nazareth - Ernesto Nazareth

Transcrição

nazareth - Ernesto Nazareth
NAZARETH
- estudos analíticos
D E C A - RECIFE
JAIME C. DINIZ, sacerdote pernambucano, estudou Filosofia no Seminário de Olinda e Teologia no Seminário Central de S. Paulo.
No que se refere à sua formação musical,
ele tem no maestro Fúrio Franceschini, o seu
maior mestre no Brasil, devendo ainda muito ao
empenho do grande batalhador pela música sacra, Frei Pedro Sinzig.
Por duas vezes, empreendeu viagens de estudo a Europa, a fim de aprofundar os seus
conhecimentos de música sagrada (Roma e Paris) e seguir os cursos de Musicologia com
Higinio Anglés, no Instituto Pontifício de Música Sacra em Roma.
A sua atividade se desdobra como compositor, regente de coro, conferencista, musicólogo
e, sobretudo, como professor. Ensina, atualmente, na Universidade dó Recife, na Escola de
Música Anthenor Navarro de João Pessoa, no
Convento de S. Francisco em Olinda, além dos
cursos particulares que sempre manteve no
Recife.
Realizou cursos intensivos e conferências
sobre música em várias partes do Brasil — Rio
de Janeiro, Teresópolis, S. Paulo, Campinas,
Franca, Maceió, João Pessoa, Fortaleza, Salvador, Porto Alegre, etc.
Em dezembro de 1961 é eleito membro efetivo da Academia Brasileira de Música. É do
mesmo ano a sua nomeação de Presidente da
Comissão de Música Sacra da Arquidiocese de
Olinda e Recife.
Desde 1960 vem integrando o "Órgão de
Assistência Cultural e Artística" do D E C A
(SENEC).
Em janeiro e fevereiro de 1962 ministrou
um curso intitulado: "A linguagem da música
ocidental", no Pontifício Colégio Pio Brasileiro,
em Roma.
JAIME C. DINIZ
NAZARETH
- estudos analíticos
DECA — RECIFE
"A fonte mais completa do estudo da rythmica brasileira ainda é Ernesto Nazareth, um musico popular".
BRASÍLIO ITIBERÊ (In "Festa", agosto de 1934).
Aos Mestres, amigos e confrades:
Fúrio Franceschini
Ênio de Freitas e Castro
Waldemar de Oliveira
— 7 —
1863 - 1934
CERTIDÃO DE BAPTISMO DE ERNESTO
NAZARETH
PARÓQUIA DE SANTANA
"Aos dezenove de Abril de mil oitocentos e sessenta e trez, nesta Matriz baptizei solemnemente ao
innocente Ernesto, nascido a vinte de Março do corrente anno, filho legitimo de Vasco Lourenço da
Silva Nazareth, e Carolina Augusta da Cunha Nazareth: foi padrinho Julio Augusto Pereira da Cunha, e Protectora Nossa Senhora, de que fis este
que assignei. O Coadjutor João de Santa Priscilianna e Mello".
PRIMEIRAS PALAVRAS
Eis o meu estudo. O estudo que encetei, ao ensejo do
centenário de nascimento deste homem fabuloso que se chama Ernesto Júlio de Nazareth. Renato Almeida mui acertadamente, estou a crer, coloca a figura de Nazareth entre
os precursores do nacionalismo musical, cujas raízes brotaram no solo brasileiro, quando a referida atitude estética
— mais do que simples movimento — já dava flores (— algumas estranhas) no velho mundo europeu.
Eis o estudo, não no seu integral amor, não na sua insaciável vontade de conhecer mais e melhor, não na inteireza de "suas"' descobertas, mas no que restou para ser dado
ao leitor. Um livrinho — na dimensão a que foi cingido —
não pode conter o mundo todo de Nazareth, que se agiganta
cada vez que o vemos melhor em sua obra, dentro das circunstâncias do tempo que o plasmou.
oOo
O trabalho prendeu-se, em primeiro, à análise de algumas criações do nosso gênio singular. Os aspectos estético,
histórico, crítico ou até polêmico não estão ausentes do meu
estudo. Estão presentes sob a necessidade de compensar a
frieza característica da análise pela análise. Em música, a
análise não tem que esperar a síntese para ganhar vida.
Cada particularidade — cada célula — tem de ser vista com
vida e interesse.
Disse que a finalidade deste estudo foi a análise de algumas obras. De quatro, apenas. E é a matéria principal
dos quatro capítulos. Cada um, com o nome da obra que se
estuda. Mas, também aqui, é mister confessar o verdadeiro
ângulo de trabalho: cada capítulo não é uma fixação, mas
quer ser uma espécie de janela aberta para a produção vasta e polimorfa de Ernesto Nazareth. Parecendo estudar uma
polca juvenil do nosso artista, na verdade o leitor estará
tomando contato com outras criações congêneres ou não.
Não sei se esse método é o mais acertado. Não me preocupei com esse problema. Posso dizer que foi a melhor maneira de dizer mais em tão pouco.
Procurei ser claro e até didaticamente claro. Tenho a
impressão que nalguns casos não consegui o intento, em razão mesma da matéria tratada. E é, sobretudo pela matéria apresentada, que o meu trabalho não será de fácil leitura. Ao menos, não será leitura para viagens de ônibus,
trem ou avião... O leitor — a quem desejo que o meu esforço leve um pouco mais de entusiasmo e amor pela figura
de Nazareth — o leitor, repito, completará o trabalho possuindo as obras citadas, ao menos, as quatro fundamentais
que serão analisadas, para que possa seguir melhormente o
desenvolver dos capítulos: Só assim, poderá julgar do acerto ou desacerto das minhas observações e terá, espero, motivo para outras observações ou "achados" a respeito de Nazareth. Do contrário, será obrigado a fazer um ato de fé
em quem talvez não o mereça.
oOo
O bom conhecedor da obra nazarethiana ficará surpreso ao folhear as páginas do presente trabalho. É que as
— 12 —
obras anunciadas nos títulos não são as obras primas do
criador do tango brasileiro. Explico-me: no plano primeiro
deste estudo eu até havia feito concessão... havia incluído
uma obra-prima, o tango Tenebroso. Na hora de lhe dar a
redação definitiva, a partitura eu havia deixado sem o querer em João Pessoa, numa de minhas viagens. As notas
primeiras, conservadas comigo, não me possibilitavam uma
visão completa. Assim, a "concessão" desapareceu. No seu
lugar, escrevi um novo estudo: Favorito.
Quero dizer com isso, que também a escolha das obras
teve um outro critério, isto é, quase sem nenhum critério.
Pensei que abordar obras conhecidas e consagradas tem seu
lado difícil e seu lado fácil. A dificuldade não me assusta.
Assusta-me mais a facilidade. É expediente sem problemas
o tecer elogios e mais elogios em torno de uma produção
qualquer, aclamada e consagrada como obra prima... Ademais, como não quis pensar — desde o início — numa obra
só como matéria única de cada capítulo, mas como se fosse cada obra uma espécie de moldura, cujo quadro tem de
ser criado com outros e variados meios. Foi assim que escolhi a primeira composição de Nazareth, uma valsa e um
tango que despertam relativo interesse, e uma obra bela
quase desconhecida — a Marcha Fúnebre.
São obras, enfim, de valor desigual. Da juventude ou
da maturidade artística de Nazareth. De formas e conteúdo bastante contrastantes. De anseios coloridos diversamente.
0O0
Agora, os agradecimentos. Em primeiro lugar aos nobres amigos Andrade Muricy e Homero Magalhães, pela paciência que tiveram em ler as minhas primeiras anotações.
Ao primeiro sobretudo, o meu grande reconhecimento por
suas palavras de estímulo e entusiasmo. Ao Gerardo Pa— 13 —
rente — bom intérprete de Nazareth, o meu agradecimento,
por ter depositado, generosamente, em minhas mãos, sua
excelente coleção das produções artísticas do nosso compositor.
Aos que dirigem e fazem o DECA, com tanto amor ededicação, a gratidão mui sincera do autor destas páginas.
Recife, agosto de 1963.
— 14 —
I — VOCÊ BEM SABE!
" . . . a polca de Nazareth é de indispensável conhecimento: documentam a sua
numerosidade de inspiração, o seu requinte natural e a sua estupenda espontaneidade".
Andrade Muriey
O interesse da polca Você bem sabe! está em ser ela
a primeira composição de Ernesto Júlio de Nazareth. Daí,
creio, é um olhar de carinho, mas que o severo juízo crítico, que se impõe de início.
Nazareth — um músico entre popular e culto, na expressão de Muricy — escreveu aos 14 anos de idade a sua
"Polkta Lundu para piano". Era, ainda, aluno do Colégio
Belmonte (Praça Tiradentes). (1).
A dedicatória que aparece na edição feita pelo pianista
e compositor Arthur Napoleão, é muito simples: "Offere( 1 ) — O Jornal do Commercio (Rio) de 25 de dezembro de 1878,
anunciava a referida obra de Nazareth assim:
"Sahio a luz:
Você bem sabe
linda polka para piano, composição do distincto pianista Ernesto Júlio de Nazareth, acha-se a venda unicamente em
casa de Arthur Napoleao & Miguez. — 89 Rua do Ouvidor 89".
— 15 —
cida a meu pai o Snr. Vasco Lourenço da Silva Nazareth".
Parece indicar o gesto de reconhecimento ao seu genitor
pelos sacrifícios despendidos em prol de sua educação musical. Por isso, fico a pensar que o título da composição
queira dizer mais — gostosamente mais — do que o texto
do oferecimento.
Seja como for, o título é interessante, como interessantes e curiosos serão praticamente todos os títulos de sua
vasta obra. A quem andou estudando a produção musical
da segunda metade (principalmente) do século passado, isso não admira. Nazareth é de um tempo em que os títulos
das músicas populares são em geral feitas com senso de
humorismo, de sátira quando não resvalam para o mau
gosto. De algumas páginas musicais do passado, bem que
poderia repetir Ascenso Ferreira: "Só os nomes fazem sonhar". Aproveitando o ensejo, lembro algumas polcas desse tempo: um sucesso da época foi a polca de Antônio de
Souza Proença, "Pelo Sexo"; Félix de Mello escreveu uma
sentimental — "Como as Moças Amão"; é da autoria de J.
Soares Barboza uma outra, "Que é da chave?" (1881); a
célebre polca "Careca não vai à Missa" pertence a Manuel
Joaquim Maria; "Barrigudo não dansa" é uma outra de Guedes da Silva; em 1890, João Alves Pinto obtém sucesso, com
uma polca cujo título é "Moça Faceira" (2).
Ernesto Nazareth publicará depois de "Você bem sabe!"
(3), outras polcas assim intituladas:
( 2 ) — Vincenzo Cernicchiaro, "Storia delia Musica nel Brasile", ed.
Fratelli Riccioni. Milano, 1926, págs. 343-345.
Mário de Andrade, "Música, doce Música", S. Paulo, 1933,
pág. 115.
(3 ) — Essa polca-lundú foi composta em 1877 e publicada no ano
seguinte.
— 16 —
— "Cruz Perigo!!" (ed. Arthur Napoleão & Miguez,
1879) (4);
— "Gentes! O imposto pegou?" (ed. por Briani,
Barreto e Boudraux, 1880);
— "Não caio n'outra!!!" (ed. Viuva Fillippone, —
1881);
— "Fonte do Suspiro" (ed. Buschmann & Guimarães, 1882);
— "Teus olhos captivam" (ed. Bevilacqua & Cia..
1883);
— "Não me fujas assim" (ed. Viuva Filippone &
Filha, — 1384);
— "A Fonte do Lambary" (ed. Pereira & Araújo,
— 1887);
— "Atraente" (1890);
— "Cuyubinha" (outra polca lundu, ed. em 1893);
— "Quebradinha" (ed. E. Bevilacqua & Cia., —
1890).
