Introdução à Lingüística Histórico-Comparativa

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Introdução à Lingüística Histórico-Comparativa
Introdução à Lingüística Histórico-Comparativa
(1a. aula )
Universiteit Leiden / USP
Sérgio Meira
[email protected]
1. O que é a lingüística histórico-comparativa?
O passado lingüístico: história
Lingüística: biologia (taxonomia, sistemática)
A mudança lingüística: biologia (evolução), sociologia, psicologia
A reconstrução de proto-línguas
Sir William Jones (1786):
The sanskrit language, whatever be its antiquity, is of a wonderful
structure; more perfect than the Greek, more copious than the Latin,
and more exquisitely refined than either, yet bearing to both of them
a stronger affinity, both in the roots of verbs in the forms of grammar,
than could possibly have been produced by accident; so strong indeed, that no philologer could examine all three, without believing
them to have sprung from some common source, which, perhaps, no
longer exists: there is similar reason, though not quite so forcible, for
supposing that both the Gothic and Celtic, though blended with a
very different idiom, had the same origin with the Sanskrit; and the
Old Persian might be added to the same family.
SANSKRIET
GRIEKS
padpitártri:-/trájas
SvándZánubhrá:tar
náktsaptá
podpaté:r
treís/tría
kúo:n
gónu
phrá:te:r
nuktheptá
LATIJN
pedpater
tre:s
kanis
genu:
frá:ter
noktseptem
GOTISCH
fo:tus
faDar
Trija
hunds
kniu
bro:Tar
nahts
siBun
NEDERLANDS
voet
vader
drie
hond
knie
broer
nacht
zeven
Modelo arbóreo (Stammbaum):
Germânico Setentrional: dinamarquês, sueco, islandês...
Germânico
Germânico Ocidental: holandês, alemão, frísio, inglês...
Germânico Oriental: gótico
Íbero-Românico: português, espanhol, catalão...
?
Românico
Galo-Românico: francês, provençal...
Ítalo-Românico: italiano...
Balcano-Românico: romeno, dalmácio...
Eslavo Oriental: russo, ucraniano, bielorrusso...
Eslavo
Eslavo Ocidental: polonês, tcheco, eslovaco...
Eslavo Meridional: búlgaro, sérvio, esloveno...
Como as línguas podem mudar? Exemplo: fonologia e fonética (pronúncia)
(1) assimilação: sons tornam-se mais semelhantes (Lat. octo > It. otto)
(2) dissimilação: sons tornam-se menos semelhantes (Ing. chimney > chim(b)ley)
(3) queda: sons desaparecem
(Ing. family > fam’ly)
(4) epêntese: sons aparecem
(Lat. schola > Port. escola)
(5) metátese: sons trocam de lugar
(Ing. An. brid > Ing. bird)
(6) lenição: sons ‘se enfraquecem’
(Lat. nata:re > Port. nadar)
(7) fortição: sons ‘se fortalecem’
(May. winq > Q’eq’chi kwinq)
(8) ditongação: uma vogal torna-se duas (ditongo) (Lat. petra > Sp. piedra)
(9) monotongação: duas vogais tornam-se uma
(Lat. auru- > Sp. oro)
etc...
2. Como o passado lingüístico pode ser estudado?
Fontes antigas.
(~70 aC) Passer mortuus est meae puellae,
passer, deliciae meae puellae,
quem plus illa occulis suis amabat
[Morreu o pardal da minha menina, o pássaro que era a delícia da minha menina,
que ela amava mais que seus próprios olhos.]
(Gaius Valerius Catullus: Carmina)
(~1000 dC) Dies irae, dies illa,
solvet saeclum in favilla [...]
Quantus tremor est futurus
quando judex est venturus, [...]
Praeces bonae in illa die!
[Dia de ira, aquele dia, dissolverá o mundo em cinzas [...]
quanto tremor haverá, quando vier o juiz, [...]
ah! preces boas naquele dia!]
(Thomas Caelanus (?), Dies irae.)
