Grindr e Scruff: amor e sexo na Cibercultura
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Grindr e Scruff: amor e sexo na Cibercultura
Performances Interacionais e Mediações Sociotécnicas Salvador - 10 e 11 de outubro de 2013 GRINDR E SCRUFF: AMOR E SEXO NA CIBERCULTURA1 Edvaldo Souza Couto2 Joana Dourado França de Souza3 Sirlaine Pereira Nascimento4 Resumo: O artigo analisa usos do Grindr e Scruff, dois dos aplicativos de dispositivos móveis mais populares, que promovem encontros afetivos e sexuais por meio do mapeamento de geolocalização dos usuários em rede. O principal argumento é que a promoção de si é uma característica da cibercultura que faz circular aceleradamente os sujeitos em vitrines virtuais. A análise é feita por meio dos conceitos de visibilidade, espetacularização do eu e hiperconsumo em torno da cultura digital, na qual valoriza-se a máxima exposição dos corpos em busca de prazeres imediatos e fugazes. O método usado foi o da pesquisa qualitativa, descritiva e analítica. O artigo conclui que os usuários destes aplicativos têm em comum a busca constante de parceiros, a ânsia por experiências afetivas e sexuais voláteis e encontram, muitas vezes, no mero ato de exibir-se em rede uma pedagogia de excitação e gozo. Palavras-chave: Grindr. Scruff. Corpo. Amor e sexo. Cibercultura. Abstract: This article analyzes the uses of Grindr and Scruff, two of the most popular apps for mobile phones, that promotes dates and sex through finding people based on their locations. The main argument is that the self promotion is an aspect of ciberculture that makes the subjects go faster in virtual storefronts. The analysis is made by concepts of visibility, of turning the person into spectacle and hyperconsumption in digital culture, whichis the maximum value of exposure bodies in search of immediate and fleeting pleasures. The method used was qualitative, descriptive and analytical research. The article concludes that users of these applications have in common the constant search for partners, the craving for affective and sexual experiences volatile and often find the mere act of showing up in one network one pedagogy of excitement and enjoyment. Keywords: Grindr. Scruff. Body. Love and sex. Cyberculture. 1 Artigo submetido ao NT 1– (Sociabilidade, novas tecnologias e práticas interacionais ) do SIMSOCIAL 2013. Professor na graduação e pós-graduação em Educação na UFBA. Doutor em Educação pela Unicamp. 3 Bolsista na Net Escola de Saúde Coletiva da UFBA. Especialista em Coordenação Pedagógica pela UFBA. 4 Coordenadora Pedagógica da Prefeitura Municipal de Simões Filho . Especialista em EAD e Novas Tecnologias pela Faculdade Educacional da Lapa. 2 1 INTRODUÇÃO Em tempos de superexposição desejada e permitida, paquerar às escondidas, sutilmente, por meio de trocas de olhares e recadinhos tornou-se pouco usual, anacrônico. A vida privada publicada diariamente em sites de redes sociais digitais possibilita a exibição dos corpos que estão disponíveis em vitrines virtuais para serem negociados em praticamente todas as relações e combinações possíveis. É nesse contexto que o Grindr e o Scruff se destacam e se popularizam como aplicativos para dispositivos móveis que visam à resolução da paquera entre o público gay, bisexual ou simpatizante. Esses aplicativos são baseados em GPS (Global Positioning System), permitem localizar possíveis parceiros sexuais e informam aos usuários a distância entre si, com uma margem de erro de 30 metros. O objetivo é valorizar e promover a mobilidade virtual e geográfica entre os sujeitos conectados. É comum que as mesmas pessoas usem os dois aplicativos. Entretanto, como muitos atualmente vivem ávidos por novidades, parece que há uma certa migração de usuários do Grindr para o Scruff. A popularidade dos aplicativos também resulta de usuários moventes, dispostos a experimentar as últimas novidades tecnológicas. Esse é um universo onde os produtos e serviços têm vida curta, prazos de validade ultra pequenos e podem ser devorados ou reconfigurados pelos últimos lançamentos. O objetivo do estudo foi analisar usos desses aplicativos por parte de um grupo de usuários, discutindo suas expectativas e experiências. A fundamentação teórica considerou estudos