Ainda poderiam ser citadas outras polcas, como —
"Correcta" "Attrevidinha", "Bombom" (fortemente sincopa( 4 ) — "Cruz, perigo!", publicada como polca, é citada por F. Acquarone (— "História da Música Brasileira", pág. 239 a), por
Edino Krieger (Rev. "Senhor", 1-1963, pág. 60 b) e por outros, meros repetidores, como tango. A verdade, ao que me
parece, está com Andrade Muricy quanto redigo a ficha da
Academia Brasileira de Música de que Nazareth é o titular
da cadeira 35: "em 1890 (— aliás, 1879), apareceu a sua
polca "Cruz, perigo!" na raelidade o seu primeiro tango,
pelo que apresenta de indícios precursores do gênero em que
realizou as suas obras mais características, e a que chamou
tango brasileiro" ("J. do Commercio", Rio, 17-III-963).
— 17 —
da nas duas mãos), "Beija Flor" (ed. de 1884), "Ameno
Resedá (ed. de 1912), "Alerta" (ed. de 1915), etc.
A tonalidade básica empregada por Nazareth na sua
primera
criação é Ré bemol maior. A introdução (de uma
audaciosa
adolescência) se abre e se conclui com o acorde
de sétima da dominante: o primeiro acorde, completo, está
i n v e r t i d o e o segundo — sem a quinta — no estado fundamental.
Com este desenho, o jovem compositor escreveu a sua
introdução,
tentando um contraste de movimento entre as
mãos:
Vale a pena registrar que poucas são as polcas do pianeiro carioca (5) que contêm introdução. No momento,
lembro-me
de "Alerta", em que Nazareth explora um vasto
espaço [não escaneado], compreendido praticamente dentro de 7 oitavas, e de "Cuera" (uma polca-tango).
A dissonância inicial na introdução não será apenas
(5)
Na
bonita
conferência sobre Ernesto Nazareth, escrita para
Seminários de Música do Porto Alegre (1963), Homero
de Magalhães
assim se expressa: "Nazareth pertencia àquela
[nao escaneado] de tocadores do piano, "pianeiro" como diz Mário
de Andrade,
que proliferou por volta de 1900. Eram os pianeiros grandes improvisadores e grandes tocadores de valsas, polkas e maxixes, personagens obrigatórios de bailes,
casamentos, aniversários e batizados".
A expressão "pianeiro" quem a empregou primeiro, segundo
nos consta, foi Brasíio Itiberê, na sua conferência "Ernesto
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um caso único, simples fruto de inexperiência, na obra do
compositor carioca. Já, aqui, há um traço do seu gosto e
de sua personalidade artística. De fato, muitas são as composições dele que se iniciarão por uma dissonância. Algumas dissonâncias partem realmente de uma necessidade expressiva, ia dizendo de requinte, como na valsa "Elegantíssima".
No tango "Arreliado", ainda inédito, o desenho da introdução é uma espécie de eco das primeiras notas da PolcaLundú "Você bem sabe!":
Na polca "Pipoca", nas valsas "Gottas de Ouro", "Julieta", Nazareth também escreve o acorde de 7.a de Dominante invertido, logo no início. No tango "Desengonçado'',
a introdução, logo após a anacruse melódica, apresenta outra sétima de dominante de bom efeito.
Dissonâncias iniciais podem ser encontradas em "Fóra
dos Eixos" (Tango carnavalesco), no tango "Floraux"' (após
a anacruse rítmica), no "Gaucho" (tango brasileiro), no
Nazareth na Música Brasileira"., quando ele se refere ao "pianeiro dengoso, macio, gostoso", ou fala do "pianeiro carioca".
É o próprio Mário de Andrade que, num artigo publicado
no ''Estado de S. Paulo" (7-1 -940). com o título de "Ernesto
Nazareth" nos diz: "Não sei se esta palavra "pianeiro" é
popular. Brasílio Itiberê empregou-a, com muito acerto, para
designar esses executantes de música choreografica, que se
alugavam para locar nos assustados da pequena burguezia
e em seguida nas salas de espera dos primeiros cinemas".
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"Apanhei-te, cavaquinho" (choro), no tango "Nenê" (logo
na anacruse e no primeiro tempo), "Delícia" (Fox-trot), etc.
O esquema rítmico —
— usado como
base nesta Polca, à exceção de alguns compassos conclusivos,
mantém-se firme sem nenhuma variante, ou mesmo substituição o que mais tarde será feito quando o compositor
estiver mais possuído da arte musical. Na polca "Não caio
n'outra!!!'', Nazareth alternará em uma das secções o esquema referido, com outro formado de quatro colcheias. Em
outras polcas (Alerta, Eulina, Correcta e Ameno Resedá) não
mais se encontrará a fórmula citada.
Esta polca jovial e de uma graça schubertiana, sobreà fórmula mencionada, o que
põe o ritmo
leva a pensar nas contradanzas cubanas, p. ex. em La Tedezco de Saumell — o pai da contradança e da habanera
— ou naquela contradanza do início do sec. XIX, citada
por Alejo Carpentier e por Gilbert Chase, em que aparece
no baixo "o ritmo mal chamado de habanera" (6).
( 6 ) — Cf. "La Musica
xico, 1946, pág.
ed. Glôbo, 1957,
Essa fórmula ou
en Cuba". Fondo de Cultura Economica, Mé112; ou Gilbert Chase, "Do Salmo ao Jazz",
pág. 287.
contextura rítmica, sem a pausa, com a pri-
— 20 —
A figura rítmica utilizada por Nazareth não é nenhuma novidade entre nós, pois o nosso folclore também faz o
mesmo. Alceu Maynard Araújo e Aricó Júnior publicam
alguns documentos em que se nota o ritmo citado, como no
documento musical 15, "Uma flor cheirosa" (três vezes),
"Dai-me licença", doc. musical 21 (uma vez), "Pai Francisco", doc. 24 (3 vezes), etc. (7).
Por curiosidade, citarei a última frase musical de um
lundu colhido em S. Paulo (sem esquecer que "Você bem
sabe!" é uma polca-lundú), tendo hoje já uns 60 anos, publicado por Rossini Tavares de Lima. (8).
meira figura pontuada, "que é a do ritmo de habanera ou
de tango, muito difundida na música das Caraíbas e da costa
oriental da América do Sul" (Chase, op. cit., pág. 419), Nazareth não só empregará depois na sua "polca" "Cruz, perigo!", mas o fará largamente nos seus tangos, como por ex.
"Nenê", "Sustenta a... nota", "Favorito", etc. Na parte superior, ainda se verifica noutras polcas: "Eulina", "Alerta", etc.
( 7 ) — "Cem Melodias Folclóricas", Ricordi, S. Paulo, 1957. Aliás,
é muito fácil encontrar exemplos similares no documentário
musical brasileiro.
(8) —"Da Conceituação do Lundu", S. Paulo, 1953, pág. 20.
— 21 —
Para mim, o mais precioso da primeira parte é o compasso 7:
Encontro aqui esboçado — uma única vez — o uso da
síncopa que Nazareth empregará mais tarde sistematicamente em suas composições, sobretudo nos tangos, e sob
mil formas proveniente de sua prodigiosa rítmica. Essencialmente já está, aqui, a figuração rítmica que os nossos
estudiosos acreditam ser sua origem ou sistematização uma
das características de nossa música, em sua forma mais simples:
(9). Em "Cruz Perigo!!", em cuja ba-
se se encontra a figuração
escrita sem
nenhuma variante nas duas primeiras partes, apenas transfigurada (com relação a "Você bem sabe!") pelas acentuações colocadas ora sobre duas figuras, ora sobre três ou
( 9 ) — Cf. — Oneyda Alvarenga. "Música Popular Brasileira", Glôbo, 1950, pág. 23.
— Luiz Heitor, "Música e Músicos do Brasil", Rio. 1950, págs.
19-20; "La Musique en Amerique Latine", Centre de Documentation Universitaire, Paris, págs. 53-54.
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sobre quatro, em "Cruz Perigo!!" — devo repetir — a mesma solução de escritura da síncopa volta insistente em sua
segunda parte, onde Nazarelh substitui o primeiro compasso depois dos oito "regulamentares", pelo desenho comum.
Vejamos o primeiro e o nono compassos:
(10)
O segundo período tem, como os demais, oito compassos que se repetem obrigatoriamente. Ainda preso às duas
fórmulas iniciais, contrastando pela tonalidade (Dominante), este período, apesar de mais uniforme ritmicamente que
o primeiro, parece-me melhor construído. Observe-se, por
exemplo, a repetição, um grau acima, dos dois primeiros compassos, onde as notas da voz superior aparecem com harmonias diferentes. O gesto ascendente tem a intenção de
atingir o ponto culminante no 5.° compasso, compasso esse
que se reproduz descendentemente logo na medida seguinte:
(10) — Semelhante efeito de síncopa se encontra na polca, "Não me
fujas assim". Com efeito, o esboço aludido em "Você bem
sabe!" está nessa outra obra nos sete primeiros compassos;
— 23 —
no oitavo, aparece na mão direita:
; no nono a
no
décimo quinto, a sincopa é esforma usual: usual:
crita nas duas partes pianísticas, simultaneamente. Às síncopas empregadas simultaneamente nas duas mãos podem ser
vistas também na polca-lundú, "Cuyubinha", nos seus dois
primeiros períodos. Em "Rayon d'or", a fórmula rítmica chamada brasileira se encontra como esquema principal na construção da parte superior, o que, aliás, pode fer visto também
em "A fonte do Lambary", ou sistemàticamente empregado
no baixo da primeira parte da polca "Pipoca", como ainda
em "Eulina" ou mesmo em "Nazareth", cuja primeira parte é, na verdade. fortemente sincopada.
Tal como foi apresentado no exemplo transcrito, idêntico
efeito de síncopa também acontece nos tangos de Nazareth,
por exemplo, uma única vez no penúltimo compasso do "Desengonçado"; no "Myosotis"; no Trio de "Catrapus", no "FonFon", onde está de maneira sistemática, etc.
— 24 —
O período seguinte é escrito pelo adolescente compositor com acordes em projeção espacial descendente, aparecendo quase sempre duas vezes seguidamente, na mesma
forma. O novo recurso técnico vem libertar a composição
daquela tirania ocasionada pelas figuras rítmicas, usadas
até agora:
Estes quatro compassos, à exceção praticamente do
quarto, Nazareth volta a escrevê-los a fim de construir seu
período à base de oito compassos. É preciso notar nesta sua
(11) — Na edição de Arthur Napoleão. está um ré em razão de nona (primeiro tempo do terceciro compasso) em lugar de mi
oitiva grave. Evidentemente trata-se de um erro de revisão,
pois se assim não fosse, na repetição (comp. 7) lá estaria o
mesmo ré bemol.
No 2.° compasso do exemplo, deve-se ler ré e não si, na mão
esquerda.
— 25 —
primeira obra pianística, um processo típico de escritura
de toda a sua obra que se inicia aqui: as frases dos períodos
(de 8 ou 16 compassos) são construídas com muita freqüência de maneira simétrica, quanto ao material. Na verdade
o material (digamos "temático") é reproduzido na mesma
altura praticamente idêntico, como no tango "Atrevido'',
onde os oito compassos iniciais se repetem; ou com alguma
variante, mas na mesma altura, como na obra que se analisa; ou em altura diferente como na polca "Correcta"; ou,
ainda, introduzindo elemento novo, em geral de bom gosto, como em "Alerta", onde o elemento-cabeça da primeira
idéia, desprovido de acompanhamento, volta acompanhado,
e já no compasso seguinte (comp. 10), o movimento de base
vem modificado, assim como o gesto melódico que aparece
inclusive modulado.
A propósito dos últimos compassos transcritos acima,
uma outra observação pode ser feita e é a respeito da predileção de Nazareth pelas linhas e estruturas descendentes
que ali também se nota, e que me parece um dos traços
característicos de sua personalidade de artista (12).
Os compassos que se seguem não só mostrarão o novo
meio de expressão encontrado pelo compositor — bastante
bom pianisticamente, diga-se de passagem — como demonstrarão uma peculiaridade de sua escritura. Em verdade, o
terceiro e o quarto compassos são a repetição do primeiro e
(12) — No "Ensaio sobre a Musica Brasileira" (Martins Editora, S.
