Caça A-1 renasce

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Caça A-1 renasce
REAPARELHAMENTO
Caça A-1
renasce
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Abril/2012
Aerovisão
CB Silva Lopes / CECOMSAER
Desenvolvido na década
de 80, em uma parceria entre Brasil e Itália, o caça A-1
(AMX) será modernizado
pela Força Aérea Brasileira e ganhará sobrevida de
mais 20 anos
HUMBERTO LEITE
V
elocidade, altitude, ângulo,
vento, peso e muitos outros
cálculos precisavam estar perfeitos para que um piloto de caça da
Força Aérea Brasileira conseguisse
atingir seu alvo em um ataque. O desafio era o mesmo desde os pioneiros
veteranos na Segunda Guerra Mundial
até aqueles que, décadas depois, já voavam supersônicos. Mas, de repente,
um novo avião tornou tudo muito mais
fácil: computadores de bordo ajudavam
o caçador e tornou-se cada vez mais
comum voltar dos treinamentos com
um índice de acertos surpreendente.
Essa revolução aconteceu no início
dos anos 90, quando o Embraer AMX,
designado na FAB como A-1, trouxe
para as linhas de voo tanta tecnologia
que ficou conhecido como “O Avião
Computador”.
Nesses 20 anos, por influência direta
do A-1, mudou-se completamente a
forma de voar uma missão de combate
no Brasil. Com os novos A-29 Super
Tucano e a modernização dos F-5, a
tecnologia passou definitivamente a
fazer parte do cotidiano dos pilotos de
caça, e aquilo que era novidade passou
a ser corriqueiro. Mas 2012 trará para a
FAB um novo capítulo na história desse
caça-bombardeiro-reconhecedor, que
vai voltar a assumir o papel de destaque
na linha de frente da defesa do país.
Linha de produção da Embraer, em
Gavião Peixoto (SP), onde os caças A-1
passam por processo de modernização
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O projeto de modernização de 33
caças A-1A monoposto e 10 A-1B biposto capacita a FAB para combater nos
teatros de operações de combate atuais
e pelos próximos 20 anos. Após um ano
de testes, a primeira entrega de A-1M
(Modernizado) vai acontecer em 2013
e a última será em 2017. “A aeronave
modernizada deverá ter a capacidade
de realizar ataques de precisão contra
alvos de superfície com o mínimo de
perdas e de danos colaterais, além de
missões de reconhecimento aéreo com
alta probabilidade de êxito”, explica o
Coronel-Aviador Márcio Bonotto, da
Comissão Coordenadora do Programa
Aeronave de Combate (COPAC), subordinada ao Departamento de Ciência
e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), que
gerencia o projeto de modernização.
A revitalização irá ampliar as capacidades da aeronave, entre elas a de
sobreviver a missões perigosas. Ainda
em 1994, os então recém-incorporados
A-1 participaram da primeira operação
Tigre, quando ao lado dos F-5E foram
testados em combates simulados contra
os F-16 Fighting Falcon da Força Aérea
dos Estados Unidos. Os americanos
tiveram tanta dificuldade em enfrentar
o novo caça brasileiro que os apelidaram de “The Bee” (As Abelhas). Nas
operações Tigre I (1994), realizada em
Porto Rico, Tigre II (1995), em Natal
(RN), e Tigre III (1997), em Santa Maria
(RS), os A-1 não apenas conseguiram
realizar seus ataques simulados como
também venceram em combate, mais
de uma vez, caças F-16 que tentaram
interceptá-los.
Testes - Mas a qualidade dos A-1 e
dos pilotos brasileiros foram atestados
em 1998, quando seis A-1 do 1°/16°
Grupo de Aviação, o Esquadrão Adelphi, representaram a Força Aérea Brasileira, pela primeira vez, na operação
Red Flag, a mais realística guerra aérea
simulada do mundo, realizada no deserto da Nevada, nos Estados Unidos.
