Homossexualismo Joao Alberto Padoveze Definições de

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Homossexualismo Joao Alberto Padoveze Definições de
Homossexualismo
Joao Alberto Padoveze
Definições de homossexualismo
Homossexualidade vem do grego “Homos” que significa “igual” ao qual se acrescenta a
palavra latina “sexus”, que evidentemente significa “sexo”. A junção das duas define uma
atração física, emocional, estética ou espiritual entre seres do mesmo sexo. O termo foi
introduzido pelo médico húngaro Karoly Benkert, em 1869. O termo heterossexual aparece
pela primeira vez em pesquisa de Albert Moll em 1893. O termo travesti foi empregado em
1910 pelo sexólogo Magnus Hirschfeld. Popularmente, o termo gay é o mais utilizado no Brasil
para designar o homossexual masculino e os termos “sapatão” e “lésbica” designam mais
comumente o feminino.
Estudos de Alfred Kinsey, em 1949, caracterizaram quatro elementos para identificação
da sexualidade: sexo biológico, identidade sexual, papel social e preferência afetiva. Esse
estudo afirma que 10% da população humana tem uma orientação homossexual, embora
acredite-se, atualmente, que esse valor varie entre 4% e 14%. Alguns estudos da ONU
apontam como 10% a 14%.
Para o psicanalista Sigmund Freud, homossexualidade seria uma forma que o ser
humano encontrou para resolver o Complexo de Édipo na infância. O Complexo de Édipo
ocorre na segunda infância masculina quanto o homem atinge seu período sexual fálico,
tendendo a fixar sua atenção libidinosa nas pessoas de sexo oposto no ambiente familiar. De
acordo com a lenda, Édipo mata seu pai e casa-se com sua mãe, sem saber dos laços.
Descobrindo, ele fura seus olhos e sua mãe, Jocasta, suicida-se. Seu correspondente feminino
é o Complexo de Electra, onde a menina rivaliza-se com a mãe, e onde deseja,
inconscientemente, elimina-la e possuir o pai. Segundo Freud, essa rivalidade terminaria e os
filhos passariam a assumir os papéis masculino ou feminino. Quando isso não acontece, a
pessoa resolveria o problema assumindo o sexo oposto.
Carl Jung diz que temos duas energias sexuais: a animal, que seria a energia feminina
no homem e a ânimus, que seria a energia masculina na mulher, sendo que a sobrecarga seria
de uma dessas energias na pessoa seria a razão da homossexualidade.
Durante muito tempo, os manuais de diagnósticos psiquiátricos constaram o
homossexualismo como uma disfunção de comportamento de ordem patológica. Sua exclusão
de tal categoria ocorre em função de novos entendimentos sobre juízos de valor.
Estudos recentes revelam que existem fatores genéticos que determinam a
homossexualidade da pessoa. O geneticista Dr. Antonio Quirino, do Instituto Nacional de
Saúde dos EUA, alega ter descoberto um genes que determina o comportamento
homossexual. Gleen Wilson e Oazi Rahman, no seu livro Born Gay: The Psychobiology of Sex
Orientation, acrescentam que existem diferenças biológicas entre homossexuais e
heterossexuais e que fetos masculinos com pré-disposição genética para a homossexualidade
são incapazes de absorver corretamente a testosterona, de modo que os circuitos
neurocerebrais não se desenvolvem suficientemente para provocarem uma tração pelo sexo
oposto. Para os fetos femininos, segundo Rahman, existe uma proteína no útero responsável
pela proteção dos fetos femininos contra a exposição excessiva a hormônios masculinos.
Outros acreditam que o meio influencia o comportamento humano e determina, junto
com outros fatores, a homossexualidade. Dr. Daryl Bem, da Universidade de Cornell, nos EUA,
coloca a importância da formação intra-familiar na determinação do homossexualismo. Judith
Harris tende a valorizar as relações interpessoais na determinação da conduta sexual da
pessoa. Segundo ela, o meio influenciaria o comportamento sexual da pessoa.
A maioria das religiões considera o homossexualismo um desvirtuamento do homem
instigado por forças contrárias, conhecidas como “o mal”, sendo uma falha no caminho para se
alcançar a plenitude através de Deus. A destruição de Sodoma e Gomorra são os exemplos
religiosos mais conhecidos sobre a ira de Deus contra a prática do homossexualismo.
Estudos de laboratórios com ratos, determinaram que o excesso de população, aliado a
pouca comida, água e espaço, provoca tal estresse que alguns dos indivíduos se transformam
em canibais ou homossexuais.
Alguns acreditam que a relação macho-fêmea, com predominância do macho no
controle, é uma forma de condução ao homossexualismo, visto que essa relação de
dominância se estende através do sexo e, portanto, se estende àqueles que tenham o mesmo
sexo. É uma relação dominante-dominado enfatizada através do sexo.
Uma outra teoria propõe que a homossexualidade é um comportamento altruísta, em
que um dos irmãos se abstém da reprodução a fim de aumentar as probabilidades de
sobrevivência da prole de outros irmãos. Outra diz que na falha da competição masculina por
parceiras, a frustração se transforma em homossexualidade.
Nenhuma dessas teorias se sobrepôs à outra e nenhuma explicou de forma conclusiva
o assunto. A verdade é que o homossexualismo faz parte da população humana em todos os
países, mesmo naqueles em que a repressão é forte, e sempre existiu em todas as épocas da
história humana. Curiosamente, mesmo nas sociedades mais abertas a esse comportamento,
sempre existiu uma repressão social e moral.
Cumpre ressaltar que o homossexualismo feminino é pouco falado ou citado, sendo que
a maioria das condenações mais veementes é feita apenas contra o masculino. O
homossexualismo feminino é encarado mais como uma lascívia da mulher, embora tenha sido
e ainda continua sendo reprimido.
O que se pode afirmar é que, sendo tão antagonizado e reprimido em toda a história
humana e mesmo assim ainda existirem pessoas com esse comportamento sexual, deve existir
alguma força natural que provoque essa tendência. Se considerarmos que a repressão social é
extremamente forte, alem daquela no interior do indivíduo, é lógico supor que ninguém se
predisporia a sofrê-las se não existisse algo extremamente poderoso que a conduzisse a tal
comportamento.
Mesmo nos países em que, ainda hoje, o homossexualismo é punido com morte ou
prisão, existem relatos de sua existência. Se o medo da prisão ou morte não modifica o
comportamento de uma pessoa, podemos acreditar que é algo superior ao próprio instinto de
sobrevivência. Sendo superior podemos acreditar que faz parte intrínseca do ser humano.
Homossexualismo e o contexto histórico
O homem do gelo, apelidado de “Otzi”, encontrado em uma geleira no norte da Itália,
revelou um fato inédito: alem de ter morrido lutando com seus inimigos, provavelmente, teve
uma relação homossexual antes disso. Vestígios indicam presença de esperma em seu corpo.
Se isso for verdade, considerando que ele morreu por volta de 5.000 anos atrás, é
provavelmente que a história do homossexualismo anteceda essa era.
A antropóloga norte-americana, nascida em 1901 e falecida em 1978, Margaret Mead,
notou que não existem povos onde a homossexualidade não se manifesta. Nossos índios
chamavam os gays de tibira e às lésbicas de sacoaimbeguira. Em Angola os homossexuais
eram chamados de quimbanda e na língua yorubá de adé. Na linguagem do candomblé os
homossexuais são chamados monas ou adofiró.
Na Bíblia existem referências sobre o amor do Rei Davi e Jônatas. Outros apontamentos
são: “É uma abominação um homem se deitar com outro homem como se fosse uma mulher,
ou uma mulher se deitar com outra mulher como se fosse um homem” (Levítico. 18.22; 20.13).
“Por causa de certas abominações, tal como o homossexualismo, a Terra vomitará os seus
moradores” (Levítico. 18.25). O Novo Testamento diz que os homossexuais não entrarão no
reino dos céus “Não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis:
nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas”
(1Corintios 6.9-10). Se considerarmos que o Novo Testamento tem por volta de 2.000 anos e o
Velho Testamento surgiu durante a formação do povo israelita, muito anterior ao Novo
Testamento, e que, se existem condenações e penas para o que se considerava uma falta
grave na época, é certo supor que o homossexualismo já existia em escala suficiente para
provocar reações.
Na Grécia Antiga, o amor entre homens era considerado como a mais alta forma de
afeição, sendo que as relações homem-mulher tinham como fito apenas a reprodução, não
envolvendo aquilo que atualmente designamos como amor. Geralmente, a relação extrapolava
o sexo e se traduzia em uma relação mestre-aluno ou mentor-tutelado. Na Ilíada, parte da
história gira em torno do relacionamento entre Pátroclo e Aquiles, claramente homossexual.
Em Esparta era comum os pares homossexuais guerrearem lado a lado, pois se acreditava que
essa união fortalecia a unidade do exército e que a afeição de um pelo outro aumentaria sua
capacidade de luta. Diversas pinturas em cerâmicas do período mostram coitos anais, sendo
que algumas sugerem que era fato comum ser praticado em banquetes ou reuniões. O termo
hermafrodita deriva do deus grego Hermafrodito, filho de Afrodite e Hermes, que sintetizava a
fusão dos dois sexos, sem gênero definido. A poetisa grega Safo canta, também, o amor entre
mulheres. Sua morada, a ilha de Lesbos, deu origem ao termo moderno lesbianismo. Na
Grécia Antiga, as mulheres homossexuais eram chamadas de tríbades.
Alexandre, o Grande, (356 a.C – 323 a.C.), da Macedônia, teve como seu grande amor
Hephaistion. Grande admirador da cultura grega, conseguiu espalhar a cultura helênica através
de suas conquistas.
O Satiricon, de Petrônio, mordaz no que se refere aos costumes da Roma Antiga, conta
as aventuras de um preceptor adulto e seu discípulo adolescente, cuja família coloca os dois
para dormir no mesmo quarto. Dos quinze imperadores romanos, somente Cláudio é
considerado heterossexual. Julio César é considerado bissexual. Sobre ele se dizia que “era
homem de todas as mulheres e mulher de todos os homens”. Embora comum, o
homossexualismo era considerado como algo desonroso para os romanos, visto que eram
criados para serem senhores e a passividade era atributo das mulheres e escravos. Entre as
mulheres, Messalina, a terceira esposa do imperador Cláudio, se destacou por sua fúria sexual.
Embora fosse tivesse preferência pelos homens, não se furtava aos amores com as mulheres.
No Japão feudal, por volta de 1637, a prática do homossexualismo era chamada de
shudo, abreviatura de wakashudo. Era difundida de forma generalizada entre todas as classes
sociais e tinha conceitos semelhantes às da Grécia Antiga, muitas vezes na forma de preceptor
e aluno. A mulher era vista apenas como elemento de reprodução ou objeto de prazer, não
existindo conotação daquilo que conhecemos como “amor” na relação marido-mulher.
Na China, no período Sung, 960 e 1127, aceitava-se o lesbianismo como resultado
natural da convivência das mulheres nos haréns. O homossexualismo masculino era
severamente reprimido. No período Ming, existem referências ao amor homossexual, onde,
após uma cerimônia em que se jurava lealdade eterna, o homem mais moço ia morar na casa
do mais velho, sendo tratado pela família como uma afilhado.
Na América primitiva, os maias consideravam a homossexualidade entre jovens homens
e mulheres como natural e normal. Os povos inca e asteca a consideravam passível de
penalidade, sendo que a lei asteca incluía pena de morte para homossexuais. Em sua história
General y Natural de las Índias, em 1535, Gonzalo Fernandez de Oviedo, observou que "em
algumas partes destas Índias, traziam como jóia a um homem por sobre o outro, naquele
diabólico e nefando ato de Sodoma, feitos de ouro”. Francisco Lopes de Gomara (1552),
também se refere a ídolos homossexuais entre os nativos mexicanos de Sant Anton: "Acharam
entre umas árvores um idolozinho de ouro e muitos de barro, dois homens cavalgando um
sobre
o
outro
à
moda
de
Sodoma".
Por ocasião da descoberta da Península de Yucatan, encontraram os espanhóis outra
comprovação escultórica de que os Maias prestavam culto ao amor unissexual: "Tenian
muchos idolos de barro, unos como con caras de demonios y otros como de mujeres y otros de
malas figuras, de manera que al parecer, estaban haciendo sodomias los unos indios com los
otros". Na América do Sul, na região dos Andes, existem relatos que os espanhóis teriam
derretido, no Peru, estátuas em ouro representando cópula anal entre dois homens. A coleção
de cerâmica erótica da Família Larco, da cultura Mochica, tem diversas representações de
homossexualismo. Essas cerâmicas datam de período anterior a 1.000 A.D. Os Códices Maias
trazem referências à deusa Xochiquetzal, uma entidade hermafrodita protetora do amor e da
sexualidade não procriativa. Quando representada sua forma masculina tinha o nome de
Xochipili e se tornava o protetor da sexualidade masculino e controlador das doenças
sexualmente transmissíveis. Fernão Cortez, na sua primeira Carta de Relación, em 1519, dizia
"Soubemos e fomos informados com certeza que todos [os índios] de Vera Cruz sãon
sodomitas e usam daquele abominavel pecado”. Frei Bernardino de Sahagun, na sua História
General de lãs cosas de Nueva España, assim descreve: "O somético paciente é abominável,
nefando e detestável, digno de desprezo e do riso das gentes; o fedor e fealdade de seu
pecado nefando não se pode sofrer, pelo nojo que causa aos homens. Em tudo se mostra
mulheril e efeminado, no andar ou falar , e por tudo isso merece ser queimado”. Cieza de Leon,
em sua Crônica del Peru, relata: "para os ter o demônio mais presos nas cadeias de sua
perdição, nos oráculos e adoratórios onde se falava com o ídolo e dava as respostas, fazia
entender que convinha para seu serviço, que alguns moços desde pequeninos estivessem nos
templos para que a seu tempo, cuando fossem feitos os sacrifícios e festas solenes, os
senhores e outros principais, usassem com eles no maldito pecado de sodomia”.
No Tratado Descritivo do Brasil, de 1587, existem referências sobre a prática do
homossexualismo entre os nossos índios: "Não contentes em andarem tão encarniçados na
luxúria naturalmente cometida, são muito afeiçoadas ao pecado nefando, entre os quais se não
tem por afronta. E o que se serve de macho se tem por valente e contam esta bestalidade por
proeza. E nas suas aldeias pelo sertão há alguns que têm tenda pública a quantos os querem
como mulheres públicas". Gandavo, em 1576, conta que: "Algumas índias há que não
conhecem homem algum de nenhuma qualidade, nem o consentirão ainda que por isso as
matem. Estas deixam todo o exercício de mulheres e imitam os homens e seguem seus ofícios
como se não fossem fêmeas. Trazem os cabelos cortados da mesma maneira que os machos
e vão à guerra com seus arcos e flechas e à caça, perseverando sempre na companhia dos
homens. E cada uma tem mulher que a serve, com quem diz que é casada. E assim se
comunicam e conversam como marido e mulher".
O cristianismo, enraizado no judaísmo, trouxe grande repressão aos homossexuais,
principalmente na Idade Média, onde a prática era vista como obra do demônio. A
desobediência de Adão e Eva aos preceitos de Deus e sua conseqüente expulsão do Paraíso,
tirou a imortalidade original do homem e a transferiu para os seus descendentes. O homem é
eterno enquanto se propagar através de seus filhos. Para se ter uma descendência, é obvio,
tem-se que praticar o sexo e, porisso, o mesmo sempre foi visto como uma forma de
transmissão do pecado original. No conceito cristão todo homem já nasce com esse pecado
original, que se transmite de geração em geração. O sexo era visto apenas como forma de
reprodução e qualquer prática fora desse conceito era considerada impura e sujeita à
penalidades. Embora existissem algumas penas leves para os praticantes, como em Gales,
onde o indivíduo era obrigado a três anos de penitência e na Borgonha do século VIII, onde o
prazo se estendia por dez anos, o homossexualismo era passível de pena de morte. O Concílio
de Latrão, em 1179, declarou que o homossexualismo era crime e nos séculos XII e XIII a
morte era a pena mais comum para sua prática. Devido aos vazios demográficos e baixa
expectativa de vida existentes na Idade Média, o homossexualismo era visto como ato
atentatório à vontade de Deus. São Tomas de Aquino justificava a prática sexual apenas como
forma de procriação e via no matrimonio um remédio de Deus para livrar o homem de sua
luxúria.
Nos países islâmicos onde prevalece a sharia, a lei islâmica, o homossexualismo é
considerado como ato atentatório à vontade de Alá e sua prática ainda pode ser punida pela
morte. Convém lembrar que nesses países não existe separação entre direito e religião e todas
as leis são religiosas e baseadas no Corão e nas interpretações dele. Nesses países não
existiu nenhuma evolução no que concerne ao posicionamento legal sobre o
homossexualismo.
A repressão legal, na França, perdurou até a vigência do Código de Napoleão, onde o
homossexualismo deixou de ser considerado como crime. Trazendo em seu bojo os ideais da
Revolução Francesa de 1789 que eram designados através do lema “Liberdade, Igualdade e
Fraternidade”, inspirou, praticamente, todas as constituições européias e americanas,
juntamente com a Constituição Americana de 1787.
Na moral vitoriana do final do século XIX predominou a busca de atavismos para
explicações sobre comportamentos considerados fora dos padrões rígidos estabelecidos.
Alguns clássicos da literatura como The strange case of Dr. Jekyll and Mr.Hyde, de Robert
Louis Stevenson (1886) e Frankenstein, the modern Prometheus, de Mary Shelley, (edição
definitiva de 1831), mostram claramente essa busca. A propagação errônea dos conceitos
evolutivos de Darwin, no seu livro de 1859, "A Origem das Espécies" (do original, em inglês,
On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or The Preservation of Favoured
Races in the Struggle for Life), tambem foi um fator indutor da confirmação da supremacia
inglesa econômica, racial e moral. Essa busca foi tão forte que gerou fraudes como a do
Homem de Piltdown, crânio humano que foi mesclado com ossos de símios para conduzir à
idéia de que o homem moderno tinha evoluído em terras inglesas. A supremacia moral
vitoriana e a explicação atávica para comportamentos conduziram à repressão legal do
homossexualismo cujo exemplo mais clássico se encontra na condenação de Oscar Wilde, em
1895, a dois anos de trabalhos forçados pela prática do mesmo.
A Revolução Russa de 1917 aboliu as leis contra os homossexuais. Com a tomada de
poder por Stalin, iniciou-se uma campanha de repressão contra os mesmos e, em 1934, foi
introduzida uma lei que punia os homossexuais masculinos com até oito anos de prisão.
A história não é retilínea, mas cheia de avanços e retrocessos. Na Alemanha nazista foi
considerado como crime e seus praticantes enviados para os campos de concentração, onde
eram identificados com um triângulo cor de rosa. Frequentemente eram castrados e
submetidos à desnutrição para acelerar sua morte. A curiosidade é que o homossexualismo
era chamado de “o mal alemão”, antes da ascensão de Hitler ao poder. Provavelmente, a
repressão acentuada derivou-se do fato de que a Alemanha estava se militarizando e
necessitava, por causa disso, manter um formato extremamente masculino para os homens.
Em 1985, foi considerado pelo Código Internacional de Doenças (CID) como um
desajustamento social decorrente de discriminação sexual ou religiosa, passando à categoria
de distúrbios mentais. Nesse mesmo ano, o Conselho Federal de Medicina do Brasil retirou o
termo da categoria de doenças.
Desde 1991, a Anistia Internacional passou a considerar a proibição à
homossexualidade uma violação dos Direitos Humanos.
Em 1993, a Organização Mundial de Saúde retirou o termo "homossexualismo" do
Catálogo Internacional de Doenças.
Em dezembro de 1998, a Associação Americana de Psiquiatria (APA) se posicionou
contra as terapias de cura, como são chamadas as tentativas destinadas de reverter
homossexuais em heterossexuais.
Em 15 de março de 2001 foi aprovada em Portugal a lei que estende aos pares
homossexuais os mesmos direitos reconhecidos às "uniões de facto" heterossexuais.
Em 01 de abril de 2001, a Holanda tornou legal o matrimônio civil entre pessoas do
mesmo sexo.
Em junho do mesmo ano, a Bélgica aprovou parceria civil entre pessoas do mesmo
sexo. Em 30 de janeiro de 2003, a Bélgica aboliu todas as leis que proibiam a união civil
homossexual.
Em julho de 2001, a Alemanha validou a lei que instaura contrato de vida em comum
para os homossexuais. Com essa nova lei, cada membro do par poderá adotar o sobrenome
de outro, alem de estabelecer questões sobre herança, doações, impostos imobiliários, seguro
de enfermidade e desemprego.
Em 19 de julho de 2001, o governo romeno aprovou decreto descriminalizando as
relações homossexuais entre adultos com mútuo consentimento.
Em setembro de 2001, a Finlândia aprovou lei concedendo quase todos os direitos do
casamento heterossexual ao casamento homossexual, mas deixou de fora a adoção de
crianças, que continua proibida, assim como o uso do sobrenome do parceiro.
Na Colômbia, em 22 de novembro de 2001, foi aprovado projeto de lei que legalizou as
uniões homossexuais no país. Ainda não foi aprovada pela Câmara e Senado, mas a lei visa
estabelecer a constituição de sociedades ou parcerias civis registradas, garantindo direitos
sucessórios e de assistência familiar.
Em 10 de janeiro de 2002, na Califórnia, Estados Unidos, entrou em vigor lei que oferece
união homossexual com direitos semelhantes ao casamento heterossexual.
Em março de 2002, os parceiros de servidores públicos sul-africanos, passaram a ter
direito integral à pensão no caso de morte de um deles.
Em Cehegin, Múrcia, Espanha, o prefeito aprovou, em 08 de maio de 2002, registro para
pares homossexuais, com objetivo de atender a todos os parceiros, sem distinção de sexo.
Em maio de 2002, a Assembléia Estadual de Nova Iorque aprovou lei que reconheceu
parceria entre homossexuais, visando beneficiar vítimas do atentado de 11 de setembro contra
o World Trade Center. De acordo com ativistas locais, mais de 20 homossexuais pereceram no
ataque.
