Neurociências

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Neurociências
volume 13 — nº 2 — 2005
ISSN - 0104-3579
www.unifesp.br/dneuro
Artigos
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Neurociências
Editorial
revista
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Neurociências
A neurologia e o sono: vamos dormir mais uma vez?
Em junho deste ano realizou-se em Denver, CO, USA, o Congresso Americano de Sono (Associated Professional Sleep Societies
19th Annual Meeting), que foi marcado por alguns eventos importantes. O primeiro deles foi a publicação definitiva, ainda que
com algumas imperfeições do ponto de vista operacional para a prática médica Americana, da Classificação Internacional de
Distúrbios do Sono. Outro aspecto relevante dos trabalhos arrolados no extenso programa do congresso foi a apresentação de
evidências científicas de excelente qualidade, demonstrando fenômenos degenerativos de áreas específicas do Sistema Nervoso Central em modelos experimentais de distúrbios respiratórios do sono.
A Classificação ficou mais prática e objetiva, tendo retornado ao seu bojo a perspectiva clínica da especialidade. Desapareceram
termos imprecisos e inúteis como “dissonias” e principalmente “distúrbios extrínsecos” e “intrínsecos do sono”, pois, acertadamente, viu-se que é muito difícil, à luz de conhecimentos de um determinado período, inferir-se sobre a natureza de complexos
eventos fisiopatológicos. Ressalte-se ainda que o Sistema Nervoso opera funcionalmente como um transdutor, tornando real a
enorme quantidade de variáveis onde se encontra mergulhado. Assim não é possível dizer que um evento da dimensão física,
como variações de temperatura, ou ainda condições supostamente insubstanciais como a percepção do próprio estado sócioeconômico e produtivo, não provoque respostas adaptativas que culminem em realidades nosológicos, como por exemplo a
insônia. Não é possível separar este que é um continuum: o corpo e o universo (não-corpo).
A Classificação atual também não se preocupa com exigências relativas aos critérios mínimos de diagnóstico, e os principais
grupos de distúrbios do sono ficaram assim divididos: 1) Insônia; 2) Distúrbios respiratórios associados ao sono; 3) Hipersonias de
origem central não relacionadas a desordens do ritmo circadiano, distúrbios respiratórios do sono, ou outra causa de distúrbio
noturno do sono; 4) Distúrbios do sono associados ao ritmo circadiano 5)Parassonias; 6)Distúrbios de movimentos relacionados
ao sono; 7) Sintomas isolados; 8) Outros distúrbios do sono.
Desde a década de 40 Moruzzi e Magoun, demonstraram o papel definitivo da substância reticular nos mecanismos de sono e
vigília. Desde cedo perceberam, em seus modelos de cérebro e encéfalo isolado, que o contingente superior da formação
reticular estava associado ao estado de vigília, dessincronização do EEG e despertar a partir do sono.
Embora não saibamos com precisão os complexos mecanismos que se associam à indução e manutenção do sono e da vigília,
alguns conhecimentos neuro-anatômicos, como as projeções difusas do locus coeruleus (projeções noradrenérgicas), inclusive
para as colunas corticais, permitiram investigações que levaram a demonstrar a ocorrência de grande perda neuronal nesta
região quando modelos experimentais (ratos) são submetidos a hipóxia intermitente, como a que ocorre na síndrome da apnéia
obstrutiva do sono. Parece que a sonolência excessiva diurna destes pacientes, mesmo após efetivo tratamento, tem suas raízes
na despopulação neuronal cerúlea, que poderia estar implicada com os mecanismos de manutenção da vigília, alerta e atenção.
Achados como estes consolidam de vez o imprescindível envolvimento dos neurologistas e neurocientistas no campo da medicina do
sono; onde a necessidade de alguma familiaridade com os conhecimentos de medicina interna, adquiridos durante a residência,
precisam ser mantidos ou ampliados; onde a prática interdisciplinar amalgamada numa linguagem única é fundamental.
Mas este é apenas um pequeno desafio aos neurologistas, que se não acordarem para esta nova realidade, deixarão mais uma
especialidade neurológica escapar às “suas mãos”, como aconteceu com a dor.
Gilmar Fernandes do Prado
Editor
Índice
ARTIGOS ORIGINAIS
Caracterização dos achados do processamento auditivo e fonológico em crianças com Doença
Cerebrovascular-Isquêmica
Cláudia Maria Sedrez Gonzaga Ronchi, Simone Aparecida Capellini, Leonardo Souza Oliveira, Sylvia Maria Ciasca,
Maria Valeriana Leme de Moura-Ribeiro ................................................................................................................................................................................................. 61
O exercício em doenças neuromusculares
Victor AF Tarini, Lígia Vilas, Márcia CB Cunha, Acary SB Oliveira .................................................................................................................................................... 67
Funcionamento da via auditiva e da linguagem em gêmeas monozigóticas com características de mutismo seletivo
Renata Aparecida Leite, Luciene Stivanin, Christian César Cândido de Oliveira, Caroline Rondina, Carla Gentile Matas, Claudia Inês Scheuer .................. 74
Fatores que influenciam o prognóstico deambulatório nos diferentes níveis de lesão da mielomeningocele
Ramos FS, Macedo LK, Scarlato A, Herrera G ..................................................................................................................................................................................... 80
ARTIGOS DE REVISÃO
Ortopedia funcional dos maxilares, respiração bucal e distúrbios respiratórios do sono em crianças
Débora Aparecida Lentini-Oliveira, Fernando Rodrigues Carvalho, Marco Antônio Cardoso Machado, Lucila Bizari Fernandes Prado,
Gilmar Fernandes do Prado ............................................................................................................................................................................................................... 87
A cognição espacial e seus distúrbios: o papel do Córtex Parietal Posterior
Tobias Alécio Mattei, Josias Alécio Mattei .............................................................................................................................................................................................. 93
Trombólise no Acidente Vascular Cerebral Isquêmico: uma mudança conceitual
Jamary Oliveira-Filho ............................................................................................................................................................................................................................ 100
Atuação do Oxido Nítrico fora do Sistema Nervoso
Silvana Alves, Lucia S Ishiki ................................................................................................................................................................................................................ 105
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005
Neurociências
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REVISTA NEUROCIÊNCIAS
Editor Chefe / Editor in chief
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PhD, Belo Horizonte, MG
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Canadá
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Carla Moro, MD, PhD, Joinvile, SC
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Charles Andre, MD, PhD, Rio de Janeiro, RJ
Gabriel de Freitas, MD, PhD, Rio de
Janeiro, RJ
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Salvador, BA
Jefferson G. Fernandes, MD, PhD, Porto Alegre, RS
Jorge Al Kadum Noujain, MD, PhD, Rio de
Janeiro, RJ
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Mauricio Friedirish, MD, PhD, Porto Alegre, RS
Rubens J. Gagliardi, MD, PhD, São Paulo, SP
Soraia Ramos Cabette Fabio, MD, PhD, São
Paulo, SP
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Curitiba, PR
Oncologia / Oncology
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Paulo, SP.
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Fernando A. P. Ferraz, MD, PhD, São Paulo,
SP
Guilherme C. Ribas, MD, PhD, São Paulo, SP
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Doenças Neuromusculares / Neuromuscular
disease
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São Paulo, SP
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São Paulo, SP
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Paulo, SP
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Paulo, SP
Laboratório e Neurociência Básica /
Laboratory and Basic Neuroscience
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Mariz Vainzof, PhD, São Paulo, SP
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João Pereira Leite, MD, PhD, Ribeirão Preto, SP
Luiz Eugênio A. M. Mello, MD, PhD, São
Paulo, SP
Líquidos Cerebroespinhal / Cerebrospinal
Fluid
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João Baptista dos Reis Filho, MD, PhD, São
Paulo, SP.
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Leopoldo Antonio Pires, MD, PhD, Juiz de Fora,
MG
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Ana Maria de Souza, PhD, Ribeirão Preto, SP
Neurologia do Comportamento / Behavioral
Neurology
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Paulo Henrique Ferreira Bertolucci, MD, PhD,
São Paulo, SP.
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Thais Minetti, MD, PhD, São Paulo, SP
Rodrigo Schultz, MD, PhD, São Paulo, SP
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Neurocirurgia / Neurosurgery
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São Paulo, SP
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Neuroimunologia / Neuroimmunology
Chefe / Head
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Paulo, SP.
Membros / Members
Nilton Amorin de Souza, MD, São Paulo, SP
Dor, Cefaléia e Funções Autonômicas / Pain,
Headache and Autonomic Function
Chefe / Head
Deusvenir de Souza Carvalho, MD, PhD, São
Paulo, SP
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Fátima Dumas Cintra, MD, São Paulo, SP
Paulo Hélio Monzillo, MD, São Paulo, SP
José Cláudio Marino, MD, São Paulo, SP
Marcelo Ken-It Hisatugo, MD, São Paulo, SP
Interdisciplinaridade e história da
Neurociência / Interdisciplinarity and
History of Neuroscience
Chefe / Head
Afonso Carlos Neves, MD, PhD, São Paulo, SP
Membros / Members
João Eduardo Coin de Carvalho, PhD, São
Paulo, SP
Flávio Rocha Brito Marques, MD, São Paulo, SP
Vinícius Fontanesi Blum, MD, São Paulo, SP
Rubens Baptista Júnior, MD, São Paulo, SP
Márcia Regina Barros da Silva, PhD, São Paulo, SP
Eleida Pereira de Camargo, São Paulo, SP
Dante Marcello Claramonte Gallian, PhD, São
Paulo, SP
Neuropediatria / Neuropediatrics
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REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005
Neurociências
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Artigo Original
Caracterização dos achados do processamento
auditivo e fonológico em crianças com Doença
Cerebrovascular-Isquêmica
Characterisation of the auditory and phonologic process in children
with Ischemic Cerebral Vascular Disease
Cláudia Maria Sedrez Gonzaga Ronchi1, Leonardo Souza Oliveira1, Simone Aparecida Capellini2,
Sylvia Maria Ciasca3, Maria Valeriana Leme de Moura-Ribeiro4
RESUMO
A criança acometida por Doença Cérebro Vascular (DCV) apresenta alterações de habilidades auditivas e fonológicas
transitórias ou permanentes dependendo da época, do tipo e do local da lesão neurológica. Objetivo: Caracterizar os
achados do processamento auditivo e fonológico em sujeitos com DCV-Isquêmica e relacionar os dados da avaliação do
processamento auditivo e fonológico com os achados neurológico e de neuroimagem. Método: Participaram, deste
estudo 5 sujeitos, sendo 4 meninos e uma menina na faixa etária de 7 a 13 anos de idade. Foram realizadas avaliações
neurológica, de imagem, prova de consciência fonológica, prova de nomeação automática rápida. Resultados: Os
sujeitos com DCV-I com insulto à direita e à esquerda apresentaram comprometimento em habilidade auditiva e em
processamento fonológico, ocasionando lentidão quanto ao acesso e evocação do léxico mental, entretanto, ressaltamos que o comprometimento foi maior no sujeito com insulto à esquerda. Conclusão: Os achados deste estudo
revelaram que quando há insulto em áreas neurológicas frontais, temporais e parietais em ambos os hemisférios, as
habilidades referentes ao acesso ao léxico mental, ao uso da memória de trabalho e a consciência fonológica ficam
prejudicadas, isto porque são dependentes do uso do processamento auditivo-verbal situado nestas regiões.
Unitermos: Acidente cerebrovascular, Percepção auditiva, Percepção da fala.
Citação: Ronchi CMSG, Capellini SA, Oliveira LS, Ciasca SM, Moura-Ribeiro MVL. Caracterização dos achados do
processamento auditivo e fonológico em crianças com Doença Cerebrovascular-Isquêmica. Rev Neurociencias 2005;
13(2):061-066.
SUMMARY
Subject: The child with Cerebral Vascular Disease (CVD) presents auditory and phonological disorders that can be
transitory or permanent depending on the period, type and localization of neurological lesion. Objective: Characterize
the auditory and phonologic process findings in subjects with Ischemic CVD and connect the data of auditory and
phonological evaluation with neurological and neuroimaging findings. Method: 5 subjects (4 boys and one girl) formed
Trabalho Realizado: Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual de Campinas – FCM/UNICAMP
1 - Fonoaudióloga e Neurologista Infantil. Aluna do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Faculdade de Ciências
Médicas – FCM/UNICAMP-Campinas - SP
2 - Fonoaudióloga. Doutora e Pós-Doutoranda em Ciências Médicas da Faculdade de Ciências Médicas – FCM/UNICAMPCampinas – SP. Docente do departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC/UNESP-Marília- SP
3 - Neuropsicóloga. Professora Assistente da Disciplina de Neurologia Infantil da Faculdade de Ciências Médicas – FCM/UNICAMPCampinas – SP
4 - Neurologista Infantil. Professora Titular da Disciplina de Neurologia Infantil da Faculdade de Ciências Médicas – FCM/UNICAMPCampinas – SP
* Grupo de Pesquisa do CNPq “Anormalidades Neurovasculares na Infância”
Endereço para correspondência: Simone Aparecida Capellini
Rua Bartolomeu de Gusmão, 10-84, Jardim América, Bauru – SP. CEP: 17.017-326
Telefone de Contato: 14- 3227-2432 ou 14- 9702-5470
E-mail: [email protected]
Trabalho recebido em 04/04/05. Aprovado em 29/07/05
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (061-066)
Neurociências
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Study Group, 7 to 13 years old. It has been done neurological evaluations, imaging, phonologic awareness test, and rapid
automatic naming. Results: The subjects with Ischemic CVD with right and left damage present auditory and phonological
disorder, causing slowness as access and recall of the mental lexicon, however, we emphasize that the major disorder was
in the subjects with left damage. Conclusion: The findings of this study revealed that when there is damage in frontal,
temporal, and parietal areas in both hemispheres, the abilities of access of the mental lexicon, use to working memory and
phonological awareness were altered, because they are dependent of the verbal-auditory process located in this areas.
Keywords: Cerebrovascular disease, Auditor y perception, Speech perception.
Citation: Ronchi CMSG, Capellini SA, Oliveira LS, Ciasca SM, Moura-Ribeiro MVL. Characterisation of the auditory and
phonologic process in children with Ischemic Cerebral Vascular Disease. Rev Neurociencias 2005; 13(2):061-066.
INTRODUÇÃO
MÉTODOS
Dentre as afecções que podem comprometer o Sistema Nervosos Central (SNC), destaca-se a Doença Cérebro Vascular (DCV), termo utilizado para designar
anormalidades do cérebro como resultado de processo
patológico nos vasos sangüíneos.
Participaram deste estudo 5 sujeitos, com idade entre 7 e 13 anos, (4 meninos e uma menina), nascidos de
termo, com diagnóstico comprovado por imagem de
lesão vascular cerebral unilateral. Esses sujeitos foram
atendidos e orientados a partir da fase aguda da DCV
na enfermaria de Pediatria do Hospital de Clínicas Faculdade de Ciências Médicas-UNICAMP.
Nas últimas duas décadas, os estudos sobre essa
doença na infância auxiliado por recursos laboratoriais
e técnicas não-invasivas de neuroimagem possibilitaram a ampliação dos conhecimentos pelos profissionais
da área da saúde, particularmente, sobre a DCV em recém-nascidos a termo, em crianças e adolescentes. Segundo a literatura, a incidência da DCV na população
infantil gira em torno de 2,52/100.000 a 7,91/100.000 habitantes/ano1, 2.
Embora na literatura, se verifique crescente interesse pela investigação da DCV na infância, ainda é restrito
o número de trabalhos que enfoquem o impacto desta
anormalidade na aquisição e desenvolvimento da linguagem da criança. Tomando por base que a lesão no
SNC, decorrente da DCV, pode ocorrer em áreas focais
ou difusas alterando as funções neuronais, as habilidades da linguagem podem encontrar-se alteradas de forma transitória ou permanente dependendo da época,
do tipo e do local da lesão neurológica.
Para a ocorrência do processamento lingüístico adequado é necessário que as habilidades auditivas estejam íntegras, porque desta forma o sinal acústico da fala
será codificado, decodificado e integrado garantindo a
criança o reconhecimento de padrões fonológicos presentes na linguagem oral3.
Tanto no comportamento auditivo mais elementar
como nas tarefas de linguagem receptiva, as habilidades de processamento auditivo e as habilidades de
processamento cognitivo estão intimamente
interconectadas, não podendo ser facilmente separadas em seus diferentes componentes4.
Com base no exposto acima, este estudo tem por
objetivos: 1) caracterizar os achados da avaliação do
processamento auditivo e fonológico de crianças com
DCV Isquêmica (DCV-I) e 2) relacionar os dados da avaliação do processamento auditivo e fonológico com os
achados neurológico e de neuroimagem.
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (061-066)
Esses sujeitos foram submetidos a avaliação neurológica; tomografia computadorizada (CT); Ressonância
Magnética (RM); Avaliação do processamento auditivo –
Teste de Dissílabos Alternados em Português - Staggered
Spondaic Word test - SSW5,6; Teste dicótico consoante vogal7 e Teste de escuta dicótica com dígitos8; Avaliação do
processamento fonológico (Prova da Consciência
Fonológica- PCF)9 e Prova de Nomeação Automática Rápida - RAN10. Os procedimentos aplicados nos sujeitos deste
estudo são normatizados para a faixa etária dos mesmos.
Os procedimentos de processamento auditivo foram
realizados no Ambulatório de Distúrbios da Comunicação no Laboratório de Audiologia do Departamento de
Otorrinolaringologia da FCM UNICAMP. Os resultados
da avaliação audiológica revelaram-se dentro dos padrões de normalidade, o que permitiu a realização das
provas de processamento auditivo e fonológica.
O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da FCM- UNICAMP, segundo as determinações
do Conselho Nacional de Saúde (Resolução 196/96), sob
o n° 278/2001. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelos responsáveis antes do início
das avaliações.
RESULTADOS
Os dados referentes à identificação dos sujeitos,
sexo, idade, local da lesão e etiologia da DCV-I estão
descritos na Tabela 1. Os sujeitos S1, S3, S4 e S5 apresentam lesão cortical/subcortical, o sujeito S2 possui
lesão apenas cortical. Os sujeitos S1, S3, S4 foram acometidas por lesão fronto-temporal e o sujeito S2 teve
comprometimento parietal.
Na análise da Tabela 1 verificamos que 4 sujeitos
apresentaram comprometimento do hemisfério direito e
Neurociências
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Legenda: Hem., hemisfério lesionado; E, esquerdo; D, direito; Br, branco; ñBr, não branco; M, masculino; F, feminino; a, anos; m, meses; C, cortical;
SC, subcortical; Fr, frontal; T, temporal; P, parietal; *, idade na avaliação; **, idade no momento da lesão; TC, tomografia computadorizada; RM,
ressonância magnética; ACM, artéria cerebral média e RP, ramos perfurantes.
Tabela 1. Doença Cérebro-vascular Isquêmica - Dados de identificação dos sujeitos do estudo.
um sujeito com comprometimento do hemisfério esquerdo, sendo o envolvimento vascular agudo no território
da artéria cerebral média, com ou sem lesão de ramos
perfurantes.
Na Tabela 2 registramos o desempenho em habilidade do processamento auditivo dos sujeitos apresentando o percentual de erros no teste Staggered
Spondaic Word –SSW e no teste de escuta dicótica
com dígitos (DD).
Na análise dos dados constatamos percentual de
erros muito alterado do sujeito S1 na condição direita
competitiva; o sujeito S4, maior número de erros na
orelha ipsilateral à lesão; os demais sujeitos obtiveram melhor desempenho na orelha ipsilateral a lesão.
Evidenciamos no teste de dicótico de dígitos que o
sujeito S1 apresentou 81,3% de erros na orelha contra
lateral a lesão; o sujeito S3, 22,5% erros na orelha contra lateral à lesão; o sujeito S4 e S5, alteração para as
duas orelhas, e o sujeito S2 não apresentou alteração
nas duas orelhas.
O desempenho dos sujeitos no teste consoante vogal referente aos acertos e erros nas três etapas, atenção livre, atenção direita e atenção esquerda está na
Tabela 3.
Legenda: SSW: Staggered Spondaic Word, DNC, direita não competitiva;
DC, direita competitiva; EC, esquerda competitiva; ENC, esquerda não
competitiva, Teste de escuta dicótica com dígitos: OD, orelha direita; OE,
orelha esquerda.
Tabela 2. Doença Cérebro-vascular Isquêmica - Distribuição
do percentual de erros dos sujeitos no SSW.
Na análise da Tabela 3 observamos que o sujeito S1
obteve vantagem da orelha esquerda, ou seja, ipsilateral
à lesão; os sujeitos S2, S3 e S5 com lesão em hemisfério
direito apresentaram vantagem da orelha ipsilateral à
lesão. O sujeito S4 apresentou desempenho inferior para
a orelha ipsilateral à lesão.
A Tabela 4 apresenta o desempenho dos sujeitos na
prova de consciência fonológica PCF.
