Metástase cerebral de melanoma com localiza~ao

Transcrição

Metástase cerebral de melanoma com localiza~ao
Metástase cerebral de melanoma com localiza~ao excepcional
R. Pereirinha; J. Pimentel* e J. Lobo Antunes
Servic;:o de Neurocirurgía. *Laboratorio de Neuropatología / Servic;:o de Neurología. Hospital de Santa María. Lisboa
Resumo
nar e metastisa~ao para o sistema nervoso central com 10caliza~ao excepcional. A raridade deste caso justifica a
sua publica~ao.
Os autores descrevem o caso de urna doente com
história prévia de melanoma maligno, que apresentou
um quadro de febre, cefaleias, astenia, desiquilibrio e
Caso clinico
Documento descargado de http://www.revistaneurocirugia.com el 01/10/2016. Copia para uso personal, se prohíbe la transmisión de este documento por cualquier m
altera~oes do comportamento, cuja tomografia axial
computorizada cranioencefálica revelou hidrocefalia
M.A.S.R.P., sexo feminino, 46 anos de idade. Em Noactiva devido a urna lesao no 3.° ventrículo sugestiva
vembro de 1990 é-Ihe removida urna lesao tumoral axilar
de um quisto coloide. A lesao foi removida por via
esquerda. O exame histológico revelou metástase de melatranscalosa e o exame microscópico revelou tratarse de
noma. Em Janeiro de 1991 come~a a referir cefaleias, anourna metástase de melanoma.
rexia, astenia, desequilibrio e hipertermia. Dez dias depois
Discutem-se os aspectos epidemiológicos, clínicos e
surge com um quadro confusional e altera~6es do comporterapeuticos desta afec~ao, destacando-se a localiza~ao
tamento pelo que recorreu ao Hospital de Santa Maria onexcepcional no caso descrito.
de ficou internada.
Dos antecedentes pessoais há a referir urna opera~ao
PALAVRAS CHAVES: Melanoma, Metastase cerebral,
ao «bócio» 18 anos antes, e a exerese de um «sinal» na re3.° Ventrículo.
giao dorsal 2 anos antes, o qual nao foi examinado microscopicamente.
Summary
A doente estava sub-febril nao apresentando no entanto
outras
altera~6es no exame físico geral. O exame neurolóWe report the case of a patient with a previous bisdesorienta~ao temporo-espacial, apresentando
gico
revelou
tory of melanoma who presented with a picture of ferigidez
da
nuca
e estase papilar bilateral. A tomografia
ver, headache, asthenia, unbalance and behaviour abaxial
computorizada
cranioencefálica (TAC) mostrou hinormalities. CT sean of head showed hydrocephalus
drocefalia
triventricular
e urna lesao espontaneamente hidue to a lesion in the 3rd ventricle quite similar to a
perdensa
do
3.°
ventriculo
(Fig. 1 e lA). O diagnóstico précolloid cyst. Microscopic examination revealed it 10 be
operatório
foi
de
possível
quisto
coloide do 3.° ventrículo.
metastatic melanoma.
Foi-lhe
colocada
urna
derivac;:ao
ventricular externa e
The epidemiological, clínical and therapeutic asno
dia
seguinte
feita
a
exérese
total
da massa por via
pects of this tumor are reviewed, emphasizing the most
transcalosa
(Fig.
lB).
Macroscopicamente
tratava-se de
unusuallocation of the lesion.
urna lesao avermelhada, com aspecto de um coágulo, mas
de consistencia elástica. O exame histológico da lesao reIntrodu~ao
velou tratar-se de urna metástase de melanoma (Fig. 2). A
pesquisa de células neoplásicas no liquido cefalorraquio melanoma cutaneo maligno é urna neoplasia cuja indiano (LCR) foi igualmente positiva para elementos de
cidencia aumentou na última década mais do que a de
melanoma melanótico. O pós-operatório imediato decoqualquer outra, a excep~ao do carcinoma do pulmao na
rreu
sem complica~6es.
3
mulher '- , constiuindo a terceira causa mais frequente de
A
investiga~ao feita para despiste de outras les6es memetástases cerebrais, a seguir ao carcinoma do pulmao e
tastáticas
foi negativa.
4
da mama • Trinta a 40% dos doentes com melanoma deDecidiu-se
iniciar quimioterapia intratecal, pelo que
senvolvem metastases e 75% dos doentes com metástases
foi
colocado
um
reservatório de Ommaya para adminis5
tem envolvimento intracranian0 •
tra~ao da terapeutica. Na sequencia desta manobra cirúrgiRecentemente tivemos oportunidade de tratar um caso
ca a doente desenvolveu urna infec~ao por Staphylococcus
de melanoma maligno cutaneo com dissemina~ao ganglio329
Metástase cerebral de melanoma com localizay1ío excepcional
Neurocirugía
Documento descargado de http://www.revistaneurocirugia.com el 01/10/2016. Copia para uso personal, se prohíbe la transmisión de este documento por cualquier m
Fig. 1 e 1A- Lesiio espontaneamente hiperdensa de contornos be/ll definidos, localizada no 3. o ventrículo, sem modifica(:iio com administra(:iio de contraste endovenoso. Hidrocefalia triventricular com sinais de actividade.
epidennidis. Um mes depois e em plena recupera9ao do
processo meníngeo, surgiu dificuldade respiratória aguda
acabando por falecer. Nao foi realizada autópsia.