Bueno Aires, na Argentina, aprovou em 18 de dezembro de 2002, a legalização da união
civil entre pessoas do mesmo sexo e reconheceu como união estável aquela cujos
companheiros estão a mais de dois anos juntos e reconheceu o direito do concubino de ser
incorporado ao serviço social, ou seja, receber pensão no caso de falecimento do parceiro,
além de fixar cota alimentar para filhos, em caso de separação.
Em 13 de fevereiro de 2003, o Parlamento Europeu votou a recomendação pelo
reconhecimento das parcerias registradas, contratos de coabitação e casamentos
homossexuais em toda a União Européia.
Em 16 de março de 2003 entrou em vigor em Nova Iorque a lei anti-discriminação por
orientação sexual, com o nome de Ato de Não-Discriminação por Orientação Sexual.
Existe uma tendência nos países ocidentais e alguns orientais a considerarem o
homossexualismo apenas como uma opção. Aqueles cujos governos são teocráticos ou sofrem
influência extrema da religião, geralmente, são contrários à prática, quando não determinam
ilegalidade e penalidades sobre a mesma.
Em abril de 2003, o Brasil e outros 19 países membros da ONU, propuseram projeto
destinado à proteção dos homossexuais pelos membros da organização. Uma aliança entre
Egito, Paquistão, Arábia Saudita, Líbia, Malásia e outros países muçulmanos, alem do Vaticano
e Estado Unidos, através de abstenção, conseguiram impedir a votação do projeto, ou seja, o
homossexualismo continua ilegal em quase metade dos países que formam a Onu e outros
quase 70 o consideram como crime, podendo levar, inclusive, à pena de morte.
Homossexualismo e religião
Não há como se falar de Direito dos homossexuais sem falar um pouco sobre o
posicionamento das religiões sobre o assunto, visto que parte das leis derivam-se da
moralidade advinda das mesmas.
Para Henry Sobel, presidente do rabinato da Congregação Israelita Paulista “o judaísmo
encara a relação homossexual como antinatural, contrariando a própria anatomia dos sexos,
visivelmente concebido para as relações heterossexuais. Além disso, o ato homossexual
obviamente não leva à procriação, que é uma das principais funções da sexualidade humana,
embora, certamente, não a única. É importante, entretanto, fazer uma nítida distinção entre o
ato homossexual e o homossexual como ser humano. Acredito que o indivíduo, no caso o
homossexual, tem que ser aceito pela sociedade, independentemente das suas tendências
sexuais serem aprovadas ou condenadas. A meta é integrar o homossexual, e não aliená-lo. O
dever da religião em geral e do judaísmo, em particular, é estender a mão àqueles que se
sentem marginalizados. Abrir as portas, abrir os nossos corações e não discriminar. Somos
todos filhos de um único Deus". Convém lembrar que as relações homossexuais em Israel são
permitidas por lei a partir dos 16 anos.
Na maioria dos diversos segmentos do cristianismo existe uma condenação sobre a
prática. A Igreja Católica voltou a condenar o homossexualismo em 1993 através da encíclica
“Veritatis splendor” (O esplendor da verdade) lançada em outubro de 1993, pelo papa João
Paulo II, “Uma doutrina que separe o ato moral das dimensões corpóreas do seu exercício, é
contrária aos ensinamentos da Sagrada Escritura e da Tradição: essa doutrina faz reviver, sob
novas formas, alguns velhos erros sempre combatidos pela Igreja, porquanto reduzem a
pessoa humana a uma liberdade «espiritual», puramente formal. Esta redução desconhece o
significado moral do corpo e dos comportamentos que a ele se referem. O apóstolo Paulo
declara excluídos do Reino dos céus os «imorais, idólatras, adúlteros, efeminados, sodomitas,
ladrões, avarentos, bêbados, maldizentes e salteadores» (cf. 1 Cor 6, 9-10). Tal condenação —
assumida pelo Concílio de Trento 88 — enumera como pecados mortais ou práticas infames,
alguns comportamentos específicos, cuja aceitação voluntária impede os crentes de terem
parte na herança prometida. De fato, corpo e alma são inseparáveis: na pessoa, no agente
voluntário e no ato deliberado, eles salvam-se ou perdem-se juntos”.
Algumas seitas fundamentalistas como as Testemunhas de Jeová são radicalmente
contra do homossexualismo. No site www. watchtower.org, lição 10, Práticas que Deus Odeia,
está explicito a posição em relação ao assunto: “Fornicação: Relações sexuais antes do
casamento, adultério, bestialidade, incesto e homossexualismo são todos pecados graves
contra Deus. (Levítico 18:6; Romanos 1:26, 27; 1 Coríntios 6:9, 10). Os homossexuais são
aceitos apenas se levarem uma vida celibatária.
Para os presbiterianos, o homossexualismo é antinatural e contrário à sua religião, mas
não se condena o interesse de Deus pela pessoa humana, sendo ou não homossexual,
acreditando que Deus ama a pessoa e não o pecado. Nehemias Marien, do Rio de Janeiro,
pastor presbiteriano, realiza casamentos gays e cultos com a bandeira do arco-íris.
Alguns pastores anglicanos passaram aceitar o homossexualismo como comportamento
natural e não contrário à sua religiosidade. Desmond Tutu, Prêmio Nobel da Paz de 1984,
pediu perdão pelo tratamento dispensado pela Igreja Anglicana aos homossexuais, dizendo
que: “ninguém que seja fiel aos ensinamentos de Cristo pode condenar pessoas com base em
sua orientação sexual”. Ele iguala a discriminação sexual com as de raça ou gênero.
De acordo com Gottfried Brakemeier, da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, existem
duas fortes correntes nas Igrejas cristãs:
a) Homossexualismo é visto como grave pecado, ofensa a Deus, algo abominável em
todas as suas formas, para o que se invoca o testemunho da Bíblia. É considerado um desvio
da ordem original de Deus que criou homem e mulher para constituírem o matrimônio como
lugar da vivência da sexualidade e da procriação da prole. Homossexualidade é nada inato ou
pré-fixado, portanto não faz parte da constituição do ser humano. Muito pelo contrário, seria
uma opção capaz de ser alterada mediante tratamento ou esforço próprio. Não se submeter a
tal tratamento seria agir culposo. Sob essas premissas, evidentemente, não há lugar para
pessoas homófilas no ministério da Igreja. A discriminação é conscientemente assumida.
b) A outra posição defende o homossexualismo como algo absolutamente normal,
sempre existente na história da humanidade. Tratar-se-ia de uma pré-disposição da pessoa,
impossível de ser corrigida. Nessa perspectiva, não há nada de detestável nas relações
homossexuais. As passagens bíblicas, aduzidas como contra-prova, estariam se referindo não
à orientação homossexual como tal e, sim, a abusos nessa área. Caberia, portanto, reconhecer
a homossexualidade como equivalente à heterossexualidade e destinar-lhe o mesmo amparo
legal. Reivindicam tais grupos, enquanto cristãos, o livre acesso ao ministério da Igreja e a
bênção matrimonial das parcerias do mesmo sexo. Lutam pelo fim de toda e qualquer
discriminação em Igreja e sociedade.
No Islamismo, existe um posicionamento radical quanto a isso. As relações entre dois
homens, chamadas de lauat, ou entre mulheres, chamadas de sehak, podem ser punidas com
a morte, principalmente nos países onde a sharia é utilizada como fonte de lei. De acordo com
o sheik Movaffagh Kaebi, do Centro Islâmico no Brasil, CIB, "Deus criou tudo como macho e
fêmea. Em questão de jurisprudência islâmica, por exemplo, um homem não poderá nunca
casar-se com uma irmã de outro homem com quem teve relações sexuais". Para Nasser
Khazraji, os homossexuais devem procurar tratamento psicológico, posição esta compartilhada
por Paloma Awada, também do CIB, que cita Freud e a teoria dos traumas: "Encaramos a
homossexualidade como um problema que devemos cortar pela raiz". Sendo elemento de
grande influência no pensamento, comportamento das pessoas e no estabelecimento de
parâmetros sociais, os conceitos religiosos estendem-se aos conceitos de Direito. Nas culturas
onde prevalece a inexistência da separação entre Direito e Religião, as normas estabelecidas
são as de ordem religiosa. No caso dos países islâmicos que adotam a sharia, o Corão, que
significa simplesmente “livro”, é a principal fonte de jurisprudência islâmica, seguida da Sunnah
(Vida e caminhos do profeta). Outras fontes são a Ahadith (Narrações do profeta), o Ijma
(consenso da comunidade), o Oiyas (raciocínio por analogia), Mujtahidun, usada para
situações onde as fontes sagradas não providenciam regras concretas e, em alguns casos, o
AL-urf (costumes locais).
Ponto básico do posicionamento das religiões judaico-cristã-islâmica é o conceito de que
o sexo deve ser utilizado apenas para a reprodução e que sua ocorrência fora desse padrão é
conceitualmente um pecado contra as leis divinas. É importante destacar que essas religiões
foram ou são usadas como fonte de Direito.
Algumas religiões orientais, voltadas mais para o aperfeiçoamento do indivíduo, são
mais tolerantes com relação ao sexo. De acordo com o budista Caioco Nagawa, sua religião
prega tolerância para as opções individuais em qualquer aspecto da vida, no que se inclui a
sexualidade.
Luciana Ferraz, coordenadora da Associação Espiritual Brahma Kumaris, diz que os
homossexuais são completamente aceitos, sendo que, na Austrália, a associação tem um
serviço espiritual que promove retiros espirituais e cursos exclusivamente para homossexuais.
Para a religião kardecista, de acordo com Mariuccia Marciano, "o espírito não tem sexo,
tem potencialidades masculinas e femininas, que após muitas encarnações atingem um
equilíbrio". Embora aceitem o fato, o kardecismo assume a posição de que os homossexuais
devem ser celibatários. Na teoria kardecista os homossexuais são espíritos femininos que se
reencarnaram em corpos masculinos como forma de remissão de erros passados.
No candomblé, alguns dos deuses têm características mórficas masculinas e femininas
ou algum aspecto que combina os dois sexos. Logunedé, filho de Oxum com Oxossi, tem as
duas características sexuais; Oxumaré pode ser macho ou fêmea devido ser uma serpente
sagrada e Oxalá, o pai de todos os deuses, veste-se sempre de mulher.
A Seicho-no-ie considera o homossexualismo como uma anormalidade da manifestação
da sexualidade, não tendo uma postura favorável ou contra. No entanto, sua postura é no
sentido de as pessoas manifestarem a perfeição interior, reproduzindo-a exteriormente na
expressão plena de características masculinas e femininas.
A religião Hare Krishna acredita que a homossexualidade deriva do carma da pessoa e
que nasce de seu apego ao corpo anterior. Nascido mulher em outra encarnação, ela continua
mantendo seu formato feminino dentro do corpo de um homem.
A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (mórmons) se declara abertamente
que o homossexualismo é uma aberração, baseado nas afirmativas da Bíblia, acreditando que
o mesmo inviabiliza a formação de uma família, que é um desígnio de Deus (Crescei e
multiplicai-vos!).
A Igreja Adventista do Sétimo Dia aceita o homossexual, mas condena o
homossexualismo, acreditando que não deva incrementar uma cultura que aprove ou promova
o mesmo. A mesma posição é adotada pela Igreja Batista.
Basicamente, nenhuma religião aceita o homossexualismo como natural em uma
sociedade. Algumas toleram o fato, mas a maioria é contra, quando não o é radicalmente. As
poucas que o fazem são exceções e mal vistas pela sociedade. Posições favoráveis ao
homossexualismo também são poucas e geralmente provocam reações contrárias.
Atualmente, existem igrejas formadas por homossexuais que encontraram essa maneira
de cultivar a espiritualidade dentro de um ambiente que lhes é favorável, devido à rejeição ou
aceitação parcial de seu comportamento. Em 1968, Troy Perry fundou a primeira comunidade
evangélica homossexual denominada Universal Fellowship of Metropolitan Community
Churches (UFMMC). Alguns grupos também foram formados dentro das próprias religiões,
mesmo que não fossem admitidos oficialmente. Em 1976, dois anos depois de os luteranos
terem organizado os Luteranos Interessados, outras comunidades homossexuais foram
formadas em várias religiões cristãs: a Afirmação (metodistas unidos), o Integridade
(episcopal), o Dignidade (católico), o Afinidade (adventistas do sétimo dia), a Convenção de
Lésbicas Católicas; os Amigos dos Assuntos que Interessam a Lésbicas e Gueis (quacre) e a
Associação para Assuntos de Lésbicas e Gueis, na Igreja de Cristo Unida.
Homossexualismo e a medicina
Até o final do século XIX, o homossexualismo era considerado como um pecado e
desvio de conduta do homem. Até a extinção da Santa Inquisição e da descriminalização pela
Constituição outorgada de 1824 e pelo Código Penal Brasileiro publicado em 1830, era
considerado pecado pela Igreja e com punição a ser dada pelo Estado, geralmente a morte. A
incipiente medicina medieval considerava o homossexualismo como um mal contagioso e
decorrente de um defeito genético.
Com os avanços da industrialização e das ciências em geral, os estudos sobre
homossexualismo passaram a ser de ordem médica. Deixou de ser um pecado e passou a ser
considerado como um problema médico. No Brasil, teve grande influência os estudos do
médico espanhol Gregório Marañon, na década de 30 do século XX. Gregório sustentava que
os dois sexos não constituem pólos opostos e antagônicos, mas que se distribuem dentro de
um ideal masculino e feminino, influenciados pelos hormônios. A configuração sexual do
individuo seria a mistura de caracteres femininos e masculinos e o resultado seria devido ao
balanço hormonal. Entre os dois tipos puros teóricos e praticamente inexistentes estaria toda a
humanidade.
Sendo considerado como uma doença, foram feitos estudos para verificar possíveis
diferenças físicas entre heterossexuais e homossexuais. Nos períodos tenebrosos da
Alemanha nazista, foram feitas experiências infames como implantação de testículos de
macaco em homossexuais, na tentativa de reverter o processo.
Até a década de 80, do século XX, a classificação mais usual para o homossexualismo
era a de perversão sexual. Na literatura médico-legal brasileira, destacam-se as afirmações de
Delton Croce e Delton Croce Jr., de que a homossexualidade é aberração e perversão sexual.
Foram adotados os termos “uranismo” para a prática sexual entre homens por falta de mulher,
“pederastia” para as relações anais entre um homem adulto e uma criança, “sodomia” para a
prática sexual entre homens adultos, “lesbianismo” para a prática sexual masturbatória entre
mulheres, “safismo” para designar a sucção do clitóris entre mulheres e “tribadismo” para o
atrito dos órgãos sexuais femininos.
O neurocientista Simon Lê-Vay identificou como causa da homossexualidade o tamanho
reduzido do hipotálamo dos homens, cujas dimensões seriam semelhantes aos das mulheres.
Entre 1991 e 1993, dois estudos foram publicados na revista “Science”, onde autopsias feitas
em 19 homossexuais, 16 homens e 6 mulheres heterossexuais, conduziram à conclusão de
que o hipotálamo dos homossexuais e mulheres tinha metade do tamanho dos heterossexuais,
o que daria uma explicação biológica para o fato.
Outra “descoberta científica” foi a do famoso “gene gay”, onde pesquisa em 40 famílias
que tinham dois irmãos gays, revelou que 33 dos pares cromossômicos estavam
principalmente no lado materno, indicando uma correlação entre orientação homossexual e a
herança de marcadores polifórmicos no cromossomo X.
A Organização Mundial de Saúde, em 1991 e 1993, com a revisão e publicação da 10º
edição da Classificação Internacional de Doenças - CID 10, deixa de considerar o
homossexualismo como doença mental.
O Conselho Federal de Medicina, no Brasil, desde 1985 não considera mais o
homossexualismo como desvio sexual.
A Associação Médica Americana e outras entidades não mais consideram a
homossexualidade como manifestação de qualquer doença. Desde o DSM III - Manual de
Diagnóstico e Estatística - a homossexualidade masculina ou feminina deixou de ser
considerada como perversão e passou a ser vista como estilo de comportamento.
No entanto, como já dissemos, a história não é linear. Em artigo publicado no New York
Magazine, em junho de 2007, aparece o termo “Gaydar” que segundos estudiosos é uma
espécie de intuição que indica a partir de detalhes e características se a pessoa é homossexual
ou não. Pelo “Gaydar”, um sujeito que é homossexual se parece com. Deve ser a repetição da
velha piada do “foi, é ou será”. Os estudos sustentam que há maior incidência de
homossexuais entre canhotos e ambidestros, que suas digitais dos polegares e mindinhos são
mais espessas na mão esquerda e que o sentido dos redemoinhos no cocuruto são antihorários. Como se pode perceber, parece que deram uma nova face à pseudociência da
Frenologia, que buscava estabelecer relação entre a “psique” a partir de detalhes físicos da
cabeça. Um estudo das formas da cabeça da pessoa poderia identificar o seu caráter e
portadoras de possíveis perversões. As cabeças do cangaceiro Lampião e de sua companheira
Maria Bonita foram mantidas no Instituto Nina Rodrigues, em Salvador, como objeto de estudos
dessas estranhas teorias. Dizem que, alem de cangaceiro, Lampião era bissexual.
Até o momento não existe nenhuma explicação médica para o homossexualismo e
todas as teorias se mostraram falhas em algum aspecto, evidenciando que não são corretas.
Algumas correntes são totalmente contrárias a qualquer explicação biológica sobre o assunto.
Geralmente, essas correntes são de grupos que acreditam que o homossexualismo é um
problema de ordem moral. Se fosse biológico, contrariaria todas as suas teses, ou seja, seria
tão natural quanto o heterossexualismo e essa admissão demoliria algumas das verdades em
que se apóiam.
Homossexualismo e a psicanálise
Caelius Aurelianus, considerado, depois de Galeno, o médico mais proeminente da
antiguidade, e que apregoava contra o uso indiscriminado da música contra a loucura, no
século V, da Antiga Roma, classificou a passividade masculina e a inversão de papeis sexuais
como perturbação mental.
Freud, em seu texto “A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher”,
apresentado em 1920, tenta compreender a origem do homossexualismo feminino através do
Complexo de castração ou inveja do pênis. De acordo com seu estudo, a mudança na jovem
estudada ocorreu quando sua mãe engravidou do terceiro filho. Como a jovem se considerava
substituta da mãe, passou a ter desejos de incesto com o pai. Não podendo satisfazê-lo,
passou a encarar a mãe como rival e, como conseqüência de seu desapontamento, afastou-se
dos homens e passou a se identificar com o pai, assumindo suas atitudes. Sua
homossexualidade servia a dois propósitos: preservar a mãe de seu ódio e desafiar e punir o
seu pai. A base para o homossexualismo masculino seria a irresolução do Complexo de Édipo
onde o interesse pela mãe como objeto de desejo se choca contra o ódio pelo pai, possuidor
do objeto. Ao evoluir, a criança passaria a identificar-se com o pai, o que lhe daria as mesmas
características masculinas. No entanto, quando mal resolvido, a força sexual o induziria ao ódio
contra o pai e sua identificação com a mãe. Para Freud, a homossexualidade era uma variação
do desenvolvimento sexual.
Contemporâneo de Freud, Carl Jung diz que a homossexualidade seria resultado da
sobrecarga entre as energias masculina (animal) e feminina (ânimus), presentes em todas as
pessoas.
Até 1973, a Associação Americana de Psiquiatria considerava a homossexualidade
como um distúrbio mental. A partir dessa data, passou a considerá-la como um reflexo das
realidades sociais e políticas.
Judit Harris, psicóloga americana, acredita que as vivências fora da família, são os
fatores que mais pesam no desenvolvimento da personalidade, o que inclui o
homossexualismo.
Desde 1993, A Organização Mundial de Saúde retirou o termo "homossexualismo" do
Catálogo Internacional de Doenças, o que o Conselho Federal de Medicina já tinha
reconhecido desde 1985. Em dezembro de 1998 a Associação Americana de Psiquiatria (APA)
se posicionou contra as "terapias de cura" - como são chamadas as terapias destinadas a
"reverter" homossexuais em heterossexuais.
Como na Medicina, não existe nenhuma conclusão sobre o surgimento do
homossexualismo na pessoa. Não existem dados comprobatórios sobre se é genético,
psicológico ou sobre sua gênese.
Somos sempre conduzidos a ter pensamentos criando pólos opostos para identificação
do mesmo. O Yin Yang chinês, o conceito de Céu e Inferno, Bem e Mal, Belo e Feio são
traduções fortes de nossa forma de pensar. Para entendermos algo precisamos compará-lo ao
oposto para que tenhamos um melhor entendimento. Curiosamente, consideramos as formas
de homem e mulher como opostos e quase nunca como complementares. A existência de
estágios intermediários ou a fusão de dois elementos que consideramos imiscíveis tira um
pouco de nosso entendimento. Entendemos bem o branco e o preto, mas não sabemos
exemplificar as gradações decorrentes da mistura dos dois. Se alguém nos perguntar qual a
definição da cor cinza, nossa primeira resposta é de que é uma mistura do branco e do preto.
Quase sempre esquecemos que o cinza é uma cor própria.
Homossexualismo e o Direito no Brasil
As Ordenações Afonsinas, promulgadas em 1446, do rei Afonso V, de Portugal,
estabelecia em seu Livro V, Título 17, a pena de fogo para o que considerava “pecado de todos
o mais sujo, torpe e desonesto”.
Em 1521 surgiram as Ordenações Manuelinas, que acrescentava à pena de morte pelo
fogo o confisco dos bens alem da infâmia dos filhos e descendentes. O homossexualismo foi
considerado como um crime de lesa-majestade.
“Toda pessoa, de qualquer qualidade que seja, que pecado de sodomia por
qualquer maneira cometer, seja queimado e feito por fogo em pó, para que nunca de
seu corpo e sepultura possa haver memória, e todos os seus bens sejam confiscados
para a Coroa de nossos Reinos, posto que tenha descendentes; e pelo mesmo caso
seus filhos e netos ficarão inabilitados e infames, assim como os daqueles que
cometem o crime de lesa-majestade. E esta lei queremos que se estenda e haja lugar
nas mulheres, que umas com as outras cometem pecado contra a natureza, e da
maneira que temos dito aos homens”
Em 14 de fevereiro de 1569 elas foram revogadas pelo Código de São Sebastião que foi
substituído pelas Ordenações Filipinas que vigorou de 1603 a 1830.
