Avaliação fonoaudiológica em crianças sem oralidade

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Avaliação fonoaudiológica em crianças sem oralidade
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Título:
Avaliação fonoaudiológica em crianças sem oralidade
Autor:
*Simone Rocha de Vasconcellos Hage
*Fonoaudióloga, mestre em Lingüística – IEL – UNICAMP; doutora em Ciências
Médicas – FCM – UNICAMP; docente dos cursos de Especialização em
Linguagem da USC, UNAERP e CEFAC; docente do Departamento de
Fonoaudiologia da Universidade do Sagrado Coração – Bauru
e Universidade de São Paulo – campus de Bauru.
Na clínica fonoaudiológica uma das situações mais comuns é a chegada de
crianças que não falam para avaliação, numa idade em que já se esperaria um razoável
repertório lingüístico. Nestas situações, o fonoaudiólogo pode se ver bastante limitado,
na medida em que não possui um dos elementos fundamentais da sua avaliação, ou seja,
a linguagem oral. Apesar da limitação, vários aspectos do comportamento infantil
podem ser investigados em crianças que não falam.
Em geral, os procedimentos de avaliação de linguagem podem ser divididos em
4 categorias básicas: testes padronizados, protocolos não padronizados, observação
comportamental e escalas de desenvolvimento.
Tanto os testes como os protocolos não padronizados de avaliação de linguagem
são estruturados para investigar as diversas dimensões da linguagem, a saber, fonologia,
sintaxe, semântica, pragmática e implicam em algum nível de oralidade. Mas se essa
oralidade não se apresenta? O que fazer?
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A observação comportamental e a aplicação de escalas de desenvolvimento
podem ser extremamente úteis nesta situação e possibilitar o direcionamento do
diagnóstico e do processo de intervenção.
OBSERVAÇÃO COMPORTAMENTAL
A observação comportamental é um procedimento em que se analisa o
comportamento geral da criança, incluindo os comunicativos, em contextos naturais e
não-estruturados. Em geral, procura-se observar pelo que a criança se interessa, para
onde olha, se presta atenção à fala ou atividade do outro, o que pega, como manipula os
objetos. A observação comportamental pode fazer parte de qualquer processo de
avaliação, independente de se estar diante de crianças, de se ter oralidade, ou mesmo, de
se estar avaliando linguagem. É o procedimento que melhor detecta as funções
comunicativas da linguagem, sendo extremamente útil para entender a natureza
complexa dos processos de aquisição de linguagem (Pérez, 1995). Também é o
procedimento que possibilita a avaliação de linguagem enquanto atividade, enquanto
ação sobre o outro, independente da oralidade (Hage, 1996).
Na avaliação através de observação comportamental não é possível padronizar
“o que é solicitado x o que é esperado”. Na verdade, quanto mais natural e
contextualizada for a interação, mais confiáveis serão os dados obtidos.
É importante ressaltar que apesar de ser a criança o objetivo da observação, o
foco de análise na avaliação não deve limitar-se aos comportamentos da mesma, mas
abranger a interação da qual emergiram. Assim, no que tange à linguagem, dentro de
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uma dimensão mais ampla, o foco de análise abrange as trocas comunicativas entre a
criança e o avaliador. A forma como o avaliador age, reage nas interações é importante
para o entendimento das ações comunicativas da criança.
Mas,
afinal,
quais
seriam
os
critérios
de
análise
numa
observação
comportamental? Que suporte teórico dariam sustentação aos mesmos?
A
observação
comportametal
pode
deter-se
em
dois
aspectos
do
desenvolvimento infantil, a atividade comunicativa e a atividade lúdica.
ATIVIDADE COMUNICATIVA
Uma criança que não está fazendo uso da linguagem oral, não significa que não
esteja na linguagem. Ao se conceber a linguagem enquanto atividade, um universo se
abre em termos de critérios de análise sobre a avaliação do comportamento
comunicativo infantil. Esses critérios tem sustentação nos estudos sobre a comunicação
pré-verbal
(Halliday, 1975; Bruner, 1978; Harding, 1983), e têm se mostrado bastante
úteis ao se avaliar crianças com alterações de linguagem que apresentam nenhuma (ou
restrita ) oralidade (Wetherby et al., 1989; Woodyatt e Ozanne, 1992).
