O amor através das canções
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O amor através das canções
66 Crônica O Amor... através das canções Por Waldir Bíscaro S eria assim o amor? A primeira canção de que me lembro e que falava de amor, assim começava: Amar É um sonho eterno Cheio de ilusões Envolto num mistério De venturas mil Amar É um holocausto de palpitações Que nasceu dentro d’alma Em silêncio febril! O nome dessa canção: Retalhos d´alma – seu autor: Gastão Formenti (?) 1935 Era minha mãe que cantava. Costurava e cantava. Nunca ouvi essa canção pelo rádio, a letra completa a encontrei há alguns anos. Fiquei curioso em saber como essa coisa de amor teria sido tratada em outras canções. Tenho comigo alguns livros que trazem letras e autores de canções e serestas e foi lá que busquei o que pretendia. Em “Lágrimas”, de Cândido das Neves, 1942, ouvimos: REVISTA PORTAL de Divulgação (São Paulo), 33, Ano III, jun. 2013. ISSN 2178-3454. www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista 67 Mas, quem quiser amar, Certo há de chorar, Há de sentir morrer o coração Porque o amor sendo belo, falaz Como os ais Se desfaz Em ilusão... Mas há aqueles que se contentam com a ilusão do amor, como Custódio Mesquita e Mario Lago, em “Nada Além”: Se o amor Só nos causa sofrimento e dor É melhor, Bem melhor a ilusão do amor Eu não quero e não peço Para o meu coração Nada além de uma linda ilusão Caymmi se pergunta em “Nem Eu” Quem inventou o amor Não fui eu, não fui eu Nem ninguém O amor acontece na vida... O mesmo Caymmi ensina, em “Só Louco”: Porque de amor para entender É preciso amar... Como vemos, nossos cancioneiros vestem o amor com roupagens de ilusão, de sonho e essa imagem vamos encontrá-la na maioria das canções. É provável que a rima mais escolhida pelos poetas populares para parceira de amor seja ela: dor. Em “Mimi” (1933), Uriel Lourival assim encerra seus versos: Mas que importa a dor? Se em mim deixaste a luz Breviário inspirador Dos poemas da bíblia do amor! A dor já havia aparecido em 1932, em “Uma noite cheia de estrelas”, tangocanção de Cândido das Neves: Só tu dormes, não escutas o teu cantor Revelando à lua airosa A história dolorosa REVISTA PORTAL de Divulgação (São Paulo), 33, Ano III, jun. 2013. ISSN 2178-3454. www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista 68 Desse amor. É interessante ver como os poetas se preocupam em definir o amor. Catulo da Paixão Cearense, na canção: “Ontem, ao Luar” (1917): Se tu desejas saber o que é o amor E sentir o seu calor O amaríssimo travor Do seu dulçor; Sobe um monte à beira-mar, Ao luar; Ouve a onda sobre a areia A lacrimar. Em “Rapaziada do Brás” (1960), Alberto Marino canta a fugacidade do amor e a lembrança do amor perdido: Sonhar, deixe-me sonhar Lembrando aquele amor fugaz; Tão somente uma recordação Restou daquele grande amor Daquelas noites de luar Daquela juventude em flor E uma saudade imensa É tudo quanto resta ao velho trovador. Na valsa-serenata: “Revendo o Passado”(1933), Freire Junior já falava de saudades do amor perdido: Recordar é sofrer Saudades do passado. Um sonho que viveu Em nosso coração De um amor que morreu, Deixando uma cruel paixão Orestes Barbosa em “Serenata” (1934): E o meu coração, feito em pedaços Vai sorrindo ao teu amor Mascarado desta dor. Nem Vinicius escapou das dores do amor, Em “Serenata do Adeus” (1955) Cai a noite sobre o nosso amor E agora só restou do amor REVISTA PORTAL de Divulgação (São Paulo), 33, Ano III, jun. 2013. ISSN 2178-3454. www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista 69 Uma palavra: adeus! Cravas farpas no meu peito em dor Esvai em sangue todo o amor, Toda a desilusão. Ai! que amar é se ir morrendo pela vida afora; É refletir na lágrima um momento breve De uma estrela pura Cuja luz morreu Numa noite escura Triste como eu... De novo vamos encontrar Orestes e seu grande parceiro Sylvio Caldas envoltos nas amarguras do amor. Na canção “Soluços” (1935): Quisera, na amargura deste canto, Cristalizar as lágrimas de dor E vê-la no cristal deste meu pranto Sorrindo ao funeral do meu amor. Na valsa “Não Quero Saber”, Mario Lago cantou um amor, digamos, heróico: Tudo és para mim Sou feliz assim Infeliz por te amar demais Se há mentira nos teus lábios Nos teus olhos O que fazer? Eu prefiro sofrer te amando Do que deixar de te amar E sofrer... Nem sempre o amor se confunde com o eterno companheiro da dor. Já Castro Alves nos versos do “Gondoleiro do Amor”, cantava: Teu amor na treva é um astro, no silêncio, uma canção É brisa nas calmarias, é abrigo no tufão Por isso eu te amo, querida, quer no prazer, quer na dor Rosa! Canto! Sombra! Estrela! Do gondoleiro do amor. Tom e Vinicius também assim perceberam o amor em “Garota de Ipanema”: Ah! Se ela soubesse Que quando ela passa O mundo sorrindo Se enche de graça E fica mais lindo REVISTA PORTAL de Divulgação (São Paulo), 33, Ano III, jun. 2013. ISSN 2178-3454. www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista 70 Por causa do amor! Outro que descobriu a força regeneradora do amor, Paulinho da Viola, em “Um Rio que Passou em Minha Vida” Meu coração tem mania de amor Amor não é fácil de achar A marca dos meus desenganos Ficou, ficou Só o amor pode apagar. Podemos encerrar trazendo sangue novo para essa crônica, Roberto Carlos em “Emoções”: Sei tudo que o amor é capaz de me dar Eu já sofri, mas não deixo de amar... E ainda, Sylvio César, em “O Moço Velho”: Eu sou alguém livre Não sou escravo E nunca fui senhor Eu simplesmente sou um homem Que ainda crê no amor! Depois de tanto sonho, tanta ilusão, tanta amargura, nada melhor que um ato de fé no tão cantado e encantado amor. Data de recebimento: 28/04/2013; Data de aceite: 28/04/2013. _____________________________ Waldir Bíscaro - Filósofo e psicólogo e ex-professor de Psicologia do Trabalho na PUC/SP. E-mail: [email protected] REVISTA PORTAL de Divulgação (São Paulo), 33, Ano III, jun. 2013. ISSN 2178-3454. www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista