estratégias de ação política dos movimentos sociais na era
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estratégias de ação política dos movimentos sociais na era
Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 ESTRATÉGIAS DE AÇÃO POLÍTICA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA ERA DIGITAL: O DISCURSO SOCIOAMBIENTAL DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST) NA LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA POPULAR Janecleide Moura de Aguiar1 [email protected] Carlos Frederico Loureiro2 [email protected] RESUMO No atual momento de organização dos movimentos sociais, as formas de ação direta, tradicionalmente acionadas, podem se conjugar com práticas e estratégias muito próprias das novas tecnologias de informação e comunicação. Este artigo tem como objetivo apresentar considerações preliminares sobre a ampliação das formas de ação política utilizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), sobretudo a partir do uso sistemático de um aparato de tecnologia digital. Portanto, na medida em que o MST passa a ocupar espaços de sociabilidade digital, sua luta política ganha outros contornos, revelando impactos sobre a mobilização dos militantes nos acampamentos e assentamentos, no sentido de construir a chamada “Reforma Agrária Popular”. Por intermédio de uma política de inclusão digital, construída dialogicamente com o poder público, se amplia o horizonte de possibilidades para a ação do movimento em si e de seus militantes, além de potencializar a difusão de princípios e valores para além das fronteiras identitárias, que marcam esse campo político. O intuito de analisar o ativismo digital de um movimento social de grande expressão no cenário agrário brasileiro ainda se encontra em fase exploratória, sendo pautado por um recurso metodológico muito característico: a netnografia. Assim, a análise se fundamenta, sobretudo, no teor propositivo das publicações feitas no site, no blog e nas redes sociais utilizadas pelo MST. O discurso ambiental do movimento, ao utilizar os princípios da agroecologia e da sustentabilidade, integra uma ampla frente de luta contra o sistema capitalista e de enfrentamento do agronegócio. Nesses termos, a luta pela terra visa a soberania alimentar e se conecta com práticas de valorização dos alimentos orgânicos. PALAVRAS-CHAVE: Agroecologia, Cultura Digital, Ecologia Política, , Educação Ambiental, Movimentos Sociais, MST, Reforma Agrária 1 Doutoranda em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social pelo programa EICOS/UFRJ; integrante do LIEAS/UFRJ (Laboratório de Investigação em Educação, Ambiente e Sociedade). 2 Doutor em Serviço Social e professor Associado da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Coordenador do LIEAS/UFRJ; Orientador da pesquisa deste artigo. 1 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 ABSTRACT The present moment of social movement organizations, the forms of direct action, traditionally driven, can be combined with practices and strategies of the new technologies of information and communication. This article aims to present preliminary considerations on broadening the forms of political action used by the Landless Rural Workers Movement (MST), mainly from the systematic use of an apparatus of digital technology. Therefore, considering that the MST now occupies spaces of digital sociality, its political struggle takes different shapes, revealing impacts on the mobilization of militant camps and settlements, to build the entitled "Popular Agrarian Reform." Through a policy of digital inclusion, dialogically constructed with public power, the horizon of possibilities is higher for the movement action, enhancing the diffusion of principles and values beyond the boundaries of this political field. The purpose of analyzing the digital activism of such a great expression social movement in Brazilian agrarian scenario is still in the exploratory stage, being guided by a very distinctive methodological resource: netnography. Thus, the analysis is based primarily on propositional publications made on the website, blog and social networks used by the MST content. The environmental movement speech uses the principles of agroecology and sustainability, integrating a broad front of struggle against the capitalist system and coping agribusiness. In these terms, the struggle for land aims food sovereignty and is connected to organic food practices. KEYWORDS: Agroecology, Digital Culture, Environmental Education, Land Reform, MST, Political Ecology, Social Movements INTRODUÇÃO Esse artigo expressa algumas reflexões iniciais oriundas de uma pesquisa em curso para uma tese de doutoramento que pretende, dentre outros aspectos, contribuir para o entendimento da dinâmica dos movimentos sociais no século XXI. Diante do cenário atual que entrelaça relações sociais e ações políticas no mundo, sempre de forma complexa, cabe analisar a profundidade e o teor das transformações que se delineiam. Desta maneira, o atual sistema de comunicação em rede – que funciona de forma integrada e articulada, dentro de premissas da virtualidade, agregando e disponibilizando documentos nos formatos de texto, imagem, áudio e vídeo – parece ser produto de uma conjunção de mudanças na sociedade, em geral, e que repercutem sobre o processo de produção e veiculação de informações. Sendo assim, atualmente não há como desconhecer a importância das redes telemáticas, inclusive porque influenciam a dinâmica dos movimentos sociais, até por serem estruturas inerentes ao aparato informacional das sociedades contemporâneas 2 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 e por oferecerem uma maior agilidade na transmissão de dados, agregando, simultaneamente, as telecomunicações e a informática3. Sem a pretensão de esgotar o conjunto de questões, o presente trabalho parte da constatação de uma patente lacuna que se revela pelo descompasso entre o ritmo das transformações e os estudos acadêmicos já sistematizados sobre a temática. Reconhecer essa lacuna significa, dentre outras tarefas, transcender às limitações que envolvem inclusive a definição de procedimentos metodológicos e a seleção de referenciais teóricos consistentes para o entendimento do impacto causado pelo uso de novas tecnologias digitais, especialmente na forma como os movimentos sociais divulgam suas ações e mobilizam estratégias políticas de transformação da realidade, a partir de Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC).4 Embora no contexto brasileiro a apropriação instrumental dessas tecnologias digitais pelos movimentos sociais seja relativamente recente, temos um caso expressivo que precisa ser analisado. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que, a partir de sua política de inclusão digital, passou a incorporar, sistematicamente, estratégias de ação política mediadas pelas tecnologias de informação e comunicação. Concretamente, a estrutura do MST conta com um setor de tecnologia, a Frente Digital, que disponibiliza e articula o funcionamento de quase uma centena de Telecentros e Casas Digitais em assentamentos, cooperativas, centros de formação e escolas do movimento. De fato, apolítica de inclusão social e digital promovida pelo MST potencializa mudanças na sua organização política e também em suas respectivas formas de ação direta, inclusive relacionando o enfrentamento do sistema capitalista a uma dinâmica de “substituição do software proprietário pelo software livre”5. Embora não pareça tão evidente, a tarefa de analisar os princípios ideológicos mais gerais do movimento parece indicar uma vinculação entre tal estrutura – que define a relevância e a operacionalização de um aparato tecnológico e digital para o enfrentamento político – e o projeto defendido pelo MST de uma “Reforma Agrária Popular”. E esse processo se consolida, na medida 3 De modo geral, as “telecomunicações” envolvem aparatos tecnológicos de telefonia, satélite, cabo, etc. Já a “informática” desenvolve computadores, periféricos, softwares e hardwares. 