A avaliação da atividade comunicativa pode envolver os seguintes critérios de
análise: intencionalidade, funcionalidade, participação em atividade dialógica, meios de
comunicação, habilidades práxicas articúlatórias e buco-faciais, nível de compreensão e
postura comunicativa dos pais.
Intencionalidade
Apesar da grande carga de subjetividade que traz o termo, é possível delimitar
indícios que indiquem se um comportamento tem intenção comunicativa ou não. Todo
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comportamento , dirigido ao outro, iniciando a interação ou respondendo a ela, pode ser
chamado de comunicativo intencional (Wetherby et al., 1988). Em geral esses
comportamentos podem ser: contato ocular e/ou contato físico (cutucar, agarrar, puxar o
outro), normalmente associados a gestos de apontar, vocalizações e verbalizações.
Quando uma criança dirige-se à porta e pára diante dela, não há indícios de
intencionalidade no seu comportamento (por
mais que se tenha certeza que ela quer
sair !!). Mas se ela, dirige-se à porta, pára diante dela, olha para alguém, aponta para a
porta e olha para alguém novamente, então, aí há indícios de comportamento
intencional. O “dirigir-se ao outro” é fundamental para garantir a presença de
intencionalidade na comunicação.
A
ausência
de
comportamentos
comunicativos
intencionais
são
bastante
significativos na clínica. Eles sinalizam para alterações de linguagem como parte de
Transtornos Invasivos do Desenvolvimento ou Déficits Intelectuais Severos.
Funcionalidade
A caracterização de diferenças funcionais no uso da comunicação também
auxilia no diagnóstico de alterações de linguagem. Crianças autistas, por exemplo,
quando apresentam algum nível de intencionalidade, em geral, dirigem-se ao outro para
obter algo do meio, demonstrando um nível de funcionalidade primitivo, instrumental.
Existem diversas descrições sobre funções comunicativas que podem ser
evidenciadas nos comportamentos comunicativos intencionais das crianças. Baseandose em Wetherby et al. (1988), três grandes categorias funcionais podem ser observadas:
Instrumental-regulatória: envolvem atos comunicativos
com a função de obter
algo do meio ambiente ou satisfazer uma necessidade física. A criança pode dirigir-se
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diretamente ao objeto desejado, mas demonstra aguardar que o outro lhe consiga o
objeto requerido através, por exemplo, da conjugação do olhar para o objeto e para a
pessoa. Essa categoria, além de incluir as funções comunicativas "solicitação de objeto"
e "solicitação de ação", inclui a função "protesto", ou seja, quando a criança faz uso de
ações e/ou vocalizações para solicitar o término de uma ação do outro não desejada.
Interação social: envolvem atos comunicativos com a função de obter a atenção
do outro. Esses comportamentos, em geral, são demonstrados quando a criança faz
alguma ação graciosa para o adulto (função "exibir-se"), quando chama a atenção dele
para que note sua presença (função "obtenção da atenção para si"), quando solicita do
adulto permissão para fazer algo (função "permissão") ou ainda quando cumprimenta o
adulto (função "cumprimento").
Atenção conjunta: envolvem atos comunicativos intencionais com a função de
compartilhar o foco de atenção com o outro. Esses atos são identificados quando a
criança dirige a atenção do adulto para um objeto, ação ou pessoa, que são foco de sua
atenção (aponta, mostra um determinado evento do meio ambiente), é a função
"comentário". Também fazem parte desta categoria atos comunicativos intencionais
com a função de obter informação sobre um objeto ou pessoa (função "informativa").
Grau de participação em atividade dialógica
Muitas vezes, a criança apresenta comportamentos comunicativos intencionais,
mas eles se apresentam de forma isolada: a criança inicia a interação, o outro reage, mas
ela não dá continuidade. Ou ainda, ela reponde à interação, mas não se engaja numa
atividade de troca que envolva vários turnos de ação.
