RichardBach DeepakChopra
Transcrição
RichardBach DeepakChopra
Nunca esqueça que existem quatro coisas na vida que não se recuperam : A pedra - depois de atirada; A palavra - depois de proferida; A ocasião - depois de perdida: O tempo - depois de passado. UM. Dê mais às pessoas do que elas esperam, e faça-o com alegria. DOIS. Case com alguém com quem você goste de conversar. À medida em que vocês forem envelhecendo, seu talento para a conversa se tornará tão importante quanto os outros todos. TRÊS. Não acredite em tudo o que ouve; Não gaste tudo o que tem; Não durma tanto quanto gostaria. QUATRO. Quando disser "eu te amo", seja sincero. CINCO. Quando disser "sinto muito” olhe nos olhos da pessoa. SEIS. Fique noivo pelo menos durante seis meses antes do casamento. SETE. Acredite no amor à primeira vista. OITO. Nunca ria dos sonhos dos outros. Quem não tem sonhos tem muito pouco. NOVE. Ame profundamente e com paixão. Você pode se ferir, mas é o único meio de viver uma vida completa. DEZ. Quando se desentender, lute limpo. Por favor, nada de insultos. ONZE. Não julgue ninguém pelos seus parentes. DOZE. Fale devagar mas pense depressa. TREZE. Quando lhe fizerem uma pergunta a que não quer responder, sorria e pergunte; "Porque deseja saber?" CATORZE. Lembre-se que grandes amores e grandes realizações envolvem grandes riscos. QUINZE. Diga "saúde" quando alguém espirrar. DEZESSEIS. Quando você perder, não perca a lição. DEZESSETE. Recorde-se dos três "R": * Respeito por si mesmo, * Respeito pelos outros, * Responsabilidade pelos seus atos. DEZOITO. Não deixe uma pequena disputa afetar uma grande amizade. DEZENOVE. Quando notar que cometeu um engano, tome providências imediatas para corrigí-lo. VINTE. Sorria quando atender o telefone. Quem chama vai percebe-lo na sua voz. VINTE E UM. Passe algum tempo sozinho e reflita. Agora vem a parte divertida! Este tantra foi-lhe enviado para proporcionar boa sorte. Ele já correu o mundo dez vezes. Você terá boa sorte dentro de quatro dias depois de repassar o tantra. Mande cópias para as pessoas de quem gosta. Não mande dinheiro, porque a sorte não tem preço. Não conserve esta mensagem. O tantra deve sair de suas mãos em 96 horas. Você terá uma surpresa muito agradável. Isso vai acontecer, mesmo que você não seja supersticioso. Não fique com esta mensagem. Mande-o para pelo menos 5 pessoas, e sua vida vai melhorar. * 0-4 pessoas: Sua vida vai melhorar um pouco. * 5-9 pessoas: sua vida vai melhorar a seu contento. * 9-14 pessoas: você vai ter pelo menos 5 surpresas nas próximas 3 semanas. * 15 pessoas ou mais: sua vida vai melhorar drasticamente! As Sete Leis Espirituais do Sucesso [Deepak Chopra] ÍNDICE AGRADECIMENTOS INTRODUÇÃO 1. A LEI DA POTENCIALIDADE PURA 2. A LEI DA DÁDIVA 3. A LEI DO “KARMA” OU DA CAUSA-EFEITO 4. A LEI DO MENOR ESFORÇO 5. A LEI DA INTENÇÃO E DO DESEJO 6. A LEI DO DESPRENDIMENTO 7. A LEI DO “DHARMA” OU DA FINALIDADE DA VIDA SUMÁRIO E CONCLUSÃO ACERCA DO AUTOR AGRADECIMENTOS Gostaria de exprimir a minha gratidão e amizade às seguintes pessoas: janet MilIs por ter acalentado este livro desde a sua concepção até ao seu acabamento. Rita Chopra, Mallika Chopra e Gautama Chopra por constituírem a expressão viva das Sete Leis Espirituais. Ray Chambers, Gayle Rose, Adrianna Nienow, David Simon, George Harrison, Olivia Harrison, Naomi Judd, Demi Moore e Alice Walton pela coragem e empenhamento que mostraram no que respeita a esta visão inovadora, inspiradora, sublime, nobre e transformadora das nossas vidas. Roger Cabriel, Brent Becvar, Rose Bueno-Murphy e toda a gente do Sharp Center For Mínd-Body Medicine pelos encorajadores exemplos dados aos nossos convidados e doentes. Deepak Singli, Geeta Singh e toda a minha equipa das Edições Quantum pela suas incans veis energias e dedicação. Muriell Nellis pelo seu inabalável propósito de manter o mais elevado nível de integridade em todos os projectos. Richard Perl por ter constituído um tão excelente exemplo de auto-referência. Arielle Ford pela sua inabalável fé no autoconhecimento e pelo seu empenho em transformar as vidas de tantas pessoas. E Bill Elkus pela sua compreensão e amizade. INTRODUÇÃO Embora este livro se intitule As Sete Leis Espirituais do Sucesso, também se poderia chamar As Sete Leis Espirituais da Vida, porque se trata aqui dos mesmos princípios que a natureza aplica para criar tudo o que faz parte da existência material - tudo o que podemos ver, ouvir, cheirar, saborear ou tocar. No meu livro Como Alcançar Prosperidade: A Consciência da Riqueza no Campo de Todas as Possibilidades, estabeleci os passos para alcançar a consciência da riqueza, baseando-nos num verdadeiro conhecimento dos movimentos da natureza. As Sete Leis Espirituais do Sucesso constituem a essência dessa aprendizagem. Quando essa sabedoria se incorpora na nossa consciência, dá-nos a capacidade de criar uma riqueza ilimitada com um mínimo de esforço e permite-nos realizar com êxito todos os nossos projectos. O sucesso na vida poderia definir-se como a constante expansão da felicidade e a progressiva realização de objectivos meritórios. O sucesso consiste na capacidade de realizarmos os nossos desejos com um mínimo de esforço. E, no entanto, o sucesso, incluindo a criação de riqueza, foi sempre considerado um processo que exige um trabalho árduo e muitas vezes pensa-se que ele só se alcança à custa dos outros. Necessitamos de uma abordagem mais espiritual do sucesso e da prosperidade, que consiste no fluxo abundante de todas as coisas boas para nós. Com a sabedoria e a prática da lei espiritual, colocamo-nos em harmonia com a natureza e somos capazes de criar com despreocupação, alegria e amor. Há muitos aspectos do sucesso; a riqueza material constitui apenas uma componente. Para além disso, o sucesso consiste numa viagem, não constitui um destino. Acontece que a abundância material, em todas as suas formas de expressão, constitui uma das coisas que torna a viagem mais agradável. Mas o sucesso também requer uma boa saúde, energia e entusiasmo pela vida, fazer amizades, liberdade criativa, estabilidade emocional e psicológica, sensação de bem-estar e paz de espírito. Mesmo possuindo a experiência de todas estas coisas, não nos sentiremos realizados, se não acalentarmos dentro de nós as sementes da divindade. Na realidade, somos feitos de divindade, embora encoberta, e os deuses e deusas em embrião, que se encontram dentro de nós, procuram materializar-se plenamente. O verdadeiro sucesso consiste, portanto, na experiência do miraculoso. Consiste no desdobramento da divindade dentro de nós. Constitui a percepção da divindade para onde quer que vamos, em tudo aquilo que observamos nos olhos de uma criança, na beleza de uma flor, no vôo de uma ave. Quando começarmos a entender a nossa vida como a miraculosa expressão da divindade - não ocasionalmente, mas sempre - então compreenderemos o verdadeiro significado do sucesso. Antes de definirmos as sete leis espirituais, vamos começar por perceber o conceito de lei. A lei consiste no processo pelo qual o não-manifesto se torna manifesto; constitui o processo pelo qual o observador se torna no observado; constitui o processo pelo qual aquele que vê se transforma naquilo que é visto; consiste no processo pelo qual o sonhador manifesta o sonho. Toda a criação, tudo o que existe no mundo físico, constitui o resultado do não-manifesto transformando-se a si próprio em manifesto. Tudo aquilo que observamos provém do desconhecido. O nosso corpo físico, o nosso universo físico - tudo e qualquer coisa de que nos apercebamos através dos sentidos - consiste na transformação do nãomanifesto, do desconhecido e do invisível em manifesto, conhecido e visível. O universo físico não é mais do que o Eu voltando-se para Si Próprio para se realizar a Si Próprio como alma, espírito e matéria física. A consciência em movimento exprime-se sob a forma dos objectos do universo na eterna dança da vida. A fonte de toda a criação é a divindade (ou a alma); o processo da criação consiste na divindade em movimento (ou o espírito); e o objecto da criação consiste no universo físico (que inclui o corpo físico). Estes três componentes da realidade - alma, espírito e corpo, ou observador, processo de observação e observado - constituem essencialmente a mesma coisa. Todos provêm do mesmo local: o campo da potencialidade pura, que pertence ao campo do não-manifesto puro. Na verdade, as leis físicas do universo constituem todo este processo da divindade em movimento, ou da consciência em movimento. Quando compreendemos estas leis e as aplicamos nas nossas vidas, podemos criar tudo o que quisermos, porque as leis que a natureza aplica para criar uma floresta, uma galáxia, uma estrela, ou um corpo humano, são as mesmas que nos podem trazer a realização dos nossos mais Profundos desejos. Agora vamos passar para As Sete Leis Espirituais do Sucesso e ver como as podemos aplicar nas nossas vidas. A LEI DA POTENCIALIDADE PURA A LEI DA POTENCIALIDADE é a fonte de toda a criação que consiste na consciência pura. Ou seja, a potencialidade pura procurando exprimir o não-manifesto através do manifesto e, quando percebemos que o nosso verdadeiro Eu é potencialidade pura, aliamo-nos ao poder que manifesta tudo no universo. No princípio Não havia existência nem não-existência, Todo este mundo era feito de energia não-manifesta... O Uno respirava, sem movimentos, através do seu próprio poder Nada mais havia... Hino da Criação, Rig Veda A primeira lei espiritual do sucesso é a Lei da Potencialidade Pura. Esta lei baseia-se no facto de sermos, no nosso estado essencial, consciência pura. A consciência pura é potencialidade pura; constitui o campo de todas as possibilidades e da criatividade infinita. A consciência pura constitui a nossa essência espiritual. A sabedoria pura, o silêncio infinito, o equilíbrio perfeito, a invencibilidade, a simplicidade e a beatitude constituem outros atributos da consciência pura. Esta é a nossa natureza essencial. A nossa natureza essencial é constituída por potencialidade pura. Quando descobre a sua natureza essencial e sabe quem de facto é, nesse conhecimento de si próprio encontra a capacidade para realizar todos os sonhos, porque nós somos a possibilidade eterna, o potencial imensurável de tudo o que foi, é e será. A Lei da Potencialidade Pura também se podia chamar a Lei da Unidade, porque subjacente à infinita diversidade da vida se encontra a unidade de uma alma total e universal. Não há separação entre nós e este campo de energia. O campo da potencialidade pura é o nosso próprio Eu. E quanto mais possuirmos a experiência da nossa verdadeira natureza, mais próximo nos encontramos do campo da potencialidade p ura. A experiência do Eu, ou “auto-referência”, significa que o nosso ponto de referência interior é constituído pela nossa própria alma e não pelos objectos da nossa experiência. O oposto da auto-referência constitui a referência ao objecto. No plano da referência ao objecto, estamos sempre a procurar a aprovação dos outros. O nosso pensamento e o nosso comportamento são sempre em função de uma resposta. Por isso se baseiam no medo. No plano da referência ao objecto, também sentimos uma necessidade intensa de controlar as coisas. Sentimos uma necessidade intensa de poder externo. A necessidade de aprovação, a necessidade de controlar as coisas e a necessidade de poder externo baseiam-se no medo. Esta espécie de poder não representa o poder da potencialidade pura, nem o poder do Eu, nem um poder real. Quando experimentamos o poder do Eu, o medo desaparece, deixamos de ter uma necessidade de controlo compulsiva e deixamos de lutar pela aprovação e pelo poder externo. No plano da referência ao objecto, o nosso ponto de referência interior é o nosso ego. Mas o ego não constitui aquilo que de facto somos. O ego representa a nossa auto-imagem; é a nossa máscara social; constitui o papel que desempenhamos. A nossa máscara social precisa de aprovação para se engrandecer. Procura dominar e mantém-se através do poder que exerce, porque vive no medo. O nosso verdadeiro Eu, que é a nossa alma, encontra-se totalmente liberto destas coisas. É imune à crítica, não teme os desafios, e não se sente inferior a ninguém. E, no entanto, também é humilde e não se sente superior a ninguém, pois reconhece que todos os outros constituem o mesmo Eu, a mesma alma, sob diferentes formas. Esta constitui a diferença essencial entre a referência ao objecto e a auto-referência. No plano da auto-referência possuímos a experiência do nosso verdadeiro eu, que não teme nenhum desafio, respeita todas e não se sente inferior a ninguém. O auto poder constitui, portanto, o verdadeiro poder. Mas o poder baseado na referência ao objecto representa um poder falso. Sendo um poder baseado no ego, apenas dura enquanto o objecto de referência se encontra presente. Se uma pessoa tiver determinado título - se for presidente de um país ou presidente de uma corporação - ou se tiver muito dinheiro, o poder de que desfruta desaparece no momento em que perde o título, o trabalho, o dinheiro. O poder baseado no ego só dura enquanto durarem essas coisas. Logo que o título, o trabalho, o dinheiro desaparecerem, também o poder desaparece. o autopoder, pelo contrário, é permanente, porque se baseia no conhecimento do Eu. E o autopoder apresenta algumas características importantes. Atrai as pessoas para nós e também atrai até nós as coisas que desejamos. Magnetiza as pessoas, as situações, e as circunstâncias, de modo a apoiarem os nossos desejos. Também se chama a isto apoio das leis da natureza. É o apoio da divindade; um apoio que provém do facto de nos encontrarmos em estado de graça. Este poder faz com que sintamos alegria em nos sentirmos ligados às outras pessoas e elas também sintam alegria em se encontrarem ligadas a nós. Passamos a ter um poder de atracção uma atracção que se baseia no verdadeiro amor. Como podemos aplicar a Lei da Potencialidade Pura, ao campo de todas as possibilidades, às nossas vidas? Se quiser desfrutar dos benefícios do campo da potencialidade pura, se quiser aproveitar ao máximo a criatividade inerente à consciência pura, tem de ter acesso a ela. Uma das formas de ter acesso a este campo é através da prática diária do silêncio, meditação e não-julgamento. Passar tempo no meio da natureza também constitui uma forma de acesso às qualidades inerentes a este campo: criatividade infinita, liberdade e beatitude. A prática do silêncio significa que a pessoa se compromete a reservar algum tempo para Ser apenas. A experiência do silêncio significa que a pessoa se retira periodicamente da actividade da palavra. Nesses períodos, a pessoa também se retira de actividades como ver televisão, ouvir rádio, ou ler um livro. Se nunca tomarmos a oportunidade de experimentar o silêncio, o nosso diálogo interior será sempre turbulento. Reserve com alguma frequência um tempo para o silêncio. Ou mantenha apenas a regra de guardar silêncio por um certo período de tempo, todos os dias Poderia experimentar duas horas por dia, ou se lhe parecer demasiado, experimente apenas durante uma hora de cada vez. E de vez em quando, tente a experiência do silêncio durante um período extenso de tempo, como um dia inteiro, dois dias, ou mesmo uma semana inteira. O que acontece quando se entrega a esta experiência do silêncio? No princípio, o seu diálogo interior torna-Se ainda mais turbulento. Sente uma enorme necessidade de dizer qualquer coisa. Conheci pessoas que ficavam quase loucas no primeiro e no segundo dia em que iniciavam um período de silêncio. De repente, as pessoas parecem sentir-se pressionadas e ansiosas. Mas se persistirem na experiência, o seu diálogo interior começará a tornar-se sereno. E depressa o silêncio se torna profundo. Isto acontece porque depois de algum tempo, o espírito rende-se; percebe que não vale a pena andar para cá e para lá, se você - o Eu, a alma, aquele que escolhe - se decidiu por não falar, durante um certo período. Assim, quando o diálogo interior se acalma com o tempo, começamos a experimentar a serenidade do campo da potencialidade pura. A prática periódica do silêncio, do modo que for mais conveniente para si, constitui uma forma de experimentar a Lei da Potencialidade Pura. Outra, é fazer todos os dias algum tempo de meditação. O ideal seria reservar pelo menos trinta minutos para meditar, de manhã, e outros trinta à tarde. Através da meditação, terá a experiência do campo do silêncio puro e do conhecimento puro. No campo do silêncio puro encontra-se o campo da correlação infinita, o campo do poder organizador infinito, o princípio primeiro da criação, onde todas as coisas se ligam umas às outras de modo inseparável. Na quinta lei espiritual, a Lei da Intenção e do Desejo, verá como pode introduzir um ligeiro impulso de intenção neste campo, e a criação dos seus desejos surgirá, espontânea. Mas primeiro tem de fazer a experiência da serenidade. A serenidade constitui o primeiro requisito para podermos manifestar os nossos desejos, porque é na serenidade que reside a nossa ligação ao campo da Potencialidade pura, onde uma infinidade de pormenores se organiza para nós. imagine que atira uma pedra pequena para as águas paradas de uma lagoa e fica a ver as ondas que provocou na água. Depois de algum tempo, quando as ondas se acalmam, talvez atire outra pedra pequena. É exactamente aquilo que faz quando entra no campo do silêncio puro e introduz a sua intenção. Nesse silêncio, até a mais leve intenção produz ondas no princípio subjacente da consciência universal, que estabelece as ligações de todas as coisas umas com as outras. Mas se não passar pela serenidade da consciência, se o seu espírito for como um oceano turbulento, pode atirar lá para dentro o Empire State Building, que nada acontecerá. Na Bíblia, encontramos a expressão “Adquire serenidade e reconhece-me como Deus”. Isto só se pode realizar através da meditação. Outra forma de chegar ao campo da potencialidade pura é através da prática do nãojulgamento. O julgamento representa a constante avaliação das coisas como certas ou erradas, boas ou más. Quando se está sempre a avaliar, a classificar, a rotular, a analisar, cria-se uma imensa turbulência no nosso diálogo interior. Essa turbulência dificulta o fluxo de energia entre nós e o campo da potencialidade pura. Fechamos assim a “abertura” entre os pensamentos. A abertura constitui a nossa ligação ao campo da potencialidade pura. Constitui o estado de conhecimento puro, aquele espaço silencioso entre os pensamentos, aquela serenidade interior que nos liga ao verdadeiro poder. E quando fechamos a abertura, fechamos a nossa ligação ao campo da potencialidade pura e da criatividade infinita. Há uma oração em A Course in Miracles, onde se diz “Hoje não julgarei nada do que ocorrer. O não-julgamento cria um silêncio no nosso espírito. Portanto, é uma boa ideia começar o dia com esse propósito. E durante o dia, recorde-se desse propósito sempre que se aperceber de que está a fazer um julgamento. Se lhe parecer demasiado difícil manter este procedimento durante todo o dia, pode apenas decidir para si próprio: “Durante as próximas duas horas não vou fazer julgamentos sobre nada.” ou “Durante a próxima hora vou Praticar o não-julgamento”. Depois, vai aumentando a Pouco e pouco o tempo de duração da experiência. Através do silêncio, da meditação e do não-julgamento, terá acesso à Lei da potencialidade Pura. Quando começar a praticá-la, pode acrescentar um terceiro componente a essa prática - passar, com regularidade, algum tempo em comunhão com a natureza. Passar tempo com a natureza permite-lhe adquirir o sentido da interacção harmoniosa de todos os elementos e forças e dar-lhe sentido de unidade com tudo na vida. A ligação com a inteligência da natureza, quer se trate de um rio, uma floresta, uma montanha, um lago, ou a beira-mar, também o ajudará a entrar no campo da potencialidade pura. Deve aprender a relacionar-se com a mais íntima essência do seu ser. Essa verdadeira essência encontra-se para além do ego. Não teme nada; é livre; é imune à crítica; não teme nenhum desafio. Não é inferior a ninguém, não é superior a ninguém e é plena de magia, mistério e encantamento. Reconhecer a sua verdadeira essência também lhe trará um conhecimento interior daquilo que se representa, o espelho das suas relações com os outros, pois todas as relações constituem um reflexo da sua relação consigo próprio. Por exemplo, a culpa, medo e insegurança no que respeita ao dinheiro e ao sucesso, ou a qualquer outra coisa, representa um reflexo da culpa, medo e insegurança que constituem aspectos básicos da sua personalidade. Nenhum dinheiro ou sucesso poderá resolver estes problemas básicos da sua existência; apenas a intimidade com o Eu lhe trará uma verdadeira cura. E quando se basear no conhecimento do seu verdadeiro eu - quando de facto compreender a sua verdadeira natureza - nunca se sentirá culpado, amedrontado, ou inseguro acerca de dinheiro, prosperidade, ou realização dos seus desejos, porque compreenderá que a essência de toda a riqueza material é constituída por energia vital, é potencialidade pura. E a pura potencialidade constitui a sua natureza intrínseca. Quanto mais próximo estiver da sua verdadeira natureza mais espontaneamente receberá pensamentos criativos, porque o campo da potencialidade pura também constitui o campo da criatividade infinita e do conhecimento puro. Como Franz Kafka, o filósofo e poeta austríaco disse: “Não é necessário sair do seu quarto. Fique sentado à sua mesa e escute. Nem sequer precisa de escutar, espere apenas. Nem precisa de esperar, aprenda a tornar-se tranquilo, sereno e solitário. O mundo virá naturalmente oferecer-se-lhe, para através de si se revelar. Não poderá deixar de fazê-lo; desdobrar-se- em êxtase aos seus pés.” A prosperidade do universo - a prodigalidade e abundância do universo constitui uma expressão do espírito criativo da natureza. Quanto mais sintonizados estivermos com o espírito da natureza, mais fácil será o nosso acesso à sua imensa e infinita criatividade. Mas primeiro terá de ultrapassar a turbulência do seu diálogo interior para estabelecer a ligação com esse espírito abundante, próspero, infinito e criativo. E assim cria a possibilidade de uma actividade dinâmica, que ao mesmo tempo é acompanhada pela serenidade do espírito criativo, eterno e imenso. Esta peculiar combinação do espírito silencioso, imenso e infinito com o espírito individual, dinâmico e ilimitado, constitui o equilíbrio perfeito da serenidade e do movimento simultâneos, que podem criar tudo aquilo que se quiser. Esta coexistência de opostos serenidade e dinamismo ao mesmo tempo torna-nos independentes de situações, circunstâncias, pessoas e coisas. Quando tivermos serenidade para reconhecer esta peculiar coexistência de opostos, aliamo-nos ao mundo da energia - a sopa quântica, a não-substância não-material que constitui a fonte do mundo material. Esse mundo de energia é fluido, dinâmico, elástico, mutável, sempre em movimento. E, no entanto, também é imutável, sereno, tranquilo, eterno e silencioso. A serenidade, por si, constitui a potencialidade da criatividade; o movimento, por si, constitui a criatividade restrita a um determinado aspecto da sua expressão. mas a combinação de movimento e serenidade permite-lhe libertar a sua criatividade em todas as direcções para onde quer que o poder da sua atenção o conduza. Para onde quer que o movimento e a acção o conduzam, não deixe que a sua serenidade interior o abandone. Assim, o movimento caótico à sua Volta nunca ensombrará o seu acesso ao depósito de criatividade, o campo da potencialidade pura. de todos os tempos da vida, o campo da criatividade pura é o da criatividade ilimitada. Pratico o não-julgamento. Começo o dia com o pensamento, com o seguinte propósito: “Hoje não farei nenhum julgamento sobre nenhuma coisa” e durante todo o dia esforço-me por não fazer nenhum julgamento. COMO APLICAR A LEI DA POTENCIALIDADE PURA Ponho em prática a Lei da Potencialidade Pura, seguindo estes passos: 1 Entro em contacto com o campo da potencialidade pura, reservando todos os dias algum tempo para praticar o silêncio, para Ser apenas. Para além disso, sento-me sozinho em meditação silenciosa pelo menos duas vezes por dia, durante cerca de trinta minutos de manhã e trinta minutos de tarde. 2 Todos os dias reservo algum tempo para comungar com a natureza e para testemunhar em silêncio a inteligência que existe em todas as coisas vivas. Sento-me, em silêncio e contemplo o pôr do Sol, escuto o som do oceano ou de um rio, ou aspiro apenas o perfume de uma flor. No êxtase do meu próprio silêncio e através da comunhão com a natureza, desfrutarei da vibração milenar da vida, do campo da potencialidade pura e da criatividade infinita. A LEI DA DÁDIVA O universo opera através da troca dinâmica... dar e receber constituem diferentes aspectos do fluxo de energia do universo. e se estivermos dispostos a dar aquilo que procuramos, a abundância do universo circulará nas nossas vidas. A vida renovada volta sempre a esse frágil vaso tantas e tantas vezes esvaziado. Nessa pequena flauta de cana que te acompanhou por montanhas e vales tocaste sempre novas melodias. As tuas dádivas infinitas chegam às minhas minúsculas mãos. O tempo passa e tu continuas a fluir e há sempre espaço para receber as tuas dádivas. Rabindranath Tagore, Gitanjali A LEI DA DÁDIVA A segunda lei espiritual do sucesso é a Lei da Dádiva. A Esta - lei também se podia chamar A Lei de Dar e Receber, pois o universo opera através da troca dinâmica. Nada é estático. O nosso corpo mantém -se em troca Constante e dinâmica com o corpo do universo; o nosso espírito mantém uma interacção dinâmica com o espírito do cosmos; a nossa energia constitui uma expressão da energia cósmica. O fluxo da vida constitui apenas a interacção harmoniosa de todos os elementos e forças que estruturam o Campo da existência. Essa interacção harmoniosa de elementos e forças da vida funciona como a Lei da Dádiva. COMO o nosso corpo, o nosso espírito e o universo vivem da troca constante e dinâmica, fazer parar a circulação da energia é como parar o fluxo do sangue. Quando o sangue deixa de fluir, começa a formar grumos, a coagular, a estagnar. Por isso se deve dar e receber, para que a riqueza e a prosperidade - ou tudo aquilo que quiser continuem a circular nas nossas vidas. A prosperidade provém da afluência, palavra cuja raiz “affluere”, significa “fluir para”. O termo “afluência” significa “fluir com abundância. O dinheiro constitui de facto um símbolo da energia vital que trocamos e da energia vital que utilizamos como resultado dos serviços que prestamos ao universo. O termo inglês “currency”, aplicado ao dinheiro em circulação revela bem a natureza fluente da energia. A palavra “currency” vem da palavra latina “currere”, que significa “Correr” ou fluir. Portanto, se pararmos a circulação do dinheiro, se a nossa única intenção for guardar e acumular dinheiro, também faremos com que ele deixe de voltar a circular nas nossas vidas, já que o dinheiro constitui energia vital. Para que essa energia continue a chegar até nós, temos de a manter em circulação. Como um rio, o dinheiro deve fluir, senão começa a estagnar, a parar, a sufocar e estrangular a sua própria força vital. A circulação mantém-o vivo. Todas as relações implicam dar e receber. O dar engendra o receber e o receber engendra o dar. Aquilo que sobe também desce; aquilo que vai também volta. Na realidade, receber representa a mesma coisa que dar, pois dar e receber constituem diferentes aspectos do fluxo de energia do universo. E se pararmos qualquer destes fluxos, estamos a interferir com a inteligência da natureza. Em cada semente encontra-se a promessa de milhares de florestas. Mas a semente não deve ser guardada; deve fazer oferta da sua inteligência ao solo fértil. Através da dádiva, a sua energia oculta flui para a manifestação material. Quanto mais der, mais receberá, porque assim a abundância do universo continuará a circular na sua vida. Na verdade, tudo o que na vida tem valor multiplica-se quando se dá. Aquilo que não se multiplica através da dádiva não merece ser dado nem recebido. Se, no acto de dar, sentir que perdeu alguma coisa, a dádiva não foi feita com sinceridade e nada se multiplicará. Se der de má vontade, não haverá nenhuma energia nessa dádiva. A intenção que se encontra por de trás do acto de dar e receber é o mais importante. A intenção deve ser sempre para gerar alegria para quem dá e para quem recebe, para que a felicidade constitua o apoio e o suporte da vida E portanto gera o progresso. O retorno é directamente proporcional à dádiva, se esta for incondicional e feita com amor. Por isso o acto de dar tem de ser feito com alegria. É preciso que o seu estado de espírito seja de alegria no próprio acto de dar. Assim a energia que se encontra por de trás da dádiva multiplica-se muitas vezes. Na verdade, a prática da Lei da Dádiva é muito simples: se quer alegria, dê alegria aos outros; se quer amor, aprenda a dar amor; se quer atenção e apreço, aprenda a dar atenção e apreço; se quer prosperidade material, ajude os outros a tornarem-se prósperos no aspecto material. O modo mais fácil para obter aquilo que queremos é de facto ajudar os outros a obterem aquilo que querem. Este princípio aplica-se da mesma forma a indivíduos, corporações, sociedades e nações. Se quiser que a vida o abençoe com todas as coisas boas, aprenda a abençoar os outros, em silêncio, com todas as coisas boas da vida. Até a ideia de dar, a ideia de abençoar, ou uma simples oração têm o poder de afectar os outros. Isto acontece porque o nosso corpo, reduzido ao seu estado essencial constitui um feixe localizado de energia e informação implica energia, que se manifestam sob a forma de pensamento. Portanto, somos feixes de pensamento num universo pensante. E o pensamento possui o poder de transformar. A vida consiste na eterna dança da consciência, que se exprime pela troca dinâmica de impulsos de inteligência entre o microcosmo e o macrocosmo, entre o corpo humano e o corpo universal, entre o espírito humano e o espírito cósmico. Quando aprendemos a dar aquilo que desejamos para nós, activamos e coreografamos a dança, através do movimento delicado, enérgico e vital, que constitui a eterna vibração da vida. O melhor meio para pôr em prática a Lei da Dádiva é dar início a todo o processo de circulação, que consiste em tornar a decisão de dar qualquer coisa a cada pessoa com quem contactamos. Não tem de ser sob a forma de coisas materiais; pode ser uma flor, um cumprimento, uma oração, Na verdade, as mais poderosas formas de dar não são Materiais. O carinho, a atenção, o afecto, o apreço e o amor constituem algumas das mais preciosas dádivas que se podem oferecer e não custam nada. Quando encontrar alguém pode, em silêncio, fazer recair uma bênção sobre essa pessoa, desejando-lhe felicidade, alegria e prazer. Este tipo de dádiva silenciosa revela-se muito poderoso. Uma das coisas que me ensinaram em criança, e que eu depois também ensinei aos meus filhos, foi o nunca ir a casa de ninguém sem levar qualquer coisa. Nunca visitar ninguém sem levar uma oferta. Pode perguntar: “Como posso dar alguma coisa aos outros em certas alturas, se não tenho o suficiente para mim?” Pode, leve uma flor. Pode levar um bilhete ou um postal que diga qualquer coisa acerca dos seus sentimentos pela pessoa que está a visitar. Pode fazer um cumprimento ou uma oração. Tome a decisão de dar, para onde quer que vá, ou quem quer que vá visitar. Na medida em que der, também receberá. Quanto mais der, maior será a sua fiança nos efeitos miraculosos desta lei. E quanto mais receber, mais aumentará a sua capacidade para dar. A nossa verdadeira natureza consiste na prosperidade e na abundância; somos naturalmente prósperos, porque a natureza provê todas as necessidades e desejos. Não nos falta nada, porque a nossa natureza se baseia na potencialidade pura e nas possibilidades infinitas. Portanto, aceitemos a prosperidade como inerente à nossa natureza, independentemente de termos pouco ou muito dinheiro, pois o campo da potencialidade pura constitui a fonte de toda a riqueza. É a consciência que sabe como realizar todas as necessidades, incluindo alegria, amor, prazer, paz, harmonia e sabedoria. Se procurar primeiro estas coisas, não só para si, mas também para os outros, tudo o resto lhe chegará espontaneamente. COMO APLICAR A LEI DA DÁDIVA Ponho em prática a Lei da Dádiva, seguindo os passos: 1 onde quer que vá, ou seja quem for que vá encontrar, levo comigo uma oferta. A oferta pode ser Um cumprimento, uma flor ou uma oração. Hoje vou oferecer qualquer coisa a todos aqueles com quem contactar e, assim darei início ao processo de fazer circular alegria, riqueza e prosperidade na minha vida e nas vidas dos outros. 2 Hoje receberei com gratidão todas as dádivas que a vida me ofertar. Receberei as dádivas da natureza: a luz do Sol, o canto das aves, as chuvas de Outono, as primeiras neves do Inverno. Também espero receber dos outros dádivas, sejam elas sob a forma de dinheiro, um cumprimento ou uma oração. _ 3 Comprometo-me a manter a riqueza a circular na minha vida, dando e recebendo as mais preciosas dádivas da vida: dádivas de carinho, afecto, apreço e amor. sempre que encontrar alguém, desejar-lhe-ei, em silêncio, felicidade, alegria e prazer.............. 