicamentos e
é precipitante das crises de cefaléia em salvas.
PALAVRAS-CHAVE
Cafeína; migrânea; cefaléia.
ABSTRACT
Introduction: Caffeine is often used in the treatment of headaches,
either on its own or with other medications. Its constrictor effect in
cerebral vessels is well known, but the extent to which it aggravates
or improves other mechanisms is still unknown. Objectives: To review
the indication of caffeine in the treatment of headaches and to question
its role as an attenuating or aggravating factor. Methods: The
literature concerning the action of caffeine in the central nervous
system, the main sources of caffeine and its use in the treatment of
different types of headache were reviewed. Conclusions: Caffeine is
an attenuating factor and is used to treat hypnic and postdural puncture
headaches, caffeine withdrawal and headaches attributed to
spontaneous intracranial hypotension. It is used as a therapeutic aid
in the treatment of acute migraine attack and tension-type headache.
It worsens headache caused by excessive use of analgesics and
aggravates cluster headache attacks.
KEY WORDS
Caffeine; migraine; headache.
72
INTRODUÇÃO
A cafeína é um alcalóide pertencente ao grupo das
metilxantinas, onde se inclui também a teobromina e a
teofilina e está presente em diversas plantas distribuídas
por toda a terra. Não apresenta nenhum valor nutricional,
sendo considerada simplesmente uma bebida energética.
Registros indicam que a cafeína vem sendo utilizada
no preparo de bebidas desde o período paleolítico.1 Seguramente, no século IV a.C., os chineses já a consumiam.
A popularidade de tal substância se deve, em grande
parte, à antiga crença de que a mesma possui poderes estimulantes, eleva o humor, diminui a fadiga e aumenta a capacidade de trabalho. Estudos mais recentes confirmaram
sua propriedade estimuladora do sistema nervoso ao se
demonstrar que a mesma produz certo estado de alerta de
curta duração, além de ter ação vasodilatadora e diurética.
Tem absorção rápida por via oral, atingindo o pico
plasmático cerca de uma hora após sua ingestão. A meiavida plasmática é de três a sete horas, aumentando em duas
vezes nas mulheres durante os últimos estágios de gravidez ou com o uso a longo prazo de anticoncepcionais orais.
É metabolizada no fígado por desmetilação e por oxidação
na posição 8, envolvendo o citocromo P450 e seu metabólito
ativo é a paraxantina.
Finalmente, a cafeína é excretada na urina, sendo
que menos de 5% da quantidade administrada é recuperada inalterada. A nicotina aumenta a eliminação da cafeína,
isso talvez explique porque os fumantes têm tendência ao
consumo aumentado de cafeína. Por outro lado, os antibióticos, principalmente as quinolonas, aumentam sua concentração.
Migrâneas cefaléias, v.9, n.3, p.72-77, jul./ago./set. 2006
O PAPEL DA CAFEÍNA NAS CEFALÉIAS: FATOR AGRAVANTE OU ATENUANTE?
A cafeína atravessa a barreira hemato-encefálica, tendo uma série de efeitos neurobiológicos.2 Em doses maiores que o consumido normalmente, a cafeína provoca inibição das fosfodiesterases e aumento do cálcio intracelular.3
A dose letal de cafeína para o ser humano é de cerca de
cinco gramas,4 ou seja, a ingestão de aproximadamente 40
xícaras (9,6 litros) de café.
A cafeína além de exercer suas ações no sistema nervoso central, também age nos sistemas cardiovascular,
respiratório, gênito-urinário, digestivo e endócrino.
AÇÕES NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
Está bem estabelecido que a cafeína é um antagonista
competidor dos receptores de adenosina, atuando nesses
receptores em áreas muito variadas, tais como em toda a
circulação periférica e no córtex cerebral. Este último, entretanto, pode ser o mecanismo principal responsável pelos
efeitos estimulantes,5 como diminuição do sono e da fadiga.