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Crianças sem oralidade com alterações específicas de linguagem apresentam um
perfil comunicativo com intencionalidade e funcionalidade, mas, não é incomum um
engajamento restrito na atividade comunicativa. Esse engajamento restrito pode ocorrer
por vários motivos: baixo nível de atenção; constantes frustrações nas ações
comunicativas, por não conseguir expressar seus desejos, ou ainda; dificuldades de
compreensão da linguagem oral (Hage, 2000). Dessa forma, na clínica, tão importante
como saber se a criança apresenta comunicação intencional, é saber o grau de
engajamento numa atividade de troca e os motivos que levam a esse não engajamento,
pois, muitas vezes, o processo terapêutico deve se deter neste aspecto, antes de qualquer
outro tipo de trabalho.
Meios de comunicação
Quando a criança não faz uso de estruturas lingüísticas, ela pode se comunicar
de diversas formas: gestos indicativos, gestos representativos, vocalizações articuladas,
vocalizações não artic uladas, idiossincrasias, associados entre si ou a algumas poucas
palavras
isoladas.
desenvolvimento
Sabe-se que em torno de 18 meses,
normal
da
linguagem,
vão
substituindo
as crianças, com
gestos,
vocalizações,
idiossincrasias por palavras propriamente ditas. A insistência da criança naqueles meios
de comunicação merece investigação por parte do clínico.
Gestos representativos, mesmo que não apropriados para a faixa etária, quando
presentes na comunicação infantil, indicam melhor capacidade simbólica em relação ao
uso exclusivo de gestos indicativos , assim como o uso de palavras referenciais, mesmo
que isoladas e esporádicas, em relação ao uso de palavras contextuais (uso de palavras
ligadas ao contexto imediato).
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O padrão das vocalizações também é um aspecto importante a ser observado. A
constatação da ausência de vocalizações articuladas é um dos indicadores de quadro
grave de alteração de linguagem em crianças: dispraxia verbal desenvolvimental. Neste
quadro as vocalizações articuladas demoram a aparecer, assim como a própria
linguagem oral (Allen e Rapin, 1988). Quando existe oralidade, a fonologia e a sintaxe
estão sensivelmente prejudicados (Hage e Guerreiro, 2001). Assim, a identificação deste
tipo de distúrbio é imprescindível para
uma intervenção pr ecoce e direcionada às
dificuldades da criança. Nestes casos, quando demora-se muito a intervir, a linguagem
oral não se constitui.
Praxias articulatórias e buco-faciais
Mesmo sem oralidade, gestos articulatórios e movimentos buco-faciais podem
ser observados em crianças pequenas, a partir dos 3 anos de idade. Todavia, é
importante ressaltar que esse tipo avaliação não ocorre apenas através da observação. È
um tipo de avaliação que exige atividade dirigida, mesmo que realizada de forma lúdica.
Como foi salientado no item anterior a ausência de vocalizações articuladas é um dos
indicadores de dispraxia verbal desenvolvimental. A
práxicas
articulatórias
e
buco-faciais
é
mais
um
constatação de dificuldades
indicador
do
quadro
citado
anteriormente, que pode ser diagnosticado independente da oralidade.
Há protocolos disponíveis na literatura brasileira para avaliação desta natureza
(ver, por exemplo, Rodrigues, 1989). Cita-se o de Hage (2000): solicita-se da criança a
realização de seis movimentos de lábio, seis de língua, seis de face e seis articulatórios,
sendo atribuído 1 ponto para cada movimento (buco-facial e articulatório) executado
corretamente e nenhum ponto (0) para aqueles que não foram executados:
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Variável
Faixa etária
5
2
2
PRAXIAS
ARTICULATÓRIAS
3
a
5
2
3
3
a
5
3
3
4
3a6m a 4a5m
4 6m a 5a5m
5 6m ou mais
LÁBIO
LÍNGUA
FACE
Nível de compreensão
A compreensão envolve o reconhecimento de palavras, locuções e orações,
associado à capacidade de evocar os objetos, atos e relações que aquelas palavras,
locuções e orações representam. O ouvinte, para compreender, deve, em primeiro lugar,
reconhecer a língua, observar as relações existentes entre as palavras expressadas nas
locuções, deduzir o significado, tanto lexical como gramatical, mediante a evocação dos
objetos, ações ou relações da experiência passada que representam aquelas palavras,
locuções ou frases (Huttenlocher, 1974).
