Clique para visualizar - Securitários do Parana

Transcrição

Clique para visualizar - Securitários do Parana
O mito da mulher
multifuncional
Letícia Penteado
Blog: ANARCA É A MÃE!
Agradecimentos e Apresentação
Agradeço à organização do evento pela oportunidade de falar, ouvir e
encontrar tantas mulheres com vivências diferentes das minhas.
Em especial, agradeço a Regina Freitas e Silvia Gimenes, diretoras do
Sindicato dos Securitários do Paraná, que me convidaram para estar
aqui.
Um aquecimento...
 Quantas mulheres aqui são mães?
 Das que não são mães, quantas se sentem
pressionadas a sê-lo?
 Das que são mães, quantas sentem que têm apoio da
família e de pessoas amigas nos cuidados com seus
filhos?
 Quantas sentem que a conciliação de suas
maternidades com suas carreiras profissionais,
acadêmicas, etc., foi facilitada pelas pessoas ao seu
redor, em casa e no ambiente de trabalho?
Não é interessante que, ao mesmo
tempo em que somos pressionadas para
termos filhos, temos tão pouco apoio e
suporte quando nos tornamos mães?
A mesma sociedade que nos compele à
maternidade acha que a conciliação da
maternidade com as outras esferas da
vida da mulher é “problema dela”.
A maternidade não é simplesmente
uma escolha pessoal
 Existe uma pressão social muito grande para
que as mulheres se tornem mães.
 Aqui, o aborto é ilegal e as medidas
contraceptivas realmente seguras e sem efeitos
colaterais graves (a pílula, por exemplo, hoje se
sabe que causa diversos problemas de saúde)
são proibitivamente caras ou são, como no caso
da laqueadura, difíceis de se conseguir fazer
(porque médicos se recusam).
A reprodução humana e o cuidado
das crianças é de interesse coletivo
 É de interesse da sociedade que haja crianças
hoje, ou não haverá pessoas adultas amanhã. É a
continuidade da espécie humana, afinal.
 E é de interesse da sociedade que as famílias
tenham condições de prestar o melhor cuidado
possível a seus filhos, pois a falta de cuidado com
eles hoje poderá se tornar uma falta de cuidado
deles com outras pessoas amanhã.
Um exemplo da forma como a sociedade
costuma tratar a maternidade:
Qual a mensagem do
vídeo?
Lado bom – o reconhecimento da
sobrecarga da mulher
 O vídeo emociona por aparentar reconhecer a
sobrecarga que normalmente advém da maternidade,
algo em relação ao qual há pouco acolhimento (a
mulher costuma pensar que “é assim mesmo” e ter
vergonha de falar a respeito, por medo de que pareça
não amar seus filhos).
 Outro ponto interessante é o reconhecimento da
importância desse trabalho de cuidado (frisado como
sendo de interesse de toda a coletividade), mesmo no
contexto de uma sociedade capitalista, ou seja, num
contexto em que aquilo que não é remunerado parece
não ter valor.
Lado ruim – a exaltação da
sobrecarga da mulher
Apesar de haver esse necessário
reconhecimento, o vídeo trata essa
sobrecarga como inevitável e exalta as
mulheres que a ela se submetem.
Lado ruim – a exaltação da
sobrecarga da mulher
Por exemplo: o vídeo afirma que ser mãe é:
 Um trabalho de 24hs por dia, 7 dias
por semana, sem pausa para descanso
ou para dormir
 Ter que “usar muitos chapéus” – exercer
muitas funções ao mesmo tempo
 Abrir mão da sua vida
Precisa ser assim?
Deve ser assim?
A mulher-mãe precisa ser mulhermaravilha?
 Não é possível e razoável que outra pessoa
fique com o bebê para que a mãe possa ir ao
banheiro, tomar um banho, comer, dormir?
 Não é possível e razoável que as muitas
funções que devem ser desempenhadas na
maternidade sejam compartilhadas com
outras pessoas?
“Padecer no paraíso”
Ser mãe não é fácil; ser mãe sem ter com quem contar e
tendo que acumular a maternidade com inúmeras outras
funções só é possível fazendo-se um sacrifício sobre-humano.
A nossa cultura trata esse sacrifício como inevitável,
cria um clima de exaltação, de martirização, de quem o
faz.