Na análise da Tabela 4 constatamos desempenho
inferior do sujeito S1 em relação aos demais sujeitos,
Legenda: OD, orelha direita; OE, orelha esquerda.
Tabela 3. Doença Cérebro-vascular Isquêmica - Distribuição dos acertos e erros dos sujeitos no teste consoante
vogal, nas 3 etapas: atenção livre, atenção direita e atenção esquerda.
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (061-066)
Neurociências
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Legenda: SiS, síntese silábica; SiF, síntese fonêmica; Alit, aliteração; SeS, segmentação silábica; SeF, segmentação fonêmica; ManS, manipulação
silábica; ManF, manipulação fonêmica; TrS, transposição silábica; TrF, transposição fonêmica.
Tabela 4. Doença Cérebro-vascular Isquêmica - Distribuição do desempenho dos sujeitos na PCF.
com exceção da tarefa de síntese silábica. Os outros 4
sujeitos apresentaram maior dificuldade na transposição fonêmica, tarefa que exige raciocínio e planejamento para modificar os fonemas de posição para formação
de nova palavra. O sujeito S2 apresentou desempenho
dentro do normal para escolaridade e faixa etária.
Na Tabela 5 apresentamos o desempenho dos sujeitos na prova de Nomeação Automática Rápida.
Na análise da Tabela 5 evidenciamos maior lentidão
nos 4 subtestes do sujeito S1 em relação aos demais
sujeitos.
Tabela 5. Doença Cérebro-vascular Isquêmica - Distribuição dos
valores em minutos e segundos dos sujeitos na prova da RAN.
DISCUSSÃO
Na análise do desempenho dos sujeitos deste estudo relacionando as habilidades auditivas com o
processamento fonológico verificamos que o sujeito S1
apresenta memória auditiva comprometida com padrão
de resposta tipo A, identificada pela testagem com o
SSW, revelando alteração de processamento auditivo
do tipo decodificação e integração. Estas alterações de
processamento estão provavelmente relacionadas a localização da lesão em região têmporo-parietal à esquerda envolvendo o giro temporal médio e superior, região
esta que contém as conexões necessárias para a
codificação, decodificação e integração do estímulo
auditivo; este comprometimento ocasiona alterações no
uso de estratégias de evocação e recuperação de padrões fonêmicos e silábicos para formação de palavras
ou acesso ao léxico mental evidenciado objetivamente
em provas de consciência fonológica e de memória de
trabalho, como a PCF e a RAN. Ressaltamos ainda, que
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (061-066)
este sujeito 1 apresentou alteração significante em consoante-vogal e dicótico de dígitos, o que compromete o
uso de processos atencionais e perceptivos para formação dos elementos acústicos-fonêmicos da palavra.
Na análise realizada com os sujeitos S2, S3 e S4,
verificamos que apesar do insulto ter acometido o hemisfério direito, o desempenho em relação a memória
auditiva foi semelhante ao S1, ou seja, com comprometimento e padrão de resposta tipo A, identificada pelo
testagem com o SSW, revelando alteração de
processamento auditivo do tipo decodificação e
integração. Entretanto, também foi evidenciado alteração referente ao efeito auditivo, o que justificaria o comprometimento de memória destes sujeitos, uma vez que
esta análise qualitativa se refere a categorização de
perda gradual de memória, em nível de processamento
auditivo. Tal alteração provavelmente se deve ao fato
destes pacientes apresentarem lesão em lobo parietal,
como o sujeito S2 e em lobos fronto-têmporo-parietal,
como os sujeitos S3 e S4.
O perfil auditivo e fonológico destes sujeitos está relacionado com a dificuldade em organizar e planejar a
ordem para composição e recomposição de palavras
conforme evidenciada nos testes de processamento
auditivo consoante-vogal, dicótico de dígitos, no
subteste de transposição fonêmica da PCF e a lentidão
no acesso ao léxico mental demonstrada em cores e
objetos da RAN.
Quando a criança apresenta lentidão na produção
ou evocação da palavra é indicativo de atraso no desenvolvimento da fala e leitura, uma vez que isto decorre de
dificuldade de associação do código visual com o código fonológico11-13.
Com relação ao sujeito S5 pudemos verificar que
como o mesmo apresentou insulto neurológico em idade mais precoce que os demais, não foi identificado alterações referente a decodificação ou integração de
estímulos auditivos no SSW, porém como sua lesão acometeu território fronto-parietal direito, foi evidenciado
dificuldade quanto a realização dos testes de
processamento auditivo referentes a consoante-vogal e
o dicótico de dígitos, revelando assim dificuldade quan-
Neurociências
to ao uso de processos atencionais e perceptivos para
formação dos elementos acústicos-fonêmicos da palavra evidenciada no subteste de transposição fonêmica
da PCF e no uso da memória de trabalho fonológica.
A reorganização neurológica pós-insulto no SNC, é
mais eficaz em crianças com idade precoce, isto porque as chances de plasticidade para a linguagem são
maiores e a ocorrência de distúrbios em funções específicas cognitivo-lingüísticas são menores, fato confirmado no sujeito S5 que teve acometimento vascular agudo
identificado aos 3 meses de idade14,15.
Neste estudo evidenciamos que a consciência
fonológica está diretamente relacionada com a
codificação fonológica desencadeada pelas habilidades auditivas, necessárias para a realização da correspondência visual-auditiva exigida tanto na linguagem
oral como escrita12, 16, 17.
A relação evidenciada entre o processamento auditivo e o processamento fonológico da informação está
no fato da decodificação da comunicação oral ter seu
início com a decifração do sistema de sons da cadeia
da palavra no lobo temporal do hemisfério esquerdo. Na
medida que a informação vai entrando, vai sendo arquivada seqüencialmente com marcação de tempo e de
ordem, permitindo identificar e evocar os elementos que
estão entrando. A palavra é reconhecida como tal porque se registra união entre o produto da decodificação
e uma memória prévia, denominada lexical18-19.
Entretanto, apesar de conhecermos e reconhecermos que o processo de decodificação da composição
fonêmica da linguagem está localizada no lobo temporal do hemisfério esquerdo, ressaltamos que a análise
da estrutura fonológica da linguagem oral, que envolve
diretamente a percepção do som, é o mais alto estágio
em termos de função cortical, e deve ser entendida como
parte de um sistema funcional complexo, que ocorre por
meio da participação de grupos de estruturais cerebrais
operando em concerto, com cada qual contribuindo para
a organização desse sistema funcional20.
Sendo assim, existe o entendimento de que o hemisfério direito é parte atuante deste processamento da linguagem quanto a tarefas de análise e julgamento21,22.
65
A tarefa de decisão lexical, freqüentemente utilizada
para comparar modelos de processamento hemisférico,
tem revelado que o modelo de acesso direto enfatiza a
especialização hemisférica relativa, supondo que cada
hemisfério é capaz de processar os estímulos apresentados a ele diretamente, embora com níveis desiguais
de eficiência. Alternativamente, retransmissão calosa se
refere à transmissão calosa de um estímulo quando projetado ao hemisfério não-especializado. Assim, apesar
do hemisfério esquerdo ser predominante para aquisição da linguagem oral e escrita, a integração dos hemisférios cerebrais, tanto esquerdo como direito, são
interdependentes para a identificação perceptual das
palavras23.
Com relação a esta interdependência hemisférica,
para a habilidade auditiva, os dados deste estudo corroboram os achados de Divenyi e Robinson24 que confirmaram a prevalência do hemisfério direito para o
processamento da informação espectral da palavra.
CONCLUSÃO
Com base nos resultados deste estudo, concluímos que:
• Os sujeitos com DCV-I com insulto à direita e à
esquerda apresentam comprometimento em habilidade auditiva e em processamento fonológico, apresentando como conseqüência lentidão quanto ao acesso e
evocação do léxico mental, entretanto, ressaltamos que
o comprometimento foi maior no sujeito com insulto à
esquerda;
• Há relação entre os achados do processamento
auditivo, do processamento fonológico com os achados
neurológicos e de imagem evidenciando que quando
há insulto em áreas neurológicas frontais, temporais e
parietais em ambos os hemisférios, as habilidades referentes ao acesso ao léxico mental, o uso da memória de
trabalho e a consciência fonológica ficam prejudicadas,
isto porque o processamento temporal da informação
relacionados às habilidades auditivo-verbais parecem,
conforme evidenciado neste estudo, estar situadas nestas regiões.
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REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (061-066)
Neurociências
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Artigo Original
O exercício em doenças neuromusculares
The exercise in neuromuscular diseases
Victor AF Tarini1, Lígia Vilas2, Márcia CB Cunha3, Acary SB Oliveira4
RESUMO
Introdução: A presente revisão tem por objetivo reunir as informações existentes na literatura científica, sobre
efeitos dos exercícios em indivíduos com doenças neuromusculares (DNM). Neste trabalho, foram analisados os
principais estudos que investigaram os efeitos de programas de exercícios em indivíduos portadores de DNM.
Métodos: Para a localização dos artigos, foi criada uma estratégia de busca em bases de dados na Internet por
meio de “palavras-chave”, onde se estabeleceu a relação entre DNM e exercício. Resultados: Os estudos sobre
exercício e DNM apresentam limitações metodológicas importantes que comprometem a sua credibilidade. Porém, a maioria das investigações sugere que o exercício traz benefícios. Apesar de remota, existe a possibilidade
de agravar o quadro por meio de exercício. Contudo, não se deve generalizar, pois cada doença possui características próprias como por exemplo a velocidade de progressão. Doenças de rápida progressão como Distrofia
Muscular de Duchenne ou Esclerose Lateral Amiotrófica necessitam de uma orientação diferente das doenças de
progressão mais lenta. Nestas situações, a manutenção das funções motoras e os hábitos de vida diária já se
considera um benefício. Conclusão: A presença de um especialista em exercício dentro de uma equipe
multidisciplinar poderá contribuir na tarefa de estabelecer uma progressão no volume e intensidade de esforço,
bem como na elaboração de programas periodizados, que poderão proporcionar ajustes discretos porém importantes nos programas de exercícios.
Unitermos: Exercício, Atividade motora, Doenças neuromusculares.
Citação: Tarini VAF, Vilas L, Cunha MCB, Oliveira ASB. O exercício em doenças neuromusculares. Rev Neurociencias
2005; 13(2): 067-073.
SUMMARY
Introduction: The purpose of this review is to gather the information available in the scientific literature regarding
exercise effects in patients with neuromuscular disease (NMD). The main trials investigating the direct effects of
exercise programs in neuromuscular patients were analyzed in this paper. Methods: In order to locate the article,
using keyword like created a search strategy: exercise and NMD. Results: The studies regarding exercise and
NMD present important methodological limitations that compromise their credibility. However, the majority of the
trials suggest that exercising is good. The possibility of making the patients worse by exercising is remote but real.
This type of situation should not be generalized, because, each disease has its own characteristics, speed of
progression for example. Some diseases, like duchenne muscular dystrophy or amyotrophic lateral sclerosis need
different orientation than slow progress diseases. In this situation, simple keeping motor function and every day life
activities is considered exercise gain. Conclusion: The presence of an exercise specialist in the multidisciplinary
team can contribute in the task of establishing a workload progression as well as periodizing the programs, something
that will have a discreet, but important role in the over-all of rehabilitation.
Keywords: Exercise, Motor activity, Neuromuscular diseases.
Citation: Tarini VAF, Vilas L, Cunha MCB, Oliveira ASB. The exercise in neuromuscular diseases. Rev Neurociencias
2005; 13(2): 067-073.
Trabalho realizado: Setor de Doenças Neuromusculares da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. São Paulo, SP – Brasil.
1
2
3
4
-
Professor de Educação Física, Mestre em Fisiologia do Exercício(UNIFESP-EPM)
Fisioterapeuta, especializanda em Hidroterapia em doenças neuromusculares (UNIFESP-EPM)
Fisioterapeuta, Doutora em Neurociências (UNIFESP-EPM)
Doutor em Neurologia, Chefe do Setor de Doenças Neuromusculares da UNIFESP
Endereço para correspondência: Dr.Victor Tarini
Rua Pedro de Toledo 377. Tel: 11 5571-3324
E-mail: [email protected]
Trabalho recebido em 29/04/05. Aprovado em 19/07/05
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (067-073)
Neurociências
INTRODUÇÃO
O exercício é o meio pelo qual se consegue manter
e até mesmo aprimorar qualidades físicas como força,
flexibilidade, resistência, velocidade e equilíbrio, que
são necessárias no desempenho dos afazeres do cotidiano. Entidades como o American College of Sports
Medicine (ACSM), bem como a American Heart
Association (AHA) definem o exercício como movimento corporal planejado, estruturado e repetitivo executado com a finalidade de manter ou aprimorar um ou
mais componentes da aptidão física. Aptidão física é
definida como um conjunto de atributos que as pessoas possuem ou adquirem e que se relaciona com a
capacidade de realizar uma atividade física. Esta última é definida como o movimento corporal produzido
pela contração do músculo esquelético que eleva substancialmente o dispêndio de energia1.
Os efeitos do exercício têm sido extensamente
pesquisados nos diferentes segmentos populacionais,
tais como: idosos, portadores de osteoporose,
hipertensos, cardiopatas, diabéticos, obesos etc. Hoje,
há consenso em relação aos benefícios oferecidos pela
realização adequada de exercícios físicos1. Contudo,
ainda pouco se sabe sobre seus efeitos em indivíduos
com doenças neuromusculares2-4.
As doenças neuromusculares representam um grupo grande de afecções que comprometem a unidade
motora, ou seja, o corpo celular do neurônio inferior, o
seu prolongamento, a junção neuromuscular ou o tecido
muscular esquelético5.
As doenças neuromusculares (DNM) geram um déficit motor que poderá incapacitar o indivíduo acometido pela doença, de realizar tarefas simples do
dia-a-dia. A perda funcional leva a uma atrofia muscular por desuso, agravando o processo evolutivo da doença primária.
A perda da capacidade funcional compromete não
só o físico, mas também o emocional, tornando o indivíduo dependente de familiar ou de cuidadores. O objetivo maior de um programa de reabilitação está na
manutenção da funcionalidade, necessária para a maior independência do indivíduo. O exercício também tem
um papel importante nesta tarefa4.
O objetivo deste trabalho foi de realizar uma revisão
sistemática analisando os possíveis benefícios proporcionados pelo exercício físico em doenças
neuromusculares.
MÉTODOS
Para a elaboração da presente revisão, foram analisados estudos que investigaram os efeitos de programas de exercícios físicos em indivíduos com doenças
neuromusculares (DNM). Para a localização dos artiREVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (067-073)
68
gos, foi criada uma estratégia de busca em bases de
dados na Internet por meio de “palavras-chave”, onde
se estabeleceu a relação entre DNM e exercício.
As seguintes bases de dados foram acessadas:
Medline, Pub Med, Lilacs e Cochrane. O período de
Apuração ocorreu ao longo do mês de março. Foram
selecionados apenas artigos na integra, publicados a
partir de janeiro de 1995 até março de 2005. O descritor
de assunto utilizado nesta pesquisa foi: exercício,
exercise e as palavras-chave foram: DMD, Distrofia Muscular, Síndrome Pós-Poliomielite, Miopatia Metabólica,
Doença do Neurônio Motor / Esclerose Lateral
Amiotrófica, doenças neuromusculares, exercício físico,
atividade física, treino, Muscular Dystrophy, Postpolio,
Metabolic Myopathy, Motoneuron Disease, ALS,
Neuromuscular Disease, exercise, physical, physical
activity, training.
A busca visou relacionar as palavras-chave somente
no título dos artigos.
RESULTADOS
Alguns estudos analisados em nossa revisão já foram listados por outras revisões. Contudo, identificamos
outros fatores limitantes não observados anteriormente.
Os estudos estão sumarizados na Tabela1.
As principais limitações metodológicas observadas até
então em estudos sobre exercícios e DNM são as seguintes: amostra heterogênea ou de número pequeno; ausência de grupo controle ou o membro contra-lateral como
controle; medidas subjetivas; programas realizados sem
supervisão; falta de avaliações funcionais e ausência de
medidas específicas2,3. A seguir descreveremos as limitações metodológicas associadas ao exercício.
Sistematização na aplicação de sobrecarga
De uma forma geral, quando se pretende elaborar um
programa de exercícios é necessário considerar os princípios do treinamento físico, fundamentais na estruturação
do método a ser utilizado. Para que haja evolução ao longo do treinamento, deve-se ajustar a carga de trabalho
com freqüência, com o intuito de prevenir um eventual platô
em fase inicial. Isto é possível realizando um teste de força,
por exemplo, a dinamometria de preensão manual. Kraemer
e colaboradores propuseram que se aplique uma sobrecarga de 2 a 10% sempre que o indivíduo consiga realizar
um ou dois movimentos além da série proposta (1,6). Este
fator de correção poupa o indivíduo de constantes medidas que na maioria das vezes pode demandar um tempo
precioso (uma vez que o indivíduo precisa estar descansado para a avaliação). Ou seja, sem ter feito qualquer esforço
físico nas últimas 48hs. Dentre os estudos analisados nesta
revisão, quatro não apresentam sequer as intensidades
(%1RM) adotadas em seus programas de exercícios7-10.
Neurociências
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Neurociências
70
DFSH: Distrofia Facioescapulohumeral; DM: Distrofia Miotônica; SPP: Síndrome Pós-polio; MCI: Miosite por Corpo de Inclusão; MM: Miopatia Metabólica;
DCM: Distrofia de Cintura e Membros; DOF: Distrofia Oculofaringea; M: Miopatia (inespecífica); ELA: Esclerose Lateral Amiotrófica; DMB: Distrofia
Muscular de Becker; DMD: Distrofia Muscular de Duchenne; NSMH: Neuropatia Sensorio-Motora Hereditária; CK: creatinoquinase; VO2 Max: Consumo
Máximo de Oxigênio; FC: Freqüência Cardíaca; FCR: Freqüência Cardíaca de Reserva; PAS: Pressão Arterial Sistólica; n: Numero de Indivíduos; DC:
Debito Cardíaco; sem: Semana; trein:Treinamento; RM: Repetições Máximas; exerc: Exercício; ext: Extensão; flex: Flexão; uni: Unidade; res:
Resistência; din: Dinâmica; dif: Diferença; d: Dias; reps: Repetições; min: Minutos.
Tabela 1. Sumário dos estudos que investigaram os efeitos de programas de exercícios em
indivíduos portadores de doenças neuromusculares.
Periodização do programa de exercícios
Sem periodização
Um conceito importante vem sendo adotado em programas de exercícios para diferentes segmentos
populacionais: a periodização11. A periodização é o planejamento detalhado do tempo disponível para o programa
de treinamento, que possibilita o fracionamento do programa de exercícios em pequenos blocos (períodos), onde
é possível estabelecer variações de estímulos que impedirão que o corpo se “acostume” com a rotina.
Um exemplo típico seria um programa de treinamento
de força com duração de quatro meses:
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Agora com a aplicação do conceito da
periodização***:
Neurociências
Com periodização
* Repetições
**RM: repetição máxima
*** Este é um exemplo meramente ilustrativo do conceito de
periodização, não uma sugestão de protocolo.
Estudos recentes têm mostrado que os programas
periodizados inibem o surgimento do “platô” nos ganhos de força durante o programa de exercícios1,11. Fato
este observado em indivíduos que ainda adotam programas convencionais em longo prazo11.
Nesta revisão apenas um estudo adotou a periodização
em seu programa de exercícios12.
Princípio da especificidade
Outro conceito importante é a especificidade. Quando se objetiva proporcionar alguma melhora na capacidade funcional de um indivíduo por meio de um programa
de exercícios, deve-se exercitar com gestos semelhantes àqueles que se deseja aprimorar.
O mesmo se aplica para as medidas empregadas
nos estudos. O desempenho deve ser medido seguindo
as características dos gestos e padrões de exercício
(estático ou dinâmico) adotados durante o treinamento.
Treino estático pede medidas estáticas, treino dinâmico pede medidas dinâmicas.
71
dois a três dias alternados por semana proporcionam adaptações favoráveis, além de permitir uma recuperação adequada entre as sessões de treinamento1,6.
Em nossa revisão, observamos um estudo que investigou os efeitos de um programa de 15 minutos de exercícios não descritos, 2 vezes por dia “todos os dias da
semana” em 25 indivíduos com Esclerose Lateral
Amiotrófica (ELA) (14 exercício e 11 controle), pelo período de 12 meses10.
O papel do exercício para indivíduos com ELA é controverso. Isto é devido, principalmente, a estudos
epidemiológicos que relacionaram atividade física e o desenvolvimento de ELA10. A hipótese de que exercícios em
excesso podem desencadear a doença, é baseada em
dois mecanismos principais: o estresse oxidativo pelo aumento de radicais livres e a excitotoxidade do glutamato14,15.
Em um estudo que investigou a associação de atividade
física com ELA esporádica não encontrou relação direta
com atividade física. Porém, foi observado que o maior
número de horas de lazer dedicadas à prática de atividades físicas se relacionou com o início precoce da doença.
