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Transcrição

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No. 4 • Julho de 2013
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S PU BL I CATI ON R ESONANCE
Orientação do Mestre Shinjo
I
Junho: Um mês para refletir
O seguinte ensinamento do Mestre Shinjo foi impresso originalmente na
revista mensal em japonês Naigai Jiho (hoje, Oyasono Jiho), em 8 de junho
de 1968.
Agora estamos em junho, e o verão já começou. Por mais de um século, o dia
primeiro de junho foi considerado o “Dia da Fotografia”1 [no Japão], e os pescadores
ávidos também aguardam ansiosamente o primeiro de junho como dia de abertura
da temporada de pesca ayu2. Faz parte da minha prática pessoal como budista não
pescar [entretanto, certamente não é uma exigência para todos os praticantes da
Shinnyo-en], então eu não tenho a expectativa daqueles que estão à espera do começo
da temporada de pesca. No entanto, como um fotógrafo ávido, frequentemente quis
capturar através da câmara a emoção do dia de abertura da temporada de pesca, pelo
menos uma vez. Isso já faz mais de trinta anos, e ainda não tive a oportunidade.
Para a Shinnyo-en, Junho é um mês inesquecível. Em 9 de junho faleceu meu filho
mais velho, Kyodoin (Chibun), e atualmente é a data em que temos a cerimônia em
sua memória. Ainda lembro do dia 9 de junho de 1936, como Shojushin-in o segurou
junto ao peito enquanto ele partia, a voz cheia de emoção entoando o Goreiju3, com
a bela melodia que temos hoje [quase uma canção de ninar]. Assim ele se foi para
o mundo espiritual. Claro, não podemos desconsiderar nosso próprio empenho na
prática para mudar para melhor, mas o Kyodoin indiscutivelmente se tornou um
fundamento para a capacidade atual da Shinnyo-en em alcançar as pessoas. Quando
penso em quantas pessoas foram salvas espiritualmente, noto o progresso rápido
da construção do Templo da Gênese4, e não posso deixar de relembrar a morte do
Kyodoin durante os primeiros dias da Shinnyo-en.
1 1º de junho foi a data escolhida em 1841, quando foi tirada a primeira fotografia no Japão. Embora a data real
tenha sido determinada depois para 17 de setembro de 1857, o “Dia da Fotografia” continua a ser celebrado em 1º
de junho.
2 Também conhecido como “peixe doce”.
3 Mantra do Achala de Benevolência e Libertação; junto ao Sandai, é considerado um dos principais cânticos da
Shinnyo-en.
4 O Templo da Gênese recém terminado foi dedicado em novembro de 1968, apenas alguns meses após Mestre
Shinjo oferecer esta orientação.
[Palavras espirituais de Kyodoin indicam:]
Junho é uma época importante para refletir sobre nós mesmos e nossa prática, e desenvolver
uma visão mais exigente quanto às nossas ações e estado de espírito. Façam o sesshin
informal5 enquanto refletem sobre seu dia. Ao fazerem isso, perguntem a si mesmos se
estão agindo em unidade com o reino dos budas, com a bondade e a compaixão maior que
eles personificam, e façam isso com a intenção real de mudar. Esse é o significado deste
mês para nós, como praticantes Shinnyo.
Kyodoin ensina aspectos fundamentais de nossa prática através da experiência do
sesshin formal, há também [exemplos de] ensinamentos de Shindoin registrados na
literatura da sanga.
Todos nós temos a capacidade de nos vermos refletidos nas outras pessoas.
Igualmente, somos capazes de agir como um espelho para outros. Não estou falando
de espelhos físicos, como de maquiagem, espelhos portáteis de três lados, ou de mão,
que refletem a aparência externa. Esses espelhos não refletem o estado de nossos
corações. Só podemos começar a perceber claramente o que podemos ter feito de
errado ou o que devemos melhorar ao interagir com outras pessoas. A maneira como
os outros reagem pode nos mostrar quem realmente somos e nos despertar para a
verdadeira natureza de nossos atos e intenções. Saibam que o que vemos e ouvimos
nos outros é um reflexo do nosso interior. Refletir sobre nós mesmos ouvindo o que
outros estão dizendo, direta e indiretamente, é o significado verdadeiro de praticar
o sesshin informal. Através da reflexão contínua, descobriremos um caminho para
nos tornarmos exemplos maduros e bem formados.
Uma fábula de Esopo conta:
Um cachorro estava levando um pedaço de carne na boca, atravessando uma
ponte. No caminho, o cachorro olhou para baixo e viu o que achou ser outro cachorro
com um pedaço ainda maior de carne. Ele latiu para assustá-lo, mas quando fez isso,
seu próprio pedaço de carne caiu água abaixo. Ambos os pedaços se foram, pois o
outro era apenas um reflexo na água6.
Quando pensamos nas imagens refletidas como se fossem de outras pessoas,
perdemos oportunidades preciosas para meditar. No sentido figurado da fábula,
deixamos escapar o que tivemos tanto trabalho para adquirir. Existem inúmeros
espelhos em nossa volta que oferecem vislumbres de nós mesmos. Só refletindo
conscientemente sobre o que vemos e ouvimos é que vamos caminhar em sintonia
com o Caminho Shinnyo, um caminho para o qual os Ryodoji deram tanto de si.
Espero, então, que aproveitem o mês para autorreflexão e também para meditar
sobre Kyodoin, quando oferecerem água para o Jizo, no pátio do templo.
5 (Jap.; lit. “tocar a essência”) Um método de treinamento meditativo básico praticado na Shinnyo-en, formal e
informal. O sesshin formal envolve uma forma de meditar sentado, com a reflexão sobre indicações oferecidas por
um guia espiritual. O sesshin informal é quando o praticante aplica a orientação na vida cotidiana, enquanto se
empenha para despertar, usando os acontecimentos diários como oportunidades para a autorreflexão.
6 Referências para esta fábula famosa (“O Cão e seu Reflexo”, em certas traduções) datam do século 5 a.C. Uma
história semelhante conta a história de um chacal atravessando um riacho, levando um pedaço de carne na boca.
Quando solta a carne para pegar peixe, vem um abutre e rouba a carne. O chacal não consegue pegar o peixe e
acaba sem nada. Muitas vezes é contada como uma fábula sobre pessoas gananciosas, que querem mais do que
precisam.
2
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I
Orientação de Mestre Shinjo
II
Ensinamentos selecionados de Sua Santidade Shinso Ito
Entrevista na Tailândia
Em 25 de abril de 2013, Sua Santidade Shinso Ito realizou um ritual
budista para promover a paz e a amizade na pagoda recém inaugurada
no monastério de Wat Paknam, Tailândia. Dois dias mais tarde, Sua
Santidade deu uma entrevista na qual refletiu sobre o significado dos
eventos realizados. Abaixo, apresentamos trechos da entrevista.
Entrevistador: Pode compartilhar seus pensamentos sobre o que aconteceu nos últimos dias?
Shinso Ito: Há quarenta e sete anos, recebemos relíquias de Buda presenteadas pelo
Venerável Luang Phor1, de Wat Paknam. A Shinnyo-en e Wat Paknam têm mantido
um relacionamento maravilhoso desde então, e conduzi a cerimônia há dois dias
na esperança de que nossa história em comum permita às pessoas no Japão e na
Tailândia, que praticam o Budismo Shinnyo-en ou Teravada, a criarem laços ainda
mais profundos, fortes e amplos. Sinto que demos mais um passo para tornar essa
esperança uma realidade, criando um mundo de harmonia e amizade através de nosso
vínculo religioso mútuo. Isso me deixa felicíssima.
Entrevistador: A cerimônia foi realmente impressionante. O que mais a comoveu?
S.I.: O Budismo Shinnyo tem como principal imagem a do Buda em nirvana final,
esculpida por Mestre Shinjo, na mesma altura que nós. O sacerdote oficiante, a
imagem e os praticantes estão todos no mesmo nível2, isso mostra que estamos todos
em unidade com os budas. Foi maravilhoso sentir um único mundo - não separado do
reino dos budas - e compartilhar com todos. Naquele dia, as pessoas oravam de todos
os lados da imagem e de onde eu estava sentada, ainda em outros andares do prédio.
Senti ser maravilhoso e típico da Shinnyo-en: estar em unidade com o espírito de
budeidade representado pelos Pais do Ensinamento Shinnyo (Sooya-sama) e Ryodojisama é possível em qualquer espaço, seja fisicamente próximo ou longe. Também
pensei como é significativo que as orações da Shinnyo-en inclua partes do Budismo
Esotérico, Teravada e Mahayana. Nós oramos os mesmo cânticos em Pali que os
monges tailandeses, temos mantras em sânscrito derivados do budismo esotérico
e há partes em japonês do Sutra Nirvana, um Sutra Mahayana ensinado por nosso
fundador.
Entrevistador: Muito obrigado. Desta vez, a cerimônia foi realizada com muitos assistentes
membros do conselho monástico budista mais alto da Tailândia. Fiquei um pouco intimidado
1 O atual chefe abade de Wat Paknam é conhecido oficialmente como Mais Venerável Somdet Phra Maha
Ratchamangkhlachan, mas é comumente referido pela expressão em tailandês, “Luang Phor” (“venerável pai”).
2 Favor consultar a orientação de Mestre Shinjo no volume 3 da Ecos (edição de maio de 2013), para mais
explicações sobre essa ideia.
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ao ver estes anciões sentados na mesma altura das imagens de Buda, mas a senhora parecia
completamente tranquila. Qual é o segredo de sua força?
S.I.: Quando me esforço para realizar o que os Sooya-sama e Ryodoji-sama tão
ardentemente desejaram, sei que sou apoiada não importa o que enfrente. Também
posso sentir as preces dos assistentes cerimoniais e praticantes. Acho que encontro
força na minha forte confiança no poder de apoio dos Sooya-sama e Ryodoji-sama,
na confiança nas orações dos assistentes e praticantes, e no forte sentimento de
responsabilidade em cumprir qualquer tarefa que eu tenha assumido.
Entrevistador: correndo o risco de fazer uma pergunta que a senhora talvez já tenha
respondido3, gostaria de saber: com todas as tragédias no mundo hoje é fácil sentir que não
temos muito impacto positivo direto, então como a senhora espera contribuir para o bem
maior realizando estas cerimônias e eventos?
S.I.: Não estou em posição de influenciar diretamente os conflitos entre povos,
nações ou mesmo diferentes tradições religiosas. Os políticos e aqueles em outras
esferas da vida trabalham incansavelmente para encontrar soluções, cada um em
sua capacidade. Como uma líder religiosa, tenho [o poder de] preces e meditação.
Entendo que apenas orar pela paz mundial não vai trazê-la, é essencial praticar,
procurar maneiras de expressar nossa oração e meditação através da ação. Eu realizo
estas cerimônias na esperança de que elas despertem os assistentes para a bondade
que cada um de nós possui como parte de nossa natureza búdica, a sabedoria que
pode nos guiar em nosso comportamento, e o espírito de bondade e compaixão para
tratar os outros com muito carinho e cuidado. Em outras palavras, minha esperança é
que nos despertemos para a importância da prática altruística Mahayana. Eu acredito
que os efeitos positivos destes pequenos passos na direção certa então ressoarão lá
fora.
Como líderes religiosos, nós podemos encorajar estes primeiros pequenos passos,
que eu acredito que se acumulam e eventualmente levam a movimentos em uma
escala maior. Eu entendo que alguns discordem destes métodos, e possam achar
nossas tentativas infrutíferas ou defender uma escala maior de ação. Porém, nós
acreditamos na importância de fundamentar pequenos empenhos, e quero comunicar
a importância de usar estas ocasiões para oração e meditação.
Entrevistador: Sei que a Shinnyo-en realiza cerimônias em vários templos, igrejas e locais
externos. A senhora poderia simplesmente orar em seu próprio templo, ainda assim, opta por
realizar eventos em outros lugares. Qual a mensagem que espera transmitir?
S.I.: Nós seres humanos temos muitas maneiras de nos comunicarmos. Entre elas,
apertar as mãos ou saudar em gassho4, e nossas escolas de budismo são igualmente
distintas, entre as tradições Mahayana ou Teravada, e dentro da comunidade budista
japonesa. No entanto, minha esperança é que a Shinnyo-en se torne acessível e
3 Sua Santidade foi entrevistada anteriormente por canais de televisão locais da Tailândia.
4 Colocar as mãos unidas em oração, reverência e gratidão, em um gesto que indica aceitação, unidade com o
mundo dos budas e estado mental de harmonia e respeito em direção ao próximo. A mão direita simboliza
budeidade e a esquerda, a própria pessoa.
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II Ensinamentos selecionados pela Sua Santidade Shinso Ito
transcenda de forma visível as barreiras que nos separam. Estou aberta a participar
de, ou hospedar, atividades interreligiosas, com grupos afins, sejam eles budistas,
cristãos, muçulmanos, judeus, hindus ou de qualquer outra tradição espiritual. Ao
encontrar um local comum para cultivar a harmonia, como no evento das lanternas
flutuantes no Havaí, a cerimônia que realizamos nas pirâmides egípcias, ou a realizada
na grande planície africana, as distâncias entre nós diminuem. Simplesmente orar
“Paz mundial, paz mundial!” não é suficiente. Minha intenção é abrir as portas para
novas possibilidades, onde quer que eu as encontre. A Shinnyo-en está disposta a ir a
qualquer lugar onde possamos mudar efetivamente e, claro, tenho muito prazer em
receber todos nos eventos da Shinnyo-en . As cerimônias recentes de Saisho Homa
[nos EUA, em 2010, e no Centro Ogen, em 2012] são alguns exemplos de encontros
abertos a todos.
Entrevistador: A Shinnyo-en parece ter uma abordagem multifacetada para o diálogo interreligioso. Parece que a senhora se empenha para transmitir sua mensagem, quase não verbal,
através de uma experiência compartilhada da cerimônia religiosa e os elementos artísticos
que acompanham.
S.I.: Podemos não compreender as palavras de cada um, mas podemos nos comunicar
através das experiências compartilhadas de oração, meditação e participação em
uma cerimônia religiosa. E, embora possa haver preferências pessoais em relação
aos elementos artísticos ou estilos cerimoniais que são mais eficazes, gostaria de
criar cerimônias onde a mensagem da Shinnyo-en possa ser transmitida de forma
simples - sem necessidade de muita explicação – de forma que fale diretamente e
significativamente às pessoas de cada país ou região em que são realizadas, respeitando
as tradições culturais.
