Oração em Línguas

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Oração em Línguas
Oração em Línguas
Dom, 27 de Agosto de 2006 19:47
Em nome da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, sou o Assistente Espiritual do
Conselho Nacional da Renovação Carismática Católica, um dos mais significativos Movimentos
Eclesiais existentes em nosso tempo. Algumas interrogações me foram feitas por Dom Rafael
Llano Cifuentes, Bispo de Nova Friburgo-RJ, proporcionando-me levar ao Conselho
Permanente da CNBB alguns esclarecimentos, que podem servir a tantos irmãos e irmãos da
RCC ou que desejam conhecê-la mais de perto. Eis o texto escrito que apresentei à 58ª
Reunião do Conselho Permanente da CNBB:
Esclarecimentos sobre alguns pontos da RCC
Foi-me pedido para fazer uma breve comunicação a respeito de alguns pontos sobre a
Renovação Carismática Católica. Escolhi dois caminhos, sendo o primeiro uma consulta feita
aos coordenadores nacionais da RCC, aos quais encaminhei as perguntas feitas, com
respostas que me foram apresentadas por Reinaldo Beserra, do Escritório Nacional da RCC e
membro do Conselho Internacional da RCC – (ICCRS). Tais respostas correspondem e são
plenamente assumidas por mim, por corresponderem ao que penso e às orientações que
costumo oferecer à RCC. Em seguida, desejo apresentar algumas propostas.
I – Esclarecimentos solicitados pelo CONSEP, a pedido de Dom Rafael:
1. “Benefícios” da oração em línguas: Os carismas, sejam extraordinários ou humildes, são
graças do Espírito Santo que têm, direta ou indiretamente, uma utilidade eclesial, ordenados
como são à edificação da Igreja, ao bem dos homens e às necessidades do mundo.” Carismas
são “manifestações do Espírito para proveito comum”. São dons úteis, instrumentos de ação,
para servir à comunidade.
Conceituação:
a) “É um dom de oração cujo valor, enquanto ‘linguagem de louvor’, não depende do fato de
que um lingüista possa ou não identificá-lo como linguagem no sentido corrente do termo”. É
uma linguagem a-conceitual, que se “assemelha” às línguas conceituais. Não supõe
absolutamente um estado de “transe” para praticá-la, não corresponde a um estado “extático”,
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e nem a uma exagerada emoção, permanecendo aquele que a pratica no total domínio de si
mesmo e de suas emoções, pois o Espírito Santo jamais se apossa de alguém de modo a
anular-lhe a personalidade.
b) É um dom que leva os fiéis a glorificar a Deus em uma linguagem não convencional,
inspirada pelo Espírito Santo. É uma forma de louvar a Deus e uma real maneira de se falar e
se entreter com ele. Quando o homem está de tal maneira repleto do amor de Deus que a
própria língua e as demais formas comuns de se expressar se revelam como que insuficientes,
dá plena liberdade à inspiração do Espírito, de modo a “falar uma língua” que só Deus entende.
2. O “falar em línguas”, consignado nas Escrituras comporta três modalidades:
a) a oração em línguas, de caráter usualmente particular, pessoal, e que portanto não requer
interpretação . Embora de caráter pessoal , ela pode ser exercitada também de modo coletivo,
o que acontece nas assembléias onde todos exercem o “dom particular de orar em línguas”, ao
mesmo tempo; obviamente, não supõe interpretação. No entanto, Deus – que ouve a oração
que milhares de fiéis lhe dirigem concomitantemente de todos os cantos da Terra – por certo
entende. Vale a intenção que está em nosso coração.
