A gaita e os centros de ensino - Asociación de Gaiteiros Galegos

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A gaita e os centros de ensino - Asociación de Gaiteiros Galegos
A gaita e os centros de ensino
Quando la gaita gallega
El pobre gaitero toca
No sé lo que me sucede
Que el llanto a mis ojos brota (....)
Ventura Ruíz Aguilera, 1860.
Este artigo pretende ser uma reflexão sobre o ensino da
gaita na actualidade. O déficit de métodos ou a falta de ideias
claras do caminho a seguir por parte dos centros de ensino
oficiais e não-oficiais, faz com que os aparentes triunfadores do
mesmo sejam estruturas de poder piramidais que tão só se
preocupam de pôr a mão ao poder político. Entretanto, aos
alumnos dá-se-lhes o rebuçado da técnica, do “boom”, em troca
de os converter em autênticos analfabetos no seu instrumento,
na sua própria cultura musical.
Eu penso que a música é um meio de expressão. Acompanha ao
homem desde que nasce, com uma canção de berce; até que morre e o seu
espírito é despedido polos sinos da igreja. Pode-se entender de muitas
maneiras, mas antes de mais é um processo comunicativo. A música sem
comunicação, sem ouvintes, ao igual que a literatura sem leitores, não são
nada. Acho, então, que a comunicação pública da aprendizagem é
fundamental na educação musical.
Sem dúvida alguma, a gaita é o instrumento musical de mais relevo
social no ámbito galego. A qualquer celebração à que acodamos
encontraremos gaiteiros, se bem estes estarão muitas vezes supeditados a
papéis secundários dentro da própria festa. O mesmo ocorre com o ensino
do instrumento. Há muito, mas escasso método ou consenso. A quantidade
e variedade de escolas não é parelha à qualidade das mesmas.
Um pouco de História ...
De um tempo a esta parte, o ensino da gaita reduzia-se praticamente
a níveis de oralidade, tanto no que se refere à comum ignorância da grafia
musical como à própria transmissão. Não é por acaso que grupos de gaitas
de diferentes épocas como “os Trintas de Trives”, “os Soutelos de Montes”,
“os Campaneiros de Vila-garcia”, “os Irmãos Portela”, “os Tempranos de
Eiris” “os Brisas da Crunha” “os Matos” “os Morenos de Lavadores”, “os
Areeiras de Catoira”, “os Montes de Lugo” e um sinfim deles mais; foram
grupos formados fundamentalmente em círculos familiares próximos.
É nas cidades, e em torno aos Coros galegos, secção feminina, etc;
onde começa haver os primeiros síntomas e demanda de um ensino mais
amplo. Ensino, no entanto, com evidente falta de método.
Assim por exemplo, o intitulado Gaiteiro Maior do Reino da Galiza,
o velho Dom Emílio Corral, começou a impartir aulas no que foi antiga
Fábrica de Armas da Rua da Torre, posterior colégio Curros Enríquez e
actual Escola de Música Municipal de A Corunha. O primeiro dia das
aulas, Dom Emílio Corral contou com uns trinta alumnos aos que turnou a
soprar nos quatro únicos punteiros de que dispunha. Dom Emílio tinha
pragmatismo, génio e método. O segundo dia o problema não era tal,
unicamente se atreveram a continuar após a experiência inicial quatro
alumnos. Quatro alumnos para quatro punteiros. Método radical mas
efectivo.
Dom José Casal, dava aulas de gaita na Associação “os Gaiteiriños”
de A Corunha, e ameaçava aos seus alumnos quando se zangava com lhes
dar com o ronco na cabeça, por ver se assim trabalhavam mais. Ainda com
um método tão primitivo, conseguiu ter alumnos de mérito.
Existia, por outro lado, um escasso diálogo entre músicos de carácter
culto interessados polo instrumento e gaiteiros de a vida toda. Esta falta de
diálogo, impediu às vezes a colaboração na procura de acções comuns para
uma metodologia adequada ao ensino. Quando Rogélio de Leonardo
Bouça, apresentou ou seu septimínio gaitístico na Corunha, contou para
tocar as gaitas com músicos da banda municipal, não-gaiteiros, polo que a
interpretação e afinação foram desastrosas. Isto molestou a certos gaiteiros
da cidade. Pepito Temprano, Miguel Paradela e José Casal; escreveram
uma crítica em prensa que Dom Rogélio contestou acedamente. Nos
primeiros métodos esse escasso diálogo é patente. No método de Rodrigo
A. De Santiago colaborou activamente Emílio Corral, mas nem aparece
mentado.
