Amós 8,4-8. Um profeta para nossos dias

Transcrição

Amós 8,4-8. Um profeta para nossos dias
AMÓS: UM PROFETA PARA OS NOSSOS DIAS…
Rogério Gomes1
Introdução
O motivo do estudo da perícope de Am 8, 4-8, foi a sua atualidade. Vivemos numa
sociedade em que a honestidade parece ser um valor ultrapassado e a “lei de Gérson”, levar
vantagem em tudo, parece ser o código de conduta de muitos setores que lidam com as
relações comerciais. A compra e a venda não são ações em benefício da Pólis, em que se cria
a inter-relação, onde cada um coloca o seu produto e o vende por um preço justo. Ao
contrário, a lógica ferrenha do capitalismo insiste que o lucro é individual e quanto mais tê-lo,
melhor. Os exemplos de fraudes que vimos, ao analisar o hoje, demonstram que ainda hoje se
praticam fraudes e que estas são atuais. Há seres humanos que são gananciosos e querem tudo
para si e são capazes de reduzir os demais à escravidão. A história nos mostra isto e já nos
dizia Hobbes, “o homem é o lobo do próprio homem”.
Desse modo, a profecia de Amós nos traz uma mensagem questionadora da ética
praticada nas relações comerciais, sejam elas as mais simples, até as mais complexas. Ele nos
convida a pensar se estamos fazendo com “que o direito corra como água e a justiça como
um rio caudaloso” (Am 5, 24) e, ainda mais, se o direito e a justiça no comércio estão sendo
subornados, devemos denunciar tais práticas. O grito de Amós não é em vão e toca
diretamente num fator determinante na sociedade que são as relações econômicas. Queiramos
ou não, a sociedade se movimenta pelo dado econômico que é profundamente importante,
pois traz benefícios, quando bem administrados de forma igualitária, como pode fazê-lo ao
contrário, sendo uma máquina produtora de exclusão social. Portanto, o profeta nos faz
perceber que é preciso praticar o direito e a justiça e, nas relações comerciais, praticar o justo
peso e a justa medida. Praticar o comércio não é ilícito, é transformar a sociedade, sendo
partícipes da criação com Iahweh. Entretanto, quando imperam o egoísmo e a exploração, o
homem torna criador de um mundo de subserviência, de mando, de desigualdade que fere o
coração de Iahweh que criou o mundo para todos.
1
Mestre em Teologia Moral pela Accademia Alfonsiana, Roma, Itália. Professor do Instituto São Paulo de
Estudos Superiores, Escola Dominicana de Teologia e Faculdade de Teologia São Bento.
2
I. APRESENTAÇÃO DE AMÓS E SUA OBRA
Neste estudo acerca do profeta Amós, buscaremos conhecê-lo, situá-lo no seu tempo e
lugar de atuação, seu contexto histórico, político-econômico, social e religioso. Além disso,
queremos saber o que e para quem escreveu. Detalharemos a estrutura de seu livro, as
tradições, pelas quais ele passou até chegar o final da redação e a mensagem que o livro traz.
Estes elementos nos ajudarão a reconstruir a figura do profeta e atualizar sua mensagem para
os dias de hoje.
1.1. Quem é Amós?
Amós é o primeiro dos profetas escriturísticos. Seu nome procede de uma raiz que
significa “erguer, segurar, levar”. Sua palavra profética se dirigiu ao Reino do Norte, mas sua
origem é do Sul, de Técua, na Judéia (Am 1,1; 7,12), a 9 quilômetros de Belém e a 18 de
Jerusalém, numa região cheia de colinas, na orla do deserto de Judá. Ele 2 não era filho de
profeta, era apenas um proprietário agrícola e criador de gado (Am1,1), cuidava pessoalmente
do rebanho, junto com seus peões (Am 7,15) e cultivava sicômoros (Am 7,14). Era um
homem profundamente ligado à vida campesina, conhecedor das dificuldades e alegrias
cotidianas e o ritmo das estações.
Em seu livro foram notados 55 termos relativos ao vocabulário agrário. Portanto,
conhecia bem a natureza e o mundo agrário de seu tempo. Desse modo, sua imaginação estava
repleta de figuras agrestes: a altura dos cedros, a resistência dos carvalhos (Am 2,9), o carro
cheio de feixes (Am 2,13), a chuva de um aguaceiro primaveril que rege um campo e deixa
seco o vizinho (4,7), a nuvem de gafanhotos que destrói a colheita (Am 7,1-3), a seca que
queima a terra (Am 7,4-6), a ferrugem e o carbúnculo que esterilizam os jardins e as vinhas
(4,9) e os frutos maduros (Am 8,2).
Por morar perto do deserto de Judá, ouvia o rugido do leão na estepe (Am 3,4). Sabia
distinguir o wadi (rio seco), que se enchia de água na estação das chuvas, da torrente perene.
Conhecia os animais que o ameaçavam mortalmente o homem: o leão, o urso, a serpente (Am
5,19).
A vida campestre penetrara nele, infiltrara-se em seu íntimo e emergia continuamente
no seu modo de pensar e de se exprimir. Amós conheceu também a cidade, onde ecoava o
2
Antônio BONORA. Amós, o profeta da Justiça, pp. 7-8.
3
som do alarme e das trombetas (Am 3,6), das sentinelas, onde pululavam desordens e
violências (3,9). Ali habitavam os ricos que se reclinavam em sofás ou divãs, que possuem
grandes palácios e casas aclimatadas para o inverno e o verão, com revestimentos de marfim
(Am 3,15). Era tanto o luxo e a vaidade dos ricos. Toda essa opulência foi denunciada pelo
profeta.
Amós não tinha simpatia pela vida urbana, todo seu conhecimento estava ligado à
vida campesina, mas não resistiu o chamado de Iahweh para denunciar as injustiças cometidas
pelos grandes das cidades. Mesmo quando Amós evoca sua vocação, o campo lhe oferece
imagem viva e linguagem áspera e cortante. Iahweh ruge como o leão na floresta quando
persegue e agarra a presa. “Um leão rugiu: quem não temerá? O Senhor Iahweh falou: quem
não profetizará?” (Am 3,8).
O camponês de Técua deixou de ouvir os rugidos dos leões ao pegar as suas presas nas
florestas para ouvir os dos pobres que eram explorados em Israel. O grito dos pobres
injustiçados pela política exploradora de Jeroboão II ecoou forte no ouvido de Amós. O
simples agricultor rugiu na cidade chamando a atenção dos grandes não sugar os pequenos.
1.2. Quando e onde atua Amós: a visão do contexto histórico político
Amós viveu e atuou por volta de 760 a. C, no norte, em Israel, no período de Jeroboão
II (763-753 a. C), “filho de Joás, rei de Israel” (Am 1,1), na Samaria (2Rs 14, 23-24) e grande
figura militar, da dinastia de Jeú. Essa dinastia cometeu vários massacres (Os 1,4 e 2Rs 9-10)
e subiu ao trono em 842. Com a morte de Jeú, tornou-se rei de Israel Jeroboão II, que teve um
longo governo. Durante essa época, o Reino do Norte, recuperou-se de sua crise. A
extraordinária duração do reinado de Jeroboão e de Osias, permite-nos guiar historicamente a
um período de paz e expansão entre Israel e Judá. A Assíria, ao nordeste e o Egito, no sul,
estavam em declínio e não ameaçavam as nações menores siro-palestinas. Então, Israel e Judá
tiveram a oportunidade de expandirem suas fronteiras, semelhante ao império davídicosalomônico.
O Reino do Sul, Judá estava sobre o governo de Ozias (787-735), da dinastia davidita e
havia grande prosperidade, pois o comércio e a agricultura se desenvolviam e ainda a
pecuária, com a criação do boi (2Rs, 15, 1-7; 2Cr 26, 6-15).
Além da estabilidade externa, devido ao fato dos Impérios estarem enfraquecidos, havia
um período de paz entre os dois reinos irmãos. A Síria fora vencida pela Assíria e nesse
período, o Reino de Israel mantinha profícuas relações internacionais com os países vizinhos.
4
Jeroboão alargou a fronteira-norte de seu país (Damasco e Hamate), até o Mar Morto,
onde anteriormente Salomão ampliara (2Rs 14, 23-29), ou seja, restabeleceu os limites de
Israel, desde a entrada de Hamate, até o Mar da Planície, reconquistando Damasco e Hamate,
pertencente a Judá, para Israel. Tomou Damasco e submeteu a Sírio, inclusive as regiões da
Transjordânia até Moab. Com isso, tinha propósitos estratégicos e mercadológicos: aumentar
a arrecadação de tributos e o controle de rotas comerciais. Os comerciantes mesopotâmicos e
egípcios passavam pela Planície de Jezrael, localizada no centro de Israel e a rota
transjordaniana possibilitava o trânsito de mercadorias provindas do Golfo de Eliate (2Rs 14,
22), que estava nas mãos de Judá. Assim, “Israel ocupava um lugar privilegiado no sistema
de rotas comerciais. Detinha o controle da principal via que interligava as terras do Rio Nilo
e as do Eufrates e Tigre”3. A única função do tributo era para cobrir as despesas do Estado e
a política expansionista.
A realidade do Estado e do Templo era de grandes excedentes (Am 1, 12; 4, 1; 5, 11;
6, 4-6). Viviam com o tributo que arrecadavam dos camponeses e do comércio. Enquanto a
pobreza aumentava no campo, e o homem pobre já não tinha muita esperança. A principal
função de quem morava no campo era produzir e fornecer produtos necessários para o
expansionismo comercial e militar. E um dos papeis da religião era o de legitimação de todo
injustiça que acontecia. O Estado e o Templo andavam juntos e articulavam uma políticareligiosa de injustiça.
Tudo o que acontecia dentro de Israel (o expansionismo, o comércio externo) era por
causa de uma indefinição internacional. Não havia nenhum Império que subjugasse outros
países. Jeroboão não percebeu o que podia acontecer no futuro com tudo o que ele fazia.
Basta surgir alguém reclamando a dominação, com um grande exército, é claro, que se vê a
destruição de tudo que já havia sido construído. É o que a Assíria faz ao se levantar e marcar
pela dominação dos povos vizinhos.
No período de Jeroboão, Israel recuperou territórios perdidos, devido a guerras com
povos vizinhos e atingiu o apogeu econômico, com luxuosas construções, progresso na
indústria têxtil e de tinturaria. Entretanto, em Israel vive-se a ambigüidade entre progresso e
injustiça: a corrupção do direito e a fraude no comércio.
3
Milton SCHWANTES. Amós: Meditações e Estudos, p. 21.
5
1.3. A economia, as classes sociais, a justiça e a religião no tempo de Amós
Com a política de Jeroboão II, semelhante à de Salomão, houve grande
desenvolvimento, mas também grande desequilíbrio social. O poder beneficiava a elite e
explorava os camponeses. Jeroboão II e Azarias sobrecarregavam a população com impostos,
através do pagamento em dinheiro, de produtos da terra ou longas jornadas de trabalho, a
corvéia. Os filhos dos camponeses e pequenos proprietários eram recrutados pelos chefes
militares para a guerra. Os camponeses endividados, não conseguiam pagar os tributos
impostos pelo Estado, tornavam-se marginais e crivavam bairros fora dos muros da cidade,
onde pudessem morar. Os pequenos agricultores viam-se sempre nas mãos de seus credores.
A situação econômica de Israel nesse período era privilegiada. A situação geográfica
que estava localizado era estratégica. Era uma região de grande trânsito comercial, onde
transitavam grandes caravanas vindas do Oriente e do norte para o Egito. O restante da região
era desértica. Israel e Judá cobravam pedágio das caravanas que cruzavam suas rotas
comerciais, o que era uma grande fonte de renda para os dois reinos irmãos. O tráfego
também estava ligado ao comércio exterior, pois Israel e Judá eram exportadores de produtos
agrícolas: vinho, trigo e azeite e importavam outro, ferro e artigos de luxo. Embora a situação
econômica era privilegiada, havia muita exploração feita principalmente aos pequenos
agricultores pelos comerciantes de cereais.