Neste mesmo estudo, os autores realizaram uma extensa
revisão da literatura, que resultou na seleção de 23 estudos, dos quais 50% reportaram uma possível relação entre
atividade física e ELA. Apenas um estudo apresentou nível
de evidência classe II. Este não encontrou uma relação de
atividade física e ELA16.
Limitações identificadas em pesquisas anteriores
A ótima freqüência de treinamento depende diretamente de fatores como o volume e intensidades de treinamento, seleção de exercícios (poliarticulares ou
monoarticulares), nível de condicionamento, capacidade de recuperação e do número de grupos musculares
treinados por sessão1,6.
Várias limitações metodológicas vêm sendo observadas, discutidas e criticadas nas revisões bibliográficas acerca de pacientes com doenças neuromusculares
e suas reações frente ao exercício físico. Uma limitação
comum nos trabalhos revistos é um número insatisfatório
de indivíduos, além da dificuldade em encontrar um grande número de pacientes com a mesma enfermidade e
em um mesmo estágio da doença. Estudos por vezes
realizados com um “n” estatisticamente insignificante
comprometem a credibilidade dos resultados obtidos
nas pesquisas7-10, 17-21. Outra limitação associada a anterior é a presença de amostras heterogêneas. Alguns estudos aplicam o mesmo protocolo para diferentes
doenças indiscriminadamente, sem considerar a
fisiopatologia, o tempo de progressão e reação ao exercício de cada tipo de doença. Desta maneira, os resultados ficam vagos, diminuindo a fidedignidade do
estudo13, 22, 23.
Estudos que investigaram os efeitos de diferentes freqüências em programas de treinamento com indivíduos
sedentários saudáveis, observaram que freqüências entre
Devido ao fato destas doenças agravarem com a inatividade e serem altamente incapacitantes, há grande
dificuldade em realizar estudos aleatórios, onde parte
Nesta revisão encontramos um estudo que avaliou
indivíduos que participaram de um programa de 12 semanas de caminhada, utilizando um cicloergômetro13.
Fica evidente que a resposta obtida não é a mesma daquela extraída em um ergômetro que “imite” o gesto
desempenhado durante o treinamento (por exemplo:
esteira rolante).
Freqüência nos programas de treinamento
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Neurociências
dos indivíduos, uma vez colocados em um grupo controle, são privados dos benefícios da atividade física,
tão necessários em sua condição. Apenas três estudos
foram randomizados10,12,24. Outros três estudos utilizaram
como grupo controle indivíduos saudáveis20,22,23.
Foi encontrado um número surpreendente de estudos que adotaram programas de exercícios monitorados
à distância, onde os indivíduos foram instruídos em como
realizar o programa em casa.
A supervisão do programa foi feita por meio de telefonemas, onde os indivíduos foram contatados periodicamente para confirmar sua assiduidade em relação ao
protocolo adotado7, 8, 10, 12, 13, 20, 21,24.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No levantamento que realizamos sobre exercício e
doenças neuromusculares, elegemos dois estudos que
merecem destaque: um estudo recente sobre exercício
e Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) envolvendo
apenas dois indivíduos. Foram investigados os efeitos
de um programa de exercícios resistidos concêntricos,
sobre o pico de torque isométrico dos extensores e
flexores da coxa. O protocolo de exercícios consistiu de
uma única série de dez repetições de extensões e
flexões de joelho contra a resistência (desconhecida)
de uma borracha, três vezes por semana, durante
quatorze semanas. Houve um ganho de força nas duas
primeiras semanas. Porém, os resultados obtidos ao final do estudo não foram animadores, pois a força havia
regredido em ambos21.
Outro estudo foi realizado com 25 indivíduos com
ELA, dos quais 11 indivíduos constituiriam o grupo controle e por conta disso, estariam privados de exercícios
físicos por 12 meses. Este mesmo estudo propôs um
programa de exercícios não supervisionados duas vezes por dia, todos os dias da semana10.
O anseio por alternativas para manter ou melhorar a
aptidão de indivíduos com alguma doença
neuromuscular tem motivado muitos pesquisadores a
realizar estudos que investigam os efeitos dos exercícios nesta população. Contudo, não conseguimos encontrar nenhum estudo que não apresentasse em sua
construção alguma limitação metodológica.
Vários estudos têm sido importantes na indicação
dos caminhos que devemos seguir, pois seus resultados, apesar de comprometidos pelas dificuldades, tendem a afirmar que o exercício tem um papel fundamental
na vida destes indivíduos. O que desconhecemos ainda
é a dose certa.
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Sugestões para futuras pesquisas
Tendo em vista todas as limitações metodológicas
citadas e o quanto as mesmas podem influenciar de
forma negativa os estudos realizados, devem ser tomados alguns cuidados especiais em estudos futuros:
1- Procurar um número adequado de pacientes com
a mesma doença e agrupá-los de acordo com o grau de
gravidade da doença, mesmo tipo de atividade e idades aproximadas. Nas situações em que mais de uma
doença seja estudada, os resultados devem ser devidamente separados para que a análise seja fidedigna.
2- As medidas de desempenho devem ser quantitativas, objetivas e sempre condizer com o tipo de exercício realizado no programa (dinâmico ou estático). Há a
necessidade também se utilizar avaliações funcionais,
que mensurem a melhora das atividades da vida diária
(AVDs) para os pacientes.
3- A amostra deve ser aleatória (randomizada). Indivíduos saudáveis e ou uso do membro contra-lateral
como controle não é adequado.
4- Programas de exercícios realizados em casa devem ser evitados por não serem supervisionados. Os
pacientes devem ser acompanhados de perto para que
não realizem exercícios ou utilizem cargas que possam
ser prejudiciais futuramente.
5- Os protocolos devem ser longos o suficiente para
que possa haver uma diferenciação entre a resposta
neural e muscular ao exercício (ao menos 12 semanas).
Também devem estar atentos a alguns princípios do treinamento físico como: sistematização nas aplicações de
sobrecarga, periodização do programa, princípio da
especificidade e freqüência do programa. Toda
metodologia deve ser minuciosamente explicitada nas
pesquisas, para que possam ser reproduzidas com maior fidedignidade futuramente.
6- O monitoramento de marcadores de lesão muscular como a dosagem da creatinoquinase (CK), deve ser
realizado ao longo dos estudos para prevenir o dano
muscular extenso.
7- Quantificar as atividades realizadas diariamente
que não fazem parte do programa de exercícios, como
aquelas envolvidas no deslocamento entre trajetos, higiene pessoal entre outras. Esta atitude pode prevenir a
atividade excessiva quando somada aos exercícios programados.
8- Procurar realizar pesquisas com equipes
multidisciplinares para que todos os aspectos sejam observados por um especialista. Isto inclui um especialista
em exercício que deve ser o responsável na seleção das
medidas de desempenho, bem como na elaboração e
acompanhamento dos programas de exercícios.
Neurociências
73
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Neurociências
74
Artigo Original
Funcionamento da via auditiva e da linguagem
em gêmeas monozigóticas com características
de mutismo seletivo
Auditory pathway and language functioning of monozygotic twins
with characteristics of selective mutism
Renata Aparecida Leite1, Luciene Stivanin2, Christian César Cândido de Oliveira3, Caroline
Rondina4, Carla Gentile Matas5, Claudia Inês Scheuer6
RESUMO
Introdução: Estruturas do sistema nervoso central podem sofrer modificações funcionais com estimulação.
Objetivo: O objetivo deste estudo foi verificar possíveis modificações nos achados audiológicos após intervenção
fonoaudiológica em comunicação e linguagem. Métodos: Gêmeas univitelinas com alteração de linguagem foram
submetidas às medidas de imitância acústica, audiometria vocal e potencial evocado auditivo de tronco encefálico
antes e após quatro meses de intervenção fonoaudiológica. Resultados: Na primeira avaliação audiológica, uma
das crianças apresentou alteração da via auditiva no tronco encefálico à direita associado à perda auditiva condutiva.
A outra criança apresentou potencial evocado auditivo de tronco encefálico compatível com perda auditiva condutiva
à direita. Na segunda avaliação audiológica, houve melhora no potencial evocado auditivo de tronco encefálico em
ambas as crianças. Conclusões: Ocorreram modificações nos potenciais evocados auditivos de tronco encefálico
em gêmeas monozigóticas com alterações de linguagem após intervenção fonoaudiológica, podendo estas serem decorrentes de plasticidade neuronal.
Unitermos: Potenciais evocados auditivos, Plasticidade neuronal, Linguagem infantil, Terapia de
linguagem
Citação: Leite RA, Stivanin L, Oliveira CCC, Rondina C, Matas CG, Scheuer CI. Funcionamento da via auditiva e
da linguagem em gêmeas monozigóticas com características de mutismo seletivo. Rev Neurociencias 2005;
13(2): 074-079.
SUMMARY
Introduction: Central nervous system structures can suffer modifications after stimulations. Purpose: The aim of
this study was to verify possible modifications of audiologic findings after speech-language intervention focusing
Trabalho realizado: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
1 - Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Fisiopatologia Experimental da FMUSP. Fonoaudióloga colaboradora do
Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Potenciais Evocados Auditivos em Tronco Encefálico
2 - Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Fisiopatologia Experimental da FMUSP. Fonoaudióloga supervisora do
Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Linguagem Infantil e Cognição do Curso de Fonoaudiologia da FMUSP
3 - Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Fisiopatologia Experimental da FMUSP. Fonoaudiólogo da equipe de
Enfermaria de Álcool e Drogas para Adolescentes do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital das Clínicas
da FMUSP
4 - Fonoaudióloga Especializada em Audiologia Clínica pelo Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia,
Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FMUSP
5 - Professora Doutora do Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da
FMUSP; Docente do programa de Pós-graduação em Fisiopatologia Experimental da FMUSP
6 - Professora Doutora do Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da
FMUSP; Docente do programa de Pós-graduação em Fisiopatologia Experimental da FMUSP
Endereço para Correspondência: Carla Gentile Matas
Endereço: Avenida Divino Salvador, 107 Apto 32
Planalto Paulista Cep: 04078-010 – São Paulo, SP.
Trabalho recebido em 18/05/05. Aprovado em 19/07/05
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (074-079)
Neurociências
75
communication and language. Methods: Two girls, monozygotic twins with language disorder, were submitted to
audiologic assessments that included acoustic immitance measures, vocal audiometry and brainstem auditory
evoked potential, before and after four months of speech-language intervention. Results: In the first audiologic
evaluation, one of the twins presented abnormal brainstem auditory pathway at the right, associated to conductive
hearing loss. The other twin had auditory brainstem evoked potential compatible with right conductive hearing loss.
In the second assessment, both children showed improvements on the brainstem auditory evoked potential.
Conclusions: It was observed modifications on the brainstem auditory evoked potentials of monozygotic twins
with language disorder after speech-language intervention, possibly caused by neuronal plasticity.
Keywords: Auditor y evoked potentials, Neuronal plasticity, Child language, Language therapy
Citation: Leite RA, Stivanin L, Oliveira CCC, Rondina C, Matas CG, Scheuer CI. Auditory pathway and language
functioning of monozygotic twins with characteristics of selective mutism. Rev Neurociencias 2005; 13(2): 074-079.
INTRODUÇÃO
O Mutismo Seletivo está inserido nos distúrbios psiquiátricos que afetam amplamente o desenvolvimento,
sendo geralmente diagnosticado pela primeira vez na
infância ou adolescência. Os critérios diagnósticos são:
fracasso persistente em falar em situações sociais específicas (nas quais existe a expectativa para falar, por ex.
na escola), apesar de falar em outras situações; a perturbação interfere na realização educacional ou na comunicação social; a duração da perturbação é de, no
mínimo, um mês (não limitada ao primeiro mês de
escolarização); o fracasso em falar não é devido a uma
falta de conhecimento ou desconforto com a linguagem
falada exigida pela situação social; a perturbação não é
explicada como um Transtorno da Comunicação, nem
decorrente exclusivamente durante o curso de um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, Esquizofrenia ou outro Transtorno Psicótico1.
Atualmente, o Mutismo Seletivo (MS) é considerado
uma patologia de etiologia multifatorial que pode vir associada a transtornos de ansiedade e déficit de linguagem2, em áreas como expressão verbal e compreensão.
Na literatura consultada, não foram encontrados estudos sobre desenvolvimento de linguagem em gêmeos
com mutismo seletivo. Sabe-se, porém, que crianças
gêmeas podem apresentar atraso no desenvolvimento
de linguagem. Este atraso é determinado pela maneira
peculiar de viver unido a um irmão (situação gemelar),
fato que não produz nenhuma pressão ou necessidade
de comunicação verbal. Essa relação particular pode
levar a uma persistência na imaturidade do desenvolvimento de linguagem e global, mais do que produzir padrões de fala com desvio3-5.
Estudos em indivíduos com alterações de linguagem
sugerem que a falha na codificação neural da informação
auditiva parece ter um papel importante no desenvolvimento das habilidades de linguagem, provavelmente em
função da alteração na percepção de pistas acústicas importantes contidas nos sinais de fala 6.
De acordo com a literatura consultada, dificuldades
na percepção dos sons da fala ocorrem por uma falha na
representação do sinal da fala nos centros auditivos cenREVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (074-079)
trais, decorrentes de deficiência na sincronia neural. Tais
dificuldades podem ser melhoradas e modificadas por
meio da aprendizagem perceptual associada ao treinamento auditivo7.
Esta possibilidade de modificação, adaptabilidade,
nova morfologia, nova funcionalidade ou ainda capacidade de transformação ocorrida após estimulação, devese à plasticidade neuronal, termo aplicável em situações
onde determinadas estruturas se modificam de forma
adaptativa às exigências de desempenho que pode ser
auditivo, cognitivo, motor, visual, entre outros8.
Estas modificações no substrato neural podem ocorrer devido à prática de uma habilidade ou exposição
freqüente a um estímulo9,10.
Uma das formas de avaliar a plasticidade neuronal é
por meio dos potenciais evocados auditivos8. O potencial evocado auditivo mais utilizado na prática clínica é
o Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico
(PEATE), que é um exame objetivo da audição utilizado
na avaliação da via auditiva desde o nervo auditivo até o
tronco encefálico, que complementa os procedimentos
audiológicos de rotina no diagnóstico de desordens auditivas11.
Sabendo-se da importância do funcionamento adequado da via auditiva para o desenvolvimento da linguagem, é fundamental avaliar crianças que apresentam
alterações de linguagem.
Dessa forma, o objetivo deste estudo foi verificar possíveis modificações nos achados audiológicos após intervenção fonoaudiológica em comunicação e
linguagem em gêmeas monozigóticas com alterações
de linguagem.
MATERIAL E MÉTODO
Participaram deste estudo de caso gêmeas
monozigóticas com idade de cinco anos. As crianças compareceram ao serviço de Audiologia do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo no primeiro semestre
de 2003, encaminhadas pelo otorrinolaringologista do próprio hospital por suspeita de otite.
Neurociências
Diante da dificuldade de interação apresentada pelas crianças, estas foram encaminhadas para avaliação
de linguagem no Laboratório de Investigação
Fonoaudiológica em Linguagem Infantil e Cognição e
para avaliação audiológica no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Potenciais Evocados Auditivos do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo.
Antes de iniciar a avaliação, o responsável pelas crianças assinou um termo de consentimento livre e esclarecido, no qual estavam descritos todos os
procedimentos a serem realizados. Este trabalho foi aprovado pela Comissão de Pesquisa do Departamento de
Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo,
sob Protocolo no. 037/2005.
Embora a intenção de procurar o serviço não tenha
sido da mãe, esta manifestou sua queixa em relação ao
desenvolvimento das crianças: fala ininteligível e ausência de comunicação em determinadas situações, e com
determinados interlocutores.
De acordo com os dados de anamnese, não ocorreram alterações pré, peri e pós-natais e não houve atraso
no desenvolvimento neuropsicomotor. A aquisição de
linguagem foi tardia. Atualmente, ambas as crianças
compreendem gestos mas não os utilizam, e comunicam suas necessidades por meio de linguagem oral,
caracterizada por falta de inteligibilidade de fala. Quanto à questão social, estas apresentam comportamento
retraído em ambientes públicos, não se relacionam com
pessoas que não são da família e dificilmente fazem amizades. As crianças freqüentam ensino infantil (pré-escola); apresentam dificuldades de adaptação e a história
clínica é de otites de repetição, problemas respiratórios, além de histórico familiar para alterações
comportamentais e psiquiátricas.
A linguagem foi avaliada informalmente com ambas as
crianças juntas, em observação de jogo espontâneo, para
verificar o comportamento, questões cognitivas, comunicação e linguagem. Os resultados da avaliação de linguagem mostraram que houve realização de atividade
simbólica, com ocorrência de ações complementares e
ação compartilhada. A comunicação entre as gêmeas foi
por meio de olhares, expressões faciais e gestos, sem fala
ou oralidade. Observou-se também que não se dirigiram
aos avaliadores e quando, por alguma necessidade, escolheram ou selecionaram apenas um deles para se comunicar. Ambas as meninas apresentavam muitas dificuldades
para contatar ou comunicar-se com os outros interlocutores,
mostrando forte resistência na interação com pessoas do
sexo masculino. Contudo, mostraram-se muito atentas às
ações e à comunicação entre si mesmas, excluindo estímulos ambientais.
A avaliação audiológica constou de visualização do
meato acústico externo realizada com o otoscópio da
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (074-079)
76
marca HEINE, medidas de imitância acústica obtidas
no imitanciômetro modelo GSI-33 marca GrasonStandler, audiometria tonal e vocal realizadas com o
Audiômetro GSI 68 - marca Grason-Stadler e PEATE utilizando o equipamento portátil Modelo Traveler-Express
da marca Biologic.
Para a realização do PEATE foi realizada inicialmente a limpeza da pele com pasta abrasiva, sendo
os eletrodos fixados à pele do indivíduo por meio de
pasta eletrolítica e fita adesiva (micropore), nas seguintes posições: vértex (Cz) e mastóides direita e
esquerda (A2 e A1). Os valores de impedância dos
eletrodos foram verificados, situando-se abaixo de 5
Kohms. O estímulo acústico utilizado foi o clique de
polaridade rarefeita apresentado monoauralmente
por um par de fones TDH-39 a 80 dB NA, em uma
velocidade de apresentação de 19,0 cliques por segundo, sendo empregado um total de 2000 estímulos. Foram utilizados filtros passa-baixo e passa-alto
de 100 e 3000 Hz respectivamente para registro das
respostas.
As crianças foram encaminhadas para avaliação e
conduta otorrinolaringológicas. Durante o atendimento audiológico, as crianças estiveram em companhia
dos terapeutas devido à dificuldade do estabelecimento de vínculo.
Após as avaliações iniciais de linguagem e
audiológica, as crianças foram submetidas à intervenção fonoaudiológica em comunicação e linguagem.
O objetivo da intervenção fonoaudiológica foi trabalhar habilidades cognitivas relacionadas à atenção e
memória, ao mesmo tempo estimulando melhor qualidade na interação e maior produção da linguagem oral,
por meio de atividades lúdicas. As crianças foram atendidas conjuntamente, em função das dificuldades para
realizarem atividades separadas, em sessões realizadas
por dois terapeutas.
Após um período de quatro meses de intervenção
fonoaudiológica, o funcionamento da via auditiva foi
reavaliado utilizando os mesmos procedimentos empregados na primeira avaliação audiológica.
RESULTADOS
Com relação às avaliações audiológicas antes e
após intervenção fonoaudiológica obteve-se os seguintes resultados:
Primeira avaliação audiológica (antes da intervenção fonoaudiológica)
Caso 1 (C1): obteve-se nas medidas de imitância
acústica curva timpanométrica tipo B à direita e tipo
C à esquerda. Não foi possível a realização da
Neurociências
77
audiometria tonal devido à dificuldade de estabelecimento de vínculo da criança com a avaliadora, fato
que dificultou também o condicionamento lúdico para
que pudessem responder ao exame. Realizou-se
Audiometria Vocal, com Limiar de Recepção de Fala
(LRF) obtido por meio de ordens simples, apresentando resultados compatíveis com perda auditiva de
grau moderado à direita (LRF= 45 dB) e leve à esquerda (LRF= 20 dB). Frente ao comprometimento
de orelha média não foi possível a realização das
emissões otoacústicas. No resultado do potencial evocado auditivo de tronco encefálico verificou-se presença das Ondas I, III, V a 80 dB NA para cliques
bilateralmente, com latências absolutas normais
(Onda I= 1,48 milissegundos - ms; Onda III= 3,52 ms;
Onda V= 5,60 ms) e interpicos I-III, III-V, I-V normais
(Interpico I-III= 2,04 ms; Interpico III-V= 2,08 ms;
Interpico I-V= 4,12 ms) à esquerda, e aumento nas
latências absolutas das Ondas I, III, V (Onda I= 2,12
ms; Onda III= 4,12 ms; Onda V= 7,48 ms) e nos
interpicos III-V e I-V (Interpico III-V= 3,36 ms e Interpico
I-V= 5,36 ms) à direita, sugerindo alteração na via auditiva em tronco encefálico alto à direita associado à
perda auditiva condutiva (Figura 1).