Esses dois fatores colaboram para manipular a mulher
para que suporte essa sobrecarga calada, sentindo que
não tem sequer o direito de pedir ajuda, que, ao fazê-lo, vai
cair no conceito das pessoas.
Será que “o trabalho mais importante do mundo” deve
mesmo ficar a cargo de uma única pessoa?
“Abrir mão da própria vida”
Será mesmo que é a presença da criança o único
fator responsável pela sensação de isolamento,
de não fazer mais parte do mundo, que tantas
vezes acomete à mãe?
A criança frequentemente é vista como um
estorvo para a mãe quando, na verdade, o
problema são as outras pessoas adultas
que se recusam a fazer a parte que lhes
caberia.
“Abrir mão da própria vida”
 O ambiente de trabalho, o ambiente
acadêmico e a sociedade como um todo não
deveriam empreender um esforço maior para
a inclusão real das mulheres que são mães?
 Costumamos dizer que nós conquistamos o
mercado de trabalho antes pensado como
“masculino”. Mas será que isso é mesmo
verdade quando, na realidade, quem teve que
se adaptar fomos nós?
Nós, mulheres, fazemos todas
as adaptações para que os
homens não tenham que fazer
nenhuma.
Tem que ser a mãe?
 Homens que se tornam pais não precisam
abrir mão de suas carreiras profissionais
e acadêmicas. Sequer se espera isso deles.
 Costuma-se dizer “mas a criança precisa da
mãe”. Sem dúvida que precisa. Mas será que
apenas a mãe pode suprir todas as
necessidades da criança, vinte e quatro
horas por dia?
Exemplo:
Uma pesquisa das sóciologas Robin Ely, Colleen
Ammerman e Pamela Stone, da Harvard
Business School, apontou que, mesmo quando
as mulheres se mantêm trabalhando, suas
carreiras sofrem interrupções muito
maiores e mais frequentes que as de seus
maridos, porque a carreira deles é tratada
como prioritária em relação a delas.
Isso não se deve necessariamente a uma
escolha da mulher, mas a uma pressão da
sociedade nesse sentido.
Além disso, o que facilmente observamos
ao nosso redor é que esse efeito tende
a se acentuar quando há a separação
entre a mãe e o pai das crianças, com ela
ficando praticamente como única
encarregada dos cuidados e arcando com
as consequências disso em sua vida
profissional.
“Onde estava a mãe
dessa criança?”
Essa é a primeira pergunta que as pessoas
costumam fazer quando leem a notícia de
algum acidente ou acontecimento infeliz que
poderia ter sido evitado envolvendo uma
criança.
É como se não houvesse nenhuma outra pessoa
que pudesse se responsabilizar pelo bem-estar
dela, como se a única responsável fosse
sempre a mãe, a despeito de quem pudesse
efetivamente estar junto dela – como o pai, por
exemplo.
(Abrindo um parêntese: Gaslighting)
Imagem do filme “Gaslight”, de 1944.
Gaslighting é quando
induzimos uma pessoa
(e/ou quem está ao redor
dela) a duvidar do que ela
própria fala, pensa ou
sente.
É uma forma de violência
psicológica muito comum
na nossa sociedade.
Ex. Falar que algo que aconteceu
não aconteceu, ou que a culpa
de algo que ela sofreu é dela, ou
que ela não pode sentir o que
está sentindo.
“Você é uma guerreira, não sei como
você consegue...”
O problema não é só esse vídeo. O problema é a
mensagem que ele reproduz, de que:
 Não há nada de errado na sobrecarga pela
qual as mulheres passam na maternidade,
porque “é assim mesmo”;
 Outras pessoas adultas não têm nenhuma
responsabilidade por essa sobrecarga, porque
não há nada que possam fazer a respeito; e
 A mulher deve dar conta dessa sobrecarga
para merecer a aprovação e exaltação da
sociedade como mãe.
E isso é manipulação e gaslighting,
porque distorce a realidade, tanto
dos fatos quanto das
responsabilidades envolvidas, bem
como deslegitima os sentimentos da
mulher diante da situação, fazendo
com que ela se cale.
“... Mas quem pariu Mateus que o
embale...”
Tanto é que, se, ao invés de suportar tudo
caladas, resolvermos fazer exigências como
mulheres e mães, o discurso muda da exaltação
para a agressão.
