Prepare-se para se internacionalizar

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Prepare-se para se internacionalizar
Prepare-se para se internacionalizar
Tracy Russell
Como fazer com que seu design e conteúdo se sintam em casa em qualquer lugar do mundo
Há uma piada antiga na qual um viajante pára para pedir orientação. O velho coça a cabeça
e diz: “Bem, se eu fosse você, não começaria por aqui.” Infelizmente, com freqüência temos
vontade de dizer isso a alguns clientes que nos apresentam projetos de localização que –
claramente – foram concebidos sem nenhuma noção do conceito de internacionalização.
Mas, no contexto de localização, o que exatamente significa internacionalização? É o
processo de planejar a engenharia de um produto ou desenvolver um serviço de forma que
possa ser fácil e eficientemente localizado sem necessidade de reescrevê-lo, reprojetá-lo
nem replanejá-lo para lidar com diferentes idiomas e regiões.
Neste guia introdutório, oferecemos algumas orientações para os clientes cujos produtos e
serviços serão comercializados fora de seu mercado doméstico. Como especialistas em
comunicações de marketing, nosso foco são os principais elementos da comunicação
internacional — conteúdo e design. Você vai reparar que a idéia geral que permeia todas as
nossas recomendações é a necessidade de levar em conta a internacionalização desde o
início do desenvolvimento do material de marketing, para evitar gastos e atrasos
desnecessários.
Como dizer o que você pretende e isso fazer sentido em qualquer idioma. A regra de ouro
para criar um texto de origem que funcionará eficientemente em qualquer idioma e
mercado é mantê-lo claro e simples, além de evitar, tanto quanto possível, referências
culturais. Esse texto de origem deve ser bem escrito, não ter ambigüidades e apresentar
uma gramática correta. Ele deve obedecer às diretrizes internas da empresa quanto a
terminologia e estilo, reforçando a marca corporativa, mas também deve ser adequado aos
mercados locais, sob uma perspectiva idiomática.
As orientações que se seguem, sobre internacionalização na criação de conteúdo, não são
obrigatórias, mas ajudarão a assegurar que o texto de origem possa ser usado
internacionalmente, reduzirão o custo e o tempo de localização e permitirão que o usuário
leia e entenda o texto com facilidade.
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Mantenha o texto curto e sucinto.
Escreva com clareza e sem ambigüidades.
Escolha um tom e um estilo adequados ao público-alvo e siga-os até o fim.
Desenvolva e aprove primeiramente a terminologia e as mensagens principais.
Evite clichês, referências culturais e jargões, pois são difíceis de traduzir com precisão.
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Não use gíria nem palavras ou frases que só serão usadas por uma minoria do
público-alvo.
Evite abreviações e acrônimos ou, antes de usá-los, escreva os termos por extenso.
Evite nomes abreviados. Mesmo quando as abreviações são reconhecidas
universalmente, podem apresentar problemas de pronúncia em outras culturas.
Evite metáforas e nomes baseados em imagens. “Fogo de palha” ou “Dia do Peão
Boiadeiro” podem não fazer sentido para muitas culturas.
Lembre-se de que, freqüentemente, o humor não ultrapassa as fronteiras de sua
cultura de origem, e sua adaptação pode sair muito cara.
Pense internacionalmente antes de ser criativo
Já que o processo de globalização baseia-se com freqüência na adaptação de material e
design gerados em uma ferramenta original de marketing — como uma campanha
publicitária ou um site em português —, a forma de criar o design original tem um impacto
substancial na localização. Ao projetar para um mercado internacional, você deve considerar
tanto a cultura quanto as implicações técnicas — isto é, a adequação do design aos
mercados locais e ao processo de localização.
Projetar para mercados locais consiste em considerar como a mensagem será recebida. Há
algum risco de o design ser considerado culturalmente inadequado em alguns mercados
internacionais atuais ou futuros? Os elementos visuais criam uma impressão positiva nesses
mercados? O design passa o significado pretendido?
Projetar para o processo de localização consiste em compreender os detalhes técnicos do
design e como eles podem auxiliar ou obstruir o processo de localização. A agência
responsável pela localização do projeto dependerá fortemente do design visual e técnico do
original para produzir um conjunto consistente de versões localizadas. A velocidade, a
eficiência e o custo da localização do projeto também serão impactados se o produto tiver
sido totalmente internacionalizado e, portanto, não precisar de demorados tratamentos
específicos para o idioma.
Vamos examinar as duas principais questões relacionadas ao design para mercados
internacionais — cores e imagens.
A cor púrpura — morte ou realeza? Em todas as culturas, a cor pode ter uma forte
representação positiva ou negativa. A compreensão do impacto da cor auxiliará no design,
permitindo enfatizar ou reduzir a ênfase das cores da empresa para um público global.
A cor preta, por exemplo, significa morte no Ocidente, mas, na China, a cor da morte é o
branco. Púrpura significa coragem e realeza no Ocidente, mas é a cor das mortalhas no
Brasil. Vermelho é comumente associado a perigo no Ocidente, mas na China está
associado a casamentos. Verde e azul-claro são consideradas cores sagradas no Oriente
Médio, e o amarelo-açafrão é uma cor sagrada para os budistas.
