1 Insurgências Latino-Americanas

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1 Insurgências Latino-Americanas
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Insurgências Latino-Americanas:
classe, etnia e território na Bolívia do século XXI
Hoyêdo Nunes Lins(*)
Resumo
A América Latina exibiu recentemente resultados eleitorais que sinalizam uma guinada à esquerda em
vários países. Na Bolívia, isso incluiu a inusitada vitória para a presidência de um indígena aymara
líder de cocaleros. O artigo lança um olhar interpretativo ao evento boliviano, descreve e discute as
principais medidas do novo governo, com as reações provocadas, e explora as dimensões de classe,
étnicas e territoriais dos decorrentes embates. Salientam-se os aspectos regionais das disputas, vistos
em sintonia com o histórico regionalismo existente no país, e perscrutam-se os seus vetores básicos.
Área: Brasil e América Latina no capitalismo contemporâneo
Introdução
O subcontinente latino-americano, a América do Sul em particular, tem freqüentado com
alguma assiduidade as manchetes internacionais. Num único mês, em dezembro de 2006, o jornal
Washington Post reconheceu que a América Latina “oscilou em direção à esquerda” (Bajak, 2006), o
diário britânico The Guardian dedicou editorial ao que chamou de “continente da esquerda”
(Continent..., 2006) e o The New York Times assinalou que o “plano para gasoduto sul-americano tem
ambições que vão além do gás” (Gould, 2006). Não há equívoco em afirmar que essas indicações
foram motivadas pela sucessão de eventos que, em Estados como Venezuela, Uruguai, Chile,
Nicarágua e Equador, entronizaram ou mantiveram no poder lideranças políticas manifestamente
comprometidas (ou que acenavam) com transformações, representando um incontornável
aprofundamento de tendência que já resultara em governos (que podem ser designados) de centroesquerda no Brasil e na Argentina. Nesse amplo processo cabe um realce especial à experiência da
Bolívia, pela incrustada simbologia e a aparente inflexão numa trajetória multissecular: por conta de
resultado eleitoral inédito naquelas latitudes andinas, tomou posse como Presidente da República, em
janeiro de 2006, um indígena da etnia aymara líder de plantadores de coca, Evo Morales.
O primeiro ano do governo Morales foi caracterizado por medidas de grande repercussão nos
planos externo e interno. A nacionalização do setor de hidrocarbonetos ocupou posição de proa nesses
movimentos e nos correspondentes reflexos. Todavia essa nacionalização integra leque muito mais
amplo de iniciativas, cujo objetivo principal seria transformar profundamente um país que figura entre
os mais pobres e desiguais, social e territorialmente falando, de toda a América Latina. Assim, as
(*)
Professor do Departamento de Ciências Econômicas e do Programa de Pós-graduação em Economia da UFSC.
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providências desse primeiro ano têm reverberado intensamente sobretudo no front interno, suscitando
embates estridentes e não raro dramáticos. Essas lutas ostentam conteúdo a um só tempo étnico, de
classe e territorial, o terceiro aspecto guardando sintonia com a marcada diferenciação regional que, em
vários sentidos, caracteriza o país. Tal diversidade sobressai nos fatores que fazem do regionalismo um
traço histórico da vida boliviana, termo aqui empregado para referir à ocorrência de “reivindicação
política de um grupo de pessoas identificado territorialmente contra um ou muitos mecanismos do
Estado” (Markusen, 1981:83), uma exigência via de regra motivada pela presença de disparidades
socioespaciais, como sugere Slater (1983).
As implicações domésticas das mudanças empreendidas pelo novo governo da Bolívia
constituem o principal foco de atenção neste artigo. Mas o texto também pretende, além de apresentar e
discutir essas mudanças, contextualizar a inusitada vitória eleitoral de um indígena para a presidência
desse país e abordar, com interpretação, os contrastes nas reações às medidas governamentais. O ponto
de partida é o reconhecimento do cenário em que se desenrolou o processo em questão. Depois
sistematizam-se os acontecimentos que levaram à vitória de Evo Morales, abordam-se as iniciativas do
seu governo, com as reações provocadas, salienta-se a proeminência da dimensão regional nos
decorrentes embates e apresentam-se os vetores da atual questão regional na Bolívia.
1. Um esboço da socioeconomia boliviana na aurora do século XXI
País sul-americano sem costa marítima, a Bolívia possui hoje cerca de 9 milhões de habitantes,
pouco menos de 2/3 dos quais vivendo em áreas urbanas. Em contexto de rápido crescimento da
urbanização, suas cidades com população superior a um milhão, Santa Cruz de la Sierra, capital do
Departamento de Santa Cruz, e La Paz, a capital administrativa do país, figuravam em 2004 como
locais de residência para 31% dos bolivianos (World..., 2006). As áreas rurais concentram boa parte
dos estratos ameríndios, que compreendem mais da metade da população total e exibem o quechua e o
aymara como grupos principais, conforme assinalado na Tabela 1 (que também informa sobre outros
aspectos populacionais).
A Tabela 1 fornece igualmente dados econômicos. O PIB boliviano de 2004 ficou pouco abaixo
de US$ 8,8 bilhões, com o setor de serviços participando com mais da metade, a agricultura com tãosomente 16% e a indústria de transformação (envolvendo atividades geralmente tradicionais e de
pequena escala) com meros 14%. A indústria como um todo registrou, todavia, 31%, refletindo o peso
dos setores de mineração (destacando-se o estanho) e de petróleo (extração e refino) e gás, os quais,
acompanhados da agroindústria, respondem pelo essencial das exportações, majoritariamente
endereçadas para Brasil, Colômbia e Estados Unidos. O quadro produtivo ganha contornos mais nítidos
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quando se observa o perfil das importações: em 2004, eloqüentes 79% disseram respeito a produtos
manufaturados; Argentina, Estados Unidos e Brasil alternam-se como principais origens das
mercadorias (Cunha, 2003).
Tabela 1 – Bolívia: indicadores socioeconômicos selecionados
Indicadores
População total (2004)
Aspectos
Populacionais
Taxa média anual de crescimento da população total (1990-2004)
População rural (2004)
Taxa média anual de crescimento da população rural (1990-2004)
População urbana (2004)
Taxa média anual de crescimento da população urbana (1990-2004)
Composição da população (%): ameríndio
mestiço
branco
outros
Aspectos
População dos principais povos originais/indígenas: quechua
Étnicos
aymara
(primeira
chiquitano
metade dos anos
guarani
2000)
mojeño
afro-boliviano
movima
guarayo
chiman
tacana
Valor
Produto Interno Composição (%): agricultura
Bruto (2004)
indústria
. indústria de transformação
Serviços
Valor das exportações
Composição das exportações (%): alimentos
matérias-primas agrícolas
combustíveis
minérios e metais
produtos manufaturados
Comércio
Valor das importações
Exterior
Composição das importações (%): alimentos
(2004)
matérias-primas agrícolas
combustíveis
minérios e metais
produtos manufaturados
Pobreza
População vivendo com menos de US$ 1,00 por dia (%)
(2002)
População vivendo com menos de US$ 2,00 por dia (%)
Índice de Des.
IDH (2001)
Posição no ranking do IDH em conjunto de 177 países (2005)
Humano
Números
9,0 milhões
2,1%
3,2 milhões
0,7%
5,8 milhões
3,1%
55%
27,5%
15%
2,5%
2.558,3 mil
2.098,3 mil
184,3 mil
133,4 mil
76,1 mil
22,0 mil
10,2 mil
9,9 mil
8,5 mil
7,1 mil
US$ 8.773 milhões
16%
31%
14%
54%
US$ 2.129 milhões
27%
2%
38%
19%
14%
US$ 1.842 milhões
12%
2%
7%
1%
79%
23,2%
42,2%
0,641
113º
Fontes: World Development Indicators (2006) para Aspectos Populacionais, PIB, Comércio Exterior e Pobreza; Pinto
(2006) para Aspectos Étnicos; Índice... (2004) para IDH em 2001; Human... (2005) para ranking do IDH em 2005
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Sobre a situação social cabe assinalar que, como mostra a referida tabela, 23,2% e 42,2% da
população boliviana viviam com menos de, respectivamente, US$ 1,00 e US$ 2,00 por dia em 2002,
sendo as mesmas percentagens para o conjunto de América Latina e Caribe iguais a 8,9% e 23,4%
(World..., 2006). Destaque-se ainda que a Bolívia exibia Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de
0,641 em 2001, número que ganha significado quando se observa, no Relatório do Desenvolvimento
Humano de 2005, que esse país ocupava o 113º lugar em conjunto de 177 países, à frente apenas de
Honduras, Guatemala e Haiti em toda a América Latina e o Caribe (Human..., 2005).