Passam a nos tratar como se a colaboração
que pedimos fosse um privilégio, um favor
inexigível e não o atendimento de
necessidades especiais nossas, em virtude
de um trabalho nosso que, sim, como dito
interessa à coletividade.
E a maternidade é só UM
aspecto dessa mentalidade!
A pressão sobre as mulheres para que se
desdobrem em mil funções de uma só vez
é imensa e esmagadora.
A mulher que não corresponde às
expectativas e, principalmente, a que as
questiona, sofre forte reprovação social
Este é o símbolo da exaltação da
sobrecarga feminina.
Uma mulher com diversos braços,
fazendo diversas coisas ao mesmo tempo.
Ela pode, também,
assumir esta outra
forma, a da mulher
malabarista.
Desde pequenas, vemos figuras
assim, ou ouvimos coisas que
reforçam a ideia que ela representa.
Aprendemos que ela é o ideal que
devemos tentar alcançar.
Aprendemos até que o “cérebro feminino”
é feito para isso, para lidar com muitas
coisas ao mesmo tempo.
É o único ponto em que se costuma dizer
que as mulheres são superiores aos
homens – precisamente aquilo que
corrobora a noção de que nascemos para
viver sendo sobrecarregadas.
Não é conveniente que, justamente nesse
aspecto, os homens sejam inferiores?
A mulher é multifuncional porque tem que
ser supermãe, mulherão, esposa perfeita,
dona de casa impecável, profissional
ultraeficiente. E tudo isso ao mesmo tempo.
A função mãe
Tem que ser mãe, senão não é mulher
“de verdade”. Não está “realizada”.
E, como dito, tem que ser mãe sem o
apoio de ninguém, menos ainda do pai
da criança.
Tem que ter as
crianças mais bemcomportadas do
mundo.
A função objeto-sexual
Tem que estar “gostosa”, bonita e
perfumada o tempo todo.
“Não pode relaxar” – e acaba
nunca relaxando mesmo.
Tem que “se cuidar” – a visão da
preocupação com a estética como
“cuidado de si mesma”.
Diversos estudos comprovam que as
mulheres devotam tanto da sua atenção
para sua aparência física (constantemente
verificando se estão bem, se não tem
alguma coisa fora do lugar, etc.) que isso
tem um impacto sobre seu desempenho
intelectual, especialmente na área da
matemática.
Ex.:“That swimsuit becomes you: sex differences in self-objectification,
restrained eating, and math performance”, de Barbara Fredrickson (University
of North Carolina) and Tomi-Ann Roberts (Colorado College)
O assédio que sofremos nas ruas, por
menos agressivo que possa parecer,
reforça em nós esse desperdício de
atenção e tempo, porque é sempre
uma lembrança para nós de que
estamos sendo constantemente
avaliadas e comparadas com outras
mulheres.
Mulher tem que ser bonita até
fazendo cocô. Ou melhor, nem fazer.
A função esposa
Tem que ser esposa – porque
nenhuma mulher é feliz sem marido e
estar só é estar infeliz.
E tem que fazer o que for para
manter o cara satisfeito, para
“segurar o homem”.
Por exemplo, não pode incomodar o
marido com os problemas do dia-adia. E, como “homem não gosta de
falação” nada de reclamação, nem de
“DR”...
A boa esposa coloca suas
necessidades emocionas em segundo
plano. O importante é segurar o
homem. Mesmo que ele seja um ogro
que não a acolhe nem apoia.
Tem que ser compreensiva com as
“necessidades” dele e estar sempre pronta para
fazer sexo de todas as formas que ELE quiser.
Porque o sexo é só uma ferramenta para agradar o
homem, mantê-lo satisfeito.
E tem que ter orgasmo sempre. Não porque seja
bom sentir prazer, mas porque, senão, ELE pode
se sentir menos homem. Parece que essa é a
função do orgasmo feminino: a carícia no ego do
homem.
A função dona-de-casa
Tem que deixar – SOZINHA – a casa
sempre impecável.
Mesmo que ela trabalhe fora. Mesmo
que ela cuide das crianças. Porque
“homem não tem jeito para isso”.
E sem ficar com cheiro de produto de
limpeza, ou as mãos calejadas,
porque tem que estar sempre
cheirosa e gostosa.