3. A LEI DO “KARMA” OU DA CAUSA-EFEITO Toda a acção gera uma força de energia que nos é devolvida na mesma espécie... aquilo que semeamos é aquilo que colhemos. E quando escolhemos acções que trazem aos outros felicidade e sucesso, o fruto do nosso karma será de felicidade e sucesso. o karma constitui a eterna afirmação da liberdade humana... os nossos pensamentos, as nossas palavras e obras formam as malhas da rede com que nos envolvemos. Swami Vivekananda A terceira lei espiritual do sucesso é a Lei do Karma. A palavra “Karma” significa a acção e a sua consequência; constitui ao mesmo tempo causa e efeito, porque toda a acção gera uma força de energia que nos é devolvida na mesma espécie. Não há nada de novo na Lei do Karma. Todos já ouvimos a expressão “Colherás aquilo que semeares”. Como é óbvio, se queremos criar felicidade nas nossas vidas, temos de aprender a semear as sementes da felicidade. Portanto, o karma implica a acção da escolha consciente. Nós somos acima de tudo sujeitos dotados da possibilidade infinita de escolher. Em todos os momentos da nossa existência, encontramo-nos naquele campo de todas as possibilidades que nos dá acesso a uma infinidade de escolhas. Algumas dessas escolhas são feitas conscientemente, outras fazem-se inconscientemente. Mas a melhor forma de compreender e aproveitar ao máximo a aplicação da Lei do Karma é adquirir o conhecimento consciente das escolhas que se fazem em cada momento. Quer isto lhe agrade ou não, todas as coisas que lhe acontecem no momento presente resultam das escolhas que fez no passado. infelizmente, muitos de nós fazemos escolhas das quais não temos consciência, por isso não as vemos como escolhas. No entanto, Se eu o insultasse, o mais provável seria você fazer a escolha de ficar ofendido. Se eu lhe fizesse um cumprimento, o mais provável seria você sentir-se satisfeito ou lisonjeado. Mas pense bem nisto: Não deixa de ser uma escolha. Eu poderia ofendê-lo e insultá-lo e você poderia escolher não ficar ofendido. Eu poderia fazer-lhe o cumprimento e você também poderia escolher não se lisonjear por isso. Por outras palavras, a maioria de nós apesar de sermos sujeitos dotados de uma infinita possibilidade de escolha tornamo-nos feixes de reflexos condicionados nos quais as pessoas e as circunstâncias desencadeiam efeitos de comportamento previsíveis. Esses reflexos condicionados funcionam como os reflexos de Pavlov. pavlov ficou conhecido por ter demonstrado que, se dermos a um cão qualquer coisa de comer sempre que tocarmos uma campainha, em breve o cão começará a salivar só de ouvir o som da campainha, porque faz a associação de um estímulo com o outro. A maioria de nós, como resultado do condicionamento, responde de formas repetitivas e previsíveis aos estímulos do ambiente. As nossas reacções parecem ser automaticamente desencadeadas pelas pessoas e pelas circunstâncias e esquecemo-nos de que elas não deixam de ser escolhas que estamos sempre a fazer em cada momento da nossa existência. Apenas fazemos essas escolhas inconscientemente. Se olhar para trás por um instante e reparar nas escolhas que faz no momento em que as faz, só pelo simples acto de testemunhar as suas escolhas transporta todo o processo do âmbito do inconsciente para o âmbito do consciente. Este processo de escolha consciente e observada transmite-nos um grande poder. Sempre que fizer uma escolha, qualquer escolha pergunte duas coisas a si mesmo: em primeiro lugar, Quais são as consequências desta escolha que estou a fazer?” o seu coração logo lhe dará a resposta; em segundo lugar, “Esta escolha que estou a fazer trará alegria, a mim e aos que me rodeiam?” Se a resposta for sim, mantenha a escolha. Se a resposta for não, se a escolha trouxer angústia, a si ou aos que o rodeiam, diga não a essa escolha. É tão simples como isto. Só há uma escolha, entre toda a infinidade de escolhas que pode fazer em cada segundo, que trará ao mesmo tempo felicidade para si e para os que o rodeiam. E quando fizer essa escolha, daí resultar uma forma de comportamento que designaremos por acção correcta espontânea. A acção correcta espontânea consiste na acção correcta praticada no momento certo. Constitui a resposta certa para todas as situações à medida que elas ocorrem. É a acção que lhe dá suporte, a si e a todos os que estiverem sob a influência dela. O universo possui um mecanismo muito interessante para nos ajudar a fazer espontaneamente as escolhas correctas. Esse mecanismo encontra-se ligado às sensações do corpo. O nosso corpo sofre dois tipos de sensações: sensação de conforto e sensação de desconforto, Sempre que fizer uma escolha consciente. Consulte o seu corpo e pergunte-lhe: “Se é isto, o que é que vai acontecer? Se o seu corpo der uma mensagem de conforto, encontra-se perante a escolha correcta. Se o seu corpo emitir uma mensagem de desconforto, encontra-se perante a escolha errada. Para algumas pessoas, a mensagem de conforto e desconforto situa-se na área do plexo solar, mas para a maioria das pessoas situa-se na área do coração. Em consciência, volte a sua atenção para o coração e pergunte-lhe o que deve fazer. Depois espere pela resposta, uma resposta física sob a forma de sensação. Pode ser o mais leve grau do sentir - mas está lá, no seu corpo. Apenas o coração sabe a resposta correcta. A maioria das pessoas pensa que o coração é piegas e sentimental. Mas não é. O coração é intuitivo, holístico, contextual e relacional. Não possui uma orientação de ganho-perda. Bate no computador cósmico - o campo da potencialidade pura, da sabedoria pura e do poder organizador infinito - e toma tudo em conta. Por vezes pode não parecer racional, mas o coração possui uma capacidade de computador que mostra muito mais exactidão e precisão do que tudo o que se pode encontrar dentro dos limites do pensamento racional. Pode utilizar a Lei do Karma para produzir dinheiro e Prosperidade, e para que todas as coisas boas fluam para si sempre que quiser. Mas primeiro tem de estar bem consciente de que o seu futuro é gerado pelas escolhas que fizer em cada momento da sua vida. Se fizer isto com regularidade, aproveitará ao máximo a Lei do Karma. Quanto mais trouxer as suas escolhas para o plano do conhecimento consciente, mais escolhas rectas espontâneas fará - tanto para si como para aqueles que o rodeiam. O que podemos fazer acerca do karma do passado e como o influenciar a ele agora? Há três coisas que pode fazer acerca do karma do passado. Uma é pagar as suas dívidas de karma. A maioria das pessoas escolhe fazer isso inconscientemente, claro. Também pode fazer essa escolha. Muitas vezes, o pagamento dessas dívidas implica muito sofrimento, mas a Lei do Karma afirma que nenhuma dívida no universo fica por pagar. O sistema contabilístico do universo é perfeito e todas as coisas constituem uma constante troca de energia “para lá e para cá”. A segunda coisa que pode fazer é transformar o seu karma numa experiência melhor. Este constitui um Processo muito interessante, através do qual se interroga a si mesmo, enquanto paga a sua dívida de karma: “posso eu aprender com esta experiência? Porque está isto a acontecer-me? Que mensagem quer o universo transmitir-me? Como posso tornar esta experiência útil para os outros seres humanos?” Fazendo isto, procura a semente da oportunidade e depois liga-a ao seu dhanna, a sua finalidade na vida, de que falaremos na Sétima Lei Espiritual do Sucesso. Isto permite-lhe transmutar o karma para uma forma de expressão diferente. Por exemplo, se partir uma perna quando estiver a fazer desporto, pode perguntar a si próprio: “O que posso aprender com esta experiência? Que mensagem quer o universo dar-me?” Talvez a mensagem seja que você está a precisar de abrandar, e ser mais cuidadoso Ou atento ao seu corpo, para a próxima vez. E se o seu kharma for ensinar aos outros aquilo que aprendeu, perguntando “Como posso eu tornar esta experiência útil para mim e para os outros seres humanos?”, talvez decida partilhar aquilo que aprendeu, escrevendo um livro sobre como praticar desportos com segurança. Ou Pode conceber uns sapatos especiais ou um apoio especial para a perna, de modo a prevenir o tipo de acidente que lhe ocorreu. Assim, ao mesmo tempo que paga a sua dívida de karma, também converte a adversidade num bem que lhe pode trazer riqueza e realização. Esta é a forma de transmutar o seu karma numa experiência positiva. Na verdade, não se libertou dele, mas conseguiu pegar num dos seus aspectos e transformá-lo num karma novo e positivo. A terceira forma de lidar com o karma é transcendê-lo. Transcender o karma é tornar-se independente dele. A forma de transcender o karma consiste na experiência da abertura, do Eu, da Alma. É como lavar uma peça de roupa suja numa corrente de água. Cada vez que a lava, limpa-a de algumas nódoas. Se continuar a lavá-la repetidas vezes, de cada vez vai ficando um pouco mais limpa. Consegue lavar ou transcender as sementes do seu karma entrando na abertura e voltando a sair. Claro que isto se faz através da prática da meditação. Todas as acções consistem em aspectos do karma. Tomar uma chávena de café consiste num aspecto do karma. Essa acção gera memória e a memória possui a capacidade ou a potencialidade para gerar desejo. E O desejo gera de novo acção. O software operacional da nossa alma é constituído por karma, memória e desejo A nossa alma consiste num feixe de consciência que possui as sementes do karma, da memória e do desejo. Ganhando consciência destas sementes de manifestação, torna-se gerador de realidade consciente. se um sujeito consciente das escolhas que faz, começa a gerar acções que são evolucionárias para si e para aqueles que o rodeiam. Isso é tudo o que precisa de fazer. Se o karma for evolucionário - tanto para o Eu como para todos os que são afectados pelo Eu, o fruto do karma será de felicidade e sucesso. _ COMO APLICAR A LEI DO KARMA Ponho em prática a Lei do Karma, seguindo os passos: 1 Hoje vou observar cada escolha que fizer. E através da simples observação dessas escolhas, trago-as para o campo do meu conhecimento consciente. Reconhecerei que a melhor forma de me preparar para todos os momentos do futuro consiste em ser plenamente consciente no presente. 2 Sempre que fizer uma escolha, farei duas perguntas a mim próprio: “Que consequências advirão desta escolha que estou a fazer?” e “Esta escolha trar-me-á realização e felicidade, a mim e aos que por ela serão afectados? 3 Depois pedirei conselho ao meu coração e deixar-me-ei conduzir pela sua mensagem de conforto. Se a escolha significar conforto, adiro totalmente a ela. Se a escolha implicar desconforto, paro e observo as consequências da minha acção, por meio da minha visão interior. Este conselho dá-me a possibilidade de fazer escolhas espontâneas e correctas para mim e para todos aqueles que me rodeiam. 4. A LEI DO MENOR ESFORÇO A inteligência da natureza funciona com um mínimo de esforço. com despreocupação, harmonia e amor. E quando aproveitamos as forças da harmonia, a alegria e o amor críamos sucesso e felicidade com um mínimo de esforço. Um ser integral conhece sem agir, vê sem olhar e realiza sem fazer. Lao Tzu, A quarta lei espiritual do sucesso é a Lei do Menor Esforço. Esta lei baseia-se no facto de a inteligência e a natureza funcionarem com um mínimo de esforço e total despreocupação. Este constitui o princípio da mais reduzida acção, da não resistência. Constitui, portanto, o princípio da harmonia e do amor. Quando aprendemos esta lição da natureza, realizamos os nossos desejos com facilidade. Se observarmos a natureza em acção, veremos como o esforço despendido é mínimo. A relva não se esforça Para crescer, cresce apenas. Os peixes não se esforçam para nadar, mas nadam. As flores não tentam florescer, apenas florescem. As aves não tentam voar, mas voam. É intrínseco à natureza. A terra não se esforça para girar em torno do seu eixo; faz parte da natureza. O estado de beatitude faz parte da natureza dos bébés. Brilhar faz parte da natureza do sol. Brilhar e cintilar faz parte da natureza das estrelas. Pertence à natureza humana fazer com que os sonhos se manifestem sob a forma física, com um mínimo de esforço. Na ciência védica, a ancestral filosofia da índia, que é conhecida como o princípio da economia de esforço, ou “faça menos e realize mais”. Acaba por Ir, dar a um estado em que não faz nada e realiza tudo. Isto significa que existe apenas uma ténue ideia e a manifestação dessa ideia surge sem esforço. Aquilo que vulgarmente se designa por “milagre”, na verdade constitui uma expressão da Lei do Menor Esforço. A inteligência da natureza funciona sem esforço, na fricção, com espontaneidade. É não-linear; é intuiticalística e estimulante. E quando uma pessoa se encontra em harmonia com a natureza, quando já, adquiriu conhecimento do seu verdadeiro Eu, pode aplicar a lei do Menor Esforço. Despendemos o menor esforço quando as acções são motivadas pelo amor, porque a natureza é estruturada pela energia do amor. Quando procuramos poder e controlo em relação às outras pessoas, quando procuramos dinheiro ou poder, oiçamos a energia de que desfrutamos. para satisfazer o ego, gastamos energias atrás de uma ilusão de felicidade, em vez de desfrutarmos da felicidade do momento. Quando procuramos dinheiro apenas para nosso lucro pessoal, interrompemos o nosso fluxo de energia. e interferimos na expressão da inteligência da natureza. Mas quando as nossas acções são motivadas pelo amor, a nossa energia multiplica-se e acumula excesso de energia que possuímos e, que pode ser canalizada para criar aquilo que quisermos, incluindo riqueza ilimitada. Pense no seu corpo físico como um instrumento de controlo de energia: ele pode gerar, armazenar e despender energia. Se souber como gerar, armazenar e desprender energia de modo eficiente, poderá criar toda a riqueza que quiser. A atenção dirigida para o ego consome uma grande parte da energia. Quando o nosso Ponto de referência interior é o ego, quando procuramos Poder e controlo em relação às outras pessoas ou a aprovação dos outros, desperdiçamos as nossas energias. Quando essa energia se encontra liberta, pode ser canalizada e aplicada, de modo a criar tudo o que quisermos. Quando a alma constitui o nosso ponto de referência interior, quando nos tornamos imunes à crítica e deixamos de temer desafios, podemos aproveitar o poder do amor e utilizar a energia de forma criativa, no sentido da prosperidade e da evolução. Em The Art of Dreamíng, Don Juan diz a Carlos Castaneda “... gastamos a maior parte da nossa energia para preservarmos a nossa importância. Se fôssemos capazes de perder alguma dessa importância, duas coisas extraordinárias aconteceriam. Primeiro, libertaríamos a nossa energia do esforço para mantermos a ideia ilusória da nossa grandeza; segundo, ganharíamos energia suficiente para captar um relance da verdadeira grandeza do universo.” A Lei do Menor Esforço possui três componentes, três coisas que pode fazer para pôr em prática este princípio de “faça menos e realize mais”. O primeiro componente é a capacidade de aceitação. A capacidade de aceitação requer apenas que estabeleça a seguinte regra: “Hoje vou aceitar as pessoas, as situações, as circunstâncias e os acontecimentos tal como eles ocorrerem.” isto significa que sabemos que aquele momento foi aquilo que devia ser, e como deveria ser. Esse momento pelo qual está a passar agora constitui o culminar de todos os momentos que viveu no passado. Esse momento é como é, porque todo o universo é como é. Quando luta contra esse momento, está de facto a lutar contra todo o universo. Em vez disso, pode tomar a decisão de hoje não lutar contra todo o universo, lutando contra esse momento. Isso significa que a sua aceitação desse momento é total e completa. Aceita as coisas como elas são, não como gostaria que fossem na altura. É importante perceber isto. Pode desejar que no futuro as coisas sejam diferentes, mas nesse momento tem de aceitar as coisas como elas são. Quando se sentir frustrado ou aborrecido por uma pessoa ou situação, lembre-se de que não está a reagir a essa pessoa ou a essa situação, mas aos seus sentimentos acerca da pessoa ou da situação. Esses são os seus sentimentos e os seus sentimentos não são da responsabilidade dos outros. Quando reconhecer e compreender isto na totalidade, encontra-se preparado para aceitar a responsabilidade por aquilo que sente e para modificar os seus sentimentos. E se conseguir aceitar as coisas como são, encontra-se preparado para se responsabilizar pela sua situação e por todas as ocorrências que lhe parecem problemas. isso conduz-nos ao segundo componente da Lei do Menor Esforço: responsabilidade. O que significa responsabilidade? A responsabilidade significa não culpar ninguém, nem a si próprio, pela sua situação. Depois de ter aceite determinada circunstância, ocorrência, ou problema, a responsabilidade significa a capacidade de ter uma resposta criativa à situação tal como ela se apresenta no momento. Se conseguir isto, todas as famosas situações problemáticas poderão tornar-se uma oportunidade para a criação de coisas novas e boas, e todas as pessoas atormentadoras e tiranas lhe servirão para aprender mais a realidade e constituir uma interpretação. E se escolher interpretar a realidade desta forma, aproveitará muitos ensinamentos e terá muitas oportunidades de evoluir. Sempre que tiver de enfrentar alguém tirano ou atormentador, um professor, um amigo, ou um adversário (todos significam a mesma coisa) lembre-se disto: “Este momento é aquilo que deveria ser.” Sejam quais forem as relações que tenha trazido para a sua vida, serão sempre aquelas de que necessita no momento que passa. Há Um significado oculto por trás de tudo o que acontece, e esse significado oculto serve a nossa evolução. O terceiro componente da Lei do Menor Esforço é o distanciamento, o que significa que o seu conhecimento se deve estruturar através do distanciamento e que deverá renunciar à necessidade de convencer ou persuadir os outros dos seus pontos de vista. Se observar as pessoas à sua volta, verá que elas passam noventa e nove por cento do tempo a defender os seus pontos de vista. Se renunciar à necessidade de defender os seus pontos de vista, por meio dessa renúncia ganhará acesso a imensas quantidades de energia que antes tinham sido desperdiçadas. Quando se torna defensivo, culpabiliza os outros e não aceita render-se ao momento presente, a sua vida encontra resistência. Sempre que encontrar resistência, o melhor é reconhecer que se forçar a situação, apenas aumentará a resistência. Não deve manter-se rígido como os altos carvalhos que a tempestade quebra e derruba. Em vez disso, deve ser flexível como o junco que dobra durante a tempestade, mas sobrevive. Desista de todo de defender os seus pontos de vista. Se não tiver nenhum ponto de vista para defender, não dar ocasião a que surjam argumentos. Se praticar isto com consistência, se deixar de lutar e resistir, experimentará a plenitude do presente, que constitui uma dádiva. Alguém disse um dia: “O passado é história, o futuro, um mistério, este momento é uma dádiva. Por isso este momento se chama presente. Se aproveitar o presente e formar com ele uma unidade, fundindo-se nele, sentirá um fogo, um brilho, uma centelha de êxtase vibrando em todos os seres vivos sensitivos. Quando começamos a sentir esta exultação da alma em todos os seres vivos, quando nos começamos a familiarizar com essa sensação, a alegria nasce dentro de nós, liberta-nos das terríveis amarras e obstáculos criados pelas pessoas defensivas, ressentidas e angustiadas. Só então sentiremos alegria, despreocupação, prazer e liberdade. Dotado desta liberdade simples e cheia de alegria, O seu coração sabe sem dúvida que você terá as coisas que deseja quando quiser, porque os seus desejos provêm do plano da felicidade, não do plano da ansiedade e do medo. Não precisa de se justificar; reserve apenas a sua intenção para si próprio e conhecerá a realização, o deleite, a alegria, a liberdade e a autonomia em todos os momentos da sua vida. comprometa-se a seguir o caminho da não-resistência. Este constitui o caminho através do qual a inteligência da natureza se desdobra espontaneamente, sem fricção e sem esforço. Quando conseguir a delicada combinação aceitação, responsabilidade e distanciamento, sentirá o fluir da vida, sem nenhum esforço. Se nos mantivermos abertos a todos os pontos de vista, se não nos prendermos com rigidez a um único, os nossos sonhos e desejos fluem com os desejos da natureza. Então podemos libertar as nossas intenções, com distanciamento, e esperar pela altura própria para os nossos desejos se tornarem realidade. Podemos ter a certeza de que quando chegar a altura própria, eles se manifestarão. Esta é a Lei do Menor Esforço. COMO APLICAR A LEI DO MENOR ESFORÇO Ponho em prática a Lei do Menor Esforço, seguindo estes passos: 1 Terei de praticar a Aceitação. Hoje aceito pessoas, situações, circunstâncias e acontecimentos, tal como eles ocorrerem. Reconhecerei que este momento é aquilo que deveria ser, porque todo o universo é como deveria ser. Não lutarei contra todo o universo, lutando contra o momento presente. A minha aceitação é total e completa. Aceito as coisas como elas são no momento, não como eu gostaria que fossem. 2 Depois de ter aceite as coisas como elas são, aceitarei a Responsabilidade pela minha situação e por todas as ocorrências que me aparecem. Sei que aceitar a responsabilidade significa não culpar ninguém, nem nada, pela minha situação (incluindo eu próprio). Também sei que em cada problema se encontra oculta uma oportunidade e o facto de me manter atento às oportunidades permite-me aceitar o momento que passa e torná-lo melhor. 3 Hoje o meu conhecimento refere-se ao Distanciamento. Renuncio à necessidade de defender os meus pontos de vista. Não sentirei necessidade de convencer nem de persuadir os outros a aceitarem os meus pontos de vista. Permanecerei aberto a todos os pontos de vista e não me prenderei com rigidez a nenhum deles. 5. A LEI DA INTENÇÃO E DO DESEJO Todas as intenções e todos os desejos contêm a sua própria possibilidade de realização. no campo da potencialidade pura, a intenção e o desejo possuem um poder organizador infinito. E quando introduzimos uma intenção no solo fértil da potencialidade pura, pomos esse poder organizador infinito a trabalhar para nós. No princípio era o desejo; que constituía a primeira semente do espírito, os sábios, meditando do fundo do coração, descobriram com o seu conhecimento a ligação entre o existente e o não-existente. O Hino da Criação, Ríg Veda A quinta lei espiritual do sucesso consiste na Lei da Intenção e do Desejo. Esta lei baseia-se no facto de a energia e a informação existirem em toda a parte da natureza. Na verdade, ao nível do campo quântico, não há nada senão energia e informação. O campo quântico constitui apenas outra designação para o campo da consciência e da potencialidade puras. E o campo quântico é influenciado pela intenção e pelo desejo. Vejamos este processo em pormenor. Se reduzirmos aos seus componentes essenciais uma flor, o arco-íris, uma árvore, uma folha de relva, um corpo humano, veremos que são constituídos por energia e informação. Todo o universo, na sua natureza essencial, representa o movimento da energia e informação. A única diferença entre um ser humano e uma árvore é o conteúdo da informação e a energia dos respectivos corpos. No plano material tanto o ser humano como a árvore são constituídos pelos mesmos elementos reciclados: basicamente, carbono, hidrogénio, oxigénio, nitrogénio, e outros elementos em menores quantidades. Poderia adquirir esses elementos numa loja de hardware por pouco dinheiro. Portanto, aquilo que faz a diferença entre o ser humano e a árvore não é o carbono, nem o hidrogénio, nem o oxigénio. Na verdade, o ser humano e a árvore realizam trocas constantes de oxigénio um com o outro. A verdadeira diferença entre os dois reside na energia e na informação. No sistema da natureza, nós somos uma espécie privilegiada. Possuímos um sistema nervoso capaz de reconhecer o conteúdo de energia e informação do campo localizado que dá origem ao nosso corpo físico, Possuímos a experiência subjectiva desse campo, sob a forma dos nossos próprios pensamentos, sentimentos, emoções, desejos, memórias, instintos, impulsos e Crenças. E também possuímos a experiência objectiva desse campo, através do corpo físico - e por meio do corpo físico, temos a experiência desse campo sob a forma do mundo, Mas tudo constitui a mesma substância. Por isso os profetas antigos diziam “Eu sou isso, tu és isso e isso é tudo o que existe.”. o nosso corpo não se encontra separado do corpo do universo, pois no plano dos mecanismos quânticos não existem fronteiras bem definidas. Somos como linhas ondulantes, ondas, Autuações, convoluções, remoinhos, perturbações localizadas no imenso campo quântico. o imenso campo quântico, o universo, constitui uma extensão do nosso corpo. O sistema nervoso humano não só reconhece a informação e a energia do seu próprio campo quântico como também pode conscientemente modificar o conteúdo e a informação que origina o seu corpo físico, já que a consciência humana é infinitamente flexível, devido ao seu maravilhoso sistema nervoso. Podemos conscientemente mudar o conteúdo de informação e energia do nosso próprio corpo mecânico quântico e assim influenciar o conteúdo de energia e informação da extensão do nosso corpo - o nosso ambiente, o nosso mundo - e provocar nele a manifestação das coisas. Essa transformação consciente realiza-se através de duas qualidades inerentes à consciência: a atenção e a intenção. A atenção transmite energia e a intenção transmite forma. Damos força a todas as coisas da nossa vida às quais aplicamos a nossa atenção. As coisas às quais não aplicamos a nossa atenção enfraquecem, desintegram-se e desaparecem. A intenção, por sua vez, desencadeia a transformação da energia e da informação. A intenção organiza a sua própria realização. A qualidade da intenção aplicada ao objecto da atenção orquestra uma infinidade de ocorrências espacio-temporais que conduzem ao efeito pretendido, desde que sigamos as outras leis espirituais do sucesso. Isto acontece porque, no solo fértil da atenção, a intenção possui um poder organizador infinito. Este poder organizador infinito significa o poder de organizar uma infinidade de ocorrências espacio-temporais, todas ao mesmo tempo. Podemos ver a expressão deste poder organizador infinito em cada folha de relva, em cada flor de macieira, em cada célula do nosso corpo. Encontramo-lo em tudo o que está vivo. No sistema da natureza, todas as coisas se encontram ligadas umas às outras. A marmota sai de baixo da terra e sabemos que a Primavera está a chegar. Em certas épocas do ano, as aves começam a emigrar para locais determinados. A natureza constitui uma sinfonia. E essa sinfonia é orquestrada em silêncio no plano primordial da criação. o corpo humano constitui outro bom exemplo dessa sinfonia. Uma simples célula do corpo humano realiza cerca de seis triliões de coisas por segundo e tem de saber o que estão a fazer todas as outras células ao mesmo tempo. O corpo humano pode ao mesmo tempo tocar música, matar germes, fazer um bebé, recitar poesia e controlar o movimento das estrelas, pois o campo da correlação infinita faz parte do seu campo de informação. O sistema nervoso da espécie humana possui uma característica notável, um ser capaz de comandar o poder organizador infinito, através da intenção consciente. A intenção, na espécie humana, não se encontra fechada ou presa numa rede rígida de energia e informação. Possui uma flexibilidade infinita. Por outras palavras, se não violarmos as outras leis da natureza, através da intenção Poderemos literalmente comandar as leis da natureza, de forma a realizarmos os nossos sonhos e desejos. Podemos pôr o computador cósmico, com o seu infinito Poder organizador, a trabalhar para nós. Podemos, entrar no campo primordial da criação, introduzir nele uma intenção e só pelo facto de termos introduzido essa intenção estamos a activar o campo da correlação infinita. A intenção constitui a base de suporte do fluxo fácil, espontâneo e corrente da potencialidade pura, procurando o manifesto para exprimir o não-manifesto. O nosso único cuidado deverá ser utilizar a intenção para o benefício da espécie humana. Isso acontecerá espontaneamente, se cumprirmos as Sete Leis Espirituais do Sucesso. A intenção constitui o verdadeiro poder por trás do desejo. A intenção, só por si, é muito poderosa, pois ela consiste no desejo, sem a preocupação do resultado. O desejo, só por si, é fraco, já que para a maioria das pessoas o desejo consiste na atenção ligada à preocupação. A intenção consiste no desejo, cumprindo estritamente todas as outras leis, mas em especial a Lei do Desprendimento, que constitui a Sexta Lei Espiritual do Sucesso. A intenção combinada com o desprendimento conduz a um conhecimento do momento presente centrado na vida. E quando a acção se realiza no âmbito do conhecimento do momento presente, torna-se mais eficaz. A nossa intenção dirige-se ao futuro, mas a nossa atenção encontra-se no presente, a nossa intenção para o futuro virá a manifestar-se, porque é no presente que se cria o futuro. Devemos aceitar o presente tal como é. Aceitemos o presente e criemos intenções para o futuro. o futuro constitui algo que podemos sempre criar através da intenção desprendida, mas nunca devemos lutar contra o presente. O passado, o presente e o futuro representam propriedades da consciência. O passado constitui a recordação, a memória - o futuro representa antecipação; o presente representa conhecimento. Portanto, o tempo constitui o movimento do pensamento. Tanto o passado como o futuro nascem na imaginação; apenas o presente, que representa conhecimento, se pode dizer real e eterno. Pode dizer-se que o presente é: A potencialidade da relação espaço-tempo, da matéria e da energia. Constitui um eterno campo de possibilidades da manifestação de forças abstractas, quer seja a luz, o calor, a electricidade, O Magnetismo ou a gravidade. Essas forças não se situam no passado nem no futuro. Apenas são. A nossa interpretação dessas forças abstractas dão-nos a experiência da forma e do fenómeno concreto. As interpretações rememorativas das forças abstractas geram a experiência do passado; as interpretações antecipadoras das mesmas forças abstractas criam o futuro. Elas constituem as qualidades da atenção na consciência. Quando essas qualidades se libertam do peso do passado, a acção no presente torna-se solo fértil para a criação do futuro. A intenção, baseada nesta liberdade despreocupada do presente, serve de catalisador para a mistura correcta de matéria, energia e ocorrências espacio-temporais, de modo a criar tudo aquilo que desejar. Se possuir um conhecimento do presente centrado na vida, os obstáculos imaginários, que constituem mais de noventa por cento dos obstáculos conhecidos desintegram-se e desaparecem. Os restantes cinco a dez por cento dos obstáculos conhecidos podem transmutar-se em oportunidades com uma intenção dirigida. A intenção dirigida constitui a qualidade da atenção que se caracteriza pela firmeza inflexível do seu objectivo. A intenção dirigida significa que aplicamos a nossa atenção, no sentido de obter o resultado que desejamos, com uma firmeza de objectivos tão inflexível, que recusamos em absoluto qualquer obstáculo que possa consumir e dissipar a qualidade focalizada da nossa atenção. Na nossa consciência, dá-se uma exclusão total e completa de todos os obstáculos. Somos capazes de manter uma serenidade inabalável, ao mesmo tempo que nos entregamos ao nosso objectivo com uma paixão intensa. É este o poder simultâneo do conhecimento desprendido e da intenção focalizada e dirigida. Aprenda a aproveitar o poder da intenção e criar tudo o que desejar. Também pode obter resultados, através de um grande esforço e sofrimento mas isso tem custos, que podem ir desde o stress até ao ataque cardíaco, ou ao comPrometimento das funções do seu sistema imunológico. É muito melhor cumprir as cinco regras seguintes da Lei da Intenção e do Desejo. Seguindo estas cinco regras para realizar os seus desejos, a intenção gerará o seu próprio poder: 1 Deslize pela abertura. Isto significa concentrar-se no espaço silencioso entre os pensamentos, entrar no silêncio - um nível do Ser que constitui o seu estado essencial. 2 Depois de estabelecido nesse estado do Ser, liberte as suas intenções e desejos. Na própria abertura, não há pensamentos nem intenções, mas quando sair da abertura, na junção entre a abertura e um pensamento, a intenção é introduzida. Se tiver diversos objectivos, escreva-os e focalize neles a sua intenção, antes de entrar na abertura. Se desejar uma carreira de sucesso, por exemplo, entre na abertura com essa intenção e a intenção já lá estará, como uma ténue luz de conhecimento. Ao libertar as suas intenções e desejos na abertura, está a plantá-las no solo fértil da potencialidade pura, espere que floresçam quando chegar a estação. Não deve escavar para ver se as sementes dos seus desejos estão a crescer, nem deve prender-se muito para ver como elas se vão desenvolver. A única coisa que deve fazer é libertá-las. 3 Mantenha-se no estado de auto-referência. Isto significa que deve manter-se no plano do conhecimento do seu verdadeiro Eu - a sua alma, a sua ligação ao campo da potencialidade pura. Também significa que não deve olhar para si próprio através dos olhos do mundo, Ou deixar-se influenciar pelas opiniões e críticas dos outros. Um bom meio para manter esse estado de auto-referência é guardar os seus desejos para si próprio; não os partilhe com mais ninguém, a menos que sejam pessoas que tenham exactamente os mesmos desejos que o leitor e estejam muito ligadas a si.. 4 Renuncie à preocupação com os resultados. Isto significa que não se deve prender muito à expectativa de um resultado específico, mas sim viver com o conhecimento da incerteza. Significa que deve desfrutar todos os momentos da sua vida, mesmo desconhecendo os resultados. 5 Deixe os pormenores ao cuidado do universo. As suas intenções e os seus desejos, depois de libertos na abertura, possuem um poder organizador infinito. Confie no poder organizador infinito da intenção. Ele organiza-lhe todos os detalhes. Lembre-se de que a sua verdadeira natureza é pura alma. Mantenha sempre a consciência da sua alma, onde quer que vá, liberte com suavidade os seus desejos, e o universo cuidará por si dos pormenores. Não deixarei nenhum obstáculo consumir e dissipar a qualidade da minha atenção no momento presente. Aceitarei o presente tal como é, e deixarei que o futuro se revele através dos meus desejos e intenções mais profundos. COMO APLICAR A LEI DA INTENÇÃO, E DOS DESEJOs mais queridos. Ponho em prática a Lei da Intenção e do Desejo, seguindo estes passos: 1 Faço uma lista de todos os meus desejos. Trago sempre comigo esta lista, para onde quer que vá. Leio sempre esta lista antes de entrar em silêncio e meditação. Também a leio antes de ir dormir, à noite. Volto a lê-la ao acordar de manhã. 2 Entrego e submeto esta lista de desejos ao movimento da criação, confiando que quando as coisas não parecerem conformes aos meus desejos há uma razão para isso e que o plano cósmico possui para mim desígnios ainda mais grandiosos do que aquilo que eu alguma vez imaginei. 3 Lembro-me de que devo praticar o conhecimento do momento presente em todas as minhas acções. 