As ações do neurotransmissor adenosina, tanto no
cérebro como no organismo em geral, são de agente inibidor
e depressivo. Esses efeitos depressores ocorrem porque a
adenosina promove a inibição da liberação de noradrenalina
em geral e, predominantemente, no sistema nervoso simpático. Antagonizando esses efeitos, a cafeína resulta numa
estimulação dos sistemas envolvidos, aumentando tanto a
liberação de noradrenalina como a taxa de ativação espontânea dos neurônios noradrenérgicos.
Dentre os efeitos autonômicos estimulantes da cafeína como antagonista da adenosina observa-se a estimulação
cardíaca, aumento da pressão arterial por vasoconstricção
cerebral e redução da mobilidade intestinal;6 enfim, produz-se um clássico estado de estimulação simpática (sim
paticotônico), tal como se houvesse uma atitude de estresse
onde as reservas corporais se mobilizariam.
Outro mecanismo inibitório sobre o sistema nervoso
central da adenosina é em relação à inibição pré-sináptica
da liberação de dopamina.7 Então, diminuindo-se a ação da
adenosina, como faz a cafeína, deixa de ser inibida a liberação de dopamina e seus níveis aumentam. Resumindo,
consumo crônico de cafeína pode proporcionar aumento
da liberação de dopamina no sistema nervoso central.8
O uso excessivo de cafeína, crônico ou agudo,
(p. 2 ex:, consumo diário de 500 mg ou mais) leva ao
cafeinísmo com eventual toxicidade. Os sintomas incluem
inquietação, insônia, rubor facial, contração muscular,
taquicardia, perturbações gastrintestinais (p. ex.: dores
abdominais), tensão, pensamento e fala acelerados e desorganizados e, algumas vezes, exacerbação de uma ansiedade preexistente ou estados de pânico, depressão ou
esquizofrenia.
Migrâneas cefaléias, v.9, n.3, p.72-77, jul./ago./set. 2006
FONTES DE CAFEÍNA
Café
O café, a mais importante fonte de cafeína, é extraído
do fruto do Coffea arabica e, ao ser torrado e moído,
prepara-se uma bebida bastante energética por infusão de
água quente. Etimologicamente, a palavra vem do árabe
Kahoua ou Qahwa e significa excitante. É originário da
Etiópia (antiga Abissínia), difundindo-se na península arábica através do Iêmen ou dos árabes para o resto do mundo. Há evidências que mostram seu cultivo pela primeira
vez em monastérios islâmicos no Iêmen.
Hoje o café é consumido regularmente por bilhões de
pessoas no mundo, configurando diversas e variadas práticas culturais, sendo até vital para algumas economias.
Os países latinos têm, tradicionalmente, o hábito de tomar
café mais concentrado, com maior teor de cafeína, enquanto os americanos preferem o café bem mais diluído,
de preferência descafeinado. Isto porque a bebida não é
tão popular nos Estados Unidos, por exemplo, como é no
Brasil e em Cuba, os maiores produtores de café.1,4
O café contém uma centena de produtos químicos, a
cafeína é apenas um deles; o ácido clorogênico é o mais
abundante. No entanto, a cafeína é o elemento do café
mais estudado até o momento e o principal responsável
pelas propriedades estimulantes que deram popularidade à
bebida. Mas seu consumo moderado, o equivalente a 400
a 500 mg/dia, não é prejudicial ao organismo, desde que
tomados em quatro doses divididas durante o dia.9 Lembramos que uma xícara comum de café expresso contém
cerca de 50 a 150 mg de cafeína. O consumo diário de
café com ou sem leite em doses moderadas de até quatro
xícaras diárias é recomendado para jovens e adultos de
todo o mundo.
A composição química do café antes de ser torrado
(Tabelas 1 e 2) apresenta uma grande variedade de minerais, como potássio (K), magnésio (Mg), cálcio (Ca), sódio
(Na), ferro (Fe), manganês (Mn), rubídio (Rb), zinco (Zn),
Cobre (Cu), estrôncio (Sr), cromo (Cr), vanádio (V), bário
(Ba), níquel (Ni), cobalto (Co), chumbo (Pb), molibdênio
(Mo), titânio (Ti) e cádmio (Cd); aminoácidos como alanina,
arginina, asparagina, cisteína, ácido glutâmico, glicina,
histidina, isoleucina, lisina, metionina, fenilalanina, prolina,
serina, treonina, tirosina e valina; lipídeos como triglicerídeos e ácidos graxos livres; açúcares como glicose,
frutose, arabinose, galactose, maltose e polissacarídeos.