Entrevistador: E a senhora acredita que o meio mais efetivo para a Shinnyo-en transmitir sua
mensagem é através de serviços e cerimônias religiosas?
S.I.: Isso mesmo. Afinal, somos praticantes religiosos. O meio do artista é a arte, mas
nosso veículo é a cerimônia, e nós podemos nos comunicar através dela.
Entrevistador: Estou mudando um pouco de assunto, mas os repórteres aqui e em torno
do mundo (principalmente a Europa me vem à mente agora) ficaram impressionados por
a senhora ser uma líder religiosa mulher, e costumam fazer muitas perguntas sobre as
esperanças e expectativas que vêm com sua posição. Como líder religiosa, há um papel
especial que sinta ter que desempenhar, ou existem coisas que acredita que possa alcançar
porque é uma mulher?
S.I.: Há inúmeros exemplos de mulheres em cargos de liderança: a Inglaterra e
muitos outros países têm rainhas, há histórias de Himiko5 e imperatrizes em lendas
japonesas. No entanto, a participação das mulheres nem sempre foi plenamente
aceita em círculos religiosos [budistas japoneses], pois são tradicionalmente vistas
como impuras em comparação aos homens. Não acredito que isso reflita as intenções
5 Uma lendária governante mulher do reino de Yamataikoku no Japão, séc. III a.C.
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originais do Buda, mas de alguma forma a mensagem foi perdida nos 2.500 anos que se
passaram desde seu falecimento. Felizmente, Mestre Shinjo pegou os ensinamentos
do Buda para mostrar que homens, mulheres, praticantes laicos e monásticos eram
iguais, e trabalhou para sobrepor as barreiras de gênero e posição. Escolher a mim
como sua sucessora é uma prova contundente do fato de que somos todos iguais.
Nós acabamos de ver uma mulher presidente tomar posse na Coreia do Sul, e tenho
certeza de que veremos cada vez mais mulheres ativas em todos os campos. As
mulheres têm um potencial surpreendente, mas tal potencial existe em todos por
igual. Qualquer um que continua o legado do Mestre Shinjo e de Shojushin-in é
igualmente qualificado a liderar a sanga, seja homem ou mulher.
Entrevistador: Frequentemente ouvimos como é difícil expressar a fé na vida cotidiana.
Como a senhora descreveria o que significa colocar os ensinamentos da Shinnyo-en em
prática? Será que significa aprender a autocontenção através da meditação e recitação?
S.I.: Para todos, a maior preocupação é consigo mesmo, e quando perdermos de vista
nossa autoestima ou o significado de nossa existência, torna-se difícil continuar.
Gostaria que aprendêssemos a pensar que outros são tão preciosos quanto nós
mesmos, cultivando assim um espírito de gassho que venera a budeidade dentro da
outra pessoa, trabalhando para pôr esse espírito em prática. Aqui na Tailândia, as
pessoas se cumprimentam com o gesto de gassho mesmo na vida cotidiana. Este ato
reconhece a natureza búdica na outra pessoa e nos inspira a agir instintivamente
com grande generosidade e compaixão. Sendo mais amáveis para com outros na vida
diária, chegamos a ver que nós também somos apoiados por aqueles que nos rodeiam.
Percebemos que o ambiente ao nosso redor, inclusive objetos aparentemente
inanimados, nos nutrem e permitem que aproveitemos ao máximo nossas vidas.
Nossa prática, então, dá uma expressão concreta à gratidão que surge dessas
percepções. Todos nós temos papéis a desempenhar dentro da sociedade, seja na
carreira profissional ou em casa, cuidando da família. O segredo é descobrir o que é
necessário em nossa situação em particular, levantando-nos para enfrentar o desafio.
Por exemplo, se você trabalha, dê o melhor de si, empenhe-se para ser alguém que
outros respeitam e em quem confiam.
Se alguém for bom no que faz, mas fala de maneira ofensiva, não podemos dizer
que está praticando o que aprendemos no Budismo Shinnyo. Um médico pode ser
tecnicamente qualificado e ainda se comportar bruscamente com os pacientes. Tirar
o maior proveito de nosso potencial na vida diária exige que desenvolvamos uma
mentalidade saudável e equilibrada, e as habilidades necessárias para cumprir nosso
papel na sociedade. Nossa prática envolve o trabalho de nos desenvolvermos para que
outros possam realmente experimentar a bondade e a generosidade. Acredito que é
assim que podemos dar expressão ao caminho Shinnyo e à religião em nossas vidas
diárias.
Entrevistador: Ouvi dizer que os tailandeses usam a expressão “Caminho do Meio”, e sei que
recentemente a senhora também falou sobre “Caminho do Meio” em termos de ser objetivo.
Como praticantes Shinnyo, temos a oportunidade de compreender o significado dessa frase
e outros pontos importantes que acabamos de discutir com o treinamento sesshin. Mas o
termo “Caminho do Meio” parece se destacar entre os muitos termos budistas usados, pode
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II Ensinamentos selecionados pela Sua Santidade Shinso Ito
nos falar sobre isso um pouco mais?
S.I.: O Caminho do Meio é para o quê Buda despertou. Ele percebeu que o sofrimento
não podia ser extinto por meio de extremos – nem o prazer ou o jejum, nem o
treinamento severo ou a indulgência hedonista são para nosso bem. Ao invés disso,
ele entrou em meditação concentrada e despertou para o Caminho do Meio. O que
constitui o Caminho do Meio exatamente é motivo de debates, depende se olhamos
a partir de uma perspectiva baseada em um dos extremos. O perigo reside em ficar
muito apegado a algum extremo. Praticar o Caminho do Meio significa seguir o ponto
médio entre dois extremos, e uma habilidade necessária para fazer isso é a capacidade
de ver as coisas objetivamente. Através do treinamento sesshin e meditação, podemos
encontrar a linha central que devemos seguir. Há um meio-termo entre dois pontos
aparentemente opostos, e através da sabedoria podemos discernir.
Entrevistador: A sabedoria desempenha um papel em nos direcionar para o Caminho do
Meio?
S.I.: Isso mesmo. Sem sabedoria, não se pode obter nenhuma certeza sobre o Caminho
do Meio.
Entrevistador: Então como a Sra. definiria sabedoria?
S.I.: Simplificando, sabedoria é a percepção que adquirimos orando e meditando. Não
é necessário demorar muito, mas devo advertir contra momentos impulsivos, quando
pode pensar: “agora entendi! Deve ser isso!”. As percepções e inspiração verdadeira
são cultivadas por treinamento extensivo. Nós adquirimos sabedoria e podemos ver
o Caminho do Meio com prática e empenho incansáveis das Seis Paramitas, que
para nós na Shinnyo-en são as Três Práticas sagradas. Por questão de conveniência,
poderíamos definir a sabedoria como “lampejos de inspiração”, mas essa inspiração é,
por necessidade, fundamentada em um treinamento em longo prazo.
Entrevistador: Costumamos ouvir a frase “amor benevolente e compaixão” acompanhando a
sabedoria. Como podemos cultivar um forte senso de amor benevolente e compaixão?
S.I.: Bondade e compaixão também são qualidades que resultam de treinamento e
experiência. Ao estendermos essas qualidades, devemos tomar cuidado para que,
apesar de nossas melhores intenções, não acabemos desestimulando aqueles que
pretendemos ajudar. Ter um coração benevolente não significa ter dó ou dar a mão
por piedade. A verdadeira bondade e compaixão é fruto de muitos anos de meditação,
trabalho duro e prática. Essa base nos permite tomar decisões apropriadas sobre a
melhor forma de interagir pelo interesse da outra pessoa, considerando qual ação
é melhor em determinado momento, e qual apoio é mais útil. Às vezes, isso pode
consistir em ajuda física, mas às vezes o mais apropriado é não fazer nada. Agir
automaticamente, pensando: “tenho que ser gentil, preciso ser bonzinho”, não é
suficiente. A verdadeira bondade amorosa e compaixão nascem da prática dedicada,
do treinamento e da meditação.
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História do Budismo Shinnyo
Revisitando a história:
a entronização do Achala
III
Parte 2
Nesta parte da série sobre a história da Shinnyo-en, observamos os
eventos nas vidas dos Sooya-sama quando vieram a encontrar a imagem de
Achala Mahavairochana que entronizariam em seu lar em 28 de dezembro
de 1935. O Achala serviria como imagem principal para nossa comunidade
espiritual pelos próximos 20 anos na história da Shinnyo-en.
Na residência do escultor Odo Nakamaru
Ao explicar a origem da imagem do Achala da Shinnyo-en, Mestre Shinjo certa
vez comentou:
“Quando o Sr. Nakamaru
apresentou os textos1 para mim,
ele disse: ‘A origem da imagem
Achala poderia ser explicada
melhor se tivesse vindo com
um certificado’, e ‘Mesmo que
apenas em forma de notas, eu
deveria ter escrito as histórias
que ouvi sobre a imagem antes
de confiá-la a outra pessoa’.
“Ele, então, respirou fundo e
disse: ‘Ouvi dizer que a imagem
foi originalmente esculpida por
Unkei para o Lorde Tokimasa
Hojo2. Quando Unkei estava
esculpindo
a
[conhecida]
imagem do Achala Nirayama,
Lorde Tokimasa o ordenou que
esculpisse outra imagem para
si. No entanto, mesmo sem a
documentação que atesta a
autenticidade, a arte fala por si.
Sou um escultor budista
A jovem família Ito desfruta de um passeio no parque
de profissão e tive inúmeras
Inokashira, oeste de Tóquio (c. 1935).
1 Os três conjuntos de livros que vieram com a imagem de Achala. Para mais detalhes, ver a revista Ecos vol. 3.
2 1138-1215 d.C.; guerreiro japonês que ajudou Yoritomo Minamoto no estabelecimento do xogunato Kamakura.
O governo militar permitiu que Yoritomo governasse o país a partir de sua base em Kamakura, leste do Japão,
enquanto o imperador continuou a governar simbolicamente, de sua residência em Kyoto, a sudoeste. Após a
morte de Yoritomo, Tokimasa transferiu o poder do governo dos descendentes de Yoritomo para sua própria
família.
8
| III História do Budismo Shinnyo
oportunidades para reparar
e restaurar imagens budistas
antigas. Ao longo dos
anos, guardei amostras de
madeira como referência.
Assim, posso dizer a idade
de uma determinada peça,
examinando
o
estado
do interior da madeira
[comparando
com
as
amostras]. Isso pode nos dizer
se a escultura é de 400 ou 500
A família Nakamaru. O escultor Odo Nakamaru está na extrema direita.
anos, ou até mesmo 700 ou
800 anos. Falando com pausas
frequentes, o Sr. Nakamaru
me apresentou às amostras
que tinha acumulado.
“O
Sr.
Nakamaru
continuou: ‘Se a peça é de
400 ou 500 anos, o centro da
madeira ainda vai mostrar sua
cor natural, mas depois de 700
ou 800 anos, a madeira terá
perdido o óleo natural e ficado
A armação de um modelo biplano R3 fabricado pela Companhia
de Aeronaves Ishikawajima, que empregou Mestre Shinjo. Shinjo
cinza, desde a superfície até
trabalhou em aeronaves como esta, enquanto engenheiro aeronáutico.
o centro - um cinza escuro
mesclado com azul’.
“Enquanto o Sr. Nakamaru explicava isso, o almoço foi servido e depois eu lhe
paguei ¥120, o que faltava do total prometido, ¥ 3003. Em resposta, o Sr. Nakamaru
disse: ‘Senhor, farei um recibo. Esta é uma questão religiosa, servirá como prova para
mostrar aos seus seguidores’. Kiichiro Shimura4 concordou, dizendo: ‘Agradeço.
Será útil ter algo para mostrar-lhes’. O Sr. Nakamaru então escreveu e entregou o
recibo. Eu me senti muito feliz por Kiichiro ter pensado sobre aqueles no grupo que
poderiam reclamar’.
O renomado escultor budista Unkei era prolífico nos séculos XII e XIII, durante
a primeira parte da era histórica no Japão conhecida como período Kamakura. Ele
herdou o gênio de seu pai, Kokei5, que também era um famoso escultor budista.
Unkei passou seus primeiros anos em uma época tumultuada, quando a sociedade
japonesa estava passando por uma grande mudança, do aristocrático à guerra. Os clãs
Minamoto e Taira estavam engajados em uma feroz luta pelo poder, provocando o
3 De acordo com o website www.measuringworth.com, 300 ienes em 1935 equivale a 400.000 ienes ou 4.000
dólares hoje.
4 Um jovem natural de Yamanashi, representando os seguidores de Mestre Shinjo, que o acompanhou à residência
de Odo Nakamaru. Esses seguidores eram geralmente associados à fábrica de aeronaves de Tachikawa e à prática
Byozeisho de Mestre Shinjo. Até esse momento, Shinjo nunca havia pedido dinheiro deles; no entanto, para a
compra da imagem do Achala, ele deu tudo o que tinha – 180 ienes – como primeira parcela de pagamento, e pela
primeira vez pediu aos seguidores para emprestarem-lhe a diferença, para compensar o Sr. Nakamaru.
5 Em atividade no final do período Heian (794-1185 d.C.) e início do período Kamakura.
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medo de que o mundo havia entrado na ‘era do declínio do Darma’6.
Unkei mostrou ter dom ainda muito jovem, criou várias imagens de Buda até
sua morte, com a idade aproximada de 70 anos. Entre suas obras mais célebres
estão os dois guardiões Nio7, esculpidos em 1203 d.C., que protegem o Grande
Portão Sul do monastério de Todaiji em Nara, considerados excelentes exemplos da
escultura japonesa. O estilo poderoso de Unkei teve um profundo impacto sobre o
desenvolvimento da técnica de escultura japonesa e se tornou a base para as futuras
obras de arte do período Kamakura.
O Regente Tokimasa Hojo, para quem Unkei esculpiu o Achala Mahavairochana,
era o sogro de Yoritomo Minamoto, o primeiro xogum Kamakura. Dizem que Unkei
esculpiu esta imagem enquanto trabalhava na imagem do Achala hoje consagrada
no famoso templo Ganjojuin, atual cidade de Izunokuni, prefeitura de Shizuoka8.
Como um budista devoto, Unkei deve ter esculpido a imagem com uma sensação de
profundo compromisso com o darma, rezando pela paz curar os corações daqueles
que tinham perdido a esperança num Japão devastado pela guerra.