4 Enfim, o entendimento das formas assumidas pelo ativismo político na atualidade requer o acompanhamento da “World Wide Web” (www), como a principal interface gráfica da internet. Por isso, o levantamento de dados, para os fins dessa pesquisa, foi basicamente feito em websites, home pages e redes sociais. 5 Essa questão não será abordada no presente artigo, sendo um debate importante no contexto da tese. 3 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 em que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra participa de uma rede que se vincula fortemente, mas não exclusivamente, pelo viés da virtualidade, ao integrar o Fórum Nacional da Reforma Agrária e também por participar da Coordenação dos Movimentos Sociais da Via Campesina6. Recentemente, os canais de comunicação digital foram massivamente utilizados, no sentido de atualizar e difundir as bases ideológicas na celebração dos 30 anos do movimento. Assim, no VI Congresso Nacional do MST7se discutiu, com a participação de militantes assentados e acampados, um “Projeto de Reforma Agrária Popular” pautado em um “Projeto Popular para o Brasil”. De fato, o MST inscreve a Reforma Agrária num contexto mais amplo, de reformulação do histórico “Projeto Popular para o Brasil”, não somente pela democratização do acesso à terra e à produção de alimentos, mas também pela possibilidade de amplo acesso aos instrumentos de circulação da informação e da cultura digital8. “Inclusão digital não é só internet, telefone celular, tablet e outras coisas. É principalmente dominar as tecnologias de produção e transmissão da informação, que são desenvolvidas por trabalhadores, mas apropriadas pelas grandes empresas concentradoras do capital.” (RAUL AMORIM, Juventude do MST) Vários discursos proferidos por lideranças do MST apontam para um entendimento de que a formulação e a implementação de uma política de inclusão digital no meio rural viabiliza tanto a permanência dos trabalhadores no campo, sobretudo os jovens, quanto garante condições de sustentabilidade para a produção de alimentos por parte do movimento social. Evidente que esse discurso da inclusão digital cria uma dinâmica muito própria e se constitui numa correlação de forças com o poder público, com outros movimentos sociais e também com setores da sociedade civil organizada. 6 A Via Campesina congrega os movimentos sociais do campo dos cinco continentes. 7 O evento aconteceu entre 10-14 de fevereiro de 2014, em Brasília, e contou com a participação de 16 mil delegados, mais 750 Sem Terrinhas e 250 delegados internacionais, numa estrutura com 40 mil metros quadrados. Duas grandes mobilizações representaram marcos comemorativos do MST em seus 30 anos: a ocupação do MEC por 750 Sem Terrinhas mobilizados contra o fechamento das Escolas do Campo e reivindicando melhores condições para a Educação campesina; e a Marcha pela Reforma Agrária Popular, com 16 mil militantes Sem Terra nas ruas de Brasília. 8 “Cultura digital é um conceito novo. Parte da ideia de que a revolução das tecnologias digitais é, em essência, cultural. O que está implicado aqui é que o uso de tecnologia digital muda os comportamentos. O uso pleno da Internet e do software livre cria fantásticas possibilidades de democratizar os acessos à informação e ao conhecimento, maximizar os potenciais dos bens e serviços culturais, amplificar os valores que formam o nosso repertório comum e, portanto, a nossa cultura, e potencializar também a produção cultural, criando inclusive novas formas de arte”. (Gilberto Gil, exMinistro da Cultura em 2004, disponível em http://www2.cultura.gov.br/culturaviva/category/cultura-ecidadania/cultura-digital/). 4 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 “Discurso é pratica social, materialidade que não se confunde com atividade puramente individual nem é algo reflexo de determinações econômicas. E, mais, expressa correlação de forças sociais, relações de poder e hegemonia e qualifica posições e projetos políticos em disputa na sociedade. Nenhum discurso é neutro. (...) o discurso é condicionado pela estrutura social e é socialmente constitutivo.” (LOUREIRO, 2012, p.33) O discurso que reconhece a importância das políticas de inclusão digital voltadas para o campo ganha ressonância, se amplificando dentro e fora do movimento. Exatamente porque consegue qualificar um posicionamento estratégico, na medida em que o escoamento da produção de alimentos, oriunda dos assentamentos do MST, ganha ainda mais agilidade com o uso das novas tecnologias de informação e comunicação disponíveis. Seguindo essa linha de raciocínio, o MST vem buscando parcerias com o poder público e também com diversos órgãos de fomento, visando garantir não somente o acesso à terra, mas também viabilizar estratégias de apoio para a apropriação dos meios tecnológicos. Ao que parece, nas comunidades rurais em que foram implementadas iniciativas de inclusão digital houve uma significativa redução do êxodo de jovens. Assim, um olhar mais detalhado sobre a realidade concreta do próprio movimento reforça a tarefa de investigar em que medida os Telecentros e as Casas Digitais, ao ampliarem a possibilidade de acesso aos meios tecnológicos no meio rural, podem garantir uma maior fixação dos militantes nos assentamentos do MST. Em linhas gerais, dentro de uma proposta de autonomia digital voltada para sua luta política pela terra, o MST busca articular a transmissão e a divulgação de informações, a partir de uma interface com diferentes formatos e mídias para a produção de conteúdo, sobretudo em quatro 9 níveis integrados: a) na estrutura organizacional do próprio movimento, no sentido de possibilitar uma maior interatividade entre assentados, acampados e as lideranças locais/regionais/nacionais, sobretudo pelo fato do MST estar disseminado ao longo de todo o território nacional; b) no rápido escoamento da produção dos assentamentos, especialmente de alimentos orgânicos; c) na propagação dos princípios da agroecologia e da sustentabilidade, especialmente entre os militantes, mas também com o propósito de ampliar esse debate para o conjunto da população brasileira e garantir a chamada soberania alimentar; d) na luta política mais ampla, por uma sociedade mais justa e igualitária, para além dos limites impostos por um modelo capitalista excludente e predatório – representado pelo agronegócio, pelo latifúndio e pelas transnacionais. 9 O levantamento inicial de dados apontou esses 4 níveis que serão, oportunamente, objeto de reflexão e análise da tese. 5 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 Na prática, a pesquisa já começa a revelar não somente as possibilidades de uso, mas também as contradições e rupturas, provocadas pela incorporação de um conjunto de tecnologias digitais na dinâmica de ação política do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA: AMPLIANDO AS FORMAS DE AÇÃO POLÍTICA NOS ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE DIGITAL Diante do reconhecimento e da afirmação do ponto de vista ontológico, que permite e exige a captura do objeto como totalidade, temos a tarefa de definir um conjunto mais amplo de procedimentos, métodos e técnicas de pesquisa, que potencializem aproximações sucessivas, no que se refere ao processo concreto de reprodução do objeto. No caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a netnografia10– popularmente conhecida como etnografia virtual– representa o caminho inicial e exploratório11 para o levantamento de dados sobre as formas de ação política do movimento no âmbito digital. Assim, o escopo metodológico pode ser sintetizado pelo conjunto que envolve este mapeamento, junto com a posterior análise das entrevistas e dos questionários tabulados. Para iniciar a tarefa de investigar o uso das novas tecnologias por parte do MST cabe enumerar e acompanhar, sistematicamente, os diferentes espaços de sociabilidade digital. Em linhas gerais, temos um website, um blog, um jornal virtual, um canal audiovisual, além das plataformas de redes sociais utilizadas pelo movimento.12 Website13: http://www.mst.org.br 10 Seguindo a tradição antropológica, o diário de campo – com observações diretas e virtuais – está sendo potencialmente utilizado para registro do processo de coleta e análise dos dados. 