Discussao
Como já foi sublinhado a frequencia de melanoma maligno nas últimas duas décadas tem aumentado substancialmente. A razao deste acréscimo tem sido atribuída a
um conjunto de factores que incluem novos estilos de vida
conducentes a uma maior exposi9ao aos raios ultravioletas, e a detec9ao mais precoce da doen9a.
Apesar da distribui9ao da neoplasia por sexos nao
apresentar diferen9as significativas, a incidencia de metástases cerebrais parece ser mais alta no sexo masculin06 •
Este facto deve-se provavelmente a maior frequencia de
melanoma primário na cabe9a, pesc090 e tronco no sexo
masculino e a maior propensao das lesoes primárias com
estas 10caliza90es para metastisarem no cérebr06 •
O intervalo de tempo entre o diagnóstico da lesao primária e o da metástase cerebral é muito variável, indo desde poucos meses até mais de uma década, sendo o intervalo médio de 30 meses 6 • No nosso doente este intervalo foi
sensivelmente menor - 24 meses.
Apesar do diagnóstico mais precoce e da melhoria da
taxa de sobrevida aos 5 anos, a mortalidade por melanoma
330
continua a aumentar e resulta principalmente do aparecimento de metástases sistémicas7 •
A forma como esta neoplasia metastisa bem como a
probabilidade de tal suceder tem sido objecto de várias investiga90es. Assim, tem sido sugerido que as metástases
cerebrais produzidas por tumores sólidos ocorrem numa
fase tardia da doen9a o que levanta a questao das lesoes
encefálicas derivarem de nódulos linfáticos ou de partirem
de metástases viscerais, ou seja, serem «metástases de metástases»g. Foi proposte que a metastisa9ao de tumores sólidos ocorreria a partir de um «local de generaliza9ao» inicial, tal como o nódulo linfático, de onde as células malignas proliferariam e se disseminariam por outros orgaos.
Este processo de rnetastiza9ao tem sido chamado de «metastisa9ao em cascata»g·9. Como consequencia, podem
ocorrer metástases após a rem09ao cirúrgica da lesao primária dado que o referido «local de generaliza9ao» persistiria intacto.
Se se aceitar que as metástases ocorrem por «metastisa9ao de metástases», a resse9ao profilática de nódulos
linfáticos ou de metástases viscerais deveria reduzir o risco de aparecimento de depósitos cerebrais secundários.
Pelo contrário, se estes derivam directamente da lesao primária, a referida resse9ao profilática das lesoes extracerebrais nao impediria a sua produ9ao. Decorre deste facto a
importancia de estabelecer a forma de metastisa9ao cere-
Metástase cerebral de melanoma com localiza~1io excepcional
Neurocirugía
Fig. 2- Tecido hemorrágico onde se observam células neoplásicas com abundante pigmento meliinico no respectivo citoplasma. Fontana-Masson XIOO.
Documento descargado de http://www.revistaneurocirugia.com el 01/10/2016. Copia para uso personal, se prohíbe la transmisión de este documento por cualquier m
Fig. lB- TAC pós-operatória mostrando exerese total do tumor e resolu(:iio da hidrocefalia.
brapO-l2. No nosso caso ela parece ter ocorrido a partir de
um nódulo linfático.
Por outro lado, a metastisa~ao cerebral nao representa necessariamente a etapa final na metastisa~ao em cascata, dado
poder porvir directamente de células do tumor prirnitivo l2 .
De acordo com a literatura, ambos os hernisférios cerebrais sao igualmente envolvidos, com predornínio do lobo frontal. Segue-se o cerebelo e espinhal medula13-14. A
localiza~ao do depósito secundário no nosso caso é excepcional, nao tendo sido encontrado na literatura revista relato de situa~ao semelhante. De facto, pela localiza~ao e
caracterísicas tomodensitométricas,- esta lesao simulava
um quisto coloide do 3.° ventrículo e só o exame histológico minucioso revelou a sua verdadeira natureza.
