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GOVERNO DO ESTADO
DE MINAS GERAIS
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SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA
E ENSINO SUPERIOR
Secretário: Narcio Rodrigues
Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Minas Gerais
Presidente: Mario Neto Borges
Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: José
Policarpo G. de Abreu
Diretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo
Kleber Duarte Pereira
Conselho Curador
Presidente: João Francisco de Abreu
Membros: Antônio Carlos de Barros Martins, Dijon
Moraes Júnior, Evaldo Ferreira Vilela, Giana Marcellini,
José Luiz Resende Pereira, Magno Antônio Patto
Ramalho, Paulo César Gonçalves de Almeida, Paulo
Sérgio Lacerda Beirão, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva,
Rodrigo Corrêa de Oliveira
Em abril, o País recebeu, com preocupação, a notícia de que 49% de sua
população, ou seja, praticamente metade dos brasileiros, estão com excesso de
peso. Os dados são de uma pesquisa encomendada pelo Ministério da Saúde que
busca traçar um diagnóstico da saúde da população a partir de questionamentos
sobre hábitos, tabagismo, consumo de bebidas alcoólicas, alimentação e atividades
físicas. Foram mais de 54 mil pessoas entrevistadas nas 26 capitais brasileiras e no
Distrito Federal. Os dados mostram que o percentual de pessoas obesas também
cresceu: hoje, 15,8% dos brasileiros convivem com este problema.
Considerando que o excesso de peso está ligado a uma série de doenças
como diabetes e cardiopatias, a notícia é também um alerta e um incentivo para a
busca de hábitos mais saudáveis. A reportagem de capa da Minas Faz Ciência
traz um panorama sobre o tema e mostra pesquisas que estão sendo desenvolvidas
no Estado e fora dele com o objetivo de reverter esse cenário. Uma nova droga, a
identificação de genes relacionados à obesidade e uma avaliação inédita que ajuda
a combatê-la são algumas das iniciativas apresentadas pelo editor Fabrício Marques. Além de ajudar a população, os resultados poderão servir de base para a
formulação de políticas públicas de saúde preventiva.
Esta edição adianta pontos de um debate importante que será realizado em
junho, na cidade do Rio de Janeiro. A Conferência Rio+20, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), tem como proposta discutir os rumos do
desenvolvimento sustentável no mundo e fazer um balanço dos 20 anos desde a
RIO 92. Em uma entrevista concedida ao jornalista Maurício Guilherme Silva Jr., o
físico José Goldemberg aponta desafios e também oportunidades que se abrem a
partir desse debate mundial. Para ele, o Brasil tem um papel importante no cenário
internacional e chances de assumir a liderança em áreas como energia renovável.
Outro destaque é um projeto inovador (e também solidário) desenvolvido por
uma equipe de alunos do Centro Universitário de Belo Horizonte. Eles projetaram
um equipamento capaz de avisar aos deficientes visuais a cor exibida pelo sinal de
trânsito. Os alertas chegam por meio de vibrações do aparelho, que fica preso no
braço e recebe o sinal emitido pelos semáforos por radiofrequência. O resultado é
maior autonomia para o deslocamento pelas ruas de BH. O grupo está negociando
parcerias com empresas de trânsito para estudar a viabilidade da adoção do equipamento na cidade.
A inclusão também é o mote de outro projeto conduzido pela Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF), cuja proposta é contribuir para o envelhecimento
saudável por meio da inclusão digital. Os alunos, todos com mais de 60 anos,
recebem informações sobre o funcionamento dos computadores e são incentivados
a contar suas histórias por meio das redes sociais. O resultado é uma lição de
vida: vencendo preconceitos, eles descobrem novas formas de fazer amigos e de
se expressar.
Por fim, é um prazer para a Minas Faz Ciência publicar reportagem sobre
os dois novos critérios de avaliação de pesquisadores que passarão a ser utilizados
pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): inovação e divulgação científica. Duas novas abas referentes aos temas serão incluídas
na Plataforma Lattes, possibilitando valorizar e conhecer as iniciativas que já vêm
sendo desenvolvidas. Esperamos que sirva também como incentivo para novas
ações que promovam o debate e a inclusão da população nas matérias relacionadas
à ciência, tecnologia e inovação.
Boa leitura!
Vanessa Fagundes
Diretora de Redação
AO LEI TO R
EX P ED I EN T E
MINAS FAZ CIÊNCIA
Diretora de redação: Vanessa Fagundes
Editor chefe: Fabrício Marques
Redação: Ana Flávia de Oliveira, Ariadne Lima,
Juliana Saragá, Marcus Vinícius dos Santos e Maurício
Guilherme Silva Jr.
Colaboração: Desireé Antonio
Diagramação: Beto Paixão
Revisão: Ana Beatriz Teroro
Projeto gráfico: Hely Costa Jr.
Editoração: Fazenda Comunicação & Marketing
Montagem e impressão: Lastro Editora
Tiragem: 20.000 exemplares
Capa: Hely Costa Jr. / Manipulação digital da escultura
renascentista “Davi” (1504), de Michelangelo Buonarroti
Í N D I CE
12
Acessibilidade
Dispositivo criado por estudantes
do UniBH auxiliará circulação de
deficientes visuais pelas ruas e
avenidas das metrópoles
16
Ameaça ambiental
20
Alimentação
saudável
6
Especial
Reportagem aborda
ações e pesquisas que
buscam impedir o avanço
da obesidade, doença
que já afeta grande parte
dos brasileiros
Artigo da Nature discute efeitos
do desmatamento na floresta
Amazônica, cujo colorido pode
passar por significativas alterações
39
Lembra dessa?
40
Tecnologia
42
Música
46
Odontopediatria
Iniciativa de extensão da Epamig
estimula o cultivo de hortaliças e
plantas medicinais em ambientes
escolares e domésticos
24
Divulgação
científica
Segundo novas regras do CNPq,
publicação de projetos acadêmicos
na mídia funcionará como balizador
de produtividade acadêmica
28
Entrevista
36
Comportamento
José Goldemberg fala de suas
expectativas em relação à
Conferência Rio+20 e discute os
rumos da “economia verde”
Pesquisa traça perfil do consumo
de álcool por estudantes de
todos os cursos da Universidade
Federal de Ouro Preto
Como anda o projeto
interinstitucional responsável pelo
primeiro software livre brasileiro de
captura de movimentos?
Inclusão digital na terceira idade
é sinônimo de envelhecimento
saudável e bom relacionamento
entre gerações
Projeto busca recuperar e organizar
acervo da Banda de Música de
Santa Cecília de Barão de Cocais,
nascida em 1905
Estudo da PUC Minas analisa
eficiência do óleo da castanhado-pará (Bertholletia excelsia) no
controle da placa bacteriana
32
49
5 perguntas para...
Professor da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Jefferson
Cardia Simões comenta o futuro
do Programa Antártico Brasileiro,
o Proantar
Letras e
números
Tese de doutorado
investiga apropriação
de regras e conceitos
matemáticos pelos
escritores Jorge Luis
Borges e Georges Perec
Nós, Gabriella P. Almeida e Natália C. Costa, alunas do Ensino Médio e BICs Júnior da
doutora Andréia Laura Prates Rodrigues, no
projeto “Caracterização eletrofisiológica: os
canais iônicos nas células MGSO-3 derivadas
de tumor de mama primário”, ganhadoras do 1º
lugar na categoria BIC Júnior do 3º Seminário
Estadual de Iniciação Cientifica, gostaríamos de
agradecer a atitude da FAPEMIG de nos oferecer
bolsas para continuarmos na pesquisa.
Participar deste programa, BIC Junior, não só
permitiu o contato com a Ciência, como mudou
a nossa vida. O projeto nos possibilitou a conquista de bolsas no colégio Marista Dom Silvério
e a possibilidade de termos um melhor ensino e
maiores chances de sucesso no vestibular.
Essa oportunidade mudou a nossa vida!
Moramos no Aglomerado da Serra (favela de BH).
Esse projeto nos mostrou que existe esperança,
que existe um MUNDO fora do lugar onde vivemos, que podemos fazer algo para ajudar as pessoas, saber mais e transmitir nosso conhecimento.
Na Universidade Fumec tivemos a oportunidade
de participar, além da pesquisa, de disciplinas
como, por exemplo, Metodologia Científica. A
partir daí surgiu a oportunidade de participarmos de um processo seletivo para estudantes
No início do ano, início de fevereiro, quando a
professora nos ligou dando a notícia do retorno
das bolsas, uma mistura de alegria, animação,
renovação e fé nos invadiu. Mais ainda, a certeza de que estaríamos de novo no laboratório,
não só aprendendo, mas fazendo parte da construção do conhecimento. Maravilhoso!
Ao agradecermos a professora Andréia Laura fomos informadas que o mérito era todo da FAPEMIG. Portanto, queremos agradecer por mais esta
oportunidade e dizer que daremos o nosso melhor.
Obrigado por nos dar a possibilidade de ficar
mais perto do nosso sonho.
Nós sonhamos ser Médicas (Natália: Obstetra;
Gabriella: Cirurgia geral).
Nós conseguimos passar por todas as dificuldades, vencer os obstáculos, e estamos avançando nas barreiras. A sabedoria, o conhecimento aprendido, a esperança e a fé são nossas
ferramentas para uma grande conquista.
Chegamos até aqui graças a nossa luta e às pessoas que acreditaram na gente e nos ajudaram, e
por isso mais uma vez agradecemos por acreditar
e fazer parte da construção deste sonho.
Guardem nosso nome: Gabriella e Natália! Brilharemos mais!
Obrigada.
Gabriella P. Almeida
e Natália C. Costa
Alunas do Ensino Médio
Belo Horizonte/MG
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MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2012
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CARTAS
carentes e conseguimos. Foi com pesar que recebemos, a seguir, a notícia de que não teríamos
mais a bolsa. A entrada no Marista não mudou
a nossa situação financeira. A bolsa, apesar de
pequena, nos permitia deslocar para a Universidade e muitas vezes fazer lanche em períodos
em que a pesquisa era prolongada. Mesmo assim, a vontade de participar da construção do
conhecimento e sentir que podíamos fazer parte
da mudança nos fez pedir à professora que nos
aceitasse como voluntárias. Confessamos que
não tem sido fácil. As nossas despesas aumentaram e as receitas continuaram estáveis.
FOTO: Reprodução / MoMA
saúde
La Mona Lisa a los doce
años (1958): óleo sobre
tela de Fernando Botero
(1932), pintor colombiano
Um país
em alerta
Fabrício Marques
Quase a metade dos brasileiros está acima do peso.
A boa notícia é que há em andamento ações e
pesquisas que podem ajudar no combate à obesidade
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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
Cento e sessenta e quatro quilos. Era
o peso do estudante de jornalismo João Luís
Chagas Ferreira, de 23 anos e 1,73 metro, de
Belo Horizonte, até março deste ano, antes de
fazer uma cirurgia de redução de estômago.
Ele mesmo pinta o cenário em que vivia: “Eu
já tinha tentado todos os métodos possíveis
de emagrecimento, remédios, tratamento
com nutricionista, nutrólogo, endocrinologista e dietas mirabolantes. Cheguei ao meu
limite, e com 164 quilos era praticamente
a única solução fazer a cirurgia. Pensei no
procedimento durante alguns anos, li e pesquisei muito antes de tomar a decisão”. Seus
hábitos alimentares eram “os piores possíveis”, segundo ele. Além de comer apenas
alimentos muito calóricos e gordurosos, se
alimentava poucas vezes por dia. No último dia 11 de abril, João Luís
subiu na balança e comemorou a perda
de 20 quilos (“sem roupas, meu peso era
144.3 quilos”). Ele conta que sua família
apoiou a sua decisão de operar, mas havia
um certo grau de desconfiança. “Precisei
estudar muito para explicar e desfazer alguns mitos. Sinto que estou realizando um
sonho meu e de meus familiares”, diz.
O estudante também reconhece que as
propagandas de TV sobre alimentos e bebidas de alguma forma o influenciavam. “Com
certeza. Na verdade acho que ainda influenciam, mas de uma outra forma. Hoje sou mais
controlado do que era antes, penso antes de
comer tudo, não como mais por impulso”.
Um dia antes de João Luís constatar
que havia perdido 20 quilos, o País recebia
a notícia de que quase metade da população brasileira está acima do peso. Era o
principal dado de estudo divulgado pelo
Ministério da Saúde, com os resultados da
última pesquisa da Vigilância de Fatores
de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel 2011),
promovida em parceria com o Núcleo de
Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e
Saúde da Universidade de São Paulo.
Outras conclusões do estudo: o excesso de peso e a obesidade aumentaram
nos últimos seis anos no Brasil. A proporção de pessoas acima do peso no Brasil
avançou de 42,7%, em 2006, para 48,5%,
em 2011. No mesmo período, o percentual
de obesos subiu de 11,4% para 15,8%.
No Brasil, a proporção de obesos cresceu
38,6% em seis anos em 2011.
Em Belo Horizonte, 45,3% está acima
do peso. Há cinco anos, o percentual era
de 37,1%. O número de obesos também
cresceu: 8,7%, em 2006, para 14,2% em
2011. As causas apontadas pelo Ministério
da Saúde são o sedentarismo e os maus
hábitos alimentares. A pesquisa é importante fonte para o desenvolvimento de políticas públicas de saúde preventiva. Foram
entrevistados 54 mil adultos em todas as
capitais e também no Distrito Federal, entre janeiro e dezembro de 2011.
Para combater a obesidade, algumas
pesquisas e ações empreendedoras estão
em andamento. Nos Estados Unidos, um
casal de cientistas brasileiros pesquisa uma
nova droga, o adipodite, que pode inovar na
luta pela redução de peso das pessoas. Em
Belo Horizonte, uma pesquisadora procura
identificar o perfil genético de alguns genes relacionados com a obesidade. Em São
Paulo, um nutrólogo apresenta um programa, o Projeto Obesidade Zero, com chances
de se tornar lei. Também na capital paulista,
uma instituição, por meio de pesquisa e
projetos de educação nutricional, cria avaliação inédita de altura, de crianças e jovens,
para combater a desnutrição e a obesidade.
Conheça, a partir de agora, um pouco mais
dessas iniciativas.
Fórmula inovadora
Uma nova droga, chamada adipotide, foi
aplicada durante 28 dias em macacos rhesus
(Macaca mulatta) que estavam obesos (primatas dessa espécie são muito usados em experiências científicas). No final do período, os
símios perderam em média 11% de peso. Detalhe: ao mesmo tempo, não abriram mão de
maus hábitos de saúde, com vida sedentária e
ingestão de sorvetes. A pesquisa foi conduzida
por dois brasileiros, o casal de cientistas Wadih Arap e Renata Pasqualini, do MD Anderson
Cancer Center, ligado à Universidade do Texas
em Houston (EUA). Os pesquisadores estiveram no final do ano passado no Brasil para
apresentar os resultados dos estudos. “O único modelo fiel de obesidade em humanos são
macacos Rhesus. O estudo foi caro e intenso
em termos de demandas de talento e tempo,
mas sem dúvida, foi imprescindível validar a
ação do adipotídeo nesta espécie”, afirma a
médica, em entrevista por e-mail.
Por que podemos dizer que essa pesquisa inovou a luta contra a obesidade? Responde
FDA, sigla para Food and Drug Administration, é a agência governamental
norte-americana que lida com o controle das indústrias alimentícias e de
medicamentos naquele país
Renata: “Descobrimos um endereço molecular
específico para vasos sanguíneos nutrindo o
tecido adiposo. Assim sendo, podemos destruí-lo de forma específica com poucos efeitos
colaterais. Estudos clínicos mostrarão o potencial do composto chamado adipotídeo, ainda a
ser estudado em humanos”
O adipotídeo acumula nos rins e produz uma toxicidade reversível em doses
elevadas e administração prolongada. Mas
o FDA deu permissão para que testes clínicos prossigam em pacientes com câncer de
próstata e massa corporal alta. O racional é
que a obesidade tem efeito pró-tumoral, e
sua reversão ajudaria a desacelerarar o crescimento de tumores. “Sem dúvida, precisamos de uma versão que não acumula nos
rins. Estamos trabalhando nisto, para alterar
a estrutura química e obter um composto
igualmente efetivo e menos tóxico”, revela.
Ela explica que a tecnologia desenvolvida por sua equipe mapeia o sistema
de “endereçamento postal” do corpo humano. “Assim sendo, podemos aplicar
o sistema de localização específica para
qualquer tecido, normal ou maligno. Todos
os tecidos têm assinaturas moleculares
específicas. Começamos mapeando os endereços em câncer, e também estudamos
aqueles associados com o tecido adiposo”.
Normalmente, os tratamentos contra obesidade ou suprimem o apetite ou
aumentam o metabolismo periférico. No
método desenvolvido pelos cientistas
brasileiros, ocorre a destruição dos vasos
sanguíneos que irrigam o tecido adiposo
branco. A pesquisadora descreve como se
dá todo o processo: “É simples, os vasos
morrem quando internalizam o adipotídeo,
e as células gordurosas liberam a gordura
vagarosamente”. É como uma “dieta molecular”, diz. E completa: “O processo é
vagaroso, portanto não há problemas com
aumento massivo de lipídios na circulação,
o que seria um problema sério, causaria
esteatose, e problemas cardiovasculares”.
Nos Estados Unidos, 27,6% dos
adultos são obesos. No Brasil, a pesqui-
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
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sa recém-divulgada pelo Ministério da
Saúde sinaliza para um aumento desse
contingente. Qual a melhor política pública
para tratar do problema? Renata Pasqualini considera que este é um debate sério.
“Creio que a busca de novos tratamentos é
crucial, a pesquisa na área necessita mais
atenção e investimento”, pondera. Sua posição é bastante clara: quanto a mudanças
em estilo de vida e equilíbrio nutricional, é
bem estabelecido que perder peso é extremamente difícil. A observação de obesidade em crianças é superagravante porque,
com a idade, a massa corporal tende a aumentar. “Então, a situação fica mais e mais
séria, no sentido de que perder muito peso
é um desafio monumental”, avalia.
Renata e Wadi começaram este programa por volta de 2001 no MD Anderson
Cancer Center. “Lideramos nosso laboratório juntamente, e somos casados há quase
20 anos. Trabalhamos muito eficientemente
juntos, com grande sinergia e respeito mútuo. O time de cientistas e médicos associados a nós, tanto quanto nossos colabora-
dores no mundo todo, apreciam o fato de
que o programa é liderado desta maneira.
As decisões são feitas baseadas em debates
saudáveis e fatos, não só na preferência de
um indivíduo liderando isoladamente. Gostamos muito deste sistema, funciona bem”.
A genética da
obesidade mórbida
A biomédica Cinthia Vila Nova Santana, do Laboratório de Neurociência, ligado à
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ao Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia de Medicina Molecular (INCT-MM), faz pesquisa
sobre a genética da obesidade mórbida,
orientada pelo professor Marco Aurélio Romano Silva, com coorientação da professora
Débora Marques de Miranda. Sua pesquisa se iniciou ainda no último ano da graduação, quando foi fazer o
estágio curricular no Laboratório de Neurociência, em 2010. Em março de 2011 entrou para o mestrado no programa de pós-graduação em Medicina Molecular e deu
Fórmula do CREN para combater desnutrição
e obesidade inclui avaliação inédita de altura
Há três índices que podem ser empregados para se interpretar a aferição de
peso e estatura de uma criança/adolescente: o peso para idade (P/I); o peso para
estatura (P/E) ou índice de massa corporal (IMC) e a estatura para idade (E/I).
De acordo com Gisela Solymos, no Brasil, por muitos anos, foi usado o P/I.
Em alguns países, como o Haiti, onde a subnutrição aguda é gravíssima, usa-se o
P/E ou IMC, que indica o estado de magreza de uma criança, mostrando se o peso
que ela tem naquele momento está adequado para a sua altura. Esse índice é bom
para as situações de guerra.
O P/I verifica se o peso da criança está de acordo com o que é esperado
para a sua idade. “É um índice fácil de aferir e, de certo modo, contém um pouco
da informação da estatura da criança, pois uma criança com um peso adequado
para sua idade tem mais chances de contar também com uma estatura adequada”,
explica Gisela.
Por muitos anos o Brasil usou esse índice, mas ele ainda não reflete a totalidade da situação nutricional de crianças brasileiras. Há crianças que têm um peso
adequado, mas contam com uma baixa estatura. A diretora-geral do Cren observa:
“desde o início de seu trabalho, há 20 anos, o Cren optou por aferir o indicador E/I,
para verificar a qualidade da recuperação nutricional que estávamos promovendo,
uma vez que uma criança pode engordar, mas não crescer, se a sua dieta não tiver
uma adequação às suas necessidades proteicas. Fazendo assim, provamos que era
possível recuperar estatura de crianças gravemente desnutridas”.
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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
continuidade à pesquisa. No momento ela
está na fase de término dos experimentos
para posterior análise estatística.