Nas Cartas Régias de doação das capitanias hereditárias, em 1523, está expressa a
pena de morte para os sodomitas, que poderia ser aplicada sem consulta prévia a Portugal.
Alem das disposições legais, cumpre ressaltar que existiam as disposições religiosas
que eram aplicadas pela Santa Inquisição. Nessa época, Igreja e Estado não eram separados
e, embora a Igreja não pudesse executar o individuo, ela podia processá-la e, após o veredito,
entrega-la para ser punida pelo Estado. Não existindo separação entre Estado e Igreja, que só
aconteceu na Constituição de 1824, as leis laicas e religiosas eram consideradas como vindas
do mesmo poder.
Em 1580, Isabel Antonia, natural da cidade do Porto, considerada lésbica, é processada
pelo Bispo de Salvador. Provavelmente, é o primeiro registro de punição dada a uma mulher
por esse tipo de comportamento.
O Padre Frutuoso Álvares, da Bahia, é considerado o primeiro homossexual brasileiro a
ser inquirido pela Inquisição no Brasil, em 1591. Em seu depoimento, confessou que era ativo e
passivo e que tinha se relacionado com mais de 40 rapazes.
Em 1592, na Bahia, é açoitada publicamente a lésbica Felipa de Souza. Era
alfabetizada, costureira e casada com um padeiro, mas mantinha relações duradouras com
outras mulheres. Alem do açoitamento, sofreu severas punições por isso. Seu nome foi dado
ao principal prêmio internacional de Direitos Humanos dos Homossexuais.
O índio Tibira, um tupinambá, é executado pelos capuchinhos franceses, sendo
considerado como o primeiro homossexual condenado à morte no Brasil, em 1613. Conforme
dito anteriormente, tibira era o nome que os nossos índios davam aos homossexuais, devendo
seu nome ser outro, portanto. Em 1678 um escravo é acoitado até a morte pelo crime de
sodomia.
Com a extinção do Tribunal de Inquisição e influenciado pelo Código de Napoleão, o
Código Penal de 1823, que passou a vigorar em 1830, descriminalizou o homossexualismo.
A constituição outorgada de 1824 estabeleceu bases para o direito dos indivíduos,
através de seu artigo 179, onde garantiu a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos
cidadãos brasileiros, e afirmou, no seu artigo 1º. que “nenhum cidadão pode ser obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”.
No século XIX, o homossexualismo passou a ser encarado como uma doença, o que
não impediu que fosse reprimido através de outras leis. Sua prática era considerada como
atentatória à moral e aos bons costumes.
Em 1930, a Comissão Legislativa criou um projeto de novo Código Penal para o Brasil,
onde previa que “os atos libidinosos entre indivíduos do sexo masculino serão reprimidos,
quando causarem escândalo público, impondo-se a ambos os participantes detenção de até
um ano”. Esse código não foi aprovado e o projeto de lei não constou no Código Penal de
1940.
Em Janeiro de 2001 foi criado em Brasília, o Disque Cidadania Homossexual, destinado
a combater abusos contra homossexuais. Nesse ano ocorre o Caso Néris, onde o assassinato
de Edson Néris da Silva por Juliano Filipini Sabino e José Nilson Pereira da Silva foi
considerado como um crime de ódio e caracterizado como intolerância aos homossexuais.
Em 14 de março de 2001 a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, em Porto Alegre
proferiu decisão reconhecendo a uma união de homossexuais os mesmos direitos conferidos à
união estável, deferindo a meação ao companheiro, não como uma sociedade de fato, mas a
uma sociedade de afeto. Diz o texto:
"Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre
pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados destas relações
homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o Judiciário não
pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária. Nelas remanescem
conseqüências semelhantes às que vigoram nas relações de afeto, buscando-se
sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevados sempre os
princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade.".
Em maio de 2001, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) assegurou o pagamento
de pensão a viúvos de casamentos homossexuais, extensivo aos formados antes de 2.000.
Em 23 de outubro de 2001, a justiça de Minas Gerais, em sentença proferida pelo Juiz
da Vara Criminal e de Menores da Comarca de Santa Luzia, na região metropolitana de Belo
Horizonte, concedeu ao par homossexual José Geraldo Dias e Jarbas Santarelli Porto, o direito
de criar e educar uma menina de dois anos, filha de José Geraldo Dias com a empregada
doméstica Ilma Ogando.
O governador Geraldo Alckmin, em 05 de novembro de 2001, sancionou a lei 10948 que
pune a discriminação, no Estado de São Paulo, contra orientação sexual.
Em 08 de dezembro de 2001 é sancionada pelo governador do Rio de Janeiro, Antony
Garotinho, a Lei Estadual 3406 de 15 maio de 2000, que estabelece penalidade aos
estabelecimentos que discriminem pessoas em virtude de sua orientação sexual.
Em 09 de 2002, por decisão da 3ª. Vara da Justiça Federal do Rio Grande do Sul, o
INSS é obrigado a considerar o companheiro ou companheira homossexual como dependente
preferencial dos segurados do Regime Geral da Previdência Social. A sentença é válida para
todo país.
Em Minas Gerais, em 15 de janeiro de 2002, o governador Itamar Franco, sanciona a lei
14170 coibindo a discriminação em virtude de orientação sexual:
Em 16 de Março de 2002, a cidade de Recife, em Pernambuco, inclui benefícios de
concessão de pensão, em caso de morte, aos companheiros e filhos de servidores públicos
homossexuais.
Entra em vigor no Rio de Janeiro, em 20 de março de 2002, a Lei Estadual 3786, que
garante os direitos previdenciários aos companheiros de servidores estaduais.
Em 27 de março de 2002, é reconhecida pela lei 4798/02, no município de Pelotas, RS,
a união entre parceiros do mesmo sexo para fins de previdência municipal.
No Rio de Janeiro, em 10 de abril de 2002, o desembargador José Carlos Schmidt Murta
Ribeiro concede liminar tornando sem efeito a Lei Estadual 3.786, que concede direitos de
pensão para homossexuais.
Em 14 de maio de 2002, a Câmara de São José do Rio Preto, em São Paulo, aprova o
projeto de lei 181/01 que proíbe discriminação por orientação sexual.
Em 23 de maio de 2002, a Câmara dos Vereadores de Londrina, no Paraná, aprova a lei
117/02, que penaliza com multas qualquer estabelecimento que discrimine homossexuais.
Em 06 de agosto de 2002, é publicado acórdão da 8ª. Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, reconhecendo e legitimando a união estável de pessoas do
mesmo sexo como verdadeira família, concedendo usufruto de 25% do patrimônio ao parceiro
sobrevivente e direito à divisão da metade dos bens adquiridos.
Em 16 de dezembro de 2002, no Rio Grande do Sul, é aprovado o projeto de Lei 185/02,
que proíbe ações discriminatórias contra homossexuais.
Em 04 de abril de 2003, Santa Catarina promulga lei que pune discriminação por
orientação sexual.
Em 30 de abril de 2006, o Centro de Ressocialização Feminino de São Jose do Rio
Preto, interior de SP, passa a permitir visitas íntimas para homossexuais (O Estado de São
Paulo, METRÓPOLE, Domingo, 30 abril de 2006, CHICO SIQUEIRA, ESPECIAL PARA O
ESTADO).
Alguns projetos de lei que condenam a discriminação sexual estão tramitando no
Congresso, mas enfrentam resistência principalmente das bancadas evangélicas lideradas pelo
senador Marcos Crivella, sobrinho do fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir
Macedo. A sustentação contra o projeto é que pastores e padres podem ser presos se
pregarem contra a homossexualidade. Do meu ponto de vista, sendo o Estado laico, a
supremacia das leis deve prevalecer sobre os ditames religiosos, e a aprovação desses
projetos de leis daria amplitude nacional às leis já aprovadas anteriormente por algumas
municipalidades. O papa Bento 16, em visita ao Brasil em maio de 2007, disse que
demonstrava profundo respeito pelo Estado laico brasileiro. Segundo frase veiculada pelo
Itamaraty, "conhecedor das qualidades religiosas do Brasil, quero dizer que nosso empenho é
preservar e consolidar o Estado laico e ter a religião como instrumento para tratar da
espiritualidade e dos problemas sociais", teria dito o presidente.
Se considerarmos que prevalece o espírito da Constituição sobre as normas e que ela
não permite qualquer discriminação no que concerne ao sexo, estabelecendo igualdade de
todos perante a lei, acreditamos que qualquer ato discriminatório, independente da aprovação
ou não de projetos de lei, deve ser punido. A aprovação desses projetos daria, apenas, maior
clareza às leis já existentes. No entanto, deve-se firmar com mais clareza o que já está
estabelecido e, porisso, a aprovação desses projetos é de suma importância, não só do ponto
de vista legal, mas também do ponto de vista social e cultural. Pode-se começar a mudar um
pensamento dominante contrário aos ditames igualitários da Constituição através de algumas
palavras tipificadoras de crimes, ao inseri-las em nossos Códigos.
Família
Evolução histórica da família
O termo “família” é derivado do latim “famulus”, que significa “escravo doméstico”, termo
criado na Roma Antiga para designar um novo grupo social que surgiu entre as tribos latinas,
ao serem introduzidas à agricultura e também escravidão legalizada.
Embora Engels tenha dito que, num período de transição do estágio animal para o
humano, “cada mulher pertencia a todos e cada homem a todas as mulheres”, não acredito que
isso tenha alguma base científica. Mesmo nos grupos animais existem formas padronizadas de
acasalamento ou daquilo que entendemos por casamento. Como somos animais sociais e
nossa evolução existiu exatamente por esse fator, concluo que regras já deveriam estar
estabelecidas mesmos nos estágios mais primordiais de nossa sociedade. Por ser um foco de
conflitos sociais, é justo supor que sem estabelecimento de regras com relação à formação de
pares e consequentes familias oriundas dos mesmos não teríamos prosseguido com nossa
evolução. Mesmo nas sociedades mais primitivas existem regras sobre relacionamentos
sexuais e formação de familias. Embora menos comuns nas sociedades, nos casamentos
poliândricos, poligâmicos ou na junção dos dois, existem regras para que a sociedade
permaneça estável dentro dos conceitos e cultura próprios. A promiscuidade latente na frase
estaria mais ligada a pequenos grupos ou situações especiais e não para uma base evolutiva
da sociedade.
Com certeza, o primeiro pensamento que vem às nossas cabeças quando se fala em
família, é o conceito tradicional de pai, mãe e filhos. Fundamentalmente a família tradicional é
um grupo de pessoas ligadas por descendência a um ancestral comum. Esse conceito pode
ser chamado de nuclear, pois considera apenas a família isolada da sociedade.
Segundo ATKINSON e MURRAY (cit. por VARA, 1996), a família é um sistema social
uno, composto por um grupo de indivíduos, cada um com um papel atribuído, e embora
diferenciados, consubstanciam o funcionamento do sistema como um todo.
A Constituição Federal de 1988, no seu art. 226, define como família:
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes.
A família é um sistema bastante complexo visto que:
a) cada uma é única, pois difere em tamanho, nos elementos que a compõe e nos seus
valores próprios.
b) trata-se de um sistema interativo, onde qualquer ocorrência que afete um dos
elementos se estende a outros. Ela também interage com outros grupos da sociedade.
c) tem vários estágios de desenvolvimento em função da própria evolução de seus
membros. Cada membro desempenha um papel que lhe foi atribuído ou ao qual se atribui.
A primeira fase da família é a patriarcal ou tribal, onde um chefe ou patriarca administra
os grupos familiares sob seu comando. Praticamente não se pode falar de uma família isolada
porque ela se extinguiria naturalmente. O mais correto é falar de grupos familiares, visto que é
base de toda sociedade.
A primeira evolução da família é o clã, que congrega parentes mais distantes,
geralmente unidos por laços de sangue. O clã é a sobreposição de famílias sob o comando de
um grupo ou de um patriarca. Provavelmente, o Estado derivou-se desses grupos.
Durante a Idade Média, as pessoas passaram a se ligar por vínculos matrimoniais,
formando novas famílias. Acrescia-se a essas novas famílias a descendência gerada tanto pela
linhagem paterna como pela materna. Devido à imobilidade das pessoas nesse período, onde
os aldeões praticamente viviam e morriam no mesmo local, essa forma de família foi estável
até o a Revolução Francesa onde o fluxo migratório para as cidades se tornou mais freqüente.
Com o advento da Revolução Industrial, o conceito de família voltou ao seu estágio
quase nuclear, visto que as relações de sangue deixaram de ter a força que tinham na Idade
Média. No entanto, passou a existir uma mudança fundamental, pois a educação das crianças
deixou de ser atribuição exclusiva da família e começou a ser uma responsabilidade do Estado.
A Constituição Brasileira de 1824, no seu art. 179, no seu art. 25, abole as corporações de
ofícios, seus juizes, escrivães e mestres, tirando a exclusividade do ensino profissional das
mesmas e no seu art. 32, concede instrução primária gratuita a todos os cidadãos, embora não
considerasse o ensino como obrigatoriedade do Estado.
Com o Decreto n º 181, de 24 de janeiro de 1890, passou a vigorar, no Brasil, o
casamento civil como o único meio de constituição de família legítima. Na Constituição de
1891, no art.172, § 4º, a República só reconhece o casamento civil, cuja celebração passa a
ser gratuita. Embora não explícita, o direito do ensino gratuito ainda continua na forma do art.
83, onde diz que “Continuam em vigor, enquanto não revogadas, as leis do antigo regime no
que explícita ou implicitamente não forem contrárias ao sistema do Governo firmado pela
Constituição e aos princípios nela consagrados”.
O primeiro texto legal a trazer norma benéfica à companheira foi o Decreto n º 2681, de
07.12.1912, que previu a responsabilidade das empresas de estradas de ferro, no caso de
morte de passageiro, de prestar indenização aos seus dependentes, inclusive à companheira.
No Código Civil Brasileiro, de 1916, a família é aquela baseada na procriação, na
formação de mão-de-obra, na obtenção e transmissão de patrimônio, além de fonte de
aprendizado individual.
A Lei n º 3724, de 1919, de cunho trabalhista, equiparou a companheira à esposa, desde
que comprovadamente sustentada pelo homem.
A primeira legislação previdenciária que estabeleceu direitos à companheira foi o
Decreto n º 20.465, de 1931, que estabeleceu direitos previdenciários à companheira, pois
empregou o termo "mulher", podendo, por interpretação, ser aplicada também nos casos de
mulher não casada.
A família se firma como legalmente indissolúvel na Constituição de 1934, no seu art. 144,
e garante proteção do Estado à entidade. Ela inova no sentido de que reconhece em seu art.
146 os mesmos efeitos civis para os casamentos religiosos, desde que observadas as
disposições da lei civil e inscrição no Registro Civil. Também reconhece legalmente, no art.
147, o direito de reconhecimento e herança para os filhos naturais. Quanto à educação dos
filhos, o art. 149 garante o direito a todos e diz que deve ser ministrada pela família e pelos
Poderes Públicos, de forma gratuita, integral e obrigatória no ensino primário.
Com a Lei n º 883, de 21 de outubro de 1949, o filho tido fora do casamento, pôde ser
reconhecido por qualquer dos pais.
Em 1960, Lei n º 3807, a Lei da Previdência Social, tornou possível a designação da
companheira como dependente, na falta dos dependentes expressamente mencionados na lei.
Em 1962, o Estatuto da Mulher Casada, Lei n.º 4121, tem início da emancipação da
mulher dentro do casamento, passando do status de relativamente incapaz para absolutamente
capaz para os atos da vida matrimonial, passando a ser considerada colaboradora do marido
na sociedade conjugal.
A Constituição de 1967 mantém a indissolubilidade civil da família (art. 167), tornando
obrigatório o ensino dos sete aos quatorze anos, sendo gratuito nos estabelecimentos
primários oficiais (art. 168, parágrafo 3º. inciso II).
Em 1973, a Lei no. 6015, Lei de Registros Públicos, autorizou a mulher, solteira,
separada judicialmente ou viúva, companheira de homem, também, solteiro, viúvo ou separado
judicialmente a requerer a averbação do nome do companheiro em seu registro de nascimento.
O casamento foi, por muito tempo, a única forma legítima para a constituição de família.
Esse princípio foi mantido nos textos constitucionais de 1937, art. 124; 1946, art. 163, 1967, art.
167, 1969, art. 175. Em 1977, a Lei n.º 6515, denominada Lei do Divórcio, acaba a
indissolubilidade civil do casamento.
O direito extensivo aos idosos pelo Estado somente acontece na Constituição de 1988,
chamada de “Constituição Cidadã” pela sua preocupação em estabelecer direitos aos
indivíduos de forma mais adequada às necessidades atuais e limitar os poderes do Estado.
Assim sendo, ela garante assistência social, no seu art. 203, à família de uma forma mais
ampla, garantindo direitos desde a maternidade até a velhice, incluindo assistência aos
deficientes físicos.
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção
de sua integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção
ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
No seu art. 205, estabelece a educação como direito de todos e dever do Estado e da
família, de modo a garantir o desenvolvimento da pessoa, profissionalmente e como cidadão.
Uma das grandes conquistas da família foi a consagração da legitimidade da entidade
família sem indexá-la ao casamento. A união estável extra-matrimonial entre homem e mulher
passou a ter mesmo amparo da lei que as calcadas no casamento.
Em 1994, com a Lei n º 8971, que, junto com a Lei no. 9278, de 1996 estabeleceram
procedimentos ao direito de alimentos e sucessão, regulamentando o art., 226, § 3º da
Constituição Federal de 1988.
Algumas súmulas estabeleceram alguns parâmetros para os direitos aos concubinos:
Súmula 35: "Em caso de acidente do trabalho ou de transporte, a concubina tem
direito a ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento
para o matrimônio".
Súmula 380: "comprovada a existência de sociedade de fato entre os
concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido
pelo esforço comum".
Súmula 382: “A vida em comum sob o mesmo teto, 'more uxorio', não é
indispensável à caracterização do concubinato".
Súmula 447: "É válida a disposição testamentária em favor de filho adulterino do
testador com sua concubina".
Estruturas familiares
De acordo com o dicionário de Aurélio Buarque de Hollanda, uma das definições de
estrutura é “o modo como uma sociedade, ou uma esfera específica da vida social, está
organizada, em função das instituições básicas e das atividades e relações que vigoram entre
estas” ou “a disposição dos elementos ou partes de um todo; a forma como esses elementos
ou partes se relacionam entre si, e que determina a natureza, as características ou a função ou
funcionamento do todo”.
A estrutura familiar compõe de um conjunto de pessoas que interagem entre si, de
acordo com as posições que ocupam.
As formas estruturais básicas são a conjugal, monoparental e a ampliada. A conjugal é
aquela formada pelo casal e seus filhos e que habitam um ambiente comum. Podemos também
chama-la de nuclear visto que é a base de uma sociedade. É a idéia básica da família como a
entendemos no princípio do termo. A monoparental é aquela formada de pais únicos devido a
fenômenos divórcio, óbito, abandono de lar ou outros fatores que reduzem a família conjugal. A
família ampliada é aquela estruturada dentro de uma família nuclear à qual se acrescenta os
ascendentes e descendentes. Forma-se por pais, avós, filhos, netos e parentes com grande
afinidade. A família ampliada é a base para o clã.
Existem outras formas de famílias denominadas alternativas que são as famílias
comunitárias e as famílias homossexuais. A família comunitária é aquela que se rege pelo
princípio comunal onde existe uma relação muito forte entre os membros e onde existe a
responsabilização de todos por todos. As pequenas tribos são exemplos típicos de famílias
comunitárias onde todos procuram zelar pelo bem estar do próximo para que o mesmo lhe de
reciprocidade. As famílias homossexuais são formadas por indivíduos do mesmo sexo,
geralmente um par, e que, vez ou outra pode incluir crianças adotadas ou filhos biológicos dos
parceiros.
Funções da família
Não existe sobrevivência para o individuo nas fases iniciais de sua vida se não estiver
inserido dentro de um núcleo que tenha algum conceito familiar. Independente do tipo ou
estrutura de família, do seu tamanho ou de sua composição, sem ela o indivíduo perece
fisicamente, quando em seus primeiros estágios de vida. Temos algumas características
naturais que nos impelem naturalmente a nos mantermos agrupados em família. Uma dessas
características é a neotenia.
Neotenia é a retenção de características juvenis na forma adulta. Nosso cérebro nasce
pequeno e expande-se à medida que crescemos. Nossos ossos do crânio são moles e abertos
para que possam dar espaço a uma cubicagem maior de nosso cérebro. O ser humano é o
animal que detém o maior período neotênico e conserva na maturidade uma boa parte de suas
características infantis. Nossa capacidade de aprendizagem ficou mais ampliada com esse
processo devido ao fato de termos um tempo maior para o crescimento do cérebro. Os seres
humanos amadurecem sexualmente por volta dos 12 anos de idade, mas nossos ossos do
crânio se fundem aos 16. No entanto, nossa capacidade de aprender não se reduz ao longo do
tempo, exceto quando sofremos restrições de ordem física, mental ou social. Temos o maior
período de amadurecimento conhecido entre os animais, uma dependência por grande período
dos nossos pais, mas podemos manter um padrão de conhecimento acima dos outros animais
por causa dessa característica.
Um das vantagens do processo da neotenia é o fato de dar ao cérebro um tempo maior
para se desenvolver. Se o processo ocorresse dentro do ventre, o feto teria dificuldades para
nascer e o tamanho da pélvis feminina teria que ser tal que comprometeria sua locomoção. O
processo neotênico é muito importante porque possibilita ao filhote ter tempo suficiente para
aprender antes de estar completamente evoluído fisicamente. A neotenia não deve ser
encarada apenas como um período prolongado no qual temos um espaço para um maior
aprendizado. Ela também pode ser considerada com um fator de aglutinação social visto que
no seu período maior ela nos favorece com uma capacidade maior de socialização. Como
dizem, amigos de infância são para sempre e geralmente as crianças tem menos preconceitos
e são mais tolerantes que os adultos o que dá a elas uma enorme vantagem quando se trata
de formação de grupos.
