o conceito filosófico de tempo e a régua de 24 polegadas

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o conceito filosófico de tempo e a régua de 24 polegadas
ISSN 2318-3462
Recebido: 13/10/2013
Aprovado: 02/12/2013
O CONCEITO FILOSÓFICO DE TEMPO E A RÉGUA DE 24 POLEGADAS
Luiz Franklin de Mattos Silva¹
Resumo
O presente artigo aborda a questão da régua de 24 polegadas e o conceito filosófico do tempo, buscando
afirmar que o instrumento conferido ao aprendiz maçom contém diversos elementos de contemplação dos
filósofos gregos. O artigo ressalta que o maçom, ao usar a régua como um instrumento cotidiano pode obter
"tempo" para a vida maçônica e familiar, evitando-se a ausência em ambos os ambientes.
Palavras-chave: Filosofia; Régua de 24 polegadas; tempo.
Abstract
This article addresses the question of the 24 inches ruler and the philosophical concept of time, seeking to
affirm that the instrument given to Entered Apprentice contains many elements of contemplation of the
Greek philosophers. The article emphasizes that the freemason, using the ruler as an everyday tool, can get
"time" to the masonic and family life, avoiding the absence in both environments.
Keywords: Philosophy; 24 inches ruler; time.
¹ Luiz Franklin de Mattos Silva é biólogo, Mestre em Zoologia pelo INPA e Doutor em Biologia de Água Doce pelo INPA/Roseinstel
School of Marine Science. Mestre Instalado, é membro da Loja Maçônica “Acácia de York No. 52”, Sumo Sacerdote do Capítulo
“York No. 40” de Maçons do Real Arco e Grande Secretário de Planejamento Estratégico do GOIRJ.
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A Questão do Tempo
A maioria das pessoas, lógico supor, admite
uma compreensão intuitiva do tempo. Pra essa maioria o tempo é algo ao mesmo tempo cotidiano, empírico, científico, fácil e complexo, poético e assustador, sentimental ou frívolo.
Após a cerimônia de iniciação maçônica, no
primeiro grau da Ordem, o Aprendiz Maçom recebe
uma régua, ou é instado a pensar sobre a utilidade de
“uma régua de 24 polegadas”, que, devidamente dividida em três partes iguais, deve remetê-lo a adequar a utilização do tempo cotidiano. A Maçonaria a
adota porque simboliza o dia com suas vinte e quatro
horas, exigindo dos maçons uma adequada utilização
das horas do dia.
Falamos do ontem, do hoje e do amanhã. Referenciamos no passado de nossas vidas, para hoje
planejarmos e pensamos no futuro de nossas famíNo campo maçônico a graduação nela colocalias. Enfim, existe um tempo que passa ao mesmo da de vinte e quatro polegadas, serve para mensurar
tempo em que outros passam o tempo.
o tempo, as vinte e quatro horas do dia, em que o
Para muitos o passado como tempo é história homem deve distribuir suas atividades. No Rito de
e o futuro especulação. O hoje e o agora não existem, York, a “cautela” ganha importância na vida do masendo apenas uma referência de segundos entre o çom. Associar, portanto, a cautela à régua de 24 polegadas nos parece ser um bom caminho para explopassado e o futuro.
Deus é, diriam alguns, logo não existe passado rarmos o conceito de tempo.
Um maçom deve usar, no cotidiano de sua
ou futuro na mente de Deus. Talvez por isso Santo
Agostinho tenha escrito em suas Confissões: “O que é existência, as 24 polegadas como representação de
o tempo? Se ninguém pergunta, sei o que ele é; mas 24 horas, divididas em três partes de 8 horas: descanse alguém me pergunta e tento explica-lo, já não sei so, trabalho e solidariedade.
mais.” (SANTO AGOSTINHO, 1997).
Assim, deve de certa forma dividi-las entre
Poderíamos, partindo da premissa acima, con- suas atividades matinais, nem sempre realizadas, cosiderar que o tempo é algo ou objeto de difícil defini- mo sua primeira refeição diária, às vezes esquecida.