(1192) [Hec est notitia] de partiçon e devison antre nos de erdamentos [...] que foron
de nosso padre e de nossa madre en esta bõa maneira: [...] Rodrigo Sanchiz
ficar por sa partiçon ena quinta do couto de Viiturio, ena quinta do
padroadigo [...] en todolos erdamentos de couto e de fóra do couto
[Esta é a nota de partilha e divisão entre nós da herança que foi de nosso pai e de nossa mãe
desta boa (= aceita por todos) maneira: [...]Rodrigo Sanchiz estabelece-se, como sua parte,
na quinta do couto de Viiturio, na quinta do Padroadigo [...] em toda a herança de Couto e
fora de Couto.]
(Auto de partilhas, manuscrito)
(~1250) Esta é como o cavaleiro que pedera seu açor foy-o pedir a Santa Maria de
Salas; e estando na eigreja, posou-lhe na mão.
[Esta (parte, canção) é (sobre) como o cavaleiro que havia perdido seu açor (gavião) foi
pedi-lo a Santa Maria de Salas; e estando (ele) na igreja, (o gavião) pousou-lhe na mão.]
(Cantigas de Santa Maria, manuscrito)
Quantos exemplos de mudanças (fonológicas, morfológicas, sintáticas) podem
ser exemplificados?
O método histórico-comparativo: cognatos, correspondências, "leis fonéticas",
reconstrução
- ‘Bom senso’: como se pode saber o que aconteceu (p.ex. em um acidente)?
- A pergunta é o que (ou como), mas não por quê!
(i) juntar cognatos (eliminando-se não cognatos e empréstimos)
(ii) encontrar e listar correspondências sonoras regulares
(iii) propor reconstruções possíveis
(a) mudanças plausíveis (s > h, ti > tSi; não tSi > ti, h > s)
(b) não exagerar (a 'navalha de Occam')
(c) sistematicidade
(iv) determinar a relação entre correspondências (parcialmente)
sobrepostas;
(v) determinar e avaliar a sistematicidade dos sons reconstruídos
(a) internamente à proto-língua
(b) do ponto de vista da tipologia
(vi) reconstruir palavras
- Um exemplo: línguas polinésias (Crowley 1997:87-112)
TONGA
1
2
3
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5
6
7
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24
25
tapu
pito
puhi
tafa/aki
ta/e
taNata
tahi
malohi
kalo
aka
/ahu
/ulu
/ufi
afi
faa
feke
ika
ihu
hau
tafuafi
hiku
hake
huu
maNa
ma/u
SAMOA
tapu
pute
feula
tafa
tae
taNata
tai
malosi
/alo
a/a
au
ulu
ufi
afi
faa
fe/e
i/a
isu
sau
si/a
si/u
a/e
ulu
maNa
mau
RAROTONGA
tapu
pito
pu/i
ta/a
tae
taNata
tai
ka/a
karo
aka
au
uru
u/i
a/i
/aa
/eke
ika
putaNio
/au
/ika
/iku
ake
uru
maNa
mau
HAWAII
kapu
piko
puhi
kaha
kae
kanaka
kai
/aha
/alo
a/a
au
po/o
uhi
ahi
haa
he/e
i/a
ihu
hau
hi/a
hi/u
a/e
komo
maNa
mau
‘proibido’ (tabu)
‘umbigo’
‘soprar’
‘lado’
‘excrementos'
‘homem’
‘mar’
‘forte’
‘evitar’
‘raiz’
‘bile’
‘cabeça’
‘raiz tuberosa’
‘fogo’
‘quatro’
‘polvo’
‘peixe’
‘nariz’
‘orvalho’
‘fazer fogo’
‘cauda’
‘acima’
‘entrar’
‘galho’
‘constante’
26
27
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33
34
35
36
maa
na/a
nofo
Nalu
Nutu
vaka
va/e
laho
lohu
oNo
ua
mala
fa/aNa
nofo
Nalu
Nutu
va/a
vae
laso
lou
loNo
lua
mara
maninia
no/o
Naru
Nutu
vaka
vae
ra/o
rou
roNo
rua
mala
naa
noho
nalu
nuku
wa/a
wae
laho
lou
lono
lua
‘fermento’
‘calmo’
‘sentar’
‘onda’
‘boca’
‘canoa’
‘osso’
‘escroto’
‘pau’
‘ouvir’
‘dois’
3. Exercícios.
- Quais palavras são cognatas? Quais palavras não são cognatas?