A era em que Unkei esculpiu a imagem do Achala estava envolta pelas nuvens
negras da guerra, que também estavam começando a cobrir o Japão em 1935. A
conhecida frase escrita por Kukai, fundador do Budismo Esotérico Shingon, em A
chave secreta para o Sutra do Coração9 afirma: “O sábio espera pelo momento certo
para expor seus ensinamentos”. Parece que este Achala esperou pacientemente mais
de 700 anos para o momento certo, para encontrar os Pais do Ensinamento Shinnyo.
A Viagem de Achala para Tachikawa
Mestre Shinjo deixou a residência de Nakamaru para voltar à Tachikawa às 13:30. A
neve havia cessado e o céu estava azul, emanando raios cálidos de sol que refletiam
brilhantemente na cobertura de neve branca. Shinjo descreve o que aconteceu em
seguida, no primeiro jornal da Shinnyo-en, Getsurin10:
“Após cumpridas as formalidades para receber a imagem de Achala do Sr.
Nakamaru, coloquei a imagem do recém-nascido Buda, que ele também tinha me
dado, com segurança, entre as camadas de kimono contra meu peito. Em seguida,
realizei um rito esotérico para enviar a essência viva da imagem de Achala de volta
para a grande fonte cósmica. Então, conforme os procedimentos estabelecidos em um
manual de rituais esotéricos, envolvi a imagem em um pano branco e entrei no táxi
que me esperava.
Sentei-me no meio, segurando a imagem do Achala, e em cada lado sentou
6
末法 (Jap. mappo) o final das Três Eras do Budismo, ou as Três Eras do Darma, representando as três fases após a
morte de Buda. Tradicionalmente, essa era deve iniciar 2.000 anos depois da morte de Buda Shakyamuni e durar
10.000 anos. Acreditava-se que a sociedade se tornaria moralmente corrupta durante essa degenerada terceira
fase, e as pessoas não seriam capazes de atingir a iluminação através da palavra do Buda.
7 Os Guardiões Nio são os dois protetores do darma, vigorosos e irados, que ficam na entrada dos templos budistas
na Ásia.
8 Odo Nakamaru se refere a esta imagem como “Achala de Nirayama”, um nome ainda em uso na região. Hoje,
Nirayama é o nome da estação de trem local mais próxima ao templo Ganjojuin.
9 Jap. Hannya Shingyo Hiken, 般若 心 経 秘 ; Mestre Shinjo citou outra passagem, quando estava fazendo abluções de
água fria antes de partir para a casa de Odo Nakamaru, em 28 de dezembro de 1935. Favor consultar a revista Ecos
vol. 3 para mais detalhes.
10 Getsurin (lit. ‘lua cheia’) apareceu pela primeira vez em outubro de 1946 e continuou com este nome por 20
volumes, até abril de 1954, quando se tornou Kangi Sekai, uma revista trimestral, ainda publicada hoje em japonês.
10
| III História do Budismo Shinnyo
uma filha do Sr.
Nakamaru,
cada
uma segurando uma
estátua dos acólitos
de Achala. O motor
foi ligado e o carro
partiu calmamente
para Tachikawa.
“No carro, de
repente percebi que
a neve tinha parado
de cair e o brilho do
sol cálido e suave,
lembrando o verão
Sooya-sama à direita com o seu grupo de seguidores, logo após a
indiano, nos envolvia.
consagração da imagem de Mahavairochana em sua casa.
Olhando pela janela,
Kiichiro Shimura e a esposa do Sr. Nakamaru comentaram: ‘Que notável! Parece até
quando o tempo limpa depois de uma chuva repentina”.
“O táxi era grande e, ao contrário da manhã, a viagem foi muito tranquila. Logo
estávamos na estrada Koshu voltando para Tachikawa. Depois de trinta ou quarenta
minutos de viagem, a filha mais velha olhou para frente e exclamou: ‘Olhem! Que
estranho! O que é aquilo?”
“Inclinando-me para frente e olhando para fora, perguntei: ‘Onde?’, segui o olhar
dela, que se fixava no céu. Vi o mais auspicioso sinal: uma corrente de nuvens de cinco
cores flutuando na direção que estávamos indo. Elas eram como uma faixa de luz
celeste que parecia estar nos puxando para frente.
“Nossa viagem foi excepcionalmente tranquila. O carro quase não balançou, senti
como se estivesse flutuando no ar. Quando olhei atentamente para o céu, notei que
uma luz dourada radiante tinha se juntado às nuvens de cinco cores. Era ainda mais
misterioso porque a luz parecia estar ligada à extremidade do pano branco em que o
Achala estava enrolado”.
“Naquele momento, também senti fortemente o peso da imagem recém-nascida
contra o meu peito, era como se eu estivesse segurando uma bola de ouro, uma pedra
preciosa mani cuja lenda diz ser capaz de atender a qualquer desejo”.
“De acordo com o Sr. Nakamaru, este Achala era conhecido por ser uma obraprima do histórico escultor budista Unkei. A força vital de Achala não habitava a
imagem, pois havia sido enviada de volta para a Grande Mandala do cosmos, mas a
energia positiva gerada pela devoção e paixão de seu mestre permaneceu, atraindo
várias outras energias positivas e de proteção. A convergência dessas energias se
manifestou no fenômeno físico de nuvens de cinco cores e luz dourada.
“Essa foi a primeira vez que eu percebi que a oração concentrada de um escultor
criando uma imagem verdadeiramente inspirada poderia invocar forças espirituais
superiores, e fiquei impressionado. Embora a essência viva do Achala tenha sido
enviada de volta temporariamente ao seu lugar de origem, enquanto eu transportava
a imagem para Tachikawa, a energia positiva gerada pela oração do escultor
permaneceu com Achala e chamou ainda mais energia positiva. Acredito firmemente
que as energias se reuniram para comemorar a chegada de Achala em Tachikawa,
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materializada na forma física das nuvens de cinco cores. Eu senti fortemente que
isso era uma manifestação do poder transcendental: não o de Achala, mas da tutela
maravilhosa dos Guardiões Darma que aparecem neste mundo de sofrimento”.
Guiados pelas nuvens do arco-íris de cinco cores na jornada para Tachikawa, o
Achala Mahavairochana chegou em Nanko-cho11, região de Tachikawa, pouco depois
das 15:00. Foi consagrado em um local reservado pelos Sooya-sama na sala de altar. As
memórias de Mestre Shinjo continuam:
“Minha esposa esteve esperando ansiosamente pelo Achala. Após nossa chegada,
ela disse: ‘Estou contente em vê-lo de volta em segurança. Estava preocupada com a
forte nevasca, estou aliviada que a neve tenha parado completamente. Apenas uma
hora atrás, o sol começou a aparecer. É raro ter uma mudança tão maravilhosa no
tempo”.
“Realmente!’, respondi, e depois comentei: ‘O céu se abriu. Parece que todas as
nuvens de ilusão se dispersaram; na verdade, não há uma única nuvem no céu”.
“Devo ter parecido muito feliz, porque minha esposa comentou sobre minha
expressão. Prontamente apresentei-a para a esposa do Sr. Nakamaru e suas duas filhas,
acrescentando: ‘Foi muito gentil da parte da Sra. Nakamaru e suas filhas nos ajudarem
a trazer o Achala até aqui’. A Sra. Nakamaru estava tão animada com os fenômenos
místicos encontrados durante nossa viagem que, depois dos cumprimentos, começou
a contar entusiasmada sobre o que ela tinha visto. Descansamos brevemente enquanto
a Sra. Nakamaru reiterou a história e em seguida, completamos a consagração.
Comemoramos a chegada de Achala como nossa principal figura, desfrutando de um
prato de arroz cozido com feijões vermelhos12 que Shojushin-in tinha preparado, e
conversamos até às 10 horas da noite.
“Nossa filha mais velha cochilava durante a celebração, pendendo a cabeça entre o
sono e a consciência, mas conseguiu se manter acordada até que todos os convidados
tivessem partido. Minha esposa foi colocá-la na cama, dizendo: ‘Nonno-san (Achala)
diz que é hora de ir dormir. Sei que você está feliz que ele está aqui agora, mas seu
irmãozinho Chibun já está dormindo, é hora de ir dormir também”.
“Depois de colocar a nossa filha para dormir, minha esposa de repente se virou
para mim e disse: 'Querido, para que você possa ser um sacerdote, é preciso um nome
sacerdotal, não?”
“Respondi sem constrangimento: ‘Sim, é claro’. Sua pergunta foi tão repentina
que eu não sabia como responder. [No Japão,] é uma prática comum um sacerdote
ter um nome darma diferente do seu nome de nascença. Tentei fingir que eu já tinha
pensado em um nome sacerdotal adequado, mas com toda a honestidade, tinha
passado longe da minha mente, eu estava pensando sobre as nuvens de cinco cores.
Fiquei intrigado com as nuvens, elas me lembraram das antigas lendas de nuvens
de cinco cores que apareciam quando monges eminentes ou sacerdotes construíam
templos e imagens de Buda”.
“Uma dessas lendas diz que Mestre Kobo13 retornava da China, quando seu navio
encontrou uma violenta tempestade, que se abateu sobre seu grupo de viagem,
transformando o mar em um caldeirão fervente com ondas raivosas atacando o navio
11 Hoje faz parte da área conhecida como Shibasaki-cho.
12 赤飯 (Jap. sekihan, lit. “arroz vermelho”), um prato tradicional consumido durante ocasiões comemorativas.
13 Um nome alternativo para Kukai, fundador do Budismo Esotérico Shingon.
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| III História do Budismo Shinnyo
e ventos batendo nas velas. Em um esforço para dominar a tempestade, ele jogou um
vajra14 de cinco pontas na água. O vajra voou alto no céu, onde brilhou em meio a
nuvens de cinco cores e o mar se acalmou”.
“De acordo com outra lenda, quando o Mestre Shobo15 estava à procura de um
local [adequado para treinamento espiritual] onde o darma podia criar raízes e
florescer16, viu uma faixa de nuvens de cinco cores flutuando ao sudeste de Kyoto,
acima do local do atual monastério de Daigoji. Mas essas eram lendas famosas sobre
sacerdotes de renome, e eu me perguntava se as nuvens de cinco cores descritas em
tais lendas poderiam ser as mesmas que eu tinha visto. ‘Não sou um sumo sacerdote’,
pensei. ‘Sou apenas um homem comum. Isso não pode acontecer comigo’. Mas não
havia como negar que eu, assim como outros, tivesse visto as nuvens. Totalmente
preocupado, fui surpreendido quando minha esposa perguntou alegremente: ‘Então,
qual será o seu nome sacerdotal?’.
“Em busca de uma resposta, eu disse: ‘Bem, as nuvens de ilusão se dispersaram
e o céu ficou claro. Portanto, acho que será o nome Tensei (lit. céu claro)’. Minha
esposa sorriu e assentiu com a cabeça. O início do meu relacionamento com Achala,
meu início como um discípulo do Buda e meu nome sacerdotal – tudo aconteceu
neste dia, 28 de Dezembro de 1935. Eu estava exultante e, talvez, minha alegria fosse
contagiante, pois Shojushin-in também parecia muito feliz”.
A experiência de Shojushin-in
Naquela noite, enquanto os Sooya-sama (Pais do Ensinamento Shinnyo) oraram sutras
em agradecimento pela consagração do Achala, Shojushin-in teve uma experiência
sobrenatural. Os diários pessoais de Mestre Shinjo – mantidos hoje como registro
histórico da Shinnyo-en - contêm o seguinte:
“Depois que as orações formais foram concluídas, passamos para o mantra da
Benevolência e Salvação do Achala. Nesse momento, algo extraordinário aconteceu.
Aparentemente não por sua própria vontade, o corpo de minha esposa começou a
balançar para trás e para frente, para a esquerda e para a direita. Percebi que esse
movimento tinha um significado espiritual. Quando orou, sua voz foi o epítome da
solenidade, e eu senti o ar purificado, como se algo sagrado preenchesse a sala.
“As palmas de Shojushin-in estavam unidas em gassho sobre seu peito, mas
gradualmente subiram como se estivessem sendo puxadas para cima. Então, quando
suas mãos, ainda entrelaçadas com as palmas se tocando, chegaram acima da cabeça, os
três dedos do meio abriram para fora [como uma flor], deixando apenas os polegares
e os dedinhos se tocando. Ela formou o que é conhecido como o mudra de lótus.
Depois de um tempo, as mãos voltaram ao gassho, mas depois continuou a formar
o mudra de lótus várias vezes. Quando as nossas orações para Achala terminaram,
voltou a si mesma e disse: ‘Minhas mãos se abriram espontaneamente do gesto de
14 Um vajra é um acessório do ritual budista geralmente feito de bronze, variando em tamanho. Tem várias hastes,
que geralmente se unem na extremidade em forma de lótus. O número de hastes e a forma como se unem ou
permanecem abertas apresentam vários significados simbólicos.
15 O fundador do monastério de Daigoji, onde Mestre Shinjo treinaria.
16 A frase que Mestre Shinjo usa aqui (令 法 久住, Jap. ryōbō kujū, significa sustentar o Darma e expô-lo corretamente
por toda a eternidade) é, entre outras, encontrada no Sutra de Lótus. Dá uma ideia de como era conhecedor dos
textos budistas. No Sutra de Lótus, ryōbō kujū foi uma das missões que Shakyamuni pediu aos discípulos para que
realizassem após sua morte.
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gassho, deixando apenas os polegares e os mindinhos unidos. Eu não sabia o que
estava acontecendo comigo.
E então, quando a oração terminou, minhas mãos voltaram ao normal. Eu me
pergunto o que isso poderia significar?”
“Em resposta, eu lhe disse: ‘O Sr. Obori me ensinou sobre o mudra de lótus no
budismo esotérico, o mesmo mudra que acabou de fazer. No budismo esotérico,
há também um conceito chamado de interpenetração. Mesmo que ainda temos
de consagrar a imagem de Achala, acredito que uma força positiva emergiu do
Grande Mandala do cosmos e interagiu com você. É semelhante à interpenetração,
acredito que tenha acabado de experimentá-la”.
“Shojushin-in parecia satisfeita com minha explicação, mas também me
ocorreu que não seria incomum para ascetas ou praticantes laicos centrados no
Sutra de Lótus alegarem que minha esposa tenha sido possuída por um espírito
inferior, pelo meu grande envolvimento com religião17.
