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POSITIVISMO CRIMINOLÓGICO
AS IDEIAS DE LOMBROSO, FERRI E GARÓFALO
Juliete Laura Rocha Maurício 1
Artigo submetido em: abr./2015 e aceito em jul./2015
RESUMO
O artigo pretende abordar a visão da Criminologia sob a ótica da Escola Positiva Italiana, com
destaque para os estudos de Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafaele Garófalo, bem como
seus posicionamentos, suas semelhanças e diferenças, posto que eles foram os principais
representantes desta Escola, sendo Rafaele Garófalo o mais radical deles. Far-se-á breves
comparações com a Escola Clássica do Direito Penal e a Escola Positiva Italiana, analisando
as principais diferenças entre elas. Para tanto, foi realizada pesquisa doutrinária em diversos
livros e também em artigos eletrônicos sobre o tema, a fim de dar fundamentos sólidos ao
artigo em epígrafe.
Palavras-chave: Positivismo criminológico. Determinismo. Delinquente nato.
POSITIVISM CRIMINOLOGICAL
LOMBROSO’S, FERRI’S AND GAROFALO’S IDEAS
ABSTRACT
The article intends to address the sight of Criminology from the perspective of the Italian
Positive School, especially for studies of Cesare Lombroso, Ferri and Garofalo Rafaele and
their positions, their similarities and differences, since they were the major representatives of
this School , and Rafaele Garófalo the most radical of them. Will be done short comparisons
with the Classical School of Criminal Law and the Italian Positive School, analyzing the main
differences between them. Therefore, doctrinal study was conducted in several books and also
in electronic articles on this topic in order to give solid foundations to the article in question.
Keywords: Positivism criminological. Determinism. Born delinquent.
INTRODUÇÃO
A Criminologia como ciência, tal como se conhece hoje, teve em Cesare Lombroso,
Enrico Ferri e Rafael Garófalo seus precursores. Somente a partir de 1876, com a obra
1
Advogada associada ao Escritório Mendonça Advogados. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do
Trabalho pela Escola Superior da Magistratura do Trabalho da XIX Região – EMATRA XIX. E-mail:
[email protected]
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intitulada “O homem delinquente”, de Lobroso, é que se pode falar em existência da
Criminologia e principalmente da Escola positivista. Mas o termo Criminologia foi criado
por Rafael Garófalo quando lançou seu mais importante livro, intitulado “Criminologia”, em
1885. Inegável, então, a contribuição dos positivistas para o desenvolvimento desse ramo do
saber.
1 POSITIVISMO CRIMINOLÓGICO
A Escola Positivista Italiana surgiu no final do século XIX. A obra “O homem
delinquente”, de Cesare Lombroso, pode ser considerada o marco inicial do surgimento da
Criminologia, bem como da Escola Positivista Italiana, que teve como precursores Bentham
(1748-1832), Romagnosi (1761-1865) Feuerbach (1775-1883) (COSTA, 2005, p. 150).
Todavia, como oportunamente ressalta Shecaira (2012, p. 70), entre os doutrinadores,
não há unanimidade no tocante à conclusão sobre o momento histórico em que teve início o
estudo científico da Criminologia, embora seja inegável a importância da Escola Positivista
para o seu desenvolvimento enquanto ciência.
O desenvolvimento da Escola Italiana ocorreu em um momento em que a
Antropologia e a Sociologia estavam em período de notável desenvolvimento. O Positivismo
Criminológico surgiu com o intuito de proteger a sociedade de forma mais efetiva contra os
criminosos, dando um enfoque diferente ao crime, e principalmente ao criminoso, em
contraposição ao posicionamento adotado até então pela Escola Liberal Clássica do Direito
Penal.
As características principais da Escola Positivista são: i) o determinismo, em oposição
ao livre-arbítrio pregado pela Escola Clássica, ou seja, para a Escola Positivista, o indivíduo
criminoso não goza de livre-arbítrio escolhendo se pratica um ilícito penal ou não, apenas
segue sua natureza, previamente determinada por sua genética; ii) ausência de
responsabilidade moral, visto que o homem criminoso carece de liberdade ao agir guiado por
fatores que determinam sua conduta. Logo, a função primordial da pena é a defesa da
sociedade, e não a ressocialização ou a punição do criminoso, ocorrendo esta última de forma
reflexa. O que importa não é a responsabilidade do agente, e sim sua temibilidade, sua
periculosidade. A pena tem função de higiene social; iii) a medida da pena é dada pelo
delinquente, significando que os delitos não devem tem penas fixas, estas devem variar de
acordo com as condições pessoais de cada delinquente (ESCOBAR, 1997, p. 99-100).