Dom Henrique Outeiro, começou a dar aulas num ámbito académico.
Foi o primeiro professor de gaita do Conservatório de Vigo, trabalho que
compartia com o de clarinetista na banda municipal e para o que fez um
método específico. Ao se sentir constantemente discriminado no
Conservatório e considerado professor de um “instrumento menor”, quando
chegou a lei de incompatibilidades, decidiu renunciar ao Conservatório e
ficar na banda. Anos mais tarde, ao sair a praça do Conservatório a
concurso público, Dom Henrique apresentou-se, aprobou e, renunciou por
segunda volta, com aquele de senhorio... Eis algo significativo, que alguém
que sempre se caracterizou pola procura da dignificação do instrumento
renuncie por duas vezes a uma praça no Conservatório.
Factos como estes, somados à desconfiança com que muitos
conhecidos mestres gaiteiros assumiram o ensino, a transmissão dos seus
saberes; fez com que os primeiros métodos de ensino para gaita não fossem
além de conteúdos descritivos, acumulativos, junto com certa base teórica
(exceptuando talvez o primeiro deles, o de Rodrigo de Santiago de 1964,
publicado em Galaxia).
Evidentemente, nem todo foi mau. Existiram cada vez mais grandes
mestres fora de ámbitos familiares, que exerciam a docência a título
individual ou em pequenas escolas e que deixaram a sua pegada bem firme.
Assim, Constantino Belhão em Ferrol, que em vez do clarinete numa banda
de música convencional, porfiou pola gaita e polo seu ensino; constitui um
exemplo. Moxenas, de Vigo, é outro claro exemplo. Casal em Corunha,
outro.
Existiram também artesãos que fizeram com que o instrumento fosse,
polo menos, afinando. O labor entre outros, de Basílio Carril em Santiago,
de Bao na Corunha (que dirigido por Leonardo Bouça começou a investigar
diferentes tonalidades para os punteiros), José Seivane em Ribeira de
Piquim e sobretodo, o mais divulgativo, de Antom Corral em Ortigueira, na
Deputação de Lugo e no Conservatório de música popular de Vigo (patente
nesse magnífico duplo disco, que descrebe os instrumentos populares
galegos, e mais no talher-escola); permitiram certas melhoras.
Conforme este novo ensino coalha, aparecem quartetos jovens de
grande qualidade como os Muxicas em Vigo (com Moxenas à frente),
Xiada ou Asubío na Corunha, Raparigos em Ferrol, etc; e concursos desde
finais da década de 60, que faziam ver que algo estava a passar. Em Maio
de 68, coincidem no concurso da Ascensão de Santiago o velho Basílio
Carril, com os novos Raparigos, alumnos de Belhão. Em Ourense, no
mesmo ano, coincidem Pepe Temprano, Miguel Paradela, Basílio Carril,
Casal, Malhou, Primitivo Díaz, “Os Montes”, “Os Amigos”... e no júri,
Avelino Cachafeiro, o gaiteiro de Soutelo. O instrumento começava a
adquirir novos ámbitos de uso, começava a ser aceite polos jovens
citadinos. Jovens gaiteiros, que sabiam lêr música e tinham a gaita como
instrumento principal.
Nas décadas de 70 e 80 e paradoxalmente, como herança directa do
movimento folque norteamericano, começam a surgir uma série de
festivais, escolas, e directamente relacionadas com estas, novas formações
até então desconhecidas como as bandas de gaitas. O ensino além de
ámbitos familiares se consolida. Faz-se patente a necessidade de algum
método escrito, que rentabilice o ensino para um número elevado de novos
gaiteiros. A primeira tentativa séria de dar a conhecer a gaita a um público
amplo é o velho tratado teórico de Cobas Pazos: La gaita gallega (esbozo
de un estudio) Porto y Cia Editores, 1955; descatalogado e ainda não
estimado o suficiententemente, mas não se pode considerar como um
método de gaita. A 29 de Fevreiro de 1964 sai do prelo na editorial Galaxia
o primeiro e curiosamente, para nós melhor método gaitístico publicado até
o de agora, o Método Completo de Gaita, do mestre Rodrigo A. De
Santiago, director da banda e orquestra sinfónica municipal de A Corunha,
subdirector e professor de armonia e composição no Conservatório,
director de El Eco, académico de Belas Artes e da Real Academia Galega.