São consideradas causas principais
para o excesso de peso a ingestão alimentar associada ao estilo de vida sedentário,
além da abundância de alimentos calóricos
e pouco nutritivos característicos da sociedade globalizada. “No entanto, apesar da
importância do fator ambiental, estudos
apontam a forte participação das variantes
genéticas, sendo responsáveis por cerca
de 30-50% da variação fenotípica observada na obesidade”, ressalta Cinthia.
Como lembra a biomédica, pesquisas
com gêmeos chegam a considerar a influência genética em torno de 70% no desenvolvimento da patologia. A Diretriz Brasileira de
Obesidade (2009 e 2010) afirma que o risco
de se desenvolver a obesidade, quando nenhum dos pais é obeso, é de 9%. Quando
um dos genitores é obeso, esse índice eleva-se a 50%, atingindo 80% em caso de ambos os pais estarem acima do peso.
Nesse contexto, sua proposta é realizar a determinação do perfil genético para
alguns genes (FOXO3A, POMC e AMPK)
que estão relacionados com a obesidade,
mas ainda não se sabe ao certo como.
O trabalho envolve o recrutamento de
indivíduos obesos mórbidos com um termo
de consentimento, para posterior realização
de exames clínicos e laboratoriais. A pesquisadora trabalha diretamente com a amostra
de DNA desses indivíduos, realizando a
genotipagem deles, ou seja, determinando
o perfil genético dos obesos mórbidos para
FOXO3A é um fator de transcrição que,
por isso, pode ativar e inibir determinados genes alvos. Partindo desse
princípio, Cinthia propõe analisar dois
genes alvos nos quais FOXO3A estaria atuando na condição de obesidade
mórbida: POMC e AMPK.
POMC (proopiomelanocortina) é um
neuropeptídio que inibe o apetite.
AMPK (proteína quinase ativada) está
intimamente relacionada com o metabolismo de glicose e lipídios em resposta à demanda energética. A relação
de FOXO3A com POMC e AMPK ainda não está bem esclarecida, o que
reforça a necessidade da pesquisa.
Dois anos antes da publicação dessa
pesquisa, em 1993, foi implantada em São
Paulo a primeira unidade do Centro de Recuperação e Educação Nutricional (Cren).
Por seu trabalho à frente do Cren, a diretora-geral, Gisela Soylmos, recebeu o Prêmio
Empreendedor Social 2011, iniciativa da
Folha de S. Paulo e da Fundação Schwab.
Dentre outros méritos, o Cren criou uma fórmula para combater desnutrição com base
em avaliação inédita de altura da criança e
do adolescente (leia box). E preocupa-se
também com a questão do excesso de peso
em seu público-alvo: “Atualmente temos
um projeto de pesquisa em andamento sobre métodos educativos na recuperação de
crianças e adolescentes obesos”.
A principal preocupação do Cren, diz
Gisela, é indicar um método de conhecimento e de intervenção na realidade. Este
método permite ao profissional de saúde
olhar para a realidade mais atentamente,
bem como lhe oferece instrumentos adequados para enfrentar problemas inesperados e novas situações.
gando aos índices dentro da normalidade
implica um fator ambiental e não genético”.
Portanto – explica Cinthia –, a prática de
exercícios físicos e uma alimentação saudável podem contribuir significativamente
para a manutenção do peso ideal, no entanto
não exclui a influência genética para a tendência de ganho de peso.
Desnutrição e obesidade
Em 1995, um grupo de pesquisadoras
– dentre elas a psicóloga Gisela Solymos –
publicou artigo sobre pesquisa, realizada entre 1990 e 1991, que identificou a coexistência da desnutrição e obesidade. A conclusão
era que a obesidade na pobreza decorre de
desnutrição na infância. “Naquele trabalho
encontramos um percentual significativo de
meninas adolescentes (mais de 10%) que
tinham baixa estatura e apresentavam sobrepeso. Investigando esse grupo, verificamos
que 21% dos adolescentes que foram desnutridos (baixa estatura) apresentam hipertensão, contra uma prevalência de 7% na
população em geral, bem como deficiências
no metabolismo do açúcar”, diz Gisela.
A psicóloga explica que a obesidade é
uma forma com a qual o organismo se defende da pobreza: em situações adversas, o
sistema nervoso central regula o metabolismo para reter energia em forma de gordura.
“O melhor modo de resolver isso é impedindo que ela aconteça, ou seja, evitando e/
ou recuperando a desnutrição, permitindo
à criança o crescimento esperado para sua
idade. Depois que o problema se instala, o
tratamento é aquele clássico do obeso, hipertenso e/ou diabético”, afirma.
Educação nutricional
Foto: Renato Stockler / Divulgação
os genes de interesse da pesquisa a partir da
técnica de PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) em tempo real. O mesmo acontece
com o grupo dos controles. Os pacientes obesos mórbidos são
abordados no Hospital Felicio Rocho, em
Belo Horizonte, pelo médico Adauto Versiani
(Cinthia não participa dessa parte). É coletado sangue (5 ml apenas) desses indivíduos
e uma bateria de exames clínicos é realizada (como a dosagem de glicose no sangue,
colesterol, triglicerídios), além de levantar
dados como peso, altura e idade.
O sangue coletado é enviado ao Laboratório de Genética Molecular na Faculdade
de Medicina. Lá será feita a extração do DNA
e a partir daí são feitas reações de polimerase em cadeia (PCR) para a genotipagem dos
indivíduos. “A PCR consiste basicamente na
cópia do fragmento de DNA de interesse, uma
espécie de xerox do DNA. Com os reagentes
específicos é possível então determinar esse
perfil genético. Com o conjunto de dados clínicos mais os dados genéticos é realizada, por
fim, a análise estatística e, posteriormente, a
interpretação dos resultados”, diz Cinthia.
A relação entre genética e obesidade
permite perguntas como essa: homem e
mulher que tenham obesidade mórbida e
percam peso, chegando a índices “normais”
de peso, caso tenham um filho, esse filho
terá o risco genético de ter obesidade mórbida? A pesquisadora da UFMG responde:
“Se esse homem e essa mulher possuírem
no seu código genético a pré-determinação
para a obesidade, grandes são as chances
de o filho apresentar excesso de peso também. O fato de os pais emagrecerem che-
Gisela Solymos, do Centro de Recuperação e Educação Nutricional
O Cren também tem inovado ao propor
um novo olhar sobre a educação nutricional.
Nesse sentido, pode-se perguntar: quais as
medidas fundamentais para transformar as
práticas de educação nutricional no País, e
de que modo elas podem ajudar no combate
à obesidade? “Essa é uma pergunta gigante!
Bem, podemos começar por usar toda a tecnologia da publicidade para difundir formas
de alimentação saudável; depois poderíamos
envolver as escolas nessa batalha, começando da educação infantil, com técnicas adequadas de educação nutricional. Finalmente,
é necessário que os alimentos frescos estejam disponíveis e sejam acessíveis a todas as
camadas da população”, observa a diretora-geral. De acordo com ela, com um modelo
contemplando tais elementos avançaríamos
muito no combate à desnutrição, entendida
como subnutrição e obesidade.
Outro destaque são as oficinas que
estimulam o protagonismo de pais e filhos.
Isso acontece proporcionando momentos
de convivência, em geral, tendo o alimento
como tema, coordenados por um profissional de Psicologia e de Nutrição. Nesse
momento, explica Gisela, trabalham-se as
características do alimento, o seu preparo
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
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IMC
• O Índice de Massa Corporal (IMC)
é obtido a partir da razão entre o
peso (em kg) e a altura do indivíduo ao quadrado (m²)
• Quem tem IMC igual ou superior
a 25 Kg/m2 é classificado como
pré-obeso.
• Quem tem IMC igual ou superior a
40 Kg/m2 é classificado como obeso nível III (obesidade mórbida).
COMBATE À OBESIDADE • A obesidade é um grande fator de
risco para a saúde e tem forte relação com altos níveis de gordura
e açúcar no sangue, excesso de
colesterol e casos de pré-diabetes.
• Pessoas obesas também têm mais
chance de sofrer com doenças cardiovasculares, principalmente isquêmicas (infarto, trombose, embolia e
arteriosclerose), além de problemas
ortopédicos, asma, apneia do sono,
alguns tipos de câncer, esteatose hepática e distúrbios psicológicos
OBESIDADE MÓRBIDA
• O quadro de obeso mórbido se dá
quando a educação alimentar, a
prática de exercícios físicos regulares e o tratamento farmacológico já
não são suficientes para o indivíduo
perder peso de forma significativa. • Inúmeros fatores contribuem para
o desenvolvimento da obesidade,
tais como fatores sociais, comportamentais, psicológicos, metabólicos, celulares e moleculares,
tornando-se difícil atribuir apenas
uma causa para o excesso de peso.
• Por essa razão, esta patologia é considerada uma doença multifatorial
com origens genéticas e ambientais,
resultante basicamente de um desequilíbrio entre a quantidade de calorias ingeridas e aquelas consumidas
com o metabolismo, associado ao
perfil genético do indivíduo.
FONTE: Ministério da Saúde /
Cinthia Vila Nova Santana
10
e o próprio momento da refeição, considerando que os aspectos nutricionais, de
preparo e higiene sejam relacionais.
Para a diretora-geral do Cren, é preciso criar um ambiente em que viceje a “cultura de responsabilidade”, estimulando os
pais a desenvolver essa cultura. “Responsabilidade vem de responder, de dar uma
resposta a uma determinada situação”, diz
Gisela. Para ela, desenvolver a cultura da
responsabilidade significa educar com uma
capacidade de resposta às diferentes situações que são dadas àquela mãe, criança ou
família. Isso significa estar juntos com as
famílias e ajudar a entender o que está acontecendo e qual o melhor modo de responder
a uma circunstância. Significa ir atrás de
recursos concretos (auxílios, serviços) e de
instrumentos de capacitação que possam
auxiliar nesse processo. Gisela completa: “o
estímulo para uma cultura da responsabilidade nasce de um reconhecimento de quem
sou eu, de minha dignidade e da tarefa que
me é dada, daquilo ao qual eu sou chamada
nesse momento (como mãe/pai, esposa(o),
trabalhador(a), cidadã(o) etc)”.
Sabemos do apelo que há, entre
crianças, da publicidade de alimentos como
hambúrguer e batata frita. É possível promover hábitos de vida saudáveis entre esse público? “Claro! Fazendo um apelo contrário!
Como eu disse, se falamos em larga escala,
precisaríamos ter a publicidade a nosso favor. Em âmbito clínico, lançamos mão de
outras estratégias, como as ações das quais
falamos aqui”, esclarece.
Gisela Solymos entende que a melhor maneira de inserir a nutrição na escola
a fim de que os jovens se envolvam mais
com o assunto é adotando um tema transversal: “Fizemos um projeto de enorme sucesso, chamado ‘Eu Aprendi, Eu Ensinei’,
que fez exatamente isso”. A realização deste programa, entre 2004 e 2005, envolveu
53 escolas públicas de ensino médio em
11 localidades do Norte de Minas Gerais, e
reuniu 800 professores e 23 mil alunos. A
participação desses professores e alunos,
dos diretores das escolas, de Superintendências Regionais de Ensino e da Secretaria de Estado da Educação/MG possibilitou
mudanças que muitos céticos não acreditavam viáveis, e confirmou a importância
da escola como instrumento para a renovação de lugares e pessoas.
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
“Foi um dos projetos mais bonitos que já fizemos, por sua capacidade de
mobilização e valorização da escola, e pelos resultados que provocou na vida dos
alunos”, ressalta. Gisela conta que eles se
questionaram profundamente sobre o tema
da nutrição, e mudaram conceitos e pré-conceitos, tais como o de que aleitamento
materno prejudica a beleza do corpo. Ao
invés, descobriram a beleza do aleitamento
materno, a importância do cuidado com o
corpo e a necessidade que a sociedade tem
destes conhecimentos.
Com entusiasmo, Gisela Solymos não
deixa pergunta sem resposta: o que deve ser
levado em conta na capacitação de agentes
de saúde e estudantes de Medicina para
combater desnutrição e obesidade? “Uma
boa formação em nutrição, além das técnicas
de busca ativa. Para enfrentar esse problema,
é necessário que o profissional vá à casa da
família e esteja disposto a conviver com ela”.
Ou então: como lidar com uma criança carente que tenha obesidade mórbida? “Da mesma forma como com qualquer outra criança:
buscando um equilíbrio em sua dieta”.
Em 2002, o Cren participou do seminário internacional “Nutrición Infantil y
Educación em Zonas Urbano Marginales Propuesta de um nuevo enfoque integral”.
Comparando com o que foi apresentado
àquela época, dez anos depois, Gisela teria mudado a maneira de ver o problema?
“Sim e não. Na verdade, o problema mudou:
a obesidade cresce a passos largos entre a
população infanto-juvenil, e a desnutrição
está cada vez mais associada a situações de
extrema miséria, e a condições de enorme
sofrimento humano, e não somente material. Contudo, nosso método, que propõe
seguir a realidade segundo suas características, revelou-se e revela-se sempre mais
vencedor, pois não se trata de um esquema
pré-definido, mas de um caminho para entrar em real diálogo com a realidade”.
Obesidade Zero
Em 8 de novembro do ano passado,
no XIX Congresso Brasileiro de Nutrição
Parenteral e Enteral, em Santa Catarina,
foi apresentado o Projeto Obesidade Zero,
que tem como objetivo erradicar a doença
que já é considerada a epidemia do século
XXI. Atualmente, o Projeto, uma criação do
nutrólogo Daniel Magnoni, é tema de dois
30, projetando um grande e forte aumento
na obesidade nacional.
Magnoni tem defendido a necessidade de que a porta de entrada nos postos de
saúde seja o nutricionista, “que deve atender
antes mesmo do médico a paciente que vai
fazer o pré-natal, quem vai tratar uma hipertensão ou mesmo pedir medicação para um
problema gastrointestinal”. Em seu ponto de
vista, a triagem sempre deve ser completada
com peso e altura, seja em qualquer doença
ou atendimento. “Na medida que temos esses dados, já poderemos colocar o paciente
em avaliação nutricional diretamente, independentemente da doença ou do motivo que
levou o paciente à unidade de saúde”.
Foto: Divulgação
projetos de lei que preveem sua aplicabilidade na cidade de São Paulo. Ambos estão
tramitando em comissões parlamentares em
níveis municipal e estadual.
O programa Obesidade Zero fechou
uma parceria com o exército brasileiro e
terá acesso a dados de estatura e peso dos
últimos 20 anos de todos os jovens que
se alistaram no Sudeste do Brasil quando completaram 18 anos. Os dados serão
apresentados na Semana Obesidade Zero,
de 28 de maio a 1º de junho, no Instituto
Dante Pazzanese de Cardiologia, e apontarão para o aumento da obesidade, mas
principalmente o aumento de jovens dentro
do percentil de IMC acima de 25 e acima de
O nutrólogo Daniel Magnoni
PROJETO OBESIDADE ZERO
Conheça os nove pontos estabelecidos para o programa, seguidos de comentários exclusivos do médico Daniel Magnoni
1
4
7
Educação em Nutrição Saudável nas
escolas básicas e no currículo escolar.
Efetivação e obrigatoriedade de
profissionais de Nutrição nas unidades
básicas de saúde, configurando a
avaliação nutricional, principalmente
de peso e altura, como a porta de
entrada do sistema.
Envolvimento empresarial do setor
alimentício, interagindo com a
população em atividades de motivação
e mobilização no combate à obesidade.
“Por meio da educação teremos crianças
aptas a escolhas saudáveis e educadores
da família. Sabemos que as crianças
podem ser molas condutoras de processos
educacionais nas famílias. Vejam o
exemplo das lixeiras coloridas, as crianças
sempre sabem para que cor deve ser
direcionado o lixo classificado”
2
Estímulo aos hábitos de vida
relacionados ao combate à obesidade.
“Escolha saudável, cuidados de saúde”
3
Estímulo a atividade física,
esporte e ginástica.
“Incremento de possibilidades em escolas,
aglomerados sociais e empresas”
“Este item é ncessário para a triagem e os
projetos educacionais. Configurar uma
porta de entrada, um filtro da obesidade”
5
“Reduzir alimentos obesogênicos, utilizar
os rótulos para educação”
8
Envolvimento das empresas de
comunicação, na divulgação do
projeto e no estímulo a atividades
relacionadas.
Desenvolvimento de projetos
clínicos amplos com pesquisas e
enfoques regionais e adaptadas
às situações epidemiológicas,
econômicas e culturais.
“Projetos de impacto, que motivem a
população. Divulgação de resultados
impactantes e geradores de mídia. Na
sequência a população passa a conhecer as
ferramentas de combate à obesidade”
6
Normatização e legislação em
alimentação saudável no enfoque que
envolve marketing e propaganda.
“Parcerias com as universidades,
gerando material de promoção e
envolvimento com a causa”
9$
Desoneração fiscal aos produtos
alimentícios relacionados ao
controle da obesidade.
“O alimento que emagrece está muito
mais caro que aquele que engorda”
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
11
engenharia
Sinal verde
para a
liberdade
Maurício Guilherme Silva Jr.
12
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
Acionado conforme
a cor exibida
nos semáforos,
dispositivo criado por
estudantes do UniBH
facilita circulação dos
deficientes visuais
pelas ruas e avenidas
das metrópoles
Dados do Censo Demográfico 2010,
publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que cerca
de 35,8 milhões de pessoas no País sofrem
de deficiência visual – dentre as quais, 528
mil possuem cegueira completa. Imagine o
leitor a miríade de desafios enfrentada por
tais cidadãos, dia a dia, nos grandes centros urbanos, onde a solidariedade parece
escassa e os problemas logísticos multiplicam-se de forma exponencial, ao ritmo da
ampliação do número de carros nas ruas
e avenidas. No trânsito das metrópoles, é
sempre bom lembrar que, afora os obstáculos próprios da ausência de visão, os cegos
percebem seus direitos civis acachapados,
justamente, em função da precariedade das
políticas de circulação: em meio a veículos
sempre dispostos a acelerar, de que modo
atravessar, com segurança, a mais pacata
das vias públicas?
Com o inovador (e solidário) auxílio de estudantes do Centro Universitário
de Belo Horizonte (UniBH), os deficientes
visuais ganham nova oportunidade para
caminhar com tranquilidade por entre as
desafiadoras alamedas das megacidades.
Sob orientação do professor Euzébio de
Souza, coordenador do curso de Engenharia Elétrica da Instituição, oito alunos desenvolveram o Transponder, equipamento individual capaz de avisar às pessoas
com cegueira total, no exato instante em
que buscam atravessar ruas ou avenidas, a
cor exibida pelo sinal de trânsito. Afivelado
ao braço do usuário, o dispositivo vibra de
modo distinto conforme a luz – amarela,
verde ou vermelha – do semáforo.
De acordo com a “tonalidade” da
sinaleira, variam o tempo e a intensidade
Batizado oficialmente de Transponder
configurável para deficientes visuais,
o dispositivo eletrônico (complementar de automação) busca receber,
amplificar e retransmitir sinal em frequência diferente, ou transmitir mensagem pré-determinada – a partir de
fonte específica – em resposta a outra,
também pré-definida por fonte específica. O termo Transponder é a abreviação para Transmitter-Responder.
A equipe responsável pelo desenvolvimento do Transponder é composta
pelos estudantes Guilherme Henrique
Camelo, Rafael Zanini, Marcelo Faleiro, Lílian de Melo Costa, Jurandir
Agostinho, Bruno Vianna, Breno Monteiro e Gustavo Almeida de Oliveira.
de vibração do aparelho atado ao corpo
do pedestre com deficiência visual: “Oscilações prolongadas indicam a possibilidade de do cidadão atravessar a via
pública em segurança, pois o sinal está
vermelho para os automóveis”, destaca
Souza, ao explicar, ainda, que a troca de
“informações” entre o Transponder e o
equipamento de tráfego dá-se por meio
de radiofrequência. Para que o mecanismo funcione, portanto, é necessário instalar, nos semáforos, circuitos integrados
capazes de enviar ondas eletromagnéticas ao aparelho.
“Oscilações
prolongadas indicam
a possibilidade de o
cidadão atravessar
a via pública em
segurança, pois o sinal
está vermelho para os
automóveis”
Euzébio de Souza
Coordenador do curso de Engenharia Elétrica
Fábrica de empreendedores
O desenvolvimento do Transponder
foi proposto pelos alunos, em agosto de
2011, durante as aulas de Trabalho Interdisciplinar de Graduação (TIG), disciplina que,
nos diversos cursos do UniBH, busca estimular, semestre a semestre, a “interação”
entre múltiplas áreas do conhecimento. No
TIG da Engenharia Elétrica, o corpo discente
é convidado a elaborar e aperfeiçoar – ao
longo dos períodos letivos – serviços e/ou
artefatos inovadores. “Ao longo da graduação, os estudantes têm tempo para criar e
sofisticar suas invenções”, ressalta Euzébio
de Souza, ao comentar, ainda, a possibilidade de, antes mesmo da formatura, os estudantes investirem em iniciativas como o patenteamento de novas ferramentas e ideias.
