1 - aprendizagem e desenvolvimento em vygotsky

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1 - aprendizagem e desenvolvimento em vygotsky
APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO EM
VYGOTSKY
Termisia Rocha
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo discutir e enumerar as relações entre a
aprendizagem e o desenvolvimento propostas por Lev Vygotsky contidas
principalmente em seu trabalho “Aprendizagem e Desenvolvimento em Idade
Escolar”. Para tanto, listamos e comentamos as três categorias de teorias que se
propuseram a analisar a problemática da relação entre aprendizagem e
desenvolvimento, sendo elas: a teoria Piagetiana, a teoria defendida primeiramente
por W.James e a terceira conhecida como teoria gestaltista. Neste trabalho Vygotsky
propõe que se esqueça essas três categorias citadas e que se busque outra que
melhor solucione o problema, temos então a apresentação das idéias do autor que
giram em torno da aprendizagem e desenvolvimento geral e as características
especificas dessa inter-relação. A partir daí apresentamos os níveis de
desenvolvimento denominados como nível de desenvolvimento efetivo e área de
desenvolvimento potencial. Por fim com base nas alegações e afirmações de
Vygotsky citamos qual seria a função da escola que busca potencializar o
desenvolvimento e aprendizagem das crianças em idade escolar.
PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem; Desenvolvimento; Vygotsky.
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LEARNING AND DEVELOPMENT IN
VYGOTSKY
SUMMARY
The present study aimed to discuss and enumerate the relationships between
learning and development proposed by Lev Vygotsky contained primarily in his work
"Learning and Development in School Age." To this end, we list and comment the
three categories of theories that sought to examine the issue of the relationship
between learning and development, namely: Piagetian theory, the theory advocated
by W.James first and third known as Gestalt theory. This paper proposes that
Vygotsky forget these three categories mentioned above and another that seeks to
better solve the problem, then we have the author's presentation of ideas that revolve
around learning and development of general and specific characteristics of this
relationship. From there we present the levels of development known as the level of
actual development and potential development area. Finally based on the allegations
and claims of Vygotsky quoted what the function of the school that seeks to enhance
development and learning of school children.
KEYWORDS: Learning, Development, Vygotsky
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Introdução
O processo de aprendizagem, o desenvolvimento e o ensino, sempre se
mostraram relevantes na teoria e nos escritos de Lev Vygotsky (1896-1934) para ele
o entendimento da intrínseca relação entre instrução escolar e desenvolvimento
cognitivo é um dos passos para se adentrar ao cerne da questão desenvolvimental.
Pode-se comparar essa ação ao encontrar o elo perdido de grandioso problema, vez
que a resolução desse aspecto lançaria luz sobre a escolha de teorias e técnicas
que melhor se adequassem ao uso coerente de estratégias, cujo objetivo primeiro
seria o de facultar o desenvolvimento das crianças em idade escolar de maneira
exitosa.
Para Vygotsky, a história da sociedade e o desenvolvimento do homem estão
totalmente conectados, de maneira que não seria possível separá-los. A forma como
os adultos tentam transmitir para as crianças os seus modos, seus pensamentos,
suas experiências e sua cultura, demonstram que desde tenra idade as crianças
mantêm constante interação com os adultos, em conseqüência disso os processos
cognitivos e psicológicos mais complexos vão tomando forma, no início são
chamados de interpsíquicos, ou seja, partilhados no contato com os adultos ou com
as outras pessoas e na medida que a criança vai crescendo os processos acabam
por tornar-se intrapsíquicos. Sobre isso Vygotsky (1978) explica que:
Cada função no desenvolvimento cultural de uma criança aparece duas
vezes: primeiro no nível social e mais tarde, no nível individual, primeiro
entre pessoas (interpsicológico) e depois dentro da criança
(intrapsicológico). Isso se aplica igualmente a toda atenção voluntária, à
memória, à formação de conceitos. Todas as ações mentais superiores se
originam como relações reais entre pessoas. (VYGOTSKY, 1978, p.57).
