o caso do grupo - Index Cultural

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o caso do grupo - Index Cultural
PRIMEIROS PASSOS E AS TENDÊNCIAS NA DISSEMINAÇÃO DE CONTEÚDOS
MUSICAIS NA WEB: O CASO DO GRUPO BIQUINI CAVADÃO
Thiago Cirne ([email protected])1
RESUMO
O presente trabalho objetiva apresentar algumas considerações sobre as mudanças no mercado
fonográfico nos últimos anos e a maneira como algumas bandas de pop rock nacional têm
atuado frente a essas alterações. Delimita-se, como objeto de estudo, o caso do grupo Biquini
Cavadão, formado em 1983, no Rio de Janeiro. As novas tendências informacionais afetam o
modo de produção e divulgação dos conteúdos musicais, uma vez que a velocidade com que
eles são disseminados apresenta grande diferença, se comparada aos anos 80, 90 e início dos
anos 2000, embora haja um segmento de consumo para os antigos formatos. Com o
pioneirismo do Biquini Cavadão no uso de sites na internet, abrem-se as portas para outras
bandas, que passam a elaborar suas páginas para acesso e interação com fãs, além de
experimentarem formas alternativas de divulgação de seus trabalhos.
Palavras-chave: Biquini Cavadão (banda). Mercado fonográfico. Mídias digitais.
1
Graduado em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Pós graduando
em Jornalismo Cultural pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Bibliotecário do Centro de
Estudos Jurídicos da Procuradoria Geral do Estado (PGE-RJ). Atua em Acervos de Memória e Coleções
Especiais. Colunista da Revista Biblioo: Cultura informacional. Editor do blog Index Cultural.
1 INTRODUÇÃO
O impacto das tecnologias de informação e comunicação (TICs) tem alterado,
consideravelmente, o cotidiano social, nas mais diversificadas esferas. Dadas as suas
características peculiares, o universo musical é um dos que mais tem lançado mão dos amplos
recursos advindos dessas novas tecnologias.
A banda Biquini Cavadão foi uma das pioneiras no uso dos recursos web para
divulgação de seus trabalhos e contatos com os fãs no Brasil. Tendo em vista essa
representatividade, elegeu-se o grupo como objeto deste estudo.
É possível afirmar que a atuação do Biquini Cavadão abriu espaço para que outras
bandas, nos últimos anos, utilizassem a internet como espaço de publicidade das suas
atividades, algo que na atual conjuntura alcança praticamente todas os artistas, nos mais
variados estilos, incluindo o uso das Redes Sociais, como Facebook, Twitter, MySpace.
As TICs potencializam a disseminação de conteúdos musicais, algo impossível aos
anos 80, 90 e vislumbrada com maior ênfase no início dos 2000. Neste sentido, formas de
aquisição e consumo têm sido alteradas diante de recursos que permitem desde o
armazenamento de centenas de faixas, às incontáveis visualizações de vídeo clips.
2 O BIQUINI CAVADÃO E O “PIONEIRISMO DIGITAL”
Os anos 90 foram marcados pelos primeiros passos na popularização de uma nova era
digital. Em 1996 surgem os dois primeiros sites de música, criados por Biquini Cavadão e
Barão Vermelho (SURGEM os primeiros..., 2012).
Em entrevista disponível no site Sana Inside: internet, tecnologia e computação2
Bruno Gouveia, vocalista do Biquini, afirma que
O artista sempre teve quatro problemas básicos para mostrar seu trabalho:
gravação de sua obra, divulgação de seu trabalho, distribuição de suas
músicas e arrecadação de direitos. Para isto surgiram as gravadoras, que
sempre custearam o trabalho em troca de 80% dos direitos. Gravar já não é
tão difícil assim. Divulgação pode ser feita pela internet. A música digital
2
LOPES, Vitor. “Chegamos a participar de um festival com 2 pagantes”, 2000 [Entrevista]. Disponível em: <
http://www.sanainside.com/arquivos-do-central-da-musica/entrevistas/chegamos-a-participar-de-um-festivalcom-2-pagantes/>. Acesso em 15 out. 2012.