11 Na caracterização descrita por Kozinets (2007) seria a chamada “entrée cultural”, como um momento de preparação para o trabalho de campo. 12 No entanto, diante dos propósitos do presente artigo somente serão apresentados aqui o Website, além dos perfis no Facebook, Twitter e Youtube. Portanto, não se disponibilizará informações oriundas do Blog ou mesmo do Jornal Brasil de Fato. 13 Um website ou site (sítio eletrônico ou sítio, sítio eletrónico/web/da internet) é um conjunto de páginas web, isto é, de hipertextos acessíveis geralmente pelo protocolo HTTP na internet. O conjunto de todos os sites públicos existentes compõe a World Wide Web. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Site) 6 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 Este espaço reúne o conjunto mais amplo de informações sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, com uma gama diversificada de temas e diferentes formatos. 14 A interconectividade e a interatividade constituem marcas importantes do site que podem ser visualizadas de diversas formas. O site fornece a possibilidade de receber atualizações de conteúdo, através de feeds RSS15, disponibilizando também links com as páginas do MST no Facebook e Twitter; além do clássico “Fale Conosco” ou “Indicamos” – com sugestão de links importantes. Há também recursos visuais interessantes: por exemplo, quando se clica em pontos de um mapa do Brasil é possível conhecer algumas experiências de cooperativas do MST, por cada região do país. Além disso, dados quantitativos sobre a estrutura de organização do movimento também são apresentados, até mesmo para reforçar sua amplitude e extensão 16 .O site também apresenta as seguintes seções: “Lutadores do Povo”, “Poemas e Poesias”, “Notas Oficiais”; “Vídeos”; “Especiais”, “Mural”, “Eu apoio o MST” e “Sem Terrinha17”. No plano comercial é possível assinar o Jornal Sem Terra ou mesmo comprar produtos da “Loja da Reforma Agrária 18”. Duas publicações estão parcialmente disponibilizadas no site no formato PDF: o Jornal Sem Terra19 e a Revista Sem Terra 20 . Utilizando também a dinâmica da virtualidade no site, o MST lança princípios mais gerais21, disponibilizando publicações e explicitando suas “bandeiras de luta”. Tudo isso revela um nítido esforço em democratizar o debate acerca dos princípios políticos e ideológicos do movimento e para além dele próprio, além de estabelecer os caminhos da organização e da ação direta que conduz o conjunto dos militantes. 14 Em termos de recursos humanos temos um editor chefe e 13 jornalistas, distribuídos por vários estados do Brasil: SP, PE, SC, CE, MA, RJ, DF, RS, MG, AL e PR. No entanto, não é fornecida a vinculação de cada um deles com o movimento. 15 “A tecnologia do RSS permite aos usuários da internet se inscreverem em sites que fornecem "feeds" RSS. Estes são tipicamente sites que mudam ou atualizam o seu conteúdo regularmente. Para isso, são utilizados Feeds RSS que recebem estas atualizações, desta maneira o utilizador pode permanecer informado de diversas atualizações em diversos sites sem precisar visitá-los um a um. Os feeds RSS oferecem conteúdo Web ou resumos de conteúdo juntamente com os links para as versões completas deste conteúdo.” (http://pt.wikipedia.org/wiki/RSS) 16 Presente em 24 estados das cinco regiões do país, congregando cerca de 350 mil famílias, mais de 100 cooperativas e de 1,9 mil associações nos assentamentos. 17 Com conteúdo político voltado para o público infantil. Disponível em http://www.mst.org.br/semterrinha/jornais 18 A loja comercializa produtos com a marca/temática do MST: agendas, bonés, broches, chaveiros, cartões postais, fotos e CDs. 19 O acervo disponível vai desde o número 293, publicado junho de 2009, até o último número mais recente do jornal, o 322, que saiu em out/nov de 2013. 20 O acervo disponível vai desde o número 24, publicado em mai/jun de 2004, até o último número da revista, o 56, que saiu em outubro de 2010. 21 Estes pontos aparecem, de forma recorrente, em outros espaços de sociabilidade digital do MST. Reforma Agrária, cultura e educação, combate à violência sexista, democratização da comunicação, saúde pública, desenvolvimento, diversidade étnica, sistema político, soberania nacional e popular. 7 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 Facebook22: https://www.facebook.com/MovimentoSemTerra Disponibiliza postagens do movimento – com textos e imagens – que podem ser comentadas e curtidas 23 por outros usuários, além de possibilitar a conexão com textos completos no site do movimento ou mesmo com o Twitter; além de fornecer link para os vídeos do canal do MST no YouTube. Twitter24: https://twitter.com/MST_Oficial O Twitter funciona com a publicação de chamadas rápidas e objetivas, no formato de manchetes. Em geral, os tweets, de até 140 caracteres, estabelecem conexão com o site do MST, através de um link, onde é possível consultar o texto completo sobre o assunto da publicação.25 YouTube26: http://www.youtube.com/user/videosmst O MST mantém um canal de vídeos no YouTube, no qual disponibiliza material audiovisual digital, sempre com conteúdo que envolve a sua luta política. Também é possível acessar uma “Playlist” ou participar de uma “Lista de Discussão”. O acompanhamento sistemático desses espaços de sociabilidade – com formatos diversificados: sites, blogs, canais de vídeo, jornais e revistas virtuais, além das redes sociais – precisa estar ancorado também em ferramentas analíticas centradas na problematização direta. Portanto, algumas questões são pertinentes aos objetivos previamente definidos: Quem utiliza esses recursos 22 “Facebook é um site e serviço de rede social. (...) Os usuários devem se registrar antes de utilizar o site, após isso, podem criar um perfil pessoal, adicionar outros usuários como amigos e trocar mensagens, incluindo notificações automáticas quando atualizarem o seu perfil. Além disso, os usuários podem participar de grupos de interesse comum de outros utilizadores, organizados por escola, trabalho ou faculdade, ou outras características, e categorizar seus amigos em listas como ‘as pessoas do trabalho’ ou ‘amigos íntimos’”. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Facebook) 23 Na data de 09/03/14, a página contava com 5018 curtidas de usuários da rede social. Um ponto importante é que comentários contrários aos princípios, práticas e ações do movimento, feitos por alguns usuários, não são retirados das publicações. 24 Twitter é uma rede social e servidor para microblogging que permite aos usuários enviar e receber atualizações pessoais de outros contatos (em textos de até 140 caracteres, conhecidos como "tweets"), por meio do website do serviço, por SMS e por softwares específicos de gerenciamento.As atualizações são exibidas no perfil de um usuário em tempo real e também enviadas a outros usuários seguidores que tenham assinado para recebê-las. As atualizações de um perfil ocorrem por meio do site do Twitter, por RSS, por SMS ou programa especializado para gerenciamento. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Twitter) 25 Na data de 09/03/14, o perfil contava com 7.674 tweets e 42,5 mil seguidores. 