As idéias apresentadas por Vygotsky contestaram algumas das teorias mais
difundidas sobre a relação entre desenvolvimento e aprendizagem na criança que
estavam em vigor e espalhadas sobre todos os campos de estudo de sua época,
principalmente nas áreas da Psicologia e na Educação. De acordo com ele haviam
três concepções teóricas diferentes, ele esquematizou-as em três categorias
fundamentais e distintas.
As Teorias contestadas por Vygotsky
A primeira concepção teórica descrita pelo autor “parte do pressuposto da
independência do processo de desenvolvimento e do processo de aprendizagem”.
(VYGOTSKY, 2010, p.103). Exemplificando essa teoria temos a tão conhecida
concepção de Jean Piaget mostrando que os processos de desenvolvimento
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independem da aprendizagem, nessa perspectiva a capacidade de raciocínio e a
inteligência da criança são considerados processos autônomos, que de modo algum,
são influenciados pela aprendizagem escolar.
Sintetizando o raciocínio proposto, podemos descrever essa teoria como
sendo a precursora de uma separação eterna entre o processo de aprendizagem e o
do desenvolvimento, com base nesse preceito bastaria que a criança estivesse
pronta, madura e então ela teria condições de aprender ou de desenvolver-se.
Na concepção Piagetiana o mais importante eram os métodos utilizados e
não as técnicas empregadas para se estudar o desenvolvimento mental da criança.
Nessa linha de desenvolvimento a criança deve atingir uma determinada etapa, com
a maturação de algumas funções e só depois disso a escola poderia fazer a criança
adquirir determinados conhecimentos e hábitos. Sendo assim, de acordo com essa
maneira de pensar, podemos afirmar que para Piaget, o desenvolvimento sempre se
antecipa à aprendizagem.
Vygotsky (2010), ao referir-se a essa teoria afirma que “o aprendizado é
considerado um processo puramente externo que não está envolvido ativamente no
desenvolvimento. Ele simplesmente se utilizaria dos avanços do desenvolvimento ao
invés de fornecer um impulso para modificar seu curso”. (VYGOTSKY, 2010, p. 103).
Na realidade, semelhante teoria não permite sequer colocar o problema do
papel que podem desempenhar, no desenvolvimento, a aprendizagem e a
maturação das funções ativadas no curso da aprendizagem (VYGOTSKY, 2010,
p.104). Outro exemplo que traduz essa posição é citado por Vygotsky (2011),
quando ele afirma que:
Um dos aspectos mais típicos desta escola de pensamento consiste nas
tentativas que levou a cabo para separar cuidadosamente os produtos do
desenvolvimento dos da instrução, pressupondo que assim poderia isolá-los
na sua forma pura. Nenhum investigador o conseguiu até hoje. Geralmente
atribuem-se as culpas destes fracassos à inadequação dos métodos,
compensando-se os mesmos fracassos com um redobrar das análises
especulativas. Estes esforços para dividir o equipamento intelectual das
crianças em duas categorias podem ir a par com a noção de que o
desenvolvimento pode seguir o seu curso normal e atingir um nível elevado
sem o concurso da instrução — e que até as crianças que nunca foram à
escola podem desenvolver as formas de pensamento mais elevadas e
acessíveis aos seres humanos. (VYGOTSKY, 2011, p.93).
A segunda categoria de soluções propostas para os problemas que envolvem
aprendizagem e desenvolvimento pauta-se na tese de que aprendizagem é
desenvolvimento, ou seja, existe um entrelaçamento desses dois aspectos. Essa
teoria foi primeiramente exposta por W. James e nela admite-se tanto a existência
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do desenvolvimento quanto da aprendizagem e se estabelece uma relação de
dependência entre eles, um estaria condicionado ao outro. Este pensamento está
em oposição ao primeiro tendo em vista que naquele haveria uma separação vital
entre os dois precursores: desenvolvimento e aprendizagem.
Exemplificando podemos dizer que se fosse possível traçar uma linha, tanto
aprendizagem como desenvolvimento estariam no mesmo nível, ou seja, se fosse
estabelecido grau de importância todos dois receberiam o mesmo tratamento. Para
Vygotsky (2010) olhando com mais atenção e rigor percebe-se que:
Um exame mais profundo desse segundo grupo de soluções demonstra
que, apesar de suas aparentes contradições, os dois pontos de vista têm
em comum muitos conceitos fundamentais e na realidade se assemelham
muito. Segundo W. James “a educação pode ser definida como a
organização de hábitos de comportamento e de inclinação para as ações”.