Este método, descatalogado, ainda a dia de hoje é desconhecido para
grande parte dos mestres gaiteiros da actualidade. Opta polo sistema Ré.
Em 1971, na Editorial Casa Garijo, Rodrigo A. De Santiago publica o seu
menos esquecido Manual práctico de gaita gallega, engraçado por engadir
também a percussão, por optar polo Sistema Dó, e por uma escrita com
linhas adicionais justificada para ele, a respeitar o som real do instrumento.
É em realidade, uma adaptação do método completo (insustituível) para
bandas militares de cornetas e tambores, que devem teimar em incorporar o
instrumento. São de sublinhar as palavras do proémio, asinadas por um
desconhecido editor:
El propósito que ha guiado la escritura del MANUAL PRÁCTICO DE GAITA
GALLEGA no ha sido otro que el de facilitar, principalmente, a las Bandas de Cornetas
y Tambores de los ejércitos de Tierra, mar y Aire los elementos indispensables de
estudio que faciliten la incorporación a los reseñados conjuntos rítmicos, de la Gaita
Gallega, completando así la misión iniciada al dar cabida a la gaita en las Bandas de
Música Militares, con lo que complementa una idea feliz llevada a cabo a raíz de la
terminación de la guerra de liberación española (sic)
(A obrinha semelha ser feita mesmo por encomenda do regime
franquista. Este método é confundido por muitos com o de Miguel de
Santiago).
Miguel De Santiago, músico que se movia em torno ao círculo de
Basílio Carril em Compostela (foi mesmo o seu alumno gaiteiro) publica
em 1978 o seu Método de Gaita por cifra y música. No mesmo ano,
Henrique Outeiro Covelo, do Conservatório de Vigo, as suas Leccións de
Gaita. Método não publicado, mas que merece especial menção é o de
Rogélio de Leonardo Bouça, que escreve dous manuscritos em 1979, um
dedicado a uma linguagem musical aplicada para a gaita, e outro que é
propriamente um método de gaita. José Lois Foxo, fundador de Toxos e
Xestas em Lugo e Barcelona, e depois director da Escola de gaitas da
Deputação de Ourense, publica em 1979 a primeira edição de Os segredos
de gaita; e José Manuel Estévez em 1987 (após Henrique Outeiro Covelo,
o seguinte professor de gaita do Conservatório de Vigo) o seu A gaita no
eido da música, editado polo centro de ensino musical Mayeusis, onde opta
e justifica o emprego do Sistema Dó.
O ensino, hoje...
A fazer balanço, nenhum método de gaita dos publicados até o de
agora foi valorizado consensuada e positivamente por um número de
gaiteiros de relevo. A maior parte dos mestres gaiteiros, não utilizam
nenhum destes métodos, mas sim a sua própria experiência. O ensino
então, é um ensino não-normalizado. Actualmente, a docência de um
instrumento como a gaita, encerra em sí uma problemática que a converte
em mais difícil, se calhar, que a dum instrumento digamos, normalizado;
mas também muito mais apaixonante pola enorme criatividade que implica.
A evidente falta duma metodologia adequada, delega nos professores o
método a seguir. Os centros de ensino musical que contemplam a gaita,
dividem-se em oficiais e não-oficiais, públicos e privados. Há mestres que
apostam por um ensino individual e outros que preferem um ensino
colectivo.
O ensino oficial
Entendo por ensino oficial, aquele que pode dar uma titulação do
Estado. É dizer, os conservatórios estatais de música. São os únicos centros
que contemplam a profesionalização como primeiro objectivo. Os
professores têm a obriga de estar titulados.
Lamentavelmente, do meu ponto de vista, estão obrigados a seguir
uns parámetros de ensino instrumental individualizado e arcaico. A
informação musical é dada em compartimentos ilhados. Os alumnos
recebem aulas de linguagem musical, de instrumento, de história, de
armonia, estética, etc; conteúdos que só depois de muitos anos o alumno
chega a interrelacionar ou a esquecer definitivamente. As aulas individuais
de instrumento, debilitam as potenciais criações de grupos e fomentam a
competitividade, que faz que muito do alumnado abandone a prática
musical de puro aborrecidos, uma vez finalizados os estudos; e
paradoxalmente metidos de cheio no mundo do ensino, a fazer o que lhes
fizeram. A música, apenas tem comunicação pública.