Estudos no rato demonstraram que injectando células
de várias linhagens de melanoma na carótida interna se
produziam metástases cerebrais. Verificou-se também que
os vários tipos celulares desenvolveram metástases em diferentes locais do cérebro do rato. Mais concretamente,
duas linhas celulares isoladas de metástases cerebrais produziram experimentalmente volumosas les6es parenquimatosas, enquanto que as isoladas de metástases do nódulo linfático induziam metástases sobretudo nas menínges,
plexo coroideu e ventrículosl 5• No nosso caso, parece provável que o depósito metastático se tivesse feito no plexo
coroideu do tecto do 3.° ventrículo.
A pesquisa de células neoplásicas no LCR é positiva
em cerca de 50% dos casos e a determina~ao da 5-desidrogenase láctica (LHD) pode ser útil para o diagnóstico,
desde que excluída etiologia infecciosa l6 . No caso presente, a pesquisa de células neoplásicas no LCR foi positiva,
identificando-se melanocitos melanóticos.
A ocorrencia de metástases cerebrais diminui a esperan~a de vida para 2 a 6 meses em média I7- 19 . No entanto, a
probabilidade de sobrevida aumenta se o doente for submetido a cirurgia, radioterapia e quimioterapia l4 . Para alguns a cirurgia estaria reservada apenas para as metástases
únicas sem evidencia de les6es sistémicas. Em nossa opiniao, doentes com metástases múltiplas podem por vezes
beneficiar de cirurgia, com clara melhoria da qualidade de
vida.
A radioterapia parece ser a terapeutica de escolha para
metástases múltiplas 6. Por outro lado, embora poucos
agentes quimioterapeuticos se tenham mostrado úteis, tem
sido utilizados a Dacarbazina e as Nitrosureias (Carmusina e Lomustina), com respostas positivas entre os 10 e
20% dos casos 20 , principalmente se se tratam de doentes
com metástases na pele, tecido celular subcutaneo, nódulos linfáticos e pulmao, locais que se associarn a melhores
taxas de sobrevida20 . Nao há, no entanto, referencia a remiss6es completas.
Jacquillat e col. 21-22 demonstraram que a nitrosureia fotemustina apresenta urna boa capacidade de passar a barreira hematoencefálica, revelando assim urna actividade
antitumoral superior aencontrada para as outras drogas.
Presentemente, é defendido por alguns autores que a
quimioterapia a ser utilizada deve ser administrada por via
intratectaF3. No entanto, esta forma de administra~ao necessita de ser avaliada mais cuidadosamente.
Terapeutica prometedora parece ser a imunoterapia activa pela vacina~ao dos doentes com células de rnelanoma
modificadas ou componentes celulares de rnelanoma puñ-
331
Metástase cerebral de melanoma com localiza<¡:lio excepcional
Neurocirugía
14. OREDSSON, S., INGVAR, C., STROMBLAD, G. AND JONSSON,
P-E: Palliative surgery for brain metastases of malignant melanoma. European Joumal of Surgical Oncology, 1990; 16: 451456.
15. SCHACKERT, G., PRICE, lE., ZHANG, R, BUCANE, C.D.,
ITOH, K. ANO FIDLER, I.J.: Regional growth of different human
melanomas as metatases in the brain nude mice. Am J Pathol,
Bibliografia
1990; 136: 95-102.
16. F'LEISHER, M., WASSERTROM, W.R, SCHOLD, S.C. ET AL.:
1. BALCH, C.M., HOUGHTON, A. E PETERS, L.: Cutaneous MeLactic dehydrogenase isoenzymes in the cerebrospinal fluid of
lanoma. In De Vita, VT, Hellman, S and Rosenberg, SAo Principatients with systemic cancer. Cancer, 1981; 47 (11): 2654-9.
pIes and Pratice of Oncology 3rd edition. 1989; pp.: 1499-1542.
17. GOTTLIEB, J.A., FREI, E., LUCE, J.K: An evaluation of
2. LEE, J.A.H.: Melanoma and exposure to sunlight. Epidethe management of patients with cerebral metastases from mamiol. Rev. 4:110. 1982 (citado em Balch, C.M., Houghton, A. e
lignantmelanoma. Cancer, 1972; 29: 701-705.
Peters, L.: Cutaneous Melanoma. In De Vita, VT. Hellman, S
18. HILARIS, B.S., RABEN, M., CALABRESE, A.S., PHILLIPS,
and Rosemberg, SAo PrincipIes and Pratice of Oncology 3rd ediR.E, HENSCHKE, U.K: Value ofradiation therapy for distant metastases from malignant melanoma. Cancer, 1963; 16: 765-773.
tion. 1989; pp.: 1499-1542).
3. BREGA, K,
ROBINSON,
W.A.deAND
WINSTON, K: Surgical el 01/10/2016.
Documento
descargado
http://www.revistaneurocirugia.com
para uso personal,
prohíbe S.,
la transmisión
de este
documento
por cualquier m
STRIDSKLEV,
I.C., se
HAGEN,
KLEPP, O.:
Radiation
the19.Copia
Treatment of Brain Metastases in Malignant Melanoma. Cancer
rapy for brain metastases from malignant melanoma. Acta Ra1990; 66: 2105-2110.
diol. Oncol. 1984; 23: 231-235.