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Isso não quer dizer que cores como essas não possam ser usadas em designs para um
público global. No entanto, desde os estágios iniciais do processo de design, convém
considerar o impacto da cor escolhida no contexto de um mercado-alvo multicultural.
Cuidado com o cão. Você também precisa estar atento à adequação das imagens a um
público global e preparar-se para oferecer imagens diferentes, dependendo do mercado-alvo.
Entre os exemplos de tipos de imagens que podem causar dificuldades estão: pessoas, animais,
bandeiras e ícones.
Pessoas. Muitas culturas são extremamente sensíveis à consciência étnica, ao vestuário e às
atitudes, principalmente em relação às mulheres. Para ser usado no mercado israelense, um
cartaz de uma campanha recente do Lux mostrando Sarah Jessica Parker em um vestido
sem mangas precisou ser pintado às pressas para cobrir os braços da atriz.
Animais. Eles evocam diferentes imagens em diferentes culturas. No Ocidente, os cães são
geralmente considerados como o melhor amigo do homem, mas as culturas árabes os
consideram impuros e ofensivos.
Bandeiras. É sempre bom evitar bandeiras porque elas são mais políticas do que culturais e
não representam claramente um idioma específico. Que idioma é representado, por
exemplo, pela bandeira suíça ou belga?
Ícones. Referências culturais comuns, como caixas de correio, lixeiras e cabines telefônicas,
são usadas freqüentemente em design de sites, mas talvez não sejam entendidas
universalmente, já que cada país tem um design específico.
Planejamento do processo de localização
Uma vez que o texto e o design estejam adequados culturalmente, o próximo desafio é
assegurar que o projeto seja internacionalizado sob uma perspectiva técnica. Há várias
questões a considerar e, mais uma vez, uma recomendação essencial é levar todas elas em
conta antes de iniciar o processo de localização, principalmente se o design for para um site
multilíngüe.
Reserve bastante espaço para expansão do texto. Não existem dois idiomas que ocupem o
mesmo espaço quando dispostos em um desenho. Uma palavra pode crescer em até 300%,
e os elementos de design, como as caixas de texto, podem ocupar o dobro do espaço em
relação ao original. Um só parágrafo de um documento pode ser expandido em 30% e o
seguinte talvez não sofra nenhuma expansão. Alguns idiomas, como o russo, podem crescer
em até 70%. Outros, como o hebraico e os idiomas da região do Pacífico Asiático, podem
diminuir e ocupar menos espaço.
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Assim, o comportamento do texto localizado oferece um significativo desafio na produção de
um design que possa ser internacionalizado e que aceite vários idiomas-alvo.
Para acomodar a expansão do texto, o layout e o design do original devem deixar um
espaço para ocorrer essa expansão ou para deslocar os elementos. Geralmente, a expansão
do texto é resolvida ocupando-se áreas vazias da página ou reduzindo-se o tamanho, o
espaçamento entre as linhas e o espaçamento entre caracteres do texto (o mínimo
possível). No entanto, alguns casos exigem atitudes mais cautelosas.
Por exemplo, é comum os títulos não terem uma tradução fácil, e cinco palavras podem se
transformar em oito ou dez. Com freqüência, a redução do tamanho do tipo é a única opção
em um design em que a expansão do texto não foi levada em consideração. Alinhamentos
inusitados e ênfase tipográfica nos diferentes elementos de um título podem, portanto, ser
difíceis de reproduzir.
Textos explicativos não devem ser amontoados em uma página, estejam eles junto a um
gráfico ou a outros textos. Um diagrama com muitos rótulos precisa de muito espaço para
expansão de texto. Tabelas e formulários são difíceis de manejar devido ao uso de linhas e
planos de fundo coloridos e inalteráveis, que impossibilitam a expansão.
Selecione os idiomas antes de escolher as fontes. Os idiomas não-ocidentais exigem
diferentes tipos de letra para acomodar os caracteres extras não suportados pelas fontes
padrão. Portanto, uma boa idéia é, logo no início da fase de projeto, considerar quais idiomas
serão necessários antes de se decidir por uma fonte. Se quiser usar uma fonte específica em
todas as comunicações, lembre-se de que ela deve estar amplamente disponível em todas as
mídias. Na localização de sites, Arial e Times New Roman são provavelmente as apostas mais
seguras. Se um navegador não puder exibir a fonte correta, o resultado será o mais próximo
encontrado na máquina, o que pode comprometer o design.
Tenha cuidado com o uso de fontes corporativas. Se não tiverem sido desenvolvidas por
grandes organizações com grandes orçamentos, elas tendem a não aceitar caracteres de
outros idiomas. O design e a criação de fontes são processos altamente especializados e
caros.