Para os pais, esse processo significa despender grande quantidade de energia e tempo
no processo de criação dos filhos. Mais que outros animais, os seres humanos gastam boa
parte de sua vida cuidando de seus filhotes. Embora os seres humanos estejam aptos à
reprodução por volta dos 12 ou catorze anos e, teoricamente, estariam aptos a formar uma
nova família, é comum que o período se estenda por mais anos até estarem completamente
amadurecidos para poderem enfrentar o ambiente que os cerca. É comum as leis estipularem
idades para o desvínculo dos filhos de seus pais. Damos gradação a essa separação. Por lei
somos capazes juridicamente de certos atos aos dezesseis, de outros aos dezoito e,
finalmente, aos vinte e um somos considerados capazes de agir com responsabilidade própria.
Essa longa relação entre pais e filhos promove uma base social que chamamos de família.
Essa longa relação serve também para desenvolver aquilo que chamamos de
sentimentos. Alias, podemos dizer que a base de nossos sentimentos são as relações que
temos dentro de nossa família e essa base é a que define o que somos ou seremos.
Alem da proteção natural, a família ainda promove o crescimento individual e social de
cada um. Quando um indivíduo se apresenta é comum ele se mostrar através de sua profissão,
seu local de nascimento e se referir à família a qual pertence. Com esses dados
estabelecemos um padrão sobre a pessoa. De certa forma, consideramos boa uma pessoa que
pertence a uma família boa e dificilmente acreditamos que alguém o seja se a sua família não
for merecedora de boa reputação. Como diz o ditado “filho de peixe, peixinho é”.
Estimamos tanto essa relação que um dos piores xingamentos que podemos receber é
aquele no qual se ataca o nome de nossa genitora. Não se trata apenas de uma afronta
pessoal ou contra aquela que nos deu vidas, mas de um amplo escárnio sobre toda a nossa
família. Pior que isso é impossível.
Formas consideradas atualmente como família
O art. 226, da Constituição Federal de 1988, § 3º, concede proteção do Estado à união
estável entre homem e mulher e lhe dá o status de entidade familiar. Esse artigo retirou da
clandestinidade as uniões não formalizadas e concedeu igualdade às formas oficializadas de
união.
A Lei 9278, de 10 de maio de 1996, normatizou o concubinato, reconhecendo como
entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher,
estabelecida com o objetivo de constituição da família (art.1º.) e estabelecendo direitos de
sucessão para os integrantes da mesma, juntamente com a Lei 8971 de 29 de dezembro de
1994.
Recentemente, o STJ deu ganho de causa a dois irmãos considerando impenhorável o
imóvel no qual viviam, considerando-os como entidade familiar e, portanto, enquadrados no art.
1º da Lei 8009 de 29 de março de 1990, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de
família:
Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é
impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal,
previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos
que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
De acordo com Marilene Silveira Guimarães,
O novo diploma civil refere como instituidora e beneficiária a entidade familiar,
sem definir esse conceito3. No entanto, invocando o artigo 226 da Constituição Federal
é possível considerar, além das famílias formadas pelo casamento, pela união estável
e as famílias monoparentais, outras entidades familiares que o Estado também deve
proteger pelo princípio da isonomia, como as parcerias homossexuais e o concubinato.
Para esse, poderá ser instituído o bem de família desde que não afronte outras regras
como a do artigo 1.642, que proíbe doações da pessoa casada para o concubino. No
entanto, essa proibição não impede que a entidade familiar seja protegida pelo outro
concubino que possuir rendas e deseje instituir bem de família, ou que um terceiro o
faça. O alargamento do conceito de família nas decisões jurisprudenciais incluindo as
parcerias homossexuais estende a elas a possibilidade de nomear patrimônio para
evitar a penhora por dívidas, bem como autoriza a invocar os benefícios da lei 8009/90.
No entanto, a união civil entre pessoas do mesmo sexo, pretendida pela aplicação das
Leis 8.971/94 e 9.278/96, é considerada inadmissível, pois a diversidade de sexos é requisito
objetivo e essencial para o reconhecimento da união estável. Existe uma possibilidade, no
entanto, que se reconheça uma sociedade de fato entre homossexuais, nos moldes do art.
1.363 do CC:
Art. 1.363. Celebram contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se
obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns.
A nossa sociedade diversificou-se demais. As formas antigas de família estão
caminhando lado a lado com as novas. O não reconhecimento legal não impede que esses
novos núcleos se formem e se proliferem. Sua conceituação como família extinguiria uma série
de percalços a que se condicionam pessoas pelo simples motivos de não se encaixarem no
padrão. A nomenclatura que se dá para essas novas formas não altera a sua validade de fato.
Família e Estado
Como se pode depreender pela história, a família passou de um estágio onde sua
sobrevivência ficava exclusivamente a seu cargo e onde o patriarcalismo era a forma mais
comum de sua condução. Os idosos e as crianças dependiam integralmente da mesma para
sua sobrevivência, não cabendo ao Estado nenhum dever para com ela. A educação se dava
dentro dela e se restringia aos ofícios que a família exercia. Existindo pouca mobilidade social,
predominância da vida rural, baixo nível de circulação de informação e restrita tecnologia, não
cabia muito alem para a sobrevivência do indivíduo e da família do que as formas
estabelecidas. Marcada predominante por laços sanguíneos, podia se estender para uma
forma mais ampliada que é o clã.
Em Esparta, os meninos, quando completavam 8 anos eram enviados para o agogê, que
significa adestramento ou treinamento, onde permaneciam durante a infância e adolescência.
Sendo totalmente militarizada, o Estado assumia para si a educação que tradicionalmente era
encargo das famílias, em outras cidades-estado.
Para Platão, em sua República, o casamento monogâmico, do qual se derivava o poder
do ghénos deveria ser extinto e substituído por casamentos coletivos, cujo objetivo seria
meramente reprodutivo. Os filhos seriam considerados como filhos de toda comunidade e toda
ela se responsabilizaria pela educação de todos. O filósofo via na ordenação das antigas
famílias os alicerces para o exercício do poder então reinante. Sua família coletiva impediria
que algum clã tomasse o poder. Nessa sociedade utópica, Platão condenou qualquer diferença
entre os sexos e colocou as mulheres fazendo tarefas em comum com os homens. Elas
também prestariam serviço militar e acompanhariam os homens nas guerras, pois acreditava
que sua presença infundiria maior coragem aos homens.
Thomas Morus, na sua Utopia, a família era constituída a partir dos varões, filhos e
netos, sendo que a mulher deveria deixar a sua, quando do casamento, e unir-se à do seu
marido. Para ele, o mais velho deveria ser o chefe do clã. Cada cidade deveria ser composta
de seis mil famílias, sendo que cada uma delas não deveria ter um número maior que
dezesseis mancebos na idade da puberdade, sendo que o número de crianças impúberes era
ilimitado. Quando uma família crescesse alem da medida, o excedente seria colocado em
outras famílias menos numerosas. Se uma cidade tivesse mais gente do que poderia conter,
seria decretada uma imigração geral, para que os habitantes formassem outra colônia no
continente mais próximo. As refeições seriam coletivas no palácio do sifogrante (magistrado) e
uma trombeta marcaria as horas das mesmas. Cada mãe aleitaria seu filho, sendo que em
caso de morte ou doença, uma ama de leite lhe seria dada. A criança pertenceria tanto à ama
de leite como à sua mãe.
Utopias, Espartas e Repúblicas à parte, o mais comum é que todos os encargos para
manutenção da família e dos seus, sempre foram dela própria. O Estado praticamente não se
ocupou de fornecer elementos de sobrevivência para a família até períodos recentes.
A Revolução Francesa pode ser considerada um marco para a evolução da família, pois
a urbanização retirou da família a união marcada pela consangüinidade e o seu sustento
natural vindo da vida rural. Dependendo da divisão social do trabalho e com a ampliação da
burguesia, sua sobrevivência passou a ser ditada por grupos alheios a ela. Ela já não podia
contar apenas consigo para a sobrevivência; passou a depender de outros para isso.
Essa situação agravou-se com a Revolução Industrial, onde as vilas de operários ao
redor das fábricas, a entrada das mulheres no mercado de trabalho e a dependência de um
salário para a sobrevivência, passou a forçar o Estado a ter deveres para com a família. A
educação que antes era exclusiva da família passou a ser um dever do Estado com a
acentuada necessidade de mão de obra especializada para trabalhar nas fábricas que usavam
novas tecnologias de produção. As corporações familiares que detinham os meios de produção
e a tecnologia para isso desapareceram naturalmente com o advento das indústrias. Como a
família não tinha mais condições de bancar a educação dos filhos a esse nível, o Estado
passou a fornecer as condições necessárias para a instrução dos mesmos.
Paralelo a isso, a estrutura da família foi se modificando e adquirindo novos contornos. A
mulher que antes era apenas o elemento de procriação e educação das crianças passou a
trabalhar fora. Esse fato provocou a inclusão de direitos exclusivos aos homens para essa
mulher que passou a competir com ele no próprio mercado de trabalho. Os princípios básicos
da Revolução Francesa de igualdade, fraternidade e liberdade passaram a ter sentido mais
amplo ao abranger toda e qualquer pessoa, independente do sexo.
Com essa nova mulher surgindo, o Direito adaptou-se a essa condição. Para evitar a
deseducação dos filhos, o Estado passou a assumir para si, como obrigatório esse dever para
si e direito para a família. A assunção da Educação pelo Estado deveu-se, também, à
crescente industrialização que exigia mão de obra especializada. Essa necessidade obrigou o
Estado a assumir para si a obrigação para não perder sua condição de Estado, visto que
Educação é base para o desenvolvimento material e espiritual de um povo.
Com a total desnucleização da família, o Estado passou a assumir alguns deveres antes
exclusivos dela como a assistência aos idosos e deficientes. As parcelas da população que
dependiam inteiramente da família para sua sobrevivência e sem a qual não poderiam
subsistir, passaram a ter apoio do Estado. Os menores de idade sem família também passaram
a contar com apoio do Estado através de inúmeros órgãos.
Considerando que a família é base de qualquer sociedade e que o Estado existe em
função dessa sociedade como forma reguladora da mesma e como fator de sobrevivência dela
própria, é natural que assuma funções antes exclusivas dela. Essa interdependência faz com
que as relações entre ambos se acentuem e sejam mais maleáveis, visto que os conceitos de
família estão mudando e suas necessidades também. As mudanças sociais que se faziam de
formas mais lentas e que levavam séculos ou anos para serem aceitas pelo Estado, estão,
hoje, acontecendo de maneira rápida e, às vezes, abrupta. O Estado que assume sua função
de gerenciador da sociedade e que tem como um de seus objetivos a pacificação de conflitos
dentro dela, precisa estar atento a essas mudanças e dar-lhes as devidas formas dentro da lei
e do Direito.
Adoção
Definições de adoção
A palavra vem do latim adoptione, adoção, formada de ad (por) e optione (opção).
Existem muitos conceitos sobre adoção, que evoluíram através dos tempos:
No direito justinineu, "adoptio est actus solemnis quo in locum fili vel nepotis ad ciscitur
quei natura talis non est". Na tradução “adoção é o ato solene pelo qual se admite em lugar de
filho quem por natureza não o é”.
A adoção é uma ficção jurídica criadora do parentesco civil que consiste em um ato
jurídico bilateral. A adoção confere ao filho adotivo status idêntico ao do filho legítimo, embora
existam reservas nas mais diversas legislações que disciplinam o tema, de acordo com Dusi.
A adoção é considerada um ato jurídico no qual uma pessoa é assumida como filho por
um casal ou outra pessoa que não são seus pais biológicos. As responsabilidades, direitos e
deveres dos adotantes e adotados são os mesmos entre pais e filhos biológicos.
No Estado Democrático de Direito, a adoção define-se como uma instituição jurídica de
ordem pública com a intervenção do órgão jurisdicional, para criar entre duas pessoas, ainda
que estranhas entre elas, relações de paternidade e filiação semelhantes às que sucedem na
filiação legítima.
Para BAUDRY-LACANTINERIE, a adoção é "um contrato solene, no qual o ministro é o
juiz de paz".
Na concepção de PLANIOL, é "um contrato solene submetido à aprovação da Justiça".
JOSSERAND via a adoção como "um contrato que cria entre duas pessoas relações
puramente civis de paternidade ou de maternidade e de filiação".
COLIN e CAPITAN definem como "um ato jurídico que cria entre duas pessoas relações
fictícia e puramente civis de paternidade e de filiação".
ZACHARIA, como "o contrato jurídico que estabelece entre pessoas, que podem ser
estranhas uma da outra, vínculos semelhantes àqueles que existem entre o pai ou mãe unidos
em legítimo matrimônio e seus filhos legítimos".
CLOVIS BEVILAQUA, mais próximo do Direito Romano, de Justiniano, define-a "como
ato civil pelo qual alguém aceita um estranho na qualidade de filho".
CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, "como ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe
outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco ou
afim".
ORLANDO GOMES, "como ato jurídico pelo qual se estabelece independentemente do
fato natural da procriação, vínculo de filiação".
MARIA HELENA DINIZ, “o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais,
alguém estabelece, independente de qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afim,
um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que,
geralmente, lhe é estranha”.
Evolução histórica da adoção
A adoção é coisa antiga. Surgiu inicialmente como forma de impedir a extinção do culto
doméstico, que era considerado como base da família. Antes de falar de adoção é necessário
falar do medo inerente que todo homem tem da morte ou da extinção de seu nome ou
lembrança entre os seus. A idéia que existia um lugar definido para ela, dependendo de sua
atuação na terra, surgiu a partir do cristianismo. Entre os gregos e romanos existia a crença de
que a alma continuava na terra, vivendo junto aos homens ou que a alma ficava junto ao corpo
sepulto. Por costume, no fim da cerimônia fúnebre, costumavam chamar o nome do morto por
três vezes, dizendo-lhe: Passe bem, acrescentando: Que a terra lhe seja leve. O costume de
colocar no epitáfio “descanse em paz” surgiu nesse período. Acreditava-se que a alma que não
possuísse sepultura era obrigada a errar sempre, na forma de larva ou fantasma, sem deter-se
jamais. Essa infelicidade a tornava perversa, fazendo com que agisse contra os homens sob as
mais diversas formas, provocando infortúnios até que lhe dessem o devido sepultamento da
forma adequada, seguindo os ritos fúnebres necessários. Notemos bem que não bastava
confiar o corpo à terra. Era necessário ainda obedecer a ritos tradicionais, e pronunciar
determinadas fórmulas. Em Plauto encontra-se a história de uma alma penada, forçada a andar
errante, porque seu corpo fora lançado à terra sem o devido ritual. Suetônio conta que o corpo
de Calígula, enterrado antes de se completar a cerimônia fúnebre, fez com que sua alma se
tornasse errante, aparecendo a diversas pessoas, até o dia em que o desenterraram,
sepultando-o novamente de acordo com as regras. Alem disso, ainda existia a crença de que
as necessidades humanas se mantinham além-túmulo. Essas necessidades, como comida e
bebida, deviam ser providas pelos vivos, que deveriam levar aos sepultos oferendas para que
eles se saciassem e não se voltassem contra eles. Esse costume ainda existe no México, no
Dia dos Mortos, onde os familiares se reúnem em torno da sepultura, trazendo comida para si
e, simbolicamente, para seus ancestrais. Em Eurípides, Efigênia diz: “Derramo sobre as terras
do túmulo leite, mel e vinho, pois só assim podemos contentar os mortos”. Diante de cada
túmulo, entre os gregos e romanos, era colocado um local destinado à imolação e cozimento
de animais, oferecidos aos mortos. Uma das penas máximas para os condenados era deixar
seu corpo insepulto.
Retroagindo grandemente no tempo, os neanderthais (Homo neanderthalensis) já
realizavam sepultamentos. Algumas evidências como flores em seus túmulos indicam que já
existia um culto ao morto e, provavelmente, um paralelo à morte o que levaria ao inevitável
sentimento de medo e conseqüente culto aos elementos.
Esses costumes e crenças existiam, notadamente, no Egito Antigo, que consideramos
como marco da civilização ocidental. A existência das pirâmides é a forma máxima da crença
sobre a vida pós morte e a necessidade de se ter um lugar especial onde o morto pudesse
viver “sua nova vida”. Alem de construir um lugar para sua moradia, os faraós destinavam
pessoas para que os protegessem e os cultuassem. Essa crença era tão arraigada que, com o
declínio do poder dos faraós e o aumento de saques de suas tumbas, os sacerdotes
transferiam suas múmias para locais mais seguros, visto que acreditavam que enquanto elas
existissem as almas dos faraós perdurariam. Essa proteção aos mortos estendia-se a outras
pessoas. O homem comum costumava adotar o mesmo costume, em menor escala. Seu corpo
embalsamado dispunha de locais para sepultamento e cabia aos seus descendentes protegelo.
De acordo com Fustel de Coulanges, na tradução de Frederico Ozanan Pessoa de
Barros de A Cidade Antiga, a primeira religião do homem foi o culto aos seus mortos e
conseqüente origem do sentimento religioso.
“Essa religião dos mortos parecia ser a mais antiga existente entre os homens.
Antes de conceber ou adorar Indra ou Zeus, o homem adorou os mortos; teve medo
deles, dirigiu-lhes preces. Parece que é essa a origem do sentimento religioso. Foi,
talvez, à vista da morte que o homem teve pela primeira vez a idéia do sobrenatural, e
quis confiar em coisas que ultrapassavam a visão dos olhos. A morte foi o primeiro
mistério; ela colocou o homem no caminho de outros mistérios. Elevou seu
pensamento do visível para o invisível, do passageiro para o eterno, do humano para o
divino.”
Partindo desse medo da morte e de ser esquecido, o homem passou a adotar rituais
para sepultamentos e regras para a manutenção dos novos lares dos mortos. Os filhos,
geralmente o primogênito, eram responsáveis pela eternização dos ancestrais, principalmente
através de cultos. À mulher não cabia essa responsabilidade visto que era considerada ser
inferior e apenas um elemento de procriação. Posteriormente, quando os cultos fúnebres se
transformaram em cultos religiosos, continuou existindo a necessidade de se mantê-los através
de um elemento masculino da família.
Fustel de Coulanges, na tradução de Frederico Ozanan Pessoa de Barros de A Cidade
Antiga, vai mais alem: ele considera a família greco-romana mais como uma associação
religiosa do que uma associação natural.
“O que une os membros da família antiga é algo mais poderoso que o
nascimento, que o sentimento, que a força física: é a religião do fogo sagrado e dos
antepassados. Essa religião faz com que a família forme um só corpo nesta e na outra
vida. A família antiga é mais uma associação religiosa que uma associação natural.
Assim, veremos mais adiante que a mulher será realmente levada em conta quando for
iniciada no culto, com a cerimônia sagrada do casamento; o filho não será mais
considerado pela família se renunciar ao culto, ou for emancipado; o filho adotivo, pelo
contrário, será considerado filho verdadeiro, porque, se não possui vínculos de sangue,
tem algo melhor, que é a comunhão do culto; o legatário que se negar a adotar o culto
dessa família não terá direito à sucessão; enfim, o parentesco e o direito à herança
serão regulamentados, não pelo nascimento, mas pelos direitos de participação no
culto, de acordo com o que a religião estabeleceu. Sem dúvida, não foi a religião que
criou a família, mas foi certamente a religião que lhe deu regras, resultando daí que a
família antiga recebeu uma constituição muito diferente da que teria tido se houvesse
sido constituída baseando-se apenas nos sentimentos naturais.
A antiga língua grega tinha uma palavra muito significativa para designar a
família; dizia-se epístion, palavra que significa literalmente aquilo que está perto do
fogo. Uma família era um grupo de pessoas às quais a religião permitia invocar os
mesmos manes, e oferecer o banquete fúnebre aos mesmos antepassados.
Essa necessidade de manter os rituais fúnebres e o culto aos deuses domésticos da
família e, por extensão, a própria família, gerou a necessidade de se ter um filho homem para
isso. Famílias que não tinham descendentes do sexo masculino eram consideradas extintas.
Essa necessidade inicial foi uma das primeiras fontes para a adoção. Um fato interessante
nisso é que a linhagem familiar deixar de ter consangüinidade, fato sempre considerado
importante. O indivíduo que não tem uma descendência masculina pode continuar a se
perpetuar através de seu nome que ele concede a um elemento estranho que ele julga
adequado à perpetuação do mesmo.
Na Bíblia existe a referência da adoção de Moises pela filha do faraó, que o fez porque
não tinha filhos e a de Ester. No Código de Urnamu (2.050 AC) e no Código de Eshnunna, por
volta de 1900 a.C., existem referências à adoção.
O Código de Hamurábi, escrito por volta de 1.700 a.C., já estabelecia algumas regras
para a adoção de crianças:
Art. 185. Se um homem adotar uma criança e der seu nome a ela como filho,
criando-o, este filho crescido não poderá ser reclamado por outrem.
Art. 186. Se um homem adotar uma criança e esta criança ferir seu pai ou mãe
adotivos, então esta criança adotada deverá ser devolvida à casa de seu pai.
Art. 190. Se um homem não sustentar a criança que adotou como filho e criá-lo
com outras crianças, então o filho adotivo pode retornar à casa de seu pai.
Art. 191. Se um homem, que tenha adotado e criado um filho, fundado um lar e
tido filhos, desejar desistir de seu filho adotivo, este filho não deve simplesmente
desistir de seus direitos. Seu pai adotivo deve dar-lhe parte da legítima, e só então o
filho adotivo poderá partir, se quiser. Ele não deve dar, porém, campo, jardim ou casa a
este filho.
Art. 192. Se o filho de uma amante ou prostituta disser ao seu pai ou mãe
adotivos: "Você não é meu pai ou minha mãe", ele deverá ter sua língua cortada.
Art. 193. Se o filho de uma amante ou prostituta desejar a casa de seu pai, e
desertar a casa de seu pai e mãe adotivos, indo para casa de seu pai, então o filho
deverá Ter seu olho arrancado.