Entretanto, o território nacional está longe de ostentar uniformidade socioeconômica entre as
regiões. Sua divisão político-administrativa exibe nove departamentos (que possuem subdivisões em
várias escalas menores de gestão), dos quais apenas três – La Paz, Santa Cruz e Cochabamba –
concentravam em 2003 mais de 70% da população (Tabela 2). Esses departamentos são justamente os
de maior presença no PIB boliviano (somando quase ¾ do total), o valor do mais alto – Santa Cruz,
com US$ 2,5 bilhões – superando em 35 vezes o do mais baixo – Pando, com US$ 70,3 milhões. Em
termos de PIB per capita, a diferença entre as situações extremas era de 2,8 vezes, opondo Tarija, com
o indicador mais alto, a Potosí, com o mais baixo. Essa situação geral se reproduzia no IDH, conforme
os dados para 2001: Potosí, acompanhado de perto por Chuquisaca, aparece em situação muito
precária, e Santa Cruz, Tarija e Beni perfilam-se nas posições de maior destaque.
Tabela 2 – Bolívia: população, PIB e Índice de Desenvolvimento Humano por Departamento
Departamentos
Beni
Cochabamba
Chuquisaca
La Paz
Oruro
Pando
Potosi
Santa Cruz
Tarija
Bolívia
População
(2003)
390.997
1.596.096
581.739
2.544.814
425.826
60.984
758.337
2.231.019
434.035
9.023.847
PIB em US$ Mil
(2003)
280.845
1.427.637
403.004
2.038.441
419.021
70.321
367.129
2.492.433
583.721
8.082.552
PIB per capita em
US$ 1,00 (2003)
718
894
693
801
984
1.153
484
1.117
1.345
896
IDH
(2001)
0,639
0,627
0,563
0,631
0,618
0,624
0,514
0,689
0,641
0,641
Fonte: Estadísticas...(2006) para População e PIB; Índice... (2004) para IDH
Em La Paz, Cochabamba, Oruro e Chuquisaca, o ambiente andino se evidencia claramente em
aspectos paisagísticos e climáticos, por exemplo, embora com diferenciação entre os departamentos.
Cordilheiras, vales profundos e zonas altiplânicas, permitindo observar variedade de microclimas e
elementos da cobertura vegetal, marcam esses territórios, que igualmente abrigam os mais expressivos
contingentes populacionais de origem incaica da Bolívia, percentences às etnias quechua e aymara.
Essa conjugação de traços naturais, de um lado, e étnicos e sociais, de outro, é acompanhada por
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diversificação no âmbito da economia, como a Tabela 2 permite entrever. O Departamento de La Paz
tem importante presença nacional em atividades terciárias, mas também a produção de alimentos,
bebidas, fumo e têxtil-vestuarista goza de algum destaque, assim como a mineração (notadamente de
zinco) e o cultivo de coca, que em 2004 representou ¾ do valor da produção cocalera em escala
nacional1. No Departamento de Cochabamba, a produção reflete o que as suas características climáticas
e geográficas representam para a agricultura de grãos (trigo, milho) e de tubérculos, frutas e hortaliças,
assim como o cultivo de coca, que alcançou em 2004 pouco menos de ¼ do valor obtido no país. Mas
Cochabamba também registra uma indústria de transformação que responde por quase 25% do
respectivo produto nacional, com maior destaque para o refino de petróleo e a produção alimentar. Já
em Oruro, Potosí e Chuquisaca o quadro é distinto: os primeiros têm na extração mineral o seu carrochefe, Oruro sobretudo com zinco e estanho (o último representou quase ¾ da respectiva produção
nacional em 2004) e Potosí principalmente com zinco (quase 60% da produção total). Chuquisaca
possui no setor primário o elemento central da sua base produtiva, beneficiado pela presença de vales
de clima temperado e, na direção leste desde o ambiente andino, de zonas mais quentes e planas.
Pando, Beni, Santa Cruz e Tarija compõem grupo ainda mais diversificado. Nos dois primeiros
as terras são geralmente baixas e os climas são o tropical e o tropical úmido, observando-se (em Beni)
grandes planícies com pastagens e áreas de selva próprias da Bacia Amazônica, com vegetação densa,
malha hídrica volumosa, calor elevado e chuvas freqüentes. Santa Cruz e Tarija apresentam variedade
fisiográfica e climática, com ambientes andinos e sub-andinos, numerosos vales e, a leste e nordeste,
vastas planícies, o todo implicando diferentes altitudes e patamares de temperatura. Esses quatro
departamentos concentram populações indígenas das etnias chiquitano, guarani e mojeño, entre outras,
as mais numerosas no país depois das de origem incaica. Deve-se assinalar que os imigrantes europeus
e de outras procedências que se dirigiram à Bolívia fixaram-se principalmente em Santa Cruz e Tarija.
Em termos econômicos, Santa Cruz e Tarija ocupam posição de absoluta proeminência nesse
subconjunto, assim como em nível nacional. Tarija desponta pelas atividades ligadas ao binômio
petróleo-gás natural, que participam fortemente no PIB departamental e têm elevada presença em
escala de país, ainda que a indústria de alimentos, a agricultura e a pecuária bovina mereçam
referência. É Santa Cruz, todavia, que cintila mais (muito mais) forte, como denota a recorrente
magnitude dos números que lhe correspondem: o produto das suas atividades do setor primário
equivalia a 43% do respectivo PIB nacional em 2004 – destacando-se produtos agrícolas tanto
industriais (soja, cana de açúcar) como não industriais, além da pecuária; na indústria de transformação
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Os dados sobre a estrutura econômica dos departamentos foram obtidos em Estadísticas... (2006).
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a percentagem superava 35%, sobressaindo a produção de alimentos e o processamento de insumos
primários (protagonizados por um forte setor agroindustrial), assim como o refino de petróleo.
Normalmente superlativos, os dados não autorizam dúvida quanto à posição desse departamento: é de
longe a principal área econômica do país, tendo participado com 31% no total do PIB boliviano em
2003 (Tabela 2). Pando e Beni, em contrapartida, têm pequena expressão, não representando, em
conjunto, mais de 4,5% do PIB nacional. Suas atividades mais importantes são as primárias (pecuária);
na manufatura, a produção têxtil-vestuarista tem algum realce em Pando, o mesmo valendo para a
produção alimentar em Beni.
2. Crise, rebelião e indigenismo
A chegada ao poder de um indígena aymara pobre, líder de plantadores de coca e oriundo de
uma das áreas mais desfavorecidas e economicamente deprimidas do país, é indissociável dessa
estrutura sócio-territorial, crivada de desigualdades tão marcantes quanto perturbadoras. Contudo, o
abismo social e as clivagens espaciais são traços históricos desse país – como de toda a América Latina
(Odell, 1978) –, sem que jamais um resultado eleitoral como o de dezembro de 2005 tenha se
produzido anteriormente. De outra parte, frente à maioria dos países latino-americanos em que
candidatos acenando com mudanças chegaram ao poder recentemente, a Bolívia se particulariza por ter
eleito um indígena. Assim, o “fenômeno” Evo Morales há de ganhar luz se observado no marco da
configuração política que tomou forma nesse país nos últimos anos, moldada no curso de vigorosos
embates sobre problemas como pobreza e exclusão social e também envolvendo a defesa dos interesses
nacionais perante a cupidez do capital multinacional e a intervenção estrangeira.
Essa configuração política revela, nos anos 90 e 2000, o protagonismo do que se pode chamar
de forças “nacional-populares” (a expressão remete a importante livro de Zavaleta, 1986) tendo como
centro de gravidade não propriamente, ou principalmente, o poder sindical ou as estruturas partidárias
de esquerda, de enorme visibilidade na trajetória política do país. Na aurora do século XXI, “a grande
especificidade da região andina é (...) a questão indígena” (Lipietz, 2006:s/p), pois aqui, no período
recente, “o indigenismo se erige em força política revolucionária.” (Lipietz, 2004:s/p). Assim, para
Mignolo (2006:s/p), mais do que guinada à esquerda, a eleição de Evo Morales consignaria uma virada
“descolonial”: um “giro da esquerda na América do Sul sob a liderança política, intelectual e ideológica
dos movimentos indígenas (...)”, enfeixado nos processos de etnificação e indigenismo que
pesquisadores dos sistemas-mundo consideram tratar-se de contradições estruturais inerentes ao
capitalismo moderno (Dunaway, 2003).