no campo da cibercultura, sobretudo, a partir da análise dos conceitos de visibilidade, espetacularização do eu e hiperconsumo, em torno da cultura digital, na qual valoriza-se a máxima exposição e consumo dos corpos em busca de prazeres imediatos e fugazes. No artigo defendemos que a promoção de si é uma característica da cibercultura que, na velocidade da conectividade em tempo real, faz circular aceleradamente os sujeitos em vitrines virtuais. O método usado foi o da pesquisa qualitativa, descritiva e analítica. O artigo conclui que os usuários destes aplicativos têm em comum a busca constante de parceiros, uma ânsia por prazeres instantâneos e experiências afetivas e sexuais voláteis e encontra, muitas, vezes, no mero ato de exibir-se em rede uma pedagogia de excitação e o gozo. O artigo foi estruturado em três sessões. A primeira descreve os aplicativos Grindr e Scruff e destaca tantos aspectos de funcionamento quanto potencialidades de usos. A segunda discute o hiperconsumo como uma característica das sociedades conectadas onde os corpos humanos são expostos nas vitrines virtuais e as possibilidades afetivas e sexuais consumidas vorazmente. A terceira sessão discorre numa correlação entre os construtos teóricos e o campo empírico a partir do relato de experiências de quatro usuários dos aplicativos em estudo. 2 GRINDR E SCRUFF: VITRINES VIRTUAIS PARA ENCONTROS AFETIVOS E SEXUAIS A cibercultura, como definiu Lévy (1997) é a infra-estrutura tecnológica, mas também os seres humanos que conetados navegam no universo oceânico da informação; um conjunto de técnicas e igualmente de práticas, atitudes, comportamentos, valores, pensamentos que são desenvolvidos coletivamente no ciberespaço. Nesse conjunto inesgotável de experiências vivemos atualmente a chamada era dos aplicativos. Aplicativos são softwares desenvolvidos para serem instalados em dispositivos eletrônicos móveis, como smartphones, tablets ou leitor de MP3. Através da instalação desses recursos os usuários adquirem uma liberdade maior de conexão, já que podem se conectar a diversas plataformas simultaneamente e diminuir custos de serviços de internet. Com as tecnologias móveis somos inseridos na dinâmica libertária e comunitária que comanda o crescimento da internet, pois em qualquer tempo e lugar nos conectamos uns aos outros e promovemos a inteligência coletiva. Com o advento da web 3.0 - caracterizada pela interseção das redes e usos de aplicativos móveis – vivemos de modo muito mais intenso a expansão da convergência midiática. Agora, estabelecer redes de sociabilidade capazes de ultrapassar fronteiras geográficas e constituir fluxos flexíveis e maleáveis são modos de vida que Lemos e Santaella (2010, p. 17) denominaram de cultura da virtualidade real. Por meio dessa cultura do efêmero é possível o compartilhamento de experiências e interesses comuns através das trocas instantâneas de informação, além do contato contínuo e ininterrupto entre os usuários. Os aplicativos móveis atuam nesse contexto por serem recursos de sistemas abertos, ou seja, permitem que as pessoas estejam constantemente conectadas na dinâmica da mobilidade, independente de limites de tempo e espaço. 2.1 GRINDR Idealizado em março de 2009 pelo israelense Joel Simkhai o Grindr foi o primeiro aplicativo a fazer sucesso entre o público gay, bisexual e simpatizante a procura de sexo prático e rápido. Em entrevista concedida a G Magazine, revista destinada ao publico gay brasileiro, Simkhai (2012) afirmou que criou o Grindr para resolver uma questão pessoal de poder encontrar outros caras ao seu redor. Inicialmente o aplicativo foi lançado em apenas seis países, mas fez tanto sucesso que atualmente está em 192 países, totalizando 5 milhões de usuários móveis. Todos os dias 10 mil pessoas criam perfis no site. A palavra Grindr significa moedor. Cada sujeito pode moer e se deixar moer no mercado dos desejos como quiser, como acontece com os vários grãos de café. Cada um pode misturar os grãos e obter o café que quiser. Só que ao invés de café, as pessoas se tornam moedoras de afetos, de amor e sexo, explicou nesta entrevista o criador do aplicativo. O aplicativo usa a tecnologia GPS e dos smartphones e basta o sujeito criar um perfil com foto e