Apesar de se ter muito bem definido o que é compreender, a avaliação da
compreensão da linguagem oral não é uma tarefa fácil, pois ainda são escassas as
tentativas realizadas para descrever a compreensão das crianças ao longo do seu
desenvolvimento (Acosta et al., 1996). A maioria dos esforços tem-se concentrado em
documentar o desenvolvimento da produção. Ao se investigar a compreensão, deve-se
estar atento aos seguintes aspectos:
1. Qual tipo de resposta da criança indica que ela compreendeu o que foi solicitado.
Nas situações de conversação natural, em geral, as respostas podem ser: olhar, tocar,
mover-se em direção a, pegar, dar. Em situações de linguagem dirigida: assinalar
uma figura que represente uma frase ou uma palavra; escolher entre duas imagens a
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que represente uma frase ou uma palavra; realizar ações; realizar ações numa
determinada ordem temporal;
2. Qual o tipo de exigência da tarefa solicitada. Nas tarefas de assinalar ou apontar
figura com base na palavra ouvida, exige-se reconhecimento. Nas tarefas de
manipulação de objetos com base numa frase ouvida, exige-se reconstrução. Nas
tarefas de apontar entre duas figuras a que representa a frase ouvida, exige-se
julgamento;
3.
Qual a confiabilidade da resposta. Deve-se solicitar ao menos três vezes, em
momentos diferentes, a compreensão de uma determinado significado, pois, desta
forma, afasta-se a possibilidade de afiançar-se apenas numa coincidência.
Dois critérios de análise podem ser considerados ao avaliar a compreensão: nível
de representação e extensão dos enunciados.
As crianças pequenas apresentam um razoável nível de compreensão da
linguagem oral, antes mesmo de começarem a falar. Todavia, a compreensão limita-se
ao contexto imediato, ou ainda, entende comentários ou solicitações quando são
rotineiros e situacionais. Conforme a criança vai se desenvolvendo, seu entendimento
vai ganhando níveis maiores de representação. Obviamente, que a compreensão da
linguagem oral também está ligada ao reconhecimento fonológico, ao domínio das
regras morfossintáticas, a identificação lexical e a capacidade para entender o propósito
do interlocutor. Por
esta série
de variáveis é tão difícil avaliar a compreensão de
alguém! O não entendimento de uma instrução verbal, de um comentário passa por uma
série de processos perceptuais, cognitivos e socioculturais. Na condição de adulta e com
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razoável nível de instrução, me espanta, às vezes,
as minhas dificuldades de
compreensão!!!
Mesmo com todas essas considerações, não se justifica descartar a avaliação da
capacidade de compreensão infantil. Assim, é importante observar se a compreensão
das crianças está ainda fortemente ligada ao contexto imediato, numa idade onde já
esperaria um nível de compreensão mais independente do contexto.
Um outro aspecto a se considerar na compreensão da linguagem oral é a
extensão dos enunciados.
Como já foi salientado, a compreensão da linguagem oral também está
relacionada com as habilidades perceptivas auditivas, mais especificamente com a
memória fonológica de curto prazo. Crianças com alterações de linguagem podem ter a
memória fonológica de curto prazo mais limitada em relação às crianças normais e isso
as faz processar mais lentamente as informações lingüísticas que lhes chegam
(Gathercole, 1999). Dificuldades de compreensão da linguagem oral podem, então,
estar relacionadas com a dificuldade em processar enunciados longos e emitidos com
rapidez.
Dessa forma, é importante estar atento ao entendimento das crianças à instruções
que envolvam enunciados curtos, longos e mesmo instruções ditas discursivas, como é o
caso da compreensão de estórias e regras de um jogo.
Postura comunicativa dos pais
O processo de aquisição de linguagem está de um lado, condicionado à
constituição anátomo-fisiológica do sistema nervoso, e de outro, a qualidade das trocas
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que ocorrem entre a criança e o seu meio social. Assim, a postura comunicativa dos
cuidadores (à princípio, os pais) tem um papel importante na aquisição da linguagem
oral.