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Tal quadro representou a culminância de processo marcado por numerosas mobilizações e
revoltas populares, especialmente em reação ao turbilhão neoliberal que marcou a América Latina nos
anos 80 e 90 (Weeks, 1995). Nesse período, combater a inflação com a liberalização do comércio
externo era palavra de ordem, tanto quanto a atração de investimentos do exterior. Porém os problemas
estruturais do país não arrefeceram, forçando o reconhecimento de que, apesar da obediência ao
receituário dos organismos internacionais, a Bolívia permanecia “muito pobre e (...) vulnerável a
choques externos” (Riches..., 1998:40). No mesmo período, com a multiplicação das demissões
(sobretudo na mineração, agravando o quadro de penúria no Altiplano), o cultivo de coca registrou
escalada dos contingentes envolvidos (Bader; Rodrigo, 1994), devido à ausência ou escassez de opções
comparáveis em termos de resultados. Todavia isso era acompanhado por intensificação da repressão
governamental ao cultivo, sob pressão dos Estados Unidos (Lemoine, 1995), resultando em conflitos
que não permitem surpresa com o verdadeiro “estado de sítio” então vivenciado no país.
O virulento repúdio às iniciativas de combate ao cultivo da coca perduraram no governo de
Hugo Banzer Suárez (eleito em 1997), quando a repressão à produção cocalera adquiriu os contornos
de uma verdadeira “guerra” pela erradicação (Bolivia..., 1998). Assim, na segunda metade do ano
2000, entre os insurgentes que bloqueavam estradas com barricadas e lutavam contra as forças de
segurança, em Cochabamba e Oruro, figuravam ruidosos plantadores de coca exigindo a preservação
de espaços para cultivo no Chapare, uma área a nordeste de Cochabamba tradicionalmente cocalera, e
o fim das iniciativas de extinção em Yungas, ao norte de La Paz (Like..., 2000). À frente da sublevação
perfilavam-se, no Chapare, Evo Morales, e no Altiplano Central, Felipe Quispe, este uma liderança
também aymara, defensor do “nacionalismo indigenista” (pertencente ao Movimiento Indigenista
Pachacutik) com projeto (radical) de substituição do sistema institucional existente por um Estado
Kollasuyo e a posterior reconstituição do antigo império inca (Tahuantinsuyo, abrangendo o norte da
Argentina, Puno, no Peru, e o norte do Chile).
Mas a questão da coca era só uma das que mobilizavam as forças “nacional-populares”.
Vinculada a ela, mas indo além do problema específico do combate ao cultivo, aparecia a crítica ao
envolvimento dos Estados Unidos nesse processo. Além disso, o período assistiu a insurgências sobre
questões locais particulares, a melhor ilustração das quais foi, talvez, “a guerra da água” travada no
primeiro semestre de 2000 em Cochabamba contra a concessão do serviço de fornecimento de água
potável a uma empresa estrangeira – a multinacional Bechtel, de origem estadunidense –, que operaria
com o nome de Águas del Tunari (To..., 2000). As tarifas de consumo de água elevaram-se
drasticamente (Water..., 2000), e a revolta popular forçou o recuo do governo. Mas o que realmente
impulsionava as demandas populares era o tema da pobreza: as reformas nada representaram de
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melhoria do quadro de exclusão social, e sequer o crescentes investimentos estrangeiros, privilegiando
os setores de petróleo e gás, geravam ganhos expressivos de empregos (Patience..., 2001). Desse modo,
principalmente no campo, a população permanecia “profundamente empobrecida e pobremente
educada mesmo após 17 anos de governo democrático e 15 anos de reformas estruturais sustentadas
pelo Banco Mundial e o FMI” (Inca..., 2000: 36). Lutar pelo cultivo da coca significava, portanto,
trombar com a orientação neoliberal e questionar o “imperialismo” e a globalização, pois o setor
cocalero simbolizava sobrevivência e também resistência cultural. No bojo desse processo, “[e]mergiu
(...) um movimento, mescla de esquerda rural e urbana, sindicalismo e etnia, capaz de articular um
discurso anti-neoliberal e anti-imperialista e incorporar uma visão étnico-cultural andina que interpela
outros setores empobrecidos e marginalizados da sociedade boliviana.” (Stefanoni, 2003: 59-60).
Daí que, de 2000 em diante, a Bolívia tenha experimentado uma ebulição política quase perene
ou, como prefere Burgos (2005), um “contra-poder permanente”. A alta-voltagem política transparece,
por exemplo, no fato de Gonzales Sánchez de Lozada, eleito presidente em 2002, ter renunciado em
2003 no calor do que ficou conhecido como “guerra do gás”. Essa expressão recobre diversos eventos e
lutas em torno do projeto de exportar gás natural para o México e a Califórnia através de gasoduto que
utilizaria o sistema portuário chileno (sendo o Chile um inimigo histórico da Bolívia desde a Guerra do
Pacífico, em 1879, que subtraiu a este país a sua saída para o oceano). Ora, desde pelo menos a
aprovação, em 1996, de lei sobre hidrocarbonetos que beneficiou amplamente empresas multinacionais
do setor, a questão do gás se apresentava extremamente sensível em termos políticos. As medidas agora
anunciadas desencadearam vigorosa oposição popular, à qual se interpôs uma igualmente exacerbada
força militar, resultando em marchas por todo o país em defesa da soberania econômica nacional. El
Alto, uma cidade contígua a La Paz com cerca de 900 mil habitantes, na maioria indígenas aymaras
pobres, virou o epicentro do conflito: após decretação de greve geral por diversas federações locais,
realizou-se em outubro de 2003 uma enorme e estridente marcha sobre La Paz; a evolução dos
acontecimentos representou perda de controle da situação e provocou a renúncia de Lozada.
Pouco tempo depois surgia um outro capítulo da “guerra da água”, na forma de forte rechaço à
privatização do serviço na área de La Paz e El Alto – a exploração fora concedida à empresa francesa
Suez–Lyonnaise des Eaux, operando como Aguas de Illimani. Iniciado no final de 2004, o movimento
popular para expulsar a empresa logrou atingir o seu intento no início de 2005 (Chávez, 2005),
tornando claro o peso adquirido por atores políticos que, no tocante à capital administrativa do país,
tinham sido forjados inclusive na contestação às ineficientes e corruptas gestões locais, cujas atuações
chegaram a estimular transferências de empresas para Santa Cruz de la Sierra (Local..., 1999).
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Foi nesse amplo caldo de insurgência que o partido de Evo Morales, Movimiento al Socialismo
(MAS), ganhou expressão como nova liderança política, paralelamente à deterioração das
representações político-partidárias tradicionais (Burgos, 2005). A expressão “nacionalismo plebeu”
(Stefanoni, 2003) passou a ostentar, assim, um expressivo sentido:
“Frente à desidentificação nacional neoliberal, o MAS emerge como um novo nacionalismo
plebeu que resignifica a luta nacional como uma luta pela terra e pelo território, e põe num
lugar destacado a defesa dos recursos naturais, cuja dinâmica dominou os enfrentamentos
sociais na Bolívia desde 2000, desde a guerra da água até a guerra do gás. É, ao mesmo
tempo, uma tentativa de articular uma multitude de sujeitos, organizações e movimentos sociais
em que nenhum setor é portador de privilégios ontológicos na construção das novas
identidades, pelo que as mesmas são resultado das lutas hegemônicas e articulatórias em curso.”
(Stefanoni, op.cit.: 66 – itálico no original).