6. A LEI DO DESPRENDIMENTO No desprendimento se revela o conhecimento da incerteza. No conhecimento da incerteza se revela a libertação do passado, do conhecido, da prisão da circunstância do passado. E pela nossa vontade de entrar no desconhecido, no campo de todas as possibilidades, entregamo-nos ao espírito criativo que orquestra a dança do universo. Como dois pássaros de ouro empoleirados na mesma árvore, como amigos íntimos, o ego e o Eu habitam o mesmo corpo - o primeiro come os frutos doces e amargos da árvore da vida, enquanto o último observa com desprendimento. -Mundaka Upanissad A sexta lei espiritual, do sucesso consiste na Lei do Desprendimento. A Lei do Desprendimento diz-nos que para adquirirmos qualquer coisa no universo físico temos de renunciar à nossa ligação a ela. Isto não significa que desistamos da intenção de criar o desejo. Não devemos desistir da intenção, nem devemos desistir do desejo. Devemos desistir da nossa ligação ao resultado. Esta atitude é muito poderosa. No momento em que renunciamos à ligação ao resultado, combinando ao mesmo tempo intenção dirigida e desprendimento, teremos aquilo que desejamos. Tudo o que quisermos pode adquirir-se através do desprendimento, já que este se baseia na fé inquestionável, no poder do nosso verdadeiro Eu. Por outro lado, a ligação ao resultado baseia-se no medo e na insegurança - e a necessidade de segurança baseia-se no facto de não conhecermos o nosso verdadeiro Eu. A fonte de riqueza, de abundância ou de qualquer outra coisa do mundo físico encontra-se no Eu; é a consciência que sabe como realizar todas as necessidades. Tudo o mais constitui um símbolo: carros, casas, contas bancárias, roupas e aviões. Os símbolos são transitórios; vêm e vão. Procurar obter estes símbolos é o mesmo que preferir o mapa ao território. Provoca ansiedade; acaba por nos fazer sentir ocos e vazios por dentro, porque estamos a trocar o nosso Eu pelos símbolos do nosso Eu. A ligação ao resultado significa consciência da pobreza, pois esta ligação prende-se sempre aos símbolos. O desprendimento significa consciência da riqueza, pois ele traz-nos a liberdade para criar. Só com um envolvimento desprendido se pode obter alegria e prazer. Só assim obtemos os símbolos de riqueza, com espontaneidade e sem esforço. Sem o desprendimento, tornamo-nos prisioneiros de necessidades mundanas desesperadas e impossíveis, preocupações triviais, desespero passivo e tristeza. Marcas distintivas de uma existência quotidiana medíocre e da consciência da pobreza. A verdadeira consciência da riqueza consiste na capacidade para obtermos aquilo que queremos, quando quisermos, e com um mínimo de esforço. Para chegar a esta experiência tem de se basear no conhecimento da incerteza. Na incerteza encontrará a liberdade para criar tudo o que quiser. As pessoas estão sempre à procura de segurança, mas com o tempo verão que a busca da segurança constitui uma coisa muito efémera. Mesmo a ligação ao dinheiro constitui um sinal de insegurança. Pode dizer: “Quando eu possuir X milhões de escudos, estarei seguro. Serei economicamente independente e poderei reformar-me. Nessa altura, hei-de fazer tudo aquilo que de facto quero fazer.” Mas isso nunca acontece - nunca. Aqueles que procuram segurança perdem-na para sempre e nunca a encontram. É uma atitude ilusória e efémera, pois a segurança nunca pode vir apenas do dinheiro. A ligação ao dinheiro gerará sempre insegurança, independentemente da quantidade de dinheiro que tivermos no banco. Na verdade, algumas das pessoas mais inseguras são as que mais dinheiro têm. O desejo de segurança constitui uma ilusão. Nas antigas tradições de sabedoria, a solução para todo este dilema encontra-se no conhecimento da insegurança, ou no conhecimento da incerteza. Isto significa que o desejo de segurança e certezas, na verdade, constituem uma ligação ao conhecido. E o que é o conhecido? O conhecido é o nosso passado. o conhecido não é mais do que a prisão do condicionamento do passado. Não há evolução aqui absolutamente nenhuma. E quando não há evolução, surge a estagnação, a entropia, a desordem e a decadência. A incerteza, por sua vez, constitui o solo fértil da criatividade e da liberdade puras. A incerteza significa entrar no desconhecido em cada momento da nossa existência. O desconhecido constitui o campo de todas as possibilidades, sempre vivas, sempre novas, sempre abertas à criação de novas manifestações. Sem a incerteza e o desconhecido, a vida consiste apenas na repetição obsoleta e desgostosa de memórias. Tornamo-nos vítimas do passado aquilo que vivemos ontem é o que nos atormenta hoje. Renuncie à sua ligação com o conhecido, entre no desconhecido e entrará no campo de todas as possibilidades. O conhecimento da incerteza constitui um elemento da vontade de entrar no desconhecido. Isto significa que, em cada momento da sua vida, terá emoção, aventura, mistério. Terá a experiência da alegria de viver a magia, a celebração, a alegria e a exultação do seu próprio espírito. Todos os dias pode procurar a emoção daquilo que virá a ocorrer no campo de todas as possibilidades. Quando tiver a experiência da incerteza, encontra-se no caminho certo, por isso não desista. Não precisa de ter uma ideia rígida e completa daquilo que vai fazer na semana seguinte ou no próximo ano, pois se tiver ideias bem definidas acerca do que vai acontecer e se ficar muito preso a elas, fechará um grande número de possibilidades. Uma característica do campo de todas as possibilidades consiste na correlação infinita. o campo pode orquestrar uma infinidade de ocorrências espacio-temporais para chegar ao resultado pretendido. Mas quando nos deixamos prender, a nossa intenção fecha-se num estado de espírito rígido e perdemos a fluidez, a criatividade e a espontaneidade inerentes ao campo. Quando nos deixamos prender, retiramos ao desejo a sua infinita flexibilidade e fluidez, encerrando-o numa moldura fixa, que interfere com todo o processo de criação. A Lei do Desprendimento não interfere com a Lei da Intenção e do Desejo. Com a definição de um objectivo Mantemos a intenção de seguir em determinada direcção, mantemos o nosso objectivo. Mas entre o ponto A e o ponto B há uma infinidade de possibilidades. Tendo interiorizado o elemento da incerteza, podemos mudar de direcção em qualquer momento, se encontrarmos um ideal mais elevado ou uma coisa mais emocionante. Também nos encontramos menos dispostos a forçar as soluções para os problemas e isso permite-nos manter-nos atentos às oportunidades. A Lei do Desprendimento acelera todo o processo de evolução. Quando compreender esta lei, não se sentirá compelido a forçar soluções. Quando força soluções ou problemas, apenas cria novos problemas. Mas se aplicar a atenção na incerteza e observar a incerteza enquanto espera, atento, que a solução surja do caos e da confusão, aquilo que surgirá será qualquer coisa fabulosa e muito estimulante. Este estado de atenção, encontrar-se-á preparado no presente, no campo da incerteza, liga-se ao seu objectivo e à sua intenção e permite-lhe aproveitar a oportunidade. O que é a oportunidade? Encontra-se em cada problema que tiver na vida. O menor problema que tiver na vida constitui a semente para uma oportunidade de um benefício maior. Depois de ter percebido isso, abre um grande número de possibilidades e mantém vivos o mistério, a dúvida, a emoção e a aventura. Pode ver cada problema da sua vida como uma oportunidade para um benefício maior. Pode manter-se atento às oportunidades baseando-se no conhecimento da incerteza. Se estiver preparado e a oportunidade surgir, a solução aparecerá espontaneamente. Aquilo que daqui advém designa-se muitas vezes por “boa sorte”. A boa sorte consiste apenas no encontro entre a oportunidade e a pessoa que se encontra preparada para ela. Quando as duas se juntam com a observação atenta do caos, surge uma solução, que constituirá um benefício evolucionário para a pessoa e para todos aqueles que a rodeiam. Esta constitui a receita perfeita para o sucesso e baseia-se na Lei do Desprendimento, que é o melhor caminho para a liberdade. Entro no campo de todas as possibilidades e antecipo a emoção que pode ocorrer se eu me mantiver aberto às escolhas. Ao entrar no campo de uma infinidade de escolhas Ponho em prática a Lei do Desprendimento, seguindo todas as possibilidades, experimento toda a alegria, com estes passos: aventura, magia e mistério da vida. 1 Hoje vou praticar o desprendimento. Darei a mim próprio e aos que me rodeiam a liberdade de sermos como somos. Não imporei ideias rígidas sobre como as coisas deviam ser. Não forçarei soluções para os problemas, pois isso criaria novos problemas. Participarei em tudo com um envolvimento desprendido. 2 Hoje interiorizo a incerteza como um ingrediente essencial da minha experiência. A minha boa vontade para aceitar a incerteza fará com que as soluções surjam, espontâneas, dos problemas, da confusão, da desordem e do caos. Quanto mais incertas as coisas parecem, mais seguro me sentirei, porque a incerteza é uma fonte inesgotável. 7. A LEI DO “DHARMA" OU DA FINALIDADE DA VIDA Todas as pessoas possuem uma finalidade na vida... uma dádiva singular ou um talento especial para oferecer aos outros. E quando pomos o nosso talento especial ao serviço dos outros, experimentamos o êxtase e a exultação do nosso espírito, que é a finalidade suprema da vida. Quando trabalhamos somos como flautas e, ao nosso coração o murmúrio das horas soa como música. E o que é trabalhar com amor? É tecer o pano com os fios do coração, como se estivéssemos a tecer a roupa do nosso bem-amado... Kahlil Gibran, O Profeta A sétima lei espiritual do sucesso consiste na Lei do Dharma. Dharma é um termo sânscrito que significa “finalidade na vida”. A Lei do Dharma diz-nos que nos manifestamos sob a forma física para cumprir uma finalidade. A divindade constitui a essência do campo da potencialidade pura e, o divino toma a forma humana para cumprir uma finalidade. Segundo esta lei, todos temos um talento específico e uma forma singular de o exprimirmos. Há qualquer coisa que conseguimos fazer melhor do que qualquer outra pessoa no mundo e, cada talento específico com a sua forma singular de se exprimir, também requer necessidades especiais. Quando essas necessidades se combinam com a expressão criativa do nosso talento, gera-se a centelha que dá prosperidade. Exprimir os seus talentos para realizar aquilo que é necessário cria riqueza e abundância ilimitadas. Se ensinássemos isto às crianças desde pequenas, veríamos o efeito que teria na vida delas. Na verdade, fiz a experiência com os meus filhos. Repeti-lhes muitas e muitas vezes que havia uma razão para cada um de nós se encontrar neste mundo e que eles teriam de descobrir a razão por que existiam. Eles começaram a ouvir isto a partir dos quatro anos. Também os ensinei a meditar mais ou menos a partir dessa idade e disse-lhes: “Nunca, mas nunca se preocupem em ganhar a vossa vida. Se não forem capazes de ganhar a vossa vida quando crescerem, eu hei-de sustentar-vos, portanto não se preocupem com isso. Não quero que se esforcem por obter bons resultados na escola. Não quero que se esforcem por obter as melhores notas ou por ir para os melhores colégios. Aquilo que quero é que se interroguem acerca de como podem servir a Humanidade e quais serão os vossos talentos especiais. Porque cada um de vós possui um talento especial, que ninguém mais possui e cada um de vós tem uma maneira especial de exprimir esse talento, que também ninguém mais possui.” Eles acabaram por vir a frequentar as melhores escolas, obtiveram as melhores notas, e mesmo na universidade são estudantes especiais, porque já são economicamente independentes, pois a vida deles focaliza-se naquilo que devem dar para cumprir a razão da sua existência aqui. E esta é a Lei do Dharma. A Lei do Dharma possui três componentes. O primeiro diz-nos que cada um de nós se encontra aqui para descobrir o seu verdadeiro Eu, para descobrir por si próprio que o seu verdadeiro Eu é espiritual, que na essência somos seres espirituais manifestando-se sob uma forma física. Não somos seres humanos que têm experiências espirituais ocasionais, ao contrário, somos seres espirituais que têm experiências humanas ocasionais. Cada um de nós encontra-se aqui para descobrir o seu eu superior, ou o seu eu espiritual. Esse constitui o primeiro requisito da Lei do dharma. Temos de descobrir por nós mesmos o deus ou a deusa em embrião, que existe dentro de nós e deseja revelar-se, para podermos exprimir a nossa divindade. O segundo componente da Lei do dharma consiste em exprimirmos os nossos talentos especiais. A Lei do dharma diz-nos que todo o ser humano possui um talento especial. Todos possuímos um talento, cuja expressão é de tal modo singular, que não existe mais ninguém vivo no planeta que possua esse talento ou essa forma de o exprimir. Isto significa que há uma coisa específica que cada um de nós sabe fazer melhor do que qualquer outra pessoa no mundo. Quando está a fazer isso, perde a noção do tempo. Quando exprime esse talento especial que possui ou, em muitos casos, os diversos talentos especiais, a expressão desse talento é transportada para o conhecimento do eterno. O terceiro componente da Lei do dharma consiste na vontade de servir a Humanidade. Servir os outros seres humanos é perguntar “Como posso eu ajudar? Como posso ajudar aqueles que me rodeiam?” Pondo a capacidade de exprimir o seu talento especial ao serviço da Humanidade, estará a aplicar totalmente a Lei do dharma. E se juntar a isto a experiência da sua própria espiritualidade, o campo da potencialidade pura, é impossível que não tenha acesso à abundância ilimitada, porque esta constitui a verdadeira forma de alcançar a abundância. Esta abundância não é temporária; é permanente, devido ao seu talento especial, à sua forma de o exprimir, aos serviços que presta e à dedicação que mostra pelos outros seres humanos, atitude que adquiriu, perguntando: “Como posso eu ajudar?”, em vez de: “O que posso eu obter?” A questão “O que posso eu obter?” constituí o diálogo interior do ego. Perguntar “Como posso eu ajudar? “ constitui o diálogo interior da alma. A alma representa o domínio do conhecimento onde experimentamos a nossa universalidade. Através da simples substituição, no nosso diálogo interior, da pergunta “O que posso eu obter?” pela outra “Como posso eu ajudar?”, passamos logo do plano do nosso ego para o domínio da nossa alma. Embora a meditação constitua a forma mais útil de entrar no domínio da alma, a simples mudança do nosso diálogo interior para “Como posso eu ajudar?” também nos dá acesso a alma, esse domínio do conhecimento onde experimentamos a nossa universalidade. Se quiser aproveitar ao máximo a Lei do dharma, terá de se comprometer a seguir algumas regras. A primeira regra é: Vou tentar descobrir o meu eu superior, que se encontra para além do meu ego, através da prática espiritual. A segunda regra é: Vou descobrir os meus talentos especiais e, depois de os descobrir, vou entrar em estado de felicidade, pois o processo de felicidade ocorre quando adquiro o conhecimento do eterno. Nesse momento, entro em estado de beatitude. A terceira regra é: Vou perguntar a mim mesmo quais as minhas melhores qualidades para servir a Humanidade. Vou responder a essa pergunta e depois pôr em prática a atitude. Vou utilizar os meus talentos especiais para servir as necessidades dos outros seres humanos, vou combinar essas necessidades com o meu desejo de ajudar e servir os outros. Sente-se e faça uma lista das respostas a estas duas perguntas: Pergunte a si mesmo se o dinheiro não fosse uma preocupação para si e se tivesse todo o tempo e dinheiro do mundo, o que faria? se pensa que continuaria a fazer aquilo que faz no momento, isso significa que se encontra em dharma, porque tem uma paixão por aquilo que faz - exprime os seus talentos especiais. Depois, pergunte a si mesmo: “Quais as minhas melhores qualidades para servir a Humanidade?” Responda à pergunta e ponha a atitude em prática. Descubra a sua divindade, encontre o seu talento especial, utilize-o para servir a Humanidade e gerará toda a riqueza que quiser. Quando as suas expressões criativas responderem às necessidades dos outros seres humanos, a riqueza fluirá espontaneamente do não-manifesto para o manifesto, do âmbito da alma para o âmbito da forma. Começará a experimentar a vida como uma miraculosa expressão da divindade, não ocasionalmente, mas sempre. E conhecerá a verdadeira felicidade e o verdadeiro significado do sucesso, o êxtase e a exultação da sua própria alma. COMO APLICAR A LEI DO “DHARMA” OU DA FINALIDADE DA VIDA Ponho em prática a Lei do dharma, seguindo estes passos: 1 Hoje vou dar toda a atenção e amor ao deus ou deusa em embrião que se oculta no mais fundo da minha alma. Darei toda a atenção à minha alma interior que dá vida ao meu corpo e ao meu espírito. Vou tentar despertar para a profunda serenidade que existe dentro do meu coração. A consciência da eternidade e do Ser eterno acompanhar-me-á sempre durante a minha experiência temporal. 2 Faço uma lista dos meus talentos especiais. Depois faço uma lista de todas as coisas de que gosto de fazer quando exprimo os meus talentos especiais. Exprimindo os meus talentos especiais e utilizando-os ao serviço da Humanidade, perco a noção do tempo e crio abundância na minha vida, assim como na vida dos outros. 3 Pergunto a mim mesmo todos os dias “Como posso eu servir?” e “Como posso eu ajudar?”. As respostas a estas questões vão permitir-me ajudar e servir os outros seres humanos com amor. SUMÁRIO E CONCLUSÃO Quero conhecer os pensamentos de Deus... o resto são pormenores. Albert Einstein O espírito universal coreografa tudo o que acontece em biliões de galáxias, com uma exactidão cheia de elegância e uma inteligência inflexível. A sua inteligência é primordial e suprema e penetra todas as fibras da existência: desde a mais pequena à maior, desde o átomo ao cosmos. Tudo o que existe constitui uma expressão desta inteligência. E esta inteligência opera através das Sete Leis Espirituais. Se observar uma célula do corpo humano, verá que o seu funcionamento constitui a expressão destas leis. Todas as células, quer sejam do estômago, do coração ou do cérebro têm a sua origem na Lei da Potencialidade. O ADN constitui um exemplo perfeito da potencialidade pura; de facto, ele representa a expressão material da potencialidade pura. O mesmo ADN exprime-se de formas diferentes, conforme as células a que pertence, de modo a poder responder às exigências específicas de cada célula em se articular. As células também funcionam por meio da Lei da Dádiva. Uma célula mantém-se viva e saudável, quando se encontra num estado de estabilidade e equilíbrio. Este provém do estado de equilíbrio e da realização e harmonia, mas mantém-se através de uma constante actividade de dar e receber. Cada célula tem algo para dar a todas as outras e constitui suporte de todas as outras, ao mesmo tempo que é apoiada por todas as outras. As células encontram-se sempre num estado de fluência dinâmica e o fluxo nunca se interrompe. Na verdade, o fluxo constitui a própria essência da vida da célula. E só mantendo esse fluxo de dar, a célula pode receber e assim continuar a sua vibrante existência. A Lei do Karma é executada com toda a delicadeza e rigor por cada célula, pois a capacidade de dar a resposta mais apropriada e exacta para cada situação que ocorre faz parte da própria inteligência da célula. A Lei do Menor Esforço também é primorosamente executada por cada célula do corpo: cumpre a sua tarefa, de modo bastante eficiente, quando o corpo se encontra desperto. Mas em repouso, Através da Lei da Intenção e do Desejo, cada intenção de cada célula aproveita o poder organizador infinito da inteligência da natureza. Mesmo uma simples intenção, como metabolizar uma molécula de açúcar, desencadeia logo uma sinfonia de ocorrências no corpo, em que determinadas quantidades de hormonas devem ser segregados em determinados momentos para que a molécula de açúcar se converta em pura energia criativa. E, claro, cada célula exprime a Lei do Desprendimento, pois o seu funcionamento encontra-se desligado do efeito das suas intenções. As células não cometem lapsos nem enganos, pois o seu comportamento constitui uma função do conhecimento do momento presente, centrado na vida. As células também exprimem a Lei do Dharma. Cada célula deve descobrir a sua própria origem, o seu eu superior; deve servir as outras células e exprimir os seus talentos especiais. As células do coração, do estômago, as células imunológicas, todas têm origem num eu superior, no campo da potencialidade pura. E como se encontram directamente ligadas a esse computador cósmico, exprimem os seus talentos especiais através de um mínimo de esforço e do conhecimento do eterno. Só exprimindo os seus talentos especiais, elas podem manter a sua integridade e a integridade de todo o corpo. O diálogo interior de cada célula do corpo humano consiste na pergunta “Como posso eu ajudar?”. As células do coração querem ajudar às células imunológicas, as células imunológicas querem ajudar as células dos pulmões e do estômago, as células do cérebro escutam e ajudam todas as outras. Cada célula do corpo humano possui uma única função: ajudar todas as outras. Examinando o comportamento das células do nosso próprio corpo, observamos a mais extraordinária e eficaz expressão das Sete Leis Espirituais. Encontramo-nos perante o génio da inteligência da natureza. Temos aqui os pensamentos de Deus - o resto são pormenores. As Sete Leis Espirituais do Sucesso constituem princípios poderosos que lhe permitem atingir o auto-domínio. Se aplicar a sua atenção a estas leis e praticar as regras indicadas neste livro, verá que será Capaz de fazer manifestar-se tudo aquilo que quiser - toda a prosperidade, dinheiro e sucesso que desejar. Também vai ver que a sua vida se torna mais feliz e abundante em todos os aspectos, pois estas leis também constituem as leis espirituais que fazem com que a vida valha a pena ser vivida. Na vida quotidiana, a aplicação destas leis obedece a uma sequência natural, que pode ajudá-lo a lembrar-se delas. A Lei da Potencialidade Pura pratica-se através do silêncio, da meditação, do não-julgamento, da comunhão com a natureza, mas é activada por meio da Lei da Dádiva. Aqui o princípio consiste em aprender a dar aquilo que deseja para si. Assim activa a Lei da Potencialidade Pura. Se deseja prosperidade, ajude os outros a serem prósperos; se procura dinheiro, dê dinheiro aos outros; se procura amor, apreço e afecto, aprenda a dar aos outros amor, apreço e afect o. Através das suas acções, quando aplica a Lei da Dádiva, activa a Lei do Karma. Pode criar um bom karma e um bom karma torna a vida fácil. Verá que não precisa de despender grandes esforços para realizar os seus desejos, o que conduz logo à compreensão da Lei do Menor Esforço. Quando tudo parece surgir com facilidade e sem esforço e os seus desejos continuam a realizar-se, começa a perceber espontaneamente a Lei da Intenção e do Desejo. A realização dos seus desejos com um mínimo de esforço torna quase natural para si a prática da Lei do Desprendimento. Por fim, como começa a perceber todas as leis anteriores, passa a focalizar-se na sua verdadeira finalidade na vida, chegando assim à Lei do Dharma. Por meio da aplicação desta lei, em que exprime os seus talentos especiais e realiza as necessidades dos outros seres humanos, começa a poder criar tudo aquilo que quiser, sempre que quiser. Torna-se despreocupado e feliz e a sua vida passa a constituir a expressão do amor ilimitado. Paremos por algum tempo para nos encontrarmos uns com os outros, para nos amarmos, para partilharmos. Este momento é precioso, mas passageiro. Constitui um pequeno parêntese na eternidade. Se o partilharmos com carinho, alegria e amor, criaremos abundância e felicidade uns para os outros. E assim este momento terá valido a pena. Como os viajantes que realizam uma viagem cósmica as partículas etéreas, girando e dançando nos turbilhões e remoinhos do infinito. A vida é eterna. Mas as expressões da vida são efémeras, momentâneas, transitórias. Gautama Buda, fundador do budismo, disse um dia: A nossa existência é tão passageira como as nuvens de Outono. Assistir ao nascimento e morte dos seres é como observar os movimentos de uma dança. uma vida é como o relâmpago no céu, Corre como a água que jorra da íngreme montanha. ACERCA DO AUTOR Deepak Chopra é um famoso especialista no campo da medicina do corpo e do espírito e do potencial humano. Ele foi o autor dos best-sellers: Creating Affluence (Como Alcançar Prosperidade), The Way of the Wzzard, Ageless Body, Timeless Mind, Quantum Healing e The Return of Merlin, assim como de inúmeros programas áudio e vídeo, dedicados à saúde e ao bem-estar. Os seus livros encontram-se traduzidos em mais de vinte línguas e ele tem dado diversas conferências por toda a América do Norte, América do Sul, índia, Europa, Japão e Austrália. Actualmente, é o Director Executivo do Centro Chopra para o Bem-Estar em La Jolla, Califórnia. GLOBAL NETWORK FOR SPIRITUAL SUCCESS POST OFFICE BOX 1001 DEL MAR, CALIFORNIA 92014 Caro amigo: Em As Sete Leis Espirituais do Sucesso, descrevo as virtudes e os princípios associados que me ajudaram, e a muitos outros, a obter a satisfação espiritual e o sucesso material. Escrevo para o convidar a juntar-se a mim, e talvez a milhões de outras pessoas espalhadas pelo mundo, na Global Network For Spíritual Success, que se baseará na prática diária desses princípios. A participação na Rede está aberta a toda a gente que queira praticar As Sete Leis Espirituais. Eu achei muito compensador concentrar-me numa lei em cada dia da semana, começando no Domingo com a Lei da Potencialidade Pura e terminando no Sábado com a Lei do dharma. Se concentrar a sua atenção numa lei espiritual, transformará completamente a sua vida, como eu transformei a minha, e se diversas pessoas em conjunto aplicarem a sua atenção na mesma lei em cada dia, em breve teremos um grupo importante de pessoas de sucesso que poderiam transformar a vida no planeta Terra. já há alguns grupos de amigos de todas as partes do mundo que começaram a concentrar-se numa lei em cada dia. Como eu fiz com a minha equipa de trabalho e com os meus amigos, sugiro que forme um grupo de reflexão com a família, com amigos ou com colegas de trabalho que possam encontrar-se uma vez por semana para discutirem as suas experiências com as leis espirituais. Se as experiências forem dramáticas, o que por vezes acontece, pode escrevê-las e enviá-las para mim. Para fazer parte da Global Network For Spiritual Sucess, basta-lhe enviar um envelope com o seu nome, direcção, e um selo, para o apartado indicado acima. Nós enviamos-lhe um pequeno cartão, que pode trazer na carteira, com as sete leis e um formulário para preencher e fornecemos-lhe informações sobre o nosso trabalho na Rede. A entrada para a Rede representa a realização de um dos meus mais queridos sonhos. Se entrar na Global Network e praticar As Sete Leis Espirituais, tenho a certeza de que conseguirá obter felicidade espiritual e realizar os seus desejos. Não posso desejar-lhe melhor bênção. Com amizade e os meus melhores votos, Deepak Chopra 3 de março de 1999 apresenta: Sobre a digitalização desta obra: Esta obra foi digitalizada para proporcionar de maneira totalmente gratuita o benefício de sua leitura àqueles que não podem comprá-la ou àqueles que necessitam de meios eletrônicos para leitura. Dessa forma, a venda deste e-book ou mesmo a sua troca por qualquer contraprestação é totalmente condenável em qualquer circunstância. A generosidade é a marca da distribuição, portanto: Distribua este livro livremente! Se você tirar algum proveito desta obra, considere seriamente a possibilidade de adquirir o original. Incentive o autor e a publicação de novas obras! Visite nossa biblioteca! Centenas de obras grátis a um clique! www.portaldetonando.com.br Ilusões As Aventuras de um Messias Indeciso Richard Bach Autor de Fernão Capelo Gaivota Desenho e foto da capa JOAN STOLIAR Tradução LUZIA MACHADO DA COSTA Digitalização ARLINDO_SAN Título original ILLUSIONS U ma pergunta que me foi feita mais de uma vez, depois de ser publicado Fernão Capelo Gaivota: “O que você vai escrever agora, Richard? Depois de Fernão Capelo... o quê?” Respondia então que não era obrigado a escrever mais nada, nem uma palavra; todos os meus livros juntos diziam tudo quanto eu gostaria de dizer. Depois de ter passado fome por algum tempo, ter vendido o carro e esse tipo de coisas, era divertido não ter de trabalhar até a meia-noite. Não obstante, todos os verões eu ia em meu antigo bimotor para os mares das campinas verdejantes do Meio-Oeste dos Estados Unidos, levava passageiros para passeios de três dólares e começava a sentir de novo uma velha tensão - ainda havia alguma coisa a dizer. Não gosto nada de escrever. Se conseguir dar as costas a uma idéia, deixando-a miando lá fora no escuro, sem lhe abrir a porta, então nem pego no lápis. Mas de vez em quando, em vez do miado, ouço uma grande explosão, como de dinamite, de cacos de vidro e tijolos na parede da frente; então, alguém passa por sobre os escombros e me agarra pelo pescoço, dizendo calmamente: “Não o largarei até que me ponha no papel, em palavras.” Foi assim que vim a conhecer Ilusões. No Meio Oeste, eu ficava deitado de costas, treinando o método mental de fazer as nuvens desaparecerem, e não conseguia parar de pensar na história... E se aparecesse alguém que fosse realmente bom nesse negócio, que me pudesse ensinar como o meu mundo funciona e como controlálo? E se pudesse conhecer um ser superadiantado... e se um Sidarta ou um Jesus chegasse aos nossos dias, com poder sobre as ilusões do mundo porque conhecia a realidade por trás delas? E se pudesse conhecê-lo pessoalmente, se ele estivesse pilotando um bimotor e pousasse na mesma campina em que eu estivesse? O que ele diria, como seria ele? Talvez não se parecesse com o Messias nas páginas manchadas de óleo e com cheiro de capim de meu diário; talvez não dissesse nada do que aparece neste livro. Mas, por outro lado, as coisas que me contou: que magnetizamos para nossas vidas tudo o que encerrarmos em nosso pensamento, por exemplo - se isso é verdade, então, de algum modo, consegui chegar a este momento por algum motivo, e você também. Talvez não seja coincidência o fato de você estar com este livro na mão; pode ser que haja nessas aventuras alguma coisa que o fez vir até aqui. Prefiro pensar assim. E prefiro pensar que o meu Messias está postado lá fora em alguma outra dimensão, nada ficcional, olhando para nós dois, e rindo-se por estar acontecendo exatamente o que planejáramos que acontecesse. 1 (Trecho manuscrito – N. do digitalizador) 1. Houve um Mestre que veio à Terra, nascido na terra santa de Indiana, criado nos montes místicos depois de Fort Wayne. 2. O Mestre aprendeu sobre este mundo nas escolas públicas de Indiana e, ao crescer, em seu ofício de mecânico de automóveis. 3. Mas o Mestre conhecia outras terras e outras escolas, de outras vidas que tinha vivido. Lembrava-se disso, e, lembrando-se, tornou-se sábio e forte, de modo que outros viram a sua força e o procuraram, em busca de conselhos. 4. O Mestre acreditava que tinha o poder de ajudar a si mesmo e a toda a humanidade, e, acreditando, assim era para ele, de modo que outros viram o seu poder e o procuraram para se curar de seus problemas e suas doenças. 5. O Mestre acreditava que todo homem deve considerar-se filho de Deus, e, acreditando, assim era, e as oficinas e garagens em que trabalhava se apinhavam com aqueles que procuravam a sua sabedoria e o contato com ele, e as ruas de fora ficavam cheias daqueles que desejavam apenas que a sombra de sua passagem pudesse cair sobre eles, modificando suas vidas. 6. Aconteceu, por causa da multidão, que os vários contraMestres e chefes de oficina pediram ao Mestre que largasse as ferramentas e seguisse o seu caminho, pois havia tanta gente em volta dele que nem ele nem os outros mecânicos conseguiam trabalhar nos automóveis. 7. E assim foi que ele seguiu para os campos, e os que iam com ele começaram a hama-lo de o Messias, o que operava milagres, e, como eles acreditavam, assim era. 8. Se sobreviesse uma tempestade, enquanto ele falava, nem uma gota tocava a cabeça de seus ouvintes, o último da multidão ouvia suas palavras tão claramente quanto o primeiro, mesmo que houvesse raios ou trovões no céu. E sempre lhes falava em parábolas. 9. E lhes disse: “Dentro de nós está o poder de nosso consentimento para a saúde e a doença, a riqueza e a pobreza, a liberdade e a escravidão. Somos nós que controlamos isso, e não os outros.” 10. Um moleiro disse: “Essas palavras são fáceis em tua boca, Mestre, pois és guiado como não somos nós, e não precisas trabalhar como trabalhamos. O homem tem de trabalhar Para ganhar a vida Neste mundo.” 11. O Mestre respondeu: “Uma vez havia uma aldeia de criaturas no fundo do leito de um grande rio cristalino. 12. “A corrente do rio passava silenciosamente por cima de todos eles, jovens e velhos, ricos e pobres, bons e maus, a corrente seguindo o seu caminho, só conhecendo o seu próprio ser cristalino. 13. “Cada criatura, a seu modo, se agarrava fortemente às plantas e pedras do leito do rio, pois agarrar-se era o seu modo de vida, e resistir à corrente era o que cada um tinha aprendido desde que nascera. 14. “Mas uma das criaturas disse, por fim: ‘Estou farto de me agarrar. Embora não possa ver com meus próprios olhos, espero que a corrente saiba para onde está indo. Vou soltar-me e deixar que ela me leve para onde quiser. Se me agarrar, morrerei de tédio.’ 15. “As outras criaturas riram-se e disseram: ‘Louco! Se você se soltar, essa corrente que você adora o lançará despedaçado sobre as pedras e sua morte será mais rápida do que a causada pelo tédio!’ 16. Mas aquele não lhes deu ouvidos e, respirando fundo, soltou-se, e imediatamente foi lançado e despedaçado pela corrente sobre as pedras! 17. “Mas com o tempo, como ele se recusasse a tornar a se agarrar, a corrente o levantou, livrando-o do fundo, e ele não se machucou nem se magoou mais. 18. “E as criaturas mais abaixo no rio, para quem ele era um estranho, exclamaram: ‘Vejam, um milagre! Uma criatura como nós, e no entanto voa! Vejam, é o Messias que chegou para nos salvar!’ 19. “E aquele que foi carregado pela corrente disse: ‘Não sou mais Messias do que vocês. O rio tem prazer em nos erguer à liberdade, se ousarmos nos soltar. O nosso verdadeiro trabalho é essa viagem, essa aventura.’ 20. “No entanto, cada vez exclamavam mais ‘Salvador!’, enquanto se agarravam às pedras; quando tornaram a olhar, ele se fora, e eles ficaram sozinhos, inventando lendas sobre um Salvador.” 21. E quando viu que a multidão cada vez o seguia mais de perto, mais terrível do que nunca, quando viu que insistiam para que ele os curasse sem descanso, e sempre os alimentasse com seus milagres, e aprendesse por eles e vivesse suas vidas, foi sozinho para o topo de um morro e rezou. 22. E disse em seu íntimo, Ser Infinito Radioso, Se for a tua vontade, deixa que esta taça passe de minhas mãos, deixa-me pôr de lado esta tarefa impossível. Não posso viver a vida de uma outra alma, no entanto dez mil me imploram a vida. Sinto ter permitido que tudo isso acontecesse. Se for a tua vontade, deixa-me voltar aos motores e às ferramentas e viver como os outros homens. 23. E uma voz lhe falou no topo do morro, uma vez que não era de homem nem de mulher, nem forte nem fraca, uma voz infinitamente bondosa, que lhe disse: “Não a minha vontade, mas a tua seja feita. Pois o que for a tua vontade será a minha vontade para ti. Segue o teu caminho e sê feliz na terra.” 24. E ao ouvir aquilo o Mestre alegrou-se, deu graças e desceu de cima do morro cantarolando uma cançãozinha de mecânico. E quando a turba o atormentava com seus males, implorando que os curasse, aprendesse por eles, os alimentasse constantemente com sua compreensão e os divertisse sempre com suas maravilhas, ele sorriu para a multidão e disse amavelmente: “Eu desisto.” 25. Por um momento a multidão ficou muda de espanto. 26. E ele lhes falou: “Se um homem dissesse a Deus que o que queria mais que tudo era auxiliar o mundo sofredor, fosse qual fosse o preço para si, e Deus lhe respondesse o que devia fazer, o homem deveria fazer o que lhe era ordenado?” 27. “Pois claro, Mestre!” exclamaram. “Devia ser para ele um prazer sofrer as torturas do próprio inferno se Deus lha pedisse!” 28. “Não importa quais fossem essas torturas, nem a dificuldade da tarefa?” 29. “Seria uma honra ser enforcado, uma glória ser pregado a uma árvore e queimado, se fosse isso que Deus pedisse”, disseram eles. 30. “E o que fariam vocês, perguntou o Mestre à multidão, se Deus lhes falasse diretamente, em pessoa, e dissesse: ‘ORDENO QUE SEJAS FELIZ NO MUNDO, ENQUANTO VIVERES.’ O que fariam então?” 31. E a multidão calou-se e nem uma voz ou som foi ouvido sobre os morros e pelos vales. 32. E o Mestre disse: “No caminho de nossa felicidade encontraremos o conhecimento para o qual escolhemos esta vida. É assim que aprendi hoje e prefiro deixa-los agora para seguirem o seu caminho.” 33. E seguiu o seu caminho no meio da multidão e voltou ao mundo dos homens e dos motores. (Fim do trecho manuscrito – N. do Digitalizador) 2 F oi nos meados do verão que conheci Donald Shimoda. Em quatro anos de vôos, nunca encontrara outro piloto no mesmo tipo de serviço que faço: voando conforme o vento, de cidade em cidade, cobrando três dólares por dez minutos de passeio num velho biplano. Mas um dia, bem ao norte de Ferris, Illinois, olhei da cabina de meu Fleet e lá estava um velho Travel Air 4.000, dourado e branco, pousado calmamente no capim esmeralda e limão. Levo uma vida livre, mas às vezes me sinto meio solitário. Vi o biplano ali, pensei a respeito alguns segundos e resolvi que não faria mal algum dar um pulo até lá. Passei para a marcha lenta, numa glissada com todo o leme, e o Fleet e eu fomos caindo de lado para o solo. O vento na fiação, aquele som suave e agradável, o poque-poque lento do velho motor rodando a hélice com preguiça. Óculos colocados sobre a cabeça, para não impedirem uma perfeita visão da aterrissagem. Os pés de milho como uma floresta de folhagem verde passando embaixo, o piscar de uma cerca e depois o feno recém-cortado, até onde a vista alcançava. Manche e leme endireitando a glissada, uma boa aproximação sobre o solo, o feno roçando os pneus e depois o conhecido e calmo ronco da terra dura sob as rodas, mais devagar, mais devagar e depois um surto repentino de barulho e força para taxiar para junto do outro avião e parar. Manete em posição de marcha lenta, desligando, o claque-claque baixinho da hélice parando no sossego total de julho. O piloto do Travel Air estava sentado no feno, encostado na roda esquerda do seu avião, e ficou me olhando. Durante meio minuto também olhei-o, observando o mistério da sua calma. Não teria ficado tão calmo ao ver outro avião pousar no campo em que eu estava, parando a apenas dez metros de mim. Meneei a cabeça, gostando dele sem saber por quê. - Você parece solitário - disse eu, através da distância que nos separava. - E você também. - Não quero importuná-lo. Se sou demais, vou embora. - Não. Estava à sua espera. Sorri, ao ouvir aquilo. - Desculpe o atraso. - Não tem importância. Tirei o capacete e os óculos, saltei da cabina. É uma sensação confortante, depois que a gente passa algumas horas no Fleet. - Espero que não se importe de comer presunto com queijo - disse ele. Presunto com queijo e talvez uma formiga. Não houve aperto de mãos, nem apresentação de espécie alguma. Não era um homem grande. Cabelos até os ombros, mais negros do que a borracha do pneu em que estava encostado. Olhos escuros como os de uma águia, do tipo que aprecio num amigo, e que em outras pessoas me deixam muito intranqüilo. Pensei que aquele camarada poderia ser um mestre de caratê, a caminho de uma nova demonstração em algum lugar. Aceitei o sanduíche e uma caneca de água de uma garrafa térmica. - Quem é você, afinal? - perguntei. - Há anos que venho fazendo esses vôos de passageiros e nunca vi outro piloto desses nos campos. - Não sobra muita coisa que eu saiba fazer - disse ele, bastante contente. Um pouco de mecânica, trabalho de soldador, dirigir tratores; se ficar muito tempo num lugar, arranjo problemas. De modo que adotei o avião e agora estou no negócio de piloto ambulante. - Que tipo de trator? Sou louco por tratores diesel desde criança. - D-Oito, D-Nove. Só por pouco tempo, em Ohio. - D-Nove! Grandes como uma casa! Mudanças duplas. É verdade que podem mover montanhas?