facilitará a distribuição, mas falta ainda um tipo de pagamento pelos direitos
autorais [...]. Muitos torcem pelo MP3 e sorriem ao ver grandes gravadoras
tremendo de medo. Não acho realmente que os artistas na internet possam
ser bem defendidos por quem sempre nos abocanhou a maior parte dos
direitos autorais nos últimos 40 anos. Por outro lado, a queda das
gravadoras apenas adia uma luta que temos pelos direitos autorais. Resta
agora esperar para ver o desenrolar dos fatos.
Vale ressaltar que a entrevista data de 2000. Observa-se uma mudança no paradigma
de consumo e disseminação, o que se torna ainda mais ampliado e debatido nos últimos dois
ou três anos, com os novos recursos tecnológicos, como os iPhones, iPad, iPod, etc. Uma
noite em um show, por exemplo, pode ter seus registros (foto, vídeo e comentários)
transmitidos praticamente em tempo real para as Redes Sociais e, assim, amplamente
compartilhados.
Atualmente, a página do Biquini cavadão na internet – biquinicavadao.uol.com.br –
apresenta dezenas de recursos que possibilitam aos fãs funções diversas que vão desde a
disponibilização de fotos enviadas, à audição dos álbuns do grupo.
Figura 1: Home page da banda. Informações sobre aplicativos
(http://biquinicavadao.uol.com.br/index.cfm/home/)
Figura 2: Lista de álbuns da banda com a opção “Ouça”
(http://biquinicavadao.uol.com.br/index.cfm/home/musica)
Para efeito de visualização, segue um quadro sinóptico com os 10 principais elementos
do site:
QUADRO SINÓPTICO DO SITE
(Dados coletados em out. 2012)
http://biquinicavadao.uol.com.br/index.cfm/home/
Elementos
Descrição
Página com as datas de próximos shows, vídeos, espaço
Home
destinado a fãs, notícias e blog, rede sociais (links).
Guia denominada “A banda” abordando o histórico dos
Histórico
integrantes.
Próximas datas de shows; Mapa com histórico de locais
Agenda
por onde o grupo passou, contendo fotos, vídeos e
comentários.
A guia “música” contém os álbuns da banda, com a
Álbuns
possibilidade de audição das faixas.
Multimídia
Vídeos, fotos e wallpaers.
A página “Fãs” apresenta os últimos vídeos enviados
Contato com fãs
por fãs.
Outros contatos
Rádio On-line
Blog
Link para Redes Sociais
Página com Press Release, Contato para shows, FAQ, e
Recados.
Disponível ao alto da página.
Arquivos a partir 1994.
Links para Myspace, Orkut, Twitter, Fotolog, Youtube.
3 TENDÊNCIAS & CONSUMO
Outro fator diferencial que permeia as novas tecnologias é a “ilimitação” dos novos
suportes. Um novo trabalho musical não deve, necessariamente, compor um disco com um
número determinado de faixas.
Como salienta Carlos Coelho, guitarrista do Biquini Cavadão, “hoje não existe a
necessidade de concentrar a informação em um produto”3.
Sobre o panorama mercadológico, Napolitano lembra que
A partir da década de 1960, o mercado brasileiro de discos se torna
internacionalmente expressivo. Para isto, contribuíram vários fatores como o
desenvolvimento da televisão comercial; o surgimento de uma nova geração
de compositores e intérpretes, que se aglomeraram em “movimentos
musicais” (bossa-nova, MPB, jovem-guarda, tropicália); e a transformação
da juventude brasileira em público-alvo da indústria de discos
(NAPOLITANO apud DE MARCHI, ALBORNOZ E HERSCHMANN
2011, p. 280).