4. ZIMM, S., WAMPLER, G.L., STABLEIN, D., HAZRA, T.,
20. MUNDTH, E.D., GURALNICK, E.A., RAKER, J.W.: MaligYOUNG, H.F.: Intracerebral metatases in solid-tumor patients:
nant melanoma. A clinical study of 427 cases. An Surg. 1965;
Natural history and treatment. Cancer, 1981; 48: 384-394.
162: 15-28.
5. AMER, M.H., AL-SARRAF, M.K, BAKER, L.H., VAITKEVI21. JACQUILLAT, C., KHAYAT, D., BANZET, P., WEIT, M., FuMIS, V.K: Malignant melanoma and central nervous system meMOLEAU, P., AVRIL, F., NAMER, M., BOMETERRE, J., KERBEET, P.,
BONERANDI, J.J., BUGAT, R, MONTAUQUET, P., CUPISSOL, D.,
tatases. Cancer, 1977; 42: 660-667.
6. FELL, D.A., LEAVENS, M.E. C McBRIDE, C.M.: Surgical
LAUVIN, R, VILMER, c., PRACHE, c., BRIZZARI, lP.: Final report
versus Nonsurgical Management of Metastatic Melanoma of the
of the French Multicenter phase 11 study of the nitrosourea foteBrain. Neurosurgery, 1980; 7: 238-242.
mustina in 153 evaluable patients with disseminated malignant
7. AMER, A.H., AL-SARRET, M., BAKER, J.H., VAITKEVICIUS,
melanoma incluiding patients with cerebral metastases. Cancer,
U.K: Malignant melanoma and central nervous system metasta1990; 66: 1873-1878.
ses. Cancer, 1978; 42: 660-668.
22. JACQUILLAT, c., KHAYAT, D., BANZET, P., WEIL, M. ET
8. VIADANA, F., BROSS, I.DJ. AND PICKREN, J.W.: The meAL.: Chemotherapy by fotemustine in cerebral metastases of distastatic spread of cancers of the digestive system in mano Oncoseminated malignant melanoma. Cancer Chemother Pharmacol
logy, 1978; 35:114-126.
1990; 25: 263-266.
9. WEISS, L.: PrincipIes of Metastasis. Orlando, EL.: Acade23. WASSERSTROM, W.R, GLASS, J.P., PRONER, lP.: Diagnomic Press, 1985 (citado em Balch, C.M., Houghton, A. e Peters,
sis and treatment of leptomeningeal metastases from solid tuL.: Cutaneous Melanoma. In De Vita, VT, Hellman, S and Romors: Experience with 90 patients. Cancer 1982; 49 (4): 759-72.
senber, SAo PrincipIes and Practice of Oncology 3rd edition,
24. CASSEL, W.A., MURRAY, D.R., PHILLIPS, H.S.: A phase 11
1989; pp.: 1499-1542).
study on the postsurgical management of state 11 malignant me10. NICOLSON, G.L.: Organ specificity of tumor metastatic:
lanoma with a Wewcastle disease virus oncolysate. Cancer 1983;
role of preferential adhesion, invasion, and growth of malignant
52 (5): 856-60.
cells at specific secondary siles. Cancer M~tastasis Rev., 1988;
25. KiRKwOOD, J.M., ERNSTOFF, M.: Potential applications of
7: 143-188.
the interferons in oncology lesons drawn from studies of human
11. BRUNSON, KW., BEATTIE, G. AND NICOLSON, G.L.: Semelanoma. Semin Oncol1986; 13 (3): 48-56.
1ection and altered properties of brain colonizing metastatic melanoma. Nature (Lond.), 1978; 272: 543-545.
12. BALCH, C.M., MURAD, T.M., SOONG, S.J., OOALLS, A.L.,
RICHARDS, P.C., MADOX, W.A.: Tumor thickness as a guide to
surgical management of clinical Stage I melanoma patients. CanPereirinha, R.; Pimente1, J. e Lobo Antunes, J.: Metástase
cer, 1979; 43: 883-888.
cerebral de me1anoma com loca1iza¡;:ao excepcional. Neu13. DAVEY, P. AND O'BRIEN, P.: Disposition of Cerebral Metastases from Malignant Melanoma: Implications for Radiosurrocirugía 1993; 4: 329-332.
gery. Neurosurgery, 1991; 28: 8-15.
ficado. Estudos preliminares sugerem, pelo menos em alguns casos, que estes doentes tem urna sobrevida aumentada24-25. No entanto, sedío necessários estudos prospectivos, randomizados, para avaliar a verdadeira eficácia desta terapia.
332