contra-interrogatório KUBARK
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contra-interrogatório KUBARK
Trabalho Final Políticas Públicas Sul-Americanas Educação superior na América Latina; a mineração nas terras indígenas e as torturas durante as ditaduras militares na América Latina Prof. Dra. Andrea Paula dos Santos Oliveira Kamensky Alan Nunes de Oliveira Rocha Arianne Dórea Oliveira Camila Nascimento Silva Cristina Gomes Firmino Janaina Ibiapina Jéssica Lima Luciana Akemi São Bernardo do Campo 2016 RA 21033215 RA 11104514 RA 21015915 RA 21033611 RA 21074412 RA 21053712 RA 21012312 Escolha do tema e contextualização O processo de escolha do tema para o trabalho final levou em conta os conteúdos abordados ao longo da disciplina, sendo que três assuntos ‘principais’ foram escolhidos ao longo do quadrimestre. Inicialmente, optamos por analisar a questão do acesso à educação na América do Sul e Latina. Seguidamente, em função da visita e palestra da aluna da pósgraduação Jimena, tornou-se atrativa a temática de mineração em terras indígenas. Por fim, com as palestras realizadas a partir da parceria estabelecida junto ao Centro de Memória e Atualidades, decidimos tratar da prática de tortura e da importância de se realizar um resgate dessa memória para a conscientização geral das pessoas como um todo, uma vez que praticamente todos os países desta região foram assolados pelas atrocidades das ditaduras militares. Sendo assim, optamos por juntar os três temas no trabalho final, resultando num apanhado amplo de assuntos tratados e nos aprofundamos então, de forma mais intensa no último tema escolhido. Foram utilizadas diversas formas e fontes de pesquisa, com citações aos documentos utilizados, referências bibliográficas e links utilizados a partir da plataforma ‘Espiral’. Educação Superior na América Latina A condição periférica na qual encontram-se os países latino-americanos em relação aos processos globais de acumulação do capital torna-se componente fundamental à compreensão dos desafios regionais para a promoção das políticas de educação. A formulação e implantação destas políticas enfrenta os desafios estruturantes típicos dos estados neoliberais. Cabe ressaltar o papel multifacetado das políticas públicas relacionadas à educação, seja pela redução das desigualdades internas e externas ou mesmo pela integração dos países em múltiplas dimensões. Neste sentido, torna-se interessante a análise dos cenários do ensino superior de alguns países, destacando-se seu histórico recente e a formulação de políticas públicas de acesso e permanência. O Brasil, nos últimos quinze anos, iniciou um vigoroso processo de ampliação da oferta de vagas de ensino superior, tanto pela construção de novas instituições públicas de ensino e ampliação de instituições já existentes, quanto pelo financiamento estudantil do ensino superior privado. Uma das instituições criadas neste processo de ampliação, denominada Universidade Federal do ABC, apresenta em seu projeto pedagógico (2006, p. 5) o caráter de função social: A criação da UFABC está inserida num programa federal de expansão da Universidade pública que pretende promover a inclusão de segmentos sociais até agora ausentes ou com muito pouca participação, gerando condições para finalmente suprimir a herança maldita da escravidão e unir a sociedade brasileira. A UFABC está comprometida com ações voltadas para a inclusão social, que tenham por objetivo assegurar que todos os segmentos da sociedade estejam nela representados. Essas ações não se esgotam no âmbito do processo de admissão com sistema de cotas de recorte socioeconômico e racial (...) O processo pedagógico deve repudiar a postura elitizante em favor da integração social do estudante, levando-o a se debruçar sobre a História para compreender o mundo em que vivemos numa perspectiva pluralista. Há um notável desafio tanto no Brasil quanto na América Latina, no que diz respeito à implementação de políticas públicas para acesso ao ensino superior no que diz respeito ao ensino público e de qualidade. Já com relação ao ensino privado, Almeida nos mostra em sua pesquisa que o Programa Universidade para todos (PROUNI), vem sendo um dos mecanismos importantes para expandir o setor privado lucrativamente, buscando soluções para a “[...] estagnação decorrente do crescente número de vagas não preenchidas e uma demanda declinante de ingressantes ocasionada pela falta de condições financeiras para suportar o pagamento de mensalidades”. Portanto pode-se observar que mesmo representando um enorme avanço na busca por um acesso superior de qualidade, programas com o mesmo viés do PROUNI, possuem, em sua composição, contradições com as quais é preciso lidar: acesso à educação superior sem prezar a permanência estudantil é suficiente? Uma vez que grande parte dos jovens ingressantes de programas como esse, são oriundos de escola pública e também fazem parte de classes sociais menos abastadas. Há que se pensar então em políticas públicas que visem sanar tais contradições. Dois exemplos de países sul-americanos que tentam adotar políticas públicas voltadas a educação universitária visando a inclusão, são Argentina e Chile, a primeira através de ingresso sem necessidade de vestibular, já o caso do Chile a oferta de ensino superior voltou a ser gratuito, através de subsídio proveniente dos cofres públicos, com previsão de se tornar 100% nos próximos anos. Em 2015, o Senado Argentino sancionou a reforma da Lei 24.521 de Educação Superior, o que significou o acesso livre e irrestrito as Universidades Públicas do país. Esse projeto de lei tramitou cerca de 20 anos antes de ser sancionada pelos senadores. Inicialmente, tal lei continha viés neoliberal de ‘tecnificação” e ampliação da mão de obra disponível, mas através das mudanças impostas durante os anos, o principal ponto tratado na reforma foi a gratuidade e acesso livre a essas universidades. Entre as inovações prevista na lei, estão a proibição dos Estados acordarem ou criarem convênios com outros Estados, instituições e organizações públicas ou privadas, nacionais e internacionais, de modo que envolva a educação como um serviço de oferta lucrativa com finalidade de incentivar formas de mercantilização. No artigo 28, item e) é descrito “e) estender seus serviços de ação para comunidade, a fim de contribuir para o seu desenvolvimento e transformação, estudando em particular os problemas nacionais e regionais e a prestação de assistência técnica e científica para o Estado e a comunidade.” (SOARES; SILVA, 2015) No projeto de lei, as únicas restrições a regra do acesso livre estão para pessoas com 25 anos ou mais, que possuem a possibilidade de acessar uma universidade sem ter concluído o nível intermediário ou médio, porém o ingresso se torna condicionado a escolha das cidades por comprovação de aptidões e conhecimentos para ingresso e permanência. No caso do Chile, o processo de ensino 100% está vinculado a um projeto de lei do executivo, que entre vários pontos propõe criação de uma subsecretaria, uma superintendência e um conselho para a qualidade do setor. O sistema sofreu dura transformação durante o regime ditatorial de Augusto Pinochet, o qual retirou do Estado a responsabilidade de fornecer o direito social como da educação. Essa medida criou um processo de instalação de um sistema de ensino privado desregulamentado e mesmo após a redemocratização do país, em 1990, o mecanismo não sofreu reformulação, permitindo cada vez mais o aumento das mensalidades dos cursos oferecidos no Chile. O projeto, então, criado visava para 2016 através do Sistema Único de Admissão, analógo ao Sisu, 70% dos estudantes admitidos, tendo acesso a um estudo gratuito. O acesso à gratuidade, no momento, é destinado a 50% da população mais pobre, seguindo a escala socioeconômica do país. (MONTES, 2016) Outro ponto relevante ao projeto de lei, está relacionado as universidades que necessita cumprir certos requisitos, em grande parte relacionados ao nível acadêmico para ter acesso a gratuidades. (EDUCAÇÃO, 2016) A mineração nas terras indígenas A América Latina é a maior fonte de minerais metálicos no mundo, num momento em que a obsessão por minério no planeta é crescente. Com o ritmo atual de consumo e extração, as reservas mundiais de minério de ferro serão exauridas em 41 anos, de alumínio em 48 anos, de cobre e zinco respectivamente em 18 e 16 anos. Também no caso da mineração, são as comunidades mais pobres as principais vítimas de violações de direitos humanos. Majoritariamente, os minérios na América Latina se localizam em terras