“No entanto, eu estava confiante de que minha intuição estava correta, pois eu
já tinha começado o processo de transmissão do darma com a ajuda do Sr. Obori,
cujo mestre fora o Reverendo Hokai Urano de Zoshigaya, Ikebukuro. Acreditava
também devido à minha habilidade em discernimento espiritual, cultivada pela
sucessão do Byozeisho de meu pai. Quando refleti sobre a experiência da minha
esposa, à luz do Byozeisho, percebi, sem dúvidas, que não houve manifestação de
espíritos inferiores”.
Shojushin-in também falou sobre sua experiência de 28 de dezembro de 1935,
como segue:
“Foi o dia em que recebemos a imagem de Achala – nossa principal imagem de
contemplação e meditação. Enquanto sentava e orava em frente ao altar, minhas
mãos levantaram-se por vontade própria, formando o mudra de lótus, embora eu
não soubesse o que era na época. Enquanto eu estava nessa comunhão espiritual,
meu marido se sentou de frente para mim e orou, procurando discernir o que os
budas queriam que entendêssemos. Naquele instante, tive uma visão: uma imagem
de um bodhisattva Kannon de 1000 braços. Fiquei profundamente tocada por essa
demonstração de poder transcendental, e senti fortemente a preciosidade dos elos
religiosos profundos da minha falecida avó”18.
Na noite em que Achala foi consagrado, a energia positiva inata na imagem
se manifestou, levando Shojushin-in à comunhão espiritual pela primeira vez.
Depois, em 4 de Fevereiro de 1936, essa experiência culminou no cultivo de sua
faculdade espiritual. Mestre Shinjo se envolveu com a prática Byozeisho de
discernimento espiritual e estudou muitas outras tradições religiosas, enquanto
trabalhava como engenheiro aeronáutico. Mas na época da consagração do
Achala, eles não tinham planos de se comprometerem exclusivamente ao caminho
religioso. Receber essa imagem de Achala em seu lar foi o ponto de virada que
acabaria por inspirá-los a se envolver em tempo integral no cuidado espiritual e
bem-estar de outras pessoas.
— Continua…
17 Essa declaração foi de fato feita, posteriormente.
18 A família de Shojushin-in tradicionalmente venerava o bodhisattva Kannon (Sânsc. Avalokiteshvara) e o Tathagata
da Cura (Sânsc. Bhaishajyaguru).
14
| III História do Budismo Shinnyo
Tornando-se o
Bodhisattva Jizo
Como uma mestra, Shojushin-in usa o exemplo familiar de Jizo para
demonstrar a uma praticante como ela poderia cultivar a força necessária
para enfrentar as dificuldades que a vida traz. A anedota a seguir de uma
praticante de longa data, Toki Suzuki, hoje já falecida, apareceu primeiro
no volume 102 da revista japonesa Kangi Sekai, publicada em Novembro
de 1974.
Visitei Oyasono pela primeira vez em 1948, numa época em que as feridas da guerra
ainda eram parte visível do horizonte. Minha família tinha mudado para Tachikawa três
anos antes, depois de nossa casa ter sido destruída nos ataques aéreos de 19451 [e ainda
estávamos com problemas financeiros]. Tínhamos apenas o necessário para sobreviver e
eu visitava o templo com as únicas roupas que tinha.
Naquele tempo, diferente de hoje, Shinchoji ficava entre muitas árvores. Ao entrar no
templo, Shojushin-in me cumprimentava usando um avental branco. Apesar de ser
nosso primeiro encontro, ela se dirigiu a mim calorosamente, “Seja bem vinda de volta.
É bom vê-la. Por favor, entre”. Naqueles dias pós-guerra, sofríamos com todos os tipos
de privação, estávamos exaustos física e mentalmente, por isso nem consigo explicar
como essas palavras simples de Shojushin-in aqueciam nosso coração. Eu desconhecia
os ensinamentos da Shinnyo-en, mas lembro claramente até hoje de como meus olhos se
enchiam de lágrimas de gratidão.
A imagem Jizo à esquerda, do jardim de Etoin, é uma representação rara de se encontrar. A
da esquerda, em Oyasono, é mais comum.
1 As forças armadas norte-americanas bombardearam Tóquio nos meses finais da 2ª Guerra Mundial. Na noite de
09 de março de 1945, aproximadamente 300 aeronaves B29 lançaram 1.700 toneladas de bombas incendiárias
no que ficou conhecida como “Operation Meetinghouse”. 41 km2 da cidade foram destruídos e quase 100.000
pessoas morreram, mais baixas do que as bombas em Hiroshima e Nagasaki. Outros milhões ficaram desabrigados.
É considerado o bombardeio mais destruidor da história.
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Algum tempo depois, quando visitei com pessoas que eu tinha apresentado à Shinnyo-en,
Shojushin-in me ofereceu as seguintes palavras de aconselhamento:
“Sra. Suzuki, deve se tornar como as imagens do Bodhisattva Jizo que a senhora vê pela
estrada. Elas podem estar cobertas pela sujeira dos pássaros ou enfrentar a indiferença
dos transeuntes, mas continuam ali com sorrisos gentis. Cultivar esse coração e mente é
a prática verdadeira. Depois de chegar nesse ponto, poderá viver sua vida ao máximo com
alegria, e compartilhar a felicidade e o contentamento com aqueles à sua volta”.
Essas palavras que Shojushin-in transmitiu no início de meu treinamento se tornaram a
base em que me apoiar e mais tarde contei com isso para me ajudar a continuar na prática
de orientar outros como mãe de linhagem. Olhando em retrospecto, minha dívida para
com os Sooya-sama é imensurável.
Sempre que recebi uma oportunidade, como esta, de repensar essas queridas lembranças,
consigo lembrar de como Shojushin-in incorporou genuinamente o espírito do seguinte
sonouta:
Pela humildade e ações em harmonia com outros
Elevamos nossa aspiração por iluminação.
Continuo determinada a expressar uma prática que demonstra pelo menos um dos
maravilhosos ensinamentos passados a mim, e prometo me empenhar ainda mais em servir
aos budas, alinhada com o amor e a compaixão dos Sooya-sama..
Jizo incorpora a aspiração – o voto de bodhisattva – de salvar todos
os seres vivos do sofrimento. Geralmente é ilustrado segurando
um cajado budista com seis anéis na ponta, simbolizando que quer
e pode viajar até o mais perigoso dos seis mundos, pelo bem de
todos. Em sua mão esquerda, ele pode segurar uma joia mani, com
a qual lida com o sofrimento dos outros e os ajuda a se libertarem.
Às vezes é representado dando abrigo a uma criança, simbolizando
sua dedicação em confortar e proteger os mais vulneráveis. Jizo
prometeu adiar sua entrada no nirvana final e continuar nos reinos
de sofrimento até que todos tenham encontrado salvação. Com o
mesmo espírito, Shinjo e Shojushin-in desenvolveram o Budismo
Shinnyo, com base no compromisso de ajudar todos a encontrarem
um caminho para o despertar espiritual e iluminação. No Japão, a
imagem querida do Bodhisattva Jizo está em todos os lugares. Ele
pode ser encontrado no ir e vir da vida diária, em cruzamentos, à
beira de estradas menores ou em pequenos altares nas esquinas das
cidades.
16
| III História do Budismo Shinnyo
Depoimento
Praticando de coração
IV
Em uma entrevista no templo da Shinnyo-en em Sydney, Austrália,
a praticante Lisa Bandiera divide sua história pessoal sobre seguir
o Caminho Shinnyo. O que se segue é uma adaptação de seu
testemunho.
Comentarista: Na primeira parte da entrevista, Lisa fala sobre como ela começou a praticar,
sua motivação e suas impressões das visitas à Shinnyo-en:
Lisa: Meu filho Luca nasceu em 28 de dezembro, no mesmo dia em que os Sooya-sama
consagraram o Achala. Ele nasceu com o cordão umbilical enrolado no pescoço, o
que o impedia de respirar por cinco a dez minutos e isso causou complicações que
o deixaram muito doente. Hoje, Luca tem nove anos, e eu estou feliz em dizer que
ele está indo muito bem - ele será capaz de conseguir tudo o que quiser na vida.
Um tempo após seu nascimento, o sesshin indicou uma ligação cármica entre o que
aconteceu com Luca e um antepassado da família do meu marido. Eu sempre me
preocupei com a saúde e cuidados do corpo, mas procurei por um aconselhamento
profissional de alguém que tinha maior conhecimento na área para me ajudar com os
problemas de saúde de Luca, e um conhecido me apresentou a uma fisioterapeuta e
nutricionista que mais tarde se tornou minha madrinha. Depois de ajudar a melhorar
os problemas de saúde de Luca, ela sugeriu que eu fosse a um templo. Assim comecei
a visitar a Shinnyo-en.
Quando cheguei ao templo pela primeira vez, achei que o ambiente acolhedor e
receptivo, todos eram extremamente amigáveis. O fato de que o Caminho Shinnyo
começou de uma cultura diferente, com tradições diferentes das que eu estava
acostumada, não foi um problema, porque as pessoas não são instruídas a obedecer,
e a oportunidade se torna um convite para estar aberto a experiências. Também não
foi um problema para meus filhos, Luca tinha acabado de iniciar a aprendizagem de
línguas estrangeiras na escola, incluindo japonês, e ele adora ouvir às cerimônias em
japonês.
Para mim, a prática se tratava de amor, harmonia, serenidade, compaixão, estar
aberto a receber todos incondicionalmente. Eu pratico através do meu coração. Logo
no início, mantive o propósito de, quando convidar alguém para vir na Shinnyo-en,
tentar simplificar, trabalhar no lado espiritual das conversas, concentrar mais na
prática de amor e harmonia do que qualquer outra coisa - falar de coração.
Um tempo atrás, realizamos uma sessão de grupo no templo onde discutimos
o que entendemos sobre Shojushin-in. Nessa reunião, havia duas mulheres que
tinham vindo à Shinnyo-en pela primeira vez. Depois, elas disseram que tinham
realmente gostado da sinceridade espiritual acolhedora em nossa conversa e tinham
decidido começar a seguir o Caminho Shinnyo. Essa abertura e simplicidade é uma
adorável apresentação à Shinnyo-en, e deixa as pessoas propensas a virem com mais
frequência. O acolhimento oferece uma atmosfera receptiva para o templo e permite
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que os visitantes se sintam à vontade para começar a praticar em qualquer nível com
que se sintam confortáveis.
Comentarista: Lisa passou a falar sobre como ela vê o treinamento de meditação sesshin e os
resultados positivos que ela tem notado ao colocar essa orientação espiritual em prática.
Lisa: Quando comecei a receber sesshin, as indicações eram bastante fáceis de
incorporar na prática, mas depois que me elevei a Daijo, comecei a sentir que a prática
indicada poderia sobrecarregar. Nesses momentos, tento parar e ver onde estou. E me
pergunto o que é mais difícil: ficar no carrossel do carma ou trabalhar para melhorar
suas circunstâncias? As mensagens que recebo são totalmente encorajadoras e
bonitas, mesmo se às vezes me testam um pouco e não tenho certeza se eu realmente
posso fazer o que é indicado.
Mas quando trabalho no meu carma, no que eu preciso melhorar, o belo resultado
ecoa em mim, na minha família e em todos ao meu redor. Não acho que fazer
esforços sobre o que é indicado seja mais difícil do que apenas sentar e permitir que
a situação estagne, ou ficar preso com coisas que não estimulam ou ajudam você,
seus antepassados, seu futuro. Entendo que algumas pessoas acham difícil seguir
o que foi indicado, mas eu sinto que se você tem apenas uma fonte de energia, é
melhor usar essa energia para seguir em frente, grato por poder ir ao templo, receber
a mensagem e ver como colocá-la em prática, em um nível possível, ao invés de olhar
como uma tarefa árdua, não?
Minha filha Mia tem agora onze anos de idade e já começou a receber sesshin. Ela
ora os mantras comigo à noite e visita o templo. Ela já podia começar aos 10 anos,
tecnicamente, mas não estava pronta. E eu não a forço a praticar, porque sei que
ela vai começar a participar por sua própria vontade quando quiser. Meu menino
Luca sempre teve um forte interesse no Caminho Shinnyo, talvez por causa do seu
interesse pelo idioma e pela cultura japonesa, além do modo como ele veio a este
mundo, com tanto sofrimento. Mas agora, seu sofrimento está totalmente aliviado,
ainda resta apenas um pouco de trabalho físico e podemos reparar os danos. Sinto
que um caminho espiritual está sendo pavimentado e eu não acho que o interesse
dele na Shinnyo-en seja uma coincidência. Ele tem um belo espírito determinado,
como Achala.
Desde o início de minha prática na Shinnyo-en, percebo mais harmonia entre
meu marido e eu. Tenho mais compreensão pela origem das pessoas, em aceitá-las
e trabalhar para aceitar mais os outros. Eu me concentro mais em minhas próprias
falhas e tento colocar em prática tudo o que é indicado no sesshin. O presente que
eu acredito que recebemos através do sesshin é não vir com expectativas, mas pedir
aos Sooya-sama que nos digam o que precisamos colocar em prática, tendo a certeza
de que, seja lá o que for, vamos ser guiados pelos Ryodoji e Keishu Shinso. Essa é a
mentalidade que tenho agora, antes de receber sesshin. Sempre foi o que pensei, mas
minha visão agora é mais focada no que eu posso fazer para seguir em frente.
O que eu realmente aprecio sobre o sesshin é que posso ouvir o que eu preciso
para praticar. O sesshin nos dá uma visão sobre como fazer para que nossa prática
aconteça. O presente precioso de receber sesshin é que podemos mudar nosso carma
e nossos esforços podem mudar até mesmo as pessoas ao nosso redor. No final do
dia, só traz mais alegria e felicidade para todos, incluindo nós mesmos. É um belo
18
| IV Depoimento
presente que podemos dar para as pessoas quando elas vêm ao templo, porque é um
presente que não costumam receber na vida diária.
Comentarista: Em seguida, Lisa conta mais do seu contexto familiar e como suas
experiências a conectam hoje com sua prática na Shinnyo-en.
Lisa: Eu venho de uma família muito amorosa. Minha mãe sempre disse que os
melhores presentes que ela poderia me dar eram os presentes do amor e do tempo
- meus pais eram muito amorosos, incentivadores, educadores e sempre passaram
muito tempo com a gente. Fui criada para praticar com fé em Deus e ainda mantenho
os aspectos da minha fé, que me ajudou a me conectar à prática na Shinnyo-en. O
lado do meu pai pratica na Igreja da Inglaterra - o que digo da prática não é sobre
quantas vezes se vai à igreja, mas sobre o que se faz na sua vida diária, como tratar
outros da forma com que gostaria de ser tratado.