preencher informações como idade, altura, etnia e uma breve descrição pessoal. Ao se interessar por alguém e clicar no perfil da pessoa o usuário obtêm informações de localização aproximada, em quilômetros e metros, em que ela se encontra. Na versão gratuita, mais utilizada, é possível visualizar o perfil de até 100 pessoas que estão ao seu redor. O aplicativo possibilita também aumentar a foto, salvar usuários como favoritos, bloquear pessoas e denunciar perfis falsos. Dispõe de chat para interatividade, socialização e compartilhamento de fotos. Existe ainda a versão Grindr Xtra em que, por meio de pagamento prévio, os usuários têm acesso a até 200 perfis e a recursos adicionais que auxiliam a busca dos possíveis parceiros, com informações mais detalhadas e precisas. Segundo Simkhai (2012), o principal conceito do Grindr é proporcionar a interação e gestão da vida social na palma da mão; é facilitar o encontro no momento em que os homens estão em movimento, criando oportunidades para o cara-a-cara. Os sujeitos que utilizam o Grindr ficam conectados em média uma hora e meia por dia. Fato esse que faz seus criadores investirem de forma ostensiva em parcerias publicitárias. Em quatro anos de existência o Brasil ocupa a 9º posição em relação aos países que utilizam o aplicativo. São 157 mil usuários, sendo as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro como as que mais usam o aplicativo no país (154 mil). Esses dados, de novembro de 2012, colocam o Brasil como líder da América do Sul. Imagem do perfil de um dos usuários do Grindr. Acesso em 20 de março de 2013. Embora o aplicativo tenha carater fortemente sexual, Simkhai (2012) sustenta o ponto de vista que o propósito maior de uso é a busca de um relacionamento estável, até mesmo um casamento, afinal o sexo rápido não exclui o desejo de relacões românticas e estáveis. O sexo rápido pode ser o primeiro e importante passo para uma relação apaixonada, pois, como seres humanos, estamos sempre na esperança de encontrar essa pessoa especial e os usuários do Grindr não são diferentes. De acordo com o criador do aplicativo é preciso considerar que as pessoas podem usar o Grindr com muitos objetivos, como fazer amizades, encontrar parceiros casuais e até descobrir o amor. “Quanto mais usuários tivermos no aplicativo, melhor será para todos nós e mais provável ainda serão as chances que todos vamos ter de encontrar o cara dos nossos sonhos. E se você ainda não tem, por favor considere o download do Grindr Xtra.” (SIMKHAI, 2012). 2.2 SCRUFF Outro aplicativo do gênero que merece destaque é o Scruff. Criado em 2010, um ano depois do Grindr, por Johnny Skandros Scruff, o aplicativo foi desenvolvido em compatibilidade tanto com o sistema Android quanto com a plataforma IOS para iPhone e iPad. Essa facilidade de acesso em qualquer dispositivo móvel é um dos fatores do seu reconhecimento mundial. A proposta principal do Scruff é semelhante a do Grindr: rede social que facilita o entrelaçamento de pessoas que buscam amizade, um relacionamento afetivo ou somente sexo instantâneo. Os sujeitos de uma rede social agem com intencionalidade, portanto têm autonomia para estabelecer relação uns com os outros, sendo responsáveis pelas ações praticadas. O contato entre os usuários da rede são constituídos a depender das afinidades, necessidades, circunstâncias e da vontade de cada um. O Scruff é uma rede social para gays, bisexuais e simpatizantes se encontrarem. No começo parecia voltado para a população dos gordinhos e peludos, os chamados “ursos”, mas logo passou a ser usado pelo que passou a ser conhecido como “rapaz Scruff”. O “rapaz Scruff” pode ser urso, militar, jogador, bombeiro, estudante; pode ser um rapaz do tipo “eu, você, qualquer um de nós”. O que o aplicativo diz é o seguinte: um rapaz Scruff pode estar sentado ao seu lado, pode ser do seu quarterão, pode estar bem no destino da sua própria viagem. Encontre-o e seja feliz (SCRUFF, s/d, online). Para utilizar o Scruff também é necessário cadastrar-se e criar um perfil com informações pessoais e foto. O Scruff, diferentemente do Grindr, possibilita que o usuário realize um check-in em alguma localização através do Facebook ou Twitter. Ao fazer essa operação os usuários deixam uma espécie de rastro simbolizado com o desenho da “pata de urso” quando visita algum perfil. Para muitos usuários, o Scruff faz parte da construção do modelo de um gay de sucesso, aquele que tem um bom smartphone ou tablet, que é bem relacionado, vive conectado e dispõe de quantidade de perfis e fotos que podem ser acessadas e exibidas para os amigos mais próximos. Imagem da página inicial do Scruff. Acesso em 20 de março de 2013. 