Paulo, 1962. pág. 47), Mário de Andrade faz uma "observação importante, como ele o diz, com relação ao comportamento da melodia brasileira. Afirma ele que "a nossa melódica afeiçoa as frases descendentes", e um dos exemplos
ilustrativos disso é precisamente uma obra de Nazareth, o
tango "Ramirinho". publicado cm 1896.
— 26 —
do segundo numa ordem inversa, resultando uma arquitetura de forma ab-ba:
O compasso que antecede a repetição das quatro medidas citadas comporta um desenho descendente, de evidente
analogia com a terceira medida do período anterior:
(13)
Transcrevi o dó como está impresso no segundo compasso,
mas penso que é mi, pois não somente o exige a escritura,
como é a nota mi que se encontra na repetição que vem
logo em seguida (Comp. 10 da penúltima secção).
(14) _ É bom confrontar esse compasso com o terceiro do antepenúltimo exemplo citado neste estudo, para se observar o pa-
— 27 —
Em seguida, Nazareth transcreve com todos os ii, a segunda secção de sua primeira obra, antes de voltar ao inicio. É provável (— ou será mero acaso?) que o processo
formal utilizado com relação aos quatro compassos reproduzidos anteriormente, tenha levado o nosso jovem compositor a estendê-lo ao plano geral de sua obra. Com efeito,
a polca está concebida formalmente assim: o material inicial (— dois períodos) volta ao final, também numa ordem
inversa: AB-BA.
Os termos muito seus e mui deliciosamente brasileiros
que, ao lado das consagradas expressões italianas, Nazareth
escreverá em obras posteriores, toda vez que sentir a necessidade de indicar o caráter ou movimento (— já com relação ao matiz, é rarissimo o termo português), ou, como se
diz mais comumente, a expressão, são inexistentes na polcalundú "Você bem sabe".
rentesco próximo que existe entre os dois. Faço notar ainda,
que semelhante gesto descendente — e até com a função de
ligar sempre dois elementos — Ernesto Nazareth utilizará
em muitas obras posteriores, como nas polcas: "Correcta"
(Comp. 7), "Eulina" (comp. 8); no tango "Bambino" (Comp.
8); nas valsas "Noemia" (2ª parte, comp. 8) e "Expansiva"
(Comp. 8); ainda no tango "Magnífico" (comp. 16). O gesto
ampliado, encontra-se nas valsas "Genial" (Comp. 15, 16) e
"Helena". Gesto cromático descendente, na última parte do
tango "Matuto" (pág. 5, comp. 8, ed. Sampaio Araújo & Cia.,
1917). Numa forma mais curiosa, na segunda parte do tango "Está chumbado" (comp. 8) e no tango "Duvidoso" (com.
8), etc.
Deve-se observar a constância do gesto descendente, em suas
variadas formas, normalmente colocado sobre o oitavo compasso (ou no múltiplo de 8).
- 28 —
II — CELESTIAL
"Lindas, sonoras e maneirosas são suas
valsas".
Andrade Muricy
A valsa "Celestial", escrita em Lá Maior — "dedicada
a gentil Senhorita Luiza Tosetti" — representa provavelmente uma obra da maturidade artística de Nazareth (15).
Creio que ela pertence ao número de suas últimas criações
ou, ao menos, às suas últimas valsas, cujo número é superior ao das polcas. Nazareth, que considerava a Valsa o seu
gênero nobre, enquanto escreveu cerca de 30 polcas, compôs quase 50 valsas.
A "Celestial" não atinge, é verdade, o nível da "Elegan-
(15) — Ao redigir este estudo, excetuadas as valsas "Crê e espera"
(em ré menor) e "Confidências" (lá menor), não me recordo
de mais nenhuma escrita em tonalidade menor. Isso até
parece ser uma característica da valsa brasileira. É possível
que haja algumas poucas valsas ainda em tonalidade menor,
mas creio que a minha observação será sempre válida: Nazareth prefere as tonalidades maiores para a imensa maioria
de suas 50 valsas. O compositor trata-as, contudo, com uma
graça, uma doçura e delicadeza, que a gente se permite a
ingenuidade... de dizer que as valsas de Nazareth se são
quase todas maiores por fora, são "menores"... por dentro.
— 29 —
tíssima", valsa de requintadíssima fatura onde o autor explora vários efeitos pianísticos de gosto muito "elegante".
Nem mesmo se eleva à altura da "Expansiva", em que se
observa, entre outras particularidades interessantes, o emprego da modulação por enarmonia. Apenas, na valsa "Expansiva", o tratamento dado à mão esquerda parece-me um
pouco inferior ao que foi dado na "Celestial". Não pode ser
colocada ao lado de uma encantadora "Eponina", com a sua
economia de meios, onde o primeiro desenho melódico é
uma reminiscência do motivo inicial da "Elegantíssima''
(aliás o desenho como se encontra em "Eponina", poderia
ser buscado em outras obras, como na valsa "Faceira", 4.°
compasso, ou na "Julieta", 2.° compasso da segunda parte,
ou ainda no final de "Coração que sente").
Ao seu lado eu poderia colocar jóias, como "Gottas de
Ouro", "Helena" ou "Turbilhão de Beijos", em que o motivo gerador da primeira parte se encarrega de criar, através
de seu cromatismo e de uma nota longa com sentido de
appoggiatura, uma atmosfera de acariciante sensualidade.
A valsa é precedida de uma introdução na tonalidade
do homônimo menor, coisa aliás que não se encontra em
Chopin.
A tonalidade escolhida e o andamento diferente (Moderato) acentuam o "caráter deliberadamente estranho",
que deve possuir toda introdução de valsa bem feita. (16).
Já que lembrei Chopin, devo dizer que as suas valsas em
geral não são precedidas de introdução. O mesmo acontece com as de Ernesto Nazareth. Afirmar parentesco espiritual nos dois pianistas compositores, por uma coisa assim,
seria infantilidade. Vejamos Chopin, o nobre romântico. As
suas "introduções" apresentam um outro caráter: começam
(16) — Cf. Júlio Bas, "Tratado de la Forma Musical", Ricordi Americana, Buenos Aires, págs. 226-227.
— 30 —
dentro do andamento preceituado para a composição inteira (vivo, vivace). Seria mais acertado, creio, falar de entradas em tempo de valsa, com relação às poucas valsas de
Chopin em que isto se verifica, do que propriamente de introduções. (17).
Valsas escritas por Nazareth com introdução, além do
caso aludido, podem ser citadas outras mais:
1) — "Elegantíssima" ("Valsa nova", no manuscrito original; "Valsa Capricho" nas ed. de J. Carvalho e Mangione). Nesta obra, o autor antecipa na introdução de 3 compassos, um desenho característico da própria valsa.
2) — "Gottas de Ouro" ("Dedicada à querida madrasta e cunhada, D. Joana de Meirelles Nazareth", ed. Vieira Machado & Cia., 1916), com
uma introdução de 8 compassos em seis-poroito.
3) — "Julieta", com uma curiosa introdução em que
acordes dissonantes (no 1.° compasso, 7.a de
Dominante) alternam com um motivo rítmico
da mão direita.
4) — "Yolanda", cuja introdução contém um compasso (o 3.°) em que Nazareth antecipa um desenho melódico do corpo da valsa (comp. 12).
5) — "Dirce", outra valsa-capricho, em Ré Maior,
cuja introdução foi toda ela escrita com acordes.
6) — "Brejeira", uma valsa brasileira, ainda inédita,
com uma introdução de 8 compassos.
(17) — Cf. Valsas de Chopin: Op. 18; op. 34, n.° 1; Op. 34, n.° 3;
Op. 42.
7) — "Phantastica", valsa brilhante escrita em 5 páginas do manuscrito original, ainda inédito
trazendo a seguinte nota: "tem introdução".
8) — "O Nome Della", grande valsa brilhante para
piano. Composta em 1878, conforme se depreende da nota de Nazareth no manuscrito
original: "Composta aos 15 anos de idade",
tempo de sua "infância", segundo a dedicatória
original: "Dedicada a seu primo e amigo Dr.
Mario Nazareth (desde à infância)". A sua
introdução além de possuir uma extensão rara
na vasta produção das valsas nazarethianas
(16 compassos), está armada com 7 bemoes e
é portadora de um recurso único era sua obra,
ao que me parece. Trata-se de um trêmolo na
região grave, com uma função de pedal para
todos os compassos.
9) — "Zica", valsa de 1899; 7 páginas do manuscrito original. Contém uma introdução de apenas
4 compassos, concebida como uma série de
acordes. Infelizmente, a edição de Carlos F.
Wehrs, do mesmo ano, modifica a escritura,
aparecendo os acordes rebatidos nos primeiros
tempos sob uma nota prolongada.
10) — "Fidalga", valsa lenta, editada por E. Bevilacqua & Cia. em 1914. A introdução impressa parece ter sido composta depois, porque no original onde a valsa traz o subtítulo de "Douleur
suprême", não se encontra no início. De qualquer maneira, vale ressaltar que é a introdução mais fantasiosa de Nazareth. A dissonância é sistematicamente empregada nos primeiros tempos dos oito compassos introdutórios.
— 32 —
11) — ´"Passaros em Festa", valsa lenta da qual existem dois manuscritos, datados de 1920 e 1922
respectivamente. Como a valsa "O Nome Delia", também esta possui uma introdução de
extensão rara: 16 compassos.
A introdução da valsa "Celestial" está elaborada sobre
um baixo que tem a forma de uma linha reta descendente,
percorrendo através de semitons, em sua maioria, o âmbito
de uma sexta menor. Na mão direita, há um pedal rebatido de dominante abarcando a extensão da introdução, sobre o qual se inscreve uma linha ascendente, cujas células
rítmicas fundamentais tocam as notas do acorde de lá menor, descansando nas segundas menores descendentes (18).
Muito fresca e muito espontânea a primeira idéia musical da "Celestial". Tem mesmo o encanto de esvoaçantes
nuvens passeando no céu. É mesmo celestial (19).
A segunda idéia plasmada de maneira bem contrastante, oferece maior interesse seja pelo lado simplesmente pia(18) — É interessante observar que a introdução da "Celestial", como
a da valsa "Gotas de Ouro" são mais do que simples introdução. Possuem ambas uma outra função formal, diria eu.
Na realidade as duas não só anunciam a tonalidade, ou mesmo algum pormenor do corpo da valsa, mas fazem parte, na
intenção do autor, da própria estrutura do gênero, pois ele
exigirá a sua reaparição à certa altura das duas obras. Muito curioso esse processo! Lembra até uma obra que Nazareth conhecia e tocava: a Sonata Patética (op. 13) de Beethoven, onde os primeiros compassos do Grave introdutório voltam duas vezes — em alturas diferentes, é verdade — no
meio e no fim do Allegro (1.° tempo).
(19) — Foi Mário de Andrade quem primeiro observou a "expressividade psicológica" na produção nazarethiana, inegavelmente
uma de suas mais interessantes características. Para ele, o
"mestre da dança brasileira... muitas vezes se aproximou
deste gênero de música psicológica e descritiva, e os títulos
dos tangos dele não raro querem significar alguma coisa"
(Cf. "Música, Doce Música", págs. 153-56).
— 33 —
nístico, seja pelas harmonias, seja enfim pelo processo arquitetural em que foi concebida. No movimento ascendente
que antecede a segunda idéia, notam-se sons estranhos à
tonalidade básica. A escritura acusa a tendência ao sentido
descendente, já aludida no estudo anterior. O seu desenho
inicial, na realidade, dá ensejo a uma progressão descendente, coisa que se observa já na reprodução das próprias
notas com uma alterada:
Nos compassos 14, 15 e 16, Nazareth altera levemente
a feição do elemento gerador desta segunda idéia. Vale a
pena observar como o autor logrou belos efeitos de harmonia, e como renovou as soluções de ordem pianística da mâo
esquerda. Na verdade, a escritura tal qual Nazareth usa
aqui, em vão se buscará em Chopin.
Em seguida, a idéia inicial reaparece integralmente,
após o que novo período concluirá o primeiro número.