A Shinnyo-en e meus pais reforçam as mesmas mensagens em minha vida. Temos
uma só fonte de energia, e cabe a nós usá-la como gostaríamos. Então, o que eu
experimentei na Shinnyo-en só reconfirma tudo o que eu sabia. A percepção e a
compreensão que sempre tive da vida continua a mesma, mas a prática deixou tudo
mais claro, e me deixou ainda mais determinada a manter essa maneira de pensar.
Obviamente, conforme eu trabalho para eliminar os aspectos do meu comportamento
que geram carma negativo, elevo espiritualmente e adquiro sentimentos mais
profundos de felicidade dentro de mim. Concentrar-me na gratidão é também algo
importante. Hoje, por exemplo, eu estava cinco minutos atrasada, mas percebi
que, enquanto dirigia, todos os semáforos ficavam verdes, e eu me senti grata pelos
pequenos presentes da vida. Acho que estar atenta a tudo que está ao seu redor é
como funciona, acredito que a prática do Caminho Shinnyo também eleva essa
consciência, pois está eliminando o seu próprio carma negativo ao fazer o mesmo
para seus antepassados e seus filhos.
Foi minha mãe quem me apresentou ao carma, por me ensinar a não fazer qualquer
coisa negativa, pois “vai voltar para você”. Também acho que é importante dar o
exemplo, mesmo se alguém estiver lhe tratando mal, para não ficar preso em uma
espiral negativa. Não ajudamos outros alimentando seu comportamento, mas dar
o exemplo os faz pensar sobre suas ações mais do que palavras, ataque, ou resposta
provocativa. Eu sempre tive esse tipo de compreensão graças à natureza amorosa
da minha família, mas minha prática no templo melhorou a capacidade de parar de
julgar as pessoas e superar as diferenças com outros.
Um exemplo é que fui criada em uma família aberta e carinhosa, onde podemos
verbalizar nossos sentimentos e termos opiniões diferentes. Já a família do meu
marido Paul tem outra dinâmica. Antes de começar a praticar na Shinnyo-en, isso
me incomodava, mas a ênfase colocada em aceitar o outro incondicionalmente me
torna mais capaz de ver e aceitar as coisas como são. Tendo experimentado ambientes
onde as pessoas se ofendem se não seguir o que dizem, aprendi a amar este elemento
incondicional de prática da Shinnyo-en, porque eu também fui criada acreditando
o quão importante é. Precisamos nos elevar acima de respostas negativas, como se
ofender, escolher não falar com alguém por diferenças de opinião, ou agir rudemente
com alguém que é rude com você. Eu me esforço para me manter centrada em Buda,
assim sei que não estou prejudicando alguém alimentando seu comportamento
No. 4 • Julho 2013 | ECOS |
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negativo. Para mim, ver as pessoas pelo que são significa não julgá-las, e eu tento
aceitar o lado bom das pessoas incondicionalmente.
Comentarista: Na parte final, Lisa fala sobre o que ela sente que faz a diferença praticando
no templo, e seus pensamentos sobre o que é preciso para ser uma boa madrinha.
Lisa: Eu entendo como as pessoas se sentem desconfortáveis quando não entendem
o que está acontecendo, mas como digo para meus filhos, é importante estar aberto
para o dia e para as oportunidades que o dia lhe dá. Estar aberto permite ver as coisas
como elas são.
Por exemplo, outro dia, Paul e eu decidimos levar as crianças para a praia, mas
minha filha não queria ir. Eu lhe disse: “É um dia bonito, o sol está brilhando, olhe
para as cores. Gostaria que se abrisse para o dia, nunca se sabe quais presentes
receberá”. Nesse caso, minha filha decidiu dar uma chance ao dia e veio com a gente
para a praia. No final, ela mudou sua perspectiva. No caminho, Mia tinha falado
sobre querer uma moldura bonita com grandes conchas brancas, e eu lhe disse
que se víssemos alguma, talvez pudéssemos comprar em algum lugar. Mas quando
estávamos na praia, doze belas conchas brancas apareceram na areia. Minha filha
disse que recebeu essas conchas porque tinha se aberto ao dia, e era verdade: por
estar aberta, tinha esquecido o mau humor, o calor e o suor, a atitude negativa; e
no final recebeu as conchas como presentes. É disso que gosto sobre a Shinnyoen e vir ao templo. Tornar-se mais centrado em Buda dá o entendimento de que
a gratidão não é apenas quando o dia acaba bem, ou como você acha que as coisas
devem ser, mas se trata de apreciar tudo ao seu redor. Trata-se de viver o momento,
e a Shinnyo-en me lembra da importância disso.
Acho que é importante ter uma fé e prática espiritual, seja qual for, e ter a Shinnyoen como uma extensão disso, ter amor e ser centrado em Buda, criar um equilíbrio
de harmonia em sua vida, porque então você está mais relaxado e feliz – e tudo isso
chega até você porque está mais aberto. Tudo fez sentido ao vir para a Shinnyoen. Vimos os efeitos positivos da nossa prática de outras maneiras também. Vimos
grandes mudanças fisicamente em Luca e emocionalmente em nossa família. Há
mais compreensão como família e estamos melhorando a comunicação, mostrando
mais emoções e compaixão, respeitando as opiniões de cada um. As coisas estão
fluindo e acontecendo na vida cotidiana, sabemos que estamos protegidos e que
tudo o que for melhor para nós será providenciado. Acho que minha fé no passado
foi a base e praticar na Shinnyo-en tornou-se uma extensão do que eu sempre
acreditei.
Claro, algumas pessoas dizem que não virão para Shinnyo-en porque praticam
outra, mas ter ideias fixas só torna as coisas mais difíceis. Quando se tem uma
mentalidade aberta, têm-se belas experiências. Acho que as pessoas que praticam
Shinnyo-en se tornam menos fixadas. Uma das minhas citações favoritas de O
Pequeno Livro de Sabedoria Shinnyo é que a fórmula para remover o ego é pensar nos
outros. É importante não ficarmos presos ao sentimento de que sabemos muito,
concentrando-se mais em ouvir o que a outra pessoa tem a dizer. Acho que as
pessoas deveriam ser mais abertas para a jornada espiritual oferecida pela Shinnyoen. Há muito que a Shinnyo-en tem para oferecer, mas as pessoas não sabem porque
não estão abertas a isso. Acham que tem que ser isso ou aquilo, mas não existe “tem
20
| IV Depoimento
que”; esse é o presente do templo, mas nem todos sabem dessa abertura. Trata-se
de estar aberto a esse presente de amor e alegria, e quem não quer estar cheio de
alegria?
Minha madrinha Mary é assim. Ela é tão incondicional, animada, ativa. Às vezes,
quando ela explica algo complexo, eu só preciso dizer que parece complicado, e ela
tenta mudar o jeito com o qual me orienta. É algo maravilhoso em Mary. Ela está
incondicionalmente aberta a ouvir as minhas necessidades, sempre pensando em
como pode responder para me estimular a praticar.
Ela não tenta forçar suas expectativas sobre mim. Faz sugestões e diz o que pensa
ser uma boa ideia, então deixa o resto comigo. Ela não diz: “Isso é o que você tem
que fazer, tantas vezes por dia”. Simplesmente faz uma sugestão cheia de carinho e
segue conforme diz. Acho que seu vínculo com a gente é muito forte. Não estamos
apenas conectados pela prática, nossa ligação é como a de uma família.
E é da mesma forma com os outros afilhados. Ela sabe como alimentar as
necessidades e dar-lhes direção. Na continuação, pergunta carinhosamente como
foi e como nos sentimos. É muito encorajadora, está sempre animada sobre o que
acontece em nossas vidas. Lembro que ela estava tão feliz quando me elevei a Daijo
que ela não conseguia parar de chorar, e me abraçar. Ela tem tanta alegria em sua
prática, que torna toda a experiência convidativa. Se as coisas parecem demais,
ela sugere um ponto para começar e, antes de percebermos, estamos seguindo sua
orientação original, mas nunca sentimos pressão, apenas encorajamento.
Acho que essa é a relação ideal entre madrinhas ou padrinhos e seus afilhados, e
olho para esse exemplo ao construir o relacionamento entre mim e meus afilhados,
em termos de prática.
Básico da doutrina
1
V
O Sutra Mahaparinirvana:
Um Ensinamento de Esperança
Por Shinso Ito
Líder espiritual da Shinnyo-en
Parte 3
Segmento 2
Continuamos com o comentário de Sua Santidade sobre o Sutra do
Nirvana, considerando o desenvolvimento histórico dos sutras e seu
papel dentro do contexto do mundo budista.
Sutras são como Balsas
Vamos voltar o relógio do tempo mais uma vez para a época do Buda Shakyamuni.
Ele alcançou seu despertar em Bodhgaya e lá permaneceu em meditação, por vários
No. 4 • Julho 2013 | ECOS |
21
dias. Esse é o cenário para a famosa narrativa chamada “a Súplica de Brahma”.
Essa história relata como Shakyamuni compreendeu que a experiência do
despertar, ‘sendo profunda, sutil e além do âmbito da razão’1 não poderia ser
transmitida diretamente por meio de palavras. A linguagem cria condições que
podem incentivar pessoas à experiência, mas a iluminação não é só uma questão de
adquirir conhecimento. Assim, Buda hesitou ensinar aos outros, ao que o ser celestial
Brahma Sahampati foi até o Buda, em súplica:
Oh, Honrado pelo mundo,
Rogo para acender a grande luz do Darma.
Guiai muitos e diversos seres vivos
Através do oceano de nascimento e morte (desilusões)!
Eu vos imploro, com o rugido de leão,
Para girar a roda do darma em ajuda a todos os seres2.
O Buda começou a ensinar depois de receber esse pedido. A história mostra,
simbolicamente, uma tradição de hesitar em falar sem uma indicação de receptividade
ou vontade de receber um ensinamento. Nesse sentido, Brahma, consciente do
despertar de Shakyamuni, representa o pedido de todos os seres para ouvir o Darma.
O Buda respondeu decidindo passar a vida ensinando o caminho para outros.
Como o conteúdo da iluminação não pode ser transmitido diretamente ou
completamente através da palavra, a Shinnyo-en e outras formas de budismo esotérico
destacam a necessidade da experiência. No entanto, após receber o pedido para ajudar
outros a alcançarem o mesmo estado, o Buda precisou guiar pessoas através das
palavras. Em essência, teve que ajudar pessoas demonstrando fenômenos aparentes,
que gerariam uma experiência interior, com o raciocínio de que apreender fenômenos
externos corretamente poderia levar à percepção e ao despertar. Isso se pode ver bem
no início da Shinnyo-en, nas palavras espirituais fundamentais oferecidas pelos Pais
do Ensinamento Shinnyo: “Passe do exotérico para o esotérico”.
O budismo começou com a experiência de uma pessoa em despertar. Uma vez que
o budismo esotérico destaca esse aspecto experimental, é possível dizer que, em certo
sentido, este componente “esotérico” ou não verbal, existia desde o início. Os budistas
nunca se equivocaram com o desafio de tentar transmitir uma experiência por meio
de palavras, e isso ajuda a tornar a iluminação budista viva e dinâmica. Ainda assim,
estaria faltando alguma coisa se tentássemos capturar sua essência somente através
das palavras.
Os primeiros sutras explicam que o Buda alcançou três tipos de conhecimento
do despertar: conhecimento de suas vidas anteriores, as vidas anteriores de outros
e a extinção de suas próprias aflições, de forma que ele não renasceria3. Ele também
percebeu as Quatro Nobres Verdades: o sofrimento existe, tem uma causa, que pode
ter fim e a forma de acabar com o sofrimento está no Caminho Óctuplo. Além disso,
ele experimentou o “resultado das condições”, a interligação de todas as coisas e
estados. Relacionado a isso está a noção de causa e efeito, demonstrados em termos
1 Majjhima Nikaya i. 167.
2 Uma passagem baseada no Sutra Lalitavistara, livro Caminho da Unidade.
3 Maha-Saccaka Sutta.
22
|
V Básico da doutrina 1
dos doze elos, que começa com a ignorância espiritual e leva a, entre outras coisas,
compreensão, mudança, nascimento e morte.
As percepções do despertar espiritual foram descritas em termos de apreender
esses princípios e desenvolvê-los. Não eram simplesmente imaginados ou produtos
de especulação intelectual, mas uma tentativa de revelar uma experiência por meio
da linguagem. Os praticantes budistas que transmitiram esses ensinamentos, por
forma oral ou escrita, o fizeram apenas depois de terem aprendido e treinado em
meditação e cultivo da sabedoria, de forma que eram capazes, pelo menos até certo
ponto, de experimentar essas verdades como a realidade da existência.
Sutras começam com uma expressão: “Assim ouvi”. Tradicionalmente, o “eu” se
refere a Ananda, mas como o primeiro encontro ou ‘o primeiro conselho’ indica,
muitos dos discípulos do Buda ouviram ensinamentos, não apenas Ananda. Com o
passar do tempo, os sutras foram aprendidos e recitados para outros que ‘ouviram’.
Nesse sentido, o “eu” se torna simbólico daqueles que recebem os ensinamentos do
Buda como parte de um processo de ouvir e transmitir os ensinamentos. Ao mesmo
tempo, esse corpo de ensinamentos que foi transmitido de pessoa a pessoa pode ser
chamado de corpo darma. Com o tempo, muitas pessoas também passaram a aceitar
os ensinamentos Mahayana como ensinamentos autênticos da budeidade.
O Sutra do Nirvana usa as expressões “permanência, felicidade, eu verdadeiro
e pureza”. Esse “eu” implica a continuidade da pessoa que ouve a mensagem
corretamente (a fim de passar para outros adequadamente) e a pessoa que transmite
a mensagem. Essa continuidade remonta à experiência original da iluminação.
Além disso, embora os diferentes sutras expressem os ensinamentos de várias
formas, não são geralmente entendidos como oferecer mensagens contrastantes,
mas como aspectos em continuidade com o Buda. Essa tradição é incorporada pela
sanga. Portanto, o Buda, o Darma e a Sanga são vistos como uma unidade integrada.
E o conceito de “autor” no sentido moderno não se aplica aos sutras budistas. Em
vez disso, sutras são como música polifônica, em que melodias diferentes se juntam
para formar uma única peça.