A ideia de que a pena deve ser determinada pela periculosidade do agente não é
possível no sistema penal brasileiro, pelo menos não da forma como concebida pelos
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positivistas, posto que no Código Penal vigente as penas já são previstas em abstrato, tendo o
tempo mínimo e máximo definidos. Entretanto, ao aplicar a pena, o magistrado valorará as
chamadas circunstâncias judiciais, previstas no artigo 59 do Código Penal. Este artigo dispõe
que o juiz, para a fixação da pena, levará em conta, entre outros fatores, a personalidade do
agente (BRASIL, 2014). Na lição de Bitencourt (2009, p. 179), a personalidade
Deve ser entendida como síntese das qualidades morais e sociais do indivíduo. Na
análise da personalidade deve-se verificar a sua boa ou má índole, sua maior ou
menor sensibilidade ético-social, a presença ou não de eventuais desvios de
caráter de forma a identificar se o crime constitui um episódio acidental na vida do
réu (Grifo nosso).
Neste caso, é possível perceber claramente a influência do pensamento da Escola
Positivista no direito penal pátrio ainda nos dias atuais, o que prova a sua importância no
desenvolvimento do Direito Penal moderno.
Para a Escola Clássica do Direito Penal, o Direito preexiste ao homem, é dado pelo
criador, ao passo que para a Escola Positivista, ele resulta da vida em sociedade. Uma
diferença fundamental entre as duas doutrinas é a forma como o criminoso é visto. Para os
clássicos, é um ser humano comum, não possui traços físicos ou psicológicos que diferencie o
delinquente do homem não criminoso. Já os Positivistas veem o delinquente como um ser
biologicamente diferente dos homens ditos normais, não criminosos.
Pode-se dizer que o Positivismo criminológico teve três fases distintas: a fase
antropológica, seguindo as ideias de Cesare Lombroso, com destaque para sua obra “O
homem delinquente”; a fase jurídica, baseada no pensamento de Rafaele Garófalo e seu livro
“Criminologia”, e a fase sociológica, com base na doutrina de Enrico Ferri e a publicação de
sua “Sociologia Criminal” (BITENCOURT, 2012, p.102).
1.1 A influência da Antropologia Criminal na Escola Positivista Italiana
A partir da Idade Média, começou-se a despertar na mente de alguns estudiosos a ideia
de estudar a morfologia e a anatomia humana, a fim de se tentar descobrir traços
característicos típicos de criminosos. Posteriormente, passou-se a analisar também a estrutura
craniana, sempre buscando “estigmas predisponentes da impulsividade criminal”. Partindo
desses objetivos, Juan Battista Della Porta Funda, durante a Idade Média, desenvolveu a
Fisiognomia, visando conhecer o caráter do homem, principalmente do homem criminoso,
estudando traços fisionômicos do rosto, do crânio e a análise superficial do corpo (FARIAS
JÚNIOR, 2005, p. 29).
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No século XVII, Lavater, a fim de determinar a personalidade não só através dos
traços físicos mas também através do estudo do cérebro e das protuberâncias cranianas, criou
a Frenelogia. Atribui-se ao anatomista austríaco Johan Franz Gall a realização dos estudos
frenológicos mais importantes. Gall é também reconhecido como o fundador da Antropologia
Criminal. (FARIAS JÚNIOR, 2005, p. 29).
Como salienta Farias Júnior (2005, p. 29), “Desses estudos foram surgindo as noções
de criminosos por ímpeto, por instintos inatos, por loucura moral ou criminoso louco, a noção
também de atavismo e de defeitos congênitos de criminosos”.
Lombroso, no século XIX, ao iniciar seus estudos sobre as características inatas dos
delinquentes, foi influenciado pelas ideias de Della Porta, Lavater e Gall, bem como por
outros estudiosos, como se verá a seguir.
