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PONTO DE VISTA Ciência A volta por cima Pesquisa ODI O caso da doutora Imanishi-Kari A doutora Thereza Imanishi-Kari é mais conhecida no Brasil por um erro; não dela, dos outros. A cientista brasileira, que vive em Boston há mais de vinte anos, ficou famosa ganhando manchetes negativas de grandes jornais por ser apontada como autora de fraude científica num artigo de 1986, que fez no Massachussets Institute of Technology, onde trabalhava. Assinou o artigo, na revista Cell, junto com o prêmio Nobel de Medicina, David Baltimore, sobre a reação imune de camundongos cujo repertório de respostas imunológicas havia sido alterado pela introdução de genes diferentes no seu patrimônio genético. Thereza foi finalmente absolvida, em 1996, pelo governo dos EUA. E está de novo na vanguarda da pesquisa em seu setor: acaba de publicar um artigo na revista Immunology que traz revelações surpreendentes sobre o comportamento das chamadas células B jovens, que podem ajudar a elucidar o complexo mecanismo de diferenciação que permite ao sistema imune humano, por exemplo, produzir cerca de 1 bilhão de tipos de células diferentes para defender o nosso corpo (veja matéria na página 35). Heroína no Fantástico A acusação contra Thereza se desenvolveu num processo de dez anos e foi conduzida, a partir do final dos anos 1980, pelo Office for Research Integrity, um órgão federal americano que moveu processos contra mais de 200 cientistas do país, inclusive o descobridor do vírus da Aids, Robert Gallo. Essa história, de enredo quase kafkiano, é contada no livro do historiador da ciência americana Daniel Kevles, The Baltimore Case, A Trial of Politics, Science and Character. Na acusação contra Thereza esteve inclusive o Serviço Secreto da presidência da República americana, que confiscou e analisou todos os livros, cadernos e registros de laboratório da cientista brasileira. O processo foi conduzido a partir do empenho de um dos mais poderosos deputados do Congresso americano, o democrata John Dingell, hoje no ostracismo. Como WWW.OFICINAINFORMA.COM.BR foi possível uma perseguição tão absurda contra uma cientista cujo crime maior foi o de aventurar-se em busca de explicações vanguardeiras no campo misterioso da nossa própria estrutura de defesa? Como foi possível que grandes jornais liberais nos EUA, The New York Times, The Washington Post e The Boston Globe; no Brasil, a Folha de S. Paulo tivessem escolhido a postura de desenvolver o escândalo, ao invés de esclarecer os fatos durante os dez anos? Com certeza, os políticos e jornalistas que criaram o escândalo que envolveu a dra. Imanishi-Kari estavam mais preocupados em vender jornais e conseguir votos por essa via, do que trilhar o difícil e aparentemente pouco recompensador caminho da busca da verdade e de sua popularização. Hoje, o Office for Research Integrity americano foi fechado, depois de ter sido desmoralizado. Já em 1996, depois de um julgamento de mais de 20 dias, diante de uma corte administrativa da Secretaria de Saúde do governo americano, na qual foi inocentada de todas as acusações de fraude, Thereza recebeu desculpas públicas em editorial do The New York Times. No Brasil, apareceu como heroína, no Fantástico, da Rede Globo. Mas é o seu artigo na revista Immunology, a prova definitiva de que ela, de fato, como diz a famosa letra de Paulo Vanzolini, levantou, sacudiu a poeira e deu a volta por cima (na foto, de 1996, Thereza, Kevles (à sua direita) e Baltimore, de camisa preta, comemoram a vitória no julgamento). Como Stálin É curioso notar que usar o Servico Secreto para controlar a ciência, como fizeram os americanos, copiou um dos piores erros feitos pela União Soviética. Entre os anos 1930 e 50, na URSS, num debate sobre evolução e genética, o Serviço Secreto passou a perseguir os cientistas que defendiam a idéia de que as características dos organismos vivos estavam impressas em genes de uma estrutura especial e se mantinham a despeito de mudanças no ambiente. Trofim Lysenko, um agrônomo prático de pouca cultura e grande combatividade, sustentava o ponto de vista oficial de que mudanças ambientais facilmente induziam alterações das características herdadas. E foi apoiado pessoalmente por Stálin, que chegou a anotar e corrigir textos críticos que Lysenko fez para conduzir o debate da questão. Essas posições causaram grande dano à URSS. Em 1928, Nikolai Koltsov, organizador do Instituto de Biologia Experimental de Moscou, que depois morreu em desgraça, levantou a idéia de que os traços hereditários estavam contidos em moléculas especiais, com estrutura de dupla hélica antecipando, em um quarto de século, as descobertas científicas da estrutura e biossíntese do DNA e das proteínas. REPORTAGEM N.56 MAIO 2004 7