Adicionalmente, o café também possui uma vitamina do
complexo B, a niacina e, em maior quantidade que todos
os demais componentes, os ácidos clorogênicos, na proporção de 7% a 10%. O percentual de cafeína é de apenas
1% a 2,5%. Estas outras substâncias podem até ser mais
73
RAIMUNDO PEREIRA DA SILVA NETO E COLABORADOR
Tabela 1
Substâncias presentes no grão de café antes de ser torrado
Substância
Cafeína
%
1,0-2,5
Cinzas
Ácido clorogênico
Polissacarídeos
4,2-4,4
7,0-10,0
44,0- 48,0
Proteínas
Aminoácidos livres
Lipídeos
11,0
0,5-0,8
16,0
Niacina
0,5
Minerais
11,8
Fonte: Encyclopedia of Food Science, Technology and Nutrition,
Academic Press, 1993.
Tabela 2
Distribuição dos minerais no grão café antes de ser torrado
Substância
mg/l
Potássio (K)
100-500
Cálcio (Ca)
100-300
Magnésio (Mg)
120-250
Sódio (Na)
20-70
Cloro (Cl)
0,01
Ferro (Fé)
2,0-5,0
Zinco (Zn)
5,0-30
Estrôncio (Sr)
5,0-20
Outros
1,0-2,0
Fonte: Encyclopedia of Food Science, Technology and Nutrition,
Academic Press, 1993
Tabela 3
Associação de analgésicos comuns, derivados
da ergotamina e antiinflamatórios não esteróides com cafeína
Nome
Associação
comercial
Cafeína 30 mg, Dipirona 300 mg e
Neosaldina
Isometepteno 30 mg
Cafeína 30 mg, Paracetamol 300 mg,
Beserol
Carisoprodol 125 mg e Diclofenaco 50 mg
Cafeína 40 mg, Paracetamol 450 mg e
Parcel
Dihidroergotamina 1,0 mg
Cafeína 40 mg, Dihidroergotamina 0,5 mg e
Tonopan
Propifenazona 125 mg
Cafeína 50 mg, Dipirona 300 mg e
Dorflex
Orfenadrina 35 mg
Cafeína 50 mg, Paracetamol 150 mg e
Cibalena
AAS 200 mg
Cafeína 65 mg, Paracetamol 500 mg
Excedrin
Cafeína 75 mg, Paracetamol 45 0mg,
Dihidroergotamina 1,0 mg e
Metoclopramida 10 mg
Cafeína 100 mg, Paracetamol 220 mg,
Ergotamina 1 mg, Hiosciamina 87,5 g e
Atropina 12,5 g
Cafeína 100 mg, Ergotamina 1,0 mg,
AAS 350 mg e Homatropina 1,2 mg
Cafeína 100 mg, Dihidroergotamina 1,0 mg e
Dipirona 350 mg
Cefalium
Ormigrein
Migrane
Cefaliv
Fonte: DEF 2005/06, 34a ed. Rio de Janeiro: EPUC, 2005, 930 p.
74
importante do que a cafeína para o organismo humano.
A cafeína é o único componente termo-estável, isto é,
não é destruída com a torrefação excessiva. As demais
substâncias, como aminoácidos, açúcares, lipídeos, niacina
e os ácidos clorogênicos, são preservadas, formadas ou
mesmo destruídas durante o processo de torra.
Outras plantas, além do cafeeiro, também produzem cafeína, sendo conhecidas mais de 60 espécies em
todo o mundo. Com isso, ela é, seguramente, a droga
psicoativa mais popular no mundo.9,10 Somente nos Estados Unidos, onde a bebida não é tão popular, calculase que a média de ingestão diária de cafeína por pessoa
seja superior a 150 mg, o equivalente a 3,5 kg de café
por ano por pessoa.