3 CORPOS ERÓTICOS EM VITRINES VIRTUAIS Um mosaico de imagens de corpos masculinos atraentes introduzem as páginas dos aplicativos Grindr e Scruff. Homens se exibem nestas vitrines virtuais em busca de encontros fugazes e/ou relacionamentos amorosos. Cada usuário procura expor seus melhores atributos corporais para seduzir e aumentar as oportunidades de sucesso nestes cenários do ciberespaço. O exibicionismo é categórico pois para se sobressair neste contexto os usuários têm que apresentar uma “mercadoria” desejável. Eles são, ao mesmo tempo, os promotores das mercadorias e as mercadorias que promovem (BAUMAN, 2008). Estes aplicativos ressaltam a mercantilização das relações interpessoais porque se assemelham às transações de compra e venda. Numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, os corpos, os afetos, as sensações intensas, o amor e o sexo experimentado de muitos modos e intensidades, são mercadorias apreciadas. Agora tudo e todos devem estar disponiveis para o prazer passageiro, a satisfação instantânea, sem esforço. É preciso considerar que a esfera mercantil tornou-se onipresente, tentacular, ilimitada (LIPOVESTSKY e SERROY, 2011). A mercantilização tornou-se a principal caracteristica da nossa época. Tudo passa a ser regido pelo consumo: os objetos, ideias, pessoas, corpos, afetos. Para estes autores, vivemos a era do hiperconsumo, essa força motriz da contemporaneidade, que contamina e dissemina as relações sociais. E este fato é amplificado pela dinâmica das tecnologias digitais, a exemplos desses aplicativos, que expõem os produtos humanos em tempo real e em escala planetária. Hoje a lógica do consumo está entranhada em todos os espaços sociais. E são fortes as marcas do mercado que contagiam os relacionamentos íntimos entre as pessoas. Adquirir um objeto atrativo, utilizá-lo com um determinado objetivo e depois descartá-lo quando não for mais necessário corresponde ao ciclo do consumo. Esse é o universo do descartável, onde os prazos de validade são cada vez mais curtos e os produtos imediatamente perecíveis. Este ciclo, que envolve a aquisição de um produto, a sua satisfação e saturação, é vivido numa velocidade vertiginosa (Baudrillard, 1986). As mercadorias perdem o valor rapidamente e logo são substituídas por outras mais novas e atrativas. Como afirma Bauman (2008, p. 111), “a síndrome consumista degradou a duração e elevou a efemeridade. Ela ergue o valor da novidade acima do valor da permanência.” O sujeito sacia sua vontade ao comprar, porém logo depois já está novamente insatisfeito e desejando mais. Nas relações sociais, cada vez mais efêmeras, é perceptível esta dinâmica. As pessoas, tambem convertidas em produtos, se exibem de forma sedutora para provocar uma demanda e um consequente aumento de posibilidades de consumo. De muitas maneiras cada um se exibe, se vende e é consumido por ilimitadas pessoas nas sideralidades das redes e conexões. Desta forma, o imperativo é espetacularizar o eu e a própria vida para angariar consumidores. Cada um se torna empresário, promove a encenação artificial de si, se faz jogo de estratégia nas aparências (BAUDRILLARD, 1979). O domínio simbólico é o da sedução e os sujeitos fazem marketing de si mesmos, publicizam suas imagens para atrair olhares e participar desta trama nas redes infinitas e alegres das trocas. É pelas sensações que a sociedade vive excitada (TURCKE, 2010). É preciso circular, ganhar visibilidade, proliferar a si mesmo, viver de excessos e desperdícios. Influenciados pelas mídias, a meta é enfeitar e recriar o próprio eu como se fosse um personagem audiovisual. Desse modo, são muitos os apelos para que as pessoas se tornem visíveis, ficcionalizem a realidade, exteriorizem as intimidades nas telas, já que a profusão de telas multiplica ao infinito as possibilidades