Caso 2 (C2): obteve-se nas medidas de imitância
acústica curva timpanométrica curva tipo B à esquerda,
não sendo avaliada a orelha direita devido à perfuração de
membrana timpânica. Não foi possível a realização da
audiometria tonal condicionada devido à dificuldade de
estabelecimento de vínculo da criança com a avaliadora.
Foi realizada Audiometria Vocal, com Limiar de Recepção
de Fala (LRF) obtido por meio de ordens simples, apresentando resultados compatíveis com perda auditiva de grau
leve bilateralmente (LRF= 35 dB orelha direita e 40 dB
orelha esquerda). Devido ao comprometimento de orelha
média não foi realizado o teste de emissões otoacústicas.
No potencial evocado auditivo de tronco encefálico observou-se presença das Ondas I, III, V a 80 dB NA para cliques
bilateralmente, com latências absolutas normais (Onda I=
1,64 ms; Onda III= 3,48 ms; Onda V= 5,56 ms) e interpicos
I-III, III-V, I-V normais (Interpico I-III= 1,84 ms; Interpico III-V=
2,08 ms; Interpico I-V= 3,92 ms) à esquerda, e com latências
absolutas levemente aumentadas (Onda I= 1,88 ms; Onda
III= 3,76 ms; Onda V= 5,84 ms) e interpicos normais
(Interpico I-III= 1,88 ms, Interpico III-V= 2,08 ms, Interpico IV= 3,96 ms) à direita, compatível com perda auditiva
condutiva e sem evidências de comprometimento da via
auditiva no tronco encefálico bilateralmente (Figura 2).
Antes
Antes
Após
Depois
Figura 1. Valores das latências absolutas das Ondas I, III, V e
interpicos I-III, III-V, I-V de C1, obtidos no PEATE antes e após
intervenção fonoaudiológica.
Figura 2. Valores das latências absolutas das Ondas I, III, V e
interpicos I-III, III-V, I-V de C2, obtidos no PEATE antes e após
intervenção fonoaudiológica.
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (074-079)
Neurociências
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Segunda avaliação audiológica (após intervenção fonoaudiológica)
bem como no potencial evocado auditivo de tronco
encefálico.
Caso 1 (C1): nas medidas de imitância acústica
observou-se curva timpanométrica tipo B com reflexos
acústicos ausentes ipsi e contralateralmente em ambas
as orelhas. Novamente a criança não colaborou para a
realização da audiometria tonal, sendo realizado apenas o LRF por meio de ordens simples, mantendo os
resultados obtidos anteriormente: perda auditiva de grau
moderado à direita (LRF= 45 dB) e leve à esquerda
(LRF= 20 dB). Verificou-se nos potenciais evocados
auditivos melhora nos resultados à direita, com diminuição significativa da latência absoluta da Onda V (Onda
V= 6,04 ms) e interpicos III-V e I-V (Interpico III-V= 1,92;
Interpico I-V= 3,76 ms), quando comparadas com os
resultados obtidos na primeira avaliação (Figura 1). Tais
dados foram compatíveis com perda auditiva condutiva
mais acentuada à direita, não sendo mais evidenciado
comprometimento da via auditiva no tronco encefálico.
Em relação à linguagem, foi difícil caracterizar o comportamento de cada criança separadamente, pois estas alternavam o comportamento durante as terapias e
porque selecionavam o interlocutor. Porém, houve melhora significativa na comunicação interpessoal, com
aumento da produção oral e melhora na inteligibilidade
de fala, no contexto terapêutico e social.
Caso 2 (C2): nas medidas de imitância acústica observou-se curva timpanométrica tipo B com reflexos acústicos ipsi e contralaterais ausentes bilateralmente. C2
também não colaborou para a realização da audiometria
tonal condicionada, realizando somente o LRF por meio de
ordens simples, mantendo os resultados obtidos anteriormente: perda auditiva de grau leve bilateralmente (LRF=
35 dB orelha direita e 40 dB orelha esquerda). Observou-se
nos potenciais evocados auditivos de tronco encefálico
resultados semelhantes aos obtidos na primeira avaliação,
porém com uma melhora significativa na morfologia das
ondas após intervenção fonoaudiológica (Figura 2).
Os resultados obtidos nos Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico dos casos 1 e 2, antes e
após intervenção fonoaudiológica, encontram-se descritos no Quadro 1.
DISCUSSÃO
Após o início da intervenção fonoaudiológica foram
observadas mudanças na comunicação, no comportamento e funcionamento cognitivo de ambas as gêmeas,
Entretanto, no potencial evocado auditivo de tronco
encefálico, um teste objetivo, pôde-se caracterizar a via
auditiva de cada criança separadamente. Observou-se
na primeira avaliação audiológica de uma das crianças,
alteração da via auditiva no tronco encefálico alto sendo
que na reavaliação, após intervenção fonoaudiológica,
houve uma melhora nos resultados, não sendo mais evidenciado comprometimento nesta porção da via auditiva, além de ter ocorrido uma melhora significativa do
traçado. Em relação à outra criança, não foram observadas alterações da via auditiva no tronco encefálico na
primeira avaliação, observando-se na reavaliação melhora significativa na morfologia das ondas após intervenção fonoaudiológica.
A estimulação freqüente das habilidades
cognitivas e de linguagem durante a intervenção
fonoaudiológica parece ter ocasionado modificações
no processamento neural da informação auditiva. De
acordo com a literatura, determinadas estruturas modificam-se de forma adaptativa após estimulação devido à plasticidade neuronal 8-10. Este fato pode ser
comprovado por exames de imagem, nos quais se
observam modificações na atividade cerebral após
breve período de estimulação 12. Segundo a literatura
especializada, tais modificações também podem ser
observadas por meio dos potenciais evocados auditivos8, incluindo, portanto, o potencial evocado auditivo de tronco encefálico.
Neste estudo, a melhora constatada na reavaliação
audiológica, após quatro meses de intervenção
fonoaudiológica, sugere que a intervenção enfocada na
comunicação, linguagem e cognição ocasionou uma
Quadro 1 - Resultados (em milissegundos) obtidos nos Potenciais Evocados Auditivos de Tronco
Encefálico dos casos 1 e 2, antes e após intervenção fonoaudiológica.
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (074-079)
Neurociências
adaptação ou modificação na organização estrutural,
bem como no funcionamento do Sistema Nervoso Central especificamente no tronco encefálico, levando a uma
melhora na sincronia neural nesta região.
Portanto, compreender o funcionamento do sistema auditivo central e de sua capacidade de
plasticidade neuronal é de extrema importância para o
conhecimento de como o cérebro integra e discrimina
os estímulos mais complexos vindos do meio, incluindo os sons da fala. Conhecer os mecanismos pelos quais
as estruturas centrais do sistema auditivo reagem a
uma nova entrada de estímulos pode auxiliar no desenvolvimento de métodos que garantam um melhor
aproveitamento para a comunicação do indivíduo.
A intervenção fonoaudiológica pode ter favorecido a
79
plasticidade neuronal, refletida por mudanças na comunicação e no potencial evocado auditivo de tronco
encefálico nas gêmeas com acentuadas dificuldades
comunicativas, comportamentais e cognitivas. No entanto, o que não foi objeto deste estudo e que deve ser
no futuro, é verificar se mudanças objetivas em testes
audiológicos que envolvem o Sistema Nervoso Central,
levam a novas mudanças e melhoras na comunicação e
linguagem do indivíduo.
CONCLUSÃO
Houve modificações nos potenciais evocados auditivos de tronco encefálico após intervenção
fonoaudiológica em gêmeas monozigóticas com alterações de linguagem.
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Neurociências
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Artigo Original
Fatores que influenciam o prognóstico
deambulatório nos diferentes níveis de lesão da
mielomeningocele
Factors they influence the prognostic ambulatory for the different
levels of injury of the myelomeningocele
Ramos FS1, Macedo LK1, Scarlato A2, Herrera G2
RESUMO
Objetivo: determinar quais fatores influenciam o prognóstico deambulatório nos diferentes níveis de lesão da
mielomeningocele, adicionando informações relevantes para a conduta fisioterapêutica. Metodologia: revisão
bibliográfica através de livros do acervo da biblioteca do Centro Universitário São Camilo e artigos científicos
pesquisados pelas bases de dados Medline e Lilacs, compreendendo o período de 1966 à 2004. Discussão:
níveis de lesão, alterações ortopédicas, idade, motivação familiar, déficit de equilíbrio, alterações cognitivas, tratamento fisioterapêutico, dentre outros fatores, são citados na literatura como positivos ou negativos no prognóstico
deambulatório dos pacientes com mielomeningocele; embora nenhum artigo tenha citados todos os fatores.
Conclusão: há consenso na literatura sobre a influência dos níveis de lesão e das alterações ortopédicas sobre a
deambulação. Embora havendo discordância na literatura, os demais fatores são de suma importância no estabelecimento do prognóstico deambulatório para os pacientes com mielomeningocele.
Unitermos: Mielomeningocele, Espinha Bífida, Fisioterapia, Marcha.
Citação: Ramos FS, Macedo LK, Scarlato A, Herrera G. Fatores que influenciam o prognóstico deambulatório nos
diferentes níveis de lesão da mielomeningocele. Rev Neurociencias 2005; 13(2):080-086.
SUMMARY
Objective: to determine which factors they influence the prognostic ambulatory for the different levels of injury of
the MMC, adding excellent information for the manaje physical therapy. Method: bibliographical revision through
books that are part of the quantity of the Padre Innocente Radrizzani library of the Centro Universitário São Camilo
and scientific articles searched by the databases Medline and Lilacs, understanding the period of 1966 to the 2004.
Discussion: levels of injury, ortophaedics alterations, age, familiar motivation, socialization, deficit of balance,
cognitivas alterations, physical therapy, energy expense, amongst other factors, are cited in literature as positive or
negative in the prognostic ambulatory of the patients with MMC; although no article has cited all the factors.
Conclusion: it has consensus in literature on the influence of the levels of injury and the orthopaedics alterations on
the ambulation. Although having discord in literature, the too much factors are of utmost importance in the
establishment of the prognostic ambulatory for the patients with MMC.
Keywords: Myelomeningocele, Spina Bifida, Physical Therapy, Gait.
Citation: Ramos FS, Macedo LK, Scarlato A, Herrera G. Factors they influence the prognostic ambulatory for the
different levels of injury of the myelomeningocele. Rev Neurociencias 2005; 13(2):080-086.
Trabalho realizado: Centro Universitário São Camilo – São Paulo, SP
1 - Fisioterapeutas
2 - Supervisores de estágio em neuropediatria do Centro Universitário São Camilo
Endereço para correspondência: Flávia Silva Ramos
Rua Carlos Tamagnini, 238 – Vila Vitória
Mauá – SP – Cep: 09360-160
Tel: 4555.2425
E-mail: [email protected]; [email protected]
Trabalho recebido em 13/05/05. Aprovado em 25/07/05
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (080-086)
Neurociências
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INTRODUÇÃO
Mielomeningocele é uma malformação congênita do Sistema Nervoso Central caracterizada por
falta de fusão dos arcos vertebrais posteriores. Através dessa falha ocorre a extrusão de tecido nervoso, formando um cisto na coluna vertebral. Esse
cisto é composto por medula espinal, raízes nervosas, meninges e preenchido por líquido
cefalorraquidiano, sendo recoberto ou não por
pele1,2.
O resultado deambulatório dos pacientes com
mielomeningocele na adolescência e vida adulta recebeu mais atenção conforme os pacientes foram
beneficiados pelo tratamento da hidrocefalia3 e pela
intervenção cirúrgica intra-útero4.
Segundo alguns autores5, a deambulação pode
ser afetada por diversos fatores nesses indivíduos.
O termo “deambulação” indica locomoção em posição ereta com ou sem dispositivos auxiliares. É
possível determinar o potencial para a marcha em
crianças portadoras de espinha bífida, desde que
se conheça os fatores que influenciam o prognóstico em relação à marcha6.
Esse trabalho teve como objetivo determinar quais
fatores influenciam o prognóstico deambulatório
para os diferentes níveis de lesão da
mielomeningocele, adicionando informações relevantes para a conduta fisioterapêutica.
METODOLOGIA
Revisão bibliográfica através dos principais livros
referentes ao tema e artigos científicos pesquisados
pelas bases de dados Medline e Lilacs, compreendendo o período de 1966 à 2004, através das palavras-chave: mielomeningocele, espinha bífida,
fisioterapia, marcha, deambulação. Foram incluídos artigos de revisão bibliográfica e pesquisas de
campo; e excluídos os relatos de caso.
RESULTADOS
Na revisão bibliográfica desse estudo foram encontrados 20 artigos sobre os fatores que podem
influenciar a deambulação na mielomeningocele,
sendo que alguns artigos citaram mais de um fator, conforme Gráfico 1.
DISCUSSÃO
Tendo em vista a citação dos níveis de lesão neurológica em 40% dos artigos encontrados, foi conREVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (080-086)
Gráfico 1. Representação dos fatores de influência sobre a
deambulação na Mielomeningocele encontrados na literatura
de acordo com sua incidência.
siderado um importante fator prognóstico da
deambulação na mielomeningocele.
Parece haver concordância na literatura sobre a
influência do nível de lesão neurológica em relação
ao prognóstico deambulatório na mielomeningocele. Porém, nos estudos encontrados não houve
consenso sobre a classificação dos níveis de lesão
utilizada. A classificação em quatro níveis de lesão
(nível torácico, nível lombar alto, nível lombar baixo
e nível sacral) criada por Hoffer et al.7 foi a mais
utilizada entre os estudos analisados8-10. Outra classificação empregada foi a de Sharrard (1964)11 em
três níveis de lesão (nível torácico, nível lombar e
nível sacral), esta no estudo de Bartonek et al.11.
Nos outros estudos5,12 não foi citada a classificação utilizada.
É relevante o estudo de Bartonek et al.9 onde
há a comparação entre seis sistemas de classificação do nível de lesão neurológica, sendo os de
Sharrard (nível torácico, nível L1, nível L2, nível L3,
nível L4, nível L5, nível S1 e nível S2), Hoffer et al.7
(nível torácico, nível lombar alto, nível lombar baixo e nível sacral), Lindseth 1976 (nível torácico,
nível L1, nível L2, nível L3, nível L4, nível L5 e nível
sacral), Broughton et al. 1993 (nível torácico, nível
L1, nível L2, nível L3, nível L4, nível L5, nível S1 e
nível S2), Ferrari et al. 1985 (nível torácico, nível
L1, nível L2, nível L3, nível L4, nível L5, nível S1,
nível S2 e nível S3) e McDonald et al. 1991 (nível
Neurociências
L1, nível L3 e nível sacral). Esse estudo sugere
que comparações de resultados de tratamentos
são difíceis e confusas devido aos diversos sistemas de classificação usados para descrever a
função motora e o nível neurológico da lesão nos
portadores de mielomeningocele.
O prognóstico deambulatório de acordo com os
níveis de lesão neurológica mais citado na literatura aparentemente é o de Hoffer et al.7, no qual dos
pacientes com lesão no nível torácico espera-se a
ausência de deambulação; dos pacientes com nível lombar a deambulação comunitária, a domiciliar ou a não-funcional de acordo com outros fatores
de influência (como retardo mental, deformidades
ortopédicas, idade, fraturas e espasticidade); e dos
pacientes com nível sacral espera-se a deambulação
comunitária.
Bartonel et al.11, apesar de utilizarem outra classificação (Sharrard), alcançaram resultados equivalentes à pesquisa de Hoffer et al.7. Entretanto,
Charney et al.5 verificaram que sujeitos com paralisia em nível alto (torácico e lombar alto) poderiam
alcançar a deambulação comunitária, porém nesse estudo não houve distinção entre os níveis de
lesão, não foi citada a classificação utilizada e somente foram relatados três fatores (retardo mental,
fisioterapia e conformidade dos pais) que poderiam afetar o prognóstico deambulatório.
Assim como os níveis de lesão, as alterações
ortopédicas foram encontradas em 40% dos artigos analisados. Isso sugere que as alterações ortopédicas têm peso similar ao nível de lesão no
prognóstico deambulatório na mielomeningocele.
Em 75% desses estudos as alterações ortopédicas foram citadas como um fator que influencia negativamente o prognóstico deambulatório. Essas
alterações ortopédicas incluem: deformidades da
coluna7,8,10, aumento da torsão tibial externa13, deformidade em flexão do joelho14 e deformidade em
flexão do quadril8.
Em 25% desses estudos as alterações ortopédicas foram citadas como um fator indiferente ao
prognóstico deambulatório. As alterações ortopédicas citadas foram: luxação do quadril11,15 e aumento da obliqüidade pélvica8.
É importante ressaltar que esses estudos envolveram sujeitos com níveis de lesão e idades
diferentes. Outro aspecto de relevância é a intervenção cirúrgica nas alterações ortopédicas como
um fator positivo no prognóstico deambulatório,
como foi citado em 1973 por Hoffer et al. 7 e em
1992 por Swank et al.12.
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (080-086)
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Em relação à ortetização e uso de aditamentos, esses fatores foram citados em 30% dos artigos analisados. Foi relatado que alguns fatores
interferem no resultado da ortetização e utilização de aditamentos e podem, conseqüentemente, afetar o prognóstico deambulatório na
mielomeningocele.
Gerritsma-Blecker et al.16, apesar de não terem
citado o nível de lesão estudado, encontraram que,
apesar das contra-indicações de alguns projetos
ortésicos, quando realizada a indicação adequada
da órtese essa tem efeito positivo na deambulação
nos casos de mielomeningocele. Thomas et al.17
também avaliaram a eficiência da ortetização
(órteses tornozelo-pé) sobre o padrão de marcha
nos portadores de mielomeningocele (níveis lombar baixo e sacral) e concluíram que a utilização
dessas órteses mantém e melhora os parâmetros
básicos da marcha, aumentando a mobilidade; entretanto esses autores reconheceram a amostra
pequena do estudo (n=30).
Katz et al. 18 em estudo sobre dois projetos
ortésicos para indivíduos com nível torácico e lombar alto de mielomeningocele, apesar da amostra
pouco significativa (n = 8), puderam concluir que é
importante a avaliação adequada dos pacientes em
relação aos gastos funcionais e energéticos e ao
custo financeiro de cada projeto. Cuddeford et al.19
também avaliaram o gasto energético na
deambulação com órteses, o estudo contou com
26 sujeitos (nível de lesão entre T12-L4) e concluíram que há muitos fatores a serem considerados
na prescrição ortésica, além do gasto energético e
que essa intervenção deve ser adequada individualmente aos portadores de mielomeningocele.
Vankoski et al.3 realizaram estudo com objetivo
de verificar o efeito das muletas canadenses no
padrão de marcha das crianças com
mielomeningocele. Foi conclusão dos autores que
os desvios na biomecânica da pelve e do quadril
são relacionados à fraqueza muscular dessa região
e melhoram com o uso de muletas canadenses; as
muletas permitem que o paciente distribua o peso
em seus membros superiores e reduza o trabalho
da fraca musculatura dos membros inferiores, permitindo que o paciente mantenha um padrão de
marcha funcional próximo ao normal.
Foi encontrado por Mazur et al.20 que nos níveis
torácico e lombar alto de paralisia a ortetização e o
treino de marcha são controversos na literatura,
enquanto no nível lombar baixo essa proposta terapêutica é eficiente na melhora do prognóstico
deambulatório.
Neurociências
Em relação à idade, esse fator foi citado em
30% dos estudos analisados, sendo considerado
de influência sobre a deambulação em 66% desses artigos5,7,8,21.
O estudo de Hoffer et al.7 citou a idade como um
fator importante no prognóstico deambulatório dos
pacientes com nível de lesão lombar. Todos os pacientes com esse nível que conseguiram a
deambulação funcional o fizeram antes dos 9 anos
de idade e já possuíam o status de deambuladores
não-funcionais aos 5 anos de idade. Sendo a idade indiferente no prognóstico deambulatório dos
sujeitos com outros níveis de lesão.
No estudo de Samuelsson et al.8 com 163 pacientes (idade média 14 anos e 10 meses e todos os
níveis de lesão), a idade teve poder discriminativo
sobre a deambulação nos pacientes entre 6 a 16
anos (os deambuladores comunitários tinham idade média de 15 anos e 10 meses, os deambuladores
domiciliares 17 anos e 4 meses e os cadeirantes 13
anos e 5 meses). Não houve relação entre a idade e
os outros níveis de lesão nesse estudo.