- Que correspondências regulares podem ser encontradas? Há reconstruções
possíveis?
(a) Karíb norte-oriental.
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
TIRIYÓ
WAYANA
ap´(-rˆ)
pˆ
kapu
konopo
kokonje
t´pu
sirik´
eporˆ
kana
tuna
ap´(-rˆ)
ˆpˆ
kapu
kop´
kokone
t´pu
sirik´
eporˆ
ka
tuna
APALAI
WAIWAI
apo-rˆ
ˆpˆ
kapu
konopo
kokonie
topu
Siriko
eporˆ
kana
tuna
a∏o-rˆ
ˆˆ∏ˆ
kaa∏u
tuuna
koko¯e
too∏u
Sirjko
e∏orˆ
kˆtmo
tuuna
HIXKARYANA
aho-rˆ
ˆhˆ
kahu
tuna
koko¯e
tohu
Serjko
ehorˆ
kana
tuna
‘braço’
‘montanha’
‘céu’
‘chuva’
‘de dia’
‘pedra’
‘estrela’
‘achar’
‘peixe’
‘água’
(b) dialetos Tiriyó
TIRIYÓ OCIDENTAL
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
ahtao
ap´
ee∏i ~ eh∏i
ipii∏´ ~ ipih∏´
kˆto
manko
eka
tuha
t´pu
paho
mahto
itu
TIRIYÓ ORIENTAL
aatao
ap´
eepi
ipiip´
kˆto
manko
eka
tuuka
t´pu
paako
maato
itu
‘quando’
‘braço (dele/dela)’
‘lábio (dele/dela)’
‘pele (dele/dela)’
‘rã sp.’
‘mãe (minha)’
‘nome (dele/dela)’
‘castanha-do-Pará’
‘pedra’
‘pai (meu)’
‘fogo’
‘planta, floresta’
(c) Dialetos Bakairi (Karíb)
BAKAIRI ORIENTAL
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
ãgaSeri
Sir´
im´sedo
kozek´
ãgahu
se
saimu
taho
paЋik´
ise
odaSi
kop´
moЋi
tuhu
azag´
p´sega
meza
peto
ize
ise
BAKAIRI OCIDENTAL
ãgaSeri
Sir´
im´/edo
koek´
ãga/u
se
saimu
ta/o
paik´
ise
oda/i
kop´
moi
tu/u
ahag´
p´sega
meha
peto
ie
i/e
‘cérebro’
‘este’
‘grande’
‘veado sp.’
‘cabeça (dele/dela)’
‘madeira, árvore’
‘mar, lago’
‘faca’
‘tamanduá sp.’
‘mãe (dele/dela)’
‘para dentro’
‘chuva’
‘aranha’
‘pedra, rocha’
‘dois’
‘porco’
‘peixe sp.’
‘fogo’
‘querer’
‘FUTURO (partícula)’
4. Literatura.
Bree, Cornelis van. 1996. Historische taalkunde (2de, herz. dr.). Leuven, Amersfoort:
Acco.
Joseph, Brian D., and Richard D. Janda (eds.). 2003. The handbook of historical linguistics. Oxford: Blackwell Publishing.
Campbell, Lyle. 1998. Historical linguistics: an introduction. Edinburgh: Edinburgh
University Press.
Crowley, Terry. 1997. An introduction to historical linguistics (3rd. edition). Oxford:
Oxford University Press.
Hock, Hans Heinrich, and Brian D. Joseph. 1996. Language history, language change
and language relationship: an introduction to historical and comparative linguistics. Berlin, New York: Mouton de Gruyter.
Sérgio Meira
Lingüística (Taalwetenschap)
Radboud Universiteit Nijmegen
tel. 071-5272079
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