O grande critico lembrou os tangos, mas, ao que me parece,
o que ele afirma não deve ser entendido em sentido exclusivo. A valsa "Celestial", p. ex., em sua primeira e última
partes principalmente, assim como na "Elegantíssima", em
"Coração que sente" (ia escrevendo, "que bate", pois estava
pensando no início da segunda parte onde o fá insiste — como um trinado nos primeiros compassos) poderiam comprovar a observação feliz do musicólogo paulista.
Como fiz uma observação sobre alguns compassos da valsa
"Coração que sente", peço ao leitor, desculpe-me acrescentar
a seguinte afirmação audaciosa: considero a segunda parte
da referida valsa ("gracioso"), uma estupenda variação de
uma nota só — o fá da quinta linha (clave de sol). Não há
monotonia, há variação riquíssima.
— 34 —
O novo período se abre com uma cascata de terças. Depois, Nazareth escreverá sistematicamente uma série de notas melódicas sobre as harmonias (compassos 27 e 28), pintando melhor o caráter do último período que tem, já quase
no fim, o ponto culminante melódico de toda a primeira parte da valsa.
O número inicial, que se acaba de analisar, tem a forma
da ab-ac, forma que me parece escolasticamente desaconselhável para os números da valsa. Os períodos da primeira
parte foram sempre escritos nos clássicos oito compassos.
O segundo número, tematicamente diferente como obrigam os modelos do gênero, é uma festa orquestral, onde estão a bailar acordes fortes e maciços, sobre um pedal de tônica, quase inalterável, que se articula nos primeiros tempos,
num jogo bonito de cores tonais variadas.
Destes dois compassos, Ernesto Nazareth extrairá todo
o processo para a construção musical da segunda parte ou
número de sua valsa:
A maneira de ser destas duas medidas será guardada,
sem nenhuma variante, durante os dois períodos de 16 com passos.
Só os oito compassos finais — à maneira de Coda
— obedecerão a outra intenção, mas ainda irão manter a
analogia do processo formal: o debuxo anguloso dos dois
compassos se repetirá em seguida.
A primeira secção — forma a-a' conclui com uma modu— 35 —
lação afastada, em cadência perfeita. A Nazareth, bastou
simplesmente, para isso, alterar o lá, conservando escolasticamente duas notas comuns (— fundamental e quinta),
uma vez que "entre dois afastados há sempre notas comuns",
como ensinaria Agnello França (20).
Na segunda secção, Nazareth volta a escrever os mesmos
acordes, que se executarão em arpejos e com outra dinâmica, salvos os três últimos, mas que agora o autor lhes dará
a tonalidade homônima menor (— ré menor), como se procurasse sombrear a impressão sonora do primeiro período.
Nota-se, além do mais, a substituição operada pelo pianeiro
famoso, dos compassos modulatórios que fecharam o período anterior, por este bonito impulso ascendente, que vem
sublinhado pelo baixo, o qual atingirá a nota mais grave
de toda a composição:
É de se notar a tensão provocada pelos acordes dissonantes em busca da tônica — que significa repouso — nestes últimos compassos aqui transcritos. O segundo deles
aparece reforçado em face da presença não só do intervalo
de segunda na parte superior, como da duplicação do intervalo de quinta diminuta.
(20) — Agnello França, "Arte de Modular", ed. Wehrs, 1940, pág. 19.
_ 36 —
Atingido o clímax melódico-harmônico, Nazareth, com
inteligência e muita sensibilidade, logra ótimo efeito deixando a fórmula do acompanhamento — mantida até então —
soar sozinha.
A ausência da fórmula acompanhante, ou de qualquer
outro acompanhamento, encontra-se mais freqüentemente
em Chopin como em Nazareth, deixando no ar apenas um
desenho melódico, que na arte chopiniana assume às vezes
maiores proporções (21).
A sua presença de forma isolada, só uma única vez se
verifica entre as 15 valsas do grande romântico (22). Em
Nazareth se também não se tratar de caso único, raro será.
Os oito compassos finais são de puro brilhantismo e,
quase diria, de virtuosismo modulatório. Um desenho arpejado, construído à base de um acorde de sexta, cujo caráter
me lembra passagens violinísticas, é reproduzido três vezes
seguida e ascendentemente, por via cromática. No penúltimo compasso, ainda reaparece a segunda parte do desenho,
desta feita escrito sobre o acorde de sexta napolitana.
A reprodução parcial do desenho é feita assim, para que
na última medida, dois acordes de sétima se encandêem sobre um baixo de feição cadencial (sensível-tônica do tom da
Dominante), possibilitando a volta do Ré maior, tonalidade
do início do número que, depois, foi substituído pelo homônimo menor.
(21) — Cf. Chopin, Valsa, Op. 34, n.º 3. Exemplos de Nazareth, geralmente em um único compasso, podem ser buscados facilmente em suas valsas, como "Helena", "Genial", "Expansiva", "Coração que sente", "Elegantíssima", etc.
(22) — O único caso praticado por Chopin encontra-se n a Grande
valsa brilhante, op. 18, precedido de um compasso em silêncio, outra coisa raríssima do mestre (— noutra valsa se vefica o silêncio não de um, mas de dois compassos inteiros:
op. 34, n.° 3).
— 37 —
Reproduzo os quatro compassos finais que podem dar
uma idéia da escritura e dos artifícios usados neste calidoscópio tonal. Ressalto antes, um parentesco que eu encontro entre o baixo ascendente, percorrendo na realidade uma
sexta menor, e o baixo da introdução que, como foi dito, canta, numa extensão igual, notas também cromáticas, mas descendentemente. Eis o final do segundo número da Celestial:
Estou informado de que alguns estudiosos do maior dos
pianeiros cariocas querem ver, neste número da valsa, acentos — ou mesmo uma maneira de ser, de uma dança muito
em voga na Europa na segunda metade do século passado,
chamada Varsoviana (Varsovienne) e que no Brasil foi também preferida, chegando a ser cognominada Valsaviana ou
Valsa-viana. Creio que, a se desejar ver aqui uma Varsoviana, teríamos que admitir a existência de uma versão brasileira da dança respectiva. Isto porque a característica primordial da varsoviana européia, segundo os entendidos, é o
apoio, com largas notas, nos primeiros tempos pares, isto é,
nos primeiros tempos dos compassos 2, 4, 6, etc., conforme
demonstra eloqüentemente, um exemplo citado por Grove,
reproduzido por Anglés e, entre nós, por Câmara Cascudo,
em seus dicionários.
— 38 —
O que acontece na valsa Celestial, com relação aos
apoios, é precisamente o contrário: eles aparecem sobre os
tempos impares (23).
O gesto inicial, elegante e feliz, do Trio constitui uma
nota estranha na produção nazarethiana. Raríssima, senão
única. É uma frase plasmada com três compassos, seguida
por outra de quatro, onde os membros da frase se processam por imitação quase rigorosa. Nazareth percebeu a sua
novidade, e encontrou nela um problema para o seu modo
de sentir. A solução dada é que não me parece a mais feliz.
Com efeito, antes de voltar à idéia (comp. 9), Nazareth completa a quadratura clássica, com um compasso a mais (comp.
8) que, na construção das frases, continua sempre desajustado, apesar de ser tecido com uma reprodução — quase
reminiscência — de um desenho anterior (Cf. comp. 6 do
Trio).
Citarei a frase bonita pelo seu aspecto arquitetural —
bem original em Nazareth — pela sua harmonia (— o segundo compasso criando contraste de cor entre os dois extremos) e até mesmo pelo aspecto rítmico. Devo ressaltar
que a referida frase evoca uma analogia (aparente) — tal-
(23) — O que acontece na "Celestial", não é caso único. Também
existe na valsa "Noemia" e no Trio de Turbilhão de beijos".
A respeito da Valsaviana, Câmara Cascudo nos dá informações preciosas. Escreve ele: "O gênero das varsovianas agradou a europeus e americanos e no Brasil foi preferida, tendo
várias composições no seu estilo..." "Até a primeira década
do sec. XX, a Varsoviana ou Valsaviana, como popularmente
era denominada, teve seus devotos, marcando uma espécie
de hégira, recordando o tempo feliz das vênias, curvaturas
e cortesias de salão, reino dos bons dançarinos, com sapatos
de solado especial para as voltas da valsa. Por. isso, pejorativa ou saudosamente, há quem aluda ao tempo da valsaviana . . . " ("Dicionário do Folclore Brasileiro", Inst. Nacional
do Livro, Rio, 1962, págs. 765-766).
— 39 —
vez única na produção nazarethiana — com a idéia inicial
da Valsa.
Eis como canta o começo do Trio:
TRIO
Falei do ritmo, sim. Dentro da aparência de uma série
de colcheias terminando por uma semínima, o compositor
esconde uma delicadeza de ordem rítmica: enquanto as mesmíssimas notas do arpêjo ascendente inicial retornam no
terceiro compasso, a sua disposição no tempo — portanto, no
movimento — cria formalmente novo sentido. Não precisaria, aliás, nenhuma consideração mais elevada para se chegar à mesma conclusão. Bastaria atender ao aspecto plástico
do primeiro e do terceiro compassos: cinco colcheias para o
primeiro e quatro com mais uma semínima para o terceiro,
ambos compassos com idênticas alturas.
A frase, acima reproduzida, Nazareth faz cantar no Trio,
três vezes, conservando a sua integral pureza. E, aqui, é o
caso de se perguntar: teria ele, na mente, a intenção de usar
do princípio de construção do Rondó? Ele conhecia bem o
rondó da Patética de Beethoven, portanto a interrogação não
é inoportuna ou vã, ao que me parece. Evidentemente, não
quero ver a bonita forma no Trio da "Celestial", mas sou
obrigado a confessar que a sua arquitetura lembra o princípio formal do Rondó.
O segundo elemento que Nazareth opõe ao exemplo citado, se inicia com a sombra, diria eu, do acorde quebrado
do principio da frase, indo buscar uma passagem descen— 40 —
ciente — pianlsticamente interessante — e que, ao mesmo
tempo, serve de preparação deliciosa à última reaparição da
idéia primeira:
É mister comparar os compassos finais do Trio, com os
que concluem a segunda parte da "Celestial". Nazareth, a
esses dois finais, deu formas inesperadas. Em ambos os casos, o compositor abandona por completo o material inicial,
e levanta outro que tenta desenvolver. Antes, foi um gesto
anguloso de forma arpejada que serviu de base ao desenvolvimento; agora, uma simplicíssima figura — uma bordadura
apenas — que Ernesto Nazareth disfarça sob as ligaduras,
mas que é necessário desvendá-la.
Eis, a descoberto, o processo do desenvolvimento nazarethiano:
— 41
Além disso, o confronto entre os finais da segunda parte e do Trio, oferece outro pormenor: um compasso inteiro
é concebido — nos dois casos — sobre o alicerce de uma sexta napolitana (24).
A seguir, o exemplo do Trio em que se nota o emprego
da falsa relação de oitava, da quinta diminuta e do tritono
( — que me parece característico do nosso folclore musical):
Os compassos finais do Trio são fechados com uma cadência perfeita.
Não obstante o "frágil" inciso gerador das últimas medidas, Nazareth conquista um maior espaço sonoro e consegue interessar pelas harmonias escolhidas, em que, até parece, queria provocar uma sensação de politonalidade... (Cf.
comp. 26).
Na Coda (3 compassos), a terça modal se mostra em
suas duas maneiras de ser: Maior e menor.
A observação derradeira poderá ser feita com referência às indicações de "expressão", escritas por Ernesto Nazareth nesta obra.
Ao lado das expressões italianas que se encontram na
"Celestial": Moderato, agitato, etc, o artista escreve as dele, em português — suave, com brilho, com mimo, delicadís(24) — A sexta napolitana faz parte dos elementos técnicos de Nazareth. Entre os muitos exemplos dele, citarei apenas dois:
no fim da valsa "Julieta" e no fim de "Nenê", tango brasileiro.
— 42 —
simo. Ressalto as duas últimas expressões, gostosíssimas sobretudo.