indígenas (de acordo com pesquisa da Carta Maior um de cada três hectares que governos da América Latina, África e Ásia concedem à exploração mineradora, agroindustrial ou florestal está em área indígena (JUSTO, 2013) e os territórios deste tornam-se alvos de disputas de grupos econômicos e políticos dominantes nos países que tentam derrubar as garantias constitucionais dos indígenas ou colocam em prática verdadeiras declarações de guerras, como vista no Mato Grosso do Sul (Brasil) em 2016 para acabar com as comunidades e “tomarem” a terra para si. Outras práticas das grandes empreiteiras é exploração a condição de vulnerabilidade econômica dessas pessoas pagando-as para retirar minerais da terra e “vender” para eles. (BOSSI; CHAMMAS, 2015) O Brasil, como o Chile, México, Peru, Venezuela e Colômbia, enfrenta o problema das invasões garimpeiras em terras indígenas. Desavenças envolvendo índios e garimpeiros são o principal foco da problemática, genocídio e extermínio são praticados por índios e contra índios que, no afã de defender suas terras e sua gente das atividades predatórias dos garimpos ilegais, acabam por praticar violências e retaliações desmedidas que chocam a população brasileira, alheia à realidade dos rincões do País e inerte na tomada de qualquer providência. No genocídio de Haximu (comunidade que vive entre o Brasil e Venezuela) garimpeiros aproveitaram-se da ausência dos homens na tribo devido a comemoração e mataram todos os indígenas que não conseguiram fugir, sendo a maioria crianças, mulheres e idosos), da etnia Yanomami, bem como dos Panarás (os índios gigantes), por volta da década de 80, mantém acesa as lembranças dos massacres. (http://abcdasdiversidades.art.br/espiral/ file/view/886/direito-economico-e-da-energia). A mineração e atividade das grandes empresas nessa área provoca, além do grande desmatamento para se chegar as pedreiras, uma poluição ambiental muito grande. Os principais problemas oriundos dessa atividade podem ser englobados em cinco categorias: poluição da água, poluição do ar, poluição sonora, subsidência do terreno, incêndios causados pelo carvão e rejeitos radioativos. (http://www.registro.unesp.br/sites/museu/basededados/ arquivos/00000429.pdf). Atualmente, a população indígena brasileira soma 896,9 mil habitantes, correspondendo a menos de 1% da população brasileira. Os povos indígenas distribuem-se entre 305 etnias distintas, caracterizadas por diferentes línguas e costumes. Ora, o território que reivindicam, tendo em vista o tamanho colossal do Brasil é mínimo, e é por direito (ou pelo menos deveria ser) indígena. Percebe-se o quão importante é dar atenção aos conflitos que vem sendo travados entre índios (pela sobrevivência) e por mineradoras (por ambição). É evidente que, cada vez mais os povos nativos são dizimados e obrigados a deixar suas terras. Não se pode admitir mais genocídios, mais sangue indígena derramado em prol do enriquecimento de mineradoras e fazendeiros e é por tal motivo que políticas públicas devem sem implementadas garantindo à toda comunidade indígena o que lhes é direito. A prática da tortura na América Latina e o resgate de suas memórias para a conscientização da democracia Quando o livreto “A Justa rebeldia das mulheres na América Latina e Caribe: as mulheres que não foram silenciadas” foi entregue nas aulas, um incômodo surgiu: como elas tiveram coragem de lutar, como aguentaram as torturas, que ideais as mantinha resistindo e as mantem na luta política até hoje? Afinal, pouco se fala sobre a luta dos movimentos sociais e as militantes mulheres durante as ditaduras militares nas aulas e nos círculos que convivemos, afinal se dá mais ênfase aos atos institucionais, datas e os presidentes que passaram no Brasil. Mas, essa luta incansável dessas mulheres e seus grupos intrigou os integrantes do nosso grupo, ou seja, foi a partir deste folheto e das histórias contadas pelos idosos do Centro da Memória do Grande ABC que perguntas foram surgindo: o que foram as ditaduras na América Latina, quais os métodos de tortura empregados e o que ela representou nos presos políticos e para as políticas de democratização que as sucederam. Assim, vídeos da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo poderiam responder um pouco qual era esse desejo por