Desse modo a posse do vice de Lozada, Carlos Mesa, para um mandato-tampão ocorreu em
atmosfera de movimentos sociais fortalecidos, tanto que os setores populares conseguiram impor
agenda política (“Agenda de Outubro”, de 2003) contemplando, além de um referendo sobre a
exportação de gás, uma nova lei sobre os hidrocarbonetos e a convocação de uma Assembléia
Constituinte (Chávez, 2005). Os impasses em torno desses compromissos – resultando em outra agenda
(“Agenda de Janeiro”, em 2005), na qual se exigia, previamente à Assembléia Constituinte, um
referendo sobre a autonomia dos departamentos e a eleição de governadores (Vacaflores R.; Lizárraga
A., 2005) – fizeram o governo se deparar em 2005 com intensas demonstrações populares sobre
questões de petróleo e gás e as demandas de autonomia do Departamento de Santa Cruz, secundado por
Tarija. Os protestos dos indígenas e trabalhadores em defesa dos interesses nacionais (como os do
Movimiento Indigenista Pachacutik e da Central Obrera Boliviana) se intensificaram ainda mais com a
aprovação de lei que, embora aumentando a taxação de petróleo e gás imposta às multinacionais e
aprofundando a intervenção do Estado no setor de energia, não impunha uma nacionalização sem
atenuantes, desacompanhada de indenização às empresas (Lemoine, 2005). O decorrente cenário de
bloqueios de estradas, isolando cidades, e de acirramento dos conflitos entre grupos pró-nacionalização
do petróleo e o gás (principalmente no Altiplano) e grupos interessados em liberalizar a exploração
(nos departamentos dotados desses recursos e também incrustados na classe política tradicional),
provocou a renúncia do próprio Carlos Mesa em junho de 2005. A administração do país ficou com o
presidente da Corte Suprema, que definiu calendário eleitoral para, em dezembro desse ano, escolher o
novo Presidente da República e integrantes do Congresso e conduziu o processo de convocação da
Assembléia Constituinte e do referendo sobre o aumento da autonomia departamental.
Nesse clima, Evo Morales, reconhecido por posições menos radicais do que as de Felipe Quispe
e seu Movimiento Indigenista Pachacutik – o que o faz ser alvo de corrosiva crítica do segundo,
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tornado um adversário ferrenho do MAS –, logrou alcançar a vitória na eleição presidencial. Contribuiu
para isso a sua disposição para fazer coalizões inter-étnicas e inter-classistas, envolvendo acordos entre
o movimento indigenista e demais segmentos da esquerda. Na base dessa conduta estaria o
entendimento de que só mediante composições e atitudes que conseguissem a adesão de estratos
médios da sociedade seria possível chegar ao poder pela via democrática (Lipietz, 2006); daí ter Evo
Morales obtido votação considerável (cerca de 30%) mesmo em Santa Cruz, reduto da mais forte
oposição ao seu governo. De toda maneira, o indigenismo é um eixo político essencial do MAS. Isso
quer dizer que, apesar da inclinação para coalizões, o partido exibe matriz comportamental que não se
distancia substancialmente do que se observa hoje em vários países latino-americanos, envolvendo a
reafirmação das raízes indígenas e a valorização da identidade cultural desses povos.
3. Ações e reações no novo governo
Tão logo empossado, Evo Morales anunciou medidas que repercutiram fortemente nos planos
externo e doméstico ao longo de 2006. Internacionalmente, reverberou sobretudo a espiral de
acontecimentos desencadeada pela nacionalização das atividades ligadas a petróleo e gás (envolvendo
até ocupação militar das instalações de empresas estrangeiras).
Na data simbólica de 1º de maio, anunciou-se que as atividades dessas empresas seriam
controladas pela estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) e que a divisão das
correspondentes receitas com o Estado sofreria drástica alteração; que a tributação sobre recursos
energéticos e o preço do gás exportado seriam aumentados; que funcionários da estatal Petroleo de
Venezuela S.A. seriam usados para vistoriar as operações locais das empresas estrangeiras e apoiar os
funcionários da YPFB; e que seriam expropriadas as unidades dessas empresas que recusassem os
novos termos de exploração. Especificamente em relação à Petrobras, ocorreu acusação de chantagem,
quando esta aventou cortar investimentos no país, e a informação de que seriam nomeados novos
diretores para a Petrobras Bolivia Refinación S.A., cujo controle acionário, como o de outras empresas
estrangeiras, passaria à YPFB. O corolário em relação à Petrobras foi a afirmação de Morales (na 4ª
Conferência de Cúpula União Européia–América Latina/Caribe, realizada em Viena) de que a empresa
não respeitava as regras bolivianas e, portanto, atuava ilegalmente no país. Esse encadeamento de tirar
o fôlego ocorreu no intervalo de meras duas semanas e chamou tanto a atenção que, nos Estados
Unidos, o Departamento de Estado acusou prontamente o impacto (Dávila, 2006). Ao final do período
de transição (6 meses), durante o qual houve a renegociação dos novos termos de exploração de
petróleo e gás com as empresas estrangeiras, outros contratos foram acordados – com ratificação pelo
11
Congresso no final de novembro –, representando para o Estado boliviano o aumento do “direito
proprietário” e da arrecadação tributária (Petrobras..., 2006).
No front interno, as fortes repercussões das ações do governo têm-se vinculado, além das
medidas sobre petróleo e gás – que afetam interesses empresariais nos departamentos envolvidos –,
principalmente à Assembléia Constituinte e ao referendo sobre autonomia departamental (temas
candentes da agenda política desde pelo menos o mandato-tampão de Carlos Mesa), assim como à
reforma agrária. A Assembléia Constituinte representa um pilar básico da pretendida reorientação da
vida nacional, ao lado da nacionalização dos hidrocarbonetos e da reforma agrária2. Consistindo em
demanda histórica do movimento indígena do Altiplano, a nova Carta Constitucional é vista por parte
da população como oportunidade para, entre outras coisas, suprimir do catolicismo o seu atual caráter
de religião oficial e incluir como oficiais, ao lado do espanhol, as línguas dos indígenas aymara e
quechua. O referendo sobre autonomia departamental constitui reivindicação sobretudo da elite
empresarial do Departamento de Santa Cruz, acompanhada pelas de Tarija, Pando e Beni. A
divergência de pontos de vista em relação a esse assunto é clara: são particularmente favoráveis à
autonomia os habitantes das áreas mais ricas, aparentemente seguidos por cidadãos católicos que vivem
em outros departamentos, mesmo mais pobres, e tendem a ser esmagadoramente contrárias as
comunidades indígenas do Altiplano.
Fortes tensões tendo como epicentro a Assembléia Constituinte e o referendo sobre autonomia,
com explosões de violência em diferentes lugares, fizeram-se notar e se acumularam desde os
primeiros movimentos do novo governo. Em relação à Assembléia, o foco dos atritos é o sistema de
votação a ser utilizado para a matéria constitucional. A Lei de Convocatória, aprovada pelo Congresso
Nacional para regulamentar a eleição dos constituintes, definiu que 2/3 dos votos representariam o
limite mínimo para aprovação dos artigos. Como na eleição dos constituintes os governistas não
conseguiram número suficiente à aprovação, desobrigando a negociação com os opositores, o governo
passou a reivindicar que, em vez de 2/3 dos votos, baste a maioria simples (50% mais 1). A recusa da
oposição paralisou os trabalhos durante vários meses desde a instalação da Assembléia em agosto. Em
relação ao referendo sobre autonomia, os governadores (chamados prefectos) oposicionistas defendiam
a validade de resultados específicos a cada departamento: ter-se-ia mais autonomia onde o “sim” saísse
vitorioso, respeitando-se as diferentes “vontades departamentais”. Para o governo central, deveria valer
o resultado agregado, com a “vontade nacional” sendo acatada em todos os departamentos. Em quatro
2
A reforma agrária efetuada no início dos anos 50 favoreceu camponeses necessitados, mas afetou sobretudo a porção
andina do país (Preston, 1978). Nas áreas baixas, principalmente em Santa Cruz, as décadas seguintes assistiram muito mais
à formação de grandes propriedades, o que em vários casos resultou em baixa utilização da terra e em especulação. A
reforma agrária contemplada por Evo Morales visa justamente essas terras.
12
deles – Santa Cruz, Pando, Beni e Tarija, que formam o que passou a ser chamado de “meia lua”, com
adjetivações exaltando a sua eficiência econômica e prosperidade – venceu o desejo de maior
autonomia, mas em nível de país a recusa obteve maioria (57,6%).
Com esse resultado, os oposicionistas ao governo cerraram fileiras em torno do sistema de
votação, pois tal problema passou a ser visto como interligado com o da autonomia. O referendo fora
idealizado para consulta à sociedade sobre a delegação, à Assembléia, da tarefa de definir regime de
autonomia departamental, e o resultado nacional negativo fez as lideranças dos departamentos onde
prevalece o desejo de mais autonomia considerarem que um sistema de votação por maioria simples
poderia resultar na exclusão do tema da pauta dos constituintes. Isso explica a multiplicação e
intensificação das manifestações, em resposta às quais o governo Morales tem acusado essas lideranças
(principalmente as de Santa Cruz) de xenófobas e de representarem ameaça à unidade nacional.