As classes sociais eram formadas pelos governantes e aristocracias (urbana e rural)
vinculados à casa real, pelos sacerdotes e profetas oficiais estavam a serviço do rei e ligados
ao culto nos santuários oficiais. Daí a crítica de Amós a esses santuários: “vinde a Betel e
transgredi; a Gilgal, e multiplicai as transgressões; e, cada manhã trazei os vossos
sacrifícios e, de três em três dias, os vossos dízimos” (Am 4,4). Amós também critica o
Templo de Jerusalém e também as festas que lá eram celebradas (Am 5, 1-27). Além dessas
classes, os militares mantinham o poder das armas. Os generais eram bem remunerados e se
enriqueciam através dos despojos de guerra. Os pequenos proprietários e lavradores sem terra
eram a força produtiva e profundamente explorados. Por fim, os excluídos que não eram
contados pelo sistema: os doentes, deficientes, mendigos, crianças, mulheres, órfãos e viúvas.
Na época de Amós havia outro grave problema, o da justiça. Os responsáveis por sua
aplicação eram os anciãos, chefes das famílias e dos clãs mais importantes. Os processos
jurídicos eram resolvidos na Porta da cidade. Porém, esses anciãos estavam ligados às (suas)
famílias proprietárias de terra e também da aristocracia. De forma que eles defendiam o
interesse de suas próprias famílias e de si mesmos, ou seja, os tribunais eram corrompidos
6
pelo dinheiro, a justiça era aplicada somente em benefício dos ricos. Se um camponês caísse
num processo era reduzido à condição de escravo. Esses processos ocorriam quando um
camponês não tinha uma boa colheita devido à seca ou pragas e se endividava, porque era
obrigado a comprar seus alimentos, ferramentas e vestimentas no armazém desses grandes
proprietários. O camponês não tendo condições de pagar a sua dívida era levado à Porta
(tribunal) e, ele e sua família, eram reduzidos à escravidão por dívida. Essa prática corrupta
praticada pelos juízes possibilitava o empobrecimento das classes pobres e o enriquecimento
dos ricos.
A opulências das classes dominantes repercutia nas práticas religiosas e no culto. Os
santuários de Betel (norte) e o templo de Jerusalém (sul) eram os cenários das grandes festas
religiosas. Os sacerdotes e os profetas oficiais organizavam as festas e como estavam ligados
à casa real, utilizavam as festas como aparato ideológico para legitimarem a situação de
exploração, a corrupção, a injustiça, dando aos promotores da injustiça e da imoralidade
elementos para continuarem as sua práticas ilegais. A religião anestesiava a consciência do
povo, em relação à classe opressora e o culto era para legitimar a exploração sob a tutela de
Iahweh.
Portanto, a profecia de Amós era “contra o vigor militar e comercial de um soberano
bem sucedido e de uma economia florescente”4. Suas palavras são dirigidas a um Estado
corrompido pelo tributalismo legitimado pelo exército e pela religião. (Am 3, 12; 4, 4-5). A
realidade do povo era marcada pela grande exploração, já que na medida que se militarizava,
cresciam os gastos administrativos e militares e máquina tributária se tornava cada vez mais
pesada, pela cobrança de tributos.
1.4. O que escreveu o profeta?
Amós direcionou a sua profecia ao Reino do Norte contra a exploração de Jeroboão II:
“Jeroboão morrerá pela espada e Israel será deportado para longe de sua terra” (Am 7,11).
Era um anúncio inquietante e perturbador; morte do rei, exílio do povo. Israel acabou! Dizia
estas coisas, justamente quando o reino de Israel estava no auge de sua força, de seu esplendor
político e econômico. As palavras de Amós foram um alarme para o fim iminente. Foram
oráculos de luto e de morte, num tempo em que Israel estava cheio de vida que só
participavam os grandes que se enriqueciam às custas dos pobres cobrando impostos pesados.
4
Milton SCHWANTES, Amós, Meditações e Estudo, p. 21.
7
Escreveu contra a política e também contra a religião que usavam o nome de Deus
para extorquir tributo. O sacerdote Amasias, um burocrata do culto, preocupado pela boa
ordem estabelecida tenta intimidá-lo: “Vidente, vai, foge para o país de Judá; come lá o teu
pão e profetiza lá” (Am 7, 12). Porém não pode deter um “vidente” (Am 7,12), um homem de
Deus, dotado de funções carismáticas. A resposta de Amós a Amasias lança um pouco de luz
sobre a autoconsciência de sua missão profética: “Não sou profeta nem filho de profeta (por
profissão) nem filho de profeta (não pertenço a uma escola profética); eu sou um vaqueiro e
um cultivador de sicômoros. Mas Iahweh tirou-me de junto do rebanho e disse-me: „Vai
profetiza a meu povo Israel‟” (Am 7,14-15).
Nem a tradição familiar nem o ambiente social, nem o desejo de ganhos, nem uma
escolha profissional humana estavam na origem da atividade de Amós. Era um profeta livre,
porque nenhum condicionamento humano acorrentava sua palavra. Não a comercializava, não
vendia a sua mensagem a quem pagasse mais. Tinha uma voz livre, era um mensageiro não
remunerado e independente de qualquer instituição. Nenhuma burocracia estatal podia
intimidá-lo, nenhum podia comprá-lo. Por isso podia falar com veemência e sem medo em
favor do povo e contra o Estado.
A realidade do povo era exatamente ao inverso do esplendor do Estado e dos que
usufruíam as benesses do regime. A gente do campo era convocada a gerar, com seu suor e
sua fome, produtos e as riquezas necessárias para o expansionismo comercial e militar. A
realidade do povo era marcada por dura exploração, principalmente o aumento do tributo para
manter a elite social e a cobrança de mais impostos nas festas religiosas.
Amós denúncia os crimes de Israel. São eles: “vendem o justo por prata” (Am 2,6);
“vendem o indigente por um par de sandálias” (Am 2,6) “esmagam sobre o pó da terra a
cabeça dos fracos” (Am 2,7); “tornam torto o caminho dos pobres” (Am 2,7); um homem e
seu filho vão à mesma jovem” (Am 2, 7); “se estendem sobre vestes penhoradas, ao lado de
qualquer altar” (Am 2, 8); “bebem vinho daqueles que estão sujeitos às multas, na casa de
seu deus”.
O homem de Técua escreveu muito sobre a realidade de Israel que, às custas dos
trabalhadores pobres, os ricos e líderes políticos enriqueciam. Não se intimidou a nenhuma
ameaça. Foi firme até o fim. Não fez aliança com nenhum poderoso, sempre se colocou do
lado do oprimido e contra o opressor. Suas palavras foram duras para com os grandes e
esperançosas para os pequenos.
8
1.5. Para quem escreveu Amós?
Amós introduz uma novidade relevante no ministério profético. Enquanto os grandes
profetas do passado (Natã, Elias, Eliseu...) dirigiam-se a indivíduos, ele proclama seus
oráculos contra o povo. O destinatário da pregação de Amós era todo o povo de Israel. Ele
criticava aqueles que enchiam a boca de discursos políticos e religiosos e, no entanto,
permaneciam indiferentes ao sofrimento do povo. Para ele, tudo aquilo era "tão absurdo como
arar o mar com bois ou encher de pedras a pista e esperar que os cavalos corram" (Am
6,12).
Ainda assim, a elite revestia-se de uma religiosidade exuberante. O profeta, entretanto,
não se deixava iludir e Javé falava por suas palavras: "Detesto as festas de vocês, longe de
mim o ruído de seus cânticos, nem quero escutar a música de suas liras. Eu quero, isto sim, é
ver brotar o direito como água e correr a justiça como riacho que não seca" (Am 5,21-24).
Amós, mesmo dizendo que não era profeta e nem filho de profeta, pronuncia através
de sua palavra uma série de oráculos dirigida a todo o povo Israel com uma fórmula: “ouvi
Filhos de Israel” (Am 3,1); “casa de Jacó” (Am 3,13); “vós que estais sobre o monte de
Samaria” (Am 4,1); “casa de Israel” (Am 5,1); “orgulho de Jacó” (Am 8,7). Todas essas
expressões designam o povo de Israel como entidade religiosa, totalmente solidária nos
benefícios recebidos de Deus e na co-responsabilidade pelas injustiças praticadas. “Monte de
Samaria” (Am 4,1;3,9; 6,1) indica todo o país, a terra (Am 3,11). Samaria é uma parte pelo
todo. Então é obvio que também a expressão “vacas de Basã” designa os israelitas, o povo de
Israel. Quase todos os exegetas afirmam que Amós censura as mulheres de Samaria, mas não
existe no Antigo Testamento uma comparação entre mulheres e vacas!
Amós em seu livro não crítica o comportamento de cada indivíduo 5 (exceto o caso de
Amasias, sacerdote do templo de Betel e funcionário do rei Jeroboão), não denuncia a
injustiça cometida individualmente, mas fala sempre do povo ou de grupos. Sua crítica às
condições sociais é sempre concreta e clara. Com as palavras denunciava os abastados que
"deitam-se em camas de marfim, esparramam-se em cima de sofás, comendo cordeiros do
rebanho e novilhos cevados em estábulos, cantarolam ao som da lira, bebem canecões de
vinho e usam os mais caros perfumes" (Am 6,4-6). No comércio, "diminuem as medidas,
aumentam o peso e viciam a balança" (Am 8,6). Os agiotas, "no templo de seu deus bebem o
vinho dos juros" (Am 2,8).
5
José L. SICRE. A Justiça Social nos Profetas, pp. 190.
9
O pobre não está sem nada: pode adquirir trigo (Am 8,4-5). O indigente possui trigo
(Am 5,11), é um agricultor. Quando fala de pobres, indigente ou humildes, Amós pensa em
uma camada social de pequenos agricultores. De fato é significativo que entre os oprimidos
Amós não cite as viúvas e os órfãos.
O pobre é um “justo” (Am 2,6;5,12) como os outros, isto é, um cidadão com plenos
direitos e dignidade humana. O cidadão com plenos direitos é aquele que habita em terra
própria, não se submete a nenhuma tutela e possui os quatros grandes direitos: ao matrimônio,
ao culto, à guerra e a administração da justiça.
Amós não crítica as estruturas políticas ou sociais, mas a conduta injusta, os
comportamentos iníquos e as ações contrárias à justiça.
“Eles que transformam o direito em veneno e lançam por terra a justiça... Eles odeiam
aquele que repreende à porta e detestam aquele que fala com sinceridade. Por isso,
porque oprimis o fraco e tomais dele um imposto de trigo, construístes casas de cantaria,
mas não as habitareis; plantastes vinhas esplêndidas, mas não bebereis o seu vinho. Pois
eu conheço vossos inúmeros delitos e vossos enormes pecados! Eles hostilizam o justo,
aceitam suborno, e repelem indigentes à porta.” (Am 5,7.10-12)
Contra este tipo de injustiça escreve-prega e denuncia a exploração dos pequenos
agricultores, que por questões ridículas são reduzidas à escravidão.
Amós desenvolveu seu ministério de pregação no santuário de Betel durante um certo
tempo e foi, nesse local, o choque definitivo com as autoridades religiosas que o obrigaram a
retirar-se de vez para Técua, sua terra natal. Amós apregoava: “Jeroboão morrerá pela
espada e Israel será deportado para longe de sua terra” (Am 7,11). O choque entre Amós e
Amasias é notável. Eles representam a instituição e o carisma; o trono e o púlpito profético; o
sacerdócio e o profetismo. O profeta não é um partidário da revolução social sempre e a
qualquer custo, não é um herege no sentido de querer derrubar toda ordem constituída e
instaurar uma nova ordem totalmente nova, algo como uma comunidade de santos e pobres,
uma sociedade absolutamente democrática e carismática, libertada de toda instituição estável.
O profeta não é um utopista ingênuo! Todavia é a voz “crítica” que submete toda construção
humana ao julgamento divino.
Assim, o livro de Amós é uma coleção de oráculos, reunidos segundo o critério de
argumento ou de semelhança da forma literária. Provavelmente a pregação de Amós tenha
sido escrita, pelo menos em parte, pelo próprio profeta, [mas sobretudo por seus discípulos];
10
talvez antes de serem escritos, esses oráculos se transmitiram oralmente durante um certo
período.