26 “YouTube é um site que permite que seus usuários carreguem e compartilhem vídeos em formato digital. (...).Hospeda uma grande variedade de filmes, videoclipes e materiais caseiros. O material encontrado no YouTube pode ser disponibilizado em blogs e sites pessoais.” (http://pt.wikipedia.org/wiki/YouTube) 8 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 digitais? A quem se destina o material produzido? Quem são os aliados, os mediadores e os opositores na dinâmica da luta política? Em que circunstâncias as correlações de força podem se transformar? Quais princípios e valores são acionados para fomentar a luta política? Há algum mecanismo de acompanhamento dos resultados? Mecanismos quantitativos ou qualitativos? Embora não se possa ainda apresentar respostas consistentes, tais questionamentos representam parâmetros para compreender a dinâmica de tal arena virtual ao longo do processo de pesquisa. PROBLEMATIZANDO A REALIDADE SOCIAL PELO FIO CONDUTOR DA HISTORICIDADE Diante das considerações anteriormente apresentadas sobre o cenário em questão, caberia aprofundar uma reflexão pertinente acerca da contradição fundamental constituinte de tais relações sociais. Portanto, inicialmente se pode vislumbrar a seguinte problematização: Em que medida a tecnologia digital, surgida no cerne do sistema capitalista e a serviço dos interesses da classe dominante, poderia contribuir para formular elementos consistentes para a superação do próprio sistema e para a emancipação da classe trabalhadora? Compreender tal problematização, no sentido da totalidade, requer que se comece a reconstituir o caminho de uma historicidade fragmentada e perdida pela falta de documentação conformada pelo próprio movimento de trabalhadores rurais. O projeto de inclusão digital27 começa a ganhar espaço no MST a partir de 2003, sobretudo com a criação de toda uma estrutura de formação e comunicação espalhada por 23 estados e instrumentalizada por cerca de dois mil computadores obtidos por doações. No ano seguinte, os primeiros Telecentros28 foram instalados, com o objetivo 27 A Frente Digital representa o setor responsável por administrar a área de tecnologia do movimento e, a rigor, deveria disponibilizar documentos e manuais na rede. No entanto, ao que parece, esse conjunto de informações não se encontra sistematizado e, portanto, não pode ser divulgado publicamente. 28 Os primeiros telecentros estavam localizados em Cantagalo (PR), Guararema e Ribeirão Preto (SP), Palmeiras de Goiás (GO), Quissamã (SE), São Mateus (ES), Caruaru (PE) e em Igarapé do Meio (MA). Como não havia uma rede de telefonia disponível, a conexão do Telecentro com a internet era feita através de antenas Gesac fornecidas pelo Ministério das Comunicações (Departamento de Infraestrutura para Inclusão Digital), sendo um projeto voltado para comunidades em situação de vulnerabilidade social O principal objetivo do Programa Gesac seria promover a inclusão digital em todo o território nacional, disponibilizando para os Telecentros conexão de internet via satélite e terrestre. 9 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 de promover a capacitação e a mobilização das comunidades 29 , em estruturas previamente existentes, particularmente em cooperativas, escolas e centros de formação. Nesse contexto mais amplo, começa a se priorizar a utilização de software livre. E esse processo parece ter sido originalmente motivado/potencializado pela inserção, dentro da estrutura do MST, de um modelo de organização oriundo da sociedade civil: os chamados Pontos de Cultura (PdC)30. De fato, esse projeto de inclusão digital coaduna-se com um movimento estrutural do poder público para definir e implementar políticas públicas com essa finalidade(inclusive para o campesinato). Um campo relacional que, pela perspectiva da totalidade, acaba sendo marcado por disputas, contradições, retrocessos e alguns acúmulos. As Políticas Públicas de Inclusão Digital Programa Cultura Viva31, executado pela Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (MinC). Disponibiliza recursos para equipamentos multimídia, especialmente para produção de áudio e vídeo, com a condição de utilizar “software livre”. A Frente Digital propôs a transformação dos Telecentros do MST em Pontos de Cultura, provavelmente para se habilitar a concorrer nos editais, visando atualizar os equipamentos de mídia. Programa Territórios da Cidadania, coordenado pelo Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), em parceria com órgãos do Governo Federal, estados, municípios, entidades públicas e sociedade civil. Em 2008, o MDA criou o projeto Territórios Digitais, com o objetivo de oferecer gratuitamente o acesso à informática e internet para populações rurais, por meio da implantação de Casas Digitais. Visa a instalação de Casas Digitais em comunidades rurais, ampliando o exercício da cidadania para assentados da reforma agrária, agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais. Ao que parece, no MST os Telecentros estão sendo renomeados como Casas Digitais. 29 Em geral, os cursos oferecidos utilizam a metodologia mais ampla do MST para a capacitação de militantes, incluindo formação política, cultural, além de autogestão. 30 Entidades surgidas originalmente no âmbito da sociedade civil, mas que conseguiram conquistar o estatuto de política pública do MinC. Os Pontos de Cultura podem ser descritos como instâncias de organização da sociedade civil que conseguiram atingir um grau de institucionalização muito particular, notadamente pela possibilidade de sedimentação oferecida por sua transformação provisória em política pública de governo pelo Ministério da Cultura, inclusive incluindo uma estrutura de apoio financeiro. Os PdC emergem de uma política pública que tem como suposto articular aspectos da cultura popular e digital nas ações voltadas para a comunidade. 31 Embora não seja voltado exclusivamente para o campesinato, o MST se utiliza de recursos dessa natureza ao integrar o modelo do PdC ao seu modo interno de organização. 10 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 A implementação dessas políticas públicas revela nuances do papel do Estado e, ao mesmo tempo, exemplifica alguns efeitos concretos sobre os movimentos sociais. Nesse caso específico, a estrutura do MST sofre influências da sociedade política – na figura do Ministério da Cultura e do Ministério do Desenvolvimento Agrário – e da sociedade civil – no modelo dos Pontos de Cultura – revelando um “modelo de gestão compartilhada”. A caracterização de uma imbricação entre Estado e sociedade civil pode criar novos mecanismos de “opressão pública”, por vezes sutis, constituídos em torno dos interesses do capital, até por envolver um projeto hegemônico32. Assim, inúmeras organizações da sociedade civil e até mesmo movimentos sociais passam a ser cooptados pelo grupo dirigente, criando situações de embate entre “projetos de dominação” e “projetos de emancipação”. Limitações, contradições e possibilidades oriundas da incorporação das tecnologias digitais no cotidiano do MST No nível do senso comum, a utilização de estratégias, práticas e ações do mundo digital pelos movimentos sociais pode parecer um avanço linear e positivo. Todavia, no âmbito prático do MST temos contradições, descompassos e alguns obstáculos que ainda não foram superados – até porque são contradições estruturais que guardam relação com o sistema capitalista propriamente dito. No plano da experiência cotidiana do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra evidenciam-se algumas limitações em termos de hardware: como o uso de equipamentos defasados nos assentamentos, máquinas de segunda linha; além de problemas técnicos que não podem ser solucionados, justamente porque não há reposição de peças. Por fim, a defasagem dos computadores também pode gerar dificuldades para que se consiga trabalhar com o material de edição de áudio e vídeo. Em se tratando de software, também se pode identificar uma limitação relacionada com a falta de familiaridade dos militantes com a interface gráfica dos programas desenvolvidos pelas comunidades de “software livre”. Dificuldade, provavelmente, incutida pela imposição ao longo do tempo do modelo hegemônico do “software proprietário”. Por outro lado, também se pode enfatizar aspectos favoráveis no cotidiano dos assentamentos. Por exemplo, os cursos de formação preconizam não somente garantir uma formação técnica em hardware e 32 Para Acanda (2006), a sociedade civil articula a estrutura material da cultura, garantindo o consentimento e a adesão das classes dominadas. O conceito de “Estado ampliado” em A. Gramsci também se mostra vigoroso para compreender as contradições observadas na referida relação. 