“Ao impacto social das inovações,
some-se a chance de os alunos finalizarem
o curso com ótima oportunidade de negócio
nas mãos”, afirma o professor, para quem a
busca por novos produtos e serviços revela-se a força-motriz a mobilizar os alunos de
Engenharia Elétrica do UniBH: “Entendemos
que, em diversas áreas, o Brasil carece de
projetos acadêmicos e científicos. Isso nos
motiva a mostrar aos estudantes a possibilidade de investimento em projetos realmente
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
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“Como em todo
trabalho em equipe,
no início, não havia
consenso quanto à
eficácia do projeto.
Após uma série
de debates no
grupo, contudo,
resolvemos investir
no Transponder. No
fundo, sabíamos que
tudo poderia dar certo”
Guilherme Henrique Camelo
Estudante
inovadores, capazes, inclusive, de transformar o curso
de graduação numa experiência única”.
Bons conceitos e iniciativas, contudo, dizem
respeito não apenas à organização acadêmica dos
trabalhos, mas também – e principalmente – ao esforço, ao talento e ao “espírito visionário” dos alunos, sempre engajados nos desafios semestrais. No
caso do Transponder, a proposta de desenvolvimento
do produto nasceria das indagações de um de seus
co-autores, o estudante Guilherme Henrique Camelo, que, certa vez, presenciara a dificuldade de um
deficiente visual em atravessar uma movimentada
avenida da capital mineira. Da cena urbana viriam as
poucas (e férteis) dúvidas do projeto: o que fazer para
que indivíduos com problemas de visão possam usufruir melhor do espaço público? E de que modo, afinal, permitir que “enxerguem” os sinais de trânsito?
“Como em todo trabalho em equipe, no início,
não havia consenso quanto à eficácia do projeto. Após
uma série de debates no grupo, contudo, resolvemos
investir no Transponder. No fundo, sabíamos que tudo
poderia dar certo”, recorda-se Guilherme, que, desde o
ensino médio, realizado no Serviço Social da Indústria
(SESI), cultiva o pendor pelo empreendorismo: “Quanto tive a ideia do equipamento, pensei ‘lá na frente’. Afinal, trata-se de produto que pode emplacar, já que não
há nada parecido no mercado”.
Apresentado às questões suscitadas por Guilherme, o colega Rafael Zanini – também integrante
do grupo de TIG – seria o primeiro a destacar, em
contraponto à óbvia impossibilidade de percepção
das cores pelos deficientes visuais, a grande capacidade tátil de tais indivíduos. Iniciava-se, assim, a
construção de respostas práticas aos problemas de
pesquisa. Pois a partir de elementos de sua própria
rotina, os estudantes buscariam soluções criativas
para “as pedras” do caminho.
Ao discutir a habilidade dos deficientes visuais em reconhecer “o mundo” pelo tato, os pesquisadores lembraram-se, como num divertido passe
de mágica, do funcionamento dos joysticks de jogos eletrônicos – os quais, em corridas virtuais de
carros, por exemplo, são responsáveis, por meio de
vibrações no controle acionado pelo jogador, pela
simulação das reentrâncias da pista ou da frenética
tensão do motor. “O grupo de TIG, então, adaptou o
circuito integrado do joystick ao protótipo do Transponder”, elucida Euzébio de Souza.
Na frequência
da solidariedade
Ao longo das etapas de produção, desde meados do ano passado, o Transponder passaria por
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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
significativas modificações – a começar
pela substituição do “motorzinho” de
joystick por mecanismo mais sofisticado,
construído pelos estudantes com peças
encontradas em lojas especializadas.
Trata-se de circuitos eletrônicos que,
após manipulados, tornam-se capazes
de transmitir ondas eletromagnéticas: “O
sistema, no qual fios recebem energia e
enviam sinais de rádio, foi todo construído pelo grupo”, ressalta o professor.
Para além das questões técnicas,
porém, os cuidados com o bem-estar dos
usuários tomou a maior parte da atenção
dos pesquisadores. Afinal, as metas do
projeto diziam respeito à possibilidade de
garantir maior autonomia e liberdade aos
deficientes visuais. Exatamente por isso,
durante as etapas de produção do Transponder, realizaram-se simulações do equipamento com o auxílio de um professor
de Braille do Instituto São Rafael, entidade
especializada no atendimento educacional
à pessoas com problemas de visão.
Como resultado de tal colaboração,
surgiram os novos desafios e demandas,
que, neste primeiro semestre de 2012,
prenderão a atenção dos jovens pesquisadores. Trata-se, em primeira lugar,
da tentativa de diminuir o tamanho do
Transponder, de modo a que o equipamento torne-se cada vez mais bonito e
confortável aos usuários. Por outro lado,
os estudantes buscarão ampliar, segundo
Guilherme Camelo, os níveis de confiabilidade da ferramenta: “O projeto já é
bastante confiável. Apesar disso, quanto
mais segurança, melhor! Afinal, o aparelho será usado, nas ruas, por pessoas
com necessidades especiais”, enfatiza.
Neste momento, afora as pesquisas
em busca da miniaturização do Transponder, os estudantes negociam parcerias com instituições como a Empresa de
Transportes de Trânsito de Belo Horizonte
(BHTrans). Para ampliar as possibilidades
da solidária invenção, será fatalmente necessária a ampliação de recursos e infraestrutura. “Enquanto isso, o grupo aguarda o
andamento do processo de patenteamento,
já iniciado, de sua ótima invenção”, conclui o professor Euzébio de Souza.
Segundo ele, o desenho formado pelas
escamas é uma característica genética
das serpentes e, no caso da cascavel,
é muito específico em todo o corpo,
sempre em tons amarronzados, alguns
mais claros e outros mais escuros. “Os
filhotes nasceram com desenhos e cores
diferentes, com tons amarelados e com
losangos apenas nas laterais”, espanta-se
Rômulo. Ainda de acordo com ele, essa
novidade deve ter ocorrido pelo fato de
ser um acasalamento de duas subespécies
diferentes. “Esses novos filhotes é como
se fossem umas terceira espécie, com
desenhos da Collilineatus e da Cascavella
em um único corpo”, explica.
Os nomes foram escolhidos por meio
de uma enquete no site da Fundação.
Dora significa presente; Aimoré vem do
tupi-guarani e significa aquele que morde;
já Caiuá quer dizer aquele que mora no
mato. No site http://funed.mg.gov.br/
servicos-e-produtos/animais-peconhentos/, os interessados ficam sabendo como
agendar uma visita para conhecer os
novos habitantes do serpentário da Funed.
Cativeiro
Atualmente, a Funed conta com
25 exemplares de cascavel. A
maioria é usada na produção do
soro indicado para o tratamento em caso de acidentes com
animais peçonhentos. Por mês,
somente as cobras dessa espécie
na Funed produzem cerca de
1.400 mg de veneno, o suficiente
para abastecer a produção de
aproximadamente 10 mil ampolas de soro anticrotálico por ano.
Conteúdo
exclusivo no blog
Lançado em 2011, o blog do projeto Minas Faz Ciência (http://
fapemig.wordpress.com/) é o mais novo componente do
programa de comunicação científica da FAPEMIG. Nele, o
internauta encontra notícias, novidades e curiosidades sobre
Ciência, Tecnologia e Inovação. Além dos podcasts da série
Ondas da Ciência e das pílulas de TV do Ciência no Ar, o blog
também apresenta conteúdos exclusivos. Um exemplo são as
conversas, na íntegra, com pesquisadores entrevistados para as
reportagens da revista. Faça uma visita e deixe seu comentário!
E por
falar
em
blog...
O blog de divulgação científica “Viagens da Laura” (http://viagensdalaura.wordpress.com), produzido
pelo Laboratório Aberto de Interatividade (LAbI) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar),
está entre os finalistas do The BOBs, concurso internacional de blogs da emissora alemã Deutsche
Welle. O blog relata as aventuras de Laura, adolescente que é a protagonista da radionovela “Verdades
Inventadas”, veiculada pelo LAbI em 2011. Nos episódios que estão disponíveis no blog, Laura faz
viagens imaginárias a partir de incentivos de seu novo professor de Literatura. Nessas viagens, encontra
diversos personagens da Ciência e das Artes, como Einstein e Newton, Clarice Lispector, Júlio Verne,
Oswaldo Cruz e César Lattes, Darwin e Mendel, e juntos passam por grandes aventuras e descobertas.
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
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CURTAS DA CIÊNCIA
Dora, Aimoré e Caiuá. Esses são os nomes
dos filhotes de cascavel recém-nascidos na
Fundação Ezequiel Dias (Funed). Eles são
fruto do acasalamento de duas subespécies
da cascavel Durissus: a fêmea Collilineatus e o macho Cascavella. “Foi um
acasalamento inesperado, pois as cobras
estão em idade avançada de reprodução e
ainda fomos surpreendidos pela coloração
diferenciada e rara dos filhotes”, afirma o
chefe do Serviço de Animais Peçonhentos
da Funed, Rômulo Righi de Toledo.
Foto: Gleisson Mateus
Filhotes raros de cascavel
são atração na Funed
meio ambiente
Paleta de
cores ameaçada
Artigo publicado
na Nature aponta
os perigos, na
Amazônia, do
desmatamento, que
diminui o verde
e pode afetar o
colorido da Floresta
Ariadne Lima
16
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
Quase 6 milhões de quilômetros quadrados, percorrendo nove países da América do Sul. Cerca de cinco mil espécies
de árvores, mais de 300 mamíferos, 1.300
pássaros, milhões de insetos e três mil peixes, vivendo na maior bacia hidrográfica do
mundo. Os números servem para mostrar
a imponência do ecossistema que forma
a Amazônia e ajudam a entender por que
seu papel é tão importante para o mundo.
A Amazônia tem função essencial na ciclagem de água, no resfriamento do clima e
Processo em que a água se transforma, por meio da evaporação e da
condensação, de líquida a gasosa e
vice-versa, por meio da troca entre
elementos como rios, florestas e atmosfera. É por meio desse processo
que se formam as nuvens e as chuvas.
no sequestro de carbono, ajudando a minimizar os efeitos das mudanças climáticas
e do aquecimento global. Além disso, é destaque no que diz respeito à diversidade cultural, com a presença de mais de 370 etnias
indígenas, e à economia, que inclui atividades pesqueiras e extração de produtos florestais, como borracha, madeira, castanha,
cupuaçu e açaí. Uma incontestável riqueza
ameaçada pela ação do homem. Foi o que
mostrou o artigo “A Bacia Amazônica em
transição”, publicado em janeiro deste ano
na revista científica inglesa Nature, com
a participação do pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
Britaldo Soares Filho.
O artigo tem como primeiro autor o cientista e diretor executivo do The
Woods Hole Research Center, situado
nos Estados Unidos, e como coautores
especialistas norte-americanos, de Porto
Rico e do Brasil, vindos de instituições
como a Universidade de São Paulo (USP),
Universidade de Brasília (UnB), Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a UFMG. O texto é uma síntese
dos resultados do Programa de Pesquisa
em Larga Escala da Biosfera-Atmosfera
da Amazônia (LBA), com mais de uma
década de pesquisas, desenvolvido pelo
Governo Brasileiro em conjunto com a
Agência Espacial Norte-Americana (Nasa)
(http://150.163.158.28/lba/site/#). O Programa financiou vários grupos de pesquisa, não só do Brasil, para investigar a interação entre os processos que ocorrem nos
ecossistemas amazônicos, especialmente
a interação do meio ambiente com o homem, e como isso interfere nos processos
atmosféricos e no clima.
A ação do homem foi de fato determinante para as mudanças no clima da
Amazônia nos últimos anos, especialmente pela expansão da agricultura, exploração
Na fase de crescimento, as árvores
demandam grande quantidade de
carbono e retiram esse elemento do
ar. Isso diminui a quantidade de CO2
da atmosfera, o que é chamado de sequestro de carbono.
madeireira e formação de núcleos urbanos.
De acordo com o artigo da Nature, entre
1960 e 2010, a população na região aumentou de seis milhões para 25 milhões,
enquanto a cobertura vegetal diminuiu
20%. As regiões mais afetadas são o Sul
e o Leste da Bacia Amazônica, em razão de
um intenso desmatamento pela expansão
agrícola. Segundo Britaldo Soares Filho, a
Amazônia ainda é cobiçada por suas vastas
terras, muitas pertencentes à União, que
são alvo da expansão da fronteira agrícola.
“As terras do Sul da Amazônia têm sofrido
uma pressão muito grande devido à expansão da soja. Ainda que a soja ocupe áreas
já abertas de pecuária, ela empurra os pecuaristas para dentro das florestas e eles
vão, com isso, abrindo novas áreas.”
Segundo o artigo, isso pode afetar o
ciclo de carbono, levando a Amazônia da
condição de sumidouro de carbono para
a de emissora de CO2. “Estudos predizem
que, se o desmatamento da Amazônia alcançar 40% da sua extensão original, as consequências serão muito mais drásticas. A
fragmentação da floresta pelo desmatamento deixa os remanescentes florestais mais
vulneráveis ao fogo que vem das áreas de
pastagem. Quando a floresta pega fogo, ela
fica mais suscetível a novos incêndios, que
são aguçados pelos períodos de secas,
como ocorreram em 2005 e 2010.
Nesses anos, a floresta emitiu
mais CO2 do que conseguiu sequestrar
da atmosfera”.
“As terras do Sul da
Amazônia têm sofrido
uma pressão muito
grande devido à
expansão da soja. Ainda
que a soja ocupe áreas já
abertas de pecuária, ela
empurra os pecuaristas
para dentro das florestas
e eles vão, com isso,
abrindo novas áreas.”
Britaldo Soares Filho
Pesquisador
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
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Outra proposição é a de que a Amazônia
regula o ciclo de chuvas no Sudeste do
Brasil, afetando o fenômeno conhecido
como Convergência do Atlântico Sul, em
que uma faixa de nebulosidade, carregada de água, segue rumo ao Atlântico Sul,
influenciando na ocorrência de chuvas.
“A Amazônia tem esse papel muito importante de ciclagem de água, como se
fosse um gigantesco ar condicionado. A
água que cai na floresta é devolvida à atmosfera, por meio da evapotranspiração
das árvores. Com isso, ela resfria o clima
e aumenta a umidade do ar. Assim, muitas
regiões, não só da Amazônia, dependem da
Floresta para manter o ciclo de umidade”,
diz o pesquisador. O aumento das áreas
desmatadas,portanto, compromete esta
função da Amazônia.
Savanização
O estudo publicado na Nature aponta
que algumas áreas da Amazônia já estão
sofrendo o efeito de redução de chuvas.
Também, o aumento da frequência de secas extremas já pode ser uma consequência das mudanças climáticas. “Uma série
1.300 pássaros
cinco mil espécies
mais de 300 mamíferos
18
de modelos climáticos apontam que o
aquecimento global pode chegar ao ponto
de reverter a capacidade de sequestro de
carbono da Amazônia e, ao receber um estresse muito grande, a floresta seja transformada em arbustiva, na forma de uma
vegetação mais próxima de uma savana.
É o que temos chamado de savanização
da Amazônia. Trata-se de um ciclo vicioso
entre o desmatamento, a fragmentação florestal, a degradação da floresta pelo fogo e
a invasão de espécies de gramíneas. Isso
aumenta a flamabilidade da floresta, ou
seja, ela pega fogo mais facilmente e, por
isso, emite mais CO2, contribuindo para o
aquecimento global,” explica Soares Filho.
De acordo com o pesquisador, há o
risco de que, embora a floresta seja resiliente (com a capacidade de autorrecuperação), haja um ponto em que essa capacidade seja rompida, por sofrer mudanças
tão drásticas a ponto de não conseguir
voltar ao estado original. “O estudo mostra que já algumas áreas da Amazônia estão sofrendo essas consequências, como
o Estado de Rondônia, onde o desmatamento foi extensivo.”
três mil peixes
milhões de insetos
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
Políticas públicas
Um dos principais objetivos e benefícios das pesquisas é a proposição de
políticas públicas que possam contribuir
para reverter o ciclo vicioso de degradação
da Amazônia. “A ciência feita pelo LBA influenciou o processo de políticas públicas
que permitiu ao Brasil reverter a trajetória
de desmatamento que vinha ascendendo
desde o início da década de 2000 e reduzir mais de 67% o desmatamento desde
2005”, conta Soares Filho.
Segundo o pesquisador, isso é
consequência de uma série de medidas,
como a queda do preço das commodities
agrícolas em 2005, o que reduziu a atividade agrícola naquela época; a criação de
uma cadeia de certificação da produção
rural, o reflorestamento de áreas recentemente desmatadas e a criação de programas para excluir da cadeia produtiva
os pecuaristas que desmataram além do
permitido e beneficiar aqueles que atuam
de acordo com a legislação ambiental.
Também entram na lista de medidas a
expansão de áreas protegidas, muitas das
quais atuam como barreiras verdes; o sistema do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), que monitora o desmatamento, e o aprimoramento do método
de fiscalização ambiental do Ibama e dos
Institutos estaduais.
Somam-se a isso, medidas de
restrição de créditos aos municípios
desmatadores, que deixam de receber
incentivos agrícolas. Por outro lado,
municípios verdes, no estado do Pará,
passam a receber benefícios por acabar
com o desmatamento e promover o reflorestamento. “O Protocolo do Clima, previsto para 2015 que vai suceder o Protocolo de Kyoto, prenuncia a inclusão de
um programa de pagamento por serviços
ambientais. Hoje já temos projetos pilotos no Brasil”, diz Soares Filho. No Estado do Amazonas, por exemplo, famílias
moradoras de Unidades de Conservação
do Estado recebem a Bolsa Floresta, uma
recompensa econômica pelos esforços
de preservação ambiental. Iniciativa semelhante em Minas Gerais é a Bolsa Verde, em que o incentivo financeiro pago
aos produtores rurais que preservam o
meio ambiente é proporcional à dimensão da área preservada.
Para Soares Filho, o artigo da Nature foi importante para mostrar que a
Ciência faz parte desse processo de conservação da Amazônia e que, por isso, é
muito importante a inserção da ciência
nas políticas públicas. “Embora isso seja
novo no Brasil, já se vê uma mudança
de postura dos governantes em escutar
a Academia. Cada vez mais é importante
conclamar nossos governantes e políticos
que elaboram as leis.”
Referência em
Modelagem Ambiental
No Brasil, o grupo de pesquisa da UFMG foi pioneiro na criação de um
laboratório regional na área de sensoriamento remoto. O Centro de Sensoriamento Remoto (CSR) da Universidade foi criado em 1990, em parceria com
o Estado de Minas Gerais e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Desde então, uma série de trabalhos ambientais foram realizados, em conjunto
com outras instituições, como a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam)
e a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig).
No principio dos anos 2000, teve início o Cenários da Amazônia, um
programa de pesquisa interinstitucional, que envolveu diversas instituições
sob a liderança da UFMG, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia
(Ipam) e do centro de pesquisa americana Woods Hole Research Center. A
proposta do projeto foi a de elaborar modelos para simulação das possíveis
trajetórias do desmatamento da Amazônia e seus possíveis impactos para
que, assim, pudessem ser propostas políticas públicas, medidas mitigadoras e estratégias de conservação.
Os estudos geraram diversos artigos, muitos publicados em periódicos científicos internacionais, como as renomadas revistas Nature e
Science. A partir da experiência, surgiu o Programa de Pós-Graduação
em Análise de Modelagem de Sistemas Ambientais. Nessa linha, muitos
trabalhos são desenvolvidos, como, por exemplo, a modelagem ambiental
dos processos de fogo, ligando o impacto das mudanças climáticas com
o regime do fogo registrado nas florestas. Em Minas Gerais, um projeto financiado pela FAPEMIG, intitulado SimMinas, busca propor soluções para
que o Estado concilie o aumento da produção agrícola com a política de
conservação do seu patrimônio ambiental.
O CSR da UFMG é hoje referência mundial em modelagem ambiental, recebendo estudantes de diversas partes do mundo. Britaldo Soares
Filho explica que a modelagem é um instrumento transdisciplinar, ou seja,
envolve e entrelaça diversas áreas do conhecimento. “A primeira coisa
para se construir um modelo é ter os dados de experimentos em campo.
Nessas pesquisas, nós precisamos de parceiros que estejam medindo, por
exemplo, as árvores que crescem sob determinadas condições climáticas,
o impacto do fogo na floresta, a capacidade que ela tem de se recuperar ou
não dos focos de incêndio. A partir desses experimentos, nós construímos
modelos computacionais”, diz o pesquisador. O grupo chegou a desenvolver um software para modelagem ambiental que hoje é utilizado internacionalmente. Para acessá-lo e conhecer mais sobre o CSR, basta visitar o site
www.csr.ufmg.br/dinamica.