mudança que fez muitos jovens brasileiros se rebelarem contra o sistema. (http://abcdasdiversidades.art.br/espiral/pages/view/1469/videobiografias-de- desaparecidos-politicos) Os relatos do que passaram chocam, tal como ler a história de Maria Libertad, da Nicarágua, sobre a morte de 16 guerrilheiros, entre ela a do seu irmão, durante a Segunda Insurreição Armada da cidade de Esteli, pois a nicaraguense conta que tais corpos permaneceram estirados no local em que foram abatidos para serem devorados por aves de rapina. Logo, vislumbrar o que essas mulheres vivenciaram em seus países pareceu-nos impensável, incoerente, em pleno século XX. Sobretudo, na parte ocidental do planeta e na década de 1970, quando os Estados Unidos pregavam a democracia em seu território, mas orquestravam o terror com a aliança político-militar, chamada de Operação Condor, para captar estudantes e lideranças sociais na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai, vide a entrevista de Cleonildo Cruz à Carta Capital sobre o documentário que irá lançar. (http://abcdasdiversidades.art.br/espiral/file/view/1390/operacao-condor-verdade- inconclusa). Com tantas ideias na cabeça, resolvemos conversar com a professora sobre o tema e ela nos sugeriu fazer um panorama histórico para depois abranger as ditaduras militares e a repressão. A dúvida ficou no ar: onde encontrar tais informações? E lembramos que em uma aula de Ética e Conhecimento ministrada pela professora Maria Gabriela, discutimos o tema da tortura e lemos um pouco sobre o Manual Kubark Counterintelligence Interrogatorio, elaborado pela inteligência norte-americana, e os testes psicológicos feitos pelos médicos Donald Hebb e Donald Ewen Cameron com voluntários nas universidades dos EUA sobre diferentes métodos de privação de sentidos, uma vez que, por enquanto, essas ações não se chamavam de tortura devido a ausência da necessidade de obter informações que não fossem oriundos da análise clínica dessas pessoas durante o período em questão; essa técnica que Cameron criou foi chamada de “técnica de desmonte dos moldes” (KLEIN, 2008). Da origem documental das técnicas de tortura empregadas pelos militares, era necessário também conceituar o termo: tortura. E foi a partir da leitura do livro História da Tortura, de Edward Peters, também recomendado pela professora Maria Gabriela, que notamos que a conceituação precisava ser adaptada ao pensamento colonizador, ou subdesenvolvido, que envolveu à América Latina, já que para o autor: “Com o termo tortura refiro-me à punição de sofrimento físico ou à ameaça de o infligir imediatamente, desde que tal punição ou ameaça tenham por fim obter, ou que tal punição esteja relacionada com meios adotados para obter, informações ou provas legais e cujo motivo seja de interesse militar, civil ou eclesiástico” (PETERS, 1985) . E a comprovação do vínculo entre maus tratos e a tortura como modus operandi de uma sociedade patriarcal e dominada por uma minoria , seja no período colonial como nas ditaduras e atualmente, veio da entrevista de Amelinha Teles (abcdasdiversidades.art.br /espiral/file/view/1391/entrevista-amelinha-teles). Pois, quando a feminista respondeu que o estupro durante as sessões de tortura “Era uma forma de dominação”, onde “eu controlo suas ideias, eu controlo seu corpo”, ficou claro que os castigos sofridos pelos escravos, tal como aconteceu com os prisioneiros, nada mais eram do que uma forma de dominação, e isso se mantem desde que o Brasil era colônia. O filme Quanto vale ou é por quilo é emblemático nisso ao mostrar em seu início as formas/instrumentos para subjugar os escravos (http://abcdasdiversidades.art.br/espiral/pages/view/1466/castigos-para-escravos). Basta lembrar que atriz Ana Carbatti é uma escrava e está presa em um “tronco”, um dos instrumentos de tortura que eram aceitos como elementos disciplinadores de escravos insurgentes. Nesta passagem, são apontados como justificativas para esses atos os valores cristãos que seriam incorporados/aprendidos pelo escravo durante o seu uso, como garantir sobriedade e honestidade; assim não se trata de humilhação, mas sim de ensinar-lhes humildade e subserviência. Já para Santos (http://abcdasdiversidades.art.br/espiral/file/ view/1085/tecnicas-da-tortura-punicoes-e-castigos-de-escravos-no-brasil-escravista), “o