- Há meios melhores de mover montanhas - disse ele, com um sorriso que durou talvez um décimo de segundo. Encostei-me um instante contra a asa inferior do avião do homem e fitei-o. Uma ilusão de ótica... era difícil olhar de perto para ele. Como se houvesse uma luz em volta da sua cabeça, esmaecendo num prateado suave, suave. - Há alguma coisa? - perguntou. - Que tipo de problemas você tinha? - Ah, nada demais. É só que gosto de ficar me mexendo, assim como você. Peguei o sanduíche e caminhei em volta do seu avião. Era um motor de 1928 ou 1929 e completamente sem um arranhão. As fábricas não fabricam aviões novos como aquele, parado ali no feno. Vinte camadas de verniz de butirato aplicado a mão. pelo menos, a tinta como um espelho, ajustada na armação de madeira do aparelho. A palavra Don, folheada a ouro antigo, inglês, sob a borda da cabina; o certificado no estojo de mapas dizia D. W. Shimoda. Os instrumentos de vôo, retirados da embalagem, eram de 1928. O manche e a barra do leme eram de carvalho envernizado; manete, mistura e avanço de centelha à esquerda. Hoje não se vê mais avanço de centelha nem nas antiguidades mais bem restauradas. Nenhum arranhão em lugar algum, nenhum remendo na tela, nem uma única mancha de óleo da capota. Não se via uma só haste de palha no chão da cabina, como se o aparelho não tivesse voado realmente, e se tivesse materializado naquele lugar por alguma aberração do tempo de meio século. Senti um frio de arrepiar na nuca.- Há quanto tempo está carregando passageiros? - perguntei-lhe do outro lado do avião. - Há mais ou menos um mês, cinco semanas... Estava mentindo. Depois de cinco semanas nos campos, seja você quem for, obrigatoriamente terá sujeira e óleo no avião e palha no chão da cabina. Mas aquele aparelho... sem óleo no pára-brisa, sem manchas de feno nas bordas da frente das asas e da cauda, ou insetos esmagados na hélice. Isso não é possível para um avião que voe pelo Illinois no verão. Examinei o Travel Air por mais uns cinco minutos, voltei e me sentei no feno, debaixo da asa, defronte do piloto. Não estava com medo, continuava a gostar do sujeito, mas havia alguma coisa errada. - Por que não me conta a verdade? - Eu lhe disse a verdade, Richard - falou. Meu nome também estava pintado no meu avião. - Pode uma pessoa transportar passageiros durante um mês num Travel Air sem que o avião fique com um pouco de óleo e poeira, meu amigo? Um remendo na tela? E, pelo amor de Deus, palha no chão? Sorriu calmamente. - Há certas coisas que você não sabe. Naquele momento ele era uma estranha pessoa de outro planeta. Acreditava no que ele dizia, mas não conseguia explicar o seu avião perfeito parado ali no campo no verão. - Isso é verdade. Mas algum dia hei de saber de tudo. E então você poderá ficar com o meu avião, Donald, pois não precisarei dele para voar. Ele me olhou, interessado, e ergueu as sobrancelhas pretas. - Ah, é? Conte-me. Fiquei encantado. Alguém queria ouvir a minha teoria! - Durante muito tempo as pessoas não podiam voar, creio, porque achavam que isto não era possível; assim, naturalmente, não aprenderam nem os rudimentos da aerodinâmica. Quero crer que existe algum outro princípio em algum outro lugar: não precisamos de aviões para voar, para atravessar paredes, ou para ir a outros planetas. Podemos aprender a fazer isso sem máquinas em qualquer lugar. Se o quisermos. Ele deu um meio sorriso, sério, e moveu a cabeça. - E acha que aprenderá o que deseja carregando passageiros por três dólares. - Os únicos conhecimentos que me interessam são os que aprendi por mim, fazendo o que quero fazer. Sei que não existe, mas se existisse na terra uma criatura que me pudesse ensinar o que quero saber mais que meu avião e o céu, iria já procurá-la. Os olhos escuros me olharam sérios. - Você não acha que está sendo orientado, se quer mesmo aprender isso? - Sim, sendo orientado. Mas todos não o são? Sempre tive a impressão de que havia alguma coisa me vigiando. - E você acha que será levado a um mestre que poderá lhe ajudar. - Se o mestre por acaso não for eu, sim. - Talvez seja assim que aconteça - disse ele. Um furgão moderno e novo veio vindo pela estrada para junto de nós. levantando uma névoa marrom de poeira, e parou junto ao campo. A porta abriuse e saltaram um homem e uma garota com cerca de dez anos. A poeira continuava no ar e tudo estava parado. - Você faz passeios? - perguntou o homem. O campo fora descoberto por Donald Shimoda, fiquei calado. - Sim, senhor - disse ele, animado. - Está com vontade de voar, hoje? - Se estivesse, você faria acrobacias, daria cambalhotas comigo lá em cima? Os olhos do homem brilhavam, querendo ver se nós o conhecíamos por trás de sua conversa de caipira. - Faço se você quiser, não faço se não quiser. - E imagino que cobre uma fortuna. - Três dólares em dinheiro por dez minutos de vôo, senhor. São mais ou menos 33 centavos por minuto. E vale isso, é o que me diz a maior parte das pessoas. Era uma sensação estranha, de espectador, ficar ali sentado à toa, ouvindo aquele camarada fazer negócio. Gostei de sua maneira de falar com calma. Já estava tão acostumado ao meu jeito de arranjar passageiros (“Garanto que é dez graus mais fresco lá em cima, pessoal! Vamos subir para onde só voam os passarinhos e os anjos! Tudo isso apenas por três dólares, uma dúzia de moedas de sua bolsa ou bolso...”), que tinha esquecido que podia haver outras maneiras. Há uma tensão quando a gente voa e vende os vôos sozinho. Estava acostumado com aquilo, mas se não transportasse os passageiros, não comia. Então, já que podia ficar sentado sem depender do resultado para o meu jantar, descansei, uma vez na vida, e fiquei olhando. A pequena também ficou olhando. Loura, de olhos castanhos, cara solene, estava ali porque o avô estava. Não queria voar. Na maioria das vezes é o contrário, os garotos ansiosos e os velhos cautelosos, mas a gente acaba encontrando um sentido nisso, quando se trata do ganha-pão; sabia que aquela pequena não ia voar conosco, nem que esperássemos o verão inteiro. - Qual dos senhores...? - perguntou o homem. Shimoda serviu-se de uma caneca de água. - Richard os levará. Ainda estou na minha hora de almoço. A não ser que prefiram esperar. - Não, senhor. Estou pronto para ir. Podemos voar por cima de minha fazenda? - Claro - disse eu. - Basta o senhor mostrar para onde quer ir. Tirei o meu colchonete, a sacola de ferramentas e as panelas do assento da frente da cabina do Fleet, ajudei o homem a sentar-se no lugar dos passageiros e apertei seu cinto de segurança. Depois fui para a cabina de trás e apertei o meu cinto. - Dê um impulso, sim, Don? - Tá. Trazendo a caneca consigo ele ficou ali junto às hélices. - O que é que você quer? - perguntou. - Esquentar e freios. Impulsione devagar. Ela se soltará de sua mão assim que começar a girar. Toda vez que alguém tenta dar impulso à hélice do Fleet, o faz rápido demais, e por motivos complexos o motor não pega. Mas aquele homem a impulsionou bem devagar, como se tivesse feito aquilo a vida toda. A mola de impulso estalou, ás fagulhas acenderam-se nos cilindros e o velho motor começou a funcionar com toda a facilidade. Ele voltou para o seu avião, sentouse e começou a conversar com a pequena. Com um estouro de força bruta de HP e palhas esvoaçantes, o Fleet estava no ar, subindo 30m (se o motor enguiçar agora, pousamos no meio do milho), 150m (agora, podemos virar e pousar no meio do feno... agora, o pasto de gado a oeste), 240m; nivelamos, acompanhando o dedo que o homem apontava pelo vento, a sudoeste. Depois de três minutos no ar, passamos por um sítio, com cocheiras da cor de brasas e uma casa de marfim num mar de grama. Uma horta nos fundos, para a comida: milho verde, alface e tomates plantados. O homem na cabina da frente olhou para baixo enquanto circundávamos a casa enquadrada entre as asas e os cabos do Fleet. Apareceu uma mulher na varanda, com um avental branco por cima do vestido azul, que acenou. O homem lhe respondeu. Mais tarde comentariam que se viram tão bem através do céu. Por fim ele me olhou, meneando a cabeça, como para dizer que bastava, obrigado, e que agora podíamos voltar. Dei uma volta larga em volta de Ferris, para o pessoal saber que havia os vôos, e desci em espiral pelo campo de feno, para mostrar bem onde era o negócio. Quando dei a volta para pousar, inclinando-me fortemente sobre o milho, o Travel Air decolou e virou logo para a fazenda que tínhamos acabado de deixar. Uma vez voei com um grupo de exibição de cinco aparelhos, e por um momento tive aquela sensação de atividade... um avião largando vôo com passageiros, enquanto outro pousa. Tocamos a terra com um ronco suave e rolamos até a extremidade do feno, junto à estrada. O motor parou, o homem soltou seu cinto de segurança e eu o ajudei a saltar. Pegou uma carteira do macacão e contou as notas de dólar, sacudindo a cabeça. - Foi um passeio e tanto, filho.. - Achamos que sim. Estamos vendendo um bom produto. - É o seu amigo que está fazendo as vendas! - Ah, é? - Se é! O seu amigo conseguiria vender cinzas ao diabo, posso apostar. Não poderia? - Por que diz isso? - A garota, claro. Um passeio de avião para a minha neta Sarah! Enquanto falava, olhava para o Travel Air, como um inseto prateado distante dando a volta à casa da fazenda. Falava como o homem calmo que nota que o galho seco no quintal acaba de dar brotos e maçãs maduras. - Desde que nasceu, tem pavor de lugares altos. Grita. Apavorada. Era mais fácil Sarah mexer com marimbondos com as mãos nuas do que trepar numa árvore. Tem medo de subir a escada para o sótão, não subiria lá nem que houvesse um dilúvio no quintal. A pequena é uma maravilha com máquinas, não é má com os animais, mas as alturas lhe causam horror! E lá está ela, no ar. Continuou falando sobre aquilo e outras ocasiões especiais: lembrava-se de quando os pilotos ambulantes iam a Galesburg, anos antes, e a Monmouth, voando em biplanos como nós, mas fazendo tudo quanto era acrobacia maluca com eles. Fiquei olhando o Travel Air distante crescer, espiralar sobre o campo numa inclinação maior do que eu jamais faria com uma pequena que tivesse fobia das alturas, passar por cima do milho e da cerca e tocar o feno num pouso de três pontos que era um assombro. Donald Shimoda devia voar havia muito tempo, para conseguir pousar com um Travel Air daquele jeito. O avião rolou e parou ao nosso lado, sem precisar de mais força; a hélice foi parando aos poucos, suavemente. Olhei bem de perto. Não havia insetos na hélice. Não havia uma única mosca morta naquela lâmina de dois metros e meio. Apressei-me a ajudar, soltei o cinto de segurança da menina, abri a portinhola da cabina da frente e lhe mostrei onde devia pisar para que seu pé não rompesse a tela da asa. - Então, que tal, gostou? - perguntei. Ela nem me ouviu falar. - Vovô, não tenho medo! Não fiquei com medo, palavra! A casa parecia um brinquedinho e mamãe me acenou e Don disse que, só porque uma vez eu caí e morri, isso não é motivo para ter medo agora! Vou ser piloto, vovô. Vou ter um avião, trabalhar no motor e voar para toda parte e levar passageiros! Posso fazer isso? Shimoda sorriu para o homem e deu de ombros. - Ele lhe disse que você ia ser piloto, foi, Sarah? - Não, mas vou. Já sou boa com os motores, você sabe disso! - Bem, você pode conversar a respeito com sua mãe. Está na hora de ir para casa. Os dois nos agradeceram e foram, um caminhando e a outra correndo para o furgão, ambos modificados pelo que acontecera no campo e no céu. Chegaram dois carros, e depois mais outro, e tivemos um movimento grande no meio do dia, de gente que queria ver Ferris lá de cima. Fizemos uns 12 ou 13 vôos, o mais rápido que podíamos, e depois disso fui até o posto de gasolina da cidade para arranjar combustível para o Fleet. Depois, alguns passageiros, mais alguns, e já era de tarde; voamos sem parar até o pôr-do-sol. Uma placa comunicava: População 200 habitantes, e quando escureceu eu achava que os tínhamos levado todos para passear, bem como alguns de fora da cidade. Naquela atividade esqueci de perguntar a respeito de Sarah e o que Don lhe havia dito, se ele tinha inventado a história ou se achava que fosse verdade, sobre morrer. E de vez em quando ficava examinando o seu avião atentamente, enquanto os passageiros se revezavam. Não havia uma só marca, uma gota de óleo em lugar algum: era como se voasse fugindo dos insetos que eu tinha de limpar de meu pára-brisa a cada duas horas. Só restava um pouquinho de luz no céu quando paramos. Quando pus as espigas de milho em meu for-ninho de metal, cobrindo-as com carvão, e acendi o fogo, já estava bem escuro, o fogo fazendo refletir as cores dos aviões e da palha dourada em volta de nós. Espiei na caixa de mantimentos. - Pode ser sopa, cozido ou espaguete - disse eu - Ou pêras ou pêssegos. Quer uns pêssegos quentes? - Não faz diferença - disse ele, com calma. - Qualquer coisa, ou nada. - Homem, não está com fome? Foi um dia movimentado! - Você não me deu muita vontade de comer, a não ser que o cozido seja bom. Abri a lata de cozido com a minha Faca de Fuga e Salvamento de funcionário da Swissair, fiz o mesmo com o espaguete, e coloquei as latas sobre o fogo. Meus bolsos estavam cheios de dinheiro... era uma das horas mais agradáveis do dia, para mim. Tirei as notas e contei, sem me preocupar em dobrá-las direito. Eram 147 dólares e fiz a conta de cabeça, o que para mim não é fácil. - Isso... isso... vamos ver... quatro e vão dois... 49 vôos hoje! Um dia de mais de cem dólares, Don, só eu e o Fleet! Você deve ter feito 200, fácil... Voa em geral com dois passageiros? - Em geral - disse ele. - Quanto a esse professor que você anda procurando - disse ele. - Não estou procurando professor algum - disse eu. - Estou contando dinheiro! Posso viver uma semana disso, pode chover sem parar uma semana inteira, sem eu voar! Ele olhou para mim e sorriu. - Depois que você acabar de nadar em seu dinheiro - disse - pode me passar o cozido? 3 A montoados, massas, multidões de pessoas, torrentes de humanidade se despejando sobre um homem no meio de todos. Depois o povo se transformou em um oceano capaz de afogar o homem; no entanto, ele caminhou sobre o oceano, assobiando, e desapareceu. O oceano de águas se metamorfoseou em um oceano de capim. Um Travel Air 4.000, branco e dourado, pousou no capim; o piloto saltou da cabina e pendurou um cartaz de pano: VÔO - $3 -VÔO. Eram três horas da madrugada quando acordei do sonho, lembrando de tudo e, por algum motivo, contente com aquilo. Abri os olhos para ver, ao luar, o grande Travel Air parado ao lado do Fleet, Shimoda estava sentado sobre seu colchonete como da primeira vez que o vi, encostado à roda esquerda de seu aeroplano. Não o via claramente, mas sabia que estava ali. - Olá, Richard - disse ele, quieto, no escuro. - Isso lhe conta o que se passa? - O que me conta? - perguntei, confuso. Eu ainda estava recordando e não pensei me surpreender ao ver que ele estaria acordado. - O seu sonho. O camarada, o povo e o aeroplano - disse ele, com paciência. - Estava curioso a meu respeito, de modo que agora já sabe, OK?. Havia os noticiários: Donald Shimoda, que começava a ser chamado de o Messias Mecânico, a Encarnação Americana, e que um dia desapareceu diante de 25 mil testemunhas oculares. Lembrei-me daquilo, geralmente; tinha lido a notícia numa banca de jornais de uma cidadezinha do Ohio, pois estava na primeira página. - Donald Shimoda? - Às suas ordens - disse ele. - Agora já sabe, portanto não precisa mais se intrigar comigo. Vá dormir de novo. Pensei naquilo por muito tempo, antes de dormir. - Permitem que você... eu não achava... você com um trabalho desses, o Messias, supõe-se que você vá salvar o mundo, não é? Não sabia que o Messias podia desistir assim tão simplesmente. Sentei-me na capota do Fleet e fiquei olhando para o meu estranho amigo. - Jogue uma chave de 9/16, por favor, Don. Ele procurou no saco de ferramentas e me atirou a chave. Como acontecera com as outras ferramentas naquela manhã, esta também diminuiu de velocidade e parou, flutuando no ar, a meio metro de mim. Mas no momento em que a toquei, ficou pesada em minha mão; uma chave de avião, comum, de cromo e vanádio. Bem, nem tão comum. Desde que uma 7/8 barata quebrou em minha mão, tenho comprado as melhores ferramentas que o homem pode ter... Aquela por acaso era uma Snap-On, que, como sabe qualquer mecânico, não é uma chave comum. Parece até que é feita de ouro, pelo preço que custa, mas é uma alegria para as mãos e não quebra nunca, por mais que você a use. - Claro que você pode desistir! Pode largar tudo o que quiser. Pode deixar de respirar, se desejar. Ele fez flutuar uma chave de fenda Phillips, para divertir-se. - Assim, desistir de ser o Messias, parecer um tanto na defensiva, talvez seja porque ainda estou um pouco na defensiva. Melhor isso do que continuar com o trabalho e detestá-lo. Um bom Messias não odeia nada e é livre para seguir qualquer caminho que deseje trilhar. Bem, isso se aplica a todo mundo, claro. Somos todos filhos de Deus, ou filhos do Ser, ou idéias da Mente, ou seja como for que você queira chamar a isso. Trabalhei para apertar as porcas de base dos cilindros do motor Kinner. Uma boa máquina, o velho B-5, mas essas porcas tendem a soltar-se depois de umas cem horas de vôo, mais ou menos, e é conveniente a gente estar sempre prevenido. E, com efeito, a primeira a que apliquei a chave girou um quarto de volta, e fiquei contente por ter tido a previdência de verificá-las todas naquela manhã, antes de levar mais passageiros. - Bem, sim, Don, mas parece que ser Messias deveria ser diferente de outros trabalhos, sabe? Jesus voltando a martelar os pregos, para ganhar a vida? Talvez apenas pareça estranho. Ele pensou naquilo, querendo entender o meu ponto de vista. - Não concordo com o que você diz. O estranho nisso tudo é ele não ter desistido quando começaram a chamá-lo de Salvador. Em vez de se retirar diante dessa má notícia, ele tentou usar a lógica: “OK, sou o filho de Deus, mas não somos todos filhos de Deus? Sou o Salvador, mas vocês também são! As coisas que faço, vocês podem fazer! Qualquer pessoa de bom senso compreende isso.” Estava quente ali na capota, mas me sentia como se não estivesse trabalhando. Quanto mais quero fazer uma coisa, menos chamo a isso de trabalho. Era bom saber que estava impedindo que os cilindros voassem do motor. - Diga que você quer outra chave - disse ele. - Não quero outra chave. E acontece que estou tão adiantado, espiritualmente, que considero esses seus truques como simples brincadeiras de salão, Shimoda, de uma alma moderadamente evoluída. Ou talvez um hipnotizador principiante. - Um hipnotizador! Rapaz, você está ficando quente! Mas é melhor ser hipnotizador do que Messias. Que trabalho cacete! Por que é que eu não sabia que ia ser um trabalho cacete? - Você sabia, sim - disse eu, astutamente. Ele apenas riu-se. Você já pensou, Don, que pode não ser assim tão fácil desistir, afinal! Que você pode não se ambientar à vida de um ser humano normal? Não se riu desta vez. - Você tem razão - disse ele, e passou os dedos pelos cabelos pretos. - Se eu passasse mais de um ou dois dias em algum lugar, as pessoas saberiam que eu era algo de estranho. Encoste-se na minha manga, você se cura de um câncer fatal, e no fim de uma semana lá estou eu de volta no meio de uma multidão. Este aeroplano me mantém em movimento, e ninguém sabe para onde vou em seguida, o que me agrada. - Você vai ter mais dificuldades do que pensa, Don. - Ah, é? - É, todo o movimento dos nossos tempos é do material para o espiritual... embora seja lento, ainda assim é um movimento bem grande. Não creio que o mundo vá deixá-lo em paz. - Não sou eu que eles querem, são os milagres! E isso posso ensinar a outro; ele que seja o Messias. Não lhe direi que é um trabalho cacete. E, além disso, “não existe nenhum problema que seja tão grande que não se possa fugir dele’’. Desci da capota e comecei a apertar as porcas dos cilindros três e quatro. Algumas estavam soltas. - Você está citando os livros de quadrinhos, me parece: - Citarei a verdade onde a encontrar, obrigado. - Você não pode fugir, Don! E se eu começar a adorá-lo neste minuto? E se eu me cansar de trabalhar no motor e começar a lhe implorar que o conserte para mim? Olhe, eu lhe darei todos os centavos que ganhar desde agora até o pôr-dosol se me ensinar a flutuar no ar! Se você não fizer isso, então saberei que tenho de começar a rezar para você, o Santo Enviado para Aliviar o meu Fardo. Limitou-se a sorrir. Acho que ainda não compreendera que não poderia fugir. Como eu podia saber disso, se ele não o sabia? - Você teve o programa completo, como a gente vê nos filmes na índia? As multidões nas ruas, bilhões de mãos o tocando, flores e incenso, plataformas douradas com tapeçarias prateadas para você pisar enquanto falava? - Não. Antes mesmo de pedir esse trabalho, sabia que não suportaria isso. Por isso escolhi os Estados Unidos, e só tive as multidões. Era doloroso para ele recordar, e me arrependi de ter tocado no assunto. Ficou sentado no feno, falando, olhando através de mim. - Eu queria dizer: “Se vocês tanto desejam a liberdade e a alegria, não podem ver que não se encontra em nenhum lugar fora de vocês? Digam que as têm e assim será! Ajam como se fossem suas, e serão!” Richard, o que há de tão difícil nisso? Mas a maioria nem ouviu. Milagres. Assim como iam às corridas de automóveis para ver as batidas, iam ver os milagres. De início, é frustrante; depois de algum tempo, fica cacete. Não tenho idéia de como os outros Messias podiam suportá-lo. - Quando você fala essas coisas, parece que perde parte do encanto - disse eu. Apertei a última porca e guardei as ferramentas. - Para onde vamos hoje? Ele foi até a minha cabina e,em vez de limpar os insetos do meu pára-brisa, passou a mão sobre as criaturinhas esmagadas, e elas tornaram a viver e voaram para longe. É certo que o seu pára-brisa nunca precisaria de limpeza, assim como o seu motor, eu sabia agora, nunca precisaria de manutenção. - Não sei - disse ele. - Não sei para onde vamos. - O que quer dizer? Você conhece o passado e o futuro de todas as coisas. Sabe exatamente para onde vamos! Ele deu um suspiro. - É. Mas procuro não pensar nisso. Durante algum tempo, enquanto trabalhava com os cilindros, pensei: “Puxa, basta-me ficar com esse camarada e não terei mais problemas, nada de mau vai acontecer e tudo vai dar certo.” Mas o modo como ele disse “procuro não pensar nisso” me fez recordar o que acontecera com os outros Messias mandados a este mundo. O bom senso me gritava que eu devia rumar para o sul e me afastar o mais possível desse camarada. Mas, como já disse, é um pouco monótono voar assim sozinho, e estava contente por tê-lo encontrado, pelo simples prazer de ter alguém com quem conversar, alguém que conhecesse a diferença entre um aileron e um estabilizador vertical. Devia ter virado para o sul, mas, depois de levantar vôo, segui com ele para o norte e leste, para aquele futuro sobre o qual ele procurava não pensar. 4 O NDE você aprende tudo isso, Don? Você sabe tanta coisa, ou talvez eu é que pense isso. Você sabe mesmo um bocado, É tudo prática? Não há um treinamento especial para ser Mestre? - Dão-nos um livro para ler. Pendurei nos cabos do avião um lenço de seda que acabava de lavar e fiquei olhando para eles. - Um livro? - O Manual do Salvador. É uma espécie de bíblia para os mestres. Tenho um exemplar aqui, se você estiver interessado. - Sim! Sim! Quer dizer, um livro de verdade, que diz como...? Procurou por trás do porta-bagagem do Travel Air e encontrou um livrinho aparentemente encadernado em camurça. Manual do Messias, impresso em letras pretas. Lembretes para Alma Avançada - Por que diz Manual do Salvador? Está escrito aqui Manual do Messias. - É algo assim. Começou a apanhar as coisas em volta do avião, como se estivesse na hora de partir. Folheei o livro, uma coleção de máximas e parágrafos curtos. Perspectiva – Use-A ou perca-A. Se virou para esta página, esqueceu-se de que aquilo que se passa em volta de você não é realidade. Pense nisso. Lembre-se de onde veio, para onde vai, e por que você criou a confusão em que se meteu para começar. Você terá uma morte horrível, lembre-se. Tudo é um bom treino, e você gostará mais se conservar os fatos em mente. Mas leve a sua morte a sério. Rir a caminho de sua execução não é normalmente compreendido por formas de vida menos avançadas, e o chamarão de doido. - Você já leu isso, sobre perder a sua perspectiva, Don? - Não. - Diz que você terá uma morte horrível. - Não necessariamente. Depende das circunstâncias e de como você se sente quanto a organizar as coisas. - Você vai ter uma morte horrível? - Não sei. Não interessa muito, não acha, agora que já larguei o emprego? Uma ascensãozinha sossegada deve bastar. Vou resolver dentro de algumas semanas, depois que terminar de fazer o que vim fazer. Achei que estava brincando, como fazia de vez em quando, e então eu não sabia que estava falando sério quanto a algumas semanas. Continuei a ler o livro. Era o tipo de conhecimentos que um Mestre necessitaria, com efeito. Aprender é descobrir aquilo que você já sabe. Fazer é demonstrar que você o sabe. Ensinar é lembrar aos outros que eles sabem tanto quanto você. Vocês são todos aprendizes, fazedores, professores. A sua única obrigação em qualquer vida é ser sincero consigo mesmo, Ser sincero com outra pessoa ou outra coisa não só é impossível, como ainda é a marca de um falso messias. As perguntas mais simples são as mais profundas. Onde você nasceu ? Onde é o seu lar? Para onde vai? O que está fazendo? Pense sobre isso de vez em quando, e observe as suas respostas se modificarem. Você ensina melhor o que mais precisa aprender. - Você está muito quieto aí, Richard - disse Shimoda, como se quisesse conversar comigo. - É - disse eu, e continuei a ler. Se aquele era um livro só para Mestres, eu não o queria largar. Viva de modo a nunca se arrepender se algo que você faça ou diga for publicado pelo mundo afora – mesmo que o que for publicado não seja verdade. Os seus amigos o conhecerão melhor no primeiro minuto em que se conhecerem do que os seus conhecidos o conhecerão em mil anos. O melhor meio de fugir à responsabilidade é dizer: “Tenho responsabilidades.” Notei uma coisa estranha no livro. - As páginas não têm números, Don. - Não - disse ele. - É só abri-lo, e o que você mais precisar estará ali. - Um livro mágico! - Não. Você pode fazer isso com qualquer livro. Pode fazê-lo com um jornal velho, se ler com cuidado. Você nunca fez isso, estar com um problema na cabeça e depois abrir qualquer livro à mão e ver o que ele lhe diz? - Não. - Bem, experimente um dia. Experimentei. Fechei os olhos e pensei no que me aconteceria se eu ficasse muito tempo mais com essa pessoa estranha. Era divertido ficar com ele, mas não podia me livrar da idéia de que alguma coisa nada divertida ia acontecer dentro de pouco tempo, e não queria estar por perto nesta ocasião. Pensando nisso, abri o livro e li. Você é levado em sua vida pela criatura viva interior, o ser espiritual brincalhão que é o seu ser verdadeiro. Não dê as costas a possíveis futuros antes de ter certeza de que não tem nada a aprender com eles. Você está sempre livre para mudar de idéia e escolher um futuro, ou um passado diferentes. Escolher um passado diferente? Literalmente, figuradamente, ou como é que seria? - Acho que a minha cabeça está confusa, Don. Não sei como poderia aprender esse negócio. - Com a prática. Um pouco de teoria e muita prática - disse ele. - Você deve levar uma semana e meia. - Uma semana e meia. - É. Acredite que sabe todas as respostas, e as saberá realmente. Acredite que é um mestre, e assim será. - Eu nunca disse que queria ser mestre. - Isso mesmo - disse ele. - Você não disse. Fiquei com o manual, e ele nunca o pediu de volta. 5 O s lavradores do centro-oeste necessitam de uma terra boa para que o seu trabalho prospere. Os aviadores ciganos também. Têm de estar perto de seus fregueses. Precisam encontrar, a um quarteirão da cidade, campos plantados de capim, feno, aveia ou trigo cortado rente; sem gado por perto, que coma a tela de seus aviões; próximo a uma estrada, para possibilitar o acesso de carros; com uma porteira na cerca, para as pessoas passarem; os campos dispostos de modo que o avião não tenha de voar baixo por cima de uma casa sequer; bastante lisos, para que seus aparelhos não sejam despedaçados, ao rolar a 80 km/h pelo solo; bastante compridos para a decolagem e a aterrissagem nos dias quentes e calmos do verão; e permissão do proprietário para voar ali por um dia. Pensei nisso, enquanto voávamos para o norte, naquela manhã de sábado, o Messias e eu, o verde e ouro da terra passando suavemente sob nós, a uma distância de 300 metros. O Travel Air de Donald Shimoda flutuava ruidosamente junto à minha asa direita, refletindo a luz do Sol em todas as direções. Um belo avião, pensei, mas grande demais para as épocas realmente más daquele negócio. É verdade que transporta dois passageiros de cada vez, porém pesa duas vezes mais do que o Fleet, e, portanto, precisa de um campo muito maior para decolar e pousar. Já tive um Travel Air, mas no fim troquei-o pelo Fleet, que pode aterrissar em campos pequenos, muito mais fáceis de se encontrar perto das cidades do interior. Podia usar um campo de 150 metros com o Fleet, enquanto que o Travel Air precisava no mínimo de 300 a 310 metros. Se você se prende a esse camarada, pensei, estará se prendendo aos limites do avião dele. E, com efeito, no momento em que pensei aquilo, avistei um bom pastozinho de gado junto à cidade sobre a qual voávamos. Era um pasto de fazenda padrão, de 400 metros, cortado ao meio, a outra metade tendo sido vendida à cidade para um campo de beisebol. Sabendo que o avião de Shimoda não podia pousar ali, reclinei a minha maquininha voadora sobre a asa esquerda, levantei o nariz, passei firme para a marcha lenta e deixei o aparelho cair como uma pedra em direção ao campo de beisebol. Tocamos a grama logo depois da cerca do campo esquerdo e rolamos até parar, com espaço de sobra. Queria me exibir um, pouco, mostrar a ele o que pode fazer um Fleet, quando pilotado com perícia. Uma aceleração rápida me fez girar para tornar a decolar, mas, quando me virei, lá estava o Travel Air, preparando-se para a aproximação final do pouso. Cauda para baixo, asa direita para cima, parecia um condor magnífico e gracioso se preparando para pousar numa palha de vassoura. Vinha baixo e devagar, e meus cabelos se encaram. Ia presenciar um desastre. Para aterrissar com um Travel Air, é preciso estar voando a pelo menos l00 km/h. Com menos que isso, sendo um avião que enguiça aos 80, acaba enroscando. Mas o que vi foi aquele biplano branco e dourado para o ar. Bem, não quero dizer propriamente parar, mas não estava voando a mais de 50km/h um avião que enguiça aos 80, pensem bem, parar no ar, parecer suspirar e descer direto, nas três rodas, no capim. Ele usou a metade, talvez três quartos do espaço que eu usaria para pousar com o Fleet. Fiquei ali sentado na cabina, olhando, enquanto ele taxiava até chegar a meu lado e parar. Quando desliguei o motor, ainda olhando, estonteado, o que acontecia, ele disse: - Bom campo que você encontrou! Bem perto da cidade, hein? Os nossos primeiros fregueses, dois garotos numa moto Honda, já estavam entrando para ver o que se passava. - O que quer dizer “perto da cidade”? - gritei, por cima do barulho dos motores que ainda ressoava em meus ouvidos. - Bem, fica a meio quarteirão daqui! - Não, não é isso! COMO FOI AQUELE POUSO? No Travel Air? Como foi que você aterrissou aqui? Ele piscou para mim. - Mágica! - Não, Don... estou falando sério! Vi como você pousou! Ele percebeu que eu estava chocado e muito assustado. - Richard, quer saber como se faz as chaves flutuarem no ar, como se cura todas as doenças, se transforma a água em vinho, se anda sobre as ondas e se pousa um Travel Air em 30 metros de capim? Quer saber a solução de todos esses milagres? Senti-me como se ele acabasse de dirigir um raio laser para cima de mim. - Quero saber, como você pousou aqui... - Escute! - disse ele, atravessando o abismo entre nós. - Este mundo? E tudo o que há nele? Ilusões, Richard! Tudo ilusões! Entende isso? Não piscava nem sorria, como se de repente estivesse furioso comigo por não saber disso há muito tempo. A motocicleta parou junto à cauda do seu avião; os rapazes pareciam loucos para voar. - É - foi só o que pude dizer. - Entendido quanto às ilusões. Neste momento, os moços já o estavam assediando para levá-los para um vôo e coube a mim a tarefa de encontrar logo o dono do pasto e pedir licença para usar a sua propriedade. O único meio de descrever as decolagens e pousos que o Travel Air fez naquele dia é lhes dizer que parecia um Travel Air de mentira. Era como se o avião fosse, na verdade, um Cub E-2, ou um helicóptero fantasiado de Travel Air. Por algum motivo, era muito mais fácil para mim aceitar que uma chave de 9/16 flutuasse sem peso do que ficar calmo vendo aquele avião decolar com passageiros a bordo a 50km/h. Uma coisa é acreditar na levitação quando vemos o fenômeno, outra coisa é acreditar em milagres. Fiquei pensando no que ele dissera com tanta convicção. Ilusões. Alguém já afirmara isso antes... quando eu era criança, aprendendo mágicas - os mágicos diziam aquilo! Eles falavam, cuidadosamente: “Vejam, isso não é milagre; não é mágica de verdade. O que há é um efeito, a ilusão da mágica.” Depois tiravam um lustre de uma noz ou transformavam um elefante numa raquete de tênis. Num acesso de percepção, puxei o Manual do Messias do bolso, abrindo-o. Havia só duas frases na página. Não existe um problema que não ofereça uma dádiva para você. Você procura os problemas porque precisa das dádivas por eles oferecidas. Não sei bem por que, mas, ao ler aquilo, a minha confusão se aliviou. Reli aquilo até sabê-lo de olhos fechados. O nome da cidade era Troy, e o pasto ali prometia ser tão bom quanto fora o campo de feno em Ferris. Mas em Ferris sentira uma certa calma, e aqui havia no ar uma tensão que não estava me agradando nada. Os vôos, que para os nossos passageiros eram uma aventura única, para mim eram a rotina, nublada por aquela estranha inquietação. A minha aventura era o personagem com quem eu estava voando... o modo impossível pelo qual pilotava seu avião e as coisas estranhas que dissera para explicá-lo. As pessoas de Troy não se impressionaram com o milagre do Travel Air mais do que eu me impressionaria se ouvisse tocar ao meio-dia um sino que não tocasse há 60 anos... Não sabiam ser impossível acontecer o que estavam presenciando. - Obrigado pelo passeio! - diziam eles, e - É só isso que vocês fazem, para ganhar a vida... não trabalham em algum lugar? - e - Por que foram escolher um lugarzinho pequenino como Troy? - e - Jerry, a sua fazenda não é maior do que uma caixa de sapato! Tivemos uma tarde movimentada. Havia muita gente querendo voar e íamos ganhar muito dinheiro. Ainda assim, uma parte de meu ser começou a dizer “saia, saia, afaste-se deste lugar”. Já tenho ignorado isso antes e sempre me arrependo. Por volta das três horas desliguei o aparelho por causa da gasolina, fiz o percurso de ida e volta do posto Skelly com duas latas de cinco galões de gasolina de automóvel, e então reparei que não tinha visto o Travel Air reabastecer-se uma única vez. Shimoda não punha gasolina no seu avião desde antes de chegar a Ferris, e eu vira aquele aparelho voar por mais de sete horas, quase