Também o desenvolvimento vê-se reduzido a uma simples acumulação de
reações. Toda reação adquirida – diz James – é quase sempre uma forma
mais completa da reação inata que determinado objeto tendia inicialmente a
suscitar, ou então é um substituto dessa reação inata. Para James, o
indivíduo é simplesmente um conjunto vivo de hábitos. (VYGOTSKY, 2010,
p.105).
Como crítica a essa teoria Vygotsky (2010) aponta a existência de uma
espécie de paralelo entre o desenvolvimento e a aprendizagem, que acarretaria um
movimento de constante sobrepor de um sobre o outro, o problema nesse caso seria
então compreender qual processo acontece primeiro e o que decorre deste, mas,
para essa teoria tudo estaria sincronizado e acontecendo simultaneamente. Em não
havendo separação, seria por demais complexo entender e estudar cada parte.
Então, para Vygotsky (2011) ao percebermos as coisas assim, somos levados
a concluir que dessa forma “se vê o desenvolvimento intelectual da criança como
uma acumulação gradual de reflexos condicionados; a aprendizagem é vista
precisamente da mesma forma. Como a instrução e o desenvolvimento são idênticos
não se levanta sequer a questão da relação existente entre ambos”. Para o autor
essa problemática poria em questão esse grupo de teorias (VYGOTSKY, 2011,
p.95).
Um terceiro grupo de teorias objetivou juntar as duas anteriores, na mesma
medida em que almejou estar acima delas. Nesta abordagem, o processo de
aprendizagem está apontado como independente do desenvolvimento, embora
coincida com ele. Foram introduzidos aspectos inéditos, como a tentativa de
conciliação dos pontos de vista anteriores e a consideração da questão da
interdependência entre desenvolvimento e aprendizagem, destacando ainda o papel
da aprendizagem no desenvolvimento da criança. (VYGOTSKY, 2011, p.95)
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Sintetizando essa performance do terceiro grupo, Vygotsky (2011) comenta
que “a terceira escola de pensamento, representada pela teoria gestaltista, tenta
reconciliar as duas anteriores teorias, evitando as suas fraquezas. Embora este
ecletismo tenha como resultado uma abordagem algo inconsistente, consegue com
isto uma certa síntese entre os dois pontos de vista opostos. Nesse sentido
percebemos uma busca por unicidade, já que as teorias anteriores deixavam
margem para muitos questionamentos.
Essa corrente ficou conhecida pelos estudos de Koffka e está sintetizado por
Vygotsky (2010) como sendo uma linha de abordagem segundo a qual:
[...] o desenvolvimento mental da criança caracteriza-se por dois processos,
que embora conexos, são de natureza diferente e condicionam-se
reciprocamente. Por um lado está a maturação, que depende diretamente
do desenvolvimento do sistema nervoso, e por outro lado a aprendizagem
que segundo Koffka, é em si mesma o aprendizado. (VYGOTSKY, 2010, p.
106).
A teoria de Koffka como já dissemos, carrega consigo aspectos congruentes
com as outras categorias já mencionadas e seu ponto diferencial e o mais
importante de acordo com Vygotsky é a ampliação do papel da aprendizagem no
desenvolvimento. No entanto, esse fato nos envia diretamente a um problema
pedagógico, o problema da disciplina formal. Esta prática provocou um
conservadorismo exagerado, porque partia do pressuposto de que é imprescindível
ensinar nas escolas disciplinas tais como as línguas clássicas ou as matemáticas,
uma vez que, presumia-se que elas desempenhavam papel importante no
desenvolvimento mental da criança. Para comprovar essa teoria basta observar os
currículos escolares e notar que essa interpretação acabou por inchar as escolas
com conteúdos e mais conteúdos formais.
O interessante é que justamente em oposição a esse conservadorismo
surgiram as teorias da segunda categoria estudada, buscando compreender a
aprendizagem como algo autônomo e não como meio para o desenvolvimento da
criança. Desprezar esse aspecto é o mesmo que crer que a disciplina formal é
exclusivamente responsável e necessária ao desenvolvimento das aptidões mentais.