Quando é usada uma fonte que não aceita caracteres localizados, a única opção é encontrar
a correspondência disponível mais próxima no conjunto de caracteres de destino, o que
significa que suas agências e empresas de localização também precisam ter uma cópia da
fonte escolhida. Versões de fontes da Europa Ocidental podem ser personalizadas para
idiomas não-ocidentais, mas isso implica na criação de tempo extra para o projeto. Em
resumo, não considerar cuidadosamente a seleção da fonte no estágio de design pode
aumentar o tempo e o custo de um projeto.
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Planejamento para idiomas bidirecionais e de byte duplo. Idiomas bidirecionais, como o
árabe e o hebraico, podem exigir retrabalho total, pois devem ser lidos da direita para a
esquerda. Isso implica na produção de ilustrações invertidas e, possivelmente, na mudança
dos gráficos. Orientações logo na fase inicial do projeto auxiliarão na velocidade de entrega
de versões localizadas em hebraico e árabe.
Embora alguns pacotes de editoração aceitem de imediato a entrada direta de conjuntos de
caracteres da região do Pacífico Asiático, como chinês, japonês e coreano, o design
localizado pode ser produzido de forma que o arquivo seja executado usando o processo
normal de impressão, sem necessidade de software especializado. Mais uma vez, nossa
recomendação é consultar os especialistas logo na fase inicial do projeto para assegurar a
entrega rápida de versões localizadas para a região do Pacífico Asiático.
Peça orientação à sua gráfica. É sempre bom consultar a gráfica antes de finalizar o projeto,
principalmente quando se vai aplicar o mesmo design a saídas em vários idiomas. Os custos
de impressão podem ser muito reduzidos com o uso da chamada “fifth plate”, uma técnica
amplamente utilizada no universo das embalagens, em que é produzido um grande trabalho
inicial de impressão com todos os elementos de cor (fotos/gráficos). Sobre essa saída
impressa “em branco” são então aplicados os elementos de texto, em um trabalho menor
de impressão, específico do idioma, permitindo maior flexibilidade de impressão sob
encomenda. Essa técnica só funciona quando os elementos específicos do idioma podem ser
impressos em uma cor (ou cores) em separado, sem afetar o restante do design. Isso
significa, geralmente, que o texto é preto.
Evite transformar textos em gráficos. O princípio básico é evitar a colocação desnecessária
de elementos de texto traduzível em arquivos separados de imagem — tanto nas
comunicações online quanto nas offline. Quando o texto está incorporado em um arquivo de
imagem, sua extração é um processo manual e precisa ser feita separadamente da extração
do texto principal. Uma melhor abordagem para design de impressão é colocar o texto em
frames dispostos sobre o gráfico. Isso significa que o texto pode ser extraído em um
processo mais simples. A necessidade de alternância entre programas é menor durante o
processo de fotocomposição, e há menos arquivos a entregar quando a localização é
concluída. É mais fácil acomodar adequadamente imagens diferentes em versões de idiomas
diferentes sem envolver tradutores e compositores gráficos no processo.
Nas comunicações online, transformar texto em elementos gráficos significa que ele será
exibido de determinada maneira e não pode ser ajustado por meio das preferências de tela
do usuário nem pelo redimensionamento de uma janela. Isso pode ser desejável sob a
perspectiva do design, mas torna o processo de localização mais longo e mais complexo,
porque não há um modo eficiente de automatizar a extração de texto e a reinserção nas
imagens; você provavelmente precisará envolver um especialista em DTP/imagens para a
Web. Freqüentemente, pode-se obter a mesma aparência usando HTML simples,
principalmente com o uso de CSS (Cascading Style Sheets, folhas de estilo em cascata), o
que resulta em um design muito mais adequado à localização.
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A incorporação de texto às imagens também engessa seu design, tornando-o adequado
apenas ao idioma original. Se o texto já estiver incorporado, o design deverá permitir a
expansão característica dos idiomas. Caso contrário, a única opção para versões localizadas
será reduzir o tamanho do tipo para comportar o texto, e isso pode afetar a legibilidade do
conteúdo.
Pronto para decolar?
A preparação para “vôos” internacionais não é difícil, mas envolve compreender uma série
de questões culturais antes mesmo de dar o briefing à sua agência de criação. Você precisa
trabalhar com um parceiro que entenda de internacionalização e localização, ou poderá
cometer custosos enganos. Nunca subestime o potencial de suscetibilidade de nenhum
grupo étnico, religioso ou cultural àquilo que você diz e à forma em que você apresenta
visualmente sua empresa.
Como é sabido por qualquer empresa, pode-se levar uma vida inteira construindo uma
reputação e destruí-la em dois segundos. Então, por que arriscar suas possibilidades de
sucesso internacional só porque sua agência não sabia que uma bela jovem chinesa vestida
de branco mais parece estar a caminho de seu próprio funeral do que do altar do
casamento?
Tracy Russell é gerente de serviços de editoração na empresa de localização Wordbank.
Reproduzido da revista MultiLingual (2005, nº 71 Volume 16 Edição 3) com permissão da Multilingual
Computing, Inc., www.multilingual.com.
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