oito, sem nem mais uma gota de gasolina ou óleo. E embora soubesse que ele era um homem bom e não me fosse fazer mal, fiquei outra vez assustado. Economizando-se bastante, puxando o manete para revoluções mínimas e usando uma mistura perfeitamente pobre em vôos de cruzeiros, o Travel Air funciona por cinco horas, no máximo. Mas não oito horas, com decolagens e pousos. Ele continuava a voar firme, vôos e mais vôos, enquanto eu punha a gasolina comum no meu tanque central e um litro de óleo no motor. Havia uma fila de gente aguardando e parecia que ele não queria desapontá-los. Consegui me aproximar dele quando estava ajudando um casal a entrar na cabina da frente do avião. Procurei parecer o mais calmo e displicente possível. - Don, como vai de combustível? Precisa de gasolina? Fiquei parado junto à ponta da asa, com uma lata vazia de cinco galões na mão. Olhou-me profundamente nos olhos e franziu a testa, intrigado, como se eu tivesse perguntado se precisava de ar para respirar. - Não - disse ele, e senti-me como um menino atrasado de primeiro ano primário, nos fundos da sala de aula. - Não, Richard, não preciso de gasolina. Aquilo me aborreceu. Conheço alguma coisa a respeito de motores de avião e combustível. - Bem, então - disse-lhe, zangado - que tal um pouco de urânio? Ele riu e me desarmou logo. - Não, obrigado. Eu o enchi no ano passado. Em seguida, estava na sua cabina e se foi com seus passageiros, naquela decolagem sobrenatural, em câmara lenta. Primeiro desejei que as pessoas fossem embora; depois, que saíssemos dali depressa, com ou sem gente; e, depois, que eu tivesse o juízo de sair dali sozinho, imediatamente. Só queria decolar e encontrar um campo grande e vazio, longe de qualquer cidade, e ficar sentado, pensando e escrevendo o que estava acontecendo em meu diário, tentando dar um sentido a tudo aquilo. Fiquei do lado de fora do Fleet, descansado até que Shimoda tornou a pousar. Fui até a sua cabina, sentindo a força do vento provocado pelo seu forte motor. - Acho que já voei bastante, Don. Vou andando, pousar fora das cidades e trabalhar um pouco menos, por algum tempo. Foi divertido voar com você. Nós nos veremos por aí, um dia desses, OK? Ele nem piscou. - Mais um vôo e estarei com você. Esse camarada está esperando. - Está bem. O camarada esperava numa velha cadeira de rodas que tinha sido empurrada até o campo. Parecia estar amassado e torcido no assento, como que por alguma força de gravidade exagerada, mas queria voar. Havia 40 ou 50 pessoas ali, umas de carro, outras a pé, querendo ver, curiosas, como Don levaria o homem da cadeira para o avião. Ele nem pensou no caso. - Quer voar? O homem deu um sorriso torto e meneou a cabeça, meio de lado. - Então,vamos, vamos voar! - disse Don calmamente, como se falasse com alguém que estivesse esperando, de fora, havia muito tempo, e como se tivesse chegado a vez dele tornar a entrar no jogo. Se houve alguma coisa estranha naquele momento, em retrospecto, foi a intensidade com que ele falou. Foi com naturalidade, sim, mas foi também uma ordem, no sentido do homem se levantar e entrar no avião, sem pretextos. Naquele momento, teve-se a impressão de que o homem estivera representando, até então, o papel de aleijado e inválido, e sua última cena terminara. A gravidade liberou-o como se nunca tivesse existido; ele saltou da cadeira, num passo acelerado, assombrado consigo mesmo, em direção ao Travel Air. Eu estava perto e o ouvi dizer: - O que você fez? - perguntou ele. - O que você me fez ? - Vai voar ou não? - disse Don. - O preço é três dólares. Pague antes da decolagem, por favor. - Vou voar! - disse ele. Shimoda não o ajudou a subir para a cabina da frente, como geralmente fazia com seus passageiros. As pessoas saltaram dos carros. Houve um murmúrio rápido de parte dos espectadores e depois um silêncio espantado. Aquele homem não andava desde que seu caminhão caíra de uma ponte, havia onze anos. Como um garoto pondo asas feitas de lençóis, ele pulou para dentro da cabina e deslizou para o assento, agitando muito os braços, como se acabassem de lhe dar braços com que brincar. Antes que alguém pudesse falar, Don apertou o manete e o Travel Air se elevou no ar, dando voltas fechadas em torno das árvores e subindo furiosamente. O mesmo momento pode ser feliz e apavorante? Seguiram-se muitos momentos assim. Ficava o assombro diante do que seria a cura milagrosa de um homem que parecia merecê-la, e, ao mesmo tempo, de algo nada bom que aconteceria quando aqueles dois tornassem a descer. O pessoal, esperando, formava um nó apertado, uma turba, o que não era nada bom. Os minutos se passavam, os olhos estavam fixos naquele biplanozinho voando tão displicentemente ao Sol, e algo go de violento estava para acontecer. O Travel Air descreveu alguns oitos íngremes e preguiçosos, uma espiral fechada e depois estava flutuando por cima da cerca, como um disco voador lento e barulhento, prestes a pousar. Se ele tivesse juízo, largaria o passageiro na outra extremidade do campo, decolaria rapidamente e desapareceria. Estava chegando mais gente; mais uma cadeira de rodas, empurrada por uma senhora correndo. Ele taxiou, girou o avião para ficar com a hélice afastada do povo e desligou o motor. O pessoal correu para a cabina e por um momento achei que iam arrancar a tela da fuselagem, para alcançar os dois. Seria covardia? Não sei. Caminhei até meu avião, bombeei o manete e o afogador, e puxei a hélice para dar a partida. Entrei na cabina, virei o Fleet de frente para o vento e decolei. A última coisa que vi foi que Donald Shimoda estava sentado na borda de sua cabina, rodeado pelo povo. Virei para leste e depois sudeste; após algum tempo, no primeiro campo grande que encontrei, com árvores para me dar sombra e um riacho onde beber, pousei para passar a noite. Ficava bem longe de qualquer cidade. 6 A té hoje, não sei dizer o que é que me deu. Foi uma sensação de destino que me expulsou para longe do sujeito estranho e curioso que era Donald Shimoda. Se tiver de confraternizar com o destino, nem mesmo o próprio Messias tem o poder de me fazer ficar. Estava sossegado no campo, uma campina enorme e quieta, aberta para o céu... O único ruído era o de um riachinho que tinha de me esforçar para ouvir. Só, de novo. A gente se habitua a ficar sozinho, mas se interromper o hábito, nem que seja por um dia, tem de se acostumar de novo. - OK, então foi divertido, durante algum tempo - disse eu em voz alta para a campina. - Foi divertido e talvez eu tivesse muito o que aprender com o camarada. Mas já estou farto das multidões, mesmo quando estão felizes... se ficam com medo, ou querem crucificar alguém, ou adorá-lo. Sinto muito, mas é demais! Quando disse aquilo, parei de repente. Aquelas palavras podiam ter sido ditas por Shimoda em pessoa. Por que ficara ali? Tive o bom senso de partir e não era nenhum Messias. Ilusões. O que ele queria dizer com “ilusões”? Aquilo era mais importante do que tudo o que dissera ou fizera - feroz, é o que ele estava, ao dizer: “É tudo ilusão!”, como se pudesse martelar a idéia em minha cabeça à força. Era um problema, mesmo, e eu estava precisado daquela dádiva, mas continuava sem saber o que significava. Depois de algum tempo fiz uma fogueira, cozinhei uma espécie de gulache de pedacinhos de carne de soja, macarrão seco e dois cachorros-quentes de dois dias antes, que deviam ficar bons, depois de fervidos. O saco de ferramentas estava ao lado da caixa de mantimentos e, sem motivo especial, tirei a chave 9/16, limpei-a e mexi o gulache com ela. Estava sozinho, notem bem, não havia ninguém me espiando, de modo que, de farra, tentei fazê-la flutuar no ar. Se eu a jogasse bem para cima e piscasse os olhos quando começasse a descer, teria, por meio segundo, a sensação de que estava flutuando. Mas logo ela caía na grama ou no meu joelho com um baque e o efeito se anulava. Mas aquela mesma chave... Como ele fazia aquilo? Se isso é só ilusão, Sr. Shimoda, então o que é real? E se esta vida é uma ilusão, então por que a vivemos? Por fim, joguei a chave mais algumas vezes e desisti. E de repente fiquei feliz de estar onde estava e saber o que sabia, embora não fosse a solução de toda a vida, ou mesmo de algumas ilusões. Quando estou sozinho, às vezes canto. “Ah, eu e a velha TINTA!...” , cantei, acariciando a asa do Fleet, com muito amor pela coisa (lembrem-se, não havia ninguém ouvindo). “Vamos vagar pelo céu... Saltando pelos campos até um de nós dar o prego...” Vou compondo a música e a letra ao cantar. “E não vou ser eu que vou dar o prego, Tinta... A não ser que você quebre uma LONGARINA... e aí eu a prendo com um BARBANTE... e continuamos a voar... CONTINUAMOS A VOAR...” Os versos não têm fim, quando me embalo e me sinto feliz, pois as rimas não são assim tão essenciais. Deixara de lado os problemas do Messias; não havia como saber quem ele era ou o que queria dizer, de modo que parei de pensar e creio que isso me deixou feliz. Lá por volta das dez horas o fogo apagou e a minha cantoria também. - Onde quer que você esteja, Donald Shimoda - disse eu, desenrolando a manta embaixo da asa - lhe desejo bons vôos e poucas multidões. Se é isso que você quer. Não, retiro isso. Desejo, meu caro e solitário Messias, que você encontre tudo o que deseja encontrar. O manual caiu de meu bolso, quando tirei a camisa, e li no lugar em que se abriu. O laço que une a sua família verdadeira não é de sangue, mas de respeito e alegria pela vida um do outro. Raramente os membros de uma família se criam sob o mesmo teto. Não via de que modo aquilo poderia se aplicar a mim, e obriguei-me a pensar que nunca deveria permitir que um livro substituísse o meu próprio raciocínio. Acomodei-me sob a manta e depois apaguei, como uma lâmpada que é desligada, quente e sem sonhos, debaixo do céu e de vários, milhares de estrelas que eram ilusões, talvez, mas ilusões muito bonitas, por certo. Quando voltei a mim, o Sol estava nascendo, luz rosada e sombras douradas. Acordei não por causa da luz, mas porque alguma coisa estava tocando a minha cabeça, bem de leve. Pensei que fosse uma haste de capim, flutuando por ali. Depois achei que era um mosquito, bati com força e quase quebrei a mão... Uma chave de boca de 9/16 é um pedaço duro de ferro para se bater à toda, e acordei depressa. A chave bateu na dobradiça do aileron, cravou-se por um momento no capim e depois flutuou com imponência, tornando a pairar no ar. Então, enquanto eu olhava, já completamente desperto, ela foi caindo aos poucos ao chão. Quando me resolvi a apanhá-la, era a mesma chave que conhecia e amava, com o mesmo peso e a mesma vontade de pegar todos aqueles pinos e porcas. - Bem, que diabo! Nunca digo diabo nem coisas assim - restos da minha infância no ego. Mas estava realmente intrigado e não havia mais o que dizer. O que se passava com a minha chave? Donald Shimoda estava a pelo menos 90 quilômetros, acima de algum horizonte. Peguei, examinei e equilibrei a chave, sentindo-me como um macaco pré-histórico que não consegue compreender que uma roda está girando diante de seus próprios olhos. Tinha de haver algum motivo simples... Desisti, afinal, aborrecido, guardei-a no saco de ferramentas e acendi o fogo para o meu pão de panela. Não estava com pressa para ir a lugar algum. Podia bem passar o dia todo ali, se quisesse. O pão crescera bastante na panela e estava quase no ponto para ser virado quando ouvi um barulho no oeste. Não havia possibilidade do barulho ser do avião de Shimoda, nem de que alguém pudesse me ter descoberto naquele determinado campo, entre milhões de campos do centro-oeste, mas eu sabia que era ele e comecei a assobiar... olhando para o pão e o céu, procurando pensar em alguma coisa muito calma para dizer quando ele aterrissasse. Era o Travel Air mesmo; voou baixo por cima do Fleet, subiu direto numa volta de exibição, deslizou pelo ar e pousou a 90 km/h, a velocidade em que um avião deste tipo deve pousar. Parou ao lado do meu aparelho e desligou o motor. Eu não disse nada. Acenei, mas não disse nada. Parei de assobiar. Ele saltou da cabina e foi até a fogueira. - Olá, Richard. - Você está atrasado - disse eu. - Quase queimei o pão de panela. - Desculpe. Passei-lhe uma caneca de água do riacho e um prato de folha de estanho com meio pão e um pedaço de margarina. - Como foi? - perguntei. - OK - disse ele, com um meio sorriso momentâneo. - Escapei com vida. - Tinha minhas dúvidas a respeito. Comeu o pão calado. - Sabe - disse ele, por fim, olhando para a comida - isso é mesmo uma coisa horrível. - Ninguém mandou você comer o meu pão de panela - disse eu, zangado. Por que será que ninguém gosta do meu pão de panela? NINGUÉM GOSTA DO MEU PÃO DE PANELA! Por que, ó Mestre Elevado? - Bem - disse ele, sorrindo - e agora estou falando como Deus - eu diria que você acredita que ele seja bom, e que por isso lhe pareça bom. Experimente-o sem acreditar profundamente o que você acredita e parecerá uma espécie de... incêndio... depois de uma inundação... num moinho, não acha? A grama você pôs de propósito, imagino. - Desculpe. Caiu da minha manga, não sei como. Mas não acha que o pão básico em si - não o capim nem o queimadinho, ali - o pão de panela básico, não acha...? - Horrível - disse ele, devolvendo-me tudo, menos uma mordida do que eu lhe dera. - Prefiro passar fome. Ainda tem aqueles pêssegos? - Na caixa. Como me encontrara? Uma envergadura de oito metros em 16 mil quilômetros de prados de lavoura não é um alvo fácil, especialmente quando se está contra o Sol. Mas jurei que não havia de perguntar. Se quisesse me contar, o faria. - Como foi que me descobriu? - perguntei. - Eu podia ter pousado em qualquer lugar. Abrira a lata de pêssegos e estava comendo as frutas com uma faca... o que não é muito fácil. - Os semelhantes se atraem - murmurou ele, errando uma fatia de pêssego. - Ah, é? - Uma lei cósmica. - Ah. Acabei o meu pão e depois areei a panela com areia do riacho. Esse pão é bom mesmo. - Pode explicar? Como é que sou semelhante ao seu estimado ser? Ou será que por “semelhante” queria dizer que os aviões são parecidos? - Nós, os fazedores de milagres, temos de nos manter unidos - disse ele. A frase era ao mesmo tempo bondosa e apavorante, do jeito que foi dita. - Ah... Don? Quanto a este seu último comentário? Talvez não se importe de me dizer o que quer dizer: nós, os fazedores de milagres? - Pela posição da chave de 9/16 na sacola, eu diria que você andou realizando o truque de levitação com a chave de boca, hoje de manhã. Diga se estou enganado. - Não estava fazendo coisa alguma! Acordei... o negócio me acordou, sozinho! - Ah. Sozinho. Estava rindo de mim. - SOZINHO, SIM! - gritei. - A sua compreensão de sua capacidade de fazer milagres, Richard.é tão completa quanto a sua compreensão de fazer pães. Não lhe respondi; escorreguei pelas cobertas e fiquei o mais quieto possível. Se tivesse alguma coisa a dizer, podia fazê-lo quando bem entendesse. - Alguns de nós começamos a aprender essas coisas pelo subconsciente. A nossa mente desperta não as aceita, de modo que fazemos os nossos milagres enquanto dormimos. Olhou, no céu, as primeiras nuvenzinhas do dia. - Não seja impaciente, Richard. Estamos todos sempre aprendendo mais. Você agora vai aprender bem depressa, e será um mestre espiritual sábio e velho sem o sentir. - O que quer dizer, sem o sentir? Não quero senti-lo! Não quero saber de nada! - Você não quer saber de nada. - Bem, quero saber por que o mundo existe, o que ele é, por que vivo aqui e para onde vou depois... Quero saber isso. E voar sem avião, quando desejar. - Desculpe. - Desculpe o quê? - Não é assim que funciona. Se você aprende o que é este mundo e como funciona, automaticamente começa a fazer milagres, ou o que chamarão de milagres. Mas, naturalmente, nada é milagroso. Se aprender o que o mágico sabe, aquilo deixa de ser mágica. Afastou os olhos do céu. - Você é como todo mundo. Já conhece isso. Apenas ainda não tem consciência de que já conhece. - Não me lembro - disse eu - não me lembro que você me tenha perguntado se quero aprender isso, seja o que for, que lhe trouxe multidões e tristezas a vida toda. Parece que me esqueci disso. Tão logo falei aquilo, senti que ele ia dizer que mais tarde eu me lembraria, e estaria certo. Ele se esticou no capim, tendo como travesseiro o resto da farinha no saco. - Olhe, não se preocupe com as multidões. Elas não o podem tocar, a não ser que você o queira. Você é mágico, lembre-se: FUF!... fica invisível e passa através das portas. - A multidão o pegou em Troy, não foi? - Eu disse que não o queria? Aquilo eu permiti. Gostei. Em todos nós há um pouco de canastrão, do contrário nunca conseguiríamos ser mestres. - Mas você não desistiu? Eu não li...? - Do jeito que as coisas iam, eu estava me tornando o Único Messias de Tempo Integral, e esse trabalho larguei de vez. Mas não posso desaprender uma coisa que passei várias vidas aprendendo, posso?. Fechei os olhos e mastiguei uma haste de capim. - Olhe, Donald, o que está querendo me dizer? Por que não fala logo o que está acontecendo? Fez-se um silêncio comprido e então ele disse:- Talvez você é que deva me contar. Conte-me o que estou querendo dizer, e eu o corrijo se estiver errado. Pensei naquilo um pouco e resolvi surpreendê-lo. - OK, vou lhe contar. Fiz uma pausa, para ver quanto tempo ele poderia esperar se o que eu dissesse não saísse muito fluente. O Sol agora estava bem alto para nos aquecer, e ao longe, num campo escondido, um fazendeiro trabalhava com um trator diesel, cultivando o milho no domingo. - OK, vou lhe dizer. Antes de tudo, não foi por coincidência que você pousou no campo em Ferris, certo? Ele estava calado como o capim crescendo. - E, depois, temos uma espécie de acordo místico, que parece que eu esqueci e você não. Só um vento suave soprando, e o ruído distante do trator indo e vindo com ele. Parte de mim estava escutando e não achava que o que eu dizia fosse ficção. Estava inventando uma história verdadeira. - Vou dizer que nos encontramos há uns três ou quatro mil anos, mais ou menos. Gostamos do mesmo tipo de aventuras, provavelmente odiamos o mesmo tipo de destruidores, aprendemos nos divertindo mais ou menos igualmente e com a mesma rapidez. Você tem uma memória melhor. O nosso reencontro é o que você quer dizer com a expressão “os semelhantes se atraem”. Peguei uma outra haste de capim. - Que tal, até agora? - Já estava achando que ia ser uma conversa longa - disse ele. - E vai ser, mas acho que há uma leve possibilidade de que dessa vez você o consiga. Continue a falar. - Depois, não é preciso continuar a falar, pois você já sabe que coisas uma pessoa conhece. Mas, se não dissesse isso, você não saberia o que é que penso que sei, e sem isso não posso aprender nada do que quero aprender. - Larguei a minha haste de capim. - O que é que você ganha com isso, Don? Para que se incomodar com gente como eu? Quando uma pessoa está adiantada como você, tem todos esses poderes milagrosos como subprodutos. Você não precisa de mim, não precisa de nada deste mundo. Virei a cabeça e olhei-o. Estava de olhos fechados. - Como a gasolina do Travel Air? - perguntou ele. - Certo - disse eu. - Portanto, no mundo só resta o tédio... Não existem aventuras quando você sabe que não pode ser perturbado por nada neste mundo. O seu único problema é que você não tem problemas! Isso, pensei, era uma fala e tanto. - Você se enganou, aí - disse ele. - Diga-me por que larguei o meu trabalho... Sabe por que larguei o trabalho de Messias? - As multidões, você disse. Todo mundo querendo que você fizesse os milagres por eles. - Olha, o horror às multidões é a sua cruz, não a minha. Não são as multidões que me cansam, mas sim o tipo de multidão que não liga a mínima às coisas que vim dizer. Você pode andar de Nova York a Londres sobre o oceano, pode passar a vida toda fazendo aparecer moedas de ouro, e ainda assim não conseguir interessá-los, sabe disso? Naquele momento, pareceu mais solitário do que jamais vira um homem vivo parecer. Não precisava de alimentos, de abrigo, de dinheiro, ou de fama. Estava morrendo devido à sua necessidade de dizer o que sabia, e ninguém se interessava em saber. Franzi o rosto, para não chorar. - Bem, a culpa é sua - disse eu. - Se a sua felicidade depende do que fazem os outros, acho que tem um problema, sim. Levantou a cabeça de repente e seus olhos faiscaram como se eu lhe tivesse batido de repente com a chave. Pensei que não seria prudente fazer com que aquele sujeito se zangasse comigo. Uma pessoa queima, logo que é atingida por um raio. Depois ele deu aquele sorriso de meio segundo. - Sabe de uma coisa, Richard? - disse, devagar. - Você... tem... razão! Ficou calado de novo, quase num transe, devido ao que eu tinha dito. Sem reparar, continuei falando durante horas, todas aquelas idéias passando por minha cabeça como cometas matutinos e meteoros diurnos. Ficou deitado na grama, quieto, sem se mexer, sem dar uma palavra. Ao meio-dia eu terminara a minha versão do Universo e de todas as coisas que nele existem. -... E parece que ainda nem comecei, Don, há tanta coisa a dizer. Como é que sei de tudo isso? Como pode ser? Não respondeu. - Se você espera que eu responda à minha pergunta, confesso que não sei. Como posso dizer todas essas coisas agora, quando antes nem sequer tentara? O que me aconteceu? Nada de resposta. - Don? Pode falar agora, por favor. Não deu uma palavra. Eu lhe explicara o panorama da vida, e o meu Messias, como se tivesse ouvido tudo o que precisasse ouvir naquela palavra casual sobre sua felicidade, adormecera profundamente. 7 M anhã de quarta-feira, seis horas, não estou acordado e - BUUM! aquele barulho tremendo, repentino e violento como uma sinfonia altamente explosiva; coros de mil vozes instantâneos, palavras em latim, violinos, tímpanos e trompas de arrebentar os vidros. A terra estremeceu, o Fleet balançou em suas rodas e saí de sob a asa como um gato que levou um choque de 400 volts, o pêlo eriçado como pontos de exclamação. O céu era um nascer do Sol ainda morno, as nuvens vivas em tinta louca, mas tudo confuso no crescendo de dinamite. - PARE! PARE! PARE COM A MUSICA, PARE. Shimoda berrou tão alto e furioso que consegui escutá-lo acima da barulhada; o som parou imediatamente, os ecos rolando para longe, mais e mais longe. Depois veio uma melodia suave e sagrada, tranqüila como a brisa, Beethoven num sonho. Ele não se impressionou. - EU DISSE: PARE COM ISSO! A música parou. - Ufa! - disse ele. Fiquei olhando-o. - Há uma hora para tudo, certo? - disse ele. - Bem, uma hora, bem... - Um pouco de música celestial é muito bom, na intimidade de seu espírito, e talvez em ocasiões especiais, mas logo de manhã cedinho, e assim tão alto? O que está fazendo? - O que eu estou fazendo? Don, estava no mais profundo dos sonos... O que quer dizer: o que eu estou fazendo? Sacudiu a cabeça, deu de ombros, desanimado, fungou e voltou para o seu saco de dormir debaixo da asa. O manual estava no capim, onde caíra. Virei-o com cuidado e li. Valorize suas limitações, e, por certo, não se livrará delas. Havia muita coisa que eu não entendia, em matéria de Messias. 8 T erminamos o dia em Hammond, Wisconsin, transportando alguns passageiros de segunda-feira. Depois fomos até a cidade a pé para jantar e voltamos. - Don, concordo que esta vida pode ser interessante ou cacete ou o que quer que desejamos que seja. Mas mesmo em meus momentos mais brilhantes nunca consegui descobrir por que estamos aqui, para começar. Fale-me algo sobre isso. Passamos pela loja de ferragens (fechada) e pelo cinema (aberto: Butch Cassidy and the Sundance Kid) e, em vez de responder, ele parou e virou na calçada. - Você tem algum dinheiro, não? - Muito. Mas o que é que há? - Vamos ver o filme - disse ele. - Você paga? - Não sei, Don. Vá você. Vou voltar para os aviões. Não gosto de deixá-los sozinhos por tanto tempo. O que havia de tão importante, de repente, num filme? - Os aviões estão bem. Vamos ao cinema. - Já começou a sessão. - Então entramos atrasados. Ele já estava comprando sua entrada. Acompanhei-o à sala de projeção e nos sentamos na última fila. Devia haver umas 50 pessoas em volta de nós, no escuro. Depois de algum tempo, esqueci-me do motivo pelo qual estávamos ali e me interessei pelo filme, que sempre considerei um clássico, de qualquer forma; aquela era a terceira vez que via Sundance. O tempo que passamos no cinema se espiralou e se espichou, como acontece com um bom filme, e, durante algum tempo, fiquei observando os detalhes técnicos... como cada cena era projetada e adaptada à seguinte, por que uma cena naquele momento e não mais tarde. Tentei olhar desse modo, mas me envolvi na história e esqueci. No pedaço em que Butch e Sundance são cercados por todo o exército boliviano, quase no final, Shimoda tocou no meu ombro. Inclinei-me para ele, olhando o filme, querendo que deixasse para depois o que tinha para dizer. - Richard? - Sim. - Por que você está aqui? - É um bom filme, Shimoda. Pssiu. Butch e Sundance, cobertos de sangue, estavam dizendo por que deviam ir para a Austrália. - Por que é bom? - perguntou ele. - Ê divertido. Pssiu. Depois eu conto. - Pare com isso. Acorde. É tudo ilusão. Fiquei irritado. - Donald, só mais alguns minutos e depois podemos conversar quanto você quiser. Mas me deixe ver o filme, OK ? Ele sussurrou intensamente, dramaticamente: - Richard, por que você está aqui? - Escute, estou aqui porque você pediu para virmos aqui! Virei-me e tentei assistir ao final. - Você não precisava vir, podia ter dito: não, obrigado. - GOSTO DO FILME... Um homem na minha frente virou-se para me olhar por um instante. - Gosto do filme, Don; há alguma coisa de errado nisso? - Nada, em absoluto - falou ele. E não disse mais uma palavra até o filme acabar e passarmos pelo lote de tratores usados, nos dirigindo para o escuro, para o campo e os aviões. Estava ameaçando chuva. Pensei sobre o seu estranho comportamento no cinema. - Você faz tudo por algum motivo, Don? - Às vezes. - Por que o filme? Por que de repente você quis ver Sundance. - Você fez uma pergunta. - Sim. E você tem uma resposta? - É essa a minha resposta. Fomos ao cinema porque você fez uma pergunta. O filme foi a resposta à sua pergunta. Estava rindo de mim, eu sabia. - Qual foi a minha pergunta? Seguiu-se um silêncio prolongado e magoado. - A sua pergunta, Richard, foi por que mesmo em seus momentos mais brilhantes você nunca conseguiu descobrir por que estamos aqui. Lembrei-me. - E o filme foi a minha resposta. - Foi: - Você não compreende - disse ele. - Não. - O filme foi bom - continuou - mas o melhor filme do mundo ainda assim é uma ilusão, não é mesmo? As fotos nem sequer estão se movendo: apenas parecem estar se movendo. Luzes variáveis que parecem mover-se por uma tela plana montada no escuro? - Bem, sim. Eu estava começando a compreender. - As outras pessoas, quaisquer pessoas, em qualquer lugar, que vão assistir a qualquer filme, por que estão lá, quando é tudo ilusão? - Bem, é um divertimento - disse eu. - Divertimento. Certo. Um. - Pode ser educativo. - Bom. Sempre é isso. Aprender. Dois. - Fantasia, fuga. - Isso também é divertimento. Um. - Motivos técnicos. Ver como se faz um filme. - Aprender. Dois. - Fuga do tédio... - Fuga. Você já disse isso. - Social. Para estar com os amigos - disse eu. - Motivo para ir, mas não para ver o filme. Isso é divertimento, de qualquer forma. Um. Tudo o que eu inventava se adaptava aos dois dedos dele; as pessoas vêem os filmes por divertimento, para aprender ou ambos. - E um filme é como uma vida, Don, certo? - Sim. - Então, por que alguém vai escolher uma vida má, um filme de terror? - Não somente vão assistir a um filme de terror para se divertirem, como sabiam que ia ser um filme de terror quando entraram - disse ele. - Mas por que...? - Você gosta de filmes de terror? - Não. - Nunca os vê? - Não. - Mas não há gente que gasta muito tempo e dinheiro para ver o terror, ou problemas novelescos que para outras pessoas são monótonos e cacetes...? Ele deixou que eu respondesse à pergunta. - Sim. - Você não é obrigado a ver os filmes deles e eles não são obrigados a ver os seus. É o que se chama de “liberdade”. - Mas por que é que alguém havia de querer ficar apavorado? Ou caceteado? - Porque acham que o merecem por apavorar outras pessoas, ou gostam da emoção do pavor, ou então acham que os filmes devem ser cacetes. Você pode acreditar que muitas pessoas, por motivos justos para elas, gostam de crer que são desamparadas em seus próprios filmes? Não, não pode. - Não posso, não - disse eu.- Até você compreender isso, vai ficar imaginando por que algumas pessoas são infelizes. Elas são infelizes porque resolveram ser infelizes, e, Richard, isso está certo! - Hummm. - Somos criaturas que brincam, que se divertem, somos as lontras do Universo. Não podemos morrer, não nos podemos ferir mais do que se podem ferir as ilusões na tela. Mas podemos acreditar que estamos feridos, com todos os detalhes agonizantes que quisermos. Podemos acreditar que somos vítimas, mortas e matando, envolvidas pela boa e pela má sorte. - Muitas vidas? - perguntei. - Quantos filmes você já viu? - Ah. - Filmes sobre viver neste planeta, ou em outros planetas; qualquer coisa que tiver espaço e tempo é filme e ilusão - disse ele. - Mas por algum tempo podemos aprender muita coisa e nos divertir muito com nossas ilusões, não é? - Até onde você leva esse negócio de filme, Don? - Até onde você quer? Hoje viu o filme em parte porque eu o queria ver. Muitos escolhem determinadas vidas porque gostam de fazer coisas juntos. Os atores do filme de hoje já representaram juntos em outros filmes... antes ou depois, depende de qual filme você viu primeiro, e você os pode ver ao mesmo tempo em telas diferentes. Nós compramos entradas para esses filmes, pagando a admissão, concordando em acreditar naquelas realidades do espaço e do tempo... Nenhuma das duas é a verdade, mas quem não quiser pagar esse preço não pode aparecer neste planeta, nem em qualquer sistema de espaço-tempo. - Existem pessoas que não têm vidas no espaço-tempo? - Existem pessoas que nunca vão ao cinema? - Sei. Aprendem de modos diferentes? - Certo - disse ele, satisfeito comigo. - O espaço-tempo é uma escola bastante primitiva. Mas muita gente fica com a ilusão, mesmo que seja cacete, e não quer que as luzes se acendam muito cedo. - Quem escreve esses filmes, Don? - Não é estranho ver o quanto sabemos, se nos fizermos as perguntas, em vez de perguntar aos outros? Quem escreve esses filmes, Richard? - Somos nós - disse eu. - Quem os representa? - Nós. - Quem é o cinegrafista, o projetor, o gerente do teatro, o bilheteiro, o distribuidor, e quem assiste ao •trabalho de todos? Quem tem a liberdade de sair no meio, a qualquer momento, mudar o enredo, quem é livre para ver o mesmo filme várias vezes? - Deixe-me adivinhar - disse eu. - Quem o quiser? - Isso basta como liberdade para você? - perguntou ele. - E é por isso que os filmes são tão populares? Instintivamente sabemos que são um paralelo de nossas próprias vidas? - Talvez sim... talvez não. Isto não importa muito, certo? O que é o projetor? - A mente - disse eu. - Não. A imaginação. É a nossa imaginação, diga você o que quiser. - O que é o filme? - perguntou. - Aí você me enrascou.- Tudo o que permitimos que entre em nossa imaginação? - Talvez, Don. - Você pode segurar nas mãos um rolo de filme - disse ele - que esteja completo; princípio, meio e fim estão todos ali, naquele mesmo segundo, milionésimo de segundo. O filme existe além do tempo que ele registra, e se você souber qual é o filme, sabe de antemão o que vai acontecer, em linhas gerais: haverá batalhas e agitação, vencedores e perdedores, romance e desastre; você sabe que tudo isso estará ali. Mas a fim de ser envolvido e empolgado por aquilo, a fim de apreciá-lo ao máximo, você tem de colocá-lo num projetor e deixar que passe pela lente de minuto em minuto... Qualquer ilusão exige espaço e tempo para ser experimentada. Portanto, você paga o seu níquel, compra a entrada, se instala, se esquece do que está se passando fora do teatro e o filme começa para você. - E ninguém se machuca de verdade? O sangue é só molho de tomate? - Não. É sangue mesmo - respondeu. - Mas bem que poderia ser molho de tomate, pelo efeito que tem em nossa vida real... - E a realidade? - A realidade é divinamente indiferente, Richard. Uma mãe não se importa com o papel que o filho representa em suas brincadeiras; um dia o vilão, no outro, o mocinho. O Ser nada sabe a respeito de nossas ilusões e brincadeiras. Só conhece a Si, e a nós, à sua semelhança, perfeitos e acabados. - Não sei bem se quero ser perfeito e acabado. Fale sobre o tédio... - Olhe para o céu - disse ele.Foi uma mudança de assunto tão rápida que olhei para o céu. Havia uns cirros fragmentados, bem no alto, os primeiros raios de Lua prateando as bordas. - Céu bonito - disse eu. - É um céu perfeito? - Bem, é sempre um céu perfeito, Don. - Você quer dizer que, embora mude a todo instante, o céu é sempre um céu perfeito? - Puxa, como sou esperto. Sim! - E o mar é sempre um mar perfeito, e está sempre mudando, também disse ele. - Se a perfeição for a estagnação, então o céu é um pântano! E o Ser não é propriamente um fruto do pântano. - Perfeito, e mudando o tempo todo. Sim, aceito isso. - Você já aceitou há muito tempo, se insiste no tempo. Virei-me para ele, enquanto caminhávamos. - Você não se chateia, Don, de ficar sempre apenas nesta dimensão? - Ah. Estou ficando apenas nesta dimensão? - perguntou. - E você? - Por que é que tudo o que digo é errado? - Tudo o que você diz é errado? - Acho que estou no negócio errado. - Você acha que talvez o negócio imobiliário...? - perguntou ele. - Imobiliário ou seguros. - Há futuro no imobiliário, se é isso que você quer. - OK. Desculpe - disse eu. - Não quero um futuro. Nem um passado. Prefiro me tornar um bom Mestre do Mundo da Ilusão. Está parecendo que será dentro de mais uma semana? - Bem, Richard, espero que não demore tanto assim! Olhei-o com cuidado, mas ele não estava sorrindo. 9 O s dias fundiam-se uns nos outros. Voávamos como sempre, mas parei de contar o verão pelos nomes das cidades ou pelo dinheiro que ganhávamos com os passageiros. Comecei a contá-lo pelas coisas que aprendi, as conversas que tínhamos depois dos vôos, e os milagres que aconteciam de vez em quando, até o dia em que afinal percebi que não são milagres realmente. Imagine o universo belo, justo e perfeito, Disse-me o manual um dia. Então tenha certeza de uma coisa: O Ser o imaginou bastante melhor do que você. 10 A tarde estava tranqüila... um passageiro de vez em quando. Nos intervalos, eu treinava o método mental de fazer as nuvens desaparecerem. Já fui instrutor de vôo e sei que os alunos sempre dificultam as coisas fáceis; sei disso tudo, e no entanto lá estava eu de novo como aluno, de cara amarrada para os meus alvos de cúmulos. Uma vez na vida, precisava mais de ensinamentos do que de prática. Shimoda estava estirado debaixo de minha asa, fingindo que dormia. Chutei o seu braço, de leve, e ele abriu os olhos. - Não consigo - disse eu. - Consegue, sim - disse, e tornou a fechar os olhos. - Don, já tentei! Quando penso que alguma coisa está acontecendo, a nuvem volta e começa a inchar mais que nunca. Deu um suspiro e se sentou. - Escolha uma nuvem. Uma fácil, por favor. Escolhi a nuvem maior e pior do céu, de mil metros de altura, arrebentando de fumaça branca dos infernos. - Aquela por cima do silo, lá longe - disse eu. - Aquela que está ficando preta, agora. Ele me olhou calado. - Por que você me odeia? - É porque gosto de você, Don, que peço essas coisas. - Sorri. - Você precisa de um desafio. Se prefere que escolha alguma coisa menor... Suspirou e virou-se de novo para o céu. - Vou tentar. Qual é mesmo? Olhei, e a nuvem, o monstro com um milhão de toneladas de água, desaparecera; só havia um buraco feio no céu azul no lugar em que ela estivera. - Diabo - disse eu, quieto. - O que vale a pena fazer... - citou ele. - Não, por mais que eu queira aceitar os elogios que você me faz, devo lhe dizer com toda a honestidade o seguinte: é fácil. Apontou para um tufinho de nuvem acima de nós. - Pronto. É a sua vez. Pronto? Já. Olhei para aquele fiapo de coisa, e ele olhou para mim. Pensei que tinha desaparecido, imaginei um espaço vazio onde ele estava, lancei-lhe montes de raios térmicos, pedi-lhe que reaparecesse em outro lugar, e lentamente, em um minuto, cinco, sete, a nuvem afinal desapareceu. Outras nuvens cresceram, a minha se foi. - Você não é muito ligeiro, hem? - perguntou ele. - Foi a minha primeira vez! Estou começando! Contra o impossível... bem, o improvável, e você fica aí dizendo que não sou muito ligeiro. Foi brilhante, e você sabe disso! - Extraordinário. Você estava tão ligado a ela, e, no entanto, ela desapareceu para você. - Ligado! Eu estava bombardeando aquela nuvem com tudo o que tinha! Balas de fogo, raios laser, aspirador de pó do tamanho de um quarteirão... - Ligações negativas, Richard. Se você quiser mesmo tirar uma nuvem de sua vida, não faça uma cena disso, apenas se descontraia e tire-a de seu pensamento. É só isso. Uma nuvem não sabe por que se move em tal direção e em tal velocidade, Era o que o manual tinha a dizer Sente um impulso... é para este lugar que devo ir agora. Mas o céu sabe os motivos e desenhos por trás de todas as nuvens, e você também saberá, quando se erguer o suficiente para ver além dos horizontes. 