ção, podendo apresentar diversos conceitos e abor- Outras horas dedicadas ao seu trabalho; à necessária
dado de formas diferentes, dependendo do ramo da recreação, muitas das vezes não considerada; suas
ciência, seja arte, geometria, biologia, astronomia, reflexões, em geral pouco ou mal aproveitadas; e o
merecido repouso, como nos prega a mensagem mamatemática, física, sociologia e filosofia.
Não se pretende neste artigo uma abordagem çônica. E as outras oitos horas servindo a Deus ou a
sobre cada um desses aspectos, mas apenas demons- algum necessitado.
Filosoficamente, poderíamos dizer tratar-se
trar que o simbolismo da régua de 24 polegadas, em
especial no Rito de York, possui profunda atualidade de um caminho entre a norma e a ordem, entre o
que se quer fazer e o que se deve fazer, entre o passifilosófica sobre o que concerne ao tempo.
onal e o racional, entre a direção da ponta do malho
ao topo do cinzel. Indica a própria construção do hoA Régua de 24 polegadas na Maçonaria
mem, a lapidação de sua forma mais bruta em busca
A primeira observação que fazemos é quanto da perfeição (RAGON, 2005).
às características básicas da régua, um instrumento
O exercício na separação de cada tempo, dansimples, milenar, que nos ensina, de uma forma mais do o ritmo necessário para cada etapa, faz com que o
simples ainda, o caminho direto entre dois pontos, homem evolua, cresça, se realize e desenvolva habilidois destinos. Com a régua medimos um seguimento dades que de outra forma poderia pensar ser imposdo infinito. Uma parte de nossa vida. A retidão que sível realizá-las.
buscamos.
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A constante assertiva de muitos maçons contemporâneos de que “não tem tempo”, quer para ir à
Loja ou realizar atividades de filantropia, demonstra
uma não utilização dos princípios maçônicos sobre a
administração do tempo (ALCÂNTARA FILHO, 2012).
Ele formula uma questão-chave: “O tempo
poderia existir sem a alma e o pensamento, que são
os verdadeiros sujeitos de toda a medição? (218b)”.
Depois de uma análise desta questão, ele mesmo formula a resposta afirmando que isso poderia ser váliSegundo os conceitos filosóficos do simbolis- do para todas as coisas, menos para o tempo e o momo maçônico, “tempo obtido” seria uma vitória pes- vimento.
soal, inigualável, uma capacidade de autogestão, ou a
As respostas acima seriam analisadas séculos
pura demonstração da vontade, de responsabilidade depois por Santo Agostinho. Mas, retornando a Arise do reconhecimento de si própria. Um caminho que tóteles, podemos ressaltar a definição de seu objeto:
se propõe reto é íntegro e honesto. Cada nova ação “O tempo, se não é o próprio movimento, é seu núproposta deverá ser bem estudada, analisada, e, para mero calculado, isto é o resultado da medição” (219).
ser edificada, basta incluí-la nos intervalos de cada Assim ganhamos consciência do tempo pelo fato do
ponto de nossa régua, utilizando para isso os princí- movimento representar uma sucessão contínua, defipios éticos que envolvem a liberdade, a igualdade e a nida como um antes e um depois, ou seja, “O tempo
fraternidade (BAYARD, 2004).
é o número do movimento conforme o antes e o deNo campo simbólico, junto ao malho e o cin- pois” (219b).
zel, a régua forma um conjunto de ferramentas ou
instrumentos que devem ser usados pelo Aprendiz
em seu trabalho, como Rito Escocês Antigo e Aceito.
Já no Rito de York, mais antigo que esse, a régua de
24 polegadas está associada ao “martelo de corte”,
um instrumento muito mais apropriado ao trabalho
no “desbastar” da Pedra Bruta.
Lógico que já evidenciamos esses conceitos
aristotélicos no simbolismo da régua de 24 polegadas, no sentido de podermos medir numericamente
um espaço de movimento menor (ciclo de oito horas)
durante um dia (três ciclos de oito horas).