Em um ambiente repleto de caças F-15
Eagle, F-16, F-18 Hornet, F-5 Tiger III e
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sistemas que simulavam presença de
baterias antiaéreas de mísseis como SA6, SA-3 e Roland, os A-1 conseguiram
sucesso nas suas missões de ataque e
sobreviver às ameaças que representavam o que havia de mais moderno na
guerra aérea no mundo.
Além da manobrabilidade, os caças
da FAB se valeram do seu sistema que
avisa quando está na tela de um radar
(Radar Warning System, conhecido
pela sigla RWR) e iscas contra mísseis
guiados por radar (chaff) ou calor
(flare). Mas esses artifícios já precisavam ser melhorados, o que acontecerá
na modernização. “O A-1M terá um
sensível aumento de sua capacidade
de sobrevivência em ambiente hostil,
permitindo ao avião, além de esconder-se fisicamente da detecção de radares
voando a baixa altura, esconder-se
também eletronicamente”, afirma o
Coronel Bonotto.
Tanto o RWR quanto os lançadores
de iscas serão revitalizados e integrados. Isso quer dizer que o piloto poderá
ter uma consciência bem maior das
ameaças em torno do caça. Além disso,
as contramedidas poderão ser acionadas automaticamente, o que reduzirá
Fotos: CB Silva Lopes / CECOMSAER
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Acima, o protótipo do A-1M; ao lado, o
novo painel de controle da aeronave
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O processo de modernização dará ao
A-1M mais 20 anos de operação na FAB
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o tempo de reação e a aumentará a
capacidade de sobrevivência.
Depois de modernizados, os A-1
também poderão perceber não apenas
as emissões de radares dos inimigos,
mas também se eles já abriram fogo.
Um Sistema de Lançamento e Aproximação de Mísseis (Missile Airborne
Warning System - MAWS) conseguirá
identificar e classificar os disparos tanto
de aeronaves interceptadoras quanto
de baterias antiaéreas. Para isso, conta
com sensores ativos e passivos, como
antenas que detectam emissões de
radares embarcados em mísseis e sistemas laser que conseguem perceber a
aproximação das ameaças.
Outra novidade será o casulo
Skyshield, capaz de despistar e até
bloquear radares em solo ou embarcados de busca ou aquisição de alvo. Em
resumo, aquela estação em solo ou aeronave de caça que tentar utilizar radares
para detectar os A-1M da FAB poderão
ter interferências em seus sistemas. O
Skyshield poderá ser carregado externamente nos A-1M e, quando instalado,
será possível proteger não apenas o
próprio caça, mas também esquadrilhas
inteiras em espaço aéreo hostil.
Mais que sobreviver, no entanto, é
preciso ter capacidade de encontrar e,
se preciso, destruir os alvos. É essa a
missão para qual foi projetado o AMX:
penetrar em território hostil e atingir
objetivos estratégicos. Para isso foi
dotado de computadores que ajudam
os pilotos no lançamento das armas
com precisão. O caça receberá o radar
SCP-01, construído em uma parceria
da empresa italiana Selex Galileu com
a brasileira Mectron, que literalmente
fará com que os pilotos vejam além do
alcance.
O radar permitirá encontrar alvos
no solo em distâncias maiores e aumentar a precisão do lançamento de
armas. Em modo ar-ar, poderá ter controle do espaço aéreo a sua volta, para
avaliar as ameaças, conseguir fugir dos
interceptadores e, se não for possível
O primeiro A-1M a sair da linha de produção da Embraer, em Gavião Peixo (SP)
evitar o combate aéreo, utilizar o radar
para aumentar a chance de acertar seus
mísseis de autodefesa. Apesar da defesa
aérea não ser a missão primária do A-1,
o jato poderá se tornar uma opção aos
comandos operacionais para cumprir
essa tarefa.
O radar SCP-01 também possui modos ar-mar, o que dará ao A-1M a possibilidade de voar missões contra alvos
navais. Ao lado dos recém-adquiridos
aviões de patrulha P-3AM, a aviação
de caça da FAB estará pronta para
defender a região onde há as reservas
de petróleo da camada pré-sal, riqueza
brasileira descoberta nos últimos anos.