Outro estudo é o de Charney et al.5 (87 sujeitos
com 5 anos de idade), que analisou se crianças com
nível alto de paralisia conseguiriam a deambulação
e se isso fosse positivo, por quanto tempo a
deambulação poderia ser mantida. Cinqüenta e dois
por cento dos pacientes conseguiram a deambulação
comunitária aos 5 anos, 45% não conseguiram aos
5 anos nem depois (12% sendo deambuladores domiciliares e 7% cadeirantes). Os autores associaram
outros fatores (retardo mental e ausência de tratamento fisioterapêutico) na explicação desses resultados e ainda citaram que embora a maioria (60%)
dos deambuladores comunitários mantivesse a marcha na adolescência, começou-se a ver a tendência
previamente relatada de que somente uma minoria
dos indivíduos com nível alto de paralisia continuaria a deambular na vida adulta.
No estudo de Williams et al.21 (n=173) foi constatado que existe um atraso na realização da
deambulação para todos os níveis de lesão neurológica, entretanto os autores não explicaram o motivo desse atraso. Além disso, a idade de cessação
da deambulação em pacientes com paralisia alta
pode ser muito mais precoce (entre 6-9 anos) do
que o previamente relatado na literatura, tendo como
razões o período de rápido crescimento, ganho de
peso no início da puberdade e a perda neurológica.
Em longo prazo, a idade também parece ser um
fator de influência na perda da deambulação, como
percebido nos resultados do estudo supra citado
(ao final do estudo: 2 crianças com lesão torácica
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ainda deambulavam com a idade média de 8 anos
± 1 mês; 3 com lesão lombar alta com a idade
média de 12 anos ± 3 anos; 5 com lesão lombar
média com a idade média de 8 anos e 6 meses ± 3
anos e 4 meses; 28 com lesão lombar baixa com
idade média de 8 anos e 8 meses ± 4 anos; 65 com
lesão sacral com a idade média de 9 anos ± 5
anos). Nesse estudo fica clara a relevância da idade como fator significante para o prognóstico
deambulatório, principalmente quando esta é associada com o nível de lesão neurológica.
A idade foi considerada como um fator indiferente ao prognóstico deambulatório em 33% dos
artigos que citaram esse fator10,15.
No estudo de Norrlin et al.10 a idade não foi relacionada com a mobilidade, embora os autores esperassem por essa relação. No estudo de Gabrieli
et al.15 não houve diferença estatística em relação à
idade entre os dois grupos (grupo 1, pacientes que
não apresentavam luxação do quadril ou que apresentavam luxação simétrica; grupo 2, pacientes que
apresentavam luxação assimétrica do quadril). Em
ambos os estudos, a falta de relacionamento entre
a idade e o prognóstico deambulatório não foi explicado pelos autores.
Sobre a influência da síndrome da medula presa e da espasticidade na deambulação, esses fatores foram incluídos em 20% dos artigos
analisados.
No estudo de Swank et al.12 a presença de medula presa foi o fator primário para a perda significativa da função motora. Dos 206 sujeitos, 11
tiveram perda significativa do nível funcional entre a
avaliação inicial no nascimento e a última avaliação do estudo e todos esses pacientes eram portadores de medula presa.
Hoffer et al.7 citou a espasticidade como influência negativa na deambulação, juntamente com
outros fatores como deformidades da coluna e fraturas. Esses autores defenderam que a redução da
deambulação entre as idades de 9 a 17 anos é influenciada por esses fatores.
A espasticidade também foi um fator de influência em relação à deambulação no estudo de
Samuelsson et al.8. Em quase metade dos sujeitos
com nível de lesão abaixo de L1-L2, a espasticidade,
em associação com a siringohidromielia e
malformação de Chiari tipo II, influenciou negativamente a habilidade da marcha.
No estudo de Bartonek et al.11 a espasticidade
era presente em todos os níveis funcionais exceto o I
Neurociências
(nível de lesão S2) e foi considerada um fator significativo para não se alcançar a deambulação esperada. Embora sem significado estatístico, a
espasticidade em associação com contraturas em
flexão do quadril ou do joelho pareceu também influenciar o prognóstico deambulatório negativamente.
Em relação aos distúrbios de equilíbrio e sua influência no prognóstico deambulatório, houve citação em 15% dos artigos analisados.
No estudo de Swank et al.22, foi realizado prognóstico deambulatório de acordo com o nível da
lesão neurológica associado com o equilíbrio em
sedestação. Os autores encontraram que as variáveis nível motor e equilíbrio em sedestação predisseram corretamente 89% do status deambulatório
dos 26 sujeitos desse estudo. Os dados sugeriram
que somente três grupos de pacientes têm probabilidade de serem deambuladores: pacientes com
nível lombar ou sacral sem déficit de equilíbrio em
sedestação e os pacientes com nível sacral e com
déficit médio de equilíbrio em sedestação; de todas
as outras combinações, espera-se a ausência de
deambulação.
Em 1992, Swank et al.12 já haviam realizado um
estudo com resultado semelhante. Dos 206 sujeitos, 30 tinham leve déficit de equilíbrio, 29 tinham
moderado e 16 tinham déficit severo; 48 meses após
o estudo, nenhum dos pacientes com déficit moderado ou severo eram deambuladores comunitários e todos os pacientes com déficit severo eram
não-deambuladores.
Outro estudo é o de Bartonek et al.11 onde foram
estabelecidas diferenças significativas entre o grupo que alcançou a deambulação prevista e o grupo que não alcançou, com base do déficit de
equilíbrio durante a marcha, a sedestação e o
ortostatismo. O número de sujeitos com déficit de
equilíbrio nesse estudo foi significativamente maior
entre aqueles que tiveram duas ou mais revisões
da derivação ventricular.
A motivação familiar e a socialização foram
citadas como fatores de influência na deambulação em 15% dos artigos.
Embora sem detalhes, os fatores sociais foram
citados no estudo de Hoffer et al.7 como influentes
no prognóstico deambulatório.
No estudo de Norrlin et al.10 foi relatado que a
atitude de apoio dos pais, assim como a adaptação ambiental, pode ser insuficiente na motivação
da mobilidade em crianças mais velhas, embora isso
não tenha sido confirmado pelos autores. Isso é
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (080-086)
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contrário ao relatado no estudo de Charney et al.5,
onde os autores encontraram que dos 45 sujeitos
que conseguiram a deambulação, 68% tinham pais
colaborativos; com a conformidade dos pais nas
atividades de marcha, mesmo sendo um aspecto
de difícil avaliação sistemática, um fator significativo nesse estudo, que tinha como objetivo determinar quais fatores ou variáveis afetariam a
deambulação comunitária em pacientes com nível
alto de paralisia.
O gasto energético como fator de influência
no prognóstico deambulatório foi citado em 15%
dos artigos.
Como citado anteriormente, segundo Katz et al.18
é importante a avaliação adequada dos pacientes
em relação aos gastos funcionais e energéticos e
ao custo financeiro de cada projeto. Conforme também já citado, Cuddeford et al.19 tiveram como conclusão que há muitos fatores a serem considerados
na prescrição ortésica, incluindo o gasto energético
e que essa intervenção deve ser adequada individualmente aos portadores de mielomeningocele.
A influência das alterações cognitivas no prognóstico deambulatório foi citada em 10% dos artigos encontrados.
A alteração cognitiva (retardo mental) foi encontrada no estudo de Charney et al.5 como um fator de
influência negativa no prognóstico deambulatório dos
portadores de mielomeningocele, embora esse fator
isoladamente não impedisse a deambulação. Nesse
estudo com 87 pacientes, um esquema multivariado
identificou três fatores mais importantes que afetam a
deambulação, sendo eles o retardo mental, a ausência de acompanhamento fisioterapêutico e a falta de
colaboração familiar.
A presença de sintomas severos de disfunção
cerebral foi citada por Norrlin et al.10 como relevante
na quantificação do auxílio necessário para portadores de mielomeningocele, exceto no nível sacral,
tendo implicações no programa terapêutico desses
indivíduos.
As alterações como hidrocefalia, hidromielia,
siringomielia e malformação de Chiari II afetando o
prognóstico deambulatório foram encontradas em
somente 10% dos artigos analisados.
Em relação à siringomielia e malformação de
Chiari II, essas alterações foram citadas no estudo
de Samuelsson et al.8 como importantes fatores de
causa de disfunção dos membros superiores, podendo afetar a habilidade da marcha nos níveis L1L2, contribuindo à perda da função neurológica e
Neurociências
85
deteriorando a habilidade de deambular longas distâncias. A influência da siringomielia e malformação
de Chiari II nos outros níveis de lesão não foi encontrada nesse ou nos outros artigos selecionados
para essa pesquisa.
marcha são controversos na literatura, enquanto no
nível lombar baixo essa proposta terapêutica é eficiente na melhora do prognóstico deambulatório.
A hidrocefalia e a hidromielia foram relatadas
como fatores de influência negativa sobre o equilíbrio dos portadores de mielomeningocele no estudo de Swank et al.12; dos 206 sujeitos, 196 eram
portadores de hidrocefalia e 5 dos 33 pacientes que
desenvolveram medula presa, eram portadores de
hidromielia. Embora citados como fatores de influência, não é claro nesse estudo a relação entre a
hidrocefalia e a hidromielia com o prognóstico
deambulatório.
Há consenso na literatura sobre a influência dos
níveis de lesão e das alterações ortopédicas no que
se refere a deformidades da coluna, aumento da
torsão tibial externa, deformidade em flexão do joelho e deformidade em flexão do quadril, sobre o
prognóstico deambulatório na mielomeningocele.
Embora havendo discordâncias na literatura, a consideração dos demais fatores (idade, medula presa, espasticidade, distúrbios de equilíbrio, motivação
familiar, socialização, gasto energético, alterações
cognitivas, hidrocefalia, hidromielia, siringomielia,
malformação de Chiari II e tratamento
fisioterapêutico) é de suma importância no estabelecimento do prognóstico deambulatório para os
pacientes com mielomeningocele.
Em relação ao tratamento fisioterapêutico, este
foi encontrado como um fator de influência na
deambulação em 10% dos artigos selecionados.
Sobre a conduta fisioterapêutica direcionada ao
treino de marcha, Charney et al.5 a afirmaram como
um fator de influência positivo no prognóstico
deambulatório dos portadores de mielomeningocele.
Nesse estudo com 87 pacientes, um esquema
multivariado identificou três fatores mais importantes que afetam positiva ou negativamente a
deambulação, sendo eles o retardo mental, o tratamento fisioterapêutico e a colaboração familiar. Dos
87 sujeitos, 89% receberam tratamento
fisioterapêutico e eram deambuladores comunitários, sendo a fisioterapia relevante positivamente no
prognóstico deambulatório.
No estudo de Mazur et al.20, como mencionado
anteriormente, foi encontrado que nos níveis torácico
e lombar alto de paralisia a ortetização e o treino de
CONCLUSÕES
Podemos notar que os fatores facilmente visíveis, tais como as alterações ortopédicas e os níveis de lesão, receberam mais atenção; já os fatores
pouco visíveis, tais como a motivação familiar e a
socialização, foram abolidos em muitos estudos.
O tratamento fisioterapêutico nos pacientes portadores de mielomeningocele foi um assunto discreto nas pesquisas, porém de grande importância,
sendo notável a ausência de interação e publicação de estudos científicos desses profissionais. Isso
poderia ocasionar falhas na prescrição e aplicação
do tratamento fisioterapêutico, prejudicando o alcance e a manutenção da deambulação nos pacientes portadores de mielomeningocele.
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REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (080-086)
Neurociências
87
Artigo de Revisão
Ortopedia funcional dos maxilares, respiração
bucal e distúrbios respiratórios do sono em
crianças
Functional orthopedic, mouth breathing, and sleep respiratory
disorder in children.
Débora Aparecida Lentini-Oliveira1, Fernando Rodrigues Carvalho2, Marco Antônio Cardoso
Machado3, Lucila Bizari Fernandes Prado4, Gilmar Fernandes do Prado5
RESUMO
A relação entre morfologia facial, respiração bucal e distúrbios respiratórios do sono vem sendo discutida, mas
ainda não tem suporte científico. Os objetivos desse artigo são: fazer uma atualização do conhecimento sobre a
relação entre respiração bucal, distúrbios respiratórios do sono e determinadas más-oclusões; enfatizar a importância da interdisciplinaridade na busca de melhor prognóstico e estabilidade de tratamento, tanto na correção
dos distúrbios respiratórios do sono como na correção das más-oclusões.
Unitermos: Maloclusão, Respiração bucal, Ronco, Apnéia do sono tipo obstrutiva .
Citação: Lentini-Oliveira DA, Carvalho FR, Machado MAC, Prado LBF, Prado GF. Ortopedia funcional dos maxilares,
respiração bucal e distúrbios respiratórios do sono em crianças. Rev Neurociencias 2005; 13(2): 087-092.
SUMMARY
The relationship between facial morphology oral breathing and sleep breathing disorder has been discussed,
but the relation does not have been supported scientifically yet. The article’s objectives are: actualize the knowledge
about the relationship between oral breathing, sleep breathing disorder and several malocclusions; to emphasize
the importance of the treatment among the several disciplines looking for the best prognostic and treatment
stability, so much in the correction of the disturbances of the sleep as in the relationship of the malocclusion
Keywords: Malocclusion, Mouth breathing, Snoring, Obstructive sleep apnea.
Citation: Lentini-Oliveira DA, Carvalho FR, Machado MAC, Prado LBF, Prado GF. Functional orthopedic, mouth breathing, and sleep respiratory disorder in children. Rev Neurociencias 2005; 13(2): 087-092.
Trabalho realizado: Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, São Paulo, SP.
1 - Especilista em odontopediatria, Faculdade Odontologia de Bauru - USP, Pós-graduando em Medicina Interna e Terapêutica,
Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, São Paulo, SP.
2 - Especialista em Ortopedia Funcional dos Maxilares, Professor da Sociedade Paulista de Ortodontia e Ortopedia Funcional dos
Maxilares, Pós-graduando em Medicina Interna e Terapêutica, Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, São Paulo, SP.
3 - Pós-graduando em Medicina Interna e Terapêutica, Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, São Paulo, SP.
4 - Diretora do Laboratório Neuro-Sono da Disciplina de Neurologia, Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, São Paulo, SP.
5 - Professor Adjunto da Disciplina de Medicina de Urgência, Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, São Paulo, SP.
Endereço para correspondência: Débora Aparecida Lentini-Oliveira
Rua Marechal Dutra, 691
Jardim Mariana, Sorocaba – SP
CEP: 18040-792
E-mail: [email protected]
Trabalho recebido em 28/03/05. Aprovado em 14/07/05
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (087-092)
Neurociências
INTRODUÇÃO
Os distúrbios respiratórios do sono, em crianças,
têm sido reconhecidos como um processo patológico importante e contínuo, que pode incluir: ronco,
obstrução das vias aéreas superiores e eventos
apnêicos. A prevalência tem sido estimada em 12,1%1
e o pico de incidência ocorre entre 3-6 anos de idade2.
Embora a demora no diagnóstico e tratamento possam provocar comprometimento físico e comportamental como: déficit de atenção, hiperatividade déficit
cognitivo1-5, baixa estatura2,6 hipertensão pulmonar e
cor pulmonale2, recentes evidências indicam que os
sintomas são variados e difíceis de detectar. Há falta
de consenso nas definições, nos critérios diagnósticos e muitas questões sem respostas7.
Por outro lado, a relação entre respiração bucal e
morfologia facial também tem sido discutida na literatura.
Embora estudos considerem a influência da respiração bucal nas alterações da morfologia facial,
como acentuação do padrão vertical no crescimento
facial, mordidas abertas e mordidas cruzadas8-11, dados de um estudo longitudinal indicam que os efeitos
do modo respiratório na morfologia facial são
insuportados12. Esta relação de causa e efeito não é
totalmente conhecida.
Avaliações ortodônticas em crianças com apnéia
obstrutiva do sono encontram características semelhantes: mordidas cruzadas unilaterais, mordidas abertas e incompetência labial13.
O tratamento de escolha da apnéia obstrutiva do
sono, em crianças, têm sido a adenotonsilectomia14.
Embora estudos reportem significante melhora
após estas cirurgias15,16, outros estudos têm demonstrado desordens respiratórias residuais em
polissonografia nessas crianças17,18.
Essas crianças que não melhoram após cirurgia apresentam estreitamento do espaço aéreo
epifaríngeo, desenvolvimento maxilar deficiente e
retrusão mandibular15. Diversos tratamentos ortopédicos funcionais dos maxilares ou ortodônticos têm
sido propostos para correção das diferentes másoclusões. Embora a avaliação da respiração bucal
seja rotineira na clínica ortopédica e ortodôntica,
pouca atenção tem sido dispensada por esses profissionais aos distúrbios respiratórios do sono. Os
objetivos desse estudo são:
1 - Atualização sobre a relação entre respiração
bucal, distúrbios respiratórios do sono, e determinadas más-oclusões;
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (087-092)
88
2 - Enfatizar a importância da interdisciplinaridade
na busca de melhor prognóstico e estabilidade de
tratamento, tanto na correção dos distúrbios respiratórios do sono como na correção das másoclusões.
SÍNDROME DA APNÉIA OBSTRUTIVA DO
SONO (SAOS) EM CRIANÇAS
É um distúrbio respiratório que acontece durante o sono caracterizado por obstrução parcial ou
total da ventilação associada com dessaturação de
oxigênio, hipercapnia e sintomas que incluem ronco habitual, dificuldade respiratória e problemas
comportamentais diurnos, tais como déficit de atenção, hiperatividade e déficit cognitivo. As complicações podem incluir: déficit pôndero-estatural,
desordens neurológicas e cor pulmonale19.
Alguns fatores têm sido considerados como
possíveis fatores etiológicos: hipertrofia de amígdalas e de adenóides, predisposição familiar à
hipoxemia, hipercapnia ou a obesidade e ainda a
determinadas características faciais e crâniomandibulares.
Estudo experimental8 em macacos mostrou a
relação entre obstrução nasal forçada e modificação no padrão de crescimento facial, com retorno
à condição anterior após a desobstrução.
Embora a respiração bucal esteja freqüentemente
associada com deformidades dentofaciais, há registros de respiração bucal tanto em más-oclusões
como em oclusões normais. Doenças inflamatórias
das vias aéreas como asma e rinites alérgicas, que
levam à respiração bucal, têm uma forte, mas pouco entendida relação tanto com anormalidades
faciais como com distúrbios respiratórios do sono20.
Para o diagnóstico da SAOS, a polissonografia
(PSG) é reconhecida como exame padrão ouro. Em
crianças, o registro de um único evento de apnéia
por hora já caracteriza a síndrome da apnéia
obstrutiva do sono21.
Nem sempre a avaliação clínica sugestiva de
apnéia apresenta resultado polissonográfico positivo para apnéia, mas pode apontar características de anormalidade, tais como esforço
respiratório anormal, medido diretamente pela
pressão esofágica ou acompanhado por microdespertares ou despertares indicado pelo
eletroencefalograma. Assim os distúrbios respiratórios do sono incluem a Síndrome da apnéia
obstrutiva e a Síndrome do Aumento de Resistência das Vias Aéreas Superiores22 .
Neurociências
As opções de tratamento incluem: descongestionantes nasais, esteróides intranasais, perda
de peso em crianças obesas, pressão aérea positiva contínua (CPAP), pressão aérea positiva em dois
níveis (BIPAP) e, principalmente, adenotonsilectomia
em crianças com hipertrofia adenotonsilar7.
Embora os critérios diagnósticos não sejam bem
definidos, os principais fatores etiológicos considerados são hipertrofia de amígdalas e adenóides.
Portanto, o tratamento de escolha para apnéia
obstrutiva do sono em crianças tem sido a
adenotonsilectomia23.
A adenotonsilectomia produz resultados tanto na
apnéia obstrutiva do sono14-16 , como no padrão de
crescimento facial, com melhora na largura dos arcos dentais e na inclinação dos dentes incisivos10.
Em função do tempo de persistência da respiração bucal e da magnitude da alteração de maxila,
mandíbula e das inclinações dentárias, junto com
características hereditárias, há possibilidade de persistência de alterações oclusais que pode contribuir para persistência dos sintomas da apnéia.
Uma revisão sistemática da literatura realizada
junto ao Instituto Cochrane 23 sobre o efeito da
adenotonsilectomia em apnéia obstrutiva do sono
em crianças foi inconclusiva em função de problemas metodológicos nos estudos, que incluía falta
de randomização e controles e variações nas definições de variáveis chaves.
MÁS-OCLUSÕES E ORTOPEDIA FUNCIONAL DOS MAXILARES
1. Más-oclusões
O crescimento dos ossos da face ocorre em
diferentes direções, velocidades e quantidades a
partir de sinais precisos e coordenados enviados
aos seus tecidos conjuntivos. Esses sinais podem ser hormônios, potenciais bioelétricos e forças mecânicas, que agem como ativadores
extracelulares a que receptores específicos das
superfícies celulares são sensíveis. Essa recepção desencadeia uma cascata de mensageiros
secundários num determinado tipo de célula, ativando a síntese de enzimas relacionadas com
deposição ou reabsorção óssea.
Os eventos de crescimento e desenvolvimento
maxilo-mandibular não são totalmente conhecidos,
mas há uma tentativa de busca de equilíbrio estrutural e funcional, entre tecidos moles e tecidos duREVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (087-092)
89
ros. Múltiplos fatores são envolvidos no controle do
crescimento maxilo-mandibular, e a faixa de
desequilíbrio é estreita24.