Os meses após a instalação da Assembléia Constituinte foram pontilhados de manifestações
tanto nas zonas mais favoráveis à autonomia quanto no Altiplano, esmagadoramente pró-Morales. Em
setembro, os departamentos da “meia lua” registraram paralisações de atividades e bloqueios de
estradas acompanhados de confrontos e agressões. A situação mostrou-se inquietante sobretudo em
Santa Cruz, principal bastião pró-autonomia e anti-Morales, mas onde o partido governista ganhou na
escolha dos constituintes, o que sugere fissuras consideráveis em nível local. Talvez o paroxismo da
contestação tenha ocorrido quando da realização, em Santa Cruz, da Expocruz, a principal feira de
negócios da Bolívia: em quatro décadas de realização, a Expocruz de 2006 foi a primeira em que se
deixou de convidar o presidente do país (Maisonnave, 2006a). A apresentação pelo governo de projeto
de reforma agrária prevendo assentamentos em áreas ocupadas por grandes fazendeiros de Santa Cruz,
e a aprovação pelos constituintes governistas, mesmo sem decisão sobre o sistema de votação, de que a
nova Carta seria “originária”, capaz de mudar toda a legislação vigente, adicionaram mais combustível
aos embates. O significado da segunda iniciativa transparece na medida tomada imediatamente pela
Corte Suprema de Justiça, afirmando em nota que a Assembléia Constituinte não pode ter poderes que
a coloquem acima das atuais instituições, devendo a Constituição ser, portanto, “derivada”, levando
necessariamente em conta a legislação em vigor. Ao mesmo tempo, os governadores da “meia lua”
ameaçaram desobedecer uma Constituição “originária” e, se o governo não reconsiderasse, promover
referendos locais sobre a possível separação dos seus territórios.
Em novembro, novos movimentos elevaram ainda mais a temperatura política e fizeram
recrudescer os conflitos. Um deles foi a apresentação ao Congresso de uma nova lei de terras prevendo
desapropriações só por medidas administrativas (sem possibilidade de recurso judicial) e inovando na
avaliação (pelo governo) do caráter produtivo/improdutivo da terra; em discordância, a oposição
13
retirou-se da respectiva sessão (Governo..., 2006). Aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto foi
enviado aos senadores, com desdobramentos que evoluíram para uma crise política: com maioria no
Senado, a oposição retirou a bancada do seu maior partido e travou o processo, uma atitude qualificada
por Evo Morales de “golpista” (Oposição..., 2006a). Esse projeto de lei goza de irrestrito apoio dos
indígenas do Altiplano, e estes, em face das dificuldades do governo no Senado, promoveram grandes
marchas rumo a Cochabamba e La Paz em defesa da aprovação, ao que produtores rurais e líderes
empresariais em geral responderam com manifestações e protestos em Cochabamba e em Santa Cruz.
Uma outra iniciativa governamental que provocou fortes reações foi o envio ao Congresso de projeto
de lei sobre a fiscalização dos governos departamentais por parte do Poder Legislativo, prevendo
censura que pode obrigar os governadores à renúncia e atribuindo ao presidente a decisão sobre a
manutenção dos governadores nos cargos (Morales..., 2006a). Porém o que mais contribuiu,
aparentemente, para a exacerbação do quadro conflituoso foi o sucesso do governo em conseguir a
aprovação do sistema de votação por maioria simples na Assembléia Constituinte, não obstante o que
dispunha a Lei de Convocatória. A conseqüência imediata foi o rompimento do diálogo dos
governadores de Santa Cruz, La Paz, Beni, Cochabamba, Tarija e Pando com o governo central
(Governadores..., 2006) e o início de uma greve de fome por constituintes e militantes de oposição.
A situação deteriorou-se ainda mais com a convocação, no final de novembro, de ações de
resistência civil e greve de fome por lideranças políticas de Santa Cruz (Oposição..., 2006b),
acompanhando o que políticos de oposição já realizavam em Sucre com o objetivo de forçar o recuo do
governo nas suas posições. Isso foi rapidamente seguido por iniciativas de lideranças em Beni, Pando,
La Paz, Oruro, Cochabamba e Tarija, indicando capacidade de articulação e mobilização das forças
oposicionistas mesmo fora das áreas mais ricas do país. Mas também o governo demonstrou habilidade
ao conseguir, por manobra que consistiu em assegurar a presença de um senador e dois suplentes de
oposição em sessão tardia do Senado, a aprovação da nova lei da reforma agrária; nessa mesma sessão
também se aprovou um acordo militar com a Venezuela e se ratificaram os novos contratos sobre a
exploração de petróleo e gás (Morales..., 2006b). Como a reforma afetará principalmente as terras dos
departamentos mais ricos, redutos da oposição, o arrefecimento das tensões é probabilidade quase nula,
como sugerem o ultimato e as ameaças de paralisação geral provenientes de organizações cívicas
desses departamentos (entre elas a influente Cámara Agropecuaria del Oriente – CAO, de Santa Cruz),
sob exigências de revisão das posições sobre a reforma agrária e o sistema de votação na Assembléia
Constituinte (Oposição..., 2006c). O próprio chefe do Exército afirmou trabalhar com a hipótese de
“enfrentamento de bolivianos” (Tensão..., 2006), uma visão que as brigas entre grevistas e militantes
do MAS em La Paz impunham considerar como muito plausível.
14
Na escalada dos confrontos, programou-se para meados de dezembro uma grande manifestação
em Santa Cruz com o propósito declarado, por parte das lideranças regionais, de anunciar por conta
própria uma maior autonomia em relação a La Paz, ou mesmo a “independência” dos departamentos
da “meia lua” (Oposição..., 2006d). O quanto o anúncio desse gigantesco encontro produziu impacto no
governo manifestou-se na exortação de Evo Morales às forças armadas para que, em caso de
necessidade, defendessem a integridade da nação. Em contexto de enfrentamentos entre opositores e
simpatizantes do governo, no interior do Departamento de Santa Cruz, que se traduziram em bloqueios
de estradas para impedir a chegada de oposicionistas em Santa Cruz de la Sierra – com apedrejamento
de veículos e vários feridos –, o evento exibiu expressões de franca recusa das orientações do governo
central. Santa Cruz abrigou a manifestação mais intensa e concorrida, mas também Tarija, Pando e
Beni realizaram simultâneas assembléias populares (ou cabildos, um termo herdado da colonização
hispânica). Vale assinalar que no prolongamento dos atritos na capital e no interior de Santa Cruz
(Amenazan..., 2006), em meio ao agravamento da crise política principalmente por conta do sistema de
votação na Assembléia Constituinte, as lideranças oposicionistas conclamaram a população a não
reconhecer a nova Constituição e o governador de Santa Cruz ameaçou criar o princípio de um Estado
de direito na sua jurisdição.
4. Classe, etnia e território: três dimensões dos conflitos
Como se vê, não apresenta poucas arestas a infante experiência boliviana. As que opõem
proprietários e trabalhadores, considerando-se entre os segundos os milhares que padecem da exclusão
social, são evidentes. A forte confrontação em torno da reforma agrária, por exemplo, não significa
outra coisa. Contudo as rusgas incluem até conflitos “intra-classe”: em outubro, no Altiplano – no
distrito mineiro de Huanuni, a mais de 4 mil metros de altura e distante cerca de 300 km de La Paz –,
mineiros integrantes de cooperativas privadas e trabalhadores da estatal Corporación Minera de
Bolivia, vinculados à Central Obrera de Bolivia e protagonistas de ácida oposição de esquerda ao
governo Morales, entraram em conflito aberto pelo controle de uma jazida de estanho; o saldo das
tentativas de assalto à mina pelos mineiros das cooperativas privadas foi de muitos mortos e feridos,
contabilizados em meio a críticas viscerais (oriundas de quase todos os quadrantes) ao comportamento
do governo central em relação à disputa (Mortos..., 2006).
Todavia, os embates possuem igualmente um forte conteúdo étnico, como captou Gott (2006)
ao situar a efervescência boliviana no “acerto de contas” hoje observado na América Latina entre os
descendentes dos povos originários e a elite proveniente da ocupação branca que dominou o
subcontinente durante séculos. É pleno de significado nesse sentido, por exemplo, o projeto de lei
15
objetivando legalizar a “justiça comunitária” apresentado por Morales no começo de janeiro de 2007:
autoridades indígenas e camponesas teriam as suas decisões, baseadas em normas próprias e
tradicionais, validadas publicamente e cumpridas obrigatoriamente nas comunidades, sem interferência
do Poder Judiciário (Maisonnave, 2007). No mesmo diapasão étnico, destaque-se a posição do
presidente do Comitê Cívico de Santa Cruz, na grande manifestação anti-Morales de meados de
dezembro, salientando que “o povo cruzenho não aceita que um só partido (...) pretenda a supremacia
de uma só etnia ou de um só setor (...)” (Bolivia..., 2006).