de se exibir diante dos olhares alheios e, desse modo, tornar-se um eu totalmente visível (SIBILIA, 2008). Nesse contexto da exibição festiva de si, as pessoas se transformam em mercadorias desejáveis nas vitrines virtuais para consumidores ávidos de subjetividades voláteis. E a efemeridade do hiperconsumo, inscrita neste cenário dos afetos, é traduzida progressivamente pelos relacionamentos fugazes, pelo sexo casual. Como escreveu Bauman (2004), essa é era das pessoas sem vínculos estáveis e duradouros, dos amores líquidos, das possibilidades românticas transitórias. Ao invés de relacionamentos o que importa agora é conectar-se e ser conectado, salvar-se na velocidade das expriências e das substituições. No Grindr e no Scruff a maioria das conexões e interações tem como fim encontros para trocas afetivas e sexuais em tempo breve. A ideia é localizar sem esforço as possbilidades, os alvos mais desejados e não perder tempo em paqueras demoradas e sem chance de sucesso. Nesse sentido, a aceleração é um privilégio da nossa época. Quando nós e o outro nos colocamos no mercado à disposição dos encontros e prazeres, apaixonar-se e desapaixonar-se, agitar o corpo, triunfar desejos e promover gozos, são ações marcadas pela instantaneidade. O objetivo hedonista é propiciado pelas inúmeras opções expostas, os corpos eróticos exibidos nas telas, que são facilmente localizados pelo GPS dos dispositivos. O que importa é ter o outro e o gozo ao alcance das mãos, sem compromisso, permanência ou duração. Como escreve Lipovetsky (2006, p. 63): O hiperconsumidor busca menos a posse das coisas por si mesmas que a multiplicação das experiências, o prazer da experiência pela experiência, a embriaguez das sensações e das emoções novas: a felicidade das pequenas aventuras previamente estipuladas, sem risco nem inconveniente. Os aplicativos Grindr e Scruff expõem a cultura do hiperconsumo presente em todos os segmentos da sociedade hiperconectada. Os corpos erotizados que ilustram suas páginas introdutórias, como mercadorias expostas para o consumo, corroboram esta lógica. O essencial de nossas trocas tende a tornar-se relações mercantis. É a quase totalidade de nossa existência que se encontra colonizada pelas marcas e pelo mercado. Estes aplicativos, que servem às demandas atuais, não fogem aos imperativos imediatos de visibilidade, consumo e gozo. 4 OS USUÁRIOS OU OS CORPOS PAVONEADOS NAS VITRINES VIRTUAIS Os aplicativos Grindr e Scruff exaltam a facilidade proporcionada pelo serviço de geolocalização para encontrar pessoas em qualquer hora e lugar. Os sites que promovem encontros sem essa possibilidade dificultam muito a interação entre os usuários. Neles, quase sempre, é preciso muita conversa e tudo pode se arrastar demais. Essa demora nesses tempos de urgência que vivemos acaba desmotivando as pessoas. Esses aplicativos com geolocalização são sedutores porque fazem o jogo rápido, aproximam pessoas que já estão conectadas, buscando as mesmas coisas, com os mesmos interesses. Então é mais fácil encontrar o cara certo, sem nenhum obstáculo. Entrevistamos quatro usuários dos dois aplicativos para entendermos comportamentos de usos destes ambientes. As entrevistas, presenciais e on-line, aconteceram de 11 a 14 de março de 2013. O tempo de cada entrevista variou de 20 a 45 minutos. O critério de seleção dos sujeitos foi que tivessem perfis ativos nos dois aplicativos. As idades variaram entre 23 e 47 anos. Todos tem nível universitário e se dizem de classe média. Moram em Salvador – BA. O método utilizado foi o qualitativo, descritivo e analítico. O método qualitativo, de acordo com Minayo (2007, p. 22) é a abordagem metodológica que se preocupa com uma realidade que não pode ser quantificável, pois se dedica a investigar as crenças, valores, comportamentos, significados e outros construtos das relações humanas. Por isso é importante numa pesquisa qualitativa não se preocupar com a quantidade, mas com a qualidade das informações produzidas, descrevê-las e analisá-las de acordo com os seus objetivos. Considerano essas orientações, as quatro entrevistas foram consideradas suficientes para as finalidades deste estudo. Os entrevistados foram identicados como A, B, C e D. Para efeito de análise agrupamos