11 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 software, com módulos presenciais e a distância, mas também promover um fortalecimento dos princípios agroecológicos e dos vínculos entre os militantes diretamente envolvidos e destes com suas respectivas comunidades de origem. Para além das atividades cotidianas e pensando no nível mais amplo de todo o movimento, as lideranças do MST preconizam que os militantes assumam o compromisso histórico de serem os “Comunicadores da Reforma Agrária Popular”. Para tanto, as tecnologias de informação e comunicação são fundamentais e estratégicas. Porém, emerge a necessidade de se construir veículos de comunicação contra hegemônicos33, de caráter popular e emancipatório, inclusive para combater a hegemonia do agronegócio reforçada pela grande mídia. Por fim, compreender as possibilidades e limites das ferramentas digitais 34 para os movimentos sociais não significa que tenhamos que delimitar o escopo metodológico, apenas para os diferentes canais de comunicação virtual utilizados pelo MST, mas sim percebê-los em sua relação dialética com as práticas políticas de ação direta, que são acionadas pelo movimento em seu cotidiano e em situações mais amplas de embate e conflito. E mais do que isso, também supõe acionar referenciais teóricos capazes de embasar as análises. “[...] todo objeto, intrínseca e extrinsecamente, é e se manifesta como um feixe entrelaçado de inúmeras determinações, para cuja adequada reprodução teórica são indispensáveis a delimitação e a articulação das abstrações razoáveis.,” (CHASIN, 2009, pág. 130) Reconhecer o argumento de Chasi, 35 de que a realidade social se expressa pela multidimensionalidade, permite realizar um movimento para situar o uso de novas tecnologias digitais pelo MST em sua luta política, exatamente no movimento dialético que envolve “múltiplas determinações entrelaçadas”. Vale frisar que as análises previamente apresentadas se fundamentam na tradição crítica de pensamento, originalmente inspirada nos escritos de Marx. Portanto, o entendimento das estratégias de ação política do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra 33 Durante o VI Congresso Nacional do MST, realizado em Brasília em fevereiro de 2014, a Mídia Ninja fez a cobertura de várias ações diretas realizadas pelo movimento durante o evento. A Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) é um grupo de mídia independente que se tornou conhecido durante as “Jornadas de junho” de 2013. As transmissões realizadas pelo coletivo utilizam câmeras de celulares e são disponibilizadas em tempo real pela Internet. 34 Em alguns casos, o levantamento de dados pode ser complementado por ferramentas de busca e de pesquisa on-line. 35 Para situar a argumentação de Chasin vale contextualizar todo esse debate, como tendo sido originalmente formulado por Marx nos Grundisse. O autor vai descrever a realidade como uma “rica totalidade de muitas determinações e relações”. “O concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações, portanto, unidade da diversidade. Por essa razão, o concreto aparece no pensamento como processo de asíntese, como resultado, não como ponto de partida (...)” (Marx, 2011, página 54). 12 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 na esfera digital toma como foco a multidimensionalidade. Assim, o rigor analítico se pauta no método dialético e inclui uma série de categorias - como contradição, totalidade e historicidadeque são sumariamente apresentadas em situações concretas ao longo do texto. O DISCURSO SOCIOAMBIENTAL DO MST: A AGROECOLOGIA E A SUSTENTABILIDADE NA CONSTRUÇÃO DA “REFORMA AGRÁRIA POPULAR” Historicamente, os movimentos sociais aparecem como atores políticos fundamentais no processo de reestruturação da sociedade, a partir de lutas populares e democráticas de amplo espectro. A questão ambiental começa a tomar novos contornos na década de 60, com a politização do discurso e das ações dos movimentos sociais. Para além das limitações analíticas oriundas do paradigma dos “Novos Movimentos Sociais” (de autores como Touraine, Offe, Melucci, Laclau, dentre outros), o presente trabalho se vincula à “Ecologia Política”, até por esta perspectiva trazer questões fundamentais para o debate público: percepção do impacto da dimensão material e das formas de produção na organização da sociedade; a finitude dos recursos naturais e os efeitos da crise socioambiental. No entanto, nenhuma dessas duas matrizes de pensamento influenciou originalmente o MST no seu processo de ocupação do espaço agrário. Inicialmente, o modelo de assentamento rural adotado pelo movimento recebeu forte influência das idéias de Lênin e Kautsky. Propunha-se, portanto, assentamentos “altamente produtivos, especializados, integrados verticalmente e coletivizados”. (BORSATTO & CARMO, 2013). Mas, esse modelo adotado pelo MST na ocupação do espaço rural entra em declínio, mesmo no contexto da “Revolução Verde”, na medida em que se mostrava muito dependente da lógica estrutural de mercado e lastreado por princípios da concorrência e do lucro. Já Chayanov desenvolve a idéia de que o campesinato deve assumir seu protagonismo e se organizar em cooperativas. Por isso, no início do século XXI se cria no MST o Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA) e as Cooperativas de Produção Agropecuária (CPAs) nos assentamentos, mas tais experiências não lograram êxito. Diante da crise, gerada pelos impasses econômicos e ideológicos e pela resistência dos militantes, o modelo que conjugava assentamentos e cooperativas foi sendo, gradativamente, flexibilizado e reestruturado. Assim, na configuração dos 13 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 assentamentos, a tônica nas cooperativas foi sendo substituída pelo debate sobre a agroecologia, sobretudo a partir da integração do MST ao conjunto da Via Campesina. Embora a temática da agroecologia, apareça nesse momento como algo ainda difuso no cerne do movimento, gradativamente, a questão vai ganhando consistência, inclusive com atividades de capacitação e formação de seus militantes. Esse movimento de reavaliação ideológica esteve em consonância com a necessidade de propor uma reforma agrária de cunho popular, como um contraponto ao aparato capitalista de produção, representado no campo pelo agronegócio. Sendo assim, em meados dos anos 90 o MST começa fomentar o debate sobre a matriz agroecológica. A perspectiva neonarodnista ecológica, ancorada no populismo russo do século XIX, surge no MST como base teórica para enfrentar a crise socioambiental, entendida como desdobramento do desenvolvimento capitalista. Assim, o projeto ecológico do movimento supõe um viés agroecológico, uma vez que valoriza o conhecimento tradicional do campesinato e fundamenta um modelo “contra hegemônico” de manejo dos recursos naturais. O IV Congresso Nacional do MST (2000) representa o grande divisor de águas em dois aspectos: caracteriza uma nova política institucional para os assentamentos, enfatizando princípios agroecológicos, com o manejo dos recursos naturais; e também explicita um discurso ambiental. A luta genérica contra o sistema capitalista se transfere para a arena específica de embate com o agronegócio, até porque este centraliza a