Outras bebidas
A cafeína também é encontrada em outras bebidas,
porém em menores proporções que no café, tais como:
chá preto, chocolate, refrigerantes do tipo cola, guaraná,
etc. Essas bebidas podem deflagrar crises de migrânea
em alguns pacientes, sendo recomendável a sua retirada
da dieta. Uma xícara comum de chá ou de refrigerantes à
base de cola tem entre 35 a 50 miligramas de cafeína.
Analgésicos
Alguns analgésicos comuns, derivados da ergotamina
e antiinflamatórios não esteróides usados no tratamento
abortivo das cefaléias contêm cafeína, variando de 30 a
100 mg/dia, conforme exemplificado na Tabela 3.11
Considerando que a cafeína está presente no café,
chá, chocolates, refrigerantes à base de cafeína ou medicamentos, pode-se dizer que cerca de 80% da população
geral faz uso dessa substância diariamente, embora seja
muito difícil quantificar seu consumo2. Nas últimas décadas, devido ao aumento do consumo de refrigerantes
do tipo cola, tem crescido o consumo de cafeína, sobretudo entre os adolescentes.12
CAFÉINA EM CEFALIATRIA
Migrânea e Cefaléia do tipo tensional
A cafeína potencializa os efeitos de outros analgésicos e tem sido usada como terapêutica auxiliar no tratamento da cefaléia, principalmente a migrânea e a cefaléia
do tipo tensional.13
Devido à sua ação constrictora nos vasos cerebrais, a
cafeína compensa a vasodilatação responsável pelo quadro doloroso da migrânea, justificando com isso o seu
emprego no tratamento das crises.14-17
No tratamento da cefaléia do tipo tensional episódica,
a cafeína, além de aumentar a velocidade de absorção do
Migrâneas cefaléias, v.9, n.3, p.72-77, jul./ago./set. 2006
O PAPEL DA CAFEÍNA NAS CEFALÉIAS: FATOR AGRAVANTE OU ATENUANTE?
analgésico, também funciona como analgésico de ação
central.18-21
Um estudo realizado por Diamond & Freitag18 com
301 pacientes com diagnóstico de cefaléia do tipo tensional
episódica mostrou que a cafeína associada ao ibuprofeno
trata a cefaléia e atinge resultados melhores. Dos pacientes
que usaram a combinação ibuprofeno e cafeína, 80% apresentaram melhora significativa da cefaléia em seis horas e
tiveram um alívio da dor quase uma hora antes dos pacientes que tomaram apenas ibuprofeno. Enquanto o uso isolado de ibuprofeno só apresentou tal melhora, em 67% dos
pacientes, comparados a 61% que tomaram somente cafeína e 56% que tomaram apenas placebo. Os autores acreditam que a cafeína parece potencializar os efeitos analgésicos do ibuprofeno.
Cefaléia em salvas
Sabe-se de muito tempo que os pacientes com
cefaléia em salvas podem ter crises desencadeadas pela
ingestão de álcool, conforme relata Farias da Silva,22 mas
a cafeína funciona como um fator precipitante, segundo
estudo realizado por Manzoni23 com 374 pacientes sálvicos,
onde se observou que o abuso de cafeína foi responsável
por 6,9% das crises na cefaléia em salvas episódica e por
36,6% na cefaléia em salvas crônica.