A década de 80 teve seu impacto no cenário musical como o período áureo do rock
nacional. Na mesma safra em que despontaram bandas como Legião Urbana, Os Paralamas do
Sucesso, RPM, Nenhum de Nós, Capital Inicial, além do próprio Biquini – para citar algumas
– gerou-se uma parcela significativa de fãs ávidos pelos LPs, fitas K7 e a “forma como se
ouvia” música.
Com respeito às modificações no campo das tecnologias digitais, Vieira, Darbilly e
Barros (2012, p. 334-335) apontam que
O desenvolvimento das novas tecnologias digitais, o barateamento do custo
de produção e distribuição da música e o surgimento das tecnologias de troca
de arquivos musicais, popularizadas em pouco tempo, parecem desequilibrar
a posição hegemônica de algumas organizações, sendo apontadas até como
Entrevista ao Programa “Carona”. Disponível em: < http://globotv.globo.com/tv-integracao-triangulomineiro/carona/v/bate-papo-exclusivo-com-biquini-cavadao/1711443/>. Acesso em 15 nov. 2012.
3
causa da crise do mercado fonográfico. Tal mudança fez com que não apenas
indivíduos (como os próprios artistas), mas também organizações, tais como
pequenas gravadoras e lojas de vendas de música online, acabassem por
ganhar poder ou adentrar em tal espaço ao qual outrora não pertenciam. As
novas formas de produção/comercialização permitem que outras
organizações assumam práticas e estratégias mais ágeis e criativas que
aquelas das grandes gravadoras.
É certo que as tendências no mercado fonográfico do século XXI pouco lembram as
do século passado. Bruno Gouveia, vocalista do Biquini Cavadão, comenta que a música
mudou sobretudo como forma de entretenimento: “Antes a principal coisa a ser feita em casa
era pegar um disco e ouvir”4.
4 NOVAS TECNOLOGIAS: O FIM DOS SUPORTES?
Se, por um lado, existem aqueles que não conseguem desempenhar suas atividades
cotidianas mais simples sem olharem as últimas atualizações no Facebook, ou acessarem os
recursos Apple, há uma parte da sociedade consumidora fiel aos suportes consagrados, como
Lps e Cds. Muitas gravadoras têm lançado (e relançado) álbuns em vinil para esse segmento
de fãs.
A nova geração de artistas também experimenta antigos formatos, como os casos da
roqueira Pitty, Ana Carolina, Matanza, Los Hermanos, entre outros. Hoje é possível verificar,
novamente, as prateleiras de grandes lojas ocupadas por álbuns neste formato (Figura 3).
Fã do Biquini Cavadão – com participação no DVD ao vivo, no Ceará Music de 2004
– Roderic Szasz representa o lado tradicional do consumismo musical. Acompanhando a
banda desde a década de 80, o professor de 42 anos presenciou a chegada das TICs, bem
como o lançamento do site do grupo na década de 90, mas confessa não utilizar com
freqüência os recursos digitais: “Com os CDs tudo foi muito parecido com os vinis. Apesar do
início elitizado, com o passar do tempo foi ficando popular, e com a mesma sensação de
prazer na busca pela raridade... Fui muito reticente ao uso da tecnologia”, destaca.
Entrevista ao Programa “Carona”. Disponível em: < http://globotv.globo.com/tv-integracao-triangulomineiro/carona/v/bate-papo-exclusivo-com-biquini-cavadao/1711443/>. Acesso em 15 nov. 2012.