castigo seria um ritual que tentava reconstituir a soberania do senhor por um instante. Por cima da desobediência do escravo, o senhor exibia aos olhos de todos a sua força “invencível”, logo o autor informa que os castigos corporais eram comuns, permitidos por lei e pela Igreja Católica e seguia uma sequência. E essa prática de torturar e privar liberdade e sentidos se manteve como prática de dominação do corpo e das ideias, e ela foi se aperfeiçoando como se vê no texto Laboratório de tortura, redigido por Naomi Klein, sobre o que vivenciou a estudante Gail Kastner. Dele extraímos que a linha entre curar, manipular e torturar as pessoas a seu bel prazer na psiquiatria é bem tênue, assim como a ética médica e o juramento de Hipócrates de certos pesquisadores. E antes que o discurso de pesquisa de controle da mente viesse a tona e fosse empregado na América Latina, Santos mostra que os movimentos operários sofreram privações de direitos humanos no Brasil desde sua origem, tal como durante a ditadura de Vargas, mas a diferença entre este período e o dos militares seria o público agredido, se na primeira “a maioria dos perseguidos era de comunistas das classes populares: operários, pequenos comerciantes, funcionários subalternos etc., no segundo, “a proporção se inverte: mais da metade dos presos a partir de 1968 são estudantes universitários ou detentores de um diploma de nível superior” (http://abcdasdiversidades.art.br/espiral/file/view/1316/ditaduramilitar-tortura-e-historiapdf). Assim, o que vemos é que o grau de aceitação e tolerância sobre o que aconteceu nos períodos de mobilização proletária e movimentos populares na Era Vargas se assemelham aos casos de tortura e maus tratos dentro do atual sistema prisional brasileiro, já que os que são violentados pertencem as camadas populares torna-se aceitável que a prática de tortura seja aplicada de forma a corrigir-lhes o mau comportamento e extraía deles informações que nem sempre são necessárias; mas o mesmo não pode acontecer aos jovens da classe média e da classe média alta durante a ditadura militar; logo, um processo teve voz e repercussão, o outro ficou nas estrelinhas. E a ameaça de uma possível Guerra Fria se efetivar começou a crescer nos anos 1960 e o alinhamento de Cameron com os militares norte-americanos foi fundamental para a criação das "técnicas especiais de interrogatório" da CIA, ou sendo mais explícito: no desenvolvimento de um manual de procedimentos de tortura psicológica fundamentado em experimentação com base científica: tanto que este representou para Klein “uma nova era de tortura refinada, precisa - e não o tormento sangrento e inexato que tinha se tornado padrão desde a Inquisição espanhola”. Isto posto, este material foi ensinado por militares norteamericanos e aplicado nas ditaduras da América Latina por militares locais, como no Chile, Honduras e Brasil, antes e durante os golpes militares, pois através da Operação Condor visavam coordenar a repressão, prender opositores e perpetuar a lógica e a estrutura vigentes dessas nações, como conta Derly José de Carvalho no livro Seminrio Internacional do Cone sul: para que nunca mais. Assim, os métodos de tortura começavam com o rapto e seguia pelo confinamento por tempo indeterminado, passando pela privação do sono e de sentidos, nudez, esfolamento, choques elétricos, fome, sede, posições de tensão até gerar um choque psicológico no torturado, tanto que nas mulheres o estupro, a manipulação de seus corpos e a masturbação dos torturadores era parte desse choque psicológico. Logo, destruir a identidade cultural do prisioneiro se tornou algo normal e padrão, o "procedimento operacional padrão" no tratamento dos presos. Todavia, ler Klein e nos deparar com a história de Derly e sua marca na testa feita por uma coronhada de revolver dada por um policial do DOPS nos mostra que aquilo existiu, nos mostra os resultados práticos daqueles experimentos científicos norte-americanos nas lutas travadas por aqueles senhores que agora são idosos, mas que há 50 anos atrás acreditavam em um mundo mais justo e consciente politicamente. Isto posto, esse "refinamento" traz muitos danos colaterais antes, durante e depois dos interrogatórios nas pessoas que são submetidas à tortura, mas isso