O grande pianeiro repetirá algumas dessas expressões
em suas demais valsas e acrescentará outras. Não me furto
a ocasião de transcrever aqui as mais curiosas, entre elas:
— "Com amor" ("Crê e Espera", ed. A. Napoleão &,
Cia., 1896):
— "Sensível" ("Gottas de Ouro");
— "Com primor" ("Helena", ed. A. Napoleão &
Cia. e "Elegantíssima");
— "Com elegância" ("Vesper", ed. Sampaio Araújo & Cia., 1914);
— "Gracioso" ("Coração que sente", ed. Vieira
Machado & Cia., 1905).
Em geral, os termos empregados por Nazareth em português são: ou substitutos dos consagrados, ou conhecidos
em outros idiomas (italiano, francês), assumindo às vezes
verdadeira tradução, ou representam contribuição original,
autêntica riqueza, partindo da necessidade de o artista poder manifestar melhor o seu pensamento, como poder extravasar o seu modo de sentir.
— 43 —
III — FAVORITO
"Os tangos brasileiros são a criação mais
relevante de Nazareth".
Andrade Muricy
"Ernesto Nazareth quintessenciou, nos
seus tangos admiráveis, a arte dos pianeiros cariocas. Nisto, pode-se mesmo
afirmar que ele foi genial".
Mário de Andrade
_1
O tango, na verdade, foi o gênero que consagrou definitivamente Ernesto Júlio de Nazareth, no panorama da
música brasileira. Criou cerca de cem tangos, dos mais diversos aspectos em que — mesmo se repetindo em fórmulas
e processos composicionais — demonstra uma veia artística poderosa e uma capacidade inventiva extraordinária.
No tocante ao chamado tango brasileiro dos inícios do século, ele é a sua figura máxima, o cristalizador fascinante.
A última palavra sobre o que é tango brasileiro, a sua
origem, a sua forma, creio que ainda não foi dada. Nem eu
poderia tentá-la neste trabalho. E digo com certa mágoa.
É necessário um estudo mais sério para que se possa chegar
realmente, ao que ele é, e poder afirmar desassombradamente de que procede e de que consta. Por enquant, as
opiniões — somente sobre sua formação — não coincidem
totalmente.
O tango parece ser, no caso brasileiro, uma transformação ou mesmo transfiguração, não do tango argentino,
mas da habanera cubana, com influências do nosso maxixe
(25). Nazareth havia concebido o tango, conforme parece
ter asseverado como "uma adaptação nacional da habanera".
O distinto pianista Homero de Magalhães, na conferência aludida páginas atrás, opina: "O tango brasileiro, o
tanguinho como o chamavam, é um descendente direto da
habanera e da polka". E mais na frente: "É preciso não
confundir o ritmo do tango com o tango argentino, muito
mais lento e descendente da milonga. Seu andamento é
mais rápido que deste último e mais lento que o do maxixe
(1870) que se usa confundir com o tanguinho".
Mário de Andrade assim explicou o tango brasileiro:
"O que o brasileiro chamou um tempo de tango, não tem
relação propriamente nenhuma com o tango argentino. É
antes a habanera e a primitiva adaptação brasileira dessa
dança cubana" (26).
O Mestre, especialista também em Nazareth, que é An-
(25) — O maxixe — outra coisa difícil de ser definida... — não era
simpático a Ernesto Nazareth. segundo Mário de Andrade,
"Música, Doce Música", pág. 151. "Nazareth somente anuncia
o maxixe", diz Homero de Magalhães. "Do maxixe... penso ter saído a ordenação do sincopado sincretismo nazarethiano". (A. Muricy, em "Cadernos brasileiros", Ano V. nº
3, pág. 47) Cf. Oneyda Alvarenga, "Mus Popular Brasileira",
Pág. 292.
(26) — "Música, Doce Música", pág. 151.
— 46 —
drade Muricy sente a complexidade do problema. E faz muito bem não se cingir a soluções simplistas. No seu mais
recente trabalho (27), ele, de fato, alude às "inumeráveis
músicas", que surgiam aqui, ou aqui repercutiam: valsas
germânicas, mazurcas, polcas, schotisches, quadrilhas, valsas lentas francesas, cançonetas de revistas, resíduos de fado português, lundus, modinhas, etc, arrematando depois:
"Levado por genial intuição, Nazareth incorporou aqueles
mencionados (e outros) elementos à sua música, às suas
polcas-lundús juvenis. Nasceu daí o "tango brasileiro", gênero que criou, e para o qual produziu as suas peças mais
importantes". Um pouco depois, fornece-nos uma observação interessante: "O seu "tango brasileiro" tem a unidade
estilística fundada na síncopa, compreendida esta, porém,
sem automatismo rígido, e antes como livre jogo de tercinas subentendidas, (apud Brasílio Itiberê) e por vezes grafadas por extenso. Por isso, passa da síncopa simplista do
antigo lundú até para o balanço banalizador da habanera; (28).
Os nossos estudiosos de Nazareth falam sempre de tango brasileiro, nele identificando, em geral, todas as suas
criações do gênero. Este é outro ponto que deve ser melhor
estudado. Na verdade, com o rótulo de tango, Nazareth ou
esconde consciente ou inconscientemente outras formas; ou
ele cria tipos-variantes de um mesmo gênero. Penso que as
duas coisas existem, muitas vezes, nos tangos nazarethianos.
Renato Almeida lembra que Luciano Gallet teria observado que "sob o nome de tangos, ocultava Nazareth vários
tipos de músicas populares e, para ver isso, bastava mudar
(27) — Cf. "Ernesto Nazareth", em "Cadernos brasileiros", já citado, pág. 47-48.
(28) — Idem, pág. 48.
— 47 —
os andamentos escritos, que são sempre os de tangos" (29).
Mudar os andamentos, se de verdadeiros "andamentos" se
trata, — para ver o que se quer — ainda pode não ser audácia descabida, quanto o é mudar o ritmo, como andou
experimentando Mário de Andrade, para provar ou não a
existência de brasilidade nos tangos de Nazareth. Isto é
testemunhado por uma carta — que ainda "não consta das
bibliografias sobre Nazareth — do musicólogo paulista: "É
uma surpresa dolorosa que se tem mudando pra ritmo de
valsa ou de polca os "tangos" do Nazareth. Desaparece completamente a brasilidade deles" (30).
(29) — Renato Almeida, "História da Música Brasileira", 2.ª ed., F.
Briguiet & Comp., Rio, 1942, pág. 445. Na verdade o que
afirma Renato se confirma nos "Estudos de Folclore" de
Luciano Gallet, Wehrs, Rio, 1934. Na "Introdução" de Maria
de Andrade, está transcrita uma carta importantíssima (de
Gallet ao Mário) a respeito de tangos, datada de 14 de abril
de 1927, que passo a reproduzir o principal: "Neste tempo
de trabalho... descobri coisas ótimas do Nazareth. Não sei
o que você disse dele, nem como o apurou. Mas concluí que,
sob o nome de Tangos, ele oculta vários tipos bem determinados de músicas nossas. Encontrei — a) maxixes (— os
grifos serão meus) — b) tangos, a polca abrasileirada, sem
a rigidez da polca original — c) serestas, onde predomina
a forma melódica plangente — d) choros, sentindo-se desenhos instrumentais, com andamentos diversos — e) canções
— f) puladinhos, com ritmo saltitante e regularmente quadrado- — g) uma tentativa de africano no Batuque, menos
interessante. Junto a isto, — h) polcas brasileiras, diferentes dos tangos — i) valsas — j) schottish brasileiras — estou convencido que nas schottish encontra-se a maior contribuição da nossa melódica.
"Estou lembrando de cabeça e podendo não estar exatamente certo, mas é mais ou menos isto. Vê que há um campo
extenso no Nazareth. Mas para ver tudo isto, é preciso em
geral, mudar sempre os andamentos escritos, que são sempre os de tangos, da letra a sté g." (págs. 22-23).
(30) — Mário de Andrade, "Cartas a Manuel Bandeira", Simões Editora. Rio, 1958, pág. 152. Não consigo me explicar esse procedimento do inteligente e culto Mário de Andrade. Se o
ritmo nenhuma ou pouca importância tivesse na obra musical, e em sua feição, para mim seria fácil "engolir a pílu-
— 48 —
Na realidade, é enorme a variedade de tangos de Nazareth (se damos crédito às caracterizações ou tipos por ele
formulados). Vou enumerá-los, não sei se todos, a fim de
que se possa ver o imenso campo que está a exigir um especialista:
a) "Tango" (Brejeiro, ed. em 1893; Feitiço e o nosso Favorito);
b) "Tango de Salão" (O Alvorecer);
c) "Tango para piano" (Está chumbado, ed. 1893);
d) "Tango de massada" (Atlântico ed. 1893);
e) "Tango característico" (Mesquitinha, ed. 1914;
Digo, anterior a 1813);
f)
"Tango brasileiro" (Gaúcho, Magnífico, Myosotis, Labyrintho);
g) "Tango brasileiro (com estylo de habanera)" —
(Plangente);
h) "Tango característico brasileiro" ("Sustenta a...
nota", 1919);
i) "Tango carnavalesco" (brasileiro)
Eixos, no manuscrito original);
(Fora dos
j) "Tango argentino" (Nove de julho, ed. 1917);
k) "Tango-estylo milonga" (Paraíso, 1926, inédito);
1)
"Tango meditativo" (Porque sofre?... ed. 1921);
la". Mas, ao que me parece, é que foi sobre essa base discutibilíssima que ele assentou a sua conclusão, exposta na
mesma carta: "o que me assustou é a falta de caráter melódico brasileiro de Nazareth", o que também pode ser colocado em dúvida.
...
— 49 —
m) "Tango-Habanera" (ainda inédito);n) "Tango carnavalesco para piano e canto" (Sucuculento; na ed. de 1919, "samba brasileiro");
o) "Tango carnavalesco" (Jacaré, ed. 1921);
p) "Grande tango característico" (Turuna, ed. 1899);
e ainda podia ser ajuntado este outro tipo: "Polca-Tango" (Cuéra, ed. 1913 e Rayon d'or, ed.
1892).
Como remate desta introdução, gostaria de fazer minhas, as palavras já tão conhecidas de Luiz Heitor: "Provavelmente seus Tangos ficarão sendo, para os brasileiros,
o que são, para as populações danubianas, as valsas de Johann Strauss" (31).
— 2 —
O tango "Favorito" (ed. Irmãos Vitale) é dedicado à filha de Nazareth: "A Marietta Nazareth". Sua tonalidade
básica é Lá Maior, como Brejeiro, Paulicéa como és formosa!..., Duvidoso, etc. Tem forma muito clara: ABA-C-ABA.
A composição tem para a mão esquerda, três esquemas
rítmicos, a saber: a)
, usado em todo o pri-
meiro período de 16 compassos, excetuados os três últimos, em
que aparece uma variante (2 vezes) e a fórmula conclusiva;
, para toda a segunda secção da pri-
b)
meira parte e
c)
, para a segunda parte do tango.
(31) — Luiz Heitor, ''I50 Anos de Música no Brasil". José Olímpio
Ed., Rio. pág. 152.
— 50 —
Os esquemas rítmicos do "Favorito" são freqüentemente empregados em outros tangos de Ernesto Nazareth. À
primeira vista, o material é por demais limitado, mas a quem
tenha lido com atenção as suas obras do gênero, isso não
parecerá tanto. O Espalhafatoso, por exemplo, traz como
fórmula acompanhante para toda a sua extensão (praticamente), o segundo esquema citado acima. Nele — unicamente nos últimos compassos (4 apenas!), Nazareth se utiliza
da primeira fórmula rítmica. Já em Escovado, é o terceiro
esquema que domina a maior parte da obra, e em O Alvorecer, o esquema a) foi escolhido para o Trio do Tango.
Mesmo na limitação que o "gênero requer, Nazareth ostenta enorme riqueza de fórmulas acompanhantes. Em O
Alvorecer, há pouco citado, para a Introdução (— coisa raríssima nos tangos!) ele oferece uma outra fórmula muito
brasileira (32). Em Segredo, em Fon-Fon!, em Bambino, em
Talisman, em Sarambeque, em mil outros, a prodigiosa rítmica nazarethíana pode ser constatada.