b) Essa oração também pode ser expressa em modalidade de canto, uma oração com uma
melodia que não foi pré-estabelecida. Também essa modalidade não requer interpretação. A
diferença em relação à modalidade anterior, é que aqui se trata de orar em línguas, mas num
ritmo não falado, de expressão e cadência musical, de notas que se sucedem
improvisadamente, numa modulação lírica com que se celebra as maravilhas de Deus. São
cânticos que brotam geralmente nos momentos de louvor e adoração da assembléia, do grupo
de oração, e que pouco tem em comum com os cânticos eclesiásticos tradicionais, ou também
com os cantos de “composição artística” . Santo Agostinho, comentando as palavras do Salmo
“Cantai ao Senhor um Cântico novo”, adverte que o cântico novo não é coisa “de homens
velhos”. “Aprendem-no os homens novos, renovados da velhice por meio da graça,
pertencentes ao Novo Testamento, que já é o Reino dos Céus. Por ele manifestamos todo o
nosso amor e lhe cantamos um canto novo. Quando podes oferecer-lhe tamanha competência
que não desagrade a ouvidos tão apurados?... Não busques palavras, como se pudesses dar
forma a um canto que agrade a Deus. Canta com júbilo! Que significa cantar com júbilo?
Entender sem poder explicar com palavras o que se canta com o coração. Se não podes dizer
com tuas palavras, tampouco podes calar-te. Então, resta-te cantar com júbilo, se modo que te
entregues a uma alegria sem palavras e a alegria se dilate no júbilo” .
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c) Uma terceira modalidade do dom das línguas é aquela de uso essencialmente público, que
quando é acompanhado do seu complemento, o dom da interpretação, tem como seu propósito
a edificação dos fiéis e a convicção dos descrentes . Aqui o falar em línguas não assume o
caráter de oração, mas de uma mensagem em línguas, dirigida à assembléia e não a Deus,
como é o caso da oração, e que portanto requer o exercício do outro dom apontado por Paulo,
o dom da interpretação. O Espírito dá a alguém a inspiração de “falar em línguas” em alta voz.
Suas palavras contém uma mensagem espiritual para um ou mais ouvintes. A mensagem
permanece incompreensível, enquanto não for interpretada . A mensagem interpretada
assume, regularmente, as características de uma profecia carismática, que, segundo S. Paulo ,
edifica, exorta e consola a assembléia. Autores há que, em vista de maior clareza, dão outro
nome a esta forma de falar em línguas. Chamam-na de “mensagem em línguas”, ou ainda de
“profecia em línguas”. Em oposição ao “falar em línguas” durante a oração, este dom não está
livremente à disposição da pessoa. Exige-se uma inspiração peculiar. Muitas vezes, ela está
acompanhada de outra inspiração, a saber, num dos ouvintes que então “interpreta” a
mensagem e a traduz em linguagem comum, para a comunidade. O dom de “falar mensagem
em línguas” é um dom transitório manifestado vez ou outra nas reuniões de oração; e o Senhor
pode servir-se ora deste, ora daquele, enquanto que o dom da interpretação geralmente é
considerado permanente; é dom que pode ser pedido na oração.
3. Quando se deve orar em línguas? Só em atos próprios da RCC? Na TV para todos? Pode
ser utilizada durante a Santa Missa, como parece ter acontecido na Oração dos fiéis nas
missas de TV?
a) Sendo um dom do Espírito e um dom de oração, ele deveria ser permitido onde sempre é
permitido orar. Nos atos próprios da RCC, o Documento 53, n. 25 da CNBB, já o levou em
consideração.
b) Se a TV está transmitindo um ato próprio da RCC, não é possível “encenar” um
comportamento que anule a identidade do Movimento. O exercício do carisma de orar em
línguas é parte constitutiva da RCC. De nossa parte – os “carismáticos” – não temos de que
nos envergonhar dessa prática, e nem temos nada a esconder. Somos assim. nossos Grupos
de Oração estão sempre com as portas abertas, e qualquer um pode conferir lá o que somos e
o que praticamos.
c) Na Santa Missa: Se são missas celebradas em atos específicos da RCC, parece-nos que
sim, desde que se exercite essa oração nos momentos ditados pelo bom senso e pela
orientação do celebrante, de modo respeitoso, profundamente oracional, não exibitório,
especialmente como glorificação a Deus, como expressão de contrição, como petição, e como
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ação de graças.