No mesmo Código se nota a preocupação com a instrução profissional da criança:
Art. 188. Se um artesão estiver criando uma criança e ensinar a ela sua
habilitação, a criança não poderá ser devolvida.
Art. 189. Se ele não tiver ensinado à criança sua arte, o filho adotado poderá
retornar à casa de seu pai.
Manu, filho de Brahma e Sarasvati, na mitologia hindu, é considerado como uma dos
primeiros legisladores. Seu código teve origem entre 1.300 e 800 a.C. Foi redigido em forma
poética, cuja metrificação teria sido inventada por um santo eremita chamado Valmiki, por volta
de 1.500 a.C. O Código ou as Regras de Manu é composto de doze livros. Alguns estudiosos
dizem que o código original era composto por mais de cem mil dísticos, ou grupo de dois
versos, mas que foram reduzidos para 2.685.
No livro nono, que fala sobre os deveres do marido e da mulher, existem algumas
referências sobre adoção:
Art. 557º Quando um filho dotado de todas as virtudes foi dado a um homem de
maneira que será exposta, esse filho, ainda que saído de uma outra família, deve
recolher a herança inteira, a menos que haja um filho legítimo; porque nesse caso, só
pode ter a sexta parte.
Art. 558º Um filho dado a uma pessoa não faz mais parte da família de seu pai
natural e não deve herdar de seu patrimônio; o bolo fúnebre segue a família e o
patrimônio; para aquele que deu seu filho não há oblação fúnebre feita por esse filho.
Art. 575º O filho engendrado pelo próprio marido em casamento legítimo, o filho
de sua mulher e de seu irmão segundo o modo supra indicado, um filho adotado, um
filho nascido clandestinamente ou cujo pai é desconhecido, e um filho enjeitado por seus
pais naturais, são todos seis parentes e herdeiros da família.
Art. 576º O filho de uma senhorita não casada e de uma desposada grávida, um
filho comprado, o filho que se der por sua própria vontade, e o filho de uma Sudra, são
parentes todos seis, mas não herdeiros.
Art. 584º Deve-se reconhecer como filho dado, aquele que um pai e uma mãe,
por mútuo consentimento, dão, fazendo uma libação d’água, a uma pessoa que não tem
filhos, sendo da mesma classe que essa pessoa e demonstrando afeto.
Art. 585º Quando um homem toma para filho um rapaz da mesma classe que ele,
que conhece a vantagem da observação das cerimônias fúnebres e o mal resultante de
sua omissão, e dotado de todas as qualidades estimadas em um filho, este filho é
chamado filho adotivo.
Art. 586º Se um menino vem ao mundo na casa de alguém, sem que se saiba
qual é o seu pai, este menino nascido clandestinamente na casa, pertence ao marido da
mulher, que o pôs no mundo.
Art. 587º O menino, que um homem recebe como seu próprio filho, depois que
ele foi abandonado pelos pais ou por um deles, sendo o outro morto, é chamado filho
exposto.
Art. 588º Quando uma rapariga pare secretamente na casa de seu pai, este filho,
que se torna o do homem que esposa essa rapariga, deve ser designado pelo nome de
filho de uma senhorita.
Art. 589º Se uma mulher grávida se casa, seja sua prenhez conhecida ou não, o
filho macho que ela traz em seu seio pertence ao marido, e ele se diz recebido com a
esposa.
Art. 590º O menino que um homem desejoso de ter filho que cumpra o serviço
fúnebre em sua honra, compra ao pai ou à mãe, é chamado filho comprado; que ele lhe
seja igual, ou não, em boas qualidades; a igualdade sob a relação da classe, sendo
exigida para todos esses filhos.
Art. 593º O filho que perdeu seu pai e sua mãe ou que foi abandonado por eles
sem motivo, e que se oferece motu próprio a alguém, se diz dado por si mesmo.
Como se pode ver pelos artigos acima, a grande preocupação com a legislação com a
adoção era o direito de herança. As diversas nomenclaturas para cada forma de adoção
afetam diretamente o direito de herança de cada tipo de adoção reconhecida pelo código.
Na Grécia Antiga, a lenda de Édipo Rei conta que ele foi abandonado pela família e
alguns pastores o adotaram. Na tragédia escrita por Sófocles, na tradução de J.B. de Mello e
Souza, aparece sua condição de adotado, em uma conversa com um mensageiro:
ÉDIPO - Como não? Pois se eles foram meus progenitores...
MENSAGEIRO - Políbio nenhum parentesco de sangue tinha contigo!
ÉDIPO - Que dizes?!... Políbio não era meu pai?
MENSAGEIRO - Era-o tanto como eu; nem mais, nem menos!
ÉDIPO - E como se explica que meu pai tenha sido para mim o que é um
estranho qualquer?
MENSAGEIRO - É que ele não era teu pai, como eu não sou!
ÉDIPO - E por que me considerava, então, seu filho?
MENSAGEIRO - Porque há muitos anos ele te recebeu, de minhas mãos!
No Canto IX, da Ilíada, de Homero, o ginete ancião, Felix, chefe da embaixada de
Aquileu, recorda ao filho de Peleu, que quando abandonado pelo pai, este o tomou aos seus
cuidados.
434 ... como podia ficar só e sem ti, filho querido? O ancião ginete Peleu quis
que eu te acompanhasse no dia que te enviou desde Ftia a Agamenon, no entanto
criança e sem experiência da funesta guerra, onde os varões se fazem ilustres; e
mandou-me te ensinar a falar e a realizar grandes feitos...
O Direito Grego era proveniente dos costumes e suas fontes variavam de acordo com a
cidade-estado, pois cada uma tinha seus próprios costumes. Para os gregos a visão do Direito
era apenas humana, sem conotação divina. As formas de adoção e a transmissão da herança
variavam em cada cidade, de acordo com o costume. Em Atenas, segundo Fustel de
Coulanges, existia uma forma mais precisa de adoção, com formalidades, que buscava
assegurar a perpetuidade da família do adotado.
A história de Roma começa com a adoção de Rômulo e Remo por uma loba. Filhos do
rei Amúlio e de Réa Sílvia, foram lançados ao Tibre em uma cesta, pelo rei temeroso que eles
lhes tirassem o trono. A correnteza depositou a cesta junto á uma figueira sagrada, a Fícus
ruminalis, no Monte Palatino. Eles foram salvos e amamentados por uma loba junto com os
filhotes dela, na gruta chamada Lupercal. Mais tarde, um pastor do rei Amúlio, chamado
Fáustulo, os encontrou e levou para criar e educar com sua esposa, Larência. Se levarmos em
conta a lenda, Rômulo e Remo foram adotados duas vezes.
Na Roma Antiga, a idade mínima para o adotante era de 60 anos, vedada a adoção
àqueles com descendência legítima. Uma das grandes preocupações romanas era com o
legado testamentário, que incluía não só os bens, mas todas as formas de perpetuação da
família. A necessidade do homem ter certeza de que o filho era naturalmente seu levou à
adoção da necessidade da virgindade da mulher para casar-se, costume que espalhou-se junto
com a dominação romana. Sua perpetuação e de sua família deveria ser naturalmente
transmitida ao descendente masculino primogênito. Sua falta poderia provocar a adoção de
alguém que suprisse essa necessidade. Isso não excluía a adoção de pessoas para que
fizessem apenas parte da família. Nesse caso, o adotado era considerado descendente ainda
quando o pater famílias (pai de família) estava vivo ou podendo ser incluído no testamento.
Existia ainda a possibilidade de adoção de famílias inteiras por outra, que a partir desse
instante passavam à condição de descendentes do adotante.
A adoptio na Roma Antiga é para os alieni juris enquanto havia arrogatio para as
pessoas sui juris. A organização familiar romana distinguia entre pessoas sui iuris, que eram
independentes do pátrio poder e pessoas alieni iuris, que eram sujeitas ao pátrio poder. Para
os romanos, a independência do pátrio poder não tinha relação com a idade. Um recémnascido, não tendo ascendente masculino, seria considerado sui iuris, enquanto que um idoso
poderia ser ainda alienis iuris, caso ainda seu pai fosse vivo. A ad-rogação era considerada
uma forma extrema de adoção, pois implicava na extinção da sua família e do culto privado. A
fórmula usada pelas assembléias, segundo Aulo Gelio, era a seguinte: “Queremos e
ordenamos, romanos, que Lucius Titius, seja por lei filho de Lucius Valerius, como se fora
nascido dele e de sua esposa; que Lucius Valerius tenha sobre ele direito de vida e morte,
como se fora seu filho por natureza”. Existe ainda uma terceira forma de adoção que era a
testamentária, usada por Júlio César para adotar seu sobrinho Otávio. No reinado de
Justiniano, a adoção foi bastante simplificada, bastando ao adotante e ao adotado
expressarem sua disposição perante um magistrado e lavrarem um documento comprobatório
da nova situação.
Thomas Morus, no seu livro A Utopia, mostra um caso passível de adoção, quando
determina que, em caso de doença ou morte da mãe, seja fornecida à criança uma ama de
leite. Nesse caso, a criança pertenceria tanto à ama quanto à mãe.
Na Itália da Idade Média, existia a chamada roda de bebês abandonados nos conventos,
onde os recém-nascidos indesejados eram deixados. Essa roda foi instituída pelo papa
Inocêncio III, em 1198, alarmado com o número de crianças apanhadas por redes de
pescadores no Rio Tibre. Essas rodas eram cilindros de madeira instalados nos muros de
conventos e igrejas. As freiras retiravam o recém-nascido, cuidavam e criança e buscavam
uma família que a adotasse. Esse costume perdurou, no Brasil, até 1950.
A adoção feudal contrariava os direitos dos senhores aos feudos. Existia a máxima:
“Adoptivus in feudum non sucedit”. O controle de classes não permitia a miscigenação entre
plebeus, sendo que os senhores e a igreja tinham interesses testamentários quando não existia
um sucessor (donatio post obtium). Aliás, um dos motivos para a exigência do celibato, nascida
na época, entre os padres era puramente testamentária. Os bens dos integrantes da igreja
pertenciam a ela própria e não se transmitiam a ninguém. Esse foi um dos motivos que fez com
que ela acumulasse grandes riquezas. Também existia a formatação social-religiosa da família
calcada no conceito nuclear, ou seja, pai, mãe e filhos.
Há de se convir que somente na contemporaneidade o pátrio poder deixou de ser total
em relação aos filhos. Por quase toda a história humana, os filhos sempre foram considerados
como propriedade e como tal eram tratados. Para os que não tinham condição de
sobrevivência era mais fácil sacrificar a criança, vende-la ou dá-la para que fosse criada por
outra família. Na Idade Média esse uso era também adotado. As precárias condições de vida e
o servilismo aviltante a que as pessoas eram submetidas mantiveram os costumes herdados
dos romanos no que concerne às crianças. A quebra da estrutura central de poder, com a
queda do Império Romano, e a quase imobilidade das pessoas devido às condições da época,
foram fatores relevantes para que os costumes e leis fossem mantidos estáveis durante esse
período. Nesse período, a adoção não rompia os vínculos de parentesco do adotivo com a
família natural. O próprio instituto da adoção caiu em desuso, por influência dos princípios
religiosos vigentes à época.
Entre os povos germânicos existem três períodos distintos no que se refere à adoção. O
primeiro período foi o do Direito Primitivo, onde se buscava perpetuar o chefe da família. Diante
de uma assembléia, o adotado se despia e se apresentava diante do adotante, que o fazia
entrar em sua camisa e ao abraçava. Em seguida, o adotado era vestido com trajes de
guerreiro e lhe entregavam as armas do adotante. Mais simbólico impossível: o adotante o
recebia como parte de sua família diante de todos ao mesmo tempo em que o adotado
confirmava sua condição ao investir as armas da família. O segundo período tem duas fases:
anterior à chamada “Escola de Bolonha”, baseada nos estatutos de Justiniano sobre adoção,
imposta pela Resolução de 1475 que indicou o Direito Romano como aplicável ao Império
Germânico, e a posterior ao Código da Prússia, surgido em 1794 e vigorando até 1900, que
regulamentou a adoção na sua parte II, título II, seção X, de forma orgânica, formalizando-a
através de contrato escrito, que requeria uma confirmação perante do tribunal superior do
domicilio do adotante. Existiam alguns requisitos para adoção, sendo que alguns deles eram
que o adotante tivesse no mínimo 50 anos, que não tivesse descendência e não estivesse
obrigado ao celibato, que o adotado tivesse menos idade que o adotante e que se fosse menor
de 14 anos deveria ter a anuência dos pais biológicos. Essa faculdade era estendida às
mulheres, desde que tivessem consentimento marital. Importante é salientar que o filho adotivo
não tinha direito à herança do adotante, mas tinha dos seus pais naturais. O terceiro período
vai da extinção do Código da Prússia ao atual Código Civil Alemão. Durante o período da
Segunda Guerra, foi comum o rapto de crianças nos países ocupados, como a Holanda,
França e Polônia, com traços considerados como arianos e sua adoção por oficiais da SS. O
Código da Prússia exerceu profunda influência sobre o Código de Napoleão que tomou quase
todos os artigos referentes adoção.
Após a Revolução Francesa, a adoção surgiu, através do Código Napoleônico de 1804,
como ato jurídico capaz de estabelecer o parentesco civil entre duas pessoas. No título XIII de
seu Livro I, arts. 343 a 360, definiu alguns parâmetros para a adoção, estabelecendo regras
com respeito ao sujeito ativo da adoção, que compreendia idade, sexo, descendência, estado
civil e reputação. Um deles está no art. 343:
art. 343, "a adoção não poderá ser feita senão por pessoa de um ou de outro
sexo, maiores de 50 anos, que não tenham na época da adoção nem filhos, nem
descendentes legítimos e que tenham, pelo menos, quinze anos mais que o adotado".
Na legislação francesa, oriunda do Código de Napoleão, a adoção é um ato contratual,
onde se exige, alem da vontade das partes, um rigoroso tramite processual subseqüente. Nela
somente se adquire a qualidade de filho adotivo na maioridade. Em 1923, ocorreram
modificações que modernizaram o instituto na França.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo XXV, parágrafo 2º, de 10 de
dezembro de 1948, proclama que a maternidade e a infância têm direitos especiais e que as
crianças gozarão de proteção social.
Em 20 de novembro de 1989, é promulgada a Convenção das Nações Unidas sobre os
direitos da criança. Assim diz seu preâmbulo:
Recordando que na Declaração Universal dos Direitos Humanos as Nações
Unidas proclamaram que a infância tem direito a cuidados e assistência especiais;
Convencidos de que a família, como grupo fundamental da sociedade e ambiente
natural para o crescimento e o bem-estar de todos os seus membros, e em particular
das crianças, deve receber a proteção e assistência necessárias a fim de poder
assumir plenamente suas responsabilidades dentro da comunidade; Reconhecendo
que a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve
crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão;
Considerando que a criança deve estar plenamente preparada para uma vida
independente na sociedade e deve ser educada de acordo com os ideais proclamados
na Carta das Nações Unidas, especialmente com espírito de paz, dignidade, tolerância,
liberdade, igualdade e solidariedade; Tendo em conta que a necessidade de
proporcionar à criança uma proteção especial foi enunciada na Declaração de Genebra
de 1924 sobre os Direitos da Criança e na Declaração dos Direitos da Criança adotada
pela Assembléia Geral em 20 de novembro de 1959, e reconhecida na Declaração
Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
(em particular nos Artigos 23 e 24), no Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (em particular no Artigo 10) e nos estatutos e instrumentos
pertinentes das Agências Especializadas e das organizações internacionais que se
interessam pelo bem-estar da criança;
Tendo em conta que, conforme assinalado na Declaração dos Direitos da
Criança, "a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita
proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto
após seu nascimento"; Lembrando o estabelecimento da Declaração sobre os
Princípios Sociais e Jurídicos Relativos à Proteção e ao Bem-Estar das Crianças,
especialmente com Referência à Adoção e à Colocação em Lares de Adoção, nos
Planos Nacional e Internacional; as Regras Mínimas das Nações Unidas para a
Administração da Justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing); e a
Declaração sobre a Proteção da Mulher e da Criança em Situação de Emergência ou
de Conflito Armado;Reconhecendo que em todos os países do mundo existem crianças
vivendo sob condições excepcionalmente difíceis e que essas crianças necessitam
consideração especial;Tomando em devida conta a importância das tradições e os
valores culturais de cada povo para a proteção e o desenvolvimento harmonioso da
criança;Reconhecendo a importância da cooperação internacional para a melhoria das
condições de vida das crianças em todos os países, especialmente nos países em
desenvolvimento;
Os artigos 20 e 21 da Convenção estabelecem bases para a adoção, onde diz que as
crianças privadas temporária ou permanentemente de seu meio familiar terão direito à proteção
e assistência do Estado. Esses cuidados incluem a colocação em lares de adoção, a adoção
ou a colocação em instituições adequadas de proteção à criança. A adoção será autorizada
pelas autoridades competentes, que darão à criança, de acordo com suas leis, o melhor
tratamento possível. Também se considera a adoção internacional, no caso da criança não ter
tratamento adequado em seu país de origem.
O grande paradoxo histórico da adoção é ater-se quase que exclusivamente, do ponto
de vista legal, aos direitos de herança. Com certeza, é algo pertinente, pois o fato também
envolve isso. Aquilo que podemos chamar atualmente de consciência social não existia e o
próprio Estado não se dava ao dever de cuidar de suas bases familiares. Esse desvínculo do
Estado com os seus próprios cidadãos ainda existe hoje em dia, embora seja mais atenuado
em alguns países, notadamente os democráticos.
Um dos pontos mais positivos da Constituição Federal de 1988 é tornar legal e atribuirse de deveres sobre aquilo que antes se julgava apenas como de responsabilidade pessoal. A
adoção deixou de uma eventualidade ou um fato decorrente de atitudes particulares, baseada
mais em dar sobrevivência ao infante e passou a ser vista na sua forma social.
Evolução histórica da adoção na legislação brasileira
As Ordenações portuguesas vigoraram de 1446 a 1867, sendo substituídas pelo primeiro
Código Civil Português. Os institutos de adoção no Brasil foram os mesmos das ordenações
até a vigência do primeiro Código Civil brasileiro, em 1916.
Art. 1.807:
"Ficam revogadas as Ordenações, Alvarás, Leis, Decretos, Resoluções, Usos e
Costumes concernentes a matérias de direito civil reguladas neste Código".
Foram três as Ordenações portuguesas que viraram no Brasil:
1)
2)
3)
Ordenações Afonsinas, no período de 1446 a1521;
Ordenações Manuelinas, no período de 1521 a1603;
Ordenações Filipinas, no período de 1603 a 1867.
As Ordenações Afonsinas são uma compilação das leis efetuadas pelo Corregedor da
Corte João Mendes, a mando de D.João I, tarefa terminada em 1446, no reinado de Afonso V.
Foram reunidas as normas do Fuero Juzgo, do Código Visigótico ou Lex Romana
Visigothprum, a legislação dos hispano-romanos e visigodos, acrescida dos forais e leis gerais
aplicáveis em todo o reino português.
Com a invenção da imprensa, as leis portuguesas foram revistas para publicação,
trabalho concluído em 1521 e ao qual se deu o nome de Ordenações Manuelinas em
homenagem ao rei Dom Manuel.
Com a subida ao trono do monarca de origem espanhola Filipe II, em 1595, as leis são
atualizadas com novos princípios, trabalho concluso em 1603, e ao qual se deu o nome de
Ordenações Filipinas.
Entretanto, inspiradas por um rei de origem estrangeira, tais ordenações feriam o
orgulho nacional lusitano e, já em 1640, uma revolução restaura, em Portugal, o
primado dos monarcas lusitanos, mas as Ordenações Filipinas prevaleceriam, em
Portugal, até 1867 e, no Brasil, até 1916. "Ferreira, Waldemar, História do Direito
Brasileiro, tomo I, ed. Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1951".
O Código Civil de 1916 instituiu, como expõe Sady Cardoso de Gusmão, as seguintes
normas em relação aos descendentes na sucessão:
1. "a da prevalência dos descendentes sobre o cônjuge e quaisquer outros
parentes, equiparados aos legítimos, os legitimados e os naturais reconhecidos, salvo
os reconhecidos na constância do matrimônio (arts. 1603,I e 1605), a estes últimos deu
direito o Código apenas à metade do que couber aos legítimos;
2. Concessão de direito sucessório ao filho adotivo, nas mesmas condições
supra, restrita a sucessão à metade da herança quando concorrer com legítimos,
supervenientes à adoção (art. 1065, § 2º);
Os artigos abaixo especificam alguns pontos sobre a adoção:
Art. 336. A adoção estabelece parentesco meramente civil entre o adotante e o
adotado (art. 376). (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº. 3.725, de
15.1.1919);
Art. 368. Só os maiores de 30 (trinta) anos podem adotar. (Redação dada pela
Lei nº. 3.133, de 8.5.1957);
Parágrafo único. Ninguém pode adotar, sendo casado, senão decorridos 5
(cinco) anos após o casamento. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº. 3.133, de
8.5.1957);
Art. 369. O adotante há de ser, pelo menos, 16 (dezesseis) anos mais velho que
o adotado. (Redação dada pela Lei nº. 3.133, de 8.5.1957);
Art. 370. Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e
mulher.
Art. 371. Enquanto não der contas de sua administração, e saldar o seu alcance,
não pode o tutor, ou curador, adotar o pupilo, ou o curatelado.
Art. 372. Não se pode adotar sem o consentimento do adotado ou de seu
representante legal se for incapaz ou nascituro. (Redação dada pela Lei nº. 3.133, de
8.5.1957);
Art. 373. O adotado, quando menor, ou interdito, poderá desligar-se da adoção
no ano imediato ao em que cessar a interdição, ou a menoridade.
Art. 374. Também se dissolve o vínculo da adoção: (Redação dada pela Lei nº.
3.133, de 8.5.1957);
I - quando as duas partes convierem; (Redação dada pela Lei nº. 3.133, de
8.5.1957);
II - nos casos em que é admitida a deserdação. (Redação dada pela Lei nº.
3.133, de 8.5.1957);
Art. 375. A adoção far-se-á por escritura pública, em que se não admite
condição, nem termo.