Na parte melódica superior, Ernesto Nazareth não se
utiliza nenhuma vez dos esquemas empregados no "Favorito". Já em outros tangos, ele o fará, como em Famoso (fazendo-os cantar simultaneamente, pelas duas mãos, ou sobrepondo um deles a outros ritmos básicos), no Ranzinza, no
Perigoso, etc. Não transportando os ritmos da mão esquerda para a direita, Nazareth assume a tarefa perigosa de criar
toda a melodia sobre um ritmo apenas, e sobre um ritmo
não original, pois o vejo noutras obras dele... (33). Isso
não representa, de si, pobreza, mas para nela não cair é pre-
(32) — De outras introduções nos tangos, só me lembro de Desengonçado, cuja introdução é constituída de quatro compassos,
de Está chumbado e de Sustenta a... nota.
(33) — Estou pensando no célebre Tenebroso, no Sagaz, no Desengonçado, ou em algum trecho do Nenê e do Escorregando.
ciso ter gênio mesmo. Lembro-me, a propósito, do primeiro
prelúdio (principalmente esse) de Bach, no Cravo bem temperado (Vol. I), onde o gigante levantou uma catedral com
apenas um desenho tênue. Voltemos ao nosso Nazareth. O
elemento rítmico de base de suas estruturas é este:
que no trio será ligeiramente aumentado:
entrelaçando-se com um de seus fragmentos:
e finalmente, como outra variante da primeira parte do
tango.
'
.
A melodia é essencialmente instrumental, não vocal, como se pode apreciar na linha marcadamente ascendente:
(34)
E a linha continua até o compasso 8 (inclusive) neste.
(34) — Creio que essa nota pontuada não é dos rccursos de Nazareth;
trata-se
de
uma
exceção.
— 52 —
movimento ascensional impressionante, tanto mais que não
me parece traço marcante da personalidade artística de Ernesto Nazareth. Verdade é que logo depois aparecerá o sentido descendente de sua escritura, não como no Tenebroso,
em que o gesto é acentuadamente descendente, tecido todo
este à base dos ritmos comentados (35).
Repare-se, no contraste dos impulsos melódicos, como
Nazareth foi mais feliz do que, por ex., no trio do Sagaz, em
que os impulsos são sempre numa mesma direção; e se no
Tenebroso podemos encontrar uma série de elementos descendentes, é porque em seguida, virá outra em sentido inverso.
Referi-me, acima, à linha melódica que é exemplarmente
instrumental. No entanto o canto aí está soberbamente, e é
para evidenciá-lo, que o trago à tona à maneira vocal:
A forma arpejada do início dos compassos, em Nazareth,
deve ser vista como uma particularidade de sua técnica de
composição. Penso no caso, onde as três notas, executadas
espacialmente, voltam juntas depois. O primeiro exemplo
evidenciaria isso, mas, prefiro anotar um outro caso, muito
curioso aliás, porque se trata de uma analogia estreita —
(35) — Compare o leitor as variantes rítmicas do Favorito com o
Tenebroso. Há uma semelhança surpreendente. Aqui, uma
das razões que me fazem crer seja a primeira obra, posterior
ao Tenebroso, onde esse sentido de variação rítmica é de
ordem superior.
— 53 —
mais plástica do que sonora — entre dois trechos de dois
tangos:
Estes são os compassos (9 e 10), do tango Desengonçado
que deverão ser confrontados com os dois primeiros do segundo período do Favorito:
O Sagaz é outro exemplo onde Nazareth usa largamente a mesma técnica de escritura: três sons arpejados que
precedem a sua execução em acorde, assim como o Tenebroso. Apenas esboçado, vejo duas vezes no trio de Nenê;
como variante, no Duvidoso (primeira parte) (36).
(36) — Cf. a segunda secção do tango Tenebroso.
— 54 —
Sob o aspecto tonal-harmònico, o tango Favorito, além
de apojaturas inferiores (comp. 1, 5, 7, por ex. do Trio) e
superiores (comp. 1, 3, etc. da primeira parte); além de acordes de sétimas seguidas, como por ex. de Sensível e de Dominante (Cf. Trio); dissonâncias não resolvidas, etc., emprega
como tonalidades de sua primeira parte: "Lá Maior — Fá
sustenido menor — Lá Maior, escolhendo para o trio (— "bem
misturado"), o tom da subdominante: Ré Maior. Cadências intermediárias sobre a dominante, com ou sem sétima
(c. 8 da l. a secção; e 16 da 2. a ); cadências finais, sempre
perfeitas. Modulações muito espontâneas estão em todos os
períodos do tango Favorito.
— 3 —
Para o final deste modesto estudo, reservei um elenco
das indicações de caráter ou de "expressão", que consegui
anotar em cerca de sessenta tangos. Creio na importância
dessas indicações. Algumas delas, dificilmente podem ser
imaginadas, no sentido da execução. Difícil também, é pensar como Nazareth as concebia através o seu instrumento.
De qualquer maneira, acredito espelhem elas as imensas
possibilidades interpretativas de Nazareth, com relação à sua
cbra.
Para comprovar a sua existência entre os tangos nazarethianos, entre parêntese citarei apenas uma obra.
"Alegremente"
— (Digo)
"Amoroso"
"Arrogante"
"Bem jocoso"
"Bem misturado"
"Bem sapateado"
"Com Alma"
—
—
—
—
—
—
(O Alvorecer)
(Sarambeque)
(Atrevido)
(Favorito)
(Batuque)
(Nove de Julho)
— 55 —
"Com brilho"
- (Odeon)
"Com brio"
- (Sagaz)
"Com delicadeza"
- (Brejeiro)
"Com doçura"
- (Tupinambá)
"Com enthusiasmo"
- (Escorregando)
"Com graça"
- (Nove de Julho)
"Com influência
- (Tupinambá)
"Com ímpeto"
- (Labyrintho)
"Com mimo"
- (Tupinambá)
"Com sentimento"
"Delicadíssimo"
- (Favorito)
"Furioso"
- (Espalhafatoso)
"Gracioso"
- (Escovado)
"Gingando"
- (Brejeiro)
- (Nove de Julho)
"Gracioso e com carinho" - (Escorregando)
"Imponente"
- (Perigoso)
"Mimoso"
- (Chave de Ouro)
"Mysterioso"
- (Talisman)
"Mui Gracioso"
"Resistente"
"Saltitante"
"Sapateado"
- (Insuperável)
- (Paulicéa como és formosa!)
"Simples"
"Ziguezagueando"
- (Batuque)
-
- (Garoto)
- (Guerreiro)
(Guerreiro).
IV — MARCHA FÚNEBRE
O último estudo fixar-se-á numa obra, nem sempre lembrada dos que falam sobre Ernesto Nazareth ou interpretam as suas composições (37). Trata-se da Marcha Fúnebre que Nazareth datou de 30 de abril de 1927. Neste estudo, ela representará — com direito — aquele repertório que
eu, não sem receio chamaria mais nobre, ao qual também
o nosso criador do tango brasileiro se voltou, vez por outra.
Ernesto Nazareth além das formas que todos conhecemos, abordou esporadicamente outras. Deixando de lado a
Marcha Fúnebre que logo será estudada, lembrarei outras
produções nazarethianas, publicadas ou ainda inéditas.
1) Uma única "Poloneza", obra inédita, com uma introdução que se inicia com oitavas duplicadas no registro
grave, seguindo-se uns arabescos (4 notas para a mão es querda alternando com 5 da direita, e juntando-se as mãos
finalmente, no registro agudo). O resultado é que o autor
utiliza um enorme espaço sonoro.
(37) — Dos intérpretes de Nazareth, só conheço o pianista Gerardo
Parente, que inclui sempre nos seus programas a Marcha
Fúnebre.
— 57 —
2) "Êxtase" — romance, publicado em duas versões:
a) para canto e piano e b) para canto, piano e violino. In-.
felizmente o texto a ser cantado não está satisfatoriamente
distribuído. O intérprete (ou mais tarde, o revisor) precisa fazê-lo. É uma obra a que não falta real interesse.
3) "Adieu" — romance sem palavras, editado em 1816
por Bevilacqua.
4) Um "Noturno", op. 1, composição inédita datada
de 24 de novembro de 1920. Obra pianisticamente "scintillante". Vê-se a vontade de Nazareth de voar mais alto.
5) O conhecido "Improviso" — estudo para concerto,
dedicado a Villa-Lobos e publicado por Sampaio Araújo &
Cia., em 1931.
6) "Mágoas" (— meditação) e "Lamentos" (— meditação sentimental), são trabalhos não publicados. O manuscrito da segunda obra traz como dedicatória: "A memória de sua querida e inesquecível filha Maria de Lourdes
Nazareth (Marietta)". A tonalidade de "Lamentos" é lá menor. Na introdução (8 compassos), Nazareth não esquece a
valsa. Deixado o três-por-quatro pelo seis-por-oito, tudo se
transfigura, onde há realmente uma atmosfera de dor. É
um lamento mais que "sentimental".
7) Uma curiosa "Elegia" para mão esquerda, oferecida à sua filha Eulina Nazareth. Bonito estudo, ainda não
publicado, em que a melodia (— "il canto ben marcato")
é combinado com arpejos, material que precede, em dois
compassos, a entrada do canto (38).
(38) — Lembro um outro trabalho de Nazareth, também "para mão
esquerda": uma Polka (ou '"tango") ainda inédita, pertencente à Coleção Eulina Nazareth.
— 58 —
8) "Corbeille de Fleurs (Gavotte). Editada em 1899
por E. Bevilacqua.
9) Uma única Mazurca — "mazurca de expressão para piano", intitulada "Mercêdes" e publicada em 1917 por
E. Bevilacqua & Cia., e, em edição posterior, por E. S. Mangione. Após uma introdução de oito compassos marcados
sempre por harmonia nova, a mazurca propriamente dita
se inicia com um tema que revela, pelo seu aspecto, a origem de sua inspiração: a conhecidíssima Mazurka em Si
bemol Maior de Chopin. Não devo fazer aqui um estudo a
respeito, mas não posso deixar de apontar duas principais diferenças entre os dois temas: a) Chopin vai além de uma
oitava em sua reta ascendente, enquanto Nazareth não ultrapassa a oitava; b) Chopin joga com a escala diatônicamente, enquanto o nosso músico escreve a sua melodia cromaticamente.
10) Ainda um "Capricho" abrangendo 8 páginas do
manuscrito original.
A Marcha apesar de não ser uma dança, pode ser considerada entre as danzas andadas, dado que seu fim é regular o passo de uma multidão. As marchas de Chopin, Beethoven ou Nazareth, de si não possuem esta meta. São
apenas obras de expressão. Bastam-se em cantar a dor.
Habitualmente, a Marcha é escrita em dois tempos (pé
direito, pé esquerdo que se alternam) de um compasso simples ou composto, como chamam os teóricos.
Como característica rítmica, aponta-se a divisão dos
tempos em dois valores desiguais, sendo o segundo menor
que o primeiro. Disso resulta uma acentuação que favorece o passo firme e seguro.
O passo lento de um cortejo fúnebre, o passo solene de
uma procissão nupcial, o passo brilhante de um desfile mi— 59 —
litar, proporcionarão tipos próprios de expressão musical (39).
A Marcha fúnebre deve possuir movimento lento, geralmente em modo menor para a primeira parte. A segunda
parte (— ou Trio, quando na forma A-B-A) deve soar era
modo maior (40).
As primeiras composições do gênero se compunham de
duas partes, só depois foram concebidas com três (MarchaTrio-Marcha).
Assim como parece ter sido J. B. Lulli o primeiro a. empregar a marcha na ópera e J. Ph. Krieger, na suite para
orquestra, assim também parece que foi Couperin quem o
fez com relação à peça instrumental.
São célebres as marchas fúnebres escritas por Beethoven, seja na 3. a Sinfonia, seja na Sonata Op. 28. Célebre
também é a de Chopin em sua primeira Sonata. Outras
ainda poderiam ser citadas, entre as quais as de Liszt, Wagner, etc.