A derrocada dessa vertente aconteceu com estudos que comprovaram que as
disciplinas formais possuíam uma influência mínima no desenvolvimento, mesmo
quando o estudo especial ou particular de uma atividade fosse semelhante ao de
outra.
Para
Vygotsky
(2010)
“as
faculdades
intelectuais
atuariam
independentemente da matéria sobre a qual operam, e o desenvolvimento de uma
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destas faculdades levaria necessariamente ao desenvolvimento de outras”
(VYGOTSKY, 2010, p.107).
Logo, para o autor, a terceira categoria não resolveu a questão do
desenvolvimento e da aprendizagem e em contrapartida contribuiu para torná-la
mais opaca, por isso Vygotsky propõe que se esqueça as três categorias citadas e
busca por uma outra que melhor solucione o problema. Nessa busca por
comprovações e respostas o autor realiza algumas experiências e de agora em
diante iremos nos ater em sintetizá-las.
Em busca de outras categorias: aprendizagem e desenvolvimento em geral e
as características específicas dessa inter-relação
É fundamental destacar a assertiva de Vygotsky (2010) ao dizer que “a
aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem escolar”, para ele
nenhuma criança entra em uma escola e parte do nada, como se fosse uma tábua
rasa, oca, sem preenchimento algum, ao contrário, ela traz uma história, algo que
vem antes e que pode ou não ter continuidade. Sendo assim, a aprendizagem não
necessariamente inicia-se na idade escolar, para o autor existe uma diferença
substancial entre o que é produzido em termos de aprendizagem antes da criança
estar na idade escolar e o que ela adquire durante sua estada nas instituições
escolares.
Portanto, aprendizagem e desenvolvimento não entram em contato pela
primeira vez na idade escolar, eles estão ligados entre si desde os primeiros dias de
vida da criança. (VYGOTSKY, 2010, p.111). Tentando desmistificar a problemática o
autor propõem em seus estudos que se analise duas vertentes da questão, sendo
elas: a relação entre aprendizagem e desenvolvimento geral e depois as
características específicas desta inter-relação na idade escolar.
Sobre as características específicas o autor argumenta que sem dúvida
nenhuma a aprendizagem deve estar coerente com o nível de desenvolvimento da
criança, logo, existe uma relação entre os níveis de desenvolvimento e a capacidade
potencial de aprendizagem da criança. Isso nos conduz a outra afirmação: não
existe um único nível de desenvolvimento e Vygotsky estudou-os escalonando-os
em dois.
O primeiro nível ele chamou de desenvolvimento efetivo da criança, devemos
entender por isso “o nível de desenvolvimento das funções psicointelectuais da
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criança que se conseguiu como resultado de um específico processo de
desenvolvimento já realizado”.(VYGOTSKY, 2010, p.111).
Ao segundo nível o autor chamou de área de desenvolvimento potencial, esse
é um dos pontos mais polêmicos e discutidos dos seus escritos. Na teoria
Vygotskyana são apresentadas proposições que afirmam que o desenvolvimento
apresenta uma gênese social, isto é, se dá de fora para dentro, destacando a
influência da cultura nesse processo. Para Vygotsky, a aprendizagem e o
desenvolvimento não são processos únicos e nem independentes, o autor atribui
valor à aprendizagem somente quando ela mesma é uma fonte de desenvolvimento.
Newman e Holsman (2002) transcrevem o pensamento de Vygotsky (1987) ao
afirmarem que:
Em vez disso, a unidade, aprendizagem-e-desenvolvimento tem complexas
inter-relações que são objeto de sua investigação (1987:201) De que modo
a aprendizagem traz à tona o desenvolvimento? A resposta reside na zona
de desenvolvimento proximal. “A aprendizagem é útil quando se move à
frente do desenvolvimento. Ao fazê-lo ela impele ou desperta toda uma
série de funções que estão em fase de maturação, repousando na zona de
desenvolvimento proximal (1987: 212). Além disso a aprendizagem seria
completamente desnecessária se simplesmente utilizasse o que já
amadureceu no processo de desenvolvimento, se não fosse ela mesma
uma fonte de desenvolvimento.(NEWMAN e HOLSMAN, 2002, p.76).