Mas as questões de classe e étnicas aparecem fortemente entrelaçadas com as de natureza
territorial, a ponto de ligar-se a esta última a dimensão que – com ou sem razão – mais se destaca no
atual contexto de conflitos. A imagem, de fato, é uma Bolívia cindida em duas grandes partes: uma
andina, mais pobre e com tradição indígena de origem incaica, fortemente nacionalista e adversária do
neoliberalismo; a outra principalmente vinculada às terras baixas, com atividades produtivas de
notáveis resultados econômicos em termos capitalistas e onde predomina o discurso da modernização e
da competitividade. No enorme evento realizado em dezembro contra o governo observavam-se,
notadamente nas ruas de Santa Cruz de la Sierra, slogans do tipo “faço parte de uma nova república” e,
grafada ao lado do mapa da “meia lua”, a indicação de que este é o “meu país” (Maisonnave, 2006b).
Uma justaposição entre questões de classe e de cunho territorial pode ser notada no torvelinho
motivado pelo projeto de reforma agrária do governo Morales. O bloqueio do respectivo projeto de lei
no Senado (posteriormente aprovado), impondo grandes dificuldades ao Poder Executivo, provocou a
imediata mobilização de grupos indígenas do Altiplano, na forma de rumorosas marchas para La Paz e
Cochabamba em defesa da reforma e do governo, ao que responderam produtores rurais e líderes
empresariais principalmente de Santa Cruz. Como se vê, aspectos de classe – despossuídos contra
proprietários, trabalhadores rurais contra patrões – e aspectos territoriais entreteceram-se, a Bolívia
andina e a Bolívia oriental, grosso modo, situando-se em pólos opostos e brandindo reivindicações
coerentes com tal posicionamento. Observe-se que, nas intervenções pró-reforma agrária dos grupos
altiplânicos, é possível detectar elementos regionalistas que remetem ao que disse Mariátegui (1979)
sobre o “novo regionalismo” peruano nas primeiras décadas do século XX: um regionalismo que, em
vez de simplesmente protesto contra a centralização administrativa, como observado em diferentes
realidades, é “uma expressão da consciência serrana e do sentimento andino” (p. 140).
Quanto à imbricação de questões étnicas e de natureza espacial, é útil evocar a interpretação da
atual crise boliviana manifestada pelo diretor da Fundação Terra, de La Paz (em entrevista a
Maisonnave, 2006c: A14). Na argumentação exposta, ocorre no Altiplano “uma radicalização étnica
por parte do primeiro governo indígena da história e, portanto, há um sentimento antielitista”. Em Santa
16
Cruz e nos outros departamentos da “meia lua”, há um forte sentimento “de que se trata de uma invasão
de índios [promovida] por um presidente anticruzenho. Santa Cruz se sente vítima do país” (ibid.). Essa
forma de representação estimulou em Santa Cruz a atuação de entidades como a conhecida por
Movimiento Nacional Camba de Liberación, ou Nación Camba3, que propugna a existência inclusive
histórica de uma outra nação na Bolívia, ao lado da andina, que é mais conhecida internacionalmente e
geralmente vista como sinônimo de “bolivianidade”: uma nação no oriente boliviano, com traços
próprios em variados sentidos (Mosqueira, 2003) e, portanto, merecedora, segundo o tal Movimiento,
de “soberania plena sobre sua economia, seu território e sua cultura.” (Quienes..., s/d).
A sensação de “vítima do país”, nutrindo a crença de que se é alvo dos tipos de opressão que
Markusen (1981) situa na base dos movimentos regionalistas, incidiu especialmente em Tarija quando
as lutas envolvendo a exploração e exportação de gás – capitaneadas pelos movimentos sociais do
Altiplano – ameaçaram os planos de desenvolvimento acalentados pelas lideranças locais. Como
assinalam Vacaflores R. e Lizárraga A. (2005), ao longo de décadas enraizou-se no imaginário local a
idéia de que Tarija era reiteradamente desconsiderada nas iniciativas governamentais de promoção do
desenvolvimento, geralmente mais focadas no eixo La Paz–Cochabamba–Santa Cruz. Essa percepção
de abandono, descaso que em diferentes países é apontado (mais ou menos justificadamente) entre as
razões dos problemas socioeconômicos regionais e das reações políticas locais ao quadro de
dificuldades (Mandel, 1963, por exemplo), teria modelado um “regionalismo tarijeno” que se
manifestou fortemente na mobilização a respeito do gás – cerca de 80% das reservas de gás descobertas
na Bolívia encontram-se nesse departamento. Assim, de algum modo, Tarija permitiria subscrever a
postulação de Roger (1979), de que as lutas regionais devem ser necessariamente vistas em relação
com o perfil territorial das forças produtivas e com as mudanças em tal perfil.
Entretanto, assim como ocorreu em Santa Cruz, procurou-se construir (e divulgar) em Tarija o
ideário de uma forte coesão interna em torno do objetivo de impulsionar o desenvolvimento com base
nos recursos naturais. Esse processo, cuja ponta de lança eram as elites políticas e empresariais e cujo
instrumento básico eram os Comitês Cívicos, implicou carimbar a Bolívia andina – quer dizer, em
primeiro lugar os movimentos sociais do Altiplano, e, de uma forma geral, os “colla” – com o rótulo de
adversária (quiçá inimiga) da região. A figura das “duas Bolívias” – uma próspera e moderna no
oriente versus uma outra decadente e tradicional no ocidente – e a da “meia lua” têm papel de realce
nessa estratégia, representando o deslocamento dos embates para o plano das relações inter-regionais,
3
“Camba” designava originalmente atores sociais do leste boliviano como indígenas, trabalhadores rurais e camponeses.
Com o tempo, passou a indicar identidade regional, sendo agora de uso generalizado. A sua contraparte é “colla”, aplicada
para indígenas andinos, inclusive para os que migraram do Altiplano para o oriente, a maioria pobre, habitando as periferias
urbanas de Santa Cruz e trabalhando para patrões “camba” em atividades de baixa remuneração (cf. Serrate, 2005).
17
dessa forma evitando (ou tentando evitar) o tema das disputas internas, inscrito no terreno da luta de
classes, sobre o excedente gerado localmente. O discurso que vocaliza essa “construção”, pretendendo
ser (ou ao menos assim parecer) “representativo de suas regiões e totalmente legítimo (...)” (Vacaflores
R.; Lizárraga A., 2005:25), joga com duas cartas principais. Uma é a da identidade – estratégica para
“produzir” o grupo, “impondo-lhe princípios de visão e de divisão comuns, portanto, uma visão única
da sua identidade, e uma visão idêntica da sua unidade” (Bourdieu, 2002:117) –, exaltando a “nação
camba” e, por contraste, apequenando os “colla”. A outra é a da performance econômica, como
observado nas palavras do presidente do Comitê Cívico de Santa Cruz, de que “há mais de quarenta
anos carregamos nas costas a economia da Bolívia” (Oposição..., 2006e:A13), um tipo de manifestação
que faz recordar a análise de Antonio Gramsci sobre as relações regionais na Itália, entre o Sul rural e
empobrecido e o Norte industrializado e rico: a propaganda burguesa difundida entre a população do
Norte só fazia repetir, entre outras coisas, que “o Sul é a bola de chumbo que impede progressos mais
rápidos no desenvolvimento (...) da Itália (...)” (Gramsci, 1987: 39).
Ora, não é verdade que inexistem conflitos internos, seja nos departamentos orientais ou nos
ocidentais. As profundas desigualdades sociais historicamente existentes na Bolívia deveriam bastar
para dissipar quaisquer ilusões sobre o assunto e fazer ruir esse ângulo do discurso das elites da “meia
lua”. A rigor, segundo Vacaflores R. e Lizárraga A. (op. cit.), a consciência dos excluídos dos frutos do
progresso econômico nesses departamentos só faz crescer. Isso encorpa os embates com a classe
dominante local, principalmente via questionamento das iniciativas de instituições como os Comitês
Cívicos e, da mesma forma, pela avaliação crítica, por exemplo, da utilização das receitas geradas pela
exploração dos recursos naturais. Mobilizações e choques não estão ausentes desses antagonismos em
nível departamental, nos quais marca igualmente presença a manifestação de um “nacionalismo
popular” que se contrapõe à orientação pró-mercado dos estratos dominantes locais. Num certo sentido,
portanto, tais departamentos não deixam de se apresentar como microcosmos da totalidade do
panorama boliviano. “No nível regional os conflitos disputam o controle sobre o excedente, e através
de seus conceitos questionam o modelo de desenvolvimento, coincidentemente com os movimentos
sociais em nível nacional” (op. cit.:31). Com efeito, nas últimas décadas assistiu-se no leste
(particularmente em Santa Cruz) “à emergência de uma elite indígena à frente das municipalidades (...).