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
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educação ambiental
Maurício Guilherme Silva Jr.
Ouro
que
nasce
da terra
Projeto de extensão da Epamig
busca ensinar e popularizar
o cultivo de saudáveis
hortaliças e plantas medicinais
em ambientes escolares e
domésticos
20
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
Suas mãos, caro leitor, podem lhe
garantir ótimas condições de saúde. Basta
que, por meio de técnicas e conhecimento
científico, você as acostume a cultivar alimentos fartos em fibras, nutrientes e outras tantas benesses. Interessado na dica?
Mexa-se, pois, à cata de uns poucos “ingredientes”: mudas de hortaliças e plantas
medicinais, singela porção de terra, equipamentos básicos de agricultura e – o
mais importante – respeito sincero pela
natureza. Plantas de ciclo curto e plantio
simples, vegetais como alface, repolho,
mostarda, couve-flor, brócolis, tomate, pimentão, quiabo, cenoura ou beterraba tendem a crescer com vitalidade em locais ou
recipientes dos mais diversos – daquele
pobre vaso abandonado ao mais solitário
dos quintais, onde há tempos não brotam
quaisquer vestígios de vida.
Ansiosos por transmitir know-how
as comunidades interessadas em se dedicar às riquezas da terra, pesquisadores
da Empresa de Pesquisa Agropecuária de
Minas Gerais (Epamig) constataram que,
apesar de habitual em diversas localidades
do País, o cultivo de hortaliças (e outras
preciosidades do reino vegetal) nem sempre se realiza com o auxílio de técnicas e
conceitos desenvolvidos pela ciência –
conhecimento especializado que, de múltiplas maneiras, poderia contribuir com o
sucesso de iniciativas tão saudáveis.
Afinal, hortas domésticas “são fundamentais para a melhoria da alimentação
das famílias, com a possibilidade de inclusão de elementos ricos à dieta”, ressalta o
agrônomo e professor Luciano Donizete
Gonçalves – hoje docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
de Minas Gerais – que, entre 2007 e 2009,
coordenou, na Epamig, o projeto Hortas
escolares como fonte de difusão de
conhecimento e educação ambiental
em Prudente de Morais (MG).
De maneira geral, a iniciativa buscava estimular a prática do cultivo de hortaliças e plantas medicinais em instituições de
ensino, com o intuito não só de transmitir
conhecimento a estudantes e professores,
mas também – e principalmente – de se
efetivar como “laboratório vivo”, por meio
do qual os docentes poderiam despertar,
em seus alunos, o interesse pela prática
da conservação ambiental. Definido o “argumento” do projeto, restava saber a localidade onde tudo poderia, efetivamente,
tornar-se realidade. Pois o município de
Prudente de Morais (MG) acabaria por se
revelar o ambiente perfeito aos objetivos
dos pesquisadores.
Na pequena cidade, onde vivem
cerca de dez mil habitantes, muitas são
as casas com espaçosos terrenos, propícios ao cultivo de vegetais. “Apesar disso,
pudemos perceber que a prática não era
comum entre as famílias do município.
Assim, vislumbrou-se a ideia de usar as
escolas como ambiente para difusão de
tecnologias e saberes ligados à produção
de hortaliças e plantas medicinais”, destaca Gonçalves, ao explicar que, uma vez
disseminado o conhecimento científico
entre os estudantes, a experiência poderia
ser reproduzida em seus lares.
A partir de tal pressuposto, e para a
efetiva execução do projeto, os pesquisadores da Epamig e integrantes do Centro
Tecnológico do Centro-Oeste selaram
oficialmente a parceria com a Prefeitura Municipal de Prudente de Morais. Em
seguida, escolheram, como locais para
realização dos trabalhos, o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e as escolas municipais Laerte Fraga, Tia Quinota
e Jeliomar Brandão. Nas instituições, além
de tecnologia, conhecimento e conscientização ecológica, os estudiosos buscaram
discutir o valor nutricional das hortaliças e
a importância da alimentação equilibrada.
“Dentre nossas metas, estava a melhoria
da qualidade de vida da população local de
baixa renda, por meio do cultivo de hortaliças, com a otimização dos espaços escolares e domésticos”, comenta o coordenador.
Consumo versus Cultivo
Em Minas Gerais, assim como em
outros pontos do País, as comunidades
acostumaram-se ao consumo de hortaliças. Por outro lado, o cultivo de tais espécies revela-se ainda escasso em todas as
regiões da Federação. “Na verdade, mesmo
no que diz respeito ao consumo, é possível
identificar problemas. Embora as hortaliças estejam presentes na mesa do consu-
Também participaram da iniciativa,
que contou com financiamento da
FAPEMIG, os pesquisadores Marinalva Woods Pedrosa, Cláudio Egon
Facion, Francisco Morel Freire, Hortência Maria Abranches Purcino,
José Francisco Rabelo Lara, Maria
Aparecida Nogueira Sediyama, Maria
Helena Tabim Mascarenhas e Sanzio
Mollica Vidigal e as diretoras Silvana
de Souza Martins, Valdirene Clarindo
Gaspar Cunha, Adriana Rodrigues
da Silva e Júlia Maria Fraga Soares,
gestoras das instituições de ensino
atendidas pelo projeto.
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
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midor brasileiro, não existe diversificação
de espécies, o que prejudica a ingestão de
fontes nutricionais diversas. Além disso, o
uso de plantas medicinais é bastante restrito”, comenta Gonçalves.
Talvez em função da propalada “tradição nacional”, na mineira Prudente de
Morais, todos os habitantes envolvidos
na iniciativa demonstraram imediato interesse em adquirir conhecimento sobre as
hortaliças e plantas medicinais. Também
ao longo das atividades, muitos seriam os
fatos (e fatores) a revelar que os pesquisadores atingiam, dia a dia, os seus objetivos
centrais. Todos pareciam querer participar,
cada um a seu modo: “Muitos alunos,
principalmente os oriundos do meio rural,
passaram a compartilhar, com muito gosto, as experiências que já possuíam com o
cultivo de plantas”.
Outras atividades do projeto buscavam a reflexão em torno de tais práticas. Os
alunos do Cras, por exemplo, eram estimulados a levar, à instituição, algumas das
mudas medicinais usadas por seus pais no
cotidiano. Com as espécies em mãos – e
diante dos colegas e professores –, realizavam apresentações para que pudessem
explicar de que modo os vegetais eram
consumidos em casa. Por meio da dinâmica, os pesquisadores detectavam – para,
em seguida, tentar impedir – o uso inadequado das plantas no ambiente familiar.
Já na Escola Municipal Laerte Fraga,
em parceria com a diretoria da instituição
de ensino e a participação de uma nutri-
cionista da Prefeitura, os pesquisadores
elaboraram apostila com informações sobre o projeto, além de receitas de produtos
alternativos. “Também realizamos palestra
para os pais dos alunos, ocasião em que
pudemos falar sobre a importância das
hortaliças na alimentação e a viabilidade
da construção de hortas nas casas”, conta
o coordenador.
plantio pode ser feito de maneira simples,
com o emprego de enxadas, sachos, pás,
rastelos, regadores e mangueiras”, explica
o coordenador, ao esclarecer que, quando
há limite de espaço, é possível recorrer, até
mesmo, a pequeninos recipientes: “Na Escola Municipal Tia Quinota, por exemplo,
estimulamos o uso de vasos, devido à falta
de terreno para construção de canteiros”.
Esforço coletivo
Sementes de futuro
Ao longo das etapas do projeto, as
atividades envolveriam não apenas a participação de pesquisadores, professores e
alunos, mas também de diretores e outros
tantos funcionários das instituições de ensino. A natureza colaborativa da implantação e manutenção das hortas acabaria por
se destacar como a principal “ferramenta”
de estímulo ao desenvolvimento dos “exercícios” práticos – sempre complementados
com palestras e visitas dos professores e
alunos à unidade da Epamig em Prudente de Morais, local onde “todos tinham a
oportunidade de adquirir novos conhecimentos”, segundo afirma Gonçalves.
Importante ressaltar, neste sentido,
que o cultivo de hortaliças e demais plantas
pode ocorrer de múltiplas formas, e com o
auxílio de diferentes tecnologias. No caso
dos produtores comerciais, responsáveis
por plantações de larga escala, é imprescindível a adoção de técnicas modernas,
como o uso de “cultivares” melhoradas,
sistemas de irrigação, insumos, máquinas
e implementos. “Já nas pequenas hortas, o
Em setembro de 2009, assim que finalizado o prazo de execução do projeto, os
pesquisadores interromperam seus trabalhos
nas escolas, mas se mantiveram à disposição
para orientações necessárias. “Isso ocorreu
em função de minha saída da Epamig e, ainda, porque a ideia inicial era, justamente, que
fizéssemos o trabalho inicial de implantação
das hortas, para, em seguida, as escolas e o
Cras darem continuidade à iniciativas”, conta
Luciano Gonçalves.
Infelizmente, observa-se, hoje, que
os projetos não tiveram continuidade,
em grande parte, devido à inexistência de
mão-de-obra para manutenção das hortas.
“Esse é um problema comum na realização
dos trabalhos. Embora o projeto contemple
o envolvimento da comunidade escolar nas
atividades das hortas, é sempre fundamental que se tenha profissionais encarregados
de serviços gerais, como preparo, limpeza
e manutenção dos canteiros”, esclarece.
Outra pesquisadora da Epamig envolvida no projeto, a engenheira agrônoma
Marinalva Woods Pedrosa, também trata a
Fotos: Luciano Donizete Gonçalves / Divulgação
Jovens trabalham na horta do Cras
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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
Alunos da escola Jeliomar Brandão participam de atividade na Epamig
questão da mão-de-obra como o “gargalo”
a impedir o prosseguimento do projeto:
“Além de receber muito bem a iniciativa,
as escolas demonstraram interesse em dar
continuidade às atividades. Mas as instituições não têm estrutura para isto”. No que diz
respeito ao Cras, destaca-se ainda um outro
inusitado problema: em função do Estatuto
da Criança e do Adolescente, os gestores da
entidade não podem, nem mesmo, estimular o trabalho daqueles que são atendidos
pela instituição: “Se trabalharem nas hortas,
a atividade pode ser interpretada como uma
forma de exploração”.
Marinalva comenta, porém, que,
hoje, muitas escolas mostram-se interessadas pela iniciativa em função da diversificação da merenda escolar e da possibilidade de re-educação alimentar. “Para
tais fins, há grande procura por mudas de
hortaliças não-convencionais. Ao oferecê-
-las e realizar palestras nas escolas, temos
conseguido dar continuidade ao projeto.
Nesses encontros, buscamos o resgate do
cultivo das espécies e a diversificação dos
hábitos alimentares”, conclui.
Conforme se pode perceber, atualmente, os pesquisadores têm como trunfo
o trabalho com as chamadas “hortaliças
não-convencionais”. Além de oferecer as
mudas, realizam palestras nas instituições
de ensino. Mantém-se, desse modo, o estímulo à ingestão de tais espécies e à melhoria da dieta alimentar das comunidades.
Embora não estejam dia a dia nas escolas
– ambiente onde o projeto se desenvolveu
inicialmente –, os profissionais da Epamig
permanecem incentivando a implantação
de hortas e a ingestão das saborosas (e
saudáveis) riquezas da terra.
Projeto: Hortas escolares como fonte
de difusão de conhecimento e educação
ambiental em Prudente de Morais (MG)
Coordenador: Luciano Donizete
Gonçalves
Modalidade: Apoio à Difusão e
Popularização da Ciência e Tecnologia
Valor: R$ 28.526
Hortaliças pedagogas
Popularizar o cultivo de hortaliças em ambientes domésticos não foi o único objetivo do projeto desenvolvido
pelos pesquisadores da Epamig. Além da difusão de conhecimentos e tecnologias ligados à produção das plantas, a
implantação de hortas em ambientes escolares e domésticos
cumpre papel ainda mais importante na formação da comunidade. “A iniciativa também serve como ferramenta didática para as áreas de conhecimento abordadas nas diferentes
disciplinas responsáveis pela formação do aluno”, ressalta
Luciano Gonçalves.
O desenvolvimento de hortas que contemplem o manejo
adequado de hortaliças e plantas medicinais, portanto, permite que os alunos compreendam melhor as atividades pedagógicas a que são submetidos no dia-a-dia. Neste sentido, a
iniciativa da Epamig acabou por realçar-se como uma espécie
de “canal” de construção e difusão de conhecimento sobre
biologia vegetal (classificação botânica e descrição de órgãos
e tecidos das plantas) e fatores do ambiente (água, solo e
clima) relacionados à produção dos vegetais.
Por fim, o cultivo de plantas, realizado a partir de preceitos da agricultura orgânica – segundo os quais não se
deve usar defensivos agrícolas e é preciso investir no manejo
sustentável –, apresentou-se como excelente ferramenta de
educação ambiental.
Consciência ecológica é estimulada por meio do cultivo de hortas
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
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plataforma lattes
Divulgar
é preciso
CNPq estabelece inovação e divulgação de projetos na mídia
como novos critérios de avaliação da produção científica
Fabrício Marques
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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
“O País precisa de uma Ciência cada
vez mais antenada com a sociedade, e para
isso, o cientista deve reconhecer o seu
papel de engajamento no cotidiano das
pessoas”. A afirmação tem sido repetida
pelo presidente do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), Glaucius Oliva, e ganha concretude com a notícia de que, em breve, dois
novos critérios de avaliação do pesquisador brasileiro serão incluídos na Plataforma Lattes, que traz currículos e atividades
de 1,8 milhões de pesquisadores de todo o
País (segundo números do Conselho).
A intenção do CNPq é aumentar o
conhecimento da sociedade sobre as atividades científicas que ocorrem no País.
São duas abas, uma na qual o pesquisador
colocará informações sobre a inovação de
seus projetos e pesquisa; e, na outra, listará iniciativas de divulgação e educação
científica. “Estamos traduzindo uma ideia,
que já existe, de valorizar a divulgação
científica e a inovação”, observa o diretor
de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do CNPq, Paulo Sérgio Lacerda Beirão.
Na aba “Divulgação” será avaliado
se os cientistas têm blogs pessoais sobre
Ciência, se divulgam em mídia os resultados dos seus trabalhos, se proferem palestras ou participam de feiras de Ciência
em escolas, por exemplo. Todas essas
ações terão o mesmo peso? Por exemplo, um cientista que mantém um blog há
cinco anos, e outro que começou agora,
como isso será pontuado?
Beirão explica que existem várias
formas de divulgação, e a aba contemplará todas elas. A valorização de cada uma
das atividades vai depender da natureza
das chamadas e do comitê julgador, que
vai avaliar a qualidade do trabalho. O
importante é que vai tornar visível para
o julgamento a atividade do pesquisador
na área de divulgação. “Uma entrevista é
uma coisa – outra é escrever um trabalho
elaborado ou um vídeo – a priori não é
o CNPq que dirá o que deve ou não ser
valorizado”, diz Beirão.
Os editais podem estabelecer critérios
relacionados com a natureza da atividade. O
diretor do CNPq exemplifica: “em um edital
na área museológica, a experiência em museu vai pesar mais do que uma entrevista ou
artigo em jornal. Por outro lado, se for um
edital para livro de divulgação, essa experiência vai pesar mais do que a de museu.
Uma coisa parecida se dará com a aba da
‘Inovação’. Tudo dependerá do propósito do
edital: uma patente concedida internacionalmente, ou só um pedido, ou relatório técnico que ajudou uma empresa a fazer algo.
Nesses casos também haverá mecanismo
de verificação (por exemplo, ao informar o
número de uma patente, o sistema automaticamente emite a comprovação)”.
Os novos critérios podem ajudar na
mudança da mentalidade de alguns pesquisadores e cientistas que têm certa má vontade com a mídia em divulgar suas pesquisas,
mesmo sabendo que são financiados com
dinheiro público. Na opinião de Paulo Sérgio Beirão, há duas razões para essa atitude.
“A primeira é que existe pesquisador que
acha que não deve se ocupar dessa divulgação. A criação da aba está sinalizando que o
CNPq acha que é importante”, diz, descrevendo em seguida a segunda razão: “é uma
espécie de pudor do pesquisador de que alguma informação passada ao jornalista seja
hipertrofiada mais do que deveria, um receio
de que o que está fazendo seja colocado de
forma que não corresponda à realidade”.
Outro ponto que se percebe é que
muitas empresas deixam de investir em
pesquisa, ao mesmo tempo que muitos
pesquisadores veem empresários e empreendedorismo com maus olhos por puro
preconceito de ambos os lados. Segundo
Beirão, no passado esse conflito era muito
forte, mas ainda há resquícios hoje. “Contudo, podemos dizer que essa mentalidade
está desaparecendo. Predominantemente
não existe mais essa suspeição de ambos
os lados. A aba da Inovação vai ajudar,
pois o CNPq sinaliza que é algo importante, o que tende a induzir mudanças culturais nos pesquisadores”.
“A aba da Inovação
vai ajudar, pois o
CNPq sinaliza que
é algo importante, o
que tende a induzir
mudanças culturais nos
pesquisadores”.
Paulo Sérgio Lacerda Beirão
Diretor de Ciências Agrárias,
Biológicas e da Saúde do CNPq
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
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Repercussão
MINAS FAZ CIÊNCIA repercutiu a
novidade entre representantes do meio
acadêmico, como a diretora de Divulgação Científica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Silvania
Sousa Nascimento. De acordo com
ela, o reconhecimento, pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação,
do papel da Divulgação Científica no
cotidiano do pesquisador é refletido na
recente definição de um espaço público
e oficial para o registro do investimento
neste tipo de atividade. ‘‘O volume do
conhecimento científico e tecnológico
praticamente dobra a cada dez anos, e
as consequências tecnológicas desse
crescimento desestabilizam as relações
de produção e circulação de conhecimentos, assim como os valores sociais
e culturais’’, ressalta Silvania.
A seu ver, inseridos nesse mundo em
transformação, os mecanismos de validação da investigação científica, em muitos
paises pós-industriais, já consolidaram a
compreensão de que o saber acadêmico
não é a única fonte de apropriação do
conhecimento, estando toda a sociedade
mobilizada em uma cultura do aprender.
‘‘As mídias (imprensa escrita e midiática) e mesmo os equipamentos culturais
(plantários, museus, teatro e cinema) participam desse desafio de divulgar e popularizar as Ciências, assim como de promover
processos educativos’’, completa.
O ponto de vista que Silvania defende
é o da comunicação pública das Ciências,
‘‘não dentro de um modelo de défict onde
há uma comunicação no sentido daqueles
que produzem para aqueles que consomem o conhecimento científico, mas uma
visão dialógica de promoção de encontro
entre esferas de saberes com sistemas de
validação diferenciados’’.
A iniciativa do CNPq de aperfeiçoar
os seus critérios de avaliação, ao incluir
a divulgação científica e tecnológica, é
muito bem-vinda, reconhece Silvania:
“Para avançarmos mais no âmbito social,
econômico e tecnológico é fundamental
conquistarmos as novas gerações e termos a sociedade como aliada da Ciência
e da Inovação”.
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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
De acordo com a diretora, no Brasil
observamos, nos últimos anos, ‘‘principalmente em decorrência de uma política
pública de popularização das Ciências,
pilotada principalmente pelo MCTI e as
FAPs, das quais a FAPEMIG tem um protagonismo importante, a profissionalização
dos setores de jornalismo científico e de
produção da cultura científica em diversos espaços sociais, demonstrando que o
modelo fechado de circulação do conhecimento científico começa a ser rompido’’.
Silvania explica que atualmente
temos fontes de financiamentos na fronteira da produção de conhecimento, mas
também de sua socialização via editais
de publicações, de extensão com interface na pesquisa, de popularização, de
produção e designer de dispositivos de
popularização das Ciências, entre outros.
‘‘A introdução de campos de registro da
produção acadêmica neste setor somente
demonstra a necessidade de dar visibilidade a esta crescente produção e a importância de se pensar que devemos legar às
gerações futuras e todas as camadas da
sociedade nosso conhecimento científico’’, pondera.
Um motivo a mais
O professor Eduardo de Campos
Valadares, do Departamento de Física da UFMG, coordena, entre outros, o
projeto “Física Mais que Divertida”, que
já virou livro e exposição, e é premiado
por suas ações em prol da popularização
da Ciência. De acordo com Valadares, a
inserção na plataforma Lattes, das atividades relativas à inovação de projetos,
pesquisas, das iniciativas de divulgação
e educação científica, permitirá o aporte
de significativos dados, “possibilitando
uma visão sistêmica das atividades do
pesquisador e da relação da sua Ciência
com a comunidade”.