Art. 376. O parentesco resultante da adoção (art. 336) limita-se ao adotante e ao
adotado, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais, a cujo respeito se observará o
disposto no art. 183, III e V.
Art. 377. Quando o adotante tiver filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos,
a relação de adoção não envolve a de sucessão hereditária. (Redação dada pela Lei
nº. 3.133, de 8.5.1957);
Art. 378. Os direitos e deveres que resultam do parentesco natural não se
extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder, que será transferido do pai natural para
o adotivo.
Duarte Azevedo, Hermenegildo de Barros e Lafayete Rodrigues Pereira, entre outros,
insurgiram-se contra o instituto. Segundo Lafayete, "sendo a adopção uma instituição obsoleta,
seria uma verdadeira inutilidade tratar della". Na irônica e pertinente observação de Omar
Gama Bem Kaus, "a concepção moderna mudou, como também mudou a ortografia...".
Clóvis Bevilaqua, ao contrário, empenhou-se no seu surgimento: "O que é preciso,
porém, salientar é a ação benéfica, social e individualmente falando, que a adoção pode
exercer na sua fase atual. Dando filhos a quem os não têm pela natureza, desenvolve
sentimentos afetivos do mais puro quilate, e aumenta, na sociedade, o capital de afeto e de
bondade necessário a seu aperfeiçoamento moral; chamando para o aconchego da família e
para as doçuras do bem estar filhos privados de arrimo ou de meios idôneos, aproveita e dirige
capacidades, que, de outro modo, corriam o risco de se perder, em prejuízo dos indivíduos e
do grupo social, a que pertencem" (in, C. Civil do E.U.B., vol. I, pág. 822).
A Lei 3.133, de 8 de maio de 1957, alterou a primitiva redação dos arts. 368, 369, 372,
374 e 377 do Código Civil de 1916, reduzindo a idade mínima para adotar de 50 para 30 anos,
e baixando o limite mínimo de diferença de idade entre adotantes e adotados de 18 para 16
anos.
Art. 368. Só os maiores de 30 (trinta) anos podem adotar. (Redação dada pela
Lei nº. 3.133, de 8.5.1957);
Parágrafo único. Ninguém pode adotar, sendo casado, senão decorridos 5
(cinco) anos após o casamento. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº. 3.133, de
8.5.1957);
Art. 369. O adotante há de ser, pelo menos, 16 (dezesseis) anos mais velho que
o adotado. (Redação dada pela Lei nº. 3.133, de 8.5.1957);
Art. 370. Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e
mulher.
Art. 371. Enquanto não der contas de sua administração, e saldar o seu alcance,
não pode o tutor, ou curador, adotar o pupilo, ou o curatelado.
Art. 372. Não se pode adotar sem o consentimento do adotado ou de seu
representante legal se for incapaz ou nascituro. (Redação dada pela Lei nº. 3.133, de
8.5.1957);
Art. 373. O adotado, quando menor, ou interdito, poderá desligar-se da adoção
no ano imediato ao em que cessar a interdição, ou a menoridade.
Art. 374. Também se dissolve o vínculo da adoção: (Redação dada pela Lei nº.
3.133, de 8.5.1957);
I - quando as duas partes convierem; (Redação dada pela Lei nº. 3.133, de
8.5.1957)
II - nos casos em que é admitida a deserdação. (Redação dada pela Lei nº.
3.133, de 8.5.1957);
Art. 375. A adoção far-se-á por escritura pública, em que se não admite
condição, nem termo.
Art. 376. O parentesco resultante da adoção (art. 336) limita-se ao adotante e ao
adotado, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais, a cujo respeito se observará o
disposto no art. 183, III e V.
Art. 377. Quando o adotante tiver filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos,
a relação de adoção não envolve a de sucessão hereditária. (Redação dada pela Lei
nº. 3.133, de 8.5.1957);
Art. 378. Os direitos e deveres que resultam do parentesco natural não se
extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder, que será transferido do pai natural para
o adotivo.
No regime do Código Civil, o parentesco resultante da adoção ficou restrito às partes
(art. 376), com exceção dos impedimentos matrimoniais, já que o art. 183, III e V, do referido,
proíbe o casamento entre o adotante e o cônjuge do adotado, entre o adotado e o cônjuge do
adotante e entre o adotado e os filhos supervenientes à adoção e, por extensão, entre os
adotados e os filhos já existentes.
Em 1965, com o advento da Lei n. 4.665, de 2 de julho, surge a legitimação adotiva.
Com a introdução do princípio de isonomia entre filhos pela Constituição Federal de
1988, o art. 377 do Código Civil foi revogado pelo disposto no art. 227, parágrafo 6º, da
mesma.
Com a lei de 10406, de 10 de Janeiro de 2002, ou o novo Código Civil, a adoção passou
a registrar outras formas, sendo que a idade mínima passou para 18 anos.
Art. 1.618. Só a pessoa maior de dezoito anos pode adotar.
Parágrafo único. A adoção por ambos os cônjuges ou companheiros poderá ser
formalizada, desde que um deles tenha completado dezoito anos de idade,
comprovada a estabilidade da família.
Art. 1.619. O adotante há de ser pelo menos dezesseis anos mais velho que o
adotado.
Esse artigo visa dar à adoção a efetiva relação pais e filhos. Uma diferença menor de
idade poderia aventar possibilidades de outras intenções em relação ao adotado.
Art. 1.620. Enquanto não der contas de sua administração e não saldar o débito,
não poderá o tutor ou o curador adotar o pupilo ou o curatelado.
Art. 1.621. A adoção depende de consentimento dos pais ou dos representantes
legais, de quem se deseja adotar, e da concordância deste, se contar mais de doze
anos.
§ 1º O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente
cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar.
§ 2º O consentimento previsto no caput é revogável até a publicação da
sentença constitutiva da adoção.
Art. 1.622. Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido
e mulher, ou se viverem em união estável.
Podemos dizer que esse artigo tem certo ranço de discriminação. Embora mulher possa
ser considerada como cônjuge do marido, o correto seria usar a nomenclatura esposa. A
nomenclatura mulher, do meu ponto de vista seria mais correta em relação ao gênero, ou seja,
o feminino de homem. Podemos também considerar que o termo mulher designa uma fêmea
não virgem ou em fase adulta. Sendo de uso comum, o termo pode parecer até simplista, mas
evoca certa generalização ou banalização do termo. Se fosse o contrário, uma esposa teria um
homem, o que não é um termo que designa um parceiro de casamento, mas alguém que lhe
seria ligada apenas através de sexo. Se considerarmos que existe um ranço de pensamento
que rebaixa um pouco a mulher em relação ao homem, podemos também considerar que o
artigo foi colocado de forma a certificar-se de que outras formas de família não aceitas
socialmente fossem excluídas da possibilidade de adoção.
As disposições permissivas (ECA, art. 42, §§ 2º e 4º) revogaram, em tese, no
respeitante à adoção de crianças e adolescente, o art. 370 do Código Civil de 1916 e
conseqüentemente o art. 1622, do Código Civil de 2002, que proíbe a adoção por duas
pessoas, a menos que sejam marido e mulher. Isso induz, pelo menos em tese, a possibilidade
de adoção por pares de homossexuais. Procuro usar o termo “par” para evitar comparações
com aquilo que entendemos por casal, ou seja, a união entre duas pessoas de sexos
diferentes.
Parágrafo único. Os divorciados e os judicialmente separados poderão adotar
conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e desde
que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da sociedade conjugal.
Art. 1.623. A adoção obedecerá a processo judicial, observados os requisitos
estabelecidos neste Código.
Parágrafo único. A adoção de maiores de dezoito anos dependerá, igualmente,
da assistência efetiva do Poder Público e de sentença constitutiva.
Art. 1.624. Não há necessidade do consentimento do representante legal do
menor, se provado que se trata de infante exposto, ou de menor cujos pais sejam
desconhecidos, estejam desaparecidos, ou tenham sido destituídos do poder familiar,
sem nomeação de tutor; ou de órfão não reclamado por qualquer parente, por mais de
um ano.
Art. 1.625. Somente será admitida a adoção que constituir efetivo benefício para
o adotando.
Art. 1.626. A adoção atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de
qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos, salvo quanto aos
impedimentos para o casamento.
Parágrafo único. Se um dos cônjuges ou companheiros adota o filho do outro,
mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou companheiro do
adotante e os respectivos parentes.
Art. 1.627. A decisão confere ao adotado o sobrenome do adotante, podendo
determinar a modificação de seu prenome, se menor, a pedido do adotante ou do
adotado.
Art. 1.628. Os efeitos da adoção começam a partir do trânsito em julgado da
sentença, exceto se o adotante vier a falecer no curso do procedimento, caso em que
terá força retroativa à data do óbito. As relações de parentesco se estabelecem não só
entre o adotante e o adotado, como também entre aquele e os descendentes deste e
entre o adotado e todos os parentes do adotante.
Art. 1.629. A adoção por estrangeiro obedecerá aos casos e condições que
forem estabelecidos em lei.
A Lei 8069, de 13 de julho de 1990, ou Estatuto da criança e do adolescente, dispôs os
seguintes termos para a adoção:
Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta
Lei.
Parágrafo único. É vedada a adoção por procuração.
Art. 40. O adotando deve contar com, no máximo, dezoito anos à data do pedido,
salvo se já estiver sob a guarda ou tutela dos adotantes.
Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e
deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes,
salvo os impedimentos matrimoniais.
§ 1º Se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm-se os
vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os
respectivos parentes.
§ 2º É recíproco o direito sucessório entre o adotado, seus descendentes, o
adotante, seus ascendentes, descendentes e colaterais até o 4º grau, observada a ordem
de vocação hereditária.
Art. 42. Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente de
estado civil.
§ 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.
§ 2º A adoção por ambos os cônjuges ou concubinos poderá ser formalizada,
desde que um deles tenha completado vinte e um anos de idade, comprovada a
estabilidade da família.
§ 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o
adotando.
§ 4º Os divorciados e os judicialmente separados poderão adotar conjuntamente,
contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e desde que o estágio de
convivência tenha sido iniciado na constância da sociedade conjugal.
§ 5º A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação
de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.
Em julho de 2007, o STJ do Rio de Janeiro, permitiu a adoção de uma criança por um
militar falecido, inconclusa em vida, após ter constatado a inequívoca vontade de adotar e
laços de afetividade entre ele e uma menina de 07 anos. Como resultado, a criança tornou-se
única herdeira, excluindo os demais parentes da sucessão de bens e direitos.
Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e
fundar-se em motivos legítimos.
Art. 44. Enquanto não der conta de sua administração e saldar o seu alcance, não
pode o tutor ou o curador adotar o pupilo ou o curatelado.
Art. 45. A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do
adotando.
§ 1º. O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos
pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do pátrio poder.
§ 2º. Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será também
necessário o seu consentimento.
Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou
adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do
caso.
§ 1º O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando não tiver mais
de um ano de idade ou se, qualquer que seja a sua idade, já estiver na companhia do
adotante durante tempo suficiente para se poder avaliar a conveniência da constituição
do vínculo.
§ 2º Em caso de adoção por estrangeiro residente ou domiciliado fora do País, o
estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de no mínimo quinze dias
para crianças de até dois anos de idade, e de no mínimo trinta dias quando se tratar de
adotando acima de dois anos de idade.
Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no
registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.
§ 1º A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome
de seus ascendentes.
§ 2º O mandado judicial, que será arquivado, cancelará o registro original do
adotado.
§ 3º Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do
registro.
§ 4º A critério da autoridade judiciária, poderá ser fornecida certidão para a
salvaguarda de direitos.
§ 5º A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido deste,
poderá determinar a modificação do prenome.
§ 6º A adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença,
exceto na hipótese prevista no art. 42, § 5º, caso em que terá força retroativa à data do
óbito.
Art. 48. A adoção é irrevogável.
Art. 49. A morte dos adotantes não restabelece o pátrio poder dos pais naturais.
Art. 50. A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um
registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas
interessadas na adoção.
§ 1º O deferimento da inscrição dar-se-á após prévia consulta aos órgãos técnicos
do juizado, ouvido o Ministério Público.
§ 2º Não será deferida a inscrição se o interessado não satisfazer os requisitos
legais, ou verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 29.
Art. 51 Cuidando-se de pedido de adoção formulado por estrangeiro residente ou
domiciliado fora do País, observar-se-á o disposto no art. 31.
§ 1º O candidato deverá comprovar, mediante documento expedido pela
autoridade competente do respectivo domicílio, estar devidamente habilitado à adoção,
consoante as leis do seu país, bem como apresentar estudo psicossocial elaborado por
agência especializada e credenciada no país de origem.
§ 2º A autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento do Ministério Público,
poderá determinar a apresentação do texto pertinente à legislação estrangeira,
acompanhado de prova da respectiva vigência.
§ 3º Os documentos em língua estrangeira serão juntados aos autos, devidamente
autenticados pela autoridade consular, observados os tratados e convenções
internacionais, e acompanhados da respectiva tradução, por tradutor público
juramentado.
§ 4º Antes de consumada a adoção não será permitida a saída do adotando do
território nacional.
Art. 52. A adoção internacional poderá ser condicionada a estudo prévio e análise
de uma comissão estadual judiciária de adoção, que fornecerá o respectivo laudo de
habilitação para instruir o processo competente.
Parágrafo único. Competirá à comissão manter registro centralizado de
interessados estrangeiros em adoção.
Apadrinhamento
Derivado de antigo costume, o apadrinhamento sugere uma necessidade natural do ser
humano em relação à preservação dos filhos em caso de morte do casal. É uma instituição
informal, visto que a escolha dos padrinhos pelos pais é decisão que compete apenas a eles.
No catolicismo, eles se tornam mães e pais espirituais da criança e responsáveis, também,
pela caminhar da criança dentro da fé.
Podemos dizer que é uma forma de adoção, inicialmente, espiritual, visto que os pais
ainda estão vivos. Ao se tornar padrinho, o “compadre” ou “comadre” aceitam o encargo de
cuidar da criança caso o casal faleça ou não tenha mais condições de criar seu filho. Alem do
estabelecimento de uma união entre o afilhado e o padrinho, ainda reforça os laços entre os
pais e os padrinhos, estabelecendo vínculos mais fortes e duradouros. O natural na escolha de
um padrinho é que ele seja da mesma condição ou tenha uma melhor posição dentro da
sociedade, visto que se a escolha recaísse em alguém que tivesse menos perspectiva social
implicaria em menores probabilidades de sucesso social do filho.
Essa instituição pode ser chamada de “adoção espiritual”. Provavelmente, ela trouxe
consigo algumas formas de adoção no Brasil, como o chamado “pegar para criar” ou a
chamada “adoção à brasileira”.
O “pegar para criar”, geralmente, é a entrega do filho para que uma outra família dele
cuide, sem estabelecimento de vínculos de adoção e conseqüentes direitos. Trata-se mais de
uma forma de adoção visando a simples sobrevivência da criança do que dar-lhe uma família.
“Agregado” era a denominação mais comum para esse tipo de adotado. Apesar de estar junto
a uma família, ele não pertence oficialmente a ela. Nesses casos, atualmente, o casal deve
entrar com processo no Juizado da Infância e Juventude, na comarca onde residem os pais
biológicos.
A chamada “adoção à brasileira” é o registro do adotante sem o devido processo legal.
Geralmente, as crianças são cedidas diretamente por seus pais biológicos ou pelas
maternidades onde a mulher deu à luz e abandonou a criança. Por vezes, existe a figura do
intermediário que, naturalmente, cobra por isso.
Apesar da boa intenção e de perdão judicial, essa forma de adoção é considerada crime,
pois pode estimular ou beneficiar raptores ou seqüestradores, além de gerar um “mercado” de
crianças. É crime punível com pena de reclusão de dois a seis anos sendo que o registro de
nascimento pode ser cancelado a qualquer momento, dando aos pais biológicos o direito de
recorrer à Justiça para reaver a criança.
Um dos motivos que provocam a “adoção à brasileira” é a morosidade da justiça e sua
burocracia que dificultam a adoção oficial fazendo com que os candidatos a adotantes cedam
aos meios considerados mais fáceis, mas ilegais. Existem casos em que as mães biológicas se
arrependem do fato e usam a justiça para retomar a criança. O adotante passa de bem
intencionado à condição de criminoso, perante a justiça (art. 242 do Código Penal).
Em alguns casos, a paternidade biológica prevalece sobre a filiação sócio-afetiva. Em
2006, o STJ gaúcho deu ganho de causa a um postulante que requereu o reconhecimento de
sua paternidade biológica contra seus pais adotivos que o registraram como filho sem as
devidas cautelas jurídicas impostas pelo Estado. O interessante nesse caso é que a postulante
já contava com 50 anos de idade.
Existem outras formas de adoção ou apadrinhamento consideradas. Um deles são as
formas como o projeto “Família acolhedora” onde uma família se predispõe à guarda
temporária de crianças, recebendo subsídios, inserção na rede de serviços de proteção à
família e acompanhamento psicossocial, durante os meses que têm a guarda da criança.
Nesse caso, a criança convive temporariamente com uma família. Outra forma é o
apadrinhamento do tipo promovido pelo SOS Criança, onde casais podem adotar crianças
através da promoção de sua educação e lazer, sendo que a criança fica internada em abrigos
públicos. O casal acompanha seu apadrinhado de acordo com suas possibilidades.
Guarda, tutela, adoção
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069, de julho de 1990, na seção III,
subseção I, define as formas de colocação de crianças ou adolescentes em famílias
substitutas:
Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou
adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos
desta Lei.
De acordo com o mesmo estatuto são as seguintes definições para essas modalidades:
Guarda é a obrigação de prestar assistência material, moral e educacional à criança ou
adolescentes, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais,
alem de assegurar direitos previdenciários. A guarda destina-se a regularizar a posse de fato,
podendo ser deferida nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por
estrangeiros. Convém ressaltar que, embora não possam adotar, irmãos e avós podem obter a
guarda de irmãos e netos, respectivamente.
Tutela, nos dizeres de Antonio José de Souza Levenhagen, é o poder que a lei confere a
uma pessoa capaz para proteger e administrar os bens de um menor que não esteja sob o
pátrio poder, representando-o ou assistindo-o em todos os atos da vida civil. Uma das
intenções do tutelamento é a guarda dos bens materiais da criança ou adolescente até o
momento em que ele tenha condições de administrá-lo pessoalmente.
A adoção, de acordo com o art. 41 do ECA, atribui a condição de filho ao adotado, com
os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com
pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.
Em alguns casos, o Juizado pode disponibilizar crianças para adoção cujos pais
biológicos são considerados inaptos para sua criação. A justiça pode destituir o pátrio poder
dos pais biológicos e coloca-las para adoção. Nesses casos deve existir histórico de maus
tratos ou negligência com relação ao sustento ou educação da criança. Essa destituição é uma
medida de proteção prevista no art.101, inciso VIII, do ECA.
Requisitos para adoção
Toda criança ou adolescente pode ser adotada desde que uma sentença judicial a
declare sem família.
A adoção é irrevogável. Ela estabelece legalmente os vínculos entre o adotante e o
adotado. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente os requisitos para adoção
são:
- todo adulto maior de 18 anos (desde que seja pelo menos 16 anos mais velho
que o adotando), de qualquer sexo, estado civil ou nacionalidade;
- todo casal casado ou que viva em união estável, desde que pelo menos um dos
cônjuges seja maior de 18 anos e 16 anos mais velho que o adotando;
- os casais divorciados ou separados judicialmente, desde que o estágio de
convivência com o adotando tenha começado antes da separação e que haja um
acordo entre os dois sobre o regime de visitas;
- aquele que estabeleceu vínculo de paternidade ou maternidade com o filho
(a) do (a) companheiro (a) ou cônjuge (chamada adoção unilateral);
- o tutor ou curador pode adotar o tutelado ou curatelado, desde que tenha
feito a prestação de contas da administração dos bens do tutelado ou curatelado e
quitado os débitos existentes;
- os tios e primos do adotando.
De acordo com o mesmo estatuto, não podem adotar:
- quem não ofereça ambiente familiar e vantagens consideradas adequadas
- quem revele incompatibilidade com a adoção
- quem tenha motivos ilegítimos, ilícitos ou criminosos;
- os ascendente e irmãos do adotando.
A justificativa para a proibição de adoção de um neto é baseada na herança sucessória.
Visto que ele adquiriria o status de filho, ele concorreria com o próprio pai nessa herança.
A chamada adoção unilateral da-se quando um dos cônjuges ou concubinos adota o filho
do companheiro ou cônjuge, sem que os pais biológicos percam o pátrio poder. É uma forma
de regularizarem a situação de filhos havidos de outros relacionamentos. Após a adoção, o
poder pátrio passa a ser exercido em conjunto. De acordo com o art. 166 do ECA, caso ele
tenha sido reconhecido por um dos pais do relacionamento anterior, deve aquiescer com a
adoção, caso contrário ela não se procederá.
Passos e critérios para adoção
A adoção não pode ser feita por procuração, portanto, é necessário que o interessado vá
pessoalmente até a vara da infância e juventude mais próxima, provido de documentos de
identidade e comprovante de residência. Uma lista de documentos será fornecida e todos os
procedimentos serão explicados. A partir disso, o interessado será inscrito em programas de
adoção.
Dispensa-se a inscrição quando se tratar de parentes ou novo companheiro, podendo
ser encaminhada através da Defensoria Pública, sendo que o Juizado da Infância e Juventude
conduz todo o processo gratuitamente, ou, caso tenham contratado um advogado particular,
indo direto ao Cartório da Vara de Infância e Juventude. O adotante deve se manifestar sua
preferência em relação ao sexo, idade, cor e outras características do futuro adotado.
O Juizado promove uma série de entrevistas e visita à residência dos pretensos
adotantes. O processo segue para o Promotor que se manifestará sobre a adoção, e depois o
envia para o Juiz, que dará ou não o deferimento para habilitação. Deferido, o adotante tem
seu nome incluído em uma lista de espera. Para efeito de preferência na adoção vale a data de
aprovação dessa habilitação. Convém lembrar que se as características não coincidirem com
as ditadas na preferência, a criança será encaminhada ao próximo da lista e assim
sucessivamente.