11 Nunca lhe dão um desejo sem também lhe darem o poder de realizá-lo. Você pode ter de trabalhar por ele, porém. T ínhamos pousado num pasto imenso junto de um açude de mais de um hectare, longe de cidades, em algum lugar da fronteira entre Illinois e Indiana. Não havia passageiros; era o nosso dia de folga, pensei. - Escute - disse ele. - Não escute. Fique aqui quieto e olhe. O que você vai ver não é milagre algum. Leia o seu livro de física atômica... até uma criança pode andar sobre a água. Após falar aquilo, como se não percebesse que a água estava ali, virou-se e caminhou sobre a superfície do açude. Parecia que este era uma miragem do calor do verão sobre um lago de pedra. Ele estava firme na superfície, e nem uma onda passou por cima de suas botas de aviador. - Venha - disse ele. - Venha fazer isso. Vi aquilo com os meus olhos. Era possível, obviamente, de modo que fui para junto dele. Parecia que estava caminhando sobre um linóleo azul límpido, e ri. - Donald, o que é que você está me fazendo? - Estou apenas lhe mostrando o que todos aprendem, mais cedo ou mais tarde - disse ele - e você está à mão, agora. - Mas estou... - Olhe. A água pode ser sólida. Bateu o pé e o som era o de couro sobre uma pedra. - Ou não. Tornou a bater e a água espadanou sobre nós dois. - Pegou o jeito disso? Experimente. Como nos acostumamos depressa com esses milagres! Em menos de um minuto comecei a achar que andar sobre a água é possível, é natural, é... bom, e daí? - Mas se a água é sólida agora, como podemos bebê-la? - Do mesmo jeito que andamos sobre ela, Richard. Não é sólida e não é líquida. Você e eu resolvemos o que será para nós. Se quiser que seja líquida, então pense que assim é, aja como se fosse líquida, beba-a. Se quiser que seja ar, aja como se fosse ar, respire-a. Experimente. Talvez isto aconteça na presença de uma alma adiantada, pensei, ou dentro de um raio de 15 metros de onde um deles está... Ajoelhei na superfície e mergulhei minha mão no açude. Líquido. Depois me deitei, pus o rosto dentro daquele azul, e respirei, confiante. Parecia que respirava um oxigênio quente e líquido, sem me sufocar ou engasgar. Sentei-me e olhei para ele, indagador, esperando que soubesse o que se passava em minha cabeça. - Fale - disse ele. - Por que tenho de falar? Você pode precisar melhor o que sente em palavras. - Fale. - Se podemos andar sobre a água, respirá-la e bebê-la, por que não podemos fazer o mesmo com a terra? - Sim. Bom, você notará... Caminhou até a margem com a mesma facilidade com que andaria sobre um lago pintado. Mas, quando seus pés tocaram a terra, a areia e o capim na margem, começou a afundar, até que, com alguns passos vagarosos, estava mergulhado até os ombros na terra e no capim. Era como se o açude, de repente, se tivesse tornado uma ilha e a terra em volta se tornado um mar. Nadou um pouco no pasto, salpicando gotas escuras de lodo por todos os lados, depois flutuou sobre ele, ergueu-se e caminhou. Em um momento, era milagroso ver um homem andar sobre a terra. Fiquei de pé no açude, aplaudindo a sua execução. Ele se curvou e me aplaudiu. Caminhei até a margem do açude, pensei que a terra era líquida e toquei-a com o dedo do pé. Ondas se espalharam em círculos, no capim. Qual a profundidade do solo? Quase fiz a pergunta em voz alta. O solo será da profundidade que eu pensar que seja. Sessenta centímetros, pensei, terá 60 centímetros de profundidade e vou tocar o fundo. Pisei na margem, confiante, e afundei, cabeça e tudo, caindo instantaneamente. Estava escuro lá embaixo, assustador, e lutei para voltar à tona, prendendo a respiração, agitando os braços para encontrar um pouco de água sólida onde pudesse me agarrar. Ele ficou sentado na grama, rindo de mim. - Você é um discípulo notável, sabia disso? - Não sou discípulo coisa nenhuma! Tire-me daqui! - Saia sozinho. Parei de me debater. Imaginando a terra líquida novamente sólida, posso sair direto. Assim fiz... e saí, coberto de uma crosta de poeira preta. - Rapaz, a gente se suja mesmo fazendo isso! A sua camisa azul e seu jeans estavam sem manchas e sem uma poeirinha sequer. - Aaaa! - Sacudi a poeira do meu cabelo, bati na cabeça para tirá-la dos ouvidos. Por fim larguei a carteira na grama, fui até a água líquida e me limpei da maneira tradicional. - Sei que existe um meio melhor de me limpar do que este. - Há um meio mais rápido, sim. - Não me conte, claro. Fique aí rindo de mim, deixando que eu imagine tudo sozinho. -OK. Por fim tive de voltar ao Fleet, pingando água, e trocar de roupa, pendurando as roupas molhadas nos cabos do avião, para secarem. - Richard, não se esqueça do que fez hoje. É fácil esquecer os nossos momentos de conhecimento, pensar que foram sonhos ou velhos milagres, um dia. Nada de bom é milagre, nada de lindo é um sonho. - O mundo é um sonho, diz você, e é lindo, às vezes. O pôr-do-sol. Nuvens. Céu. - Não. A imagem é um sonho. A beleza é real. Pode ver a diferença? Assenti com a cabeça, quase compreendendo. Mais tarde olhei disfarçadamente o manual. O mundo é o seu caderno, as páginas em que você faz suas somas. Não é a realidade, embora você possa exprimir a realidade ali, se quiser. Você também tem liberdade de escrever tolices, ou mentiras, ou rasgar as páginas. 12 o pecado original é limitar o Ser. Não o faça. V ocê sabe atravessar paredes, não sabe, Don? - Não. - Quando responde “não” a alguma coisa que sei que é “sim”, isso quer dizer que não gostou da minha maneira de formular a pergunta. - Somos muito observadores, não é? - disse ele. - O problema é com atravessar ou com paredes? - Sim, e pior ainda. A sua pergunta supõe que existo em um lugar-tempo limitado e passo a outro lugar-tempo. Hoje não estou disposto a aceitar suas suposições a meu respeito. Fechei a cara. Ele sabia o que eu estava perguntando. Por que não me dava uma resposta direta e me deixava tentar descobrir como fazia essas coisas? - É a minha maneira de ajudá-lo a ser preciso em seu raciocínio - disse ele, com brandura. - OK. Você pode criar a ilusão de que é capaz de atravessar paredes, se quiser? A pergunta assim está melhor? - Sim. Melhor. Mas se deseja ser preciso... - Não me diga. Sei como dizer o que quero dizer. Eis a minha pergunta: como é que você pode mover a ilusão de um senso limitado de identidade, expressa nessa crença de um espaço-tempo contínuo como o seu “corpo”, através da ilusão de restrição material que se chama “parede”? - Bem feito! - disse ele: - Quando você formula a pergunta direito, ela já encerra a sua própria resposta, não? - Não, a resposta não se respondeu por si. Como é que você atravessa as paredes? - RICHARD! Você estava quase acertando e estragou tudo! Não sei atravessar paredes... Ao dizer isso, você está supondo coisas que não suponho, e se as suponho, a resposta é: “Não sei”. - Mas é difícil dizer tudo com tanta precisão, Don. Não sabe o que quero dizer? - Então, só porque alguma coisa é difícil, você desiste de fazê-la? Andar a princípio era difícil, mas você praticou e agora faz com que pareça algo fácil. Dei um suspiro. - É. OK. Esqueça a pergunta. - Vou esquecer. O que pergunto é: você esquecerá? Ele me olhou como se não tivesse nenhuma preocupação na vida. - Você está dizendo que o corpo e a parede são ilusões, mas a identidade é real e isso não pode ser restringido pelas ilusões - disse eu. - Não estou dizendo isso. Você é que o está fazendo. - Mas é verdade. - Naturalmente - disse ele. - Como é que você faz? - Richard, você não faz nada. Você já vê a coisa feita; ela existe. - Puxa, isso parece fácil. - É a mesma coisa que caminhar. Não imagina como foi difícil para você aprender. - Don, atravessar paredes para mim agora não é difícil, é impossível. - Você acha que se disser impossível várias vezes, mil vezes, de repente as coisas difíceis se tornarão fáceis? - Desculpe.É possível, e farei isso quando for a hora certa. - Ele anda sobre a água, pessoal, e está desanimado porque não atravessa paredes. - Mas aquilo foi fácil e isso... - Valorize suas limitações e terá de conservá-las - entoou ele. - Há uma semana, você não nadou dentro da própria terra? - Isso eu fiz. - E a parede não é apenas uma terra vertical? Importa-lhe tanto assim a direção em que segue a ilusão? As ilusões horizontais são conquistáveis, mas as verticais não o são? - Acho que estou começando a entendê-lo, Don. Olhou-me e sorriu.- Quando começo a me fazer entender, está na hora de deixá-lo sozinho por uns momentos. O último prédio da cidade era um armazém de rações e cereais, um lugar grande, feito de tijolos cor de laranja. Era como se ele tivesse resolvido tomar um caminho diferente de volta aos aviões, usando algum beco secreto como atalho. Esse atalho era através da parede de tijolos. Virou abruptamente para a direita, para dentro da parede, e desapareceu. Hoje penso que, se tivesse virado imediatamente com ele, também poderia ter atravessado. Mas parei na calçada e fiquei olhando para o lugar em que ele estivera. Quando estendi a mão e toquei a parede, era de tijolos, tijolos sólidos. - Um dia, Donald - disse eu. - Um dia... Segui sozinho o resto do caminho de volta aos aviões. - Donald - disse, ao chegar ao campo - cheguei à conclusão de que você não vive neste mundo. Ele me olhou, sobressaltado, de cima da asa, onde estava aprendendo a pôr gasolina no tanque. - Claro que não. Pode apontar uma pessoa que viva? - O que quer dizer, se posso apontar uma pessoa que viva? EU! Eu vivo neste mundo! - Excelente - disse ele, como se, por um estudo independente, eu tivesse descoberto um mistério oculto.- Lembre-me para convidá-lo para almoçar hoje... Fico maravilhado porque você nunca pára de aprender. Fiquei intrigado com aquilo. Ele não estava sendo sarcástico nem irônico; falava sério. - O que quer dizer? Claro que vivo neste mundo. Eu e mais uns quatro bilhões de outras pessoas. Você é que... - Ah, Deus, Richard! Você está falando sério! Cancele o almoço. Nem hambúrguer, nem refresco, nada! E eu que estava pensando que você tivesse atingido esse conhecimento importante... Interrompeu-se e me olhou com uma compaixão zangada. - Você tem certeza disso. Vive no mesmo mundo, não é, que um... corretor de valores, digamos? A sua vida foi toda desmantelada, imagino, pela nova política monetária - revisão, obrigatória nos ministérios, com um prejuízo para o investimento dos acionistas de mais de 50%? Você vive no mesmo mundo que um jogador de xadrez de campeonatos? Com o Campeonato Aberto de Nova York sendo realizado esta semana, com Petrosian, Fischer e Browne em Manhattan por um prêmio de meio milhão de dólares, o que você está fazendo num pasto em Maitland, Ohio? Você, com o seu biplano Fleet 1929 pousado num campo de uma fazenda, tendo como prioridades essenciais de vida a permissão do fazendeiro, as pessoas que querem passear de avião por dez minutos, a manutenção de motor de aviões Kinner e um medo mortal de tempestades de granizo... quantas pessoas acha que vivem em seu mundo? Você diz que quatro bilhões de pessoas vivem em seu mundo? Você está aí na minha frente me dizendo que quatro bilhões de pessoas não vivem em quatro bilhões de mundos diferentes, quer me explicar isso? Ele estava ofegante com aquele discurso rápido demais. - Já estava quase sentindo o gosto daquele hambúrguer, com o queijo se derretendo... - disse eu. - Desculpe. Eu teria tido muito prazer em comprá-lo. Mas, ah, isso passou, é melhor esquecer. Embora tenha sido esta a última vez em que o acusei de não viver neste mundo, levei muito tempo para compreender as palavras do manual: Se você treinar para ser uma ficção por algum tempo, compreenderá que os personagens de ficção às vezes são mais reais do que pessoas de carne e osso e corações pulsando. 13 A sua consciência é a medida da honestidade de seu egoísmo. Escute-a com cuidado. S omos todos livres para fazer o que quisermos fazer - disse ele, naquela noite. - Isso não é simples, limpo e claro? Não é uma bela maneira de se dirigir o Universo? - Quase. Você se esqueceu de uma parte bem importante - disse eu. - Ah, é? - Somos todos livres para fazer o que quisermos, contanto que não prejudiquemos os outros - ralhei. - Sei que você quer dizer isso, mas deve dizer o que quer dizer. Ouvimos um ruído de arrastar de pés no escuro, e olhei depressa para ele. - Ouviu isso? - Ouvi. Parece que é alguém... Levantou-se e foi andando pelo escuro. De repente riu, e disse um nome que não entendi. - Está certo - eu o ouvi dizer. - Não, teremos prazer em sua companhia... não precisa ficar aí de pé... venha, seja bem-vindo, mesmo... A voz tinha um sotaque forte, não era propriamente russo, nem tcheco, parecia mais da Transilvânia. - Obrigado. Não quero importuná-los com minha presença... O homem que trouxe consigo para junto do fogo era, bem, era uma figura invulgar para se encontrar no Meio-Oeste, de noite. Um sujeitinho pequeno, magro, com cara de lobo, de aspecto assustador, vestido a rigor, uma capa preta forrada de cetim vermelho, que estava incomodando com a luz. - Estava passando - disse ele. - O campo é um atalho, para a minha casa... - É mesmo? Shimoda não estava acreditando no homem, sabia que ele estava mentindo, e ao mesmo tempo se esforçava ao máximo para não dar uma gargalhada. Eu esperava poder compreender dentro em pouco. - Esteja à vontade - disse eu. - Podemos ajudá-lo em alguma coisa? Não me sentia assim com tanta vontade de ajudá-lo, mas era tão tímido, que queria pô-lo à vontade, se conseguisse. Olhou-me com um sorriso desesperador, que me fez gelar. - Sim, pode me ajudar. Preciso muito disso, caso contrário não pediria. Posso beber o seu sangue? Só um Pouco? É o meu alimento, preciso de sangue humano.Talvez fosse o sotaque, mas não entendi suas palavras; pus-me de pé o mais depressa possível, o capim voando para dentro do fogo, com a minha rapidez. O homem recuou. Em geral, sou inofensivo, mas não sou pequeno, e posso ter parecido ameaçador. Ele virou a cabeça para o outro lado. - Senhor, sinto muito! Desculpe. Por favor, esqueça o que disse sobre o sangue! Mas sabe... - O que está dizendo? - Eu estava ainda mais feroz por estar amedrontado. Que diabo está dizendo, homem? Não sei o que você é, mas é alguma espécie de VAM...? Shimoda me interrompeu antes que pudesse completar a palavra. - Richard, o nosso convidado estava falando e você o interrompeu. Por favor continue, senhor; o meu amigo é um pouco apressado. - Donald, este camarada... - Fique quieto! Aquilo me surpreendeu tanto que fiquei quieto, e olhei com uma espécie de indagação apavorada para o homem, que agora se parecia bastante, de fato, com um vampiro humano, atraído do escuro pelo nosso fogo. - Por favor, compreendam. Não fui eu que escolhi nascer vampiro. É infelicidade. Não tenho muitos amigos. Mas tenho de ter certa quantidade de sangue fresco toda noite, senão me contorço com dores terríveis. Se passar mais tempo sem ele, morro! Por favor, ficarei muito mal, morrerei, se não me permitir sugar o seu sangue... uma pequena quantidade, preciso apenas de meio litro. Deu um passo em minha direção, lambendo os lábios, achando que de algum modo Shimoda me controlava e faria com que eu me submetesse. - Mais um passo e haverá sangue, sim. Moço, se me tocar, morrerá... Não o teria matado, mas queria pelo menos detê-lo até termos conversado mais. Deve ter acreditado em mim, pois parou e suspirou. Virou-se para Shimoda. - Já conseguiu o que queria? - Acho que sim. Obrigado. O vampiro me olhou e sorriu, completamente à vontade, divertindo-se imensamente, como um ator num palco após a peça. - Não beberei o seu sangue, Richard - disse então, num inglês perfeito e com simpatia, sem qualquer sotaque. Enquanto olhava para ele, foi sumindo, como se estivesse apagando sua própria luz... em cinco segundos desapareceu. Shimoda tornou a sentar-se junto ao fogo. - Como estou contente que você não fale a sério! Ainda estava tremendo, da adrenalina, pronto para a minha luta contra o monstro. - Don, não sei bem se fui feito para isto. Talvez seja bom você me contar o que está acontecendo. Como, por exemplo, o que... era aquilo? - Dot era um vampiro da Transilvânia - disse ele, em tom mais estranho do que o do vampiro. - Ou, para ser mais preciso, Dot era a. forma de pensamento de um vampiro da Transilvânia. Se algum dia você quiser explicar alguma coisa, e achar que a pessoa não está escutando, arranje uma forminha de pensamento para demonstrar o que quer dizer. Acha que exagerei, com a capa, os dentes e aquele sotaque? Estava muito apavorante para você? - A capa foi de primeira, Don. Mas foi o mais estereotipado, bárbaro... não fiquei nada apavorado. Ele suspirou. - Ah, bem. Pelo menos você entendeu o que eu queria dizer, e é isso que interessa. - O que era? - Richard, ao demonstrar-se tão feroz contra o meu vampiro, você estava fazendo o que queria fazer, mesmo sabendo que iria prejudicar outra pessoa. Ele chegou a lhe dizer que passaria mal se... - Queria sugar o meu sangue! - É isso que fazemos com qualquer pessoa quando dizemos que passaremos mal se não viverem do nosso jeito! Fiquei calado muito tempo, pensando. Sempre achara que somos livres para fazer o que quisermos desde que não nos façamos mal mutuamente, e isso não condizia com o que acontecera. Faltava alguma coisa. - O que o intriga - disse ele - é uma frase feita que, na verdade, é impraticável. A questão é fazer mal aos outros. Nós mesmos escolhemos se vamos ser feridos ou não, aconteça o que acontecer. Somos nós que resolvemos, e mais ninguém. O meu vampiro lhe disse que passaria mal se você não aceitasse? Isso foi a sua decisão de ser ferido, foi a sua escolha. O que você faz a respeito é a sua decisão, a sua escolha: dá-lhe o sangue; não faz caso dele; amarra-o; enfia um galho de azevinho no coração. Se ele não quiser o galho de azevinho, tem liberdade de resistir, do jeito que desejar. E isso continua indefinidamente, escolhas e mais escolhas. - Pensando assim... - Escute - disse ele - é importante. Somos todos livres para fazer o que quisermos fazer. 14 Cada pessoa, todos os jatos de sua vida ali estão porque você os pôs ali. O que jazer com eles cabe a você resolver. V ocê nunca se sente só, Don? - Foi no café em Ryerson, Ohio, que lembrei de perguntar. - Espanta-me que... - Psiu - disse eu. - Ainda não acabei com as perguntas. Você nunca se sente nem um pouco só? - O que você considera... - Espere. Toda essa gente, só a vemos por alguns minutos. De vez em quando vejo um rosto no meio do povo, alguma mulher linda, brilhante como uma estrela, e me dá vontade de ficar e falar com ela, ficar ali parado, sem me mexer e conversar um pouco. Mas ela voa comigo durante dez minutos, ou não voa, e vai embora e no dia seguinte parto para Shelbyville e nunca mais a vejo. Isso é solidão, Mas imagino que eu não possa ter amigos duradouros, quando eu mesmo não sou duradouro. Ele ficou calado. - Ou será que posso? - Posso falar agora? - Creio que sim. - Os hamburgers naquele café vinham embrulhados pela metade em papel encerado fino, e quando eram desembrulhados as sementes de gergelim se espalhavam por toda parte - coisinhas inúteis, mas os hamburgers eram bons. Ele comeu calado e eu também, imaginando o que ele diria. - Bem, Richard, somos ímãs, não somos? Imãs, não. Somos ferro, envolvido em fio de cobre, e sempre que queremos magnetizar-nos podemos fazê-lo. Se despejarmos a nossa voltagem interna pelo fio, podemos atrair tudo que quisermos atrair. Um ímã não se preocupa com o modo como funciona. Ele é ele mesmo, e por sua natureza atrai certas coisas, deixando outras intocadas. Comi uma batata frita e franzi a testa, olhando para ele. - Você omitiu uma coisa. Como é que faço isso? - Você não faz coisa alguma. A lei cósmica, lembra-se? Os semelhantes se atraem. Basta você ser o que é, calmo e límpido e brilhante. Automaticamente, enquanto brilhamos como somos, perguntando-nos a cada instante se é isso o que realmente queremos fazer, só o fazendo quando a resposta for positiva, isso automaticamente repele aqueles que nada têm a aprender com quem somos nós, e atrai aqueles que têm, e cornos quais podemos aprender, também. - Mas isso exige muita fé, e enquanto isso a gente fica muito só. Ele olhou para mim estranhamente, por cima do hambúrguer que comia. - A fé é uma mistificação. Não precisa de fé nenhuma. Precisa mas é de imaginação. - Ele limpou a mesa entre nós, empurrando para o lado o sal e as batatas fritas, o ketchup, garfos e facas, e fiquei pensando o que iria acontecer, o que se materializaria diante dos meus olhos. - Se você tiver a imaginação como um grão de gergelim - disse ele, empurrando uma semente como exemplo para o meio da clareira - todas as coisas lhe serão possíveis. Olhei para a semente de gergelim, e depois para ele. - Eu gostaria que vocês Messias se juntassem e se pusessem de acordo. Pensei que o negócio fosse ter fé, quando o mundo se vira contra mim. - Não. Eu quis corrigir isso, quando trabalhava, mas a luta foi árdua e longa. Há dois mil anos, há cinco mil anos, não existia uma palavra para imaginação, e a fé foi o melhor que conseguiram arranjar para um bando solene de adeptos. Além disso, não tinham sementes de gergelim. Eu sabia que tinham sementes de gergelim, sim, mas deixei passar aquela inverdade. - Então devo imaginar essa magnetização? Imagino alguma linda dama, sábia e mística, aparecendo no meio do povo de um campo de feno em Tarragon, no Illinois? Posso fazer isso, mas é só isso, é apenas a minha imaginação. Ele olhou para o céu com um ar de desespero, céu que no momento era representado pelo teto de chapa de metal e luz fria do Café Em e Edna. - Apenas a sua imaginação? Claro que é a sua imaginação! Este mundo é a sua imaginação, já se esqueceu disso? Onde está o seu pensamento, aí está a sua experiência; Conforme o homem pensar, assim será ele; Aquilo que receei aconteceu-me; Pense e enriqueça: Visualização criativa para o divertimento e lucro; Como encontrar amigos sendo quem você é. A sua imaginação não muda o Ser em nada, não afeta a realidade em absoluto. Mas estamos falando sobre mundos da Warner Brothers, vidas da MGM, e cada segundo dessas vidas são ilusões e imaginações. Todos sonhos como símbolos que nós, sonhadores despertos, conjuramos para nós. Ele alinhou seu garfo e faca, como se estivesse construindo uma ponte do lugar dele até ao meu. - Você quer saber o que dizem os seus sonhos? É o mesmo que olhar para as coisas de sua vida desperto e perguntar-lhes o que representam. Você, com os aviões em sua vida, cada vez que se vira. - Bem, Don, sim. - Eu preferia que ele fosse mais devagar, e não me empilhasse isso tudo de uma vez; um quilômetro e meio por minuto é depressa demais para idéias novas. - Se você sonhasse com aviões, o que é que isso significaria para você? - Bom, a liberdade. Sonhos com aviões são uma fuga e eu me libertando. - E ainda quer maior clareza? O sonho desperto é o mesmo: a sua vontade de livrar-se de todas as coisas que o prendem... a rotina, a autoridade, a caceteação, a gravidade. O que você ainda não entendeu é que já está livre, e sempre esteve. Se você tivesse a metade das sementes de gergelim disso... você já é o senhor supremo da sua vida de mágico. Apenas a imaginação! O que é que você está dizendo? A garçonete olhava para ele com estranheza, de vez em quando, enxugando a louça, escutando, matutando quem seria aquele homem.- Então você nunca se sente só, Don? - perguntei. - A não ser que sinta vontade disso. Tenho amigos em outras dimensões que se encontram em volta de mim, de vez em quando. E você também. - Não. Estou falando desta dimensão, esse mundo imaginário. Mostre-me o que você quer dizer, dê-me um milagrezinho do ímã... Quero mesmo aprender isso. - É você quem vai mostrar-me - disse ele. - para pôr alguma coisa em sua vida, imagine que ela já está aí. - Como o quê? Como a minha linda dama? - Qualquer coisa. Não a sua dama. Uma coisa pequena, a princípio. - Devo praticar agora? - Sim. - OK... Uma pena azul. Ele olhou para mim francamente.. - Richard? Uma pena azul? - Você disse qualquer coisa. Ele deu de ombros. - OK. Uma pena azul. Imagine a pena. Visualize-a claramente, de modo a poder ver todas as suas linhas e bordas, a ponta, o cálamo. Só por um minuto. Depois pare. Fechei os olhos, por um minuto e vi com nitidez, em minha mente, uma imagem de uns 12 centímetros de comprimento, de um azul iridescente, prateando-se nas bordas. Uma pena brilhante e nítida flutuando no escuro.Envolva-a numa luz dourada, se quiser. Essa é uma técnica que ajuda a tornar a coisa real, mas também funciona no magnetismo. Envolvi a pena num brilho dourado. - OK. - Pronto. Pode abrir os olhos agora. Abri os olhos. - Onde está a minha pena? - Se estava nítida em seu pensamento, nesse instante mesmo ela o estará atropelando como um caminhão. - Minha pena? Como um caminhão? - Em sentido figurado, Richard. Durante toda a tarde esperei que a pena aparecesse e nada aconteceu. Foi de tardinha, na hora do jantar, comendo um hambúrguer, que eu a vi. Numa figurinha no invólucro do leite. Embalada para a Leiteria Scott pelas Fazendas da Pena Azul, Bryan, Ohio. - Don! A minha pena! Ele olhou e deu de ombros. - Pensei que quisesse a pena de verdade. - Bem, qualquer pena serve, para começar, não acha? - Você viu a pena sozinha, ou a estava segurando na mão? - Sozinha. - Então está explicado. Se você quiser estar com aquilo que está magnetizando, tem de se colocar na cena, também. Desculpe-me por não ter esclarecido esse ponto. Uma sensação estranha, bizarra. Funcionava! Tinha conscientemente magnetizado a minha primeira coisa. - Hoje uma pena - disse eu - amanhã o mundo! - Cuidado, Richard - disse ele, me provocando - ou se arrependerá... 15 A verdade que você fala não tem passado nem futuro. É, e é tudo que precisa ser. E u estava deitado de costas debaixo do Fleet, limpando o óleo da parte inferior da fuselagem. Não sei como, o motor estava espirrando menos óleo do que antes. Shimoda levou um passageiro num vôo e depois veio sentar-se na grama perto de mim enquanto eu trabalhava. - Richard, como é que você pode ter esperanças de impressionar o mundo quando todas as outras pessoas trabalham para viver e você vive de modo irresponsável, dia a dia, no seu biplano maluco, vendendo passeios? - Estava me testando de novo. - É uma pergunta que lhe vão fazer mais de uma vez. - Bem, Donald. Primeira Parte: Não existo para impressionar o mundo. Existo para viver a minha vida de um modo que me faça feliz. - OK. Segunda Parte? - Segunda Parte: Todo mundo é livre para fazer o que quiser para ganhar a vida. Terceira Parte: O Responsável é Capaz de Responder, capaz de responder pelo jeito de viver que escolhemos. Só há uma pessoa a quem temos de dar satisfações, claro, o que é...? -... Nós mesmos - disse Don, respondendo em nome da multidão imaginária de pesquisadores sentados em volta de nós. - Não temos nem de responder a nós mesmos, se não o quisermos... Não há nada de mau em ser irresponsável. Mas a maioria de nós acha mais interessante saber como agimos do jeito que agimos, por que escolhemos certas coisas... quer seja olhar para um passarinho, pisar numa formiga ou trabalhar por dinheiro em alguma coisa que preferíamos não fazer. - Fiz uma careta. - Será uma resposta muito comprida? Ele concordou. - Muito comprida. - OK... Como é que você espera impressionar o mundo... - Saí de sob o avião e descansei um momento na sombra das asas. - Que tal permitir que o mundo viva como quiser e me permitir viver como eu quiser. Lançou-me um sorriso feliz e orgulhoso. - Falou como um verdadeiro Messias! Simples, direto, e isto não responde à pergunta, a não ser que alguém se dê ao trabalho de pensar bem a respeito. - Experimente mais comigo. Era uma delícia ver a minha própria mente funcionar, quando fazíamos isso. - “Mestre” - disse ele. - “Quero ser amado, sou bondoso, faço aos outros o que quero que me façam, mas apesar de tudo não tenho amigos e estou sozinho.” Como vai responder a isso? - Sei lá - disse eu. - Não tenho a menor idéia do que vou dizer. - O QUÊ? - É só uma piadinha, Don, para animar a noite. Piadinha para variar. - Acho bom ter muito cuidado com essa história de animar a noite, Richard. Os problemas não são brincadeiras e jogos para as pessoas que o procuram, a não ser que estejam mesmo muito adiantadas, e esse tipo é sempre o seu próprio Messias. Está recebendo as respostas, portanto apresente-as. Experimente esse negócio de “sei lá” e verá com que rapidez a multidão pode queimar um sujeito na fogueira. Eu me aprumei, orgulhoso. - Ó vós que buscais, vinde a mim procurando uma resposta e a vós responderei: O Mandamento de Ouro não funciona. Gostaríeis de encontrar um masoquista que fizesse aos outros o que desejaria que lhe fizessem? Ou um adorador do Deus Crocodilo, que anseia pela honra de ser lançado vivo ao poço? Até mesmo o Samaritano, que começou tudo isso... O que o levou a pensar que o homem que encontrou deitado à margem da estrada queria que lhe pusessem ungüento nas feridas? E se o homem estivesse aproveitando aqueles momentos de sossego para se curar espiritualmente, apreciando aquele desafio? - Aquilo me pareceu convincente . “Mesmo que o Mandamento fosse mudado para Fazei aos outros o que querem que lhes façam, não podemos saber ao certo o que os outros desejam que lhes façam. O que o Mandamento significa e o modo de aplicá-lo com honestidade é o seguinte: Fazei aos outros o que realmente quereis fazer aos outros. Se vos defrontardes com um masoquista com esse mandamento, não tereis de açoitá-lo com seu chicote simplesmente porque seria isso que ele desejaria que lhe fizésseis. Tampouco tereis de lançar o adorador aos crocodilos. - Olhei para ele. - Muito prolixo? - Como sempre. Richard, você vai perder 90% de seu público se não aprender a ser breve! - Bem, e que mal há em perder 90% de meu público? - Retruquei. - Que mal há em perder TODO o meu público? Sei o que sei e digo o que digo! E se estiver errado, então sinto muito. Os vôos de avião são três dólares, dinheiro sonante! - Sabe de uma coisa? - disse ele. Shimoda levantou-se, espanando o capim de seus blue jeans. - O quê? - perguntei, petulante. - Você acabou de se diplomar. Que tal ser Mestre? - Muito frustrante. Olhou-me com um sorriso infinitesimal. - A gente se acostuma - disse ele. Eis aqui um teste para verificar se a sua missão na terra está cumprida: Se você está vivo, não está. 16 A s lojas de ferragens são sempre compridas, com prateleiras que se estendem eternamente. Fui à Loja de Ferragens de Hayward, pois precisava de porcas, pinos e arruelas de segurança para o deslizador da cauda do Fleet. Shimoda olhava as coisas, com paciência, enquanto eu procurava, pois ele, naturalmente, não precisava de nada de uma loja de ferragens. A economia entraria em colapso, pensei, se todos fossem como ele, fabricando o que quisessem de formas de pensamento e do ar, consertando as coisas sem peças nem mão-de-obra. Afinal encontrei a meia dúzia de porcas de que precisava e levei-as ao balcão, onde o dono da loja tocava uma música suave. Greensleeves, uma melodia que me acompanha alegremente desde menino, era tocada agora numa flauta em um sistema de som escondido... Estranho encontrar aquilo numa cidade de 400 habitantes. Quando acabou, era estranho para Hayward, também, pois não havia sistema de som algum. O proprietário estava sentado inclinado para trás em seu banquinho de madeira, escutando Shimoda tocar as notas num violão barato, de seis cordas, da prateleira dos saldos. Era um som lindo e fiquei ali quieto, pagando os 73 centavos e novamente encantado com a melodia. Talvez fosse o tom metálico do instrumento, mas ainda parecia longínquo e nublado, como se da Inglaterra do outro século. - Donald, que beleza! Não sabia que toca violão. - Não sabia? Você acha então que alguém podia chegar perto de Jesus Cristo, dar-lhe um violão e ouvi-lo dizer: “Não sei tocar esse negócio.” Ele teria dito isso? Shimoda recolocou o instrumento no lugar e saiu comigo. - Se aparecesse alguém falando russo ou persa, você acha que algum mestre que mereça a sua aura não saberia o que estava sendo dito? Se ele quisesse dirigir um trator D-10 ou pilotar um avião, não saberia fazê-lo? - Então você realmente sabe todas as coisas, não é? - E você também, naturalmente. Só que eu sei que sei todas as coisas. - Eu poderia tocar violão assim? - Não, você teria o seu estilo, diferente do meu. - Como é que se faz? Não pretendia correr de volta e comprar o violão, estava apenas curioso. - É só largar todas as inibições e idéias de que não sabe tocar. Pegue naquilo como se fizesse parte de sua vida, como de fato faz, em alguma vida alternada. Saiba que o certo é você tocá-lo bem, e deixe que o seu ser não-consciente tome conta de seus dedos e toque. Lera alguma coisa a respeito disso, a aprendizagem hipnótica, em que se dizia aos discípulos que eles eram mestres de arte, e assim tocavam, pintavam e escreviam como artistas. - É uma coisa difícil, Don, deixar de saber que não sei tocar violão. - Então será difícil para você tocar violão. Levará anos de prática até conseguir fazê-lo direito, até que a sua mente consciente lhe diga que você já sofreu bastante e conquistou o direito de tocar bem. - Por que não custei a aprender a pilotar? Dizem que é difícil, mas aprendi rápido. - Você queria voar? - Nada me interessava mais! Mais que tudo! Olhava para as nuvens e para a fumaça da chaminé de manhã, subindo reta e calma, e via... Ah, já sei. Você vai dizer: “Nunca sentiu isso quanto aos violões, não é?” - Nunca sentiu isso quanto aos violões, não é? - E essa sensação de desânimo que estou sentindo agora mesmo, Don, me diz que foi assim que você aprendeu a pilotar. Simplesmente entrou no Travel Air, um dia, e o pilotou. Nunca tinha estado num avião antes. - Não. - Você não fez exame para tirar o seu breve? Não, espere. Você não tem breve algum, tem? Um breve direito. Ele me olhou de um modo estranho, com um sussurro de sorriso, como se eu o estivesse desafiando a apresentar um brevê e ele soubesse que podia fazê-lo. - Você quer dizer, aquele papel, Richard? Esse tipo de licença? - Sim, o pedaço de papel. Não pôs a mão no bolso, nem tirou a carteira. Apenas abriu a mão direita e lá estava um breve de aviador, como se estivesse esperando que eu perguntasse por ele. Não estava desbotado nem amassado, e achei que dez segundos antes nem sequer existia. Mas peguei-o. Era um certificado oficial de piloto, com o carimbo do Departamento dos Transportes, Donald William Shimoda, com um endereço em Indiana, piloto comercial licenciado para pilotar aviões terrestres, monomotores e múltiplos, para vôo com instrumentos e planadores. - Não tem licença para pilotar hidroaviões ou helicópteros? - Terei, se precisar - disse ele, tão misteriosamente que arrebentei de rir antes dele começar a rir. O homem que varria a calçada olhou para nós e também sorriu. - E eu? - perguntei. - Quero minha licença para avião comercial. - Você vai ter de forjar suas próprias licenças - respondeu. 