1.6. Estrutura do livro de Amós
Apresentaremos a estrutura do livro de Amós da seguinte forma:
Cap. 1, 1-2 – Introdução : apresentação do profeta e contexto histórico que ele viveu.
1, 3 – 2, 16 – Oráculos contra os povos vizinhos e contra Judá e Israel e de Judá.
vv.3-5: Damasco
vv. 6-8: Gaza e a Filistéia
vv. 9-10: Tiro e a Fenícia
vv. 11-12: Edom
vv. 13-15: Amon
2, 1-3: Moab
vv. 4-5: Judá
vv. 6-16: Israel e os seus crimes
Cap. 3 – 6: Oráculos referentes a Israel, condenando sua injustiça, luxo, à exploração, a
corrupção dos tribunais e ao culto.
3, 1-2: Introdução: convocação dos filhos e Israel e a palavra de Iahweh contra eles.
vv. 3-8: A vocação profética de Amós como chamado de Iahweh.
vv. 9-12: Denúncia de corrupção de opressão e rapinas nos palácios da Samaria e o fim da
cidade.
vv. 13-15: Oráculo contra o Santuário de Betel, a gente da corte, com as suas habitações
luxuosas.
Cap 4, 1-3: Oráculo contra as mulheres ricas da Samaria, apelidadas de vacas de Basã, que
oprimiam os fracos e os indigentes.
vv. 4-5: crítica do profeta aos santuários de Betel e Guilgal, com lugares de pecado e de
corrupção.
v. 6: oráculo sobre a fome.
vv. 7-9: oráculos sobre a chuva e a seca, sobre os jardins, figueiras e trigos e a praga de gafanhotos
devoradores das oliveiras.
11
vv. 10-11: Oráculo relembrando a peste do Egito e a cidade de Sodoma e Gomorra.
v. 12 – Conclusão: anunciando o castigo divino a Israel
v. 13: Fragmento hínico.
Cap. 5, 1-3: Lamentação sobre à casa de Israel.
vv. 4-7: Fala de Iahweh e fala de Amós. Essa perícope traz uma série de ordens e proibições
contra Betel, Guilgal e Bersabéia.
vv. 8-9: fragmento hínico.
vv. 1-13: Denúncia àqueles que oprimiam o fraco e o indigente e toma dele o imposto do
vinho e do trigo – a exploração no comércio e através da justiça.
vv. 14-15: Admoestações para procurar o bem e não o mal e estabelecer o direito à Porta.
vv. 16-17: Iminência do castigo de Iahweh.
vv. 18-20: O Dia de Iahweh.
vv. 21-27: Denúncia contra a hipocrisia religiosa.
Cap. 6, 1-7: Denúncia contra a opulência de Israel.
vv. 8-14: Anúncio do terrível castigo de Iahweh sobre a casa de Israel.
7 – 9, 10: As cinco visões, confronto com o sacerdote Amasias e a expulsão de Amós no
templo de Betel.
7, 1-3 – Primeira visão: os gafanhotos.
vv. 4-6 – Segunda visão: o fogo.
vv. 7-9 – Terceira visão: o fio de prumo.
vv. 10-17: Conflito de Amós com Amasias
vv. 14-16: Relato de vocação profética de Amós.
Cap. 8, 1-3 – Quarta visão: o cesto de frutos maduros
vv. 1-8: Oráculo contra os defraudadores e exploradores que alteram as medidas e praticam a
injustiça ao vender o seu produto.
vv. 9-14: Série de pequenos oráculos.
Cap. 9, 1-4: Quinta visão: A queda do Santuário de Betel
vv. 5-6: Fragmento hínico
vv. 8-10: Dois oráculos sobre o fim de Israel e anúncio do exílio
vv. 11-15: Conclusão do livro e oráculo da esperança que compreendem:
12
vv. 11-12: restauração do reino davídico 6
vv. 13-14: fartura
v. 15: Permanência na terra prometida.
1.7. As tradições que o livro passou até chegar ao final.
São muitas as reflexões apresentadas sobre a tradição e a redação do livro do profeta
Amós. Resgataremos neste texto aquilo que nos parece ser mais preciso sobre a formulação,
compilação e redação do livro.
Milton Schwantes destaca em seu livro: “Amós meditações e estudos”7 a perspectiva
do livro como uma unidade. Ele apresenta que há indícios evidentes para sustentar esta
afirmação: o início (1. 1 - 1 .2) e o final (9. 11-15), por exemplo, exigem que se leia os nove
capítulos em questão como um só texto.
Esta composição literária de nove capítulos não parece ter surgido de uma só vez. A
pesquisa crítico-literária alcançou mostrar a existência de camadas redacionais: uma acentua a
doxologia, outra a escatologia e a terceira provém do deuteronomismo.
Detectam-se no livro, no mínimo, dois, talvez até três ciclos (nos caps. 1-2 e 7-9 e em
3.3 até 4.3). Trata-se aí de memoriais ainda próximos ao processo de transmissão oral das
palavras proféticas e das primeiras formulações escritas dos ditos. Os memoriais e
formulações escritas incorporam o testemunho dos ouvintes.
Para uma melhor elucidação da tradição e redação procuramos nos centrar nas
reflexões de Robert B. Coote, em seu livro “Amós entre os profetas: composição e teologia”8.
Quanto à data da atividade de Amós, Coote julga que é errônea a opinião tradicional
de que se situa no tempo de Jeroboão II; inclina-se há anos posteriores, mais por volta da
invasão da Assíria de 722. Esse pormenor modifica, segundo Coote, nossas idéias sobre o
profeta e sua mensagem.
Mais importante, porém, são os três estágios de composição do livro.
O primeiro estágio (A) foi composto durante o século VIII (antes de 722);
O segundo estágio (B) foi composto, no século VII;
O terceiro estágio (C) foi composto no século VI, por volta do final do .exílio
babilônico ou pouco depois.
6
7
Milton SCHWANTES. Sofrimento e Esperança no Exílio, p. 64.
Milton SCHWANTES. Amós Meditações e Estudos, p. 88-91.
13
O estágio A condena e anuncia o desastre, o estágio B exorta e oferece escolha, e o C
promete a restauração. O estágio A vê a vida como tarefa falida, o B como tarefa e o C como
dom.
Correspondem ao estágio A os oráculos que se caracterizam por estar dirigidos a uma
classe específica de pessoas, num momento e lugar específicos: aos seguros, aos poderosos,
aos bem alimentados, aos que detêm poderes e privilégios. Os oráculos só têm uma
mensagem básica: os poderosos oprimiram os fracos, a classe dirigente os pobres. Os oráculos
foram comunicados oralmente, de forma direta, e empregam repertório limitado de formas
breves (julgamento, juramento, anúncio de guerra, elegia). Anunciam uma catástrofe
inevitável. Esses oráculos, que podiam realizar-se, ocorrem de fato em 722. O redator do
estágio C pensou que eles voltaram a efetivar-se em 587, quando a classe dirigente de Judá foi
deportada para a Babilônia. No contexto do estágio A, observa Coote que a sociedade de
Amós, cujo traço característico é a oposição entre duas classes: a dirigente e o campesinato.
O estudo do estágio A contém outras sugestões interessantes sobre Deus e a justiça e
sobre o que pretende Amós. Coote alinha-se com os que negam que Amós pretenda converter
seus ouvintes. O que brota dele é um grito de rebeldia, produzido pela opressão. Ele grita
porque Deus o manda fazer, mas não espera emenda e nem que um resto vá se salvar.
O estágio B supõe a atualização das palavras de Amós durante o século VII, do
reinado de Ezequias ao de Joaquim, aproximadamente. Como resultado temos uma obra
bastante ampla (1,1-9,6, salvo pequenas adições posteriores) e escrita. Após o cabeçalho (1,12) encontramos três seções:
I.
1,3-3,8: cinco oráculos que formam advertências a partir de Jerusalém.
II.
3,9-6,14: cinco grupos de oráculos contra Betel.
III.
7,1-9,6: cinco visões ameaçadoras em Betel.
Enquanto o estágio A anunciava o exílio e a morte para a classe dominante, o B
elabora de diversas formas a possibilidade de salvar-se mediante a prática da justiça; enquanto
A se expressa de maneira direta e irônica, B mantém cuidadosa ambigüidade; os oráculos de
A eram autônomos e em B o sentido depende com freqüência da justaposição ou colocação
dentro de conjunto mais amplo; em contraste com A, B oferece futuro aberto e, ironicamente,
8
Robert B. COOTE. Amós entre os profetas. Composição e Teologia. Esta obra é mencionada por Norman K.
GOTTWALD, que também concorda com a teoria de Coote, acerca das tradições do livro de Amós. Essa
reflexão se encontra em Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica, pp. 335-340.
14
crise virtualmente perpétua.
O estágio C, que corresponde aos últimos anos do exílio ou aos decênios seguintes,
supõe a adição de 1,9-12; 2,4-5 no começo da coleção B isto é, os oráculos de Tiro, Edom e
Judá e das promessas finais (9,7-15), afora outras mudanças menores no decorrer da obra. No
estágio A, Deus manifestava sua justiça castigando; no B, forçando decisões; no C, fazendo
desfrutar a salvação.
Enfim, não podemos, dado o caráter de nosso estudo, alongarmo-nos sobre estes
problemas difíceis e complexos. Vale lembrar que cada época de Israel conservou
acuradamente a palavra profética, não como uma peça de museu, mas como palavra sempre
viva e atual.
Concluímos com as palavras de Schwantes: “é possível que existam mais outras
camadas. Tais acréscimos ajudam a compreender a história do texto de Amós”9.
1.8. A mensagem do livro:
Amós é considerado o “profeta da justiça10”. Ele denuncia a riqueza concentrada nas
mãos de poucos e a corrupção dos chefes do povo. Ele ruge contra a opressão cometida contra
os pobres, os pequenos proprietários que eram reduzidos à escravidão e contra toda injustiça
social. Ao criticar a exploração e a opressão ele o faz contra a cobiça e a fraude no comércio
(Am 8, 2-7), à escravidão por dívidas, a exploração econômica e pelos impostos (Am 2,6-16;
8,6; 5,11; 4, 1), à corrupção da justiça (Am 5, 7-12; 2,7), à corrupção da família (Am 2,7); à
prostituição religiosa; contra o culto que promove a morte, em contraposição a Javé, o Deus
da vida a riqueza (Am 3,15; 5,11; 6,4; 3,10) e ao luxo (Am 4, 1-3; 6, 1-7).
Conforme a mensagem do livro de Amós, não há grande esperança para Israel.
Entretanto, há esperança para as pessoas. Apesar dos oráculos proferidos por ele contra Israel
e as cidades vizinhas ele ainda apresenta uma saída para que saiam dessa situação de
corrupção, o retorno a Iahweh.
Situados Amós e a sua obra, partiremos para análises detalhadas, sob diversos
enfoques a partir da perícope de Am 8, 4-8, escolhida para este trabalho.
9
Milton SCHWANTES. Amós Meditações e Estudos, p. 100.
Antônio BONORA. Amós, o profeta da justiça, p. 23-35.
10
15
II. ANÁLISE LITERÁRIA (Am 8, 4-8)
2.1. Delimitação do texto
A perícope escolhida encontra-se no capítulo 8 do livro de Amós. Primeiramente,
temos o relato da quarta visão, a dos cestos maduros (Am 8, 1-3) que apresenta certa
semelhança com a terceira (Am 7,7-9). Ambas relatam a gravidade da situação corrupta que
vivia Israel, e a proximidade de seu fim. As duas visões têm uma conotação escatológica.
Em seguida à quarta visão, encontramos um oráculo contra os comerciantes
fraudadores e exploradores, a perícope que analisaremos (Am 8,4-8). Os textos subseqüentes
apresentam uma série de três oráculos: anúncio de castigo (Am 8, 9-10); a fome e a sede da
palavra de Iahweh (Am 8, 11-12) e novo anúncio de castigo (Am 8,13-14), formando o corpo
do capítulo 8.