Na entrevista com os pais ou até mesmo na observação da interação entre eles e
a criança, pode-se considerar:
Domínio do tópico de conversação. Quem domina o tópico de conversação?
“Está tudo dominado” pelo adulto? É sempre ele que inicia os temas de conversação,
usando um grande número de imperativos e perguntas?
Se está dando a chance da
criança fazer algum comentário ou informar algo, mesmo que por meios comunicativos
não-verbais?
Habilidades conversacionais. Como estão as habilidades dos pais para troca de
turnos numa conversação? Os pais sabem aguardar os turnos das crianças, mesmo que
os
mesmos
estejam
sendo
preenchidos
por
vocalizações?
possibilidades de resposta das crianças, com reformulações
Eles
ampliam
as
e expansões, que tanto
auxiliam no processo de aquisição da linguagem?
Nível de interpretação da comunicação da criança. Os pais conseguem
compreender os esforços das crianças em se fazer entendidas? Ou, ao contrário,
compreendem demais, ao ponto da criança fazer uso de meios comunicativos, o mínimo
possível?
Apesar destes aspectos serem relevantes para entender
como anda a postura
comunicativa dos pais em relação à criança, é importante lembrar que uma possível
inadequação da atuação familiar pode ser o resultado de uma interação na qual as
dificuldades da própria criança contribuem para uma forma de relação pouco
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estimuladora. Em razão das poucas respostas que a criança dá, os pais podem se sentir
pouco estimulados a estimular a criança (Zorzi, 1993).
Quando a causa do atraso do aparecimento da oralidade tem origem interacional,
não é só os adultos que tem responsabilidade, mas a criança também, pois ela,
provavelmente, não está contribuindo para uma relação de reciprocidade. Contudo,
apesar da criança ter sua parcela de responsabilidade nas interações pouco eficazes, não
é a ela que cabe o papel de modificar as interações, e sim ao adulto, que, à princípio,
tem mais discernimento e maturidade para buscar relações mais eficazes.
ATIVIDADE LÚDICA
A aquisição de linguagem é um processo contextualizado, faz parte do
conhecimento de mundo sobre as pessoas, as ações, os sentimentos, os eventos do meio.
É um processo influenciado pela motivação, pela experiência com o outro e está
intimamente ligado à outras habilidades semióticas e cognitivas (Chapman, 1996). O
aparecimento da linguagem faz parte de uma série de transformações no comportamento
da criança, marcadas pelo aparecimento de condutas simbólicas e de transformações
correlatas na forma de compreender e interagir com o mundo (Zorzi, 1999).
A linguagem é uma atividade comunicativa, com função social, mas é também
uma atividade representativa, na
medida que permite evocar ações, pessoas, objetos
ausentes.
Na criança, as primeiras manifestações da capacidade simbólica, inerente ao ser
humano, ocorrem através da linguagem oral e do brincar simbólico. Quando a
linguagem oral não aparece, não é incomum as crianças também apresentarem atraso na
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atividade simbólica sobre o brinquedo. Dessa forma, a avaliação fonoaudiológica deve,
sempre, independente de ter uma criança diante de si com oralidade, incluir a atividade
lúdica, considerando a intrínseca relação entre a capacidade de representar o mundo
através da fala e do faz de conta. Aliás, esse tipo de avaliação auxilia consideravelmente
no diagnóstico diferencial de crianças com Atraso no Desenvolvimento da Linguagem
daquelas com Atraso de Linguagem como parte de um déficit mais global do
desenvolvimento.
Mas quais seriam os critérios de análise da atividade lúdica?