Já o pesquisador Luiz Carlos Borges
Ribeiro, do Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price e Museu dos
Dinossauros da Universidade Federal do
Triângulo Mineiro, entende que pontuar o
currículo com essas ações será um grande incentivo à boa parte dos investigadores que ainda se encontram resistentes a
socializar o fruto do seu trabalho com a
população: “A Ciência deve servir a sociedade em toda sua plenitude, e a partir de
agora, terá um motivo a mais para a democratização dos seus saberes específicos.
Com esta nova diretriz do CNPq, Ciência
e sociedade se complementam”.
O professor Castor Cartelle Guerra,
curador da coleção de Paleontologia da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Puc-MG), reconhece e parabeniza o CNPq pela atitude de valorizar
algo que esteve à margem nos organismos de fomento: a divulgação da Ciência. “Muito deveria ser feito para que
pesquisadores levassem suas descobertas ao grande público pelos veículos
mais variados: entrevistas, exposições,
CD’s, conferências, reportagens, feiras,
literatura de divulgação... É um retorno
para quem financia as pesquisas, à população. É democratizar a Ciência. O trabalho de divulgação deveria ser preocupação permanente de quem faz Ciência”. Outra opinião que vai ao encontro
das de Valadares, Ribeiro e Guerra é a de
Adlane Vilas Boas Ferreira, do Instituto
de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG,
que desenvolve trabalhos de divulgação
científica junto à Rádio UFMG Educativa,
com os programas “Na Onda da Vida” e
“Ritmos da Ciência”. Para ela, o fato de
o CNPq dar a possibilidade de se destacar no currículo Lattes as atividades de
divulgação e popularização da Ciência
representa um marco na história da pesquisa no Brasil: “É um reconhecimento ao
trabalho de muitos pesquisadores e outros profissionais que já fazem atividades
assim, há muitos anos, sem necessariamente serem valorizadas”.
De acordo com Adlane, muitos pesquisadores acreditam que a difusão do
conhecimento para públicos não-especializados seja importante, mas não priorizam
esta divulgação, pois outros tipos de produção “contam mais” nos seus currículos.
“Assim, ante à grande demanda que o
pesquisador tem no trabalho de leituras,
produção de artigos em revistas especializadas e na orientação de seus alunos, a
popularização da Ciência é deixada para
um segundo plano”.
Com a valorização das atividades de
divulgação científica pelo CNPq, Adlane
acredita que, em princípio, o pesquisador
mais consciente dessa importância poderá
se envolver mais em atividades como escrita em blogs de Ciência, organização de
exposições, palestras informais, escrita de
artigos em revistas de Ciência populares e,
inclusive, se abrir para entrevistas e mídia.
Em sua opinião, isto ajudará a criar uma
política de divulgação científica dentro dos
institutos de pesquisa e universidades.
“Mas acredito que este passo será
ainda mais importante para o reconhecimento do trabalho de muitos professores
universitários que têm se dedicado prioritariamente ao ensino de Ciências e à divulgação científica”, afirma. Segundo Adlane, é
um reconhecimento para uma atividade para
a qual nem todos têm aptidão: “O trabalho
de popularização da Ciência exige conhecer
o público com o qual se quer conversar. É
necessário se esforçar para comunicar a Ciência com criatividade e arte”.
“Mas acredito que
este passo será ainda
mais importante para
o reconhecimento
do trabalho de
muitos professores
universitários que
têm se dedicado
prioritariamente ao
ensino de Ciências e à
divulgação científica”
Adlane Vilas Boas Ferreira
Pesquisadora
Plataforma Lattes
A Plataforma Lattes está disponível
na internet desde 1999. Passados 13 anos
essa inovação trouxe consequências para
os pesquisadores e para as agências de
fomento federais e estaduais. O diretor do
CNPq Paulo Sérgio Lacerda Beirão comenta que a Plataforma vem se aperfeiçoando
e constitui um instrumento poderoso para
conhecimento de nossos pesquisadores,
único no mundo: “Vários países querem
implementar uma coisa parecida, já saiu
até matéria na revista Nature elogiando.
Não damos conta da importância que ela
tem, de tão comum que é consultá-la. Tornou-se um padrão nacional, utilizado para
qualquer agência de fomento”.
De acordo com Beirão, “a Plataforma
Lattes é um instrumento disponível o tempo todo na internet e é muito mais confiável do que currículos impressos porque
é público. São informações autenticadas,
verificáveis no próprio currículo, e, na
hipótese de falsidade, ela é detectada por
qualquer pessoa. Traz, portanto, um nível
de confiabilidade muito maior do que o
currículo convencional”.
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
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entrevista
Pela
sobrevivência
das espécies
Professor emérito
da USP e exSecretário Especial
do Meio Ambiente,
o físico José
Goldemberg fala, à
MINAS FAZ CIÊNCIA,
sobre o que esperar
da Conferência
Rio+20
Maurício Guilherme Silva Jr.
Também conhecida como ECO-92,
Rio-92, Cúpula ou Cimeira da Terra,
a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Cnumad), foi realizada entre
3 e 14 de junho de 1992. O principal
objetivo do evento foi a busca de
conciliação entre desenvolvimento
socioeconômico e conservação dos
ecossistemas da Terra.
28
Nas últimas duas décadas, o que efetivamente foi feito pelas nações em defesa da
saúde do planeta? Passados vinte anos da
realização, no Rio de Janeiro, do encontro
que reuniu centenas de chefes de Estado interessados em problematizar a relação entre
progresso e meio ambiente, o que dizer da
concretude das convenções do Clima, da
Biodiversidade e do programa Agenda 21,
iniciativas adotadas, à época, com base no
ideal – já emergente – de sustentabilidade?
De 20 a 22 de junho de 2012, também na
“Cidade Maravilhosa”, respostas a essas
e outras inúmeras questões hão de ser debatidas – e, quem sabe, delineadas – pelos
participantes da Conferência Rio+20 (www.
rio20.info/2012), evento promovido, pela
Organização das Nações Unidas (ONU), com
o objetivo de discutir os rumos do desenvolvimento sustentável no mundo.
Estruturada sob dois focos – A economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da
pobreza e O quadro institucional para o
desenvolvimento sustentável –, a Conferência pretende tornar-se a Ágora propícia
ao debate de temáticas caras à sobrevivência do homem sobre a Terra. Trata-se,
entre outros, de assuntos relacionados a
energia, alimentação, desastres naturais,
crescimento urbano, recursos hídricos
e empregabilidade. Resta saber o que,
categoricamente, deverá tornar-se ação
concreta. Polêmico, o debate em torno
da real eficácia do evento gera múltiplas
interpretações.
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
Para o físico José Goldemberg, professor emérito da Universidade de São
Paulo e ex-secretário especial do meio ambiente da Presidência da República – cargo
que ocupou em 1992 –, as perspectivas de
sucesso da Conferência são ainda incertas:
“Mais esforço é necessário, por parte do governo brasileiro, para evitar que ela se torne
apenas um palco para declarações retóricas
e politicamente corretas”, ressalta. Doutor
em Ciências Físicas pela USP, da qual foi
reitor entre 1986 e 1990, Goldemberg também presidiu a Companhia Energética de
São Paulo (Cesp), a Sociedade Brasileira de
Física e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
No governo federal, atuou como
secretário da Ciência e Tecnologia (19901991) e ministro da Educação (19911992). No estado de São Paulo, foi secretário do Meio Ambiente (2002 a 2006).
Atualmente, integra a Academia Brasileira
de Ciências, a Acadêmia de Ciências do
Terceiro Mundo e é co-presidente do Global Energy Assessment, sediado em Viena.
Condecorado em 2008 com o Prêmio
Planeta Azul (Blue Planet Prize) – concedido pela Asahi Glass Foundation, uma
das mais importantes distinções na área
de meio ambiente –, José Goldemberg comenta, a seguir, os rumos da Conferência
Rio+20. Nesta conversa com MINAS FAZ
CIÊNCIA, realizada por e-mail, o pesquisador discute, ainda, os ecos do encontro de
1992, os “recados” da natureza e o papel a
ser desempenhado pelo Brasil, no cenário
Foto: Arquivo pessoal
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
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“Mais esforço é
necessário, por
parte do governo
brasileiro, para evitar
que ela se torne
apenas um palco para
declarações retóricas e
politicamente corretas.”
internacional, em defesa do desenvolvimento sustentável.
Ações versus retóricas
“A Conferência Rio+20, cujo objetivo é
promover o balanço do que se conseguiu
realizar nos últimos 20 anos, na direção de
um desenvolvimento sustentável, recebeu
nome apropriado. Eventualmente, também
há a possibilidade de que novos caminhos
e ações sejam propostas. As perspectivas
de seu sucesso, porém, são ainda incertas. Mais esforço é necessário, por parte
do governo brasileiro, para evitar que ela
se torne apenas um palco para declarações
retóricas e politicamente corretas. A razão
para um certo pessimismo origina-se no
documento O futuro que queremos, preparado pelas Nações Unidas em janeiro.
Este texto, que deverá ser discutido – e,
provavelmente, adotado pelos países em
junho – possui 128 parágrafos, a grande
maioria dos quais não passam de exortações aos países-membros da Organização
das Nações Unidas (ONU), para que façam
mais na direção do desenvolvimento sustentável. Nele, contudo, não são delineados planos de ação concretos. As palavras
‘reafirmar’, ‘reconhecer’, ‘encorajar’ e ‘apelar’ aparecem em 118 dos 128 parágrafos.
Ainda há esperanças de acordos reais na
Rio+20, além dos compromissos retóricos
usuais, mas a perspectiva não são boas,
em parte, por causa da posição do Governo
brasileiro, que não aceitou a transição para
uma ‘economia verde’ como meta central.”
Ah, o Pão de Açúcar!
“Para ser realista, a Rio+20 corre o risco
de ser um evento sem maior significado
histórico, diferentemente do que foi a RIO
92. Pode ser, inclusive, que não atraia um
número significativo de chefes de Estado.
É o caso de perguntar a razão por que tais
chefes de Estados, enfrentando as turbulências da crise econômica em seus países,
iriam se deslocar ao Rio de Janeiro para tirar belas fotografias do Pão de Açúcar, e não
adotar resoluções realmente relevantes para
a população de seus países? Os problemas
imediatos que eles enfrentam ocupam suas
agendas. Portanto, prioridades e preocupações com mudanças climáticas podem pa-
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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
recer menos urgentes. Esta visão, contudo,
é completamente equivocada e, se não for
alterada a tempo, transformará a Rio+20
num evento medíocre e, possivelmente, embaraçoso para o governo brasileiro.”
Ecos da ECO-92
“Além de intensas negociações, a Conferência ECO-92 foi precedida pela preparação das convenções posteriormente assinadas. Depois dela, passaram-se cinco
anos até a adoção do Protocolo de Kyoto,
que fixou metas para a redução das emissões de gases responsáveis pelo aquecimento da Terra e um calendário para cumpri-las. O protocolo só entrou em vigor em
2005 e, mesmo assim, os Estados Unidos
se mantiveram fora dele. Os progressos
alcançados desde 1992 foram modestos e
as ameaças à sustentabilidade do desenvolvimento, em 1992, não só não desapareceram, como se tornaram ainda maiores.
O que não significa que nada tenha sido
feito, apesar de os Estados Unidos não
terem aderido ao Protocolo de Kyoto. Os
países da União Europeia cumpriram razoavelmente bem os seus compromissos.
Muitos municípios, e até Estados de países
federativos, seguiram as recomendações
da Agenda 21. Alguns, ainda, adotaram
metas para a redução de emissões, como o
Estado da Califórnia, nos Estados Unidos,
e o de São Paulo, no Brasil.”
E o planeta se rebela
“Para citar um exemplo, lembro que cientistas dizem claramente, em sua análise,
ser inevitável, até 2050, o aumento da temperatura em mais de 3 graus centígrados,
superando o limite – até agora aceito – de
2 graus centígrados, com todas as suas graves consequências. No caso do Brasil, isto
resultará em maior precipitação de chuvas
na região Sudeste, e menor na Amazônia,
que ficará mais seca. Mais ainda, a precipitação será mais intensa em períodos de
tempo menores, o que ocorre em São Paulo, com as chuvas torrenciais em todas as
tardes de verão. Também vale à pena mencionar o aumento dos eventos climáticos
e hidrológicos extremos, como enchentes,
secas, cuja frequência anual era de 400, em
1980, e dobrou nos últimos 30 anos.”
Novos compromissos
“O que se espera da Rio+20 é que sejam
aprofundados os compromissos adotados
em 1992. Além disso, trata-se da oportunidade para assumir novos pactos. Não é
o que transparece, porém, no documento
preparado pela ONU, que está em consideração pelos Estados-membros. De concreto mesmo, o que ele propõe é transformar o Programa das Nações Unidas para
o Meio Ambiente (Pnuma) numa agência
da ONU – como a Organização Mundial da
Saúde ou a Organização Mundial do Comércio –, o que lhe daria mais poderes e
recursos. A ideia é boa, mas de caráter burocrático. Pensa-se, também, em criar, até
2015, indicadores para medir os progressos feitos. Há sugestões de um indicador
de desenvolvimento que leve em consideração, além do Produto Interno Bruto, os
custos causados ao meio ambiente pelo
desenvolvimento predatório.”
Não temos tempo!
“O documento da ONU também faz propostas na área de energia, o que não ocorreu na Agenda 21. Endossa a proposta do
secretário-geral das Nações Unidas, Ban
Ki-moon, de dobrar, até 2030, a eficiência
com que a energia é usada e, o que é mais
importante, duplicar no mesmo prazo a
fração de energia renovável na matriz energética mundial. Reconhecer a importância
da energia como fator fundamental para o
desenvolvimento sustentável não é mais
do que reconhecer a realidade, mas sua
inclusão nas resoluções da Rio-92 foi vetada, à época, pelos países produtores de
petróleo. Infelizmente, 2030 está longe e
até a Conferência de Durban, em 2011, foi
mais ambiciosa, ao acertar que, até 2020,
deve entrar em vigor um acordo internacional que substitua o Protocolo de Kyoto e
fixe os compromissos mandatórios, de todos os países, para reduzir suas emissões
de gases de efeito estufa. As emissões da
China já superam as dos Estados Unidos.”
O papel do Brasil
“O Brasil tem um papel importante no
cenário internacional nesta área, por dois
motivos. O primeiro, negativo, deve-se ao
desmatamento da Amazônia, que diminuiu,
mas ainda é muito grande, com cerca de
500km2 devastados por ano. O papel positivo refere-se à matriz energética do País,
uma das mais limpas do mundo. No total,
47,5% da energia usada no Brasil é renovável. Quanto à Rio+20, para salvar o evento, seria necessária a adoção de protocolos
e de prazos para cumpri-los, por meio de
instrumentos legais. É isso que não ocorreu até agora. Em última análise, quem terá
de assumir ações concretas são os países-membros ou as associações de países,
como fez a União Europeia em relação às
emissões de gases de efeito estufa. Por
essa razão, o Brasil tem excelentes condições de assumir a liderança de tal processo, juntamente à África do Sul, à China e à
Índia, com programas que já adotou e teve
sucesso, como o ‘Luz para Todos’ ou a produção de etanol da cana-de-açúcar. Outros
países têm excelentes programas de energia eólica, como a Espanha, a Dinamarca e
até os Estados Unidos.”
A esperança...
“Os problemas hoje enfrentados pela humanidade são sérios e comprometem efetivamente as gerações futuras. A exploração predatória dos recursos naturais está
levando à exaustão dos combustíveis fósseis e da biodiversidade dos ecossistemas
essenciais à garantia da continuidade da
produção de alimentos. A euforia com descobertas de petróleo no pré-sal, no Brasil,
não muda o fato de que as reservas mundiais de petróleo e de gás não devem durar
muitos anos. E de que seu uso é a principal
fonte da poluição global que enfrentamos.
A percepção de que preocupações com a
proteção ambiental são obstáculos ao desenvolvimento econômico é equivocada e
precisa ser desmitificada. Neste sentido,
a Rio+20 oferece ótima oportunidade para
fazê-lo. Afinal, o desenvolvimento sustentável é possível. A União Europeia e os Estados Unidos têm dado exemplos de que
é possível adotar legislação que conduz a
sociedade na direção correta. A Europa decidiu que até 2020, 20% da energia usada
virá de energias renováveis. Nos Estados
Unidos o desempenho dos automóveis em
quilômetros por litro é fixado em lei desde
1980 encorajando a eficiência energética.”
O quÊ?
Conferência das Nações Unidas
sobre Desenvolvimento Sustentável
Quando?
De 20 a 22 de junho de 2012
Onde?
Rio de Janeiro
Temas centrais?
A economia verde no contexto do
desenvolvimento sustentável e da
erradicação da pobreza e O quadro
institucional para o desenvolvimento
sustentável
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
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artes
Matematica
e Literatura:
modos de usar
Desirée Antônio
Na interseção entre dois campos de saber, pesquisa
investiga a apropriação de regras e conceitos matemáticos
pelos escritores Jorge Luis Borges e Georges Perec
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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
“O Binômio de Newton é tão belo
como a Vênus de Milo. O que há é pouca gente para dar por isso.” Os versos de
Álvaro de Campos, um dos heterônimos
do poeta português Fernando Pessoa, remetem a uma das crenças mais fortes no
imaginário coletivo: a ideia da matemática
como um tipo de conhecimento feio, difícil e árido; algo reservado a gênios – ou
loucos – e apartado de manifestações artísticas. Na visão popular, como dá conta
o poeta, uma expressão matemática jamais
poderia encerrar tanta beleza quanto a famosa escultura da deusa grega do amor.
Para outras pessoas, no entanto, a
matemática pode ser não apenas tão bela
quanto qualquer obra de arte, mas também
inspirar e colaborar diretamente no processo criativo. Essa é a concepção partilhada
por escritores que se valem de regras e
conceitos matemáticos para explorar novas
possibilidades em seus escritos. Um grupo em especial resolveu levá-la às últimas
consequências, permitindo-se toda sorte
de experimentações, combinando matemática e literatura.
Fundado na França, em 1960, pelo
matemático François Le Lionnais e pelo
escritor, enciclopedista e matemático bissexto Raymond Queneau, o Oulipo, sigla
para Ouvroir de Litterature Potentielle, –
Oficina de Literatura Potencial, na tradução
– defendia o exercício de escrever observando certas restrições autoimpostas, que
em francês têm o nome de contraintes. O
grupo contou com a participação de nomes
como Italo Calvino e outros relativamente
menos conhecidos pelo público brasileiro
como Georges Perec.
Tais regras teriam o papel de impulsionar a escrita, concebida como uma
prática que depende de dedicação e método e não de um conceito vago como a
inspiração, como pregava o Surrealismo,
movimento ao qual os oulipianos se contrapunham. As contraintes podem ser tanto
temáticas, quando se determina um tema
comum a partir do qual se produz, quanto
matemáticas ou lógicas, que compreendem recursos como a reorganização de
elementos, mensagens cifradas e jogos de
palavras. Presentes na produção dos escritos, as contraintes não são dadas a ver
de imediato: faz parte da proposta do Oulipo que elas sejam buscadas, procuradas,
desvendadas como num jogo de esconde-esconde ou de um quebra-cabeças, em
que jogam leitor e escritor.
“Dois leitores, diante de um mesmo
texto ou poema, teriam diferentes e potenciais tipos de leitura. E se esses textos ainda pudessem ser permutados, mudados,
jogados, falsificados, ludibriados, haveria
inúmeras outras possibilidades, além da
leitura básica e distinta de cada leitor. A
partir de algoritmos, regras, restrições e
contraintes, potenciais leituras seriam cabíveis”, explica Jacques Fux, autor de Literatura e Matemática - Jorge Luis Borges,
Georges Perec e o Oulipo, livro em que
analisa a apropriação que o escritor argentino Jorge Luis Borges e o francês Georges
Perec e outros autores fizeram da matemática em seus trabalhos. O título, lançado
no ano passado (Ed. Tradição Planalto,
224 p., R$ 45), é baseado em sua tese de
doutorado em Literatura Comparada, pela
Faculdade de Letras (Fale) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e em
Língua e Literatura Francesa pela Universidade Charles-de-Gaulle, na França.
Matemático de formação e professor universitário, com passagem pela
Ciência da Computação, onde obteve seu
mestrado, Jacques revela que sempre se
sentiu incomodado com o abismo que comumente se imagina entre matemática e
literatura e que sempre foi um apaixonado
pelas letras. “Eu costumava levar os livros
do Borges para ler nos intervalos das aulas e ficava fascinado por aquelas histórias e pensava nelas por horas depois
de lê-las”, conta Jacques, revelando a
origem de seu interesse pelo autor argentino. Já o gosto por Perec veio mais tarde,
quando tomou contato com sua obra por
meio da professora da Fale, Maria Esther
Maciel, que viria a ser sua orientadora no
projeto de doutorado.