A perícope de Am 8,4-8 inicia com uma fórmula no imperativo (tazO-W[m.v): “ouvi isto
vocês...”, e apresenta alguns dos personagens e as ações cometidas contra eles no texto ( !Ayb.a,
~ypia]Voh): esmagar sob os pés os “ebyon” e (#r,a'-yYEnI[ ]tyBiv.l;w) fazer cessar os pobres da
terra. Portanto, pela abertura podemos perceber que Amós está denunciando uma classe que
explora os mais fracos. Porém, apenas o versículo 4 não é suficiente para explicitar quem está
cometendo tal atitude. Recorremos então aos versículos subseqüentes 5 e 6 que nos trazem o
verbo (rbv) vender (cereais) e (‫חת‬p) oferecer à venda e, a outras palavras que demonstram
mercadoria: (rb,V) cereal; (rB) trigo; (hp'yae) efá; (lq,v) peso; (ynEz>am) balança e (@s,K)
dinheiro.
Conseguimos definir que os exploradores são comerciantes, mas ainda fica uma
questão a responder: que tipo de exploração ocorria? Novamente, temos elementos que nos
trazem respostas (hp'yae
(ynEz>amo
tWE[;l.W),
!yjiq.h;l): fazer diminuir o efá (lq,v, lyDIg>h;l.W), tornar grande o peso
falsificar intensamente a balança (hm'r>m) e cometer fraude. Depois dessa
análise, fica claro que são comerciantes fraudulentos que cometem injustiça contra os pobres,
no ato de vender. O versículo 6 faz emergir mais personagens que são explorados os
(~yLiD)
dallîm, os mais pobres para os quais eram vendidos os refugos do trigo.
Assim, os versículos 4 a 6 formam uma unidade em si mesmos em torno do tema dos
defraudadores e exploradores e isso se verifica pelas palavras usadas no versículo 4 ( !Ayb.a)
pessoa necessitada e (#r,a'-yYEnI[)] pobres da terra.
16
Estes versículos também formam unidade em torno do verbo ( rbv) que está no hifil
imperfeito, na primeira pessoa do plural e no versículo 5, encontramos o verbo (‫חת‬p) que está
no qal imperfeito, na primeira pessoa do plural. No versículo 6 o verbo ( ‫ )הנק‬está no
infinitivo construto que significa adquirir, comprar. No mesmo versículo temos a palavra
(@s,K,), dinheiro, prata. Somado tudo isso, temos um eixo temático que é econômico (v. 5). O
versículo 6 apresenta (‫“ )לד‬dal” e (!Ayb.a) “ebyon”, duas categorias de pobres e nos versículos
5e 6 temos o produto que era vendido ( rB), o trigo. Analisando detalhadamente percebemos
que o versículo 6 forma uma unidade com o 4, porque este último apresenta um eixo temático
das classes sociais exploradas (#r,a-' yYEnI[]) e (!Ayb.a,). Deste modo, os versículos 4 a 6 formam
uma unidade a partir do fio condutor: os comerciantes fraudulentos que exploram os mais
pobres, situados no versículo 5.
Os versículos 7 e 8 formam uma unidade, porém a temática se diferencia dos
versículos 4 a 6, mudando de conteúdo, referindo-se à denúncia e ao juramento de Iahweh e
as conseqüências disso. Além dessa mudança de tema, os verbos aparecem no Nifal (três
vezes) e Qal (quatro vezes), enquanto nos versículos 4 a 6, a predominância é do Qal (seis
vezes) e Hifil (6 vezes) e Piel (1 vez). A introdução do Nifal dá ao texto característica de
passividade.
Em relação ao estilo literário, o texto mantém a sua coerência, podendo ser
classificado como oráculo. Em relação aos personagens estes se mantêm nos versículos 4 a 6
e nos versículos 7 e 8, estes desaparecem.
2.2. Tradução Literária:
`#r,a'-yYEnI[]
tyBiv.l;w>
!Ayb.a,
~ypia]Vho ;
tazO-W[m.vi 4
terra da pobres cessar fazer para e necessitada pessoa pés os sob esmagam isto vocês ouçam
rB'-hx'T.p.nIw> tB'V;h;w> rb,V, hr'yBiv.n:w> vd,xho ; rbo[]y: yt;m' rmoale 5
para
trigo oferecermos à venda Shabat o e cereal vender faremos nova lua a passará quando dizer
`hm'r>mi ynEz>amo tWE[;l.W lq,v,
lyDIg>h;l.W hp'yae
!yjiq.h;l.
fazer para
17
fraudulenta
balança falsificar (intensamente) e peso grande tornar para e
efá
diminuir
`ryBiv.n:; rB lP;m;W ~yIl'[]n: rWb[]B; !Ayb.a,w> ~yLiD; @s,KB, ; tAnq.li 6
comprar para
vender fazer trigo do refugo sandálias por necessitada pessoa e pobres mais
pratas
por
`~h,yfe[]m;-lK' xc;n<l' xK;v.a-, ~ai bqo[]y: !Aag>Bi hw"hy> [B;v.nI 7
dele feitos todos perenidade da esquecerei
me não Jacó majestade por Yahweh jurado foi
raok' ht'l.['w> HB' bveAy-lK' lb;a'w> #r,a'h' zG:r>ti-al{ tazO l[;h; 8
por causa de
Nilo rio ao semelhante subir e ela em habitará luto de cobrirá e terra a tremerá não
`~yIr'cm. i rAayKi
hq'v.nIw>
isto
hv'r>g>nIw> HL'Ku
Egito do Nilo rio semelhante mergulhadas e foram lançadas e
todas
2.3. Tradução definitiva
4.Ouçam isto vocês que esmagam sob os pés a pessoa necessitada (oprimido) e fazem cessar
(os) pobres da terra 5. para dizer, quando passará a lua nova e faremos vender cereal e o
Shabat, para oferecermos à venda o trigo e para fazermos diminuir o efá e tornar grande o
peso e falsificar (intensivamente) a balança fraudulenta, 6. para comprar por pratas os mais
pobres e a pessoa necessitada por sandálias e fazer vender o refugo do trigo. 7. Foi jurado por
YHWH, pela majestade (de) Jacó, não me esquecerei da perenidade e de todos os feitos dele
8. Por causa disto, não tremerá a terra e cobrirá de luto todos que habitam nela e subirá
semelhante ao rio Nilo e todas e foram lançadas fora e foram mergulhadas (afundadas),
semelhante ao rio Nilo do Egito.
2.4. Estrutura:
O texto apresenta correlação entre introdução e conclusão. A abertura do texto, no
versículo 4, é um oráculo contra Israel e a conclusão se caracteriza por ser uma ameaça a
Israel, o que nos permite fazer essa afirmação de que existe uma relação intencional
A perícope frisa bastante quem são os explorados. No versículo 4 usa o termo ebyon e
ani arets. No versículo 6 dal e ebyon, novamente. É um texto relativamente simples que não
apresenta uma estrutura formal, rígida com muitos recursos estilísticos nem muitas
18
conjunções estabelecidas, mas sim expressões que frisam bastante o seu conteúdo. O assunto
permanece o mesmo nos versículos 4 a 6, sendo que nos versículos 7 e 8, encontramos o
juramento de Iahweh, feito por causa das ações fraudulentas, relatadas pelos versículos
anteriores.
Apresentaremos graficamente, na página seguinte, a estrutura de Amós 8, 4-8 ,
possibilitando-nos visualizar os núcleos centrais do texto:
19
Sujeito explorador
Categoria
Explorada
Ebyon
ani arets
Ações exploradoras
N
U
C
L
E
O
C
E
N
T
R
A
L
vender grão X vender trigo
diminuir o efá
aumentar o siclo
falsificar balança
indigente por par de
sandálias
comprar o fraco com prata
venda de refugo
do trigo
AMEAÇA
Juramento de Iahweh
lembrança perene das ações
de Israel
Núcleo central da ameaça
Tremor de terra X luto daqueles que habitam a terra
20
A visualização dos pontos centrais do texto é proposital. Em Am 8, 4 temos o sujeito
explorador (comerciantes) e a categoria que exploram são os
(!Ayb.a e os #r,a'-yYEnI[.] As ações
exploradoras se constituem na venda do trigo, grãos, diminuição do efá e falsificação da
balança. Essas práticas fazem com que eles comprem o Graco com pratas, o indigente por um
par de sandálias e vendem a eles o refugo do trigo. As ações exploradoras constituem o núcleo
central do texto. O sujeito explorador, devido às práticas fraudulentas, é ameaçado pelo
juramento de Iahweh que tem lembranças perenes de Israel e provocará tremor de terra e fará
com oque o luto cubra dos habitantes da terra
Depois de visualizarmos os elementos essenciais do texto, elaboraremos sua estrutura:
Amos 8, 4-8, constitui:
A: vv. 4-6: DENÚNCIA
4a – introdução geral: “ouvi isto...” / esmagar o indigente/ eliminar os pobres
4b – introdução: indigente e pobres da terra
5 – origem do sofrimento: ganância e a fraude no comércio (cereais) - QUIASMO
6a – reaparecimento da temática da introdução - vv: 4b e 6a.- fraco e indigente
6b – final da denúncia de origem do sofrimento – comprar o fraco/ o indigente/ e
vender o refugo do trigo
B: vv. 7-8: AMEAÇA
v. 7 – Juramento de Iahveh X lembrança perene das nações
v. 8 – tremor de terra x luta daqueles que habitam a terra
Levantar como o Nilo X revolvida desce como o Nilo
Em nível de estrutura, a perícope nos parece apresentar paralelismos sinonímicos entre
os termos indigente, pobres e fracos e forma um quiasmo nos versículos 4 a 6. Os versículos 7
a 8 formam um bloco e se referem ao castigo, possivelmente àqueles que cometiam esse tipo
de crime em Israel. Basta-nos lembra que em Am 2, 6-8, há uma crítica veemente contra
aqueles que vendem o justo por prata e o indigente por um par de sandálias e em Am 4, os
21
que oprimem os fracos e os indigentes. Nesse sentido, Am 8, 7-8 é uma ameaça a esses
exploradores.
2.5. Comentando o texto:
Para fins didáticos, vamos analisar, apenas Am 4-6, que se refere às
ameaças.Acompanharemos a estrutura elaborada na página 26.
2.5.1. Introdução geral (v.4)
Em Amós 8, 4 temos uma referência bastante concreta da classe que está sendo
explorada pelos comerciantes, o pobre. O profeta apresenta três categorias de pobreza: (!Ayb.a,) ebyon (indigente),
‫לד‬dal (fraco) e yYEn[I ]) - ani (pobres) e para não perdermos o fio condutor
serão estudadas num único bloco. Nestas palavras o profeta mostra aqueles que estão sendo
massacrados por um sistema comercial injusto. Para compreendermos a realidade do período
de Amós, aprofundaremos as palavras levantadas no texto bíblico e exploradas no seu sentido
original, de modo que a sua reconstrução seja a mais genuína possível.
No contexto de Amós, temos que analisar o termo ani. Ele é empregado para alguém
que sofre de algum tipo de incapacidade física ou passa por um tipo de aflição. A palavra ani
forma paralelismo sinonímico com ebyon e dal e se diferencia de ambos, devido ao fato de
dar a idéia de uma disfunção física ou aflição. Em Dt 24, 14-15, o empregado assalariado é
definido como ebyon e ani. Mas ani é indefeso e sujeito à opressão. Em Lv 19,10, o ani, como
o estrangeiro, tem o direito de pegar as respigas do campo. As privações materiais e as
dificuldades conseqüentes estão inteiramente ligadas à opressão social e aflição social, é o que
claramente se tem em mente, em Is 3,14 e Ez 18,17. .e
Com relação a palavra
yYEnI[]) podemos encontrar sua raiz no verbo hn‫ ע‬. Explicitaremos
o verbo nos seus variados troncos, pois ajudará na compreensão do conceito. O verbo hn‫ע‬11 no
Qal traz os seguintes significados: abaixar-se, agachar-se, estar abaixado ou curvado e estar
oprimido. No Nifal, curvar-se, humilhar-se, ser curvado, ser oprimido, ficar fraco. No Piel
maltratar, curvar, oprimir, humilhar, subjugar, violentar e humilhar-se. No Pual: ser
oprimido, ser rebaixado e humilhar-se. No Hifil: oprimir e no Hitpael: curvar-se
11
VV.AA. Dicionário Hebraico-Português e Aramaico-Português, p. 183
22
humildemente, sujeitar-se, ser afligido. É interessante notar que esse verbo possui, com
exceção do Hofal, todos os troncos e sua força está na palavra humilhação. Parece que o seu
sentido se refere a pessoas humilhadas. Posto o verbo nas suas diferentes formas, notamos que
o hebraico traz hn‫ע‬12, significando humilhado, miserável, aflito, oprimido e humilde e hn‫ע‬13
referindo-se à opressão, aflição, miséria, sofrimento. Seja como for, o anaw é um pobre,
vítima da opressão.
A palavra
‫ לד‬provém do verbo ‫ללד‬14, cujo significado é ser e tornar-se pequeno ou
fraco. Assim, ‫ לד‬quer dizer aquele que é magro, deprimido, fraco, necessitado, insignificante
e pobre.
‫ לד‬denota indigência e tem vários sentidos na Bíblia:
fraqueza física (Gn 41,19),
pobre desprovida de bens econômicos (Lv 14, 21; 19,15; Is 25, 4; Jr 5, 4; Am 5, 11; Sf 3, 12;
Sl 41, 2; Jó 5, 16; Prov 21, 13; Rt 3, 10 e Ecl 4,4;35,16), fraqueza de poder (2Sm 3,1), falta de
discernimento (Jr 5,4), desprovido de bens econômicos e materiais (Jr 38,10), ausência de
bens materiais e de poder social, indigente; fraco, necessitado e indigente (Sl 72, 13) e se
refere ao povo pobre da terra, camponeses. Denomina também as pessoas de nível mais baixo
em Israel que os babilônicos deixaram: (2Rs 24, 14), mais pobres da terra pelo imposto (2Rs
25, 12), os mais pobres da terra (Jr 40,7; 50,16), os mais pobres do povo (Jr 52,15). É o
empobrecido por causa da injustiça.
O termo
(!Ayb.a,)
em muitos lugares na Bíblia é definido como pobre (Dt 15,4.7.11; Sl
109, 31; Prov 14, 31), e eram prescritas leis em favor deles (Lv 25, 35-38). São designados
como necessitados (Jo 5, 15; Sl 72, 4.12; 107, 41; 113,7; Jr 20, 13 e Am 8,4). Além desses
termos, encontramos como significado de oprimido (9,19) e desvalido (Is 32, 7).
Conforme Milton Schwantes, em Am 5, 12, encontramos o termo ligado ao contexto
da jurisprudência no Portão15. Seja como for esses pobres eram pessoas livres e podiam levar
suas questões jurídicas à Porta para serem decidida pelos juízes, embora no contexto de Amós
elas eram prejudicadas pela justiça. Nesse sentido, o termo nos leva a uma designação de
fraco e magro e, analisando a realidade do tempo de Amós, podemos constatar que se
tratavam de lavradores que não produziam para outros como escravo ou assalariados, mas
detinham uma parte de sua produção, que era livre. Entretanto, a espoliação acontecia em
relação ao produto final (os atravessadores).
12
VV.AA. Dicionário Hebraico-Português e Aramaico-Português, p. 183.
Ibidem, p. 183.
14
Ibidem, p. 49.
15
Milton SCHWANTES. Amós: Meditações e Estudos, p. 61.
13
23
Podemos pensar em alguns fatores: Amós era um homem que conhecia o campo e os
fenômenos como as pragas (Am 7, 1-3) e as secas (Am 7, 3-6). Ora, em Amós 4-6 parece que
há uma realidade de fome, em que os pobres eram obrigados a se tornar fregueses dos
comerciantes fraudulentos e por necessidade de adquirir alimentos e conseqüentemente se
tornavam aniquilados (Am 8,4).
Schwantes afirma que
(!Ayb.a,)
abrange pobres, fracos, magros, oprimidos, justos,
escravos, lavradores e é um conceito genérico que abarca os demais. 16
Após tentarmos definir o conceito de pobre, é necessário situá-los no tempo em que
eram explorados. Eles não são personagens etéreos,mas sofriam exploração em determinadas
épocas do calendário judaico.
2.5.2. O quiasmo: ganância e a fraude no comércio de cereais (v.5)
No versículo 5 é o quiasmo do texto. Ele nos mostra a ganância e a fraude dos
comerciantes. Isso é evidenciado pelas palavras que assinalamos: lua nova, sábado, trigo,
balança e efá.
A lua nova (vd,xo) marcava o início de cada mês (Gn 8,5; Ex 12,2; 40,2; Nm 29,6) que
era marcado por uma festa, refeições (1 Sm 20,24), por sacrifícios e oferendas especiais: três
décimas de um efá de flor de trigo, novilho, vinho, bode, holocausto e incenso (Nm 28, 11-15;
29,6). A chegada da lua nova relembrava que Deus havia criado um mundo ordenado e nesse
dia não se trabalhava, comiam-se alimentos especiais e ministravam-se ensinamentos
religiosos. Portanto, era dia de festa (2Rs 4, 23), de sacrifícios a Iahweh (Is 66, 23), de festas
de holocaustos, ofertas de manjares e libações, que eram ao encargo dos príncipes (Ez 45, 17)
e se tocavam as trombetas, pois era preceito em Israel (Sl 81, 3-4). Em Nm 10,10 se tocavam
as trombetas sobre os holocaustos e sacrifícios e em Nm 28, 11 se ofereciam em sacrifício
novilho, um cordeiro e mais sete cordeiros de um ano, sem defeito.
A lua nova era um proeminente festival religioso 17 durante o período bíblico é e
mencionado por dois profetas contemporâneos: Is 1, 13-14 e Os 2,13 que condenam as
solenidades, os sacrifícios, o incenso e a assembléia solene. Associada à festa da lua nova
estava também o sábado. Em 1Sm 20, 5 e Ez 46,1 são claramente explicitadas as festas do
sábado e da lua nova. A lua nova e o sábado estão freqüentemente interligados, por exemplo
16
17
Milton SCHWANTES. Amós: Meditações e Estudos, p. 64.
Shalom M. PAUL. A Commentary on the Book of Amos, p. 257.
24
em 2Rs 4,23; Is 1, 13-14 e Os 2, 13. Em Jr 17, 21-27 e Ne 13, 15-22 encontramos referências
sobre a santificação do sábado e a observância do mesmo.
As atividades comerciais eram proibidas naqueles dias, associadas a muitas outras
proibições. No período pré-exílico temos a evidência que também são encontradas em 2Rs 4,
23 e Ex 23, 12; 34, 12.
Os comerciantes desejavam que chegassem os dias de festas para fazer negócio com
os que iam oferecer sacrifícios, visto que as transações comerciais não estavam proibidas nos
dias do tempo de Amós18. Entretanto, podemos encontrar na nota de rodapé da Bíblia de
Jerusalém19, uma afirmação de que a lua nova (Lv 23, 24) e o sábado (Ex 20, 8) interrompiam
as transações comerciais. Seja como for, Amós cita o escrúpulo religioso 20, no norte de Israel,
junto com a apresentação dos sacrifícios (Am 4, 4-5). Eles meticulosamente observavam os
preceitos referentes à lua nova e ao sábado. Neste contexto, de ambivalência, o certo é que, se
era liberado no tempo de Amós o comércio, os mercadores desejavam que chegassem o
sábado e a festa da lua nova para que pudessem convocar o comércio. Ao contrário, também é
possível. Ao passar o sábado e a lua nova estavam os outros dias liberados para vendessem os
seus produtos e cometerem fraudes.
O sábado (tB'V); era a festa mais típica em Israel, pois continuava através dos ritmos
das estações. Era reservado ao descanso, por ser o sétimo dia, e pertencia a Deus porque ele
descansou (Gn 2, 2s). O quarto mandamento prescrevia ao não trabalhar nesse dia e pessoas e
deveria lembrar de tudo o que Deus tinha feito, especialmente a libertação do Egito (Dt 5, 12).
Era o dia de repouso, de lembrar e adorar a Deus (Ex 31, 15-17). Nos tempos antigos os pais e
filhos visitavam o santuário local, onde ofereciam o ensinamento do sacerdote.
Havia diversos regulamentos sobre o sábado (Ez 46,-12) Era um dia festivo (Ex 16, 430), 16-36; 35, 1-3; Is 1, 13; Os 2, 13) e santificado por Iahweh (Ez 20, 12), sinal entre
Iahweh e o povo de Israel (Ex 31, 13) em que o israelita se abstinha de qualquer trabalho.
Guardar o sábado relembrava a fidelidade a Iahweh (1Mc 2, 32, 41) e nesse dia o escravo, a
escrava, o filho, a filha, o estrangeiro que está à porta e os animais deveriam ser poupados do
trabalho (Ex 20, 8-11). Não deveria nem sair de casa (Ex16, 29). Entretanto, quem não o
guardasse cometia grave falta (Nm 15, 32-36). O sábado também era sinal de bens futuros e
escatológicos (Is 56, 1-16; 66,22s; Jr 17, 19-27 e Ez 44, 1-12) e também o triunfo sobre as
alturas da terra (Is 58, 13s).
18
José L. SICRE. A Justiça Social nos Profetas , p. 178.
Bíblia de Jerusalém, ed. 2001, p. 1758.
20
Slalom M. PAUL. A Commentary on the Book of Amos, p. 258.
19
25
Durante esses dias os comerciantes, entre outros produtos vendiam cereais (rb,V,).
Eles eram boa parte da alimentação do povo Israelita. A cevada, o painço, a espelta e o trigo
eram produtos típicos da agricultura de Israel. A cevada amadurecia antes do trigo e sua
colheita acontecia no verão e constituía o alimento dos camponeses mais pobres. O painço,
muito parecido com o centeio fornecia um pão de qualidade inferior. Ezequiel o menciona
como um alimento apropriado em tempos de carestia e de escassez de alimentos (Ez 4,9). A
espelta era um tipo pobre de trigo. O trigo (rB) fornecia a farinha de melhor qualidade e era
usada para fazer o pão oferecido pelos sacerdotes a Deus.
Nos tempos antigos os grãos eram moídos entre uma pedra maior e outra menor. Mais
tarde a técnica evoluiu e passou a usar um moinho manual girando sobre uma mó. As
mulheres eram quem faziam o pão. Elas trituravam os grãos formando uma farinha grossa
misturada com água e sal e usavam fermento do dia anterior para que a massa pudesse
levedar.
Os comerciantes para venderem os cereais usavam medidas, como o efá (hp'ya),
equivalente a 45 litros e a balança (!zam). Nas Escrituras as escalas honestas, os pesos,
medidas e balança são estritamente exigidos. Em Lv 19, 36 recomenda que não se cometa
injustiça nos pesos, medidas e balanças. Ez 45, 10 prescreve usar balanças justas e Dt 25, 1316 ressaltava a importância de se ter peso justo. Conforme a Bíblia os desonestos são sempre
reprimidos. Em Prov.11, 1; 20, 23 a balança falsa não é boa e se torna abominação para
Iahweh, mas as balanças justas pertencem a Iahweh. Os profetas Oséias e Miquéias
denunciavam as falsas balanças. Os 12, 8, referia-se à balança de Canaã que costumava
cometer extorsão e Mq 6, 10-11, denunciava as balanças falsas e criticava aqueles que
adulteravam o peso.
Portanto, no tempo de Amós a balança era uma forma de obter lucros ilícitos, através
da adulteração de pesos e também de medidas.