as falas dos entrevistadas por meio de palavras-chave e delas resultaram três temas que mais se destacaram: O consumo do sexo sem compromisso; sexo casual e mobilidade; o exibir-se como gozo. 4.1 O CONSUMO DO SEXO SEM COMPROMISSO Os entrevistados destacaram que os aplicativos são excelentes porque facilitam as paqueras, a imediaticidade das abordagens, a resolução sem complicações dos encontros sexuais. Os aplicativos, dizem, foram criados para quem quer conhecer o cara certo, mas não quer perder tempo circulando por ai em buscas intermináveis e muitas vezes frustrantes ou inúteis. O cara certo e dos sonhos pode até ser idealizado com características do amor romântico, alguém que quer um namorado, um casamento, mas no fundo o que as pessoas buscam quando usam esses aplicativos é o sexo rápido e sem compromisso. Acho muito chato ficar num bar bebendo, fumando e olhando discretamente pra um cara. Não suporta esse jogo, ficar esperando e decifrando sinais. Ele dá mole, enrola, enrola e enrola e depois vai embora com um amigo, um namorado ou namorada. Não dá. Com o aplicativo eu seleciono o cara disponível que está perto de mim. Digo o que quero e se ele responde positivamente partimos pro que interessa. Não é maravilhoso? (C) Seguindo esse viés, outro entrevistado descreveu a lógica das interações nestes aplicativos por usuários de Salvador: Ao contrário de outros lugares, aqui as pessoas mostram pouco o rosto. Tem mais foto de peito, costa, sunga, cueca. Alguns tem um álbum privados que liberam. Ai você vê o rosto ou manda foto do rosto, em anexo. Na grande maioria tem a idade, um nome sugestivo com o que procura, tipo... o meu é safado, outros: putão, passivo procura, alguns usam as iniciais dos nomes, P. P tipo Pedro, Paulo, etc. Alguns descrevem dizendo que querem fazer amizades, namoro e tal... mas na verdade a grande maioria procura por sexo fácil, rápido. Como esses aplicativos indicam a distancia que alguém está de você... alguns metros, ou poucos passos.. tudo acontece muito rápido. Você encontra a pessoa, rola uma química. Ai não se conversa nada ou quase nada e termina na cama (A). Visibilidade e hiperconsumo estão explícitos nesta declaração, afinal as relações limitam-se ao sexo, ao consumo de corpos. Para um outro entrevistado tudo está atrelado ao modo como cada um se exibe nos aplicativos. O corpo fragmentado, exibido em partes, mobiliza desejos e paixões específicas: Raramente encontramos foto do corpo inteiro num perfil. São sempre partes do corpo que estão em destaque, justamente aquela que o dono quer vender: o peito, o músculo do braço, o pé, a mão, os olhos, a nuca, as costas, a bunda, o volume do pau, a marca da cueca, a tatuagem, etc. Então eu vejo se aquela parte do corpo me interessa e é por ela que eu me jogo, sabe como é? Ai eu já compro aquela imagem. Quando o cara está na minha frente pode nem ser essa coisa toda. Mas está ali disponível e eu já quero aquela parte do corpo que ele anunciou e me fisgou. É assim (C). Para o entrevistado A, repetir parceiros encontrados nos aplicativos não valoriza o sujeito. Tá. De vez em quando eu saio novamente com o mesmo cara, se ele está ali bem fácil. Mas não gosto. Parece coisa de namorinho. Se saio com a mesma pessoas várias vezes é porque não estou conseguindo pegar mais ninguém no Scruff. O bom de usar o aplicativo é pegar gente nova (A). O sexo sem compromisso constrói subjetividades à deriva. Mais importante que se ligar a alguém é circular e deslizar despudoradamente entre desejados e pretendentes. 4.2 SEXO CASUAL E MOBILIDADE Os entrevistados destacaram que o sexo casual é marcado por determinadas exigências que ressaltam características corporais mais valorizadas socialmente. No que concerne o padrão de beleza celebrado nestes contextos, o esteriótipo do homem másculo e branco é predominante. A aparência exaltada é a dos “jovens, brancos, bem sucedidos, com perfil masculinizado”, afirma o usuário A. B ratifica esta asserção: “O padrão é o mesmo das festas de Salvador. Corpos 'marombados' e brancos de preferência. Se for negro, tem que ser fortão, másculo e lindo mesmo”. Aquele que não se enquadra neste perfil tenta mostrar-se semelhante a este modelo para atrair contatos. Todos destacaram que a