Além de mais, creio, o problema agudiza-se relativamente à gaita. As
matérias a estudar nestes centros não estão pensadas desde uma óptica da
música tradicional. Assim por exemplo, um alumno pode perfeitamente ter
finalizado os seus estudos de gaita no Conservatório, após estudar as
formas clássicas, sem ter a mínima ideia das formas tradicionais galegas.
Pode saber muito de um rondó, uma sonata ou um minué, mas sem
conhecer a estrutura e definição de uma muinheira, foliada ou alalá. Eis o
grave.
Mas o pior destes centros, é que quando se ofereceu a possibilidade
de dar aulas nos Conservatórios, houve muito músico não-gaiteiro
(clarinetistas, saxofonistas) que se apontou ao pastel de impartir aulas de
gaita. Daí que, grande parte do alumnado dos Conservatórios, sejam
gaiteiros já formados, que habitualmente tocam melhor que o seu próprio
professor, e que realizam as provas de acceso a Grao Meio. Além disso, o
plan LOGSE não tem o mesmo valor que o plan do 66. Este último
equivale a uma diplomatura, o plan LOGSE não. Por outro lado, grandes
mestres gaiteiros por méritos próprios, vão aos poucos sendo afastados do
ensino por não terem uma titulação oficial.
O ensino não-oficial
Entendo por ensino não-oficial a todo aquele que não pode dar
titulação do Estado. É dizer, Escolas de Música Municipais, Conservatórios
específicos de música tradicional, associações culturais, diferentes centros
públicos ou privados, etc. Os Conservatórios oficiais procuram a
profesionalização, vão dirigidos fundamentalmente a rapazes e para entrar
há que superar certas provas. Os centros não-oficiais, embora, vão dirigidos
a todo tipo de público, sem importar a idade. Creio que estes últimos
podem provar e optar por uma metodologia própria para a gaita, ao não
estarem atados a um sistema de estudos rígido como o dos Conservatórios.
Dos Conservatórios oficiais podem sair os titulados oficiais, destes centros
não-oficiais pode sair a verdadeira dinamização do ensino da música
tradicional.
O ensino individualizado
Esta dinamização deve fugir, do meu ponto de vista, de um ensino
instrumental individualizado. O ensino individual de instrumento tem
vários problemas que podem levar a o não-cumprimento dos objectivos
propostos:
Em primeiro lugar, o ensino individual é caro. Uma só pessoa ocupa
o tempo lectivo do professor. Se essa pessoa faltar por qualquer motivo um
dia (cousa que acontece normalmente várias vezes durante o curso
académico), o tempo lectivo perde-se inutilmente, os potenciais resultados
desse tempo, também. Se se quiser ter um número elevado de alumnos,
deve-se reduzir o tempo lectivo de uma hora a trinta ou vinte minutos e
mesmo assim, resulta caro. Por outro lado, tem o professor a possibilidade
de trabalhar aspectos técnicos do instrumento duma maneira
individualizada, mas é um ensino que tende à atomização. Não há
dinamismo, comparação. O alumno que recebe aulas individuais vai ao
centro normalmente uma vez por semana. A comunicação pública da sua
aprendizagem é nula ou quase nula. As aulas individuais, para ser
economicamente rendíveis, costumam ocupar todo o horário lectivo do
professorado, sem deixar lugar a que esse professorado tenha horário para
fazer outras actividades.