comercialização de sementes geneticamente modificadas e alimentos transgênicos. Por isso, as “linhas políticas” definidas a partir do evento apontam para os seguintes pontos: o combate aos transgênicos; a defesa da soberania alimentar, dos alimentos orgânicos e de um novo modelo tecnológico pautado na sustentabilidade ambiental. De fato, a agroecologia aparece como um princípio fundamental que pode ser identificado expressivamente também nos textos do V Congresso Nacional do MST (2007) e na proposta de Reforma Agrária Popular elaborada pelo movimento. “Indo além da concepção de democratização do acesso à terra, o MST, através da luta por uma Reforma Agrária Popular, tem avançado no confronto ao modelo do Capital no campo em outras frentes: na ressignificação do trato dado pela sociedade à natureza, hoje mercantilizada; no estabelecimento de novas relações de produção e assumindo o desafio da transição para uma nova matriz tecnológica no campo, a agroecologia; e na disputa das instituições do Estado para que estas reorientem sua atuação, que hoje apenas privilegia o agronegócio, em detrimento da agricultura camponesa.” (http://www.brasildefato.com.br/node/27244) 14 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 O viés socioambiental se articula ao modelo de reforma agrária que depende, dentre outros aspectos, do debate sobre meio ambiente, biodiversidade, água doce, defesa da bacia do São Francisco e da Amazônia. O movimento também reconhece a necessidade de que a luta pela reforma agrária seja ampliada, sobretudo para fortalecer a aliança entre trabalhadores do campo e da cidade, especialmente na interlocução com o poder público, visando garantir a soberania alimentar da população brasileira. De acordo com Débora Nunes, da coordenação nacional do movimento, o MST tem adotado uma postura de pressão sobre o poder público, visando à possibilidade de construir mudanças sociais de cunho estrutural: “Temos pressionado o Estado para que assuma esta nova política agrícola, com financiamento público da produção primária, da agroindustrialização, de implantação das infraestruturas (equipamentos, estruturas públicas, sociais e produtivas – acesso à terra, escola, telecentros36, estradas, abastecimento de água e energia, mecanização etc), crédito, comercialização (com abastecimento regulado pelo Estado e não desordenado pelo mercado) (...) “no atual estágio da luta de classes é preciso inovar na percepção e no programa que esteja além do campo. Essa proposição não está restrita ao campo; é um projeto de agricultura para o campo, mas que resolveria problemas estruturais da sociedade brasileira”. (http://www.brasildefato.com.br/node/27244) Para o MST, o enfrentamento do capital atualiza-se nos embates do campesinato contra o agronegócio, as transnacionais e o latifúndio. Todavia, para o movimento a organização da produção no campo precisa se apresentar em consonância com lutas unificadas voltadas para o conjunto da classe trabalhadora brasileira, com o objetivo de recompor um bloco histórico e político de cunho popular. O modelo de Reforma Agrária Popular formulado pelo MST apresenta valores bem definidos em torno da distribuição democrática de terras, da alimentação saudável e da soberania alimentar, além da permanência dos jovens no campo. “A Reforma Agrária Popular (...) um projeto que distribua terra, produza alimento saudável e que proporcione oportunidades para a juventude se manter no campo. O que estamos propondo é mais do que uma política distributivista de terras. É uma proposta que representa uma nova organização da propriedade fundiária que perpassa pela mudança na organização da produção no campo.” (ALEXANDRE CONCEIÇÃO, da coordenação nacional do MST acessado em http://www.mst.org.br/node/15753) Como vimos, a agenda agroecológica também acaba sendo fomentada pelo uso das novas tecnologias digitais, seja para propagar técnicas de agricultura familiar voltadas para a produção de 36 Grifo meu, em função dos propósitos da pesquisa. 15 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 orgânicos, seja para escoar rapidamente a produção e permitir a distribuição em várias localidades, ou mesmo como uma estratégia para fixar o jovem no campo. Simbolicamente, a agroecologia também acaba representando a construção de um novo modelo de organização para o campo 37, sobretudo como uma forma de resgatar o saber tradicional do campesinato, voltado para uma alimentação mais saudável, notadamente pelo consumo de orgânicos. “Trabalhar a terra com respeito, sem o uso de agrotóxicos, preservando a natureza para as futuras gerações. Este é um dos princípios da produção agroecológica, uma alternativa concreta e viável ao modelo do agronegócio, que destrói o meio ambiente e gera pobreza e violência para o campo.” (http://www.mst.org.br/jornal/263/destaque) Como foi demonstrado, a agroecologia apresenta um lugar de destaque no discurso ambiental do MST. Mas o termo “sustentabilidade” também aparece com certa frequência, embora curiosamente o site somente disponibilize um único texto/entrevista 38 com essa temática. O entrevistado, Fernando Almeida 39 , autor do livro “Os desafios da sustentabilidade: uma ruptura urgente 40 ” descreve uma concepção de sustentabilidade por intermédio de sua obra. De fato, até mesmo o posicionamento do entrevistado parece ser cambiante, entre a aceitação ou a crítica dessas expressões. “Parto do pressuposto de que o atual modelo de desenvolvimento global é insustentável. Está provocando a falência dos serviços ambientais e o esgarçamento do tecido social, com o aumento da pobreza, da violência, do terrorismo. Portanto, o nosso maior desafio é subverter a ordem dos atuais modelos de negócios para provocarmos as mudanças radicais, pacíficas e urgentes de que a humanidade necessita para continuar a viver neste planeta (...). O conceito de desenvolvimento sustentável foi concebido em 1987, após a divulgação do Relatório Brundtland, propondo uma profunda mudança no modelo tradicional de desenvolvimento, que, já naquela época, se mostrava inviável sob todos os aspectos, por ser concentrador, excludente e predador. Assim, conceitualmente, o desenvolvimento sustentável preconiza uma relação integrada e articulada entre as dimensões econômica, social e ambiental. Contudo, não podemos ser ingênuos de achar que uma atividade econômica não vá causar impactos no meio ambiente. A instalação de uma mina de extração de minério ou de uma usina hidrelétrica vai provocar desmatamento ou algum outro impacto na natureza. A sociedade precisa do metal e energia para continuar se mantendo. Existem, no entanto, medidas compensatórias, como recuperação de florestas no entorno do empreendimento, instalação de infra-estrutura de saneamento para evitar contaminação dos corpos d’água locais etc. Na outra ponta do processo produtivo, a sociedade deve estabelecer regras para reciclagens e reaproveitamento de matérias-primas. Além disso, 37 Vide o seguinte texto publicado no site: “A Agroecologia: a construção de um novo modelo para o campo.” <http://www.mst.org.br/jornal/263/destaque> 38 “Desafios do desenvolvimento sustentável”, publicado em 02/08/ 2007. 39 O autor é presidente-executivo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável e Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Graduado em Engenharia. Também atua como engenheiro sanitarista. Seu mestrado em Engenharia do Meio Ambiente foi obtido no Manhattan College, nos Estados Unidos. 40 ALMEIDA, F. S Os desafios da sustentabilidade: uma ruptura urgente. São Paulo: Ed. Campus/Elsevier, 2007. 