Esses poderes locais são tão contrários à hegemonia da sua capital regional (...) quanto esta é contrária
a La Paz. E [quase] todos os comerciantes, os transmissores de opinião, são aymaras vindos do
Altiplano.” (Lipietz, 2005: s/p). Há conflitos de interesses mesmo entre indígenas, pois grupos da
planície amazônica reclamam da vinda de camponeses aymaras do Altiplano para ocupar as terras
baixas (Lipietz, 2006). É sugestivo a esse respeito que, no turbilhão dos eventos dos últimos meses,
18
“representantes das três principais etnias indígenas dos departamentos (...) [orientais tenham divulgado]
uma nota pedindo a separação do país. Para os indígenas guarayos, guaranis e chiquitanos, ‘chegou o
momento de se levar adiante o processo de separação da Bolívia andina para dar lugar ao nascimento
de uma pátria nova’” (Agricultores..., 2006:A20).
De toda maneira, é fato que a dimensão territorial possui grande destaque no cenário de lutas do
país, reiterando a tese de que “a questão regional constitui uma constante na vida institucional da
Bolívia” (Dunkerley, 2005:14). Sendo assim, divisar os vetores do regionalismo no leste de um país
onde, hoje como historicamente, esse tipo de movimento conforma um aspecto de realce da vida
cotidiana, é empreitada que merece o esforço da tentativa.
5. Vetores do regionalismo no Leste da Bolívia
O terreno para se perscrutar a temática do regionalismo boliviano atual não pode ser outro senão
o histórico: a “finalidade da história, sua motivação profunda, não é a explicação da
contemporaneidade?” (Braudel, 1998:575). Tendo em vista que a questão específica é o regionalismo,
essa história há de se entremear com a geografia, impondo o campo da geohistória. Para o que interessa
ao artigo, essa história refere-se, antes de tudo, a país incrustado em imenso território que durante
séculos pertenceu ao Império Espanhol e que conquistou a independência nas primeiras décadas do
século XIX após encarniçadas disputas. Tem igualmente a ver com percurso republicano marcado por
evidente herança colonial, parecendo conter distintas histórias regionais nem sempre bem articuladas
entre si, algo intimamente ligado, entre outras coisas, às formas assumidas pela ocupação, com suas
lógicas, às dificuldades impostas pelo meio físico, às ações (ou a sua falta) dos governos centrais e às
trajetórias das diferentes estruturas produtivas territorializadas.
A seguinte frase de Mariátegui (1979:11) sintetiza a motivação espanhola essencial no
povoamento das terras americanas, sugere o impacto disso sobre as bases anteriores e encaminha o
entendimento do perfil socioespacial resultante: “[a] mineração – atividade fundamental do regime
econômico implantado pela Espanha em território sobre o qual prosperou antes uma sociedade genuína
e tipicamente agrária – exigiu que se estabelecessem na serra as bases da Colônia.” Essa “sociedade
genuína e tipicamente agrária” refere-se à incaica, cujo império amargou irrevogável derrota para a
coroa espanhola no bojo da expansão territorial exibida pela economia-mundo européia no século XVI
(Wallerstein, 1999). E a mineração dizia respeito, tanto na atual Bolívia como em outras partes da
América hispânica (México, principalmente), sobretudo à prata, crucial para sustentar as compras
espanholas no Extremo-Oriente e para bancar as guerras do império (enriquecendo por meio disso os
banqueiros genoveses). É assim que, em 1545, funda-se Potosí, cujo significado é engrandecido na
19
eloqüência de Galeano (1978:34), quando este diz que nesse período a América era “uma boca de mina
centrada, sobretudo, em Potosí”, condição ostentada praticamente até o seu declínio, no século XVIII.
Não é à toa que em 1550 um Vice-Reino foi instalado na região, com sede em Lima (outrora Ciudad de
los Reyes), cidade fundada em 1535 por espanhóis.
Esse tipo de origem marcaria toda a vida colonial dessa porção da América do Sul. Por
conseguinte, modelaria o seu território, pois eram as necessidades do setor mineiro que organizavam
espacialmente a região. De fato, a atividade mineira mobilizava a produção de alimentos e ativava
fluxos comerciais que se desdobravam sobre espaços mais ou menos próximos às minas, as redes de
vínculos do período incaico sendo plenamente utilizadas nesse processo. Era a região andina, portanto,
que aparecia realmente implicada: apesar das evidências de que Potosí era nutrida por um “vasto
sistema regional do qual participavam centros como Quito, Assunção, Tucumán, Buenos Aires e outros
(...)” (Mitre, 1985:131), foi em torno do eixo Potosí-Lima, quer dizer, no Altiplano e nos vales, que o
território se desenvolveu (Transformaciones..., 2003). O alastramento da ocupação refletiu as urgências
administrativas e políticas do Estado espanhol e geralmente se subordinou aos interesses do setor
minerador, sem alterar substancialmente o padrão espacial de “uma série de pequenos e médios centros
urbanos e mineiros em áreas de grandes alturas (...)” (García; Cordero; Izquierdo, 1987:242). Pode-se
dizer que, no essencial, esse padrão foi conservado após a independência, ocorrida em 1825.
As relações do oriente boliviano com esse mundo andino-mineiro mostraram-se quase sempre
rarefeitas. A ocupação da área pelos espanhóis remonta às expedições do início do século XVI,
motivadas pela busca de metais preciosos e realizadas a partir da exploração do Rio Paraná4. Fundada
em 1561, Santa Cruz de la Sierra erigiu-se em centro de apoio colonial às iniciativas enfeixadas nessa
busca, além de suporte às atividades militares destinadas a conter o avanço português. O século XVII
seria marcado por séries de expedições visando à conquista de terras aos índios, à conversão dos
nativos ao catolicismo e à sua utilização como mão-de-obra agrícola. Missões jesuíticas foram iniciadas
no final desse século e se cristalizaram em instalações cujas atividades tiveram grande destaque até
meados do século XVIII, quando declinaram dramaticamente. Essa história regional, que em muitos
sentidos não é senão um aspecto da evolução do capitalismo mundial – tanto quanto a da Bolívia
andino-mineira –, cruzou-se pouco, ao que parece, com a história da Bolívia ocidental. As distâncias e
as dificuldades de comunicação impostas pelas condições de transporte, somadas ao peso avassalador
da economia mineira na estrutura social e produtiva do país, com o poder nacional revelando-se
persistentemente concentrado nas mãos da oligarquia mineira, encontram-se entre as principais razões.
4
Essas notas sobre a história do oriente boliviano baseiam-se em Mosquera (2003).
20
Por extensão, essas razões figuram na base da débil coesão interna da Bolívia, um país desde
sempre reconhecido como escassamente unificado. Assinale-se que as carências nas comunicações
prolongaram-se depois da independência, atravessaram o século XIX e permaneceram até meados do
século XX, figurando no centro de movimentos regionais em Santa Cruz na virada para o século XX e
nas primeiras décadas deste. O contexto desses movimentos incluía os obstáculos enfrentados pelos
produtores locais para alcançar mercados na região andina, determinando uma situação agravada pela
concorrência estrangeira, que se intensificou com a política liberalizante do governo central instituída
para favorecer o setor minerador. Frente a essa situação, grupos do oriente boliviano multiplicaram as
reivindicações por infra-estrutura (estrada de ferro), o que se traduziu em comités pro-ferrocarril e
resultou na inclusão de luchas por el ferrocarril em programas de partidos políticos (Ostria, 1987).
Assim, ao mesmo tempo em que a independência arrancada da Espanha criava um Estado
autônomo, circunscrevendo o Alto Peru com fronteiras nacionais, na prática o caráter fortemente
centralizado dos sucessivos governos nacionais era reiteradamente confrontado por uma difícil unidade
nacional (Dozer, 1966). Sinônimo de grande instabilidade política, esse problema perpassou o período
de dominação caudilhesca, no século XIX, e adentrou amplamente o século XX. Vale conjecturar, de
todo modo, que esse traço da vida boliviana tenha perdido um pouco da sua nitidez no período da
Guerra do Pacífico (contra o Chile, entre 1879 e 1883) e, possivelmente com mais força (a se acreditar
em Rivarola, 1952), durante a Guerra do Chaco (travada entre 1932 e 1935 contra o Paraguai), dois
conflitos em que a Bolívia perdeu partes importantes do seu território (como também ocorreu em
relação ao Acre, perdido para o Brasil em 1903) e que certamente avivaram, ao menos
temporariamente, o sentimento nacional na população como um todo.