pouco importou a quem as aplicava, assim como a Declaração Universal dos Direitos Humanos assinada por diversos países na Convenção de Genebra, dentre eles os EUA, pois, de acordo com o 5º artigo desse texto "Ninguém será submetido a tortura nem a pena ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada no dia 22 de novembro de 1969, também ia na mesma linha, e nela se constava que “Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”, porém, apesar do lindo texto e de entrar em vigor durante a vigência das ditaduras militares nos países latinos, ela em nada afetou a operação Condor ou as práticas locais de repressão política. Por isso, é difícil encontrar ética ou motivos racionais para torturar, ainda mais quando Oliveira mostra as tentativas dos militares brasileiros em ocultar que torturaram pessoas nos porões da ditadura, tanto que ele mesmo acaba concluindo que: “no mundo moderno, a tortura é uma ação que cobre de vergonha aquele que a emprega” (http://abcdasdiversidades.art.br/ espiral/file/view/1316/ditadura-militar-tortura-e-historiapdf). Apesar dessa vergonha, ainda é possível enxergar ambição e desejo de poder nas estratégias de aniquilação/dominação do outro, vide a divulgação no site da Anistia Internacional da constância da torturas de mulheres no México por causa da violência policial (http://abcdasdiversidades.art.br/espiral/pages/view/1468/tortura-contra-mulheres-no-mexicofatos-e-numeros). Por isso, o que se vê é que a vida e a mente de uma pessoa pode ter pouco valor para outra. O medo extremo, a ansiedade e a desorientação rondam a vida das pessoas submetidas a estes tratamentos desumanos, que para os sistemas são fantasmas, sem ficha ou registro dos que lhe foi feito, como se vê nas diversas Comissões da Verdade dos países latinoamericanos, vide que muitas pessoas desapareceram nos “voos da morte” argentinos (http:// abcdasdiversidades.art.br/espiral/pages/view/1484/liberadas-fotografias-de-vitimas-dos-%E2 %80%9Cvoos-da-morte%E2%80%9D). E só agora esses arquivos estão sendo abertos, possibilitando que os casos sejam analisados e julgados à luz da democracia, como o caso do aviador naval argentino Julio Poch, que foi um dos responsáveis por comandar os aviões que desempenhavam a função de atirar presos políticos no Oceano Atlântico – tanto mortos quanto vivos. E apesar de tantas atrocidades cometidas, as Comissões ensinam que “a justiça de transição é construída sobre três pilares: direitos à verdade (esclarecer violações de direitos humanos, quem foram seus autores e qual conjuntura político-econômica levou a sua realização), a reparações (não só indenizações financeiras, também a valorização da memória, como a construção de museus) e à justiça (reconhecimento da responsabilidade do Estado e punição dos responsáveis”, diz a Comissão Estadual da Verdade de São Paulo. No entanto, a baixa consciência brasileira do tema desmobilizou investigações e reduziu a pressão sobre a culpabilidade dos torturadores ou a busca da justiça para os presos, desaparecidos ou mortos durante a repressão, e uma das causas para Santos é, “por mais que seja embaraçoso dizer, o pequeno número de vítimas fatais, no Brasil”, já que este “nunca foi capaz de impactar e mobilizar a sociedade brasileira como ocorreu no país vizinho. Entre nós, os grupos de familiares de desaparecidos nunca tiveram a visibilidade e a importância que têm até hoje, na Argentina, as Mães da Praça de Maio”. (http://abcdasdiversidades.art.br/espiral/ file/ view/1316/ditadura-militar-tortura-e-historiapdf). Portanto, vemos que as comissões de verdade e o resgate das histórias dos militantes do Centro da Memória do Grande ABC são de vital importância para nos aproximar das lutas dos anos 60, 70 e 80. As histórias de Derly em prol da economia solidária, o fôlego de Chico com os jovens da periferia, o conhecimento e a memória de Santana ou a musicalidade engajada de Renan persistem, mesmo nos momentos mais sombrios, e provam que há um longo caminho para a democracia, tal como nos fazem ficar atentos a milícia armada que ainda espreita e vigia, inclusive pela Lei Antiterrorismo, que permite que qualquer grupo social seja preso e qualificado como terrorista. Referências ALMEIDA, Wilson Mesquita de. 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