16 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 qualquer empreendimento deve contemplar no longo prazo, além da preocupação com a perenidade dos recursos naturais, o bem-estar daqueles que vivem em seu redor. Sem essa relação harmoniosa, não há desenvolvimento sustentável e não há sobrevivência. (http://www.mst.org.br/node/4515) Ao que parece, o discurso ambiental do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ganha um teor revolucionário e transformador, quando aciona o princípio da agroecologia no combate ao agronegócio e ao capitalismo e, por outro lado, assume uma dimensão reformista e integradora ao defender o desenvolvimento sustentável, dentro dos preceitos do sistema capitalista. Assim, muitas vezes, na dinâmica de construção do projeto emancipatório, os movimentos de ação direta incorporam o ambientalismo em suas bandeiras de luta, sem que isso seja feito de forma coerente ou mesmo reflexiva. Por isso, este é um espaço, por excelência, de percepção das contradições; ou mesmo de tensões entre projetos de cunho revolucionário e outros de natureza reformista. “(...) não há consenso universal ou verdade prévia, salvacionismo ou sociedade perfeita. Há disputas por hegemonia entre projetos de sociedade portados por sujeitos, construindo a realidade social e a verdade histórica em seu dinamismo.” (LOUREIRO, 2012, p.15) Podemos considerar a contribuição de Alier41 (2007) como um referencial teórico consistente para caracterizar as principais correntes do ambientalismo, a partir de valores e princípios, além de projetos e disputas. E para compreender o papel do MST no referido cenário, cabe considerar a tipologia42definida pelo autor para consubstanciar algumas reflexões iniciais. Em certa medida, o discurso do MST parece apontar para a perspectiva da “Justiça ambiental ou do ecologismo dos pobres”. Nessa visão, os impactos atingem desproporcionalmente os grupos sociais, as chamadas minorias sociais – grupos indígenas, camponeses e pescadores artesanais. Ao mesmo tempo, o MST também tangencia o movimento por justiça ambiental. Exatamente ao tentar intervir sobre os conflitos ecológicos e distributivos, sobretudo na perspectiva dos protagonistas, ou seja, dos grupos sociais em situação de expropriação e que disputam diferentes projetos de sociedade; com diferentes propostas de atuação – divisão e concentração dos riscos. Enfim, o projeto de “Reforma Agrária Popular” inscreve-se nessa lógica. Mas, ao defender o “desenvolvimento sustentável”, o MST também acaba “rezando na cartilha” do “Evangelho da ecoficiência”. Por isso, é evidente que o debate feito pelo movimento entre alimentos transgênicos e orgânicos aproxima-se dos conceitos 41 Já Loureiro problematiza a classificação de Alier, no sentido de “ter ou não ter acesso”; na medida em que o acesso aos bens não é meramente uma questão distributiva. 42 Alier fala do “Culto ao Silvestre”; do “Evangelho da Ecoeficiência”; do Ecologismo dos Pobres e da Justiça Ambiental”. 17 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 de “desenvolvimento sustentável” e de “modernização ecológica”. Ao se discutir os impactos ambientais e os sérios riscos à saúde, o movimento acaba argumentando a favor da gestão científica dos recursos naturais. Além de ser um termo consagrado pela mídia, a sustentabilidade também se insere em um conjunto de fins normativos e instrumentais contidos nas formulações da ONU43 para definir a “década da educação para o desenvolvimento sustentável (2005-2014)”. Mesmo que indiretamente, tais fatores acabam por legitimar o sistema e sua lógica subjacente de consumo exacerbado. De tal maneira, problematizar o uso do conceito de “desenvolvimento sustentável” significa revelar a funcionalidade do termo sustentabilidade 44 , como um instrumento de manutenção do sistema capitalista. Em suma, a escala da mudança pretendida pelo consumo sustentável é meramente superficial, já que se concentra no âmbito comportamental, sem questionar a estrutura de exploração e desigualdade do sistema capitalista. Ao que parece, o debate no MST já consegue fazer esse tipo de crítica, sobretudo ao estabelecer o enfrentamento com o agronegócio. A obra de O’Connors (2002) também questiona a validade do conceito de desenvolvimento sustentável, afirmando ser incompatível com a atual estrutura do capitalismo, a não ser que o sistema modifique seu eixo fundamental – perdendo sua identidade original de lucro, exploração e desigualdade. De fato, a viabilidade do desenvolvimento sustentável seria menos um problema “econômico-ecológico” – de proporcionar os meios de vida aos povos do mundo, sustentar as formas de vida tradicionais e garantir a sustentabilidade ecológica – do que uma questão “políticoideológica” de manter a acumulação capitalista em escala global. No entanto, a sustentabilidade econômica, com aumento da taxa de lucro e dos patamares de acumulação, acaba sendo ameaçada pelos níveis de desigualdade produzidos pelo próprio sistema, na medida em que a economia mundial criou uma grande quantidade de pobres e miseráveis. Assim, o capitalismo tende à autodestruição e crise, até mesmo em função da contradição45 entre produção (social) e apropriação (privada). 43 O desenvolvimento sustentável aparece como uma “ideia-força” dentro dos princípios das classes dominantes apresentados pela ONU, sendo o conceito oficialmente definido por essa entidade em 1987, pensando o desenvolvimento associado ao crescimento e à expansão do mercado. 44 O conceito de sustentabilidade, elaborado dentro do campo da Biologia, acaba sendo trazido para o campo da política e da economia; apresentando como pressuposto definir quanto se pode retirar do sistema sem prejudicá-lo – delimitando sua capacidade de suporte. 45 O’Connors fala da “crise de demanda” (contradição capital- trabalho) e da “crise de custos” (contradição capitalnatureza). 18 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 Ampliando o debate, Loureiro (2012) tece considerações acerca do conceito de “desenvolvimento sustentável” e acaba concluindo que este não é compatível com a tradição crítica. A noção de desenvolvimento sustentável encontra-se impregnada de ranços da tradição científica positivista, exaltando o primado da razão e da técnica e adotando a noção de progresso linear e hierárquico, como critério de modernidade e de cientificidade. Esse paradigma reforça um projeto político dominante, baseado no mercado e na propriedade privada, a partir de uma visão de mundo linear e mecânica. Por sua vez, nos conflitos distributivos, a ecologia política propõe um debate para além da dimensão econômica, tentando estabelecer uma conexão entre os conflitos locais e as redes globais. E algumas ações diretas e virtuais do MST já parecem reconhecer esses pressupostos, sobretudo ao estabelecer conexões com redes de movimentos sociais no Brasil e no mundo. Para pensar esse cenário de conflitos, que envolvem diferentes movimentos sociais, alguns autores (LOUREIRO, BARBOSA, ZBOROWSKI: 2009) caracterizam o campo ambiental como um espaço de disputas de poder - transversalmente constituídas, por intermédio de diversos saberes incluídos. Assim, emergem mecanismos de conflito, pela tensão entre elementos de expropriação/exclusão. E no caso do MST se inclui especialmente a luta pela terra. “Exatamente porque foi no contexto europeu da reorganização das lutas sociais do século XX que certos movimentos e organizações sociais e grupos de intelectuais, ao reconhecerem que há limites nas relações materiais e energéticas que estabelecemos socialmente com a natureza, colocaram em questão a viabilidade de uma existência alienada, destrutiva, acumuladora de riquezas.” (LOUREIRO: 2012, p.19) A desigualdade social aparece como a grande contradição do sistema capitalista, sendo especialmente revelada pela ecologia política através do binômio “acumulação econômicaexploração da natureza”. Loureiro (2012) reúne dados que demonstram a permanência desse quadro: concentração de riquezas, poderio das multinacionais, perda da biodiversidade, aumento dos níveis de miserabilidade e a degradação das condições de vida. E no reconhecimento dessa crise socioambiental, o MST organiza sua luta política no embate com o