Duas questões foram centrais em
sua investigação, desenvolvida entre
2007 e 2010, a primeira: demonstrar que
Borges utiliza os conceitos próprios da
matemática e da lógica com o mesmo
objetivo dos oulipianos: aumentar as
potencialidades de escrita e leitura dos
“Dois leitores, diante
de um mesmo texto ou
poema, teriam diferentes
e potenciais tipos de
leitura. E se esses textos
ainda pudessem ser
permutados, mudados,
jogados, falsificados,
ludibriados, haveria
inúmeras outras
possibilidades, além da
leitura básica e distinta
de cada leitor.”
Jacques Fux
Pesquisador
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textos; a segunda: mostrar que o domínio de técnicas e recursos matemáticos
abre novas possibilidades de redação,
tanto à estrutura da narrativa, quanto aos
temas explorados. Para respondê-las, o
pesquisador dedicou quatro anos a dissecar a obra desses autores, visitando
centros de estudos dedicados a eles na
Argentina e na França e consumindo,
compulsivamente, materiais para apurar
suas semelhanças e distinções.
Perec e a literatura como jogo
O escritor Georges Perec nasceu na
França, em 1936, e morreu em 1982. Filho de judeus poloneses que se fixaram
em terras francesas, perdeu ambos ainda
criança por circunstâncias da Segunda
Guerra Mundial e foi criado por tios. A experiência de falta, sofrida tão cedo, marcaria para sempre sua literatura, atividade
a que se dedica a partir de 1965, com o
lançamento do romance As Coisas: Uma
História dos Anos Sessenta.Em 1967,
o escritor é convidado por Raymond
Queneau para integrar o Oulipo, quando
então passa a adotar as regras do grupo
na elaboração de seus livros, onde se
encontra todo tipo de jogos de palavras,
enigmas e outras estratégias, consideraImagem: Reprodução
Capa do livro Literatura e Matemática;
pesquisa recebeu Prêmio de Melhor Tese da
Pós em Estudos Literários da UFMG
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dos de natureza matemática pelo rigor e
formalismo com que são tratados. Dentre
eles, há palíndromos, textos que podem
ser lidos da direita para a esquerda ou
vice-versa; anagramas, que consistem na
formação de outras palavras ou textos a
partir do rearranjo de suas letras; lipogramas, um tipo de composição que exclui
uma ou mais letras do alfabeto. Perec se
valia também da lógica, do esforço de
classificação e descrição exaustiva dos
elementos e da estrutura e dinâmica do
xadrez e do go, um jogo de tabuleiro chinês, similar ao xadrez, mais complexo e
com número de combinações possíveis
muito maior.
Com o emprego desses recursos, o
autor foi capaz de alguns feitos memoráveis, como produzir um palíndromo de 5
mil palavras, com o livro Palindrome, de
1973, e outros dois grandes lipogramas: o
conto “What a Man!”, em que se permite
usar apenas a vogal “a”, e o romance La
disparition (O Desaparecimento), no qual
que narra a história de um homem que vai
desaparecendo, em mais de 300 páginas
sem utilizar a letra “e”, a mais usada pelo
idioma francês. Sobre o último título, lançado em 1969, Jacques pontua a existência de estudos que veem na supressão da
vogal uma metáfora para a perda precoce
dos pais do francês, as pessoas mais importantes de sua vida.
A relação de Perec com as contraintes seria alçada a outro patamar,
com a publicação, em 1978, daquela
que é considerada sua maior obra, A
vida: modo de usar. O romance, ou “romances”, como o chama o autor, conta a
história do milionário Percy Bartlebooth,
que escolhe uma curiosa forma de usar
sua vida: passar alguns anos aprendendo a pintar aquarelas, outros tantos visitando marinhas pelo mundo e pintando telas, retratando-as. Esses quadros
seriam mais tarde transformados em
quebra-cabeças, que ele gastaria outros
tantos anos montando. Finalmente prontos e retransformados em quadros, eles
seriam transportados para os locais que
inspiraram sua pintura e mergulhados
numa solução de detergente, obtendo
novamente telas em branco.
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
A partir desse enredo central, são
apresentadas várias outras pequenas
histórias dos moradores do prédio em
que vive Bartlebooth, todas relacionadas
a ele, de alguma forma, e dispostos em
99 capítulos. Tanto a forma de “passear”
pelos apartamentos quanto os elementos
da trama são determinados por contraintes específicas, criadas ou adaptadas por
Perec. “O projeto de A vida modo de usar
é rigoroso e bem estruturado. A composição do livro explora três principais estruturas matemáticas: o biquadrado latino
ortogonal de ordem 10, a poligrafia do
cavalo e o pseudoquenine de ordem 10”,
enumera Jacques.
O biquadrado latino é uma espécie
de tabela, composta por vários quadrados
preenchidos com pares de elementos,
que devem ser diferentes entre si. Neste
caso, 100 quadrados, já que se trata de
um tabuleiro de 10 x 10. Essas combinações podem ser associadas a certos
tipos de objetos, organizados em listas,
estabelecendo-se, assim, quando, como
e onde “alocá-los” no texto. Perec propõe
em seu romance o uso de 42 contraintes
na forma de atributos ligados às personagens: posição, móveis, animais, cores,
joias, livros, citações, música, alimento,
dentre outras. Essas categorias, para as
quais há listas de dez opções possíveis –
por exemplo, dez cores, dez canções, dez
títulos – são combinadas em 21 pares,
que associavam, por exemplo, atividade
e posição, citação 1 e citação 2, idade e
sexo, livros e música.
Na contrainte “citações”, vale dizer,
há referências a Borges, uma importante
influência para o Oulipo, seja com a reprodução de trechos de seus contos ou
com a referência a seus problemas ou
personagens. Para os oulipianos, especialmente Perec, o argentino encanaria
um conceito desenvolvido por eles: o de
“plagiário por antecipação, noção que já
estaria presente num conto do próprio
Borges chamado “Os precursores de Kafka”. No texto, incluso no Outras Inquisições, de 1952, ele faz uma inversão da
cronologia e afirma que são os literatos
contemporâneos que criam seus precursores, e não o contrário. Pelo raciocínio,
explica Jacques, ao usar a matemática e
seus conceitos abstratos como instrumentos para expandir os limites de sua
ficção, Borges se tornaria um plagiador
das regras oulipianas antes mesmo de
sua criação.
As outras duas estruturas d’A Vida
Modo de Usar, a pseudoquenine, a adaptação de uma regra de permutação, que consiste na alteração da posição dos elementos
de um grupo e a poligrafia do cavalo são
usadas, respectivamente, para determinar,
do modo mais desordenado possível, qual
das dez opções disponíveis para cada par
de atributos seria usada em cada capítulo, e
definir o “percurso” do romance pelos apartamentos do prédio. A poligrafia do cavalo
recebe este nome por simular o movimento
da peça no jogo de xadrez, cujo deslocamento é sempre em formato de “L”.
Um traço em especial da literatura de
Perec, segundo Jacques, é o tema do esgotamento, seja da descrição dos elementos
que compõem uma cena, seja da projeção
de todas as leituras e movimentos possíveis
do seu leitor. O matemático explica que,
apesar do esforço, o próprio escritor reconhece a inviabilidade de sua empresa.
“Em muitos momentos, Perec escreve que a literatura, assim como a arte do
puzzle, é um jogo que se joga a dois, na
qual cada forma de leitura foi pensada anteriormente pelo autor, controlando assim
todas as suas possibilidades. Porém, ele
próprio discorda e refuta, o tempo todo,
esse jogo entre autor e leitor. Por mais matemático e estruturado que o projeto literário seja, quando a obra alcança o público,
leitura e recepção não estão mais nas mãos
do construtor de puzzles”, avalia.
Entre labirintos e infinitos
Considerado um dos maiores e mais
inovadores escritores de língua espanhola, Jorge Luis Borges nasceu em Buenos
Aires, Argentina, em 1899 e morreu em
Genebra, Suíça, em 1986.
Sua obra é marcada pelo fantástico, pela quebra das noções de realidade
e invenção e da exploração constante de
problemas como o infinito, a linearidade x circularidade do tempo, paradoxos, a existência de outros mundos e
realidades possíveis e de conjuntos que
contêm a si próprios. Nelas, são também recorrentes imagens como as de
espelhos, labirintos e bibliotecas sem
fim, nas quais haveria livros que conteriam todos os outros livros do mundo,
como a retratada no conto “A Biblioteca
de Babel”, encontrado na reunião de
contos Ficções, de 1944.
O fascínio de Borges pelos números
e suas possibilidades aumenta com a leitura de Matemática e Imaginação, de 1940,
escrito pelos professores de matemática
norte-americanos Edward Kasner e James
Newman, uma obra que introduz conceitos
matemáticos de forma didática e divertida.
De acordo com Jacques, o título seria mais
uma ligação entre Borges, Perec e outros
oulipianos, que também teriam lido e se
inspirado pelo livro.
Antes mesmo da descoberta da obra,
Borges já empregava paradoxos matemáticos, como o “paradoxo da impossibilidade
do movimento”, trabalhado nos textos “A
perpétua corrida de Aquiles e da tartaruga”
e “Avatares da tartaruga”. Enunciado pelo
filósofo grego Zenão de Eleia, (século V
a.C), o problema coloca que seria impossível um corredor alcançar seu oponente
ainda que fosse mais veloz do que ele porque o espaço que os separa seria divisível
infinitamente em partes cada vez menores.
Quando o corredor 1 chegava ao ponto em
que estava seu oponente, seu oponente já
teria se movido mais um pouco, o que se
repete infinitamente, de modo que nunca
se alcançaria o atleta 2.
A explicação por trás da questão era
a crença de que a soma de termos de uma
série em que o termo anterior é a metade de
seu sucessor, por exemplo, 1/2, 1/4 , 1/8 ...,
seria infinita, o que foi refutado no século
XIX pelo matemático russo Georg Cantor,
que demonstrou que, apesar de os termos
serem infinitos, sua soma seria igual a 1.
A possibilidade de resolução matemática
da questão não lhe diminui o valor como
estímulo para ficção, e Borges continuou
a explorá-la, como o fez no conto policial
“A morte e bússola”, no qual a solução de
um assassinato passa pelo problema da
impossibilidade do movimento combinado
à imagem do labirinto.
Além de explorar a matemática como
elemento ficcional, Borges também pensa
em sua contribuição para a estruturação
do enredo de contos policiais, esboçando
um conjunto de regras para esse tipo de
narrativa, no texto “Os labirintos policiais
e Chesterton”, como a limitação do número de personagens a não mais que seis
e a importância de uma solução que soe
mágica, mas ainda coerente com o todo.
As histórias de mistérios policiais pedem,
além de uma forma mais ou menos fixa,
um certo tipo de recepção.
“O leitor do conto policial poderia
ser também o leitor oulipiano ou o leitor
borgiano: é aquele que busca as soluções
dos jogos, das trapaças, dos paradoxos,
aquele que laboriosamente tenta descobrir as contraintes utilizadas por Perec
em A Vida modo de usar ou resolver os
paradoxos de Russel [o filósofo e matemático inglês Bertrand Russel] utilizados
por Borges”, esclarece Jacques.
O matemático cita ainda outra semelhança entre os escritores: as referências
que ambos fazem à Cabala, ciência da interpretação de textos judaicos que afirma
que cada letra do alfabeto corresponde a
um valor numérico e que, combinadas,
têm o poder de criar e destruir. Ele ressalta que, apesar das aproximações entre os
dois autores, ambos, que não tinham especial domínio dos números, concebiam
o papel da matemática de maneira muito
própria: em Perec, ela surge como uma
ferramenta para a estruturação de seus
textos, e em Borges, como inspiração
para elementos da trama.
Para quem se interessou pela abordagem, mas se preocupa com a matemática envolvida, Jacques avisa que não é preciso possuir conhecimentos matemáticos
apurados para compreender – ou apreciar
– os livros dos autores. Tê-los, no entanto,
favorece uma experiência mais completa
da leitura. “Acho interessante os leitores
pensarem no está ‘além’ e ‘escondido’ no
livro: enigmas, restrições, psicanálise,
jogos, referências, intertextualidades e
muito mais que ainda não descobrimos,
como em qualquer ‘alta literatura’. Há vários níveis de leitura do livro; cabe ao leitor
desvendá-los”, afirma.
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
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COMPORTAMENTO
Pesquisa investiga perfil do consumo de álcool por
estudantes da Ufop e revela que a bebida prejudica
rotina de estudos e redefine padrões de sociabilidade
Maurício Guilherme Silva Jr.
Muito se discute, atualmente, a relação entre bebida e volante. Assunto do momento, a Lei Seca divide opiniões, apesar
do consenso em torno da mais óbvia das
máximas: automóveis exigem prudência e
não podem ser transformados em armas.
Também o alcoolismo é tema em permanente debate no “espaço público”, dos
programas de variedades às telenovelas,
das revistas especializadas aos rituais religiosos. Curioso perceber que, mais do
que o composto responsável por promover
alterações fisiológicas nos indivíduos, em
ambos os casos aqui citados, o álcool torna-se protagonista devido a outra de suas
complexas possibilidades: a capacidade
de estimular a redefinição das práticas de
sociabilidade daqueles que o consomem –
principalmente, em altas dosagens.
Interessados em problematizar, justamente, os efeitos da bebida alcoólica sobre
as condutas sociais – e também nutricionais – de seus consumidores, estudiosos
da Universidade Federal de Ouro Preto
(Ufop) promoveram importante raio-X
sobre a ingestão de álcool por estudantes
da referida Instituição de ensino. Ao longo
de 2008, sob coordenação de Késia Diego
Quintaes, professora da Escola de Nutrição,
os pesquisadores investigaram os hábitos
de alunos de todos os cursos da Ufop, com
o intuito de corroborar ou refutar o famoso
“mito” de que, na antiga capital das Minas
Gerais, os universitários têm costume de,
literalmente, exagerar na(s) dose(s) – o
que, por diversos motivos, poderia lhes
prejudicar a rotina de estudos, a qualidade
da alimentação, e, até mesmo, os padrões
de convivência e sociabilidade.
“A ideia do estudo surgiu pelas características da cidade. Buscamos avaliar se
o consumo de bebidas alcoólicas, entre os
universitários da Ufop, era realmente elevado ou se, ao contrário, tudo não passava de
mito. Tendo em vista a ausência de investigações com esta população”, explica Quintaes. Neste sentido, a problematização da
pesquisa partiu do pressuposto de que, durante a adolescência e a juventude, o estilo
de vida dos indivíduos apresenta-se como
importante “fator modificável”, com impactos diretos na saúde do indivíduo. “Nestas
etapas da vida, afinal, a ingestão adequada
de alimentos, como laticínios, hortaliças e
frutas, tem efeito benéfico sobre a massa óssea total das pessoas,
além de garantir o aporte de compostos essenciais à boa saúde”,
completa a coordenadora.
Apesar disso, o consumo alimentar dos jovens nem sempre
ocorre de forma a favorecer a saúde. Como exemplo, ressalte-se
que preferências e aversões individuais acabam por “direcionar”
a natureza do que será ingerido pelos jovens adultos. Além disso,
a ausência da família, o ritmo de aulas – ofertadas, por vezes,
em período integral –, a publicidade e a convivência em grupo
influem no comportamento dos estudantes: “Isso os torna vulneráveis tanto ao consumo inadequado de alimentos como à ingestão de bebidas alcoólicas”, comenta a professora, ao esclarecer,
ainda, que a proposta de conhecer o perfil dos universitários destacou-se como ótima oportunidade para obtenção de informações
“capazes de subsidiar o planejamento e a tomada de medidas de
intervenção, com vistas à promoção da saúde dos estudantes”.
Hard Drinkers?
Ao longo dos meses de trabalho, os pesquisadores da
Ufop entrevistaram 343 estudantes matriculados nos cursos
regulares de graduação dessa universidade, cujas aulas realizam-se nos campi de Ouro Preto e Mariana. “A coleta de dados foi
feita por bolsistas de Iniciação Científica, devidamente treinados
O estudo investigou a rotina de estudantes ligados a todos
os cursos da Ufop. Trata-se de Ciência da Computação; Engenharia de Meio Ambiente; Engenharia Civil; Engenharia de
Controle e Automação; Engenharia de Minas; Engenharia de
Produção; Engenharia Geológica; Engenharia Metalúrgica;
Física; Química Industrial; Sistemas de Informação; Ciências
Biológicas; Farmácia; Nutrição; Matemática; Artes Cênicas;
Música; Linguagens; História; Direito e Turismo. À época da
pesquisa, a Universidade possuía 4.912 alunos. Destes, 427
foram convidados a responder aos questionários desenvolvidos pelos pesquisadores, sendo que 84 declinaram do convite. Importante ressaltar, ainda, que, por decisão metodológica,
as gestantes não foram incluídas no rol dos “entrevistados”.
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
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para tal. Só participaram do estudo os alunos que concordavam em se tornar voluntários. Além disso, o questionário usado
na pesquisa era preenchido pelo próprio
participante, sem dados de identificação
pessoal, de forma a garantir a ética da investigação”, destaca a coordenadora.
Após a aplicação dos questionários,
prontamente respondidos pelos estudantes da Universidade, seguiu-se à etapa de
tabulação das respostas, com ênfase, conforme ressaltado, à meta de relacionar a ingestão de bebidas ao cotidiano de estudos
e sociabilidade. Com base em tal objetivo,
os pesquisadores dividiram os 343 estudantes em três categorias de consumidores
de álcool: os que não bebem (“Não-bebedores”); os que não apresentam compulsão (“Bebedores não-compulsivos”) e os
que, ao contrário, passam da conta (“Bebedores compulsivos”). Neste último caso,
foi também criada uma sub-tipologia: os
que “bebem de forma pesada” (ou Heavy
Drinkers, na expressão em língua inglesa).
Dentre os entrevistados, a pesquisa
identificou 41 alunos “não-bebedores”, 75
“bebedores não-compulsivos”, que ingerem
até quatro doses em momentos propícios ao
consumo de bebidas alcoólicas, e 227 “bebedores compulsivos”, já que bebem cinco
ou mais doses por ocasião. Desses, 151
foram classificados como Heavy Drinkers,
posto que repetiam tal conduta duas ou
mais vezes por mês. A literatura científica chama de binge à prática do consumo
excessivo – quando homens ingerem, no
mínimo, cinco, e mulheres, quatro ou mais
doses numa mesma ocasião. Tal perfil episódico é bastante comum entre jovens.
“Observamos que os ‘estudantes
que bebem de forma pesada’ – ou seja,
igual ou mais do que cinco doses por
ocasião, em eventos iguais ou superiores
a dois ao mês – têm muito mais chance
de faltar às aulas e de não se matricular
no período ideal do curso de graduação
em questão. Isso revela a existência de relação bastante negativa entre o consumo
de bebida alcoólica e o rendimento estudantil”, elucida Késia Quintaes.
Lar, perigoso lar
Outro curioso dado apresentado pelo
estudo diz respeito aos ambientes preferenciais para o consumo de álcool (ver infográfico). Ao invés dos bares, são as repúblicas – lar da maioria dos universitários da
cidade – e o Centro Acadêmico da Escola de
Minas os lugares prediletos dos estudantes
interessados em beber. Por essas e outras,
parece possível legitimar o que, há décadas, o senso comum teimava em repetir:
Frequência com que estudantes universitários “Não-bebedores”, “Bebedores nãocompulsivos”, “Bebedores compulsivos” e “Indivíduos que bebem pesado” permanecem
nos bares, nos centros de estudo ou nas festas das repúblicas por três horas ou mais.
ambientes universitários como o de Ouro
Preto tendem a ampliar as probabilidades
de ingestão exacerbada de bebidas alcoólicas pelos alunos, que também passam a dar
pouca atenção à própria saúde nutricional:
“Verificamos que consumo exagerado de
bebidas alcoólicas pelos estudantes não é
mito. Além disso, a maior parte do consumo
se dá no interior das próprias moradias”,
ressalta a coordenadora.
A pesquisa também constatou que
alunos mais jovens – com idade entre 17
e 24 anos – ficam duas vezes mais bêbados
do que seus colegas acima de 25. Com relação às questões de gênero, identificou-se o
que muitas vozes já se acostumaram, no dia
a dia, a alardear: mulheres e homens bebem
em volume e de forma similares. “A única
diferença diz respeito aos problemas orgânicos. Diferentemente dos entrevistados do
sexo masculino, as mulheres queixaram-se
de problemas de estômago decorrentes do
excessivo consumo de bebidas alcoólicas”.
Para além da elucidação do quê e de
como bebem os estudantes da UFOP, os resultados da pesquisa, coordenada pela professora Késia Quintaes, poderão contribuir
para a elaboração de políticas educacionais
focadas no perfil de consumo dos universitários. “Trata-se de iniciativas que levem em
conta o tipo de bebida ingerida, assim como
o local de consumo e suas consequências
orgânicas e sociais”, ressalta.