Os Sutras Mahayana são frequentemente oferecidos por um discípulo do Buda,
como os bodhisattvas Manjushri ou Samantabhadra, ou por praticantes laicos
como Vimalakirti ou a Rainha Shrimala. Alguns estudiosos sugerem que isso revela
que os praticantes laicos desempenharam papel mais ativo no Budismo Mahayana,
enquanto outros discutem que esse não é necessariamente o caso. De qualquer
modo, Mahayana inclui perspectivas sobre as possibilidades de budeidade antes
não articuladas. Além disso, muitas das elaborações que compuseram as escrituras
Mahayana originam-se dos esforços e das experiências de praticantes dedicados,
que alcançaram estados profundos de meditação e consciência.
Eventualmente, os textos budistas vieram a ser escritos na Índia, e continuaram
a ser escritos em resposta ao surgimento de diversas correntes religiosas e
filosóficas que vieram a ficar conhecidas coletivamente como Hinduísmo. Como
as práticas e rituais esotéricos cresceram em importância e popularidade entre os
grupos hindus, esses elementos também receberam nova consideração, e uma rica
variedade de formas de expressar o budismo se desenvolveu durante esse período.
O Sutra de Lótus ressaltou a ideia de que qualquer um pode se tornar um buda,
enquanto que o Sutra da Terra Pura pega ideias já presentes nos contos de Jataka.
Tal como Jataka contava lendas de budas passados, os Sutras da Terra Pura contam
No. 4 • Julho 2013 | ECOS |
23
a história de como o bodhisattva Dharmakara, depois de jurar ajudar todos os seres
a despertar, acabou se tornando o Buda Amidha (ou Amitabha), que estabeleceu a
Terra Pura. Claro, entre as novas formas ricas de expressão que desenvolveram os
temas fundamentais existentes desde o início do budismo está o Sutra Mahayana
do Nirvana. Aqui, as ideias de “permanência, felicidade, eu verdadeiro e pureza”, e
o conceito de natureza búdica, recebem mais tratamento.
Num sutra famoso, Shakyamuni compara os ensinamentos a uma balsa que
nos ajuda a transpor sofrimentos e tristezas para que possamos alcançar um
estado de felicidade. Essa parábola expressa adequadamente que não deveríamos
nos prender a interpretações literais, e que tomar as palavras dos sutras como
absolutas e imutáveis é um erro semelhante a confundir a balsa com a costa. A
esse respeito, o budismo difere de muitas outras tradições religiosas. As palavras
incitam experiências de discernimento e despertar, e as palavras e o idioma mudam
de acordo com o tempo e o lugar, então é importante usar palavras e expressões
apropriadas a cada tempo e lugar.
Parece que Shakyamuni falava o idioma do reino antigo de Magadha, mas desde
o início ele pediu a seus discípulos para transmitirem os ensinamentos nos idiomas
dos lugares onde eles eram ministrados. Mais tarde, os ensinamentos foram escritos
em sânscrito, pali e nos vários idiomas da antiga Ásia central. E posteriormente,
foram traduzidos paras o chinês e para o tibetano. A linguagem é importante, as
palavras transmitem significado importante para dar acesso à compreensão. Mas
as palavras não são absolutas. Elas são como uma balsa, uma fonte de meios hábeis
para nos guiar ao despertar.
Com o passar do tempo, os Três Cestos foram compilados, incluindo os sutras,
o código de conduta (vinaya) e as reflexões filosóficas do abhidharma. Acredito que
era intenção de Shakyamuni responder às pessoas de acordo com sua situação local,
idioma, cultura e época. Porém, os aspectos de apresentação de seus ensinamentos
que poderiam ter sido alterados ficaram fixos e estereotipados. No entusiasmo em
preservar os ensinamentos do Buda, uma tendência de confiar em certa maneira
de dizer as coisas se tornou prioridade sobre as ideias a transmitir. Os meios se
tornaram a meta.
Em resposta a isso, os primeiros Mahayanistas, Nargarjuna em particular, apontou
que as palavras eram simplesmente ferramentas convenientes, como uma balsa. Em
sua essência, ele tentou navegar de volta ao caminho do meio. Infelizmente, suas
ideias foram posteriormente levadas ao extremo, conduzindo algumas pessoas ao
niilismo ou a considerar que as palavras eram simplesmente sem sentido. Sabendo
isso, podemos ver o Sutra Nirvana Mahayana como uma tentativa de transmitir a
essência do despertar de Shakyamuni postulando um meio termo entre os extremos
da existência ou da forma (linguagem) e ausência da forma (experiência dinâmica).
Ele une diversas correntes de pensamentos, e é o ponto máximo dessas correntes.
Por isso o sutra é tão profundo.
O Sutra Nirvana também influenciou Kukai, fundador do Budismo Shingon
no Japão. Dizem que partes do capítulo sobre a Natureza dos Tathagatas do Sutra
Nirvana, em sânscrito, foram levadas para o Japão por Kukai. Quando reflito sobre o
Sutra Nirvana, prontamente vejo um fio que liga a mensagem do Buda Shakyamuni,
a atividade de Kukai e a vida e os ensinamentos de Mestre Shinjo.
24
|
V Básico da doutrina 1
Básico da doutrina
V
2
O Buda:
Primeiros Ensinamentos e
Propagação do Darma
Abaixo apresentamos a terceira parte do ensaio da Dra. Naomi Sato,
sobre a vida de Siddhārtha Gautama, que acabou se tornando conhecido
como Buda Śākyamuni. Esta parte traça sua vida desde a iluminação
até o primeiro ensinamento e a formação da comunidade espiritual que
chamamos de sanga. Todos os nomes aparecem em sânscrito, com todas as
marcações diacríticas.
Tendo alcançado a iluminação em Buddhagayā (atual cidade de Bodhgaya),
Buda passou os próximos 49 dias em meditação. Pelos primeiros sete dias ele meditou
debaixo da árvore Bodhi, então passou sete dias em seis locais próximos. Quando saiu
desse estado, ficou preocupado que o que ele veio a compreender fosse profundo
demais para que outros entendessem, então deixou de lado a ideia de ensinar. Nesse
A impressionante Estupa Dhamek no Parque dos Cervos em Sarnath marca o local onde Buda
ofereceu seus primeiros ensinamentos a cinco discípulos após alcançar a iluminação.
No. 4 • Julho 2013 | ECOS |
25
momento, o deus Brahma apareceu do reino celeste e suplicou: “Sagrado, imploro
para que ensine o Darma da Verdade. Certamente haverá alguém que compreenderá”.
O Buda aceitou o pedido e pensou, “algumas flores de lótus nascem acima da
superfície da água, enquanto outras continuem debaixo d’água e nunca florescem.
Ainda assim, a maioria fica próxima da superfície e crescerá e produzirá flores
lindas se tiver a oportunidade. Todos os seres vivos são o mesmo”. Percebendo
que as pessoas não podem chegar à iluminação sem ouvir ao Darma, decidiu expor
os ensinamentos pelo bem de qualquer um que possa ouvir e despertar. Pelos 45
anos seguintes, até sua partida deste mundo, aos 80 anos, dedicou-se somente a
transmitir o Darma.
As primeiras pessoas que Buda escolheu para falar foram seus cinco
companheiros de asceticismo, que sentiram que Śākyamuni os tinha desapontado
quando desistiu do treinamento antes de alcançar a iluminação. Os cinco ascetas
continuaram sua prática em um lugar chamado de Parque dos Cervos, no interior
de Vārān.ası̄ , uns 200 quilômetros a noroeste de Buddhagayā. Quando viram o Buda
à distância, decidiram cumprimentá-lo secamente e ignorá-lo, o que seria justo
para alguém que sentiram ter desviado do caminho. Mas quando ele se aproximou,
ficaram tão impressionados pela aura sagrada dele que se moveram como pássaros
aprisionados em gaiolas que finalmente estão livres para voar. Expressaram
reverência, lavando seus pés.
Ele explicou sobre iluminação a partir de quatro pontos de vista.
“A vida é sofrimento. Essa é a primeira verdade. Somos nós mesmos que causamos
o sofrimento. Essa é a segunda verdade. Podemos nos livrar desse sofrimento
extinguindo todos os apegos. Essa é a terceira verdade. E há um caminho para isso.
Essa é a quarta verdade”.
Conhecemos esse ensinamento hoje como as Quatro Nobres Verdades.
Com base em sua experiência, o Buda explicou como cessar o sofrimento,
seguindo o caminho que conhecemos como Caminho do Meio – pois não depende
nem de um extremo nem de outro. Ele também ensinou que uma pessoa não
alcançará a iluminação simplesmente praticando a meditação ou levando o corpo
aos limites de resistência em exercícios ascéticos.
Ao ouvir o Buda falar, os olhos dos cinco ascetas foram abertos para a Verdade,
eles se tornaram arhats, aqueles “dignos de oferecimento”1. Foi então que as Três
Joias do Budismo se reuniram pela primeira vez: o Darma, ensinamentos da verdade;
o Buda, que mostra a verdade ao mundo; e a Sanga, a comunidade de praticantes.
Desde então, buscar refúgio nas Três Joias significa se declarar como um budista.
O primeiro discurso do Buda foi chamado de “Primeiro giro da roda do Darma”.
Seus ensinamentos aqui são comparados a uma roda, e o primeiro giro significa o
início da propagação do Budismo. O local onde esse evento aconteceu é o Parque
dos Cervos, na atual Sārnāth.
Com cinco discípulos arhat, Buda ensinou o Darma depois para o jovem Yaśa.
1 Nas escrituras budistas chinesas, esse termo é interpretado de diversas formas: aquele merecedor de
oferecimento; aquele que não tem mais nada a aprender, significando que um arhat concluiu seu aprendizado
e prática; destruidor de bandidos, significando que um arhat extinguiu os “bandidos”, as ilusões e os desejos; e
uma pessoa que “não renasce”, pois um arhat se libertou da transmigração entre os seis reinos inferiores. Dessas
acepções, “merecedor de oferecimento” está entre os dez epítetos (títulos honoráveis que expressam sabedoria,
bondade amorosa e compaixão) de um Buda, indicando assim que o termo arhat foi originalmente um sinônimo
para Buda.
26
|
V Básico da doutrina 2
Yaśa ficou profundamente impressionado com o que ouviu. No momento em que se
ordenou, seus olhos foram abertos ao Darma, e ele também se tornou um. Em seguida,
54 dos amigos de Yaśa se uniram à sanga e também se tornaram arhats. Em pouco
tempo, 61 arhats (incluindo Buda) surgiram. E Buda os enviou para longe em uma
jornada de divulgação dos ensinamentos, dizendo: “sigam em frente e transmitam o
Darma para o bem de muitos, para a felicidade e bem estar de todos. Que cada um vá
em diferentes direções”. E assim os 61 homens partiram, um a um, para propagar os
ensinamentos em diferentes locais.
Novamente só, Buda retornou a Magadha e foi à capital, Rājagr.ha (atual cidade
de Rajgir). No caminho, revelou os ensinamentos aos três irmãos Kāśyapa2, todos
mendicantes religiosos renomados. Primeiramente, recusaram-se a ouvi-lo, mas
quando Buda demonstrou uma força misteriosa e maravilhosa, também despertaram
para o Darma e se juntaram a ele, junto com mais 1.000 seguidores.
Em seguida, dois homens se tornaram discípulos seus, Śāriputra e Maudgalyāyana,
que se tornariam os maiores. Eles tinham sido seguidores de um filósofo de grande
influência, Sañjaya, mas quando ouviram os ensinamentos de Buda, tornaram-se
seus discípulos dentre os outros 250. E também se tornaram arhats.
O Buda também foi para seu lar, em Kapilavastu. O Rei Śuddhodana ficou muito
feliz em vê-lo, disse que o filho de Buda, Rāhula, e seus filhos Devadatta e Ānanda
também se uniram à sanga, além de um grande número de filhos da nobreza. Após o
falecimento do rei, a mãe adotiva de Buda, Mahāprajāpatı̄, e sua esposa, Yaśodharā,
também se juntaram à sanga, e nasceu assim a comunidade de mulheres ordenadas.
A sanga radiou ainda mais a partir de Rājagr.ha. Consistia, no sentido mais
amplo, de quatro grupos: homens ordenados (bhiks.u), mulheres ordenadas (bhiks.
un.ı̄), homens laicos (upāsaka) e mulheres laicas (upāsikā). Os membros laicos
acumularam méritos ajudando com doações para os praticantes ordenados, que se
concentravam no treinamento para se tornarem arhats. Muitos deles eram pessoas
de poder, como o Rei Bimbisāra de Magadha, o Rei Prasenajit de Kosala e o rico
mercador Anāthapin.d.ada. Eles doaram parques, como o monastério de Venuvana
e de Jetavana ao Buda. Esses locais se tornaram centros para as atividades de
aprendizado de Buda e seus discípulos.
— Continua …
2 Favor consultar a revista Ecos, vol. 3, sobre a história dos irmãos Kāśyapa.
No. 4 • Julho 2013 | ECOS |
27
Básico da doutrina
3
V
A transmissão do budismo
Esta série de artigos mostra como o ensinamento Budista tem sido
transmitido através do tempo, acreditando que nossos leitores possam
entender melhor a Shinnyo-en dentro da história do Budismo. Aqui,
gostaríamos de apresentar alguns lugares que Buda Shakyamuni visitou
após a iluminação.
Sarnath: a primeira conversa sobre o Darma e a criação da Sanga
Depois de alcançar o despertar espiritual, Shakyamuni continuou a meditar
por dias, em um estado profundo de alegria. Os sutras descrevem o despertar
em termos de realização profunda, inabalável paz e felicidade, ver as coisas como
realmente são. Shakyamuni foi libertado do ciclo de morte e renascimento, vindo a
compreender os princípios de causa e efeito, impermanência e origem codependente
de todas as coisas. Ele experimentou verdades únicas e profundas, que outros talvez
não fossem capaz de entender.
Os sutras contam a história que a entidade celestial Brahma Sahampati apareceu
para Buda. Brahma implorou que ensinasse o Darma ou o caminho para o despertar
espiritual, para que outras pessoas também pudessem escapar do sofrimento e
encontrar a felicidade. Em resposta à súplica de Brahma, Buda pensou consigo:
“Aqueles que permanecem imersos nos prazeres mundanos podem pensar pouco
sobre verdades supremas e não estarem abertos a ouvir, mas aqueles que se dedicam
à busca da verdade com um espírito destemido podem atingir o despertar. Se eu não
ensiná-los, continuarão a sofrer”.