Quando a criança manipula os objetos é possível observar o tipo e freqüência da
ação sobre o brinquedo: se as ações estão restritas a uma manipulação sensório-motora
ou se o brincar já atingiu algum nível simbólico, ou seja, se a criança dá funcionalidade
aos brinquedos, se imita ações que ocorrem no seu dia-dia, se coordena seqüências de
ações. È importante verificar também quais as ações que predominam na atividade
infantil: se as sensórios-motoras ou as
simbólicas. Um outro critério de análise é a
forma de manipulação sobre os brinquedos: se ela é rápida e desinteressada, ou ainda, se
a exploração já atingiu um nível de maior atenção sobre os objetos. Isto pode ser
observado quando a criança experimenta os brinquedos das mais variadas formas
(Zorzi, 1993).
APLICAÇÃO DE ESCALAS DE DESENVOLVIMENTO
As escalas de desenvolvimento refletem os principais ganhos ao longo do
desenvolvimento e tem o objetivo de determinar o nível evolutivo específico da criança.
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O nível de evolução da criança é obtido através de dados relatados sobre o
desenvolvimento
da
criança
(normalmente
os
pais)
que,
posteriormente,
são
comparados com uma escala. Os dados também podem ser obtidos a partir da
observação direta sobre o comportamento da criança quando solicitada a realizar
determinadas tarefas que reflitam as condutas específicas que se mostram na escala.
As escalas são freqüentemente utilizadas na avaliação de crianças com menos de
três anos com o intuito de detectar, precocemente, alterações no desenvolvimento da
linguagem,
principalmente
quando
se
tem
dúvidas
sobre
a
evolução
desse
desenvolvimento. Podem-se citar algumas delas: ELM - Early Language Milestone
Scale, Coplan (1982); BSID-II- Bayley Scale Infant Development, revisada, (Bayley,
1993). Todavia, há escalas que podem ser aplicadas em crianças com mais de 3 anos.
Uma dessas escalas, bastante utilizada para detecção precoce de transtornos do
desenvolvimento, incluindo alterações do desenvolvimento da linguagem, é o DDST Denver Developmental Screening Test. (Frankenburg e Dodds, 1967). Abrange a faixa
etária de 0 a 6 anos de idade. É de fácil aplicação e pode ser usado por profissionais da
área da saúde e/ou da educação. Baseia -se na observação direta do que a criança pode
fazer e no relato dos pais. É composto de quatro grandes áreas: conduta social,
motricidade fina e adaptação, linguagem e motricidade grossa.
Uma escala semelhante é a de Gesell e Amatruda (1989), abrange também a
faixa etária de 0 a 6 anos e pode ser aplicada pelos diversos profissionais da área da
saúde, incluindo o fonoaudiólogo. As áreas avaliadas são: comportamento adaptativo
(ajustes
viso-motores
para
solução
de
problemas);
comportamento
pessoal-social
(reações pessoais à cultura social); comportamento motor grosseiro (postura, equilíbrio,
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marcha); comportamento motor delicado (preensão e manipulação dos objetos) e
comportamento de linguagem.
Mas quais seriam as vantagens do fonoaudiólogo incluir nos seus procedimentos
de avaliação a aplicação de escalas de desenvolvimento? Algumas, bem interessantes.
Primeiro, as escalas foram aplicadas num número grande de crianças e, dessa
forma, fornecem parâmetros de normalidade bastante confiáveis e objetivos.
É importante lembrar que o fonoaudiólogo lida com uma das funções mentais
superiores mais complexas da natureza humana, onde é difícil estabelecer uma
metodologia de avaliação que possa ser utilizada com crianças de diferentes níveis
sociais e de uma ampla faixa etária. A linguagem tem um natureza altamente
qualitativa, de difícil quantificação. Assim, instrumentos, um pouco mais objetivos e
que não se restrinjam só a linguagem, quando bem aplicados e bem interpretados,
contribuem para o entendimento das alterações do desenvolvimento infantil, incluindo o
desenvolvimento da linguagem.
Segundo, como as escalas podem ser aplicadas por diferentes profissionais da
área da saúde, este fato dá ao fonoaudiólogo uma certa autonomia para o diagnóstico
das alterações de linguagem em crianças, pois a escala contribui para evidenciar se o
atraso de linguagem é específico ou faz parte de alterações mais globais do
desenvolvimento. E isso é muito bom, pois fornece subsídios para diagnóstico
diferencial e dirige melhor as possíveis condutas terapêuticas.
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