No início da segunda metade do século XX a mineração, agora implicando principalmente o
estanho (tornado o maior responsável pelas receitas de exportação bolivianas), seguia perfilando-se
como fonte essencial da riqueza do país. Todavia o oriente não mais padecia da condição de
protagonista secundário. O problema das comunicações fora enfrentado com a construção da rodovia
Cochabamba–Santa Cruz, concluída em 1954. Resultado: “pela primeira vez na história boliviana as
terras agriculturáveis potencialmente produtoras de excedentes nas terras baixas foram conectadas com
os centros populacionais do Altiplano por transporte motorizado durante todo o ano.” (Encyclopedia...,
1963:879). Ao mesmo tempo, a reforma agrária introduzida a reboque da Revolução de 1952 – fruto da
chegada ao poder do Movimiento Nacionalista Revolucionário (MNR), com programa de
nacionalização das minas de estanho, reforma agrária e melhoria das condições gerais dos
trabalhadores – estimulava migrações em massa desde o Altiplano para as terras baixas do oriente,
onde os proprietários fundiários mantiveram as grandes dimensões de suas propriedades e, com auxílio
21
inclusive estrangeiro (dos Estados Unidos), além da simpatia dos governos militares posteriores à
queda do MNR, desenvolveram uma agricultura comercial de grande escala (Gill, 1985).
Assim, se durante a primeira metade daquele século o crescimento de Santa Cruz foi ínfimo, nas
últimas décadas a trajetória percorrida mostrou-se nada menos que notável. As atividades vinculadas
aos hidrocarbonetos, desenvolvidas em grande medida por empresas transnacionais cujos interesses
praticamente se confundem com os proveitos defendidos pelas elites econômicas regionais, e tornadas
fontes de importantes receitas para os departamentos diretamente envolvidos (Santa Cruz, Tarija),
tonificaram ainda mais as estruturas econômicas da área e contribuíram decisivamente para o
desempenho observado.
As atuais iniciativas em defesa da autonomia no oriente boliviano devem, assim, ser colocadas
em perspectiva. Como assinala Serrate (2005), sua intensificação decorre da combinação entre a
prolongada condição de “distanciamento” vis-à-vis aos principais processos políticos e econômicos
nacionais e um crescimento econômico fortemente baseado em recursos regionais (condições de clima
e de solo e subsolo, substratos da agroindústria e do binômio petróleo-gás), com pano de fundo de
tênues interações com o resto do país. A forte presença de capitais estrangeiros nos setores chaves
certamente contribuiu para isso, mostrando-se a Bolívia, nesse aspecto, como ilustração de uma das
características da América Latina no século XX: a presença do capital transnacional freqüentemente
rimou com desintegração nacional, social e espacialmente falando (Sunkel, 1973). Adicionando-se a
esse quadro os elementos relativos às particularidades culturais e à força adquirida por uma “elite de
patrões” (Serrate, op. cit.), muitos deles grandes proprietários com vínculos internacionais de diferentes
naturezas, tem-se como resultado um arraigado sentido de defesa e busca de autonomia econômica e
política, conformando tendência que Pittari (1989) provavelmente incluiria no “novo regionalismo”
detectado no país nas últimas décadas. O fortalecimento do setor de hidrocarbonetos desempenhou um
importante papel nesse processo, pois com a expansão das atividades ligadas ao petróleo e com o boom
do gás, o poder econômico e político local obteve um novo e vigoroso impulso. O ambiente dessa
mistura de fatores funcionou como cadinho para ebulições autonomistas quando os movimentos sociais
do Altiplano foram às ruas e deflagraram violentas manifestações pela nacionalização efetiva do setor
de hidrocarbonetos, durante a guerra do gás, e quando o governo de Evo Morales implementou
medidas (reforma agrária, interferência na forma de votação na Assembléia Constituinte) avaliadas
como ameaçadoras aos interesses econômicos regionais.
Mas também o histórico de frustrações acerca da descentralização administrativa e política em
escala de país não é estranho ao fervilhar autonomista atual. Segundo Roca (2005), o século XX
registrou pelo menos duas importantes tentativas nesse sentido: uma em 1931, quando um referendo
22
encaminhou reforma constitucional prevendo tal descentralização, depois suprimida (em 1938) pelo
Presidente da República recém-eleito; a outra em 1993, com a Lei de Descentralização, cujo conteúdo
acabou desvirtuado pela Lei de Participação Popular, que prevê a transferência de fundos nacionais
para os municípios, mas sem outorgar-lhes efetivas funções governamentais. Esta foi acompanhada
pela Lei de Descentralização Administrativa, atribuindo o poder executivo departamental a Prefectos
(nomeados e demitidos só pelo Presidente, algo depois alterado com a introdução de eleições
departamentais) e a Consejos Departamentales. Tudo isso não deixou de ter conseqüências.
“O reiterado e secular escamoteio da descentralização teve seu trágico desenlace em outubro de
2003, quando se abriram as portas de uma nova era política no país. A partir de então, as
posições se tornaram mais radicais com a demanda, originada em Santa Cruz, de um regime
departamental autônomo, o qual é visto com desconfiança no resto do país. Isso, por sua vez,
desencadeou uma reedição da pugna regional, agora polarizada entre Santa Cruz, cabeça do
Oriente, e La Paz (...), hoje convertida em cidade insígnia da macrorregião andina já conhecida
como ‘Ocidente’.” (Roca, op. cit.:274)
Considerações Finais
Como outros países sul-americanos, a Bolívia registrou recentemente excitação política com
inegáveis ingredientes étnicos e um destacado protagonismo de forças “nacional-populares”. O sucesso
eleitoral do cocalero aymara Evo Morales é indissociável dessa escalada, ela própria incompreensível
sem referência à crise das tradicionais representações partidárias e aos desdobramentos das reformas
neoliberais dos anos 80 e 90. Embalado por vaga contestatória, o novo governo adotou medidas de
intensa repercussão, sobressaindo a nacionalização dos setores de petróleo e gás e a reforma agrária,
além das ações relativas ao funcionamento da instalada Assembléia Constituinte. Em país onde a débil
coesão socioespacial retrata as dificuldades impostas por configurações econômicas e políticas sempre
desafiadoras à uniformização das aspirações e iniciativas em nível nacional, além de refletir o peso de
interesses externos seduzidos pelos recursos naturais, essas medidas desencadearam ou acentuaram
embates com proeminente dimensão territorial.
O atual surto de clamores autonomistas no leste boliviano repousa nessa complexa coexistência
de fatores, espelhando a percepção (e nutrindo o discurso) das lideranças político-empresariais sobre o
que lhes pode reservar um governo comprometido com os movimentos sociais do Altiplano,
profundamente questionadores da modernização neoliberal. Assim, essas reivindicações de autonomia
podem ser interpretadas como respostas à ascensão de um indigenismo andino – impondo demandas e
tentando fazer valer direitos – que Quijano (1992:76) haveria de associar ao que vê como “processo de
reoriginalização da América, com (...) implicações sobre o poder, a sociedade e a cultura.” Ao mesmo
tempo, as exigências ressoam o estreitamento dos vínculos entre instâncias regionais e a economia
23
mundial, na esteira da grande afluência de investimentos externos para o setor de hidrocarbonetos e da
descoberta de imensas reservas de gás, um processo em que “as fronteiras entre Estado e mercado e
entre o central e o local no interior do Estado [sofreram mudanças, representando base sobre a qual] se
começou a reconfigurar a geografia nacional, e novas regiões (...) adquiriram importância estratégica
no desenvolvimento nacional” (Transformaciones..., 2003:11). Essa nova condição do oriente boliviano
evidentemente encorajou e tonificou os movimentos conduzidos pelas lideranças regionais na áspera
interlocução com o governo Morales e na polarização com os movimentos sociais altiplânicos.
Sugestivo sobre a história e a situação atual da América Latina, o cenário boliviano reproduz
tipo de choque que pontua o capitalismo histórico: entre forças de integração sem atenuantes ao
processo de acumulação em nível mundial e forças de preservação da identidade e de interesses locais.
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