Todas as más-oclusões freqüentemente são resultado da combinação de diferentes fatores dentro de um potencial de crescimento inerente a cada
indivíduo e, portanto, são multifatoriais.
As más-oclusões que têm sido associadas
com respiração bucal em crianças são descritas
a seguir:
1.1. Mordida cruzada
A mordida cruzada lateral funcional caracteriza-se por atresia maxilar, instabilidade oclusal e,
portanto, desvio de posição mandibular para um
dos lados para possibilitar a função mastigatória,
estabelecendo-se o cruzamento da mordida25.
Há uma relação entre a largura do arco superior,
respiração bucal e posição de língua baixa associada com adenóide10.
Moss, na sua teoria da matriz funcional, enfatiza
o papel da respiração nasal no desenvolvimento
maxilar e abaixamento da abóbada palatina 26 .
Quando ocorrem obstruções à respiração nasal, a
maxila fica atrésica.
Também pode ocorrer mordida cruzada anterior funcional ou estrutural em função de discrepâncias sagitais, seja por deficiência de
desenvolvimento maxilar ou excesso de desenvolvimento mandibular, as chamadas mésiooclusões ou classe III de Angle.
1.2. Mordida aberta anterior
É definida como negativa sobremordida vertical entre dentes antagonistas anteriores ou uma
falta de contatos, em direção vertical, entre segmentos opostos de dentes27. A etiologia da mordida aberta anterior é discutida e os fatores
associados são os fatores predisponentes associados a outros, como hábitos não nutritivos, função anormal da língua, hipertrofia de amígdalas
e adenóides que levariam a uma respiração
bucal28.A mordida aberta esquelética caracterizase por incompetência labial e características
cefalométricas comuns às encontradas em indivíduos com apnéia obstrutiva do sono29 e respiradores bucais 30: face longa e aumento da altura
facial anterior inferior (distância queixo-nariz). Um
estudo comparou forças oclusais entre crianças
e adultos normais e com face longa e os resulta-
Neurociências
dos sugerem que indivíduos com esse padrão,
falham em ganhar força nos músculos elevadores da mandíbula 31 . Também nesse estudo, os
indivíduos com face longa eram mais retrognatas.
1.3. Retrognatismo
O retrognatismo, comumente encontrado nos indivíduos classe II de Angle, caracteriza-se por um
relacionamento distal da mandíbula em relação à
maxila. A língua fica posteriorizada, tornando-se um
importante fator de obstrução à passagem de ar
durante o sono nessa região retro-lingual.
Em adultos, essa relação com apnéia obstrutiva
do sono já é conhecida e dependendo da severidade da apnéia, aparelhos reposicionadores intra-orais
são indicados.
Essas más-oclusões parecem ter uma provável
relação com distúrbios respiratórios do sono.
2. Ortopedia Funcional dos Maxilares
A Ortopedia Funcional dos Maxilares é uma
especialidade da Odontologia que tem por objetivo monitorar o desenvolvimento da oclusão, eliminando os impedimentos à harmonia de
desenvolvimento e corrigindo os desvios da função oclusal, através de recursos próprios que
podem ser aparelhos em dentes decíduos ou permanentes, ajustes oclusais por desgastes ou
ajustes oclusais por acréscimo de resinas em
dentes decíduos.
Também visa o equilíbrio estético e normalização das funções: mastigação, deglutição, respiração e fonação.
A Ortopedia Funcional dos Maxilares atua
redimensionando o crescimento e desenvolvimento
maxilo-mandibular e face, através de estímulos aplicados com direção e velocidade adequados32.
De uma maneira simplificada, os princípios de
ação das técnicas ortopédicas funcionais incluem
mudanças de tônus muscular na face, através de
uma mudança na relação dinâmica da mandíbula
em relação à maxila e mudança na postura de língua. Essas mudanças de posição e movimento são
captadas pelos proprioceptores (fusos neuro-musculares, órgãos tendinosos, receptores articulares).
Essa percepção é conduzida até o sistema nervoso
central e a resposta inclui novas mudanças de tônus
muscular, portanto, ativação e desativação dos
mecanismos de deposição e reabsorção óssea ou
remodelação.
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (087-092)
90
O objetivo final é que a maxila e mandíbula estejam com seus perímetros compatíveis e com condições de contatos oclusais simultâneos e
simétricos e dimensões verticais iguais em ambos
os lados da boca. Os movimentos mandibulares,
durante as funções devem ser livres, sem mudança
de direção. Essas características permitem que uma
mastigação bilateral e alternada ocorra dentro de
condições de equilíbrio neuromuscular e, portanto,
a harmonia de desenvolvimento pode se manter33.
Rinopatias ou hipertrofias de adenóides e
amígdalas podem prejudicar ou impedir o sucesso dos tratamentos.
3. Diagnóstico em Ortopedia Funcional dos
Maxilares
O diagnóstico em Ortopedia Funcional dos Maxilares inclui anamnese, análise facial, análise estática das relações maxilo-mandibulares, análise
estática da oclusão e análise da dinâmica mandibular ou análise funcional da oclusão. A base do
diagnóstico é o exame clínico da criança
complementado por exames radiográficos, estudos
cefalométricos, análise de modelos que relacionam
o plano oclusal com planos faciais: plano de
Camper, plano sagital mediano e plano frontal. Alguns aspectos do diagnóstico clínico, especificamente da análise facial e análise estática da oclusão
podem auxiliar o neurologista, especialista em sono,
na observação de alterações que podem estar relacionadas.
3.1. Análise facial
Com ela, avalia-se a simetria facial: as proporções faciais nos terços superior, médio e inferior da
face em vista frontal e de perfil , com o paciente em
posição natural de cabeça. Deve existir uma relação de proporcionalidade entre os terços facial superior (linha do cabelo à sombrancelha), médio
(sombrancelha ao ponto subnasal) e inferior (ponto subnasal ao tecido mole do mente).
Avalia-se também a simetria entre os lados direito e esquerdo do indivíduo (norma frontal) tanto
em largura como em altura.
Deve-se também observar se há selamento labial, tonicidade de lábios e mento. Um bom selamento
labial sugere ausências de discrepâncias
esqueléticas verticais e sagitais, comprimento labiais adequados e altura facial inferior proporcional
aos tamanhos de maxila e mandíbula, função respiratória normal e tonicidade labial normal.
Neurociências
Indivíduos com retrognatismo podem apresentar ausência de selamento labial, interposição labial inferior entre os dentes, selamento labial forçado
com hipertrofia de contração do músculo
mentoneano. Em norma lateral, apresentam perfil
convexo e comprimento de linha queixo-pescoço
pequena. Ao contrário, as mésio-oclusões podem
apresentar linha queixo-pescoço longa e ângulo
queixo-pescoço agudo. Esse ângulo agudo é
indicativo de padrão de crescimento facial mais vertical, característico também da mordida aberta estrutural, respiradores bucais e dos adultos apneicos.
As deficiências de crescimento maxilar podem
ser observadas em norma lateral , por face côncava ou deficiência na região zigomática.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A hipótese de que a alteração do modo respiratório pode alterar tanto crescimento da maxila, que permanece atrésica, como da mandíbula que sofre
rotação de crescimento e postura da língua, modificando o padrão de crescimento facial e tonicidade
muscular da face, deve ser ainda bastante pesquisa-
91
da. Assim como, essas relações com os distúrbios
respiratórios do sono.
É fundamental que os profissionais médicos que
lidam com os distúrbios respiratórios do sono em crianças estejam atentos também às características
faciais e maxilo-mandibulares que possam estar contribuindo com os processos de obstrução ou que possam impedir a recuperação total do indivíduo.
Ao mesmo tempo, os ortopedistas e ortodontistas,
que tratam as más-oclusões, também precisam incluir no seu diagnóstico, a observação cuidadosa de
sinais e sintomas que possam sugerir distúrbios respiratórios do sono, para encaminhar devidamente
esses pacientes, melhorando não só o seu prognóstico, mas principalmente evitando os danos que esses distúrbios podem provocar.
Em função da complexidade, falta de consenso
entre critérios diagnósticos e da importância clínica
dos distúrbios respiratórios do sono em crianças,
todos os fatores associados devem ser diagnosticados e tratados por equipe multidisciplinar, dentro
de ensaios clínicos controlados e randomizados e
avaliados para a possível melhora do prognóstico
a longo prazo.
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Curitiba – PR
www.cbsono2005.com.br
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (087-092)
Neurociências
93
Artigo de Revisão
A cognição espacial e seus distúrbios: o papel
do Córtex Parietal Posterior
The spatial cognition and its disturbances: the role of the Posterior
Parietal Cortex
Tobias Alécio Mattei1, Josias Alécio Mattei2
RESUMO
A cognição espacial corresponde à capacidade de um indivíduo de perceber as relações espaciais entre os
objetos bem como de lidar com as noções de profundidade, solidez e distância. Essa capacidade cognitiva está
intimamente correlacionada com a percepção espacial, a qual pode ser entendida como o resultado final da
organização e integração de diversos estímulos sensoriais de maneira a fornecer à consciência um panorama
geral acerca das formas do meio externo entre si e suas relações espaciais. Realizamos, nesse artigo, um resumo
das diversas vias sensoriais (visual, tátil, proprioceptiva, auditiva e vestibular) capazes de fornecer elementos para
o desenvolvimento da cognição espacial. Ao longo dessa exposição procuraremos elucidar os mecanismos psicológicos inerentes a esse processo bem como suas respectivas bases neurofisiológicas. Será também abordada a
importância da Área de Associação Heteromodal do Córtex Parietal Posterior para a cognição espacial. Por último
será realizada uma breve discussão acerca das diferentes síndromes que envolvem alguma forma de déficit da
cognição espacial.
Unitermos: Percepção espacial, Percepção de forma, Cognição, Modalidades sensoriais.
Citação: Mattei TA, Mattei JA. A cognição espacial e seus distúrbios: o papel do Córtex Parietal Posterior. Rev
Neurociencias 2005; 13(2): 093-099.
SUMMARY
The spatial cognition corresponds to the individual’s capacity to perceive the spatial relationship among objects
and dealing with the notions of deepness, solidity and distance. This cognitive activity is bounded to spatial perception
that can be understood as the final product of the integrative process that organizes sensorial stimuli, in order to
present to consciousness a general overview about forms and spatial relationships of external objects. In this paper
we discuss the different sensorial routes (visual, tactil, proprioceptive, auditive, vestibular), which are capable to
provide elements for generation of spatial cognition. Through this exposition we try to elucidate psychological
mechanisms involved in this process as well as its respective neurophysiological bases. We will also discuss the
importance of the Multimodal Association Area of the Posterior Parietal Cortex to spatial cognition. In the last part of
the article we present a brief description of disturbs which involve some kind of deficit of spatial cognition.
Keywords: Space perception, Form perception, Cognition, Sensorial modalities.
Citation: Mattei TA, Mattei JA. The spatial cognition and its disturbances: the role of the Posterior Parietal Cortex. Rev
Neurociencias 2005; 13(2): 093-099.
Trabalho realizado: Universidade de São Paulo e Universidade Federal do Paraná.
1 - Membro do Departamento de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina da USP. Chefe do Grupo de Pesquisa em Epistemologia
e Psicologia Cognitiva do Instituto de Filosofia da USP. Pesquisador do Laboratório de Neurociências e Neurocirurgia Experimental da Faculdade de Medicina da USP.
2 - Especialista em Neuropsicologia e Ciências do Comportamento. Chefe do Grupo Integrado de Pesquisa em Neurologia Clínica
e Neurosciências da Universidade Federal do Paraná.
Endereço para correspondência: Dr. Tobias Alécio Mattei
Rua Capote Valente 725, ap. 302
Bairro Pinheiros / CEP 05409-002
Telefone: 3891-0402
E-mail: [email protected] ou [email protected]
Trabalho recebido em 13/05/05. Aprovado em 11/07/05
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (093-099)
Neurociências
INTRODUÇÃO
A Cognição Espacial corresponde à capacidade de
um indivíduo de perceber relações espaciais entre os
objetos, bem como de lidar com as noções de profundidade, solidez, distância1. A cognição espacial é um tipo
de habilidade intelectual oriunda da percepção espacial. Esta pode ser entendida como o produto final organização e integração dos estímulos sensoriais de maneira
a fornecer um panorama relativamente fiel e abrangente
da espacialidade, e, por assim dizer, da geometria do
meio externo.
Vias Sensoriais
O grande matemático e filósofo do século XIX Henry
Poincarè2 costumava dizer que existem sensações as
quais são acompanhadas de um “sentimento de direção”. Tais são, por exemplo, as sensações
proprioceptivas ou visuais. Outras, ao contrário, como
por exemplo, as sensação gustativas e olfativas, não
seriam acompanhadas desse “sentimento”.
Dentre as diversas vias sensoriais capazes de fornecer elementos para a cognição espacial podemos citar:
o sistema visual, o sistema tátil, o sistema proprioceptivo,
o sistema auditivo e o sistema vestibular. A seguir explicaremos como as informações sensoriais transmitidas
por cada uma das vias acima expostas pode contribuir
para a geração da cognição espacial.
Categorias sensoriais
1. Visão
A base da percepção espacial fornecida pela visão está contida na forma (dimensões) dos objetos e
nas relações destes (por exemplo: superior, inferior,
perto, longe) entre si e com o indivíduo. Os raios de
luz que incidem sobre o objeto irão se projetar em
diferentes pontos da retina, estimulando os receptores específicos. As imagens formadas representarão,
pois, as correlações geométricas entre os objetos que
a originaram. Isso irá permitirá ao indivíduo situar os
diferentes objetos no espaço, bem como seu próprio
corpo em relação a estes3, 4.
Uma vez que a imagem projetada na retina é
bidimensional, um número infinito de diferentes combinações espaciais tridimensionais produzirá o mesmo
padrão de estimulação da retina. Surge então a questão
sobre como seria possível distinguir entre essas diferentes imagens. Como uma tela plana, bidimensional, a retina seria capaz de representar somente duas das três
dimensões espaciais, perdendo nesse processo, informações essenciais à perfeita reprodução espacial do
meio externo.
Entretanto, deve-se lembrar que existem dois aparelhos perceptivos interconectados (no caso, os dois olhos)
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sobre os quais a mesma imagem é representada de
maneiras levemente diferentes. O cérebro, então, pode,
através da comparação dessas imagens, extrair informações importantes acerca das relações de profundidade entre os objetos, função esta denominada de
estereopsia5.
Dessa maneira a visão binocular permite uma percepção tridimensional, a qual não seria possível com
uma visão monocular. Prova disso é a extrema dificuldade por parte de indivíduos que perderam a visão de um
dos olhos em perceber as noções de profundidade e
distância. Diversos testes, entre eles estereogramas de
pontos randomizados, podem ser usados para a
detecção desse defeito6.
2. Propriocepção e Informações Vestibulares
A propriocepção e as informações vestibulares contribuem para a formação da cognição espacial de forma indireta. Elas fornecem informações sobre a
posição espacial das várias partes do corpo. Podese, com isso, determinar a angulação entre essas partes, sendo possível abstrair, dessas informações,
relações geométricas.
À capacidade de saber, sem o auxílio da visão, localização exata das partes de seu corpo no espaço denomina-se artrestesia. Essa habilidade se baseia nas
informações provenientes dos órgãos tendinosos de
Golgi contidos nas articulações. Para testá-lo pode-se,
por exemplo, solicitar ao indivíduo que desenhe em uma
folha de papel a figura formada pelo seu tronco e membros. Essa pessoa desenhará algo semelhante a uma
estrela, se seus dois braços estiverem na horizontal, sua
cabeça estendida e suas pernas levemente abduzidas.
E assim, diversas outras figuras seriam formadas, caso
seus braços estivessem estendidos ou fletidos, elevados ou abaixados.
Essa função de correlacionar as informações
proprioceptivas e vestibulares de modo a gerar um
referencial posicional centrado no corpo do indivíduo é
realizada por alguns neurônios específicos do córtex
parietal posterior (mais especificamente, neurônios da
área LIP – lateral intraparietal area)7.
3. Tato
No caso do tato, as informações sensoriais são integradas no córtex parietal direito de modo a permitir
à pessoa que reconheça um objeto pela sua “forma” A
essa capacidade denomina-se estereognosia8, 9. Podese testar essa habilidade da seguinte maneira: coloca-se uma chave na mão de um indivíduo de olhos
fechados e solicita-se que este identifique o objeto.
Pacientes com lesões parietais direitas são incapazes de reconhecer o objeto através do tato, apesar de
Neurociências
conseguir fazê-lo através de outras vias sensoriais
como a visão, por exemplo10, 11.
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informações auditivas, visuais, táteis e proprioceptivas
em um todo holístico, de maneira a fornecer um senso
combinado e único de dimensão espacial23, 24.
4. Audição
A percepção da direção espacial através da audição envolve mecanismos peculiares, apesar de apresentar alguma semelhança com a visão. Em analogia à
disparidade binocular, também os dois ouvidos recebem de maneira diferente as ondas de pressão oriundas
das fontes emissoras de som12. Essas ondas atingem o
ouvido que estiver mais próximo alguns mili-segundos
antes de atingir o outro ouvido. Esta disparidade, em
conjunto com outras diferenças biauriculares (como o
fato de que o ouvido mais distante recebe o estímulo em
intensidade ligeiramente mais baixa devido à uma espécie de “sombra acústica” resultante do barragem das
ondas sonoras pela cabeça) permitem ao observador
localizar a direção e a origem do som13.
Córtex de Associação Parietal Posterior
O Córtex Parietal Posterior – especialmente do hemisfério direito - (áreas de Brodmann 7, 39 e 40) é responsável por interações multimodais relacionadas à
percepção espacial14. Essa área também é responsável
pelo direcionamento espacial da atenção, bem como
pela integração do sistema motor (práxis) com as percepções espaciais, de modo a organizar os planos motores do indivíduo15-17.
Imagens de Ressonância Magnética Funcional mostraram que a parte do córtex parietal posterior crítica
para a atenção espacial está na região intraparietal18.
Quando essa área é lesada, os canais de informações
modalidade-específica relacionados ao espaço
extrapessoal podem permanecer intactos, mas não podem ser combinados para gerar uma representação
interativa e coerente necessária ao desenvolvimento
adaptativo da cognição espacial19.
O córtex parietal posterior não deve ser entendido
como um centro que contém um mapa, mas como uma
comporta crítica que abre acesso a representações espaciais provenientes de várias áreas cerebrais e relacionadas à atenção e exploração do espaço extrapessoal.
Há alguns grupos neuronais específicos nessa região
(especialmente da área 7a e LIP) cuja função parece ser
a de representar o espaço extracorporal do mundo exterior de uma maneira útil, visando os planos e as tarefas
motores subseqüentes20, 21. Esses neurônios são capazes de combinar as informações provenientes da retina
com informações sobre a posição dos olhos e enquadra-las em um todo perceptivo cujo centro é ocupado
pela cabeça do indivíduo22. Dessa maneira, todas as
informações visuais seriam percebidas em função desse ponto referencial. As conclusões dos estudos sugerem que uma das funções da área LIP é a integração das
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Distúrbios da Cognição Espacial
Apresentaremos a seguir alguns distúrbios relacionados a déficits na cognição espacial ou no uso dessa
como auxílio à alguma outra função superior (linguagem,
orientação espacial, orientação atencional, etc.)25, 26. A
precisa correlação entre cada uma dessas síndromes e
a lesão anatômica subjacente não é possível, tendo em
vista a variabilidade anatômica das estruturas neurais
entre os diferentes indivíduos, bem como a impossibilidade de determinar com exatidão os grupos neuronais
específicos comprometidos por determinada lesão.
Assim sendo, em termos gerais, somente podemos afirmar que esses distúrbios estão de algum
modo correlacionados à lesões da Área de Associação Heteromodal do Córtex Parietal Posterior e suas
conexões.
1. Síndrome do Lobo Parietal
Lesões do córtex parietal posterior no hemisfério direito, principalmente do lóbulo parietal inferior, levam a
déficits em tarefas de atenção espacial, integração visuoespacial e desenho (construção) 27 . É a chamada
“síndrome do lobo parietal”28. Os pacientes com esse distúrbio falham em testes de “rotação mental” e não são
capazes de identificar objetos vistos de uma perspectiva
incomum29. Outros componentes da síndrome parietal
direita são: “anosognosia “ (negação da doença) “apraxia
do vestir”, “apraxia construtiva”, estados confusionais,
déficits de localização de rotas ou caminhos e distúrbios
concernentes à “navegação corporal” com respeito à
objetos sólidos como cadeiras e camas30, 31.
2. Defeito na Orientação Geográfica
Este distúrbio caracteriza-se pela incapacidade de
identificar localizações em um mapa ou de construir um
mapa de uma cidade ou país. Está presente em pacientes com lesões parieto-occipitais posteriores 32,33.