4
Figura 3: Espaço para vinis nas prateleiras
Imagem: Google
Mesmo com alterações na forma de divulgação e comercialização fonográficas, é
relevante lembrar que é
cada vez mais comum encontrar artistas e bandas de gêneros musicais
diversos que, por meio da utilização de sites, programas na Internet, pen
drives e outros recursos, conseguem disponibilizar ou tornar conhecida suas
obras para um número considerável de pessoas. Isso não significa dizer,
entretanto, que o modelo tradicional de organização empresarial das grandes
gravadoras ainda não seja o dominante dentro do setor. Dados provenientes
da Associação Brasileira de Produtores de Disco do Brasil, organização esta
composta pelas dez maiores gravadoras do país, especialmente por empresas
multinacionais, mostram que tais organizações lucraram, apenas no ano de
2009, 358.432 milhões de reais com as vendas de CDs, DVDs, assim como
com receitas provenientes do mercado digital. No entanto, em paralelo a esse
modelo ainda dominante, encontramos outras práticas organizativas que
podem representar possíveis alternativas de resistência por parte de atores
organizacionais ligados à área da música (VIEIRA; DARBILLY; BARROS,
2012)
Seria possível afirmar que os suportes como CD e LP seriam os antigos e, ao mesmo
tempo, futuros coadjuvantes num novo paradigma de consumismo digital, que ainda convive
com problemas como a pirataria?
Notadamente não se pode negar a coexistência, no momento atual, de dois públicos
distintos (tecnológicos/tradicionais), com sua culturas, formas de apreensão e preferências,
mas que, certamente, serão alvo das estratégias publicitárias do mercado fonográfico do
século XXI.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As dúvidas e questionamentos pertinentes às mutações tecnológicas, pelas quais
passam a divulgação de conteúdos musicais, são iminentes. De certo, daqui a algum tempo –
não tão distante –, novos formatos poderão surgir, e, com isso, outros debates travados.
À luz do acelerado ritmo em que se dão a divulgação e consumo no âmbito do
mercado fonográfico, deve-se atentar aos marcos iniciais de qualquer mudança que venha a
ditar novos paradigmas. Neste sentido, a atuação da banda carioca Biquini Cavadão junto ao
seu primeiro site musical, e o uso de e-mails para comunicação com fãs, a partir da década de
90, possuem um traço representativo, que culmina com a larga escala em que diversas bandas
lançam seus produtos via web. Toda história tem seu início.
Um segundo ponto a ser levantado é a manutenção do gosto, pelos antigos formatos,
por boa parte dos fãs de música. Até quando durará este segmento de consumo? Os LPs, por
exemplo, seriam uma nova/antiga espécie de porto seguro contra as práticas ilícitas de
reprodução, como apontam alguns artistas? Ainda há fôlego (após anos de hiato) para este
suporte, em meio às novas tendências de consumo? Não é o objetivo deste breve escrito
responder a estas questões, porém instigá-las. Cabe ao público a decisão sobre o modelo que
lhe apraz, dentre as multiformas do ouvir, típicas de um novo século.
6 REFERÊNCIAS
BANDAS novas em formato antigo... In: LadoB, 2012. Disponível em:
<http://www.campograndenews.com.br/lado-b/consumo/bandas-novas-em-formato-antigonovas-gravacoes-em-vinil-chegam-a-campo-grande>. Acesso em: 03 nov. 2012.
DE MARCHI, Leonardo; ALBORNOZ, Luis Alfonso; HERSCHMANN, Micael. Novos
negócios fonográficos no Brasil e a intermediação do mercado digital de música. Revista
Famecos: mídia, cultura e tecnologia. Porto Alegre, v. 18. n. 1, jan./abr. 2011.
LOPES, Vitor. “Chegamos a participar de um festival com 2 pagantes”, 2000 [Entrevista].
Disponível em: < http://www.sanainside.com/arquivos-do-central-damusica/entrevistas/chegamos-a-participar-de-um-festival-com-2-pagantes/>. Acesso em 15
out. 2012.
SURGEM os primeiros sites de música. In: Linha do Tempo da Informática no Brasil, 2012.
Disponível em: < http://www.timetoast.com/timelines/linha-do-tempo-da-informatica-nobrasil>. Acesso em 15 out. 2012.
VIEIRA, Marcelo Milano Falcão; DARBILLY, Leonardo Vasconcelos Cavalier; BARROS,
Denise Franca. O fenômeno da empresarização e a busca por alternativas na produção,
comercialização e distribuição da música no Brasil como formas de resistência. Organ. Soc.
[online]. 2012, v. 19, n. 61, abr./jun. 2012.

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