mobilidade é valor fundamental. Os aplicativos são, especialmente, para homens que estão em movimento, em trânsito, e não presos em casa, agarrados em seus computadores de mesa. A mobilidade de um sujeito revela também a sua relação econômica, não só porque é dono de um smartphone de última geração, mas também porque circula em locais ou ambientes socialmente mais valorizados. Tudo isso, para os entrevistados, é pra destacar que no sexo casual o poder aquisitivo também é avaliado. O local onde o sujeito acessa os aplicativos, publicizado pelo geolocalizador, corresponde a um indício da classe social que ele faz parte. Segundo relato do usuário C, alguns participantes que residem em bairros pobres da periferia, contudo frequentam bairros nobres em seus cotidianos, só ficam online nestes espaços mais valorizados. Em suma, existe, mesmo que velado, um protótipo que determina o valor da mercadoria. Para ser desejável, vendável, é preciso aparecer com um referido padrão, mesmo que seja necessário escamotear os “defeitos” físicos ou o baixo poder financeiro. Se eu vejo que o fulano está lá nas Cajazeiras ou nas Suburbanas eu nem perco tempo. Mas se está na Graça, Barra, Pituba, nos Shoppings mais badalados, nos ensaios de bloco mais descolados, ai a coisa muda de figura. A pessoa já fica toda linda. Isso excita muito (D). Tudo deve ser feito em movimento, em qualquer lugar e na velocidade das conexões. E com a mesma velocidade que as ações acontecem elas também findam. Bauman (2011) classifica o mundo atual como líquido, pois como todos os líquidos, nada conserva uma forma, nada se fixa, tudo está em permanente deslizamento. A dinâmica destes aplicativos exemplificam esta constatação. Com esta rapidez das tecnologias digitais, na lógica do hiperconsumo, o mundo do amor e sexo gira: Encontros sexuais sim. A frequência só depende de você estar online que aparece. Se ambos gostarem as coisas acontecem de modo fácil, basta umas 3 ou 5 perguntas. Tipo... Oi, hey! o que curte? tem local? Que horas? e pronto, nos encontramos e tudo acontece tipo mecânico. É diferente da paquera, da conquista... (A) O que importa é compatilhar o prazer. O cotidiano e as dificuldades de um relacionamento são ignorados porque das “mercadorias” só a satisfação imediata é desejada. 4.3 O EXIBIR-SE COMO GOZO Os entrevistados destacaram que muitas pessoas criam perfis nos aplicativos mas não se colocam à disposição para o sexo. A súbita abundância de corpos nas vitrines virtuais necessariamente não criam possibilidades amorosas ou sexuais. O que é meio chato nesses aplicativos é que muita gente não procura amizade, sexo, namoro, casamento, porra nenhuma. Muita gente só quer estar ali, se exibindo. A imagem é que conta, entende? É o povo que só serve pra fazer número no aplicativo. Só quer mostrar que é isso ou aquilo, mas não pega e não come ninguém (D). Em muitas circunstâncias estas relações perecíveis não ultrapassam o âmbito virtual. Para o usuário B “parece que a maior das intenções, pelo menos em Salvador, é a troca de fotos eróticas e só.” A corrobora com esta declaração: “Eu gosto de trocar fotos sensuais... esses aplicativos facilitam o sexo virtual. Muitas vezes o prazer estar em viver entre essas imagens”. Estas falas mostram que “na cibercultura, essa é a forma de realização plena das sexualidades: o sexual é apenas um modo de aparecimento, um brilho efêmero e arrebatador dos corpos, turbinados pelas tecnologias, nas carícias sem fim das telas.” (COUTO, 2012, p.33). Em tempos de conexões aceleradas a presença física pode ser dispensada. As imagens eróticas compartilhadas, e a interação em rede em tempo real, são suficientes para proporcionar um prazer asséptico e descartável. A mera exibição narcisística também é exaltada neste contexto. D afirma : “Gosto de me sentir desejado por muitos.” Apenas se expor por meio de fotos e conversas sedutoras , com frases feitas e rápidas, são meios considerados eficientes para angariar muitos contatos. Ter muitos contados, uma audiência pra quem se exibir, corresponde a uma finalidade especificas de muitos usuários desses aplicativos. Criar um personagem de si mesmo e se apresentar de forma performática para atrair audiência são modos triunfantes de gozo. Ser acessado por várias pessoas, ter o perfil visitado, são ações que em si aceleram certos prazeres competitivos, promovem o sujeito. Então, o gozo por conta da multiplicação de interações nestes ambientes e, consequentemente, a liderança em rankings de sedução e popularidade também são condizentes com a lógica do hiperconsumo. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Encontros casuais e sexo sem compromisso sempre existiram no mundo independente do contexto sócio-digital. Entretanto, a realidade evidenciada por meio desses usos dos aplicativos Grindr e Scruff está imersa na lógica da cibercultura que valoriza a conexão permanente, a mobilidade e a sideralidade dos acontecimentos, dos corpos, do amor e do sexo. Os relacionamentos seguem o ritmo veloz dos toques nas telas dos dispositivos móveis conectados às redes. Eles são norteados pelas dinâmicas do consumo voraz do capitalismo do século XXI. Há, notoriamente, uma mercantilização da vida cotidiana. Nas ações mais banais das pessoas são perceptíveis as marcas do mercado. Logo, as relações, os afetos, o amor e o sexo passam a ser transações proporcionadas pelos aplicativos como consequências desta conjuntura. Os corpos que se expõem nas telas anseiam por uma demanda de consumo. Ser consumível se tornou a maior fonte de gozo. Os comportamentos dos usuários aqui descritos e analisados nos permitem um conjunto de conclusões das quais queremos destacar três. A primeira é esse misto de amor e sexo que parece resistir onde só o sexo casual impera. Esse paradoxo faz sentido e um certo romantismo é justificado, pois as mitologias do coração não foram esgotadas pelo sexo. Por mais que o escopo seja de ordem estritamente sexual a fantasia amorosa - encontrar o homem da sua vida - pode estar presente, mesmo que sirva, apenas, como discurso para vender um produto. O ideal amoroso habita o imaginário coletivo e é humanamente possível alcançá-lo por meio do sexo rápido promovido por estes aplicativos, como em qualquer outro ambiente social. Todavia, como ficou evidenciado nas entrevistas, a finalidade principal é o sexo mesmo. Busca-se prazer rápido na velocidade dos toques nas telas touch screen. A segunda conclusão é que a efemeridade que caracteriza o hiperconsumo é imperativa. Toda a cultura das conexões se bandeou para a volaticidade. As falas dos entrevistados aqui expostas e atreladas aos conceitos apresentados neste texto exibem estes traços da cibercultura: uma busca incansável por prazeres instantâneos, fugazes e descartáveis amplificados pelas tecnologias digitais; um hedonismo fundamentado pelo hiperconsumo, pela publicidade, pela espetacularização das vidas privadas. O amor e o sexo, então, se formam e se deformam neste universo. A última conclusão destacada é a própria exibição dos sujeitos nos aplicativos como forma de gozo. Amor e sexo são sensações, um ir e vir nas telas. Os corpos, sempre de passagem, são espetacularizados para acessos múltiplos. É aqui que cada um deve se servir à vontade, perseguir e acumular o máximo de gozo, mostrar-se à altura de desempenhos sexuais extraordinários em meio a proezas sensacionais. Tudo isso porque amor e sexo não estão mais necessariamente nos corpos, mas também nas narrativas que se proliferam nas telas que não cessam de nos seduzir. Esse modos de viver apontam pedagogias de excitação e gozo, revelam os nossos segredos em triunfantes conexões humanas breves e, por isso mesmo, cheia de encantos. REFERÊNCIAS BAUDRILLARD, Jean. De la séduction. Paris, Éditions Galilée, 1979. _________. La societé de consommation. Paris, Gallimard, 1986. BAUMAN, Zygmunt. 44 cartas do mundo líquido moderno. Tradução: Vera Pereira. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. _________. Vida para Consumo: A transformação das pessoas em mercadorias. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. _________. Amor liquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores, 2004. COUTO, Edvaldo Souza. Corpos voláteis, corpos perfeitos: Estudos sobre estética, pedagogias e políticas do pós-humano. Salvador: EDUFBA, 2012. LÉVY, Pierre. Cyberculture. Paris, Éditions Odile Jacob, 1997. LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. 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