1.2 Cesare Lombroso
Lombroso (1835-1909) é um dos nomes mais conhecidos da Criminologia,
principalmente no meio acadêmico. Suas ideias foram fundamentais para o desenvolvimento
da Criminologia, embora hoje sejam vistas com muitas ressalvas.
Cesare Lombroso estudou na Universidade de Pádua, em Viena, e também em Paris.
Foi professor da Universidade de Pavia, onde lecionou Psiquiatria e Medicina Forense e
Higiene. Na Universidade de Turim, lecionou Psiquiatria e Antropologia Criminal. Lombroso
foi ainda diretor de um asilo mental na Itália, além de médico do sistema penal italiano. Foi
influenciado pelas doutrinas evolucionista (Darwin e Lamarck); materialista (Buchner,
Haeckel e Molenschott); sociológica (Augusto Comte, Spencer, Ardig e Wundt); frenológica
(Gall) e fisionômica (Lavater) (CABRAL, 2004).
Lombroso fez o estudo anátomo-patológico de vários crânios, cérebros e vísceras de
criminosos, comparando-os com os de homens normais, e reconheceu que as
anomalias aparentes do delinquente têm a confirmação nas suas anomalias
interiores. Percorreu, finalmente, os caracteres biológicos e psicológicos dos
malfeitores, e, quer na tendência para se tatuarem, quer na insensibilidade, quer na
inclinação para o suicídio, quer nas más paixões a que se entregam, quer na
perversidade de que fazem gala, quer na linguagem particular de que usam, quer na
literatura e nas associações a que se entregam, Lombroso viu quanto se distinguia o
criminoso do homem normal e como este precisava precaver-se daquele. (COSTA,
2005, p. 125)
Segundo Costa (2005, p. 124), os estudos antropológicos realizados pela Escola
Positivista levaram Lombroso a desenvolver um estereótipo do criminoso, o criminoso-nato,
descrito em 1887 da seguinte forma:
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a) Psiquicamente tem pequena capacidade craniana, mandíbula pesada e desenvolvida,
protuberância occipital, órbitas grandes, crânio frequentemente anormal (assimétrico), pouca
ou nenhuma barba, lábios grossos, cabelos abundantes, orelhas em forma de asa, lábios
grossos, braços excessivamente longos, anomalias dos órgãos sexuais, mãos grandes e
fisionomia ordinariamente feminina no homem e viril na mulher.
b) Moralmente tem profunda depressão moral, manifestações desde a infância de vileza,
inclinação para o roubo, crueldade, vaidade excessiva, mentira, aversão por hábitos
familiares, astúcia, impulsividade, inveja, espírito vingativo, repúdio a qualquer forma de
educação, insensibilidade à dor, explosões de ira sem causa, tendência a tatuagem, cinismo,
preguiça excessiva, libertinagem e não é suscetível de remorsos.
c) Intelectualmente, quando sabe escrever, tem uma letra característica, assinatura adornada
de arabescos. Linguagem peculiar e uso frequente de arcaísmos.
Ponto fundamental da doutrina de Lombroso é o atavismo, que segundo Torraza
(1999), são as “características físicas correspondientes a estadios primitivos de la
evolución”2. Atavismo é o conjunto de caracteres indicativos de retrocesso evolucionário. São
resquícios do processo evolutivo e, segundo Lombroso, as pessoas portadoras de tais
caracteres teriam tendências de delinquir (itálico nosso).
No decorrer de seus estudos, Lombroso modificou várias vezes a sua teoria, partindo
da ideia de que o criminoso nato era um ser atávico, passando para a ideia de epilepsia, e por
fim, de loucura moral.
Em 18693, aproveitando-se do fato de ser médico do sistema penitenciário da Itália,
Lombroso teve a ideia de comparar os exames necroscópicos realizados em cadáveres,
traçando um paralelo entre o homem alienado, o homem pré-histórico, o homem selvagem e o
homem normal. Em 1870, teve a oportunidade de examinar o cadáver de Milanês Vilela, um
homem que já havia sido condenado três vezes por furtos e incêndios. Ao dissecar o cadáver
de Vilela, Lombroso deparou-se com um traço atávico: constatou que o crânio de Vilela tinha
a presença da fosseta occipital média, uma característica do homem primitivo. Diante deste
fato, Lombroso concluiu que havia uma relação entre o instinto sanguinário do criminoso e a
regressão atávica (COSTA, 2005; FARIAS JÚNIOR, 2005).