Shakyamuni resolveu passar sua vida guiando outros em direção à felicidade e
paz. Como um ser desperto, sua preocupação com outros se expandiu sem limites,
mas ele tinha que começar de algum lugar e considerou a quem deveria ensinar. As
primeiras pessoas que vieram à mente foram os dois professores de meditação ioga,
Arada Kalama e Udraka Ramaputra - eles certamente o entenderiam. Mas descobriu
que ambos haviam falecido. Em seguida, pensou nos cinco ascéticos com quem
treinara anteriormente, que ainda continuavam a prática no Parque dos Cervos,
Sarnath, a 13 quilômetros ao nordeste de Varanasi. Para chegar até lá, ele teria que
viajar 250 km partindo de onde alcançou a iluminação em Bodhgaya.
Impulsionado pela esperança de compartilhar o Darma, partiu para esse
lugar distante. Ao ouvirem falar de sua chegada, os antigos companheiros estavam
determinados a não aceitá-lo, pensando que havia abandonado a busca pelo despertar
espiritual, mas ao vê-lo, reconheceram as mudanças e correram para lhe oferecerem
um assento e lavarem seus pés. Então Buda disse: ‘Não saí do caminho. Despertei
para a verdade e me tornei buda’. Os cinco ascéticos se convenceram que Shakyamuni
tinha encontrado a libertação e se sentaram para ouvir seus primeiros ensinamentos.
Às vezes, isso é referido como o primeiro giro da roda do Darma.
Os sutras registram que depois de ouvir essa primeira conversa sobre o Darma, os
28
|
V Básico da doutrina 3
Nos tempos antigos, o “Parque dos Cervos” em Sarnath era frequentado por
ascéticos. A grande estupa Dharmekh foi construída aqui para comemorar o ponto
onde Buda Shakyamuni deu os primeiros ensinamentos após o despertar.
Reino de
Yuezhi
Mongólia
Goguryeo
Regiões a
oeste
Shilla
Baekje
Tibet
Japão
Dinastias pré-Han até Jin Oriental
Nepal
Sarnath
Varanasi
Rajgir
Bagan
Índia
Sri Lanka
Rota norte (Mahayana)
Rota sul (Teravada)
Java
No. 4 • Julho 2013 | ECOS |
29
Acima: a distinta estupa Chakhandi.
À esquerda: uma imagem em arenito do séc. V, de
Buda transmitindo os primeiros ensinamentos. Esta
imagem, exposta no Museu Arqueológico de Sarnath,
é vista como uma das imagens mais bonitas de Buda
na Índia.
Abaixo, à esquerda: Pessoas prestando respeito em
Dhamekh.
Abaixo, centro e à direita: as ruínas do primeiro
Templo de Mulagandhakuti, onde Buda passou
a primeira estação de chuvas após a iluminação,
localizado perto do atual templo construído nos anos
1930. Uma visão interna do templo de Mulagandhakuti
cinco ascéticos se refugiaram em Buda e conseguiram despertar, um a um.
A estupa Chaukhandi foi colocada aqui talvez por volta do séc. V para comemorar
o encontro de Shakyamuni e seus primeiros discípulos. Ali permanece até hoje, com
adição posterior de uma torre octogonal pelos governantes islâmicos da região1.
Sarnath é também lar das ruínas da estupa Dhamekh, que data uma estrutura
encomendada pelo rei Ashoka, em 249 a.C.2
Varanasi
Depois de sua primeira conversa sobre o darma, Buda seguiu para a cidade de Varanasi,
também conhecida como Benares, que fica às margens do rio Ganges, no estado de
Uttar Pradesh. Varanasi é talvez o local mais sagrado da Índia para os hindus e jainistas.
Podemos ver pessoas indo ao Ganges por devoção religiosa, fazendo abluções no rio,
rezando em suas margens e até coletando água para levar para casa.
O que impressiona os visitantes nesta cidade sagrada é ver tanta vida fora de casa. As
pessoas lavam roupas, escovam os dentes e se banham às margens do rio, que está bastante
1 Acredita-se que o templo foi construído como terraplanado e foi modificado para comemorar a visita do
imperador Humayun, um poderoso governante Mughal.
2 A estupa é da impressionante altura de 34 metros. Gravuras florais e geométricas datam do séc. V, mas algumas
partes foram preservadas desde a encomenda original do rei Ashoka, no séc. III a.C.
30
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V Básico da doutrina 3
Acima, à esquerda:
na Índia, as vacas
sagradas possuem a
liberdade de vagar
por onde quiserem.
Esta relaxa no chão
de uma loja de
tecidos local.
Acima, à direita:
Ghats são escadas
largas que permitem
que as pessoas
desçam até as
margens do rio
Ganges. Pessoas se
reúnem antes do
amanhecer para fazer
abluções no rio.
À esquerda:
nascer do sol sobre
o rio Ganges,
talvez o local mais
importante de
peregrinação para os
Hindus.
poluído quando atinge Varanasi. Muitos hindus vêm aqui para morrer, acreditando que
ter suas cinzas espalhadas no Ganges é essencial para morrer bem e se libertar do ciclo
cármico. As cinzas e restos das piras funerárias, que podem ser vistas acesas ao longo do
Ganges, são despejados diretamente no rio.
Varanasi, ou Benares, é uma das cidades mais antigas do mundo, cheia de vida mesmo
hoje. No tempo de Buda, Varanasi foi a capital do antigo reino de Kashi, um dos 16
grandes estados da época3 e um importante centro de comércio. Os sutras descrevem
que a sexta pessoa a despertar para o Darma, um homem chamado Yasa, veio de uma
família de rico comerciante em Varanasi. Depois do despertar de Yasa, seus pais também
se refugiaram em Buda como praticantes laicos, e por ser muito respeitado, 54 dos seus
amigos fizeram o mesmo. Compreenderam o ensinamento rapidamente e todos se
tornaram arhats em pouco tempo. Isso levou o número de arhats a 60.
O Buda lhes disse: “Monges! Como eu, os senhores se libertaram dos elos do carma
e atingiram o despertar espiritual. Agora, sigam em frente e ensinem o Darma para
benefício e paz de todos”. Com isso, os discípulos partiram para longe, para compartilhar
sua experiência do Darma.
3 Dezesseis estados poderosos conhecidos como Mahajanapadas, ou “grandes reinos”, surgiram ao norte,
noroeste e leste da Índia até o final do período védico. Embora os registros históricos indiquem que
esses reinos existiam há 1.000 anos a.C., os Mahajanapadas chegaram ao apogeu na época do Buda. Naquela época,
o Reino de Kashi, com capital em Varanasi, foi o mais sagrado e poderoso dos Mahajanapadas, um dos principais
destinos para peregrinação.
No. 4 • Julho 2013 | ECOS |
31
O Rei de Magadha e a Doação do
MonastéRio de Venuvana
Superior: corpos sendo cremados
às margens do Ganges.
Acima: uma procissão até o Rio
Ganges durante um festival.
Abaixo: pessoas fazendo
abluções.
Retornando para Uruvela a partir de Varanasi,
Shakyamuni encontrou os três irmãos Kashyapa.
Brâmanes famosos pelo ritual do fogo, cujas
austeridades e rituais tinham atraído quase 1.000
seguidores. Quando Buda chegou, descobriu
que uma grande serpente tinha interrompido
a cerimônia deles e comandou que os deixasse
em paz. Quando isso aconteceu, os dois irmãos
mais novos se refugiaram em Buda, mas o mais
velho que acreditava que sua própria santidade
superava a de Buda, não o ouvia. Isso levou
Buda a demonstrar sua autoridade espiritual
de diversas formas, até que o irmão mais velho
finalmente reconhecesse Shakyamuni como
verdadeiramente desperto. Os três irmãos se
juntaram à sanga, que crescia rapidamente, e
trouxeram consigo os mil discípulos4.
Continuando em seu caminho, Shakyamuni
entrou na capital de Magadha, em Rajagriha,
outro dos 16 grandes Estados da Índia. Magadha
era governada pelo rei Bimbisara, que já conhecia
Shakyamuni antes do despertar5. O rei já
tinha se impressionado com o jovem ascético,
incentivado-o a buscar a verdade. Agora, estava
ainda mais impressionado com Buda e se tornou
um praticante laico, prometendo proteger os
ensinamentos. Ele doou um grande bambuzal
para a sanga residir durante as estações de chuva.
Em sânscrito, este complexo veio a ser chamado
de Venuvanavihara, que significa literalmente
‘monastério de bambuzal’.
A ampla área estava perto da cidade, para
os monges pedirem por doações, mas longe o
suficiente para poderem meditar tranquilamente.
Esse monastério viria a se tornar um importante
centro budista.
4 Favor consultar a revista Ecos, vol. 3, para ler a história completa
dos irmãos Kashyapa.
5 Diz a tradição que quando Shakyamuni primeiro deixou sua
casa para buscar a iluminação, chegou em Rajagriha. Seus trajes
nobres atraíram a atenção do rei Bimbisara, que lhe ofereceu
riquezas e o comando do seu exército, mas Shakyamuni recusou,
explicando que ele não procurava nada além da iluminação.
Bimbisara então solicitou que Shakyamuni lhe ensinasse a
verdade após encontrá-la.
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V Básico da doutrina 3
Hoje, um parque preserva as ruínas do monastério de Venuvana.
Bambus foram plantados para sugerir como o lugar deve ter sido no
tempo de Shakyamuni.
Hoje, todos os sinais da grande cidade de Magadha desapareceram, e a pequena
cidade de Rajgir ocupa seu antigo local. Algumas reminiscências foram escavadas,
aqui e ali pode-se encontrar as ruínas de antigos paredões de pedra, mas uma grande
área que pode ter sido a cidade antiga está hoje coberta por grama e árvores. O local
onde dizem ter sido o Monastério de Venuvana é hoje um parque. Embora bambus
tenham sido plantados, é difícil imaginar como o bambuzal onde um grande número
de monges e praticantes laicos se reuniam para ouvir os ensinamentos de Buda. A
lagoa retangular usada para abluções foi preservada, mas os monges não a utilizam
mais. Poucos visitantes vêm, portanto, é uma área bem calma.
A caminho do monastério de Venuvana até o monte Gridhakuta, conhecido como
Pico dos Abutres, encontram-se as ruínas da ‘prisão de Bimbisara’. Dizem que o filho
de Bimbisara, Ajatashatru, queria assumir o reino, e que prendeu Bimbisara aqui por
um certo tempo antes de executá-lo. O Sutra de Samanaphala (literalmente, “frutos
de uma vida contemplativa”)6 diz que Ajatashatru lamentou o que tinha feito e acabou
se refugiando nas três joias (Buda, Darma e Sanga).
Uma Reunião de Discípulos
Na época do Buda, o Pico dos Abutres era localizado a certa distância da região urbana,
6 Considerado uma obra-prima do Cânone em Pali, o “Sutra dos frutos de uma vida contemplativa” é um retrato
do caminho do treinamento budista, ilustra cada etapa com metáforas vívidas. O sutra demonstra como Buda,
em contraste com os seus contemporâneos mais inflexíveis, apresentou seus ensinamentos de forma pertinente
e empática às necessidades de seus ouvintes. O discurso conta a história do rei Ajatashatru, que apresentou a
seguinte questão aos mestres espirituais indianos: “Qual é a vantagem de uma vida contemplativa?”. Tendo ficado
insatisfeito com as respostas de outros mestres, o rei perguntou a Shakyamuni, cuja resposta motivou o rei a se
tornar um seguidor laico.
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Acima, à esquerda: passagem conhecida como
estrada Bimbisara, ainda usada por visitantes
hoje. Foi construída originalmente para facilitar
o trajeto do rei Bimbisara até o Pico dos Abutres,
quando ia ouvir os ensinamentos de Buda.
Acima, meio: formação rochosa que inspirou o
nome Pico dos Abutres, uma área onde abutres
vivem e fazem ninhos. Agrupam-se aos montes
entre as fendas do terreno rochoso.
Acima, à direita: ruínas no topo do Pico dos
Abutres mostram a estrutura pequena e austera
onde Buda se abrigava e ensinava.
À esquerda: Pico dos Abutres, onde dizem que
Buda oferecia vários sutras, ainda um lugar de
peregrinação que atrai pessoas de todo o mundo
para estudar e meditar.
e Shakyamuni vinha frequentemente para meditar e desfrutar do silêncio.
Muitos dos ensinamentos que compõem os sutras, incluindo os Sutras
Prajnaparamita (“Perfeição da sabedoria”)7 e o Sutra de Lótus, dizem que foram
transmitidos aqui. O rei Bimbisara construiu uma estrada para o topo do morro,
para que pudesse visitar Buda e ouvir seus ensinamentos. A estrada permanece até
hoje e ainda é usada por peregrinos. Foi pavimentada e é conhecida localmente
como “Estrada de Bimbisara”.
Hoje, o local é uma atração popular e se tornou habitual que os visitantes subam
o morro e apreciem o nascer do sol. Como seu nome implica, o Pico dos Abutres é
lar de uma grande quantidade de abutres, que podem ser vistos voando pela região.
Aqui, olhando ao longe, é possível admirar a mesma vista que Shakyamuni teria em
seu tempo.
— Continued…
7 Estes sutras expõem a perfeição da sabedoria e o princípio da não substancialidade (Sânsc. shunyata), um conceito
budista fundamental que se refere ao intrínseco caráter de vazio de todos os fenômenos. É o conceito de que
fenômenos não têm existência fixa ou independente, surgem somente em virtude de sua relação com outros
fenômenos. Não substancialidade não é negativo nem niilista, ensina a importância de perceber a verdadeira
natureza dos fenômenos e o apego a esses eventos transitórios, que existe na origem do sofrimento.
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V Básico da doutrina 3
Básico da doutrina
V
4
Girando a Roda:
Histórias dos Discípulos de Buda
Sarabha e Susima
Desafios para a Sanga
O Buda liderou 1.000 discípulos à cidade de Rajagriha, capital do reino
de Magadha. Durante esse período, um ascético chamado Shariputta, seu
amigo próximo Moggallana e seus 250 seguidores fizeram promessas ao
Buda. Então, quando Buda ensinou em Rajagriha, foi assistido por 1.250
monges.
O Rei Bimbisara de Magadha tinha conhecido Shakyamuni desde os
dias de seu treinamento austero, então recebeu o Buda, ouviu seus
ensinamentos e alcançou o primeiro nível de sabedoria e refugiou-se
nele. Shakyamuni passou três anos orientando em Magadha e solidificou
sua base antes de partir para o reino de Koshala, onde um rico mercador
chamado Anathapindika1 construiu o Monastério Jetavana para ele. Buda
permaneceu lá antes de seguir à sua terra natal, no reino de Shakya.