A desistência da adoção somente é possível durante o chamado “estágio de
convivência”. Nesse período, onde o adotante e o adotado não se compatibilizarem ainda é
possível a desistência, visto que ela não foi ainda formalizada. Também é possível que o juiz
revogue concessões de guarda se entender que o fato é danoso para a criança. Depois de
formalizada a adoção é irrevogável.
O registro antigo da criança é cancelado e o novo passa a ter os nomes dos pais
adotantes, sem qualquer informação que possa ligá-la aos seus pais biológicos ou sua origem,
cancelando os vínculos familiares anteriores e criando um novo. O próprio processo de adoção
é de caráter sigiloso ao qual somente os candidatos têm acesso. Os pais biológicos não têm
acesso aos registros e nem às informações sobre o adotante. Somente através de um
processo judicial se pode ter acesso aos registros da adoção, quando se tratar de preservação
de direitos.
Existe a possibilidade da concessão de guarda de crianças para os adotantes da lista de
espera que manifestem interesse, independente da adoção, de receber uma criança em caráter
imediato e provisório. Geralmente se trata de crianças recém-nascidas e abandonadas. Nesse
caso não existe burocracia e a criança é levada imediatamente para esses pais.
No caso de adoção de adolescentes, deve existir seu consentimento ao fato, de acordo
com o art. 45, parágrafo 2º. do ECA.
De acordo com a Lei 10.421/02, todas as mulheres que obtiverem a guarda judicial para
adoção ou adotarem têm direito à licença e ao salário-maternidade. É concedida licença de 120
dias se a criança tiver até um ano, 60 dias entre um e quatro e 30 dias entre quatro e oito.
Caso o adotante venha a falecer durante o processo de adoção, a adoção ainda pode
ser deferida, desde que seja a vontade do adotante quando em vida. Se o adotante falecer
antes da sentença, os efeitos da adoção retroagirão à data do óbito. Essa modalidade de
adoção permite que o adotante garanta seus direitos sucessórios.
Efeitos da adoção
Os efeitos da adoção são dois: pessoais e patrimoniais.
O principal efeito pessoal é a filiação legal e a transferência do pátrio poder. O adotado
assume legalmente uma filiação legal e o adotante a paternidade. As relações familiares
estendem-se à família do adotante. No contraponto, o adotado desliga-se de todos os vínculos
com sua família de origem. Importante é frisar que a extinção, suspensão ou destituição do
pátrio poder dos adotantes não restaura o dos pais biológicos (Art. 49º., ECA).
Os principais efeitos patrimoniais são os sucessórios e os relativos à prestação de
alimentos. O art. 227, parágrafo 6º da Constituição de 1988 estabeleceu a isonomia entre os
filhos adotados e legítimos, dando aos dois os mesmos direitos. Não há que se falar mais em
filhos ilegítimos visto que todos gozam dos mesmos privilégios, sendo proibida toda e qualquer
discriminação.
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas
à filiação.
O Código Civil de 2002 também especifica a isonomia que cabe A todos os filhos:
Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção,
terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação.
O Estatuto da Criança e do Adolescente também atribui as mesmas condições:
Art. 20. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão
os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação.
Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e
deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes,
salvo os impedimentos matrimoniais.
Cabe aqui, também, a Medida Provisória N.º 2.177- 44, de 24 de agosto de 2001, que
dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde e onde assegura a
possibilidade de inclusão de filhos adotivos nos mesmos.
Adoção internacional
De acordo com o Código Civil de 2002,
Art. 1.629. A adoção por estrangeiro obedecerá aos casos e condições que forem
estabelecidos em lei.
Podemos considerar a adoção internacional como uma medida extrema, pois só cabe
quando esgotados todos os recursos para a manutenção da criança dentro do país, sendo
considerada uma medida excepcional, de acordo com o art. 31, ECA.
O Estatuto da Criança e do Adolescente diz:
Art. 31. A colocação em família substituta estrangeira constitui medida excepcional,
somente admissível na modalidade de adoção.
Há de se convir que, por princípios ligados à soberania, a adoção internacional, embora
legal e passível de ser feita, demonstra, através de reflexos, a incapacidade estatal para cuidar
de seus cidadãos. Embora a criança adotada não assuma naturalmente a nacionalidade dos
pais, é certo supor que o mesmo procurará adota-la pela própria vivência e convivência em
país distante.
Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou
adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do
caso.
§ 1º O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando não tiver mais
de um ano de idade ou se, qualquer que seja a sua idade, já estiver na companhia do
adotante durante tempo suficiente para se poder avaliar a conveniência da constituição
do vínculo.
§ 2º Em caso de adoção por estrangeiro residente ou domiciliado fora do País, o
estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de no mínimo quinze dias
para crianças de até dois anos de idade, e de no mínimo trinta dias quando se tratar de
adotando acima de dois anos de idade.
Art. 51 Cuidando-se de pedido de adoção formulado por estrangeiro residente ou
domiciliado fora do País, observar-se-á o disposto no art. 31.
§ 1º O candidato deverá comprovar, mediante documento expedido pela
autoridade competente do respectivo domicílio, estar devidamente habilitado à adoção,
consoante as leis do seu país, bem como apresentar estudo psicossocial elaborado por
agência especializada e credenciada no país de origem.
§ 2º A autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento do Ministério Público,
poderá determinar a apresentação do texto pertinente à legislação estrangeira,
acompanhado de prova da respectiva vigência.
§ 3º Os documentos em língua estrangeira serão juntados aos autos, devidamente
autenticados pela autoridade consular, observados os tratados e convenções
internacionais, e acompanhados da respectiva tradução, por tradutor público
juramentado.
§ 4º Antes de consumada a adoção não será permitida a saída do adotando do
território nacional.
Art. 52. A adoção internacional poderá ser condicionada a estudo prévio e análise
de uma comissão estadual judiciária de adoção, que fornecerá o respectivo laudo de
habilitação para instruir o processo competente.
Parágrafo único. Competirá à comissão manter registro centralizado de
interessados estrangeiros em adoção.
De acordo com PONTES DE MIRANDA, todos os benefícios do filho legítimo são
extensivos ao adotado, exceto que o adotado não adquire de fato a nacionalidade do adotante.
Dificuldades no processo de adoção
De acordo com Maria Regina Fay de Azambuja, na sua Breve revisão da adoção sob a
perspectiva
da
doutrina
integral
e
do
novo
Código
Civil,
http://www.mp.pa.gov.br/caocivel/links/doutrina/adocao.html, as principais situações que
dificultam o processo da adoção como um todo são os seguintes:
a) a fragmentação que se estabelece na comunicação entre os profissionais que atuam
nas diversas instâncias dos sistemas protetivo e de Justiça, como por exemplo, Conselho
Tutelar, Abrigos, Ministério Público e Poder Judiciário;
b) a dificuldade de acompanhar o andamento dos casos, no momento em que são
transferidos para outras esferas de atuação, como por exemplo, quando o expediente passa do
Conselho Tutelar para o Ministério Público;
c) a lentidão na tramitação dos feitos judiciais que visam assegurar a proteção integral
àqueles que ainda não atingiram 18 anos;
d) a carência de laudos interdisciplinares, nos processos de destituição do poder familiar
e de adoção;
e) a inexistência de plano terapêutico de trabalho, visando o restabelecimento dos
vínculos da criança com os pais biológicos, nos processos de suspensão ou destituição do
poder familiar;
f) a escassez de programas de atendimento à família em situação de vulnerabilidade;
g) a morosidade na comunicação ao Judiciário, pelo dirigente de abrigo, de fatos
importantes da vida da criança abrigada;
h) a falta de advogados, Defensores Públicos ou mesmo estagiários, supervisionados
por Universidades, encarregados de peticionar em defesa dos direitos da criança colocada em
abrigo e, por via de conseqüência, afastada do convívio familiar.
União estável
União estável
Por família devemos entender as formas de convivência de pessoas dentro de um
determinado núcleo, podendo ou não ser expandido. Uma das bases da família é a convivência
estável. Essa estabilidade pode ser legal ou adquirida através do concubinato, conforme
previsto no art. 226, parágrafo 3º. da Constituição Federal. Esse artigo introduziu na esfera
legal uniões que antes não eram consideradas, equiparando sociedades de fato à entidades
familiares. União estável é nome substitutivo para o concubinato.
O art. 19, do ECA, diz que toda criança tem direito a ser criado e educado no seio de sua
família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência família e
comunitária.
Embora a criança tenha direito a ser educado em família substituta, se necessário, nada
veda que ela seja adotada por pessoa única. Há de se convir que a partir do momento em que
a adoção se concretiza, estabelece-se um vínculo e, portanto, a criação jurídica de uma família.
Como a adoção é irrevogável, a estabilidade passa a existir, pelo menos na forma legal.
As principais características da estabilidade derivam da convivência:
1) Pública
2) Contínua
3) Duradoura
4) Com o objetivo de constituir família
5) Entre homem e mulher
Ainda são consideradas como entidade familiar (§ 1º do artigo 1723, Código Civil) as
pessoas casadas formalmente, mas separadas de fato.
As causas suspensivas do art. 1523, do Código Civil, não descaracterizam a união
estável, de acordo com o § 2º do art. 1723, ou seja, podem ser consideradas como estáveis as
relações abaixo, desde que comprovada a inexistência de prejuízos para terceiros:
I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer
inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;
II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido
anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da
sociedade conjugal;
III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a
partilha dos bens do casal;
IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos,
cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não
cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.
Temos que falar na estabilidade da união por um motivo simples: a sucessão.
Embora ninguém goste de falar em morte, temos que crer que ela é um fato natural e
comum a todos. No caso de pares homossexuais é um fato de maior monta ainda, visto
que nem sempre a lei reconhece o direito de sucessão.
No entanto, o artigo 226 prevê apenas o concubinato entre homem e mulher, o
que exclui os relacionamentos homossexuais. Nas outras formas consideradas como
família também não existe respaldo legal para a união homossexual. Como essas
uniões são uma realidade social, podemos dizer que a lei deixou uma lacuna a ser
preenchida por legisladores mais eficazes, o que contraria os princípios isonômicos da
Constituição Federal e de um Estado de Direito. Não se trata apenas de aplicação de
leis mas sim do vivenciamento do Estado de Direito por todos. Esse vivenciamento
somente se concretiza com consciencia e atitude generalizadas.
União homoafetiva
É inegável que a sociedade caminha para o reconhecimento da união
homoafetiva e que não a discrimina como em tempos menos esclarecidos. A luta
desenvolvida por entidades promoveu e ainda promove esclarecimentos e formas para
eliminar ou, pelo menos, abrandar comportamentos e sentimentos contrários á essa
parcela da população que, conforme estudos, gira em torno de dez por cento, o que é
uma quantidade extremamente significativa. Algumas entidades familiares não
reprodutivas já são reconhecidas por lei, como as famílias monoparentais.
Acredito que o choque maior com relação à legalização da união homoafetiva seja
o seu enquadramento como “casamento”. Como esse termo designa uma relação
heterossexual voltada para a criação de uma família através de conseqüente
reprodução, fica difícil para as pessoas entenderem ou aceitarem “casamento” entre
pessoas do mesmo sexo. Às vezes, uma simples troca de nomenclatura facilitaria a
aceitação pela sociedade em geral. Talvez, se existisse um artigo na Constituição
Federal que equiparasse as “uniões homoafetivas” como família, existiria menos
discriminação. Se as “uniões homoafetivas” fossem equiparadas legalmente ao
“casamento”, talvez não existisse tanto clamor contra o fato. Não se pode esquecer que
as palavras têm um peso muito grande em nosso discernimento. Nossa mente trabalha
com elas e nosso pensar deriva da noção que temos delas. Existindo uma dubiedade no
que se refere ao seu significado, fatalmente ela se traduziria na nossa forma de pensar.
Devemos considerar que a procriação não é o elemento fundamental das famílias.
Muitos pares heterossexuais se abstêm de ter filhos por próprias razões, mas nem por
isso deixam de constituir uma família. Carinho, afeto e proteção são elementos de liga
de pessoas a quem denominamos como família. Esses elementos também são
encontrados nas uniões homoafetivas porque constituem elos entre pessoas.
Relacionamento homoafetivo e união estável
Enquanto a lei não progride com relação à legalização da união homoafetiva, é
necessário que a comparemos ao concubinato, visto que atualmente é o que mais próximo
existe em nossa legislação.
Se excluirmos o fato de que o concubinato especifica relação entre homem e mulher, as
demais características são de convivência pública, contínua, duradoura e com o objetivo de
constituir família. Acreditando que duas pessoas do mesmo sexo se unam para constituir um
patrimônio conjunto, solidarizar-se nos momentos difíceis, aproveitar os momentos juntos de
forma gratificante para os dois, é certo dizer que constituem uma união estável, mesmo que
não seja atualmente reconhecida por lei.
De certa forma, podemos comparar uma família com uma empresa ou um
empreendimento para o qual nos disponibilizamos e juntamos forças para atingir objetivos
comuns. Isso é família.
De acordo com a teoria de Otto Bachof, é permitido julgar inconstitucionais as normas
constitucionais que ferem a própria Constituição, visto que os princípios da qual ela está
imbuída são superiores à suas próprias normas. Se nos basearmos nos princípios pétreos da
mesma e na isonomia com a qual ela procura tratar todos, é correto dizer que a não descrição
legal de assuntos que envolvem dez por cento da população pode ser declarado como uma
inconstitucionalidade.
Sucessão
Noções gerais sobre sucessão
O termo sucessão significa substituição, descendência, qualidade transmitida aos
descendentes. De acordo com o Dicionário Aurélio, é transmissão de direitos e/ou encargos
segundo certas normas ou transmissão do patrimônio de um finado a seus herdeiros e
legatários. Juridicamente, é a transmissão de direitos e obrigações operada mortis causas. O
art. 6º. do Código Civil diz que a existência natural da pessoa termina com a morte real ou
presumida. A partir desse instante instalam-se os princípios da sucessão, podendo ser
provisória em caso de ausência.
Extremamente importante na constituição de famílias e, principalmente, nas uniões
homoafetivas, é saber algumas noções básicas de sucessão. Antigamente, os princípios legais
sobre adoção eram fundamentalmente ligados à sucessão. Pelo histórico, podemos apreender
que uns dos grandes impeditivos para esse procedimento estava ligado ao patrimônio a ser
legado aos filhos. A equiparação entre filhos legítimos e adotados somente se deu em nosso
último Código Civil e nossa última Constituição.
A sucessão mortis causas promove o ingresso de outras pessoas na posse e na
propriedade do patrimônio do de cajus, através de vínculos familiares, conjugais,
testamentários ou outros definidos por lei, podendo ser universal ou singular. Universal é
aquela que a herança é transferida como um todo para um ou mais herdeiros e singular
quando se atribui um bem a um ou mais contemplados.
A sucessão pode ser legal ou testamentária. Na primeira, ela deriva dos fatos
relacionados à constituição da família. Na segunda, ela se impõe através de testamento.
Ela caracteriza-se por produzir efeitos diversos, pela morte do titular da herança e da
existência de herdeiros: a abertura da sucessão; a devolução sucessória, ou delegação, e a
aquisição da herança ou adição. Abertura é o momento em que surge o direito sucessório;
devolução é o oferecimento da herança a quem de direito, e aquisição é a investidura dos
herdeiros nas relações jurídicas do autor da herança.
Em princípio, aberta a sucessão, o cônjuge assume a administração dos bens, devendo
praticar os atos necessários à posterior atribuição a cada herdeiro ou legatário dos bens que
lhes competem. Caso não proceda dessa maneira, a herança será declarada jacente e, na
inexistência de herdeiros, será declarada vacante, condição na qual o Estado toma posse.
Considera-se jacente a herança, devendo-se proceder à arrecadação para guarda,
conservação e administração por curador, sempre que, não havendo testamento, o falecido
não deixar cônjuge nem descendentes, ascendentes ou colateral sucessível. Também será
considerada jacente quando os herdeiros renunciarem à herança e não houver cônjuge ou
colateral sucessível. Pela ordem, terão parte na herança os descendentes, ascendentes,
cônjuge sobrevivente, colaterais até o quarto grau e, por último, o Estado, quando declarada
vacante.
Ao cônjuge sobrevivente cabe a metade, sendo que a outra metade é distribuída entre
aqueles a quem de direito pertence. No caso de filhos, é importante declarar, após a morte de
um dos pais, a renúncia de sua parte ao sobrevivente. Isso evitará muitos aborrecimentos para
o mesmo.
O Código Civil possibilita ao convivente em união estável a participação na sucessão do
outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas seguintes
condições: se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma cota equivalente à que por lei for
atribuída ao filho; se concorrer com descendente somente do autor da herança, caber-lhe-á a
metade do que couber a cada um daqueles; se concorrer com outros parentes sucessíveis,
terá direito a um terço da herança e, não havendo parentes sucessíveis, tocar-lhe-á a
totalidade da herança. "Se por não haver pacto entre os conviventes, o regime de comunhão
parcial prevalecer terá direito à metade dos bens deixados pelo autor da herança, se oriundos
de sua atividade em colaboração com o mesmo ou se adquiridos onerosamente na vigência da
união estável".
Sucessão nas uniões homoafetivas
Não existem dispositivos legais que estabeleçam a sucessão nas uniões homoafetivas.
A convivência de parceiros não lhes dá o direito sucessório. O comum é encaminhamento aos
tribunais para reconhecimento de uma sociedade de fato, da qual se originou, em esforço
comum, bens e direitos. A existência de herdeiros estabelecidos em lei é, a priori, a forma pela
qual a herança é distribuída. O art. 1829 do CC declara que concorrem na sucessão legítima o
“cônjuge sobrevivente”. Como as uniões homoafetivas não são equiparadas ao casamento,
não se reconhece o vínculo de cônjuge ao sobrevivente nas mesmas. No entanto, julgando-se
merecedor da herança, o sobrevivente pode peticionar demanda reconhecimento de seu direito
sucessório, para obter a restituição da herança, ou parte dela, contra quem, na qualidade de
herdeiro, ou mesmo sem o título, a possua (art. 1824).
Conforme entendimento da 3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, para que os bens
de pares homossexuais possam ser partilhados, é essencial que cada parte comprove qual foi
sua participação na constituição do patrimônio comum. A dispensa de provas ocorre somente
quando se trata de uma união estável entre homem e mulher. No caso de pares homossexuais,
a não comprovação do fato impede ou dificulta uma sentença favorável, pois o mesmo tem que
ser analisados na configuração de uma sociedade de fato.
O Tribunal de Justiça de Goiás, em 2006, deu entendimento que cabe à Vara de Família
julgar ação declaratória de sociedade de fato quando o caso envolve pares homossexuais. A
decisão referendou sentença proferida pela juíza Maria Luíza Povo da Cruz, da 2ª. Vara de
Família, Sucessões e Cível de Goiânia, que concedeu ao companheiro de um homossexual,
com quem conviveu durante 6 anos até sua morte, direitos de herança juntamente com os
filhos deste. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determinou que a
dissolução de uniões homoafetivas sejam feitas nas varas cíveis, contrariando decisão do
Tribunal de Justiça daquele estado, que entendera que a dissolução de sociedade de fasto
com divisão de patrimônio movida por uma mulher e sua companheira era de competência da
Vara de Família.
Alguns casos isolados como nos autos da Apelação Cível no. 70001388982, em 14 de
março de 2001, tendo por Relator o Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, a 7ª. Câmara
Cível do Tribunal de Justiça, determinou a divisão igualitária do patrimônio, concedendo a
meação ao parceiro sobrevivente e a herança à filha adotada pelo de cujus durante o convívio.
Desembargadores gaúchos reconhecem que há relacionamentos que, mesmo sem a
diversidade de sexos, atendem aos requisitos da afetividade, estabilidade e ostensividade
estabelecidos pelo artigo 226.
Outra sentença favorável é o caso da união entre o fotógrafo Marco Aurélio Cardoso
Rodrigues e o artista plástico Jorge Guinle Filho. Em 1988, uma sentença da Justiça carioca
reconheceu o direito de Marco sobre o patrimônio formado por ele e seu companheiro,
indeferindo as pretensões de Dolores Bosshard, mãe de Jorge Guinle Filho.
O caso mais notório que é o de Cássia Eller e sua companheira Maria Eugênia Vieira
Martins restringiu-se à guarda do filho conhecido como Chicão. Ao morrer, Cássia Eller deixou
apenas um apartamento, na época avaliado em R$ 350.000. Por ser cantora e não
compositora, os ganhos com suas músicas existirão enquanto elas forem tocadas, pois não se
tratam de composições próprias o que, consequentemente, não lhe deu a capacidade de
receber direitos autorais. A favor conta também a disposição dos familiares de Cássia Eller em
não pleitear na Justiça qualquer herança.
Em fevereiro de 1998, o Superior Tribunal de Justiça de Minas Gerais concedeu o direito
de herança a um homossexual sobre um apartamento adquirido em conjunto com seu
companheiro, morto em 1989. O valor do imóvel foi estimado em R$ 120.000,00, na época. A
sentença decretou que metade seria do companheiro e a outra metade pertenceria à família do
mesmo por um período de sete anos.
Em 2004, a deputada estadual Maria Eulina Rabelo de Sousa Fernandes teve sua
candidatura à prefeitura do município de Vizeu, no Pará, cassada pelo TSE, pois sua
companheira, na época, era detentora do cargo. O Tribunal Superior Eleitoral entendeu que os
pares homossexuais devem submeter-se aos mesmos impedimentos que a Constituição prevê
para os heterossexuais. Sendo uma das parceiras prefeita, esta deveria se afastar pelo tempo
estipulado por lei.
Em 2005, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu a união estável entre
duas mulheres e determinou que a companheira viúva entrasse na partilha de bens. A decisão
é da 7ª Câmara Cível. Segundo o processo, as mulheres viveram juntas por 16 anos. Além
disso, o par adotou um garoto, embora de maneira irregular, do qual a viúva era madrinha.
A forma mais adequada para se estabelecer a sucessão seria a criação de uma
sociedade de fato, tal qual uma empresa, entre os parceiros ou a legação, através de
testamento, de seu patrimônio ao outro. Embora existam sentenças favoráveis aos
sobreviventes, principalmente no Rio Grande do Sul onde a lei é mais flexível e adequada à
sociedade, não convém correr o risco de se perder o fruto de uma vida em comum.