Tanto sobre mar quanto terra, os
A-1M poderão contar ainda com casulos de reconhecimento capazes de
visualizar pontos de interesse de dia,
de noite e nos espectros infra-vermelho
e termal. Também poderão ser visto
sob as asas dos jatos casulos laser de
designação de alvos, que possibilitarão
o uso de bombas inteligentes. Os A-1M
também serão todos compatíveis com o
uso de óculos de visão noturna (Night
Vision Googles – NVG), que permitem
enxergar à noite.
De acordo com o Coronel Bonotto,
é esperado um acréscimo superior a
30% nas funções e no gerenciamento
de cargas bélicas. “O acréscimo de
sensores propicia ao piloto uma maior
consciência situacional, ou seja, uma
melhor percepção do ambiente à sua
volta, facilitando seu processo decisório
em função da grande quantidade de
informações disponíveis”, resume.
As possibilidades de uso de armamentos também serão ampliadas.
“Poderemos utilizar os artefatos com
mais velocidade e em situações mais
críticas, expandindo seus limites e
diminuindo o tempo de exposição da
aeronave durante os ataques”, afirma.
Os A-1M também poderão, em um futuro próximo, lançar mísseis anti-radar,
que utilizam as próprias emissões
dos radares hostis como referências
até atingir o alvo, uma arma típica
para missões de supressão de defesas
inimigas (Suppression of Enemy Air
Defenses - SEAD).
Para lidar com tantas informações,
os pilotos vão contar agora com uma
cabine completamente remodelada.
Vários “relógios” e instrumentos analógicos serão substituídos por três telas
multifuncionais que vão mostrar cada
dado de forma mais simples, de acordo com a missão e com o interesse do
piloto. Além disso, o display na altura
da visão (Head Up Display - HUD) será
integrado aos sistemas de navegação,
ataque e gerenciamento de sensores e
armas, oferecendo uma maior consciência da situação tática ao piloto.
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Na lateral do novo avião é possível observar as novidades na fuzelam, incluídas com os novos equipamentos instalados
No total, serão 121 polegadas quadradas de mostradores digitais com
interface amigável. Ainda assim, os
pilotos contarão ainda com um display
montado no próprio capacete (Helmet
Mounted Display - HMD), que entre
outras vantagens permite, por exemplo,
direcionar mísseis de acordo com o
movimento da cabeça do piloto. Para
controlar tudo isso, todos os instrumentos estarão ao alcance dos dedos,
sendo possível voar toda a missão sem
retirar as mãos do manche e da manete
de potência, de acordo com o conceito
HOTAS (Hands-on Throttle And Stick).
Uma das elogiadas vantagens do
A-1 também será mantida: o seu alcance. No dia 22 de agosto de 2003, dois
desses caças decolaram da Base Aérea
de Santa Maria (RS) e fizeram um voo
até Natal (RN), sobrevoaram o Amapá,
no extremo Norte do país, em um percurso que incluiu simulações de ataque
e navegação à baixa altura. Com o uso
de reabastecimento em voo, os aviões
percorreram 6.700 km em 10 horas e
5 minutos, uma prova da capacidade
da aviação de caça cobrir todo o país e
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atingir alvos distantes.
Missões desse tipo continuarão
possíveis, mas agora com maior segurança e menor carga de trabalho para
os pilotos. Uma nova suíte eletrônica
vai integrar rádios, sistemas de navegação e datalink. Também haverá um
sistema de instrumentos de voo reserva
(Back-Up Flight Intrumentation - BFI),
que, em caso de falha dos sistemas
principais, poderá ser usado para um
retorno seguro após uma pane ou no
caso de aeronave vir a ser atingida
por fogo inimigo. Todos os voos serão
gravados digitalmente. Isso vai permitir, por exemplo, que após o pouso de
um piloto novato seu instrutor possa
comentar cada detalhe da missão.