d) A RCC tem clara consciência de que a Igreja, durante muito tempo, não se abriu à essa
forma de se exercitar os carismas. Por isso ela sabe que, esse reavivamento de perfil
pentecostal que se colocou em marcha no último século – especialmente a partir de Helena
Guerra, que motivou Leão XIII a escrever uma Encíclica sobre o Espírito Santo, passando por
João XXIII, que pediu um novo Pentecostes para a Igreja e a “renovação dos sinais e prodígios
da aurora da Igreja”, bem como pelo Concílio Vaticano II, onde Deus, providencialmente,
lançou as bases e os fundamentos que tornaram possível o surgimento e a fundamentação do
Movimento Pentecostal Católico , até João Paulo II, com sua Dominum et Vivificantem, e a
inspirada exortação pronunciada na celebração de Pentecostes de 29 de maio de 2004, que
dizia: “Desejo que a espiritualidade de Pentecostes se difunda na Igreja como um impulso
renovado de oração, santidade, comunhão e anúncio. [...] Abram-se com docilidade aos dons
do Espírito Santo! Recebam com gratidão e obediência os carismas que o Espírito não cessa
de oferecer!” – precisa ser acolhido com abertura de espírito e destemor, mas também com
bom senso, com humildade, com respeito pelas diferentes opções de engajamento na pastoral
orgânica da Igreja, em absoluta adesão à doutrina da Igreja Católica, não escandalizando por
falta de decoro litúrgico ou religioso, dentro da ordem, mas também não deixando de ser fiel à
vocação que Deus nos faz, de, nesses tempos, contribuir para “revelar à Igreja aquilo que já
lhe é próprio: sua dimensão carismática”.
e) No rito do Sacramento da Crisma, ao final da Oração dos fiéis, o Bispo reza: “Ó Deus, que
destes o Espírito Santo a vossos apóstolos e quisestes que eles e seus sucessores o
transmitissem aos outros fiéis, ouvi com bondade a nossa oração e derramai nos corações de
vossos filhos e filhas os dons que distribuístes outrora no início da pregação apostólica”.
f) É de se esperar que, recebendo tais dons, possamos exercitá-los, pois “da aceitação desses
carismas, mesmo dos mais simples, nasce em favor de cada um dos fiéis o direito e o dever de
exerce-los para o bem dos homens e a edificação da Igreja e do mundo, na liberdade do
Espírito Santo, que “sopra onde quer” e ao mesmo tempo na comunhão com os irmãos em
Cristo, sobretudo com seus pastores, a quem cabe julgar sobre a autenticidade e o uso dos
carismas dentro da ordem, não por certo para extinguirem o Espírito, mas para provarem tudo
e reterem o que é bom”.
g) “Na lógica da originária doação donde derivam, os dons do Espírito Santo exigem que todos
aqueles que os receberam os exerçam para o crescimento de toda a Igreja, como no-lo recorda
o Concílio”.
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4 – Repouso no Espírito: O Documento 53, no número 65, aborda o tema e diz a respeito: “Em
Assembléia, grupos de oração, retiros e outros reuniões evite-se a prática do assim chamado
“repouso no Espírito”. Essa prática exige maior aprofundamento, estudo e discernimento”.
a) O Cardeal Suenens, que escreveu muito sobre a RCC e a apoiou, foi muito cauteloso em
relação à prática do repouso no Espírito, recomendando reserva.
b) Pe. Robert De Grandis foi quem muito a divulgou aqui pelo Brasil e tem um livro sobre o
assunto.
c) Pe. Antonello, da Arquidiocese de S. Paulo, pratica-o com bastante freqüência e também
escreveu sobre o assunto.
d) Não há fundamentação bíblica consistente sobre ele, embora sua prática remonte aos
grupos qualificados de entusiastas, especialmente nos grupos de reavivamento nos Estados
Unidos entre os séculos XVII e XIX.