O ensino não-individualizado
No entanto, se o centro apostar segundo as suas possibilidades por
um ensino instrumental de tipo colectivo, a procura dessa dinamização
resulta mais fácil:
O ensino colectivo resulta rendível economicamente. O ideal, do
meu ponto de vista, é distribuir ao alumnado em grupos de três pessoas
homogéneos (ou mais, sempre a respeitar um limite de qualidade e segundo
as possibilidades do centro em questão. Nunca de duas, polo temível efeito
espelho). Essa homogeneidade dos grupos virá dada polos diferentes níveis
e idades do alumnado. Nunca se deverá aqui focar as aulas de maneira
individual, repartindo por exemplo vinte minutos de sessenta entre cada um
dos três alumnos. Se um alumno faltar, o tempo lectivo aproveita-se com os
outros dous. Assim, os mesmos alumnos que tinhamos antes, os agrupamos
agora em menos horas. Fica então espaço no horário do professorado para
outras actividades de tipo colectivo: aulas de linguagem musical, teoria e
sobretodo, a criação de grupos que fomentem essa comunicação pública do
ensino como objectivo principal. Os alumnos, por em vez de passar uma
hora ou menos no centro cada semana, podem agora vir à sua aula de
instrumento, a diferentes combos, optativas ou aulas colectivas numerosas
de todo tipo. Passarão muito mais tempo no centro com idênticas cuotas ou
mesmo com uma rebaixa nas mesmas. Duma dependência única com o seu
professor, a sua aprendizagem passa a depender também dos outros
alumnos ou de outro professorado. O centro dinamiza-se. Se existem
professores de diferentes instrumentos, podem-se adequar os horários dos
combos para coincidir nos mesmos.
Evidentemente, o objectivo principal das agrupações deve perseguir
a comunicação pública da aprendizagem, mas esta comunicação não se
deve traduzir numa explotação abussiva dos alumnos em actuações
públicas ou mesmo em propaganda política por parte da instituição.
A prevalência dum ensino colectivo sobre um individual vem
avalada historicamente desde a formação das bandas de gaitas. É, sem
dúvida, destas escolas colectivas, donde sairam os melhores métodos de
ensino (por acaso, nunca publicados) e grande número de gaiteiros com
boas técnicas digitativas (Vid. Xarabal, Ancoradoiro...) Ainda assim, um
ponto de vista estrito, na procura unicamente das actuações, levou em
certas ocasiões a que os gaiteiros só soubessem a sua voz de turno e
tivessem uma visão parcelar do instrumento, sem a mínima ideia da sua
história ou de onde saia o que aprenderam, aculturizados no mesmo. As
bandas de gaitas, converteram em muitas ocasiões aos alumnos em
“barbies” ao serviço da instituição de turno, e criaram estruturas de poder
piramidal que algum dia se hão-de derrubar, polo seu próprio peso. As
agrupações a formar numa escola devem-se considerar, uma aula de
instrumento ampliada. Assim por exemplo, se as bandas fugiram dos
quartetos, na procura de arranjos e tímbricas espectaculares; eu considero
que se pode tratar grande parte do ensaio de uma banda como se for o de
um quarteto, como um repasso de repertório abundante aprendido.
A matéria interrelacionada
Entendo que toda a formação que um alumno de gaita receba deve
estar interrelacionada. Assim, a imprescindível linguagem musical, deverá
ser aplicada, sempre harmonizada e entonada; e idealmente com o
instrumento (no caso de gaita, com flautas adaptadas). É dizer, a linguagem
musical que receba um gaiteiro deverá estar baseada preferentemente no
córpus da música tradicional que está a estudar. Se ademais, faz-se com o
instrumento, as sempre aborrecíveis aulas de linguagem musical serão
divertidas e dinâmicas. Em realidade, todas as aulas que receba o alumno
irão orientadas à sua perfeição prática-teórica no instrumento. Isto implica,
no referente à linguagem musical, a elaboração dum método específico por
parte do professor. Os progressos do alumnado avalam sem dúvida esse
trabalho.
O desconhecimento da grafia musical, junto com a falta de
metodologia, faz com que a maior parte do repertório gaitístico utilizado
nas escolas esteja adulterado ou mal transcrito, simplificado. A matéria
prima a estudar, é dizer, o repertório gaitístico; deverá ser seleccionado
com estrema cautela, a utilizar sempre fontes directas, indicando ao alumno
a origem das mesmas. Assim, se o repertório fosse cantado, a partitura
entregue deverá ir acompanhada da correspondente letra. Essa matéria
prima, deverá abarcar repertório que esteja dentro do córpus tradicional ou
que deva pertencer por méritos próprios ao catecismo gaitístico. Deverá ir
acompanhado duma base teórica importante, tanto diacrónica como
sincrónica sobre o instrumento ou a música que ele ocupa.
O centro deverá actuar como um centro multi-cultural, a fomentar a
apresentação de livros, discos, concertos, aulas abertas, conferências,
intercâmbios com outras escolas, etc.