A função profissional
A mulher tem que trabalhar fora.
Mulher que não trabalha está “se
aproveitando do marido”, “encostada
em homem”, “é caçadora de
pensão”.
Mesmo que ela seja mãe e cuide
sozinha da casa e das crianças, seu
trabalho não tem valor, já que não é
medido em dinheiro.
A mulher tem que trabalhar mesmo
ganhando menos que os homens que
fazem o mesmo que ela faz.
 Segundo o relatório "Novo século, velhas desigualdades:
diferenças salariais de gênero e etnia na América Latina",
escrito pelos economistas do BID Hugo Ñopo, Juan Pablo Atal
e Natalia Winder, sobre um estudo do Banco Interamericano
de Desenvolvimento, no Brasil, homens ganham 30% a
mais que mulheres nas mesmas funções.
Também tem que se provar constantemente,
para mostrar que suas conquistas profissionais
não vieram da concessão de favores sexuais.
Tem que agregar às suas funções no
trabalho tarefas como fazer e servir
café, atender telefone e ser bibelô de
escritório, afinal, esses são “papéis
femininos”.
A imagem da mulher
multifuncional é uma
paródia da deusa
hindu Kali,
apreciadora de
sacrifícios
sangrentos.
A maior diferença entre a nossa
versão e a original é o sorriso.
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Mesmo quando a imagem não é sorridente,
é comum que aparente placidez,
serenidade, mesmo em meio a toda aquela
atribulação.
Raras são as imagens que mostram um
semblante preocupado, cansado,
estressado.
E, mesmo quando mostram, parece
haver um toque de resignação.
Ou seja, não basta tentar da conta de
fazer o impossível.
Tem que sorrir no processo.
Não pode reclamar.
Não pode fazer cara feia.
Não pode ficar infeliz.
A mensagem é:
“Se não está bom para
você, você é o problema.”
 Cria-se a sensação de que não podemos deixar de
corresponder às expectativas jamais, ou seremos
duramente reprovadas e ficaremos sós e infelizes. E
daí ficamos desesperadamente tentando fazer o que
não é factível e nos culpando quando não
conseguimos.
 Cria-se a sensação de que reclamar é admitir derrota
e admitir derrota é, novamente, correr o risco de ser
abandonada. E daí nos calamos.
 E, principalmente, cria-se a sensação de que o
problema, o nosso inimigo, são as outras
mulheres. E daí, ao invés de nos unirmos, nos
ouvirmos e nos ajudarmos, nos digladiamos.
Isso é manipulação.
Isso é gaslighting.
Isso é violência.
E assim vamos... fazendo malabarismos
que não deveríamos ter que fazer e
aprendendo que é disso que temos que
nos orgulhar; que, se perdermos isso,
não seremos dignas de admiração.
Aprendemos que nosso valor é
diretamente proporcional à nossa
proximidade da mulher de muitos
braços.
Aprendemos que
essa sobrecarga é
uma espécie de
calvário, que
enobrece nosso
espírito e aumenta
nosso valor.
E aprendemos que as outras
mulheres são nossas adversárias e
competidoras e que temos que tentar
sempre ganhar delas na corrida em
direção a esse modelo.
Temos que ser a melhor mãe, o
melhor objeto sexual, a melhor
esposa, a melhor dona de casa, a
melhor profissional.
O que é
feminismo?
Feminismo NÃO É o contrário de
machismo.
Feminismo não é odiar homens, ou
achar que mulheres são melhores
que homens, ou achar que mulheres
e homens são iguais.
Feminismo é acreditar que não precisamos ser iguais
para merecer direitos e oportunidades iguais.
E entender que isso quer dizer, muitas vezes, receber um
tratamento diferente.
Feminismo é a luta
contra todas as
formas de opressão.
Imagem de Questões Discursivas
www.questõesdiscursivas.com.br
A parte mais bonita do feminismo é justamente
o conceito de sororidade, que nos liberta da
competição entre mulheres e permite o nosso
contato e identificação umas com as outras.
Dê-se o presente do
feminismo.
Permita-se ver a si
mesma e às mulheres ao
seu redor com outros
olhos – de empatia,
aceitação, acolhimento.
Permita-se abraçar e ser
abraçada.
Estamos juntas!
Obrigada e até a próxima! =)