A Marcha Fúnebre de Nazareth faz parte não só de um
reduzido grupo de composições de pretensão e anseios mais
elevados, como já ficou dito, mas também — e é bom que
se diga — de um grupo de marchas suas, cabendo lembrar
aqui a "Marcha Heróica aos 18 do Forte", "Victoria" (Marcha aos Aliados) e "Saudades e Saudades" (Marchar aos Reis
— Belgas), "Ipanema" (Marcha brasileira), etc.
Na Marcha Fúnebre, editada em S. Paulo por J. Carvalho & Cia., aparece a seguinte dedicatória: "A memória do
pranteado e estimadíssimo Sr. Presidente do Estado de S.
(39) — J. Zamacois, "Curso de Formas Musicales",. Ed. Labor, S. A.
Barcelona 1950, pág. 225.
(40) — J. Bas — "Tratado de la Forma Musical", Ricordi, pág. 225;
"Larousse de la Musique", Vol II, pág. 18.
— 60 —
Paulo Dr. Carlos de Campos" (41). Já no manuscrito original que pertence à Coleção Eulina Nazareth, a dedicatória difere da que foi impressa: "À memória do inolvidável e
querido Presidente de S. Paulo. . .".
Aceitaria (talvez, inutilmente) a hipótese de que Nazareth não haveria escrito a sua página sem o conhecimento da Marcha Fúnebre de Chopin. Mas, a minha atitude
não deveria significar adesão ao modo de pensar de muitos
admiradores do nosso artista, que aprioristicamente afirmam
ver Chopin, Chopin e Chopin em tudo que sai da pena de
Ernesto Nazareth. A impressão que fica é que esses admiradores nem conhecem bem Nazareth. Nem Chopin.
Nazareth escreve uma Introdução para a sua Marcha,
em que se deve ver um criador não preocupado em copiar
modelos (Chopin... ou Beethoven).
Feita com apenas quatro compassos, a introdução encanta pela sua simplicidade. De caráter solene, diria eu,
caso o autor não a quisesse "plangente".
A finalidade desta introdução é aquela mesma das antigas "introduções" — criar tão somente a atmosfera tonal
da obra: o lá menor. Para esta "intonazione", Nazareth
usou, com inteligência, apenas o necessário. A esta altura,
eu me pergunto: quem dos mestres do Barroco ou do Rococó teria dificuldade de assinar esses quatro compassos —
tão simples e tão belos? Creio que todos colocariam o seu
(41) — Um amigo meu, conhecedor profundo da vida e obra de Nazareth, atribui a essa dedicatória, senão o insucesso, pelo menos o pouco caso que se deu à referida obra.
— 61 —
nome nessa introdução, e muitos, até na primeira parte da
Marcha Fúnebre. . .
Eis a introdução:
Os ornamentos do segundo e terceiro compassos não
devem ser executados no tempo em que estão escritos, mas
pensados e realizados antes da barra divisória. Estou certo de que essa era a maneira de execução de Nazareth, pois
do contrário, não se encontraria esta escritura indiscutível, no manuscrito original:
A Marcha lenta começa ainda mais simples que a introdução. Mais simples sob o aspecto harmônico, pois os
primeiros quatro compassos estão elaborados — praticamente — sobre o acorde de tônica de lá menor:
A inteligente escritura compensa a aparente pobreza. Assim, enquanto a parte superior canta ("molto espressivo")
uma progressão ascendente, onde uma nota prolongada se
alterna com as características colcheias-pontuadas seguidas
de semicolcheias, o baixo "staccato" mantém-se sempre
igual, nos três primeiros compassos, numa forma quase "ostinato", e as partes médias acentuam o caráter fúnebre da
Marcha. Parece-me muito feliz a adoção das tresquiálteras,
no início da composição. Sinto nelas, e no todo por causa
delas, os "funerais" que eu ouvi muitas vezes na minha infância, no sertão pernambucano. Todos chamávamos "funerais" a umas "marchas tristes"... que as bandas de música tocavam e ainda tocam bem brasileiramente, nas "procissões do Senhor morto", na sexta-feira santa e, às vezes,
na "procissão do encontro" (Domingo de Ramos).
Não estou querendo escrever memórias, nem fixar costumes de nossa gente. O que acabei de dizer, apenas me
leva a ver, na Marcha de Nazareth, um "funeral" bem brasileiro. Caso isso convença os intérpretes, eu lhes aconselharia a não executar rigidamente as tercínas. Uma quase
insensível desigualdade rítmica certamente assegurará o caráter brasileiro de nossos "funerais". O "molto espress"...
que o autor prescreve, deve atingir também o grupo rítmico
característico. Característico ainda porque, na forma da
primeira parte, ele é um elemento sempre presente: das
partes intermediárias passa também para a -voz superior.
No penúltimo compasso (idem, na repetição) reaparece ainda, mas com diferente caráter.
O aspecto plástico da primeira parte oferece tão somente a oposição de dois movimentos: um ascendente e outro
descendente. O movimento descendente é sublinhado pela
série de oitavas da mão esquerda. No quinto compasso foi
escrito o ponto de maior interesse, isto é, o vértice da estrutura angulosa.
Ainda com relação ao movimento descendente, devo observar que suas notas percorrem exatamente a extensão de
uma oitava (— escala menor harmônica), enquanto o baixo continuará cantando algumas notas a mais (na primeira vez).
Nos compassos 7 e 8, são reproduzidos os mesmos sons
(— mí-ré-dó-sí) em figuração rítmica diferente. O trinado
do último tempo do compasso 7 poderia evocar a Sonata de
Chopin, onde foi escrito com semelhante efeito.
Na segunda parte, com harmonias mais ricas do que
na primeira, Nazareth escreve o seu poema lírico, em que
deverá ser "ben marcato il canto".
Como os bons modelos, aqui também a tonalidade é
outra. A primeira frase (2 compassos) é um puro Dó Maior,
seguindo-se o lá menor que perseguirá a inspiração de Nazareth.
— 64 —
Transcrevo os três primeiros compassos da segunda
parte:
Nos compassos 4 e 5, aparece uma série de dissonâncias justapostas, série aliás já iniciada na segunda metade
do terceiro compasso, como pode ser vista no exemplo anteriormente citado. As dissonâncias finalmente resolvem sobre um acorde (de sexta) em pianíssimo, que, depois de um
compasso em que a linha tem movimento ascendente, deverá atingir um fortíssimo. O período termina com uma
cadência sobre o tom da Dominante de lá menor. O intérprete deve dar muita atenção ao "mui sentido" que Nazareth exige do quarto compasso para o quinto.
A progressão descendente de oitavas da mão esquerda
que se nota na primeira parte (compassos 5, 6 e 7), retorna essencialmente idêntica — não mais para sublinhar, mas
para contrastar com o movimento ascendente da parte superior — nos compassos também 5, 6 e 7 da segunda parte.
Disse "essencialmente idêntica" pensando nas alturas, porque quanto à figuração rítmica, no último compasso citado
(— o 7.°) o baixo apresenta uma série de colcheias que, como tal, é coisa singular na escritura da mão esquerda de
toda a Marcha Fúnebre.
Na segunda metade do oitavo compasso, Nazareth prepara pela modulação a reexposição de todo o período. De
Mí Maior (— Dominante Maior da tonalidade básica da
— 65 —
peça) para Dó Maior, o caminho mais curto é atacar a
Dominante do novo tom. É isto o que faz o nosso músico.
Mas, enquanto um aluno de Harmonia entraria com a triade ou, se melhor procedesse, com o acorde de sétima de dominante, o nosso "mestre" fará preceder a quinta do referido acorde de sétima, com uma nota melódica que provoca
maior sensação, dando encanto novo a um processo já tão
batido. Eis a técnica de Nazareth:
Logo após, o primeiro período é reproduzido sem nenhuma variante, a não ser nos dois últimos compassos, onde o compositor terá que concluir a sua obra na tonalidade
de lá menor. Na última medida, o desenho da mão esquerda, que não é um simples arpejo tradicional, lembra-me
duas obras de Villa-Lobos, escritas posteriormente à Marcha
de Ernesto Nazareth. São elas: o Canto do Pajé (coro feminino a 3 vozes) e Bachianas Brasileiras, n.° 5, em que, se
não há engano, semelhante desenho também se encontra
no fim das cadências.
Esta é a cadência conclusiva da Marcha Fúnebre:
— 66
U
1
.
,
I.I
A concepção da estrutura formal da primeira parte da
obra que se analisa, é a mesma da segunda: 8 compassos
que sempre voltam com conclusões variadas.
A Marcha Fúnebre de Nazareth termina com a segunda parte, como aliás está bem clara a intenção do autor.
Tem portanto forma A-B, que é esquema estrutural mais
antigo. Afirma-se que o plano da marcha de Lulli era justamente de tipo binário, e que por muito tempo teve seguidores (42). A forma "da capo" já pertence à época clássica.
É interessante observar que Nazareth estrutura as suas
duas partes, de acordo com os modelos clássicos, apesar de
ter adotado o tipo binário para a sua obra. Na época clássica, a primeira parte devia ser bisada — é o que acontece
em Nazareth; a segunda (que era a parte central do tipo
ternário), devia ser da mesma extensão que a primeira e
acusar caráter melódico contrastante — é o que a Marcha
fúnebre nos oferece.
Não quero deixar de anotar as expressões portuguesas,
usadas na obra que acabo de estudar, que são: "Plangente",
"suave" e "mui sentido".
Tive a tentação de transcrever para orquestra a Marcha Fúnebre de Ernesto Nazareth, e se a isto resistí foi pensando em alguém que, com mais competência, pudesse dar
um trabalho definitivo. Deixo aqui, com esperança, a sugestão.
(42) — Amintore Galli transcreve duas marchas de Lulli no seu
"Manuale del Capo-Musica", Milano, ed. Ricoidi, págs. 28-29.
— 67 —
ERNESTO JÚLIO NAZARETH
— TENTATIVA DE CRONOLOGIA —
1863 — Aos 20 de março, nasce Ernesto Nazareth no Morro do Nheco, no bairro então chamado Cidade Nova, Rio de Janeiro.
1877 — Escreve a primeira composição::
lundú.
1878 — Assina a valsa ainda inédita:
cada a sua primeira obra.
"Você bem sabe!", polca-
"O nome d'ella". — É publi-
1879 — Publica a poka "Cruz, Perigo!" — "Na realidade o seu primeiro tango",
1880 — Saem à luz a polca "Gentes! O Imposto pegou?" e a outra,
"Gracietta".
1881 — Edição de "Não caio n'outra!!!" (poka),
1882 — Edição da polca "Fonte do Suspiro".
1883 — Nova polca, "Teus olhos captivam".
1884 — Publica as polcas "Não me fujas assim" e "Beija Flor".
1885 — Participa de um concerto no Clube do Rio Comprido; Nazareth toca no Clube do Engenho Velho, "La Fileuse" de Joachim Raff, abrindo um concerto que era a "festa" n.° 30 da
referida Sociedade. Toma parte noutro concerto do Clube
Riachuelense do Engenho Novo, executando a "Valsa Favorita" e "La Fileuse" de Raff. Toca com Frederico Mallio, o
Grande Dueto para dois pianos, no Clube S. Cristóvão.
1886 — Casa-se, aos 14 de Julho, com Theodora Amalia Meirclles,
na Matriz de S. Francisco Xavier do Engenho Velho. — Nazareth se apresenta executando várias peças no Clube Rossini.
1887 — Publica a polca "A Fonte do Lambary".
1889 — Escreve, possivelmente, a quadrilha "Chile-Brasil".
1890 — Edição da polca "Atraente''.
1892 — É impressa a polca-tango "Rayon d'Or".
1893 — Edição das polcas "Cuyubinha" e "Eulina", do Tango ''Brejeiro" e da valsa "Julieta"'.
1894 — Impressão da polca "Marietta".
1895 — Aparece o tango 'Nênê'.
1896 — Edita o tango "Myosotis." e as valsas "Crê e Espera" e "Helena".