A seguir, a história da cidade de Rajagriha.
Sarabha, Sem Palavras Diante de Buda
Conforme Shakyamuni expandia o ministério, reuniu muitos seguidores laicos.
Os ensinamentos tocavam-nos profundamente e eles passavam adiante avidamente.
Mais e mais pessoas vieram a se refugiar nele.
Contudo, nem todos pensavam bem de Buda. Ele encontrou críticas entre os
devotos de outras doutrinas, não apenas os brâmanes tradicionais, mas também os
numerosos ascetas chamados shramana, que tinham desistido da vida secular para
buscar por iluminação, comuns naquele tempo. Alguns atraíam muitos seguidores;
entre eles havia alguns conhecidos como os “Seis Professores Sectários”2.
Um deles era um homem chamado Sarabha, que já tinha sido discípulo
de Buda, mas deixou a ordem antes de terminar seu treinamento. Sarabha
começou proclamando ao povo de Rajagriha: “Conheço bem os ensinamentos de
Shakyamuni. Aprendi tudo que ele tinha a oferecer, mas fiquei insatisfeito. Deixei
seus ensinamentos e ainda busco pela verdade máxima”. Naturalmente, outros
renunciantes perdidos se juntaram a Sarabha quando ouviram isso.
1 Os nomes dos indivíduos que aparecem na série “Girando a roda” estão em Pali, sua pronúncia pode diferir um
pouco da apresentada no artigo do Dr. Sato, sobre a vida de Shakyamuni (pág. 25-27 desta edição), que usa o
equivalente em Sânscrito. Ambas as grafias estão corretas e se referem às mesmas pessoas.
2 Sanjaya Belatthaputta, professor ascético de Moggallana e Sariputta antes de se tornarem discípulos de Buda
(mencionados nos artigos de Dr. Sato), foi considerado um dos seis.
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Os discípulos de Buda, ouvindo esse discurso de Sarabha no seu trajeto diário para
coletar doações, relataram de imediato o que ouviram ao Buda. Logo Shakyamuni
foi até as margens do Rio Sappini para ver Sarabha. “Sarabha, parece que o senhor
vem falando publicamente sobre meus ensinamentos, é verdade?”.
Sarabha desviou o olhar em silêncio. Buda então disse: “Sarabha, se o senhor
conhece de fato todos os meus ensinamentos, por favor, conte-me. Se eu encontrar
algo que falte em sua explicação, posso preencher as lacunas. Se oferecer uma
explanação perfeita, vou aplaudi-lo com prazer”.
Conforme Shakyamuni foi falando, Sarabha sentiu sua vitalidade esvair.
Incapaz de proferir uma sequer palavra em resposta, manteve-se cabisbaixo, em
silêncio. Três vezes o Buda pediu para que ele recitasse os ensinamentos. Aqueles
que estavam junto de Sarabha ficaram impacientes, “O que há de errado, Sarabha?
O renunciante Shakyamuni pede por explicações. Tudo o que tem a fazer é falar
claramente”.
Ainda assim, Sarabha não conseguiu responder.
Shakyamuni então fez uma pergunta aos membros do grupo presente. “E
os senhores praticantes? Se há alguém entre os senhores que julgam que eu não
seja iluminado, por favor, digam porquê, para que possamos esclarecer quaisquer
dúvidas”. Com tais palavras, mesmo o grupo alvoroçado em torno de Sarabha caiu
no silêncio. “Amigos praticantes,” disse Buda novamente, “se houver alguém entre
os senhores que acham que eu não me libertei das paixões ilusórias, deem um passo à
frente e tirem suas dúvidas”. E novamente não obteve resposta. “Amigos praticantes,
se há alguém entre os senhores que duvidam se o Darma pode realmente ajudar as
pessoas, então explicarei até que estejam suficientemente convencidos”.
Após Shakyamuni dizer isso, olhou para cada um diretamente nos olhos, mas
apenas um conseguiu formar algum tipo de resposta, ininteligível, que parecia
não ter relação com o desafio de Buda. Outro adotou uma face nervosa. Outro
ainda desviou o olhar, e outro baixou a cabeça assim como fez Sarabha. Ninguém
conseguiu oferecer uma resposta satisfatória. Tendo deixado claro esse ponto, Buda
se foi. Os outros – convenientemente esquecendo de seu próprio comportamento –
reuniram-se em volta de Sarabha e o criticaram.
“Vamos lá, Sarabha, você estava como uma raposa saltitante que pensou poder
rugir como um leão. Quando o renunciante Shakyamuni não estava por perto, era
corajoso. Mas quando ele veio, não conseguiu dizer nada!”.
Com isso, todos viraram as costas para Sarabha, e não mais prestaram atenção
nele.
Um espião chega na Sanga
Como era de se prever, o número de pessoas fazendo oferendas aos praticantes de
outras tradições diminuiu drasticamente. Alarmados, esses praticantes se reuniram um
dia para traçar uma estratégia.
“Talvez devêssemos ter um homem perspicaz entre nós que se juntasse aos discípulos
de Shakyamuni”, foi uma sugestão. “Ele pode memorizar os ensinamentos e nos
trazer. Podemos usar para ensinar as pessoas e seremos mais reverenciados do que ele.
Ganharemos mais seguidores, receberemos doações de novo”. O grupo gostou desse
plano e decidiu executá-lo.
Entre eles havia um jovem inteligente, chamado Susima, que também desejava
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V Básico da doutrina 4
Região ao norte da Índia
e o trajeto de Buda
Cordilheira do Himalaya
Monastério de Jetavana
Parque dos Cervos
Monastério de Venuvana
Monte
Gayasisa
Montanha
Reino
Rio
Nomes do local
Capital
Design by Brechtje Zoet-Viasus [BZdesign]
resgatar os fiéis que tinham perdido para Buda. Ele parecia servir perfeitamente. Os
mais velhos explicaram a ele os detalhes do plano e pediram: “Susima, não existe outra
pessoa para esse importante papel. Pode fazê-lo?”.
“Com certeza, meus senhores”, disse Susima. “Prometo retornar com os ensinamentos
completos de Shakyamuni”.
E Susima foi até os discípulos de Buda que residiam na floresta de bambus em
Kulhanda, norte de Rajagriha. Ele se aproximou dos monges e fez o pedido: “Honrados,
gostaria de entrar para sua comunidade, em nome dos ensinamentos de Buda e praticar
a castidade. Por favor, peço pela ordenação”.
Os monges levaram Susima até o Buda, que com um só olhar já soube que ele tinha
outras intenções. Entretanto, deu sua permissão: “sim, vamos aceitar o voto de Susima”.
E Susima se tornou um monge. Com interesse ávido nos estudos, perguntava uma
questão após a outra para os veteranos, obtendo todo o tipo de informações.
Um dia, Susima ouviu vários monges prestando homenagem a Buda. “Ó, Nobre,
a causa de mais renascimento e morte foi extinta, aperfeiçoamos nossos exercícios
de abstinência. Cumprimos tudo o que devíamos. Percebemos que não mais estamos
sujeitos ao ciclo de transmigração”.
“Ah, aqueles devem ser os monges que se tornaram arhats, após cumprir o treinamento
final”, pensou Susima. “Se eu falar com eles, certamente conseguirei informações
cruciais”.
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Tendo esses pensamentos, Susima se apressou e perguntou: “Ó, Honrados, todos
aperfeiçoaram os exercícios de castidade e alcançaram o despertar pleno?”.
“Assim o fizemos, amigo”.
“Neste caso, que tipo de concentração (samadhi) dominaram, e nesse momento,
conseguiram realizar milagres? Puderam ler mentes ou ouvir vozes do mundo celestial?”3.
“Amigo, nada disso nos aconteceu”.
“Se é assim, conheceram então suas inúmeras vidas passadas? Ou talvez
compreenderam o carma das pessoas, conhecendo como suas vidas futuras seriam?”.
“Amigo, nada disso nos aconteceu”.
“Honrados, nesse caso, algumas pessoas podem alcançar libertação total enquanto
outras apenas uma pequena parte?”
“Amigo, não existe tal coisa”.
“Então como podem dizer que alcançaram a iluminação?”, Susima perguntou
exasperado. “Nem chegaram ao nível mais profundo de consciência ou manifestaram
maravilhas!”.
“Susima, meu amigo, fomos libertos por meio da sabedoria”.
Susima ficou intrigado. No ensinamento que praticava, a concentração profunda
(samadhi) e habilidades sobrenaturais poderosas eram a prova de iluminação. “Hummm.
Não compreendo o que querem dizer”.
“Amigo Susima, compreendendo ou não, alcançamos a iluminação pela sabedoria”,
concluíram. E deixaram Susima, em pensamentos profundos.
Susima segue o coração
Na sanga, os monges faziam perguntas diretamente a Buda um de cada vez. Chegou a
vez de Susima. Até então ele nunca tinha conseguido olhar nos olhos de Buda ou falar
com ele com uma vontade verdadeira de ouvir.
Susima disse para si mesmo: “apenas vou lá e perguntarei sobre a iluminação. Se
conseguir uma resposta, terei tudo que preciso!”.
Aproximou-se de Shakyamuni respeitosamente e explicou o que tinha acontecido
entre ele e os monges mais velhos. “Ó, Honrado Buda, não consigo compreender. Por
favor, explique-me”.
Com uma voz clara e gentil, Buda explicou: “Susima, primeiro eles aprenderam
o Darma, refletiram, praticaram o empenho sem autoindulgência, libertaram-se dos
apegos, acalmaram suas paixões aflitivas e libertaram as almas para encontrarem a
iluminação”.
“Ó, Honrado Buda, como eu posso fazer isso?”, perguntou Susima.
“Bem, para isso, deve primeiro tentar refletir sobre o seguinte...”
Como se ele não soubesse das outras motivações de Susima, Shakyamuni começou
a explicar os ensinamentos pacientemente.
“Isso é perfeito”, pensou Susima, “o Buda é surpreendentemente fácil de enganar!”.
Concordando efusivamente, Susima prestou muita atenção para lembrar cada palavra
e frase dita, sem perder nada. Shakyamuni explicou passo a passo – desde o princípio
de causa e efeito (carma), passando pela inconstância das obsessões mundanas e a
3 Estes, assim como os que seguem, são exemplos das maravilhas transcendentais traduzidas às vezes como
“conhecimento maior” (Sânsc. abhijña), marcos da prática avançada. Na Shinnyo-en, isso toma a forma de
faculdade espiritual.
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V Básico da doutrina 4
cadeia de doze elos de origem dependente que resulta no sofrimento continuado,
desde o abandono da cobiça até a quebra da ignorância e da escuridão espiritual, desde
a destruição das causas de sofrimento até o conforto e a felicidade da iluminação –,
explicou o caminho de formas que Susima pudesse entender facilmente.
“Ah! Agora entendo bem, Honrado Buda”.
“Muito bem, Susima. Agora que conseguiu um bom entendimento do Darma”,
Buda disse, encorajando: “O que você precisa fazer agora é colocar o conhecimento
em prática, na vida diária”.
“Muito obrigado, Honrado Buda”.
Susima se afastou, pensando: “Então é isso. Agora aprendi todos os ensinamentos
de Buda!”.
Mas algo tinha abalado Susima. Apesar de estar cheio de orgulho, ao mesmo tempo
sentia uma perturbação que o fazia suar frio. E de repente a voz de Buda eclodiu:
“Ainda não entende, Susima, depois de ouvir tanto? Esse seu coração se tornou a
raiz de sua aflição. Se você não purificar as corrupções do coração e da mente, nunca
conseguirá encontrar a iluminação, não importa o quanto viva”.
A força de sua voz era acentuada o suficiente para entrar no mais interior do
âmago de Susima. Todo o seu corpo paralisou e não conseguiu proferir palavra.
“Como isso aconteceu?”, pensou Susima, “Ele deveria já saber de minhas intenções
o tempo todo!”. Impressionado pela força de Buda, Susima percebeu pela primeira
vez como ele fora tapado, e um sentimento profundo de remorso pelo que tinha feito
a esse grande mestre espiritual surgiu dentro de si.
Ali mesmo, Susima se jogou ao chão em ato de verdadeiro arrependimento.
“Ó, Honrado Buda”, disse com voz trêmula, “peço perdão. Sou um estúpido. Fiz
promessas numa tentativa de roubar seus ensinamentos. Mas meu coração não
desviará novamente. Por favor, perdoe-me. Permita-me continuar meu treinamento
espiritual”.
“Susima, suponha que fosse preso por bandidagem, exposto diante do povo e
executado por ser açoitado enquanto preso em um mastro. Como seria essa agonia?”.
“Teria certamente que suportar uma dor horrível”, respondeu Susima ao Buda.
“Susima, aquele que distorce o Darma deliberadamente está sujeito a tormentas
ainda mais graves, senão nesta vida, na próxima. Você precisa compreender a
grandiosidade do Darma e evitar abusar dele”.
Naquele momento, uma aflição encobriu a alma de Susima, assim como um
pedaço de pele morta.
“Ainda, Susima”, continuou o Buda, “você admitiu seu erro. Confessou desde o
fundo do coração e reconheço. Fazendo penitência e seguindo pelo caminho correto,
acumulará méritos gradualmente. Com o tempo, poderá compreender as verdades”.
A partir daquele dia, Susima mudou. Tornou-se um verdadeiro discípulo de Buda,
e terminou seu treinamento com alegria honesta.
No. 4 • Julho 2013 | ECOS |
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Na próxima edição da ECOS: O Monastério de Jetavana
Uma história intrigante conta a origem do Monastério de Jetavana em Shravasti, Índia,
onde dizem que Buda Shakyamuni viveu e pregou os ensinamentos na estação de chuvas,
pelos últimos 25 anos de sua vida. O monastério foi construído como um oferecimento
de Anathapindika, um mercador rico e discípulo de Buda. Depois do Monastério de
Venuvana em Rajagriha, é o principal centro do ministério de Buda. Foi estabelecido
quando Anathapindika, procurando uma terra mais apropriada para construir um
monastério para Buda e seus discípulos, encontrou um pedaço lindo de floresta chamado
Jetavana. O Príncipe Jeta, proprietário da terra, não queria se separar dela, mas disse
a Anathapindika que venderia caso o mercador cobrisse a área de ouro. Quando viu
Anathapindika realmente começar a fazer isso, ficou muito impressionado. Ao ouvir
o propósito da terra, o príncipe cedeu a terra e a clareira, ajudando-o a construir o
monastério.
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