Além do estudo de 2008, outras investigações surgiram a partir da meta de
compreensão dos modos de consumo de
álcool por alunos da Ufop: “Como desdobramento da pesquisa, professores que
colaboraram com a investigação realizaram
outras pesquisas relacionadas ao tema. Um
deles abordou a relação entre o consumo
de bebidas alcoólicas, por universitárias, e
a adiposidade corporal”, conta Késia.
Projeto: Avaliação do consumo de
alimentos e bebidas alcoólicas de universitários de uma instituição pública de
ensino em Minas Gerais
Coordenador: Késia Diego Quintaes
Modalidade: Programa Pesquisador
Mineiro
Valor: R$ 48.000
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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
Foto: Arquivo pessoal
LEMBRA DESSA?
Gestos
digitalizados
Fruto de parceria entre Fumec e
UFMG, projeto é responsável pelo
desenvolvimento do primeiro software livre
brasileiro de captura de movimentos
Luzes no corpo dos atores são
captadas pelo OpenMoCap
Eles saltam, correm, dão bofetões
no ar. Em seguida, agacham-se, como que
para pensar na vida, e, num só impulso,
pulam em direção ao teto, com os braços
estendidos ao léu. Por mais birutas que
possam parecer os voluntários do Laboratório de Pesquisa em Computação Gráfica
e Jogos Digitais da Universidade Fumec,
a verdade é que não importam os significados de seus movimentos. Vestidos com
roupas pretas – e repletos de refletores
agarrados ao corpo –, só lhes interessa
a certeza de que suas estripulias, uma a
uma, serão devidamente “compreendidas”,
captadas e processadas por computadores
especiais, capazes de reter, em sua memória eletrônica, tudo o que se realize no
ambiente de pesquisa.
Afinal, os participantes de tal divertida “brincadeira” compreendem bem o motivo que os leva a tamanho esforço físico:
seus movimentos contribuem diretamente
com o aprimoramento do primeiro sistema
brasileiro de captura de movimentos para
animação. Trata-se do OpenMoCap, software livre criado por meio de parceria entre
pesquisadores da Fumec e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e que
permite a captação de quaisquer gestos humanos – os quais, depois de armazenados
em bancos de dados, poderão ser usados na
produção de filmes e de jogos digitais.
Conduzido pelos professores João
Victor Boechat Gomide, coordenador do
curso de Jogos Digitais da Fumec, e Arnaldo de Albuquerque, do Departamento
de Ciência da Computação da UFMG, o
projeto responsável pelo desenvolvimento
da tecnologia –importantíssima ao ofício
dos desenvolvedores brasileiros – tornou-se tema de reportagem da edição nº 30 de
MINAS FAZ CIÊNCIA, publicada em 2009.
Escrito pela repórter Virgínia Fonseca, o
texto revelava não apenas a história das
experimentações que culminariam com o
OpenMoCap, assim como o processo de
funcionamento da software.
O passo inicial da iniciativa remonta
aos anos 90, período em que Gomide trabalhava como finalizador de efeitos da Rede
Globo, no Rio de Janeiro. À época, buscou-se a aplicação da técnica na animação dos
personagens do seriado Sítio do Picapau
Amarelo. Em função da escassez de especialistas na área, contudo, tais “estudos
preliminares” acabaram por se desenvolver
em Nova Iorque. “Ao voltar a Belo Horizonte
e para a vida acadêmica, procurei parcerias
na UFMG, de modo a desenvolvermos o
projeto, que, inicialmente, era um produto
comercial”, ressalta. Com o passar do tempo, a proposta mercadológica seria substituída pela ideia de “abrir o código” e, consequentemente, oferecer a ferramenta como
software livre. Hoje, o OpenMocap pode ser
acessado em um portal (www.openmocap.
org), onde os usuários – muitos dos quais,
No cinema, a captura de movimentos foi
usada, pela primeira vez, em 1991, no filme O exterminador do futuro II. A técnica
também aparece, entre diversos outros,
nos longas-metragens O expresso polar,
A casa monstro, Senhor dos anéis, Avatar e As aventuras de Tintim.
desenvolvedores, terão acesso a fóruns de
debate, chats, galeria de vídeos e imagens,
além de seções de artigos e de ofertas de
empregos e serviços.
Funcionamento
Abreviatura da expressão inglesa
Motion Capture, MoCap é a denominação
comum aos softwares de captura de movimentos do mercado. Por isso, o programa
desenvolvido pelos pesquisadores da Fumec
e da UFMG recebeu a alcunha de OpenMoCap. O programa possibilita desde a captura
dos gestos de uma pessoa até sua transmissão aos personagens virtuais. A técnica mais
empregada na atualidade baseia-se na presença de marcadores – ou pontos refletores
afixados nos indivíduos –, que servem de
“origem” aos movimentos captados.
Os locais específicos para disposição
dos marcadores – afixados sobre as roupas
pretas usadas pelos atores – são as articulações. Para a captura em si, pode-se usar
diversos princípios, como o mapeamento
do campo magnético. No caso do OpenMoCap, porém, a equipe optou pelo uso de
câmeras, que proporcionam mais liberdade
de ação ao “gesticulador”. No set de “filmagem”, instalam-se leds (luzes) de infravermelho, de modo a iluminar todo o ambiente,
enquanto, na frente das lentes, instala-se o
filtro para o infravermelho. “Desse modo, o
equipamento de filmagem capta apenas os
pontos brilhantes no corpo do ator [os marcadores]. Em seguida, o software entra em
ação, mapeando as coordenadas dos pontos
e os seguindo ao longo dos quadros do vídeo”, explica João Victor.
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
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Inclusão digital
Tempo
de aprender
Juliana Saragá
Projeto de inclusão digital na terceira idade promove o
envelhecimento saudável, fortalece a relação com as outras
gerações e prova que é possível aprender em qualquer idade
“Quero iniciar pelo passado. Quando
eu nasci fui aquele bebê que meus pais ganharam de presente. Este presente é comparado àquela semente de uma árvore frutífera
que um homem semeia, cuida, molha. Ela
germina e cresce. Do meu fruto saiu uma
semente que são meus filhos. Uma já tem
dois filhos que são os netinhos queridos do
vovô. Agora é que eu comecei meu futuro
porque se eu posso ir até a UFJF, pegar dois
ônibus, sou novo, saudável e faço coisas
que muitos com trinta anos não fazem”. O
texto é trecho de um post do blog de Sebastião Hilário Lopes (www.avidadeumfilho.
blogspot.com.br/). Seu Sebastião, como ele
gosta de ser chamado, tem 65 anos é aposentado, blogueiro e foi aluno de um projeto
da inclusão digital da Universidade Federal
de Juiz de Fora (UFJF).
“Na época das aulas, minha maior
dificuldade era postar as fotos, mas as
professoras eram muito pacientes e carinhosas. Me sinto outra pessoa depois
deste projeto”, conta. Intitulado “Inclusão
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digital para a promoção do envelhecimento
saudável”, o projeto teve início em 2004 e
continua até os dias de hoje. “No início,
era focado somente na aprendizagem em
informática. Depois, sistematizamos e demos a ele maior rigor científico, focando
no desenvolvimento de competências que
permitem envelhecer com saúde”, explica
o pesquisador Altemir José Gonçalves
Barbosa, professor do Departamento de
Psicologia da UFJF e coordenador do
projeto. Para ele, a informática pode ser
considerada uma atividade que promove o
envelhecimento saudável, à medida que as
novas tecnologias são fundamentais para o
exercício da cidadania.
Nos últimos 20 anos, o idoso brasileiro teve a sua expectativa de vida aumentada, reduziu o seu grau de deficiência
física ou mental e passou a chefiar famílias.
De acordo com o último Censo, (http://
www.ibge.gov.br/home/), em 2010, 7,4%
da população brasileira possuía 65 anos
de idade ou mais. Em Juiz de Fora, cidade
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
onde acontece o projeto, são mais de 13%
de idosos na população, quase o dobro da
média nacional. “Mesmo representando
grande parte da população brasileira, o
idoso ainda hoje é cercado por um estereótipo muito negativo. Quanto menor é o
seu acesso a recursos midiáticos, como
televisão, rádio e internet, e quanto menor
sua classe social, maior é o estigma que
ele carrega”, explica a psicóloga e pesquisadora Natália Nunes Scoralick Lempke.
Natália acompanhou de perto o projeto desde o início. Primeiro, participou
como voluntária, depois como bolsista de
iniciação em seu mestrado. Agora, segue
com o doutorado também sobre o tema.
“Primeiro investigamos quais medidas
poderíamos tomar para que o processo de
aprendizagem fosse adequado aos idosos.
Num segundo momento, pesquisamos
como poderíamos melhorar a didática, desenvolvendo material específico para essa
faixa etária e preparando os profissionais
que ministram as aulas”, relata.
Inclusão para a vida
importante foi a melhora da autoestima. “Cercados pelo estereótipo de que não aprendem,
os idosos puderam mostrar para os filhos e
netos que é possível falar a mesma língua”.
“Blogando” na terceira idade
Como parte do projeto, os alunos
desenvolveram blogs que recontavam suas
histórias de vida, como a do “Seu” Sebastião, citada no início da matéria. “Os idosos
gostam muito de contar suas histórias, relembrar o passado. O blog é uma maneira
de reconstruírem essa biografia no meio
digital e fazer com que elas possam ser
conhecidas por várias gerações”, pontua
a psicóloga. Na etapa do blog eram feitos
grupos de discussão, que propunham temas da cada fase da vida. Infância, adolescência, vida adulta e velhice. Na infância,
por exemplo, os alunos relembravam como
eram as brincadeiras e traziam fotos da época. Depois, iam para o computador escrever, editar fotos e vídeos e postar nos blogs.
Segundo a psicóloga, “Seu” Sebastião foi
um dos alunos mais aplicados e interessados. Tanto que ele continua firme com o
blog e atuante nas redes sociais. Uma prova
disto foi a entrevista para a MINAS FAZ CIÊNCIA, concedida pelo Facebook.
Vovôs e vovós nas redes sociais
Dona Maria Aparecida Costa, 68
anos, adora ler notícias e resumos de novelas online, assistir a palestras de padres no
Youtube e interagir com amigos e familiares
no Facebook. Ela e o marido, Hely Geraldo
Costa, 74 anos, fizeram um curso de informática para a terceira idade. “Na primeira
aula eu não sabia nem ligar o computador.
Aprendemos várias coisas, mas eu gostei
mesmo foi da internet!”, lembra. O aprendizado serviu também para a aproximação
de familiares distantes. Ela conversa diariamente por e-mail com a irmã que mora em
Brasília e acompanha todas as notícias dos
filhos e netos pelo Facebook. “Antes eu me
sentia excluída, agora eu tô dentro!”, brinca.
Dona Heloísa Pinheiro Alves da Silva
também não fica para trás. Há um ano e meio
a aposentada de 80 anos faz aulas particulares
de informática semanalmente, com destaque
para a internet e redes sociais. “Tudo eu pergunto para o Google. Se alguém está doente,
por exemplo, pesquiso e me informo sobre
aquela doença”, conta. Viúva há dezoito anos,
Dona Heloísa diz que a internet preencheu sua
vida e substituiu as pinturas em porcelana.
“Gosto mesmo é de conversar no Facebook.
Se alguém diz alguma coisa lá eu me intrometo
e dou opinião”, conta com uma risada e ótimo
bom-humor. Dona Heloísa lembra que aprendeu a dirigir com quarenta anos e ainda hoje
busca suas netinhas de carro na natação. Para
ela, “nunca é tarde para aprender”.
PROJETO: Inclusão digital para a
promoção do envelhecimento saudável:
Qualidade de Vida, Alfabetização em
Informática e Processos Cognitivos
COORDENADOR: Maria Peruzzi
Elia da Mota
MODALIDADE: Grupos
Emergentes de Pesquisa
VALOR: R$ 45.000
Foto: Hely Costa Jr.
Para participar do projeto, os alunos
precisavam ter mais de 60 anos e concluído a quarta série do ensino fundamental,
já que precisariam ler e escrever. O convite
foi feito por meio de uma rádio da cidade,
em um programa muito escutado por essa
faixa etária. Os interessados entravam em
contato com a Universidade e se candidatavam como voluntários. “Muitos alunos
nos relataram que, ao contar para a família
que participariam de um projeto de inclusão
digital, eles diziam: ‘para quê’? Com essa
falta de incentivo dos familiares, muitos
chegavam com o pensamento de que não
iriam aprender. Tinham medo até de esbarrar no computador dos filhos e netos”,
conta a psicóloga. As aulas iniciais tinham
o objetivo de aproximá-los do ambiente
digital. “Começamos mostrando a CPU de
um computador, onde se encaixam os fios,
como ligar e desligar e o seu funcionamento
básico”, explica. À medida que os alunos
iam se adaptando ao ambiente, as aulas iam
avançando. A etapa final e a mais esperada
era sobre internet, blogs e redes sociais.
Oito turmas de aproximadamente doze
alunos já passaram pelo projeto. Os resultados
cumpriram a proposta, que é contribuir para o
envelhecimento saudável. Os alunos melhoraram a capacidade de processamento, que, segundo a pesquisadora, serve para desmitificar
a questão de que o idoso não se desenvolve.
“Na velhice pode haver declínios, mas há também ganhos cognitivos”. Ela ainda destaca os
ganhos sociais dos alunos, que melhoraram
a intergeratividade, ou seja, as relações interpessoais com diferentes gerações. Outro ponto
Página no Facebook de dona Heloísa: ela tem mais de 80 amigos
e interage com os netos, filhos e amigos por meio da rede social
Seu Hely e dona Maria Aparecida fizeram curso de informática para a terceira idade
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De um lado, uma pequena cidade do interior
de Minas Gerais que guardava parte de sua história
em um acervo com obras de vários compositores
da região. De outro, um município histórico, com
os olhares voltados para o futuro. E em cada uma
das cidades, apaixonados por música, se uniram
para resgatar a história de uma das bandas mais
tradicionais do Estado. Estamos falando de Barão
de Cocais, localizada na região central de Minas, a
100 quilômetros de Belo Horizonte, e de São João
Del Rei, situada no Campo das Vertentes e a 190
quilômetros da capital. Nesses municípios vivem
músicos profissionais que buscaram uma solução
para manter o acervo preservado.
Alexandre Lacerda havia sido aluno de Antônio Carlos Guimarães na Escola de Música da
Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg).
Tempos depois cada um seguiu seu rumo: o primeiro virou maestro da Banda de Barão de Cocais,
e o segundo é professor do curso de Música da
Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ).
Juntos, eles articularam uma proposta de trabalho
de recuperação, catalogação e edição do acervo musical que aliasse o material já existente em Barão de
Cocais e uma das linhas de pesquisa desenvolvidas pelo Departamento de Música da Universidade
Federal de São João Del Rey (UFSJ) em parceria
com o Laboratório de Documentação (Labdoc), da
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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
Faculdade de História da mesma instituição.
O estudo foi feito em conjunto com o pesquisador Paulo Castagna, da Universidade
Estadual Paulista (Unesp), especialista na
catalogação de acervos históricos mineiros.
O trabalho interdisciplinar financiado pela
FAPEMIG permite desenvolver as atividades
de conservação e restauro de acervos.
A agremiação musical estava com
algumas partituras deterioradas e fora de
ordem, colocando em risco o patrimônio cultural. Por isso, o projeto desenvolvido teve
por objetivo preservar o acervo, por meio de
organização, tratamento e editoração, proporcionando condições para a continuidade
das atividades musicais e do ensino musical
na Banda de Barão de Cocais. Para que os
resultados fossem alcançados, foi feito um
tratamento de restauração e preservação de
materiais. Em seguida, houve levantamento,
organização das obras, arquivamento e digitalização, além de construção de um catálogo
digital para uso interno. A etapa seguinte foi
a seleção de obras importantes na prática
musical da Banda e editoração eletrônica das
músicas usando software específico. Com a
digitalização, os músicos podem fazer cópia
dos arquivos, mantendo os originais preservados. “Nós usamos uma metodologia de
arquivamento que facilitasse para o pesquisador e também para o usuário, que poderá
imprimir as partituras que serão usadas.
Ouvimos os músicos e criamos um processo
que seja de fácil acesso a eles”, comenta.
O acervo restaurado é composto de
obras de gêneros variados como dobrados,
marchas de desfile e religiosas, bem como
sinfonias de compositores locais e regionais. Durante a restauração, que durou
dois anos, 8.871 unidades documentais do
acervo, compostas por partes e partituras,
foram tratadas. De acordo com o coordenador da pesquisa, professor Antônio Carlos Guimarães, aproximadamente 20% do
acervo necessitou de algum tipo de reparo
e restauração, e o restante precisou apenas
de higienização. “Este acervo compõe imagens sonoras de um século de festividades
religiosas, cívicas e profanas da região de
Barão de Cocais”, revela.
No decorrer do século XX, as bandas
de música incorporaram novos instrumentos
e mudaram a notação musical de outros. A
tuba, o bombardino, o barítono, o trombone,
a trompa, por exemplo, não têm a mesma notação usada no final do século XIX e início
do século XX. Toda a percussão era tocada
“de ouvido”, por isso, raramente encontram-se partituras para esses instrumentos. Além
disto, os compositores locais não escreviam
para os instrumentos em falta na sua época,
o que torna necessárias adaptações para os
instrumentos incorporados, como o saxofone
soprano, o saxofone tenor, a flauta, e às vezes
até o saxofone alto, dentre outros. Por isso,
durante o processo de restauração e edição
são feitas adaptações na instrumentação para
que obras compostas no início do século XX
sejam executadas pela Banda hoje em dia.
Segundo Alexandre Lacerda, que atuou como
bolsista no projeto, as adaptações não descaracterizam a música, uma vez que os elementos essenciais são mantidos. “É um trabalho
que exige grande conhecimento sobre o assunto. Tem que saber com precisão a função
de cada instrumento na música, por exemplo,
e se nós perdemos parte de uma música temos que encontrar uma forma de recriá-la. O
musicólogo faz um trabalho semelhante ao
de um restaurador de obra de arte”, explica.
O projeto contribui ainda para a manutenção desse acervo musical que é parte da
identidade cultural do Município de Barão de
Cocais. Preservar este acervo significa manter essa identidade cultural viva e garantir sua
perpetuação. Além disto, o conhecimento
produzido neste projeto poderá ser compartilhado por outras bandas municipais em Minas, que possuem acervos musicais similares e que também têm funções sociais como
a banda cocaiense. “Depois da pesquisa, os
músicos se sentem mais orgulhosos com o
que fazem e são mais valorizados, já que a
Banda faz parte da identidade local, é a memória sonora do município”, afirma Lacerda.
Etapas do trabalho
Controle entomológico: técnica de
congelamento dos documentos devidamente
embalados, em um freezer por, no mínimo,
quinze dias; devidamente vedados e tendo
o ar retirado do seu interior por meio de um
aspirador de pó.
Fotos: acervo Banda Santa Cecília
Técnica faz o trabalho de higienização das folhas, uma por uma
O trabalho de restauração foi realizado
em parceria com o laboratório de documentação da UFSJ
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
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Fotos: acervo Banda Santa Cecília
vida social das cidades por meio da participação na Banda. “Os indivíduos que participam da Banda e suas famílias se sentem
diferenciadas por isso. Eles ganham destaque na cidade”, destaca Guimarães.
Novo Regresso
e seus resultados
Diferentes gerações se juntam nas apresentações da Banda Santa Cecília
Higienização: limpeza das folhas,
uma a uma, por meio de trinchas visando a
retirada da sujeira presente no papel que acelera o processo de degradação;
Tratamento técnico de conservação: é a restauração propriamente dita;
Identificação e Arranjo: depois da
identificação, de acordo com gênero musical e instrumentação, os documentos foram
agrupados a partir de critérios pré-estabelecidos de organização;
Catalogação e arquivamento: catalogação e arquivamento das obras identificadas;
Digitalização: realizada com câmera
fotográfica digital;
Editoração: Seleção de obras que
foram editoradas eletronicamente. Foram
selecionadas a partir de critérios pré-estabelecidos que levaram em conta a importância
e a frequência de execução das obras em
solenidades civis e religiosas no município;
Impressão: das partes e partituras das
obras editoradas para uso nas atividades da
Banda Santa Cecília.
Disponibilização em banco de dados: os dados obtidos por meio da análise,
descrição e digitalização dos documentos foram armazenados no banco de dados e disponibilizados para uso interno da Banda.
Sobre a Banda
A Banda de Música de Santa Cecília
de Barão de Cocais foi fundada em 15 de
abril de 1905 pelo Padre Antônio Maria
Telles de Menezes, pároco da matriz de São
João Batista, padroeiro local. O vigário liderava, na época, um grupo de musicistas
que tocavam instrumentos nas cerimônias
religiosas e cantavam no coro da igreja.