Daí concluímos que um conceito fundamental para a compreensão do
progresso cognitivo humano em Vygotsky (1984) é a área de desenvolvimento
potencial. Este se refere ao percurso que faz um indivíduo para desenvolver funções
que se encontram em processo de amadurecimento e que mais adiante se tornarão
funções consolidadas, estabelecendo assim o nível de desenvolvimento real do
indivíduo. Por exemplo, num dado momento, para executar uma atividade, uma
criança pode necessitar do auxílio de um adulto ou de uma criança mais velha
(habilidade situada em uma zona de desenvolvimento proximal), mas no futuro a
criança será capaz de realizar a tarefa sozinha (habilidade situada em uma zona de
desenvolvimento real). “A área de desenvolvimento potencial permite-nos, pois,
determinar os futuros passos da criança e a dinâmica do seu desenvolvimento e
examinar não só o que produziu, mas também o que produzirá no seu processo de
maturação”. (VYGOTSKY, 2010, p.113).
Então, o estado do desenvolvimento mental da criança só pode ser
determinado ou medido, quando se tem como referência no mínimo dois níveis,
sejam eles o desenvolvimento efetivo e a área de desenvolvimento potencial. Essa
constatação estremeceu todas as teorias em vigor, alterando a tradicional
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concepção pedagógica vigente, que ditava que o ensino deveria orientar-se tendo
como suporte o desenvolvimento já produzido, na etapa já superada. Para
exemplificar um aspecto negativo desse ponto de vista Vygotsky, citou o caso de
crianças que tem pouco pensamento abstrato e seus professores convictos de
estarem agindo corretamente decidem ensiná-las utilizando exclusivamente meios
visuais.
A adoção dessa espécie de estudo revelou-se insatisfatória, pois provou que
a exclusividade do ensino visual em nada respeita o pensamento abstrato e ainda
confirma essa incapacidade na criança, pois ao insistir no visual elimina todos os
germes do pensamento abstrato na criança.
Função da escola
Diante da constatação acima, Vygotsky (2010) esclarece que a função da
escola consiste em direcionar a criança a alcançar o que lhe falta e não relegá-la ao
abandono e presa a um universo específico. Um ensino que esteja orientado até
uma etapa de desenvolvimento que já foi efetivado é ineficaz do ponto de vista do
desenvolvimento geral da criança, porque dessa forma o ensino não está dirigindo o
processo e sim indo atrás dele.
Tomando como base a teoria do desenvolvimento potencial e seu contraste
com a pedagogia tradicional, o autor afirma que “o único bom ensino é o que se
adianta ao desenvolvimento”. (VYGOTSKY, 2010, p.115). Para ele:
A aprendizagem não é em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta
organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento
mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta
ativação não poderia produzir-se em aprendizagem. Por isso, a
aprendizagem é um momento intrinsecamente necessário e universal para
que se desenvolvam na criança essas características humanas nãonaturais, mas formadas historicamente. (VYGOTSKY, 2010, p.115).
Quando se relaciona a aprendizagem do adulto e da criança é ainda mais
perceptível a o papel da aprendizagem como fonte de desenvolvimento ou como
zona de desenvolvimento potencial. Nesse ponto Vygotsky contesta afirmações que
diziam não haver diferença substancial entre as duas e que um mecanismo
caracterizaria a formação de hábitos tanto em crianças quanto nos adultos, com a
diferença de que nas crianças ela é mais fácil e veloz.
Na visão Vigostyana (VYGOTSKY, 2010, p.116) reside aí um problema e para
explicá-lo o autor apresenta a seguinte questão: o que tem de diferente entre
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aprender a escrever a máquina na idade adulta, do processo que se dá na idade
escolar quando se aprende a língua escrita? Para Vygotsky (2010) “a diferença
essencial consiste nas diversas relações destas aprendizagens com o processo de
desenvolvimento”.
O exercício de aprender a usar a máquina estabelece conexão com um certo
número de hábitos, que por si só, não podem alterar a as características
psicointelectuais do homem. Para o autor uma aprendizagem como essa aproveita
um desenvolvimento já elaborado e completo o que contribui muito pouco para a
formação geral. No entanto, no aprendizado da língua escrita ocorre a ativação de
uma fase de desenvolvimento de processos psicointelectuais novos e complexos.