A percussão
Qualquer escola de gaitas deve impartir, necessariamente, aulas de
percussão tradicional. A gaita e a percussão são a base fundamental para a
formação das agrupações. Engadir mais instrumentos é fácil, mas se faltar
essa base haverá problemas. Pode-se dar o caso de não haver um número
suficiente de alumnado para a contratação dum professor específico. É de
enorme interesse ofertar aos alumnos de gaita essa matéria como optativa,
com um incremento moderado no preço das cuotas, de maneira que entre
alumnos específicos e optativos de percussão cubram a contratação do
professorado. De esta maneira, a potencial formação de diferentes quartetos
vera-se multiplicada, ao poder turnar a diferente alumnado com a
percussão, ademais de receber este uma formação mais ampla.
Objectivos
O alumno deverá decidir por sí, após a sua educação musical, se
manter uma linha continuista ou romper com o córpus tradicional estudado
(ainda que neste sentido, realmente, as preferências do professor quase
sempre vão prevalecer) É importante, no entanto, fornecer ao alumno de
toda a informação possível. Do que se trata, é de que um alumno de gaita,
ao finalizar os seus estudos no centro tenha tocado numa aula de quartetos,
numa banda de gaitas, numa aula de folque ou em qualquer outra
agrupação que permita a comunicação pública da sua aprendizagem. Que
saibam procurar a matéria prima, as fontes directas da música tradicional, o
unto e substância do repertório. Que adquiram uma visão o mais ampla
possível do instrumento, as suas técnicas, a sua história... Que tenham a
informação suficiente para escolher a linha a seguir à hora de tocar. Que
sejam amais de instrumentistas, gaiteiros.
Coda
A minha aposta na procura de um ensino de tipo colectivo, basea-se
na minha experiência durante três cursos, como professor de gaita e
coordinador do Módulo de Música Tradicional na Escola de Música
Municipal de A Corunha. O primeiro curso, as aulas foram individuais de
uma hora por alumno. Não havia dinamização. Não havia percussão. O
segundo curso, por problemas fundamentalmente económicos, as aulas
passaram a ser de três alumnos. Criaram-se agrupações e contratou-se a
uma professora de percussão. Os alumnos de gaita tinham a opção de
percussão como optativa e as potenciais combinações agrupacionais
multiplicaram-se. O êxito deste sistema, vem avalado hoje polo próprio
alumnado. Nenhum dos alumnos matriculados em gaita actualmente,
escolheu a opção de cuota reduzida, que impede a sua participação nas
agrupações.
Faz-se necessaria uma reunião urgente de Escolas de Música
Tradicional não-oficiais num foro de debate, onde defendam a sua
metodologia e conheçam outras, assim como a posta em comum de ideias
que levem à procura de objectivos compartidos.
Este artigo foi publicado e escrito na revista
Enclave no ano 2001, por encomenda de Xabier Paz,
que queria fazer um número dedicado à Música
Galega. Posteriormente, houvo uma reunião em
Compostela entre a Escola de Música Tradicional
Ourensã, o Conservatório Popular de Vigo, o
Conservatório Folque de Lalim e a Área Tradicional
da Escola de Música Municipal de A Corunha.
Acordou-se nela começar a fazer um contacto com
outras Escolas que procurassem linhas paralelas de
actuação, é dizer, a fugir do modelo foxista, mas
a cousa ficou por aí; digamos que não se respirou
conexão suficiente entre as diferentes partes
naquela breve reunião, mas desconfiança.
Passado o tempo, só engadiria ao artigo uma
conclusão polémica: o ensino da gaita deve ser
“caro”. É inconcevível a dia de hoje que uma aula
de gaita numa Associação Cultural duma vila custe
6 euros. Surge assim o intrusismo (há numerosos
gaiteiros sem a suficiente preparação que impartem
aulas);
a
falta
de
meios:
inexistência
da
linguagem musical, da pizarra, de instrumentos
adequados;
e
as
dificuldades
para
poder
professionalizar-se no ensino do instrumento,
mália ser sem dúvida o que mais alumnado tem e o
mais tocado em Galiza. O que não é lógico
comparativamente é o preço duma aula de gaita e
uma de piano. Nem tanto nem tão pouco.
Por outro lado evidentemente, o ensino da
nossa música deveria ter subsídios suficientes e
repartidos. Não permitir que os nossos governantes
utilizem
o
dinheiro
público
unicamente
em
propaganda musical alheia para as suas tomas de
possessão. A cultura é deficitária.
Eduardo Méndez Baamonde
19-01-2005

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