Cefaléia hípnica
Dentre as cefaléias lítio-responsivas encontra-se a
cefaléia hípnica, devido ao lítio se mostrar bastante eficaz no tratamento profilático. No entanto, em vários casos relatados observou-se que a cafeína tem sido útil no
tratamento.24,25
Cefaléia pós-punção dural
A cefaléia pós-punção dural resulta, em parte, da dilatação das veias intracranianas. A cafeína é uma
metilxantina conhecida por aumentar a resistência
vascular cerebral e diminuir o fluxo sangüíneo por uma
ação direta na musculatura arteriolar. O uso da cafeína
como tratamento da cefaléia pós-punção sugere que sua
causa seja a distensão vascular, especialmente das artérias intracranianas da base do cérebro. Recentemente, foi
demonstrada a eficácia do benzoato sódico de cafeína
por via venosa na redução global do fluxo sangüíneo cerebral em pacientes com cefaléia pós-punção.26-30
O uso de cafeína pode causar efeitos colaterais, já
que tem ação no sistema cardiovascular, nos músculos e
no sistema nervoso central. O uso de benzoato de cafeína sódico por via venosa é mais barato e mais fácil de ser
realizado do que a administração de tampão sangüíneo e,
nas doses preconizadas, não causou efeitos adversos. Já
está em investigação o uso de doses repetidas de cafeína
Migrâneas cefaléias, v.9, n.3, p.72-77, jul./ago./set. 2006
por via oral, possivelmente um grande avanço no arsenal
do tratamento da cefaléia pós-punção.
Cefaléia atribuída a hipotensão liquórica espontânea (ou idiopática)
Muitos pacientes com a cefaléia por hipotensão
liquórica espontânea respondem ao tamponamento sangüíneo epidural, à infusão salina epidural ou a terapias
farmacológicas, tais como a cafeína intravenosa ou os
analgésicos convencionais.31,32
Cefaléia por uso excessivo de combinação de medicamentos
Muitos pacientes desenvolvem uma cefaléia crônica
diária por uso excessivo de medicação analgésica, principalmente aquelas combinadas com cafeína.33-36 Segundo
a classificação internacional das cefaléias da International
Headache Society37 a “cefaléia por uso excessivo de combinação de medicamentos” é descrita como uma cefaléia
de fraca a moderada intensidade, bilateral, em pressão ou
aperto (não pulsátil) e presente em mais de 15 dias por
mês. É secundária à ingestão de medicações combinadas
em mais de dez dias por mês por mais de três meses. A
cefaléia aparece ou piora acentuadamente durante o uso
excessivo de medicações combinadas e desaparece ou
reassume seu padrão prévio dentro de dois meses após a
interrupção da medicação combinada.
Cefaléia da supressão de cafeína
A classificação internacional das cefaléias da
International Headache Society37 listada no item 8.4.1 a
“cefaléia da supressão de cafeína” que se apresenta em
peso ou pressão, na fronte bilateralmente, de intensidade
leve a moderada. É uma dor incomodativa, mas não incapacita para as atividades cotidianas e não piora com as
tarefas normais. Desenvolve-se dentro de 24 horas após
a última ingestão de cafeína, nos pacientes que usam doses
maiores ou iguais a 200 mg/dia e por mais de duas semanas. Deve-se evitar o uso de analgésicos, recomendando-se ainda ao paciente a ingestão de 100 mg de cafeína
que será suficiente para o alívio da dor após uma hora e
diminuir a sua ingestão diária gradativamente. Há desaparecimento total da dor após sete dias com a interrupção
completa do uso de cafeína. O tratamento profilático é
feito com a restrição da ingestão de cafeína, evitando-se
a súbita abstinência.38-41
Citamos, como exemplo, a cefaléia do final de semana, que ocorre em pacientes que ingerem várias xícaras de
café ou bebidas que contenham cafeína durante a semana
de trabalho e a reduzem no final de semana. Aparece algumas horas após o paciente ter ingerido a sua última dose
de cafeína.42
75
RAIMUNDO PEREIRA DA SILVA NETO E COLABORADOR
Concluímos que a cafeína é fator de melhora e tem
indicação terapêutica nas cefaléias hípnica, pós-punção
dural, atribuída à hipotensão liquórica espontânea e da
supressão da cafeína. É usada como terapêutica auxiliar
no tratamento abortivo da migrânea e da cefaléia do tipo
tensional. Piora a cefaléia por uso excessivo de combinações de medicamentos e é precipitante das crises de
cefaléia em salvas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Barone JJ, Roberts H. Human consumption of caffeine. In: Dews
PB (ed.). Caffeine: perspectives from recent research. Berlin:
Springer-Verlag; 1984, p. 59-73.