Kanwisher, usando estudos de ressonância magnética
funcional (fMRI) localizaram uma área no córtex
parahipocampal (chamada área hipocampal locacional
– PPA) que está envolvida especificamente na percepção do ambiente local visual, um componente essencial
na “navegação”34. Informação sobre o “layout” do espaço local produz ativação dessa área. Esses autores propuseram que a PPA codifica a representação de lugares
através da geometria do ambiente local de modo que a
integridade anátomo-funcional dessa área bem como
suas vias de conexão com o área parietal posterior são
essenciais para a orientação geográfica35.
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3. Simultanagnosia (desorientação visual)
A simultanagnosia pode ser definida como a incapacidade de perceber o campo visual como um todo,
o que resulta em percepção e reconhecimento de somente partes desse campo. É um dos três componentes da Síndrome de Balint (um distúrbio complexo
da análise espacial – figura 1). Os outros dois componentes dessa síndrome são: a ataxia óptica (um distúrbio do apontamento em direção à um alvo sob
orientação da visão) e a apraxia ocular (incapacidade
e inabilidade de mudar a atenção visual em direção à
um estimulo novo)36, 37.
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adequada. Entretanto, são incapazes de usar essas
informações visuais para copiar formas e desenhar objetos (como uma casa, um relógio, ou um rosto). O
sub-teste de blocos do “Wechsler Adult Intelligence
Scalle - WAIS” é comumente usado para testar as habilidades construtivas.
Esse distúrbio ocorre principalmente como resultado de extensas lesões parietais direitas39.
5. Distúrbio da Habilidade de se Vestir (Apraxia
do Vestir)
A apraxia do vestir corresponde à um defeito no
feedback sensorial das partes do corpo de volta para o
córtex parietal direito. A pessoa torna-se incapaz de alinhar o membro do corpo com a peça do vestuário.
Pode resultar de lesões no córtex parietal direito ou
também advir de outras síndromes, como
simultanagnosia ou ataxia óptica. Este distúrbio está
intimamente associado à lesão de neurônios das áreas
7a e LIP, os quais, como visto anteriormente, possuem a
função de representar o espaço extra-corporal do mundo exterior de uma maneira útil visando os planos e tarefas motores subseqüentes40.
6. Síndrome da Heminegligência
Figura 1. Imagem de tomografia computadorizada (TC) de um
paciente com síndrome de Balint causada por um meningioma.
Perceba-se que a lesão envolve áreas funcionalmente
importantes da região parietal posterior direita .
A essência da simultanagnosia é subjetiva. O paciente com simultanagnosia é incapaz de captar o
campo visual em sua integridade. Ocorre uma espécie fragmentação do campo visual. Normalmente esse
fragmento funcional do campo visual corresponde à
representação da mácula, que se move de maneira
aleatória de quadrante para quadrante. Como resultado disso, um objeto claramente visível num dado
momento pode subitamente desaparecer à medida
que a fixação visual muda. A simultanagnosia pode
aparecer depois de lesões na região occipito-parietal
posterior de ambos os lados38.
Essa síndrome é caracterizada por uma um estado
de indiferença em relação aos estímulos sensoriais provenientes do lado esquerdo do paciente, bem como redução nas atividades motoras a serem executadas nessa
região41-44. Em casos graves, o paciente comporta-se
como se a metade esquerda do universo deixasse de
existir45. O paciente veste, lava e faz a barba somente do
lado direito, come somente a metade direita da comida
no prato e, quando solicitado, copia somente a metade
direita dos desenhos apresentados. (figura 2)46, 47.
4. Distúrbios de Habilidade Construtiva (Apraxia Construtiva)
Os pacientes com apraxia construtiva possuem
acuidade visual normal, percepção normal dos objetos e de suas relações espaciais e habilidade motora
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Figura 2. Imagem do caderno de um paciente com de
síndrome de heminegligência. Pode-se perceber a ignorância
em relação a qualquer elemento situado no campo vivencial
esquerdo do paciente.
Neurociências
Essa síndrome parece ser fruto da lesão do componente parietal de um sistema mais geral responsável
pela atenção espacial formado pelo giro do cíngulo, área
visual frontal, tálamo, striatum e colículo superior, bem
como de partes do sistema límbico, relacionadas ao
humor e motivação48, 49.
7. Síndrome de Williams
A síndrome de Williams é uma patologia rara, de
caráter hereditário, causada pela deleção do gene da
elastina e regiões adjacentes no cromossomo 7q11. Indivíduos portadores da síndrome de Williams apresentam, além de déficits cardiovasculares e do tecido
conjuntivo, déficits congênitos nas habilidades
cognitivas de ordem visual e espacial, com preservada
capacidade cognitiva em tarefas que envolvem habilidades lingüísticas.
Mesmo em tarefas verbais, os indivíduos com a
Síndrome de Williams apresentam sérios problemas
quando se deparam com proposições que contenham
algum elemento de caráter espacial ou direcional. Esses indivíduos apresentam importante dificuldade na
realização de tarefas que envolvam alguma forma de
construção visuo-espacial, como desenhos e design de
blocos. Os resultados das pesquisas sugerem que essa
dificuldade envolve a construção visuo-espacial per se,
e não a percepção espacial em geral, uma vez que indi-
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víduos portadores da Síndrome de Williams apresentam, por exemplo, habilidade para reconhecimento de
faces preservada50, 51.
Estudos com Ressonância Magnética Funcional
(fMRI) revelaram que esses pacientes apresentam déficits
específicos na atividade do córtex que compõe a Via
Dorsal (caminho do “onde”, relacionado à localização
espacial), composta por neurônios que ligam as áreas
de associação unimodais visuais com o córtex parietal e
frontal, com relativa preservação da Via Ventral (caminho do “o quê”, relacionado à identificação de objetos),
a qual liga as áreas visuais primárias ao córtex de associação visual temporal e áreas límbicas52, 53.
CONCLUSÕES
Foi possível ao longo dessa exposição perceber
que, apesar da indiscutível preponderância das informações visuais, vários são os inputs sensoriais que
contribuem, cada um através de uma maneira peculiar, para esta complexa e rica habilidade denominada
cognição espacial.
Também se procurou evidenciar a íntima correlação
existente as áreas de associação heteromodais do córtex
parietal posterior e a cognição espacial, através de uma
breve descrição de alguns dos possíveis distúrbios oriundos de lesões anatômicas nessa região.
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Neurociências
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Artigo de Revisão
Trombólise no Acidente Vascular Cerebral
Isquêmico: uma mudança conceitual
Thrombolysis in Acute Ischemic Stroke: Changing dogmas
Jamary Oliveira-Filho1
RESUMO
A trombólise foi a primeira estratégia eficaz no tratamento do acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico
agudo. Desde sua aprovação em 1996 nos Estados Unidos e em 2001 no Brasil, sua utilização tem crescido
exponencialmente. Apesar de sua eficácia, poucos pacientes são candidatos ao tratamento, mas novas técnicas
de terapia intra-arterial, triagem por neuroimagem e de potencialização da trombólise por ultra-som prometem
aumentar ainda mais a proporção de pacientes beneficiados. Nesse artigo, revisamos os principais conceitos no
tratamento do AVC agudo que se modificaram com o advento da trombólise.
Unitermos: Acidente cerebrovascular; Terapia trombolítica; Transtornos cerebrovasculares.
Citação: Oliveira-Filho J. Trombólise no Acidente Vascular Cerebral Isquêmico: uma mudança conceitual. Rev Neurociencias 2005; 13(2): 100-104.
SUMMARY
Thrombolysis was the first strategy approved for acute stroke treatment. Ever since its approval in 1996 in the
United States and in 2001 in Brazil, use has grown exponentially. Despite the efficacy of thrombolysis, few patients
are candidates to treatment, but new techniques for intra-arterial thrombolysis, neuroimaging-based patient selection
and ultrasound-enhanced thrombolysis have the potential to further increase the proportion of patients who benefit
from treatment. In the present article, we review the main concepts in acute stroke treatment that have been
modified in the thrombolysis era.
Keywords: Stroke, Acute; Thrombolitic therapy; Cerebrovascular disease.
Citation: Oliveira-Filho J. Thrombolysis in Acute Ischemic Stroke: Changing dogmas.Rev Neurociencias 2005;
13(2): 100-104.
INTRODUÇÃO
O potencial de reperfundir um tecido cerebral
isquêmico não é novo. Desde a década de 60
que os primeiros trabalhos mostraram a capacidade de drogas como a estreptoquinase de dissolver trombos na circulação intracraniana 1,2. O
risco na época, entretanto, era demasiadamente
alto, devido ao elevado índice de hemorragias
cerebrais. Foram quase 30 anos até a próxima
tentativa de trazer a trombólise à prática clínica.
Neste artigo de revisão, visamos demonstrar por
que os estudos a partir da década de 90 tiveram
êxito, quais conceitos vêm se modificando no
campo da terapia trombolítica e quais as novas
perspectivas na atual década.
Erros e acertos
Os estudos da década de 60 foram em grande
parte motivados pelo sucesso da terapia trombolítica
Trabalho realizado: Universidade Federal da Bahia
1 - Professor Adjunto de Neuroanatomia. Chefe, Ambulatório de Doenças Cerebrovasculares.Universidade Federal da Bahia.
Endereço para correspondência: Jamary Oliveira-Filho
[email protected]
Trabalho recebido em 09/06/05. Aprovado em 25/07/05
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (100-104)
Neurociências
na cardiologia. Embora compartilhem a oclusão
arterial como fator determinante do quadro clínico,
existem diferenças fundamentais entre o modelo
coronariano e o das artérias cerebrais. O modelo
coronariano apresenta uma fisiopatogenia relativamente homogênea, decorrendo da complicação de
uma placa aterosclerótica, enquanto na circulação
cerebral esse mecanismo é exceção, sendo a maioria dos trombos vindos de fontes proximais como
o coração, arco aórtico ou vasos cervicais
extracranianos3. Outra diferença importante é decorrente do tecido que está sendo reperfundido. O
tecido cerebral é mais sensível à isquemia e à lesão
de reperfusão, com maior índice de hemorragia.
Dois outros problemas na transposição de modelos surgiram: 1) a dose ideal de trombolítico não
era conhecida; convencionou-se utilizar a mesma
usada para o modelo coronariano; 2) o conceito de
janela terapêutica não era bem determinado, com
tratamentos se estendendo além de 12 horas após
o início dos sintomas.
Dois principais “acertos” nortearam os estudos
da década de 90. Primeiramente, tentou-se limitar
a janela terapêutica para 3 ou 6 horas, desta forma
selecionando previamente pacientes com maior
probabilidade de ter tecido cerebral ainda viável para
ser salvo numa terapia de reperfusão. O segundo
acerto foi a realização de estudos de fase 1 e 2 para
buscar uma dose de trombolítico que fosse segura
e ainda mantivesse alguma eficácia.
O estudo NINDS
O estudo de trombólise com fator ativador do
plasminogênio tecidual recombinante (rtPA) do
National Institute of Neurological Diseases and
Stroke (NINDS) tornou-se um marco na história do
tratamento do AVC agudo 4 . Escolheu-se um
trombolítico mais seletivo para o trombo do que a
estreptoquinase. Utilizou-se uma dose menor de
trombolítico do que os estudos cardiológicos, baseados em estudos de segurança de fase 1 e 2. A
seleção dos pacientes foi rigorosa, somente incluindo as primeiras 3 horas do início dos sintomas,
com protocolos de controle pressórico e exclusão
tomográfica. Um ou mais desses fatores justificam os resultados positivos desse estudo, onde
se demonstrou que em várias escalas neurológicas havia um aumento da proporção de pacientes
retornando à normalidade, sem aumento da mortalidade apesar da maior proporção de hemorragia cerebral nos pacientes tratados com rtPA
quando comparados com placebo. Desde então,
vários estudos têm replicado os resultados do
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (100-104)
101
NINDS na janela de 3 horas5,6. Como qualquer terapia nova, a experiência de quem aplica o
trombolítico determina o índice de complicações.
Grupos com experiência prévia em trombólise demonstram taxas de hemorragia sintomática entre
3,3 e 6,4%4,7, enquanto um único estudo mostrou
uma taxa de 15,7%8, justificada pelos próprios autores como decorrente de uma elevada proporção
de quebras de protocolo.
Conceitos em terapia trombolítica
Alguns conceitos modificaram-se com o advento da terapia trombolítica. O primeiro deles foi o
conceito de AVC como uma verdadeira emergência médica. O fato de termos uma janela terapêutica limitada para uma única terapia eficaz na
diminuição das seqüelas neurológicas criou a necessidade de centros organizados no atendimento do AVC como uma emergência. Sem uma
equipe de prontidão capacitada a triar, diagnosticar, interpretar exames complementares e indicar
o tratamento na fase aguda a trombólise simplesmente não acontece, mesmo em hospitais com
equipamentos e tecnologia de ponta. Uma re-análise do estudo NINDS demonstrou que no final da
janela de 3 horas os benefícios do tratamento já
são limítrofes9. Uma metanálise recente de cinco
estudos de trombólise até 6 horas sugere que esse
benefício pode chegar até 4,5 horas5. A interpretação de ambos os estudos é a mesma: o tempo é
um fator crucial para o sucesso da terapia. Recomendações de tempos considerados ideais desde
a chegada do paciente até a primeira avaliação,
realização da tomografia computadorizada e administração do trombolítico foram recentemente
publicadas pela Sociedade Brasileira de Doenças
Cerebrovasculares10.
O segundo conceito que vem ganhando atenção nesta década é o da viabilidade tecidual. A
depender do grau de redução do fluxo sanguíneo
cerebral, alguns pacientes podem permanecer
com uma proporção relativamente alta de tecido
cerebral isquêmico porém viável (denominado “penumbra”), mesmo após a janela de 3 horas 11. Ferramentas como a ressonância magnética
(seqüências de difusão e perfusão) e a tomografia
computadorizada de perfusão vem sendo utilizadas com uma freqüência crescente para determinar quais são esses pacientes, já que clinicamente
eles são indistinguíveis daqueles cujo tecido cerebral afetado pela isquemia já evoluiu em sua
totalidade para a necrose. Um estudo recente
demonstrou que pacientes podem ser trombolisa-
Neurociências
dos com segurança na janela de 3 a 9 horas, contanto que a seleção dos pacientes passe pela
determinação de viabilidade tecidual12.
Novas estratégias na terapia trombolítica
Apesar de eficaz, a terapia trombolítica vem encontrando uma série de dificuldades na sua implantação mundialmente. Nos Estados Unidos,
a proporção de pacientes efetivamente tratados
é de 4%13. A baixa proporção decorre de uma série de dificuldades organizacionais desde a ausência de centros especializados em cidades
menores até limitações no sistema de transporte14,15. Essas dificuldades estimularam pesquisas
no sentido de ampliar os número de pacientes
que poderiam se beneficiar do tratamento. Em
centros que conseguiram organizar o sistema de
atendimento pré-hospitalar, os índices de pacientes submetidos à trombólise chegam a 15%13,16.
O conceito de que na circulação posterior a janela terapêutica pode ser mais ampla (até 6 a 12
horas) tem estimulado vários grupos a tratar pacientes nesta janela com eficácia superior à história natural da doença17, 18.
Uma das estratégias para aumentar os potenciais
candidatos à trombólise é a utilização de métodos
endovasculares para iniciar ou complementar o tratamento. O principal estudo nesta área foi o PROACT II
(Prolyse in Acute Cerebral Thromboembolism II), que
demonstrou a eficácia da trombólise intra-arterial nas
oclusões agudas da artéria cerebral média19. O principal atrativo desse tratamento foi o potencial de estender a janela terapêutica para 6 horas. Apesar de a
pro-uroquinase não ser uma medicação aprovada no
AVC, vários centros no mundo estão utilizando o conceito de que a trombólise intra-arterial pode ser eficaz
para tratar pacientes com rtPA intra-arterial acima das
3 horas do início dos sintomas.
Outros estudos investigaram doses menores
de rtPA intravenoso seguido de rtPA intra-arterial 20-22 . Esses estudos mostram índices de
recanalização arterial melhores com a terapia
combinada (56%), associada a uma evolução clínica semelhante ao grupo de pacientes que fez
uso de rtPA no estudo NINDS. Entretanto, são até
o momento estudos com pequeno número de
pacientes e que devem ser confirmados em ensaios clínicos randomizados antes de ganhar a
prática clínica rotineira.
O estudo DIAS ( Desmoteplase in Acute
Ischemic Stroke) foi um estudo fase II de um novo
agente trombolítico, a desmoteplase, em paciREVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (100-104)
102
entes admitidos até 9 horas após o início dos
sintomas 12. O motivo da janela terapêutica mais
ampla foi a forma de seleção dos pacientes, admitindo apenas pacientes com ressonância magnética de difusão e perfusão demonstrando a
presença de tecido cerebral ainda viável. Nesse
estudo, os índices de recanalização foram 71%
no grupo da desmoteplase (dose de 125 mcg/kg
intravenoso) em comparação com 19% no grupo placebo, associado também a uma maior proporção de pacientes atingindo a independência
funcional. O dado mais interessante foi o fato
de que as hemorragias intracranianas (presentes em apenas 2,2% dos pacientes) não se
correlacionarem com o tempo até o tratamento,
sugerindo esta forma de seleção aumenta a segurança da trombólise em pacientes tratados
acima das 3 horas.
Alguns grupos têm estudado o uso de inibidores
da glicoproteína IIb/IIIa, como abciximab ou tirofiban,
no tratamento do AVC isquêmico agudo 23-27 .
Abciximab na dose de 0,25 mg/kg intravenoso seguido de 0,125 mcg/kg/min (máximo 10 mcg/min)
isoladamente mostrou uma tendência de melhor
evolução clínica em comparação com placebo após
3 meses (OR=1,2; intervalo de confiança 95%=0,841,70)27. Outros estudos menores mostram relatos de
melhor índice de recanalização com a combinação
de rtPA e inibidores da glicoproteina IIb/IIIa23-26.
Um estudo surpreendente avaliou o potencial
terapêutico de um exame diagnóstico, o Doppler
transcraniano28. Baseado em modelos experimentais que mostram que propriedades físicas do
ultra-som podem potencializar a ligação do rtPA
com o coágulo, foi desenhado o estudo
multicêntrico CLOTBUST (Combined Lysis of
Thrombus in Brain Ischemia Using Transcranial
Ultrasound and Systemic tPA)28. Nesse estudo, os
índices de recanalização após 2 horas da terapia
trombolítica foram 38% no grupo monitorizado
continuamente pelo Doppler, em comparação a
13% no grupo com monitorização intermitente.
Houve também uma tendência não-significativa
de melhor evolução clínica nos pacientes
monitorizados pelo Doppler.
Uma última estratégia com resultados animadores foi a criação das unidades de AVC. Impulsionadas pelo sucesso da terapia trombolítica, essas
unidades vem aumentando em número exponencialmente e permitem uma atenção especializada
multi-disciplinar à vítima do AVC agudo. Uma revisão
sistemática recente mostra que as unidades de AVC
apresentam melhores resultados em termos de tem-
Neurociências
po de internação, mortalidade e morbidade, em comparação à internação em unidades de terapia intensiva geral (mesmo com equipes de AVC disponíveis 24
horas por dia) ou tratamento domiciliar29.
Terapia trombolítica no Brasil
A terapia trombolítica vem sendo utilizada em
quantidade crescente no Brasil desde a sua liberação pelo Ministério da Saúde em 2001. Poucos
são os dados publicados, mas já há centros com
mais de 100 pacientes tratados, com resultados
de eficácia e segurança semelhantes ao estudo
NINDS 30. Entretanto, a maioria dos hospitais no
Brasil não dispõe de equipes habilitadas a fornecer a trombólise em tempo hábil, o que limita o
103
acesso da população. Em um país onde o AVC
é a principal causa de óbito na população, políticas31 públicas para tornar esse tratamento mais
difundido são urgentemente necessárias.
CONCLUSÕES
O advento da terapia trombolítica trouxe profundas modificações relacionadas a como o paciente com
AVC é atendido na prática clínica. Com novas técnicas de trombólise intra-arterial primária ou de resgate,
avaliação de viabilidade tecidual por neuroimagem e
potencialização da terapia por ultra-som, é esperado
que um número crescente de pacientes possa se beneficiar do tratamento. O conceito de que AVC não
tem tratamento já mudou.
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Neurociências
105
Artigo de Revisão
Atuação do Oxido Nítrico fora do Sistema
Nervoso
Nitric Oxide performance outside Nervous System
Silvana Alves1, Lucia S Ishiki 2
RESUMO
O Óxido Nítrico (NO) é produzido na atmosfera através dos raios e considerado tóxico quando exalado pela
fumaça do cigarro. É também, um neurotransmissor no cérebro humano e importante agente terapêutico na
Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN).Em 1987 foi usado pela primeira vez na medicina e hoje desempenha importante papel na clínica de algumas patologias do período neonatal. O objetivo deste estudo é, através de
revisão bibliográfica, apresentar a importância do NO como neurotransmissor e agente terapêutico na UTIN.
