À flor da pele

Transcrição

À flor da pele
05.05
cultura visual
Armando Vilas Boas
www.avbdesign.com
1. A jogadora norueguesa Kristine Brachel
no calendário do seu clube de Andebol.
2. O noruegês Tor Arne Hetland no
calendário da Associação Nacional de Sky.
3. Ingvild Engelsland, esquiadora
norueguesa, na revista “soft-core” Lek.
Para além destes, muitos outros atletas
(sobretudo mulheres) se fizeram já retratar
em situações de nudez. Entre presenças
individuais de renome, podem listar-se as
corredoras Marie Jo Perec, Susen Tiedtke
e Anke Feller, as patinadoras Katarina
Witt e Tanja Szewczenko, a tenista
Martina Hingis, a ginasta Svetlana
Khorkina, a nadadora Anke Scholz e a exesquiadora Claudia Pechstein, só para
citar algumas atletas.
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À flor da pele
Anda quente o meio desportivo internacional:
desportistas de renome, um pouco por todo o lado, têm
vindo a despir-se de preconceitos nos últimos anos. A
coisa está de tal forma que até já os escandinavos —
tradicionalmente liberais no que toca à nudez —
começam a tecer comentários.
O fenómeno começou há uns anos atrás, nos calendários
para fins de beneficência. Daí evoluiu para os calendários
destinados à recolha de fundos para apoio à actividade
desportiva dos próprios retratados, dos seus clubes ou
federações, e o movimento cresceu até que as pessoas
começaram a reparar que os corpos treinados eram
objecto fácil de contemplação e desataram a fotografálos a torto e a direito.
Até aqui tudo pacífico. Uma selecção desportiva pôr-se
em pelo para arrecadar dinheiro para uma causa social
é nobre e bem intencionado. Mesmo as culturas mais
tacanhas como a nossa compreenderam e aprovaram,
ao descobrir que uma das suas atletas de alta competição,
num desporto tão agasalhado como o Sky, tina posado
como veio ao mundo para uma revista “soft core”. Ingvild
Engesland, de 22 anos, cometeu o pecado moral de
exibir a sua epiderme em versão integral para o número
de Dezembro de 2004 da revista Lek, uma publicação
conterrânea que se dedica ao assunto do “soft core”.
Clamando inocência, Ingvild confessou-se espantada
com a repercussão negativa que a sua sessão fotográfica
teve na sua terra natal, exibindo arrependimento:
«Pensei que não teria nada com que me preocupar; há
fotografias de raparigas nuas naquela revista todos os
meses sem que isso cause alarido».
O problema não parece ter sido a exposição da nudez,
a qual a cultura norueguesa encara com naturalidade e
até indiferença. O pecado da atleta foi expor-se em
poses e encenações que as vozes críticas consideraram
pornográficas. A tal ponto foi o pecado considerado
consentindo em que a nudez esteja assim exposta (pelo
caminho fomo-nos deleitando com a visão dos corpos
que de outra forma só poderíamos ter adivinhado por
debaixo do vestuário desportivo). É um caso em que os
fins justificam os meios. Ou, num registo mais brejeiro,
perdoa-se o mal que faz pelo bem que sabe. Pelas
mesmas razões, torna-se também pacífico que os atletas
de um clube amador nos mostrem tudo, tendo em vista
arrecadar suficiente soldo para continuarem a praticar
a actividade saudável de que tanto gostam. Quando
finalmente chegámos à exploração fotográfica pura e
dura do corpo atlético, entrámos no domínio da arte e
toda a gente aplaudiu — ainda que na folia de laudar o
que está a dar nos esqueçamos de Leni Riefenstahl,
Robert Mapplethorpe, Herb Ritts, só para citar três
fotógrafos dentre tantos os que exploraram visualmente,
praticamente desde que a fotografia existe, o corpo
desportivo.
Parece que, de repente, toda a gente se apercebeu que
os atletas têm corpo. Numa época em que a tendência
para a imaterialização é irreversível, lembramo-nos
subitamente de que o corpo existe. Que debaixo das
fibras sintéticas especializadas que nos aumentam a
hidrodinâmica ou nos protegem do frio, existe um corpo.
Que o digam os noruegueses, que entraram em pânico
grave que Ingvild se tornou famosa de um dia para o
outro, coisa que não tinha conseguido nem com a sua
10ª posição no campeonato norueguês de Sky nem com
o 5º lugar mundial na categoria de sub-23.
Ingvild Engelsland ficou com o dinheiro da sessão e
com a fama — boa ou má. Tal como a sua compatriota
de 23 anos, Suzann “Tutta” Pettersen, indicada como
a melhor jogadora norueguesa de golfe, profissional
desde 1999 e vencedora do Open francês, que foi
retratada pela Henne, uma revista de estilo de vida
feminino, discretamente nua num tapete verde salpicado
com bolas de golfe. Talvez não coincidentemente,
Suzann compete agora nos Estados Unidos da América
e define-se como «extremamente competitiva»,
sonhando «ganhar o us Tour e bater Annika Sörenstam».
Mas há outros esquiadores noruegueses que, num
registo mais brando, oferecem a sua nudez por uma
causa que não é individual mas sim colectiva. Um grupo
de sete esquiadores de elite resolveu retratar-se num
calendário de 2005 com vista a obter fundos destinados
a financiar o esforço da Associação Norueguesa de Sky
na promoção da modalidade. Segundo os atletas
retratados, o calendário «é arte, não é especulativo [...]
é incrível o que um bom fotógrafo consegue extrair de
corpos cansados».