2.5.3. A compra dos pobres e dos indigentes (v.6)
O versículo 6 se refere à compra dos pobres a à venda do refugo do trigo para eles.No
ato de compra e venda usa-se, geralmente, o dinheiro ou a prata (@s,K). A prata recém
garimpada e derretida Pv 25, 4; 26, 23; Ez 22, 18 era o material usado em utensílios,
trombetas e ídolos Gn 44, 2; 24, 53; Nm 10, 2; Ex 20, 23; Is 2, 20. Na Bíblia o termo prata é
empregado várias vezes: a riqueza de Abraão em prata e ouro (Gn 13,2), valor ou preço de
26
algo (Gn 23, 9; 1Cr 21, 24; 2Sm 24,24) valor devido atribuído à mercadoria (1Cr 21, 22);
dinheiro propriamente dito (Dt 2, 6; 2, 8; 14, 25; 21; 14; 1Rs 21,6; Is 43, 24; 52,3; Jr 32, 25;
32, 44; Lm 5, 4; Am 2,6; 8,6 e Mq 3, 11). Como prata encontramos (Js 22,8; Is 48, 10 e Jr
10,4) e prata como riqueza (Esd 1, 4; Ez 27,12)
A prata era o padrão usual de comércio. No tempo de Moisés dois siclos de prata eram
o preço de um carneiro Lv 5, 15. As moedas de prata eram usadas na Grécia já em 670. No
Antigo Testamento não encontramos claras referências a moedas de prata, mas é possível que
Esdras 8, 27 esteja mencionando as moedas de ouro dos persas.
O outro e a prata foram usados já bastante cedo, mas as moedas passaram a vigorar a
partir do século VIII, ou seja, A cunhagem de moeda começou aproximadamente nesse
período e as primeiras moedas eram peças de metal padrão impressos em selo Um siclo não
era uma moeda, mas um peso de ouro ou prata. Os negociantes carregavam consigo grandes
quantidades de metal que era preciso pesar e testar. Muitas vezes a moeda era denominada
pelo peso que pesava. Amós usa o termo Sheqel, que pode ser traduzido por peso. Um sheqel
equivalia a 13 gramas.
Amós se refere à compra de um indigente por um par de sandálias (‫)לענ‬, que era
como que uma nota promissória da terra dos pobres que diante dos comerciantes gananciosos
eram vendidos.
O significado das sandálias21, no Antigo Testamento em geral é
‫לענ‬, ocorrendo vinte
vezes22. O termo está ligado a vários sentidos: realeza, riqueza, opulência, valor e abundância.
As sandálias eram freqüentemente usadas pelos egípcios e os artistas as representavam sendo
usadas apenas por membros da família real. No mundo semita era sinal de contrato de
casamento e de vida juntos.
Os israelitas andavam descalço, mas conheciam as sandálias 23. Os sapatos ou botas
eram usados pelos soldados assírios (Is 9,4). Na linguagem bíblica a sandália ou calçado tem
significado especial. Deixando-o sobre algo podia se tornar posse dele (Sl 60,10). Nos tempos
mais antigos, a confirmação de um resgate ou troca se dava mediante ao ato de um tirar o
calçado e entregar ao outro (Rt 4, 7s). Aquele que se negava casar com a cunhada, deveria ter
as sandálias tiradas dos pés como sinal de desprezo (Dt 25, 8s).
Analisados os significados das palavras da perícope, buscando alargar a compreensão
21
Ad de VRIES, Dictionary of Symbols and Imagery, p. 399-400.
The Interpreter‟s Dictionary of the Bible, p. 213.
23
Samuel VILA e Darío A . SANTA MARIA. Diccionário Bíblico Ilustrado, p. 1051.
22
27
do texto, partiremos para a etapa posterior, explorando-as, a partir de uma óptica sociológica.
As análises semântica e sociológica, somadas às outras constituem tijolos para a reconstrução
do texto bíblico e a sua atualização para os dias hodiernos.
III. ANÁLISE SOCIOLÓGICA: REALIDADE DO TEXTO
Para maior aprofundamento do texto bíblico e, a sua reconstituição no tempo, torna-se
necessário uma análise profunda, no que diz respeito a alguns pontos fundamentais. Eles se
referem ao aspecto econômico, social, político e ideológico-religioso. Sem eles o processo
exegético fica coxo. Em qualquer sociedade, seja ela a mais jurássica ou a mais evoluída, são
estabelecidas relações econômicas, à base de troca, como faziam as primeiras sociedades ou
através do uso do dinheiro, no caso das mais evoluídas. No mundo bíblico não era diferente.
3. 1. Aspecto Econômico:
Assim, analisaremos a Economia no contexto de Amós 8, 4-8, que nos vai permitir
compreender a sua denúncia profética.
Para nos auxiliar na reflexão levantamos algumas palavras que denotam sentido
econômico: indigentes, pobres da terra (v.4), a venda de grão, trigo, efá, siclo, balança (v.5),
fraco e prata (v. 6). Quando assinalamos indigentes, pobres e fracos, que representam uma
categoria social, junto àquelas que se referem à economia, queremos mostrar que o fator
econômico e o social têm uma relação muito intrínseca e se há desigualdade social, é porque a
economia não está estabelecida de forma igualitária.
Na perícope que escolhemos Am 8, 4-8, a crítica que Amós faz não é exatamente às
pessoas, mas às ações que eles praticavam. Os camponeses possuíam grandes quantidades de
cereal e dispunham a emprestá-los àqueles que necessitavam. Para isso, usavam meios
fraudulentos que consistiam na diminuição do efá, quando entregavam o cereal e aumentavam
o siclo da balança, ao receberem de volta aquilo que emprestaram. Essa ação, através de
meios fraudulentos, dificultava a devolução do empréstimo pelo pobre, que tinha sua
propriedade, seu pedaço de terra em seu poder e acabava perdendo-os, o que consistia num
ato de injustiça, ligada à Porta, visto que esta instituição deveria ajudar os camponeses para
que pudessem justamente saldar suas dívidas.
Amós se dirige a um grupo de pessoas que ele mantém anônimo, mas pelas práticas
podemos identificá-los como comerciantes. Eram pequenos produtores e tinham relação direta
28
com os consumidores. Não havia intermediários, porque o grande comércio internacional ou
grandes atividades comerciais eram praticados pelos fenícios e assírios 24. No contexto de
Amós, a injustiça estava relacionada ao cidadão médio que mede, que pesa, maneja a balança,
enfia sua mão no trigo e/ ou outros produtos que vende. Em Am 5b são nítidas as trapaças:
redução das medidas, aumento do preço e adulteração da balança. Nesse sentido, a denúncia
de Amós se embasa numa preocupação já encontrada anteriormente pela Bíblia, com relação à
balança, demonstrando que essa prática ocorria em Israel. Se analisarmos Dt 25, 13-15
verificamos que não se devia ter dois tipos de peso e duas medidas, mas um peso e uma
medida íntegros e justos. Outro relato semelhante é encontrado em Lv 19, 35-36, ao
prescrever que não se deveria cometer injustiça nas medidas, de peso ou de capacidade, mas
se deveria ter balanças, medidas e quartilhas justas. Vale lembrar que, neste último caso, o
alerta não é apenas para a balança, mas para medidas de cumprimento e outras medidas.
Desse modo, ser justo na prática comercial, não alterando pesos e medidas, traz também uma
conotação espiritual, visto que aquele que age justamente é abençoado por Iahweh (Prov
11,1), mas aquele que usa dois pesos e duas medidas é abominado por Ele (Prov 20, 10),
porque a balança falsa não é boa (Prov 20,23).
Em Am 2, 6a trata-se do comércio humano em que as pessoas eram submetidas à
servidão25, em benefício próprio daqueles que dominavam economicamente. Em Am 2, 6a, a
condenação é explícita contra aqueles que vendem os inocentes e os pobres como escravos.
Quem os compra, segundo o profeta, comete o mesmo pecado de quem os vendeu. Assim, a
atitude dos comerciantes afetava a vida cotidiana dos pobres em questão de sobrevivência, no
caso do alimento26. Era um comércio ilícito que empobrecia os pobres, tornando-os
dependentes e reduzidos à escravidão (Am 5, 7-12; Mq 6,15; Sf 1, 13). Portanto, a crítica de
Amós é em relação à exploração aos mais fracos da sociedade e pode ser constatada na sua
crítica às Vacas de Basã (Am 4, 1) que oprimiam os fracos e os indigentes.
Em Am 5, 10-12, temos outra ocorrência de exploração. Os pobres do versículo 11
estavam em poder de camponeses que se enriqueciam ilicitamente com o resultado do
arrendamento de suas terras, conseguindo extorquir de outrem uma oferta em cereal. Eles
adquiriam uma quantidade maior de cereal e emprestavam a quem necessitasse. Na ocasião
do empréstimo e também da devolução, agiam dolosamente, adulterando pesos e medidas,
como em Am 8, 4-6, de modo que “a opressão social e exploração econômica pode, pois ter
24
Gabriel WITASZEK. I profeti Amos e Michea nella lotta per la giustizia sociale nell VIII secolo a. C, p 60.
Ibidem, p. 61.
26
Ibidem, p. 61.
25
29
sua origem também entre pessoas de uma mesma classe social, no caso o campesinato, sem
interferência do Estado tributário e as suas instituições 27. Não podemos deixar de ressaltar
que que Milton Schwantes relembra que “a exploração econômica, em geral, ocupa lugar de
destaque: 3, 10: 12, 13-15; 4.1; 5, 11; 6, 4-5, 11. Há opressão (3, 10) generalizada. Essa
exploração é expressa em verbos, tais como „entesourar/ amontoar‟ (3, 10), „oprimir‟ (, 39;
4, 1) e „extorquir tributo‟ (5, 11)”28.
3. 2. Aspecto Social:
A Economia por sua vez não é algo etéreo. Ela se localiza entremeio às relações
sociais, ajudando-nos a compreender o aspecto social no tempo de Amós. Pelo relato de Am
8, 4-6 conseguimos descobrir que havia pessoas que controlavam os meios de produção e,
consequentemente, determinavam os diferentes estratos sociais. Havia um conflito social:
justiça x injustiça, medida justa x adulteração das balanças, indigentes x comerciantes. Essa
realidade era comum e preocupante em Israel. Em Miquéias encontramos o mesmo problema
que em Am 8, 4-6. Ele indaga: “como posso eu suportar uma medida falsa e um efá
diminuído, abominável? Posso eu inocentar as balanças falsas e as bolsas de pedras
falsificadas?” (Mq 6, 10-11). Oséias também denuncia ao afirmar que Israel é semelhante à
Canaã que tem uma balança falsa e gosta de extorquir.
No oráculo contra Israel, o profeta protesta contra aqueles que vendem o justo por
prata e o indigente por um par de sandálias. Isso significa que a justiça estava sendo
corrompida e vendida e, para o profeta, isso era inconcebível (Am 2, 6-8). O próprio Amós
condena essa prática ao afirmar que o direito estava sendo transformado em veneno (Am 5, 7)
e o fruto da justiça, em absinto (Am 6, 12). A denúncia profética acerca da prática da injustiça
é também encontrada em Isaías, ao criticar os príncipes por serem ávidos para subornar e
incapazes de fazer justiça ao órfão e à viúva (Is 1, 23).
No que se refere à sociedade no tempo de Amós havia a opressão sobre os fracos e
indigentes e as Vacas de Basã, juntamente com seus maridos, eram responsáveis por isso (Am
4, 1)
Posta essa questão de fundo, conseguimos nos situar dentro do texto de Am 8, 4-8,
através da denúncia do profeta, de que a origem do sofrimento dos
(dallÎm)
27
yYEn[I ])
!Ayb.a,
(ebyon)
~yLiD;
(ani) são devido à ganância e a fraude no comércio, àqueles elementos
Haroldo REIMER. Agentes e mecanismos de opressão e exploração em Amós, p. 60.
30
fundamentais de sobrevivência do faminto em relação ao opulento. Essa prática ilícita dos
comerciantes reduziam os pobres reduzindo-os à escravidão. Em outras palavras, poderíamos
dizer que nas três categorias sociológicas empregadas por Amós, há uma gradação, conforme
o tipo de exploração, isto é, temos o
!Ayb.a, que são aqueles trabalhadores que detinham parte
da sua produção livre e dela tiravam seu sustento e que era seu sustento e podiam se dispor
dela. Ora, a prática fraudulenta no comércio os reduzia a
LiD;/~yLiD;,
tornando-os
insignificantes, fracos, transformando-os em ani, oprimidos, miseráveis, indefesos e vítimas
da opressão. Essa opressão era exercida pelos pequenos comerciantes camponeses que
"tinham cereal armazenado, dispunha-se a oferecê-lo como empréstimo a quem necessitava 29.
Agindo de modo fraudulento, dificultavam a devolução do empréstimo pelos pobres
camponeses empobrecidos, que facilmente seriam comprados30, pois jamais conseguiam
pagar o empréstimo.