Ao lançar seu principal livro (1876), Lombroso classificava os delinquentes em quatro
tipos: nato; louco; por paixão; e por ocasião. Em decorrência dessa classificação, admitia
basicamente quatro hipóteses: a) o homem criminoso propriamente dito é nato; b) é idêntico
ao louco moral; c) apresenta base epiléptica; e d) por ser portador de um conjunto de
2
3
Características físicas correspondentes aos estágios primitivos da evolução. (Tradução nossa).
Lombroso estudava os delinquentes há mais de dez anos quando fez essa comparação.
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anomalias biológicas, constitui um tipo especial, chamado de tipo lombrosiano (FARIAS
JÚNIOR, 2005, p. 30).
Cesare Lombroso afirmava que os loucos natos são a maioria. Já nascem criminosos, e
as características genéticas anômalas são hereditárias. É portador de resquícios do homem
selvagem, é uma espécie de ser degenerado.
O criminoso louco, também chamado de alienado, louco moral e perverso
constitucional, é o criminoso portador de uma perturbação mental associada ao
comportamento delinquente. Atualmente é o que chamaríamos de psicopata e sociopata.
Lombroso (2007, p. 217) diz que eles são dominados por uma força irresistível, e “Desta
pervertida afetividade, deste ódio excessivo e sem causa, desta falta ou insuficiência de freios,
desta tendência hereditária múltipla deriva a irresistibilidade dos atos dos dementes morais”
O delinquente por paixão é vítima de um comportamento instável, humor exaltado e
sensibilidade exagerada, é nervoso e explosivo, o que por vezes o leva a cometer atos
criminosos e violentos.
Finalmente, o criminoso ocasional, também denominado primário, é o que comete um
delito por força de um conjunto de fatores exógenos, mas não tende à reincidência.
1.3 Enrico Ferri
Enrico Ferri (1856-1929) foi sociólogo e jurista. É considerado o sociólogo da Escola
Positivista e o criador da Sociologia Criminal e da Criminologia moderna.
Em 1887 apresentou o resultado de uma investigação na Universidade de Bolonha, seu
primeiro trabalho importante, onde sustentou a teoria sobre a inexistência do livre-arbítrio,
considerando que a pena não se impunha pela capacidade de autodeterminação da pessoa, e
sim pelo fato de ser ela membro da sociedade. Assim como Lombroso, Ferri adota a Teoria da
Defesa Social. Mais tarde, quando publica a terceira edição de sua “Sociologia Criminal”,
Ferri adere às ideias de Rafaele Garófalo e à contribuição de Lombroso no estudo da
Antropologia Criminal, criando assim o conteúdo da doutrina que se consubstanciou nos
princípios fundamentais da Escola Positiva: a Defesa Social (BITENCOURT, 2012, p. 104).
Apesar de seguir as orientações de Lombroso e Garófalo no que concerne à doutrina
da Defesa Social, deixando em segundo plano a função ressocializadora da pena, Enrico Ferri
assumiu uma postura diferente em relação à recuperação de criminosos, pois acreditava que a
maioria dos delinquentes era readaptável, contrariando assim as idéias de Lombroso e
Garófalo. Para Ferri, apenas os criminosos habituais seriam incorrigíveis, e mesmo assim, ele
ainda considerava a possível correção de uma pequena minoria dentro deste grupo.
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Ferri estabeleceu a “Lei da saturação criminal”, que pregava que “de la misma forma
que un líquido determinado sometido a un calor prefijado diluirá una cierta cantidad de
sustância (ni una molécula derramada más ni una menos), en ciertas condiciones sociales se
producirá un determinado número de delitos, ni uno más ni uno menos.4 (ESCOBAR, 1997,
p. 100, itálico no original).
Ele classificou as causas do delito em três fatores:
a) Fatores biológicos, também chamados de antropológicos, seriam a constituição orgânica,
psíquica e as características pessoais do indivíduo;
b) Fatores físicos seriam os fatores exógenos ao indivíduo, os fatores naturais, tais como o
meio ambiente, o clima, a umidade, etc.
c) Fatores sociais, como o costume, a família, a religião e o alcoolismo.