2. Strain EC, Griffiths RR. Caffeine related disorders. In: Sadock
BJ; Sadock VA. Comprehensive Textbook of Psychiatry, 7th ed.
Baltimore: Lippincott; 2000, p. 982-90.
3. Fredholm, BB. Adenosine, adenosine receptors and actions of
caffeine. Pharmacology & Toxicology 1995;76:93-101.
4. Kerrigan S, Lindsey T. Fatal caffeine overdose: two cases reports.
Forensic Sci Int 2005;153(1):67-9.
5. Holtzman SG, Mante S, Minneman KP. Role of adenosine
receptors im caffeine tolerance. Journal of Pharmacology and
Experimental Therapeutics 1991;256:62-8.
6. Snyder, SH. Adenosine as a midiator of the behavioral effects of
xanthines. In: Dews PB (ed.). Caffeine: perspectives from recent
research. Berlin: Springer-Verlag; 1984, p. 129-41.
7. Michaelis ML, Michaelis EK, Myers S. Adenosine modulation
of senaptosomal dopamine release. Life Sciences 1979;24:
2.083-92.
8. Waldeck B. Some effects of caffeine aminophylline om the turnover
of catecholamines im the braim. Journal of Pharmacy and
Pharmacology 1971;23:824-30.
9. Glass RM. Caffeine dependence: what are the implications.
Journal of the Americam Medical Association 1994;
272:1065-6.
10. Paluska SA. Caffeine and exercise. Curr Sports Med Rep 2003;
2(4):213-9.
11. Dicionário de Especialidades Farmacêuticas (DEF 2005/06), 34a
ed. Rio de Janeiro: EPUC, 2005, 930 p.
12. Hering-Hanit R, Gadoth N. Caffeine-induced headache in children
and adolescents. Cephalalgia 2003;23(5):332-5.
13. Diener HC, Pfaffenrath V, Pageler L, Peil H, Aicher B. Cephalalgia
2005;25(10):776-87.
14. McNeely W, Goa KL. Diclofenac-potassium in migraine: a review.
Drugs 1999;57(6):991-1003.
15. Le Jeunne C, Gómez JP, Pradalier A, Titus i Albareda F, Joffroy
A, Liaño H, et al. Comparative efficacy and safety of calcium
carbasalate plus metoclopramide versus ergotamine tartrate plus
caffeine in the treatment of acute migraine attacks. Eur Neurol
1999;41(1):37-43.
16. Lipton RB, Stewart WF, Ryan RE, Saper J, Silberstein S, Sheftell
F. Efficacy and safety of acetaminophen, aspirin, and caffeine in
alleviating migraine headache pain: three double-blind, randomized,
placebo-controlled trials. Arch Neurol 1998;55(2):210-7.
76
17. Loder E. Fixed drug combinations for the acute treatment of
migraine: place in therapy. CNS Drugs 2005;19(9):769-84.
18. Diamond S, Freitag FG. The use of ibuprofen plus caffeine to
treat tension-type headache. Curr Pain Headache Rep 2001;
5(5):472-8.
19. Diamond S, Balm TK, Freitag FG. Ibuprofen plus caffeine in the
treatment of tension-type headache. Clin Pharmacol Ther
2000;68(3):312-9.
20. Rabello GD, Forte LV, Galvão AC. Clinical evaluation of the
efficacy of the paracetamol and caffeine combination in the
treatment of tension headache. Arq Neuropsiquiatr 2000;
58(1):90-8.
21. Migliardi JR, Armellino JJ, Friedman M, Gillings DB, Beaver
WT. Caffeine as an analgesic adjuvant in tension headache.
Clin Pharmacol Ther 1994;56(5):576-86.
22. Farias da Silva W, Costa J, Valença MM. Cefaléia em salvas. Rio
de Janeiro: Sociedade Brasileira de Cefaléia, 2004, 136 p.
23. Manzoni GC. Cluster headache and lifestyle: remarks on a
population of 374 male patients. Cephalalgia 1999;19(2):88-94.