Apresentado esses parâmetros que nos esclarecem a realidade micro social em Am 8,
4-8, surge uma outra pergunta: por que havia pobres? Se percorriam uma gradação, conforme
referimos:
!Ayb.a,, ~yLiD;, yYEn[I ])
é porque não só a prática adúltera das balanças e medidas
vigorava. Por que havia os ebyon? Não poderia ter uma igualdade social, se na época de
Jeroboão II, a situação econômica de Israel era privilegiada pois a situação geográfica daquele
lugar era estratégica, havendo grande trânsito comercial das grandes caravanas vindas do
Egito e exportação de produtos agrícolas como o vinho, o trigo e o azeite. Neste caso, a
resposta se situa em nível macro-sócio-econômico.
Na realidade o que se constata em Amós é que os
!Ayb.a,, ~yLiD;, yYEn[I ])
já vinham
desgastados, não só pelos comerciantes, ou seja, havia uma estrutura que os reduzia ao nível
da pobreza: os governantes e aristocracias urbana e rural estavam vinculadas à casa real,
viviam no luxo, na opulência e detinham as melhores terras, as casas de inverno e de verão e
de marfim (Am 3, 13-15), estavam deitados em leitos de marfim, estendido nos divãs,
comiam cordeiros do rebanho e novilhos do curral (a melhor carne), bebiam o melhor vinho,
ungiam-se como o melhor óleo e ouviam músicas (Am 6, 1-7). Consequentemente, os
pequenos proprietários lavradores, a força produtiva era profundamente explorada, pois eram
obrigados a sustentar os ricos.
28
Milton SCHWANTES. Amós meditações e estudos, p. 58.
Haroldo REIMER. Agentes e mecanismos de opressão e exploração em Amós, p. 57.
30
Idem, p. 57.
29
31
É claro que para manter essa estrutura, é necessário uma outra que Amós abomina, o
exército (Am 1, 13-14; 2, 14-16) que abre as entranhas das mulheres grávidas (Os 14, 1) e são
utilizados para alargar o território. Como se não bastasse, a justiça era de acordo com
interesses, os poderosos controlavam leis e tribunais para manter a situação de subserviência
dos pobres (Am 5, 15). Se um camponês fosse processado por dívidas seria facilmente
reduzido à condição de escravo até seus últimos dias. Ora, somado tudo isso, mais o aspecto
ideológico que desenvolveremos posteriormente, aliada à exploração econômica denunciada
em Am 8, 4-6, de fato, faziam esmagar sobre o pó da terra, a cabeça dos fracos e tonavam
torto o caminho deles (Am 2, 2). Com certeza, a partir disso chegamos a uma situação gritante
de injustiça nesse período, percebida também por Miquéias ao afirmar: “vós odiais o bem e
mais o mal, arrancam a pelo e a carne, quebram os ossos do povo e a comem” (Mq 3, 1-3).
Fazem tudo isso, porque detestam o direito, torcem o que certo, julgam por suborno, os
sacerdotes ensinam por salário e os profetas profetizam por dinheiro (Mq 3, 9-11), de modo
que não há justos entre os homens (Mq 7, 1-3).
Portanto, no tempo de Amós, os grupos sociais que ele direciona sua profecia são os
“sacerdotes, comerciantes, juízes, donos de escravos, a leite da capital e, em especial os
militares (...) estes ameaçados não só encontram na cúpula do poder (...), mas também nos
povoados e vilarejos”31.
3. 3. Aspecto Político:
Além do dado econômico e social, temos que analisar a Política que é a instituição
controla da economia, das relações sociais e que determina o poder. Já assinalamos
anteriormente alguns aspectos, mas queremos aprofundá-los devidamente.
Amós viveu nos dias de Jeroboão II, filho de Joás, rei de Israel (Am 1,1). Isso nos
contextualiza dentro do regime político, a monarquia que foi o grande problema de Israel,
destruindo o sistema tribal e produzindo enorme contigente de pobres. A monarquia foi o
espinheiro de Israel, conforme o Apólogo de Joatão (Jz 9, 7-15). Embora, fosse um regime
massificante, na época de Jeroboão II, o reino do Norte (Israel) se recuperou da crise, manteve
bom relacionamento com Judá (Sul), seu reino irmão, alargou as fronteiras territoriais e
comerciais e, atingiu o apogeu econômico, visto que não havia nenhuma superpotência da
época que se opusesse à política expansionista de Jeroboão.
31
Milton SCHWANTES. Amós meditações e estudos, p. 45-46.
32
Colocados esses elementos, analisaremos a origem da ganância e a fraude no
comércio, agora sob o ponto de vista da política. Conforme já mencionamos, além do poder
real, havia um grupo que exercia o poder na sociedade que viveu Amós: os governantes e as
aristocracias rurais e urbanas. As aristocracias detinham o controle da terra, dos meios de
produção, da lei (justiça) e também da religião: “os mecanismos para garantir a „dolce vita”
e eternizar a exploração e opressão dos camponeses são a tributação em espécie, o trabalho
forçado temporário (corvéia), a coação religiosa e a coerção pelas armas”32. É interessante
notar que Amós abre o seu livro criticando o exército. Entretanto, o livro não menciona o
conflito dos pobres contra o exército, o que é justificável, mas a ação deste sobre o povo.
Havia uma política monopolista em que o poder era transmitido por herança e por
interesses, de acordo com alianças estabelecidas entre essas classes, embasadas pelo aspecto
econômico. Numa sociedade centrada na mão de poucos, fica fácil deduzir como se pratica a
justiça. Há anomia total em relação aos pobres e as leis promulgadas são para favorecer os
opulentos e massacrar os !Ayb.a,,
~yLiD;, yYEnI[]).
Em Am 5, 15, encontramos o grito profético: odiai o mal e amai o bem, estabelecei o
direito à Porta”. Essa admoestação é importante para a compreensão da realidade política. A
Porta era o lugar onde acontecia o julgamento das causas. Os anciãos assentados à Porta da
cidade eram responsáveis pela justiça (Dt 21, 19), julgavam sobre questões de virgindade (Dt
22, 15), pela corroboração de acordos acerca das propriedades (Rt 4, 9.11) e julgavam casos
de homicídios (Dt 19, 12: 21 1ss e Js 20, 4). Em síntese, era um tribunal. Entretanto, era na
Porta que acontecia também o comércio (Am 8, 4-6) e lá os pobres eram explorados. Portanto
os pobres eram explorados no comércio, através da fraude nas balanças (Am 8, 4-6) e na
justiça.
Como se não bastasse a exploração por tributação era feita pelo rei, mas havia a
tributação em espécie, a corvéia e o instrumento coercitivo era o exército. Essa instituição
necessitava de três elementos básicos: homens, comida e dinheiro para armamentos. Isso era
desastroso, pois a espoliação atingia o seu píncaro. As famílias camponesas eram obrigadas a
fornecer seus filhos para o exército, a comida para o sustento das tropas, além do pagamento
de impostos tributados pelo Estado33. A situação era paradoxal, pois esse mesmo exército que
era sustentado pelos pobres oprime-os em nome da manutenção da estrutura do poder.
No contexto de Amós a política determina as relações de produção e de trabalho em
favor dos abastados. São notórios a corvéia, o trabalho forçado, a produção para o sustento
32
Haroldo REIMER. Agentes e mecanismos de opressão e exploração em Amós, p. 55.
33
das Vacas de Basã, para que pudessem usufruir as casas de verão e inverno, às custas dos
camponeses.
A corrupção política era tão grande que afetava até mesmo as relações sociais. Era
uma política de exploração que iniciava com o rei, governantes, anciãos, comerciantes, que
não se exploravam entre si, mas o faziam com o pobre. Era uma estrutura gananciosa,
fraudulenta que comprava as pessoas às custas do seu próprio sangue.
3. 4. Aspecto Ideológico-Religioso:
Além das instituições que exploravam os pobres, a Justiça e o exército, a Religião era
usada para apaziguar a resistência dos grupos oprimidos. Essa prática faz Amós criticar
abertamente a prática dos Santuários de Betel e Guilgal. Eles não eram lugar da manifestação
de Iahweh, mas de multiplicação dos pecados (Am 4, 4-5). Eram lugares de morte, de
iniqüidade e aquele que quisesse viver deveria procurar Iahweh e não os santuários (Am 5, 46). O asco de Amós encontra seu eco na crítica à hipocrisia religiosa: “eu odeio, eu desprezo
as vossas festas e não gosto de vossas reuniões, porque, se me ofereceis holocaustos não me
agradam as vossas oferendas e não olho para o sacrifício de vossos animais cevados. Afasta
de mim o ruído de teus cantos e eu não posso ouvir o som de tuas harpas (Am 5, 21-23).
Portanto, a religião e os santuários eram instrumentos ideológicos para manter o povo
passivo frente à exploração. Os sacrifícios exploravam os pobres, estes tinham que pagar
tributos religiosos. Vale lembrar que o rei tinha o seu santuário e, através do sacrifício, com a
ajuda das Vacas de Basã, com seus profetas, sacerdote, a lei e exército exploravam o povo.
Foi no Santuário do rei, Betel, que Amós entrou em conflito com o sacerdote Amasias (Am 7,
10-17).
Os profetas sempre combateram o ritualismo religioso externo sem a conversão
interior. Assim, Is, 1, 10-16 crítica a hipocrisia do ritualismo exterior, que aproxima com
palavras, glorifica com os lábios, mas mantém o coração longe de Iahweh (Is 29, 13-14). Para
romper os grilhões da iniqüidade era necessário um verdadeiro jejum (Is 58, 1-8), rasgando os
corações, voltando para Iahweh (Jl 2, 13). O profeta Miquéias também critica os holocaustos e
libações e conclama o povo a praticar o direito, gostar do amor e cantar humildemente com o
Senhor (Mq 6, 5-8). Jeremias detestava o incenso que vinha de Sabá e cana aromática
proveniente dos países vizinhos (Jr 6, 20), referindo-se aos rituais religiosos.
33
Haroldo REIMER. Agentes e mecanismos de opressão e exploração em Amós, p.54.
34
Portanto, no que diz ao aparato ideológico-religioso, no tempo de Amós, devemos
levar em consideração que era exercido pelo exército, pela religião, pela corte e pelo
santuário. Essas estruturas são criticadas pelo profeta ao longo do seu livro. Entretanto, faz-se
necessário um olhar para o Am 8, 4-8 que traz alguns elementos bastante ligados à religião
semita: o sábado e a lua nova.
Nos versículos 5a-5b, o profeta usa as palavras dos próprios acusados para demonstrar
as suas práticas. Eles se queixam por ter que respeitar os dias festivos, que os faria reduzir os
seus lucros. Para eles o trabalho e o tempo eram mais importantes do que os preceitos
religiosos estabelecidos pelo povo, justificados pelas leis de Iahweh. Em conformidade com o
que vimos anteriormente, na análise semântica, o sábado era de fundamental importância para
o israelita, mas para os comerciantes esse costume não tinha sentido, porque não interessavam
prestar culto a Deus, mas enriquecer-se. Diante disso, o profeta que condenava veemente o
culto (Am 4, 4-5; 5-46.21-27), agora critica os que não amam os dias festivos dedicados a
Iahweh34.
O sábado e a festa da lua nova ou noemia impossibilitavam os lucros no comércio. No
período de Amós, o sábado e a lua nova eram as festas religiosas nas quais era obrigatória a
abstinência do trabalho. Essas prescrições estavam ligadas ao Ex 20, 9-10; 23, 12; 34, 21 e Dt,
5, 13, 14, que resguardavam o direito de guardar o sábado e suspendiam todas operações
comerciais. Conseqüentemente, era uma festa que tinha oposição da classe comerciante, mas
era menos rigorosa no tempo de Amós do que no pós-exílio, em que se observavam
rigidamente tais práticas.
Analisando essa conjuntura, a conclusão que se chega é que se de um lado tínhamos o
Santuário e seus mantenedores exploram os pobres, por outro, temos a queixa dos
comerciantes com relação ao sábado e a festa da lua nova que apresenta certa ambigüidade.