Unitermos: Óxido Nítrico, Neurotransmissor, Hipertensão pulmonar
Citação: Alves S, Ishiki LS. Atuação do Oxido Nítrico fora do Sistema Nervoso. Rev Neurociencias 2005; 13(2): 105-109.
SUMMARY
Nitric Oxide (NO) is produced in the atmosphere through the rays and considered toxic when exhaled by the
smoke of the cigarette. It is also, a neurotransmitter in the brain human and an important therapeutic agent in the
Neonatal Intensive Care Unit (UTIN). In 1987 it was used for the first time in the medicine and today it plays important
role in the clinic of some neonatal pathologies. The objective of this study is, through bibliographical revision, to
present the NO importance as neurotransmitter and therapeutic agent in the UTIN.
Keywords: Nitric Oxide, Neurotransmitter, Pulmonar y
hypertension
Citation: Alves S, Ishiki LS. Nitric Oxide performance outside Nervous System. Rev Neurociencias 2005; 13(2): 105-109.
INTRODUÇÃO
O Óxido Nítrico (NO) é um gás de radical livre, formado na atmosfera durante tempestades com raios, e em
mamíferos é formado a partir de um aminoácido (LArginina)1. É considerado um destruidor da camada de
Ozônio e um poluente atmosférico quando exalado pela
fumaça do cigarro2.
No começo dos anos 80 descobriu-se o uso do NO
na medicina, em 1987 como vasodilatador pulmonar
em doentes com hipertensão e posteriormente em
1995 nos doentes com ARDS (Síndrome da Dificuldade Respiratória no Adulto)1. Atualmente o NO é reco-
nhecido como uma substância que participa de um
mecanismo fundamental de sinalização nos sistemas
cardiovascular e nervoso e também exerce função de
defesa do hospedeiro.
No inicio da década de 80 acreditava-se que o relaxamento da aorta em coelhos era dependente de células endoteliais intactas. O relaxamento vascular
dependente da acetilcolina era mediado pela liberação
de um fator humoral, descrito como fator de relaxamento derivado do endotélio. Posteriormente, foi demonstrado que a liberação endotelial de óxido nítrico era
responsável pela atividade biológica do fator de relaxa-
Trabalho realizado: Universidade de São Paulo e Hospital Israelita Albert Einstein.
1 - Fisioterapeuta Pós Graduanda do Departamento de Neurociências e Comportamento da USP
2 - Fisioterapeuta Sênior do Serviço de Pediatria do Hospital Israelita Albert Einstein
Endereço para correspondência: Silvana Alves
Rua Ester Samara 111, Apto 92C
CEP: 05545-180, Butanta SP
Trabalho recebido em 18/05/05. Aprovado em 14/07/05
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (105-109)
Neurociências
mento, estimulando intensa pesquisa sobre os efeitos
biológicos do gás3.
Biossíntese do NO
O NO é uma combinação 1:1 de dois gases da atmosfera, Nitrogênio (N) e Oxigênio (O 2), exerce efeitos
parácrinos, é solúvel tanto na água quanto nos lipídios e
atua em diversos tecidos, regulando funções, como o tono
vasomotor, neurotransmissão, resposta imune, adesão de
células inflamatórias à parede dos vasos e apresenta uma
ação típica de 2º mensageiro para células alvo2.
O NO é sintetizado a partir de L-arginina + O2 e
catalisado pela sintetase do NO (NOS) A síntese do NO
ocorre a partir de dois sistemas no organismo, Ca+2 dependente (cNOS ou NOS constitutivas) e Ca+2 não dependente (iNOS ou NOS induzíveis), são bimodais, pois
combinam as atividades de oxigenase e de redutase
associadas a domínios estruturais distintos1.
As NOS induziveis apresentam maiores concentrações no organismo quando comparadas com a NOS
constitutivas, estão presentes em respostas a estímulos
patológicos com microorganismos invasores e estão
expressas nos macrófagos e células de Kupffer,
neutrófilos, fibroblastos, músculo liso vascular e células
endoteliais e são produzidas em respostas a IgE1. As
NOS constitutivas estão presentes no endotélio (eNOS)
e nos neurônios (nNOS).
O endotélio produz NO através da transformação de
L-arginina em L-citrulina. A L-citrulina atravessa as membranas lipídicas da musculatura lisa vascular e se liga
com a guanilato ciclase. Uma vez ativado, estimula a
conversão de GTP em GMP cíclico (cGMP). O mediador
final que promove a ação de relaxar a musculatura lisa
por efeito do NO é o cGMP, diminuindo os níveis de Ca+2
intracelular, provoca o relaxamento da musculatura e a
vasodilatação. A ação do NO como vasodilatador é curta, tem meia vida de 3-5 Seg3.
A L-arginina está presente em quantidades excessivas
no citoplasma endotelial, de modo que a velocidade de
produção de NO é determinada mais pela atividade das
enzimas do que pela disponibilidade de substrato.
O NO além de ser um neurotransmissor gasoso é um
neuromodulador que atende múltiplas funções no desenvolvimento e maturação do cérebro, pois durante o desenvolvimento embrionário e pós-natal, a NOS estão presentes
em diferentes grupos de células e em diferentes tempos
no Sistema Nervoso Central (SNC)4. O NO exerce funções
distintas durante diferentes estágios da osteogênese4.
Ação do NO no pulmão
Da mesma forma que o NO tem efeito na musculatura lisa ele tem efeito na corrente sanguínea, na
adesividade plaquetária e nos neutrófilos.
REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (105-109)
106
O NO é 4 a 5 vezes mais difusível que o monóxido de
carbono e é extremamente ávido pela Hb, porém, quando ligado à Hb é rapidamente inativado. Esta característica faz com que o NO administrado por via inalatória atue
preferencialmente nas regiões pulmonares, sem efeito
sistêmico. O NO atua nas regiões de melhor ventilação e
na musculatura lisa dos vasos pulmonares, resultando um
aumento do débito circulatório em zonas ventiladas, originando um shunt de sangue das regiões mal ventiladas,
e proporcionando uma melhoria do desequilibro ventilação/perfusão (V/Q) e da oxigenação arterial5-7.
O NO também pode ser benéfico nas situações de
lesão endotelial difusa, como a inibição da agregação e
adesão plaquetária, atua como antiinflamatório, pois
diminui a ativação de neutrófilos e a liberação de IL-6 e
IL-8 no pulmão1. Essa característica torna o NO diferente
em relação a outras drogas vasodilatadoras.
O NO inalado pode atingir as regiões ventiladas do
pulmão promovendo a redução da resistência pulmonar local com conseqüente melhora das trocas gasosas.
A administração de NO deve ser titulada de acordo com
os dados clínicos e também pela monitorização da PAP
(pressão da artéria pulmonar)8. A concentração administrada de NO varia de 1 a 20 ppm2,9,10.
Existem alguns efeitos tóxicos descritos com a administração de NO. Os maiores problemas decorrem da
formação de dióxido de nitrogênio (NO2) e da
metahemoglobina. No entanto, tem sido descrita a presença de efeito rebote. Pacientes em retirada gradual
de NO inalado por melhora importante dos índices de
oxigenação podem apresentar um aumento da resistência vascular pulmonar, resultando na necessidade de
elevar a fração inspirada de oxigênio (FiO2) e reinstalar
o NO inalado. A incidência descrita de efeito rebote é de
aproximadamente 10%. As explicações sobre esse fenômeno não estão totalmente esclarecidas. Acredita-se
que possa haver uma inibição da produção do NO
endógeno pela presença do NO exógeno, fato similar ao
que ocorre com a administração de outros
vasodilatadores. O efeito rebote também é descrito na
retirada rápida do NO. Em alguns casos a elevação da
PAP pode ser reduzida com o aumento da FiO211.
Matsumoto et al11, mostraram a resposta hemodinâmica
com rebote da hipertensão pulmonar após a retirada do
NO inalado em uma criança com síndrome do desconforto
respiratório agudo (SDRA). Houve diminuição da pressão
estimada da artéria pulmonar (PAP) de 52 mmHg para 44
mmHg depois da titulação inicial da dose de NO inalado.
Após a sua retirada (figura 1), observou-se uma elevação
da PAP (55mmHg) necessitando-se reinstalar o NO inalado para se obter um valor mais adequado (34mmHg).
O NO tem uma função na adaptação da circulação
pulmonar. Tem sido demonstrado que os altos níveis de
NO, encontrados no primeiro dia do parto, declinam nos
dias subseqüentes (2º, 3º, 4º dias).
Neurociências
107
NO como Terapêutica na Clínica Neonatal
Retirada
Retirada
A Falência Respiratória no recém nascido termo (RNT)
ou próximo do termo (RNPT) muitas vezes está relacionada com a Hipertensão Pulmonar Persistente do Recém-Nascido (HPP).
60
50
40
A HPP é caracterizada pela elevada resistência
vascular pulmonar, resultante da reatividade de
vasoconstrição ou remodelação estrutural da
vasculatura pulmonar, caracterizando um shunt D-E.
30
20
10
0
3º
3º
4º
13º
18º
18º
20º
20º 20º
*
Dias de internação
NO (mmHg)
APA (ppm)
*Óbito no 24º dia
Figura 1. Evolução da pressão da artéria pulmonar de uma
criança pré escolar com Síndrome do Desconforto
Respiratório Agudo e Hipertensão Pulmonar avaliada
através de ecocardiografia com dopller, recebendo NO
inalado por um período de 21 dias. Observe o rebote
da hipertensão pulmonar após dois episódios de retirada
do NO inalatório (13º e 20º dias).
Na transição da circulação fetal para a neonatal há
uma diminuição da resistência vascular pulmonar e com
isso um aumento do fluxo sanguíneo dos vasos pulmonares, ocorrendo uma vasodilatação pulmonar no momento do nascimento.
Estudos experimentais utilizando ovelhas dão suporte
a esta hipótese. A administração de L-nitro-argininna, um
inibidor da produção de NO, em ovelhas prenhes, levou a
uma resposta diferencial na resposta pulmonar da prole,
quando submetidos a uma ventilação em regime de hipóxia.
Quando submetidos a uma FiO2 a 10%, seguida por uma
FiO2 a 100%, animais RN do grupo controle (não tratados
com L-nitro-arginina), apresentavam a resistência pulmonar alta a FiO2 a 10% e baixa a FiO2 a 100%, sendo que o
grupo tratado não apresentava tais alterações. Os autores
concluíram que o NO exerce um papel de vasodilatador
pulmonar.no momento de transição feto - recém-nascido.
O NO provoca a dilatação dos vasos pulmonares diminuindo a resistência vascular pulmonar, e com isso
diminui o shunt intracardíaco, tanto ao nível do canal
arterial como do forâmen oval.
Portanto, o NO quando administrado de forma
inalatória atinge os pulmões e no endotélio vascular exerce seu efeito vasodilatador. Na corrente sanguínea é
captado pela Hb e rapidamente é inativado. Essa particularidade do metabolismo faz com que seu efeito seja
restrito somente à circulação pulmonar. Patologias do
sistema respiratório que apresentam aumento da resistência e consequentemente, aumento PAP, como na Hipertensão Pulmonar Persistente do RN (HPP) o NO
exógeno leva a diminuição da PAP sem causar queda
na pressão arterial sistêmica (PAS)6.
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Nos últimos anos, o NO tem contribuído como terapêutica opcional no tratamento da HPP, diminuindo a
morbidade e mortalidade.
O primeiro estudo que provou a eficácia do NO na
HPP foi realizado em modelo animal. Os autores concluíram que o aumento na concentração de NO gera uma
redução na relação pressão arterial pulmonar/sistêmica,
acompanhado de um melhor nível de PaO212.
Hwang et al12 demonstraram os efeitos benéficos do
uso do NO em RNT com HPP. Os autores concluem que o
NO reduz o índice de oxigenação (IO) mais que 20% e que
ocorre o desaparecimento da diferença na saturação de
oxigênio pré-ductal e pós-ductal com o uso do NO.
Lopes et al6, aplicaram o NO em 9 RNPT que tinham
indicação de ECMO (circulação extra corpórea) e todos
os RN mostraram uma melhora significativa na
oxigenação arterial e no shunt D-E.
Konduri et al9, concluíram que uma dose precoce de
NO não altera a taxa de mortalidade, a necessidade da
EMCO e o período de internação em RNT com HPP.
Além de atuar na terapêutica da HPP, estudos tem demonstrado a eficácia da mensuração do NO exalado no
prognóstico do RN com Displasia Bronco-Pulmonar (DBP).
Pesquisas experimentais demonstram que o NO tem
um efeito antiinflamatório, diminui a permeabilidade
vascular e atua como trombolítico5. Os RN que recebem
glicocorticóides como terapêutica da DBP apresentam
índices de NO exalados mais baixos, pois os
glicocorticóides têm ação antiinflamatória, diminuindo
assim a indução do NO pela iNOS. Os autores sugerem
que o NO exalado pode mensurar a resposta do RN a
Dexametasona (Glicocorticóide de escolha na terapêutica da DBP)5,13.
Hamon et al14 demonstraram que baixas doses de
NO administrado logo após o nascimento em RNPT com
moderada falência respiratória hipoxêmica está associada com uma diminuição de seu stress oxidativo.
Há uma grande variedade de trabalhos que avaliam
o uso do NO na HPP e DBP, porém, são poucos os estudos que avaliam a toxicidade de seu uso.
O NO é, em geral, administrado juntamente com O2
em altas concentrações. Ele reage com o O2 na forma de
NO2 e a porcentagem de reação é proporcional à con-
Neurociências
centração dos dois gases. Em animais o NO2 mostrouse lesivo aos pulmões.(efeitos letais agudos = 100ppm)10.
108
NO2 for mantida abaixo de 1,5 ppm, o NO não é considerado como fator poluente (figura 2)12.
Em humanos, a inalação de 2-3 ppm de NO2 por 5
horas acarreta redução na defesa de antioxidantes e
aumento na permeabilidade alveolar10. Porém, não há
evidências que a inalação de NO tenha efeito adverso.
Uma das preocupações foi o efeito a médio e longo
prazo em relação a seqüelas neurológicas. Um dos poucos estudos publicados acompanham crianças que fizeram uso do NO em fases precoces do
desenvolvimento. Os autores mostram que crianças
acompanhadas até 18 e 24 meses.não apresentam diferenças neurológicas quanto à porcentagem de crianças
normais. Foi avaliada a paralisia cerebral e realizaram
testes segundo escalas de desenvolvimento. O grupo
controle e o grupo estudo mostraram semelhanças em
80% da amostra. O número dos que tiveram mais de
uma alteração neurológica também foi semelhante entre os dois grupos. Com isso, os autores concluem que o
NO não altera a incidência de seqüelas ao nível do SNC12.
O National Institute for Occupational Safety and Health
(NIOH) sugere um limite de exposição do NO2 de 5ppm
e de NO de 25ppm por 8 horas. Na Unidade de Terapia
Intensiva Neonatal o NO é aplicado 24 horas seguidas,
por isso, a mensuração do NO2 ambiental é feita rotineiramente e os valores considerados normais são valores
abaixo.de 1.5ppm10.
Atualmente a dose inicial é de 20 ppm e uma rápida
redução à concentração até 5 ppm é realizada sempre
que possível.
Administração do NO
O NO é administrado em respiradores convencionais com sistemas de funcionamento independentes,
ou seja, o NO não interfere no funcionamento do respirador. Os torpedos de NO oferecem concentrações precisas e estáveis, limitam a produção de NO2 e monitoram
a concentração de NO e de NO2.
A entrada de gás proporciona uma mistura adequada de NO independente do modo ventilatório para uma
rápida mistura e mínimo contato entre o NO e o O2, as
concentrações de NO acima de 20 ppm e de O2 acima
de 60% são limitadas e a entrada do NO ocorre numa
distância de 30 cm do paciente no ramo inspiratório12.
O analisador de gases aspira uma quantidade do
gás presente no circuito e analisa a concentração de
NO e NO 2 utilizado. O analisador pode ser por
iluminescência ou eletroquímico (mais usado).
O sistema de evacuação ocorre pela válvula
exalatória ligada ao vácuo. Estudos demonstram que as
concentrações de NO2 mensuradas nas UTIN são menores do que as concentrações de NO2 presentes em cidades poluídas como SP. Portanto, se a concentração de
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Figura 2. Demonstração prática do NO inalado dentro da UTIN
do HIAE. 1) ventilador convencional; 2) sistema de evacuação
de gases; 3) RNT com HPP; 4) manual de instrução; 5) cilindro
de NO 500ppm; 6) analisador de gases (NO e NO2).
Desmame do NO
O desmame deve ser realizado de forma gradativa,
a redução da dose deve ser feita a cada 4h, até alcançar o valor de 5ppm, este valor é mantido por 24h. A
droga pode ser suspensa se o paciente mantiver, FiO2
menor de 0,6 e ausência de efeito rebote ou quando, ao
se suspender o NO não necessitar aumentar a FiO2 mais
do que 15 pontos.
Os pacientes que permanecem sob tratamento com
o NO por mais de 5 dias, em geral, não toleram o desmame, e muitas vezes são dependentes de 1 a 2 ppm
por dia, pois o uso crônico de NO exógeno gera inibição
da síntese do NO endógeno, consequentemente menor
atividade da NOS, diminuição do cGMP e aumento da
atividade da fosfodiesterase.
Em pacientes que não respondem a 20 ppm a dose
é aumentada até um máximo de 40 ppm e deve ser
suspenso por falha do NO quando a PaO2 permanecer
abaixo de 50 ou quando a concentração de
metahemoglobina mantiver acima de 5g%.
CONCLUSÃO
O óxido nítrico foi inicialmente considerado apenas um gás poluente ambiental. Hoje é conhecido
como uma substância que participa ativamente de
importantes funções biorregulatórias. Desde 1987,
sabe-se que o EDRF (fator relaxante derivado do
endotélio) é o próprio NO1.
O NO é 4 a 5 vezes mais difusível que o monóxido de
carbono, essa característica torna o NO bastante interessante em relação a outras drogas vasodilatadoras3.
Neurociências
É uma droga inovadora na terapêutica dos RN com
HPP e DBP, porém, existem questões a serem discutidas sobre a ação do NO.
A administração do NO deve ser titulada de acordo com os dados clínicos e também pela
monitorização da PAP.
A concentração administrada de NO mais habitual
varia de 1 a 20 ppm, porém, existem alguns efeitos tóxi-
109
cos descritos com a administração de NO. Os maiores
problemas decorrem da formação de NO2 e de
metahemoglobina, no entanto, tem sido descrito um
outro problema, a presença de efeito rebote11.
Alguns estudos apresentados demonstram as dificuldades que podem ser encontradas com a utilização
do NO, entretanto, o NO continua sendo uma estratégia
terapêutica importante no tratamento da HPP e DBP.
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Neurociências
110
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(abreviados de acordo com o Index Medicus) ano; volume:
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Ex.: Wagner ML, Walters AS, Fisher BC. Symptoms of
attention-deficit/hyperactivity disorder in adults with restless
legs syndrome. Sleep 2004; 27: 1499-504.
b) Livros: Autor(es) ou editor(es). Título do livro. Edição,
se não for a primeira. Tradutor(es), se for o caso. Local de
publicação: editora, ano, total de páginas.
Ex.: Ferber R, Kriger M. Principles and practice of sleep
medicine in the child. Philadelphia: W.B. Saunders Company,
1995, 253p.
c) Capítulos de livros: Autor(es) do capítulo. Título do
capítulo. In: Editor(es) do livro. Título do livro. Edição, se não for
a primeira. Tradutor(es), se for o caso. Local de publicação:
editora, ano, página inicial e página final.
Ex.: Stepanski EJ. Behavioral Therapy for Insomnia. In:
Kryger MH; Roth T, Dement WC (eds). Principles and practice of
sleep medicine. 3rd ed. Philadelphia: W.B. Saunders Company,
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d) Resumos: Autor(es). Título. Periódico ano; volume (suplemento e seu número, se for o caso): página(s). Quando não
publicado em periódico: Título da publicação. Cidade em que foi
publicada: editora, ano, página(s).
Ex.: Carvalho LBC, Silva L, Almeida MM, et al. Cognitive
dysfunction in sleep breathing disorders children. Sleep 2003;
26(Suppl):A135.
e) Comunicações pessoais só devem ser mencionadas
no texto entre parênteses.
f) Tese: Autor. Título da obra, seguido por (tese) ou (dissertação). Cidade: instituição, ano, número de páginas.
Ex.: Fontes SV. Impacto da fisioterapia em grupo na qualidade de vida de pacientes por AVCi (Tese). São Paulo: UNIFESP,
2004, 75p.
g) Documento eletrônico: Título do documento. Endereço na Internet, data e hora do acesso.
Ex.: Agentes dopaminérgicos no tratamento da Síndrome
das Pernas Inquietas. Diponível no site: http://
www.sindromedaspernasinquietas.com.br, acessado em
10/05/2005, às 14h.
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