1897 — Edição da "Orminda" (valsa).
1898 — Realiza um concerto, no Salão Nobre da Intendência da Guerra, por iniciativa do Clube de São Cristóvão.
— Vêm à luz as suas obras: "Romance sem palavras", "Adieu",
os tangos "Está chumbado" e "Furinga", e "Gentil" (Schottisch).
1899 — Escreve e publica a valsa "Zica". Aparecem ainda "Quebradinha" (polca), "Bicyclette-Club" e "Cacique (tangos), "Corbeille de Fleurs" (Gavotte).
1900
Edição de "Arrufos" (Schottisch) e de "Genial" (Valsa).
1901
Compõe a valsa "Henriette".
1903
Aparece na rev. "A Avenida" e tango "Pyrilamparo".
1905
Publica a valsa "Coração que sente" e "Ferramenta" (fado
português).
1907 — Consegue o lugar de terceiro escrituràric, no Tesouro Nacío-.
nal, recebendo mensalmente 83S333 (— hoje CrS 83.33). foi
o único cargo que exerceu.
1911
Aparecem a valsa "Noemia" e o tango "Perigo»©".
1912
Edição de "Ameno Resedá" (polca), "Expantiva" (valtt),
"Thierry" (tango).
1913 — Várias obras vêm à luz: "Tenebroso", "Atrevido"', "Batuque",
"Bambino", "Carioca". "Cutuba" (tangos) e "Electrica", "Eponina" (valsas).
1914 — Escreve (13-V) e publica o tango "Sagaz". Edição dos tangos
"Catrapuz" e "Mesquitinha", da valsa "Fidalga".
1915 — São impressas as polcas "Alerta" e "Apanhei-te Cavaquinho"
e a valsa "Divina".
1916 — Aparecimento dos tangos "'Sarambeque", "Garoto" e das valsas "Gottas de Ouro" e "Ouro sobre Azul". — Escreve o
tango "Podia ser peior", aos 26-VII.
1917 — Publicação dos tangos "Famoso", "Guerreiro", "Matuto" e da
única mazurca de Nazareth, "Mercedes".
1918 — Falece a filha de Nazareth, Maria de Lourdes.
— Publica o tango "Podia ser peior".
1919 — Escreve o tango "Sustenta a . . . nota", aos 31-I.
— Edição do "Insuperável" e do "Suculento" (tangos).
1920 — Data do "Hymno da Escola Pedro II" (inédito) e do "Noturno, op. 1" (inédito).
1921 — Vêm à luz muitos tangos de Nazareth: "Atlântico", "Jacaré",
"Meigo", "O que há?". "Pairando", "Porque sofre?" e Xangô''.
— Escreve aos 3 de agosto outro tango "Paulicéa, como és formosa'.
1922 — São deste ano as edições de "Pássaros em Festa" (tango) e
do samba "1922 — n.° 1".
— Aos 20 de novembro assina o tango "O Futurista".
Nazareth tomou parte no célebre concerto organizado por
Luciano Gallet, abrangendo obras breves de "30 Compositores Brasileiros", e realizado, aos 16 de dezembro, no Instituto (hoje Escola) Nacional de Música. "Brejeiro", "Nenê",
"Bambino" e "Turuna" foram os tangos executados pelo autor.
1923 — Escreve letra e música do tango "Tudo sobe".
1924 — Data
ção":
Leão.
foram
de duas composições com o mesmo título — "Saudauma ao Prefeito Alaor Prata, outra ao Dr. Carneiro
Ambas com letra de Maria M. Mendes Teixeira. Não
ainda publicadas.
1925 — Alzira Mariath organisa um concerto cm homenagem à data
natalícia de Nazareth. realizado no Salão Nobre do Centro
Paulista, aos 20 de março. O compositor executou duas peças incluídas no programa: "Extase" (canto, violino e piano) e "Nazareth" (polca).
— 71 —
I926 — Escreve a valsa "Dora", dedicando a sua esposa Theodora
Analia Meirelles Nazareth, e conforme o manuscrito, "desde
1900, sÓ hoje aqui escripta (1926)".
- Edição do tango "Paraiso".
- Em abril parte para S. Paulo só retornando ao Rio, no ano
seguinte.
- Concerto de Nazareth, aos 2 de junho, no Conservatório Dramát ico e Musical de S. Paulo.
Aos 4 de Julho, Nazareth toca no Clube Semanal de Cultura
Ar tística de Campinas.
- Aos 15 de julho, o recital de Nazareth no Clube Campineiro.
- Aos 17 de julho, recital no Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas.
- Recital nn Clube Campineiro, aos 19 de agosto.
- Aos 27 de setembro, realiza-se um Festival Nazareth no Salão do Conservatório de S. Paulo.
Nazareih participa de um.. concerto no Salão do Conservatório de S. Paulo, aos 10 do outubro.
1927 — Nazareth dá um concerto no Salão do Conservatório de S.
Paulo, aos 24 de fevereiro.
- Em março, volta de S. Paulo, depois de ter se apresentado
no Conservatório Dramático e Musical de S. Paulo, aos 7
de março.
- Aos 30 de abril, Nazareth assina a "Marcha Fúnebre".
1 929 — Falece a sua esposa aos 5 de maio,
1930 — O manuscrito de "Commigo é na Madeira" (samba) está datado desse ano.
— Um samba carnavalesco, não publicado ainda, é escrito:
"Crises em Penca".
Compõe, em junho, "Resignação" (valsa inédita).
1931 — Edição do "Improviso" {Estudo para concerto).
— Toca na Rádio Sociedade Mayrink Veiga, aos 19 de maio.
1932 — A 5 de janeiro, apresenta obras suas exclusivamente, no
Studio Nicolas; Nazareth executa " Extase", "Improviso", "Poloneza". "Expansiva". "Elegantíssima", "Brejeiro". "Tenebroso", "Labyrintho". "Nenê", "Gaucho", "Carioca".
— Nazareth toca no Clube Caixeiral de Rosário, aos 19 de fevereiro.
1934 — A 1.° de fevereiro, saindo a passeio pelas florestas circunviz i h a s do Instituto Neuro-Psiquiátrico (Praia Vermelha), onde se encontrava, sofre um acidente; é depois — no dia 4 do
mesmo mês - encontrado morto. Foi sepultado no cemitério de S. Francisco Xavier (Cajú).
72
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA SOBRE
NAZARETH
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— 75 —
A crítica e a obra "Ciranda, roda de adultos no folclore pernambucano", editado pelo DECA
— " . . . essa monografia é indispensável a quem quiser falar ou escrever sobre essa dança popular, muito conhecida nos Municípios da
zona da mata pernambucana. Seu autor não fez obra de erudição,
servindo-se do esforço alheio para encher, como é comum, o vazio
que muito especialista encontra em si mesmo [...] As citações que
aparecem no trabalho desse excelente professor da Escola de Belas
Artes do Recife são apenas, uma espécie de aperitivo para o que
ele vai dizer, porque na verdade, sua pesquisa é originalíssima e sua
contribuição tem o mérito próprio".
Guerra de Holanda
"Diário da Noite", Recife, 7-VII-961.
— "Padre Diniz esclarece que se trata de roda de adultos; e sob esse
aspecto realizou uma pesquisa de campo muito interessante [... ]
Com a sua investigação preenche-se uma lacuna, porque acredito que
ele tenha feito o possível senão para esgotar o assunto, ao menos
para deixar o que se possa dizer de melhor no nosso meio".
Nilo Pereira
"Jornal do Comércio", Recife, 13-VII-961.
— "É um elemento (— Padre Diniz) que devemos manter no Recife; e não exportá-lo. Mas esse especialista em música sacra é também um estudioso das tradições brasileiras. E agora mesmo está
publicando um trabalho muito interessante sobre a Ciranda, roda de
adultos no folclore nativo [... ] A bibliografia do autor mostra que
é lido nos livros, sendo versado no povo; e o fato de ser lido e corrido revela que é homem experimentado, que se tornou necessário
em nosso meio; quer cuidando da música sacra, quer da profana,
pois em todas é mestre".
Aníbal Fernandes
"Diário de Pernambuco, l-VIII-951.
— 77 —
— "Trata-se de sugestivo ensaio, destinado a alcançar a mais profunda repercussão entre os estudiosos de nosso folclore, especialmente
pela honestidade da pesquisa feita, não somente dentro das bibliotecas, mas sobretudo num trabalho de campo [...] O ensaio é bem
escrito e nada tem de comum com o estilo insípido que caracteriza
a maioria dos nossos trabalhos sobre folclore".
César Leal
"Diário de Pernambuco", 2-VII-961.
— "Um trabalho de irrecusável importância, no campo do folclore
nacional, acaba de publicar o padre Jaime Diniz ( . . . ) Importante
não somente pelo assunto, realmente original, como pela seriedade
com que é tratado [...] (padre Jaime Diniz) um pesquisador meticuloso e sagaz, pondo a seu serviço virtudes já provadas em suas
múltiplas atividades como parcela atuante do nosso desenvolvirnento artístico".
Waldemar de Oliveira
"Jornal do Comércio", Recife, 6-VII-961.
— ''Senhor de uma respeitável cultura musical e musicológica [...]
O autor ataca estas questões com muita simplicidade e rigor cientifico, denotando uma atitude de independência espontânea e impessoal diante do problema da música brasileira ainda em processo
de cristalização. Resulta daí, talvez, o maior mérito de todo o seu
paciente trabalho: a quebra de uma visão estática e aberrante do
nosso folclore musical iniciada paradoxalmente por Mário de Andrade e ainda hoje sustentada pelos seus seguidores imediatos de
São Paulo".
Jarbas Maciel
"Estudos Universitários", Recife, n.° 1-962,
— "O que nos agrada, logo de saída no trabalho do Padre Jaime
Diniz é o cuidado, o carinho mesmo como passa a esmiuçar as referências à dança ciranda já feitas anteriormente [... ] O trabalho
consegue retratar muito bem certos aspectos inéditos da dança e
muito mais importante, a análise da parte musical propriamente dita,
que tem sido muito pouco feita pelos estudiosos de folclore e que
se acha muito bem comentada, esmiuçada nos capítulos finais, com
78
muita inteligência [...] Ressaltemos contudo com muita alegria.
que o trabalho do Padre Jaime Diniz possui muita autenticidade de
registros, observações agudíssimas, muita inteligência de elaboração
e mais, um estilo saborosíssimo de se ler e reler",
Samuel Kreimer
rev. "Leitura", Rio, Ano XIX. n.° 51.
— "Antes de mais nada, este ensaio é um aviso a mais da necessidade urgente de levantarmos o nosso folclore. A Ciranda é uma
roda infantil, talvez a mais conhecida e divulgada no país. Ciranda
é ainda voz que significa, em certa região do Estado do Rio, qualquer baile, arrasta-pé; e ainda nesse Estado como em S. Paulo é uma
dança de adultos. Agora, o Padre Jaime C. Diniz, no citado estudo,
nos revela a existência, com o nome de Ciranda, de uma dança de
adultos de Pernambuco, em que nem a música, como acontece naqueles Estados, é a da roda infantil, nem a dança lhe tem semelhança. É outra coisa, é outra dança, que verificou o A. em varias
localidades pernambucanas e a descreve, indicando as figuras coreográficas, os versos e as solfas [...] A leitura do trabalho do Padre
Jaime Diniz contém muitas revelações interessantes dessa dança tão
mal conhecida e que parece ser uma expressão deveras característica
do folclore pernambucano".
Renato Almeida
"Revista Brasileira de Folclore", Rio, Ano I. n.° 1.
— "Li e muito apreciei o excelente trabalho que amavelmente
me ofereceu".
Júlia d'Almendra
Diretora do "Centro de Estudos
Gregorianos", Lisboa. 12-XI-961.
79
ÍNDICE
Págs.
Certidão de Batismo de Ernesto Nazareth
9
Primeiras palavras
11
Você bem sabe! (Polca)
15
Celestial (Valsa)
29
Favorito (Tango)
45
Marcha Fúnebre
57
E. J. Nazareth (Tentativa de Cronologia)
69
Bibliografia
73

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