Suas lamentações eram porque essas duas festas cessavam as atividades ou era porque
queriam que as festas chegassem para que expusessem seus produtos no Santuário? Seja como
for, o dado concreto era que os comerciantes utilizavam as festas religiosas para vender seus
produtos: quem iria vender os cordeiros, o óleo e o trigo que deveriam ser entregues aos
sacerdotes? Eram os comerciantes, com certeza.
Após termos levantado esses aspectos, não podemos nos esquecer de um dado que
aparece em Am 8, 7: (`~h,yfe[]m;-lK'
xc;nl< ' xK;v.a,-~ai bqo[]y: !Aag>Bi hw"hy> [B;v.nI) – foi jurado
por Yahweh pela majestade de Jacó não me esquecerei da perenidade de todos os feitos
34
José L. SICRE. A Justiça Social nos Profetas , p. 180.
35
deles. Esse versículo destoa do conjunto do texto Am 8, 4-6, mas parece trazer uma
perspectiva de esperança àqueles que estão sendo massacrados. A opressão econômico-sóciopolítico e religiosa, somada às falcatruas dos comerciantes, parece afetar o coração de Iahweh.
Ele não esquecerá jamais as ações cometidas contra seus preferidos, os pobres. Essa
referência (v.7) nos faz lembrar outra expressão muito antiga, o dia de Iahweh, significando a
vitória de Israel sobre seus inimigos e usada por Amós. Entretanto, no contexto do profeta,
refere-se às Vacas de Basã (Am 4, 1-2) e seria um dia de angústia, de tribulação, devastação,
destruição, trevas e escuridão, de castigo, da ira de Iahweh sobre Israel (Sf 1, 15) que terá as
festas transformadas em luto, os cantos em lamentações (Os 2, 13) e um dia de amargura (Am
8, 9-10).
Assim, após termos analisado sociologicamente Am 8, 4-8, a partir destes quatro
ângulos e do contexto geral do livro e também de outros profetas, fica bastante claro que os
ebyon, dal e ani eram explorados por todas as instituições e até pelos próprios camponeses. A
única coisa que lhes restavam era aguardar o dia de Iahweh, a única fonte de esperança e de
justiça que tinham.
IV. OS POBRES DA TERRA: MASSACRADOS PELA MISÉRIA E ESPOLIAÇÃO
A expressão que escolhemos para a análise do cotidiano, os #r,a'-yYEnI[] (pobres da terra)
ou “oprimidos do campo”35 é usada apenas duas vezes na Bíblia, em Am 8, 4 e Sf 2, 3, e era
um grupo de miseráveis. Considerando a realidade de Amós, poderíamos dizer que a
expressão é uma síntese sociológica da sua profecia acerca da pobreza no seu tempo, em
todos os níveis, fruto da economia, da sociedade, da política, da religião e cada uma com seus
órgãos executores, como o exército e a justiça. “Amós é parte do campesinato pauperizado
pela economia expansionista de Jeroboão II (e de Uzias) (...) que relata as experiências de
dor de todo um campesinato extorquido. Amós é porta-voz de suas dores. É um de seus
companheiros”36.
Amós e/ou grupo tinha(m) conhecimento geopolítico da região que vivia. Conhecia a
realidade de Damasco que arrasou de forma violenta as terras de Galaad (Am 1, 3-5), Gaza e
Filistéia, devido ao fato dos filisteus serem traficantes de escravos (Am 1, 6-8), Tiro e Fenícia
que violam o pacto que culmina com a invasão de Edom (Am 1, 11-10), Edom que foi omisso
em relação a Israel (Am 1, 11-12), Amon que na conquista de Gaalad destruiu o ventre das
35
Milton SCHWANTES. Amós Meditações e Estudos, p. 64.
36
mulheres grávidas (Am1, 13-15), Moab que recusou sepultar o rei, o que era sinal, na época
de maldição e imoralidade (Am 2, 1-3), Judá que não obedece aos preceitos de Iahweh e
pratica a idolatria (Am 2, 4-5) e Israel que é denunciado pelos crimes que pratica contra o seu
povo (Am 2, 6-16). Todas essas cidades cometeram atrocidades, especialmente às suas
populações. Conseqüentemente, os danos provocados atingiam os mais pobres da sociedade.
É dessa leitura da realidade do mundo que o cercava e do conhecimento histórico que o
profeta formula a sua profecia e critica a sociedade israelita. O desastre das outras nações lhe
dá clarividência de que se Israel não mudar a sua conduta será castigado por Iahweh.
Israel é criminoso perante aos olhos de Iahweh (Am 2, 6-16) e a sua prática prejudica
os mais pobres, tornando-os #r,a'-yYEnI[.] Cabe um olhar atento aos profetas para buscarmos uma
resposta plausível que justifique o termo usado por Amós. Encontraremos as causas da
pobreza em Israel: em Am 8, 5s as fraudes no comércio, faziam com que os comerciantes
comprassem os fracos por pratas, o indigente por um par de sandálias e aos pobres era
vendido o refugo do trigo. Os campos e as casas eram roubados, as pessoas eram oprimidas e
presas, porque suas dívidas aumentavam com os seus credores e os endividados não tinham
condições para solvê-las (Mq 2, 1-2). Além disso, os magistrados detestavam o direito,
edificavam as construções com o sangue dos pobres, julgavam as causas por suborno, os
sacerdotes cujo dever era instruir faziam-no por salário e as profecias eram compradas (Mq 3,
9-11). Usavam pesos e medidas falsos (Mq 6, 9-12) e cometiam fraudes e violências (Sf 1, 9).
A situação era tão gritante que até na orla das roupas dos nobres encontrava-se o sangue dos
cadáveres dos pobres inocentes (Jr 2, 34), porque tudo lhes era tirado, até seus despojos eram
levados para a casa dos príncipes e anciãos (Is 3, 14) e, como se não bastasse, não se fazia
justiça ao órfão, não se defendia a causa da viúva e não se combatiam os grandes que não
guardavam o direito (Is 1, 17.23), pois as leis iníquas oprimiam, despojando os fracos do
direito, privando da justiça os pobres do povo, despojando as viúvas e saqueando os órfãos (Is
10, 2) e, por fim, o povo da terra exercia a extorsão e praticava o roubo e oprimia o pobre e o
indigente (Ez 22, 29).
Esses elementos que colocamos nos ajudam a compreender quem são os
#r,a'-yYEnI[].
Eles são o resultado de um sistema que lhe tira a dignidade. São a síntese da indigência, da
fraqueza e da opressão. Desse modo, não se pode caracterizá-los apenas como pessoas sem a
terra propriamente dita. De fato, são sem terra, endividados, escravos, marginalizados e
oprimidos, há outras camadas também, incluindo os órfãos, as viúvas que Isaías defende,
36
Ibidem, p. 40.
37
posteriormente. Assim, “no caso de Amós estas observações já mostram que Amós soube
aglutinar, sob uma conceituação mais ampla, os diferentes tipos de pessoas e os variados
setores que defendia”37.
Os
#r,a'-yYEnI[] se encontram nessa situação pois aqueles que controlam a sociedade se
esqueciam dos princípios de legislação humanitária prescritos pelo Deuteronômio: “não
afligirás o estrangeiro nem o oprimido, pois vós mesmos fostes estrangeiros no país do Egito.
Não afligireis nenhuma viúva ou órfão (...) se emprestares dinheiro a um compatriota, ao
indigente que está em teu meio, não agirás com ele como credor que impões juros”(Dt 22, 2026) e “não desviará o direito do teu pobre em seu processo” (Dt 23, 6).
Essa situação gerava a luta pela sobrevivência e no caso de Amós 8, 4-8, eles eram
oprimidos em relação àquilo que lhes dava força para agir no cotidiano, o trabalho e a comida.
O corpo dos
#r,a'-yYEnI[]
era marcado pelos grilhões dos opulentos que desejavam cada vez
mais ampliar seu quinhão. “Uma perícope como Amós 8, 4-8 não tem só em Amós ou seus
discípulos como autores, também tem oprimidos e empobrecidos como os seus co-autores,
como seus formuladores primários”38.
Conclusão
Certamente alguém poderia perguntar: o que esses textos tem a ver com a Bíblia ou
com o profeta Amós? Com certeza, querem expressar um pouco das realidades exploradoras e
fraudulentas que encontramos em nossos dias. Vivemos numa sociedade capitalista, onde
reinam os interesses econômicos e para se adquirir mais, adultera-se, não importando quem
será prejudicado. Em Am 8, 4-8, vimos no quiasmo que a denúncia do profeta é contra a
origem do sofrimento, provocada pela ganância e a fraude no comércio dos cereais.
Poderíamos perguntar: atualmente essa prática ainda existe? Os pequenos exemplos que
elucidamos nos comprovam... O mais doloroso é que os prejudicados são exatamente os mais
pobres da sociedade.
Olhando para o tempo de Amós e para os dias hodiernos, verificamos que as práticas
corruptas existem. Elas são mais maquiavélicas, o mundo evoluiu e, juntamente com elas as
maneiras sutis de exploração. Ainda existem, hoje, os governantes, os anciãos, a aristocracia
rural e urbana que controla o poder político, que se valem do Legislativo e do Judiciário para
37
38
Milton SCHWANTES. Amós Meditações e Estudos, p. 64.
Milton SCHWANTES. Amós Meditações e Estudos, p. 99.
38
corroborarem as suas práticas corruptas. Usam do exército para se protegerem e vão aos
santuários oferecerem as suas oferendas.
Isso significa que a denúncia do profeta Amós contra a ganância dos poderosos e a
fraude no comércio é muito atual. Elas começam nas relações de trabalho dentro das
empresas, em que os trabalhadores recebem um salário indigno, na adulteração de pesos e
medidas no comércio, na má conservação dos produtos que muitas vezes são vendidos, na
pirataria, nas grandes licitações públicas em que pessoas e empresas são beneficiadas.
A exploração está sempre aliada a outra prática, a ineficiência da Justiça. Poucos são
aqueles que são punidos por diminuírem o efá, aumentarem o siclo e falsificarem as balanças
enganadoras. Traduzindo para nossa realidade, aqueles que adulteram sempre encontram uma
saída, pois a própria legislação é adulterada. Onde estão aqueles que falsificaram os remédios
que tantos idosos, órfãos e viúvas consumiram e, além de não fazerem efeito, causaram mais
danos à saúde? Parece que essa prática, principalmente na sociedade moderna e no Brasil está
sendo aceita passivamente pela justiça. Se a justiça humana falha, a única solução é recorrer a
Iahweh, o Deus dos pequeninos. Mas como isso é possível, se até mesmo o próprio Iahweh
parece estar tão distante da humanidade? Como perceber a sua ação no cotidiano, com todas
essas situações concretas na nossa sociedade? Iahweh não estará surdo ao clamor do seu
povo?
Parece que a força do pobre é capaz de superar essa estrutura de morte. Mesmo
oprimido ele tem força de acreditar que o amanhã será melhor. Assim, a ação de Iahweh
encontra nessa dimensão da utopia, da esperança. É claro que jamais devemos nos aliar às
práticas fraudulentas, mas sim aprender com o grito de Amós denunciá-las, aí está a força de
Iahweh. A dor maior é quando percebemos que instituições que deveriam fazer o papel do
profeta, como a Justiça, a Igreja e o cristão inserido no mundo aliam a prática corrupta. Com
certeza, aguardarão o dia de Iahweh.
A profecia é um grito que sai do coração do profeta, pois dentro do seu coração está o
coração de Iahweh. A compaixão de Iahweh é tão grande que o profeta denuncia, pois o seu
coração arde ao perceber a injustiça. O grito profético é captado pela percepção da história:
passado, presente que ecoa no futuro. Os profetas só foram capazes de vivenciarem
profundamente o hoje da sua história por causa da ação de Iahweh na sua história pessoal:
“não sou um profeta, nem filho de profeta; eu sou um vaqueiro e um cultivador de sicômoros.
Mas Iahweh tirou-me de junto do rebanho e Iahweh disse: „vai, profetiza a meu povo Israel!‟
A profecia nasce da sensibilidade ao clamor desesperado do povo e de Iahweh que se
compadece em favor dos oprimidos.
39
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