Além dessas melhorias, a modernização dos A-1 também tornará sua
operação mais econômica. Os 54 aviões
hoje em uso, apesar de bastante semelhantes, são de três lotes diferentes que
têm alguns sistemas distintos, o que
complica a manutenção. “Ocorrerá uma
redução significativa na quantidade
de itens em processo de obsolescência,
bem como maior participação da indús-
tria nacional no suporte à aeronave e,
consequentemente, uma menor dependência externa”, completa o Coronel
Bonotto.
Os A-1M serão todos idênticos, o
que reduzirá os custos com logística e
formação de mecânicos. A passagem
pela unidade industrial da Embraer em
Gavião Peixoto (SP) também envolve
um reforço na própria estrutura física
dos caças, para assegurar mais 20 anos
de voos.
História - Projetado na década de
80 em uma parceria entre a Itália e o
Brasil, o A-1 entrou em operação nas
Forças Aéreas desses dois países em um
cenário de mudanças de táticas e doutrinas após o fim da Guerra Fria. Apesar
disso, o caça conseguiu ser adequado
para o século XXI e provar na prática
que ainda é um vetor de importância
estratégica. A Itália também decidiu
modernizar seus AMX, chamados localmente de “Ghibli”, que deverão voar
até aproximadamente 2020.
Em 1999, ainda sob dúvidas quanto
a sua eficácia, os AMX italianos tiveram
seu batismo de fogo na Operação Allied
EMBRAER
A-1 Ficha Técnica
Force, na Bósnia. Ao final, 66% das
missões da Força Aérea Italiana naquele
conflito foram realizadas pelo “Ghibli”.
Desde 2009 estes jatos também são
presença constante no Afeganistão,
como parte das forças da Organização
do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)
no combate às forças talibãs.
Em 2011, os AMX italianos também participaram no conflito na Líbia,
quando voaram 550 horas em missões
de reconhecimento e ataque, com o uso
de bombas inteligentes. Em um cenário
de crise econômica, os AMX ganharam
destaque por cumprirem suas missões
com eficiência e um custo operacional
menor que outros aviões, como o Eurofigther e o Tornado.
A FAB também operou com sucesso
os seus três Esquadrões que operam o
caça (Adelphi, Poker e Centauro) nas quatro edições do exercício Cruzeiro do Sul
(CRUZEX), que simula uma guerra com
uma força de coalizão. “O A-1 é capaz de
se adaptar às mais modernas táticas da
guerra aérea. Com a modernização, será
um sistema de armas ainda mais letal”,
afirma o Coronel Bonotto.
Fabricantes: Consórcio Embraer (Brasil), Aermacchi e Alenia (Itália)
Turbina: Rolls-Royce RB 168-807 SPEY Turbofan sem pós-combustão
Vel. máxima: 1160 km/h
Vel. Cruzeiro: 950 km/h
Raio de Ataque: 800 km sem reabastecimento em voo
Peso vazio: 6.700 kg
Máx. decolagem: 13.000 kg
Envergadura: 9,97 m
Comprimento: 13,55 m
Altura: 4,55 m
Armamento: 2 canhões DEFA de 30 mm e até 3.800 kg de mísseis, bombas e
foguetes
Tripulação: 1 ou 2
Operadores: Brasil e Itália
Esquadrões da FAB:
-1°/16° Grupo de Aviação (Adelphi) – Base Aérea de Santa Cruz
-1°/10° Grupo de Aviação (Poker) – Base Aérea de Santa Maria
-3°/10° Grupo de Aviação (Centauro) – Base Aérea de Santa Maria
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Nova
Aviônica
Sistema
de Guerra
Eletrônica e
Autodefesa
Incorporação de itens
estruturais visando
aumento da vida em
fadiga
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A-1M
OBOGS
Sistema de
Geração de
Oxigênio
Visor de
capacete (HMD) e
compatibilidade
com NVG
Radar
SCP-01
Designador
Laser / Flir
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