Com base na sua Lei da saturação criminal, Ferri defendia que se fossem desde logo
conhecidos tais fatores, poder-se-ia estabelecer com exatidão o número concreto de delitos
que seriam cometidos. Aqui é possível perceber certo exagero por parte do Autor.
A polêmica em voga na época da Escola Positivista residia em saber se o criminoso
nasce delinquente, ou se assim se faz no decorrer de sua vida. Ferri, juntamente com Garófalo
e Lombroso, acreditava na primeira hipótese.
Segundo Escobar (1997, p. 100), Ferri combatia a ideia clássica de pena como um
castigo, pregada por Beccaria e pela Escola Clássica, opondo a esta ideia a noção de pena
como “defesa social”, afirmando que os indivíduos são sempre responsáveis perante a
sociedade, sendo que a sanção penal é a reação social contra os delitos.
Para ele, a pena deve ser aplicada em razão da periculosidade dos criminosos, e sua
natureza e extensão devem ser determinadas com o objetivo de neutralizar esta
periculosidade, desaparecendo as considerações sobre culpabilidade (TORRAZA, 1999).
1.4 Rafaele Garófalo
Rafaele Garófalo (1852-1934) representa a vertente jurídica da Escola Positivista. Foi
ministro da Corte de Apelações de Nápoles e a sua doutrina partia da existência do criminoso
nato descrito por Lombroso. Ele achava que deveria existir um crime universal, que sempre
houvesse existido, em qualquer lugar e em qualquer época. Entendia que se provasse a
4
Da mesma forma que um certo líquido submetido a um calor pré-determinado diluirá uma certa quantidade de
uma substância (nenhuma molécula a mais, nenhuma a menos), sob certas condições sociais, produzirá um
número determinado de crimes, nem mais nem menos. (Tradução nossa)
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existência desse delito natural, a teoria do criminoso nato estaria provada (ESCOBAR, 1997,
p. 102).
Ele observou diversos grupos sociais de diferentes épocas, e percebeu que o conceito
de crime mudava de um povo para outro, da mesma forma que muda dentro de uma mesma
sociedade com o passar do tempo. Ou seja, ocorre a descriminalização de certas condutas
conforme as mudanças sociais.5 Garófalo então percebeu que mesmo o homicídio já havia
sido uma conduta socialmente aceita. Assim, se a morte de pessoas em determinados países e
sob certas circunstâncias não era delito, ele deu-se conta de que o crime natural não se
justificava.
Diante disso, passou a buscar pelos sentimentos indispensáveis para a convivência
social, que atuariam como “forças centrípetas”, unindo os indivíduos em uma sociedade, em
oposição às “forças centrífugas individuais”.
Não falou em patriotismo, pudor ou
religiosidade, visto que tais sentimentos, por sua própria natureza, mudam conforme a cultura.
Chegou à ideia de sintetizar os sentimentos altruístas, que são indispensáveis para a
convivência social, concluindo que a honestidade e a compaixão seriam os sentimentos
responsáveis por unir os indivíduos em sociedade (ESCOBAR, 1997, p. 102-03, itálico
nosso).
Com base nesses sentimentos, concluiu que o delito natural seria aquele que ofendesse
os sentimentos altruístas fundamentais de compaixão e honestidade de uma sociedade.
(ESCOBAR, 1997, p. 103).
Garófalo, assim como Lombroso (e os demais autores positivistas), foi influenciado
pelas ideias de Darwin e Spencer. A contribuição de Garófalo para a Escola Positivista foi
menos expressiva do que a contribuição de Ferri e Lombroso, mas mesmo assim, foi de
grande importância, principalmente pela sua definição de crime natural.
Pode-se dizer que ele foi o mais radical dos autores positivistas. Garófalo era cético
quanto à possibilidade de reabilitação do criminoso, e por esse motivo era defensor da pena de
morte como forma de defesa social contra os delinquentes.
Partindo das idéias Darwinianas, defendia o que chamaríamos de “seleção natural
social”, ou seja, a aplicação da pena de morte aos criminosos seria uma forma de excluir
aqueles que não tiveram capacidade de se adaptar ao convívio em sociedade, que seria o caso
dos criminosos natos.
