"O Canadá ganha fama de vilão ambiental", Instituto Humanitas
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"O Canadá ganha fama de vilão ambiental", Instituto Humanitas
Chiaretti, Daniela, "O Canadá ganha fama de vilão ambiental", Instituto Humanitas Unisinos (IHU), Río Grande do Sul, Brasil, 09 de abril de 2013. Consultado en: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/519143-o-canada-ganha-fama-de-vilao-ambiental Fecha de consulta: 22/07/2013. O ano parece ter começado torto para o país do maple, a árvore que dá a folha-símbolo do Canadá (e um xarope maravilhoso para panquecas). "Argo", que ganhou o Oscar de melhor filme do ano, não fez desafetos apenas no Irã. Ao retratar o drama da crise dos reféns à embaixada americana em Teerã, em 1979, o ator-diretor Ben Afflecktensiona o público com cenas de fanatismo e massas enfurecidas. Ele é o mocinho da história, um agente da CIA enviado a terras hostis para salvar seis americanos refugiados na casa do embaixador canadense Ken Taylor - que, ao dar abrigo ao sexteto, arrisca a própria pele e a de sua mulher. Mas em "Argo" os canadenses são meio coadjuvantes, como se estivessem ali por acaso, retratados com buttons da bandeira na lapela e falando Toronto sem mencionar o segundo "t". Mereciam muito mais, comentou o ex-presidente Jimmy Carter ao reconhecer que na operação-resgate, "90% do plano era canadense". Na vida real dos últimos tempos, o governo do primeiro-ministroStephen Harper abandonou de vez a imagem de país bonzinho. O Canadá vem quebrando sua tradição de bancar fortemente o envio dos "capacetes azuis", as forças de manutenção da paz das Nações Unidas, para regiões de conflito. Pulou fora de seu compromisso com o clima do mundo ao desistir do Protocolo de Kyoto, vem cortando floresta boreal para extrair galões de petróleo de xisto betuminoso e há poucos dias anunciou que desistiu da Convenção de Combate à Desertificação - um acordo internacional que, basicamente, procura dar recursos a regiões pobres e famintas do planeta. O país de Leonard Cohen vem ganhando fama de vilão ambiental. O Canadá era conhecido por defender posições mais ventiladas na arena internacional. A Rio 92, a famosa conferência da ONU de ambiente e desenvolvimento, teve um canadense, Maurice Strong, como secretário-geral. Naquela ocasião, há 21 anos, foram Página 1 de 3 produzidas duas das mais importantes convenções ambientais da história - a do clima e a da biodiversidade - e também marcou a gênese de uma terceira, a do combate à desertificação. Não à toaMontreal foi escolhida como sede do secretariado da convenção da biodiversidade. E foi ali, na conferência do clima de Montreal, em 2005, que ficou decidido que o Protocolo de Kyoto teria um segundo período de vida. Mas esta trajetória de vanguarda tem sido minada. O Brasil também vem emitindo sinais bem nebulosos Ao se retirar em dezembro de 2011 do Protocolo de Kyoto, os negociadores canadenses disseram que o acordo não tinha futuro e que o país não iria nem cumprir o que tinha prometido no passado, e um abraço a todos. Em 28 de março, o Canadá anunciou outra desfeita inédita à ONU - declarou que está se retirando da convenção de combate à desertificação, degradação do solo e seca. Foi como dar um tapa nas regiões mais pobres do mundo. A convenção que combate a desertificação foi assinada por 194 países e entrou em vigor em 1996. Tem por objetivo mobilizar recursos financeiros e tecnológicos para países em desenvolvimento afetados pela seca, fenômeno que só irá piorar com a mudança do clima. É bom lembrar que o Brasil tem a região semiárida mais populosa do planeta, o Nordeste, mas são os africanos os mais gravemente afetados pela desertificação. Isso significa mais miséria e fome para quem já é pobre e faminto. O Canadá, rico e industrializado, diz agora que está fora deste compromisso. É um papelão internacional. Em poucos dias, na Alemanha, uma reunião com representantes de todos os países que assinaram a convenção de desertificação irá definir novos passos do acordo. O Canadá não irá. O país, que tem 60% de suas terras cultivadas em áreas secas, costumava garantir recursos para dar segurança alimentar aos países pobres. Sua contribuição anual (cerca de US$ 300 mil) é 3% do orçamento da convenção. Harper justificou a decisão dizendo que o tratado é muito burocrático. O governo diz que o país continuará a liderar os esforços em garantir a segurança alimentar e a pesquisar formas de aumentar a produtividade agrícola, Página 2 de 3 especialmente na África. Ali, diz, o Canadá ajudou quatro milhões de pequenos produtores em 11 países e distribuiu sementes que resistem à seca. Tudo ótimo. O governoHarper talvez esteja desafiando mais as Nações Unidas do que propriamente virando as costas para a África ao dizer que prefere seguir a trilha do eu-sozinho do que se j untar a esforços mundiais para combater a mudança do clima e a pobreza no mundo. É uma posição que lembra a dos Estados Unidos, avesso a acordos internacionais. Só que os EUA de Barack Obama investem em energias renováveis e estão reduzindo emissões de CO2, parte pela redução do ritmo da economia e parte pelo maior uso de gás natural frente ao carvão. Mas as emissões canadenses crescem velozmente. Em 2012 estavam 26% acima dos níveis de 1990 em função da expansão das "tar sands" (na expressão dos ambientalistas) ou "oil sands" (para o governo e a indústria). São depósitos de betume monumentais encontrados na província de Alberta. Trata-se de um tipo de petróleo difícil de extrair e a um custo ambiental gigantesco, mas que transforma o Canadá na terceira maior reserva do mundo depois da Arábia Saudita e da Venezuela. Quando o assunto é mudança do clima e compromissos, o Canadá não está sozinho em suas contradições, embora as exiba de forma radical e atabalhoada. O Brasil vem emitindo sinais muito nebulosos. Nunca discute o potencial de emissões do pré-sal. É verdade que o desmatamento veio caindo e que a matriz energética de base hídrica é limpa. Mas também é verdade que o eterno benefício do IPI dos carros só joga mais poluentes nas ruas sem que se peça nenhuma contrapartida moderna e ambientalmente mais limpa das montadoras. E que o ressurgimento das térmicas a carvão só faz o país emitir mais. O Plano Nacional de Mudança do Clima, que agora entra em processo de revisão, continua um calhamaço com planos setoriais da indústria, da mineração e do transporte sendo eternamente adiados. "Precisamos de um plano de verdade e não de uma mera lista de ações", diz André Ferreti, coordenador do Observatório do Clima, rede de 31 ONGs e movimentos sociais. Página 3 de 3