Direitos previdenciários nas uniões homoafetivas
Decisão da 3ª Vara Previdenciária de Porto Alegre, concedeu liminar que equiparou os
direitos previdenciários de homossexuais e heterossexuais, com abrangência nacional.
Originada por Ação Civil Pública, intentada pelo Ministério Público Federal contra o INSS, por
tutela antecipada, garantiu, até o julgamento do mérito, a percepção de auxílio-reclusão e
pensão por morte do beneficiário. Embora tenha um caráter administrativo, é a primeira
normatização que contempla vínculos homoafetivos. A instrução Normativa 25, de 07 de junho
de 2000, do próprio INSS, regulou concessão de benefícios para companheira ou companheiro
homossexual, atendendo a determinação da 3ª. Vara Previdenciária de Porto Alegre.
Em 30 de novembro de 2001, a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
aprovou projeto de lei modificando lei vigente sobre pensões dos servidores do Estado, a fim
de garantir o direito de pensões para homossexuais.
O Ministério da Fazenda editou, em junho de 2004, uma portaria regulamentando que
companheiros homossexuais terão o mesmo direito dos heterossexuais no pagamento do
seguro de carro DPVAT em caso de morte do outro, elevando o companheiro homossexual à
condição de dependente preferencial
O Ministério do Desenvolvimento Agrário reconheceu a união estável de servidor
homossexual e o direito de incluir o seu companheiro como dependente. A decisão foi tomada
após o pedido de um servidor, em 2005. Além do ministério, outros órgãos da administração
federal como o BNDES e a Radiobrás já reconheceram os direitos de homossexuais que
vivem em união estável.
No processo 2005.201970-6, da 2ª. Vara da Fazenda Pública de Recife, o juiz de
primeira instância Luiz Fernando Lapenda Figueiroa, reconheceu o direito à pensão em um
caso envolvendo união estável entre duas mulheres. O juiz determinou que a Fundação de
Aposentadorias e Pensões do Estado de Pernambuco pagasse o devido à companheira
sobrevivente, reconhecendo como estável a união de 28 anos entre elas.
Em 2005, o Tribunal de Justiça de São Paulo garantiu ao professor Francisco José
Espósito Aranha Filho o direito de incluir o seu parceiro como dependente em seu plano de
saúde. Sua empregadora, a Fundação Getulio Vargas, jamais lhe negou o direito, no entanto,
a Assistência Médica Internacional (AMIL), se recusava a fazer a inclusão do companheiro.
Considerando que a previdência é a principal forma de satisfação da seguridade social e
que é um direito decorrente do exercício do trabalho remunerado e do pagamento de
contribuições previdenciárias, garantido ao segurado e seus dependentes, sua extensão aos
sobreviventes de uma união homoafetiva é demonstração cabal de que a legislação a
reconhece de fato. Na Justiça, o entendimento de reconhecer união estável para obrigar os
institutos de previdência a pagar pensão pela morte do companheiro já está bem consolidado.
O próprio Superior Tribunal de Justiça já reconheceu este direito.
Além disso, há decisão que manda planos de saúde incluir o parceiro como dependente
do companheiro. Por outro lado, existem tribunais que não reconhecem a união estável de par
homossexual, por entender que juridicamente este tipo de união não existe.
O Direito e a homossexualidade
Por quê não gostamos de homossexuais?
Essa pergunta se torna extremamente válida quando se trata de adoção, pois a repulsa
da maioria das pessoas aos homossexuais é notória o suficiente para impedir o processo. O
termo mais correto para esse sentimento é homofobia que se traduz como aversão a
homossexuais ou ao homossexualismo.
Uma das obras de Chico Buarque de Holanda, a Ópera do Malandro, tem o personagem
homossexual Genival, que de noite transforma-se em Geni. A música feita para ele, “Geni e o
Zeppelin” é uma das maiores ilustrações da violência contra os homossexuais e descreve com
crueza o pensamento dos heterossexuais em relação a eles.
Curiosamente, a maior repulsa se dá aos homossexuais masculinos, talvez por serem
mais marcantes ou por terem maior destaque. Os estereótipos inculcados em nossas mentes
quase sempre são caricatos e merecedores de se manterem no mais baixo escalão social. O
homossexualismo feminino parece estar restrito aos sonhos eróticos dos homens ou se
manifesta de forma menos intensa.
Os principais estereótipos de homossexuais são aqueles ligados à extrema
promiscuidade, pedofilia e existência de um indivíduo ativo e passivo.
O estereotipo da promiscuidade está ligado à noção de que o homossexual é
naturalmente compulsivo ao sexo e o faz com o maior número possível de parceiros. Nesse
caso, é obvio, o sexo não está ligado à procriação, o que cria as naturais barreiras quando se
trata de mulheres. Acreditamos que o macho está disponível cem por cento do seu tempo para
o sexo e a fêmea está eventualmente disponível para o sexo. Embora tenha características
femininas, o homossexual, dentro de seu corpo masculino, teria essa mesma predisposição do
homem e estaria disponível para o sexo em todas as oportunidades e com vários parceiros.
Alguns estereótipos como o do prostituto reforçariam essa concepção de que a
homossexualidade estaria ligada à promiscuidade.
A interpretação da homossexualidade como disfunção associa-a a pedofilia, visto que
esta tem maior freqüência entre homens adultos e crianças ou adolescentes do mesmo sexo.
Cientificamente não existe nenhuma relação entre homossexualidade e pedofilia, visto que esta
é resultante de uma condição psíquica enquanto que a outra, provavelmente, deve ter uma
base genética.
A atribuição dos clássicos papéis masculinos e femininos para homossexuais
resulta mais da comparação entre os pares heterossexuais do que uma verdade
propriamente dita. A aparência ou a forma como o homossexual se apresenta,
demonstrando ou não traços de feminilidade, não o condiciona ao papel masculino ou
feminino. Uma possível comparação com casais heterossexuais não faz sentido visto
que a estrutura de ambos são completamente diferentes. Sendo distintos, não existe a
possibilidade de comparação.
Um outro estereótipo que se apresenta é aquele associado à AIDS. Inicialmente a
mesma foi conhecida como “peste gay”, devido ao fato que os primeiros pacientes eram
homossexuais. Os primeiros “estudos” sobre o vírus afiançavam que o veículo de transmissão
era a relação anal. Em 1982 foi dada a ela o nome de Doença dos 5 H, pois fora detectada em
homossexuais, hemofílicos, haitianos, heroinômanos e hookers (prostituta em inglês). Em
1983, com a primeira notificação de um caso de AIDS em criança, e, no Brasil, o primeiro caso
em uma mulher, passou-se a considerar os homossexuais usuários de drogas como
transmissores da doença para heterossexuais também usuários. Nesse ano começam as
primeiras críticas à nomenclatura visto que as principais vítimas ou componentes dos
chamados grupos de riscos eram homossexuais e haitianos. Em 1985 o termo “grupo de risco”
é eliminado e o termo “comportamento de risco” é adotado. Sendo considerada como uma
doença sexualmente transmissível (DST) e embora não exista oficialmente nenhuma
discriminação aos homossexuais por causa da doença, ainda perdura na mente das pessoas a
relação entre os dois.
A sociedade culturalmente considera como homossexual aquele indivíduo que faz o
papel passivo e que se mostra de forma feminina. É comum um homem ter relações eventuais
com um travesti ou efeminado e não se considerar homossexual por isso. O fato dele fazer o
papel de macho e outro fazer o papel de fêmea lhe confere a identidade que julga ter, ou seja,
a de homem. Provavelmente a identificação de dominante em uma relação sexual onde o
homem permanece em cima da fêmea, por quase natural disposição, lhe confere tal assertiva.
Se considerarmos que o homem ainda tem a imagem de ser o cabeça do casal, de dominante
dentro de uma família e do seu trabalho, e onde a mulher é relegada socialmente a segundo
plano, é fácil supor que aqueles que rejeitam a masculinidade da forma como a conhecemos, é
fácil supor que aqueles que não se enquadram dentro desse padrão é visto como ser
subalterno ou inferior e passível, portanto, de dominação nas suas mais variadas formas. A
identificação de um homossexual dito ativo se dá quando ele se junta com outro na forma de
um casal.
Existe um mistério com relação às origens da homossexualidade. A Medicina, a
Psicologia e outras ciências ainda não deram um parecer definitivo sobre o assunto e todas as
explicações possíveis carecem de bases adequadas, ou seja, não são válidas. Paralelo a isso
existe pressões por parte das religiões sobre considerar essa condição humana como pecado.
O natural medo que sentimos sobre aquilo que desconhecemos aliado as imprecações contra
o fato derivada de nossas crenças, termina por provocar um sentimento de desafeto para
esses indivíduos. Antes de conhecermos a eletricidade, os raios eram considerados como
formas divinas de punição e os abatidos por esse fenômeno eram considerados como
detentores da mesma. A falta de conhecimento e uma assertiva errada inculcada em nossas
mentes provocam danos sociais de grande monta.
Um dos grandes medos dos pais é com relação às tendências sexuais de seus filhos. É
comum o pai tentar certificar-se que o filho tem a mesma orientação sexual que ele. De
maneira geral, esse problema não afeta as meninas, vistas geralmente como apenas
elementos procriadores. Quando um filho assume sua homossexualidade, os pais geralmente
se culpam porisso ou tentam encontrar explicações através de crenças ou opiniões derivadas
delas.
Acredito que um dos motivos que nos levam a desconsiderar os homossexuais como
cidadãos ou pessoas iguais a todos, é o fato de que vemos em nossos filhos a nossa própria
continuidade. Os filhos carregam nosso material genético e, portanto, são um meio para nossa
“imortalidade”. Temos tanto medo da morte que acreditamos que nossos filhos nos conduzirão,
através dos filhos deles, a uma eterna memória de nossa pessoa. Não se esqueçam que um
dos principais motivos na adoção nos tempos antigos era justamente a forma da família
preservar sua identidade através do culto aos seus ancestrais. Como um par homossexual não
se reproduz, acreditamos que nossa vivência se extinga por falta de sucessores. Talvez os
preconceitos que tenhamos contra os homossexuais se derivem desse nosso desejo de
imortalidade através de nossos descendentes e para os quais eles não se mostram aptos.
Acredito que as invectivas religiosas contra o homossexualismo derivem do mesmo
fato. Toda religião cresce através de forma vegetativa ou pela sua adoção. A forma vegetativa
é mais comum, pois as famílias, geralmente, mantém uma identidade religiosa. Os pais
transmitem sua religião aos filhos que deverão fazer o mesmo. Uma organização religiosa
seria contra naturalmente a qualquer espécie de redução ou de seu não crescimento, pois
fatalmente se extinguiria. Novamente, a não procriação por pares homossexuais seria um fator
que delimitaria sua própria ação. Nesse caso, julgo que trata-se mais de uma questão de
expandir e manter o poder que elas dispõem. Outro fator, do meu ponto de vista, é a perda do
controle dos seguidores, pois grande parte das religiões, principalmente as mais
fundamentalistas, estabelecem normas de comportamento como parte determinante de
estabelecimento de vínculos com a mesma. Quem não tem os comportamentos ditados pelas
normas religiosas deixa de pertencer àquela religião. Uma das formas de estabelecer controles
de comportamento é através do regramento das atividades sexuais de seus seguidores. O
controle do impulso sexual é uma das formas de controlar o próprio individuo.
Acredito, também, que temos tensões sociais que precisam ser canalizadas para
alguma coisa que não perturbe a convivência. Umas das formas mais antigas e conhecidas é o
reconhecimento da superioridade de determinada classe através da opressão e discriminação
de outra, geralmente minoritária. Esse desvio de atenção dos problemas que afetam a
sociedade é comum em todos os tipos de governos. Alguns deles, possuidores de ganâncias e
ímpetos de supremacia sobre outras nações, invadem países para poder manter a qualidade
de vida dentro do seu. É notório que algumas invasões de países no Oriente Médio são
apenas com intuitos econômicos e desvios de tensões sociais dentro do país invasor. Um caso
bem explícito foi a invasão das Ilhas Malvinas pelo então Presidente Videla da Argentina. A
pressão social devido às dificuldades econômicas estava recaindo sobre o regime nãodemocrático e uma das formas de desvio foi a malfada tomada das ilhas. Os homossexuais
têm sido vítimas dessas tensões sociais e ainda continuam sendo devido à sua forma não
peculiar e devido ao fato de serem minorias. Se aliarmos isso ao nosso desejo não satisfeito
de imortalidade através de descendentes, teremos um grupo suscetível de ser usado para
desvio dessas tensões. Como não podemos descarregar nossas iras em quem é mais forte,
terminamos por desviá-la para outros que acreditamos que não reagirão.
O Direito e a homossexualidade
O preâmbulo de nossa Constituição é base dos sentimentos que norteiam a mesma. Ali
diz que se institui um Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade a
justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacifica das controvérsias, sob a proteção de Deus. Se não fosse um preâmbulo de
constituição seria uma poesia.
Não há como negar que nela se inclui todas as pessoas, da maneira como elas são. A
única coisa que pode depor contra alguém é desviar-se dos olhos da lei. Ser diferente,
pertencer a uma minoria ou não ser de acordo com o padrão próprio que julgamos que deveria
se estender a outras pessoas, não nega a outro seus totais direitos estabelecidos nos
princípios e nas formas da lei. Se a legislação tem lacunas no que concerne a determinadas
situações, são válidos os seus princípios para eliminar qualquer dúvida.
A homossexualidade, retirada de nossos conceitos legais e médicos como contrária às
leis e como anormalidade, resume-se apenas a uma forma específica de convivência entre
seres humanas, relegada à opção de cada indivíduo e de competência exclusiva do mesmo.
Sendo assim, o Direito estende-se a todos na sua forma de Justiça. Estendendo-se a todos,
não há como nega-lo.
Adoção por pares homossexuais
Dentro da lei, não existem normas que estabeleçam a legalidade de adoção de crianças
por homossexuais. Algumas sentenças, no entanto, deram ganho de causas em alguns
processos. Embora o Direito Brasileiro se construa à base da Jurisprudência, essa abertura,
todavia, deveria estar expressamente disposta em lei, para evitar que caiamos no pecado de
desconsiderar a propalada isonomia que nos garante a Constituição. Sobre assunto, conforme
pesquisa no STJ em junho de 2006, ainda não existem jurisprudência.
Apesar disso, não existe nenhuma norma que se expresse contra o fato. Sendo que
ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em função da lei, não existem restrições
contra a adoção por pares homossexuais. A sexualidade da pessoa não pode ser alegada
contra a mesma em nenhum processo. Existe até um paradoxo contra isso, quando a lei diz
que qualquer pessoa maior de 18 anos pode adotar uma criança, dentro das formas da lei.
Tecnicamente, se um dos parceiros resolvesse adotar uma criança, ele teria respaldo legal
para isso. O problema recai sobre a sucessão, visto que a criança seria apenas herdeira de
seus bens e não daqueles conseguidos em conjunto com seu parceiro. A solução mais viável,
enquanto não se legisla sobre o assunto, seria a adotar a forma testamentária para
transmissão dos bens de ambos, para um e outro, e, também para a criança adotada por um
deles.
No entanto, se consideramos que sendo uma união homoafetiva e que podemos
considerá-la como uma estrutura familiar, essa adoção por apenas um dos parceiros poderia
descaracterizar o próprio conceito de família, o que desvirtuaria completamente a noção de
igualdade mais que ratificada em nossas leis.
Um dos argumentos usados contra a adoção por pares homossexuais é aquele que diz
que a educação dada para a criança e sua convivência com seus novos pais abriria espaço
para que ela também se tornasse homossexual, ou seja, o comportamento dos pais seria
adquirido ou influenciaria a criança. Como não se sabe ainda a causa do homossexualismo, é
uma tese difícil de ser sustentada, pois se o homossexualismo é genético, conforme alguns
estudos, a criança teria a sua orientação sexual já codificada em seus genes. Se o
homossexualismo é adquirido através de comportamento e não sendo contra a lei, tanto faz
qual a orientação sexual da pessoa, visto que é algo de sua competência exclusiva.
A falta de uma das figuras, maternas ou paternas, dentro de um par homossexual
poderia levar a criança á uma inidentificação, ou seja, ela não teria parâmetros de
comportamento em sua idade adulta. É a teoria de Freud e seus complexos. No entanto,
inexiste esse arquétipo em todas das formas atualmente consideradas como estrutura familiar.
Pais separados, viúvos ou adotantes solteiros estariam diante do mesmo problema, o que,
baseado nessa teoria, os impediria também de criar ou adotar filhos.
Algumas pessoas têm receio de que a adoção por homossexuais torne a criança alvo de
pedofilia. No entanto, pedofilia é uma desordem mental e de personalidade de um adulto. Essa
desordem pode existir em todos os sexos e não existe correlação entre ela e o
homossexualismo, como já dissemos anteriormente.
Outro argumento utilizado é sobre a pressão social que uma criança criada por pares
homossexuais teria na convivência com outras crianças e outras pessoas. Nesse caso,
acredito que a pressão social sobre crianças que vivem em casas de adoção é maior do que se
fosse criada dentro de uma família, mesmo que diferente das outras. Um fenômeno chamado
hospitalismo, que se traduz como a sintomatização psíquica como física de elementos
produzidos por internações, é comum nessas crianças, sem contar que elas podem
desenvolver um estado psicotizante, devido à insegurança produzida pela insegurança advinda
da falta de pais. Trata-se mais da quebra de um paradigma, pois se um fato social se torna
corriqueiro e normal, passamos a aceita-lo como os demais. A convivência com pessoas
diferentes, com pensamentos e comportamentos diferentes faz parte de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, como diz
o preâmbulo de nossa Constituição. Convivermos com pessoas que não se encaixam em
nossos padrões que chamamos “normais” deveria ser um estímulo para nossa própria
evolução como seres humanos e não uma barreira para isso.
No entanto, como algo novo e carecedor de mais ampla aceitação social, é justo que a
lei caminhe de forma adequada, dentro do tempo, para que a mesma ocorra. Nas nossas leis
existe a obrigatoriedade de períodos de convivência entre o adotante e o adotado, assistida
pelo Estado. Esse período é adequado para conhecimento das situações e estabelecimento de
diretrizes.
Uma decisão em Catanduva (SP), em 2006, tornou possível ao par homossexual
formado pelos cabeleireiros Junior de Carvalho e Vasco Pedro da Gama a adoção da menina
Theodora. Junto com a decisão que deu a guarda do filho de Cássia Eller à sua companheira
Maria Eugênia Vieira Martins, formaram o primeiro bloco no avanço para o assunto. Cumpre
ressaltar que no Caso Cássia Eller a Justiça daria guarda aos avós, se fosse seguir a lei de
maneira estrita. No entanto, os pais de Cássia Eller concordaram que a manutenção do filho
dela junto à companheira Maria Eugênia seria mais favorável a este, visto que o
relacionamento dos dois era extremamente afetivo e que a separação poderia provocar danos
psicológicos ao menino.
Alguns casos isolados de adoção por homossexuais já existiram, mas não na forma de
reconhecimento de uma união estável, tanto que as crianças foram adotadas individualmente
por um dos parceiros. Esses dois casos, além da adoção, ainda inserem os pares dentro do
conceito de uma estrutura familiar.
No ECA, a principal fonte de suas normas é oferecer o máximo possível de proteção às
crianças e adolescentes, inclusive na forma de adoção. Procurando, nesse caso, buscar reais
vantagens para o adotando, e encontrando essas vantagens em uniões homoafetivas, não se
pode negar a elas o seu direito.
O Direito como promotor de mudanças
Nas matemáticas zenonianas existe o fato de que se percorrêssemos metade de um
caminho e depois a metade da metade e sucessivamente, nunca chegaríamos ao final dele.
Isso é algo tão indiscutível que se pode calcular. Percorrendo meios caminhos nunca se pode
chegar ao final dele. Se Aquiles não desse uma vantagem às tartarugas ele chegaria sempre
antes delas. Para percorrer uma distância de dez metros se quiséssemos fazê-lo apenas
caminhando metade dele de cada vez, não chegaríamos ao final. Metade de dez é cinco.
Estando a cinco passos do final, percorreríamos apenas dois e meio e assim sucessivamente.
Nunca chegaríamos ao final dele. Talvez isso seja um lembrete de que não devamos deixar
nada sem um término. Talvez nossos problemas sejam iguais à tartaruga. Nunca devemos lhes
dar vantagens. Quando se tem que fazer algo, devemos percorrer todo o caminho até seu final.
Se somarmos todas as meias-medidas, meias-verdades, meias-ações, nunca poderemos ter
algo completo. Um primeiro passo sempre é difícil e caminhar muito mais, mas nada disso
valerá a pena se pararmos onde o caminho não é aquele onde queremos chegar. A soma das
partes nunca é igual ao todo. Pode ser menos ou pode ser mais. Ser mais é um atributo que
somente nós podemos lhe dar.
Tem-se à primeira vista, a noção de que o Direito se parece com Aquiles ao dar
vantagem à tartaruga e por isso nunca conseguir alcançá-la. O Direito, geralmente, passa a
existir após o acontecimento de diversas situações em que não existia regramento, cabendo a
ele dar definições sobre os novos processos. No entanto, esses processos já aconteceram e o
Direito apenas se deve aos novos casos. Nada mais justo, visto que o crime somente existe
quando tipificado e pode ser impossível legislar sobre algo que ainda não aconteceu.
No entanto, algumas mudanças somente operam quando acionadas. O Direito, embora
na maioria dos casos esteja um passo atrás dos processos sociais, pode ser o promotor de
mudanças quando a visão de um futuro parece ser adequada e deve se tentar chegar até ela.
No que tange à sociedade, o Direito deve ser o principal mentor das reformas. Ao
termos a noção correto de como deveríamos ser e sabendo que somente conseguiríamos isso
através de uma base legal, nada mais certo que o Direito se adiantasse e estabelecesse as
reformas necessárias, baseando-se nas pretensões que queremos ter como país soberano.
Você pode estar imerso na água, mas se dela não beber, sua sede continuará.