Talízina (2000) corrobora com esse pensamento ao dizer que “el desarollo se
caracteriza antes que nada, por la formaciones nuevas, por los câmbios cualitativos
en la vida psíquica del hombre. (TALIZINA, 2000, p.307). O aparecer destes
processos novos originam uma mudança ampla e radical das características gerais,
psicointelectuais da criança, da mesma forma que aprender a falar marca uma etapa
fundamental na passagem da infância para a puerícia. (VYGOTSKY, 2010, p.116).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao focalizar a relação entre aprendizagem e desenvolvimento, Vygotsky
(2010) alcançou algumas conclusões e dentre elas podemos citar que a
aprendizagem escolar orienta e estimula processos internos de desenvolvimento.
Sendo assim, o mais árduo e indicado para uma ação de análise do processo
educativo ampara-se na tarefa de descobrir o aparecimento e o desaparecimento
dessas linhas internas de desenvolvimento no momento em que se verificam,
durante a aprendizagem escolar. Então pode-se concluir que “o processo de
desenvolvimento
não
coincide
com
o
da
aprendizagem,
o
processo
de
desenvolvimento segue o da aprendizagem, que cria a área de desenvolvimento
potencial” (VYGOTSKY, 2010, P.116).
Uma segunda conclusão que podemos chegar é a de que a aprendizagem e o
desenvolvimento da criança não estão paralelos e simultâneos, como pregaram
alguns teóricos, existe sim uma dependência que pode ser encarada por nós como
complexa demais para almejarmos adentrar no seu âmago. Sobre a função da
escola, podemos destacar que com base nas afirmações sobre as disciplinas
formais, cabe aos gestores e às instituições analisarem com cautela essa questão.
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Não se nega que cada matéria ou disciplina tenha sua importância no processo
desenvolvimental da criança, mas há que se compreender e avaliar a importância de
cada uma no papel psicointelectual geral da criança, como nos adverte Vygotsky
(2010).
Outro ponto para o qual Vygotsky chama a atenção é a existência de um
arcabouço histórico que precede cada situação de aprendizagem, ou seja, a criança
em idade escolar já possui uma aritmética ou uma geometria não sendo portanto
uma vasilha oca na qual o professor irá depositar todo o conhecimento que ele tem
sobre determinado assunto, isso há que ser levado em conta na hora de planejar os
conteúdos e as metodologias que cada professor irá utilizar em suas aulas.
Finalizando, podemos dizer que a escola, como espaço privilegiado, deve
organizar-se para que todos que nela estão inseridos trabalhem no sentido de
compreender que a aprendizagem não é desenvolvimento. Um dos objetivos da
escola deve ser o de oferecer ao aluno situações de experiências que o oportunizem
realizar aprendizagens. Para tanto, os pressupostos teóricos de Vygotsky, aqui
apresentados, reafirmam a importância das inter-relações entre professor/aluno;
aluno/aluno; desenvolver/aprender, para a abertura de novos caminhos de
aprendizagem e desenvolvimento.
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REFERÊNCIAS
NEWMAN, Fred; HOLZMAN, Lois. Lev Vygotsky Cientista Revolucionário. São
Paulo: Edições Loyola, 2002, p.76.
TALÍZINA, Nina F. La enseñanza y el desarrollo. Cap. XIV. Manual de psicologia
pedagógica. Facultad de Psicología. Universidad Autónoma de San Luis Potosí,
2000, p.307.
VYGOTSKY, L. S. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In:
VYGOTSKY, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. (Org.). Linguagem,
desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1978, p. 57.
VYGOTSKY, Lev. S. Aprendizagem e desenvolvimento na Idade Escolar. In:
Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Vigostky, L. Luria, A. Leontiev, A.N.
11ª. Edição. São Paulo: Ícone, 2010, p. 103-116.
VYGOTSKY, Lev. S. O desenvolvimento dos conceitos científicos na infância. Cap.
6. Pensamento e linguagem. 2011, p. 93-95. Versão para eBook eBooksBrasil.com.
Disponível em: www.jahr.org. Acesso, 25 de junho de 2011.

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