Analogamente, no item 223-b da mesma
obra, Aristóteles diz que “a locomoção circular (o moDe qualquer forma, a régua era usada pelos vimento dos astros no céu) é a melhor medida, pormaçons operativos, àqueles que remontam das len- que seu número é o mais conhecido”, o que também
das míticas aos construtores de templos, para execu- remete a simbolismo maçônico, do Rito Escocês.
tar um trabalho de precisão na construção, medindo,
Heidegger (2012), ao citar Platão, afirmou que
delineando, ajustando o traçado ou limites do corte o tempo nasceu quando um ser divino colocou orde uma determinada pedra para uma construção es- dem e estruturou o caos primitivo. O tempo tem,
pecífica.
portanto, de acordo com Platão, uma origem cosmoO Tempo: Primeiros Conceitos
lógica. Ele procura estabelecer a distinção entre o
"ser'' e o "não ser''. O mundo do "ser'' é fundamental
e não está sujeito a mutações. Ele é, portanto, eternamente o mesmo. Este mundo, entretanto, é o
mundo das ideias, apreensível apenas pela inteligência e pode ser entendido utilizando-se a razão. O
mundo do “não ser’’ faz parte das sensações, que são
irracionais, porque “dependem essencialmente de
cada pessoa” (LUCE, 1994).
Aristóteles (1995), em sua obra “Physique IV,
Tratado do Tempo”, faz uma reflexão sobre a realidade física do tempo, aquela que é medida pelos relógios, dando inclusive a impressão que descarta o
tempo psicológico, demonstrando que o tempo é
uma ilusão. Para ele, o momento presente, como
“instante”, não pode existir para o homem, pois não
O domínio do tempo estaria nesse segundo
pode ser percebido instantaneamente, como no somundo, assim como tudo o que se observa no univernho (BURNET, 1994).
so físico, tendo assim uma importância menor. Talvez
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se existem nas representações de
nossas mentes, eles o fazem na forma presente, pois é no presente que
concebemos ou imaginamos o futuro e nos recordamos do passado
(cap. XVII)”. (ABRÃO & COSCODAI,
1999).
possa ser dito que para Platão o tempo essencialmente não existe, uma vez que faz parte do mundo
das sensações.
O Tempo da Alma
Platão (2002), em Timeu, afirma que o “deus
quis que todas as coisas fossem boas”. Portanto, para
A humanidade tem necessidade de medir o
ele, esse deus:
que ela concebe como tempo. A régua de 24 polega*...+ teve a ideia de criar uma espécie das expressa essa necessidade. Portanto, deve ser
de imagem móvel da eternidade, e, dividida em 3 partes iguais, pois aqui o tempo se
enquanto organizava o céu, criou à
apresenta como número e, como todos os números,
semelhança da eternidade imutável
em sua unidade, uma imagem em indicando quantidade – quer de tempo ou de horas –
eterna evolução, ritmada pelo nú- não passa de um produto prático de pensamento.
mero; e é isto que chamamos de
tempo. À constituição do tempo, ele
combinou o nascimento dos dias,
das noites, dos meses e do ano
(Platão. Timeu e Critias ou Atlântida,
2002).
Considerações Finais
A natureza do tempo tem sido um dos maiores problemas desde a antiguidade, quer no que concerne a medição, passagem, fluidez, linearidade ou
circularidade, se divino, cósmico ou meramente físiEsses princípios mostram a universalidade do
co.
ensino simbólico da Maçonaria, em especial na régua
Acredita-se cada vez mais que ele é uma das
de 24 polegadas, pois o ciclo se repete, a cada 8 medições numéricas, num ciclo ininterrupto de 3 medi- propriedades gerais do pensamento humano ou uma
ções. Ou seja, a cada hora, a cada dia, mês e ano. En- se suas exterioridades e que, para a compreensão e
fim, a régua e os conceitos platônicos nos remetem a entendimento de nossa humanidade, precisa ser dividido em três dimensões lineares: o passado, o prenossa própria vida e eternidade.
sente e futuro.