e) “O Espírito Santo, ao confiar à Igreja-Comunhão os diversos ministérios, enriquece-a com
outros dons especiais, chamados carismas. Podem assumir as mais variadas formas, tanto
como expressão da liberdade absoluta do Espírito que os distribui, como em resposta às
múltiplas exigências da história da Igreja” . Em muitas ocasiões – especialmente quando
praticado em atendimentos pessoais, em clima de oração – , de modo especial em
atendimentos de oração por cura interior, essas manifestações se revelam perceptivelmente
legítimas, sem componentes de perfil patológico, gerando em quem a experimenta profunda
paz e bem estar, com conseqüente reavivamento ou novo compromisso, com os compromissos
relativos à fé. Pe. Isaac Isaias Valle, por exemplo, de Porto Feliz, na Arquidiocese de
Sorocaba, sacerdote muito estudioso e preparado doutrinariamente, atende as pessoas
utilizando-se dessa prática.
f) Em muitas ocasiões – especialmente em grandes encontros – há um visível descontrole
emocional da parte de muitos nos quais se manifesta tal fenômeno, chegando-se mesmo a
identificáveis casos de histeria, seja por desequilíbrio de cunho psicológico. Como diz João
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Paulo II, “na verdade, a ação do Espírito Santo, que sopra onde quer, nem sempre é fácil de se
descobrir e de se aceitar. Sabemos que Deus atua em todos os fiéis cristãos e estamos
conscientes dos benefícios que provém dos carismas, tanto para os indivíduos como para toda
a comunidade cristã. Todavia, também temos consciência da força do pecado e as confusões
na vida dos fiéis e da comunidade.”
g) Assim, não é oportuno incentivar tal prática. Mas há vezes em que, sem que ninguém
estimule, ocorre tal manifestação. Então, surge a oportunidade para cumprir o que determina o
Documento 53, buscando aprofundar o entendimento sobre a matéria, pela observação com
um estudo do caso, até perguntando à pessoa como é que ela está se sentindo, se aquilo lhe
gerou paz, se o seu é um histórico sem comprometimentos outros, etc, para chegar a um
discernimento sobre as características que possam nos ajudar a identificar a legitimidade do
repouso.
5 – Sobre as inspirações particulares: Em geral a liderança da RCC tem tido bastante bom
senso no exercício dessas chamadas inspirações, ou moções. Junto com os dons da Palavra
de Ciência e a Palavra de Sabedoria, a RCC se esmera em fazer uso do Dom do
Discernimento Carismático. Podem ocorrer exageros e afoitas condutas? Claro que sim. Mas a
realidade dos fatos logo “traz para a terra” aqueles espíritos mais atabalhoados, e que agem
por impulsos meramente humanos, e de maneira até irresponsável. Na observância dos
resultados práticos e dos frutos produzidos por tais inspirações é que a RCC busca aprender a
deixar-se conduzir pelo Espírito, que – segundo a Apostolicam Actuositatem – distribui também
aos leigos dons e carismas para capacitá-los a anunciar o Reino, com poder . É possível
encontrar-se falsas moedas. Mas não vamos, com elas, jogar fora as legítimas, as verdadeiras.
Em 2003, o Pontifício Conselho para os Leigos convidou a RCC a dar sua contribuição no
Colóquio Internacional sobre a Oração para pedir de Deus a cura, realizado em Roma, sob os
auspícios daquele Conselho, reconhecendo nela essa prudência.
II – Propostas:
a) Ao acompanhar a RCC, percebo que existe seriedade, busca de maior conhecimento
teológico em suas lideranças e docilidade. Sugiro que a Comissão Episcopal de Doutrina
promova um estudo sobre os Carismas e as práticas da RCC,com seus representantes. Pode
até surgir uma nova e mais atualizada orientação pastoral.
b) Sugiro que os senhores bispos verifiquem em suas Dioceses os eventuais problemas,
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proporcionando uma orientação segura, através de um assistente diocesano que possa
acompanhar de perto.
c) Nos Congressos Estaduais da RCC, seria muito oportuno que o Bispo do local em que o
mesmo se realiza se fizesse presente com a apresentação de um tema de formação. Penso
que “adotando a criança”, poderemos orientar melhor e os membros da RCC não se sentirão
marginalizados, mas membros vivos das Igrejas particulares.
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