24. Evers S, Goadsby PJ. Hypnic headache: clinical features,
pathophysiology, and treatment. Neurology 2003; 60(6):
905-9.
25. Dodick DW, Jones JM, Capobianco DJ. Hypnic headache: another
indomethacin-responsive headache syndrome? Headache 2000;
40(10):830-5.
26. Imbelloni LE, Carneiro ANG. Cefaléia pós-raquianestesia: causas, prevenção e tratamento. Rev Bras Anestesiol 1997;47(5):
453-64.
27. Vincent S, Aboff B. Use of caffeine in post-dural puncture
headache: a case report. Del Med J 2001;73(3):97-100.
28. Carrera González A, Sanz F, de la Calle B, Laustalet de la Fuente
J. Headache following dural puncture refractory to caffeine.
Rev Esp Anestesiol Reanim 2000;47(5):227-8.
29. Yücel A, Ozyalçin S, Talu GK, Yücel EC, Erdine S.
Intravenous administration of caffeine sodium benzoate for
postdural puncture headache. Reg Anesth Pain Med 1999;
24(1):51-4.
30. Stevens DS. Prophylactic caffeine sodium benzoate—postdural
puncture headache versus caffeine withdrawal headache. Reg
Anesth Pain Med 1999;24(6):583-4.
31. Tijssen CC, van Gulik S, Sluzewski M. Posture-dependent
headache due to the spontaneous hypotension syndrome. Ned
Tijdschr Geneeskd 2005;149(18):996-1000.
32. Frank LR, Paxson A, Brake J. Spontaneous intracranial
hypotension – a case report. J Emerg Med 2005;
28(4):427-30.
33. Schonewille WJ. Chronic daily headaches caused by too much
caffeine. Ned Tijdschr Geneeskd 2002;146(40):1861-3.
34. Fox JM. Use of analgesics in self-medication. Therapie 2002;
57(2):115-8.
35. Domingues RB, Kuster GW, Dutra LA, Santos JG. Headache
epidemiology in Vitória, Espírito Santo. Arq Neuropsiquiatr 2004;
62(3A):588-91.
36. Scher AI, Stewart WF, Lipton RB. Caffeine as a risk factor for
chronic daily headache: a population-based study. Neurology
2004;63(11):2022-7.
Migrâneas cefaléias, v.9, n.3, p.72-77, jul./ago./set. 2006
O PAPEL DA CAFEÍNA NAS CEFALÉIAS: FATOR AGRAVANTE OU ATENUANTE?
37. Ad Hoc Headache Classification Committee of the International
Headache Society. The International Classification of Headache
Disorders. Cephalalgia 2004;24(suppl 1):1-149.
38. Juliano LM, Griffiths RR. A critical review of caffeine withdrawal:
empirical validation of symptoms and signs, incidence, severity,
and associated features. Psychopharmacology 2004;176(1):1-29.
39. Sjaastad O, Bakketeig LS. Caffeine-withdrawal headache. The
Vågå study of headache epidemiology. Cephalalgia 2004;
24(4):241-9.
40. Hering-Hanit R, Gadoth N. Caffeine-induced headache in children
and adolescents. Cephalalgia 2003;23(5):332-5.
41. Sanvito WL, Monzillo PH. O Livro das Cefaléias. São Paulo:
Atheneu, 2001, 210 p.
42. Krymchantowski AV, Barbosa JSS. Cefaléia dos fins de semana e
o hábito brasileiro de ingerir café. Migrâneas e Cefaléias 1999;
2(2):67-70.
Recebido: 12/06/2006
Aceito: 12/06/2006
Endereço para correspondência
Dr. Raimundo Pereira da Silva Neto
Clínica Neurocentro
Rua Olavo Bilac, 1737/sala 06
64001-280 – Teresina-PI – Brasil
Tel./fax: + 55 86 3226.1433
e-mail: [email protected]
Migrâneas cefaléias, v.9, n.3, p.72-77, jul./ago./set. 2006
77

Documentos relacionados