capital e com o agronegócio. De fato, o cerne da questão está em compreender que o problema ambiental está relacionado com uma determinação social, historicamente oriunda do modo de produção capitalista que estabelece como prioridade a acumulação de riquezas. Não se trata de culpabilizar a natureza humana, de forma ampla, ou o gênero humano, abstratamente, pelas ações predatórias, pois o que está em jogo são: 19 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 “(...) modos específicos de relações sociais que determinam formas de uso e apropriação da natureza, pautadas na exploração intensiva do trabalho e dos recursos vitais disponibilizados pela natureza (...) atribuir à espécie o que é próprio a formações socioeconômicas historicamente criadas (...)” (LOUREIRO, 2012, p.25) E como afirma Harvey (2004), a subordinação e a dependência imperam nos processos econômicos de cunho global, reforçando, ainda mais, o cenário de desigualdade local, nacional e transnacional; ampliando o fosso entre os países periféricos e os países centrais. E provavelmente até se amplie a disparidade histórica entre cidade e campo. Nos termos da problematização que esse trabalho de pesquisa apresenta, cabe situar as contribuições de SlavojŽižek 46 para subsidiar o entendimento dos antagonismos inerentes ao capitalismo mundializado. Para o autor: “A única questão verdadeira hoje é: o capitalismo global contém antagonismos fortes o suficiente para impedir sua reprodução indefinida? Existem, penso eu, quatro desses antagonismos: a ameaça iminente de uma catástrofe ecológica, o caráter inapropriado da propriedade privada para designar a chamada ‘propriedade intelectual’, as implicações socioéticas dos novos desenvolvimentos tecno-científicos (especialmente na biogenética) e, por último, mas não menos importante, as novas formas de apartheid, os novos muros e favelas.” (ŽIZEK, 2012; páginas 75-76) Considerando a possibilidade de constituição de uma frente de luta anticapitalista por parte dos movimentos sociais, cabe investigar em que medida o MST consegue incorporar no seu debate ideológico, sobre a Reforma Agrária Popular, e na sua luta política, contra o agronegócio, duas questões fundamentais elencadas por Žižek: a) A expressão do general intellect47– da inteligência social ou coletiva – sob a forma do trabalho imaterial contido no software livre. Ao que parece, em termos da apropriação reflexiva dessas tecnologias digitais por parte dos movimentos sociais, o “software livre”48 pode constituir uma das 46 Autor extremamente perspicaz para identificar o caráter mutante do sistema capitalista, no sentido de se manter hegemônico, mas igualmente sensível para definir antagonismos vigorosos que inspiram as formulações analíticas iniciais do presente trabalho. 47 Categoria originalmente utilizada por K. Marx na obra intitulada Grundrisse. 48 Todo programa de computador requer uma licença de software, entendida como um instrumento jurídico que determina formas de uso ou redistribuição, seja por direitos autorais ou na forma de domínio público. Assim, temos as “licenças proprietárias” – modelo ditado pelas grandes corporações, basta observar a prevalência do Windows da Microsoft, que não permitem o compartilhamento e o livre uso do código – e as “licenças de código livre e aberto”. No modelo de software proprietário, o editor concede o direito de uso, mas não a propriedade do software. A relação 20 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 bases ideológicas do movimento anticapitalista, especialmente na vertente de enfrentamento da “apropriação privada do general intellect”. Portanto, cabe observar e acompanhar os tensionamentos, em termos de limites e possibilidades, para que o software livre represente para o MST uma estratégia “contra hegemônica de embate frente ao sistema capitalista”. b) A ameaça de uma catástrofe ecológica, no contexto de uma crise socioambiental. No âmbito do MST, a superação do sistema capitalista se traduz pelo embate direto com o agronegócio. Assim, a agroecologia aparece como princípio norteador das práticas ambientais, até mesmo porque seu modelode produção e organização fundiária toma como referência a produção familiar, a preservação da biodiversidade, além da comercialização e produção de sementes e alimentos agroecológicos. As considerações iniciais, apresentadas pelo presente trabalho, pretendem situar as ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no contexto de questões e embates produzidos no campo da Ecologia Política, localizando os limites e as possibilidades, além das contradições constituintes do projeto ambiental elaborado pelo MST. Assim, já podemos enumerar duas contradições: a) quando se conjuga um modelo de agroecologia dentro da dinâmica capitalista e do mercado de trabalho, perdendo o posicionamento de enfrentamento radical do agronegócio; b) quando se afirma a segurança alimentar das famílias e a soberania alimentar do país e, ao mesmo tempo, também se fala em dinamizar economias regionais pela geração de mais empregos. Enfim, em ambos os casos se continua operando dentro dos preceitos do sistema capitalista. Mas, na perspectiva do método crítico e dialético, as transformações e seus impactos não são inexoráveis, pois dependem do sentido atribuído e do lugar social dos sujeitos e agentes societários. Ao eleger a teoria crítica e o método dialético como referenciais para compreender as formas de ação política do MST no século XXI, estamos claramente negando o conhecimento particularista de interesse de determinados grupos de poder e assumindo o conhecimento emancipatório, voltado entre as partes é definida pelo contrato de licença de usuário final (EULA) que estabelece, dentre outros aspectos, o número de instalações permitidas, os termos de distribuição e a lista de atividades que são restritas. Por outro lado, as licenças de código aberto podem ser agrupadas em duas categorias: as licenças copyleft e as licenças permissivas. No modelo de software livre e de código aberto não há a necessidade de adesão aos termos da licença para uso, no entanto se o usuário final quiser exercer direitos adicionais concedidos por uma licença de software livre, além do uso, como o direito de redistribuir o software, então ele precisa aceitar a licença. Já as licenças BSD e a MIT, que não são copyleft, não estabelecem restrição para que o trabalho derivado esteja configurado sob o mesmo tipo de licença. Nesses termos uma obra criada como software livre, de forma colaborativa, pode ser transformada e ser novamente licenciada para fins comerciais, perdendo todo seu sentido de contestação da informação como propriedade. Enfim, nesse caso, há uma conjugação entre software livre e comercialização. 21 Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano IV, Nº 8, setembro de 2014 para a reflexão-ação acerca dos processos estruturais de dominação. Como já foi demonstrada, a complexidade do cenário em que o MST aciona o aparato de tecnologia digital no enfrentamento da hegemonia capitalista49, somente pode ser entendida nos termos de uma análise histórica e estrutural que supõe o entendimento das múltiplas determinações, percebendo as contradições e reconstituindo o fluxo da totalidade. Por fim, assumir a tarefa de refletir sobre as possibilidades e limites advindos da experiência do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra significa também revelar, dialeticamente, o sentido e a profundidade da mudança que estamos vivenciando. REFERÊNCIAS ACANDA, J. L. Sociedade civil e hegemonia. Rio de Janeiro: Edufrj, 2006. ADORNO, T. Educação e emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 2006. ALIER, J. M. O ecologismo dos pobres. São Paulo: Contexto, 2007. ______. Da economia ecológica ao ecologismo popular. Blumenau: FURB, 1998 AMARAL, Adriana; NATAL, Geórgia; VIANA, Lucina. 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