17 N o programa de entrevistas de rádio de Jeff Sykes, vi um Donald Shimoda que nunca havia visto. O programa começou às nove horas e foi até a meia-noite, numa sala não maior do que uma oficina de relojoeiro, cheia de botões, painéis e prateleiras de rolos de anúncios. Sykes começou perguntando se não havia algo de ilegal no fato de uma pessoa andar pelo país voando num avião antigo, levando passageiros. A resposta é não, não há nada de ilegal nisso, os aviões são inspecionados com o mesmo cuidado que os jatos. São mais fortes e seguros do que a maioria dos modernos aviões de placas metálicas; as únicas exigências são o brevê e a permissão do fazendeiro. Mas Shimoda não disse nada disso. - Ninguém nos pode impedir de fazer o que queremos fazer, Jeff - disse ele. Ora, isso é bem verdade, mas não tem a diplomacia necessária quando se está falando com um público radiofônico que quer saber o que está acontecendo com esses aviões voando por aí. Um minuto depois, os telefones começaram a piscar na mesa de Sykes. - Temos um telefonema na linha 1 - disse Sykes. - Pode falar, senhora. - Estou no ar? - Sim, senhora, está no ar e o nosso convidado é o Sr. Donald Shimoda, piloto de aviões. Pode falar, está no ar. - Bem, quero dizer a esse camarada que nem todo mundo consegue fazer o que quer e algumas pessoas têm de trabalhar para ganhar a vida e têm um pouco mais de responsabilidade do que andar voando por aí! - As pessoas que trabalham para ganhar a vida estão fazendo o que mais gostam de fazer - disse Shimoda. - Tanto quanto as pessoas que brincam para ganhar a vida... - O evangelho diz: “Pelo suor do teu rosto ganharás o teu pão, e no pesar comerás dele.” - Estamos livres para fazer isso, também, se o quisermos. - “Façam o que quiserem!” Estou farta de ouvir gente como você dizer isso! O que quiserem! Deixem todos às soltas, e destruirão o mundo. Já estão acabando com o mundo neste momento. Veja o que está acontecendo com as plantas, os rios e os oceanos! Ela lhe deu 50 possibilidades de resposta diferentes e ele ignorou todas. - Não faz mal que o mundo seja destruído - disse ele. - Existem mais um bilhão de outros mundos para nós criarmos e escolhermos. Enquanto as pessoas quiserem planetas, haverá planetas onde poderão viver. Isso não era propriamente uma coisa que acalmasse a pessoa no telefone e olhei para Shimoda, espantado. Estava falando do seu ponto de vista de perspectivas de muitas vidas, em que todas as coisas se equilibram. Quem telefonava naturalmente estava supondo que a conversa tinha a ver com a realidade deste mundo único, em que o nascimento é o início, e a morte, o fim. Ele sabia disso... por que o ignorava? - Está tudo bem, é? - disse a pessoa, no telefone. - Não existe o mal na terra, nem pecado em volta de nós? Isso não o incomoda, não é? - Nada nisso deve nos incomodar, senhora. Vemos apenas um pinguinho do conjunto que é a vida, e esse pinguinho é falso. Tudo se equilibra e ninguém sofre e morre sem o seu próprio consentimento. Ninguém faz o que não quer fazer. Não existe o bem nem o mal, além do que nos torna felizes e do que nos torna infelizes. Nada acalmava a senhora no telefone. Mas, de repente, ela parou e disse, com simplicidade: - Como é que sabe tudo isso que diz? Como é que sabe que o que diz é verdade? - Não sei se é verdade - disse ele. - Acredito nisso porque é divertido acreditar. Apertei os olhos. Ele podia ter dito que tinha experimentado e que funcionava... As curas, os milagres, a vida prática, que tornavam seus pensamentos verdadeiros e funcionais. Mas não disse nada. Por quê? Havia um motivo. Eu estava com os olhos semi-cerrados, a maior parte da sala era cinza, só uma imagem turva de Shimoda se inclinando para falar no microfone. Ele dizia tudo diretamente, sem fazer paralelos, sem qualquer esforço para ajudar as pessoas a compreenderem. - Todas as pessoas que já realizaram algo, todas as que já foram felizes, todas as que já deram alguma dádiva ao mundo foram almas divinamente egoístas, vivendo em seu próprio interesse. Sem exceção. O seguinte era um homem, enquanto a noite voava. - Egoístas! Cavalheiro, sabe o que é o Anticristo? Por um segundo, Shimoda sorriu e se descontraiu na cadeira. Parecia que conhecia a pessoa no telefone pessoalmente. - Talvez o senhor me queira dizer - disse ele. - Cristo falou que temos de viver para os nossos semelhantes. O Anticristo disse para sermos egoístas, vivermos para nós e deixarmos os outros irem para o inferno. - Ou para o céu, ou para onde queiram ir. - O senhor é perigoso, sabe disso, cavalheiro? E se todo mundo lhe desse ouvidos e fizesse o que bem entendesse? O que acha que aconteceria então? - Acho que este seria provavelmente o planeta mais feliz desta parte da galáxia - disse ele. - Cavalheiro, não sei bem se quero que meus filhos ouçam o que está dizendo. - O que é que seus filhos querem ouvir? - Se somos todos livres para fazer o que quisermos, então tenho a liberdade de ir para esse campo com a minha espingarda e dar um tiro nessa sua cabeça de burro. - Claro que tem liberdade para fazer isso. Ouviu-se um estalo forte na linha. Em algum lugar naquela cidade havia pelo menos um homem zangado. Os outros, bem como as mulheres zangadas, estavam no telefone; todos os botões da máquina estavam acesos e piscando. Não precisava ser assim; ele poderia ter dito as mesmas coisas de modo diferente sem melindrar ninguém. Caía sobre mim a mesma sensação que tivera em Troy, quando o povo irrompeu e o cercou. Estava na hora, era evidente que estava na hora de irmos andando. O Manual não ajudou nada, ali no estúdio. A fim de viver livre e feliz, você tem de sacrificar o tédio. Nem sempre o sacrifício é fácil. Jeff Sykes contara a todo mundo quem éramos, que os nossos aviões estavam parados no campo de feno de John Thomas, e que dormíamos de noite sob as asas. Senti aquelas ondas de raiva, de gente assustada pela moral de seus filhos e pelo futuro do modo de vida americano, e nada daquilo me deixou muito feliz. Ainda havia uma meia hora de programa, e tudo estava ficando cada vez pior. - Sabe, moço, acho que você é um impostor - disse um outro ao telefone. - Claro que sou um impostor! Somos todos impostores neste mundo, todos fingimos ser alguma coisa que não somos. Não somos corpos andando por aí, não somos átomos nem moléculas, somos idéias imortais e indestrutíveis do Ser, por mais que acreditemos em outras coisas... Ele teria sido o primeiro a me lembrar que eu tinha a liberdade de partir, se não gostasse do que estava dizendo, e teria rido de meus receios de multidões pretendendo nos linchar, esperando com tochas junto aos aviões. 18 Não fique triste nas despedidas. Uma despedida é necessária antes de vocês poderem se encontrar outra vez. E se encontrar de novo, depois de momentos ou de vidas, é certo para os que são amigos. N o dia seguinte, ao meio-dia, antes das pessoas chegarem para voar, ele parou junto à minha asa. - Lembra-se do que você disse quando descobriu o meu problema, que ninguém havia de escutar, por mais milagres que eu realizasse? - Não. - Lembra-se daquele tempo, Richard? - Sim, me lembro. Você pareceu tão solitário, de repente. Não me lembro do que eu disse. - Você disse que se eu dependesse das pessoas se importarem com o que eu digo estaria dependendo dos outros para a minha felicidade. Foi isso que vim aprender aqui: não importa que eu me comunique ou não. Escolhi toda essa vida para partilhar com qualquer pessoa o modo como o mundo é feito, e bem podia tê-la escolhido para não dizer coisa alguma. O Ser não precisa de mim para dizer às pessoas como funciona. - Isso é óbvio, Don. Eu podia lhe ter dito isso. - Muito obrigado. Descubro a única idéia que motivou essa minha vida, concluo o trabalho de toda uma vida e ele diz: “Isso é óbvio, Don.” Estava rindo, mas também estava triste, e na ocasião eu não sabia por quê. 19 A marca de sua ignorância é a profundidade da sua crença na injustiça e na tragédia. O que a lagarta chama de fim do mundo, o mestre chama de borboleta. A s palavras do Manual na véspera foram o único aviso que tive. Num segundo, havia o grupo normal de pessoas, esperando para voar, o avião dele taxiando na chegada, parando num remoinho de vento da hélice, uma cena natural e boa para mim, que olhava de cima da asa do Fleet, enquanto punha gasolina no tanque. No segundo seguinte ouviu-se um barulho como o de um pneu explodindo e o povo também explodiu e correu. O pneu do Travel Air estava intacto, o motor girava em ponto morto como o fazia um momento antes, mas havia um buraco de cerca de 30 centímetros na tela por baixo da cabina do piloto. Shimoda estava jogado do outro lado, a cabeça caída, sem se mexer.Gastei alguns milésimos de segundo para compreender que Donald Shimoda levara um tiro, e outros para largar a lata de gasolina e saltar de cima da asa, correndo. Parecia uma cena de um filme, uma peça representada por amadores, um homem com uma espingarda fugindo com todos os outros, tão perto de mim que o poderia ter cortado com um sabre. Lembro-me agora que ele não me interessou. Não estava enraivecido, chocado ou mesmo horrorizado. A única coisa que importava era chegar à cabina do Travel Air o mais depressa possível e falar com o meu amigo. Parecia que ele tinha sido atingido por uma bomba, a metade esquerda do seu corpo era só couro, pano e carne despedaçados, e sangue, uma massa ensopada e vermelha. Sua cabeça estava abaixada junto ao botão impressor de combustível, no canto direito inferior do painel de instrumentos, e de repente pensei que; se estivesse com seu cinto de segurança, não teria sido impelido para a frente daquele jeito. - Don! Você está bem? - Palavras de tolo. Abriu os olhos e sorriu. Seu próprio sangue estava espalhado por seu rosto. - Richard, como é que está? Senti um alívio enorme ao ouvi-lo falar. Se podia falar, se podia pensar, estaria bem. - Bem, se não soubesse, meu chapa, diria que você está com um problema e tanto. Ele não se mexeu, a não ser a cabeça, um pouquinho, e de repente fiquei outra vez assustado, mais pela sua quietude do que pela sujeira e pelo sangue. - Não pensei que tivesse inimigos. - Não tenho. Esse foi... um amigo. É melhor não ter... alguém cheio de ódio criar uma porção de problemas... na vida dele... me assassinando. O assento e os painéis do lado da cabina estavam cheios de sangue - seria um trabalho e tanto limpar o Travel Air de novo, embora o avião em si não estivesse muito danificado. - Isso tinha de acontecer, Don? - Não... - disse ele, numa voz fraca, mal respirando. - Mas acho... gosto do drama... - Bem, vamos andando! Cure-se! Com o pessoal que vem chegando, vamos ter que voar muito! Mas enquanto brincava com ele, a despeito de toda a sua sabedoria e compreensão da realidade, o meu amigo Donald Shimoda caiu em direção ao botão da gasolina e morreu. Ouvi um tumulto, o mundo tombou e escorreguei pelo lado da fuselagem rasgada para o capim vermelho e molhado. Parecia-me que o peso do Manual no meu bolso me inclinava para o lado, e quando bati em terra ele caiu, o vento lentamente folheando as páginas. Apanhei-o, sem forças. Será assim que termina, pensei, será que tudo o que um Mestre diz não passa de um amontoado de palavras bonitas que não o podem salvar do primeiro ataque de um cão danado? Tive de ler três vezes antes de conseguir acreditar que fossem aquelas as palavras na página. Tudo neste livro pode estar errado. Epílogo No outono, eu tinha ido para o sul, com o calor. Os campos bons eram poucos, mas o povo aumentava cada vez mais. As pessoas sempre gostaram de voar no biplano, e naqueles tempos mais e mais ficavam para conversar e tostar os marshmallows na minha fogueira. De vez em quando alguém que não estava realmente muito mal dizia que se sentia melhor depois das conversas, e as pessoas no dia seguinte me olhavam com estranheza e se aproximavam curiosas. Mais de uma vez parti cedo. Não aconteciam milagres, embora o Fleet funcionasse melhor do que nunca, e com menos gasolina. Tinha parado de vazar óleo e quase cessara de matar insetos com a hélice e o pára-brisa. O ar mais frio, com certeza, ou então os camaradinhas estavam ficando mais espertos e se desviavam. Não obstante, o -tempo parará para mim naquele meio-dia de verão em que Shimoda fora morto. Era um fim que não conseguia entender e no qual não acreditava: rememorava aquilo mil vezes, esperando que, de algum modo, pudesse mudar. Mas nunca mudou. O que eu deveria ter aprendido naquele dia? Uma noite, em fins de outubro, depois de tomado pelo medo, largar uma multidão em Mississippi, desci num lugarzinho vazio, justo o tamanho suficiente para o Fleet pousar. Mais uma vez, antes de adormecer, pensei naquele último momento - por que ele morreu? Não havia motivo para isso. Se o que ele disse era verdade... Agora não havia ninguém com quem conversar, com quem aprender, ninguém para perseguir e atacar com minhas palavras, para afiar a minha mente recém-aguçada. Eu? Sim, mas eu não era nem de longe tão divertido quanto o fora Shimoda, que ensinava me mantendo sempre na defensiva com o meu caratê espiritual. Pensando nisso dormi, e, dormindo, sonhei. Ele estava ajoelhado na grama de uma campina, de costas para mim, remendando o buraco no lado do Travel Air, onde estivera o furo da rajada da espingarda. Havia um rolo de tela de avião Tipo-A e uma lata de verniz de butirato ao seu lado. Sabia que estava sonhando e também que isso era real. - DON! Levantou-se devagar e virou-se, sorrindo diante de meu pesar e minha alegria. - Oi, cara - disse ele. Eu mal enxergava, por causa das lágrimas. Não existe a morte, não existe morte alguma e aquele homem era meu amigo. - Donald!. Você está vivo! O que está tentando fazer? - Corri, abracei-o e ele era real. Senti o couro do seu casaco de aviador, apertei seus braços dentro do casaco. - Oi - disse ele. - Você se importa? O que estou tentando fazer é remendar esse buraco aqui. Estava tão contente por vê-lo que nada era impossível. - Com o verniz e a tela? - perguntei. - Com o verniz e a tela você está tentando remendar...? Não é assim que se faz, a gente o vê perfeito, já pronto... Ao dizer essas palavras passei minha mão sobre o buraco sangrento e esfarrapado e, quando a tirei, o buraco sumira. Restava ali apenas um avião intacto, pintado como um espelho, a tela sem costuras, do nariz à cauda. - Então é assim que você o faz! - disse ele, os olhos escuros orgulhosos do aprendiz vagaroso que afinal se saíra bem como mecânico espiritual. Não achei estranho: no sonho, era aquela a maneira de fazer o serviço. Havia uma frigideira sobre a fogueira ao lado da asa. - Está cozinhando alguma coisa, Don! Sabe, nunca o vi cozinhar. O que é? Pão de panela - disse ele, com displicência. - A última coisa que quero fazer em sua vida é lhe mostrar como se faz isso. Cortou dois pedaços com o canivete e me deu um deles. O gosto ainda está comigo, enquanto escrevo... gosto de serragem e cola de livro velha, aquecida em banha. - Que tal? - perguntou ele. - Don... - A Vingança do Fantasma - riu-se ele. - Fiz isso com gesso. Pôs o seu pedaço de volta na frigideira. - Para lembrar-lhe que, se algum dia quiser fazer alguém aprender, faça-o com a sua sabedoria, e não com o seu pão de panela, OK? - NÃO! Se me ama, ama o meu pão de panela! É o esteio da vida, Don! - Muito bem. Mas posso garantir: o seu primeiro jantar com qualquer pessoa será o último, se lhe der esse negócio. Nós nos rimos e nos calamos, e olhei para ele, no silêncio. - Don, você está bem, não está? - Espera que eu esteja morto? Ora vamos, Richard! - E isso não é um sonho? Não me esquecerei de que o vi agora? - Não. Isso é um sonho. É um espaço-tempo diferente e qualquer espaçotempo diferente é um sonho para um bom ajuizado, coisa que você ainda será por algum tempo. Mas você se lembrará, e isso transformará o seu pensamento e a sua vida. - Eu o verei de novo? Você vai voltar? - Não creio. Quero passar além dos tempos e espaços... Já estou lá, para dizer a verdade. Mas há esse laço entre nós, entre mim e você e os outros de nossa família. Você encontra um problema, fica com ele na cabeça, vai dormir e nos encontramos aqui junto ao avião e conversamos a respeito, se você quiser. - Don... - O quê? - Por que a espingarda? Por que aconteceu? Não vejo poder nem glória em se ter o coração despedaçado e arrancado do corpo. Sentou-se no capim junto da asa. - Como eu não era um Messias iniciante, Richard. Não tinha de provar nada a ninguém. E como você precisa ser treinado para não se perturbar com as aparências, nem se entristecer com elas - acrescentou ele, pesadamente - você pode aproveitar algumas aparências sangrentas no seu treinamento. E é divertido para mim, também. Morrer é como mergulhar num lago profundo num dia quente. Há o choque da mudança brusca e fria, a dor, por um segundo, e depois a aceitação é o nadar na realidade. No entanto, depois de tantas vezes, até mesmo o choque se atenua. Depois de algum tempo se levantou. - Só algumas pessoas se interessam pelo que você tem a dizer, mas não faz mal. Não se julga a qualidade do Mestre pelo tamanho do seu público, lembre-se. - Don, vou tentar, prometo. Mas fugirei para sempre assim que parar de me divertir com esse trabalho. Ninguém tocou no Travel Air, mas sua hélice girou, seu motor soltou uma fumaça azul fria, e o ruído rico e límpido ressoou na campina. - Promessa aceita, mas... - ele me olhou e sorriu, como se não me compreendesse. - Mas o quê? Fale. Palavras. Diga-me. O que há de errado? - Você não gosta das multidões - disse ele. - Não me puxando, não. Gosto de conversar e trocar idéias, mas aquele negócio de adoração por que você passou, e a dependência... Espero que você não me peça... Já fugi... - Talvez eu seja apenas burro, Richard, e talvez não veja algo de óbvio que você vê perfeitamente, e se não o vejo, quer fazer o favor de me dizer o que é? Mas por que não escrevê-lo num papel? Existe uma regra segundo a qual um Messias não pode escrever o que acredita ser verdade, as coisas que o divertiram, que funcionam para ele? Se as pessoas não gostarem do que ele diz, quem sabe, em vez de o matarem, poderão queimar suas palavras, bater nas cinzas com um pau? E se gostarem, podem tornar a ler as palavras, ou escrevê-las na porta de uma geladeira, ou brincar com as idéias que fazem sentido para elas. Há algum mal em escrever? Mas talvez eu seja apenas um idiota. - Num livro? - Por que não? - Você sabe o trabalho que dá...? Fiz um voto de não escrever mais uma palavra em minha vida! - Ah. Desculpe - disse ele. - Aí está. Não sabia disso. Pisou na asa inferior do avião e depois entrou na cabina. - Bem, até qualquer dia. Fique firme, e tudo o mais. Não deixe que as multidões peguem você. Tem certeza de que não quer escrever? - Nunca - disse eu. Nunca mais, nem uma palavra. Deu de ombros, calçou as luvas, empurrou o manete para a frente e o ruído do motor explodiu e girou em volta de mim até eu despertar sob a asa do Fleet com os ecos do sonho ainda nos ouvidos. Estava sozinho e o campo estava quieto como a neve verde do outono sobre a madrugada e o mundo. Então, só de brincadeira, ainda sem ter despertado completamente, peguei o meu diário e comecei a escrever, um Messias num mundo de outros, sobre o meu amigo: 1. Houve um Mestre que veio à Terra, nascido na terra santa de Indiana, Fim do livro OBRAS DO AUTOR FERNÃO CAPELO GAIVOTA ILUSÕES O DOM DE VOAR LONGE É UM LUGAR QUE NÃO EXISTE O PARAÍSO É UMA QUESTÃO PESSOAL (Crônicas selecionadas de O Dom de Voar) Sobre a digitalização desta obra: Esta obra foi digitalizada para proporcionar de maneira totalmente gratuita o benefício de sua leitura àqueles que não podem comprá-la ou àqueles que necessitam de meios eletrônicos para leitura. Dessa forma, a venda deste e-book ou mesmo a sua troca por qualquer contraprestação é totalmente condenável em qualquer circunstância. A generosidade é a marca da distribuição, portanto: Distribua este livro livremente! Se você tirar algum proveito desta obra, considere seriamente a possibilidade de adquirir o original. Incentive o autor e a publicação de novas obras! Visite nossa biblioteca! Centenas de obras grátis a um clique! http://www.portaldetonando.com.br Fernão Capelo Gaivota Richard Bach Ao verdadeiro Fernão Capelo Gaivota que vive em todos nós. Primeira Parte Era de manhã e o novo Sol cintilava nas rugas de um mar calmo. A dois quilômetros da costa, um barco de pesca acariciava a água. Subitamente, os gritos do Bando da Alimentação relampejaram no ar e despertaram um bando de mil gaivotas, que se lançou precipitadamente na luta pelos pedacinhos de comida. Amanhecia um novo dia de trabalho. Mas lá ao fundo, sozinho, longe do barco e da costa, Fernão Capelo Gaivota treinava. A trinta metros da superfície azul brilhante, baixou os seus pés com membranas, levantou o bico e tentou a todo custo manter suas asas numa dolorosa curva. A curva fazia com que voasse devagar, e então sua velocidade diminuiu até que o vento não fosse mais que um ligeiro sopro, e o oceano com que tivesse parado, abaixo dele. Cerrou os olhos para se concentrar melhor, susteve a respiração e forçou... só... mais... um... centímetro... de... curva... Mas as penas levantaram-se em turbilhão, atrapalhou-se e caiu. Como se sabe, as gaivotas nunca se atrapalham, nunca caem. Atrapalhar-se no ar é para elas desgraça e desonra. Mas Fernão Capelo Gaivota — sem se envergonhar, abrindo outra vez as asas naquela trêmula e difícil curva, parando, parando... e atrapalhando-se outra vez! — não era um pássaro vulgar. A maior parte das gaivotas não se preocupa em aprender mais do que os simples fatos do vôo — como ir da costa à comida e voltar. Para a maioria, o importante não é voar, mas comer. Para esta gaivota, contudo, o importante não era comer, mas voar. Antes de tudo o mais, Fernão Capelo Gaivota adorava voar. Esta maneira de pensar não o popularizava entre os outros pássaros, como veio a descobrir. Até os próprios pais se sentiam desanimados ao vê-lo passar dias inteiros fazendo centenas de vôos rasantes, sozinho. Ele não sabia por que, por exemplo, quando voava sobre a água a uma altitude menor que a metade do comprimento das suas asas aberta, podia manter-se no ar mais tempo, com menos esforço. Esses vôos rasantes não terminavam com a habitual amaragem de pés hirtos que feriam a água. Ele amarava de mansinho, os pés apertados contra o corpo, deixando apenas um rasto borbulhante. Quando começou a treinar as aterragens deslizantes na praia, e a contar em passos o comprimento do rasto na areia, os pais começaram a ficar deveras desanimados. — Por quê, Fernão, POR QUÊ? — perguntava-lhe a mãe. — Por que é que lhe custa tanto ser como o resto do bando? Por que você não deixa os vôos baixos para os pelicanos, para o albatroz? Por que não come? Filho, você está que é só pena e osso! — Não me importo de estar só pena e osso, mãe. Eu só quero saber o que posso fazer no ar e o que não posso, é tudo. Só quero saber isso. — Escute, Fernão — disse-lhe o pai com bondade. — O inverno não está longe. Haverá poucos barcos e o peixe da superfície irá para zonas mais profundas. Se você tem necessidade de estudar, então estude o alimento e como consegui-lo. Esta história dos vôos está muito certa, mas você tem de pensar que não pode comer um vôo rasante. Não esqueça que a razão por que você voa é comer. Fernão baixou a cabeça, obediente. Nos dias seguintes tentou comportar-se como as outras gaivotas; tentou de fato, gritando e lutando como o resto do bando, em volta dos pontões e dos barcos de pesca, mergulhando sobre restos de peixe e de pão. Mas não conseguiu. "Não faz sentido", pensava ele largando deliberadamente uma anchova suculenta, que lhe custara bastante a ganhar, aos pés de uma velha gaivota esfomeada que o acossava. "Não faz sentido... Eu podia ganhar todo este tempo aprendendo a voar. Há tanto que aprender!" *** Não tardou muito que Fernão Gaivota voltasse a pairar no céu, sozinho, longínquo, esfomeado, feliz, aprendendo. O tema era a velocidade. Ao cabo de uma semana de prática, conseguira aprender mais sobre velocidade do que a gaivota viva mais rápida. A trezentos metros de altura, batendo as asas com toda a força de que era capaz, lançou-se numa vertiginosa picada direta às ondas e aprendeu por que razão as gaivotas não fazem vertiginosos mergulhos picados. Em escassos seis segundos passou a mover-se a cento e vinte quilômetros por hora, velocidade que desequilibra a asa no arranque para a subida. Vez após vez sucedeu o mesmo. Por mais cuidadoso que fosse, trabalhando até o limite da sua capacidade, perdia o controle em alta velocidade. Subir a trezentos metros, dando primeiro tudo em frente; depois, dobrar o corpo e cair em mergulho vertical. Mas, sempre que tentava subir outra vez, a asa esquerda atrapalhava-se e fazia-o rolar violentamente para a esquerda. Ao tentar recuperar, era a asa direita que se atrapalhava, e então tremeleava como as chamas, num selvático movimento desordenado de parafuso, girando para a direita. Não conseguir ser suficientemente cuidadoso naquele arranque. Dez vezes tentou e dez vezes alcançou os cento e vinte quilômetros por hora, acabando sempre numa agitada massa de penas descontroladas que ia esmagar-se na água. "A chave", pensou por fim, "deve estar em manter as asas paradas nas grandes velocidades — batê-las até chegar aos cento e vinte e depois pará-las." Tentou outra vez a seiscentos metros, lançando-se no mergulho com o bico espetado, as asas bem abertas e firmes a partir do momento em que ultrapassou os cento e vinte quilômetros por hora. Precisou de uma força tremenda, mas deu resultado. Em dez segundos transformou-se numa mancha no céu, a cento e trinta quilômetros pro hora. Fernão acabava de estabelecer um recorde mundial de velocidade para gaivota! Mas a vitória durou pouco. No instante em que tentou a horizontal, no instante em que modificou o ângulo das asas, projetou-se outra vez naquele terrível desastre descontrolado, e, a cento e trinta quilômetros, foi como se tivesse sido atingido por dinamite. Fernão Gaivota explodiu a meia altura e esmagou-se num mar duro como tijolo. *** Quando voltou a si, a noite já era velha. Flutuava à superfície negra do oceano, encharcado em luar. As asas eram enormes e esfarrapadas barras de chumbo, mas o fracasso pesava-lhe ainda mais nas costas. Desfalecido, desejou que o peso fosse bastante para o arrastar docemente até o fundo, e acabar com tudo. Ao afundar-se na água, uma estranha voz cavernosa soou dentro dele. "Não há nada a fazer. Sou uma gaivota. A minha natureza limita-me. Se estivesse destinado a aprender tanto acerca do vôo, teria mapas em vez de miolos. Se estivesse destinado a voar a altas velocidade, teria asas curtas como o falcão e viveria de ratos em vez de Peixes. O meu pai tem razão. Devo esquecer esta loucura. Devo regressar ao seio do bando e contentar-me com o que sou, uma pobre e limitada gaivota." A sumiu-se e Fernão acordou. Uma gaivota passa a noite em terra... A partir desse momento, jurou tornar-se uma gaivota normal. Seriam todos felizes. Morto de cansaço, arrancou-se da água densa e voou para terra, grato pelo que aprendera: a forma de poupar trabalho voando a baixa altitude. "Mas não!", pensou. "O que eu era acabou-se; acabou-se tudo o que aprendi. Sou uma gaivota como outra qualquer e voarei como uma delas." Assim, subiu dolorosamente a trinta metros e bateu as asas com mais força, apressando-se a chegar a terra. Sentiu-se melhor depois da decisão de ser apenas mais um dos do bando. Daí em diante não haveria mais laços a prendê-lo à força que o levara a aprender, não haveria mais desafios nem mais fracassos. E era bom deixar de pensar, e voar no escuro em direção às luzes da praia. "ESCURO!" A voz irreal estalou em alarma. "AS GAIVOTAS NUNCA VOAM NO ESCURO!" Mas Fernão não prestava atenção e não a ouvia. "É bom", pensava. "A Lua e as luzes brincando na água, atirando à pequenos lampejos, e tudo tão calmo, tão parado..." "Desça! As gaivotas nunca voam no escuro! Se estivesse destinado a voar no escuro teria olhos de coruja! Teria mapas em vez de miolos! Teria as asas curtas do falcão!" Envolto na noite, a trinta metros no ar, Fernão Capelo Gaivota... pestanejou. A dor e as resoluções desvaneceram-se. Asas curtas. AS ASAS CURTAS DO FALCÃO! "É isso! Como fui louco! Tudo o que preciso é de uma asinha curta, tudo o que preciso é fechar as asas o mais que puder e voar só com as pontas! ASAS CURTAS!" Subiu a seiscentos metros acima do negro mar e, sem pensar um momento no fracasso ou na morte, apertou as asas de encontro ao corpo, deixou que apenas as pontas das asas cortassem o vento como lâminas de punhal e mergulhou na vertical. O vento era rugido de um monstro na sua cabeça. Cem quilômetros por hora, cento e trinta, cento e oitenta, e ainda mais depressa. A tensão nas asas, agora que se deslocava à velocidade de duzentos quilômetros por hora, não chegava a ser tão forte como antes, a cento e trinta, e bastou-lhe mover só um bocadinho a ponta das asas para sair da queda sem dificuldade e disparar por cima das ondas como uma bala cinzenta de canhão apontada à lua. Semicerrou os olhos para se proteger do vento e regozijou-se. Duzentos quilômetros por hora! E controlados! Se mergulhasse de mil e quinhentos metros, em vez de seiscentos, que velocidade... As promessas de momentos antes estavam esquecidas, varridas por aquele enorme vento rápido. E, contudo, não sentia remorso por não cumprir as promessas que fizera a si próprio. "Essas promessas são só para as gaivotas que aceitam o vulgar. Quem conseguiu chegar à excelência da sua aprendizagem não tem necessidade desse topo de promessa." Quando o sol começou a romper, Fernão Gaivota treinava outra vez. Vistos de mil e quinhentos metros, os barcos de pesca eram pontinhos escuros no azul liso da água, e o Bando da Alimentação uma apagada nuvem de átomos de poeira, movendo-se em círculo. Ele estava vivo, ligeiramente trêmulo de prazer, orgulhoso de que o seu medo estivesse dominado. Então, sem cerimônias, cingiu-se com as asas anteriores, estendeu as curtas, colocando as pontas em ângulo, e mergulhou diretamente em direção ao mar. Quando passou os mil e duzentos metros, deslocava-se à velocidade máxima e o vento era um sólido muro de som contra o qual não podia mover-se mais depressa. Voava agora em pleno mergulho, à velocidade de trezentos e vinte quilômetros por hora. Engolia em seco, sabendo que se as asas se abrissem àquela velocidade ficaria reduzido a um milhão de pequenos fragmentos de gaivota. Mas a velocidade era poder, e era alegria e beleza pura. Começou o desvio a trezentos metros. As pontas das asas vibravam e ressoavam contra o vento gigante. O barco e a multidão de gaivotas cresciam à velocidade de um meteoro e lançavam-se diretamente no seu caminho. Não podia parar; e ainda nem sabia como iria virar àquela velocidade. A colisão seria morte instantânea. Era melhor fechar os olhos. Aconteceu então nessa manhã, logo a seguir ao nascer do sol, que Fernão Gaivota atravessou o Bando da Alimentação como uma bala, riscando o céu a trezentos quilômetros por hora, de olhos fechados, num tremendo rugido de vento e penas. A Gaivota da Fortuna sorriu-lhe desta vez e ninguém foi ferido. Na altura em que espetou o bico para o céu, ainda frechava o ar a duzentos e quarenta quilômetros por hora. Quando por fim diminuiu para trinta e voltou a abrir as asas, o barco era apenas uma migalha no mar, mil e duzentos metros abaixo. Na sua mente latejava o triunfo. Velocidade máxima! Uma gaivota a TREZENTOS E VINTE QUILÔMETROS POR HORA! Era uma vitória, o maior momento da historia do bando; e, nesse mesmo momento, nasceu uma nova era na vida de Fernão Gaivota. Voando para a sua solitária zona de treino, encolhendo as asas para um mergulho de dois mil e quatrocentos metros, dispôs-se imediatamente a descobrir como virar. O movimento de um centímetro numa única pena da ponta da asa produzira uma curva larga e suave, a tremenda velocidade, descobriu ele. Contudo, antes de descobrir isto, verificou que, se movesse mais de uma pena àquela velocidade, era disparado em movimento giratório como uma bala de espingarda... E Fernão fez as primeiras acrobacias aéreas de uma gaivota viva. Nesse dia não perdeu tempo conversando com as outras gaivotas e voou até depois do pôr-do-sol. Descobriu o "loop" (Este termo e os que o seguem designam movimentos de acrobacia aerodinâmica — N. do T.), o "slow roll", o "point roll", o "inverted spin", o "gull bunt", o "pinwheel". Quando Fernão Gaivota se juntou ao bando na praia era já noite cerrada. Esta tonto e tremendamente cansado. Apesar disso, não resistiu ao prazer de voar num "loop" para terra e de fazer um "snap roll" antes de aterrar. "Quando souberem do triunfo", pensava, "ficarão loucos de alegria. Como vale a pena agora viver! Em vez da monótona labuta de procurar peixe junto dos barcos de pesca, temos uma razão para estar vivos! Podemos subtrair-nos à ignorância, podemos encontrar-nos como criaturas excelentes, inteligentes e hábeis. Podemos ser livres! PODEMOS APRENDER A VOAR!" Os anos vindouros brilhavam e trauteavam promessas. As gaivotas estavam reunidas em conselho quando ele aterrou, e, segundo parecia, já estavam em reunião havia algum tempo. Na realidade, estavam à espera dele. — Fernão Capelo Gaivota! É chamado ao centro! — As palavras do Mais Velho foram pronunciadas no tom mais solene. Ser chamado ao centro só podia significar grande vergonha ou grande honra. Ser chamado ao centro por honra era a maneira como eram designados os principais chefes das gaivotas. "Claro", pensou, "o Bando da Alimentação esta manhã viu o triunfo! Mas eu não quero honras. Não me interessa ser chefe. Só quero partilhar o que descobri, mostrar a todos esses horizontes que estão à nossa frente." Avançou um passo. — Fernão Gaivota — disse o Mais Velho — é chamado ao centro por vergonha aos olhos das gaivotas suas semelhantes! Foi como se lhe batessem com uma tábua. Os joelhos enfraqueceram-lhe, um enorme rugido ensurdeceu-o. "Ser chamado ao centro por vergonha? Impossível! O triunfo! Eles não podem compreender! Estão errados, estão errados!" — ... pela sua desastrada irresponsabilidade — entoava a voz solene —, por violar a dignidade e a tradição da família das gaivotas... ser chamado ao centro por vergonha significava que seria banido da sociedade das gaivotas, desterrado para uma vida solitária nos Penhascos Longínquos. — ... um dia Fernão Capelo Gaivota aprenderá que a irresponsabilidade não compensa. A vida é o desconhecido e o desconhecível, mas não podemos esquecer que estamos neste mundo para comer e para nos mantermos vivos tanto quanto pudermos. Uma gaivota nunca contesta o conselho do bando, mas a voz de Fernão ergueu-se gritando: — Irresponsabilidade? Meus irmãos! Quem é mais responsável do que uma gaivota que descobre e desenvolve um significado, um propósito mais elevado na vida? Passamos mil anos lutando por cabeças de peixe, mas agora temos uma razão para viver, para aprender, para descobrir, para sermos livres! Dêem-se uma oportunidade, deixem-me mostrar-lhes o que descobri... O bando mostrou-se impenetrável como a pedra. — Quebrou-se a irmandade — entoaram em conjunto todas as gaivotas, e, em perfeito acordo, taparam solenemente os ouvidos e viraram-lhe as costas. *** Fernão Gaivota passou o resto dos seus dias sozinho, mas voou muito além dos Penhascos Longínquos. A solidão não o entristecia. Entristecia-o que as outras gaivotas se tivessem recusado a acreditar na gloria do vôo que as esperava. Recusaram-se a abrir os olhos e ver. Aprendia cada vez mais. Aprendeu que um eficiente mergulho a grande velocidade lhe dava o peixe raro e saboroso que vivia três metros abaixo da superfície do mar. Já não precisava de barcos de pesca nem de pão duro para viver. Aprendeu a dormir no ar, estabelecendo um percurso noturno pelo vento do largo, cobrindo cento e cinqüenta quilômetros desde o ocaso até a aurora. Utilizando o mesmo controle interior, voou através de nevoeiros cerrados e subiu acima deles para céus estonteantes de claridade... enquanto qualquer outra gaivota ficava em terra, conhecendo apenas neblina e chuva. Aprendeu a dominar os altos ventos do continente e a jantar ali os delicados insetos. O que outrora desejara para o bando tinha-o agora só para si. Aprendera a voar e não lamentava o preço que pagara por isso. Fernão Gaivota descobriu que o tédio, o medo e a ira são as razões por que a vida de uma gaivota é tão curta, e, sem isso a perturbar-lhe o pensamento, viveu de fato uma vida longa e feliz. *** Vieram à noite, e encontraram Fernão deslizando tranqüilamente e sozinho