Santo Agostinho (op. cit) oferece-nos outra
Sabemos que devemos a máxima de “nunca
reflexão sobre o tempo onde ele opõe a eternidade
nos
banhamos
duas vezes no mesmo rio” a Heráclito
imóvel num eterno presente e o tempo que passa.
Para ele o “Verbo” eterno é o criador de todos os (1988), que é o filósofo da transformação e do movitempos em que a criação pode ocorrer. E no capítulo mento perpétuo. Conceito que reforça o princípio de
XIII afirma que não havia tempo antes que o tempo que a divisão igual em 24 partes da régua, embora
existisse, mostrando que o futuro não existe ainda, o repetida cotidianamente pelos maçons, nunca terá o
passado já não existe mais e presente vai desapare- mesmo objetivo, pois se renova automaticamente, ao
cer a medida que o tempo avança, sendo portanto final de cada ciclo de 24 horas.
efêmero.
Mesmo sendo uma contraposição ao pensaOutra contribuição de Agostinho é que do mento de Platão (op. Cit), que, ao defender um “ciclo
tempo “psicológico” de Aristóteles constrói a ideia de mítico de eterno retorno”, onde o tempo era um movimento cíclico e assíduo, pois aquilo que acontecia
tríade:
no passado era repetido e retornava (VERNANT,
*...+ passado-presente-futuro que
não existem em atos, mas nas re- 1992), a régua de 24 polegadas reafirma um conceito
presentações de nossas mentes, e de que a repetição insensata de pensamentos e
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ações, diariamente, traz infortúnios.
Na perspectiva de Kant, o tempo é uma estrutura da relação do sujeito com ele próprio e com o
mundo, uma forma “a priori” da sensibilidade, uma
espécie de intuição pura e ao mesmo tempo, uma
noção objetiva de observação e não extraído da experiência, ou seja, um dos limites para o conhecimento no plano da sensibilidade.
Independente do valor material, físico e matemático da medição do tempo, relacionando-o ao passado, presente ou futuro, a medida que o tempo se
torna subjetivo ou psicológico, cada ser humano pode vivenciá-lo numa situação agradável, desagradável, lenta, rápida, penosa ou alegre. Conclui-se portanto que o homem, pela sua condição de mortal, é
afetado por processos diferentes do que ocorrem no
espaço infinito.
HEIDEGGER, M. Platão, o Sofista. São Paulo: Editora Forense Universitária, 2012.
LUCE, J.V. Curso de Filosofia Grega. Trad. M.G. Kury. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
PLATÃO. Timeu e Critias ou Atlântida. Rio de janeiro: Hemus Editora, 2002.
RAGON, J. M. Ritual do Aprendiz Maçom. 8ª Ed. São Paulo:
Pensamento, 2005.
SANTO AGOSTINHO. Confissões. Rio de Janeiro: Editora
Paulus, 1997.
VERNANT, J. P. As origens do Pensamento Grego. Trad.
I.B.B. da Fonseca. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 7ª ed.,
1992.
Há uma assertiva na Maçonaria brasileira de
que “somos todos aprendizes”. Sendo assim, a régua
de 24 polegadas, pelo menos teoricamente, nos
acompanha sempre. Se seu simbolismo é usado junto
com a nossa capacidade mental de reter acontecimentos e imagens passamos a ter uma condição fundamental para as características fundamentais da vida social, o que inclui obrigatoriamente a necessidade de “tempo” para nós mesmos e para nossas famílias.
Referências
ABRÃO, B.S.; COSCODAI, M.U. História da Filosofia. São
Paulo: Nova Cultural, 1999.
ALCÂNTARA FILHO, N. Irmãos, Ajudai-me a Abrir Loja. São
Paulo: Madras, 2012.
ARISTÓTELES. Physique IV, Traité du temps. Paris: Kimé,
1995.
BAYARD, J. P. A Espiritualidade da Maçonaria: da Ordem
Iniciática Tradicional às Obediências. São Paulo: Madras,
2004.
BURNET, J. O Despertar da Filosofia Grega. Trad. M. Gama.
São Paulo: Siciliano, 1994.
HERÁCLITO. Fragments et Témoignages, Les Présocratiques. Paris: Gallimard, 1988.
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