É importante ressaltar que no tratante à política criminal, Garófalo entendia que os
criminosos deveriam ser classificados em dois tipos, e punidos conforme tal classificação. Os
5
Exemplo disso no Brasil foi a descriminalização do adultério.
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criminosos se dividiriam da seguinte forma: os que cometiam delitos legais e os que
cometiam delitos naturais. Os primeiros deveriam ser punidos com simples admoestação e
obrigação de reparar o dano, já os que cometessem delitos naturais seriam apenados com a
exclusão do meio social ou pena de morte (ESCOBAR, 1997, p. 103).
Torraza (1999), ao abordar o assunto, resume em uma tabela a classificação da política
criminal de Garófalo, achamos válida a transcrição da referida tabela como forma de melhor
demonstrar o pensamento do autor:
Sentimiento
Benevolencia
(grado = medio piedad)
Justicia
(grado medio = probidad)
Tipo delito
Grado de
sentimiento
Medidas penales
Contra la vida y la salud
Carecen
Escaso
Contra la propriedade
Carecen
Pena de muerte
Deportación y relegación
6
Torraza, ao sistematizar as ideias de Garófalo, nos mostra que apenas os delinquentes
considerados sem sentimento de compaixão e autores de delitos contra a vida ou a saúde é que
deveriam ser condenados à morte. Se contassem com tal sentimento, ainda que em escala
muito menor que a exigida pela sociedade, seriam deportados ou exilados, condenados a uma
pena que os afastasse daquela sociedade. Nos casos de crimes legais, sistematizados por
Torraza como os cometidos contra a propriedade, mesmo que o criminoso não tivesse nenhum
sentimento de honestidade, não seria condenado à pena de morte, e sim ao exílio.
Percebe-se aqui uma divergência na forma como os crimes legais deveriam ser
punidos. Seguimos o entendimento do primeiro autor, visto que pelo que se percebe ao
estudar a doutrina de Garófalo, ele tendia a diminuir a importância dos crimes que não eram
considerados legais, e, em contrapartida, exacerbava a importância dos delitos naturais.
Acreditamos que não há uma forma estática e determinada de se aferir se o indivíduo
possui estes sentimentos altruístas ou não, apenas pode-se pressupor, de acordo com suas
condutas, se detém ou não tais sentimentos. Ao seguir o pensamento de Garófalo, estar-se-ia,
inevitavelmente, adentrando o campo do subjetivismo, o que a história já nos mostrou que
pode ser perigoso.
6
Sentimento
Tipo de delito
Grau do sentimento
Medidas penais
Tradução nossa.
Benevolência
(grau = compaixão média)
Justiça
(grau médio = honestidade)
Contra a vida e a saúde
Contra a propriedade
Não têm
Pouco
Não têm
Pena de morte
Deportação e desprezo
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Na esteira da Teoria da Defesa Social, Garófalo afirma que a sociedade é um
organismo determinado a se defender de suas células cancerosas de duas formas: eliminandoas ou reeducando-as, sendo que quando não se é possível a reeducação, é necessário matá-las.
Partindo dessa premissa, ele não admitia a prisão perpétua, preferindo a pena de morte.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, é possível concluir que o positivismo criminológico teve grande
importância para o desenvolvimento da Criminologia, influenciando ainda sobremaneira os
estudos da Criminologia moderna, posto que algumas doutrinas desenvolvidas na Escola
Positivista Italiana ainda hoje são utilizadas, tais como a influência dos fatores externos no
cometimento de crimes e o fato, hoje provado pelos vários ramos da medicina, de que há sim
o criminoso nato, ainda que não da forma como concebiam os Positivistas. Essa figura do
criminoso nato na atualidade é vista sob a denominação de psicopata.
O psicopata é definido pela psiquiatria como o indivíduo incapaz de ter sentimentos
nobres, tais como o amor, a compaixão e o respeito pelos sentimentos alheios, e aqui
percebemos certa semelhança com a doutrina de Garófalo dos sentimentos altruístas.
Como não poderia deixar de ser, com o passar do tempo e o desenvolvimento das
ciências médicas, sociais e jurídicas, atualmente boa parte da doutrina do Positivismo
Criminológico está refutada, mas mesmo assim, inegável a contribuição desta Escola para a
Criminologia tal como concebemos hoje.
REFERÊNCIAS
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