pelo seu querido céu. As duas gaivotas que surgiram junto às suas asas eram puras como a luz das estrelas e o brilho que delas se desprendia era leve e afável no éter noturno. Mas o mais encantador era a perícia com que voavam, as pontas das asas movendo-se a um centímetro exato e constante das suas. Sem uma palavra, Fernão submeteu-as ao teste, ao teste a que nenhuma gaivota fora ainda submetida. Torceu as asas, diminuiu a velocidade para um quilômetro e meio por hora e deslizou lentamente, quase parando no ar. Os dois pássaros, irradiantes, deslizaram com ele, suavemente, mantendo-se em posição. Sabiam voar devagar. Dobrou as asas, e caiu num mergulho de duzentos e oitenta quilômetros por hora. Mergulharam com ele, riscando a noite em formação impecável. Por fim, transformou diretamente essa velocidade numa longa rotação ascendente, lenta e vertical. Giraram com ele, sorrindo. Regressou ao vôo planado e esperou algum tempo, antes de falar. — Muito bem. Quem são vocês? — Nós somos do seu bando, Fernão. Somos suas irmãs. — As palavras eram fortes e calmas. — Viemos para levar você para mais alto, para levá-lo para casa. — Eu não tenho casa. Nem tenho bando. Fui banido. E estamos agora sobrevoando o pico da Grande Montanha do Vento. Já não posso elevar este velho corpo além dumas centenas de metros. — Você pode, sim, Fernão. Porque aprendeu. Acabou-se uma escola e chegou a hora de começar outra. O entendimento raiou nesse momento para Fernão Gaivota, tal como o iluminara sempre em toda a sua vida. Tinham razão. Ele PODIA voar mais alto e ERA tempo de ir para casa. Lançou um último longo olhar pelo céu, por aquela magnífica terra prateada onde aprendera tanto. — Estou pronto — disse por fim. E Fernão Capelo Gaivota elevou-se com as duas gaivotas brilhantes como estrelas para desaparecer num céu perfeitamente escuro. *** Segunda Parte "Então o paraíso é isto", pensou, e teve de sorrir de si próprio. Não era muito respeitoso analisar o paraíso precisamente quando se estava voando para entrar nele. Enquanto se afastava da terra e ultrapassava as nuvens, em formação com as duas gaivotas brilhantes, notou que o seu próprio corpo se tornava tão brilhante como os dela. Em realidade, era o mesmo Fernão Capelo Gaivota que sempre vivera por detrás dos olhos dourados. Só a forma exterior se modificara. Era como o corpo de uma gaivota, mas voava muito melhor do que o antigo jamais voara. "É maravilhoso", pensava ele. "Com metade do esforço consigo o dobro da velocidade, o dobro da eficiência dos meus melhores dias na terra!" As penas luziam agora num branco radiante e as asas eram lisas e perfeitas como folhas de prata polida. Deliciado, começou a aprender a conhecê-las, a incutir potência a essas novas asas. A trezentos e setenta quilômetros por hora, sentiu que se aproximava da velocidade máxima que atingira antes em vôo planado. A quatrocentos e nove quilômetros pensou que voava tão depressa quanto podia voar e, apesar disso, sentiu-se ligeiramente desapontado. Havia um limite para tudo o que o novo corpo podia fazer, e, embora fosse muito mais rápido do que o seu antigo recorde em vôo planado, era ainda um limite. Para o vencer, iria ser necessário um grande esforço. "No paraíso", pensou, "não devia haver limites." As nuvens romperam-se, a escolta gritou-lhe "Feliz aterragem, Fernão", e evaporou-se no ar fino. Voava sobre um mar em direção a uma linha áspera da costa. Muitos poucas gaivotas treinavam os "updrafts" nos penhascos. Bastante desviado para o norte, na linha do horizonte, voava outro pequeno grupo. Novas paragens, novos pensamentos, novas perguntas. "Por que tão poucas gaivotas? O paraíso devia estar repleto de gaivotas! E por que é que, de repente, fiquei tão cansado? As gaivotas no paraíso nunca devem cansar-se, nem dormir." Onde é que ouvira isso? A lembrança da sua vida na terra sumia-se. A terra fora um lugar onde aprendera muito, é certo, mas os pormenores estavam esmaecidos — qualquer coisa como lutar por comida e ser banido. A dúzia de gaivotas que treinava junto à costa veio ao seu encontro, sem pronunciar uma palavra. Sentiu apenas que era bem-vindo e que esta era a sua casa. Tinha sido um grande dia para ele, um dia cuja aurora já não recordava. Dispôs-se a aterrar na praia batendo as asas de modo a ficar suspenso a dois centímetros do chão e deixando-se cair levemente na areia. As outras gaivotas também aterraram, mas nenhuma delas moveu uma única pena. Esvoaçaram no vento com as asas brilhantes bem abertas e, modificando depois a curva das penas, pararam exatamente na mesma altura em que os pés tocaram no chão. Era um controle magnífico, mas, nesse momento, Fernão estava demasiado cansado para experimentar. Adormeceu ali mesmo na praia, sem que se tivesse pronunciado uma palavra. Nos dias que se seguiram, Fernão verificou que neste lugar havia tanto para aprender acerca do vôo como houvera na vida que deixara para trás. Mas como uma diferença. Aqui havia gaivotas que pensavam como ele. Para cada uma delas o mais importante na vida era olhar em frente e alcançar a perfeição naquilo que mais gostavam de fazer: voar. Todas elas eram aves magníficas e passavam hora após hora praticando vôo, fazendo experimentos de aeronáutica avançada. Durante muito tempo Fernão esqueceu-se do mundo de onde viera, daquele lugar onde o bando vivia com os olhos completamente cerrados à felicidade de voar, usando as asas apenas como um meio de encontrar alimento e lutar por ele. Mas, uma vez ou outra, só por um momento, lembrava-se. Lembrou-se uma manhã, quando estava a sós com o instrutor, enquanto descansavam na praia depois de uma sessão de "snap rolls" de asa dobrada. — Onde estão os outros, Henrique? — perguntou em silêncio, já familiarizado com a telepatia fácil, que estas gaivotas usavam em vez dos gritos e guinchos. — Por que somos tão poucos aqui? No lugar de onde eu vim havia... — ... milhares e milhares de gaivotas. Eu sei. — Henrique abanou a cabeça. — A única resposta que encontro, Fernão, é que você é um daqueles pássaros que se encontram num milhão. Quase todos nós percorremos um longo caminho. Fomos de um mundo para outro, que era praticamente igual ao primeiro, esquecendo logo de onde viéramos, não nos preocupando para onde íamos, vivendo o momento presente. Tem alguma idéia de por quantas vidas tivemos de passar até chegarmos a ter a primeira intuição de que há na vida algo mais do que comer, ou lutar, ou ter uma posição importante dentro do bando? Mil vidas, Fernão, dez mil! E depois mais cem vidas até começarmos a aprender que há uma coisa chamada perfeição, e ainda outras cem para nos convencermos de que o nosso objetivo na vida é encontrar essa perfeição e levá-la ao extremo. A mesma regra mantémse para os que aqui estão agora, é claro: escolheremos o nosso próximo mundo através daquilo que aprendermos neste. Não aprender nada significa que o próximo mundo será igual a este, com as mesmas limitações e pesos de chumbo a vencer. Abriu as asas e, voltando-se de frente para o vento, continuou: — Mas você, Fernão, aprendeu tanto de uma só vez que não teve de passar por mil vidas para chegar a esta. Um instante depois estavam de novo no ar, treinando. A formação "point roll" era difícil, pois na posição invertida Fernão tinha de pensar de cabeça para baixo, virando a curva da asa ao contrário, mas virando-a em perfeita harmonia com a do seu instrutor. — Vamos tentar outra vez — repetia Henrique, incansável. — Vamos tentar outra vez. — E, finalmente: — Está bom. E começaram a praticar "loops" exteriores. Uma noite, as gaivotas que não praticavam o vôo noturno juntaram-se na praia, para pensar. Fernão reuniu toda a sua coragem e dirigiu-se à gaivota mais velha, que, segundo diziam, devia passar em breve para outro mundo. — Chiang... — começou ele, um pouco nervoso. A velha gaivota olhou-o com bondade. — Diga, meu filho. Em vez de enfraquecer, a idade dera força ao Mais Velho. Em vôo batia qualquer gaivota do bando, e aprendera perícias de que os outros só muito lenta e gradualmente começavam agora a aperceber-se. — Chiang, este mundo não é o paraíso, é? O Mais Velho sorriu ao luar: — Você está aprendendo outra vez, Fernão Gaivota. — Bem, e o que é que acontece depois disso? Para onde vamos? Não há um lugar chamado paraíso? — Não, Fernão, não há tal lugar. O paraíso não é um lugar nem um tempo. O paraíso é ser perfeito. — Ficou em silêncio durante um momento. — Você voa com muita velocidade, não voa? — Eu... Eu gosto da velocidade — respondeu Fernão, surpreendido mas orgulhoso de que o Mais Velho o tivesse notado. — Você começará a se aproximar do paraíso no momento em que alcançar a velocidade perfeita. E isso não é voar a mil e quinhentos quilômetros por hora, nem a um milhão e quinhentos mil, nem voar à velocidade da luz. Porque nenhum número é um limite, e a perfeição não tem limites. A velocidade perfeita, meu filho, é estar ali. Sem avisar, Chiang evaporou-se e apareceu à borda da água, à distância de quinze metros, numa centelha de instante. Depois evaporou-se outra vez e surgiu ao lado de Fernão, no mesmo milésimo de segundo. — É divertido — comentou. Fernão ficou atordoado. Esqueceu-se de fazer perguntas acerca do paraíso. — Como é que se faz isso? O que é que se sente? A que distância se pode ir? — Desde que você o deseje, pode ir a qualquer lugar e a qualquer momento — disse-lhe o Mais Velho. — Que me lembre, já fui a todos os lugares e a todos os momentos. — Olhou o mar, pensativo. — É estranho... As gaivotas que desprezam a perfeição por amor ao movimento não chegam a parte alguma, devagar. As que ignoram o movimento por amor à perfeição chegam a toda parte, instantaneamente. Lembre-se, Fernão, o paraíso não é um lugar nem um tempo, porque lugar e tempo não significam nada. O paraíso é... — Pode ensinar-me a voar assim? Fernão Gaivota tremia de ansiedade por conquistar outro desconhecido. — Claro, se você deseja aprender. — Desejo, sim! Quando podemos começar? — Se quiser, podemos começar já. — Eu quero aprender a voar assim — disse Fernão, um brilho estranho a iluminarlhe os olhos. — Diga-me o que devo fazer. Chiang falou devagar, observando cuidadosamente a gaivota mais nova. — Para voar à velocidade do pensamento, para onde quer que seja, você deve começar por saber que já chegou... Segundo Chiang, o truque estava em Fernão deixar de se ver aprisionado dentro de um corpo limitado cujas asas abertas abrangiam a distância de um metro e cuja eficiência podia ser traçada num mapa. O truque estava em saber que a sua verdadeira natureza vivia tão perfeita como um número não escrito, em toda parte e ao mesmo tempo, através do espaço e do tempo. Fernão, empenhou-se em conseguir isso, dia após dia, desde antes da aurora até depois da meia-noite. Mas, por mais que se esforçasse, não conseguia afastar-se um milímetro do seu lugar. — Esqueça a fé — dizia-lhe Chiang repetidamente. — Você não precisa de fé para voar; precisou, sim, compreender o que era voar. Isto é a mesma coisa. Tente outra vez... Mas um dia em que Fernão estava na praia, de olhos fechados, concentrando-se, compreendeu num relâmpago o que Chiang tentava dizer-lhe. — Mas é verdade! Eu SOU uma gaivota perfeita, ilimitada! Sentiu um grande choque de alegria. — Bom! — exclamou Chiang, com a voz vibrando de triunfo. Fernão abriu os olhos. Estava sozinho com o Mais Velho numa praia completamente diferente — havia árvores até a beira da água, e dois sóis amarelos, girando sobre as cabeças de ambos. — Por fim você conseguiu perceber a idéia — disse Chiang. — Mas ainda precisa trabalhar o seu controle... Fernão estava atordoado. — Onde estamos? Obviamente não impressionado elo estranho ambiente, o Mais Velho desprezou a pergunta. — Estamos num planeta qualquer, evidentemente, com um céu verde e uma estrela dupla por sol. Fernão soltou um grito de alegria, o primeiro som que emitia desde que deixara a terra. — DEU CERTO! — Mas claro que deu certo, Fernão — disse Chiang. — Dá certo sempre, quando se sabe o que se está fazendo. Agora, acerca do seu controle... *** Quando regressaram já estava escuro. As outras gaivotas olhavam Fernão com o assombro nos olhos dourados. Tinham-no visto desaparecer do lugar onde há tanto criara raízes. Suportou as felicitações por menos de um minuto. — Eu sou o mais novo aqui! Estou apenas começando! Sou eu quem tem de aprender com vocês. — Tenho as minhas dúvidas, Fernão — disse Henrique, ali próximo. — Você tem menos medo de aprender do que qualquer outra gaivota que conheci em dez mil anos. O bando ficou em silêncio e Fernão moveu-se embaraçado. — Se você quiser, podemos começar a trabalhar, com tempo — disse-lhe Chiang —, até você poder voar no passado e no futuro. E então estará preparado para começar o mais difícil, o mais poderoso e o mais divertido de tudo. Estará preparado para voar no além e conhecer o significado das palavras "bondade" e "amor". Passou-se um mês, ou algo que se pareceu com um mês, e Fernão aprendeu num ritmo tremendo. Aprendera sempre depressa, com a experiência vulgar, e agora, como aluno especial do próprio Mais Velho, fixou novas idéias, como um aerodinâmico computador de penas. Mas chegou o dia em que Chiang se evaporou. Falara calmamente a todos, exortando-os a nunca deixarem de aprender, de treinar e de lutar por compreenderem cada vez melhor o perfeito e invisível principio de toda a vida. Então, enquanto falava, suas penas foram-se tornando cada vez mais brilhantes, e acabaram por ficar tão brilhantes que nenhuma gaivota o conseguia olhar. As suas últimas palavras foram para Fernão: — Continue trabalhando no amor, Fernão. Quando puderam olhar outra vez, Chiang havia desaparecido. À medida que os dias se passavam, Fernão surpreendia-se pensando no tempo e na terra de onde viera. Se ele tivesse sabido que havia só um décimo, só um centésimo do que aprendera aqui, como a vida teria sido mais válida! Ficou na areia, pensando se haveria alguma gaivota lá atrás lutando por quebrar os seus limites, compreendendo o que realmente significava voar: não um simples meio de locomoção para arrancar uma migalha de pão a um barco a remos. Talvez até houvesse uma que tivesse sido banida por lançar a verdade à cara do bando. E quanto mais Fernão treinava os seus exercícios de bondade, quanto mais trabalhava para compreender a natureza do amor, mais desejava regressar à terra. Porque, apesar do seu passado solitário, Fernão Gaivota nascera para ser instrutor, e a sua maneira de demonstrar o amor era dar um pouco da verdade que ele próprio descobrira a uma gaivota que apenas pedisse uma oportunidade para vislumbrar essa verdade. Henrique, agora adepto do vôo velocidade pensamento, ao mesmo tempo que ajudava os outros a aprender, tinha dúvidas. — Fernão, você foi banido uma vez. O que é que o leva a pensar que alguma das gaivotas do seu tempo o ouviria agora? Você conhece o provérbio, que é bem verdade: "Vê mais longe a gaivota que voa mais alto". As gaivotas que você deixou estão no solo, gritando e lutando umas com as outras. Estão a mil e quinhentos quilômetros do paraíso, e você diz que lhes quer mostrar o paraíso, de onde estão! Fernão, elas nem vêem a própria ponta das asas! Fique aqui. Fique aqui ajudando as novas gaivotas, essas que estão suficientemente cultivadas para compreenderem o que você lhes tem a dizer. — Calou-se um momento, e depois disse: — Que teria acontecido se Chiang tivesse regressado aos velhos mundos dele? Onde estaria você hoje? A última frase era significativa, e Henrique tinha razão. "Vê mais longe a gaivota que voa mais alto." Fernão ficou trabalhando com os novos pássaros que chegaram e que se mostraram muito inteligentes e rápidos na aprendizagem das suas lições. Mas o velho sentimento voltou e ele não podia impedir-se de pensar que talvez houvesse uma ou duas gaivotas na terra que também pudessem aprender. Quanto mais não saberia ele agora se Chiang tivesse ido ao seu encontro no dia em que fora banido! — Henrique, tenho de regressar! — acabou por dizer. — Os seus alunos vão bem. Podem ajudar você a ensinar os que chegarem. Henrique suspirou, mas não discutiu. — Acho que vou sentir a sua falta, Fernão — foi tudo o que disse. — Henrique, que vergonha! — exclamou Fernão, reprovador. — Não seja tolo! Afinal, o que é que estamos treinando todos os dias? Se a nossa amizade depende de coisas como o espaço e o tempo, então, quando finalmente ultrapassarmos o espaço e o tempo, teremos destruído a nossa fraternidade! Mas, ultrapassado o espaço, tudo o que nos resta é Aqui. Ultrapassado o tempo, tudo o que nos resta é Agora. E entre Aqui e Agora você não crê que poderemos ver-nos uma ou duas vezes? Henrique Gaivota riu sem vontade e disse-lhe brandamente: — Você é um louco. Se alguém conseguir mostrar a um pássaro no chão como ver a mil e quinhentos quilômetros, esse alguém tem de ser Fernão Capelo Gaivota. — Olhou a areia. — Adeus, Fernão, meu amigo. — Adeus, Henrique, voltaremos a encontrar-nos. Dito isso, Fernão fixou no pensamento a imagem dos grandes bandos de gaivotas das costas doutros tempos e, com a facilidade do treino, soube que não era só ossos e penas, mas sim uma idéia perfeita de liberdade e vôo que nada conseguia limitar. *** Francisco Coutinho Gaivota era bastante novo, mas já sabia que nunca um pássaro fora tratado com tanta aspereza por nenhum bando ou com tanta injustiça. "Não importa o que digam", pensava com violência, o olhar toldado, enquanto voava em direção aos Penhascos Longínquos. "Voar tem muito mais valor do que esvoaçar de um lado para o outro! Um... um... um mosquito faz isso! Um pequeno 'barrel roll' à volta da gaivota mais velha, só por brincadeira, e eis-me banido! São cegos? Não vêem? Não percebem a glória que será quando aprendermos a voar realmente? "Não me importa o que pensem. Vou lhes mostrar o que é voar! Serei um puro fora-da-lei, se é isso o que desejam. E vou fazê-los lamentar tanto..." A voz surgiu dentro da sua cabeça e, embora fosse muito suave, sobressaltou-o de tal maneira que vacilou e quase despencou. "Não seja duro com eles, Francisco Gaivota. Ao expulsarem-no, as outras gaivotas só fizeram mal a si próprias, e um dia vão sabê-lo, e um dia verão o que você vê. Perdoelhes e ajude-as a compreender." A um centímetro da sua asa direita voava a gaivota branca mais brilhante de todo o mundo, deslizando suavemente e sem esforço, sem mover uma pena, quase à velocidade máxima de Francisco. Houve um momento de caos no jovem pássaro. — Que se passa? Estou louco? Estou morto? O que é isso? Baixa e calma, a voz prosseguia dentro dos seus pensamentos, exigindo resposta. — Francisco Coutinho Gaivota, você quer voar? — SIM, EU QUERO VOAR? — Francisco Coutinho Gaivota, você quer voar tanto que perdoará o bando, e aprenderá, e voltará um dia para ajudá-los a saber? Era impossível mentir àquele magnífico e hábil ser, por muito que um pássaro como Francisco Gaivota se sentisse cheio de orgulho e de mágoa. — Quero — disse suavemente. — Então, Chico — disse-lhe a brilhante criatura, com uma voz muito calma —, vamos começar com o vôo planado... *** Terceira Parte Fernão voou em círculo, devagar, sobre os Penhascos Longínquos, observando. Este duro jovem Francisco Gaivota aproximava-se muito de um perfeito aluno de vôo. Era forte, leve e rápido no ar, mas muito mais importante do que isso era o ritmo vertiginoso com que aprendia a voar. Ali vinha ele agora, turva forma cinzenta troando à saída de um mergulho, a duzentos quilômetros por hora, passando como um relâmpago à frente do seu instrutor. Abruptamente, lançou-se noutra tentativa, um "slow roll" vertical de dezesseis pontos, fazendo a contagem bem alto. — ... oito... nove... dez... olha-Fernão-estou-saindo-da-velocidade-do-ar... onze... eu-quero-boas-paradas-bruscas-como-as-suas... doze... mas-maldição-não-consigo... treze... fazer-estes-últimos-três-pontos... sem... cator... aaahh! A atrapalhação de Francisco no topo foi como uma chicotada, foi o pior que lhe podia ter acontecido, e enfureceu-se por ter falhado. Caiu para trás, aos trambolhões, desabou selvaticamente num "inverted spin" e acabou por se recuperar, ofegante, trinta metros abaixo do nível do seu instrutor. — Você perde o seu tempo comigo, Fernão! Sou tapado demais! Sou estúpido demais! Tento e volto a tentar, mas nunca conseguirei! Fernão Gaivota olhou para ele e concordou. — Você nunca o conseguirá, é certo, se continuar a fazer o arranque com essa brusquidão. Francisco, você perdeu sessenta quilômetros na entrada! TEM de ser suave! Firme mas suave, compreende? Desceu ao nível da gaivota mais nova. — Agora vamos tentar juntos, em formação. E preste atenção ao arranque. É uma entrada suave, fácil. *** Ao cabo de três meses, Fernão tinha mais seis discípulos, todos banidos, mas ainda curiosos acerca desta estranha e nova idéia de voar pelo prazer de voar. Contudo, era-lhes mais fácil praticar altas execuções do que compreender a razão que existia por detrás delas. — Cada um de nós é, em realidade, uma idéia da Grande Gaivota, uma idéia ilimitada de liberdade — costumava dizer-lhes Fernão à noite, quando se reuniam na praia. — E o vôo de precisão é um passo à frente para expressarmos a nossa verdadeira natureza. Temos de pôr de parte tudo o que nos limita. É por isso que todo este treino de alta velocidade, baixa velocidade e acrobacia aérea... E os seus alunos adormeciam, exaustos pelo vôo do dia. Gostavam dos treinos porque eram rápidos e excitantes e porque saciavam uma fome de aprender que crescia de lição para lição. Mas nenhum deles, nem mesmo Francisco Coutinho Gaivota, chegava a crer que o vôo de idéias pudesse de fato ser tal real como o vôo de vento e penas. — Todo o corpo de vocês , da ponta de uma asa à outra — dizia Fernão outras vezes —, não é mais do que seus próprios pensamentos, numa forma que podem ver. Quebrem as correntes dos seus pensamentos e conseguirão quebrar as correntes do corpo... Mas qualquer que fosse a maneira como o dissesse, soava sempre como ficção agradável, e eles precisavam dormir. Só um mês depois Fernão disse que era tempo de voltar ao bando. — Mas não estamos prontos! — disse João Calvino Gaivota. — E não nos desejam! Estamos banidos! Não podemos forçar-nos a ir aonde na somo s desejados, não é? — Nós somos livres para ir aonde nos aprouver e ser o que somos — replicou Fernão, elevando-se da areia e voando para leste, para os domínios do bando. A angústia reinou por momentos entre os seus alunos, pois, segundo a lei do bando, nenhum banido regressa, e a lei não fora quebrada em dez mil anos. A lei dizia: fiquem. Fernão dizia: vão. E nesta altura já ia a mais de um quilômetro de distância, sobrevoando a água. Se esperasse muito mais, ele iria enfrentar sozinho o bando hostil. — Bem, já que não fazemos parte do bando não temos que nos submeter à lei... — disse Francisco timidamente. — Além disso, se houver luta, seremos muito mais úteis lá do que aqui. E assim, oito gaivotas voaram do oeste nessa manhã, em dupla formação de diamante, as pontas das asas quase sobrepondo-se. Atravessaram a Praia do Conselho do Bando a mais de duzentos quilômetros por hora, Fernão à frente, Francisco suavemente à sua direita, João Calvino lutando com o vento, brincalhão, à sua esquerda. Então, toda a formação rolou suavemente para a direita, como um único pássaro... planando... invertendo... planando, o vento chicoteando-os todos por cima. Os gritos e guinchos habituais à vida diária do bando cessaram de repente, como se a formação fosse uma espada gigante, e oito mil olhos de gaivotas observaram, sem pestanejar uma só vez. Um a um, ou oito pássaros lançaram-se abruptamente para cima, fazendo um "loop" completo, descreveram uma curva perfeita e deixaram-se cair lentamente até aterrarem na areia, de pé. Então, tal como se o acontecimento fosse uma coisa de todos os dias, Fernão Gaivota iniciou a sua crítica do vôo. — Para começar — disse com um sorriso zombeteiro —, demoraram um bocado a juntar-se a mim... Foi como se um relâmpago percorresse o bando. Aqueles pássaros eram banidos! E tinham regressado! E isso... isso não podia acontecer! As predições de Francisco quanto a haver luta fundiram-se na confusão do bando. — Está bem, é certo que são banidos — disse uma das gaivotas mais novas —, mas, caramba! onde eles aprenderam a voar desta maneira? A palavra do Mais Velho levou quase uma hora a percorrer o bando: — Ignoremnos. A gaivota que falar a um banido será banida. A gaivota que olhar para um banido quebrará a lei do bando. Costas de penas cinzentas viraram-se a Fernão a partir desse momento, mas ele não deu a perceber tê-lo notado. Deu as sessões precisamente sobre a Praia do Conselho e, pela primeira vez, começou a instigar os seus alunos até o limite de sua capacidade. — Martinho Gaivota! — gritou através do céu. — Você diz que sabe voar a baixa velocidade. Não sabe nada até provar! VOE! Foi assim que o calado Martinho Gaivota, sobressaltado pelo fogo que o seu instrutor lhe ateara, surpreendeu a si próprio tornando-se um especialista em baixas velocidades. Conseguia curvar as suas penas de modo a elevar-se na mais leve brisa, sem um único batimento da asa, da areia às nuvens e voltar das nuvens à areia. Do mesmo modo, Rolando Gaivota sobrevoou o pico da Grande Montanha do Vento, a sete mil e duzentos metros, desceu azul do ar frio e rareado, maravilhado e feliz, decidido a ir ainda mais alto no dia seguinte. Francisco Gaivota, que mais do que ninguém adorava a acrobacia aérea, conseguiu o seu "slow roll" vertical de dezesseis pontos, ao qual, no dia seguinte, acrescentou um triplo "cartwheel", as penas irradiando uma luz solar branca que ofuscou a praia onde mais de um olho furtivo o observava. A todo momento, lá estava Fernão ao lado de cada um dos seus discípulos, demonstrando, sugerindo, instigando, conduzindo. Voou com eles através da noite, da nuvem e da tempestade, por puro prazer, enquanto o bando se encolhia miseravelmente no solo. Depois dos treinos, os alunos descansavam na areia, e, com o tempo, começaram a prestar mais atenção a Fernão. Embora este tivesse algumas idéias loucas que não entendiam, tinha outras muito boas, que conseguiam aprender. Gradualmente, à noite, começou a formar-se outro círculo à volta dos alunos — um círculo de gaivotas curiosas que escutavam durante horas a fio, desejando não ver nem ser vistas por outras e desvanecendo-se na meia-luz que antecede a aurora. Foi um mês depois do Regresso que a primeira gaivota do bando venceu a barreira e pediu para aprender a voar. Ao fazê-lo, Teseu Sousa Gaivota passou a ser um pássaro condenado, portador de uma etiqueta que dizia: "Banido". E passou também a ser o oitavo aluno de Fernão. Na noite seguinte foi Virgilio Gaivota quem deixou o bando. Aproximou-se cambaleante, arrastando a asa esquerda pela areia, e caiu aos pés de Fernão. — Ajude-me — pediu-lhe baixinho, com a voz daqueles que estão morrendo. — Mais do que tudo no mundo eu quero voar... — Nesse caso, venha — disse Fernão. — Eleve-se comigo e comecemos. — Você não compreende... A minha asa. Não consigo mexê-la. — Virgilio Gaivota, você tem liberdade de ser você mesmo, de ser o seu próprio eu, aqui e agora, e não há nada que possa interpor-se no seu caminho. Essa é a lei da Grande Gaivota, a lei que É. — Você quer dizer que eu posso voar? — Eu quero dizer que você é livre. Tão simples e rapidamente como fora dito, Virgilio Gaivota abriu as asas, sem esforço, e rasgou o ar negro da noite. A cento e cinqüenta metros de altura, gritou o mais alto que pôde e o seu grito arrancou o bando do sono que o entorpecia. — Eu posso voar! Ouçam! EU POSSO VOAR! Quando o sol surgiu no horizonte, havia quase mil pássaros em volta do círculo de alunos, olhando curiosamente para Virgilio. Pouco lhes importava serem vistos ou não, e escutavam, tentando compreender, Fernão Gaivota. Falou de coisas muito simples — que as gaivotas têm o direito de voar, que a liberdade é própria da sua natureza, que todo aquele que se oponha a essa liberdade deve ser posto de parte, quer a oposição seja motivada por ritual, superstição ou limitação sob qualquer forma. — Pôr de parte? — gritou uma voz entre a multidão. — Mesmo se for a lei do bando? — Só a lei que conduz à liberdade é verdadeira — disse Fernão. — Não há outra. — Como você pode esperar que voemos como você? — interrompeu outra voz. — Você é especial, dotado e divino, muito acima dos outros pássaros. — Olhem para Francisco! Teseu! Rolando! São também especiais, dotados e divinos? Não mais do que vocês, não mais do que eu. A única diferença, a única, de fato, é que eles começaram a compreender o que são realmente e decidiram pôr em prática esse conhecimento. Salvo Francisco, os alunos moveram-se pouco à vontade. Ainda não tinham tomado consciência de que era isso realmente o que lhes acontecia. A multidão crescia de dia para dia: vinham fazer perguntas, idolatrá-lo ou injuriálo. *** — Dizem no bando que, se você não é o filho da própria Grande Gaivota, tem um avanço de mil anos em relação ao nosso tempo — contou Francisco a Fernão uma manhã, depois do treino de velocidade avançada. Fernão suspirou. "O preço de ser incompreendido", pensou. "Ser classificado de diabo ou de deus." — E você, o que pensa, Chico? Estamos avançados em relação ao nosso tempo? Houve um longo silêncio. — Bem, esta maneira de voar sempre esteve ao alcance de quem a quisesse descobrir. Não tem nada a ver com o tempo. Talvez estejamos avançados em relação à moda. Avançados em relação à maneira como voa a maior parte das gaivotas. — Isso já é qualquer coisa... — disse Fernão, virando o corpo de modo a deslizar de costas por algum tempo. — É bem melhor do que estar avançado em relação ao nosso tempo. *** Aconteceu precisamente uma semana depois. Francisco estava demonstrando os elementos do vôo a alta velocidade a uma classe de novos alunos. Acabava de sair de um mergulho de dois mil metros, um longo rasto cinzento desviando-se do mergulho a alguns centímetros da areia e voltando, quando uma gaivota que voava pela primeira vez entrou diretamente no seu caminho, chamando pela mãe. Dispondo apenas de um décimo de segundo para se desviar do novato, Francisco Coutinho Gaivota atirou-se violentamente para a esquerda, a qualquer coisa parecida com trezentos quilômetros por hora, contra um rochedo de sólido granito. Para ele foi como se a rocha fosse uma porta dura e gigantesca para um outro mundo. Sentiu-se invadido por uma onda de medo, de choque e de escuridão quando se chocou. Depois, flutuou num céu estrelado, estranhíssimo, esquecendo, lembrando, esquecendo; com medo, dor e tristeza, uma imensa tristeza. A voz chegou-lhe como no primeiro dia em que encontrara Fernão Capelo Gaivota. — O truque, Chico, é que devemos tentar ultrapassar as nossas limitações progressiva e pacientemente. Voar através de rochas já faz parte de um programa mais avançado. — Fernão! — Também conhecido por filho da Grande Gaivota — comentou o seu instrutor zombeteiramente. — O que você faz aqui? A rocha! Eu não... não... morri? — Oh! Vamos, Chico, pense. Se você está falando comigo neste momento é porque, como é óbvio, não morreu, não acha? O que você conseguiu fazer foi modificar seu nível de consciência de modo um pouco brusco. Agora você tem a liberdade de escolher: ou ficar aqui e aprender neste nível, que, a propósito, é bem mais evoluído do que o que você deixou, ou regressar e continuar trabalhando com o bando. Os mais velhos estavam ansiosos por que se desse um desastre qualquer, mas estão fora de si pela maneira como você conseguiu satisfaze-los. — Quero voltar para o bando, é claro. Mal comecei a treinar o novo grupo! — Muito bem, Francisco. Você se lembra do que dissemos acerca de o nosso corpo não ser mais do que o próprio pensamento...? *** Francisco abanou a cabeça, abriu as asas e descerrou os olhos, junto da base do rochedo onde se juntara todo o bando. Da multidão ergueu-se um enorme clamor de gritos e guinchos quando o viram mexer-se pela primeira vez. — Está vivo! Estava morto e VIVE! — Tocou-o com a ponta de uma asa! Trouxe-o à vida! É o filho da Grande Gaivota! — Não, ele o nega! É o Demônio! O DEMÔNIO! Veio para semear a discórdia entre o bando! Havia quatro mil gaivotas na multidão, amedrontadas pelo que aconteceu, e o grito DEMÔNIO! percorreu-as como o vento de uma tempestade marítima. De olhos vidrados e bico afiado, avançaram unidas, prontas a destruir. — Você se sentiria melhor se partíssemos, Francisco? — perguntou Fernão. — Não poria muitas objeções se o fizéssemos... Instantaneamente, fixaram-se ambos a oitocentos metros e os bicos vibrantes da multidão fecharam-se no vazio. — Por que será — interrogou-se Fernão — que a coisa mais difícil do mundo é convencer um pássaro de que é livre e de que pode prová-lo a si próprio se se dedicar a treinar um pouco? Por que será tão difícil? Francisco ainda pestanejava devido à mudança de cenário. — O que é que você fez? Como é que viemos parar aqui? — Você não disse que queria sair do meio da multidão? — Disse, mas como é que você... — Como todo o resto, Francisco. Treino. Quando a manhã surgiu, o bando já esquecera a sua loucura. Mas Francisco recordava. — Fernão, você se lembra do que disse, há muito tempo, acerca de amar o bando o bastante para voltar a ele e ajudá-lo a aprender? — Claro que me lembro! — Não compreendo como você consegue amar um punhado de pássaros que acabam de tentar matá-lo. — Oh! Chico! Não é isso que você ama! Você não ama o ódio e o inferno, é claro. Você tem de treinar até ver a verdadeira gaivota, o que há de bom em cada uma delas, e ajudá-las a ver isso nelas próprias. Para mim, o amor é isso. Quando você conseguir compreender e pôr isso em prática, até achará divertido. "Lembro-me de um jovem pássaro impetuoso, por exemplo, chamado Francisco Coutinho Gaivota. Acabava de ser banido; estava pronto a lutar com o bando até a morte e começou por construir o seu próprio inferno amargo nos domínios dos Penhascos Longínquos. E aqui está ele hoje, construindo o seu próprio paraíso em vez do inferno, e guiando todo o bando nessa direção." Francisco virou-se para o seu instrutor e houve um momento de medo no seu olhar. — EU, guiando-os? Que você quer dizer com isso? Você é o instrutor. Não pode ir-se embora. — Acha que não? Você não julga que possa haver outros bandos, outras Franciscos, que necessitem mais de um instrutor do que este que se encaminha para a luz? — EU? Fernão, eu sou uma simples gaivota e você é... — ... o próprio filho da Grande Gaivota, suponho? — Fernão suspirou e olhou o mar. — Você já não precisa de mim. Precisa continuar descobrindo, pouco a pouco, todos os dias, o verdadeiro e ilimitado Francisco Gaivota. É ele o seu melhor instrutor. Você precisa compreendê-lo e treiná-lo. Um momento depois, o corpo de Fernão começou a estremecer no ar, a ficar brilhante e a tornar-se transparente. — Não os deixe espalhar boatos a meu respeito ou fazerem de mim um deus. De acordo, Chico? Eu sou uma gaivota que gosta de voar, talvez... — FERNÃO! — Pobre Chico! Não creia no que os seus olhos lhe dizem. Todo que mostram é limitação. Olhe com o entendimento, descubra o que você já sabe e verá como voar. O brilho extinguiu-se. Fernão Gaivota desapareceu no ar. Passado um bocado, Francisco Gaivota arrastou-se para o céu e encontrou-se face a face com um novo grupo de alunos, desejosos de ter a sua primeira lição. — Para começar — disse Francisco pesadamente —, têm de compreender que uma gaivota é uma ilimitada idéia de liberdade, uma imagem da Grande Gaivota, e todo o corpo de vocês, da ponta de uma asa à ponta da outra, não é mais do que o próprio pensamento de vocês. As jovens gaivotas olharam-no interrogativamente. "Isso não parece uma regra do 'loop'!", pensaram. Francisco suspirou e recomeçou. — Hum... muito bem... Vamos começar com o vôo planado — disse-lhes, observando-os com ar de crítica. Mas, ao dizer isso, compreendeu de súbito que o seu amigo não fora mais divino do que ele próprio. "Não há limites, Fernão!?", pensou. "Bem, então não está longe o dia em que aparecerei na sua praia e lhe mostrarei uma ou duas coisas acerca de vôo!" E embora tentasse mostrar-se severo com os seus alunos, Francisco Gaivota viu-os de repente como eram realmente, por um momento, e, mais do que gostou, amou o que viu. "Não há limites, Fernão?", pensou, e sorriu. A sua corrida para a aprendizagem acabava de começar. FIM