Há quase um século, banda e coro
da cidade compõem um núcleo cultural de
valor inestimável. Participam das solenidades civis e religiosas da cidade, preservam
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a prática musical e formam novos músicos
que se tornam também seus integrantes.
Além disto, a Banda de Música Santa
Cecília ajudou a construir a cidade. Esteve presente em todos os eventos festivos,
como na inauguração do primeiro alto forno da antiga Companhia Brasileira de Usinas Metalúrgicas (CBUM) em 1926. Tocou
para os governadores Benedito Valadares
e Juscelino Kubitschek, entre outras personalidades que visitaram o município. A
agremiação musical é um elemento que
compõe a identidade cultural da comunidade de Barão de Cocais.
Inicialmente, a banda não tinha sede
própria. Os ensaios aconteciam no salão da
casa de dona Chiquinha Gonçalves, mãe
do então presidente da banda, coronel José
Gomes Gonçalves, e depois nas casas dos
membros da Banda. Em 1942, o presidente
Raimundo Vital, que tocava bombardino e
tuba, comprou um terreno onde foi construída a sede atual, inaugurada em 1959.
O atual presidente é o jornalista J.
D. Vital, que atua no aprimoramento dos
músicos jovens. Alexandre Lacerda, contratado em 2005 como maestro da Banda
Municipal Santa Cecília, cuida também
da educação musical de jovens músicos,
treinando-os para fazer parte do quadro de
músicos da Banda e para que perpetuem
a função social da Banda de Santa Cecília
como elemento da cultura e identidade da
comunidade de Barão de Cocais.
A maioria dos músicos vem, desde a
fundação da Banda, de classes sociais menos favorecidas. Eles são amadores, não
recebem remuneração, tocam por amor.
Assim, pessoas dessas classes passam a
tomar parte de momentos importantes da
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012
A Banda de Música Santa Cecília de
Barão de Cocais possui em seu acervo obras
de compositores da cidade e da região, de
composição até mesmo anterior a sua fundação, em 1905. É o caso do Dobrado “Novo
Regresso”, que dá título à pesquisa, que é
de autor desconhecido e datado de 1903. O
título desta obra foi escolhido para dar nome
ao projeto pelo seu significado, no sentido
de ser a primeira obra que originou o acervo
em estudo, e que hoje é parte do patrimônio
histórico-musical de Barão de Cocais.
Ao final da pesquisa, foi lançada uma
publicação que inclui um caderno de partituras restauradas no projeto, um artigo
descrevendo a pesquisa e um DVD com um
documentário assinado pelo jornalista Marcelo Passos, que serão distribuídos para outras Bandas mineiras, incluindo partituras e
gravações, com a Banda Municipal de Santa
Cecília, das peças escolhidas. Ao final dos
trabalhos a banda teve o patrocínio de uma
siderúrgica da cidade para gravar um CD com
a edição das obras selecionadas. “Depois da
restauração e da edição nós gravamos as
músicas e a restauração do acervo incentivou
a gravação de um documentário que conta a
história da cidade, da Banda e mostra quem
são os músicos”, descreve Lacerda.
@
Assista ao vídeo da série Ciência no Ar
que trata da preservação do acervo da
Banda. Acesse
http://fapemig.wordpress.com
projeto: “Novo Regresso”: Projeto
de recuperação, catalogação e edição
do acervo musical da Banda de Música
Santa Cecília de Barão de Cocais
Coordenador: Antônio Carlos Guimarães
Modalidade: Edital Universal
Valor: R$ 83.448
Foi a essa terra que Lund chegou em 1825. Ao
longo dos seus muitos anos no país, ele desenvolveu
um vivo, mas, certamente, não acrítico interesse por
sua população e peculiaridades políticas. Quando desembarcou, foi, entretanto, a natureza rica e diversificada que o encantou. Durante essa primeira estadia no
Brasil, Lund ficou na região do Rio, onde morou em
diversos lugares, interrompido por períodos na própria
capital e curtas excursões a outros destinos.
Muitos foram os pesquisadores estrangeiros que, em terras brasileiras, buscaram desvendar as riquezas da flora e da fauna. Até os dias de
hoje, grande parte das informações coletadas por
tais curiosos e perspicazes cientistas permanece
resguardada, em diversos pontos do planeta, por
prestigiados museus e instituições acadêmicas.
Responsável por vasto volume de conhecimento
produzido – e exportado – sobre as especificidades do Brasil, Peter Wilhelm Lund (1801-1880),
um dos mais importantes naturalistas dinamarqueses do século XIX, poria os pés no País, pela
primeira vez, em 1832. À época, contava com 31
anos e inominável interesse pelo desnudamento
das maravilhas do Novo Mundo.
Ao longo de dez anos de estudos, Lund
investigaria, principalmente, as grutas calcárias
no entorno de Lagoa Santa, em Minas Gerais.
Tais descobertas e análises seriam fundamentais
à construção de uma série de teorias acerca dos
processos evolutivos de homens, plantas e animais sobre a Terra – ou, mais, especificamente, o
Brasil. No livro P.W Lund e as grutas com ossos
em Lagoa Santa, de autoria dos historiadores
Birgite Holten e Michael Sterll, não apenas os
estudos do naturalista dinamarquês revelam-se
detalhadamente reconstituídos e comentados,
como também a fascinante personalidade do
cientista, homem de muitos ofícios e interesses.
Importante ressaltar, aliás, que Holten e
Sterll também trabalharam, ao longo de anos, em
escavações arqueológicas na região de Lagoa
Santa e, juntos, escreveram outras tantas obras
acerca da trajetória do naturalista dinamarquês,
a exemplo de O pintor desaparecido – P.W Lund
e P.A Brandt no Brasil e A canção das palmeiras:
Eugenius Warming, um jovem botânico no Brasil. Com impecável produção da Editora UFMG,
e financiamento da FAPEMIG, o livro P.W Lund
e as grutas com ossos em Lagoa Santa revela-se também esplêndido para os olhos, que, do
início ao fim, poderão se deliciar com aquarelas
de época ou fotografias de expedições arqueológicas recentemente realizadas no País.
Livro: P. W. Lund e as grutas com ossos em Lagoa Santa
Autores: Birgitte Holten e Michael Sterill
Tradução: Luiz Paulo Ribeiro Vaz
Editora: UFMG
Título original: P.W. Lund og Knnokelhulerne i
Lagoa Santa
Páginas: 336
Ano: 2011
Homo academicus
O campo universitário reproduz na sua estrutura o campo do poder cuja ação própria de seleção e
de inculcação contribui para reproduzir a estrutura. É
na verdade no e por seu funcionamento como espaço
de diferenças entre posições (e, da mesma maneira,
entre as disposições de seus ocupantes) que se realiza, fora de toda intervenção das consciências e das
vontades individuais ou coletivas, a reprodução do
espaço das posições diferentes que são constitutivas
do campo do poder.
“Ao apreender o mundo universitário
francês como um campo no qual se confrontam múltiplos poderes, que correspondem às
trajetórias sociais e escolares e também às
produções culturais dos seus agentes”, Pierre
Bourdieu (1930-2002) demonstra que a produção científica está longe de ser o resultado
de uma forma de meritocracia que consagra os
talentos individuais.
A originalidade de sua tese, publicada
inicialmente em 1984, na França, está em mostrar que as tomadas de posição dos intelectuais
ou as políticas educacionais são determinadas
pelos mecanismos de reprodução de privilégios
herdados. O sociólogo revela conflitos, contradições, crises, desilusões, interesses, relações
de força, hierarquia de prestígios, ruptura de
equilíbrios, tal como assinala a tradutora Ione
Ribeiro Valle, na apresentação.
O caráter por vezes polêmico do livro
se dá a ver nos títulos de capítulos e anexos,
como “O conflito das faculdades”, “Espécies de
capital e formas de poder”, “O hit parade dos
intelectuais franceses ou quem julgará a legitimidade dos examinadores”.
Para Ione Valle, Bourdieu percebeu, desde
os primeiros estudos sobre o sistema de ensino
(no caso, o francês), “que a cultura escolar inculca um conjunto de categorias de pensamento
graças às quais os indivíduos se comunicam e
se relacionam, partilhando uma cultura de classe
fundada na primazia de certos modos de refletir,
exprimir, julgar e agir que os predispõem a manter, com seus iguais, uma relação de cumplicidade e de comunicação específica”.
LIVRO: Homo academicus
AUTOR: Pierre Bourdieu
TRADUÇÃO: Ione Ribeiiro Valle e Nilton Valle
EDITORA: UFSC
PÁGINAS: 312
ANO: 2011/2012
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LEITURAS
De olho nos passos do desbravador
odontologia
Proteção
Natural
Óleos de origem vegetal e mineral
são aliados no combate às cáries
O biofilme dentário é o acúmulo de
bactérias da microbiota bucal sob a
superfície dos dentes. Esse é um fator
determinante para que ocorra a cárie
e doenças periodontais. O acúmulo é
mais intenso nos locais onde a higiene
bucal não é feita de maneira adequada.
46
Alguns benefícios da castanha-do-pará (Bertholletia excelsia) já são bem conhecidos. O fruto é rico em proteínas e contém
elevado nível de selênio, um nutriente que
combate os radicais livres e o envelhecimento celular. A novidade é o seu uso no
combate às cáries. Um estudo desenvolvido
na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MG) investigou a eficiência
do óleo dessa castanha no controle da placa bacteriana, ou biofilme.
A pesquisa foi realizada pela dentista
Cintia de Fátima Buldrini Filogônio durante
seu mestrado na área de Ciências da Saúde – Odontopediatria. A ideia surgiu de
uma observação no consultório. “Alguns
pacientes relatavam que tinham o hábito
de escovar os dentes com óleo de soja ou
óleo de amêndoas e apresentavam, ao exame clínico, o periodonto saudável. Conversei com meu orientador, Roberval de
Almeida Cruz, e ele me disse para procurar
bibliografia sobre o tema”, conta.
Em uma revisão da literatura, Cintia
encontrou várias referências sobre o uso
de óleos essenciais na odontologia. Adicionados ao dentifrício, esses óleos desempenham papel de agentes antibiofilme
e antigengivite. Mas nenhum deles tinha
como foco óleos derivados de produtos do
Brasil. A ideia de testar a castanha-do-pará
surgiu dessa forma. Por ser um alimento
gorduroso e oleoso, a hipótese é que seu
uso poderia inibir a formação do biofilme
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Vanessa Fagundes
dentário, criando uma barreira protetora
sobre o esmalte. Além disso, o produto é
de fácil aquisição e extração, sendo obtido
por processo de prensagem a frio.
Além do óleo da castanha-do-pará,
a pesquisadora também testou um óleo de
origem mineral, da marca Nujol, que consiste em uma mistura de hidrocarbonetos
líquidos obtidos de petróleo. Ele é normalmente indicado como laxante, no tratamento de constipação intestinal e também para
amaciar áreas ásperas e ressecadas da
pele. O objetivo era compará-los e verificar
qual deles contribuiria de forma mais significativa para a saúde bucal. Cintia destaca outro fator importante para a escolha.
“Hoje, é crescente a preocupação dos consumidores em utilizar produtos naturais,
menos agressivos e sem conservantes.
Também nesse ponto os óleos de origem
vegetal e mineral apresentam vantagem”.
Acompanhamento e controle
O trabalho de campo teve início em
2007. Para os testes, foram selecionadas
aleatoriamente 30 pessoas (23 mulheres
e sete homens) com idade entre 18 e 21
anos. Os voluntários eram alunos da Faculdade de Odontologia da PUC MG, já
tinham o hábito de escovar os dentes regularmente e já haviam sido submetidos
anteriormente a algum tipo de tratamento
odontológico de rotina. Como critérios
de exclusão, não foram aceitas pessoas
que estavam sendo submetidas a tratamentos ortodônticos
(usavam aparelhos, por exemplo), que não possuíam algum
dente, ou que estavam em tratamento odontológico clínico
durante o período da pesquisa.
Os voluntários foram divididos em três grupos de dez
pessoas cada. Cada um deles recebeu um tubo de dentifrício
marcado apenas por uma cor (prata, dourado e branco). Um
deles continha dentifrício original de uma marca disponível no
mercado e de boa aceitação. Os outros dois receberam tubos
do mesmo dentifrício, mas alterado em sua formulação original
pela adição de 10% em volume de óleo mineral e 10% em volume de óleo de castanha-do-pará.
Todos os tubos foram manipulados em farmácia, de forma que nem os voluntários nem a pesquisadora sabiam qual
era a composição de cada um. Junto com o dentifrício, eles
receberam uma escova dentária, para efeito de padronização
e para evitar a influência com relação à condição do objeto a
ser utilizado. Todos foram orientados a praticar a higienização
a que estavam habituados.
Os voluntários passaram por avaliações quinzenais. Em
tais ocasiões, os dentes eram coloridos com fucsina (corante
de cor magenta) e, seguindo uma tabela simples e pré-definida, eram classificados de acordo com as manchas resultantes
(ver figura). Durante três meses, Cinthia acompanhou se as
manchas diminuíam ou permaneciam iguais em cada um dos
dentes selecionados nos três grupos de voluntários.
Os dados coletados foram inseridos em um programa de
computador e tratados estatisticamente. A pesquisadora verificou que os grupos que utilizaram o dentifrício acrescido de óleo
tiveram redução do biofilme dentário, sendo que não houve diferença significativa entre a ação do óleo vegetal e a do óleo
mineral. “Os óleos proporcionaram efeito adicional da redução
do biofilme, significando uma alternativa para a diminuição
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Foto: Diogo Lopes
de incidência de cárie dentária e doenças
periodontais”. Cintia enfatiza que os óleos
são um complemento, e não substituem o
ato de escovar os dentes. “A ação mecânica da escovação e o uso do fio dental são
fundamentais para a prevenção de cáries. Os
óleos são um fator extra de proteção”.
0 = ausência de biofilme dentário ou manchas
1 = biofilme cobrindo não mais que 1/3 da
superfície exposta do dente
2 = biofilme cobrindo mais de 1/3 e menos que
2/3 da superfície exposta do dente
3 = biofilme cobrindo mais de 2/3 da superfície
exposta do dente
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Novos campos
O estudo mostrou o grande potencial dos óleos vegetal e mineral na área da
Odontologia e abriu um campo de estudos a
ser explorado. Existem, por exemplo, vários
outros produtos oleaginosos que podem ser
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testados. Para os químicos, um desafio seria encontrar formas de estabilizar o sabor
do produto. Isso porque o óleo de castanha-do-pará perde o sabor característico após
algum tempo e o produto se torna rançoso.
Outra dificuldade a ser vencida é a tendência
do óleo à separação durante a estocagem.
A pesquisa deu origem ao artigo
“Efeito da adição de óleos vegetal e mineral
em dentifrício no controle do biofilme dentário – estudo clínico in vivo”, que ficou
classificado em terceiro lugar, categoria
pós-graduação, no 6º Prêmio Nacional de
Odontologia Preventiva da Colgate. “Isso
mostra que há interesse pelo tema, apesar
de ainda não haver nenhum lançamento
comercial de dentifrício associado ao óleo
de castanha-do-pará”. Em sua opinião,
como o trabalho é recente, as empresas
ainda estão tomando conhecimento dessa
possibilidade e serão necessários mais estudos antes da chegada ao mercado de um
produto com essas características.
Pelo fato de o óleo ser de baixo custo e
de fácil aquisição, os resultados também podem beneficiar a saúde pública. “A manipulação nas pastas não foi difícil de ser realizada e
pode ser feita sem o auxílio de equipamentos
especiais”, atesta a pesquisadora. Poderia ser
um aliado, assim, para manutenção da saúde
bucal da população mais carente.
Geólogo, professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), PhD em Glaciologia, o pesquisador é membro do Comitê Nacional de Pesquisas
Antárticas do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, diretor do Centro Polar e Climático da
UFRGS e coordenador do INCT da Criosfera. Nessa entrevista ele analisa a importância e fala do
futuro do Programa Antártico Brasileiro (Proantar) no continente gelado. Na madrugada do dia
25 de fevereiro um incêndio destruiu a maior parte da base científica brasileira Estação Antártica
Comandante Ferraz. Dois militares da Marinha morreram tentando apagar as chamas.
1
Professor Jefferson, o que aconteceu? Qual o valor do prejuízo?
Jefferson Simões: O incêndio começou na sala de geradores e se espalhou
pela Estação. Tudo foi destruído, incluindo
laboratórios biológicos e toda estrutura
de apoio. Só de equipamentos científicos,
nosso levantamento é de aproximadamente
R$ 4 milhões em perdas. Foram preservados módulos científicos e refúgios para
emergências, afastados de 50m a 1000m,
incluindo o heliporto. Ainda não se sabe
qual seria o valor do investimento necessário para reconstruir a estação, mas, algo entre R$50 e R$60 milhões de reais, se for uma
estação de vanguarda e dedicada à ciência.
Esperamos que a comunidade científica seja
ouvida em todas as fases de planejamento e
construção da nova estação, considerando o
que há de mais eficaz em design, material de
construção polar e segurança.
de peixes, análise de impacto ambiental.
Também foi atingido o projeto de monitoramento do ozônio atmosférico, entre
outros. Mas o Proantar também conta com
outros centros de pesquisa na região. Duas
embarcações, o Navio Polar Almirante Maximiano e o Navio de Apoio Oceanográfico
Ary Rongel, apoiam pesquisas oceanográficas. Em acampamentos remotos, num
raio de 500 km da Estação, são feitas investigações geológicas e biológicas. Além
disso, com apoio logístico de aviões, que
aterrissam na neve e no gelo, são feitas
pesquisas no interior do continente Antártico, a 2000/2500 km ao sul da estação.
No verão passado foi instalado o módulo
Criosfera 1, para pesquisas glaciológicas,
geofísicas e da química da atmosfera.
Por que a Antártida é tão importante para a ciência que seria razoável
um investimento tão alto, em um lugar
tão inóspito e distante do nosso País?
Primeiro, é preciso ter cuidado com
os mitos. O continente antártico não é longe. Ele é mais perto da nossa região Sul
do que o norte da Amazônia. E por isso,
regula mais o clima do Sul do Brasil do
que a floresta tropical. A Antártida é parte
essencial do sistema ambiental do planeta.
Fisicamente, se uma parte do gelo antártico
derreter, o nível do mar aumenta. Modificações no gelo antártico alteram todo o padrão da circulação atmosférica e oceânica
do hemisfério Sul, além de poder modificar
a distribuição de chuvas. Portanto, afeta a
agricultura. Em outras palavras, a Antártica
é parte essencial do ambiente terrestre. Se
a modificarmos muito, afetaremos todo o
planeta. Vinte e nove países realizam pesquisas permanentemente na região.
4
O que de mais importante foi observado lá ao longo dos últimos 20 anos?
A sensibilidade da região polar austral às mudanças ambientais. A redução da
camada protetora de ozônio da atmosfera e
a desintegração parcial do gelo na periferia
do continente são exemplos. Poucas investigações examinaram especificamente
as inter-relações com a América do Sul.
Já se sabe que o gelo da Antártica, 90%
do gelo da Terra, é um dos principais controladores do sistema ambiental planetário.
Lá, mínimas mudanças, como um ligeiro
aquecimento da atmosfera, têm impacto
muito maior do que no caso dos organismos dos trópicos ou subtrópicos.
3
2
5
Informações iniciais dão conta de
que pelo menos dez das 20 pesquisas
que estavam sendo desenvolvidas no
local foram perdidas, total ou parcialmente. São esses os números oficiais?
Não. Trata-se de um mito, divulgado
pela grande imprensa. Todas as pesquisas
realizadas ‘dentro’ da Estação pararam: cerca de dez. Os dados de 2012 dessas dez
pesquisas, é que foram perdidos. Menos
de 40% das pesquisas do Proantar são
realizados na Estação. A área mais prejudicada foi a de biociências, que executa
estudos sobre biodiversidade, fisiologia
Em reação ao incêndio, muita
gente afirmava pelas redes sociais
desconhecer que o Brasil tivesse uma
estação científica na Antártida. Falta divulgar esse programa?
Isso é verdade para a maioria da
Ciência feita no Brasil. E o grande público desconhece o que a ciência brasileira
representa para o nosso desenvolvimento
socioeconômico. O conhecimento, especialmente o produzido pela pesquisa brasileira, precisa ser difundido para a sociedade, com maior eficiência.
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5 PERGUNTAS PARA...
Jefferson Cardia Simões
Esta imagem faz parte de uma série de desenhos intitulada Five Ballerinas, desenvolvida durante mestrado na Univeristy of Reading na
Inglaterra, de setembro 2009 a julho 2011. Diz a autora: “O desenho e a aquarela foram parte ativa da minha pesquisa de ateliê e apresentam-se com
transformações sutis, que estão respirando ali, na fragilidade do grafite e na transparência da aguada”.
VARAL
Crédito: Raquel Souza Borges
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